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JOÃO BATISTA DA SILVA

PROFISSIONALIZAÇÃO POLICIAL-MILITAR: a Tomada de Decisão


como conhecimento e saber profissional na PMRN

NATAL
2017
JOÃO BATISTA DA SILVA

PROFISSIONALIZAÇÃO POLICIAL-MILITAR: a Tomada de Decisão


como conhecimento e saber profissional na PMRN

Projeto de tese apresentado ao Programa de


Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, em
nível de Doutorado, na Linha de pesquisa
Formação e Profissionalização Docente.

Orientadora: Dra. Betania Leite Ramalho

NATAL
2017
Divisão de Serviços Técnicos.
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do NEPSA /
CCSA

Silva, João Batista da.


Profissionalização policial-militar: a tomada de decisão como conhecimento e
saber profissional na PMRN / João Batista da Silva. - Natal, 2017.
288. : il.

Orientadora: Dra. Betânia Leite Ramalho.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.

1. Educação – Tese. 2. Formação profissional – Tese. 3. Tomada de decisão –


Tese. 4. Profissionalização - Polícia militar – Tese. I. Ramalho, Betânia Leite. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BS CDU 377


À minha família (minha esposa Lourdes, meu filho Isaac, minha mãe Maria, minha
avó Dona Neném, in memorian, meus irmãos Samira e Décio, minhas sobrinhas
Deyse e Pollyana, minha tia Raimunda), aos meus amigos, em particular, Nilson,
Vitorino e Janilson, enfim, a todos quantos não posso enumerar aqui e aos
profissionais da segurança pública, especialmente aos membros da Polícia Militar do
Estado do Rio Grande do Norte
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, professora Betania Leite Ramalho, pelas suas


orientações, críticas e sugestões, que lapidaram minhas ideais, contribuindo,
significativamente, para a produção desta Tese.

Ao professor Isauro Béltrán Núñez, pelas suas contribuições acadêmicas.


Aos amigos da Linha de Pesquisa Formação e Profissionalização Docente,
Rozicleide, Glória, Marcelo, Isabella, Carlineide e, em especial, Clévia, pelo apoio
mútuo, camaradagem e companheirismo que desenvolvemos, principalmente na fase
conclusiva da Tese, bem como aos demais que, de alguma maneira, durante o período
do doutoramento estivemos juntos e que a memória não me permite lembrar.
Aos Cabos e Sargentos, respectivamente, da 7ª turma do Curso de
Nivelamento de Praças (CNP/2016.1) e do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos
(CAS/2015.2) da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte que, gentilmente,
responderam ao questionário da pesquisa, sem os quais esta pesquisa não seria
possível.
A todos os funcionários do Departamento de Educação da UFRN, que
direta ou indiretamente contribuíram para o resultado final deste trabalho, em especial,
aos professores André Ferrer e Marta Pernambuco, que com ética e dignidade
conduziram o processo final do doutoramento.
Ao professor Ronilson de Souza Luiz, colega de profissão da Polícia Militar
do Estado de São Paulo que contribuiu, gentilmente, com suas críticas e sugestões
para o enriquecimento da Tese.
À professora Paula Ferreira Poncioni, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, que com seu olhar plural e, extremamente, perspicaz, fez críticas e sugestões
para a finalização do texto final da Tese.
Aos membros da banca examinadora, professora Elda Melo, professores
Adir Ferreira, Joaquim Alcoforado e António Rochette, pela avaliação criteriosa,
pertinente e crítica-reflexiva, que possibilitou uma visão ampliada acerca da temática
estudada, brindando a todos (as) que participaram da Defesa.
A polícia apresenta suas armas
Escudos transparentes, cassetetes
Capacetes reluzentes
E a determinação de manter tudo
Em seu lugar

O governo apresenta suas armas


Discurso reticente, novidade inconsistente
E a liberdade cai por terra
Aos pés de um filme de Godard

A cidade apresenta suas armas


Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos
E o espanto está nos olhos de quem vê
O grande monstro a se criar

Os negros apresentam suas armas


As costas marcadas, as mãos calejadas
E a esperteza que só tem quem tá
Cansado de apanhar

Selvagem – Paralamas do Sucesso (1986)


RESUMO

A tese versa sobre a Atividade de Tomada de Decisão (ATD) como um saber


profissional que compõe os conhecimentos formativos do policial militar. Do ponto de
vista teórico e prático, estudou que lugar ocupa a ATD para resolução de ocorrências
que demandam o uso da força e/ou armas de fogo na atividade profissional de Cabos
e Sargentos da PMRN. Procurou caracterizar os fatores que influenciam no processo
da atividade em questão, discutindo, ainda, a Tomada de Decisão no contexto da
formação inicial e continuada. Além de refletir e interpretar os dados empíricos, a
Tese, também, propõe um referencial procedimental para potencializar o processo de
Tomada de Decisão em ocorrências policiais críticas. De natureza exploratória e
descritiva, a pesquisa foi desenvolvida em março de 2016, no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (CFAPM), em Natal,
inquirindo 23 Cabos e 34 Sargentos, em processo de formação continuada, onde, por
meio de um questionário misto, buscou desvelar a partir de um caso hipotético, que
simulou uma ocorrência crítica, com uma vítima sob ameaça iminente de morte, que
medidas imediatas da ATD seriam tomadas por esses policiais. Os resultados da
pesquisa apontam para duas formações diferenciadas por se tratarem de categorias
de níveis diferentes, contudo, há de se considerar as responsabilidades equivalentes
no desempenho do policiamento ostensivo, cotidiano, mobilizando conhecimentos e
saberes similares. Os Sargentos com uma média de 30 anos de serviço tiveram uma
formação dentro do paradigma militarista, enquanto a dos Cabos foi embasada nas
Bases Curriculares para os Profissionais de Segurança do Cidadão,
institucionalizadas pelo Ministério da Justiça (MJ), por meio da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP) a partir de 2000. Em que pese não haver um protocolo
nacional e/ou estadual para nortear à ATD dos policiais militares em ocorrências
críticas, os resultados apontam para uma padronização das ações imediatas adotadas
pelos informantes da pesquisa, a partir da doutrina de gerenciamento de crises,
sistematizada por meio de curso da Rede EaD da SENASP/MJ. Evidenciou-se ainda
maior autonomia profissional em conhecimentos e saberes nesse campo de estudos,
por parte dos Cabos, que apresentam, também, maior nível de escolarização. No
contexto institucional, apesar das políticas implementadas no país no âmbito da
segurança pública, sobressai-se a visão de que a formação é muito mais protocolar
do que voltada para atender às necessidades formativas da prática profissional.

Palavras-chave: Formação profissional. Tomada de Decisão. Conhecimento


Profissional. Profissionalização do Policial Militar.
ABSTRACT

The thesis is about Decision Making Activity (DMA) as a professional knowledge that
composes the educational training process of the Military Police. From a theoretical
and practical perspective, it has been studied the role taken by ATD as a way to solve
criminal activity incidents that demand the use of force and/or guns in the ordinary
procedures performed by Cables and Sergeants of the PMRN while on duty. It aimed
to characterize the factors that influence the process of the mentioned activity, also
discussing the Decision Making in the context of initial and continuing training. In
addition to reflecting and interpreting the empirical data, the thesis also proposes a
procedural framework to enhance the decision-making process in critical crime
incidents. Exploratory and descriptive, this survey was carried out in March 2016, at
the Center for Training and Improvement of the Rio Grande do Norte Military Police
(CFAPM), in Natal, inquiring 23 Cables and 34 Sergeants, in a process of continuous
education, where, through a mixed questionnaire, it aimed to reveal – from a
hypothetical case, which simulated a critical crime incident, whereas a victim was
under imminent death threat – what immediate DMA measures would be taken by
those police officers. The results collected from that survey point to two differentiated
types of training, because they belong to different hierarchy levels under a Chain of
Command, however, equal responsibilities must be considered in the performance of
ostensible, everyday policing, mobilizing similar knowledge and skills. The sergeants
with an average of 30 years of service had an training within the militaristic paradigms,
whereas that one of the Cables’ was established in the Curriculum Bases for the
Citizen Security Professionals, institutionalized by the Ministry of Justice (MJ), through
the National Board of Public Security (SENASP) since the year 2000. In spite of the
lack of a national and/or state protocol to guide the DMA of military police officers in
critical incidents, the results point to a standardization of the immediate actions
adopted by those subject to the previously mentioned survey, based upon the crisis
management doctrine, also systematized through a course from SENASP/MJ Distance
Education Network. An even greater professional autonomy has been highlighted
concerning the knowledge and skills in that area of study, presented by the Cables in
the survey, who also demonstrated a higher level of schooling. In the institutional
context, despite the policies implemented in the country in the area of public security,
it stands out the perception that the police training is much more a protocol than
directed to meet the standards of professional practice training.

Key words: Professional training. Decision Making. Professional Knowledge. Military


Police Professionalization.
ABSTRACT

The thesis is about Decision Making Activity (DMA) as a professional knowledge that
composes the educational training process of the Military Police. From a theoretical
and practical perspective, it has been studied the role taken by ATD as a way to solve
criminal activity incidents that demand the use of force and/or guns in the ordinary
procedures performed by Cables and Sergeants of the PMRN while on duty. It aimed
to characterize the factors that influence the process of the mentioned activity, also
discussing the Decision Making in the context of initial and continuing training. In
addition to reflecting and interpreting the empirical data, the thesis also proposes a
procedural framework to enhance the decision-making process in critical crime
incidents. Exploratory and descriptive, this survey was carried out in March 2016, at
the Center for Training and Improvement of the Rio Grande do Norte Military Police
(CFAPM), in Natal, inquiring 23 Cables and 34 Sergeants, in a process of continuous
education, where, through a mixed questionnaire, it aimed to reveal – from a
hypothetical case, which simulated a critical crime incident, whereas a victim was
under imminent death threat – what immediate DMA measures would be taken by
those police officers. The results collected from that survey point to two differentiated
types of training, because they belong to different hierarchy levels under a Chain of
Command, however, equal responsibilities must be considered in the performance of
ostensible, everyday policing, mobilizing similar knowledge and skills. The sergeants
with an average of 30 years of service had an training within the militaristic paradigms,
whereas that one of the Cables’ was established in the Curriculum Bases for the
Citizen Security Professionals, institutionalized by the Ministry of Justice (MJ), through
the National Board of Public Security (SENASP) since the year 2000. In spite of the
lack of a national and/or state protocol to guide the DMA of military police officers in
critical incidents, the results point to a standardization of the immediate actions
adopted by those subject to the previously mentioned survey, based upon the crisis
management doctrine, also systematized through a course from SENASP/MJ Distance
Education Network. An even greater professional autonomy has been highlighted
concerning the knowledge and skills in that area of study, presented by the Cables in
the survey, who also demonstrated a higher level of schooling. In the institutional
context, despite the policies implemented in the country in the area of public security,
it stands out the perception that the police training is much more a protocol than
directed to meet the standards of professional practice training.

Key words: Professional training. Decision Making. Professional Knowledge. Military


Police Professionalization.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Plano de sistematização da pesquisa empírica........................... 42


Quadro 2 - Idade para aposentadoria compulsória das Praças da PMRN.... 50
Quadro 3 - Inclusão/desligamento da PMRN versus população no RN........ 73
Quadro 4 - Quantitativo e idade da tropa de Praças da PMRN, em 2017..... 73
Quadro 5 - Teses sobre polícia disponibilizadas na BDTD (1989-2017)....... 76
Quadro 6 - Teses sobre a polícia brasileira (1989-2013)............................... 78
Quadro 7 - Vitimização policial no Brasil........................................................ 95
Quadro 8 - Ações típicas de Estado, por instituição policial – 2012-2015..... 96
Quadro 9 - Matriz curricular do Curso de Nivelamento de Praças da PMRN 123
- CNP/2015..................................................................................
Quadro 10 - Matriz curricular do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos da 125
PMRN – CAS/2015.................................................................
Quadro 11 - Conhecimentos e saberes policiais militares............................... 161
Quadro 12 - Competências policiais-militares acerca do uso da força............ 186
Quadro 13 - Demonstrativo das ações de uma Tomada de Decisão.............. 204

Quadro 14 - Proposta de Referencial Procedimental para Implantação de


Procedimento Operacional Padrão (POP) para Atendimento de
Ocorrências Críticas na PMRN................................................. 248
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quartel da Salgadeira após a Intentona Comunista (1935)......... 70


Figura 2 - Processos Administrativos Disciplinares e Conselhos de
Disciplina instaurados na PMRN (2010-2016) ............................ 110
Figura 3 - Mobilização das competências policiais...................................... 114
Figura 4 - Requisitos para uma polícia profissional..................................... 147
Figura 5 - Estágio do processo de profissionalização policial-militar........... 149
Figura 6 - Demonstrativo de postos e graduações na PMRN, com
respectivos cursos de formação/habilitação, especialização ou
aperfeiçoamento e capacitação.................................................. 155
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Ação típica de Estado e Vitimização policial.............................. 96


Gráfico 2 - Número de CVLI no RN de Janeiro de 2015 a julho de 2017..... 99
Gráfico 3 - Denúncias registradas na Corregedoria da PMRN................... 108
Gráfico 4 - Percentual de CVLI no RN, por meio empregado - jan/jul de
2017.......................................................................................... 120
Gráfico 5 - CVLI no Rio Grande do Norte nos anos de 2012-2015..................... 121
Gráfico 6 - Número de CVLI no RN de Jan/2016 a Dez/ 2017..................... 121
Gráfico 7 - Respostas com mais incidência para Tomada de Decisão....... 224
Gráfico 8 - Fatores que os Cabos/Sargentos levam em consideração na
Tomada de Decisão.................................................................. 232
Gráfico 9 - Nuvem de palavras mais importantes para Tomada de
Decisão..................................................................................... 243
Gráfico 10 - Tomada de Decisão versus cargos........................................... 246
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Ação típica de Estado e Vitimização policial.............................. 96


Gráfico 2 - Número de CVLI no RN de Janeiro de 2015 a julho de 2017..... 99
Gráfico 3 - Denúncias registradas na Corregedoria da PMRN................... 108
Gráfico 4 - Percentual de CVLI no RN, por meio empregado - jan/jul de
2017.......................................................................................... 120
Gráfico 5 - CVLI no Rio Grande do Norte nos anos de 2012-2015..................... 121
Gráfico 6 - Número de CVLI no RN de Jan/2016 a Dez/ 2017..................... 121
Gráfico 7 - Respostas com mais incidência para Tomada de Decisão....... 224
Gráfico 8 - Fatores que os Cabos/Sargentos levam em consideração na
Tomada de Decisão.................................................................. 232
Gráfico 9 - Nuvem de palavras mais importantes para Tomada de
Decisão..................................................................................... 243
Gráfico 10 - Tomada de Decisão versus cargos........................................... 246
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Análise de Conteúdo
AD Análise de Discurso
APM Academia da Polícia Militar “Cel Milton Freire de Andrade”
ATD Atividade Tomada de Decisão
ARE Aparelho Repressor de Estado
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
BOPE Batalhão de Operações Policiais Especiais
BPChoque Batalhão de Polícia de Choque
BTL Batalhão
CFAPM Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Polícia Militar
CACF Comissão de Avaliação de Condicionamento Físico
CAO Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAS Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos
CATI Curso de Ações Táticas
CB Cabo
CBM Corpo de Bombeiros Militar
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CF Constituição Federal
CFC Curso de Formação de Cabos
CFO Curso de Formação de Oficiais
CFS Curso de Formação de Sargentos
CFP Curso de Formação de Praças
CGC Curso de gerenciamento de Crises
CNP Curso de Nivelamento de Praças
COC Curso de Operações de Choque
COINE Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais
CPU Comandante de Policiamento de Unidade
CSP Curso Superior de Polícia
CSIM Conter; Solicitar apoio; Isolar o local do crime e Manter contato
sem concessões
CVLI Crimes violentos letais e intencionais
EB Exército Brasileiro
FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública
FNSP Fundo Nacional de Segurança Pública
IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
IGPM Inspetoria Geral das Polícias Militares
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
JPMS Junta Policial Militar de Saúde
MCN Matriz Curricular Nacional
MJ Ministério da Justiça
NPCE Normas para o Planejamento e Conduta de Ensino
OPM Organização Policial Militar
POP Procedimento Operacional Padrão
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
PMMG Polícia Militar de Minas Gerais
PMMS Polícia Militar de Mato Grosso do Sul
PMRN Polícia Militar do Rio Grande do Norte
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
QOPM Quadro de Oficiais Policiais Militares
ROCAM Companhia de Polícia Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas

SGT Sargento
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SESED Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social
TAF Teste de Aptidão Física
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................... 18
1 METODOLOGIA.................................................................................... 31
1.1 Pressupostos teórico-metodológicos................................................ 31

1.2 As técnicas de coleta dos dados e instrumentos utilizados na


pesquisa...............................................................................................
37
1.3 Os participantes da pesquisa e a fase empírica................................. 44

2 POLÍCIA: INSTITUCIONALIZAÇÃO E ESTUDOS ANTECEDENTES. 56


2.1 A polícia brasileira: resgate histórico................................................. 62
2.2 Polícia Militar do Rio Grande do Norte: origem e contexto atual...... 68
2.3 Estudos antecedentes........................................................................ 74
3 TOMADA DE DECISÃO NA ATIVIDADE PROFISSIONAL POLICIAL-
MILITAR: a problemática do uso legítimo da força............................ 90
3.1 Violência generalizada versus demanda do uso legítimo da força
na atividade policial-militar................................................................. 91
3.2 Tomada de decisão na formação policial-militar............................... 100
3.3 Processo de formação das competências para o policial do
século XXI............................................................................................. 112
4 ATIVIDADE PROFISSIONAL POLICIAL-MILITAR: identidade,
conhecimentos e saberes profissionais............................................ 127
4.1 O estabelecimento de uma identidade profissional.......................... 129
4.2 O processo de profissionalização do policial militar........................ 136
4.3 Conhecimentos e saberes profissionais: uma análise da atividade
policial-militar......................................................................................... 151
5 A TOMADA DE DECISÃO ENQUANTO SABER PROFISSIONAL NA
ATIVIDADE DO POLICIAL MILITAR: perspectiva Histórico-Cultural 164
5.1 Sentido e Significado: pressupostos de análise da Tomada de
Decisão na atividade policial-militar........................................................ 166
5.2 Habilidade e hábito na atividade profissional.................................... 174
5.3 A formação da consciência para o estabelecimento da habilidade 180
5.4 Aspectos fisiológicos e subjetivos na tomada de decisão da
profissão policial-militar...................................................................... 187
6 TOMADA DE DECISÃO: marco teórico e regulatório......................... 193
6.1 Atividade policial-militar: especificidades como fatores constituinte... 200
6.2 Tomada de decisão em casos críticos na atividade policial-militar 204
6.3 Legalidade, técnica e ética na atuação policial.................................. 210

7 ORGANIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS................................ 222


8 PROPOSTA DE REFERENCIAL PROCEDIMENTAL 252
8.1 Procedimento Operacional Padrão para PMRN: sistematizando
conhecimentos e saberes....................................................................... 253
8.2 Pareceres técnicos: análise e adequações POP.................................. 258
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 261
REFERÊNCIAS..................................................................................... 267
APÊNDICE A - Questionário social..................................................... 280
APÊNDICE B - Caso hipotético de ocorrência policial-militar .......... 281
APÊNDICE C - Questionário profissional........................................... 283
APÊNDICE D - Proposta de Referencial Procedimental para POP
em ocorrências críticas na PMRN....................................................... 285
APÊNDICE E - Formulário avaliativo do Referencial Procedimental
do pop para ocorrências críticas na PMRN........................................ 286
ANEXO A - Oficio emitido à PMRN solicitando autorização para
pesquisa............................................................................................... 289
ANEXO B - Parecer técnico do Comandante da ROCAM................... 291
ANEXO C - Parecer técnico de Oficial do BPChoque......................... 292
ANEXO D - Parecer técnico de Oficial do BOPE/PMMG..................... 293
18

INTRODUÇÃO

No limiar do século XXI, as principais preocupações da sociedade


brasileira são saúde, segurança e educação (IBOPE, 2014) 1, as quais,
necessariamente, nesta ordem, demonstram que o(a) cidadão(ã) brasileiro(a), em
sua maioria, evidencia as questões relativas à segurança pública, colocando-as
como requisitos fundamentais para o convívio social e o desenvolvimento da
cidadania.
Muito embora seja forçoso enfatizar que os investimentos na área, ainda,
não tenham sido na proporcionalidade esperada, como aponta a pesquisa
apresentada, nos últimos 15 anos a União criou órgãos específicos, programas e
implementou políticas para o enfrentamento da problemática da violência e
criminalidade que se intensificam no campo de estudo e pesquisa da segurança.
Uma das primeiras medidas que demarcaram essa mudança paradigmática foi a
criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) 2, em 1997; do
Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), em 2001; e o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), em 2007; que entre outras ações
correlatas ao enfretamento da violência e da criminalidade estabelecem metas de
melhoramento para exercício da atividade policial, distanciando-se, mesmo que
timidamente, do modelo militarista (BORGES FILHO, 1989); (MUNIZ, 1999, 2001)
(ZAVERUCHA, 2005) adotado no pais até os dias atuais, que são analisadas nos
capítulos seguintes.
Por meio da implementação de políticas e ações na segurança pública e.
também, sociais, que visam a prevenção primária da violência e da criminalidade, o
setor, paulatinamente, tem começado a ser mais priorizado, pela União e pelas
unidades federativas, com o intuito de melhor atender às diretrizes do PRONASCI,
sendo um desses objetivos melhorar a formação de seus profissionais por meio de

1
Intitulada Retratos da Sociedade Brasileira - Problemas e Prioridades para 2014 foi feita
pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o IBOPE Inteligência, a
pesquisa aponta a segurança como o segundo problema mais importante e urgente de
políticas públicas, sendo citado por 39% dos entrevistados, ficando atrás apenas da saúde
pública, que aparece em 49% das citações. Disponível neste link:
http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Brasileiro-elege-saude-seguranca-e-
educacao-como-prioridades-para-2014.aspx. Acesso em 16 abr 2014.
2
A SENASP foi criada pelo Decreto Federal Nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, em
decorrência de transformação da antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais
de Segurança Pública – SEPLANSEG. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-
seguranca/seguranca-publica. Acesso em: 07 abr 2017.
19

uma seleção e uma formação inicial e continuada mais afetas à segurança púbica
(BRASIL, 2014), que atendam aos novos anseios sociais, sobretudo, a redução da
violência e da criminalidade que alcançaram índices muito elevados na última
década, evidenciados em estudos como Mapa da Violência no Brasil (WAISELFISZ,
2016).
Contudo, ao enfatizar as demandas existentes na segurança pública,
como a produção de conhecimento, aquisição de armamentos e equipamentos,
implementação de novas tecnologias, entre outras ações, as quais não fazem parte,
diretamente, deste estudo, mas são abordados como temas transversais e, algumas
vezes, subsidiários à temática central da Tese, fica claro que muitos são os
obstáculos a serem transpostos no sentido de atender à capacitação almejada para
os profissionais da segurança pública, em especial, os policiais militares, que possa
estar em consonância com o Estado democrático brasileiro.
Nesse sentido, é imperativo que se considere, também, alguns aspectos
histórico-sociais que permearam e, ainda, permeiam a problemática da segurança
pública no Brasil. A recente história nacional demonstra ter o Brasil saído de um
regime político militarizado, há cerca de três décadas (1964-1985), no qual o país
viveu em um Estado autoritário, como assim o fora em boa parte dos países sul-
americanos (NARLOCH; TEIXEIRA, 2011) que, em certa medida, influenciou e, até
hoje, influencia a atuação na segurança pública e, consequentemente, nos
processos formativos dos profissionais que atuam nessa área, contribuindo para
muitos desdobramentos da prática profissional e, para este estudo, especificamente,
na Atividade Tomada de Decisão (ATD) para resolução de casos críticos da prática
policial-militar.
Neste trabalho, considerar-se-á a ATD em casos críticos, na prática
policial-militar, a ação ou omissão por parte do profissional de segurança pública que
tem por força de lei o dever da preservação da ordem pública, devendo intervir de
forma a evitar ou reprimir um delito, seja contra a pessoa e/ou contra o patrimônio,
conduta essa analisada nas atividades do policiamento ostensivo da Polícia Militar
do Estado do Rio Grande do Norte, sem, contudo, furtar-se de fazer inferências e
analogias dessas práticas em outras polícias do país e, também, em âmbito
internacional.
Esta Tese avalia, portanto, a ATD, especialmente, em casos críticos,
quando o policial militar, de forma quase cirúrgica, deve intervir, preservando vidas e
20

aplicando a lei, evitando mortes, quais sejam, da vítima(as), do próprio infrator e,


também, dele próprio, enquanto profissional de segurança pública.
Para consubstanciar o estudo são adotadas algumas filiações teóricas,
entre as quais se destaca a Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1978), que é
considerada como um conjunto de ações humanas, devidamente orientadas por um
motivo (material ou abstrato), cujo objetivo principal é atender a uma necessidade.
Essa atividade, no plano ideal, deve ser uma prática consciente e pode ser
apreendida na formação inicial e atualizada/aprimorada nos diversos processos
formativos da atividade humana e, que nessa perspectiva, pode, também, constituir-
se uma via para melhorar o nível de profissionalização (FREIDSSON,1998; 2016) de
uma atividade profissional, neste caso particular, a policial-militar. Contudo, é
imperativo evidenciar que há outras dimensões não conscientes, da atividade
humana, que são constituídas de improvisos, irracionalidades, emoções, entre
outras, que podem influenciar, alterar e/ou transformar a ação (PETROVSKI, 1980),
em especial, do operador de segurança pública.
No campo de conhecimento e pesquisa da segurança pública, essas
práticas que constituem os processos formativos dos profissionais de segurança são
considerados como um conjunto de programas e ações oriundas de políticas
públicas institucionais que visam o aprimoramento e a qualificação profissional
(PINC, 2011)3, sobretudo na perspectiva de melhoria da performance de tais
profissionais para atuarem na preservação da ordem pública, preceitos
estabelecidos universalmente (ONU, 1948; 1979) e ratificados na Constituição
brasileira.
Justificando-se, assim, pela via legal, também o é a partir da necessidade
de atender às demandas sociais de uma polícia norteada por uma prática mais
humanizada (BALESTRERI, 2002); (LUIZ, 2008). Nesse diapasão, o estudo busca,
entre outros objetivos, avaliar se há uma dissonância entre a teoria e a prática que
precise ser corrigida na atuação cotidiana da Polícia Militar, pois como defende Pinc
(2011, p.174), na prática diária, os policiais tendem a não utilizar os procedimentos
institucionalizados, mesmo após uma formação continuada.

3
Tese de doutorado defendida na USP, que analisa e avalia o treinamento policial na Polícia
Militar do Estado de São Paulo, sob a perspectiva de política pública implementada pela
instituição, mas que, em certa medida, na prática cotidiana, seus integrantes tendem a não
seguir os protocolos institucionais estabelecidos.
21

Na perspectiva defendida nesta Tese, uma via alternativa para uma maior
profissionalização acerca da Atividade Tomada de Decisão para o atendimento de
casos críticos policiais, a ser seguida na prática policial-militar, pode ocorrer, entre
outros meios, a partir dos processos formativos adotados e sistematizados
universalmente e, especialmente, implementados no país por meio da Matriz
Curricular Nacional (MCN), como política formativa para os profissionais de
segurança pública (BRASIL, 2003).
A Tese está subdividida em pressupostos teóricos histórico-culturais,
particularmente, e outros que, direta ou indiretamente, discutem Cultura,
socialização, processos formativos, cultura profissional e institucional, tomada de
decisão e protocolos institucionais, entre outras categorias de análise, pertinentes à
temática que perpassam transversal e/ou subsidiariamente a formação e
profissionalização dos agentes de segurança pública, presentes na MCN, que
permeiam “a Tomada de Decisão em casos críticos na atividade policial-militar”.
A partir de então, com uma matriz nacionalizada esses processos
formativos vêm passando por várias reformulações, sendo a última em 2012,
denominada Encontro de Revisão da Matriz Curricular Nacional 4, realizado pelo
Ministério da Justiça, por meio da SENASP, com intuito de reelaborar,
conjuntamente, com os representantes da área de ensino das corporações de
segurança do país das demais unidades federativas, um núcleo básico da referida
Matriz, o que poderia, conforme os próprios organizadores, diminuir ou, pelo menos,
minimizar as distorções existentes entre as técnicas e os procedimentos adotados
pelas polícias brasileiras e seus integrantes no enfrentamento da violência e da
criminalidade.

Na profissão policial-militar, a Tomada de Decisão é, desde sempre, uma


necessidade imposta pela atividade profissional, que deve ser precedida,
necessariamente, da formação da habilidade de tomar decisões, que implica, por
conseguinte, em determinadas competências, quais sejam, cognitiva, operativa e/ou
atitudinal (BRASIL, 2014, p.18).

4
Realizado no período de 17 a 21 de setembro daquele ano, em Brasília, do qual participou
este signatário representando a PMRN, juntamente com outro oficial do Corpo de
Bombeiros, uma policial civil e um representante do Instituto Técnico-científico de Polícia
compuseram a delegação do RN.
22

A teoria da Atividade, criada por A. N. Leontiev (1978) desvela qual o


lugar e a importância da consciência e da personalidade na atividade humana. Essa,
por seu turno, na perspectiva histórico-cultural é responsável por humanizar o ser
humano, no sentido de torná-lo ser social, no processo ontogenético,
concomitantemente, possibilitando a sociogênese (ENGELS, 2014).

A partir dessa teoria busca-se interpretar o estudo proposto,


estabelecendo-se as categorias analíticas centrais para essa consecução, que são
os sentidos atribuídos à atividade profissional policial-militar e suas partes
constituintes: ações e operações, que orientam o processo pelo qual o homem,
devidamente, motivado por uma necessidade, socialmente estabelecida, mantém
uma relação mediatizada pelos signos materiais ou espirituais para interagir com a
realidade (LEONTIEV, 1978, p. 82).

Na atividade policial-militar o profissional de segurança, cotidianamente,


estabelece uma ação mediatizada com a sociedade na qual está inserido, ensejando
e/ou produzindo, necessariamente, uma Tomada de Decisão. Esse processo, seus
constituintes, que são a necessidade, motivo (de caráter objetivo e/ou subjetivo),
sujeito(s) envolvido(s), objeto, objetivo e o resultado da atuação humana, nesse
caso particular, a atividade policial-militar, é o objeto de estudo da Tese. É forçoso
enfatizar que, também, estão circunscritos em uma Tomada de Decisão aspectos
subjetivos, como condições prévias do sujeito em ação, objetivos intencionais e
sociais, coerência e contradição, paradoxos, efeitos não esperados.
Ao longo de mais de vinte anos na Polícia Militar do Estado do Rio
Grande do Norte, este autor tem buscado estudar como se operacionaliza o
processo de formação e profissionalização5 dos policiais militares, em geral, e,
particularmente, os potiguares, abordando como temática de estudo na Graduação
e, também, no Mestrado, em Ciências Sociais, ambas na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, tendo como pano de fundo o estudo acerca da violência
praticada por alguns desses profissionais, assim como, sua formação inicial e
continuada (SILVA, 2005; 2009).

