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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS


MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ETHOS GUERREIRO POLICIAL MILITAR

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

ANTONIO FERNANDES DA COSTA NETO


Rio de Janeiro – 2022
ANTONIO FERNANDES DA COSTA NETO

ETHOS GUERREIRO POLICIAL MILITAR

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de


Mestrado Profissional em Administração Pública da
Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas
(EBAPE/FGV), como requisito parcial para obtenção
do Grau Mestre em Administração Pública.

Orientadora: Prof. Dra. Joana da Costa M. Monteiro

Rio de Janeiro - 2022


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Costa Neto, Antonio Fernandes da


Ethos guerreiro policial militar / Antonio Fernandes da Costa Neto. -
2022.

93 f.

Dissertação (mestrado) – Escola Brasileira de Administração Pública e de


Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.
Orientador: Joana da Costa M. Monteiro.
Inclui bibliografia.

1. Rio de Janeiro (Estado). Polícia Militar. 2. Ética militar. 3. Violência


policial. 4. Combate nas ruas (Ciência militar). I. Monteiro, Joana. II. Escola
Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação
Acadêmica e Pesquisa. III. Título.

CDD – 363.2

Elaborada por Maria do Socorro Almeida – CRB-7/4254


Agradecimentos

Sou grato aos meus pais pela dedicação e por seus esforços em me oferecer a melhor educação
que podiam.

Sou grato ao Heitor, meu amado filho, por me alegrar diariamente com sua felicidade
contagiante.

Sou grato a Raquel, minha esposa, pela companhia, dedicação e amor nos mais de 20 anos
juntos.

Sou grato a Dra. Célia Cristina, responsável pelo meu desenvolvimento racional e pela
orientação e ajuda que possibilitou a conclusão desse trabalho.

Sou grato à minha orientadora, Dra. Joana da Costa Martins Monteiro, pelo cuidado e pela
dedicação diligente, mesmo com o enorme desafio de aceitar a orientação de uma pesquisa em
andamento.

Sou grato ao Coronel e Dr. Márcio Pereira Basílio pelas diversas horas de orientação e por ser
um comandante com entendimento acadêmico suficiente para que eu pudesse cursar o Mestrado
e concluir a pesquisa.

Sou grato ao meu atual chefe Coronel e Dr. Max William pelas conversas e críticas construtivas,
e, ainda, por entender as dificuldades da reta final do mestrado, disponibilizando o tempo
necessário para a conclusão.

Sou grato ao Dr. Renato Lima por aceitar participar desta banca de mestrado.

Sou grato aos integrantes da Banca de defesa desta Dissertação, por dedicar seu tempo ao
desenvolvimento científico do país.

Sou grato à FGV e ao seu corpo docente por proporcionar um curso de excelente qualidade.

Sou grato à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e todo o seu efetivo por tornar essa
pesquisa possível.
RESUMO
Objetivo – Este estudo tem como objetivo analisar a prevalência do ethos guerreiro entre
policiais militares do Rio de Janeiro. Analisa-se a cultura policial militar, e a percepção do
policial militar no exercício de sua função frente à concepção de uso moderado da força.
Metodologia – Realizamos um levantamento bibliográfico e uma pesquisa survey, com 1164
policiais militares.
Resultados – A pesquisa concluiu que o ethos guerreiro é uma perspectiva hegemônica
prevalente entre policiais militares do estado do Rio de Janeiro. Em particular, as afirmações
dos policiais indicam a prevalência de uma cultura de combate ao inimigo, que alimenta o ideal
do ethos guerreiro. Por outro lado, houve elementos para afirmar a existência significativa de
sujeitos alinhados com a perspectiva de segurança pública cidadã.
Limitações – O limite prático do método é a impossibilidade de saber se os policiais que
responderam são representativos da visão geral da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro,
dado que só um percentual respondeu à pergunta. Outra limitação é que, apesar de esse ser um
pensamento relevante na Corporação, nada pode ser dito sobre como ele foi constituído, em
particular se a PMERJ cria esse ethos ou se seleciona pessoas com esse tipo de pensamento.
Contribuições práticas – A compreensão acerca dos fundamentos ideológicos que sustentam
a cultura policial militar, auxilia no entendimento da prevalência de uma cultura de combate o
inimigo, abrindo espaço para a implantação de políticas públicas específicas, como a criação
do perfil profissiográfico sugerido nessa dissertação, que pode contribuir para mitigar a
ideologia de combate prevalente na Instituição.
Contribuições sociais – Explicar aspectos culturais institucionais e desmistificar discursos
presentes no senso comum é uma forma de contribuir para o desenvolvimento de uma
perspectiva de segurança pública mais alinhada com os Direitos Humanos e com o Estado
democrático.
Originalidade – Esta é uma pesquisa inédita, uma vez que não encontramos publicações de
pesquisas que analisem a prevalência do ethos guerreiro na percepção do policial militar sobre
sua própria atividade, em nenhum estado do território nacional.
Palavras-chave: ética policial militar; cultura policial; uso excessivo da força; violência
policial militar; Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Categoria do Artigo: Dissertação de Mestrado
ABSTRACT

Purpose - This study aims to analyze the prevalence of the warrior ethos among military police
officers in Rio de Janeiro. The military police culture is analyzed, and the perception of the
military police in the exercise of their function in the face of the concept of moderate use of
force.
Methodology – We carried out bibliographic and documentary research and a survey with 1164
military police officers.
Findings - The research concluded that the warrior ethos is a hegemonic perspective prevalent
among military police officers in the state of Rio de Janeiro. In particular, the police officers'
statements indicate the prevalence of a culture of fighting the enemy, which feeds the ideal of
the warrior ethos. On the other hand, there were elements to affirm the significant existence of
subjects aligned with the perspective of citizen public security.
Research Limitations - The practical limit of the method is the impossibility of knowing
whether the police officers who responded are representative of the general view of the Military
Police of the state of Rio de Janeiro, given that only a percentage answered the question.
Another limitation is that, despite this being a relevant thought in the Corporation, nothing can
be said about how it was constituted, in particular if the PMERJ creates this ethos or if it selects
people with this type of thought.
Practical contributions – Understanding the ideological foundations that support the military
police culture helps to understand the prevalence of a culture of fighting the enemy, opening
space for the implementation of specific public policies, such as the creation of the professional
profile suggested in this dissertation, which can contribute to mitigate the ideology of combat
prevalent in the Institution.
Social contributions - Explaining institutional cultural aspects and demystifying discourses
present in common sense is a way of contributing to the development of a public security
perspective that is more aligned with Human Rights and the democratic State.
Originality – This is an unpublished research, since we did not find research publications that
analyze the prevalence of the warrior ethos on the military police officer perception of his own
activity, in any state of the national territory.
Keywords: Military Police Ethics; Warrior ethos; Police Culture; Excessive use of force of
force; and Military Police Violence.
Paper category: Masters Dissertation.
LISTA DE SIGLAS

APrev Operação de Ação Preventiva

ARep Operações de Ação Repressiva

BA Bahia

BDTD Banco Nacional de Dissertações e Teses Digitais

BOPE Batalhão de Operações Especiais

BPChq Batalhão de Choque

CAEs Coordenadoria de Assuntos Estratégicos

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

CBO Classificação Brasileira de Ocupações

CFSD Curso de Formação de Soldados

COE Comando de Operações Especiais

CPA Comando de Policiamento de Área

CPAM Comando de Policiamento Ambiental

CPE Comando de Policiamento Especial

CPP Comando de Polícia Pacificadora

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

DF Distrito Federal

D-9 Diretriz Geral de Ensino e Instrução da Polícia Militar do Estado

EB Exército Brasileiro
EMG Estado Maior Geral

EUA Estados Unidos das Américas

FNPS Fundo Nacional de Segurança Pública

GRP Guarda Real de Polícia

IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

IN Instrução Normativa

INPP Instrução Normativa de Polícia de Proximidade

ISP Instituto de Segurança Pública

MG Minas Gerais

ODS Objetivo de Desenvolvimento Sustentável

ONU Organização das Nações Unidas

OpFisc Operações de Fiscalização de Condutores Veículos

PA Pará

PAMESP Patrulhamento motorizado específico

PATAMO Patrulhamento tático motorizado

PB Paraíba

PE Pernambuco

PMERJ Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

PNSP Plano Nacional de Segurança Pública

POC Policiamento Ostensivo Complementar

POE Policiamento Ostensivo Extraordinário


POG Policiamento Ostensivo Gera

POO Policiamento Ostensivo Ordinário

PRONASCI Programa Nacional de Segurança com Cidadania

Ptr Mont Patrulhamento Montado

RJ Rio de Janeiro

RN Rio Grande do Norte

RP Rádio Patrulha

RS Rio Grande do Sul

SC Santa Catarina

SciELO Scientific Electronic Library Online

SEI Sistema Eletrônico de Informação

SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública

SP São Paulo

SUSP Sistema Único de Segurança Pública

UPP Unidade de Polícia Pacificadora


LISTA DE TABELAS

TABELA 1: COMPARAÇÃO ENTRE NÚMERO DE SUJEITOS PESQUISADOS E DO


EFETIVO POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, POR ÁREA DE
LOTAÇÃO – 2022 ........................................................................................................... 51
TABELA 2: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS
PERGUNTAS ABERTAS - 2022 .................................................................................... 75
TABELA 3: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS
PERGUNTAS ABERTAS – CATEGORIA CIDADÃ- 2022 .......................................... 76
TABELA 4: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS
PERGUNTAS ABERTAS – CATEGORIA PRAGMÁTICA- 2022 ............................... 77
TABELA 5: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA POR
ÁREA DE RESIDÊNCIA – 2022 .................................................................................... 79
TABELA 6: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA POR
ÁREA DE LOTAÇÃO – 2022 ......................................................................................... 80
TABELA 7: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA POR
ATIVIDADE DESEMPENHADA – 2022....................................................................... 81
TABELA 8: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
FERIDOS OU NÃO POR ARMA DE FOGO – 2022 ...................................................... 82
LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: Nº DE TRABALHOS CIENTÍFICOS LEVANTADOS POR ACERVO – 2022


.......................................................................................................................................... 22
GRÁFICO 2: Nº DE TRABALHOS CIENTÍFICOS LEVANTADOS POR PALAVRA-
CHAVE - 2022 ................................................................................................................. 23
GRÁFICO 3: Nº DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS LEVANTADAS SOBRE CULTURA
POLICIAL - POR ESTADO DA FEDERAÇÃO – 2022 ................................................. 24
GRÁFICO 4: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR POSTO E GRADUAÇÃO PM – 202253
GRÁFICO 5: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR SEXO– 2022 ...................................... 54
GRÁFICO 6: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR FAIXA ETÁRIA – 2022 .................... 55
GRÁFICO 7: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR TEMPO DE SERVIÇO – 2022 .......... 56
GRÁFICO 9: NÚMERO PARTICIPANTES POR ÁREA DE RESIDÊNCIA – 2022 ............ 57
GRÁFICO 10: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS POR ÁREA DE
SUBORDINAÇÃO DOS PARTICIPANTES – 2022 ...................................................... 58
GRÁFICO 11: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS POR ÁREA DE ATIVIDADE
ATUAL DOS PARTICIPANTES – 2022 ........................................................................ 59
GRÁFICO 12: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE CARACTERÍSTICAS DE UM BOM
POLICIAL – 2022 ............................................................................................................ 60
GRÁFICO 13: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE CARACTERÍSTICAS DE UM MAU
POLICIAL – 2022 ............................................................................................................ 61
GRÁFICO 14: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE PARTICIPARAM DE
TROCA DE TIRO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR – 2022 .................. 62
GRÁFICO 15: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE FORAM ALVEJADOS
POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR –
2022.................................................................................................................................. 63
GRÁFICO 16: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE TIVERAM ALGUM
INTEGRANTE DE SUA GUARNIÇÃO ALVEJADO POR PROJÉTIL DE ARMA DE
FOGO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR – 2022 ..................................... 64
GRÁFICO 17: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE JÁ ALVEJOU ALGUÉM
COM PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR
– 2022 ............................................................................................................................... 65
GRÁFICO 18: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE O SENTIMENTO EM UMA OCASIÃO
QUE LEVASSE O SUJEITO INVESTIGADO A ALVEJAR ALGUM CRIMINOSO –
2022.................................................................................................................................. 66
GRÁFICO 19: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE COMO O SUJEITO INVESTIGADO SE
SENTIU OU SE SENTIRIA EM UMA OCASIÃO QUE O LEVASSE A ALVEJAR
ALGUM INOCENTE – 2022........................................................................................... 67
GRÁFICO 20: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL OPÇÃO QUE MAIS
CARACTERIZA A FUNÇÃO DA POLÍCIA MILITAR – 2022 .................................... 68
GRÁFICO 21: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL A OPÇÃO QUE MAIS
CARACTERIZA O PAPEL DO POLICIAL MILITAR DURANTE A ATIVIDADE DE
POLICIAMENTO ORDINÁRIO – 2022 ......................................................................... 69
GRÁFICO 22: NÚMERO DE RESPOSTAS DO ENTENDIMENTO SOBRE O
TRATAMENTO DE ALGUÉM QUE COMETEU UM CRIME DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO – 2022 ................................................................................... 70
GRÁFICO 23: NÚMERO DE RESPOSTAS DO ENTENDIMENTO SOBRE O
TRATAMENTO DE ALGUÉM QUE COMETEU UM CRIME DE MAIOR POTENCIAL
OFENSIVO – 2022 .......................................................................................................... 71
GRÁFICO 24: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL OPÇÃO ESTÁ MAIS
ALINHADA COM O ENTENDIMENTO DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
– 2022 ............................................................................................................................... 72
GRÁFICO 25: NÚMERO DE RESPOSTAS DO SUJEITO INVESTIGADO SOBRE SUA
OPINIÃO SE A ATIVIDADE POLICIAL MILITAR É EXECUTADA CONFORME OS
PROTOCOLOS DE POLICIAMENTO ORDINÁRIO – 2022........................................ 73
GRÁFICO 26: PERCENTUAL DE RESPOSTAS SOBRE DEFINIÇÃO DO SERVIÇO
POLICIAL MILITAR EM UMA FRASE – 2022 ............................................................ 78
GRÁFICO 27: SÉRIE HISTÓRICA SOBRE A CONCEPÇÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA
DOS PARTICIPANTES POR TEMPO DE SERVIÇO – 2022........................................ 83
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15
Capítulo 1 – Metodologia ........................................................................................................ 17
1.1. Objetivos da pesquisa ............................................................................................ 18
1.1.1. Objetivo Geral: analisar a prevalência do ethos guerreiro sobre a percepção
do policial militar no exercício de sua função. ................................................................ 18
1.1.2. Específicos: ......................................................................................................... 18
1.1.2.1. Revisar o conceito de ethos guerreiro através de produção científica e teórica
sobre cultura no trabalho policial militar; ...................................................................... 18
1.1.2.2. Explicar os parâmetros legais nacionais e estaduais para atuação das polícias
militares e da PMERJ; ...................................................................................................... 18
1.1.2.3. Examinar os protocolos da PMERJ para atuação na preservação da ordem
pública com uso da força;.................................................................................................. 18
1.1.2.4. Analisar a compreensão do policial militar acerca de sua atividade laboral
frente ao desenvolvimento do Estado democrático; ....................................................... 18
1.1.2.5. Investigar os motivos de possível inadequação entre o comportamento de
combate do policial militar e os limites impostos por pactos internacionais no uso da
força pelo Estado. ............................................................................................................... 18
1.2. Hipóteses ................................................................................................................. 18
1.3. Pesquisa Survey ...................................................................................................... 19
1.4. Levantamento Bibliográfico .................................................................................. 21
Capítulo 2 – Referencial Teórico............................................................................................ 25
2.1. Ética e o Ethos Guerreiro ...................................................................................... 25
2.2. Cultura Policial Militar ......................................................................................... 29
2.3. Força Policial, Direitos Humanos e Estado Democrático de Direito................. 31
2.4. Temáticas presentes na produção acadêmica levantada .................................... 35
2.5. Segurança Pública, Polícia Militar e Marcos legais ............................................ 40
2.5.1. Modelos de Patrulhamento ............................................................................... 46
Capítulo 3 – Ethos guerreiro e a atividade policial militar no Rio de Janeiro ..................... 51
3.1. Perfil dos policiais participantes ........................................................................... 51
3.2. Percepção do Policial militar sobre a sua própria função.................................. 59
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 84
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 89
15

INTRODUÇÃO

As polícias militares brasileiras têm sua origem na Guarda Real de Polícia (GRP),
instituída em 1809, no Rio de Janeiro, com a chegada da Família Real no Brasil. Sua
organização hierárquico-disciplinar, a partir do início do século XX, passa a ter como modelo
as Forças Armadas, tornando-se braço do Exército Brasileiro (EB), o que afetou seu desenho,
formação e visão. Esse fato impulsionou, desde sua criação, a formação dos policiais militares
a partir de uma pedagogia pautada na lógica do combate ao inimigo, minimizando a ideia de
proteção do cidadão e de guardião do Estado.

Em tese, mesmo com a Constituição democrática de 1988, indicando a necessidade de


mudança, ao determinar que o papel da polícia é preservar a ordem pública e fazer polícia
ostensiva, as polícias militares continuam como força auxiliar do Exército Brasileiro (EB), por
imposição constitucional (BRASIL, 1988 – Art. 144 § 6º). Esse fato, além de contrariar o
movimento da reforma nacional democrática, faz com que se observe no dia a dia muitas
indicações de que a visão militar do policial ainda é preponderante e a existência de um ethos
guerreiro, entendido como um conjunto de valores, costumes e hábitos, com um recorte
temporal e espacial, que fazem relação com a guerra, é prevalente na cultura organizacional da
Corporação.

O objetivo dessa dissertação é identificar qual prevalente segue essa visão da cultura
do ethos guerreiro sobre a percepção do policial militar no exercício de sua função de defensor
da cidadania. Para isso, o método escolhido para alcance dos objetivos da pesquisa partiu de
uma pesquisa bibliográfica e survey, cujos instrumentos de coleta foram a documentação, o
levantamento e questionário aplicado a policiais da PMERJ. A partir da documentação,
construímos uma bibliografia que nos auxiliou tanto na construção do referencial teórico,
quanto na revisão de literatura e na análise de documentos institucionais que serviram de base
para compreensão dos parâmetros oficiais da PMERJ inerentes à problemática investigada.

A pesquisa debate as tensões da prevalência do ethos guerreiro na PMERJ,


principalmente com o momento histórico que vivemos, onde percebemos um resgate do
discurso autoritário como solução para os graves problemas na área de segurança pública do
Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro. Embora, a realidade concreta evidencie que tal
discurso pareceu ter permanecido silencioso no que diz respeito aos palanques políticos, a
prática de ações autoritárias continuou a ser promovidas cotidianamente. Contudo, o resgate do
16

discurso autoritário, de promoção de morte ao invés de preservação da segurança, nas


plataformas políticas, evidencia a relevância social, institucional, científica e pessoal desta
pesquisa.

Essa dissertação está organizada da seguinte forma. Além dessa introdução, o primeiro
Capítulo, descreve a base conceitual do quadro teórico necessário para discussão do assunto
com a ideia de ethos guerreiro, além dos resultados da revisão de literatura realizada a partir da
coleta e sistematização dos trabalhos acadêmicos encontrados. O segundo Capítulo, contém a
organização da metodologia utilizada na pesquisa. O terceiro Capítulo, contém a análise dos
resultados do levantamento realizado a partir de questionários aplicados a mais de mil policiais
militares do Rio de Janeiro. Nesse questionário, buscamos compreender o entendimento desses
policiais acerca de seu perfil profissional. Para isso, foram organizadas 24 questões, distribuídas
em dois eixos. O primeiro eixo de questões foi organizado para entender o perfil do participante
da pesquisa e o segundo eixo para coletar dados sobre o entendimento desse policial acerca de
sua própria atividade e da função do policial em um Estado democrático.

Por fim, concluímos que o ethos guerreiro é prevalente na percepção do policial


militar sobre própria atividade. Com isso, podemos perceber que o ethos guerreiro é o
fundamento ideológico que apresenta mais concordância com as respostas dos policiais
investigados pela pesquisa, apesar dessa tendência não se apresentar de forma linear na
Corporação, manifestando distorções de cunho geográfico, de lotação e de tempo de serviço,
evidenciando a existência de movimentos de tensão entre concepções de segurança pública.
Podemos identificar também que policiais que identificam sua função com a ideia de combater
o inimigo, em detrimento de preservar a ordem pública, tendem a distorcer a percepção
subjetiva da própria atividade, além de indicar respostas mais voltadas a ações policiais
violentas.
17

Capítulo 1 – Metodologia

A escolha dos métodos está intrinsecamente relacionada à ideia de conhecimento que


fundamenta o trabalho do pesquisador. Entendemos que o conhecimento é a compreensão da
realidade concreta, em suas inúmeras contradições, portanto, não pode ser representado apenas
pelo discurso, mas pela contraposição entre discurso e materialidade. Compreendendo o
humano como parte integrante do processo de elaboração de conhecimento, temos que
considerar suas formas de compreensão do mundo que está atrelada à sua cultura, religião,
gostos pessoais, inclinações políticas, classe social, interesses pessoais etc., enfim, sua práxis
histórica. Portanto, o conhecimento é sempre produto dessa relação entre aspectos mais
subjetivos do humano com o fenômeno ou objeto investigado.