5
Chama-se atenção para essa categoria analítica, pois alguns teóricos defendem que
muitas atividades não se tornaram, ainda, profissões, efetivamente, como conceitualiza a
Sociologia das profissões, a ser estudada no capítulo específico da profissionalização
(DUBAR, 1997).
23

A partir desses estudos, verificou-se que a temática, necessariamente,


perpassava pela formação ou desenvolvimento da habilidade da Tomada de
Decisão na atividade profissional, sobretudo, com a perspectiva de buscar
profissionalizar, cada vez mais, o policial para o enfretamento da violência e da
criminalidade, em ascensão no país, como apontam algumas estatísticas citadas.
Os altos índices de violência e criminalidade que assolam não apenas a
sociedade potiguar, mas, também, todo o território brasileiro 6 fazem parte das
questões relevantes que consubstanciam a problemática e o interesse por este
estudo, que tem como foco norteador o aprofundamento e análise da Tomada de
Decisão, como um mecanismo de profissionalização da atividade policial-militar e,
consequentemente, como estrutura cognitiva teórico-prática desse enfrentamento. É
notório, contudo, que outros aspectos, como, o socioafetivo, os psíquicos, os
culturais, circunscrevem-se em Tomada de Decisão, mas esses extrapolam a
temática central como objeto de estudo da Tese.
O estudo se sedimenta na linha de Pesquisa Educação, Formação e
Profissionalização Docente, do Programa de Pós-graduação em Educação, da
UFRN, e nesse locus teórico-filosófico, bem como em face das demandas de uma
atuação profissional embasada em pressuposto científicos é que se estuda o
processo da Tomada de Decisão na atividade profissional da Polícia Militar, como
mecanismo metodológico para construção de competências cognitiva, procedimental
e atitudinal, preventiva, ou em última instância, de enfrentamento da problemática
social em questão.
Por conseguinte, é nessa perspectiva que se coloca a abordagem
Histórico-Cultural, estabelecendo, uma relação dialética entre teoria e prática para o
estudo do processo de formação, desenvolvimento ou atualização da habilidade de
tomar decisão em caso críticos, na atividade profissional da Polícia Militar do Estado
do Rio Grande do Norte, sob uma ótica de intervenção e transformação do cotidiano
policial-militar.
Na Tese, por ocasião do desenvolvimento e teorização das categorias
centrais de análise, quais sejam, atividade profissional, competências e habilidades,
identidade e cultura profissionais, utiliza-se os termos estudar o processo da

6
Os dados estatísticos mais recentes podem ser vistos no Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, neste link: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//8anuariofbsp.pdf.
Acesso em: 15 nov 2014.
24

formação da habilidade da Tomada de Decisão quando o profissional, ainda, não a


tiver desenvolvido. No entanto, em outras passagens, também, é adotada a
denominação estudar o processo da atualização/potencialização dessa habilidade,
pois, certamente, muitos dos policiais participantes da pesquisa já desenvolveram-
na, sendo tal habilidade apenas enriquecida e atualizada com novos conhecimentos
e saberes, proporcionando, assim, um salto qualitativo (LEONTIEV, 1978) na sua
atuação profissional.
Nessa perspectiva, o primeiro questionamento a ser feito é se os
processos formativos, atualmente, em vigência nas corporações policiais no país e,
especialmente, na PMRN, efetivamente, têm como um dos objetivos principais
preparar o profissional de segurança pública para o processo decisório, quando do
exercício da sua atividade profissional?
Outro questionamento imperativo é se existe uma normalização que
regule a formação dessa atividade profissional? Se assim não ocorre, de fato deve
haver a preparação para a Tomada de Decisão, contudo, a norma reguladora é que
condiciona a ação humana. E, ainda, se os profissionais que são
instrutores/professores na formação inicial dos policiais receberam a devida
capacitação para formar policiais que desenvolvam a habilidade para a Tomada de
Decisão nas mais variadas esferas de competência da atividade profissional policial-
militar.
Resumidamente, e com a cautela de não ser reducionista, traduz-se a
pergunta inicial na seguinte inquietação: de que forma ou com quais bases ou,
ainda, a partir de quais competências o policial militar do Rio Grande do Norte
decide como atuar em ocorrências que demandam o uso da força e/ou de armas de
fogo?

O objeto do presente estudo diz respeito à Tomada de Decisão para


resolução de ocorrências na atividade policiamento ostensivo de Cabos e Sargentos,
da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, enquanto saber e/ou
conhecimento profissional, como categoria de profissionalização desse corpo de
trabalhadores da segurança pública, a partir de pesquisa empírica realizada em
março de 2016, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da PMRN.
25

Como objetivo geral, estudou, do ponto de vista teórico e prático, a


Tomada de Decisão para resolução de ocorrências que demandam o uso da força
e/ou de armas de fogo na atividade profissional de Cabos e Sargentos da PMRN.

Nessa perspectiva, estabeleceu-se cinco objetivos específicos, conforme


abaixo descritos:

identificar e analisar o lugar que ocupa a Atividade Tomada de Decisão


na prática do trabalho do policial militar;
identificar e caracterizar fatores que contribuem ou dificultam para a
Atividade Tomada de Decisão, segundo relatos do policial militar potiguar;
investigar e analisar o sentido que os PMs têm sobre a Atividade Tomada
de Decisão no seu processo formativo;
refletir e interpretar os dados da pesquisa empírica sob a perspectiva
teórica da Tese; e
propor um referencial procedimental para potencializar o processo de
tomada de decisão no que diz respeito à Atividade Tomada de Decisão na profissão
policial-militar.

Assim sendo, a Tese formulada foi analisar em que medida a Atividade


Tomada de Decisão para resolução de casos críticos na prática do policial militar
pode se constituir em uma atividade profissional, devidamente, orientada por
pressupostos teóricos, metodológicos e técnicos, focada em objetivos para evitar
atos delituosos, face à conjuntura social, histórico e cultural em que atua. Nesta
perspectiva, considera-se o policial um profissional da segurança pública em
formação permanente, capaz de intervir de maneira competente, interagindo e
transformando o contexto no qual está inserido.
A hipótese em questão é que a Atividade Tomada de Decisão para
resolução de ocorrências policiais que demandam a utilização de força e/ou de
armas de fogo ou sua possibilidade só pode ser considerada uma atividade
profissionalizada, na medida em que tal ação policial seja orientada por uma
necessidade, devidamente, motivada e que essa se estabeleça pela mediação de
objeto material ou ideal - o crime materializado ou sua probabilidade iminente - e
que, atendendo a essas condicionantes, devem ainda estar em consonância com os
princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência
26

(BRASIL, 2010b), bem como com os aspectos conceituais, procedimentais e


atitudinais, nestes, inseridos a análise e a reflexão antes, durante e após a ação
(SHÖN, 2000), devendo-se considerar, também, que não há uma normalização
consolidada, enquanto conhecimento e saber profissional na segurança pública no
Brasil e, em especial, na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, que oriente essas
intervenções.
Nessa perspectiva, a atividade policial-militar é sempre-já orientada pela
necessidade social de segurança pública por meio de suas várias ações de
policiamento. Portanto, o motivo que vai mediar a ação com o objeto material ou
imaterial (o fato delituoso ou sua possibilidade de acontecer) é instituído e assumido,
legalmente, por esse profissional, quando lhe é conferido, publicamente. um
mandato.
É mister, todavia, enfatizar que essa atividade profissional é demarcada
por especificidades inerentes à função policial, como assim o é em outras
profissões. O que a diferencia, contudo, e a envolve de maiores condicionantes
durante o exercício profissional é que esta é a única socialmente autorizada, dentro
dos limites legais a usar a força e/ou armas como técnicas, saberes, conhecimentos
e ferramentas de trabalho.
A pesquisa que originalmente ocorreu no primeiro semestre do ano 2016,
com integrantes da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte (PMRN), dos
cargos de Cabo e Sargento, em processo de formação profissional continuada, no
Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Polícia Militar (CFAPM) 7, onde os
questionários foram aplicados.
Os policiais militares dos cargos selecionados para participarem da
pesquisa são oriundos da graduação hierárquica soldado PM, que após concurso
público ingressam na corporação como alunos-soldados. Para o cargo de soldado
PM a formação é de nível técnico, denominada Curso de Formação de Praças
(CFP), realizada durante nove meses, no CFAPM, e que ao término do curso são

7
A partir de 2015 entrou em vigor a Lei Complementar Nº 515/2014, que reformulou a
formação inicial e continuada das Praças da PMRN (soldado, cabo, sargento e
subtenente), estabelecendo períodos, cargas-horária mínima e máxima, bem como locus
de formação, pré-requisitos e cargos a que estarão habilitados a ocupar após cada curso
realizado. Disponível
em:http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/pmrn/DOC/DOC000000000037274.PDF. Acesso em:
08 abr 2015.
27

promovidos essa graduação. As formações inicial e continuada da PMRN, em


particular, dos Cabos e Sargentos, serão pormenorizadas no capítulo 1.
Outra forma de ingresso na instituição é por meio de concurso público
para o cargo inicial de aluno-oficial. Estes são formados na Academia da Polícia
Militar “Cel Milton Freire de Andrade” (APM), estudando por três anos o Curso de
Formação de Oficiais (CFO), que tem titulação de nível superior, com
reconhecimento pelo Conselho Estadual de Educação8. Após a conclusão passarão
a fazer parte do Quadro de Oficiais Policiais Militares (QOPM).
Oficiais e Praças, por imposição legal do seu Estatuto9, obrigatoriamente,
precisam realizar cursos de formação continuada para ascensão profissional. Foi,
portanto, nesse universo de aperfeiçoamento profissional que fora realizada a
pesquisa empírica, motivada, pelos questionamentos que emergiram durante e após
a conclusão da Dissertação de Mestrado, na UFRN em 2009.
Esta Tese está estruturada em oito capítulos, sendo antecedidos pela
Introdução que traz uma visão panorâmica do trabalho, demarcando o Objeto de
estudo, Os objetivos, a Tese proposta e a Hipótese. As Considerações Finais levam
o(a) leitor(a) a compreender a síntese da pesquisa produzida e seus “achados”.

No primeiro capítulo é feita a sistematização do percurso metodológico


que foi idealizado e o que foi possível operacionalizar, tendo em vista as
especificidades da atividade policial-militar. Nesse sentido, é feita uma abordagem
teórica dos pressupostos que nortearam a fase teórica e empírica da pesquisa. Na
sequência, os participantes da pesquisa, o locus profissional e cultural do qual fazem
parte esses policiais são descritos, sob a perspectiva de aproximar a realidade
desses operadores da lei das teorias estudadas.

O segundo capítulo faz uma ambientação de como ocorreu a


institucionalização da polícia moderna. Nesse percurso é realizado um breve resgate

8
Conforme o Parecer Nº 040/2003, da Câmara de Educação Superior, do Conselho
Estadual de Educação, publicado no Diário Oficial de 23 de setembro de 2003.
9
Conforme o Estatuto da PMRN, criado pela Lei Estadual nº 4.630, de 16 de dezembro de
1976. Uma das especificidades que permeiam a profissão policial-militar, que a difere das
demais, é que, ao mesmo tempo que este policial está sendo formado, ele já considerado
um policial militar, pelo seu Estatuto (e, também, pela sociedade) e, nesse sentido, mesmo
que de forma precária já está investido do cargo, ainda, que sem a formação conclusa,
após a qual, em momento solene ser-lhe-á conferido o diploma e mandato, que serão
analisados posteriormente.
28

histórico da polícia brasileira e da PMRN, enfatizando os aspectos políticos,


históricos, sociais e culturais que constituíram esse processo.
O capítulo é concluso com a apresentação dos estudos antecedentes
acerca da polícia no Brasil, especialmente, a partir de teses disponibilizadas na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), mas também, por meio da literatura
específica acerca da instituição policial, notadamente no campo de estudo da
Educação, da Sociologia, da Política e da Antropologia, de artigos disponíveis em
periódicos especializados e do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES).
O terceiro capítulo traz, efetivamente, a problemática do estudo, ou seja,
a Atividade Tomada de Decisão na atividade policial-militar e as especificidades que
circunscrevem essa prática profissional. O capítulo é sistematizado por meio da
abordagem de como essa competência profissional é concebida na formação do
policial militar no Rio Grande do Norte, sem se furtar de fazer algumas analogias dos
cenários nacional e internacional.
Como subsídio empírico, além dos teóricos nacionais e estrangeiros
apresentados, são utilizados os dados estatísticos do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) e da Corregedoria da PMRN. Os documentos
balizadores do arcabouço educativo profissional são as Bases Curriculares para
Formação dos Profissionais de Segurança Pública e a Matriz Curricular Nacional,
ambos protagonizadas pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional
de Segurança Pública.
Os referentes nacionais são particularizados, utilizando-se as matrizes
curriculares dos cursos em participaram os participantes da pesquisa, os Cabos e
Sargentos, em processo de formação continuada no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento da PMRN, em março de 2016. Nesse contexto, busca-se
problematizar o conhecimento/saber Tomada de Decisão e as competências
necessárias ao policial contemporâneo, particularmente, o Cabo e Sargento da
PMRN.
O quarto capítulo teve por objetivo precípuo desvelar a identidade policial-
militar, a partir do estabelecimento de conhecimentos e saberes dessa atividade
profissional, por vezes desconhecidos e/ou menosprezados no âmbito acadêmico,
muito embora essa realidade tenha mudado, gradativamente, na última década.
29

A partir de pressupostos da Sociologia das profissões e do


estabelecimento das competências e habilidades evidenciadas nos estudos das
polícias norte-americana, europeia e brasileira, busca-se estabelecer os marcos
normativos da identidade, cultura, conhecimentos e saberes profissionais, primando
pela investigação científica acerca da profissionalização ou não da atividade policial.
O quinto capítulo circunscreve o marco teórico da Tese, a partir do qual
aponta-se a incipiência no campo estudos e pesquisas da segurança pública,
especialmente, acerca dos conhecimentos e saberes policiais-militares.
Buscando evidenciar as categorias-chave que constituem o objeto de
estudo da Tese, discute-se o sentido e o significado da Tomada de Decisão a partir
da Teoria Histórico-Cultural. Em que pese a intervenção policial aparecer como uma
atividade, eminentemente, objetiva, amparada em parâmetros, sobretudo legais e
técnicos, discute-se as especificidades as quais estão circunscritas a ATD,
principalmente os aspectos culturais, subjetivos e éticos.
O sexto capítulo buscou desvelar o marco regulatório da atividade policial-
militar, notadamente, os “casos críticos”, pontos complexos e nevrálgicos a serem
abordados, dentro e fora das corporações policiais, especialmente, pela ausência
e/ou incipiência de normativas específicas que norteiem a atuação policial.
Descreve-se o que deve ser considerado como “caso crítico” na atividade
profissional para esta Tese, tendo em vista que toda ocorrência policial é, em certa
medida, crítica, de maneira especial, por meio de parâmetros legais e técnicos. Mas
também evidencia-se que essa abordagem e, consequente resolução, não deve ser
restrita a tais protocolos. Para tanto, observa-se as convenções internacionais,
sobretudo da Organização das Nações Unidas, para funcionários responsáveis pela
aplicação da lei e a normativa nacional do Ministério da Justiça.

O sétimo capítulo é composto da análise dos resultados produzidos a


partir dos dados empíricos colhidos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da
Policial Militar do RN, por meio dos quais foi possível ponderar se a hipótese inicial
se confirmaria ou seria refutada.

Por fim é apresentada no oitavo e último capítulo uma Proposta de


Referencial Procedimental, como uma alternativa de Procedimento Operacional
30

Padrão (POP) para resolução de ocorrências críticas na PMRN que demandam a


utilização de força e/ou armas de fogo.

Concluindo a Tese, mas sem a pretensão de esgotar a pesquisa,


apresenta-se algumas considerações finais acerca dos resultados, especialmente,
sobre as necessidades formativas desse grupo de profissionais trabalhadores do
policiamento ostensivo, que embasado em parâmetros técnicos e por força de lei,
precisam adotar a sua Tomada de Decisão para preservar vidas e aplicar a lei.
31

1 METODOLOGIA

O desafio da produção e/ou da construção do conhecimento, como


descrevem alguns autores, entre os quais se destacam Minayo (2013) e Alves-
Mazzotti e Gewandsznajder (2000) é, por excelência, um exercício de reflexão crítica
que implica, além de outros princípios teórico-metodológicos, na imposição da busca
constante pela ruptura de paradigmas científicos não mais suficientes.
Tal imposição se dá porque esses novos paradigmas de pesquisa, sejam
eles de características qualitativas ou quantitativas, estabelecidos pela própria
comunidade científica, devem imprimir padrões necessários de graus de
confiabilidade, validade e fidedignidade que o pesquisador precisa apresentar como
produto do seu trabalho.
Nesse sentido, dois aspectos não podem deixar de ser considerados no
atual contexto da pesquisa científica: as transformações da sociedade e as
inovações tecnológicas que cada vez mais estão presentes no cotidiano social.
Estas últimas contribuem, operacionalmente, por meio dos seus instrumentos, para
uma maior legitimação das pesquisas científicas. Muito embora, tais fatores não
sejam determinantes, esses recursos possibilitam a otimização da pesquisa
científica na contemporaneidade (BARDIN, 2011, p 34).
Os paradigmas, exclusivamente, positivistas da quantificação
(DURKHEIM, 2001) e os qualitativos de cunho, eminentemente, subjetivos, têm sido
usados em uma perspectiva mais dialética, a partir da qual a complementaridade se
tornou um fator decisivo para aceitação e legitimação na comunidade científica.
A triangulação desses métodos é adotada por diversos pesquisadores
(MINAYO, 2013, p. 362), sobretudo a partir da perspectiva de compreensão dos
sentidos que os sujeitos da pesquisa dão às suas ações, especialmente, para este
estudo, a Atividade Tomada de Decisão na profissão policial-militar.

1.1Pressupostos teórico-metodológicos

Tomando como pressuposto basilar a Teoria Histórico-Cultural,


notadamente, pelo seu caráter materialista dialético e histórico que,
necessariamente, constitui a fundamentação teórica do constructo empírico
desenvolvido na pesquisa, este capítulo buscou instrumentalizar a teoria
apresentada, sobretudo, a partir da perspectiva do concreto para o abstrato, mas
32

também, do abstrato para o concreto, quando em uma abordagem dialética há uma


complementaridade no processo de desenvolvimento do trabalho.

Com efeito, esse aspecto abstrato está cientificamente embasado, na


medida em que os referentes teóricos, epistemológicos, constitutivos da pesquisa
materializam-se e mantêm uma relação dialética, permitindo uma compreensão mais
ampla do que fora teorizado. Assim, defende Minayo que:

Toda teoria é um discurso científico que se constitui como uma


grade, através da qual seu formulador analisa um fenômeno, ou um
processo. Uma teoria reúne pressuposto e axiomas (uma afirmação
cuja verdade é evidente e universalmente aceita em uma disciplina) e
proposições logicamente inter-relacionadas e empiricamente
verificáveis (MINAYO, 2013, p. 175).

Por outro lado, como explica a mesma autora, essas mesmas leis e/ou
teorias devem sempre estar postas à prova. Sendo esse, portanto, o paradigma que
mantém a Ciência com status, efetivamente, científico que passa por processos de
rupturas, retrocessos e avanços. Nesse contexto, o percurso teórico-metodológico
trilhado foi de buscar pautar-se, vigilantemente, pelo caráter rigoroso da rigidez
constante, sob o pretexto de não colocar velhos axiomas fora de contestação,
revalidando-os e, em certa medida, dogmatizando-os.

Outro aspecto, também, a ser enfatizado foi a postura, eminentemente,


crítica e, por conseguinte, reflexiva que se buscou empreender com o objeto de
estudo. Nesse sentido, Bardin (2011, p 34) defende o rigor e a descoberta, alertando
para “[...] os perigos da compreensão espontânea. E igualmente tornar-se
desconfiado, relativamente aos pressupostos, lutar contra a evidência do saber
subjetivo, destruir a intuição em proveito do construído [...]”. É, portanto, nesse
aspecto que se seguiu o percurso teórico-metodológico apresentado a seguir.

Durante e após a realização da pesquisa, fez-se necessário identificar


que modelo seria adotado, sem, contudo engessá-lo em uma classificação
específica, de forma a não poder manter uma relação dialética entre um modelo
33

mais objetivo e outro com características mais subjetivas (NÚÑEZ, RAMALHO,


2014).

Assim, inicialmente, estabelece-se uma conceitualização de pesquisa


qualitativa, a qual, por sua característica de utilização de vários procedimentos e,
também, de coleta e tratamento de dados, possibilitou uma maior capacidade de
testar e verificar os resultados obtidos (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER,
2000).
Conforme explica Minayo (2013, p. 62-63) essa modalidade de pesquisa
apesar de toda sistematização estabelecida, inclusive, lançando mão de
instrumentos quantitativos, não dispõe de legitimação e/ou reconhecimento em
todos os campos e pesquisadores sociais.

Alguns pesquisadores adotam a triangulação dos dados ou de métodos,


em uma perspectiva mais ampla, para tentar equacionar o problema de se trabalhar
perspectivas quantitativas e qualitativas. Para a Tese, além de enriquecer o trabalho,
essa estratégia propiciou interação entre propostas objetivas e subjetiva, tal qual, a
deste trabalho (MINAYO, 2013, p. 362).

Os fenômenos concretos ou abstratos, como a Atividade Tomada de


Decisão, em um contexto determinado e, neste caso, na prática da profissão policial-
militar, implica interpretá-los não apenas em quantidades extensivas, mas também
qualitativa e intensivamente, pois a partir

[...] do processo reflexivo é o que aponta ser possível exercer uma


superação dialética sobre o objetivismo puro, em função da riqueza
de conhecimento que pode ser agregada com a valorização do
significado e da intencionalidade dos atos, das relações e das
estruturas sociais. A postura dialética leva a compreender que dados
subjetivos (significado, intencionalidade, interação e participação) e
dados objetivos (indicadores, distribuição de frequência e outros) são
inseparáveis e interdependentes. (MINAYO, 2013, p.365)
34

Essa abordagem permitiu romper com a barreira da dicotomia existente


nas pesquisas quantitativas e qualitativas, pois possibilitou uma postura dialética
entre, por exemplo, o sentido e o significado da ATD na prática profissional dos
Cabos e Sargentos da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, em processo de
formação continuada, no CFAPM, em 2016.

Para sua efetivação alguns critérios, segundo Minayo (2013), precisam


circunscrever a pesquisa, dentre eles, que haja uma equipe multidisciplinar, bem
como, cooperação entre essas diferentes áreas de conhecimento ou, na
impossibilidade dessa, pelo menos, uma abordagem interdisciplinar.

Minayo (2013, p. 317) defende que nessa fase da pesquisa o tecnicismo


jamais poderá ganhar mais ênfase do que as informações contidas nos dados que,
inclusive, ainda, podem estar encobertos pela especificidade da natureza do objeto
estudado. Para tanto a possibilidade de reformulação ou adequação de hipótese
e/ou objetivos deve ser considerada visando atender ao objetivo geral da Tese.

Por essa perspectiva, optou-se por discorrer, inicialmente, acerca do


método de análise e não sobre o de coleta, concebendo que se o objetivo que se
espera do resultado não estiver, devidamente, ajustado à metodologia de busca e
vice-versa, não será possível atingir o efeito almejado.

Abordar-se-á, incialmente, a Análise de Conteúdo e, posteriormente, a de


Discurso, para que se possa, claramente, escolher as ferramentas mais adequadas
de coleta. Neste caso particular: estudar do ponto de vista teórico e prático, a ATD
para atendimento de ocorrências que demandam uso de força e/ou armas de fogo
na prática profissional de Cabos e Sargentos da PMRN.

Bardin (2011, p. 20-3) percorre de forma metódica, sistemática e, por que


não dizer, histórica, como se fundamentou essa técnica. De acordo com a autora,
data dos anos de 1640, quando fora registrada sua primeira utilização para inferir
acerca de temas religiosos, sobretudo na Suécia, analisando-se hinos religiosos.
Contemporaneamente, que é o período que interessa à pesquisa, tem início no
século XX, por ocasião das duas Grandes Guerras, subsidiou muitas pesquisas e
tomadas de decisão, naquele ínterim.
35

Nos dias atuais, descreve a autora, que essa técnica “[...] visa o
conhecimento de variáveis de ordem psicológica, sociológica, histórica, etc. por meio
de um mecanismo de dedução com base em indicadores reconstruídos a partir de
uma amostra de mensagens particulares” (BARDIN, 2011, p.50).

A partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, os participantes da


pesquisa, de forma ativa, respondendo a questionários que deram subsídios iniciais
à pesquisa e, posteriormente, participariam mais intensivamente, quando
subsidiariam as entrevistas10, pois como reforça a autora, a Análise de Conteúdo
(AC) é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter


por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens
(BARDIN, 2011, p.48).

Por outro prisma, de acordo com Minayo (2013), surge em oposição a


essa AC, a Análise de Discurso (AD), que segundo essa autora é um conceito
bastante novo, que a partir da escola francesa, visa substituir a Análise de Conteúdo
tradicional. Ou seja, nessa perspectiva, a Análise de Discurso estaria em um plano
epistemológico mais amplo. Visaria, portanto, fazer uma interpretação na esfera
erudita, do senso comum, político e até religioso, não se detendo, meramente, ao
texto escrito ou falado, mas aos sentidos que compõem tais manifestações
comunicativas (fala, discurso, exposição, comunicação, entre outros.), pois,

O objetivo básico da análise do discurso, segundo Pêcheux, é


realizar uma reflexão geral sobre as condições de produção e
apreensão da significação de textos produzidos nos mais diferentes
campos: relações primárias, religioso, filosófico, jurídico e
sociopolítico, visando a compreender o modo de funcionamento, os
princípios de organização e as formas de produção dos seus
sentidos (MINAYO, 2013, p. 319).

10
Em virtude da exiguidade temporal não foi possível realizar entrevistas.
36

Por outro viés, de acordo com Orlandi (2000, p. 20-1), o discurso se


distancia da esquematização genérica na qual a comunicação se operacionaliza.
Assim, o esquema comunicativo do qual fala esta autora que compõe esse processo
é constituído do emissor, receptor, código, referente e mensagem. A partir desses
constituintes, a mensagem é transmitida, contudo, necessariamente, devem ser
considerados os componentes históricos, culturais, políticos, sociais, religiosos,
entre outros, que permeiam, não apenas a própria mensagem, mas todo o processo
de comunicação (na maioria das vezes não dita expressamente).

Na Análise do Discurso não há uma linearidade, pois essa comunicação


não é seriada, tendo em conta que há dois sujeitos na construção do processo
comunicativo. Assim, por meio da interação entre ambos, o discurso que estava
sendo produzido pode ser alterado, pois os sentidos são construídos pela e na
cultura, com historicidade e, também, socialmente, a partir da interação dos
indivíduos.

Na perspectiva teórica de Bardin (2011), a Análise de Discurso seria,


portanto, uma das técnicas da Análise de Conteúdo. Assim, essa não se confunde
com a Análise de Discurso que é constituinte da primeira.

A Análise de Conteúdo pode se expressar por meio de várias técnicas.


Nas palavras da autora pode ser “análise de significados (exemplo: análise
temática), embora possa ser também análise de significantes (análise lexical, análise
de procedimentos)” (BARDIN, 2011, p. 41).

A AC é uma técnica de pesquisa de material qualitativo (MINAYO, 2013),


mas também quantitativo (BARDIN, 2011) já sedimentada, muito embora, possa
ocorrer a percepção de que, às vezes, estar-se-ia lançando mão dos dois
procedimentos, sincronicamente, visto que podem ser confundidos ou considerados
sinônimos, o que será esclarecido adiante. Bardin ainda destaca que

A análise do discurso trabalha, tal como a análise de conteúdo, com


unidades linguísticas superiores à frase (enunciado). Mas como seu
objetivo revela da mesma dimensão do objetivo puramente linguístico
do qual ela deriva por expressão – formular as regras de
encadeamento das frases, quer dizer, ao fim e ao cabo descrever
unidades (as macrounidades que são os enunciados) e a sua
37

distribuição – é difícil situá-la na contiguidade (e no mesmo lugar) da


análise de conteúdo (BARDIN, 2011, p. 51).

Analogamente, analisando os discursos que os policiais militares de São


Paulo empregam em suas ações cotidianas, Luiz (2008, p.79) enfatiza que a
manifestação do “discurso age também como violência, como uma prática que é
imposta histórica e socialmente. É nessa prática que os acontecimentos do discurso
encontram o princípio de sua regularidade”.
Ratificando essa perspectiva, Orlandi (2000, p. 40-1) explicita que “como
nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações de força,
sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na
comunicação”. Os distintos lugares dos quais fala a autora, não são físicos, mas
locus dentro da sociedade, na verdade, papeis sociais de professor, representante
religioso, médico, policial, entre outros.

1.2 As técnicas de coleta dos dados e instrumentos utilizados na pesquisa

Doravante, serão expostas as técnicas de coleta dos dados e os


instrumentos utilizados, destacando-se seus aspectos positivos e negativos, em
especial, de alguns dos procedimentos e instrumentos adotados nas investigações
sociais (MINAYO, 2013) presentes nesta Tese, que possibilitaram a coleta dados
para investigar e analisar, do ponto de vista teórico e prático, a Tomada de Decisão
para resolução de ocorrências que demandam o uso da força e/ou de armas de fogo
na atividade profissional de Cabos e Sargentos da PMRN.
Nesse sentido, utilizou-se o questionário, que pode ser considerado uma
entrevista fechada. Assim, nas pesquisas qualitativas é utilizado como instrumento
de complementação que pode servir de suporte a outras técnicas, aprofundando o
sentido que os sujeitos investigados dão às suas ações.
Para tanto, analisando os objetivos da pesquisa, optou-se por uma
abordagem com enfoque metodológico qualitativo e quantitativo, como no início
deste capítulo fora explicitado. Inicialmente, as perguntas seriam apresentadas,
38

diretamente, no questionário11, contudo, após os pareceres da Banca de Formação


Doutoral, optou-se por formular perguntas de forma indireta, a partir de um caso
hipotético. Por meio desse artefato motivacional, que reproduziu uma ocorrência,
com características do cotidiano policial-militar, obteve-se respostas mais
significativas, conforme defendido por Silva (2007).
No trabalho, o questionário foi constituído por três seções:
1. a primeira parte é composta da seção sócio-profissional (Apêndice “A”),
que busca investigar além do seu perfil social, no tocante à faixa
etária, sexo, estado civil, quantidade de filhos e nível de escolarização.
Busca, também, distinguir o cargo que exerce na instituição, há quanto
tempo é policial militar e faixa salarial;
2. a segunda parte é construída do “Caso Hipotético” de uma ocorrência
policial, que reproduz circunstâncias da prática cotidiana policial-
militar, em que, para resolução dessa ocorrência, implica,
necessariamente, a utilização de força e/ou de armas de fogo; e
3. a terceira parte é constituída de um questionário profissional (Apêndice
“C”), com perguntas abertas, visando identificar e caracterizar os
saberes (conceituais, procedimentais e atitudinais) dos policiais
militares, por meio das perguntas 1 e 2, bem como a relação acerca
de quais princípios orientam esses profissionais na “Tomada de
Decisão” da atividade policial-militar, para resolução de ocorrência que
enseja o uso da força e/ou de armas de fogo, inquiridos a partir das
perguntas 3 a 6. (Todas as perguntas serão detalhadas, por ocasião
de suas respectivas análises).

Na última pergunta, solicita-se que o (a) respondente elenque três fatores,


por meio de três palavras que ele (a) leva em consideração na hora de tomar uma
decisão na sua atividade profissional, almejando-se por meio desse artifício que o
policial caracterize o conteúdo pesquisado (os quais funcionam como elementos
simbólicos), que pode possibilitar, na hipótese desta Tese, a revelação de pistas
sobre o conteúdo relacionado aos sentidos que esses policiais atribuem à sua
Tomada de Decisão na atividade profissional.

11
Além da observação participante, o questionário foi, largamente, utilizado para investigar e
coletar dados da instituição policial, tanto no continente europeu, como no norte-
americano (TONRY; MORRYS, 2003, p.469).
39

Nessa perspectiva “[...] o foco é posto na compreensão da intensidade


vivencial dos fatos e das relações humanas, ao passo que os estudos quantitativos
se dedicam a conhecer e a explicar a magnitude dos fenômenos” (MINAYO, 2013,
p.268).
O Caso Hipotético, conforme Apêndice “B”, produzido a partir de sínteses
de casos reais veiculados nas mídias local e nacional, com o intuito de motivar e
mobilizar o participante da pesquisa a responder ao Questionário, visou coletar
material substancial em sentidos atribuídos por eles, quando à sua Tomada de
Decisão no desempenho das suas atividades profissionais.
Sairo Silva (2007) utilizando “casos críticos” para inquirir de forma indireta
policiais acerca de seus saberes, faz a seguinte inferência:

A marca principal desse tipo de instrumento para coleta de dados foi


possibilidade de chamar atenção e mobilizar o participante da
pesquisa sobre pontos-chave de sua profissão, os quais quase
sempre fazer (sic) parte do seu cotidiano pela própria exigência
natural da sua função desempenha. Ou seja, esse tipo de
instrumento se vincula ao princípio do fazer policial a partir da
exigência em ele ter que opinar e atuar mediante dada realidade,
com a qual na maioria das vezes, já se deparou em alguma das
fases anteriores de seu trabalho (SILVA, 2007, p. 113).