A pesquisa bibliográfica possibilitou o aprofundamento teórico acerca do objeto desta


pesquisa, a partir da organização do referencial teórico que apresentamos no Capítulo 2 desta
Dissertação. Com isso, foi possível a análise teórica de alguns conceitos que nos ajudam a
pensar a cultura da polícia militar e sua forma de expressão no cotidiano, tais como: cultura
policial militar, ética, banalidade do mal, violência, ethos guerreiro e Estado democrático. Além
disso, esse instrumento de coleta foi útil para revisar a produção científica sobre cultura no
trabalho policial militar, uma vez que foi realizado o levantamento bibliográfico nos principais
repositórios de produções científicas do país. Nesses bancos, foram coletados teses,
dissertações e artigos que, após analisados, foram base para produção do Capítulo 2 desta
Dissertação.

A pesquisa documental foi necessária para explicar os parâmetros legais nacionais e


estaduais para atuação das polícias militares e da PMERJ. Bem como, para examinar os
protocolos da PMERJ sobre atuação na preservação da ordem pública com uso da força. A partir
desse instrumento de coleta, foi realizado o levantamento das publicações de leis, políticas de
segurança pública, manuais, normas de instrução e portarias em vigor na instituição, que
serviram de base para apresentação dos marcos legais nacionais e estaduais e os aspectos gerais
da função policial militar, inseridas no Capítulo 2.

O levantamento foi necessário para analisar a compreensão do policial militar acerca


de sua atividade laboral frente ao desenvolvimento do Estado democrático. Nesse
levantamento, foram aplicados questionários para a coleta de dados que nos possibilitaram
investigar os motivos de possível inadequação entre o comportamento de combate do policial
18

militar e os limites impostos por pactos internacionais no uso da força pelo Estado. Esse
questionário também foi útil para analisar a prevalência do ethos guerreiro sobre a percepção
do policial militar no exercício de sua função.

Entendemos que o limite prático do método adotado pode ser conferido pela ascensão
hierárquica do pesquisador sobre os participantes do questionário, à medida que esses viessem
a apresentar certas respostas por receio, e, ainda, não dizerem o que pensam de fato sobre o
tema. Nossa ação para mitigar essa possibilidade foi a adoção do anonimato total dos
participantes da pesquisa. No entanto, essa decisão impôs outro limite prático à pesquisa, uma
vez que isso possibilita a participação de público não policial militar, ainda que tenhamos
adotado o recurso de envio apenas pelo e-mail pessoal dos policiais militares do Rio de Janeiro.

1.1. Objetivos da pesquisa

1.1.1. Objetivo Geral: analisar a prevalência do ethos guerreiro sobre a percepção do


policial militar no exercício de sua função.

1.1.2. Específicos:

1.1.2.1. Revisar o conceito de ethos guerreiro através de produção científica e


teórica sobre cultura no trabalho policial militar;

1.1.2.2. Explicar os parâmetros legais nacionais e estaduais para atuação das


polícias militares e da PMERJ;

1.1.2.3. Examinar os protocolos da PMERJ para atuação na preservação da ordem


pública com uso da força;

1.1.2.4. Analisar a compreensão do policial militar acerca de sua atividade laboral


frente ao desenvolvimento do Estado democrático;

1.1.2.5. Investigar os motivos de possível inadequação entre o comportamento de


combate do policial militar e os limites impostos por pactos internacionais no
uso da força pelo Estado.

1.2. Hipóteses

A elaboração de hipóteses é resultado do esforço analítico do pesquisador, à medida


que este se propõe a refletir acerca das respostas mais prováveis ao problema proposto. Esse
exercício foi influenciado pelo cotidiano profissional deste pesquisador na instituição
19

pesquisada e pela experiência na área de segurança pública. Contudo, entendemos que os


resultados apresentados pela pesquisa podem confirmar ou não essas hipóteses.

Seguindo a orientação metodológica de Kerlinger (2007) e de Marconi e Lakatos


(1992), consideramos uma hipótese geral e uma hipótese secundária. Nossa hipótese geral é
que o ethos guerreiro é uma característica integrante e prevalente na cultura institucional na
PMERJ. Se tal hipótese for verdadeira, necessário se faz verificar onde essa cultura se mostra
mais forte dentro da Corporação.

A partir disso, consideramos a hipótese secundária de que o ethos guerreiro é mais


presente nos policiais que desempenham atividades operacionais do que nos policiais que
desempenham atividades administrativas. Uma vez que, policiais que estão em contato diário
com a atividade operacional têm maior propensão a vivenciarem conflitos armados e,
consequentemente, estão diretamente expostos a níveis altos de violência, isso pode refletir no
seu hábito diário, ou seja, em um ethos voltado para o combate. Em contrapartida, policiais que
desempenham atividades administrativas são expostos apenas indiretamente aos mesmos níveis
de violência, tendo em vista que essa exposição se daria pelo fala dos companheiros que
passaram por confrontos armados ou por ter algum amigo ferido na atividade policial.
Obviamente, que essa distinção entre o serviço operacional e administrativo não se
consubstancia de forma cindida, tendo em vista que poucos policiais militares desempenham
apenas o trabalho administrativo. No entanto, tal distinção se torna útil à medida que
consideramos a dedicação da maior carga horária para uma ou outra área de atuação.

1.3. Pesquisa Survey

A pesquisa survey iniciou com a escolha metodológica do questionário online devido


a possibilidade de alcançar policiais militares de todo o estado do Rio de Janeiro, combinado
com a necessidade de manutenção de seu anonimato. Esse último aspecto é de suma
importância por dois principais motivos. O primeiro é a garantia da proteção da identidade dos
participantes. Para isso, tomamos as precauções de não inserir questões que pudessem
comprometer o anonimato, logo, não foram questionados aspectos individuais, tampouco,
solicitados dados de identificação de quaisquer formas. Principalmente, porque o levantamento
objetiva a compreensão de aspectos espontâneos e contingentes da prática profissional dos
policiais militares.

O segundo aspecto sobre a importância do anonimato é que, as rígidas regras pautadas


20

na hierarquia e disciplina reduzem a possibilidade de uma abordagem mais franca, por temor,
por parte daqueles que estão em condição hierárquica inferior. Ainda mais, pelo fato deste
pesquisador ocupar o segundo posto mais alto na hierarquia institucional. Nesse sentido, ainda
que o anonimato imponha limites no que diz respeito ao grau de confiabilidade da pesquisa,
pela dificuldade de garantia total de que o participante seja policial militar, entendemos que
essa escolha poderia contribuir mais com a compreensão da realidade concreta que a aplicação
de entrevistas. Para evitar que pessoas externas, que não fossem policiais militares,
respondessem ao questionário, enviamos o formulário para os e-mails pessoais de todos os
policiais militares cadastrados nos sistemas de pessoal da PMERJ.

Outro aspecto importante, é que esta pesquisa foi autorizada pela instituição, em
atenção à solicitação formal deste discente, conforme SEI-350503/000973/2021-CAEs, tendo
sido publicada a Nota EMG/Sec nº 384, de 06 de outubro de 2021, no Boletim da PMERJ nº
28, de 07 de outubro de 2021.

No período de 10 de outubro a 10 de dezembro, considerando o período de testes nos


instrumentos utilizados, enviamos o total de 49.868 e-mails, pela Plataforma Uolhost. Contudo,
foram entregues 29.038 e-mails, tendo o percentual de visualização do e-mail, conforme
informado pela ferramenta, de 17.88% do total entregue. Desses e-mails entregues, 88 usuários
se descadastraram seus contatos da plataforma e 34 denunciaram o e-mail como spam, mesmo
diante do texto explicando do que se tratava. Esse fato, evidencia que uma parcela mínima dos
que receberam nossa solicitação apresentou rejeição ao tipo de contato.

No corpo do e-mail, retransmitimos o texto publicado no Boletim PM mencionado. O


texto continha uma breve autoapresentação, a motivação da pesquisa e o propósito do
questionário. Por fim, solicitamos a gentileza de responderem ao formulário, esclarecendo que
a participação seria de modo voluntário e anônimo. O total de respostas alcançadas foi de 1.164
questionários.

O questionário foi elaborado na Plataforma Google Forms e consistiu em dois eixos


principais de perguntas. O primeiro, destinado a levantar o perfil do participante da pesquisa e
o segundo, a coletar os dados necessários para compreensão do entendimento do policial militar
do estado do Rio de Janeiro acerca de sua própria atividade e da função do policial em um
Estado democrático, frente ao monopólio do uso da força. O questionário continha, ao todo, 24
perguntas distribuídas por esses dois grandes eixos.
21

No primeiro eixo de perguntas, questionamos:

1) Qual é seu posto ou graduação?


2) Sexo
3) Qual a sua faixa etária?
4) Quantos anos de efetivo serviço na Polícia Militar possui?
5) Qual o seu grau de formação?
6) Qual o Comando de Policiamento de Área (CPA) de sua residência?
7) Qual a subordinação da sua unidade de lotação?
8) Que função exerce na sua atual unidade de lotação?

No segundo eixo, as questões apresentadas foram:

1) Marque 03 (três) características de um bom policial militar?


2) Marque 03 (três) características de um mau policial militar?
3) Durante o serviço policial militar, você participou de troca de tiro?
4) Durante o serviço policial militar, você foi alvejado por projétil de arma de fogo?
5) Durante o serviço policial militar, algum integrante de sua guarnição foi alvejado por
projétil de arma de fogo?
6) Durante o serviço policial militar, você já alvejou alguém com projétil de arma de
fogo?
7) Como você se sentiu ou se sentiria em uma ocasião que o levasse a alvejar algum
criminoso?
8) Como você se sentiu ou se sentiria em uma ocasião que o levasse a alvejar algum
inocente?
9) Na sua visão, qual opção que mais caracteriza a função da Polícia Militar?
10) Na sua visão, qual a opção que mais caracteriza o papel do Policial Militar durante a
atividade de policiamento ordinário?
11) Qual seu entendimento sobre o tratamento de alguém que cometeu um crime de
MENOR potencial ofensivo?
12) Qual seu entendimento sobre o tratamento de alguém que cometeu um crime de
MAIOR potencial ofensivo?
13) Qual opção está mais alinhada com seu entendimento de Estado Democrático de
Direito?
14) Em sua opinião, a atividade policial militar é executada conforme os protocolos de
policiamento ordinário?
15) Qual seu entendimento sobre o seu papel como policial militar em um Estado
Democrático de Direito?
16) Defina o serviço policial militar em uma frase.

1.4. Levantamento Bibliográfico

O levantamento bibliográfico foi realizado no período de 30 de setembro a 10 de


dezembro de 2021, nos acervos da Scientific Electronic Library Online (SciELO); no Banco
Nacional de Dissertações e Teses Digitais (BDTD), do Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia (IBICT), no Catálogo de Teses e no Portal de Periódicos da Coordenação
22

de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Nesses acervos, buscamos


produções disponíveis para consulta sobre Segurança Pública que abordam a cultura policial
militar. Entretanto, não foi delimitado um recorte temporal específico, assim, o resultado obtido
espelha toda produção na área constante nos bancos mencionados, que são os principais em
nível nacional.

Para realizar esse levantamento, escolhemos previamente como critério de busca as


seguintes palavras-chave: 1) “cultura policial militar”; 2) “ética policial militar”; 3) “ethos
guerreiro”; 4) “uso excessivo da força”; 5) “violência policial militar”; 6) “virilidade policial
militar”; e, 7) “abuso de poder policial militar”. O total geral de produções levantadas a partir
dos critérios de busca estabelecidos, nas quatro bases de dados mencionadas no parágrafo
anterior, foi de 114 teses, dissertações e artigos. Dentre os trabalhos encontrados, o Portal de
Periódicos da CAPES, com 62 trabalhos encontrados, representa pouco mais de 50% do total
de produções. Em contrapartida, na Plataforma Scielo foi encontrado o menor número de
produções, com cerca de 2% o total levantado, conforme discriminado no Gráfico 1.

GRÁFICO 1: Nº DE TRABALHOS CIENTÍFICOS LEVANTADOS POR ACERVO –


2022

SCIELO; 2
BDTD; 19

Catálogo de Teses
Periódicos CAPES; e Dissertações; 31
62

Fonte: elaborado pelo autor.

O levantamento, realizado a partir das palavras-chave adotadas, não obteve retorno


23

para os termos “ética policial militar”, “virilidade policial militar” e “abuso de poder policial
militar”. Portanto, o resultado foi obtido a partir da consulta realizada com os termos: “cultura
policial militar”, “ethos guerreiro”, “uso excessivo da força” e “violência policial militar”,
conforme pode ser observado no Gráfico a seguir. Esse levantamento demonstrou que as buscas
a partir da palavra-chave “ethos guerreiro” retornou o maior número de produções científicas
nas bases de dados selecionadas, seguido de “uso excessivo da força”.

GRÁFICO 2: Nº DE TRABALHOS CIENTÍFICOS LEVANTADOS POR PALAVRA-


CHAVE - 2022
45

40

35

30

25

20

15

10

0
"Ethos guerreiro" "Uso excessivo da Força" "Violência Policial Militar" "Cultura policial militar"

Fonte: elaborado pelo autor.

O número total de produções científicas levantadas, a despeito do elenco de palavras-


chave usadas como critério de busca, é razoavelmente bom. Esse número total, após
sistematizado e demarcadas as repetições, é reduzido para 88 teses, dissertações e artigos, dos
quais, 35 não fazem referência ao objeto de pesquisa abordado, embora tenham sido elencados
pelas plataformas utilizadas para o levantamento. Desse modo, o total de produções científicas
levantadas resultou em um conjunto de 51 trabalhos, sendo 8 teses, 20 dissertações e 23 artigos
que tratam de algum aspecto da cultura policial militar.

A análise geográfica das produções acadêmicas sobre cultura policial levantadas nesta
revisão de literatura evidenciou que mais de 50% desses trabalhos foram produzidos na região
24

sudeste, seguido pela região nordeste. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os que têm
se destacado em número de produções científicas sobre o tema, conforme pode ser observado
no Gráfico a seguir.

GRÁFICO 3: Nº DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS LEVANTADAS SOBRE CULTURA


POLICIAL - POR ESTADO DA FEDERAÇÃO – 2022
14
13

12
12

10

4 4 4
4
3

2 2 2
2
1 1 1 1

0
SP RJ PB DF BA RS SC MG GO CE PA RN PE
Fonte: elaborado pelo autor.

Esses aspectos gerais acerca do conjunto de produções levantadas são descritores


necessários para compreensão dos principais elementos que caracterizam a literatura acadêmica
sobre cultura policial militar. Embora o quantitativo seja reduzido, esse tema está presente há
mais de 20 anos nos espaços acadêmicos, na maior parte do território nacional. Nesse período,
diversos pesquisadores têm buscado compreender aspectos relacionados, principalmente, entre
a cultura policial militar e o ethos guerreiro e o uso excessivo da força. No próximo tópico,
analisamos mais propriamente as abordagens realizadas nesses trabalhos encontrados.
25

Capítulo 2 – Referencial Teórico

Neste Capítulo, sintetizamos os fundamentos teóricos necessários para compreensão


ontológica da ideia de ethos guerreiro. Além de apresentar dos resultados da revisão de literatura
realizada a partir da coleta e sistematização dos trabalhos acadêmicos encontrados, organizamos
a análise das publicações científicas nacionais sobre o tema em questão, com o objetivo de
compreender os conhecimentos produzidos na área. Desse modo, estruturamos uma série de
conceitos referentes ao objeto de pesquisa, de modo a alinhavar os pontos de conexão entre
eles. São eles: cultura nacional, Estado democrático e Polícia militar.

2.1. Ética e o Ethos Guerreiro

A etimologia da palavra ética tem origem no grego antigo que possuía duas variantes:
eqoV (ethos – hábito) que apresenta relação com hqoV (éthos – caráter) uma ligeira variação
morfológica, que modifica a letra grega e pela letra h (ARISTÓTELES, 2007). Entretanto,
importante na formação originária da palavra, já que a palavra hábito é definida pelo dicionário
Aurélio como uso, costume, maneira de viver, modo constante de comportar-se, de agir; e a
palavra caráter o mesmo dicionário define como conjunto de qualidades boas ou más que
distinguem uma pessoa ou povo, gênio, índole, humor, temperamento.

Assim, a ideia de ethos, acima apresentada no conceito de ética, também remete a um


conjunto de valores, costumes, hábitos que compõem determinada cultura. Portanto, é sempre
determinado por a partir das relações sociais estabelecidas de acordo com perspectivas
geográficas, espaciais e temporais. Sendo assim, o conceito de ethos guerreiro está relacionado
com um conjunto de valores, costumes e hábitos que fazem relação com guerra.

Segundo Alba Zaluar, o conceito de ethos guerreiro está expresso em situações nas
quais “seres humanos matam-se entre si por considerarem rivais como inimigos, agredindo-os
com variáveis graus de ferocidade e crueldade” (ZALUAR, 1994, p. 33). Essa percepção, no
entanto, é mais aprofundada em Elias (1997). Para esse autor, o “ethos guerreiro” é um modo
de ação caracterizado por um código de guerra composto por valores de caráter militaristas e
de honra, em que os indivíduos consideram os rivais como inimigos a serem mortos sem
compaixão (ELIAS, 1997). Desta forma, a teoria da formação subjetiva do “ethos guerreiro”,
pensada por Elias (1997), é fundamental para analisarmos o contexto de violência que vivemos
no Brasil atualmente.
26

Em seu estudo, Elias (1997) buscou observar as mudanças comportamentais que


ocorreram durante o processo civilizador na Europa, no qual o “ethos guerreiro” passou a ser
considerado como um comportamento antiquado da Idade Média. Esse ethos deveria ser
substituído pelo novo código de conduta civilizado da Idade Moderna, baseado no autocontrole
das emoções e paixões. Com a ascensão do nazismo, na década de 1930, Elias (1997) teorizou
sobre os processos de “descivilização”. Essa teoria pode ser apropriada para nossos contextos,
uma vez que no Brasil contemporâneo esse processo pode ser observado, sobretudo, em áreas
esquecidas pelo Estado. O processo de “descivilização” é evidente, uma vez que que o Estado
encara parte da população (os negros pobres que moram em favelas) como inimigos a serem
combatidos.

Elias (1997) afirmou que havia uma tendência de longo prazo para a elaboração e o
refinamento das maneiras no Ocidente. Ele definiu a civilização em termos amplos, incluindo
o nível de desenvolvimento de uma sociedade; suas ideias e costumes religiosos; seus níveis de
limpeza e higiene corporal; sua abordagem aos esportes; seu nível de compreensão científica;
seus padrões de classe, gênero e raça; e as formas como as pessoas preparam os alimentos, entre
outros fatores. Segundo Elias (1997), a noção de civilização passou a representar a
autoconsciência do Ocidente. A ideia de civilização foi elaborada por uma classe média em
ascensão, que a formulou em contrapartida à sua ideia de barbárie.

Essa emergente moralidade da classe média substituiu o ethos da aristocracia da corte,


na Idade Média. Além disso, a classe média começou a deslocar o “ethos guerreiro” da casta
dos cavaleiros. Na Idade Média, este grupo governante cavalheiresco podia caçar qualquer coisa
que desejasse, de pessoas a animais. Seu único medo era ser dominado por um oponente mais
forte. Dada a precariedade de suas vidas, Elias (1997) afirma que os cavaleiros medievais eram
emocionalmente instáveis, especialmente em termos contemporâneos. Eles tiveram enormes
oscilações de humor entre pena, raiva, amor e ódio, temperadas apenas por códigos emergentes
de cavalaria e posterior nacionalismo. Até mesmo a nascente burguesia engajou-se em
pilhagens, roubos e rixas. Essas emoções fortes desempenharam um papel tão central em suas
vidas quanto o dinheiro.

O código burguês, que tinha sido outrora contra a corte e orientado para a igualdade
social, estava impregnado mais do que nunca de elementos oriundos do código
monárquico-aristocrático, o qual, de acordo com a situação social e a tradição do seu
estrato proponente, era orientado para uni ethos guerreiro, para a manutenção da
desigualdade entre as pessoas, para julgar que os mais fortes são os melhores e, assim,
para a implacável dureza da vida (ELIAS, 1997, p. 66).
27

À medida que o processo civilizador se consolidava, emoções como vergonha e


modéstia tornaram-se cada vez mais importantes, as pessoas começaram a sentir mais
repugnância e constrangimento em relação ao corpo humano, à violência e assim por diante. O
processo civilizador significou que as principais funções corporais foram colocadas nos
bastidores da vida social - elas foram privatizadas. A violência como parte da vida diária
também diminuiu. Por exemplo, as execuções tinham sido grandes espetáculos públicos antes
do século XIX, mas durante essa época começaram a ser realizadas a portas fechadas e foram
erradicadas na maioria dos países na segunda metade do século XX (uma exceção sendo os
Estados Unidos).