A adoção de tal instrumento visou tornar significativas as respostas que


foram atribuídas pelos policiais participantes da pesquisa, quando solicitados, em
virtude da sua função policial, a posicionarem-se face a uma situação real.
O questionário foi desenvolvido e validado pela orientação acadêmica,
visando dar suporte empírico à problematização e à teorização estabelecidas para
coleta de dados e fundamentação da pesquisa, com intuito precípuo de aproximar o
pesquisador da realidade pesquisada.
O Apêndice “B” do questionário buscou diagnosticar preliminarmente o
sentido que os sujeitos da pesquisa atribuíam à Tomada de Decisão na sua
atividade profissional, na Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte (PMRN).
E, assim, a partir desse diagnóstico, elaborar um roteiro de entrevista capaz de
suprir as lacunas que, por ventura, o questionário não pudesse fazê-lo, em face de
suas limitações, enquanto instrumento de pesquisa.
40

Essa perspectiva do trabalho serviu como meio de aproximação e,


também, aprofundamento do objeto, visto que não se encontrou pesquisas nessa
área sobre a temática abordada na PMRN ou em outra instituição policial-militar.
O ato de inquirir alguém, mesmo que de forma indireta como se dá, por
exemplo, por meio de questionário, pode parecer invasivo, tendo em vista que não
se sabe, previamente, a aceitação por cada pessoa (profissional), das perguntas
formuladas. Portanto, em face dessas limitações coloca-se algumas vantagens e
desvantagens que esse instrumento de coleta de dados pode apresentar e quais
ações foram adotadas.
É, fundamentalmente, importante para o pesquisador saber que esse
instrumento é uma forma de aproximação da realidade que se pretende investigar,
pois como destacado acima, ele desvela algumas informações que precisam ser
aprofundadas posteriormente.
O questionário apresenta como um aspecto positivo, a característica de
que ele tem o objetivo bem definido, e mesmo que o entrevistado queira, ele não
consegue sair do norte estabelecido pelo entrevistador.
A uniformização dos dados que foram coletados foi uma vantagem
substancial para a Tese, principalmente para a fase do tratamento dos dados, pois
propiciou sua sistemática organização, dando subsídio estatístico às demais etapas
(LAVILLE; DIONNE, 1999, P.183-4).
Uma das desvantagens mais significativas foi que, tendo em vista ser o
questionário um instrumento fechado não possibilitou a interação entre entrevistador
e entrevistado, oferecendo, assim, apenas uma opção de resposta, ou seja, a que foi
previamente estabelecida pelo pesquisador. Essa, portanto, pode precisar ser
suprida com a combinação de outro instrumento, pois é no processo comunicativo,
segundo Orlandi (2000), que são criadas inúmeras situações que podem trazem
riquezas de detalhes do objeto de estudo, para complementação de técnicas mais
fechadas.
Outro aspecto a ser destacado é que pode também parecer
constrangedor oferecer respostas prontas aos participantes da pesquisa. Imagine-
se, por exemplo, que uma pessoa tenha uma determinada opinião formada acerca
de um assunto com o qual ele trabalha há anos, então aparece um pesquisador e a
convida para participar de uma pesquisa. Disposta a contribuir com o estudo, a
pessoa aceita, mas quando passa a responder aos questionamentos, este é fechado
41

e não dá a possibilidade ao participante de exercer o seu direito, mesmo que de


forma resumida, e colocar os seus posicionamentos acerca da temática proposta.
Portanto, nessa perspectiva, o questionário pode causar uma barreira na
interlocução entre o entrevistado e o entrevistador, que no caso desta Tese foi
superada com utilização de perguntas abertas, na parte do questionário profissional.
Esse obstáculo que poderia ocorrer com o questionário fechado seria a
impossibilidade de garantir que o entrevistado particularizasse suas informações.
Assim, em face desse óbice, optou-se pelo questionário misto, ou seja, obteve-se
uma uniformidade nas questões, mas não nas respostas. Por essa perspectiva
teórica o participante da pesquisa

Tem assim a ocasião para se exprimir seu pensamento pessoal,


traduzi-lo com suas próprias palavras, conforme se próprio sistema
de referências. Tal instrumento mostra-se (sic) particularmente
precioso quando o leque das respostas possíveis é amplo ou então
imprevisível, mal conhecido. Permite ao mesmo tempo ao
pesquisador assegurar-se da competência do interrogado,
competência demonstrada pela qualidade das respostas (LAVILLE;
DIONNE, 1999, p. 186).

Então, quando se oferece a possibilidade de múltiplas respostas por parte


do participante, não se estará, impositivamente, influenciando em sua resposta.
As respostas às perguntas abertas, as quais foram concatenados e foram
explorados na fase de análise, enriqueceram de forma significativa o conjunto de
dados da pesquisa.
Para sistematizar os objetivos propostos na Tese com aplicação dos
instrumentos de coleta de dados e organização do material colhido, foi construído
um plano esquemático para pesquisa empírica, que funcionou como norte, o qual
possibilitou não apenas a otimização da aplicação da estratégia adotada, mas
também contribuiu para estruturação da forma de coleta, organização e análise dos
dados. Assim, fora delineado o Quadro 1 - Plano de sistematização da pesquisa
empírica, visando subsidiar, tecnicamente, os desdobramentos da fases seguintes.
Mais que isso, esse plano forneceu um modelo esquemático que possibilitou a
visualização e correlação de Tese, objeto, objetivos, metodologia e técnicas a serem
empregadas, conforme a seguir:
42

Quadro 1 - Plano de sistematização da pesquisa empírica

Objetivo Geral: Estudar, do ponto de vista teórico e prático, a Atividade de Tomada de Decisão para resolução de ocorrências que demandam o uso da força
e/ou de armas de fogo na prática profissional de Cabos e Sargentos da PMRN.
Objetivos específicos Perguntas12 Técnica de coleta Técnica de análise
Identificar e analisar o lugar que ocupa a  Que decisão o(a) senhor(a) tomaria em face dessa ocorrência na sua
Atividade Tomada de Decisão na prática do atividade profissional policial militar?
trabalho do policial militar
Identificar e caracterizar fatores que contribuem  O que o(a) senhor(a) leva em consideração na Tomada de Decisão em

Análise de Conteúdo e de Discurso


ou dificultam para a Atividade Tomada de sua atuação na atividade profissional, em casos dessa natureza?
Decisão segundo relatos do policial militar
potiguar

Questionário
Investigar e analisar o sentido que os PMs têm  Na sua opinião, a formação inicial ou continuada na PMRN contribui para
sobre a Atividade Tomada de Decisão no seu a Tomada de Decisão na sua atividade profissional, auxiliando para

misto
processo formativo solucionar ocorrências similares a essa? Sim/Não. Explique como?

Refletir e interpretar os dados da pesquisa  Na sua Tomada de Decisão enumere três palavras que julga mais
empírica sob a perspectiva teórica da Tese; e importante para solução dessa ocorrência policial militar.
Propor um referencial procedimental para  Detalhe o passo-a-passo como o(a) senhor(a) tomaria sua decisão para
potencializar o processo de Tomada de Decisão solucionar essa ocorrência na sua atividade profissional.
no que diz respeito à Atividade Tomada de  Na hipótese de sair algo errado na decisão tomada pelo senhor (a) que
Decisão na profissão policial-militar. medidas adotará para solucionar o problema. Relacione três ações em
ordem de prioridade que adotaria.
Ações definidas, conjuntamente, com o orientadora
1. Definição da amostra O questionário foi aplicado em duas turmas, sendo uma do CNP e a outra do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos
(CAS), respectivamente, com 23 e 34 alunos PMs que estão em formação continuada no CFAPM, prevista, inicialmente,
para aplicação no segundo semestre/2015)13, mas só operacionalizado em março de 2016.
2.Validação prévia do questionário O questionário foi validado pelo orientador. A validação buscou analisar se as perguntas se relacionam com os objetivos e
se respondem ao que se quer perguntar. Ou seja, se terão como respostas aspectos que indiquem o sentido que o policial
militar atribui à sua Tomada de Decisão, quando da sua atuação profissional.
Fonte: Autor, na fase de construção dos aspectos teórico-metodológicos

12
O questionário será respondido a partir da análise do Caso Hipotético (Apêndice “B”).
13
Em virtude da Lei Complementar Nº 515/2014, em torno de 5 mil policiais passarão pelo CFAPM até 2018 para participar de formação continuada.
Os soldados e cabos e farão o CNP; os cabos farão o Curso de Formação de Sargentos (CFS); e os segundos-sargentos farão o (CAS).
43

Após a sistematização do percurso operacional da pesquisa, por meio do


deste plano de sistematização, passar-se-á a explicar a aplicação do questionário no
tocante aos aspectos positivos e negativos percebidos na fase de aplicação e
concatenação dos dados.

Em primeiro lugar, por questões de entendimento da problemática a ser


investigada, por parte dos sujeitos participantes da pesquisa, optou-se pelo próprio
autor realizar esta fase (a aplicação do questionário).

Segundo, em face das especificidades da subcultura institucional14,


muitos esclarecimentos por ocasião do preenchimento do instrumento adotado
foram prestados, sobretudo, acerca da destinação dos dados, como e o porquê da
utilização do “Caso Hipotético”, bem como da garantia do anonimato de todos que
participassem da pesquisa, descartando quaisquer possibilidades de represália em
face das informações prestadas.

Em um questionário digital, como muito se tem utilizado nas pesquisas


atuais, essa compreensão, em face da especificidade do objeto de estudo e da
subcultura militar, poderia comprometer e/ou precarizar muitas informações a serem
prestadas.

Como o questionário foi aplicado presencialmente, houve a necessidade


de, após recolhê-los e codificá-los, manualmente, por sequência de preenchimento e
pelos cargos, identificando-os em dois grupos, apenas com um número, para
sequência de recebimento, e com uma letras para os cargos, que indicavam os
Cursos de Nivelamento de Praças (CNP) e de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS),
para poder serem inseridos no software Excel e, posteriormente, transpostos para o
Modalisa15.

14
Toda instituição tem sua cultura oficial. Contudo, a subcultura da qual se chama atenção
são as formas de agir e pensar de determinado grupo social que, mesmo não sendo a
cultura institucionalizada, influencia tanto quanto os protocolos formais. Voltar-se-á a este
ponto, quando se tratar do crime como fato social (DURKHEIM, 2002), no capítulo 3.
15
Ferramenta tecnológica que possibilita categorizar múltiplos termos a partir de um banco
de dados, disposto em Word ou Excel. Esse programa, de origem francesa, auxilia a
pesquisa empírica no sentido de que, após lançados os dados ele disponibiliza quais são
os termos mais e menos presentes no banco de dados (entrevista ou questionário).
44

Com esse procedimento, além de cumprir o que fora exposto para os


participantes da pesquisa, quando da aplicação do Questionário, acerca do
anonimato deles, fica criada, também, a possibilidade de verificar-se informações
detalhadas, posteriormente, sem, contudo, haver qualquer identificação do
participante. O que Amado (2000), denomina de unidade de contexto.

Essas, portanto, foram as principais motivações teórico-metodológicas


que contribuíram para aplicação de um questionário misto, de forma presencial e
sua forma de operacionalização.

Na seção seguinte é detalhado o perfil dos participantes da pesquisa e o


porquê de sua escolha, suas características e especificidades, bem como sua
definição no tempo e locus de sua operacionalização.

1.3 Os participantes da pesquisa e a fase empírica

Os participantes da pesquisa16 foram Cabos e Sargentos da Polícia Militar


do Rio Grande do Norte, que estavam em formação continuada obrigatória no
CFAPM17, um dos requisitos para ascensão profissional18. Os candidatos a policiais
militares no Rio Grande do Norte, de acordo com a legislação vigente 19, devem ter
escolarização equivalente ao Ensino Médio, muito embora, 70% dos candidatos do
último concurso público, eram detentores de curso superior ou estavam cursando
essa fase da Educação Superior e idade entre 19 e 30 anos, até a data da inscrição
(MATTA; SILVA, 2011).
Nesse aspecto, é importante destacar que alguns Estados da Federação
como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Distrito Federal e Minas
Gerais, já alteraram suas respectivas legislações, passando a exigir escolarização

Disponível em: https://www.modalisa.com/applications/exemples-enquetes.php. Acesso


em: 01 fev 2017.
16
É imperativo registrar que o objetivo inicial da pesquisa era realizá-la com os alunos-
oficiais, tendo em vista a formação desses policiais ser mais extensiva, sendo conclusa em
três anos, o que ensejaria a reaplicação da fase empírica, o que não foi possível, haja
vista a PMRN não haver realizado concurso público há mais de 10 anos.
17
Conforme o Regulamento da PMRN e a Lei de Promoção de Praças da PMRN (Op. Cit).
18
Apesar de bastante criticado pelo seu formato com características similares aos das
Forças Armadas, o Regulamento da PMRN prevê que para uma mudança de cargo deve
haver uma capacitação técnica, conforme será detalhado neste capítulo.
19
Decreto Estadual Nº 15.293, de 31 de janeiro de 2001, que rege os requisitos para
ingresso na carreira policial militar.
45

mínima em nível superior para ingresso nas forças policiais, civis ou militares, seja
para os cargos de execução ou administração 20.
Atualmente, na PMRN há duas formas de ingresso, sendo uma para o
cargo de soldado PM e outra para investidura do cargo de oficial PM, como
abordado anteriormente.
Esclarece-se que os concursos são distintos, como também é o processo
de formação. Para os cargos de soldado PM, a formação é realizada durante nove
meses, com carga horária mínima de 960 (novecentas e sessenta) horas-aula, e
máxima de 1.920, horas-aulas, operacionalizadas no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento da Polícia Militar, devendo perfazer 240 dias letivos. A legislação
rege o ingresso e a ascensão funcional foi recentemente atualizada, conforme a
citação abaixo:

Art. 31. O Curso de Formação de Praças (CFP) terá a duração de


240 (duzentos e quarenta) dias letivos, com carga horária mínima de
960 horas/aula e máxima de 1.920 horas/aula e habilitará a Praça
Militar Estadual às promoções até a graduação de Cabo da PMRN
ou do CBMRN. (RIO GRAND E DO NORTE, 2014).

No que concerne à formação para o oficialato, o curso é em nível de


graduação, denominado de Curso de Formação de Oficiais (CFO), com
aproximadamente 3.900 horas-aula, realizado em três anos, na APM. De acordo
com o projeto pedagógico da formação inicial, o oficial da PMRN, deve ter o seguinte
perfil:

O Curso de Formação de Oficiais da APMRN está comprometido


com o perfil desejado pela sociedade contemporânea, por isto, a
instituição mantenedora e a mantida garantirão as condições
necessárias para que o graduando (oficial) esteja capacitado a

20
Acresce-se, também, que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados um
projeto de lei que torna obrigatória a exigência da escolarização de nível superior para
todas as PMs, conforme o link a seguir:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/472166-PROJETO-
EXIGE-CURSO-SUPERIOR-PARA-INGRESSO-NA-POLICIA-E-NO-CORPO-DE-
BOMBEIROS.html. Acesso em: 10 nov 2015.
46

compreender as questões-técnicas, legais, sociais e científicas nos


mais variados segmentos do campo de atuação do policial militar,
bem como a desenvolver o exercício do comando em nível tático e
estratégico, apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade
contextualizada no trato de situações diversas presentes ou
emergentes no campo da segurança pública (sic) (PROJETO
PEDAGÓGICO/CFO PMRN 2013-2017).

Os Cabos e Sargentos, por seu turno, são os integrantes da base


institucional, sendo classificados como principais executores da atividade
profissional, o que para essa perspectiva enriqueceu a pesquisa. São,
especialmente, os profissionais desses cargos, enquanto policiais militares, que
mais vivenciam as “ocorrência críticas”, demandam a utilização de uso de força e/ou
de armas de fogo, e que podem atender aos questionamentos colocados na
pesquisa.
Nessa perspectiva, a partir das formações iniciais dos dois níveis de
cargos policiais-militares (Praças e Oficiais), conforme acima citadas e, com o intuito
de sistematizar o encadeamento do trabalho empírico em possibilitar uma maior
densidade e abrangência acerca dos objetivos da Tese, ora proposta, enfatiza-se
que a escolha pelo cargo de Praças encontra razoabilidade, pois o Estatuto da
PMRN estabelece que eles são os maiores executores das atividades policiais-
militares, o trabalho de polícia, propriamente dito, realizado nas ruas.

Art. 36 – Os Subtenentes e Sargentos auxiliam e complementam as


atividades dos Oficiais, quer no adestramento e no emprego de
meios, quer na instrução e na administração, poderão ser
empregados na execução de atividades de policiamento ostensivo
peculiares à Polícia Militar. [...] Art. 37 – Os Cabos e Soldados são,
essencialmente, os elementos de execução. (Grifei) (RIO GRANDE
DO NORTE, 1976)

Dadas às condições e à legislação, buscou-se pesquisar os soldados e


cabos em processo de formação continuada, durante o período da fase empírica da
Tese. Contudo, pela inexistência de soldados participando da capacitação, optou-se
por definir que seria uma turma de Cabos que estava concluindo o Curso de
Nivelamento de Praças (CNP) e uma turma de Sargentos que estava concluindo o
47

Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), ambos em março de 2016, no


Centro de Formação e Aperfeiçoamento da PMRN.
Diferentemente de outras atividades do mundo/mercado do trabalho, nas
quais, inicialmente, o indivíduo adquire uma formação, geralmente, em entidades
universitárias e após esse processo passa a exercer sua atividade (profissional e/ou
ocupacional, dependendo da perspectiva teórica abordada), o policial militar faz a
sua formação inicial tendo já ingressado na profissão, face à especificidade da
condição de militar, pois ao ser aprovado em concurso público, que é constituído de
quatro fases: exames intelectual, médico, psicológico, físico e investigação social, e
ao ser matriculado no CFP, literalmente, é considerado um policial militar, mesmo
em processo de formação inicial.
Após essa etapa, no caso do soldado, este sendo aprovado no CFP,
posteriormente, por meio de convocação interna, fará outra formação para assunção
a um novo cargo, que outrora era o Curso de Formação de Cabos (CFC) e
atualmente denominado de Curso de Nivelamento de Praças21.
Conforme Dubar (1997), a institucionalização de uma profissão ocorre por
meio da outorga de um diploma ou licence, que seria a autorização legal de uma
atividade, que o executor detém, em virtude de uma concessão, oficialmente,
conferida por instituições, devidamente, regulamentadas.
Essa abordagem de perspectiva interacionista defendida por Dubar,
ainda, propõe o mandato, ou mandate, como sendo outro instrumento de legitimação
de uma profissão. Portanto, seria a obrigação legal de assegurar o cumprimento de
uma função. Defende o autor que essas duas dimensões de uma profissão
constituem, portanto, as bases da divisão moral do trabalho (DUBAR, 1997, p.130).
Para uma melhor compreensão do nível de formação e profissionalização,
atualmente, na PMRN e na maioria das PMs brasileiras (BRASIL, 1983), o candidato
que conclui com aproveitamento o CFP, recebe o diploma de soldado da PMRN,
conforme a perspectiva defendida por Dubar (1997).

21
De acordo com a Lei Complementar 515/2014 (Lei de Promoção de Praças), o candidato
que adentra, atualmente, na PMRN fará p CFP e de acordo com a classificação obtida
neste curso será promovido a cabo e, posteriormente, a sargento. Esse, por seu turno,
que outrora participava de um processo seletivo, para promoção seguinte, hoje é
convocado, também, conforme sua classificação obtida no curso inicial. Em certa medida,
foi uma equiparação ao que a lei já previa para os Oficiais.
48

A partir de então, poderá participar de outros processos de formação


profissional, que lhe garantirão outros diplomas e mandatos profissionais, por meio
dos cursos de formação22 continuada, conforme a seguir:
a. Curso de Formação de Sargentos (CFS), com duração de oito meses,
com 720 horas-aula;
b. Curso de Oficiais Administrativos, caso ele já seja primeiro-sargento ou
subtenente, com duração de um ano, com 1200 horas-aula; e
c. Curso de Formação de Oficiais (CFO), com duração de três anos, com
3.900 horas-aula (graduação)23

Ainda há os cursos de aperfeiçoamento, especialização e de


requalificação profissional. Os cursos de aperfeiçoamento e especialização são:
a. Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), para os segundos-
sargentos, com duração de aproximadamente 2 meses, com carga
horária mínima de 240 horas-aula e máxima de 360;
b. Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO), com duração de 8
meses, com 510 horas-aula, para capitães; e
c. Curso Superior de Polícia (CSP), também com duração de 8 meses,
com 510 horas-aula, para majores e tenentes-coronéis.
Os cursos denominados de requalificação profissional são destinados a
todos os policiais militares, os quais podem ocorrer na modalidade presencial e/ou a
distância e variam em carga horária, de acordo com suas especificidades. Em
média, duram de uma semana a um mês e têm uma carga horária de 40 a 200
horas-aula24.
Há alguns cursos de modalidades especiais, destinados às tropas
especializadas, que podem durar de três a seis meses, com carga horária entre 500
e 1000 horas-aula. São os Cursos de Operações Especiais (COESP), de Ações
Táticas (CATI) e o de Operações de Choque (COC). Essas capitações podem ser

22
O Estatuto da PMRN, Lei Estadual Nº 4.630, de 16 de dezembro de 1976e e a Lei
Complementar Nº 515/2014 são os instrumentos legais que estabelecem os cargos e os
cursos necessários para formações inicial e continuada da corporação.
23
O CFO, além de ser a formação inicial para os candidatos que ingressam na PMRN como
aluno-oficial, também pode ser, ao mesmo tempo, inicial e continuada, para as pessoas
que ingressaram na instituição no cargo de soldado.
24
O estabelecimento, processos e formas de execução desses níveis de formação
profissional na PMRN estão definidos nas Normas para o Planejamento e Conduta de
Ensino (NPCE/2008) da PMRN.
49

realizadas por qualquer policial militar, independente de sexo ou idade, desde que
obtenha parecer favorável do seu comandante imediato, esteja apto,
comprovadamente, pela Junta Policial Militar de Saúde (JPMS) e pela Comissão de
Avaliação de Condicionamento Físico (CACF) e estejam classificados dentro do
número de vagas de acordo com os índices alcançados no Teste de Aptidão Física
(TAF) e/ou outro de avaliação técnica, caso o curso requeira.

Durante a fase empírica no CFAPM, os 57 participantes da pesquisa


estavam realizando suas respectivas formações continuadas, que para soldados e
cabos é denominada de Curso de Nivelamento de Praças (CNP) e para os
segundos-sargentos é intitulada Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS).

Os 23 Cabos e 34 Sargentos (dos quais apenas um sargento do sexo


feminino) trabalhavam, à época, na capital e no interior, em batalhões, companhias
independentes, em unidades administrativas da PMRN e uma parte deles, também,
à disposição de outros órgãos da administração pública do RN.

A seguir estão dispostas as Tabelas 1, 2 e 3 que, respectivamente,


apresentam o perfil dos participantes da pesquisa por cargo e idade, estado civil e
número de filhos. O quesito nível de escolaridade é abordo no capítulo 7, que faz a
análise dos dados empíricos:
Tabela 1 - Faixa etária dos participantes versus Cargos
Cabos Sargentos Total
Quantidade
Faixa etária Quantidade Quantidade
de
de (%) de (%) (%)
participante
participantes participantes
s
De 31 a 35 anos 3 13,0% 3 5,3%

De 36 a 40 anos 8 34,8% 8 14,0%

De 41 a 45 anos 11 47,8% 11 32,4% 22 38,6%

De 46 a 50 anos 18 52,9% 18 31,6%

Mais de 50 anos 4 11,8% 4 7,0%

Não informou 1 4,3% 1 2,9% 2 3,5%

Total 23 100,0% 34 100,0% 57 100,0%

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN


Nota * - 1 Cabo e 1 Sargento não responderam ao questionamento
50

São, predominante, dois polos distintos que se apresentam na Tabela 1.


O primeiro é que os Cabos são mais jovens e se concentram na faixa etária de 31 a
45 anos de idade. Por seu turno, os Sargentos estão localizados na faixa etária 41 a
mais de 50 anos de idade.

Essa primeira constatação representa que os Cabos têm entre 10 e 20


anos de serviço, portanto, de exercício da atividade policial. Nessa perspectiva, 50%
teriam apenas 10 anos a mais de serviço, antes de se aposentarem; 36,4% teriam
em torno de 15 anos até irem para reserva, e apenas 13,6 % deles teriam ainda 20
anos de serviço na atividade policial.

Essa constatação acerca do tempo de serviço que cada grupo profissional


tem e quanto resta até sua aposentação, ou seja, em termos militares, a passagem
do serviço ativo para inatividade, dar-se por meio da interpretação da Tabela 1, que
trata da faixa etária dos participantes da pesquisa correlacionadas aos cargos.

Em que pese a Tabela 1 não constar a idade de ingresso na corporação,


de cada grupo de participantes, a natureza do trabalho policial militar consigna em
seu estatuto que os avaliados devem passar, em média, trinta anos de serviço ativo,
atendendo compulsoriamente, por força desta lei, aos limites de acordo com o
Quadro 2, abaixo:

Quadro 2 – Idade para aposentadoria compulsória das Praças da PMRN

GRADUAÇÕES IDADE
SUBTENENTE PM 56 ANOS
1º SARGENTO PM 54 ANOS
2º SARGENTO PM 52 ANOS
3º SARGENTO PM 51 ANOS
CABO E SOLDADO PM 51 ANOS

Fonte: Lei Estadual Nº 4.630/1982 (Estatuto dos Policiais Militares do RN)

Fazendo uma comparação entre a faixa etária e o tempo de serviço entre


Cabos e Sargentos, na atividade policial-militar, ambos estão inseridos,
majoritariamente, na faixa de 20 a 30 anos de experiência na profissão, sendo que
47,8% do Cabos têm de 41 a 45 anos de idade. No caso dos Sargentos, a idade é
mais elevada, ainda, em que 32,4% têm entre 41 a 45 anos, 52,9% deles ficam na
faixa de 46 a 50 anos e quase 12% já passaram dos 50 anos. Ou seja, estão em
51

vias de sua aposentação, conforme idade limite estabelecida pelo seu respectivo
Estatuto.

O percentual mais expressivo do grupo dos Sargentos, que é 52,9%,


classificados na faixa etária de 46 a 50 anos de idade, teria, em média, apenas sete
anos de serviço até irem para inatividade, e 11,8%, desses Sargentos, já atendem
aos requisitos necessários para a aposentadoria, pois já passaram dos trinta anos
de serviço prestados e estão na iminência de completarem os 52 anos de idade,
conforme descrito no Quadro 2.

A Tabela 2, a seguir, traça um perfil do nível de escolaridade dos


participantes da pesquisa, que será de fundamental importância, assim como os
demais dados do Questionário Social, para análise e correlação com os dados
acerca da importância que esses profissionais atribuem à sua Tomada de Decisão.

Tabela 2 – Escolaridade dos participantes (Cabos e Sargentos)

Cabos Sargentos Total


Escolaridade Qnt de Qnt de Qnt de
participante (%) participante (%) participante (%)
s s s
Ensino
Fundamental 1 4,3% 1 3,3% 2 3,8%
completo
Ensino Médio
2 8,7% 3 10,0% 5 9,4%
incompleto
Ensino Médio
9 39,1% 20 66,7% 29 54,7%
completo
Ensino
Superior 5 21,7% 2 6,7% 7 13,2%
incompleto
Ensino
Superior 6 26,1% 4 13,3% 10 18,9%
completo
Total* 23 100,0% 30 100,0% 53 100,0%

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN


Nota *- 04 Sargentos não responderam ao questionamento

Na Tabela 2, que representa o perfil dos informantes do estudo desta


Tese, o predomínio dos cargos está na escolarização de Nível Médio, pois perfaz
quase 40% para os Cabos e quase 70% para os Sargentos. Se observado,
conjuntamente, isso totaliza 54,7% que detêm apenas o Ensino Médio.
52

Um fator que pode ter influenciado nesse quesito é que no RN ainda se


mantêm a exigência, apenas do Nível Médio de escolaridade para ingresso na
Corporação. Muito embora outras coirmãs, já tenham mudado tal exigência para
nível superior. Até mesmo, na Polícia Civil potiguar, também, já exige a
escolarização em nível superior para ingresso para escrivão e agente, cargos
análogos, naquela instituição aos das Praças.

Deve ser levado, também, em consideração que na década de 90 do


século XX para trás, quando a maioria dos informantes da pesquisa ingressaram na
PMRN, a exigência era apenas de escolaridade de Nível Fundamental 25.

Outro dado relevante, apesar de pequeno, é que, ainda, há policiais com


apenas o Nível Fundamental de escolaridade. Nesse nível, dos 53 policiais que
responderam à pergunta, há um Cabo e um Sargento.

Em se tratando de Nível Superior, destacadamente, aparecem os Cabos


com 26,1%, que já concluíram um curso universitário, e 21,7% em vias de
conclusão. Em dados comparativos, no grupo dos Sargentos13,3% são portadores
dessa escolaridade e 6,7% estão cursando.

Em uma abordagem mais ampla e conjunta dos informantes da pesquisa,


percebe-se que os Cabos têm maior nível de escolaridade, com mais de 25% tendo
concluído um formação superior e mais de 20% em vias de conclusão. No caso dos
Sargentos, em sua maioria, estão inclusos no nível do Ensino Médio, com mais de
66% dos que responderam. No grupo há predominância, também, de Nível Médio
com quase 55% nesta faixa educacional, e que quase 10%, ainda, possui apenas o
Ensino Médio incompleto.

O nível de escolarização que, em tese, proporcionaria uma melhor


performance para expor suas considerações de forma escrita é um fator que
diferencia os dois cargos. Os Sargentos estão concentrados com quase 60% dos

25
Nesse período, nos idos dos anos 80, do século passado, houve um concurso público
para formação de sargentos da PMRN, no qual, soldados e cabos detentores de
certificado de conclusão do 2º Grau (atual, Nível Médio) foram dispensados de realizar a
prova intelectual, pelo Comando da Corporação, à época, realizando, apenas, as demais
etapas do certame. Informações fornecidas por um dos Comandantes do CFAPM e
corretor ortográfico desta Tese.
53

participantes com escolaridade de Nível Médio, enquanto que os Cabos têm 26%
com formação superior completa e 21% em vias de conclusão.

A seguir o estado civil dos PMs participantes da pesquisa:

Tabela 3 - Estado Civil dos participantes da pesquisa versus Cargos

Cabos Sargentos Total


Estado Civil
Quantidade de Quantidade de Quantidade de
(%) (%) (%)
participantes participantes participantes
Casado (a) 18 78,3% 28 82,4% 46 80,7%

Solteiro (a) 5 21,7% 2 5,9% 7 12,3%

Não informou - - 4 11,8% 4 7,0%

Total 23 100,0% 34 100,0% 57 100,0%

Fonte: Pesquisa realizada em março de 2016, no CFAPM.

Conforme a Tabela 3, o perfil dos participantes da pesquisa é,


majoritariamente, de policiais militares casados. Com um total de quase 80% para os
Cabos e mais de 82% para os Sargentos. Desses, quatro Sargentos não
responderam ao questionamento. Se correlacionados conjuntamente, 93% dos
participantes da pesquisa são casados. Voltar-se-á a essa análise quando da
avaliação dos dados empíricos acerca da Tomada de Decisão, no capítulo 6.

Tabela 4 - Quantidade de filhos dos participantes da pesquisa versus Cargos


Cabos Sargentos Total
Quantidade de
filhos Quantidade Quantidade Quantidade
de (%) de (%) de (%)
participantes participantes participantes
Nenhum 3 13,0% 1 2,9% 4 7,0%

Um filho 5 21,7% 5 14,7% 10 17,5%

Dois filhos 9 39,1% 12 35,3% 21 36,8%

Três filhos ou mais 5 21,7% 12 35,3% 17 29,8%

Não informou 1 4,3% 4 11,8% 5 8,8%

Total 23 100,0% 34 100,0% 57 100,0%

Fonte: Pesquisa realizada no março de 2016, no CFAPM.


54

A partir da Tabela 4, que apresenta o números de filhos dos participantes


da pesquisa, é possível constatar que é, predominante, um número médio de
policiais com a mesma quantidade de filhos, concentrando-se as maiores
porcentagens na faixa de um e dois ou mais filhos, respectivamente, para os Cabos.
No caso dos Sargentos, 35,3% representam, igualmente, a porcentagem dos que
têm dois e três filhos ou mais.

Em uma análise conjunta com Cabos e Sargentos que participaram da


pesquisa, apenas 7% não têm filhos. Por outro lado 17,5% têm apenas um. Já
36,8% têm dois filhos e 29,8% ficaram inseridos da faixa dos que tinham três ou
mais filhos.

Do perfil traçado dos participantes da pesquisa, não é possível fazer a


especificação exata dos locais onde desempenham suas atividades profissionais,
haja vista, alguns dos 57 PMs deixarem de responder onde eram lotados 26.

Por seu turno, os Sargentos, em virtude do cargo, também,


desenvolviam/desenvolvem suas atividades profissionais nas cidades do interior,
como comandantes de pelotões 27.

Outra informação relevante é registrar, também, que fazia parte da


formação continuada do CNP/2016.1, os efetivos dos 2º, 6º e 7º Batalhões da Polícia
Miliar, respectivamente, nas cidades de Mossoró, Caicó e Pau dos Ferros,
totalizando 234 (duzentos e trinta e quatro) Cabos matriculados na 7ª turma do
CNP28, os quais realizavam a capacitação nessas cidades, porém não participaram

26
Com o intuito de não exercer qualquer pressão sobre os policiais participantes, tendo em
vista que há uma grande resistência por parte deles em fornecer depoimentos dessa
natureza, temendo sofrer represália, em face da legislação castrense, está consignado no
Questionário e foi informado, verbalmente, quando da aplicação do Questionário que não
deveria haver qualquer identificação.
27
Em muitas cidades do RN, com aproximadamente 5 mil habitantes, o efetivo da Polícia
Civil é muito reduzido ou inexistente, onde os delegados assumem, institucionalmente,
mais de uma cidade. Nesse contexto, o Comandante do Pelotão que é, geralmente, um
sargento PM é quem gerencia todo o policiamento local, cabendo aos delegados da
Polícia Civil, apenas, a lavratura das ocorrências que envolvem prisão em flagrante delito.
28
O número exato por local de formação é CFAPM (105), Mossoró (38), Caicó (62) e Pau
dos Ferros (26). Disponível em:
55

da pesquisa, por questão de exiguidade temporal e logística operacional para


contemplá-los.

No caso dos Sargentos, essa capacitação denominada Curso de


Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS) é realizada apenas no Centro de Formação e
Aperfeiçoamento da PMRN, em Natal, onde naquele ano ocorreram duas turmas, a
2015.1, no primeiro semestre, que não participou da pesquisa, e a turma 2015.2, no
período de outubro de 2015 a maio de 201629, que foi o objeto do estudo da Tese,
juntamente, com os 23 Cabos do CNP.

Também é relevante para pesquisa consignar que nos referidos cursos,


CNP e CAS, constavam em suas matrizes curriculares (vide capítulo 3), a disciplina
Gerenciamento de Crises (GC) ou outras que, direta ou indiretamente, estavam
relacionadas com a temática, as quais já haviam sido ministradas quando foi
aplicada a pesquisa, o que não significa dizer, todavia, que em sua prática
profissional esses policiais ajam como responderam os questionamentos.

Na pesquisa não foi possível constatar quantos desses policiais


realizaram o Curso de Gerenciamento de Crises (CGC), presencial ou na
modalidade a distância. Esta última, uma iniciativa do Ministério da Justiça (MJ) e
operacionalizado por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).
Após a realização da pesquisa e, por ocasião da organização dos dados,
teve-se a impressão de que a pergunta que tratou da formação continuada, que
abarcaria a temática se o policial havia ou não participado de cursos que o
capacitaria nesses conteúdos não foi, suficientemente, clara. Em virtude da
exiguidade temporal não foi possível fazer uma nova aplicação do Questionário.
No capítulo seguinte far-se-á uma abordagem histórica acerca da origem
da Polícia, enquanto instituição social, especialmente, a partir da Revolução
Industrial, quando a polícia moderna vem se estabelecer no cenário mundial, bem
como seu surgimento no Brasil e no Rio Grande do Norte.

http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/2016/026/0_Bol_026_Top_II.html. Acesso
em 01 jun 2016.
29
Disponível em:
http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/2015/204/0_Bol_204_Top_II.html. Acesso
em: 01 jun 2016.
56

2 POLÍCIA: INSTITUCIONALIZAÇÃO E ESTUDOS ANTECEDENTES

O recorte temporal da institucionalização da força policial adotado foi a


partir da Revolução Industrial, tendo em vista que uma parcela significativa dos
autores e os que nesta Tese são estudados defendem que há um divisor de águas,
doravante, quando a Europa e os Estados Unidos da América começam a dar os
primeiros passos no sentido de constituir a polícia ou forças policiais, enquanto
organização estatal para manutenção da ordem pública e controle da criminalidade.

Para efeito de registro, na Antiguidade até a Idade Média, conforme David


Bayley (2006, p.37)30, a maioria dos crimes eram apurados pelas vítimas e/ou seus
parentes e amigos, que capturavam os acusados, levando-os aos magistrados, que
por seu turno, após julgá-los, entregavam-nos às suas vítimas e/ou aos seus
familiares para que aplicassem as punições.

Em que pese os registros históricos não terem a precisão necessária, o


que se pode constatar ao longo dos tempos é que a polícia ou as forças policiais que
existiram até a Modernidade eram um misto de força de segurança privada e
pública, que, ora eram mantidas pelos reinos e, posteriormente, pelos Estados-
Nação, ora eram remunerados por particulares, pelos serviços realizados.

Personagens como o constable, na Inglaterra, e o intendente, na França,


atravessaram a Idade Média e a Modernidade e foram se adequando às mudanças
sociais desses países, os quais tinham como competência desde comandar as
patrulhas de ruas, receber impostos, pôr ordem a quaisquer anormalidades nas vias
públicas, entre outras atividades congêneres (BAYLEY, 2006, p. 42-3), o que não
destoou das demais nações que seguiram esse modelo de polícia, especialmente, a
fardada e com características militares, institucionalizadas, mormente, nos primeiros

30
Este livro é primeiro dos onze que foram traduzidos para o português, em uma parceria do
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e a Ford
Foundation, que constituem a coleção Polícia e Sociedade, os quais foram utilizados
nesta Tese, subsidiando os demais trabalhos científicos pesquisados. A coleção é uma
iniciativa das duas instituições no sentido de ofertar textos e pesquisas científicas a
pesquisadores, profissionais da área e aos demais interessados na temática, acerca de
quais são as características fundamentais das principais organizações policiais no mundo,
analisando seus processos de seleção/recrutamento, formação/profissionalização,
administração, accountability sistem, aspectos considerados, neste estudo, como cruciais
para o estabelecimento da profissionalização da atividade policial.
57

anos da Contemporaneidade, que em países como o Brasil, ocorreu um pouco


antes ou um pouco depois da Revolução Industrial.

No caso brasileiro, por exemplo, desde 1775 até quase 1900, os corpos
policiais eram criados e reorganizados nas províncias (DANTAS, 2009). Contudo, é
razoável ressaltar que mesmo antes desse período foi com a institucionalização dos
“quadrilheiros” que a força policial começa a se estruturar no país.
Oriundas de Portugal, no período de 1603 a 1700, as “quadrilhas”, de
onde se derivam os quadrilheiros, eram grupos constituídos de vinte homens que, a
cavalo e armados estavam autorizados a adentrar em quaisquer lugares com o
intuito de zelar pela ordem e capturar criminosos (BORGES FILHO, 1989, p. 33).
De acordo com o mesmo autor, por meio da Carta Régia, no ano de 1699
eram criados “[...]os terços e ordenanças para o interior do país, os quais, além das
missões normais das forças militares, deveriam auxiliar a justiça e a fazenda
públicas, atribuições que lhes davam características policiais” (BORGES FILHO,
1989, p. 33).
Este capítulo versa, portanto, sobre o surgimento da instituição polícia a
partir, especialmente, do período da Idade Contemporânea, quando os Estados-
Nação assumem de fato e de direito (em tese) a responsabilidade de criar,
organizar, manter, fiscalizar e responsabilizar as forças policiais, absorvendo a
obrigação do serviço de segurança da esfera privada.
O conceito e, consequentemente, a forma de atuação da polícia, como é
notório, atualmente, começa a se institucionalizar no século XIX. De acordo com
Tonry e Morrys (2003, p. 579), após analisarem uma concatenação de vários
estudos sobre a polícia na Europa e nos Estados Unidos da América defendem que,
muito embora haja registros de corporações policiais efetuando prisões e
defendendo as cidades de ações criminosas desde a Antiguidade, a polícia, nos
moldes contemporâneos, são instituídos mais ou menos nos mesmos padrões no
Novo e no Velho mundo, nos idos dos anos 1800.
Inicialmente denominados de guardas ou vigias, não tinham salários
regulares, eram responsáveis por efetuar prisões e realizar serviços nos tribunais.
Extremamente, vulnerável a desvios de conduta, esse trabalho era realizado na
medida em que a própria vítima de um suposto crime procurava “policiais” para
denunciar um criminoso, tendo de pagar pela prisão do acusado, que era
58

apresentado aos tribunais. De acordo com esses autores, na maioria das vezes, o
próprio vigilante agia, espontaneamente, tendo em vista que quanto mais prisões
fossem efetuadas mais taxas seriam arrecadadas em prol dos serviços prestados31.
Tonry e Morrys (Op, cit, p. 580-1) defendem a tese de que quatro
características vão demarcar a institucionalização da polícia moderna. A primeira
seria a organização hierárquica da corporação, distinguindo gestores e executores,
por funções específicas e com salários regulares de acordo com os respectivos
cargos. A segunda, o atrelamento da polícia organizada por níveis hierárquicos, ao
poder executivo, em suas três esferas. A terceira característica foi a criação e
utilização de uniformes, que pudesse identificar esse policial, diferenciando-o de um
guarda ou vigia autônomo. E a quarta e última, foi a criação do patrulhamento como
atividade rotineira da polícia, especialmente, como premissa de tentar inibir o
cometimento de crimes.
De acordo com Monet (2006) o surgimento ou nascimento das polícias
modernas na Europa ocorre mais ou menos no período da Revolução Industrial, no
entanto, a forma e as características dessas instituições vão variar conforme a
cultura de cada país, pois

[...] são fruto dos modos de socialização política que os Estados


favoreceram no decorrer dos dois ou três últimos séculos, produto da
maneira sui generis a cada qual um deles se originou, nolens volens,
o acesso progressivo com os quais o Estado se defrontava outrora, a
percepção que tinham deles, a maneira como os tratava (MONET,
2006, p. 55-6).

Para tanto, algumas categorias-chave devem ser consideradas para


subsidiar a compreensão dessa proposição: o poder central; as polícias militares; os
inícios da profissionalização; as primeiras escolas; o advento da polícia criminal;
classes perigosas e manutenção da ordem; os beneficiários da ordem; do público ao
privado; polícia e inquietações sociais; e a marca das tradições nacionais.

31
DANTAS (2009) consigna em seu livro que no Brasil e, particularmente, no Rio Grande do
Norte, tais taxas eram denominadas de emolumentos. Por volta dos anos 1900 até um
passado não tão remoto assim, com o pretexto de fiscalizar determinados serviço de
comércio (bares, feiras livres, festas noturnas, etc.) os policiais cobravam taxas para
regularizar o funcionamento desses estabelecimentos.
59

No final do século XIX e início do XX, conforme Monet, ocorre um declínio


dos poderes que se instituíam até então nas comunidades locais e que controlavam
os corpos policiais na Europa. Nessa conjuntura social e histórica, os poderes
centrais vão absorver ou congregar todos os chefes políticos locais que, doravante,
passam a seguir uma orientação dos governos estatais dos países europeus. Duas
sãos as principais consequências: a primeira é o surgimento ou criação de polícias
militarizadas, e a segunda, um esforço, necessário para constituir uma única polícia,
controlada a partir desse poder central do Estado. Ou seja, esse modelo de corpo
policial favorece até os dias atuais que os executivos, estaduais ou da União
exerçam o controle sobre suas polícias.
A principal exceção a essa padronização de centralização de poder à
União ou estados seria as polícias norte-americanas. De acordo com Bayley (2003,
p.539-40) um número aproximado para a quantidades de polícias existentes nos
EUA no final dos anos 1990 era de 15 mil forças policiais.
Outro fator fundamental para se compreender a institucionalização da
polícia é seu processo de militarização. Segundo Monet essa transformação ocorre,
em média, no mesmo período em todo continente europeu (2006, p. 57-60), sendo
uma das maneiras mais utilizadas pelos governos para estabelecerem um poder
centralizador sobre as forças policiais.
O autor destaca que essa transformação ocorre no final do século XVIII,
sendo uma das primeiras, as polícias locais irlandesas, que tem essas corporações
adequadas em modelo de um corpo profissional de policial sob a tutela do governo
central, provocando a sensação de um Estado policial. “Concretamente, ela se
parece mais com uma espécie de exército de ocupação, ou com uma
Maréchaussée, no sentido francês do termo, do que com uma força de polícia civil”
(Idem, p.57).
Na Itália, no início do século XIX, até a assunção do poder por Mussolini,
os Carabineiros, já atuavam com mão forte, para todo e qualquer perturbação da
ordem pública ou nas suas ações cotidianas, nas quais se circunscreviam as
judiciárias.
A Guarda Civil Espanhola, criada no ano 1844, circunscrita em um
contexto social de múltiplas e profundas distorções sociais, torna-se aparelho
repressor e ideológico de Estado, pois ao mesmo tempo que reforça a ideologia
60

político-econômico vigente, reprime aqueles que não se enquadram nas normas


estabelecidas.
Homônima em Portugal, essa polícia, também, foi instituída sob os
moldes paramilitares, mas no ano 1910 sofre uma reforma passando a ser
denominada de Guarda Nacional Republicana.
Seguindo o mesmo padrão de unificação os corpos nacionais e
municipais de polícia, na Grécia, também, passaram por essa reorganização no
início do século XX. Isso, igualmente, vai ocorrer até 1960 com as polícias da
Finlândia, Dinamarca e Suécia.
Na França, por questões financeira e, ao mesmo tempo, para conter o
avanço dos poderes locais, especialmente, por uma questão de política de Estado,
pois cidades como Lyon e Marselha, com forte tendência socialista, detinham o
controle das polícias municipais, o governo central aglutina todas esses corpos
policiais sob a orientação do governo central francês.
Na Grã-Bretanha, a figura do constable, em Londres, que era o dirigente
dos corpos policias, sempre gozou de certa autonomia em relação às autoridades
locais e, por isso, mais do que em outro local, exerceu uma influência na
conformação do modelo atual do trabalho policial.
Em que pese os demais países haverem unificado suas polícias, a
londrina manteve sua característica principal, que era a de ser gerida pelo poder
local, mas com a participação de várias entidades de acompanhamento para
avaliação de resultados. Um dado relevante sobre a polícia londrina é a capacidade
dessa instituição manter seu efetivo inalterado desde 1856, contando em seus
quadros com 120 mil policiais até a época da pesquisa realizada por Monet, em
1986.
Nessa pesquisa o autor destaca, também, como ocorre a evolução da
função e/ou atividade policial no início do processo de profissionalização. Entre eles
destaca-se o critério meritocrático, no qual estão circunscrito o concurso, o
recrutamento, a formação, a remuneração regular e o desenvolvimento, enquanto
categoria a construir uma identidade profissional. Essa, com efeito, é constituída de
uma cultura própria, com suas normas e valores e um ritual que é peculiar em uma
categoria profissional.
Ainda, segundo Bayley (2003), uma das primeiras polícias profissionais é
a francesa, denominada Marechaussée, na qual, inicialmente, pelos idos do século
61

XVII, para incorporação era selecionado entre os cavaleiros que apresentavam para
trabalhar, apenas aqueles que soubessem ler e escrever.
Na França e na Dinamarca para ser um dirigente policial, desde meados
do século XVIII, todo pretendente deveria ter formação na área jurídica, o que
equivale em outros países em bacharelado em Direito. Em que pese para os níveis
de gerenciamento a qualificação ser relevante, esse critério não ocorria com os
escalões inferiores. Ao contrário do requisito meritocrático, na França e na
Alemanha até o início do século passado, cinco em cada seis vagas para os
candidatos a policiais, eram reservadas para ex-militares (MONET, 2006, p. 63).
As primeiras escolas para formação de policiais na Europa surgem ainda
no início do século XX, contudo, na França os primeiros cursos datam de 1884.
Apesar desses eventos de capacitação serem relativamente rápidos, em torno de
algumas semanas, já eram estabelecidas as primeiras exigências para que um
policial pudesse atuar nas ruas. Em geral, todas as corporações estabeleceram uma
formação básica, a partir das quais seus membros, poderiam, em tese, ter a noção
de como identificar um criminoso, nos parâmetros da época, procedimentos de
elucidação de crimes e como efetuar prisões (MONET, 2006, p. 62-3).
Destoante de todos os outros países está a Holanda, que até o fim da
Segunda Guerra Mundial, negligencia toda e qualquer formação/capacitação dos
membros da polícia, pois ela atuava muito mais como uma polícia de Estado do que
como força de segurança da população.
Nesse processo de imprimir determinado grau de aprendizagem é que
ocorre, paulatinamente, a racionalização de processos administrativos, de uma
forma geral, em todos os países, especialmente, buscando aprimorar os
procedimentos que os policiais precisavam utilizar para capturar um infrator e
apresentá-lo à justiça. Esses, portanto, são os primórdios de uma polícia criminal
(MONET, 2006, p. 66-5).
A conjuntura social, econômica e política, obrigatoriamente, deve ser
concebida em um contexto da atuação policial. Na Europa não era diferente. No final
do século XIX e início do XX, o continente vai se deparar com uma série de
movimentos violentos, especialmente, os dos camponeses. Revoltas se espalham
pelos países e os governos não conseguindo conter esses eventos que se
avolumam, tornando-se cada vez mais violentos, optam por investir no acréscimo e
incremento das policias que passam a atuar como polícia de Estado, em auxílio aos
62

exércitos nacionais. Como em outras parte do mundo, os revoltosos com os


problemas sociais eram denominados de classes perigosas, os quais eram
reprimidos, violentamente, pelas forças policiais (MONET, 2006, p. 67-8).
As interpretações de privado e público sempre fora cercado de
implicações e desdobramentos significativos na atuação das corporações policiais.
Esse misto, contemporaneamente, ainda, provoca indissociabilidade na prática da
atividade policial, sendo registrado no século XII, quando o rei Henrique II invadiu a
Irlanda. Nesse período, o poder militar, que era a milícia local, sob o controle de um
constable (modelo de administração local) faz-se aplicar pela força em todo território
irlandês. Portanto, tudo que não era inglês (público), consequentemente sendo
irlandês era considerado da esfera do privado (MONET, 2006, p. 69)
Por fim, mas não menos significativo, a marca das tradições nacionais nas
organizações policiais do continente europeu. A começar pela descentralização do
modelo do constable, na Grã-Bretanha, passando pelo centralismo do francês, o
Estado prussiano não vê com bons olhos a autonomia e liderança dos modelos
municipais desde o século XVII (MONET, 2006, p. 76)
Na Itália, o modelo com característica de um poder central e militarista vai
ser instituído, sobretudo com o intuito de se contrapor ao poder local da máfia
italiana. Nesse contexto, ainda, de acordo com Monet (2006), o modelo
descentralizado, a exemplo de Londres, sofreria sérias pressões e ficaria muito
susceptível à corrupção.

O modelo espanhol, por sua vez, segue o padrão centralizador e


militarizado, apesar da sua denominação Guarda Civil espanhola. Esse padrão
influencia, fortemente, os países latinos.

2.1 A polícia brasileira: resgate histórico

No Brasil, a Polícia Militar é responsável, constitucionalmente, pela


segurança ostensiva, que é caracterizada por meio de fardamentos, viaturas,
armamentos e equipamentos (BRASIL, 1988), institucionalizando-se enquanto força
pública nas últimas décadas do século XVIII.
63

De acordo com Mendes (2007), o Regimento de Cavalaria, das


Capitanias de Minas Gerais, criado em 09 de junho 1775, da qual fez parte o Alferes,
Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, teria originado a polícia brasileira.

Conforme Borges Filho (1989, p. 33) essa origem teria sido a partir de
1796, quando o Vice-Rei, o Marquês Lavradio, criou no Rio de Janeiro a Cavalaria, a
qual deveria realizar patrulhamento na cidade, regulamentando, também, a polícia
municipal e regimento de milícias, o que se infere seja semelhante aos quadrilheiros
oriundos de Portugal.

A origem, portanto, da função militar da polícia teria sido originada por


meio do “[...]Alvará de 13 de maio de 1809, que surge a "função militar" do serviço
de polícia com a criação da Divisão Militar da Guarda Real da República, que veio a
ser a atual PM do Rio de Janeiro” (BORGES FILHO, 1989, p. 34).

A Constituição do Império de 1824 é muito tímida em discorrer acerca de


uma força policial e/ou segurança pública. Textualmente, não são claras as
competências do órgão que atuava nessa área, pois a segurança da qual trata essa
Carta Magna é muito mais voltada para a segurança do Império do que a do
cidadão, conceito a ser institucionalizado no país, tardiamente. Na Constituição do
Império, em seus artigos 145 e 146, respectivamente, retratam-se o seguinte:

Todos os Brasileiros são obrigados a pegar em armas, para


sustentar a independência e integralidade do Império, defendendo-lo
de seus inimigos e externos e internos. Enquanto a Assembléia Geral
não designara Força Militar Permanente de mar e terra, substituirá, a
que houver então, até que pela mesma Assembléia, seja alterada
para mais, ou para menos (sic.) (BRASIL, 1824).

É notório que o Império estava acima dos direitos e das prioridades civis.
Tais pressupostos são ratificados no artigo 148, quando o legislador é taxativo,
explicitando que o Poder Executivo pode empregar a Força Militar, em terra ou água,
“[...] como bem lhe convier à segurança, e defesa do Império” (BRASIL, 1848).
64

Não obstante a mudança política no regime de governo, o novo texto


constitucional não se altera muito, deixando, ainda, muito vago, com relação à
segurança pública, no tocante a quais órgãos seriam responsáveis e suas
respectivas competências.

“[...] a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança


individual e a propriedade [...]” (BRASIL, 1891) estão estabelecidos no artigo 72 da
Constituição da República de 1891 e que logo a seguir no parágrafo 8º, deste
mesmo artigo, assegura que a polícia não pode intervir contra aqueles que se
associarem ou se reunirem, pois a estes era lícito tal ato. Contudo, em nenhum
momento estabelece, claramente, qual a polícia ou o corpo policial que teria
competência para fazer ou deixar de fazer essas ações.

Em São Paulo, a corporação foi criada em 1891 e como em outras


Províncias, a polícia fora denominada, de Força Pública, que devido aos
movimentos políticos no Estado, em 1926, passa a ser denominada de Guarda Civil.
Em 1949, essa instituição é separada em duas forças policiais, uma civil e outra
militar. Em 1970 é unificada dando origem à Polícia Militar (LUIZ, 2008).

A primeira Carta Magna a tratar, efetivamente, das competências da


Polícia Militar foi a de 1934, que em seu artigo 167, assegurava que “as Polícias
Militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens
a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União” (BRASIL, 1934). O que
foi mantido pela Constituição de 1946, porém é citada apenas “Forças Policiais”.

Nesse interim, entretanto, a norma específica que regulava as ações


policiais era a Lei Federal Nº 192, de 17 de janeiro de 1936, que vigorou até o final
da década de 60 do século passado. Além de descrever como deveria ser a atuação
das PMs, ela estabelecia, também, que a corporação policial deveria ser criada ou
reorganizada nos moldes da Infantaria e Cavalaria do Exército, conforme citação
abaixo:

a) Exercer as funções de vigilancia e garantia da ordem: publica, de


acordo com as leis vigentes; b) Garantir o cumprimento da lei, a
65

segurança das instituições e o exercício dos poderes constituídos; c)


attender à convocação do Governo Federal em casos de guerra
externa ou grave comoção intestina segundo a lei de mobilização.
Art. 3º As Policias Militares, formadas por alistamento voluntario de
brasileiros natos, serão constituidas de Serviços e Corpos, das
armas de infantaria e cavallaria, semelhantes aos do Exercito, e em
Unidades especiaes com organização, equipamento e armamento
proprios ao desempenho de funcções policiaes. (sic.) (BRASIL,
1936). (Grifei)

Com a redemocratização, a Constituição Federal de 1946 descreve quais


eram as competências da Polícia Militar, no artigo 183: “As polícias militares
instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos
Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas
do Exército”, sempre mantendo o atrelamento a essa Força Armada.

No período do governo militar foi editada a CF/1967, que sofre uma


reformulação logo em 1969, sendo mantido o texto constitucional, relativo à
Segurança Pública. Paradoxalmente, é a primeira a citar a essência da atividade
policial, no § 4º, do artigo 13: “as Polícias Militares, instituídas para a manutenção da
ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito”, contudo, sem
pormenorizar a atividade policial, o que fora normalizado pela criação da Inspetoria
Geral das Polícias Militares (IGPM)32 e pelo Decreto-Lei Federal das Polícias e
Corpos de Bombeiros Militares (R-200)33.

Com uma estrutura quase bicentenária e de caráter administrativo e


operacional, intrinsecamente, relacionada às Forças Armadas, particularmente, ao
Exército Brasileiro (EB), as Polícias Militares do país são sedimentadas em
legislação própria34, que ao longo de sua história vem se adequando às demandas
sociais, muito embora, como defendem alguns especialistas, tal adequação possa
parecer dissonante ou aquém em determinadas circunstâncias da realidade
brasileira (BALESTRERI, 2002).Conforme estudiosos da corrente civilista (BORGES

32
Criada por meio do Decreto-Lei Nº 317 de 13 de março de 1969, sendo, posteriormente,
revogado pelo Decreto-Lei Nº 667, de 02 de julho de 1969, reorganiza as Polícias
Militares e os Corpos de Bombeiros Militares.
33
Decreto-Lei Nº 88.777, de 07 de setembro de 1983, que regulamentou as PM e os CBM,
especificando suas respectivas áreas de atuação, forma seleção, inclusão, formação e
aquisição de armamentos e equipamentos.
34
No RN, a Lei Complementar Nº 090, de 04 de janeiro de 1991.
66

FILHO, 1989); (MUNIZ, 1999, 2001); (ZAVERUCHA, 2005), as corporações policiais


militares, em virtude do seu modelo militarista, sua forma de organização e
acolhimento da doutrina de segurança interna, em detrimento da segurança pública,
foram utilizadas em larga escala como aparelho repressor de Estado (ARE) para
manutenção do sistema vigente (ALTHUSSER, 1974).

No caso brasileiro, em particular, o regime militar de 1964/85 deixou


algumas sequelas no sistema de segurança pública, notadamente, no que concerne
às Polícias Militares, visto que com o advento da IGPM, período mais contundente
do regime militar brasileiro, as instituições militares estaduais ficaram bem mais
explicita, sob a tutela do Exército, o que teria contribuído de forma prática, mas
também, ideologicamente, para a construção da cultura do combate ao crime, em
detrimento de ações de cunho preventivo (MUNIZ, 2001).

As Polícias Militares permaneceram, doravante, sob a fiscalização direta


da IGPM, no tocante à aquisição de materiais e equipamentos, armamentos,
efetivos, bem como a formação dos profissionais de segurança pública35 (SILVA,
2009). Destaca-se, nesse ínterim, que a maioria das PMs foram comandadas por
oficiais do Exército Brasileiro, o que, em certa medida, pode ter contribuído para
apropriação da cultura daquela corporação, em detrimento das questões relativas à
segurança pública.

Na atual Constituição, o artigo 144, descreve quais são as instituições


policiais que devem atuar na prevenção, controle e repressão da criminalidade. No
entanto, ao contrário do que ocorre com outros direitos fundamentais, como
educação e saúde, para os quais a União define percentuais financeiros
constitucionais específicos, para a segurança pública não há essa previsão legal,
apenas um compartilhamento de responsabilidades, quando a CF/1988 define que:

35
Algumas nomenclaturas da segurança pública foram se adequando à nova conjuntura do
país. Isso se torna mais evidente com o processo de redemocratização, que se inicia já
em 1985, culminando com a promulgação da Constituição de 1988.
67

[...] a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade


de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos”, I – Polícia Federal; II – Polícia Rodoviária Federal; III –
Polícia Ferroviária Federal; IV – Polícias Civis; V – Polícias Militares
e Corpos de Bombeiros Militares (BRASIL, 1988).

Na medida em que não se estabeleceu, constitucionalmente, percentuais


financeiros semelhantes aos das outras instituições públicas, acima referenciadas,
cabendo às Unidades Federativas criar e manter as Polícias Civil e Militar, restou
apenas aos Estados arcar com toda a responsabilidade de prover segurança pública
ao cidadão.

O Estado brasileiro divide a responsabilidade da segurança pública na


CF/1988, inclusive, com a sociedade, contudo, não prevê por meio de leis os
recursos para Estados e Municípios acerca de quais seriam suas cotas
constitucionais, disponíveis para serem aplicadas nessa área. Essa
responsabilização constitucional gerou grande expectativa social da
operacionalização desses serviços, a qual, na maioria das Unidades Federativas, é
frustrada, especialmente, porque os recursos são parcos, ficando os executivos
estaduais a mercê de acordos políticos para se estabelecer se haverá algum
percentual que a União vai repassar para investimento no setor.

Pós-ditadura, conforme Caldeira (2002), a sociedade brasileira clamava


por um aparelho policial rígido, capaz de combater a criminalidade. Outrora, a
violência policial foi desejada e/ou pelo menos tolerada, tacitamente, pela população
em uma lógica perversa de dominação, a qual foi submetida ao longo de sua
história. Nessa perspectiva, segundo Souza Filho (2003), essa legitimação de
autoritarismo na formação sociocultural brasileira internalizou no ideário social
mecanismos de inferioridade e autopenalização, inculcados no imaginário brasileiro,
produzindo uma pseudoideia de lei e de direitos, especialmente, para as classes
mais populares, principais vítimas da falta de profissionalismo de alguns operadores
da segurança pública (SILVA, 2017).
68

Conforme Jorge da Silva (1990, p. 1983-86), por terem suas


competências constitucionais definidas como de segurança interna, é somente com
alteração do Decreto-Lei 667/69 pelo 1.072/69, dando exclusividade do policiamento
ostensivo às Polícias Militares, que essas, efetiva e, gradativamente, vão deixando
os quartéis, como lhes era peculiar, pois seguiam as rotinas, tanto práticas, como
administrativas do Exército.

Antes dessa modificação outras instituições tais como Polícias Civis,


Guardas Civis, Guardas de Vigilância e Polícia de Trânsito realizavam as funções de
polícias nas ruas, enquanto as PMs se mantinham a maior parte do tempo,
aquarteladas.

Assim, defende o autor que, atualmente, é constante uma crise de


identidade que sofrem as Polícias Militares, pois não se parecem com a força de
primeira linha (o Exército) que, por força de lei foram obrigadas a seguir, tampouco
com a função policial de segurança pública, a qual lhe é tanto cobrada pela
sociedade, em face dos altos índices de criminalidade que assolam o país.

2.2 Polícia Militar do Rio Grande do Norte: origem e contexto atual

No Rio Grande do Norte, a força de segurança pública, com a


denominação de Corpo Policial da Província, foi criada em 27 de junho de 1834,
com um efetivo inicial de 50 (cinquenta) Praças, que segundo o seu propositor, o
Presidente da Província, João José Ferreira Aguiar, deveria ser de 60 (sessenta)
militares, em face das questões sociais locais, que ficavam a cargo das tropas da
Província de Pernambuco e, também, das Guardas Nacionais, contudo, em função
de demandas orçamentárias isso não se configurou (WANDERLEY, 1969, p. 3-4);
(CASCUDO, 2010, p. 426).

O período de institucionalização, bem como as características de tropas


de segunda linha, em relação às forças militares do Império e as funções a que se
destinavam, em especial, o controle revoltas e a recaptura de escravos são,
bastante, análogas em muitas províncias, pois a maioria dos Corpos Policiais do
Brasil foram criadas em meados do século XIX, seguindo basicamente a mesma
estrutura organizacional (DANTAS, 2009).
69

Curiosamente, até os anos 2010, o dia de criação da PMRN foi


comemorada aos 4 de novembro de 1836. Após pesquisas realizadas por Dantas
(2009), oficialmente, esta data foi considerada como a da reorganização da
instituição policial-militar potiguar e a do ano de 1934 a da criação36.
O contexto histórico no qual uma instituição surge, representa,
certamente, muito de suas características. Nesse sentido, as principais participações
da PMRN fora em favor da defesa do Estado e não da segurança pública,
ratificando, assim, como ocorreu a institucionalização da Polícia Militar no país.
Onde quer que estivesse instalado algum levante ou indício de acontecê-lo, os
corpos policiais da época era convocados.
Recebendo várias denominações até, efetivamente, tornar-se Polícia
Militar do Rio Grande do Norte, em 1947, foi identificada como Corpo de Polícia da
Província, Corpo Policial do Rio Grande do Norte, Companhia de Polícia, Meia
Companhia de Polícia, Corpo Militar de Segurança, Batalhão de Segurança 37;
Batalhão da Polícia Militar, Regimento Policial Militar e Força Pública Militar38.
O então Corpo Policial, na segunda metade do século XIX, atuou na
Guerra do Paraguai e, em território nacional, auxiliou as forças federais contra o
povoado de Antônio Conselheiro, na intitulada “Guerra de Canudos”.
Na mesma perspectiva de defesa da soberania nacional, em 1925, o
Batalhão de Segurança, também, atuou contra a Coluna Prestes, no Maranhão, e
contra a Revolução Constitucionalista, em 1932, em São Paulo (DANTAS, 2009).
Uma das participações mais controversas da PMRN em movimentos
sociais foi a que ocorreu na Intentona Comunista, em 1935, pois é dela que surge
seu principal mártir, o Soldado Luiz Gonzaga, que segundo os registros oficiais,
resistiu, bravamente, quando um grupo de comunista tenta tomar a então sede do
Comando Geral da Polícia, o Quartel da Salgadeira, atual Casa do Estudante, em 23
de novembro daquele ano, tendo o movimento durado até o dia 27, inclusive criando
um governo comunista em Natal, quando foram destituídos

36
De acordo com o Decreto Estadual Nº 21.705, de 21 de junho de 2010. Disponível em:
http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/gac/DOC/DOC000000000063984.PDF. Acesso em 08
Ago 2017.
37
Este, também, é o nome do primeiro livro escrito, oficialmente, acerca da História da
PMRN (WANDERLEY, 1969)
38
Dados disponíveis no site oficial da PMRN em:
http://www.pm.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=2400&ACT=null&PAGE=0&
PARM=null&LBL=Hist%C3%B3ria. Acesso: 24 jul 2015.
70

Este episódio fora registrado em diversas imagens, em especial, na


emblemática fotografia do Batalhão Policial Militar, o “Quartel da Salgadeira” (Figura
1), com várias marcas de tiros na fachada principal, que dá conta de um intenso
tiroteio, no qual o Soldado Luiz Gonzaga, juntamente com quarenta e seis outros
policiais militares, entraram para história potiguar e, também, nacional, como
defensores do ideal nacionalista contra o regime comunista que tentava se instaurar
no país (MEDEIROS FILHO, 1980, p.26-7).
Figura 1 – Quartel da Salgadeira após a Intentona Comunista (1935)

Fonte: Silva (2017, p. 52)


De acordo com Furtado (1976), Costa (1991); e Silva (2017) há
controvérsias acerca de como de fato o evento tenha ocorrido, inclusive, este último
autor, buscando registros em fontes primárias em documentos oficiais na PMRN,
não conseguiu encontrar evidências que possam fornecer subsídios da
fidedignidade do registro que fora feito, oficialmente.
Acerca da participação de Soldado Luiz Gonzaga na Intentona Comunista
há duas versões. A corrente defendida por Medeiros Filho (1980), que era Chefe de
Polícia de Natal, à época, que inclusive foi preso pelos membros da Intentona no
Quartel 21º BC, juntamente com outras autoridades, este autor se reporta à sua obra
“Meu depoimento”, de 1937, na qual defende que o Soldado Luiz Gonzaga deve ser
considerado como um herói, um bravo que morreu em combate, pois
71

Era ele um dos municiadores da metralhadora a cargo do Tenente


Pedro Vicente. Seu comportamento nessa função chamou tanto a
atenção dos presentes, que o Coronel Pinto Soares, Comandante do
21º BC, reunindo as forças da Polícia Militar, disse: “Esse rapaz é
valente, mas muito desbocado”. É que Luiz Gonzaga, toda vez que a
metralhadora disparava, gritava para o inimigo, chamando-o de
“galinha verde”, de “filho dessa e filho daquela” (MEDEIROS FILHO,
1980, p.51).