Elias (1997) reconhece, então, uma conceituação hobbesiana de “guerra perpétua de


cada homem contra seu vizinho” (HOBBES, 2014, p. 296) usando uma linguagem semelhante,
ao afirmar que “a vida adulta é uma guerra constante de todos contra todos [...] o ethos guerreiro
indomado ganha vida aqui mais uma vez em uma versão burguesa” (ELIAS, 1997, p. 107). A
competição entre humanos para Elias (2000, p. 304) era proeminente. Esse autor, portanto,
reconheceria a centralidade do conflito, e de fato ele afirmou que o “campo de batalha”
permanecia, mas que se movia cada vez mais para “dentro” dos humanos (ELIAS, 2000, p.
375). Este é um argumento influenciado pelas ideias de Freud de que a civilização intensificou
a repressão de uma vida instintiva à medida que os impulsos individuais tiveram que ser
restringidos para atender às demandas sociais. Mas, Elias (2000) sugere que, ao longo de longos
períodos, as “guerras [físicas] constantes entre vizinhos” diminuem à medida que aumenta a
reserva e a “consideração mútua” por outras pessoas (ELIAS, 2000, p. 169).

Essa ideia de combate e domínio, portanto, aponta para o exercício contínuo da


violência como forma de manutenção/alcance da hegemonia. Nesse sentido, o ethos guerreiro
está presente na instrumentalização da violência como método e estratégia na guerra de todos
contra todos. Essa violência, utilizada como forma de demonstração de força, é pautada em uma
ideia de identidade hipermasculina e militarista do “guerreiro” para conquistar. Segundo
Jablonka (2021, p. 92), “conquistar é um ato viril, uma possessão, uma penetração de uns por
outros”. E essa ideia de virilidade é defendida como virtude masculina, aliás, a própria
semântica da palavra traz essa conotação.

Para Zaluar (1994) a ideia de virilidade destrutiva fundamenta o “etos guerreiro”. Com
base nesse ethos, ela argumenta, que um homem não pode deixar provocações ou ofensas sem
resposta, mas em vez disso, espera-se que reaja com uma resposta violenta contra seus
28

oponentes. E ainda,

Em um círculo vicioso infindável, esta situação só fez reforçar aquelas práticas


policiais baseadas no poder de fogo e na perspectiva das práticas repressivas da
“guerra contra os inimigos internos” estabelecidas nas últimas décadas. Mas a polícia
não deveria fazer guerra contra cidadãos trabalhadores, crianças, idosos, jovens
estudantes e donas de casa, nem mesmo contra suspeitos de praticarem crimes. A ideia
da guerra contra outro poder armado “paralelo”, com alta capacidade de corromper,
dificulta enormemente a adesão às normas que legalizam a ação policial (ZALUAR,
1994, p. 40).

Pierre Bourdieu (1989) entende que todo poder é violento, tendo em vista a violência
simbólica intrínseca a ele, tendo em vista o ocultamento do real através de um imaginário
coletivo introjetado no sujeito. Assim, a dominação masculina se origina no poder, ou seja,
ethos da masculinidade, impelindo ao homem o lugar de dominador (Bourdieu, 1989). Joseph
Vandello e Dov Cohen (2003) descreveram essas tendências como uma “cultura de honra”
masculina, na qual os homens usam a violência em competições por honra e prestígio e que os
insultos exigem violência como meio de restaurar a posição social.

A polícia desenvolveu um ethos e práticas de tipo guerreiro dentro da guerra contra as


drogas. O “policial guerreiro” pode, então, ser interpretado como uma performance masculina
em que os policiais se definem por meio dessas imagens associadas ao “masculino”. O “policial
guerreiro” constitui, portanto, uma masculinidade dominante e normativa por ter concedido
reconhecimento e prestígio tanto dentro da cultura organizacional, devido à demanda
institucional de “prender e matar” traficantes na guerra às drogas, quanto na cultura
ocupacional, devido à proteção do colega que está lado a lado no combate. Diante desta
perspectiva, Paula Poncioni afirma que,

A formação do policial orientada fundamentalmente para o controle do crime, com


forte apelo ao “combate ao crime”, tem a grande vantagem de fornecer o que é
percebido amplamente pelo público e pelos próprios policiais como a missão das
instituições policiais. Nesta perspectiva, evidencia-se que o ethos guerreiro é
paulatinamente sedimentado na identidade profissional do policial como um
importante requisito para que o policial possa, “com sucesso”, realizar a árdua missão
do “combate real” à criminalidade (PONCIONI, 2005, p. 600).

Destarte, o ethos guerreiro parece prevalecer na construção da cultura policial militar,


formada pelo hábito diário e divulgada pelos meios de comunicação. Entretanto, o ethos
guerreiro não é um ideário exclusivo, pois a cultura da polícia, por lidar com as atividades
sociais marginais ao comportamento previstos nos textos legais e esperado por todos, é um
produto plural, que comporta várias subculturas, seja conduzida pelos pelas experiências dos
policiais, seja pelo comportamento social em que a polícia está inserida, seja pela pedagogia
29

Institucional, ou seja por outras possibilidades.

2.2. Cultura Policial Militar

Podemos entender que a concepção da função policial militar é construída por um


arquétipo (palavra da psicologia para representar o modelo mais primário e profundo de algo),
ou seja, “manifestação da camada mais profunda do inconsciente onde jazem adormecidas as
imagens humanas universais e originárias” (JUNG, 1980, p. 69). Ou ainda, como explica esse
mesmo autor:

As imagens das recordações do inconsciente coletivo são imagens não preenchidas,


por serem formas não vividas pessoalmente pelo indivíduo. Quando, porém, a
regressão da energia psíquica ultrapassa o próprio tempo da primeira infância,
penetrando nas pegadas ou na herança da vida ancestral, aí despertam os quadros
mitológicos: os arquétipos. (JUNG, 1980, p. 70).

Assim, a cultura policial militar é sempre atravessada pelas múltiplas identidades que
essa ideia carrega: o modo de ser militar, o modo de ser policial, o modo de ser trabalhador, o
modo de ser brasileiro etc. Muitas vezes essas ideias nem sempre foram vividas, apenas fazem
parte do inconsciente coletivo identificado por Carl Jung.

Diante disso, a ideia de cultura policial também está estritamente relacionada a


sentimentos, valores e crenças, conforme explica Poncioni (2021, p. 308). Desse modo, o
trabalho policial produzido na interseção entre o conhecimento teórico e a experiência no
campo profissional está imbricado à cultura policial (PONCIONI, 2021, p. 308). Contudo, isso
não significa que:

[...] o conjunto de representações compartilhado pelos policiais – a “cultura policial”


– é homogêneo ou imutável. Nem tampouco é possível deixar de reconhecer as
particularidades entre as polícias em distintas realidades sociais, como também
especificidades de determinados grupos policiais, de acordo com a sua posição,
função e responsabilidade na organização policial. No entanto, em muitos estudos
produzidos em contextos sociais diferentes, podem ser encontradas certas similitudes
do ponto de vista policial, na forma de conceber seu trabalho, sua relação com a
sociedade e com a população criminosa – uma “visão policial de mundo” -,
constituindo uma espécie de identidade cultural profissional do “ser policial” nas
sociedades ocidentais contemporâneas (PONCIONI, 2021, p. 308).

Além disso, é necessário considerar aspectos gerais na cultura brasileira que


influenciam na cultura policial. O que a sociedade brasileira entende como função e trabalho
policial configura as políticas de segurança pública e, consequentemente, a cultura institucional.
Como ressalta Poncioni (2021), a história da sociedade brasileira está fundada numa perspectiva
de Estado marcado por autoritarismos, violência e exclusão social, mesmo em contextos de
30

democratização. Sendo assim, é necessário considerar a “persistência de um padrão violento


‘enraizado’ na sociedade e na cultura brasileira que orienta as relações sociais, permitindo a
violência ilegítima e as práticas extralegais do Estado e da polícia para resolução de conflito,
mesmo em um regime democrático” (PONCIONI, 2021, p. 311).

A partir dessas ideias, compreendemos que:

[...] a passagem de um modelo policial profissional burocrático-militar para outro de


“novo tipo” pode ser facilitado ou dificultado pelas interpretações, crenças,
preconceitos e estereótipos produzidos no interior da organização policial, mas
também fora dela, sobre o “mundo policial” e o “mundo social” de acordo com as
significações que atribuídas ao mandato profissional do policial – a “missão” policial
– em um determinado contexto sócio-histórico e cultural (PONCIONI, 2021, p. 304).

Robert Reiner (2004) entende exatamente que a cultura da polícia não é monolítica, e
que as experiências trazidas pelos policiais antes de serem policiais acabam se amalgamando a
cultura institucional.

A cultura da polícia – como qualquer outra, não é monolítica, embora certas análises
tenham tido a tendência de retratá-las assim (por exemplo, Crank, 1998). Há variantes
particulares – "subculturas” – que se podem distinguir no interior da cultura policial
mais geral, geradas por experiências distintas associadas a posições estruturais
específicas, ou por orientações especiais que os policiais trazem de sua biografia e
histórias anteriores. Somado a isso, entre as forças, as culturas variam, modeladas por
diferentes padrões e problemas de seus ambientes, e pelos legados de suas histórias.
Apesar disso, pode-se argumentar que as forças policiais, nas democracias liberais
modernas, vêem-se frente a frente coma as mesmas pressões básicas similares que
modelam uma cultura distinta e característica em muitas partes do mundo, mesmo
tendo ênfases diferentes no tempo e no espaço, e variações subculturais internas.
(REINER, 2004, p. 132).

Além disso, há que se considerar que a cultura policial militar está fundamentada em
uma cultura anterior, de ordem milenar, que é a própria ideia do ser militar, com todos os entes
que esse termo carrega. A lógica militar não apenas valora ideias como heroísmo, virilidade,
força, combate como atributos masculinos, mas também rechaça seus antônimos como
sinônimos de fraqueza, impureza, inferioridade. Com base nesses atributos, espera-se do militar
que ele seja uma espécie de homem máquina, que não tenha medo da morte, que esteja pronto
para aniquilar seus inimigos (MUNIZ, 2001; DA SILVA, 2014; CASTRO, 2004). Nesse
sentido, conceito de militarismo como cultura aponta direções para compreensão da ideia de
cultura policial militar, a partir do entendimento de que o militarismo:

É uma visão de mundo fundamentada na guerra, no combate, no domínio, que utiliza


como estratégia de autocontrole os pilares da hierarquia e disciplina e concebe o
humano como elemento de produção e reprodução sistêmica – elemento de uma
engrenagem – cuja subjetividade é eliminada. O valor do militar está no autosacrifício
31

em prol do objetivo final que é derrotar o inimigo e sua vontade deve ser submetida à
obediência irrestrita e servidão aos superiores e ao Estado (VEIGA; SOUZA, 2019,
p. 11).

Como sequência a essas ideias e intrinsecamente alinhadas a todas elas: a concepção


de ética, hipermasculinidade, violência, banalidade do mal e cultura policial militar,
apresentamos alguns pontos acerca da ideia de ethos guerreiro no estado democrático de direito,
na seção adiante.

2.3. Força Policial, Direitos Humanos e Estado Democrático de Direito

Conceitos até aqui tratados como violência e ethos guerreiro nos trazem ideias sobre
certos comportamentos sociais que ameaçam a prática cotidiana democrática. Diante disto, é
essencial pensarmos como é formado o Estado Democrático de Direito e como instituições
políticas, como a Força Policial, são ferramentas que nos ajudam a fortalecer ou enfraquecer
regimes democráticos.

Max Weber (1978) considerava que o conceito de Estado alcançou seu


desenvolvimento completo apenas nos tempos modernos. Para Weber, as características formais
primárias do Estado moderno devem possuir ordem administrativa e judicial sujeita à alteração
pela legislação, funcionários especializados orientados por regulamentos, autoridade
obrigatória sobre todo seu território, além do monopólio do uso da força. Segundo esse autor:

As características formais primárias do estado são as seguintes: Possui ordem


administrativa e judicial sujeita a alteração pela legislação, ao qual as atividades
organizadas dos funcionários da administração, que também são controlados por
regulamentos, são orientados. Este sistema de ordem reivindica autoridade
obrigatória, não apenas sobre os membros da o estado, os cidadãos, a maioria dos
quais obteve a adesão por nascimento, mas também, em grande medida, sobre todas
as ações que ocorrem na área de sua jurisdição. Trata-se, portanto, de uma organização
obrigatória com base territorial. Além disso, hoje, o uso da força é considerado
legítimo apenas na medida em que é permitido pelo Estado ou prescrito por ele
(WEBER, 1978, p. 56).

Weber (1978) considerava, também, a educação política necessária à consolidação da


democracia parlamentar. Sua ausência na Alemanha causou, em seu julgamento, a
impossibilidade de impedir o avanço da dominação burocrática e prevenir o cerceamento dos
direitos humanos. Ainda assim, ele considerou fundamentais os direitos humanos e as
salvaguardas proporcionadas pelo ordenamento jurídico dos tempos modernos, por mais
conservador que fossem, pois eles fornecem o fundamento da ordem social e política.

Como Weber (1978) argumentou, as sociedades modernas podem ser democráticas


32

apenas em um sentido limitado. Nos Estados de massa modernos, a força parlamentar depende,
segundo o autor, de várias condições, além do sufrágio igualitário e universal. Essas condições
são, em primeiro lugar, uma competição institucionalizada entre partidos políticos e entre seus
dirigentes, para selecionar os dirigentes mais talentosos e dar-lhes formação política. Além
disso, a responsabilidade do Governo perante o Parlamento e, indiretamente, perante o
eleitorado. E, finalmente, alguma representação política do eleitorado para impedir o completo
domínio da administração pública e dos interesses capitalistas por parte da administração
pública e dos interesses capitalistas (WEBER, 1978).

Para que o Estado democrático seja garantido em meio a um contexto de conflito, é


essencial que os direitos humanos sejam garantidos. As leis de direitos humanos são os
princípios gerais para o tratamento de indivíduos pelos governos. Esses direitos costumam ser
limitados em períodos de conflito e não concedem direitos específicos às agências humanitárias.

Para pensar os direitos humanos, podemos citar Henry Dunant. Como fundador da
Cruz Vermelha Internacional, Dunant nos ajuda a pensar os princípios humanitários em
contextos de conflitos. A instituição foi criada por Dunant em meio Batalha de Solferino entre
as tropas do Império Austro-húngaro e da Aliança Franco-Sardenha com o objetivo de amenizar
o sofrimento das vítimas da guerra. Assim é estabelecido o direito humanitário, ou seja, regras
específicas relativas à proteção e à assistência a categorias específicas de pessoas vulneráveis
(civis, doentes e feridos e pessoas privadas de liberdade) em situações de conflito armado.

Tais legislações são a garantia de manutenção do Estado democrático de Direito. Por


isso, o papel das instituições é essencial. Embora as violações dos direitos humanos devam ser
denunciadas de forma intensa, as agências humanitárias devem aderir a seus princípios e
registrar suas queixas junto àqueles que estão em condições de fazer tais declarações.

Nessa mesma direção, o Estado democrático está diretamente ligado à existência de


cidadania. Para Marshall (1963) o conceito de cidadania é composto por três dimensões de
direitos: civil, política e social. O elemento civil é composto por direitos necessários à liberdade
individual; o elemento político é relativo aos direitos de participação no exercício do poder
político e o elemento social aquele que supõe desde o direito ao bem-estar econômico mínimo
até à participação completa a herança social. Entretanto, a ideia de bem-estar econômico
mínimo sempre foi encarada como suspeita pelo liberalismo (MARSHALL, 1963, p. 199),
criando certa confusão teórica e incoerência prática entre a economia e a solução para
33

determinadas ações em direção à cidadania e aos Direito Humanos.

Norberto Bobbio (2000) aponta que os ideais liberais e democráticos passariam a andar
de mãos dadas, na medida em que a liberdade (como destino comum dos homens) e a igualdade
(como intervenção do povo para definir a orientação da sociedade) se tornassem compatíveis
com eles. Embora o autor estabeleça diferenças conceituais entre democracia e liberalismo.

Os modernos liberais nasceram exprimindo uma profunda desconfiança para com toda
forma de governo popular, tendo sustentado e defendido o sufrágio restrito durante
todo o arco do século XIX e também posteriormente. Já a democracia moderna não
só não é incompatível com o liberalismo como pode dele ser considerada, sob muitos
aspectos e ao menos até um certo ponto, um natural prosseguimento (BOBBIO, 2000,
p. 37).

Esta exposição apoia-se no recurso à explicação de uma dupla diferenciação: que não
se trata apenas de categorias políticas que têm tempos históricos distintos, mas que a separação
que existe entre elas tem a ver ao mesmo tempo com a concepção e experiência da liberdade,
aspecto que representa um distanciamento entre as civilizações antigas e modernas, mas
também tem a ver com o significado conceitual que o liberalismo político e a democracia têm.
Enquanto o primeiro está nas terras da restauração do senso de independência individual, a
segunda o faz do igualitarismo.

A partir disso, Bobbio (2000) considera que os antigos entendiam (e viviam) a


liberdade como participação direta dos cidadãos nos assuntos públicos e na distribuição de
poder, o que daria lugar (na prática) à obediência e subordinação do indivíduo à comunidade
política. Em contraste com eles, o que os modernos fizeram foi exatamente o contrário: o final
é a defesa da liberdade individual, como garantia da vida privada, o que corresponde, também,
à adoção de modos de vida enquadrados em contextos territoriais mais amplos. A este respeito
Bobbio diz que “onde todos participam diretamente das decisões coletivas, o indivíduo acaba
subordinado à autoridade do todo e perde a liberdade de pessoa privada; e é a liberdade privada
que o cidadão hoje exige do poder público” (BOBBIO, 2000, p. 07).

Em sentido geral, o liberalismo surge então como uma filosofia de mudança, como
uma espécie de pensamento que provoca (ou fomenta) transformações e que adota posturas
progressistas capazes de quebrar todos os fatores que tendem a paralisar o pensamento e a
sociedade (ideologia do progresso). Mas em um sentido mais específico, isto é, mais político,
o liberalismo se tornará uma filosofia sobre o indivíduo (como sujeito) e a liberdade humana
(como princípio) uma filosofia institucional sobre a forma do Estado. Para Bobbio esta é uma
34

forma que se simboliza na regulação do exercício do poder, na subordinação dos poderes


públicos aos controles (limites) estabelecidos e negados nas normas escritas.

De modo que, quando Bobbio menciona o Estado liberal, se refere a um ponto de vista
doutrinário, segundo o qual o poder, entendido em sentido neutro, isto é, independente de quem
o exerce, deve ser limitado (em seu uso e funções). Nestes termos, a identificação do Estado
liberal como Estado limitado materializa-se no Estado de Direito (ou Estado constitucional),
que se rege pelas leis, pela supremacia das normas superiores (as leis fundamentais) criadas
pelos homens e que estão contidas nas Constituições políticas (segundo uma positivação
extensiva aos direitos naturais). Nesse sentido, a estrutura do Estado moderno é composta por
funções básicas, que, segundo Weber (1978), sem elas não haveria Estado: Função legislativa;
a Polícia; a Justiça; e a Administração Militar.

Nesse contexto, a ideia de manutenção da ordem é delegada à Força policial, que “é


identificada como uma corporação de pessoas patrulhando os espaços públicos, usando
uniformes, munida de um amplo mandato para controlar o crime, manter a ordem e exercer
algumas funções negociáveis de serviço social” (REINER, 2000, p. 19).

Para Reiner (2000) polícia e policiamento são objetos distintos, em que polícia é uma
instituição formal, enquanto policiamento é um conjunto de processos com funções sociais
específicas. Para o autor, a sociedade moderna possui um certo “fetichismo da polícia”,
vinculando a ordem social a sua existência, concluindo que sem a instituição policial o caos se
instalaria automaticamente.

É importante distinguir as ideias de “polícia” e “policiamento”. “Polícia” se refere a


um certo tipo de instituição social, enquanto “policiamento” implica um conjunto de
processos com funções sociais específicas. Nem toda a sociedade tem “polícia”, e as
organizações policiais e o pessoal da polícia podem assumir uma variedade de formas
intercambiáveis. Já o “policiamento” é, com certeza, uma necessidade em qualquer
ordem social, e pode ser levado a efeito por inúmeros processos e feições
institucionais diferentes. Um órgão de “polícia” especializado, organizado pelo
Estado, do tipo moderno, é apenas um dos exemplos de policiamento. (REINER,
2000, p. 20).

Sobre a estrutura policial, a democracia e a política, Robert Reiner (2000) analisa que
a polícia, seja qual for sua ideologia, não deveria ser nem da burguesia nem da classe
trabalhadora. Ela deveria ocupar um lugar contraditório na estrutura de classes. Enquanto seu
papel social e político sublinha a ideologia política e as iniciativas descritas por Weber (2011),
ao mesmo tempo suas condições de assalariados sujeitos ao controle gerencial exercem pressões
35

contraditórias em direção ao sindicalismo e, em algumas conjunturas, identificação com o


movimento operário.

As implicações de sua atividade política são em si ambíguas. Enquanto o conteúdo de


suas demandas atuais carrega claramente perigosas conotações de ameaça à
democracia e a um 'estado policial', não se segue, portanto, que eles devam se
restringir a sua postura tradicional de não envolvimento na política. Com efeito, o
ideal de neutralidade política da polícia é o argumento sempre levantado pelos
conservadores contra a sindicalização da polícia. A polícia não é politicamente neutra,
e é difícil ver como eles poderiam ser. No entanto, se a polícia receber os mesmos
direitos como outros trabalhadores devem ser para a participação na formulação de
políticas que afetam suas vidas de trabalho, seu poder torna é especialmente
importante que isso seja equilibrado por democracias externas controle (REINER,
2016, p. 66).