Por outro lado, a versão defendida por Furtado (1976) é que, de fato, Luiz
Gonzaga não era policial militar e que fora alistado no Batalhão Policial, após a
Intentona, sobretudo buscando menosprezar aquele movimento social, que estes
autor denomina de revolucionário.
Segundo Furtado (1971, p. 128-9), os fatos teriam ocorrido de outra
maneira, os quais foram contados por um membro da Intentona Comunista, que
segundo o autor, são corroborados por outras pessoas que teriam testemunhado os
acontecimentos no dia 23 de novembro de 1935:

Sizenando Filgueira e Ramiro Magalhães, o primeiro ainda hoje vivo,


me relataram que, após haver a Polícia Militar cessado fogo, eles,
armados como estavam, desceram uma das ladeiras que conduzem
ao quartel e, precavidamente de longe, estavam observando se havia
nele algum movimento, quando, num capinzal próximo dele,
avistaram o paisano “Doidinho”, parece que, em sua insanidade,
brincando com um fuzil e ao avistá-los na esquina ainda bem
distante, fez menção de atirar sendo então alvejado por Sizenando
que relata um pormenor: “Doidinho” ao ser atingido, deu um grande
pulo para cima e caiu, estirado no capim e o fuzil que empunhava
também caiu para um lado (FURTADO, 1976, p. 128).

De acordo com Furtado a pessoa de Luiz Gonzaga, conhecida como


“Doidinho”, alcunha, também, corroborada por Medeiros Filho (1980, p. 50), de fato
estava presente no momento do corrido, “entretanto, o major Luiz Júlio resolveu
“alistar” depois de morto Luiz Gonzaga, por alcunha “Doidinho”, como soldado da
Polícia que, assim, teve na morte um herói” (FURTADO, 1976, p. 50).
Conforme a pesquisa realizada por Silva (2017) não foi possível encontrar
fontes primárias nos registros oficiais da PMRN, do alistamento de Luiz Gonzaga,
sendo tal assentamento encontrado, apenas, em Medeiros Filho (1980), que traz
72

como anexo a transcrição, segundo este autor, do Boletim Regimental Nº 3 da PM,


que registrou o alistamento do Soldado Luiz Gonzaga e mais oito civis e um
reservista, sendo “Doidinho” o último da lista, conforme a seguir:

Comando do Batalhão Policial Militar do Estado do Rio Grande do


Norte em Natal, 31 de outubro de 1935. [...] XV – Ainda Alistamentos
De acordo com o art. 4º do Regulamento em vigor, nesta data,
alistaram-se para servir neste Btl. os civis e reservista abaixo: [...]
Civil – Luiz Gonzaga, filho de Manoel Gonzaga, nasceu em 1917,
natural de Sant’Anna do Mattos, solteiro, côr morena, cabellos
castanhos, olhos castanhos, nariz afilado, boca regular, imberbe,
rosto oval, analphabeto, vaccinado, sem sinaes particulares, sem
officio, não sabe nadar, com 1 m. e 55 cts de altura, o qual fica agg. á
Cia. de Mtrs, com o nº 1075. (sic.) (MEDEIROS FILHO, 1980, p.73-5)

Contemporaneamente, com um efetivo previsto de 10.276 policiais,


militares, em 2004, a PMRN contava em seus quadros com 8.222 integrantes. No
entanto, quando o efetivo é especificado por cargos, difere, totalmente, do primeiro
quantitativo, apresentando, pois apenas 7.547 policiais militares estavam disponíveis
para a atividade fim, ou seja, o policiamento ostensivo. Os demais estavam de
acordo com o referido censo estavam inseridos em questões administrativas,
licenças e afastamentos diversos (FNSP, 2007, p. 24-8).
De acordo com Borges e Silva (2017) constata-se uma ausência,
praticamente regular, ao longo de quase duas décadas de uma política de ingresso
na PMRN. Segundo este estudo, a partir de dados estatísticos do IBGE a população
norte-rio-grandense aumentou, de 2 milhões e setecentos mil para 3.500 milhões de
habitantes e, que nesse mesmo período, o efetivo policial-militar que tinha 6.469,
chegando a ter 9.780, no ano de 2010.
Atualmente, de acordo com o último levantamento institucional, a
corporação conta apenas com 8.330 policiais militares para realização do
policiamento ostensivo, constatando-se, a partir do estudo desses autores, um déficit
superior a 5 mil policiais, conforme o Quadro 3, abaixo:
73

Quadro 03 – Inclusão/desligamento da PMRN versus população no RN


ANO Incluídos Excluídos Efetivo População RN Policial/1.000Habitante
2000 1.098 171 6.469 2.776.782 2,8

2001 991 248 - - -


2002 140 - - -
2003 25 156 - - -
2004 679 143 - - -
2005 191 - - -
2006 886 196 - - -
2007 39 210 - - -
2008 03 212 - - -
2009 776 222 - - -
2010 904 201 9.780 3.168.027 3,1

2011 17 242 - - -
2012 05 264 - - -
2013 330 - - -
2014 01 289 - - -
2015 01 247 - - -
2016 313 8.330 3.474.998 2,4

TOTAL 5.425 3.775 - - -

Fonte: Borges; Silva (2017, p. 74-5)

Do total dos integrantes da corporação, os policiais militares que


participaram da pesquisa, os vinte e três Cabos e os trinta e quatro Segundos-
Sargentos representam, respectivamente, o percentual de 0.58% e 7.92, conforme
efetivo de Praças, que estão representados em números absolutos no Quadro 4.

Quadro 04 – Quantitativo e idade da tropa de Praças da PMRN, em 2017


Soldados Cabos 3º Sargento 2º Sargento 1º Sargento Subtenente
Idade Quanti Idade Quanti Idade Quanti Idade Quanti Idade Quanti Idade Quanti
dade dade dade dade dade dade
20-30 126 20-30 36 20-30 1 20-30 0 20-30 0 20-30 0
31-40 1.766 31-40 2.096 31-40 225 31-40 72 31-40 9 31-40 0
41-45 150 41-45 1.261 41-45 218 41-45 111 41-45 131 41-45 34
46-50 19 46-50 554 46-50 170 46-50 200 46-50 239 46-50 145
51-55 4 51-55 21 51-55 59 51-55 46 51-55 33 51-55 28
56-60 0 56-60 0 56-60 0 56-60 0 56-60 0 56-60 1
Total 2.065 Total 3.968 Total 673 Total 429 Total 412 Total 208
Fonte: Borges; Silva (2017, p. 74)
74

2.3 Estudos antecedentes

Monjardet (2003) enfatiza que estudos aprofundados sobre a polícia e,


por conseguinte, suas ações, nunca foram alvo dos acadêmicos. Segundo o
pesquisador, somente a partir dos anos 1960 é que isso ocorre, quando se nota um
aumento, significativo, nos índices de violência e criminalidade.
De acordo com Tonry e Morris (2003, p. 467-8), os escritos produzidos
sobre a polícia britânica eram de cunho amador e, especialmente, produzidos por
historiadores, sociólogos, jornalistas e, ainda, memórias de policiais. Nos Estados
Unidos essa literatura também dava seus primeiros passos, a qual foi, fortemente,
influenciada pelos conflitos sociais da época, nos quais a polícia atuou
repressivamente.
Destacam os autores que um dos trabalhos pioneiros, de cunho
sociológico foi o de Banton, na década de 60, do século XX, que buscou demonstrar
as tarefas não-policiais39 que a polícia americana e britânica desenvolviam em prol
da manutenção da paz, que teve repercussão na Europa e em outros continentes
(TONRY; MORRIS, 2003, p. 468-9).
Nessas pesquisas a técnica mais utilizada foi a observação participante,
que buscava, principalmente, pormenorizar a cultura policial no seu trabalho de
policiamento, especialmente, o patrulhamento. A partir dessas pesquisas foi possível
desvelar os primeiros constructos teóricos acerca de como era a atividade policial e
que parâmetros subsidiavam suas ações em serviço, tomando como referência a
polícia americana, conforme citação abaixo:

[...] os bastidores da vida policial que, aparentemente, são o ápice de


uma organização burocrática, presa a regras, era um mundo mutável
que incorporava infrações às regras, muita espontaneidade e uma
série complexa de significados e entendimentos informais. Desse
modo um aspecto fascinante de vários estudos foi a documentação
de maneiras de “aliviar comportamentos” ilícitos, interpretações

39
Apesar destes autores não detalharem quais seriam essas formas de atuação a partir de
tarefas não-policiais para controle da criminalidade, eles citam as pesquisas
desenvolvidas por Bayley e Skolnick (2002), entre outros, que investigaram a performance
que alcançou a filosofia de policiamento comunitário, em contraposição ao policiamento
reativo. O princípio basilar dessa atuação policial seria a interatividade com a
comunidade, que lhe proporcionaria mais confiança por parte de vários seguimentos
sociais e o trabalho voltado para a resolução de problemas, especialmente, aqueles de
ordem social, que contribuem para aumento da criminalidade.
75

engenhosas e variadas dos “modos e tipos de ação” que envolviam


várias formas de distinguir a “lei em ação” da “lei dos livros” (TONRY;
MORRIS, 2003, p. 470).

Outro estudo que demonstra a mesma perspectiva de informalidade,


espontaneidade e ausência de cumprimento de protocolos na atuação policial foi
realizado na polícia britânica.

A partir desses registros é possível inferir que as pesquisas acadêmicas


eram produto de pesquisadores individuais interessados na cultura organizacional e
ocupacional da polícia, e que isso ocorrera quase que, concomitantemente, na
Europa, especialmente, no Reino Unido e nos Estados Unidos, pelos idos de 1970.
Posteriormente, esses precursores estabelecem-se em centros e institutos de
pesquisas e, doravante, passam a coordenar esses órgãos chefiando equipes e/ou
departamentos e coordenando grupos de pesquisadores.

Essa constatação vai ao encontro de outros tantos estudos e pesquisas,


que no Brasil ocorreram, principalmente, após a CF/1988, pois anteriormente a esse
período o acesso aos arquivos e a pesquisas empíricas nas forças policiais eram
praticamente inimagináveis, em face do regime militar e seus “atos Institucionais”
que tolheram a produção acadêmica daquela época, que tivesse o mínimo de
contestação ao poder estabelecido.

Após esse período e, especialmente, a partir dos anos 1980 e,


principalmente, nos anos 2000 há uma adesão considerável com relação a
pesquisas nas área, do que acredita-se, como ocorrido nos EUA e Europa, aqui não
teria sido diferente, pois houve um aumento desenfreado dos índices de violência e
criminalidade (Mapa da violência, 2015)40.

Para a pesquisa da revisão bibliográfica, dois órgãos foram considerados


fundamentais para catalogação dessas produções: o Instituto Brasileiro de

40
Disponível em:<
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf.>.Acesso em: 25 jun
2016.
76

Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)41, mantido pelo Ministério da Ciência e


Tecnologia, onde está disponibilizada a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD) e o banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Na BDTD, criada em 2002, estão disponibilizadas 1.325 (mil trezentos e
vinte e cinco) produções, sendo 1.057 (mil e cinquenta e sete) dissertações e 268
(duzentos e sessenta e oito) teses publicadas no país, de 29 universidades, que
aderiram à plataforma, que foi utilizada nesta pesquisa, a partir da qual foi
confeccionado o Quadro 5, disposto a seguir:
Quadro 5 - Teses sobre polícia disponibilizadas na BDTD (1989-2017)
Ord Quantidade de Teses Palavra-chave IES Ano de publicação
1. 50 USP 2003-2016
2. 28 PUC-SP 2003-2016
3. 19 UNB 2009-2017
4. 19 UNICAMP 1991-2015
5. 18 UFRGS 2004-2016
6. 15 UFPE 2003-2016
7. 15 UFSC 1989-2015
8. 14 UNESP 1998-2016
9. 13 UFMG 2005-2015
10. 11 PUC-RS 2007-2016
11. 06 FIOCRUZ 2006-2013
12. 06 UERJ 2009-2013
13. 05 PUC-RIO 2003-2015
14. 05 UFBA 2011-2014
Polícia
15. 05 UFRN 2007-2016
16. 04 FGV 2010-2015
17. 04 UFPR 2011-2014
18. 04 UFSCAR 2007-2014
19. 03 UFES 2013-2015
20. 03 UFPB 2013-2015
21. 03 UFU 2012-2016
22. 03 UNIFESP 1997-2014
23. 02 UFG 2009-2014
24. 02 UFS 2014-2015
25. 02 UNISINOS 2012-2013
26. 01 METODISTA 2016
27. 01 MACKENZIE 2016
28. 01 PUC-GOIAS 2015
29. 01 PUC-PR 2012
30. 01 UFC 2008
Total 268
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Disponível em:
http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=pol%C3%ADcia&type=AllFields&filter%5B%5D=format%3
A%22doctoralThesis%22. Acesso: mar/2014 a fev/2017.

41
Disponível: http://bdtd.ibict.br/vufind/. Acesso: 23 mar 2014 a fev 2017. Em que pese
muitas universidades manterem seus próprios bancos de dados digitais de suas
produções, muitas não disponibilizam o texto completo em PDF, apenas o título, resumo e
palavras-chave.
77

Foi dado destaque no Quadro 5 para a quantidade de teses defendidas


na USP, as primeiras que foram defendidas na UFSC, UNESP e UNIFESP, as quais
foram produzidas, ainda, nos anos 1990.

Muito embora todas tenham sido analisadas, fez-se uma pequena síntese
das mais relevantes e que, efetivamente, pesquisaram e discutiram os aspectos
conceituais, procedimentais e atitudinais (BRASIL, 2014) dos conhecimentos,
saberes, identidade e cultura da atividade policial como categorias centrais na
profissionalização da atividade policial-militar, considerados aspectos centrais para a
Tese.

No portal do Banco de Teses e Dissertação da CAPES42, ao se utilizar o


termo polícia para busca de teses, o sistema registrou a existência de 2.938, das
quais, apenas, 25 estavam com seus respectivos textos disponíveis para pesquisa.

Direcionando a pesquisa para artigos científicos, priorizando o mesmo


termo, foram encontrados 11.906 periódicos, on line. A partir dessa magnitude de
trabalhos, optou-se por restringir a busca, especificando o termo com a adjetivação
de militar.

Nesse sentido o sistema da CAPES apresentou 2.627 (dois mil seiscentos


e vinte e sete) produções, das quais após leitura detalhada dos respectivos resumos
chegou-se aos artigos científicos que, efetivamente, haviam sido produzidos até os
dias atuais sobre a profissionalização, identidade e cultura policial-militar,
conhecimentos e saberes policiais, práticas, cotidiano e trabalho policial, que
juntamente com as teses citadas subsidiaram este trabalho.

Outra fonte de pesquisa foi o banco de dados de Revista Brasileira de


Segurança Pública, no qua foi possível encontrar diversos trabalhos, muitos não
disponibilizados no banco de dados da CAPES, tendo sido selecionado apenas os
que estavam, diretamente, relacionados com as temáticas centrais desta Tese e
estão referenciados ao longo e ao final do texto.

42
Disponível em: http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/#!/. Acesso em 10 jun 2014.
78

É imperativo consignar que muitas pesquisas no campo de estudo da


segurança púbica passaram a ser produzidos, por meio de artigos científicos43
elaborados em Universidades Brasil afora, os quais são tratados, por diversos
pesquisadores e, também, por profissionais de segurança, interessados em
descortinar o conhecimento, saberes e práticas policiais, pois como defendido por
muitos autores presentes nesta Tese, os acadêmicos só começam a dar a devida
atenção à problemática da segurança pública, nos EUA e na Europa, a partir de
1960 e no Brasil, no final dos anos 80, do século passado. No caso brasileiro, o
aumento epidêmico dos índices de violência contribuíram, decisivamente, para tais
pesquisas (IPEA; FBSP, 2016).
Doravante, sistematizar-se-á, de forma esquemática, as principais teses
que contribuíram com a teorização e problematização de muitos dos
posicionamentos defendidos e/ou refutados nesta pesquisa, no Quadro 6 – Teses
Sobre a polícia brasileira (1989-2013).

Quadro 6 - Teses sobre a polícia brasileira (1989-2013)


Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano
1.
Nilson Estado e militarização: Polícia Militar. Aparelho
Borges Filho as Policias Militares repressor e ideológico de UFSC 1989
como aparelhos Estado. Santa Catarina
repressivos de Estado
2. Violência policial. Ditadura
Elizabeth O mundo da violência: Vargas. Aparelho ideológico
Cancelli repressão e Estado e repressor de Estado UNICAMP 1991
policial na era Vargas
(1930-1945)
3.
Relações entre
Eda Góes cidadania e violência Cidadania. Repressão UNESP 1998
caraterizada – policial. Polícia Militar. São
representações da Paulo
polícia paulista (jan/mar
1983)
4. Ser policial é, sobretudo,
Jacqueline uma razão de ser: Identidade policial. Cultura
de Oliveira cultura e cotidiano da institucional. Paradigmas IUPERJ 1999
Muniz Polícia Militar do Estado profissionais. PMERJ
do Rio de Janeiro
5. Tornar-se policial: a Formação policial.
Paula construção da identidade Profissionalização da Polícia. USP 2004
Poncioni profissional do policial no Modelo profissional policial.
RJ Academias das polícias do
Rio de Janeiro

43
Muitos desses artigos podem ser acessados por meio da Revista Brasileira de Segurança
Pública, disponível desde 2007, pelo link:
<http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp>. Acesso em: 09 ago 2017.
79

Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano


6. Contanto crimes e
Renato criminosos em São Estatísticas criminais.
Sérgio de Paulo: uma sociologia Segredo. Transparências, USP 2005
Lima das estatística entre Controle poder público.
1871-2000 Coordenação
7. Bruno As ouvidorias de polícia Ouvidoria. Polícia. Controle
Konder no Brasil: controle e externo. Participação. USP 2005
Comparato participação Direitos Humanos

8. O trabalho feminino no
Mônica policiamento Representação social. Polícia
Carvalho operacional: Militar. Serviço policial.
Alves de subjetividade, relações Relações de gênero e poder UFMG 2006
Cappelle de poder e gênero na
oitava região da PMMG
9. Os saberes em potencial Saberes/conhecimento.
Sairo da atividade policial Profissionalização policial.
Rogério da ostensiva: Polícia ostensiva. Casos UFRN 2007
Rocha e sistematizando modelos críticos Ação da polícia militar
Silva a partir da experiência
potiguar
10. Polícia militar. Educação
Ronilson de Ensino policial militar policial. Capacitação PUC-SP 2008
Souza Luiz profissional de policiais
militares. Matriz Curricular
Nacional
11.
Antônio dos Polícia Comunitária e Polícia Militar. Policiamento UFC 2008
Santos cidadã: entre velhas e comunitário. Conselhos
Pinheiro novas práticas policiais comunitários. Corregedoria
12. Windson A policialização da Escola. Polícia Militar de
Jeferson violência no meio Minas Gerais. Violência UFMG 2008
Mendes de escolar escolar
Oliveira
13. Letalidade da ação
Emmanuel policial e teoria Polícia. Letalidade. Crime.
Nunes de interacional: análise Teoria interacional. Políticas USP 2008
Oliveira integrada do sistema públicas
Júnior paulista de segurança
14. Direitos Humanos e o
Cristiane do dilema da democracia no Cidadania. Democracia.
Socorro Brasil: um estudo Direitos Humanos. Polícia. UFRN 2009
Lourenço sociológico do trabalho Segurança Pública
Lima policial 1985-2009
15. Juniele Tropas em protesto: o Polícia Militar. Ciclo de
Rabêlo de ciclo dos movimentos protestos. Repertório da ação USP 2010
Almeida reivindicatórios da PMs coletiva. História oral de vida
no ano de 1997
16. Brigada Militar. Polícia Militar.
Exército Estadual. Oficiais,
Romeu Do exército estadual à profissionalismo e
Machado PM: o papel dos oficiais especialização militar. Elite
Karnikowski na policialização da BM militar. Cultura militar. UFRS 2010
1892 – 1988 Policialização. Polícia
ostensiva. Destacamento de
polícia. Profissionalismo
Especialização e policial
80

Ord Autor/a Título Palavras-chave IES Ano


17. Identidade profissional.
Márcia Policiais migrantes: Migrações. Policial militar
Esteves identidades profissionais Policiamento. Relações UFRGS 2010
Calazans em movimento sociais. Sociologia das
profissões. Sociologia do
trabalho. Trajetórias de vida
18. Tânia Maria Treinamento policial: um Abordagem policial. Polícia
Pinc meio de difusão de políticas Militar. Procedimento
públicas que incidem na operacional padrão. Reforma USP 2011
conduta individual do
da polícia. Treinamento
policial de rua
policial
19. Antônio Polícia Militar. Reforma
Alberto Reforma intelectual na Intelectual. Formação UNESP 2012
Brunetta Polícia Militar Policial. Escolas de Polícia.
Reforma do Ensino Policial
20. Formação de oficiais da Polícia. Segurança pública.
Vera Lúcia PMMA: uma visão Cidadania. Direitos humanos. FGV 2012
Bezerra dos paraláctica acerca da Curso de Formação de
Santos segurança pública Oficiais. Universidade

21. Dimensões da ação


Wilquerson policial em uma troca de Ação policial. Decisão pelo UNICAMP 2013
Felizardo tiros: um estudo uso da força letal. Confronto
Sandes psicossociológico da armado
decisão pelo uso da
força letal
22. Letícia Transtorno no estresse Polícia Militar do RJ. Policiais
Freire da pós-traumático nos Militares. Adoecimento metal. UERJ 2013
Rocha policiais militares do Rio Transtorno do estresse pós-
de Janeiro traumático

Fonte: http://bdtd.ibict.br e http://bancodeteses.capes.gov.br

A partir do Quadro 06, destaca-se que Borges Filho (1989), logo após a
promulgação da atual Constituição Federal, defendeu a tese “Estado e militarização:
as policias militares como aparelhos repressivos de Estado”, na UFSC. O trabalho
dessa pesquisa se deteve a investigar a Polícia Militar como aparelho repressor e
ideológico de Estado no país, desde o seu surgimento até aquela época.

Considerada como uma tese clássica que subsidiou tantas outras, o autor
faz uma vasta pesquisa bibliográfica e documental que lhe deu fundamentação
teórica para defender que a doutrina militar adotada pelas polícias militares
brasileiras se embasou na premissa de que o poder local se utilizou das PMs, que
ele denomina de “exército urbano” para manutenção e naturalização da hegemonia
política e econômica das classes dominantes.
81

Esse trabalho buscou avaliar o grau de militarização das polícias e que


desdobramentos esse modelo alcançou, considerando, nesse contexto, os aspectos
históricos, sociais, políticos e econômicos do país.

A tese de Borges Filho defende que esse modelo de polícia militarizada e


atrelada às Forças Armas teve seu ápice por ocasião do governo militar no período
de 1964-1985, quando o aparelho repressor e ideológico de polícia foi mais incisivo
na busca da manutenção do poder instituído, afastando-se dos preceitos
democráticos da segurança pública, em prol de uma cultura de segurança nacional.

Por ocasião da defesa de sua Tese, que pesquisou a identidade policial, a


cultura institucional e os paradigmas profissionais na Polícia Militar do Rio de
Janeiro, Muniz (1999) apontou sua preocupação acerca da pouca atenção
dispensada pelos acadêmicos sobre a forma de pensar e, principalmente, o
exercício da prática dos trabalhadores da segurança pública.

Muniz (Idem), em seu doutoramento, defendido no IUPERJ, destaca que


a invisibilidade das ações cotidianas da polícia brasileira, em especial, da PM do Rio
de Janeiro, tem custado caro à democracia no país.

Por meio do recurso etnográfico utilizado para o contexto empírico, Muniz


defende que as práticas da polícia ostensiva nas ruas, sobressai-se às ações
formativas, extremamente, precárias e, fortemente, marcada por um paradigma
militarista (BORGES FILHO, 1989), dando concreção a ações discricionárias, na
maioria das vezes, de violação de direitos, em detrimento à legislação existente,
ainda que deficitária. Segundo a autora, mesmo não institucionalizadas, as práticas
do cotidiano policial-militar são tacitamente aceitas, tornando paradoxal o trabalho
policial, em pleno Estado democrático.

A inexistência de instrumentos eficazes de controle e avaliação do


complexo trabalho policial (MUNIZ, 1999) causa um misto de sensação de
invisibilidade do trabalho preventivo prestado cotidianamente, desmotivando e
desvalorizando o profissional de segurança pública e, por outro lado, a sensação de
descontrole e impunidade, apesar dos inúmeros casos de violência policial muitas
82

vezes divulgados banalmente pela mídia contribui para a reverberação desses fatos
nas demais corporações policiais país afora.

Destarte, a autora considera que pelo contexto formacional,


extremamente marcado por valores militares do culto ao combate do inimigo (neste
caso o infrator), aliado a esse misto de ambiguidades da atuação policial, o uso
desmedido da força passa a ser o aspecto central da ação policial, o que contribui
para banalização da violência praticada por integrantes das forças policiais,
inclusive, daquelas corporações que não são alvo de denúncias de práticas
violentas, mas que acabam por ser inclusas nessa mesma perspectiva, tendo em
vista o alto poder de alcance da mídia, que contribui para reforçar/criar o mito desse
modelo de aparelho policial, como o único capaz de “salvar a sociedade do mal da
criminalidade”.

Poncioni, em sua Dissertação (1995), na UFRJ e, também, no seu


Doutorado (2004), na USP, pesquisou as representações sociais e a identidade, o
que redundou em artigos de sua autoria ou em parceria que retratam o “modelo
policial profissional” na polícia brasileira. Segundo essa autora apesar de alguns
esforços institucionais, por parte do governo federal, levados a cabo, especialmente,
a partir dos anos 1990, com a criação da SENASP, para atuar como fomentadora de
uma política de formação profissional junto aos Estados. Na prática, muito do que
fora implementado nos currículos dos operadores de segurança pública do país,
pouco se efetivou no desempenho da atuação policial ajustado com o Estado
democrático, seja em capacidade para reduzir os índices criminais, seja para o
respeito aos direitos constituídos. Assim, sendo,

[...] os programas de ensino e treinamento profissional dos policiais


nas academias de polícia exemplificam uma das estratégias
fundamentais de transmissão de idéias, conhecimentos e práticas de
uma dada visão do papel, da missão, do mandato e da ação deste
campo profissional, que necessariamente envolve a transmissão de
valores, crenças e pressupostos sobre este campo específico e que
é revelada, particularmente, nas diretrizes teóricas e metodológicas
dos currículos dos cursos oferecidos para a socialização do novo
membro, em um contexto sócio-histórico determinado (PONCIONI,
2005, p.590).
83

Pesquisando, especialmente, as Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro,


a autora defende que, resguardando, as devidas especificidades a polícia brasileira
guarda semelhanças consideráveis na sua forma de atuar nos demais Estados do
país. Com uma formação profissional orientada para o controle do crime, o que em
grande parte, inclina-se para o combate, o policial brasileiro é levado a crer que ele
não é um trabalhador da segurança, mas um guerreiro que tem uma missão a
cumprir: livrar a sociedade da criminalidade.

Esse fazer policial está, fortemente, marcado pelos valores militares e, até
mesmo, na Polícia Civil, quando os agentes assumem posturas de grupos
operacionais especializados para o combate ao crime. Ou seja, a formação
profissional das polícias brasileiras, ainda, carece de um debate sistemático, na
perspectiva de ampliar a concepção desses trabalhadores (gestores e executores)
enquanto membros de um seguimento social, extremamente, complexo e, por essas
especificidades devem ser selecionados, formados e, constantemente,
recapacitados para a formação/desenvolvimento de competências e habilidades
enquanto profissional de segurança pública em uma ótica democrática (PONCIONI,
2005, p. 599-600).

Silva (2007) foi o precursor, no RN, a teorizar, em nível de doutoramento,


acerca dos saberes e conhecimentos policiais-militares, sob a perspectiva de
investigar como tais categorias se operacionalizavam a partir da representação
social que um grupo de capitães em, formação continuada, no Curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais, realizado em 2006 na Polícia Militar do RN.

Apoiando-se nos documentos oficiais que regiam a atividade de polícia


ostensiva naquele período, quais sejam, Plano Nacional de Segurança Pública
(BRASIL, 2000) e a Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2002), o autor
defende a tese que os saberes policiais-militares se relacionam com as variáveis do
policiamento ostensivo, devidamente orientados por eixos centrais. Nesse sentido,
por meio da aplicação de questionários buscou verificar como esse oficiais
sistematizavam seus saberes e conhecimentos profissionais para resolução de
casos críticos, organizando seis saberes que eram utilizados em três áreas de
atividades atendidas pela Polícia Militar: a ação reativa ou repressiva, a ação
preventiva, e terceira (assistência ao público), que em sua interpretação destoava da
84

competência policial, enquadrando-se na mesma perspectiva da tarefas não-


policiais, defendida por Tonry e Morrys (2003).

Luiz (2008) em sua tese de doutoramento na PUC-SP buscou analisar o


processo formacional do “Ensino policial militar” no Estado de São Paulo, sob a
perspectiva de identificar qual paradigma era utilizado para a capacitação
profissional naquela corporação, especialmente, para os cargos de soldados, após a
Constituição Federal de 1988.

Nessa incursão investigativa tomou como parâmetro teórico a abordagem


freireana da educação humanizadora, não bancária, e como referencial técnico-
normativo fundamentou-se na Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2003). Como
referente empírico, adotou a entrevista de ex-dirigentes das escolas de formação de
soldados da Polícia Militar de São Paulo (PMESP), como técnica de coleta de
dados, especialmente, concebendo que aqueles gestores não estavam mais,
diretamente, submetidos à condicionantes militaristas, que na tese do autor se
contrapõem aos parâmetros técnicos da segurança pública, em detrimento de uma
educação profissional policial-militar na perspectiva dos Direitos Humanos defendida
por Soares (2011) e tantos outros teóricos reformadores da polícia brasileira.

Em 2009 outra tese é defendida na UFRN, dessa feita, por Cristiane Lima,
intitulada “Direitos Humanos e o dilema da democracia no Brasil: um estudo
sociológico do trabalho policial 1985-2009”, evidenciando que apesar de estar,
expressamente, positivado na CF/88, no Plano Nacional de Segurança Pública
(BRASIL, 2000), no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(BRASIL, 2007)44 e nos diversos esforços empreendidos pelas instâncias
governamentais, uma das principais violações à segurança pública é o desrespeito
aos Direitos Humanos praticados pelo Estado, por meio de seus funcionários
aplicadores da lei – a polícia.

A tese vem analisar as práticas policiais, sobretudo na perspectiva da


construção de uma polícia, não apenas defensora dos Direitos Humanos, mas que

44
Criado pela Lei Federal Nº 11.530 de 24 de outubro de 2007, transformando em lei o que
estava previsto na Medida Provisória Nº 384/2007 da Presidência da República, sendo
modificada no ano seguinte pela Lei N º11.707/2008.
85

os promova (BALESTRERI, 2002). A pesquisa se efetivou no Estado do Pará,


notadamente, investigando as ações da Polícia Militar, mas não se furta de
sistematizar um panorama nacional, avaliando os papeis de atores sociais como
sociedade organizada, corregedoria, conselhos de segurança, entre outros que se
obrigam, por lei ou por ativismo, à construção de uma cultura de paz, por meio de
diversas ações e políticas públicas e/ou sociais.

Pinc (2007), é outra pesquisadora da atuação policial, abordando a


temática do treinamento policial na Polícia Militar de São Paulo, na Dissertação
apresentada na USP, quando verificou por meio de observações sistemáticas que
apesar de aquela instituição ter uma normalização no tocante a Procedimentos
Operacionais Padrão (POP), na prática cotidiana da atividade policial esses
instrumentos não eram seguidos.

Por ocasião da pesquisa de doutoramento (PINC, 2011), investigou, a


partir do problema constado na prática cotidiana, em que medida um treinamento
realizado como política corporativa para institucionalizar o POP contribuiria para
mudança das práticas operacionais da atividade policial naquele Estado.

Utilizando-se, também, de observação sistemática social verificou,


empiricamente, como atuavam policiais que haviam sido capacitados com as novas
normais institucionais e policiais que não participaram desse tipo de capacitação.
Para dar mais subsídios às observações, utilizou-se de questionários para verificar
se os objetivos, conteúdos e métodos da capacitação haviam sido utilizados,
satisfatoriamente, para construção de uma nova postura profissional.

Após a pesquisa, a autora sustenta a tese que a capacitação não atingiu


o objetivo, tendo em vista a metodologia utilizada, contribuindo com grande
relevância na manutenção de postura atitudinal do habitus da prática cotidiana, que
é mais significativa que o treinamento institucional. Nesse sentido deve-se conceber
que habitus é um “[...] sistema das disposições socialmente constituídas
que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador
do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”
(BOURDIEU, 2005, p. 191).
86

A tese que mais se aproxima desta é a de Sendes, defendida na


UNICAMP, em 2013, intitulada, “Dimensões da ação policial em uma troca de tiros:
um estudo psicossociológico da decisão pelo uso da força letal”, a partir da qual o
autor45 estuda as circunstâncias que envolvem o confronto armado de ocorrências
policiais.

A abordagem central de Sendes (2013) é investigar seis dimensões que


envolvem uma ocorrência policial com disparo de arma de fogo, quais sejam: 1. o
perfil policial; 2. o ambiente; 3. o momento, propriamente, dito do ato de decidir pelo
uso da arma de fogo; 4. reações emocionais, antes, durante e pós evento. 5. os
limites do treinamento policial; e 6. as expectativas internas e externas acerca dessa
ação.

Sendes (2013) enfatiza que a ótica da investigação do problema não pode


ser simplista, tampouco, reducionista e ocorrer apenas pela perspectiva do policial,
mas pelas diversas instâncias estatais e sociais que perpassam a construção de
uma nova visão de polícia e suas formas de enfrentamento da violência e da
criminalidade. A responsabilidade do Estado, para além de prover condições que
superem o fornecimento de armas, mudança nos currículos, priorizando a prática e
sua ação reflexiva (SHÖN, 2000) 46, deve potencializar os mecanismos de
responsabilização (MUNIZ, 1999) e acompanhamento antes, durante e pós os fatos,
o que será deveras explorado no limiar desta Tese.

Como visto, a partir das tese e dissertações citadas, dentro de um


número, de certa forma significativo, especialmente pela especificidade da temática
e as particularidades/dificuldades que cercam o campo de estudo da segurança
pública, no que concerne à disponibilização e o acesso de informações, muitos

45
Sendes (2013) é oficial de polícia, ingressando na PM do Mato Grosso em 1993, e reforça
a tese que muitos policiais, sejam militares ou civis, têm buscado, por meio da produção
do conhecimento científico, analisar os problemas institucionais. Essa, portanto, refuta
outra tese que é defendida por alguns estudiosos estrangeiros que os escritos policias são
apenas memórias (MONJADET, 2003). Se essa foi uma realidade no exterior. No Brasil, a
partir dos anos 2000 muitas teses e dissertações têm sido produzidas, também, por
policiais.
46
A perspectiva de SHÖN não é no campo de estudo da segurança pública, contudo, sua
teorização da reflexão antes, durante e após a ação, mesmo que seja com profissionais
liberais sevem analogamente para embasar a necessidade de tal postura profissional, em
qualquer que seja área de atuação. Este autor foi adotado, entre outros, para elaboração
da MCN (SENASP, 2014).
87

pesquisadores da segurança pública concordam com Muniz (2001), quando a autora


defende que em virtude da disposição constitucional de atrelamento das Polícias
Militares brasileiras ao Exército, há uma espécie de engessamento, não apenas
afetos aos preceitos legais, mas, principalmente, doutrinário e cultural, entre outras
formas de naturalização da ideologia que rege as Polícias Militares brasileiras.
De forma implícita, por meio do currículo oculto que está presente,
cotidianamente, nas ações formativas e, também, na atuação profissional da polícia
brasileira, nesse caso, particularmente, a Militar, naturalizou a cultura do combate,
como paradigma institucional, mesmo tal premissa não estando institucionalizada,
desprezando ou subutilizando ações de prevenção e controle da criminalidade, sob
uma lógica proativa e de aproximação com a sociedade.
As Polícias Militares brasileiras vivem em permanente crise de identidade,
pois o fantasma do verde oliva, ou seja, a cultura, extremamente, militarizada do
Exército, ainda ronda o imaginário da corporação policial, que estaria muito mais
afeita à segurança nacional, à segurança pública (MUNIZ, 2001). Esse corolário
cultural e doutrinário opera pelo currículo oculto, nas academias e centros de
formação das polícias e, também, nas práticas diárias, influenciando as ações e a
Tomada de Decisão dos policiais, inclusive, na forma de atuação, também, nas
Polícias Civis, que acabam por incorporar essa mesma lógica cultural (PONCIONI,
2004; 2005).
A atuação policial-militar, na prática, dá mais ênfase ao contexto militar,
do combate para preservação e manutenção da ordem, no critério de defesa da
nação, contra um potencial inimigo interno, do que ao aspecto policial, das
especificidades da atividade de segurança pública, de prevenção e controle da
criminalidade.
Em termos foulcaultianos, o vigilantismo, o controle, o adestramento, não
estariam, apenas, no campo dos recursos materiais, como fora preconizado pela
IGPM, nos idos dos anos 70, do século passado, mas, principalmente, no imaginário
e, sobretudo, na conformação das estruturas institucionais que criam e cristalizam as
culturas ou subculturas organizacionais (FOUCAULT, 1977).
Em que pese os processos de formação e capacitação profissional nas
forças policiais, enquanto corporação pública (MENKE; WHITE; CAREY, 2002),
existirem desde a sua institucionalização, não sendo diferente nas Polícias Militares
brasileiras e, em particular, na PMRN (WANDERLEY, 1968), na perspectiva aqui
88

defendida, no Brasil, esse processo só começam a ser sistematizados e


institucionalizados pós Constituição de 1988, quando, gradativamente, essas
corporações sentem a necessidade de mudança no paradigma de segurança pública
que, doravante, apresenta-se na conjuntura do país.
A partir de então, com uma matriz nacionalizada (BRASIL, 2003), esses
processos formativos vêm passando por várias reformulações, sendo a última em
2012, denominada Encontro de Revisão da Matriz Curricular Nacional 47, realizada,
por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), órgão integrante
do Ministério da Justiça, com intuito de reelaborar, conjuntamente, com os
representantes da área de ensino das demais unidades federativas das corporações
de segurança do país, um núcleo básico da referida Matriz, o que poderia, conforme
os próprios organizadores, diminuir ou, pelo menos, minimizar as distorções
existentes entre as técnicas e os procedimentos adotados pelas polícias brasileiras e
seus integrantes no enfrentamento da violência e da criminalidade, desenvolvidas
cotidianamente na atuação policial.

A atividade profissional desenvolvida pelo policial, em essência, é uma


das mais antigas e tradicionais do mundo, como defendem Bayley (2006), Monet
(2001), Monjardet (2003), entre outros estudiosos, os quais sustentam que a ação
de policiar é exercida desde a Antiguidade, muito embora, essa definição concebida,
atualmente, somente vai se institucionalizar a partir da Revolução Francesa
(MONET, 2001, p. 31), sendo uma a partir do modelo francês, militarizada e com
características de polícia de Estado, e outra na perspectiva do modelo inglês, criada
por sir Robert Peel, que, mesmo fardada, não era militar e voltava-se para as
problemáticas da segurança pública sem envolvimento com os aspectos políticos de
polícia de Estado (MUNIZ, 1999, p. 31-4).

Essa profissionalização, em contraposição ao modelo do uso privado da


força, por instituições públicas, vai se constituir de parâmetros que nortearão,
doravante, o paradigma de atuação do trabalho policial.

47
Realizado no período de 17 a 21 de setembro daquele ano, em Brasília, do qual este
autor participou, representando a PMRN, juntamente, com um oficial do Corpo de
Bombeiros, uma policial civil e um representante do Instituto Técnico-Científico de Polícia
que compuseram a delegação do RN.
89

Esclarece Monjardet (2003, p. 47) que são dois os aspectos fundamentais


constituintes “[...] do trabalho policial: a relação entre a ordem e a imprevisibilidade
da demanda, de um lado, e a relação entre autonomia e controle, de outro”. O
primeiro aspecto seria a estrutura organizacional de pessoas e materiais que
possibilitam a execução da atividade, ou seja, quem faz o quê; e o segundo, os
componentes comportamentais que possibilitam o funcionamento institucional, que
constitui a essência da atividade humana de policiar, o know-how, o como fazer.

A partir do novo modelo que foi sendo sistematizado desde Robert Peel
(BAYLEY, 2001) até os dias atuais, com o enquadramento dos aspectos legais que
norteiam o trabalho policial na Constituição de 1988 e a ausência ou, pelo menos,
incipiência de parâmetros (BRASIL, 2010b) para a prática da atividade,
propriamente, dita de policiar e intervir pelo uso da força é que são apresentados
alguns estudos considerados mais relevantes nessa seara e problematizados no
capítulo seguinte.
90

3 TOMADA DECISÃO NA ATIVIDADE PROFISSIONAL POLICIAL-MILITAR: a


problemática do uso legítimo da força

A Tomada de Decisão na atividade policial-militar é permeada por uma


série de aspectos, entre os quais é possível destacar os legais, técnicos, éticos,
emocionais, fisiológicos, entre outros, que constituem a complexidade do ser
humano (MORIN, 2005, p. 206). É importante enfatizar que, também, compõem o
processo de Tomada de Decisão, dessa atividade profissional, os fatos que
envolvem histórica e socialmente as ocorrências policiais, as estatísticas criminais
que as legitimam e, principalmente, aqueles fatos que repercutem no cotidiano
policial-militar e na sociedade na qual esses indivíduos estão inseridos, sejam
policiais, vítimas ou infratores.

Na primeira parte deste capítulo são utilizados como recursos explicativos


que problematizam a Tomada de Decisão na atividade profissional dados
estatísticos presentes nas edições mais atualizadas do Mapa da Violência, do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Atlas da Violência, da Corregedoria da
PMRN, da Secretaria Estadual de Segurança Pública e da Defesa Social do Rio
Grande do Norte (SESED), do Observatório Potiguar (OBVIO) e de reportagens
veiculadas na mídia de alcance local e nacional.
As ocorrências típicas policiais que envolvem uma Tomada de Decisão na
atuação policial, em especial, com a utilização da força e/ou de armas de fogo,
atualmente, têm sido registradas de modo significativo pelos aparelhos midiáticos,
dando-se ênfase, incisivamente, aos resultados não satisfatórios, sendo por esses
veículos e por outros setores da sociedade, consideradas como desastrosas. As
estatísticas utilizadas dão conta que, para ambos os lados, infrator ou policial e, nos
últimos anos, também, para terceiros, o desfecho não tem sido o esperado, os quais
são abordados, detalhadamente, traçando-se um paralelo entre cenário nacional e
contexto da PMRN.
Na segunda parte do capítulo a abordagem é a Atividade da Tomada de
Decisão e os diversos aspectos a ela circunscritos a partir da perspectiva da
formação policial-militar. Nesse sentido, toma-se como parâmetro as normativas
nacionais e as da polícia potiguar que orientam a formação dos participantes da
pesquisa, sob o enfoque de problematizar se, efetivamente, os aspectos conceituais,
91

procedimentais e atitudinais estão presentes no currículo do Cabo e do Sargento da


PMRN, seja na formação inicial e/ou continuada.
Na terceira e última parte do capítulo, aborda-se as competências do
policial militar do século XXI. Quais são e como essa capacidade humana pode ser
mobilizada, sob o ponto de vista da segurança pública para resolução de
ocorrências que demandam o uso legítimo da força e/ou de armas de fogo.

3.1 Violência generalizada versus demanda do uso legítimo da força na


atividade policial-militar

Não obstante a banalização das ações policiais, especialmente, por parte


da mídia, os referenciais legais e técnicos que constituem o arcabouço teórico e
prático das formações desses profissionais estabelecem que todos devem ser
preservados visando, principalmente, a segurança do policial militar, enquanto
profissional que está a serviço do Estado, dos cidadãos que, porventura, estejam
envolvidos em uma ação policial e, também, a segurança do próprio infrator,
conforme preceitos nacionais e internacionais de defesa e preservação da vida
(ONU, 1948; 1979); (BRASIL, 1988; 2010).Os dados disponibilizados no último
Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2016) demonstram uma situação
análoga a de uma guerra civil, em que apesar de o Brasil estar em pleno Estado
democrático, foram registrados, no país, 279.567 mortes, de janeiro de 2011 a
dezembro de 2015, enquanto na Síria, de março de 2011 a dezembro de 2015
morreram 256.124 pessoas, em decorrência do conflito bélico.
Tomando-se como fonte de referência o Atlas da Violência (2017), que
concatenou dados da década de 2004-2014, tem-se um panorama da violência
vivenciada no país, conforme pode ser demonstrado na Tabelas 5 – Taxa de
homicídios e na Tabela 6 - Número de homicídios no Brasil, ambas, considerando a
proporção por 100 mil habitantes, nas respectivas Unidades Federativas (UF) e,
também, os índices nacionais.
92

TABELA 5 – Taxa de homicídios por unidade federativa (2004-2014)

Fonte: ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2017.


93

TABELA 6 – Número de homicídios por unidade federativa (2004-2014)

Fonte: ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2017.


94

De acordo com o Atlas da Violência (2017), ao verificar-se a evolução dos


índices de homicídios por UF é possível constatar situações divergentes, haja vista
que entre os anos de 2004 e 2014 houve uma variação, por estado, com grandes
alterações.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, conforme a Tabela 5, a elevação
dos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) foi de 308,1%. Por outro lado, em
São Paulo houve uma redução de 52,4%, dos homicídios, por cem mil habilitantes.
Nessa mesma perspectiva, ao passo que, segundo o estudo estatístico, seis estados
apresentaram um acréscimo superior a 100%, oito apontaram uma expansão entre
50% e 100%. Ainda, nesse sentido, ocorreu variação em cinco UF que, sofreram um
acréscimo de até 50% e oito estados apresentaram redução dos índices de
homicídios.
Seis estados nordestinos, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Bahia e Maranhão demonstraram um aumento superior a 100% no período 2004 a
2014. Em Alagoas e no Piauí houve um aumento nas suas taxas de homicídios em
até 100%, no mesmo período. Pernambuco foi uma exceção, pois aconteceu uma
redução de 27,3% nesse tipo de delito. No mesmo período, três UF do Sudeste
estabeleceram uma redução dos índices de homicídios. Pernambuco48 destaca-se,
nacionalmente, pois obteve a mencionada redução mesmo apresentando uma
média de 476 habitantes por policial, índice este acima do indicativo brasileiro, de
policial por habitante. O Rio Grande do Norte, por exemplo, que possui 378
habitantes por policial49, apresenta maiores índices de CVLI que o Estado
pernambucano.
Outra análise significativa é que um número significativo de pessoas
morreram envolvidas em intervenções policiais-militares, no Brasil. No biênio
2014/2015 morreram, respectivamente, 3.146 e 3.320 habitantes (ATLAS DA
VIOLÊNCIA, 2017).
Em relação ao Rio Grande do Norte, o referido Atlas aponta que no ano
2014, decorrentes de intervenção policial, ocorreram 69 mortes. No ano seguinte,

48
Este Estado apresenta uma situação atípica, pois além de incremento policial, lançou uma
nova estratégia de policiamento, o “Pacto pela Vida”, que por limitação de espaço opta-se
em não tratá-lo de forma reducionista. Para aprofundamento, está disponível em:
http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/gratificacao-pacto-pela-vida. Acesso: 25 ago 2018.
49
Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-deficit-de-20-mil-policiais-em-
seu-efetivo/>. Acesso em 18 maio 2017.
95

esse número aumentou para 75. É importante consignar que esses dados são
consequências de ações policiais, quando os policiais estão de serviço. Quando a
intervenção ocorre em ações durante o período de folga, fora registrado apenas uma
morte no ano de 2015.
Nessa mesma perspectiva, um número bastante elevado de policiais é
vitimizado, quer seja em atuação institucionalizada ou em horários de folga. Nesse
último quesito é importante enfatizar que, muito embora a contabilização maior de
óbitos seja em período de folga, mesmo não havendo dados oficiais acerca da real
causa dessa mortes, muitos desses profissionais de segurança morrem em função
da atividade que exercem. Veja-se os números no Quadro 7.
Quadro 7 – Vitimização policial no Brasil
Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Total
Policiais mortos em serviço 78 101 91 160 121 79 91 721
Policiais mortos fora de serviço 186 186 191 287 369 336 267 1.882
Total 264 287 282 447 490 415 358 2.543

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016)

No Rio Grande do Norte, por não haver uma cultura institucional de


sistematização dos dados estatísticos, a partir dos órgãos oficiais, há apenas,
informações acerca de homicídios dolosos e de vitimização policial, não estando
disponíveis, portanto, os dados relativos a óbitos ocorridos em decorrência de
intervenções policiais. Essa falta de sistematização e concatenação de informações
na segurança pública é prejudicial ao sistema, de uma forma geral, na medida em
que obstaculariza a análise e implementação de políticas públicas específicas, e as
que, porventura forem operacionalizadas, enfrentarão o problema de forma
precarizada, haja vista, a imprecisão dos dados.
Por consequência, essa subnotificação mascara a realidade social, que
tem desdobramentos danosos à implementação de políticas e programas para
prevenção da violência e melhoria da qualificação profissional. Essas medidas
institucionais têm dois vieses, que se complementam: um é a redução da vitimização
do profissional de segurança pública, seja de serviço ou de folga; e o outro é a
redução da letalidade na atuação policial.
Contudo, apesar da precariedade acerca desses dados específicos, a
partir da sistematização extraoficial contida no Observatório Potiguar (HERMES;
96

BRANDÃO, 2016), demonstram-se elevados, tanto os números relativos às


intervenções policiais, que os autores denominam de ações típicas de Estado,
quantos os índices de vitimização policial, conforme o Gráfico 1 – Ação típica de
Estado e Vitimização policial e o Quadro 8 - Ações típicas de Estado, por instituição
policial – 2012-2015

Gráfico 1 – Ação típica de Estado e Vitimização policial

Fonte: HERMES; BRANDÃO, 2016, p.13

Quadro 8- Ações típicas de Estado, por instituição policial – 2012-2015

Tipo de ação Período Total


Em serviço 2012 2013 2014 2015 Quadriênio
Confronto com policiais civis - 01 01 02 04
Confronto com policiais militares 21 31 68 74 194
Total 21 32 69 76 198
Fora serviço 2012 2013 2014 2015 Total
Confronto com policiais civis - - - - -
Confronto com policiais militares - 03 10 02 15
Total - 03 10 02 15
Total das ações típicas de Estado 21 35 79 78 213

Fonte: HERMES; BRANDÃO, 2016, p.96


Nesse período, o Rio Grande do Norte tinha uma população de 2.969,671
habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE), e
seu Sistema Carcerário registrava, respectivamente, em 2005 e 2006, 2.243 e 2.937
apenados. Esses dados são relevantes para o estudo desta Tese, pois demonstram
que, como se tem defendido, os aspectos que circunscrevem uma Tomada de
97

Decisão na atividade profissional policial-militar envolvem muito mais que os marcos


reguladores oficiais, legais e técnicos da profissão.
As ações que são desdobramentos da decisões policiais são constituídas
de fatores gerados e/ou influenciados pelos diversos contextos que envolvem o
cotidiano humano e social no qual esse profissional de segurança está inserido, e
que é complexo (MORIN, 2005).
É imperativo consignar que dados estatísticos nunca foram o ponto forte
das instituições brasileiras e, em se tratando das forças de segurança, a situação se
complica, pois quando a temática é avaliar as condutas policiais, a ausência de
informações, necessariamente, não significa que os fatos não tenham ocorrido.
Nesse contexto, defende Cano (FBSP, 2016, p. 106-8) que tais dados são muito
frágeis.
Mesmo nessas condições os dados serão elencados abaixo para que se
tenha um parâmetro nacional e, também, local, acerca daquelas unidades
federativas que disponibilizaram as informações.
No Brasil, em 2005, o Rio de Janeiro foi estado onde ocorreu mais mortes
de policiais fora de serviço. No entanto, paradoxalmente, morreram 11 policiais civis
e 3 militares. Por que paradoxalmente? Porque não são os policiais civis que fazem
o policiamento preventivo ostensivo, portanto, mais visíveis e mais susceptíveis às
ações criminosas, são os policiais militares. O dado é no, mínimo estranho, porque a
exposição e o enfrentamento ao crime é bem maior através da corporação militar,
principalmente, pelo contingente que é muito superior ao da Polícia Civil. Aparecem,
também, nessa conta Estados da região Norte e do Nordeste. Na Bahia, Alagoas e
Pernambuco, os óbitos foram da ordem de um, dois e três casos, respectivamente.
Quando se trata de óbitos ocorridos contra policiais em serviço são
evidenciados mais casos na região Centro Oeste, como em Mato Grosso e em Mato
Grosso do Sul, contabilizando três casos, em média, em cada UF. No Nordeste
aparecem os Estados da Bahia, Alagoas e Pernambuco, somando, em média, 01
caso. E no Sudeste, o Rio de Janeiro aparece com um caso.
Se no ano 2005 ocorreram 406 óbitos no Rio Grande do Norte. No triênio
2013/2014/2015 ocorreram, respectivamente, 1.447, 1.602 e 1.545 homicídios
dolosos no Estado potiguar. A taxa de homicídios nesta década, a cada 100 mil
habitantes, aumentou em 280,5%, com um pequeno decréscimo do ano de 2014
para 2015 de 3,6% (IPEA; FBSP, 2017).
98

Como dito acima, em face da não expertise por parte dos órgãos da
Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED), que fazem
esta concatenação, não é possível fazer uma avaliação mais detalhada acerca da
atuação policial, pois os dados não estão disponíveis. Essa indisponibilidade,
impossibilita difundir as boas práticas, caso a avaliação da atuação policial seja
positiva. Por outro lado, em sendo negativa, não é possível traçar ações de
enfrentamento para poder melhor sistematizar as formações inicial e continuada do
policial, visando uma atuação mais profissionalizada.
O fato é que as pesquisas, novamente, em 2016, portanto, os mais
recentes dados estatísticos, vão ratificar que ações no campo da segurança pública
não estão surtindo efeito para redução da violência e da criminalidade. Destaca-se,
por outro prisma, que não apenas as políticas e ações de segurança pública,
efetivamente, vão minimizar tais índices.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2016), que
traz um panorama geral e uma análise de vários fatores e aspectos que influenciam
no campo da segurança pública, mesmo tendo havido uma redução de 2% no
número dos CVLI, no país, que caiu de quase 60 mil homicídios, anuais, a cada 100
mil habitantes, para, aproximadamente, 58 mil óbitos, apesar dessa redução, os
índices, ainda, permanecem muito elevados, pois podem ser comparados a
estatísticas de conflitos bélicos, como na Síria, onde morreram, aproximadamente,
250 mil pessoas no período de 2011 a 2015.
Outro dado significativo é que se, no Brasil, ocorrem mais mortes em
decorrências de intervenções policiais do que em qualquer parte do mundo,
também, é o país onde mais policiais são vitimizados. Segundo o mesmo Anuário,
de 2009 a 2015 morreram 113% mais policiais brasileiros, em intervenções policiais
de serviço e, também, de folga, do que nos Estados Unidos. Para precisar esses
dados, apenas em 2015, no país, morreram 393 policiais, sendo 103 de serviço e
290 foram a óbito quando estavam folga (FBSP, 2016).
Fazendo uma abordagem dialógica do CVLI, em uma década, esses
índices, cresceram, nacionalmente, em média, cinquenta por cento, pois saltaram de
pouco mais de 40 mil homicídios anuais, por 100 mil habitantes, para quase 59 mil.
No Rio Grande do Norte, de 2011 a 2015, contabilizou-se mais de uma
mil mortes violentas intencionais, por ano, e no último triênio esses números ficaram
em torno de 1.500 mortes violentas, conforme IPEA e FBSP (2017). Nesse sentido,
99

um dos principais questionamentos é saber se, efetivamente, o avanço da violência


e da criminalidade que ocorreu, especialmente, na última década, teve como
aspecto catalisador a Tomada de Decisão policial, seja pela ação ou omissão do ato
criminoso.
Permeiam, também, a problemática em questão, porém de forma
subsidiária, a subnotificação de tais índices, pois com o acesso às informações,
mesmo que de maneira insuficiente, mostram-se, nos últimos anos, mais fidedignos
e consubstanciam as políticas e ações governamentais e institucionais, auxiliado,
também, é imperativo enfatizar, por organizações não-governamentais, que com
informações, mesmo que extraoficiais subsidiam as informações oficiais. Por
exemplo, no RN, esse acompanhamento mais sistemático por parte da sociedade
organizada vem mudando, gradativamente, essa realidade. Uma dessas mudanças
foi a criação da Coordenadoria de Estatística na SESED-RN, passando a melhor
sistematizar os dados, conforme o Gráfico 2 – Número de CVLI, abaixo
discriminados:

Gráfico 2 – Número de CVLI no RN de Janeiro de 2015 a julho de 2017

Fonte: Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais – SESED/RN

Nesse sentido, a problemática se apresenta para alguns autores,


também, como um quadro conceitual, no qual se situa o problema que se investiga,
que é constituído de ideologias (CHAUÍ, 1994).
No caso em estudo a sociedade brasileira e, em particular, a potiguar,
situada em um determinado momento histórico-econômico-político-social vai ofertar
as variáveis e condicionantes que envolvem o problema da Tomada de Decisão na
100

atividade policial-militar, em intervenções, as quais demandam o uso da força e de


armas de fogo.
Apresenta-se neste capítulo, portanto, a perspectiva de problemática que
permeia o universo da Tomada de Decisão na atividade profissional da Polícia Militar
do Rio Grande do Norte, em especial, do Cabo e do Sargento, a partir das ações,
operações, motivos e necessidades que a constituem, consignando-se fatos que se
tornaram estatísticas e os aspectos que podem influenciar na prática dessa
atividade.

3.2 Tomada de decisão na formação policial-militar

Recorrentemente, a mídia, seja escrita, televisiva ou digital divulga casos


estarrecedores acerca de ações policiais equivocadas 50, as quais, algumas vezes,
têm como consequência a vitimização de uma pessoa, seja um infrator, um
transeunte ou até mesmo o próprio policial.
A pesquisa realizada, anualmente, desde 2007, em parceria entre a Open
Society Foundation, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o IPEA
registra um avanço preocupante em sua edição mais atualizada, no Atlas 2017,
como foi demonstrada na introdução do capítulo.
O estudo, apesar de ser considerado satisfatório pelas instituições
realizadoras e os pesquisadores, em outra perspectiva é tido como insuficiente, pois
não há uma obrigatoriedade das polícias e, por conseguinte, também, das
secretarias de segurança estaduais em fornecer as informações. Isso ocorre por
meio de acordos de cooperação, a partir dos quais as Unidades Federativas que dão
publicidade acerca das ações policiais recebem pontuação positiva para aprovação
de projetos e transferências de recurso por parte da União 51.

50
Para efeito deste estudo, considera-se ação policial equivocada aquela que causa dano,
sobretudo o corporal e até morte às pessoas envolvidas, direita ou indiretamente em uma
intervenção policial. As questões de ordem psicológicas, também, são deveras
significativas, no entanto, em virtude da dificuldade de seu registro, não serão apreciadas.
A cerca da relação homem/trabalho e os malefícios que uma atividade profissional pode
causar, leia-se Dejours (2007).
51
Essas normas estão disponíveis no site do Ministério da Justiça, por meio da SENASP,
conforme o link a seguir: http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-
publica/senasp. Acesso: em 27 abr 2015.
101

O que se tem são dados incompletos e insuficientes, mas que desvelam


ações, em uma visão otimista, pelo menos, equivocada. E o que é mais
preocupante, como acima referenciado, é que, policiais, infratores e, até mesmo
pessoas inocentes, são alvos das consequências dessas ações, resultante de uma
decisão inadequada para uma determinada intervenção policial. Isto é, o resultado
de uma Tomada de Decisão.
Para entender esse complexo sistema, faz-se necessário um breve
resumo, pelo menos no que se refere à institucionalização ou não das atividades
policiais, que doravante será discorrido.
Carente de uma normalização nacional que norteasse a
formação/capacitação dos profissionais de segurança pública é, apenas com o
advento das Bases Curriculares para Formação dos Profissionais na Área de
Segurança Pública (BRASIL, 2000), bem como a Matriz Curricular Nacional
(BRASIL, 2003) que surgem novos parâmetros, os quais vão auxiliar, doravante, na
formação e/ou desenvolvimento profissionais e, em particular, do processo decisório
da esfera policial-militar, sobretudo no processo de Tomada de Decisão, que
demanda, conforme os autores já citados, o desenvolvimento de determinadas
competências e habilidades que perpassam, concomitantemente, pelos aspectos
cognitivos, procedimentais e atitudinais do contínuo processo de ensino-
aprendizagem (BRASIL, 2014).
Ainda, montando o quadro situacional que envolve a
formação/qualificação profissional e, por conseguinte, o sistema que constitui a
preparação para capacitação em tomar decisões, o ensino policial-militar está
amparado, especificamente, no artigo 83, da Lei Nº 9.394/1996, das Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira (LDB), que normaliza, sistematiza e regula as
políticas e diretrizes educacionais do país, estabelecendo que “o ensino militar é
regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as
normas fixadas pelos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996).
Partindo desse pressuposto, não apenas a Polícia Militar do Rio Grande
do Norte, mas as demais corporações de segurança pública do país devem
considerar a partir dos anos 2000 e, ao mesmo tempo, institucionalizar uma
normalização para o seu processo de ensino-aprendizagem.
102

Seus processos formativos carecem estar embasados em parâmetros


educacionais próprios, como prevê a LDB, em virtude de suas especificidades,
contudo, não podem negligenciar os princípios democráticos atuais do país.
Reverter o panorama que se apresenta às corporações policiais,
sobretudo, às militares, com um misto de práticas extralegais e ilegais (CALDEIRA,
2000) é um obstáculo que precisa ser transposto, e essa normalização ocorre com a
institucionalização das Bases Curriculares e da Matriz Curricular Nacional (MCN),
que desde então norteiam a formação e a capacitação desses profissionais
(BRASIL, 2000, 2003, 2009, 2014).
Entretanto, antes de tratar, efetivamente, da MCN, é forçoso enfatizar que
em face de alguns aspectos históricos e culturais do passado recente do país,
apresentados no capítulo 2, criou-se um hiato entre as corporações policiais
militares e a sociedade, em geral, especialmente, as comunidades periféricas.
As instituições de segurança brasileiras, em particular, as Polícias
Militares, carecem de mecanismos instrumentalizadores que criem metodologias
adequadas que possibilitem o desenvolvimento da atividade policial-militar,
devidamente orientada, dentro dos princípios conceituais 52, procedimentais e
atitudinais que impulsionem o policial para o direcionamento inverso ao do aparelho
repressor de Estado (ALTUSSER, 1974) que, em certa medida, estigmatizou a PM
no Brasil.
Práticas de controle e de repressão social não podem fazer parte das
atividades policiais contemporâneas, seja por meio de ações ilegais, efetivadas
pelos operadores de segurança, quando no exercício regulares de suas missões
constitucionais (CALDEIRA, Op. Cit.), seja por ações equivocadas, omissas ou
negligentes, por parte desse profissional que não detém o conhecimento suficiente e
necessário para o desempenho da atividade policial-militar ou por uma ação,
efetivamente, desviante como defende a autora.
A importância para a formação e capacitação continuada de integrantes
das forças policiais por meio do desenvolvimento de ferramentas cognitivas que
compreendem aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais é a condição sine
qua non de instrumentalização profissional, que na hipótese da Tese defendida,

52
No capítulo 4, no qual será abordado o aspecto teórico da Tomada de Decisão, far-se-á
uma análise mais detalhada desses conteúdos.
103

orienta a instauração de uma habilidade para Tomada de Decisão nesse campo de


trabalho.
Nesse contexto, em que medida esses aspectos conceituais,
procedimentais e atitudinais (BRASIL, 2014) poderiam servir de mecanismos de
instrumentalização profissional capaz de auxiliar/orientar a Tomada de Decisão na
atividade policial-militar dentro padrões e em níveis mais profissionalizados e
democráticos, que possa se contrapor ao panorama apresentado?
Para uma abordagem nessa perspectiva, faz-se necessária uma incursão
acadêmica/investigativa na instituição policial-militar e, sobretudo, nas práticas
policiais, o que requer interesse da comunidade científica nesse campo de estudo.
No entanto, conforme explicita Monjardet (2003) é somente por força do incremento
desenfreado da violência e da criminalidade que os acadêmicos passam a se
interessar pelas problemáticas da instituição policial e suas atividades,
especialmente, na segunda metade do século XX, nos EUA e na Europa.
No Brasil, de forma mais tardia ainda, apenas com a redemocratização do
país, após o regime de exceção (1964/1985), é que os intelectuais incomodados
com esse epidêmico surto de violência passam a olhar de forma mais detalhada
para as forças policiais e, a partir dos anos 2000, os próprios profissionais de
segurança, mesmo que em número muito tímido começam a pesquisar, também,
sua atividade profissional53.
Na primeira década do século XXI, policiais mais jovens, também, dão os
primeiros passos rumo ao mundo acadêmico e, nesse percurso, passam a investigar
sua prática profissional, com o rigor científico que o mister requer. Pinc (2006)
destaca que o ato de tomar uma decisão em uma ocorrência policial é, por
excelência, uma ação de perícia quase que cirúrgica.
Em sua Dissertação, apresentada na Universidade de São Paulo, sobre o
momento de uma abordagem policial, vivenciado, cotidianamente, na maior
instituição policial do país, a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) 54, a