Assim, ser um líder da polícia responsável é, segundo Robert Reiner (2016), uma
consequência não só das qualidades pessoais do líder, mas também da maturidade política da
polícia. Weber (2011), por outro lado, continua argumentando que a maturidade política
significa a capacidade por parte do eleitorado de uma nação de compreender seus interesses
duradouros. Implica também na capacidade e na vontade do cidadão de exercer um controle
permanente sobre a administração pública e as influências capitalistas sobre as instituições
políticas, por meio de comissões parlamentares e investigações. Finalmente, a maturidade
política promove a capacidade e a vontade de participar ativamente na determinação do curso
político da nação. Essa capacidade e vontade decorrem e apontam para a existência de
orgulhosas tradições democráticas, instanciadas pelo povo (WEBER, 1978).

2.4. Temáticas presentes na produção acadêmica levantada

O conjunto de produções levantadas apresenta diversas temáticas que, embora tenham


alguma relação com nosso objeto de investigação, tratam de aspectos e dimensões variadas e
seguem caminhos de análise que distam absolutamente das questões que propusemos
compreender. Para descrever melhor esse conjunto levantado, organizamos categorias temáticas
que possibilitassem agrupar esses trabalhos em conjuntos secundários e menores, de modo a
expor mais minuciosamente a estrutura dessa bibliografia.

A sistematização das produções levantadas foi realizada a partir do agrupamento dos


resultados pelos seguintes eixos: 1) “ethos policial”; 2) “ethos político”; 3) “ethos esportivo”;
4) “gênero na polícia”; 5) “educação policial”; 6) “vitimização policial”; 7) “outros” e 8) “não
pertinentes. Esses eixos foram escolhidos após análise preliminar que possibilitou a
visualização dos temas presentes em maior número e relevância nas pesquisas levantadas. Os
trabalhos relacionados à pesquisa ficaram em sua maioria classificados no eixo ethos, seja
36

policial, político ou esportivo.

Nos eixos “educação policial” e “vitimização policial” agrupamos duas produções em


cada eixo. Por mais que esses eixos tenham abarcado poucos trabalhos científicos, entendemos
ser importante separá-los em eixos próprios, porque representam duas temáticas de pesquisa
importantes para a polícia. Contudo, o número reduzido de trabalhos levantados sobre o tema
se deve, provavelmente, à escolha das palavras-chave utilizadas. No eixo “outros” foram
inseridos dois trabalhos sem relação com os demais. Esses trabalhos tinham como tema aspectos
referentes às condições de trabalho e relação entre a questão racial e atividade policial. No eixo
“ethos esportivo”, compilamos os trabalhos que, embora abordem o tema “ethos guerreiro”, o
fazem com foco no esporte e no condicionamento físico e em linhas gerais não tratam o tema
de polícia ou segurança pública.

No eixo “gênero na polícia” agrupamos os trabalhos científicos que tratam sobre


aspectos referentes à condição identitária do masculino e feminino e suas relações sociológicas
com a atividade policial, seja reforçando, seja rechaçando o gênero a partir do fato social. As
instituições policiais, como ambientes majoritariamente caracterizados pelo universo simbólico
essencialmente masculino, manifestam condutas excludentes das mulheres e do próprio perfil
identitário feminino. As questões de gênero na Polícia Militar têm importante papel na cultura
institucional, sobretudo pela ideia de uma condição masculina pautada na virilidade,
principalmente quando se trata de atividade policiamento em áreas com alto grau de
criminalidade. Assim, as policiais mulheres passam a adotar aspectos identitários propriamente
masculinos, conforme apontam os autores:

Verifica-se, portanto, a cumplicidade de algumas mulheres ao predomínio dos homens


nas PMs quando estas optam por adotar algumas posturas masculinas. Esse
comportamento justifica-se pelo fato de se beneficiarem no campo do poder da
polícia, um espaço no qual a masculinidade não só se afirma, mas se realiza.
Entretanto, as mulheres PMs tentam utilizar um capital simbólico que não dominam
e nem mesmo possuem: assumir características consideradas masculinas. Essa postura
é reforçada pelo grupo mediante elogios às policiais que se apresentam como homens
(ALVES; FRANÇA, 2018, p. 83).

Por outro lado, o aumento no número de ingresso de mulheres nas polícias militares e
sua ampla participação em todas as atividades também contribui para ressignificar esse perfil
masculino, conforme aponta Barreiras (2010). Embora a pressão da hegemonia masculina
nessas instituições possa impulsionar as policiais a abdicarem sua feminilidade, é fato que a
presença das mulheres nessas instituições vem transformando a cultura institucional com o
passar dos anos, principalmente, porque isso vem ocorrendo em concomitância com a promoção
37

de políticas de segurança pública mais afinadas com um Estado democrático. Essa


transformação cultural também pode ser observada no fato de o assédio entre mulheres na
polícia militar ter sido objeto de pesquisa que resultou na coleta de depoimentos sobre assédios
sofridos (ALVES; FRANÇA, 2018).

O eixo “ethos policial”, categoria com maior quantidade de produções científicas


encontrada, tem como base o hábito formado através da cultura policial militar, que por sua vez
é responsável pela consolidação da própria cultura institucional, com foco no treinamento, no
sofrimento e na violência.

O hábito policial militar é introduzido logo nos primeiros momentos da chegada do


indivíduo na caserna, sendo aprimorado nas escolas militares. Esse movimento de socialização
policial militar é instituído de forma tão intensa que o sujeito não consegue se dar conta do que
ocorre em volta dele e quando menos percebe já está absorto nas liturgias militares.

Nesse sentido, é interessante salientar que embora o processo de incorporação das


disposições socioculturais seja impositivo, o indivíduo não o sente como tal, mas o
deseja, pois identifica-se com a realidade que o cerca, reificando-a como algo
coisificado, sobrenatural, que está além das possibilidades humanas, naturalizando-a.
É portando, nessa perspectiva que a formação militarizada é introjetada na própria
personificação do indivíduo. (SILVA, 2009, p. 24).

A violência, o uso da força e a potencial virilidade, intrínseca a uma instituição com


características masculinas, estão amalgamadas ao hábito policial militar. Essa cultura
institucional se apresenta desde os bancos de formação profissional da Polícia Militar não está
restrita apenas aos policiais masculinos, mas também é transmitida para as policiais do sexo
feminino, conforme demonstra Gilberto Reis em sua dissertação de mestrado:

Sob essa perspectiva, a fora e a virilidade masculinas (ainda que por policiais do sexo
feminino) tem constituído traços típicos da cultura policial ao longo do tempo... Logo,
o use das potencias físicas por um agente público, para constranger alguém a fazer ou
deixar de fazer algo que esteja previsto em normas de convívio social, pode ser
considerado como uma espécie de comportamento abrangível pelo referido vocábulo
bourdieano. (REIS, 2016, p. 33).

Russo (2005) argumenta que as escolas de formação da polícia militar têm sido
frequentemente apontadas como parte da causa da violência policial, seja pela forma incisiva e
intensa de inserir o indivíduo na vida castrense, que muitas vezes leva o sujeito a condições
humilhantes, fato que fica impregnado no policial, que acaba passando esse comportamento
adiante; ou pela incapacidade de estruturar uma grade curricular e aplicá-la de maneira
adequada, fazendo com que o policial saia dos bancos escolares incapaz de se posicionar
38

perante seus pares, passando a absorver os maus hábitos das ruas.

O treinamento também é apontado como uma das causas desta violência, por ser
inadequado devido à complexidade do trabalho policial (resolver conflitos
interpessoais, saber agir em situações críticas). Isto faz com que os novatos aprendam
mais no trabalho diário, na rua com os mais antigos, reproduzindo as velhas práticas.
É interessante notar que a literatura brasileira também aponta estes fatores como
possíveis causa da violência policial, mais por ser considerado humilhante e menos
por não preparar o profissional suficientemente para o trabalho diário. (RUSSO, 2005,
p. 28).

A cultura policial militar e seus hábitos vinculados ao uso da força e a ideia de servir
e proteger, leva o indivíduo a posicionar a Instituição como uma razão de ser e não como um
emprego qualquer. O policial militar se sente parte de algo maior, se sente responsável pela
proteção e bem-estar da sociedade.

O profissional de Polícia, ele prossegue, considera o seu trabalho um bem. Assim


sendo, a cultura policial tem, aos olhos dos que a praticam, um sentido valorativo,
uma razão de ser que dá sentido à predisposição e ao treinamento para conservação
da paz e não a promoção da subjugação de inimigos de guerra. (REIS, 2016, p.112).

Essa ideia do monopólio do uso da força agregada às humilhações sofridas durante a


formação, e ainda durante a carreira, e à violência cria um ambiente propício para a construção
de um combate contra o crime, mesmo no caso da polícia que não possui um inimigo como as
Forças Armadas. Assim, Marcelino de Melo Neto (2014) indica que há um cenário formativo
propício para levar o policial a acreditar que sua função é anular o inimigo, e que para isso é
preciso estar preparado física e psicologicamente, fazendo surgir a construção do “guerreiro”.

Neste contexto marcado pelo combate, nasce o “guerreiro”, dentro de uma filosofia
totalmente encaixada com o cenário que lhe apresenta, exceto se esse guerreiro for
atender a uma sociedade marcada pela democracia e pela legitimação dos direitos do
cidadão. Quem pensa que a incongruência está somente neste viés, engana-se
facilmente, uma vez que, maior incongruência se apresentará quando da violação, na
formação, dos direitos mais elementares dos futuros policiais, incorporado como
certos currículos ocultos (NETO, 2014, p.103).

O eixo “ethos político” abarca o uso da instituição e as condicionantes de violência


social como ganho de capital político para obtenção de validação popular, seja para acúmulo de
votos nas eleições, seja para ocupar cargos de indicação política, ou, até mesmo, para convites
a cargos em empresas privadas para aqueles envolvidos no alto comando da segurança pública.
Nesse sentido, as pesquisas cujo tema foi norteado a partir dessa perspectiva demonstram a
organicidade entre a cultura institucional e a cultura nacional, estabelecendo uma ponte entre
elas.
39

O termo sociabilidade violenta discute a questão da violência urbana, apontando para


a grave problemática que não está presente exclusivamente em frações ou instituições, mas
constitui uma dimensão de Estado. Dessa maneira, Fontana Filho (2021) afirma que o
monopólio da violência pelo Estado impinge expectativas, riscos e requisitos às instituições
policiais que tornam o abuso de poder de poder e a agressão rotinas presentes no cotidiano.
Desse modo, defende que o Estado brutaliza a sociedade a partir dos seus profissionais, mas
também brutaliza os próprios policiais a partir de exigências psicológicas da função.

Essa violência de Estado não afeta todas as frações e classes de indivíduos da mesma
maneira. Os autores apresentam resultados de um levantamento que aponta para o fato de que
a questão racial é preponderante para compreensão do medo da violência. Assim, Rodrigues
(2017) apresenta elementos históricos e regionais como relevantes para compreensão do
desenvolvimento de violências por grupos políticos locais que contribuem para letalidade difusa
na Baixada Fluminense (RJ), impulsionadas, sobretudo, por questões econômicas. Segundo
esse autor,

O padrão homicida na Baixada está articulado à operação dos mercados ilegais nos
quais o ato de matar opera como fator chave. Poder matar é adquirir credenciais nos
mercados ilegais de bens financeiros e políticos. Se os mercados ilegais já́ vinham, há
muito, sendo apontados como correlatos às dinâmicas do homicídio no Brasil, o
contexto da Baixada exemplifica processos nos quais esses mercados estão em relação
com a política e com o Estado. Vimos, assim, como o uso excessivo da força, o poder
de matar, por parte dos policiais é manejado como uma ferramenta para a aquisição
de ganhos financeiros. Já́ no que diz respeito à fronteira com a política, explicitamos
uma rede de poderes que tem, na base, o controle de territórios e eleitorados e a
exploração criminosa serviços públicos e privados e, na ponta, carreiras políticas em
cargos eletivos e de confiança. É nessa fronteira com a política e seu vínculo com os
mercados criminosos que se configura uma modalidade de letalidade violenta que
chamamos de clientelismo homicida (RODRIGUES, 2017, p. 126).

Em contraposição a essa perspectiva, Oliveira (2015) conclui que o habitus policial


militar pautado no ethos guerreiro foi o principal elemento para desconfigurar o policiamento
comunitário proposto na política de segurança pública do Distrito Federal, a partir de 2007.

O debate presente nessas publicações demonstra as principais linhas de tendência que


vêm sendo discutidas acerca da cultura policial militar no Brasil. Com base nessas produções,
é possível compreender que a ideia de um profissional forjado para o combate, com ímpeto
violento, vem sendo questionada a partir de perspectivas distintas de análise. Essas
investigações também aprofundam os debates acerca das possíveis causas condicionantes da
violência exercida pelas instituições policiais como um problema que afeta organicamente toda
sociedade, apesar da intensidade em algumas frações de classe, raça e gênero. Nesse sentido,
40

essa revisão de literatura nos permitiu avançar o olhar sobre o objeto para construção da
pesquisa.

Dessa forma, por mais que a literatura apresentada não seja definitiva, entrega uma
abordagem justa ao tema, além de trazer importantes contribuições sobre a cultura policial, seja
no processo formativo, seja na violência sofrida ou praticada pelos policiais militares, ou, ainda,
seja na construção do policial como “guerreiro”. No capítulo seguinte, abordaremos a
construção teórica que irão estruturar a presente pesquisa.

2.5. Segurança Pública, Polícia Militar e Marcos legais

A segurança pública, nas últimas décadas, passou a assumir papel importante na


sociedade brasileira, sendo objeto de estudo da Academia e tema de grande importância na
esfera política, onde tem sido o ponto de inflexão para diversas candidaturas seja para o Poder
Executivo ou para o poder Legislativo.

As discussões públicas sobre segurança pública envolvem diversas proposições que


vão desde controle da violência, passando pela desmilitarização das Polícias Militares e
chegando ao aspecto de formação profissional do policial. Essas discussões resultaram na
criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), em 1997; na instituição do
primeiro Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), em 2000; na criação do Fundo Nacional
de Segurança Pública (FNPS), em 2000; na produção e implementação da Matriz Curricular
Nacional para ações formativas dos profissionais da área de segurança pública, no ano de 2003;
e na criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), em 2018.

Entretanto, as polícias militares brasileiras que têm sua origem na Guarda Real de
Polícia (GRP), datam de 1809, inicialmente no Rio de Janeiro, com a chegada da Família Real
no Brasil. Sua organização hierárquico-disciplinar, a partir do início do século XX, tem como
modelo as Forças Armadas. Esse fato impulsionou, desde sua criação, a formação dos policiais
militares a partir de uma pedagogia pautada na lógica do combate ao inimigo, minimizando a
ideia de proteção do cidadão e de guardião do Estado.

Hoje, mesmo com a Constituição democrática de 1988, as polícias militares continuam


como força auxiliar do Exército Brasileiro (EB), por imposição constitucional (BRASIL, 1988
– Art. 144 § 6º). Esse fato contraria o movimento da reforma nacional democrática, tendo em
vista que a reserva de domínio de autoridade de determinadas áreas civis por parte dos militares
se configura como elemento impeditivo da consolidação democrática (ALBUQUERQUE,
41

2017).

Segundo Kant de Lima diversos dos problemas ligados ao ethos repressivo, que
envolvem a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, tem origem na cultura formada pela
vinda da Família Real ao Brasil em 1807, criando a ideia da polícia a serviço do Rei.

o caráter “real” da polícia brasileira, tanto militar como civil: desde D. João VI, cuja
coroa enfeita o brasão de nossa Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, até o ethos
repressivo que permeia nossa Polícia Civil, está, sempre, a polícia, a serviço do Rei,
do Estado, para conciliar forçadamente ou para reprimir conflitos e não para resolvê-
los, garantindo a ordem estatal pública e não negociando e disciplinando,
preventivamente, a ordem dos cidadãos. (LIMA, 1999, p.35).

Essa polícia, que é a ferramenta latente do Estado, para fazer valer uma de suas
principais características que é o monopólio do uso da força física (JACHTENFUCHS, 2005),
desenvolve estratégias militares em modelos de policiamento orientados por ações de guerra
que fortalecem uma cultura belicista. Diante disso, vivencia profunda crise de identidade
(MUNIZ, 2001) e evidencia tensões entre a demanda de existir como polícia cidadã, adequada
ao contexto democrático, e a identidade militar forjada a partir da cultura tradicional do país
(VEIGA; SOUZA, 2018).

Apesar da influência militar das Forças Armadas ainda estar presente nas polícias
militares, a atividade policial também está impregnada com características civis devido ao
atendimento aos cidadãos com base nas leis de constituição do país, criando uma tensão entre
a sua constituição militar e atividade policial desempenhada. Para Rocha (2013), a dependência
das polícias com as Forças Armadas já não apresenta mais a exclusividade do passado,
possuindo um entrelaçamento de características militares e civis na atividade policial.

Nota-se que a relação das polícias com as Forças Armadas, com os militares em geral,
não se dá mais em uma exclusiva dependência institucional, mas, atualmente, ela
opera em um nível de representação no qual as polícias não se identificam como
instituições tipicamente castrenses, contudo adotam símbolos, culturas, valores,
condutas, procedimentos militares. Fortalece-se, assim, um campo policial-militar
com interfaces no campo propriamente militar e no campo 199 policial civil, no qual
os ritos do militarismo, sobremodo a hierarquia e a disciplina, são interpretados como
valores institucionais, normas organizacionais e procedimentos de ação. (ROCHA,
2013, p. 198-199).

Após mais de dois séculos da existência legal de órgãos policiais no país, o aumento
dos debates e preocupação com a redução da violência e dos índices criminais, em geral, data
do “final da década de 1960 e início dos 70. Desde então, jornais e revistas começaram a dedicar
mais atenção ao tema da violência urbana, particularmente no Rio de Janeiro e em São Paulo”
42

(COSTA, 1999, p. 03). Com a redemocratização do país na década de 1980, houve o aumento
da tendência de acompanhamento social dos índices de violência e de produção policial,
iniciada nas décadas anteriores.

Com a volta da democracia e o olhar mais próximo da sociedade civil nas ações dos
agentes públicos, incluindo os agentes ligados à segurança pública, iniciou um escrutínio do
sistema policial, passando assim a aparecer diversos indícios de corrupção não só nas polícias,
mas também, em outros órgãos públicos. Segundo Dellasoppa et alli (1999), havia, além da
corrupção, uma descrença no sistema de persecução criminal, misturada à ideia de diversos
setores sociais de que criminoso deve morrer. Isso que fazia com que os policiais fizessem
julgamentos sumários dos criminosos, inclusive com aplicação de pena letal.

Também há o uso de força letal pela polícia. A proporção extremamente baixa de


prisioneiros sentenciados, determinada pelas razões examinadas acima, também é um
ponto importante porque tem a violência como consequência: como o crime é uma
ocupação sem altos riscos, graças à corrupção da Polícia Civil e à ineficiência do
sistema de justiça criminal, é inútil encarcerar um homicida. Assim sendo, a punição
é frequentemente aplicada pela Polícia Militar sob a forma de pena capital, mediante
o uso de força letal. A sabedoria popular de que “ladrão tem de morrer mesmo”
assume o valor de uma crença que é compartilhada por amplos setores da população,
independente de classe social, e é talvez um dos mais perversos resultados da falência
atual do sistema de justiça criminal (DELLASOPPA et ali, 1999, p. 167).

As contradições geradas no cerne dessa crise fomentam perspectivas culturais distintas


sobre a atividade profissional do policial militar: uma que se orienta pelo paradigma dos direitos
humanos e outra por um ideal de combate ao inimigo (VEIGA, 2016). Dessa forma, por conta
da tensão entre os direitos humanos e o potencial guerreiro, a polícia, principalmente a Polícia
Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), tem se envolvido constantemente em ações,
noticiadas pela mídia e pesquisadas pela academia científica, que ferem constantemente os
direitos e garantias individuais.

Os números de mortes por intervenção policial – quando alguém é morto por confronto
com a polícia – no estado do Rio de Janeiro são muito altos quando comparados com os Estados
Unidos (EUA), por exemplo. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP,
2021), no ano de 2019, houve 1.814 mortes por intervenção de agentes do Estado. Nos EUA,
segundo levantamento (Democracy Dies in Darkness) feito pelo Washington Post (2021),
ocorreram 999 mortes por policiais em todo o país, no ano de 2019, no estado americano de
Nova York foram apenas 18 mortes da mesma natureza. Comparando os dois estados, são 1.000
vezes mais mortes por intervenção policial no Rio de Janeiro.
43

Após o conturbado período, que passa pela criação de uma nova Constituição Federal,
a estrutura pública brasileira, na década de 1990, sob o governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, entra na era do gerencialismo, com a publicação do Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995). O Plano trazia objetivos claros para o gestor
público, como linhas de ação para aumento de desempenho do Estado, a partir de conceitos
inovadores de gestão e da tentativa de mitigar os entraves do modelo burocrático do país.
Somando-se a isso, o Plano apresentava o discurso de redução do tamanho do Estado com
políticas de privatização, terceirização de mão de obra e de parceria público-privada e que fosse
mais ágil e possuísse um custo menor (BRASIL, 1995).

Nesse cenário, de mudança de conceito de gestão no Estado Nacional, foi criada, em


1997, ainda no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a SENASP. Essa Secretaria
passou a funcionar como o órgão central de alinhamento da segurança pública no país, editando
linhas de ação nacionais, promovendo fomento de práticas dos entes federativos através de
transferência de recursos federais, por intermédio do Fundo Nacional de Segurança Pública
(FNSP) e do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI).