53
Destaca-se Jorge da Silva (Coronel da PMERJ e Secretário de Direitos Humanos
(2003/2006), Carlos Magno Nazareth Cerqueira (Comandante da PMERJ, no final dos
anos 1990), José Vicente da Silva Filho (Coronel da PMESP e Secretário Nacional de
Segurança Pública, no início dos anos 2000), entre outros que, talvez, em virtude de
estarem fora da região Sudeste, não tenham tido a mesma oportunidade de divulgar seus
estudos e pesquisas.
54
O último dado estatístico divulgado no Anuário Brasileiro de Segurança (2012/2013), a
PMESP contava com um pouco mais 85 mil policiais, conforme link já disponibilizado.
104

autora que, à época, era oficial daquela Corporação, esclarece que o momento que
envolve uma abordagem policial é circunscrito em uma série de preconceitos acerca
de um dito cidadão em atitude suspeita. Nesse ínterim, o policial precisa manter a
sua margem de segurança, enquanto agente público a serviço da sociedade, e a
linha que separa uma ação policial legal, de uma ilegal, que se torna cada vez mais
tênue, devido ao complexidade que envolve o uso ou não da força e/ou armas.
Nesse encontro, que a autora intitula de (des)concertante, que ocorre
entre a polícia e o público, o policial deve primar pela segurança do infrator,
diretamente envolvido na prática do ato criminoso e a segurança de terceiros, bem
como, jamais pode negligenciar a atenção que deve dispensar à dignidade humana
de qualquer pessoa, mesmo que seja um infrator (PINC, 2006).
Com o intuito de alargar o grau de complexidade que envolve a formação
de um profissional de segurança pública, sobretudo, na perspectiva dos mais
variados aspectos que envolvem a Tomada de Decisão, levanta-se a
problematização realizada por Pinc (2006, p. 33), na qual a autora faz uma pequena
descrição de algumas das principais ações que um profissional de segurança está
autorizado, legalmente, a desempenhar, quando nas suas atividades de
patrulhamento de rua. O cerne da questão está na linha tênue na qual o policial
militar está circunscrito, por ocasião da averiguação de uma pessoa em uma
suposta atitude suspeita, especialmente, em face da subjetividade que envolve tal
contexto, pois, por não haver uma conceitualização acerca do fato, configura-se tal
postura a partir de condições subjetivas e/ou comportamentais.
Diante desse impasse, a PMESP institucionalizou o manual de
Procedimento Operacional Padrão (POP), que é uma alternativa de orientar o
policial, indicando algumas ações que na visão institucional podem sugerir
anormalidade. Por exemplo, fuga ao ver um policial ou viatura, dispensa de materiais
que porta, desvio do olhar, mudança a direção por onde anda, entre outras atitudes
afins.
Essas posturas elencadas podem caracterizar, em si, a decisão de o
policial realizar uma abordagem? As características das práticas operacionais por
meio das quais a polícia brasileira trabalha (BUENO, 2014), e a partir de dados
estatísticos (muitos já apresentados) comprovam um número bastante elevado de
letalidade nas ações policiais. Nesse sentido, esses itens elencados não
provocariam as ações que o manual aponta como atitudes suspeitas? Essa e outras
105

indagações fomentam as discussões em torno do grau de complexidade que


envolvem a Tomada de Decisão em intervenções policiais. Essa discussão será
retomada no Capítulo 5, por ocasião da conceitualização e desdobramentos da
Tomada de Decisão na atividade policial-miliar.
Não obstante outros exemplos que o referido manual apresenta, bem
como levando em consideração os aspectos emocionais que envolvem uma
abordagem policial, destaca-se que a ATD em uma abordagem, na atividade da
segurança pública (para utilizar um dos procedimentos que mais caracterizam a
função policial), o profissional não pode tomar como referências apenas aspectos
legais e técnicos. Deve atentar, sobretudo, e de forma muito persistente e rigorosa
para os componentes éticos e emocionais (PRETROVSKY, 1978), que contribuíram
para sua formação como profissional de segurança pública, que influenciam de
forma significativa na sua escolha – a Tomada de Decisão. Os aspectos da
subjetividade da atividade policial-militar serão abordadas no Capítulo 5.
Nesse contexto, o que torna mais complexa a ação é que o policial,
legítimo representante do Estado, em sua decisão, reveste-se, inconscientemente
de um misto de aplicador da lei e do estereótipo de defensor da sociedade (o herói),
que em muitas situações tem apenas uma fração de segundos para sistematizar
todo o processo decisório apreendido ou não na sua formação profissional.
Em uma reportagem de abrangência nacional, com o título, A PM
matadora a revista Isto é editou uma matéria que retrata bem essa realidade
brasileira. A assertiva inicial é: “Policiais matam mais em São Paulo. Governo
Federal reconhece que as seguidas alegações de legítima defesa escondem
execuções e propõe alterações na forma de registrar as ocorrências. Será que isso
resolve?”55.
Logo abaixo, segue um pequeno fragmento da reportagem que desvela
um pouco da estatística dessa conjuntura, que se infere ser, apenas, a ponta do
iceberg, pois estudos que possam apontar quais seriam as possíveis causas dessas
ações relevam o oposto do que se espera desses profissionais.
A segurança pública no Brasil nunca foi bem vista pelos teóricos e
pesquisadores. Alguns autores, entre eles Balestreri (2002); Bayley (2002); Lemos-
Nelson (2006); Bayley (2006); Mendes (2007); Silva (2009) apontam um hiato

55
Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/232384_A+PM+MATADORA. Acesso
em: 08 abr 2015.
106

existente entre os órgãos de segurança pública e a Universidade, salientando que


um dos principais fatores é um passado, não tão distante assim, (1964-1985), no
qual, a repressão à produção e pesquisa, nessa e em qualquer outro campo de
estudo, que questionasse o regime vigente afastou os intelectuais interessados,
principalmente, dos quartéis, o que só começar a mudar a partir, sobretudo do final
dos anos 80, do século passado, com produções de alguns pesquisadores das
Ciências Humanas e, também, de alguns profissionais da área de segurança,
conforme o rol de teses e dissertações apresentados no Capítulo 2.
A problemática das causas e fatores que influenciam o processo da
Tomada de Decisão nas atividades profissionais do policial militar, entre os quais os
aspectos acima elencados é, certamente, um componente substantivo. Estudos,
ainda, incipientes lançam mão de alguns relatos de pessoas que sobreviveram e
contaram o horror vivido em contato com policiais em desvio de conduta. Nesse
sentido, transcreve-se um trecho de um desses relatos:

Luís Henrique faz parte de uma estatística preocupante: a de mortos


pela polícia em São Paulo. Só no primeiro semestre, foram 154
pessoas, 16% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Esse número pode esconder outro problema: as verdadeiras causas
dessas mortes. Assim como no caso de Luís Henrique e dos outros
jovens desta reportagem, é comum encontrar nos boletins de
ocorrência o termo “resistência seguida de morte”, sem que haja,
todavia, a comprovação de que houve confronto. “Quando se faz
esse registro, parte-se do princípio de que o policial agiu em legítima
defesa e não se apura o ato”, diz Marivaldo Pereira, secretário de
Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Sem investigação,
torna-se impossível saber se o que houve foi realmente um confronto
ou se o PM realizou uma execução sumária. Com dois casos de
falsos autos de resistência desmascarados nas últimas semanas,
acendeu-se o sinal amarelo para a atuação da polícia paulista nos
casos descritos como resistência seguida de morte. Tanto que o
Ministério da Justiça, a pedido de organizações da sociedade civil,
está elaborando uma proposta a ser enviada para o Congresso
Nacional que extingue a declaração de “auto de resistência” – crime
que, aliás, nem sequer consta do Código Penal (ISTO É, 2012)56.

Em contraponto à publicação nacional, visando, sobretudo melhor


problematizar a questão da Tomada de Decisão e o processo que envolve sua

56
Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/232384_A+PM+MATADORA. Acesso
em: 08 abr 2015.
107

aprendizagem e/ou atualização, em face de diversos contextos de ocorrências


policiais, enfatiza-se matérias jornalísticas locais que buscam publicizar essa outra
face da segurança pública: a violência praticada por policiais que têm o ofício de
preveni-la, em particular, os militares.
Os dados estatísticos são do jornal Tribuna do Norte, que traz como
matéria a reportagem: “Cresce número de expulsões de PMs”, do ano 2011. Assim,
constata-se que é sempre cada vez crescente o número de policiais militares
excluídos por desvio de conduta. Então, questiona-se: qual a causa? O que está por
traz dessas ações equivocadas, e como explicitado, anteriormente, às vezes,
imprudente, omissa, conivente, ou corporativista?
Na citação abaixo um jornal local publiciza as atividades da Corregedoria
de Polícia do RN, para que se possa fazer algumas inferências:

Somente no ano passado, a Corregedoria Geral de Polícia abriu 512


Processos de Averiguação Preliminar e Investigação (PAPI). O órgão
apura também acusações contra bombeiros militares e técnicos do
ITEP (por integrarem um segmento ligado à Polícia Civil). Os dados
deste ano só serão apresentados no início de janeiro de 2012. Do
total de PAPI’s abertos no ano passado, 70 sindicâncias foram
instauradas para apurar infrações leves (que podem ser atrasos no
cumprimento do horário de trabalho) e 82 Processos Administrativos
Disciplinares foram estabelecidos com o objetivo de investigar
denúncias de transgressões mais graves, como embriaguez, tortura
ou transtornos operacionais, por exemplo. O processo investigativo
da Comissão de Investigação da Polícia Civil é similar ao da
Assessoria Administrativa do Quartel da Polícia Militar. As denúncias
contra crimes que podem ter sido cometidos por policiais civis
chegam até a Corregedoria Geral através do Ministério Público,
Poder Judiciário, Secretaria de Segurança Pública ou por
representação popular e são encaminhadas à Comissão para serem
averiguadas (TRIBUNA DO NORTE, 2011)57

A partir dos dados apresentados surgem algumas linhas de raciocínio que


podem subsidiar as investigações preliminares acerca da problemática da ação
policial que reflete, justamente, ao contrário do que se espera em uma ação policial.

57
Disponível em: http://tribunadonorte.com.br/noticia/cresce-numero-de-expulsoes-de-
pms/186712. Acesso em 11 abr 2015.
108

Das denúncias registadas na Corregedoria da Polícia Militar do Rio


Grande do Norte, nos anos de 2009 a 2014, em todas as edições do Relatório
Anual, o abuso de autoridade, a agressão física e a ameaça são os maiores
indicadores de desvio de conduta na atuação policial-militar.
Nos últimos dois anos do referido relatório (2013-2014), mais de 50% das
denúncias foram desse tipo de comportamento desviante. Em 2013, de 228
denúncias, 23 foram por abuso de autoridade, 56 por agressão física e 20 por
ameaça ou por agressão física praticadas por PMs. No ano seguinte, as denúncias
pelo mesmos crimes foram, respectivamente, 18, 35 e 2558, de um total de 181
oficializadas.

Conforme Gráfico 3 - Denúncias registradas na Corregedoria da PMRN,


ocorridas no período de 2009 a 2014, demonstra-se a incidência de denúncia de
crimes praticados por policiais militares quando estão no exercício de suas
atividades, o que será analisado, juntamente, aos dados empíricos da pesquisa
constantes no Capítulo 7 correlacionado, também, a necessidades da formação e
outros fatores do processo de profissionalização.

Gráfico 3 - Denúncias registradas na Corregedoria da PMRN

Fonte: Corregedoria da PMRN

58
Fonte: Corregedoria da PMRN (Relatórios anuais 2009-2014), obtido no próprio órgão, por
meio de ofício remetido à Polícia Militar solicitando oficialização da pesquisa, conforme
Anexo “A”.
109

Outros fatores podem alterar/influenciar os índices desses dados.


Primeiro, por que esses são apenas os casos registrados e, como defendem os
autores aqui analisados, se o nível de responsabilização para os policiais
(accountability system)59 não for satisfatório para as pessoas vitimizadas, o
identificador de denúncias será baixo. Esse fator, portanto, pode gerar o fenômeno
da subnotificação por parte das vítimas que, por não acreditarem na
responsabilização dos acusados, por parte do Estado, consequentemente, culmina
em medo e possibilidades de represálias60.
Outro dado, também, relevante é a própria tipificação realizada pelos
órgãos de fiscalização que não são precisos em suas nomenclaturas, pois há casos
em que os crimes são contabilizados, conjuntamente, como, agressão e ameaça ou
ameaça e abuso de autoridade.
Anteriormente à criação da Corregedoria, já existia a Assessoria
Administrativa da PMRN que foi criada em 1999, para apurar denúncias contra os
integrantes da Corporação, conforme estabelecido no seu artigo 3º: “A AAD/PMRN,
diretamente subordinada ao Comandante Geral, tem por finalidade assegurar a
correta aplicação da lei, normatizar e padronizar os procedimentos inquisitoriais de
Polícia Judiciária Militar e de Processos Administrativos no âmbito da Corporação
[...]” (PMRN, 1999)61.
A Assessoria Administrativa, em atuação concomitante com a
Corregedoria, entre outros objetivos, tem o de: “Propor a quem de direito, a
instauração de processo ou procedimento com vistas a averiguar infrações
administrativa ou crimes de natureza militar, que envolvam integrantes da Polícia
Militar” (Idem).
Como na Corregedoria, na Assessoria Administrativa, também, são
expedidos, internamente, relatórios anuais ao Comando da PMRN, para que a partir

59
Em uma tradução livre do Inglês para o Português, seria o sistema de fiscalização e
responsabilização a que esses profissionais estão submetidos. CARUSO, MUNIZ e
CARBALLO BLANCO (orgs.). Polícia, Estado e Sociedade: Práticas e Saberes Latino-
americanos. Rio de Janeiro, Ed. PUBL!T, 2007, PP: 21-73. Disponível em:
<https://sites.google.com/site/estantedejacquelinemuniz/>. Acesso em 01 nov 2015.
60
Acerca, veja-se Quem vigia os vigias (LEMGRUBER; MUSUMECI; CANO, 2003).
61
Disponível em:
http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/1999/049/0_Bol_049_Top_V.html. Acesso
em: 25 jun 2014.
110

desses dados a Corporação possa adotar e criar62 suas políticas e planejamentos


voltados a prevenir e reprimir os comportamentos desviantes de seus integrantes.
A partir de dados primários da Assessoria Administrativa da PMRN, foi
sintetizado um esboço da apuração acerca de denúncias, que geraram Processos
Administrativos Disciplinares e Conselhos de Disciplina, conforme a Figura 2:

Figura 2 – Processos Administrativos Disciplinares e Conselhos de Disciplina


instaurados na PMRN (2010-2016)
Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total

Processo Administrativo Disciplinar* 08 06 01 10 03 06 05 39

Conselho de Disciplina** 35 23 10 15 14 20 17 133


Tipo de processo

Total 43 29 11 25 17 26 23 174

Solucionados 37 25 09 20 09 16 07 123

Pendentes 06 04 02 05 08 10 16 51

Total geral 520

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de dados primários da Assessoria Administrativa da


PMRN (2017)
Legendas:
* Processo instaurado, de acordo com a legislação policial-militar, para apurar crimes
praticados por PMs com menos de 10 anos de serviço (sem estabilidade assegurada).
** Processo instaurado, de acordo com a legislação policial-militar, para apurar crimes
praticados por PMs com mais de 10 anos de serviço (com estabilidade assegurada).

A partir dos dados apresentados, indaga-se se as decisões policiais têm


um parâmetro a ser seguido. Se os órgãos de fiscalização e de controle que estão
cada vez mais atuantes, inclusive, com uma participação mais efetiva tanto da
população, como também, da imprensa (fato constatado por meio dos registros aqui
feitos), então, por que esses profissionais, ainda, tomam decisões equivocadas ou
fora da lei? O que os impulsiona?

62
Na prática, efetivamente, a criação e adoção de políticas e ações organizacionais são
restritas a poucas inciativas, de cunho, particular por parte de alguns integrantes, tendo
em vista que, institucionalmente, o setor responsável por essa e outras normalizações (a
3ª Seção do Estado Maior, uma das cinco do staff do Comando Geral) pouco
desempenha esta função.
111

De acordo com Lemgruber (2003, p.35), que pesquisou a maioria das


corregedorias e ouvidorias dos órgãos policiais no país, são três os principais tipos
de ocorrências resultantes desses desvios de conduta: violência policial, abuso de
poder e corrupção. O primeiro tipo, de acordo com a autora, efetiva-se de várias
formas, principalmente, por meio da tortura, que é uma mazela, historicamente,
construída nas polícias brasileiras, sendo, inclusive, uma das causas do Brasil ser,
recorrentemente, denunciado por organismos internacionais.
Alargando um pouco mais essa problematização, indaga-se se as ações
equivocadas, decorrentes da Tomada de Decisão dos profissionais de segurança
pública, em particular os policiais militares, estariam no campo da Tomada de
Decisão imprudente, negligente, por ausência/deficiência de conhecimentos técnicos
ou estaria na seara do desvio de conduta.
Nelson-Lemos (2006) explica que nas decisões dos profissionais de
segurança pública, além dos fatores institucionais já mencionados, estas
apresentam outras características, sobretudo de cunho da conivência de práticas
extralegais levadas a efeito por agentes públicos. Assim destaca a autora:

Observa-se, nos demais estados de fronteira e nos estados do Norte-


Nordeste, o mesmo tipo de lógica. Em Alagoas, da triste saga do ex-
presidente Collor, verificou-se a pistolagem muito ativa na eliminação
de políticos e desafetos, sendo a Polícia Militar responsável pela
maioria das mortes de interesse particular dos criminosos,
exterminadores de origem na Polícia Militar e na Polícia Civil,
requisitados diretamente para atuar nos gabinetes de deputados e
outros políticos (LEMOS-NELSON, 2006, p.238).

Depreende-se da análise da autora que tais ações (ou Tomada de


Decisão) estariam muito mais no campo do desvio de conduta do que, propriamente,
de decisões precipitadas e/ou equivocadas, por consequência de imperícia,
negligência ou imprudência profissional. Essas assertivas apresentadas Por Lemos-
Nelson (Op. Cit.) serão retomadas por ocasião da análise dos dados empíricos que
estão presentes no Capítulo 7.
De acordo com Durkheim (2001), em circunstâncias análogas, nas quais
arquétipos sociais passam a agir, paradoxalmente, a que deveriam, é considerado
um estado de anomia social.
112

No subcapítulo a seguir arguir-se-á acerca da problemática do processo


de formação da habilidade de Tomada de Decisão na Polícia Miliar, sob a
perspectiva da formação de competências policiais e seus aspectos normalizadores
e quais são os referentes teóricos que fundamentam ou contestam a atual formação.

3.3 Processo de formação das competências para o policial do século XXI

A normativa nacional que orientou a construção do perfil e,


posteriormente, do currículo do profissional de segurança nos parâmetros atuais,
para além da perspectiva militarista construída ao longo da história do pais, foi um
documento intitulado Bases Curriculares para a Formação dos Profissionais da Área
de Segurança do Cidadão, institucionalizada, no ano 2000, ainda no governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC), pelo Ministério da Justiça, por meio da
SENASP.
Por mais que isso possa parecer paradoxal, conforme Zaverucha (2005,
p.129-155), foi no governo de FHC que mais a doutrina militarista se difundiu na
esfera governamental da segurança pública (pois é, justamente, nesse período, que
a doutrina militar é difundida), por meio de seus gestores, em sua maioria Oficiais-
Generais do Exército, que atuaram nas pastas da Secretaria Nacional de Segurança
Pública.
É a partir, portanto, dos anos 2000 que a base conceitual atual foi
gestada, sendo formulada e estabelecida a MCN, após a institucionalização das
Bases Curriculares normalizando e referenciando os aportes teóricos e contextos
formativos para as Polícias Militares e Civis do país (BRASIL, 2003), em tese.
É imperativo enfatizar que houve um lapso temporal que durou, mais ou
menos, até a segunda edição da referida Matriz, em 2009, para que as polícias
pudessem começar a se adequar aos novos parâmetros curriculares nacionais.
Em outros termos, a formação policial, militar ou civil, ainda estava aquém
da perspectiva das forças de segurança pública que estabeleciam as Bases
Curriculares e a MCN, visto que após sua primeira edição em 2003, nem todas as
Unidades Federativas aderiram à nova normativa, que estava sendo implementada
pelo Ministério da Justiça (SILVA, 2009).
113

Nesse aspecto, as PMs brasileiras, utilizaram e, ainda, utilizam, em


alguns casos, quando não há legislação própria, as normativas das Forças Armadas,
em especial, do Exército Brasileiro (MATTA; SILVA, 2011).
Assim sendo, a MCN, que vem suprir esse vácuo normativo, adota muitos
autores em uma perspectiva formativa de reformulação dos currículos de outrora,
que eram seguidos pelas polícias, visto que essa matriz foi idealizada não apenas
para as PMs, mas também para as demais forças de segurança do país (BRASIL,
2009).
Um dos autores contemplados, na construção da MCN, é Perrenoud
(2001), que na sua abordagem acerca do currículo destaca que esse instrumento é
muito mais que um conjunto de disciplinas de um determinado curso ou, em outra
perspectiva, junção de conteúdos programáticos, na maioria das vezes, dispersos e
estanques, que não mantêm qualquer correlação interdisciplinar. Explica o autor que
sua abordagem deve ser mais abrangente, que além de conter conteúdos
conceituais, possa, também, a partir do conjunto de saberes procedimentais,
contribuir com reflexões, por meio dos seus princípios e metas estabelecidas de
projeto educativo, que deve ser flexível, possibilitando a promoção de debates e sua
reelaboração em sala de aula, por meio da interação entre os sujeitos que compõem
e o referido processo (PERRENOUD; ET AL, 2001).
Nas Bases Curriculares está institucionalizado que o profissional de
segurança pública deve ter o perfil adequado às demandas da atual sociedade e,
para tanto, suas competências precisam estar contempladas em três dimensões,
quais sejam profissional, institucional e pessoal.
A primeira é concebida como “capacidades e habilidades para lidar com
os desafios profissionais fazendo e dizendo o que se tem como certo”. A dimensão
institucional deve ser entendida como a “capacidade de trabalhar em grupo, atuando
positiva e assertivamente voltado para a missão institucional”. E a terceira, a
pessoal, são as “habilidades, valores e atitudes pessoais; bem-estar físico e
emocional; disposição para o aprendizado contínuo (BRASIL; 2000, p. 12).
A partir desses pressupostos, com a atualização da MCN, foi estabelecido
que “[...] competência é entendida como a capacidade de mobilizar saberes para
agir em diferentes situações da prática profissional, em que as reflexões antes,
durante e após a ação estimulem a autonomia intelectual (BRASIL, 2009, p.6).
114

É, portanto, a partir desse referencial curricular que se aborda o processo


formativo da atividade da Tomada de Decisão na esfera da atividade policial-militar.
De acordo com a referida Matriz, há uma proposta de três conjuntos de
competências e são essas categorias de análise que possibilitarão construir o
conjunto de procedimentos teóricos e práticos, constituintes do processo decisório,
que pode tornar exequível a apropriação/desenvolvimento da habilidade da Tomada
de Decisão na atividade profissional.
Enfatiza-se, entretanto, que não há correlação de hierarquia ou
subordinação entre as competências para um profissional de segurança pública,
visto que, como demonstra a Figura 3, sua relação é interdisciplinar e constante, ou
seja, sua separação é um recurso meramente pedagógico de explicação.

Figura 3 – Mobilização das competências policiais

Fonte: Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2009, p.11)

Em uma Tomada de Decisão de ocorrências, tipicamente, policiais, seus


integrantes devem dominar, integralmente, as três esferas de competência definida
por Perrenoud (2001) e adotada pelas Bases Curriculares e pela MCN para os
saberes dos profissionais de segurança pública e, em especial, os policiais militares,
conforme, a Figura 3.
115

O desenvolvimento de uma habilidade, como é o caso da de tomar


decisão na atividade policial, implica em sistematização de um processo de
aquisição de conhecimento e, ao mesmo tempo de competências. Segundo Nuñez
(2009, p. 67) “esse processo é, por natureza, educativo”, que por seu turno,
obrigatoriamente, ocorre por meio da aprendizagem. Portanto, é, também,

[...]individual, social e cultural. É individual na medida em que o aluno


deve desenvolver a atividade para se apropriar dela. É social e
cultural em dois sentidos: na medida em que aprende e se
desenvolve nas interações sociais com os outros” (NUÑEZ, 2009,
p.68).

Diante desses pressupostos educacionais, questiona-se se é possível que


a eficácia das teorias educacionais seja exequível na tão específica função policial-
militar. Por outro lado, nas academias ou centros de formação policiais tais
pressupostos são empregados? Há capacitação desses professores, buscando
instrumentalizá-los nessa perspectiva?

Apesar de não ser o centro da problemática da Tomada de Decisão, a


capacitação dos docentes (militares e civis) das academias e dos centros de
formação, também, perpassam e são aspectos constituintes que
permeiam/influenciam a formação do policial militar (SILVA, 2017).

Na literatura policial, Monet (2001) discorre acerca da generalidade da


instituição policial, que em essência, existe em toda e qualquer sociedade, portanto,
elas se diferenciam pelas especificidades culturais, mas guardam o fundamental de
sua atividade profissional. Isto é,

A função policial [...] é hoje garantida, na maioria dos países do


mundo, por agentes, subordinados a autoridades públicas que os
recrutam, remuneram e controlam [...] Esse policiais podem ter
situações diferentes conforme pertençam a uma polícia militar (grifo
nosso) ou a uma polícia civil, a uma polícia municipal ou a uma
polícia de Estado. Mas todos são, atualmente, recrutados,
116

equipados, remunerados por fundos públicos. Recebem suas


instruções via linhas hierárquicas de extensão variável, mas cujo
cimo se encontra sempre num centro de poder político [...]. MONET,
2001, p. 26-27)

Essa condição peculiar de militar que o diferencia na constituição de sua


identidade enquanto profissional, pois com processos de seleção, formação e
treinamentos diferenciados, têm seus mecanismos de formação e desenvolvimento
da personalidade e consciência influenciadas pela cultura institucional, legal e
institucionalizada ou, até mesmo, a oculta, que opera no campo das informalidades,
com ou sem a legitimação social.

Monet (2001) defende que todo profissional deve mobilizar determinados


conhecimentos, quais sejam na seara teórica e prática para estar satisfatoriamente
habilitado a desempenhar uma atividade. Assim sendo, o que estabelecem os
autores sobre competência? Que arcabouço teórico constitui as competências? E
em especial, que competências deveriam ter um profissional de segurança pública –
um policial militar?
De acordo com Sacristán (2011), um dos educadores contemplados na
Matriz Curricular Nacional, existem outros tipos de competências, no entanto,

[...] as denominadas básicas são de natureza complexa. São


constituídas de conglomerados de aspectos não apenas cognitivos,
mas também atitudinais, de motivação e de valores. São conjunções
de condições integradas dos sujeitos que permanecem como
qualidades ou características latentes das pessoas (p. 46).

A nova versão da MCN para os profissionais de segurança pública do


país enfatiza algumas especificidades que esse profissional deve desenvolver para
exercício das suas atividades:

No âmbito desse documento, trabalharemos com três conjuntos de


competências: • Competências cognitivas: são competências que
requerem o desenvolvimento do pensamento por meio da
investigação e da organização do conhecimento. Elas habilitam o
117

indivíduo a pensar de forma crítica e criativa, posicionar-se,


comunicar-se e estar consciente de suas ações. • Competências
operativas: são as competências que preveem a aplicação do
conhecimento teórico em prática responsável, refletida e consciente.
• Competências atitudinais: são competências que visam estimular a
percepção da realidade, por meio do conhecimento e do
desenvolvimento das potencialidades individuais; a conscientização
de sua pessoa e da interação com o grupo; a capacidade de conviver
em diferentes ambientes: familiar, profissional e social (BRASIL,
2014, p. 18).

A conceitualização de competência está teoricamente alinhada com a


perspectiva de Perrenoud, outro teórico adotado pela MCN, quando ele explicita que

[...]competência situa-se além dos conhecimentos. Não se forma com


a assimilação de conhecimentos suplementares, gerais ou locais,
mas sim com construção de um conjunto de disposições e esquemas
que permitem mobilizar os conhecimentos na situação, no momento
certo e com discernimento (PERRENOUD, 1999, p. 34-5)

Essa mesma perspectiva é defendida pela corrente de pesquisadores da


Teoria Histórico-Cultural no Brasil, em particular, os pesquisadores da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, quando enfatizam que “a noção de competência”
constitui um eixo articulador que perpassa todo o processo de formação profissional.
Mais que isso, é o fio condutor desse processo, em que o profissional ora formado
não se detêm, apenas, nos conhecimentos sistematizados, mas os articula com os
saberes profissionais (NÚÑEZ; RAMALHO, 2002, p. 12-4).
Nesse sentido, tal capacidade (competência) torna possível que esse
profissional desenvolva determinadas atividades socialmente úteis, pois os
conhecimentos adquiridos não são estanques, mas funcionam como ferramentas
cognitivas capazes de articular conhecimentos, saberes e emoções em contextos,
outrora nunca vistos. Estes são os principais aspectos que distinguiria a
competência, das habilidades e dos hábitos, por exemplo.
Na versão atualizada da MCN dos profissionais da segurança pública
(BRASIL, 2014) existem além, das dimensões que compõem as competências, os
princípios norteadores, que são classificados em: ético, educacional e didático-
pedagógico.
118

O primeiro tem como pressuposto basilar a relação que o profissional de


segurança pública deve ter consigo mesmo, com sua profissão e com a sociedade,
em um Estado democrático. Nesse sentido, retomam-se os questionamentos postos
por Pinc (2007), nos quais a autora discorre acerca da situação deveras
desconfortável em que o policial militar se encontra para desempenhar sua função.
Na maioria das vezes que se estabelece uma averiguação policial, essa se dá com o
pressuposto de que a pessoa a ser averiguada é, potencialmente, alguém que pode
praticar, ou praticou um ato delituoso. Portanto (exatamente, por esse motivo),
despertou a suspeita do policial. É, sem dúvidas, um trabalho que requer um senso
profissional e ético, altamente crítico, pois em uma simples atitude mais ríspida,
quando tomou a decisão de abordar uma pessoa, pode incidir em algum desvio de
conduta.
Para entender um pouco mais essa atividade profissional, em um país
com uma cultura bem peculiar como o Brasil, lança-se mão da teoria desenvolvida
por Damatta (1997) do “sabe com quem estar falando?”. Ora, em uma posição
sempre-já de estresse, na qual o profissional de segurança que decidiu realizar uma
abordagem policial está alerta com todos os seus mecanismos de defesa, para que,
ocorrendo qualquer ato fora da normalidade, em uma fração de segundos possa
tomar uma nova decisão63, então o cidadão a ser abordado diz: “sabe com quem
está falando?” Nesse ínterim, geralmente, ocorre o conflito. Segundo Damatta,
nossa sociedade insiste em não aceitar tal conflito e, portanto, ainda não
estabeleceu, explicitamente, nas relações sociais como resolvê-lo (DAMATTA, 1997,
p. 189).
Nesse encontro (des)concertante e, por excelência, tenso, os papéis em
um número significativo de vezes se invertem, passando de fato a ocorrer o conflito,
que pode ter um desfecho satisfatório, ou qualquer uma das alternativas citadas.
Voltar-se-á a essa abordagem no Capítulo 5, no qual trata da influência que a
questão cultural traz para Tomada de Decisão, sob o enforque emotivo e valorativo).
O Atlas da violência (IPEA; FBSP, 2017) demonstra que a média de
ações violentas praticadas com armas de fogo no país é bastante alta em todas as
Unidades Federativas, da qual se infere um elevado índice de mortes por

63
Enfatiza-se que pode ser fatal para vida dele, para pessoa envolvida na ocorrência e,
também, para transeuntes, alheios ao contexto.
119

homicídios, na proporção de quase 20 para cada 100 mil habitantes, isso para citar
apenas a média nacional.
Em números absolutos, isso significou mais de 41 mil homicídios, por
arma de fogo, em 2015, no Brasil. Isto perfaz, portanto, mais de 70% dos
homicídios, fazendo uma comparação, com a Europa, onde as armas de fogo são
responsáveis por, apenas, por 20% dos CVLI.
Paralelamente, pode-se inferir que a média regional, onde o índice de
homicídios praticados com armas de fogo atinge o nível mais baixo, é no Piauí, com
quase nove homicídios, para cada 100 mil habitantes. Contrapondo-se a isso, o
Estado de Alagoas apresentou o mais alto índice na região, contabilizando quase 62
homicídios.
O Rio Grande do Norte, portanto, a partir desse levantamento estatístico,
é o Estado que tem a maior taxa de mortes ocasionadas por armas de fogo,
proporcionalmente, no país, a cada 100 mil habitantes. O estado potiguar sai de 268
homicídios, por essa causa, em 2005, e quase triplica esse número em 2010,
chegando a 611 óbitos. Em 2015, alcança 1.238 mortes, em decorrência da
utilização desse tipo de armamento, tendo um aumento de 361,9%, no período de
2005 a 2015.
Em números absolutos, o Nordeste é a região mais violenta do país. O
Estado da Bahia é o que tem o maior número de assassinatos provocados por
armas de fogo, contabilizando 4.555 óbitos, no ano de 2015, seguidos pelo Ceará,
Pernambuco e Maranhão com, respectivamente, 3. 393; 3.065 e 1.718. Apesar de
bastante banalizado na mídia, o Estado do Rio de Janeiro saiu de 5.978 homicídios
praticados por arma de fogo, em 2005, reduzindo para 3.182, em 2015, o que
representou o decréscimo de 46,8%.
De acordo com a Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises
Criminais (COINE), da SESED/RN, em 2017, cerca de 88,6% dos mais de 1.400
homicídios ocorridos no Rio Grande do Norte foram ocasionadas por armas de fogo,
conforme demonstrado no Gráfico 4, a seguir:
120

Gráfico 4 - Percentual de CVLI no RN, por meio empregado - jan/jul de 2017

Fonte: Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais – SESED/RN

O contraponto com a competência profissional aqui em discussão é que,


ao realizar uma abordagem, o policial sempre contará com a probabilidade de haver
um revide e, dependendo do contexto em que a ocorrência se desenvolve, esse
percentual de mortes por armas de fogo aumenta, significativamente.