Após poucos anos de existência, a SENASP publicou, em 2000, o primeiro Plano


Nacional de Segurança Pública. Posteriormente, publicou mais quatro planos, totalizando cinco
Planos Nacionais, sendo o último chamado de Plano e Política Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social, publicado em 2018, no qual já é definido o Sistema Único de Segurança
Pública.

A Política Nacional de Segurança Pública que ora se inicia com a implantação do


Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), para ser submetida à sociedade e aos
órgãos envolvidos na sua implementação, nasce para se consolidar como instrumento
de Estado. [...] Aprovado pelo Congresso Nacional depois de anos de estudo, o SUSP
é um primeiro e largo passo para o resgate do imenso passivo que o país construiu por
mais de um século na segurança pública (BRASIL, 2018, p.10).

Ainda no ano de 2000, o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso institui,


por meio da Medida Provisória nº 2.045-7/2000 (BRASIL, 2000), o Fundo Nacional de
Segurança Pública. O objetivo, definido no seu Art. 1º é: “apoiar projetos de responsabilidade
dos Governos dos Estados e do Distrito Federal, na área de segurança pública, e dos Municípios,
onde haja guardas municipais” (BRASIL, 2000).

No ano de 2003, foi publicada a Matriz Curricular Nacional Para Ações Formativas dos
Profissionais da Área de Segurança Pública. A edição dessa Matriz Curricular foi um marco
44

para a segurança pública do país, uma vez que passou a ser “um referencial teórico-
metodológico para orientar as Ações Formativas dos Profissionais da Área de Segurança
Pública” (BRASIL, 2014, p.12). A vinculação da malha curricular das escolas das polícias
militares e civis, além dos bombeiros militares, à Declaração Universal dos Direitos Humanos
e aos organismos internacionais referentes ao tema aponta para uma nova perspectiva para área.
Conforme o próprio documento:

A questão dos direitos humanos aplicados a ação dos profissionais de segurança


pública esta cercada de mitos e equívocos que atravessam o imaginário social e,
particularmente, a cultura tradicional dos órgãos mantenedores da segurança publica.
Apesar dos avanços, tem prevalecido uma visão de antagonismo entre os dois. O
profissional de segurança pública eficiente e profissionalizado em padrões de
excelência precisa estar eticamente comprometido com os direitos humanos, como
referência primordial de sua ação técnica, dando, assim, uma resposta aos anseios de
justiça e legalidade do sistema democrático, sem prejuízo da eficiência e da força na
prevenção e repressão do crime (BRASIL, 2014, p. 113).

Inicialmente, a Matriz Curricular utilizou a Classificação Brasileira de Ocupações


(CBO) como fonte de descrição das características da atividade de segurança pública. No
entanto, a SENASP ao longo dos anos, vem construindo diversos protocolos e planos para a
segurança pública nacional, com o intuito organizar e alinhar as polícias no Brasil. A partir
disso, no ano de 2012, foi publicado pela SENASP um estudo sobre o perfil profissiográfico
dos cargos das instituições estaduais de segurança pública e logo em seguida, no ano de 2013,
publicou o perfil das instituições de segurança pública do Brasil. Esse instrumento favorece a
elaboração de planos de formação profissional a partir de um objetivo único nacional. Isso
corrobora, portanto, com a instrumentalização de um currículo de formação de segurança
pública.

Em termos conceituais, conforme Faiad, entendemos que o perfil profissiográfico:

[...] aprofunda e detalha, em termos de pré-requisitos, as especificações necessárias


ao desempenho competente das tarefas e atribuições. Sendo assim, pode-se dizer que
a profissiografia é desenvolvida por meio de um criterioso trabalho de descrição de
cargos, que deve ter cada uma de suas tarefas descritas pormenorizadamente (FAIAD
et alli, 2012, p. 393).

Esse diagnóstico pretende levantar competências, habilidades e atitudes do cargo e do


profissional que o ocupa. Tal processo é realizado a partir da profissiografia. Conforme Pasquali
(2010, p. 14):

A profissiografia é uma metodologia utilizada para o levantamento do perfil


profissiográfico de um determinado cargo, ou seja, uma análise detalhada de suas
características e necessidades. Diferentemente de outras técnicas, como análise do
45

cargo e descrição do cargo, que são analisadas por uma amostra de ocupantes do
cargo, a profissiografia tem como diferencial um levantamento de dados na população
ocupante do cargo ou em uma amostra representativa de grande parte dessa população.

Desse modo, a análise do perfil profissiográfico é fundamental para aprimorar a


alocação da força de trabalho e criar um ambiente que possibilite ampliar a potência de uma
organização, detalhando as atividades, os perfis psicológicos e a qualificação necessária para o
melhor desempenho das atividades laborais (FAIAD et alli, 2012).

O perfil profissiográfico apresenta como melhoria em relação a outras técnicas o


“levantamento de dados na população de ocupantes do cargo ou em uma amostra representativa
de grande parte dessa população” (PASQUALI, 2009), pois atinge um grupo heterogêneo, além
de levar em conta diversas qualidades, atributos e aspectos de um único cargo ou função.

O uso da profissiografia é justificada, pois é capaz de abarcar assuntos e matérias com


características transversais, permitindo acessar diversas culturas e subculturas que permeiam a
Instituição policial, tendo em vista que além da Corporação gerir múltiplas atividades, como
segurança pública, educação, finanças, saúde, entre outras, possui também um efetivo humano
oriundo de diversos locais do estado e de diversas classes sociais.

A diversidade de cargos que uma Instituição de 50.000 funcionários possui, dificulta a


gestão tanto qualitativa, quanto quantitativa das atribuições difundidas pelos diversos atores
institucionais. Assim, entender a diversidade de cargos é fundamental para a melhor gestão das
pessoas em atividade na Corporação, para tanto Faiad (2012) indica que a profissiografia do
cargo é o “estudo científico das atribuições e responsabilidades dos cargos, descrição detalhada
das atividades e tarefas, identificação dos conhecimentos, habilidades e características pessoais
necessárias para sua execução e para a identificação de características restritivas ou impeditivas
para o cargo”.

Instituições militares, como o Exército Brasileiro, tem se preocupado com o perfil


profissiográfico. A portaria nº 114-DECEx, de 31 de maio de 2017, que trata das instruções
reguladoras do ensino por competência, indica uma série de protocolos para a formatação do
perfil profissiográfico no Exército Brasileiro, demonstrando a importância de protocolos
capazes de organizar a diversidade de cargos de Instituições com grande número de
funcionários.

Dessa forma, é importante que as ações ligadas ao ensino estejam alinhadas com o
46

desenvolvimento das habilidades, habilidades e atitudes dos profissionais que atuam direta e
indiretamente na Corporação. Com isso, a capacitação dos policiais militares deve estar em
consonância com o perfil profissiográfico estabelecido para os múltiplos cargos da Instituição,
já que o perfil profissiográfico é o responsável por definir as tarefas dos cargos e os requisitos
essenciais para que sejam ocupados adequadamente. Para tanto, se torna importante que o
processo de educação profissional da Instituição esteja totalmente alinhado com o perfil
profissiográfico com o intuito de que o objetivo da Corporação seja cumprido.

Assim, o estudo do perfil profissiográfico realizado pela SENASP é fundamental para


conhecer o tipo de profissional que se deseja para ocupar as atividades executadas pelas
polícias, tendo em vista que as políticas públicas almejadas pelo governo federal ou pelos
governos estaduais, necessitam desses dados para alocar corretamente o policial com as
competências necessárias para cada função exercida nas instituições de segurança pública, caso
contrário o risco das políticas públicas não serem bem sucedidas é alto.

O perfil profissiográfico permite que Instituições entendam quais características


pessoais são importantes para o desempenho adequado das funções exercidas por seus
funcionários, no caso das policiais militares dos policiais militares que ocupam toda a amplitude
de cargos e funções que existem na Instituição.

Todo o esforço dos governos federais e estaduais tem sido direcionado a atingir um
alinhamento da política de polícia de proximidade e de polícia cidadã, que estão instituídas nos
acordos e declarações internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos,
adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU, 1948).

Dessa forma, o país tem procurado se manter alinhado formalmente aos organismos
internacionais que tratam de direitos humanos e polícia cidadã, tendo em vista que o próprio
Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2018) tem a previsão de
cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovido pela
Organização das Nações Unidas, onde estrutura um conjunto de 17 objetivos e 169 metas que
foi assinado por 193 países, após dois anos de debate e que passou a vigorar janeiro de 2016,
principalmente os “ODS 3, 5,10, 16 e 17 que tratam, de forma integrada, das ações relacionadas
com a prevenção e superação da violência e do crime” (BRASIL, 2018, p. 13).

2.5.1. Modelos de Patrulhamento

A Polícia Militar hoje tem como função principal a preservação da ordem pública e o
47

policiamento ostensivo, definido pelo Art. 144, inciso V, §5º da Constituição da República
Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Ainda, o Art. §6º dessa mesma Constituição prevê que
as polícias são forças auxiliares e reserva do Exército Brasileiro (EB), mas, subordinam-se aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

A função principal da PMERJ, de preservação da ordem pública e policiamento


ostensivo, é regulamentada por ato do Secretário de Polícia Militar, através da Instrução
Normativa (IN) nº 23/2015 (RIO DE JANEIRO, 2015), pública em Boletim Ostensivo da
Corporação nº 27, de 12 de fevereiro de 2015. A IN define que a atividade policial militar será
realizada através de três tipos de policiamento: Policiamento Ostensivo Ordinário (POO),
Policiamento Ostensivo Extraordinário (POE) e Policiamento Ostensivo Complementar (POC).
Esses tipos de policiamento são realizados de sete formas distintas: a pé, de bicicleta,
motorizado, montado, aéreo, por embarcações e em patrulha.

O tipo de policiamento mais importante da PMERJ é o POO, pois é a forma pela qual
a polícia está nas ruas diariamente. O POO é normalmente passivo, pois espera um acionamento
e tem como objetivo cumprir a sua função constitucional de preservação da ordem pública.
Segundo a IN nº 23/2015 é o “Policiamento regular destinado ao cumprimento da missão
precípua da PMERJ. Caracteriza-se pelo emprego do policiamento implantado no terreno de
forma duradoura e contínua” (RIO DE JANEIRO, 2015, p. 38).

Esse tipo de policiamento, como a própria IN preconiza, é a principal atividade da


polícia militar. É composto de atividades rotineiras, de ocorrências cotidianas, como briga de
vizinhos, acidente de trânsito, perturbação do sossego, entre outras. Ou seja, a principal
atividade da Polícia Militar é, por natureza, um aspecto da polícia de proximidade ou polícia
comunitária e não está impregnada com o ímpeto violento marcado pelo ethos guerreiro
prevalente na Corporação, tendo em vista que essas atividades ordinárias não demandam sequer
o uso de arma de fogo. A exceção é o patrulhamento tático motorizado (PATAMO), que é
executado por uma guarnição de policiais militares, possuidores do Curso de Ações Táticas,
que são chamados quando se necessita de uma intervenção mais intensa, como no caso de trocas
de tiros com criminosos em áreas conflagradas, que é acionado para intervenções em que
normalmente há troca de tiros com criminosos.

O POE só é empregado em grandes eventos, como carnaval, réveillon ou eventos


culturais ou esportivos de grande monta. Assim, é aplicado em eventos que, normalmente, são
48

pacíficos e raramente é utilizada arma de fogo para contenção das ocorrências policiais geradas.

O POC é o emprego de policiais “em diferentes tipos de operações de aspecto


preventivo e repressivo” (RIO DE JANEIRO, 2015, p. 43). Ele é dividido em três formas
básicas: Operação de Ação Preventiva (APrev); Operações de Ação Repressiva (ARep); e
Operações de Fiscalização de Condutores Veículos (OpFisc); sendo as duas primeiras as mais
recorrentes.

O POC é o tipo de policiamento que está mais ligado a ações que envolvem violência,
e ela possui quatro formas: A Rep 1 – Vasculhamento; A Rep 2 - Busca e Captura; A Rep 3 –
Revista; e A Rep 4 – Cerco. Todas essas formas são ações ativas, que são executadas após uma
ordem do comando do Batalhão ou do alto comando da Polícia Militar. As ações repressivas
são determinadas para que haja recuperação, apreensão ou prisão de algum criminoso ou
material que seja produto de crime. Assim, o risco de haver confronto armado é muito alto em
operações desse tipo.

A atividade policial militar em linhas gerais é composta por ações cotidianas, que não
envolvem violência de nenhum tipo, muito menos há a necessidade do uso de arma de fogo
para a solução da grande maioria dos atendimentos realizados pelo policial militar. As operações
policiais militares complementares, por mais que ocorram quase que diariamente, ocupam um
percentual muito pequeno no total de atividades realizadas pela Polícia Milita, tendo em vista
da natureza da atividade ser de uso específico e com duração definida. Contudo, ainda assim,
são elas que representam quase a totalidade de divulgação da mídia formal sobre a Instituição,
e acabam estimulando o ideário policial militar do combate a criminalidade e,
consequentemente, do ethos guerreiro.

Essa cultura de combate ao crime presente na Polícia Militar e que contribui,


diretamente, para a ideia do ethos guerreiro não é a política institucional registrada nos
documentos formais da Corporação. A Diretriz Geral de Ensino e Instrução, publicada no
Boletim Ostensivo da Corporação, no dia 23 de novembro de 2004 (RIO DE JANEIRO, 2004),
é um exemplo disso. Esse Documento preconiza, tanto em seus objetivos gerais, quanto nas
suas estratégias, a os Direitos Humanos e a prática da polícia cidadã:

As estratégias aplicadas às atividades de ensino e à instrução policial militar devem,


basicamente, atentar para [...] a elaboração de revisões e atualizações curriculares
pautadas no caráter interdisciplinar e na transversalidade dos conteúdos
programáticos, onde direitos humanos e cidadania são referências éticas, normativas
49

– legais e práticas que privilegiam o respeito à pessoa, à justiça social e à compreensão


e valorização das diferenças (RIO DE JANEIRO, 2004, p. 7).

Nessa mesma direção, o estado do Rio de Janeiro, em 2008, por meio da Polícia
Militar, iniciou o chamado processo de pacificação na Comunidade Santa Marta, no bairro de
Botafogo, zona Sul da capital, por meio do Decreto nº 41.650/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009).
A primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), com foco na prática da polícia cidadã, foi
muito bem-sucedida em retomar o controle territorial da comunidade, antes dominada pelo
narcotráfico. Após à implementação da UPP Santa Marta, outras 37 (trinta e sete) UPPs foram
criadas com o objetivo de pôr em prática a Política de pacificação em diversas áreas da cidade
do Rio de Janeiro.

Diferente das experiências anteriores, a política pública de pacificação do estado do


Rio de Janeiro não se limitou à execução de projetos de pacificação, mas procurou elaborar um
fundamento teórico para implantação das UPPs. Em continuidade ao Projeto de pacificação, a
PMERJ publicou a Instrução Normativa de Polícia de Proximidade (INPP) nº 22/2015 (RIO
DE JANEIRO, 2015), que busca consolidar a filosofia de polícia de proximidade, indicando
sua finalidade e conceitos de polícia cidadã, denominados como polícia de proximidade e
polícia comunitária, entre outros, além de execução das estratégias para sua implementação.

Segundo essa normativa:

[...] A polícia de proximidade é uma filosofia na qual policiais e cidadãos dos mais
diversos segmentos societais trabalham em parceria, desenvolvendo ações em regiões
territoriais específicas, promovendo o controle das questões relacionadas ao
fenômeno criminal. Está alicerçada sob os seguintes princípios: Prevenção,
Descentralização, Proatividade e Resolução Pacífica de conflitos. Sua
operacionalização consiste nas ações de polícia baseadas na Aproximação, Presença,
Permanência, Envolvimento e Comprometimento do policial no seu ambiente de
trabalho, objetivando a redução dos indicadores de violência e criminalidade e a
melhoria da qualidade de vida das pessoas naqueles locais.

E polícia comunitária:

[...] É uma filosofia e estratégia organizacional que proporcionam uma nova parceria
entre polícia e comunidade. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a
comunidade devam trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas,
tais como crimes graves, medo do crime e, em geral, a decadência do bairro, com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida na área. Observe-se que tanto a polícia
comunitária quanto a polícia de proximidade, em essência, estão sob um mesmo feixe
de significados (RIO DE JANEIRO, 2015, p. 20).

Dessa forma, percebemos que houve um esforço da PMERJ em teorizar uma filosofia
para a formação da sua cultura institucional voltado para a prática da polícia cidadã, buscando
50

estar alinhada com os organismos internacionais que são referências no tema, a partir da
publicação de marcos legais corporativos e de construção de currículos voltados para a prática
da polícia de proximidade e da cidadania.
51

Capítulo 3 – Ethos guerreiro e a atividade policial militar no Rio de Janeiro

Neste Capítulo, apresentamos os resultados do levantamento realizado a partir de


questionário aplicado a integrantes da PMERJ. Assim, reunimos as questões referentes aos
policiais militares que participaram voluntariamente da pesquisa. Esse conjunto de questões
visava traçar um perfil do grupo participante a partir do grau hierárquico exercido dentro da
Corporação, do gênero, da faixa etária, do grau de escolaridade, da região do estado do Rio de
Janeiro de residência1, da subordinação da sua unidade policial militar de lotação e do tipo de
função que exercia no momento da resposta ao questionário.

3.1. Perfil dos policiais participantes

O percentual de distribuição do efetivo total da PMERJ, em dezembro de 2021, por


unidade de subordinação, consolidado conforme descrito na tabela abaixo, está bem alinhado
com a mesma distribuição dos sujeitos pesquisados, tendo em vista que a diferença entre a
distribuição dos policiais militares e a distribuição dos sujeitos pesquisados na maioria das
unidades de subordinação fica entre 1 ou 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Assim,
é possível dizer que a amostra dos pesquisados possui uma representatividade significativa do
sujeito médio da corporação, tendo em vista que além de haver representantes de todas as
unidades de lotação da PMERJ, estão distribuídos percentualmente de maneira proporcional.

TABELA 1: COMPARAÇÃO ENTRE NÚMERO DE SUJEITOS PESQUISADOS E


DO EFETIVO POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, POR ÁREA
DE LOTAÇÃO – 2022
UNIDADES PMERJ EFETIVO PMERJ SUJEITOS PESQUISADOS
1º CPA 11% 10%
2º CPA 9% 22%
3º CPA 8% 7%
4º CPA 7% 6%
5º CPA 6% 4%
6º CPA 7% 4%
7º CPA 4% 3%
COE 5% 2%
CPAM 1% 1%
CPE 6% 5%
CPP 13% 5%
QUARTEL GENERAL OU 24% 31%
DIRETORIAS GERAIS
TOTAL 100% 100%
Fonte: elaboração do autor

1
Conforme a distribuição das Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) estabelecida pelo Decreto nº
41.930, de 25 de junho de 2009 (RIO DE JANEIRO, 2009).
52

Entre os sujeitos pesquisados, cerca de 86% do grupo participante são praças (soldado
a subtenente) que são empregados como elementos de execução e responsáveis pelo
policiamento ostensivo nas ruas do estado do Rio de Janeiro. O outro grupo, que representa
menos de 14% do total do grupo participante são oficiais (tenente a coronel) que exercem
funções de chefia e gestão da corporação.

Outros aspectos sobre o sujeito médio da PMERJ, como posto e graduação, gênero e
faixa etária também estão alinhados com o perfil dos participantes desta pesquisa. Entre os
sujeitos pesquisados, cerca de 86% do grupo participante são praças. O outro grupo, que
representa menos de 14% do total do grupo participante são oficiais. Os participantes da
pesquisa representam, com muita proximidade, a média de policiais entre praças e oficiais,
tendo em vista que os registros internos da PMERJ dão conta de que o seu efetivo total é
representado por cerca de 10% de oficiais e cerca de 90% de praças.

Ao lançarmos o olhar sobre o sujeito médio da PMERJ, em relação a gênero,


identificamos que 10% do efetivo total da Instituição é representado pelo gênero feminino e
nos sujeitos pesquisados temos uma representação de 12% do gênero feminino. Em relação a
faixa etária, o sujeito médio da PMERJ possui 41 anos, e entre os sujeitos pesquisados, 43%
estão compreendidos na faixa etária de 35 a 45 anos, em contraponto com 34% inserido na faixa
etária de 26 a 35 anos, e 23% na faixa etária acima de 46 anos.

Os cabos e soldados que representam cerca de 37% do total de efetivo ativo da


Instituição tiveram adesão mais baixa à pesquisa, totalizando 19% das respostas. Em
contraposição, podemos considerar o nível de maturidade dos sargentos na Instituição, que
apresentaram maior adesão a pesquisa, tendo em vista que são policiais militares com, no
mínimo, 12 anos de serviço, além de suas atividades, como policiais, serem mescladas entre
fiscalização e execução. Contudo, não temos elementos objetivos para afirmar quais motivos
podem justificar essa distorção na participação de soldados e cabos e sargentos.
53

GRÁFICO 4: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR POSTO E GRADUAÇÃO PM –


2022
40,00%

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
M

PM

PM
M

PM
M

PM

PM
PM
PM
lP

P
lP

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o
e
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Co

a)
So
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Te

Sa

o(
b
e

Su

un
t
en

Al
n
Te

Participantes Efetivo

Fonte: elaboração do autor

O quantitativo de alunos do CFSD apresenta um percentual elevado em relação aos


demais participantes da pesquisa. Os alunos do CFSD não puderam ser comparados com o total
da Corporação, pois as turmas terminam ao longo do tempo e haveria distorções importantes se
comparados. Esse número elevado de respostas pode ter sido influenciado pela leitura da
publicação da pesquisa no Boletim retro mencionado nos “paradões” diários do CFSD, uma
vez que os e-mails dos alunos não constavam no sistema.

As respostas sobre a questão do gênero do participante apresentam coesão com o


percentual de homens e mulheres que compõem o efetivo atual da Polícia Militar. Os
participantes do sexo feminino representaram 12%, enquanto os do sexo masculino
representaram 88% do total de participantes. Esse elemento foi inserido para possibilitar a
análise das questões posteriores, uma vez que a ideia de ethos guerreiro tem relação intrínseca
com o conceito de masculinidade.
54

GRÁFICO 5: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR SEXO– 2022


100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
FEMININO MASCULINO

Participantes Efetivo

Fonte: elaboração do autor

Ao analisarmos o aspecto faixa etária, notamos a baixa adesão de participantes com


faixa etária menor que 26 anos, considerando que a idade mínima para entrar na polícia militar
é de 18 anos. Essa baixa adesão poderia estar alinhada ao baixo quantitativo de respostas dos
policiais que estão nas graduações de soldado e cabo, contudo, o elevado quantitativo de alunos
do CFSD participantes da pesquisa evidencia que o perfil do ingressante na PMERJ, no quadro
de praças, consiste em sua maioria sujeitos com faixa etária acima de 26 anos. Esse fator diz
respeito ao momento histórico atual, uma vez que os alunos do CFSD participantes da pesquisa
foram candidatos aprovados no último concurso PMERJ, ocorrido no ano de 2014. Desde então,
não houve outros processos seletivos para o quadro de praças.

Cerca de 66% dos participantes da pesquisa estão inseridos na faixa etária acima de 36
anos. Esse fato demonstra que o perfil do grupo participante consiste em policiais militares mais
maduros, como evidenciado anteriormente na análise dos postos e graduações dos participantes.
Esse dado coletado pode indicar que policiais mais experientes, seja por conta da idade ou por
conta do tempo de serviço, possuem maior entendimento sobre a necessidade de responder
pesquisas sobre a instituição, para otimizá-la ou desenvolvê-la.
55

GRÁFICO 6: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR FAIXA ETÁRIA – 2022


50,00%

45,00%

40,00%

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
18 a 25 anos 26 a 35 anos 36 a 45 anos acima de 46 anos

Participantes Efetivo

Fonte: elaboração do autor

Combinado ao fator idade e ao fator posto e graduação, o tempo de serviço denota a


experiência do grupo de participantes. Ao serem questionados a esse respeito, cerca de 1/3 dos
participantes informaram possuir mais de 16 anos de serviço, enquanto, os outros 2/3 possuem
até 15 anos de serviço. Desses últimos, é expressivo o quantitativo de participantes com até 5
anos de tempo de serviço. Esse número concentra os alunos do CFSD e os soldados que
responderam ao questionário.

Outro dado importante a ser mencionado é o número considerável de participantes com


mais de 30 anos de tempo de serviço, uma vez que o tempo de serviço necessário para
aposentadoria na PMERJ, até o ano de 2021, foi de 30 anos. Isso indica que, além de
permanecerem na instituição mais tempo que o necessário para garantia dos direitos
previdenciários, tais participantes se sentem motivados a contribuir com pesquisas acadêmicas.
56

GRÁFICO 7: NÚMERO DE PARTICIPANTES POR TEMPO DE SERVIÇO – 2022

45,00%

40,00%

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
até 5 anos 06 a 10 anos 11 a 15 anos 16 a 20 anos 21 a 25 anos 26 a 30 anos Mais de 30
anos

Participantes Efetivo PM

Fonte: elaboração do autor

Outro questionamento inserido no formulário faz relação com aspectos geográficos,


tanto no que diz respeito à residência dos participantes, quanto sobre à subordinação ao
Comando de Área da Unidade dos participantes. Esse elemento teve como motivação a
compreensão acerca das possíveis diferenças e semelhanças nas respostas de participantes que
residem e trabalham em áreas geográficas com características distintas, de modo a perceber a
existência ou não de padrões relacionados à condição geográfica de onde vive ou trabalha o
participante. E ainda, para que pudéssemos entender se há diferença de percepção de cultura do
policial militar entre o interior do estado, a Capital e a Baixada Fluminense, ou mesmo entre os
residentes das diferentes regiões da Capital do estado do Rio de Janeiro. Esses aspectos serão
importantes para as relações estabelecidas nas questões incertas na segunda seção deste
Capítulo.

O questionamento acerca da área de residência dos participantes indicou que 36% dos
sujeitos pesquisados residem na área do 2º CPA da Polícia Militar, que compreende zona Oeste
e parte da zona Norte da Capital, coincidentemente, área com maior indicativo de bairros pobres
e comunidades, que são as regiões com menor custo de vida da Cidade do Rio de Janeiro. Cerca
de 20% dos participantes responderam que são residentes do 3º CPA da Polícia Militar, que
57

compreende a Baixada Fluminense, que também possui características de periferia, com altos
índices de desigualdade social e econômica. As duas regiões de residência compreendem mais
de 50% do total dos participantes da pesquisa.

GRÁFICO 8: NÚMERO PARTICIPANTES POR ÁREA DE RESIDÊNCIA – 2022


40,00%

35,00%

30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
1º CPA 2º CPA 3º CPA 4º CPA 5º CPA 6º CPA 7º CPA

Participantes Efetivo PM

Fonte: elaboração do autor

A pergunta sobre os dados da área de subordinação dos sujeitos investigados nos dão
a mesma perspectiva da área de residência dos participantes, que é entender se há diferença de
percepção entre os policiais militares lotados em diferentes tipos de unidades da Polícia Militar,
que, consequentemente, executam tarefas distintas. O dado que chama atenção é o número de
participantes do 2º CPA, que computa 22% do total de participantes. Entretanto, devemos
considerar que pode haver distorções nessas respostas tendo em vista que o 2º CPA é onde a
maioria dos participantes dessa pesquisa tem residência, assim os participantes podem ter
confundido as perguntas.
58

GRÁFICO 9: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS POR ÁREA DE


SUBORDINAÇÃO DOS PARTICIPANTES – 2022
35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%
A

s
E

E
A

AM

ai
CP
CO
CP

CP

CP

CP

CP

CP

CP
CP

er
CP

sG

ria
to
re
Di
ou
Participante Efetivo

QG
Fonte: elaboração do autor

A análise de área de atividade dos sujeitos investigados é muito importante, tendo em


vista que o tipo de atividade que o policial militar exerce dentro da Corporação pode ser um
fator decisivo em sua percepção da realidade e da cultura institucional. Jerome Skolnick (2011),
entende que para compreender uma “personalidade de trabalho” (“working persolinnlity”), é
necessário considerar o local de trabalho do policial e sua área de subordinação na Corporação.

Nesse caso, há um equilíbrio muito positivo nas respostas entregues, pois cerca de 31%
dos participantes da pesquisa estão em curso, cerca de 26% estão em atividades administrativas
e cerca de 33% estão executando atividades operacionais, que são as atividades finalísticas de
policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública do Estado do Rio de Janeiro. Esse
equilíbrio entre a atividades dos participantes permite que o resultado da pesquisa seja mais
homogêneo e confiável.
59

GRÁFICO 10: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS POR ÁREA DE


ATIVIDADE ATUAL DOS PARTICIPANTES – 2022

Saúde
3%
Administrativa
26%
Operacional
33%

Correcional
2%

Ensino
5%
Em curso de
formação
31%

Fonte: elaboração do autor

3.2. Percepção do Policial militar sobre a sua própria função

Nesta seção, apresentamos a análise das questões referentes ao segundo grande bloco
de perguntas. Concentramos nesse eixo questionamentos acerca da percepção dos policiais
militares participantes da pesquisa em relação à cultura institucional e a aspectos éticos que
perpassam as ações policiais. Nossa intenção foi levantar dados acerca da forma os sujeitos
investigados se relacionam com eventos de violência na rotina profissional e como se
posicionam em relação a dimensões políticas, legais e estruturais da profissão policial militar.
Os dados apresentados nesta seção foram coletados a partir de 16 questões, mencionadas no
início deste Capítulo, sendo 14 de múltipla escolha e duas dissertativas.

A primeira pergunta desse bloco diz respeito a um conceito ético, bem subjetivo, de
difícil definição que é a ideia de “Bem”, desenvolvidas na percepção do que é “Bom” e do que
é “Mau”. Essa questão visou compreender características que os sujeitos participantes da
pesquisa consideram como inerentes ao bom policial e a questão posterior propôs a percepção
inversa, ao realizar o mesmo questionamento acerca do mau policial. Entretanto, sem a
necessidade de um aprofundamento filosófico, podemos perceber como os sujeitos investigados
60

percebem a natureza da própria atividade.

Inserimos na questão referente ao bom policial, palavras que seguem uma gradação de
intensidade comportamental que vão de: agressivo e insensível, como atitudes mais rudes; e
cordial e simpático, como atitudes mais afáveis. Na questão referente ao mau policial inserimos
palavras diferentes, mas que seguem a mesma gradação de intensidade comportamental que
vão de: bronco e feroz, como atitudes mais obtusas; e atencioso e agradável, como atitudes mais
amistosas.

Os sujeitos pesquisados responderam que as três principais características de um bom


policial são: cordial, estudioso e guerreiro. Aqui podemos identificar que os sujeitos
pesquisados consideram que as duas principais características do bom policial: cordial e
estudioso, são ideias ligadas à polícia cidadã, que preserva a ordem. Está alinhada, também, ao
projeto da PMERJ de construir uma cultura com conceitos de polícia de proximidade e polícia
cidadã, conforme orienta a Diretriz Geral de Ensino e Instrução (D-9), a qual indica que o
objetivo da PMERJ é: “Formar e qualificar profissionais de segurança pública com base nos
valores democráticos e na prática cidadã” (RIO DE JANEIRO, 2004, p. 7). Essas ideias estão
alinhadas, ainda, com o Plano Nacional de Segurança Pública (2018) e com o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável da ONU, já mencionados no Capítulo anterior.

GRÁFICO 11: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE CARACTERÍSTICAS DE UM


BOM POLICIAL – 2022

CORDIAL

ESTUDIOSO

GUERREIRO

AMIGO

FORTE

SIMPÁTICO

RESPEITOSO

INSENSÍVEL

AGRESSIVO

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000

Fonte: elaboração do autor


61

Por outro lado, ainda que haja certo alinhamento formal, ao menos no campo do
discurso, com a Política de segurança pública acerca do perfil adequado do policial, nas duas
primeiras características escolhidas, a ideia de guerra, e consequentemente, do ethos guerreiro
permanece presente inclusive na forma como o sujeito pesquisado considera um bom policial.
A terceira característica de um bom policial, escolhida por cerca de 57% dos participantes da
pesquisa foi: guerreiro. Essa escolha indica que um ideário pautado no ethos guerreiro está
solidificado na cultura institucional, constituindo valor para a práxis profissional no cotidiano
do policial militar (MUNIZ, 2001; ZALUAR, 2014; PONCIONI, 2005; BOURDIEU, 1989).

As repostas à pergunta sobre as três características de um mau policial militar estão


alinhadas com a pergunta anterior e a ratifica, tendo em vista que ocorre o mesmo padrão de
respostas. A primeira e a segunda palavras assinaladas: feroz e duro – indicam a adesão dos
sujeitos pesquisados à Política de polícia cidadã e respeito aos Direitos Humanos. Contudo, a
terceira palavra escolhida: teórico, como mau policial, indica o peso da cultura do ethos
guerreiro no âmbito dos policiais militares, pois um guerreiro não teoriza, age, cumpre, executa.

GRÁFICO 12: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE CARACTERÍSTICAS DE UM


MAU POLICIAL – 2022

FEROZ

DURO

TEÓRICO

DIPLOMÁTICO

VIGOROSO

AGRADÁVEL

COMBATENTE

ATENCIOSO

BRONCO

0 200 400 600 800 1000 1200

Fonte: elaboração do autor

As respostas para as características de bom e mau policial apresentam uma certa


62

contradição, pois os sujeitos pesquisados consideram a palavra estudioso como a segunda


característica mais importante para um bom policial, entretanto também consideram o teórico
– palavra que expressa semelhanças com a palavra estudioso – como a terceira característica
mais importante do mau policial. Esse paradoxo entre as respostas pode estar relacionado com
as tensões entre duas principais tendências contrárias presentes no campo da segurança pública:
a cultura do ethos guerreiro, ou seja, da ideia da virilidade masculina e a Política de segurança
cidadã que consta nas orientações e amparos legais para formação policial militar, bem como,
nas normas promulgadas pelos organismos internacionais e acatadas pelos governos Federal e
Estadual do Rio de Janeiro (JABLONKA, 2021; FOUCAULT, 1999; BOURDIEU, 1989;
VANDELLO; COHEN, 2003; ZALUAR, 2014; VEIGA; SOUZA, 2018).

GRÁFICO 13: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE PARTICIPARAM


DE TROCA DE TIRO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR – 2022

Não
562

Sim
602

Fonte: elaboração do autor

As perguntas sobre participação do sujeito investigado em momentos de confronto


armado, considerando as possibilidades de ter sido, ele próprio, alvejado por projétil de armas
de fogo, de ter outro policial militar de sua guarnição alvejado por projétil de arma de fogo e
de ter alvejado alguém com projétil de arma de fogo, durante o serviço policial militar, têm
como objetivo compreender o nível de violência ao qual o participante da pesquisa está
submetido durante suas atividades laborais cotidianas. Com base nesse conhecimento,
63

posteriormente, compreender se isso afeta seu discernimento em relação ao afastamento ou


acatamento da cultura do ethos guerreiro, em detrimento da prática da polícia cidadã ou da
defesa dos Direitos Humanos.

Ao olharmos para o número de sujeitos investigados que participaram de confronto


armado durante o serviço policial militar, percebemos que a maioria dos sujeitos investigados,
mais de 50% estiveram em alguma operação policial em que houve disparo de arma de fogo.
Entretanto, nesse grupo de sujeitos investigados existem alunos do CFSD e por isso ainda não
exerceram o serviço policial em sua plenitude. Portanto, responderam que nunca participaram
de confronto armado em serviço. Desse modo, ao considerar os sujeitos investigados que
efetivamente exercem a missão policial militar, o percentual de sujeitos investigados que
participou de confronto armado em serviço sobe para cerca de 78%. Esse percentual é muito
significativo e reflete como fator de estresse em altos níveis, fazendo com que os fatos
vivenciados no seu dia a dia de trabalho divirjam das teorias ensinadas nos bancos escolares da
corporação.

GRÁFICO 14: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE FORAM


ALVEJADOS POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO DURANTE O SERVIÇO
POLICIAL MILITAR – 2022

Sim

Não

Fonte: elaboração do autor

Além da participação em eventos de confronto armado, o número de sujeitos


64

participantes da pesquisa que informaram terem sido alvejados por projetil de arma de fogo
durante o serviço é cerca de 8% do total dos investigados. Esse número também é alto e indica
o nível de violência sofrida pelos policiais, quando em atividade de policiamento ostensivo.
Esses eventos tendem a fortalecer a ideia de combate à criminalidade, a ideia de reciprocidade
no uso da violência, enfim, a cultura do ethos guerreiro.

Além disso, cerca de 28% dos sujeitos investigados informaram a participação em


eventos nos quais tiveram integrantes de sua equipe alvejados em confronto armado. O
percentual mais alto, inclusive, do que o percentual das ocasiões nas quais o sujeito participante
foi o alvo dessa investida, traz à tona aspectos que reforçam a conduta de revidar para defender
sua equipe. A ideia de espírito de corpo presente na cultura policial militar (CASTRO, 2004)
constrange àqueles que não empreendem ações de revide nessas ocasiões, uma vez que ao
observar seu parceiro de equipe ser alvejado e manter-se inerte demonstra covardia e fraqueza.

GRÁFICO 15: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE TIVERAM ALGUM


INTEGRANTE DE SUA GUARNIÇÃO ALVEJADO POR PROJÉTIL DE ARMA DE
FOGO DURANTE O SERVIÇO POLICIAL MILITAR – 2022

Sim
28%

Não
72%

Fonte: elaboração do autor

A sequência de perguntas sobre a participação dos sujeitos pesquisados em ações


violentas, causadas pelos próprios policiais ou por sujeitos externos à Polícia Militar, busca
perceber o quanto o policial militar está exposto ao perigo e o quanto esse perigo potencializa
65

a cultura do ethos guerreiro.

Para Skolnick (2011), a personalidade policial quando relacionada ao perigo iminente


torna-o atento ao potencial de violência da situação. Essa violência sofrida é incompatível com
a promoção das ideias de polícia cidadã com a normativa formal pública nos canais oficiais da
Corporação. Essa contradição, segundo Poncioni (2021), está presente no descompasso entre
os planos Institucionais e os discursos do alto comando da Corporação, e a transmissão de
conhecimento na formação do policial.

GRÁFICO 16: NÚMERO DE SUJEITOS INVESTIGADOS QUE JÁ ALVEJOU


ALGUÉM COM PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO DURANTE O SERVIÇO
POLICIAL MILITAR – 2022

Sim
24%

Não
76%

Fonte: elaboração do autor.

Os descompassos entre o dever ser e a atividade expostos nos níveis de violência, a


que o grupo está submetido, refletem socialmente retroalimentando a violência. Isso se torna
evidente nas respostas à questão sobre alvejar pessoas durante o confronto armado. O número
de sujeitos investigados que alvejaram alguém com projétil de arma de fogo (24%) ratifica o
nível de estresse e de perigo iminente que a atividade policial no estado do Rio de Janeiro
impinge ao cotidiano do policial militar, bem como daqueles que confrontam o Estado usando
o poder bélico.

Perguntar o sentimento dos policiais sobre alguma ocasião que o levasse a alvejar um
66

criminoso ou um inocente foi fundamental para entendermos o quanto a cultura do ethos


guerreiro, ou, consequentemente, a cultura do combate está presente na atividade policial.
Tendo em vista que o país possuí uma história de autoritarismo e violência, principalmente em
relação a minorias como o pobre, o negro, a mulher, o homossexual etc. (CHAUI, 2000;
RIBEIRO, 1995; PONCIONI, 2021), fazendo com que o trabalho policial sofra influência direta
da cultura histórica do governo local.

GRÁFICO 17: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE O SENTIMENTO EM UMA


OCASIÃO QUE LEVASSE O SUJEITO INVESTIGADO A ALVEJAR ALGUM
CRIMINOSO – 2022

Sentimento de serenidade por ter praticado o estrito


cumprimento do dever legal.

Sentimento de realização por ter cumprido o dever


de policial militar.

Nenhum sentimento.

Sentimento de frustração por estar envolvido em um


situação de violência.

Sentimento de culpa por ter tirado uma vida.

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000
Fonte: elaboração do autor

Nesse sentido, podemos perceber a diferença das respostas dos sujeitos pesquisados,
quando se trata do alvo atingido, pois acertar com um projétil de arma de fogo uma pessoa gera
sentimentos absolutamente opostos nos policiais investigados, tendo em vista que se for um
potencial criminoso, o sentimento é de serenidade ou realização, mas se for um pretenso
inocente, o sentimento passa a ser de culpa.

As duas perguntas foram construídas propositalmente iguais trocando apenas a palavra


criminoso por inocente, pois pretendíamos uma resposta do inconsciente coletivo dos sujeitos
investigados. Como Jung (1980) adverte sobre a manifestação características dos arquétipos
que nos impele a transpor os limites humanos.
67

Na pergunta não há menção alguma a um cenário de violência, onde pudesse haver um


cenário de trocas de tiros, e, consequentemente, de tentativa de proteção da vida do policial ou
de terceiros (os inocentes).

GRÁFICO 18: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE COMO O SUJEITO


INVESTIGADO SE SENTIU OU SE SENTIRIA EM UMA OCASIÃO QUE O
LEVASSE A ALVEJAR ALGUM INOCENTE – 2022

Sentimento de culpa por ter tirado uma vida.

Sentimento de frustração por estar envolvido em um


situação de violência.

Sentimento de serenidade por ter praticado o estrito


cumprimento do dever legal.

Nenhum sentimento.

Sentimento de realização por ter cumprido o dever


de policial militar.

0 100 200 300 400 500 600 700

Fonte: elaboração do autor

O criminoso citado na pergunta, pode ser um sujeito que comete qualquer tipo de
crime, inclusive um furto famélico (aquele que é cometido apenas para saciar a fome do
indivíduo que pratica o crime). Ainda assim, 86% dos participantes afirmaram se sentirem
serenos ou realizados por cumprimento do dever ao alvejar esse sujeito. Esse movimento do
público pesquisado indica como a ideia de combate ao crime e do ethos guerreiro ocorre no
inconsciente coletivo do policial militar, que muitas vezes não se dar conta dessa ideia.

O posicionamento oposto representado pelas respostas na pergunta sobre alvejar um


inocente fica muito claro, quando, ao delimitar o cidadão que está interagindo com o policial
como inocente, cerca de 84% do total de policiais pesquisados responderam que teriam
sentimento de culpa ou frustração por se envolverem em uma situação de violência.

As respostas sobre ferir gravemente um cidadão, podendo tirar sua vida, indicam,
claramente, a existência de percepções diferentes entre o dito “cidadão de bem” e o
68

“criminoso”, mesmo que a legislação brasileira não permita julgamentos sumários, muito
menos pena de morte. O criminoso, em nossa estrutura legal, é apenas um cidadão que cometeu
uma infração prevista em lei e deve responder em um devido processo legal com ampla defesa
e contraditório. Para que o policial pudesse se sentir tranquilo por ter cumprido o dever legal,
seria necessário que agisse em estado de necessidade, legítima defesa ou estrito cumprimento
do dever legal, que são as excludentes de ilicitude do Artigo 23 do Código Penal Brasileiro
(BRASIL, 1940). Entretanto, a legítima defesa só se caracteriza se os meios necessários forem
usados, de forma moderada, para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem, conforme o artigo 25 do mesmo Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940). Ou seja, os
meios legais não permitem alvejar alguém, a não ser em condições muito específicas, coisa que
não está especificada na pergunta. Esse sentimento está ligado exclusivamente à cultura
institucional do ethos guerreiro, pois a legislação é proibitiva.

Essas perguntas possuem uma construção mais formal e direta, com pouco espaço para
interpretação pessoal. As opções de resposta apresentadas costumam ser o tipo de informação
massificada nos processos formativos da Corporação. Ademais, a atividade fim da Polícia
Militar está prevista no artigo 144 da Constituição da República (BRASIL, 1988).

GRÁFICO 19: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL OPÇÃO QUE MAIS


CARACTERIZA A FUNÇÃO DA POLÍCIA MILITAR – 2022

Atendimento ao público em diversas atividades,


sendo crime ou não.

Combate à criminalidade.

Estrita aplicação da leis.

Braço do Estado no monopólio do uso da força.

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900


Fonte: elaboração do autor
69

As respostas de ambas as perguntas parecem alinhadas com a teoria aplicada no


arcabouço legal nacional, entretanto podemos perceber que, por mais que o “combate à
criminalidade” represente 16% do total das escolhas, ainda assim, aparece na segunda posição
das opções que mais caracterizam a função da Polícia Militar, demonstrando que a cultura do
ethos guerreiro faz parte do imaginário do policial militar.

GRÁFICO 20: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL A OPÇÃO QUE MAIS


CARACTERIZA O PAPEL DO POLICIAL MILITAR DURANTE A ATIVIDADE DE
POLICIAMENTO ORDINÁRIO – 2022

Promover a segurança pública por meio de atividades


preventivas e repressivas imediatas.

Orientação da população.

Realização de ações de busca a criminosos e


recuperação de bens.

Efetuar prisões.

Controlar confrontos armados.

0 200 400 600 800 1000 1200

Fonte: elaboração do autor

A caracterização da função da Polícia Militar é mais ampla, dando mais margem para
o sujeito investigado responder com o “inconsciente coletivo”, tanto que o combate à
criminalidade se fez presente. A caracterização do papel do policial militar durante a atividade
de policiamento ordinário é bem específica e dá pouca margem para o sujeito investigado fugir
da resposta formal. Assim a opção “Promover segurança pública” foi assinalada por cerca de
95% do total de respostas e as opções “efetuar prisões” e “controlar confrontos armados” não
chegou a 1% cada.

Nas duas questões posteriores pretendemos compreender o que pensa o sujeito pesquisado
70

acerca do tratamento que deve dispensar às pessoas que cometem crimes. A diferença entre as
questões se estabelece no nível de violência do crime cometido: menor ou maior potencial
ofensivo. As respostas a essas perguntas sobre o entendimento do sujeito pesquisado acerca do
tratamento dispensado a alguém que cometeu um crime, seja de maior potencial ofensivo ou
seja de menor potencial ofensivo foram muito similares, ambas com mais de 95% das respostas
na opção de conduzir quem cometeu o crime para a delegacia, todas respondidas conforme as
leis do ordenamento jurídico do país.

GRÁFICO 21: NÚMERO DE RESPOSTAS DO ENTENDIMENTO SOBRE O


TRATAMENTO DE ALGUÉM QUE COMETEU UM CRIME DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO – 2022

Conduzir aquele que cometeu o crime para a


Delegacia Policial

Avaliar a gravidade e encerrar no local, dependendo


do caso.

Aplicar uma pena alternativa e liberar.

Reagir com a mesma força que aquele que cometeu


o crime está agindo.

Reagir com força muito superior que aquele que


cometeu o crime está agindo para reduzir os riscos
para o policial.

0 200 400 600 800 1000 1200

Fonte: elaboração do autor

Embora, quase a totalidade das respostas tenham sido para a opção que melhor se
enquadra nos diplomas legais brasileiros, há algumas diferenças entre as escolhas das opções,
tendo em vista que na pergunta de menor potencial ofensivo, quase 10% dos participantes
disseram que avaliariam a gravidade e encerrariam a ocorrência no local e nenhuma resposta
foi assinalada na opção de agir com força muito superior a utilizada pelos criminosos. Contudo,
na questão envolvendo um crime de maior potencial ofensivo, nenhum participante encerraria
a ocorrência no local e quase 10% dos participantes usariam uma força igual ou superior a
utilizada pelos criminosos.
71

GRÁFICO 22: NÚMERO DE RESPOSTAS DO ENTENDIMENTO SOBRE O


TRATAMENTO DE ALGUÉM QUE COMETEU UM CRIME DE MAIOR
POTENCIAL OFENSIVO – 2022

Conduzir aquele que cometeu o crime para a


Delegacia Policial

Reagir com a mesma força que aquele que cometeu


o crime está agindo.

Reagir com força muito superior que aquele que


cometeu o crime está agindo para reduzir os riscos
para o policial.

Avaliar a gravidade e encerrar no local, dependendo


do caso.

Aplicar uma pena alternativa e liberar.

0 200 400 600 800 1000 1200

Fonte: elaboração do autor

A construção da pergunta sobre a concepção do sujeito investigado acerca do Estado


Democrático de Direito tem como objetivo perceber a ideia do policial sobre o nível de
autoritarismo que o Estado deve exercer, por meio do uso da força, na sociedade. A opção que
indica o maior nível de autoritarismo é a que propõe que o uso letal da força é mero ato
discricionário da autoridade estatal, uma vez que o agente poderia deliberar em rito sumário
sobre o uso letal da força. Em outras palavras, a ordem seria mais importante que a vida do
cidadão, e essa decisão seria do agente público no ato do conflito. Por outro lado, a opção que
propõe um Estado alinhado com os pactos internacionais de Direitos Humanos e preocupado
em manter a ordem por meio do diálogo é a que indica a manutenção da ordem pela participação
popular, garantindo a pluralidade de pensamento. As respostas intermediárias são: uso
moderado da força para garantir o cumprimento da lei, com viés mais legalista, mas voltado
para o Estado Democrático; e o uso da força, inclusive força letal, para garantir o cumprimento
da lei, tem um viés inclinado para um Estado mais autoritário.

A maioria das respostas dos sujeitos investigados (55%) ficaram alocadas no


entendimento de um Estado democrático legalista, sem um diálogo mais amplo entre as esferas
72

de poder e a sociedade. Em seguida, com cerca de 36%, está a opção que demarca o Estado
democrático amplo com participação popular em todas as esferas de poder e com garantia da
pluralidade de pensamento. As respostas voltadas para um Estado autoritário obtiveram baixa
adesão, tendo em vista que, a opção de Estado democrático com viés autoritário foi escolhida
por apenas 8% dos sujeitos investigados.

GRÁFICO 23: NÚMERO DE RESPOSTAS SOBRE QUAL OPÇÃO ESTÁ MAIS


ALINHADA COM O ENTENDIMENTO DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO – 2022

Estado deve manter a ordem pelo uso moderado da


força para garantir o cumprimento da lei.

Estado deve manter a ordem pela participação


popular em todas as esferas de poder, garantindo a
pluralidade de pensamento.

Estado deve manter a ordem pelo uso da força,


inclusive força letal para garantir o cumprimento da
lei.

Estado deve manter a ordem pelo uso da força letal


por decisão da autoridade.

0 100 200 300 400 500 600 700

Fonte: elaboração do autor

A questão proposta para os sujeitos investigados acerca de sua opinião sobre a


atividade policial militar ser executada conforme os protocolos de policiamento ordinário tem
o objetivo de entender se o comportamento do policial está ou não baseado na política formal
da instituição ou se a atividade policial militar é executada de acordo com o hábito diário
organizado pela cultura Institucional.

As respostas indicam que cerca de 59% dos sujeitos investigados acreditam que os
protocolos são cumpridos e as atividades policiais militares são efetivamente executadas
conforme o legalmente prescrito. Entretanto, cerda de 26% dos sujeitos investigados acreditam
que a Instituição não funciona a partir de seus protocolos formais. Isso indica a força que a
cultura Institucional tem sobre as atividades diárias dos policiais militares, quando de serviço.
73

Para ratificar ainda mais a força da cultura Institucional, cerca de 14% dos sujeitos investigados
sequer conhecem os protocolos formais para a atividade policial militar. Essas respostas
indicam que cerca de 40% dos policiais militares não acreditam que os protocolos da
Corporação funcionam ou mesmo nem os conhecem, gerando uma margem enorme para a
atividade policial militar ser executada a partir do hábito diário. Em outras palavras, o
conhecimento é transmitido de policial para policial, gerando um ambiente multicultural, com
diversas culturas locais carregadas de experiências de vida dos policiais ou mesmo pela cultura
social onde determinada prática policial está sendo desenvolvida (REINER, 2004; RIBEIRO,
1995; KOSIK, 1969).

GRÁFICO 24: NÚMERO DE RESPOSTAS DO SUJEITO INVESTIGADO SOBRE


SUA OPINIÃO SE A ATIVIDADE POLICIAL MILITAR É EXECUTADA
CONFORME OS PROTOCOLOS DE POLICIAMENTO ORDINÁRIO – 2022

Não

Sim
Não conheço os
protocolos de
policiamento
ordinário

Fonte: elaboração do autor.

Para compreender, de forma sintética, o que os participantes da pesquisa pensam sobre


a atividade policial militar, solicitamos que definissem o serviço policial militar em uma frase.
A ideia que fundamenta a aplicação desse questionamento é a possibilidade de captar as
impressões imediatas transmitidas sem muita reflexão e de modo resumido acerca de algo. Para
sistematizar as respostas, adotamos quatro categorias que representassem os fundamentos
ideológicos presentes nas respostas.
74

Para isso, propusemos uma categoria que dimensionasse respostas alinhadas com uma
perspectiva combatente do serviço policial militar. Nessa categoria, pudemos agrupar respostas
que refletissem, de algum modo, um perfil policial militar guerreiro, que cumpre missões,
garante a manutenção da ordem, que se destaca na luta contra o mal, que observa o criminoso
como inimigo a ser derrotado e morto.

Em direção oposta a essa concepção, adotamos uma categoria que relacionasse as


respostas alinhadas com um perfil de policial militar na perspectiva cidadã. Um perfil
profissional que atua como prestador de serviço, com a ideia de servir e proteger, para resolução
de conflitos a partir da mediação, do uso proporcional da força.

Para agrupar as respostas que adotaram um alinhamento mais prático ou meramente


estrutural acerca do trabalho policial militar, utilizamos uma categoria que denominamos
pragmática. Essas respostas, embora não tenham sido claras acerca do fundamento ideológico
que as sustenta, evidenciam, de alguma maneira, o tipo de compreensão mais legalista e
objetiva, que desconsidera, ao menos no impulso, os aspectos políticos que dimensionam a
atividade.

Houve a necessidade de estabelecer uma categoria para agrupar e descartar respostas


que tenham sido improdutivas, por não dizerem nada específico ou por apresentarem símbolos
vazios de significado. Usamos a categoria indetectável para agrupar essas respostas, que
representaram cerca de 5% do total.

O resultado dessa análise aos questionamentos: “Qual seu entendimento sobre o seu
papel como policial militar em um Estado Democrático de Direito?” e “Defina o serviço policial
militar com uma frase”, nos permitiu concluir que 46% das respostas fornecidas estão
relacionadas à perspectiva combatente de segurança pública. Cerca de 37% apresentaram
respostas alinhadas à perspectiva de polícia cidadã e outros 12% apresentaram respostas que
consideramos uma abordagem pragmática do tema.

Tendo em vista, que a perspectiva combatente se apresentou prevalente sobre as


demais categorias propostas, apresentamos, na Tabela abaixo, exemplos de respostas dos
sujeitos investigados que foram agrupadas exclusivamente na categoria combatente. As
respostas categorizadas como combatente apresentaram palavras como: combate à
criminalidade, guerreiro, Estado armado, barreira entre o bem e o mal, entre outras que
agregassem sentido semelhante.
75

TABELA 2: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS


PERGUNTAS ABERTAS – CATEGORIA COMBATENTE - 2022
Respostas com base na ideia de combate a criminalidade
“Orientar e ajudar a população no que for possível, juntamente com o combata a
criminalidade.”
“Preservar a ordem pública através da ostensividade nos patrulhamentos diuturnos e
combate ao crime em andamento.”
“Garantir a ordem e combater a criminalidade.”
“Combater a criminalidade, fiscalizar o estrito cumprimento das leis e realizar operações
policiaos quando necessário, para garantir a ordem é os direitos individuais e coletivos.”
Respostas com base na ideia do guerreiro
“Va e vença Guerreiro...”
“Guerreiros abnegados em defesa de uma sociedade injusta”
“Um homem guerreiro que entrega a sua vida ao estado.”
“Um guerreiro anônimo , mas essêncial para manter a ordem pública.”
Respostas com base na ideia do Estado armado
“Braço armado do estado”
“A PM é utilizada como braço armado para cumprir papeis sociais que do Estado.”
“Braço armado do Estado que cuida da segurança agindo de forma ostensiva e preventiva
e um agente garantidor das liberdades individuais do cidadão !”
“Braço armado do estado.”
Respostas com base na ideia da barreira fictícia entre o bem e o mal
“Uma força desigual em relação a criminalidade.”
“Servidor da população e barreira entre o cidadão de bem e a criminalidade!”
“Primeira barreira contra a barbárie de uma anarquia generalizada. Pilar fundamental do
estado de direito.”
“O Policial Militar é a última barreira entre o bem e o mal,sendo assim a peça fundamental
na estrutura de construção de um Estado Democrático de Direito.”
Fonte: elaboração do autor.

As respostas categorizadas como concepção cidadã foram separadas por palavras que
apresentam ideia de: cidadania, servir e proteger, direitos fundamentais, preservação da ordem
pública, entre outras (Tabela 2). A ideia de servir e proteger foi agregada nessa categoria, tendo
em vista que o manual “Servir e Proteger: Direitos Humanos e Direito Internacional
76

Humanitário para Forças Policiais e de Segurança”, publicado em 2017, pelo Comitê


Internacional da Cruz Vermelha, utiliza essa sentença para alinhar as forças policiais com os
direitos humanos e humanitários.

TABELA 3: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS


PERGUNTAS ABERTAS – CATEGORIA CIDADÃ- 2022
Respostas com base na Ideia Cidadania
“Garantidor da ordem pública, do direito de ir e vir, promotor de cidadania e multiplicador
de ações humanizadas.”
“Policiamento ostensivo garantindo a cidadania da população.”
“Preservar a ordem pública e tratar de forma igualitária a todos os cidadãos sem quaisquer
tipo de preconceito, utilizar se dá participação popular na segurança pública solidificando
a integração sociedade e forças de segurança.”
“Garantir a ordem pública, ajudar cidadãos que venham a precisar. Garantir o direito e ir
e vir dos cidadãos.”
Respostas com base na ideia de Servir e Proteger
“Polícia de proximidade.”
“Servir e proteger o cidadão, efetuando a manutenção da ordem pública, tratando com
dignidade e imparcialidade todos, sejam vítimas ou acusados.”
“Promover a segurança pública por meio de atividades preventivas e repressivas
imediatas, Cumprir a lei, servir e proteger.”
“O policial militar deve servir e proteger a sociedade como um todo onde deve respeitar e
fazer valer as leis em vigor sempre se atentando para o coletivo!”
Respostas com base na ideia do Direitos Fundamentais
“O verdadeiro 1º garantidor dos direitos fundamentais.”
“Garantia da ordem pública e dos direitos fundamentais dos cidadãos.”
“Promover o cumprimento das leis e preservar o direitos fundamentais.”
“O policial militar é o principal garantidor dos direitos fundamentais a medida em que,
enquanto representante do Estado, é imbuído legalmente da responsabilidade de
manutenção o contrato social.”
Respostas com base na ideia Preservação da Ordem Pública
“Garantir os deveres constitucionais na Policia Militar, no que tange a preservação da
ordem publica e ao policiamento ostensivo.”
“Fundamental na manutenção da ordem e preservação da paz!”
“Preservar a ordem pública, através de um estudo sobre a comunidade que eu trabalho,
conhecendo as características criminais do local e aplicar um policiamento preventivo.”
“Preservar a ordem pública, evitando possíveis delitos, e orientar a população nas
ocorrência em geral.”
Fonte: elaboração do autor.
77

A categorização das respostas como pragmáticas foi realizada para agregar as respostas
que possuíam um direcionamento estritamente legalista, sem que o sujeito investigado se
posicionasse para o viés de concepção combatente ou cidadã. Dessa forma, as respostas que
indicavam apenas o cumprimento da lei foram agregadas nessa categoria, conforme tabela
abaixo.

TABELA 4: EXEMPLOS DE RESPOSTAS DOS SUJEITOS INVESTIGADOS DAS


PERGUNTAS ABERTAS – CATEGORIA PRAGMÁTICA- 2022
Respostas com base na Ideia Legalista
“Só fazer o que está previsto dentro da função policial militar.”
“O policial deverá cumprir e fazer cumprir as leis em vigor, sendo imparcial em todos os
momentos.”
“Ser imparcial. Agir dentro da lei.”
“Somos os executores das ordens emanadas pelo Estado.”
Fonte: elaboração do autor.

A categoria indetectável foi criada para agregar as respostas daqueles que


provavelmente não queriam gastar o tempo escrevendo, mas queriam concluir o questionário.
Assim, separamos como indetectável as respostas com células vazias, apenas um caractere ou
uma palavra como: Bom, fiscalizar, ostensividade, entre outras.

Destarte, entendemos que a cultura do combate, ou seja, do ethos guerreiro, está muito
presente na concepção de segurança pública do policial militar, tendo em vista que a maior parte
das frases construídas, de forma irrefletida, pelos sujeitos investigados tem um viés combatente.
Esse fenômeno é justificado pelo fato de se tratar de uma Instituição bicentenária, de estrutura
hermética e de cultura militar, em contextos de uma cultura nacional autoritária, excludente e
conservadora (RIBEIRO, 1995; ZALUAR, 1994; CHAUÍ, 2000b). Entretanto, a constatação
do quantitativo de respostas alinhadas à concepção cidadã de segurança pública evidência a
consolidação, ainda que inicial, das políticas de segurança pública adotadas pelo Governo
Federal e Estadual do Rio de Janeiro sob esse fundamento (BRASIL, 2014; 2018; RIO DE
JANEIRO, 2004; 2009).
78

GRÁFICO 25: PERCENTUAL DE RESPOSTAS SOBRE DEFINIÇÃO DO SERVIÇO


POLICIAL MILITAR EM UMA FRASE – 2022

Indetectável
Pragmatismo

Combatente

Cidadã

Fonte: elaboração do autor.

Após a separação das respostas dos sujeitos pesquisados nas categorias descritas
acima, passamos a fazer uma análise em que cruzamos o perfil dos policiais participantes com
as categorias criadas, para compreender as principais características dos policiais que possuem
uma concepção combatente mais presente ou a concepção de polícia cidadã mais evidente.
Nosso objetivo foi identificar essas tendências a partir do tempo de serviço, área de residência,
área de lotação, tipo de atividade policial desempenhada, gênero, idade e participação ativa ou
passiva em situação de violência armada. A partir desses aspectos, buscamos compreender as
distorções encontradas, de modo que, pudéssemos analisar as diferenças existentes entre os
participantes que apresentaram tendências aproximadas ao ethos guerreiro e à concepção
cidadã. No que diz respeito ao gênero e à idade não houve distorções consideráveis que
evidenciassem tendências, para uma ou outra concepção, originadas pelo fato de ser mulher ou
homem, jovem ou idoso.

Com relação a questão de gênero, especificamente, o fato de mulheres e homens


apresentarem a mesma proporção em relação ao total encontrado evidencia o que foi apontado
no Capítulo 1 desta Dissertação, onde apresentamos os resultados de Alves e França (2018) e
Nascimento (2013). Segundo esses autores, a questão de gênero é suplantada pela cultura
79

institucional à medida que mulheres passam a adotar posturas masculinas para exercerem a
profissão e serem respeitadas.

Ao observarmos os aspectos geográficos, tanto no que diz respeito à área de lotação,


quanto à área de residência do participante da pesquisa, notamos algumas distorções em relação
ao total geral. Os percentuais levantados a partir das categorias que utilizamos para sistematizar
os dados coletados apontam que, no que diz respeito à área de residência a concepção
combatente apresentou percentual mais acentuado na área do 3º CPA – Baixada Fluminense,
com mais de 60% das respostas, conforme pode ser observado na Tabela, a seguir. Essa região
é reconhecida pela atuação histórica de grupos de extermínio como apontado por Alves (2003).
Nessa mesma direção, conforme abordamos no Capítulo 1 desta Dissertação, a análise de
Rodrigues (2017) acerca da relação do ethos guerreiro com a letalidade na Baixada Fluminense
aponta para aspectos culturais presentes nessa região que, possivelmente, explicam essa
distorção em relação total encontrado na pesquisa.

TABELA 5: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA


POR ÁREA DE RESIDÊNCIA – 2022
ÁREA DE CONCEPÇÃO
COMBATENTE PRAGMATISMO INDETECTÁVEL TOTAL
RESIDÊNCIA CIDADÃ
1º CPA 42,95% 39,10% 12,18% 5,77% 100%

2º CPA 35,95% 41,43% 16,19% 6,43% 100%

3º CPA 60,35% 27,75% 9,25% 2,64% 100%

4º CPA 48,53% 33,82% 11,76% 5,88% 100%

5º CPA 59,15% 33,80% 7,04% 0,00% 100%

6º CPA 47,47% 40,40% 7,07% 5,05% 100%

7º CPA 49,09% 38,18% 5,45% 7,27% 100%


Fonte: elaboração do autor.

Outro dado que apresenta distorção em relação ao total para concepção combatente e
cidadã, conforme Tabela 5, é o coletado sobre os participantes que residem no 5º CPA – Sul
Fluminense, uma vez que a concepção combatente se mostrou superior à média do percentual
total coletado. Esse dado se repete no que diz respeito à área de lotação e pode ter influência do
percentual de policiais militares residentes na área onde estão lotados. Mesmo resultado foi
evidenciado no 3º CPA – Baixada Fluminense, uma vez que os participantes lotados nessa
região também apresentam um percentual superior ao percentual total para concepção
combatente. Sendo assim, tanto o PM que reside nessas áreas, quanto o que está lotado nas
80

unidades que atuam nessas áreas, apresentaram uma perspectiva combatente superior à média
do total levantado na pesquisa.

Na Tabela 5, ainda podemos notar que os participantes da pesquisa residentes no 2º


CPA – Zona Oeste e parte da Zona Norte, diferente dos demais percentuais para as demais áreas,
a perspectiva cidadã se mostrou em maior percentual que a percepção combatente. Esse dado,
no entanto, não pode ser aprofundado devido aos limites da pesquisa realizada, sendo oportuna
a produção de outra investigação para verificar se existe algum motivador para esse resultado.

As distorções encontradas a partir da análise dos fundamentos ideológicos por área de


lotação instigam questões a serem aprofundadas pelas contradições dos resultados em relação
às funções desempenhadas em algumas unidades. A primeira distorção que podemos observar
na Tabela, a seguir, é que os participantes lotados no Comando de Operações Especiais (COE)
– ao qual estão subordinadas unidades como o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e
Batalhão de Choque (BPChq) – terem apontado em maior percentual a concepção cidadã que a
concepção combatente. Em contraposição, os dados levantados a partir das respostas dos
participantes lotados no Comando Polícia Pacificadora (CPP) observamos uma concepção
combatente mais acentuada que a concepção cidadã.

Essa divergência pode estar relacionada à ausência de critérios objetivos para alocação
de pessoal na PMERJ, tendo em vista que os policiais não costumam ser lotados em suas
respectivas Unidades devido à qualificação ou à existência de uma política institucional de
alocação de efetivo. Não há, até o momento, normas gerais que indiquem os atributos ou
competências que um policial militar precisa para ser lotado nas Unidades da Corporação,
tampouco, um perfil profissiográfico definido para as funções a serem ocupadas. Os únicos pré-
requisitos estão ligados, exclusivamente, à posição hierárquica (soldado a coronel) que o sujeito
possui no momento da classificação.

TABELA 6: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA


POR ÁREA DE LOTAÇÃO – 2022
ÁREA DE CONCEPÇÃO
COMBATENTE PRAGMATISMO INDETECTÁVEL TOTAL
LOTAÇÃO CIDADÃ
1º CPA 46% 34% 14% 6% 100%
2º CPA 45% 35% 16% 4% 100%
3º CPA 57% 28% 13% 2% 100%
4º CPA 51% 26% 15% 8% 100%
5º CPA 63% 30% 7% 0% 100%
6º CPA 37% 47% 10% 6% 100%
81

7º CPA 42% 42% 8% 8% 100%


COE 44% 52% 4% 0% 100%
CPAM 33% 33% 17% 17% 100%
CPE 40% 40% 9% 11% 100%
CPP 53% 33% 7% 7% 100%
Quartel General ou
44% 41% 11% 5% 100%
Diretorias Gerais
Fonte: elaboração do autor.

A pesquisa nos permitiu observar ainda o fundamento ideológico do participante a


partir do tipo de atividade desempenhada. As principais distorções observadas estão nas
respostas dos PM que atuam na área de ensino e de saúde, uma vez que a concepção combatente
prevalente nessa área da PMERJ, conforme pode ser visto na Tabela, a seguir. Além disso, o
percentual para concepção cidadã apresentado pelos participantes lotados na atividade de
ensino é muito baixo em relação ao total de respostas, evidenciando que o perfil de parte
significativa dos profissionais pesquisados lotados nessa atividade é distinto do objetivo
formativo dos policiais militares do Rio de Janeiro, conforme previsto na Diretriz de Ensino e
Instrução (RIO DE JANEIRO, 2004), bem como da política institucional cuja visão é “Ser
referência em polícia de proximidade, orientada pela gestão e solução de problemas” (RIO DE
JANEIRO, 2020, p. 16).

TABELA 7: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA


POR ATIVIDADE DESEMPENHADA – 2022
ATIVIDADE CONCEPÇÃO
COMBATENTE PRAGMATISMO INDETECTÁVEL TOTAL
DESEMPENHADA CIDADÃ
Administrativa 41,06% 40,07% 13,25% 5,63% 100%
Operacional 46,60% 36,91% 9,16% 7,33% 100%
Ensino 51,79% 26,79% 16,07% 5,36% 100%
Correcional 38,46% 34,62% 19,23% 7,69% 100%
Saúde 53,66% 36,59% 4,88% 4,88% 100%
Em curso de
48,74% 35,85% 13,45% 1,96% 100%
formação
Fonte: elaboração do autor.

Embora essa Tabela não apresente distorções no que diz respeito à atividade
operacional, uma vez que os sujeitos pesquisados que atuam neste tipo de atividade
apresentaram respostas condizentes com a média total das categorias de fundamentos
ideológicos, foi observado que sujeitos alvejados por projétil de arma de fogo durante o serviço
policial militar apresentaram tendências aproximadas em maior percentual da concepção
cidadã.
82

TABELA 8: FUNDAMENTO IDEOLÓGICO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA


FERIDOS OU NÃO POR ARMA DE FOGO – 2022
CONCEPÇÃO
FOI ALVEJADO COMBATENTE PRAGMATISMO INDETECTÁVEL Total
CIDADÃ
Não 46% 37% 11% 6% 94%
Sim 34% 44% 13% 9% 91%
Fonte: elaboração do autor.

De outra sorte, é evidente a maior concentração de respostas dos sujeitos investigados


em uma percepção combatente, como foi observado nos gráficos anteriores. Esse fator se
relaciona inclusive com o fato da maioria dos participantes terem se envolvido em troca de tiro
no serviço policial militar, bem como cerca de 25% terem alvejado alguém, quando em serviço
policial militar. Não apenas isso, mas também, pelo fato de cerca de 30% dos sujeitos
investigados terem participado de eventos nos quais integrantes de sua equipe foram alvejados.
Sendo assim, é esperado que sujeitos que vivenciaram integrantes de sua equipe alvejados em
serviço apresentem maior ethos guerreiro, sobretudo devido às percepções de espírito de corpo
próprias de instituições militares (JABLONKA, 2021). Desta forma, o ethos guerreiro parece
retroalimentar a concepção combatente a despeito dos discursos de polícia de proximidade.

Por outro lado, a pesquisa evidenciou que essa percepção combatente diminui,
enquanto a concepção cidadã aumenta com o passar dos anos de serviço policial militar,
conforme Gráfico apresentado a seguir. O Gráfico evidencia ainda que os sujeitos investigados
apresentam maior concepção combatente durante os primeiros 10 anos de serviço policial
militar. Dessa forma, cerca de 50% dos sujeitos investigados com menos de 10 anos de serviço
apresentaram uma concepção combatente, em contrapartida cerca de 50% daqueles que
possuem mais de 30 anos de serviço passam a apresentar uma concepção cidadã. Nesse sentido,
fatores internos ou externos à atividade policial militar, impingidos ou não pela atividade,
podem influenciar nessa mudança de percepção. Contudo, os limites dessa pesquisa não nos
permitem afirmar quais as razões para tal fenômeno, sendo importante o aprofundamento do
tema a partir de novas pesquisas.
83

GRÁFICO 26: SÉRIE HISTÓRICA SOBRE A CONCEPÇÃO DE SEGURANÇA


PÚBLICA DOS PARTICIPANTES POR TEMPO DE SERVIÇO – 2022

Acima de 30 anos

20 a 30 anos

10 a 20 anos

Ate 10 anos

30,00% 35,00% 40,00% 45,00% 50,00% 55,00%

CONCEPÇÃO CIDADÃ CONCEPÇÃO COMBATENTE

Fonte: elaboração do autor.


84

CONCLUSÃO

Após analisar os dados apresentados nesta pesquisa, passamos a apresentar as


conclusões que resultaram no estudo. Essas conclusões tomaram como referência os objetivos
específicos e, por fim, o objetivo geral. Dessa forma, é importante reaver nosso objetivo geral:
analisar a prevalência do ethos guerreiro sobre a percepção do policial militar no exercício de
sua função. A partir dessa proposição, separamos o objetivo geral em três grandes blocos:
Cultura Brasileira, Polícia Militar e Estado democrático de Direito. Para responder o objetivo
geral, definimos nossos objetivos específicos da forma que segue.

O primeiro objetivo específico foi revisar o conceito de ethos guerreiro através de


produção científica e teórica sobre cultura no trabalho policial militar. A discussão trazida com
base no referencial teórico encontrado apresenta as principais linhas de tendência que têm sido
debatidas em relação à cultura policial militar. Essas bases teóricas indicam que a ideia de um
profissional de segurança pública forjado para o combate, com ímpeto violento, tem sido
questionada a partir de diversas perspectivas de análise. Essas investigações aprofundam, ainda,
o debate em relação às possíveis causas condicionantes da violência exercida pelas polícias
como um problema que afeta o âmago da sociedade em que estão inseridas, apesar de
intensidades distintas em determinadas frações de classe, raça e gênero. Assim, a literatura
levantada, trouxe contribuições importantes sobre a cultura policial, seja no processo formativo,
seja na violência sofrida ou praticada pelos policiais militares, ou, ainda, seja na construção do
policial como “guerreiro”.

A ideia de ethos, que chega à atualidade como ideia de ética, remete a um conjunto de
valores, costumes, hábitos que compõem a ação de determinado grupo, em determinado espaço
e determinado tempo. Dessa forma, o ethos guerreiro compõe a ética do guerreiro que é
determinada pelas relações sociais estabelecidas, em determinadas condições geográficas,
espaciais e temporais. Com isso, entendemos que o conceito de ethos guerreiro é a relação de
um conjunto de valores, costumes e hábitos, com um recorte temporal e espacial, que fazem
relação com guerra.

O segundo e terceiro objetivos específicos são: explicar os parâmetros legais nacionais


e estaduais para atuação das polícias militares e da PMERJ e examinar os protocolos da PMERJ
para atuação na preservação da ordem pública com uso da força, foram tratados no Capítulo 1,
no item que trata da Segurança pública, polícia militar e marcos legais. Com isso, identificamos
85

como as discussões ocorridas no século XX sobre a segurança pública e a reforma gerencial


empreendida no Brasil, na década de 1990, afetaram a estrutura da segurança pública em âmbito
nacional.

Nesse momento, o Brasil optou por modernizar o Estado e os órgãos de segurança


pública seguiram a mesma política pública. Com isso, a SENASP criou a Matriz Curricular
Nacional, fez a análise do perfil profissiográfico e do perfil das instituições de segurança
pública do país, alinhando os protocolos nacionais com os tratados nacionais sobre Direitos
Humanos e polícia cidadã. No caso, específico, dos protocolos da PMERJ, entendemos que sua
principal atividade, o policiamento ostensivo ordinário, está alinhado com a Constituição
Federal, e é composto de atividades rotineiras e ocorrências cotidianas, como briga de vizinhos,
perturbação do sossego, entre outras. Assim, por ser composto de atividades de rotina, sua
principal atividade tem pouca influência na prevalência do ethos guerreiro na Corporação, em
contra partida as operações em ambientes conflagrados, mesmo que representem baixo
percentual do conjunto de atividades institucional, devido a sua característica beligerante, são
relacionadas ao combate ao inimigo, o que remontam no ideário do policial militar a ideia do
ethos guerreiro.

Nossos dois últimos objetivos específicos foram: analisar a compreensão do


policial militar acerca de sua atividade laboral frente ao desenvolvimento do Estado
democrático e investigar os motivos de possível inadequação entre o comportamento de
combate do policial militar e os limites impostos por pactos internacionais no uso da força pelo
Estado. Ambos os objetivos foram alcançados no Capítulo 3, que destinamos à análise do ethos
guerreiro e à atividade policial militar no estado do Rio de Janeiro. Concluímos que o ethos
guerreiro é o fundamento ideológico prevalente nas respostas dos policiais investigados pela
pesquisa. Entretanto, apesar da concepção combatente, ou seja, o ethos guerreiro não apresentar
subgrupos com valores bem mais baixos do percentual combatente, ainda assim apresenta
algumas distorções dependendo de determinados aspectos como: o geográfico, o de lotação e o
de tempo de serviço.

Após apresentar os resultados de nossa pesquisa de acordo com os objetivos


específicos propostos, concluímos trazendo novamente à baila nossas hipóteses e discutindo
nosso objetivo geral: analisar a prevalência do ethos guerreiro sobre a percepção do policial
militar no exercício de sua função.
86

Para tanto, tomamos como hipótese geral que o ethos guerreiro é uma
característica integrante e prevalente na cultura institucional na PMERJ e ainda entendemos
que se tal hipótese fosse verdadeira, seria necessário verificar onde essa cultura se mostra mais
forte dentro da Corporação. A partir disso, consideramos a hipótese secundária de que o ethos
guerreiro é mais presente nos policiais que desempenham atividades operacionais do que nos
policiais que desempenham atividades administrativas.

Assim, os resultados que coletamos durante a pesquisa nos possibilitaram afirmar


que sim, o ethos guerreiro é uma característica integrante e prevalente na cultura da PMERJ,
confirmando a hipótese geral como verdadeira. Quando nos debruçamos pormenorizadamente
sobre a característica do ethos guerreiro na PMERJ e analisamos a hipótese secundária, a
presente pesquisa nos permitiu afirmar que sim, o ethos guerreiro é mais presente nos policiais
que desempenham atividades operacionais do que nos policiais que desempenham atividades
administrativas. Dessa forma, por mais que a Polícia Militar dos Estado do Rio de Janeiro tenha,
formalmente, buscado se alinhar com a política pública nacional e estadual de polícia de
proximidade e de polícia comunitária, a cultura institucional informal de “combate ao inimigo”
ou de “combater a criminalidade”, em contraponto à preservação da ordem pública, se mostra
mais forte, consequentemente mais prevalente no cotidiano do policial militar do estado do Rio
de Janeiro.

Ainda assim, ao analisarmos por função desempenhada, percebemos que aqueles


que têm sua atividade ligada a área de ensino da PMERJ apresentam uma distorção em relação
ao percentual médio de respostas dos pesquisados, pois mais de 50% desses policiais possuem
concepção combatente e, em contrapartida, apenas cerca de 26% possuem concepção cidadã.

A partir da pesquisa também podemos identificar que a característica do ethos


guerreiro apresenta algumas distorções quando analisada pela geografia de lotação e de
residência do policial militar, pois se apresenta mais forte na área do 3º CPA – Baixada
Fluminense e na área do 5º CPA – Sul Fluminense, com cerca de 60% desses participantes,
possuidores de uma concepção combatente.

Quando analisamos pelo tempo de serviço do policial militar, identificamos que a


característica do combatente é mais forte nos policiais com menos de 10 anos de serviço,
representando 50% dos sujeitos investigados, e diminui com o passar do tempo, sendo bem
mais fraca quando o policial atinge os 30 anos de serviço policial militar. Na mesma linha, a
87

concepção cidadã cresce com o passar do tempo de serviço policial, tendo em vista que é mais
fraco nos policiais com menos de 10 anos e passa a ser mais forte com o tempo, chegando a
50% dos policiais com mais de 30 anos de serviço policial militar.

Assim, após analisar os dados da pesquisa de forma ampla, podemos inferir que o
ethos guerreiro do policial militar é prevalente sobre a percepção do policial militar acerca do
exercício de sua função. Em primeiro lugar, essa ideologia do combatente infunde uma cultura
institucional que permite a reprodução do ethos guerreiro a despeito da condição de gênero,
tendo em vista, que não houve distorções entre as respostas de homens e mulheres. Isso
evidencia que perspectivas próprias do gênero feminino acabam sendo suplantadas pela cultura
institucional, à medida que mulheres passam a adotar condutas masculinas, possivelmente, para
angariarem respeito no exercício da profissão.

O ethos guerreiro influencia também na capacidade do sujeito investigado de


nivelar seu próprio potencial ofensivo. A pesquisa evidenciou que grande parte dos policiais
participantes não distinguem níveis e tipo de crime praticado, ao responderem sobre o
sentimento ao alvejar um criminoso. A maioria respondeu que possui um sentimento de
serenidade por ter cumprido o dever legal ao alvejar um criminoso, embora não seja claro o
crime que esse tenha cometido. Em contrapartida, o sentimento no caso de alvejar um inocente
é de frustração e culpa. Dessa forma, não houve, por parte dos pesquisados, questionamento se
o crime é de menor potencial ofensivo ou não, ou seja, a cultura de combatente faz com que o
policial perceba o criminoso como alguém que deve ser combatido, independente do potencial
ofensivo do crime ou do que quer que considere ser criminoso. Isso reflete diretamente no uso
progressivo da força, ao passo que se o sujeito alvejado é considerado criminoso, o sentimento
é de serenidade frente a situação.

A prevalência do ethos guerreiro tem efeitos no processo formativo da PMERJ,


devido à grande parte dos policiais pesquisados, que desempenham atividades de ensino na
corporação, possuírem o fundamento ideológico combatente como predominante. Essa
condicionante acaba suplantando as políticas públicas e protocolos internos alinhados com os
acordos internacionais de polícia cidadã e de Direitos Humanos, pois a maioria daqueles que
são designados para ensinar essa ideologia, aparentemente não acreditam nela. O
desdobramento da influência do processo formativo é encontrado, ainda, na atividade do
policial recém ingressado nas fileiras da Corporação. Antes mesmo de exercer a função policial,
esse profissional matriculado nos cursos de formação policial militar possui ideologia de
88

combatente, conforme evidenciado na pesquisa. Essa ideologia acaba por ser reforçada pela
perspectiva de combate daqueles que são responsáveis por sua formação. Isso foi percebido no
fato de que esse policial recém-formado, que será responsável direto pela execução do
policiamento no estado do Rio de Janeiro, inicia sua atividade laboral impregnado da cultura
do ethos guerreiro.

Ao nos determos com mais cautela sobre a percepção dos policiais investigados
quanto à segurança pública no Estado democrático de direito, pudemos observar a prevalência
da cultura do ethos guerreiro na escolha pelo uso de força letal para garantir o cumprimento da
Lei, por parte do grupo investigado. Importante frisar essa escolha, pois por mais que seja
escolha de um quantitativo menor, não deveria ser uma escolha possível, tendo em vista que
não há previsão legal no direito brasileiro do uso letal para garantia da Lei.

A prevalência do ethos guerreiro na percepção dos policiais em relação ao serviço


policial militar, é confirmada pois a maior parte dos policiais investigados possui um
fundamento ideológico combatente. Portanto, essa dimensão ideológica é hegemônica na
cultura institucional. Além disso, em determinados locais, grupos ou tipos de atividade policial
militar há ainda um afastamento mais intenso da política de pública de defesa dos Direitos
Humanos, intensificando a perspectiva de combate ao inimigo.

Finalmente, como o estudo demonstrou, o ethos guerreiro está consolidado como


um aspecto cultural, de modo a interferir nas medidas institucionais de introjeção de uma nova
perspectiva de segurança pública. Tendo em vista, que alguns núcleos institucionais possuem
incidência maior de policiais com fundamentos combatentes, incluindo a atividade de ensino
da Corporação, propomos, como uma medida inicial, a construção de um perfil profissiográfico
na PMERJ, para que a Instituição possa conhecer o perfil e os atributos de cada função que ela
possui e, ainda, para que possa conhecer o perfil e as competências do policial que ocupará cada
uma dessas funções. Assim, a Corporação será capaz de identificar o tipo de pessoa que será
selecionada na sociedade para a atividade policial militar, será capaz de entender como irá
formar esse policial e será capaz de definir o perfil de quem irá formar os policiais militares
recém-contratados e aperfeiçoar os policiais em atividade, com o intuito de que suas políticas
públicas institucionais surtam o efeito desejado.
89

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