Esse encontro (des)concertante, como afirmara Pinc (2007), dificulta e


complexifica a Tomada de Decisão e, consequentemente, a ação policial e seus
desdobramentos. Dito de outra maneira, parece redundante, mas conforme
explicitado, anteriormente, por meio de pesquisas, a profissão policial traz consigo
uma carga de estresse real ou potencial, visto que não se pode auferir quando e de
que forma o policial tomará a decisão de usar, por exemplo, a força, legalmente,
estabelecida ou a arma de fogo.
Como exemplificou Pinc (Op.cit.), a atuação policial se assemelha a uma
intervenção cirúrgica, pois qualquer Tomada de Decisão equivocada, imprudente ou
com imperícia, por parte do policial, pode ocasionar danos irreparáveis aos
envolvidos na ocorrência, inclusive, a pessoas alheias ao contexto e a ele próprio.
121

Nesse aspecto, questiona-se o que é tomar uma decisão adequada para


um policial no contexto do século XXI. Que formação e/ou processos formativos são
necessários para instrumentalizar tais profissionais? Será que as decisões acima
elencadas podem potencializar os índices consignados abaixo, conforme os Gráficos
5 e 6, que trata do incremento dos índices de violência no RN, de 2012 a 2015?
Gráfico 5 - CVLI no Rio Grande do Norte nos anos de 2012-2015

Fonte: HERMES; BRANDÃO, 2016, p.34


Gráfico 6 - Número de CVLI no RN de Janeiro a Dezembro 2015, 2016 e 2017

Fonte: Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais – SESED/RN


122

A partir do Gráfico 5 é possível ver em detalhes o aumento sistemático


dos crimes violentos no Rio Grande do Norte, com destaque para utilização de arma
de fogo, nos quais se encaixam os Crimes Violentos Letais e Intencionais e, que
nessa perspectiva de problemática, tem relação direta com a Tomada de Decisão do
policial, que ao ser acionado para intervir em ocorrências policiais, potencialmente,
fará uso da arma de fogo, circunstância que exigirá desse profissional, portanto, uma
decisão rápida de como proceder na situação.

Decerto é que não se pode inferir que tais incrementos tenham suas causas,
diretamente, relacionadas em virtude, somente, da intervenção policial. Mas, por outra
perspectiva, a premissa de que mais armas de fogo estando nas mãos de potenciais
infratores esse aspecto condicionante pode tornar mais difícil uma abordagem policial e,
consequentemente, a sua Tomada de Decisão em casos críticos, podendo, potencializar
os índices criminais, especialmente, os homicídios, de uma forma geral.
É possível, e razoável, também, conceber que a partir dos dados e relatos aqui
mostrados, em uma intervenção policial, o ato da Tomada de Decisão, propriamente dita,
momento em que o policial decide fazer uma abordagem, usar ou não meios de força
físicas legais, ou até mesmo fazer uso da arma de fogo, é um momento, especialmente,
crítico que exige um nível de capacitação bastante elevado, quais sejam, os aspectos
legal, técnico, ético e, sobretudo, emocional para que a Tomada de Decisão, senão for a
correta, trará consequências indesejáveis.
Conforme enunciado no título desta seção, a problemática da Tomada de
Decisão perpassa os preceitos instituídos nos processos formativos. Nessa medida,
discute-se, a partir de agora, sua inserção na Matriz Curricular dos Cursos de Nivelamento
de Praças (CNP) e de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), buscando verificar se estão
consignadas as competências e habilidades da Tomada de Decisão da atividade policial.
Nesse sentido, em face aos conflitos que se apresentam aos profissionais de
segurança, principalmente, na esfera operativa (trabalho realizado no patrulhamento nas
ruas), apresentado por meio dos dados de diversos documentos estatísticos, estabelece-
se uma correlação com essas categorias centrais das disciplinas dos referidos cursos.
123

Na pesquisa documental, nos planos de cursos da PMRN, não foi


possível constatar se na formação inicial os Cabos64 e Sargentos65, participantes da
pesquisa, tiveram a Tomada de Decisão ou Gerenciamento de Crises como parte do
currículo quando ingressaram na Corporação ou se realizaram formação continuada
com a temática em questão, seja de forma presencial ou por maio da modalidade
EaD. Contudo, nos atuais Cursos de Nivelamento de Praças e de Aperfeiçoamento
de Sargentos, nas, respectivas, matrizes curriculares, a disciplina foi abordada
direta e/ou indiretamente, conforme está estabelecido no currículo oficial66 do CNP e
CAS mostrados a seguir nos Quadros 9 e 10, respectivamente.

Quadro 9 – Matriz Curricular do Curso de Nivelamento de Praças da PMRN -


2015(7ª turma - CNP/2016.1)67

Áreas Temáticas da Matriz Disciplinas/UC (Unidade curricular) C/H

Módulo I – Curso de Condutor de Veículo de Emergência – CCVE

Legislação de Trânsito 10

Direção Defensiva 15
Multidisciplinar
Noções de primeiros Socorros, Respeito ao 10
Meio Ambiente e Convívio Social

Relacionamento Interpessoal 15

Total 50
Áreas Temáticas da Matriz Disciplinas/UC (Unidade curricular) C/H
Curricular/2009 (SENASP) – FORMAÇÃO
BÁSICA

64
Essa turma do CNP é formada por policiais que ingressaram na PMRN no período de
1999-2000, tendo sido constado a partir de pesquisa documental que não há no rol de
disciplinas no curso de formação inicial que contemplassem as temáticas em questão.
Disponível em:
http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/1999/117/0_Bol_117_Top_III.html. Acesso.
10 jun 2014.
65
Essa turma de sargentos é composta de policiais que entraram na PMRN no período de
1984-1996. Em sua maioria formados antes da CF/1988. Não foi possível encontrar
registro da matriz curricular dos seus respectivos cursos de formação.
66
Silva (2017) faz uma discussão bastante abrangente cerca dessa temática.
67
O CNP, que tinha 360 horas-aula, conforme esta matriz, foi reduzido, em virtude de uma
política administrativa da PMRN, do Comando, à época, passando a ter, apenas, 160
horas-aulas, a partir do novo Plano de CNP, publicado no Boletim Geral Nº 205, de 07 de
novembro de 2016. Contudo, para a Turma de Cabos que participou da pesquisa, fora
utilizada a matriz integral com 360 horas-aula.
124

Módulo II – Formação Básica

I Sistemas, Instituições e Gestão 1. Legislação Organizacional


Integrada de Segurança Pública 14
II Violência, Crime e Controle Social 2. Policiamento Comunitário 14

3. Direitos Humanos e Uso Diferenciado da 14


Força
4. Direito Penal Aplicado 14

III Cultura e Conhecimento Jurídico 5. Noções de Direito Constitucional 14

6. Noções de Direito Administrativo 14

IV Modalidades de Gestão de Conflitos 7. Noções de Gerenciamento de crises 14


e Eventos Críticos
V Valorização Profissional e Saúde do 8. Treinamento Físico Militar (TFM) 21
Trabalhador
9. Defesa Pessoal e Imobilizações Táticas 14

10. Redação Oficial 14


VI Comunicação, Informação e
Tecnologias em Segurança Pública
11. Mídia e Segurança Pública 04

12. Ética 04
VII
Cotidiano e Prática Reflexiva 13. Comportamento Social e Relações 10
Interpessoais

14. Armamento e Tiro Defensivo na Preservação 28


da Vida (Método Giraldi)

15. Teoria Geral do Policiamento Ostensivo 14

16. Atendimento pré-hospitalar 14

17. Instruções Táticas, Individual e Abordagem 19


Policial (14 teóricas / 05 práticas)
VIII Funções Técnicas e Procedimentos
em Segurança Pública
18. Patrulhamento Tático e Técnicas Policiais 23
(18 teóricas / 05 práticas)

19. Técnicas de Patrulha Urbana e Rural (14 19


teóricas/05 práticas)

20. Honras Militares e Sinais de Respeito 14

21. Ordem Unida 14


CARGA HORÁRIA TOTAL 360

Fonte: Aditamento ao Boletim Geral da PMRN Nº 095, de 26 de Maio de 2015. Disponível em:
http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/2015/095ADT/0_Bol_095ADT_Top_II.html. Acesso
em: 01 jun 2016.
125

Quadro 10 – Matriz Curricular do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos da PMRN


– CAS/2015.268
ORD DISCIPLINA CARGA HORÁRIA
01 Uso Diferenciado da Força 15
02 Instrução Tática 15
03 Patrulha Policial Urbana 15
04 Abordagem Policial 15
05 Gerenciamento de Crises 15
06 Tecnologias de Informação aplicada à Segurança Pública 30
07 Tecnologias de Menor Potencial Ofensivo 15
08 Isolamento e preservação de Local de Crime 15
09 Polícia Comunitária 15
10 Policiamento Orientado na Resolução de Problemas 15
11 Redação Oficial 15
12 Gestão de Pessoas 30
13 Administração Financeira 30
14 Administração de Materiais 15
15 Procedimentos de Apuração Disciplinar 15
16 Tiro Policial Método Giraldi 15
17 Direção Defensiva 15
Noções de Primeiros Socorros, Respeito ao Meio Ambiente e Convívio
18
Social 15
19 Legislação de Trânsito 15
20 Relacionamento Interpessoal 30
21 Defesa Pessoal 30
22 Treinamento Físico Militar 15
TOTAL 405

Fonte: http://www2.pm.rn.gov.br/bg_pratico/Topicos/2016/002/0_Bol_002_Top_II.html. Acesso em: 01


jun 2016.

Na matriz curricular do CNP, conforme o Quadro 9 são várias as


disciplinas que, inter e transdisciplinarmente, podem abordar o objeto de estudo
desta Tese. No caso do currículo do CAS (Quadro 10), destaca-se, também, as
disciplinas que abordam direta ou indiretamente a Tomada de Decisão na atividade
policial. Para um melhor compreensão nas matrizes curriculares de Cabos e
Sargentos, as disciplinas que direta ou indiretamente abordam a Tomada de
Decisão foram grifadas em amarelo.

68
Atualmente houve uma reformulação na matriz curricular do CAS, reduzindo a carga-
horária de 405 para 360 horas-aulas, das quais 160 são operacionalizadas pela Rede
EaD/SENASP.
126

Chama-se a atenção para esse contexto, tendo em vista a pesquisa deste


autor em (SILVA, 2017) constata que, em que pese o currículo oficial da PMRN estar
em consonância com os parâmetros nacionais (BRASIL, 2009; 2014), efetivamente,
por não haver mecanismos de controle sistemáticos, a simples condição de estar no
currículo, não significa sua operacionalização em sala de aula. Ou seja, o currículo
oculto ainda é muito presente na formação da PMRN e, quiçá, em outras coirmãs.

Por outro lado, na rede EAD/SENASP/MJ a temática de Gerenciamento


de Crises já figura como curso de requalificação profissional e está disponível para
todos os profissionais de segurança do país desde 2008 69, contudo não é
obrigatório.

Atualmente, a partir da vigência da Lei Complementar Estadual Nº


515/2014 (já discutida), há uma bonificação para ascensão profissional para os
policiais militares (Soldados, Cabos e Sargentos) que realizam cursos, na
modalidade presencial ou EaD, que tenham aplicabilidade na PMRN.

Nos capítulos 5 e 6 a doutrina do Gerenciamento de Crises e seus


desdobramentos na Tomada de Decisão da Atividade policial-militar serão tratados
detalhadamente.

69
Os cursos são disponibilizados apenas para policiais militares, civis, bombeiros, guardas
municipais, agentes penitenciários e peritos dos institutos de perícia desde 2008. No
entanto, em pesquisa realizada na Internet foi possível localizar o referido curso, com
acesso livre, no endereço:
https://cidadaossp.files.wordpress.com/2009/06/gerenciamentocrises_completo.pdf.
Acesso em 02 abr 2017.
127

4 ATIVIDADE POLICIAL-MILITAR: identidade, conhecimentos e saberes


profissionais

Este capítulo tem como objetivo analisar se as atividades da Polícia


Militar, em especial, da PMRN, desenvolvidas por meio de seus integrantes, são,
efetivamente, de caráter profissional ou devem ser compreendidas como uma
atividade ocupacional. Esta análise terá como subsídio a interpretação da Sociologia
das profissões, bem como as regulamentações e legislações profissionais atuais.
A partir desses dois pressupostos, o da Sociologia das profissões e o da
legislação do trabalho, busca-se analisar se a atividade policial-militar deve ser
compreendida como uma profissão, legitimamente, reconhecida por instituições
acadêmicas e/ou por instrumentos legais, ou devem ser niveladas àquelas
atividades que são, por sua natureza, não especializada, essencialmente,
concebidas como uma ocupação remunerada ou uma semiprofissão (FREIDSON,
1998; 2016).
Paralelamente, neste capítulo, busca-se ponderar, também, a identidade,
os aspectos culturais da atividade, bem como o estabelecimento de conhecimentos
e saberes dessa atividade laboral, especialmente, procurando investigar
analogamente, a partir da Sociologia das profissões, como esse percurso ocorre em
outras atividades do mundo do trabalho, por exemplo, na atividade professoral
TARDIF(2014); NUÑEZ e RAMALHO (2014).
Contemporaneamente, há uma série de normalizações que estabelecem
e orientam a regulamentação e legalização das mais variadas atividades do mundo
do trabalho como profissionais ou ocupacionais. Nessa perspectiva, a partir de que
parâmetros ou requisitos é possível identificar que uma atividade pode ser
considerada uma profissão ou uma ocupação remunerada?
De acordo com o enfoque legalista, estabelecido pela Clasificación
Internacional Uniforme de Ocupaciones (CIUO/2008), da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO/2010), há,
atualmente, diretrizes e leis normalizando e regulamentando uma grande quantidade
de profissões e/ou ocupações.
No Brasil, a CBO foi instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego e
tem por objetivo estabelecer regras para tirar da informalidade uma série de
atividades laborais desenvolvidas sem a devida regulamentação.
128

Em que pese a CBO receber a nomenclatura, apenas, para ocupações,


essa norma identificou, sistematizou e institucionalizou, no país, as práticas
desenvolvidas por muitas categorias de trabalhadores, que cultural e legalmente, já
eram reconhecidas como profissão, mas que, no entanto, não tinham em seu rol de
atividades uma descrição das ações, operações e procedimentos que dão
identidade e constituem uma cultura profissional.
Busca-se, portanto, identificar se é possível distinguir uma profissão
“liberal” (DUBAR, 1997) das diversas ocupações remuneradas, sejam essas as mais
antigas, ou aquelas que surgem atualmente, especialmente, em face do avanço
tecnológico e informacional que ocorre nas mais variadas áreas do conhecimento.
Dubar (1997), a partir de uma perspectiva sociológica enfatiza que há
várias teorias que explicam o surgimento e o estabelecimento ou instauração das
profissões, entre as quais destaca que, pelo menos, três podem oferecer um
panorama aceitável acerca dessa temática. A primeira teoria seria a funcionalista, a
segunda, a abordagem interacionaista e, por fim, a socialização profissional.
Especificamente, tratando da profissionalização da categoria policial e os
aspectos que permeiam esse processo, destacam-se autores como Menke; White;
Carey (2002), Bayley (2006), Monjardet (2003). Em relação aos autores nacionais,
pode-se destacar Muniz (1999, 2001, 2007), Poncioni (2004, 2005, 2007, 2014),
Silva (2007), Luiz (2008), Pinc (2007, 2011) e Silva (2009, 2016).
Prioriza-se, também, mostrar que a atividade policial-militar, como prática
profissional se sustenta ou se apoia em conhecimentos específicos, que lhe
conferem uma identidade profissional. Ou seja, conhecimentos profissionais,
devidamente, sistematizados e, também, saberes estabelecidos na prática
profissional. Nesse sentido, destaca-se a Tomada de Decisão como um desses
conhecimentos/saberes profissionais pertinentes a diversas profissões, mas,
também, específico, como é levado a efeito por policiais, especialmente, os militares
em sua prática cotidiana do policiamento ostensivo nas ruas (PINC, 2011).
O capítulo é iniciado demarcando-se como ocorre o processo de
profissionalização dos policiais militares e, por conseguinte, o ingresso deste na
cultural policial-militar, a partir da perspectiva identitária de Berger e Luckmann
(2003) e da socialização profissional desenvolvida por Dubar (1997), ao discorrer
acerca da institucionalização do licence e do mandate em uma atividade profissional,
neste caso, em particular, a profissão policial-militar.
129

Analisa-se a profissionalização no trabalho policial-militar como aspecto


fundante no processo de construção da identidade profissional na atividade exercida
pelos policiais militares no exercício da sua prática laboral, buscando demostrar que
a Tomada de Decisão deve ser compreendida como um conhecimento profissional
desse grupo de trabalhadores da segurança pública.
O conhecimento e os saberes profissionais da atividade policial-militar,
bem como que categorias analíticas são concebidas no processo de
profissionalização dessa atividade, especialmente, o profissionalismo e a
profissionalidade, explicando como essas categorias estão, intrinsecamente, ligadas
no processo de legitimação e normalização profissional na busca contínua pelo
alcance e manutenção do status de uma categoria enquanto profissão.
O capítulo é concluso a partir da abordagem do processo de
profissionalização do policial militar, destacando, especialmente, como Menke;
White; Carey (2002); Monjardet (2003) e Bayley (2006) concebem o estabelecimento
e manutenção desse status profissional, nas polícias europeias e norte-americanas,
bem como os autores nacionais, dentre os quais Silva (1990), Caldeira (2000), Silva
(2007), Muniz (1999), Poncioni (2004), Luiz (2009), Pinc (2011), entre outros, que
teorizam acerca dos conhecimentos e saberes profissionais inerentes à categoria
policial-militar.

4.1 O estabelecimento de uma identidade profissional

Antes de se tornar um profissional ou se tornar um indivíduo que


desenvolve/executa/exerce uma atividade ou ocupação estabelecida em uma
determinada área do mundo do trabalho70, o ser humano está inserido em um dado
contexto social e essa circunstância Histórico-Cultural e social é constitutiva e
influencia o processo de tornar-se parte de dada instituição social, como defendido
na citação a seguir:

A socialização secundária é a interiorização de “submundos”


institucionais, ou baseado em instituições. A extensão e o caráter

70
Optou-se pela designação mundo do trabalho para não se utilizar o termo “mercado”,
especialmente, para não dar acepção economicista, tendo em vista que o objetivo
principal aqui é estabelecer a diferença entre profissão e ocupação sob a perspectiva
teórica da Sociologia das profissões.
130

destes são, portanto, determinados pela complexidade da divisão do


trabalho e pela concomitante distribuição social do conhecimento. [...]
exige a aquisição de vocabulários específicos de funções, o que
significa, em primeiro lugar, a interiorização de campos semânticos
que estruturam interpretações condutas de rotinas em uma área
institucional (BERGER; LUCKMANN, 2003, p.184-5).

Nessa perspectiva, a socialização secundária é o estabelecimento na


identidade pessoal do indivíduo de uma identidade profissional ou ocupacional
(distinção que será feita neste capítulo), quando por escolha ou falta dela se adentra
a uma instituição ou a um grupo do mundo/mercado do trabalho.
Assim sendo, a construção ou estabelecimento da identidade profissional,
que conforme os autores citados é inerente à socialização secundária, é permeada
por dois processos: o identitário biográfico e o relacional.
Um aspecto importante para iniciar essa discussão da qual Dubar (1997,
p.112) chama a atenção é que na mesma medida em que os empregos formais
estão cada vez mais centrais para os processos identitários, a formação, nessa
mesma perspectiva está, intrinsecamente, relacionada ao emprego.
Por outro lado, não é demais esclarecer que não é razoável e não se
deve reduzir, tampouco, tornar simplista o processo de construção cultural
profissional, pois, necessariamente, para essa compreensão, não se deve conceber
que as identidades profissionais estão, somente, restritas aos estatutos reguladores
de empregos e de formação para o exercício de uma atividade laboral. Esta está
circunscrita em uma teia social de micro e macro relações que ocorrem no interior do
corpo ocupacional ou profissional que transforma o indivíduo e é transformada
dando identidade cultural a uma atividade humana (LEONTIEV, 1978).
As outras duas abordagens discutidas por Dubar (Op. Cit) são a teoria
funcionalista e a interacionista simbólica. A primeira diz respeito a um saber prático
ou “ciência aplicada”, que segundo o autor articula uma competência dupla, no
sentido de aquisição de um saber teórico ao longo de uma formação e que se apoia
na prática, ou seja, na experiência dessa atividade (DUBAR, 1997, p.129).
No que concerne à perspectiva interacionista simbólica, destaca este
autor que duas noções essenciais devem ser concebidas: o diploma e o mandato. O
diploma (licence) é a autorização legal que o executor de uma atividade detém em
virtude de uma outorga oficial concedida por instituições devidamente
131

regulamentadas. Em se tratando do mandato (mandate), é a obrigação legal de


assegurar o cumprimento de uma função. Assim, essas duas dimensões de uma
profissão constituem, portanto, as bases da divisão moral do trabalho (DUBAR,
1997, p.130).
O autor explicita, ainda, em sua obra que trata da construção das
identidades profissionais que o termo profissão teria, pelos menos, dois sentidos. Na
perspectiva inglesa occupations (o conjunto de empregos), que é mais usado em
censos estatais e nos demais seguimentos correlatos, está correlacionado à esfera
pública. Por outro lado, professions teria relação com as profissões liberais, em
sentido lato, por exemplo, advogados, engenheiros, médicos, psicólogos, dentistas,
para citar as mais tradicionais (DUBAR, 1997).
Na perspectiva francesa, esclarece o autor, é introduzida outra
denominação: o métier, ou seja, o ofício que determinada pessoa exerce.
Historicamente, no Ocidente, tanto os ofícios como as profissões têm a mesma
origem: as corporações.
O surgimento dos ofícios/profissões tiveram origem na Idade Média e com
a expansão das Universidades, por volta do século XIII, locus, onde os homens
eram formados, passavam a fazer parte de confrarias, corpos ou comunidades, com
as quais mantinham um sentimento moral de pertença e, que, por meio de
ritualísticas faziam seus juramentos e mantinham uma mística simbólica pessoal e
social (DUBAR, 1997, p. 124).
A despeito desse estabelecimento social das profissões ou ofícios,
Durkheim (1999) esclarece que na Idade Média as corporações, confrarias e
comunidades faziam parte da vida das pessoas, legitimando nelas o sentimento de
pertença, pois se tratava muito mais do que um locus de aprendizagem de uma arte,
como assim eram denominadas essas atividades, mas, sobretudo, eram grupos
morais e, na maioria das vezes, religiosamente ligados, que influenciavam na vida
dos seus membros.
O nível da corporação da qual se fazia parte comprovava em que status
social tal indivíduo estava situado: Clero, Nobreza ou Estado. Assim, para
demonstrar a característica de coercibilidade (DURKHEIM, 2001) que essas
corporações exerciam sobre seus membros o autor esclarece que:
132

Se acreditamos que deveríamos aproximar a família e a corporação,


não foi, simplesmente, para estabelecer entre elas um paralelo
instrutivo, mas porque essas duas instituições não são desprovidas
de certas relações de parentesco. [...] Ora, o grupo profissional não
lembraria a esse ponto o grupo familiar se não houvesse, entre eles,
algum tipo de filiação (DURKHEIM, 1999, p.25).

O estabelecimento gradual da socialização secundária e o contexto


profissional no qual o ser humano é inserido, paulatinamente, ressignifica os saberes
anteriores. Na concepção de Dubar (1997, p. 96) “[...] trata-se da incorporação de
saberes especializados – que chamaremos de saberes profissionais – que se
constituem saberes de um novo gênero”.
Por outro lado, descreve, este mesmo autor, que esses saberes
especializados dependem do confronto inicial com o estabelecimento da finalização
da socialização primária com a instauração da secundária, o que ocorre por meio de
uma atividade ocupacional (trabalho não especializado) ou uma profissão. Esse
processo vai ser denominado de identidade profissional de base. No entanto,
esclarece que não é apenas uma identidade voltada ao trabalho mas, também, uma
formação para o emprego e, sobretudo, circunscreve-se na identidade social do
indivíduo. Assim destaca:

Não se trata somente de uma situação de escolha do ofício, ou de


obtenção de diplomas, mas da construção pessoal de uma estratégia
identitária que põe em jogo a imagem do eu, a apreciação de suas
capacidades, a realização de seus desejos. Mesmo quando é
reconhecida por um empregador, esta primeira identidade
profissional para si já não tem hipóteses de ser definitiva. É
regularmente confrontada com as transformações tecnológicas,
organizacionais e de gestão de emprego das empresas e das
administrações. [...] Ela é, por isso, fortemente marcada pela
incerteza apesar de teoricamente acompanhar a passagem da
adolescência à vida adulta e, portanto, a uma forma de estabilidade
social (DUBAR, 1997, p.114).

Portanto, se por um lado a teoria funcionalista descreve um saber prático


ou “ciência aplicada”, como um processo pelo qual se dá a sistematização da prática
por meio de um conhecimento teórico adquirido na formação que é socializado; por
outro, define que um corpus de saberes não se limita a se instaurar
133

independentemente dos indivíduos e papéis sociais, os quais, necessariamente, são


ensinados, devendo ser testados e controlados pelo próprio conjunto de
profissionais que institucionalizaram o métier, sendo, obrigatoriamente, legitimado e
controlado pelo Estado. Esse, portanto, é o processo de estabelecimento de um
saber que constitui a base de uma identidade profissional (DUBAR, 1997, p. 130).
Contemporaneamente, um número significativo de atividades
mundo/mercado do trabalho é denominado como sendo uma profissão,
principalmente, a partir de suas formalizações por meio de leis específicas que
regulam o exercício de tais atividades. No entanto, quando é feita uma análise mais
detalhada acerca da temática, infere-se que não há um consenso no campo da
ciência que se dedica, exclusivamente, a estudar o trabalho como atividade humana
e social, culturalmente estabelecida: a Sociologia das profissões.
De acordo com Freidson (1998; 2016) os profissionais que estariam
habilitados a desempenhar determinadas atividades no mundo do trabalho seriam
aqueles que detêm uma formação específica, o que será, pormenorizado, doravante,
inicialmente definindo-se que:

[...] “profissão” ela é, antes de tudo e principalmente, um tipo


específico de trabalho especializado. Mas, que tipo de trabalho? Qual
o seu lugar no universo do trabalho? Obviamente, uma grande
parcela de trabalho é efetuada em casa e na comunidade, mas boa
parte dele não é reconhecida como trabalho: algumas vezes, porque
não é formalmente recompensada; outras, porque não se realiza em
tempo integral. Outros tipos de trabalho são pagos e realizados em
tempo integral, mas informalmente, à margem da economia oficial. O
restante desse amplo universo de trabalho é composto de ocupações
e ofícios desempenhados na economia reconhecida oficialmente
(FREIDSON, 2016, p.2).

Por outro lado, não são apenas essas especificidades que compreendem
a distinção entre profissão e uma atividade ocupacional 71 nos termos da Sociologia
das profissões. É, também, a partir de sua confrontação com legislações afins que
se envidará esforços para tal estabelecimento. Assim sendo, um dos mecanismos

71
Manter-se-á uma vigilância quando da utilização dos termos profissão e atividade
ocupacional, sobretudo, porque muitos autores fazem uso dos mesmos algumas vezes
como sinônimos, o que acaba por dificultar a compreensão da conceitualização distintiva
que se busca neste Capítulo.
134

utilizados pelo Estado, ou pelo próprio corpo de classe e, até mesmo, pela
sociedade, é o controle que é exercido com uma atividade profissional ou
ocupacional.

O controle ocupacional do próprio mercado de trabalho é


complementado pelo uso do que Max Weber chamava
“encerramento social” e que prefiro denominar “reserva de mercado
de trabalho”. A reserva é assegurada pela exigência de que somente
aqueles com credencial ocupacionalmente emitida, certificando sua
competência, possam ser empregados para executar uma série
definida de tarefas, como cortar um corpo, ensinar a estudantes
universitários, representar um cliente num tribunal e certificar a
exatidão de uma declaração formal de ativos e passivos financeiros.
Constitui, para empregar o termo do economista Spence (1974), uma
“senha para o mercado de trabalho”: garante que um candidato ao
emprego foi aceito como membro de uma ocupação fechada e pode
ser contratado ou consultado em tal condição. (FREIDSON, 2016,
p.3)

Para essa corrente teórica, esse mecanismo é o que vai propiciar que só
um indivíduo, devidamente, habilitado possa executar uma tarefa para a qual ele foi,
inicialmente, selecionado, formado e que, periodicamente, passa por programas de
capacitação e atualização de conhecimentos e saberes profissionais, seja por
interesse próprio, ou exigência da sua categoria de classe do mercado do trabalho e,
também, da sociedade.
De acordo com Freidson (2016) outra diferença que se pode estabelecer
para distinguir uma profissão de uma ocupação remunerada é a formação inicial,
que o autor denomina de treinamento institucionalizado. Conforme essa perspectiva
teórica, inicialmente ele usa a denominação ofício para se referir a ocupações.
Assim sendo, as pessoas que têm um emprego (desenvolvem dada atividade no
mundo do trabalho) precisam melhorar sua performance, então, é-lhes
proporcionado um treinamento em serviço para aperfeiçoar a atuação de um
trabalhador em sua ocupação (ofício).
Por outro lado, a formação para o exercício das profissões ocorre antes
de começar a executar determinado trabalho. Geralmente, essa formação acontece
em uma instituição, credenciada por órgãos regulamentares para desempenhar essa
atividade, geralmente, as universidades. Outro aspecto fundamental é a busca
135

constante que tais instituições priorizam para pesquisar e aprimorar a execução de


tal mister, inclusive, aumentando sua jurisdição de atuação.
Outro fator importante é que essas instituições, geralmente, não estão
diretamente ligadas às influências do mercado e dispõem de um corpo docente,
devidamente, formado e, integralmente, dedicado para o desempenho dessa função.
Essas características proporcionariam condições adequadas para formação de um
profissional acadêmica e cientificamente.
Em última instância Freidson (Op. Cit.) chama a atenção para as
associações profissionais e, também, para os códigos de ética, instrumentos que
apenas as profissões, segundo ele, conseguiram, instituir e que funcionam como
mecanismos de controle das categorias de classes, que regulam, fiscalizam e
orientam a execução da atividade laboral, internamente, chegando, inclusive, a
prever sanções, em caso de desvio de conduta, sem que, com isso, o Estado deixe
de exercer sua ação reguladora em prol da coletividade.
Ramalho; Nuñez e Gauthier (2004, p.64), em estudo realizado sobre a
profissionalização do trabalho docente, defendem que a profissionalização de uma
ocupação não é um processo espontâneo, tampouco se dá naturalmente, mas é
construído social e historicamente por meio da ação intencional do corpo de
determinada atividade ocupacional, que visa seu reconhecimento enquanto
categorial, legitimamente, necessária, eficiente e eficaz, unicamente capaz de
realizar uma tarefa do mundo do trabalho.
Nessa perspectiva, “o desenvolvimento profissional é um processo
contínuo que não se produz de forma isolada, ele está inserido em um projeto de
vida, no qual se combinam e interagem diferentes modalidades formativas”
(RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2004, p.64).
As profissões devem ser concebidas, portanto, como atividades
especializadas do mundo do trabalho que somente podem ser exercidas por
trabalhadores, devidamente, formados em instituições credenciadas pelos órgãos
oficiais, que são reguladas, orientadas e fiscalizadas pela própria categoria, mas que
o Estado, também, exerce seu papel de controle, que é apoiado pelo mercado do
trabalho e pela sociedade. Essa condição de profissão não ocorre
espontaneamente, mas é uma conquista do corpo de trabalhadores, que agora já
com o status de profissional, esforçam-se para manutenção do grau obtido por meio
136

de mecanismos internos e externos à profissão (profissionalismo e


profissionalidade), que posteriormente serão discutidos.
No caso das ocupações, elas, geralmente, são atividades exercidas por
trabalhadores não especializados (não qualificados) e que obtém certo grau de
qualificação, em regra, em serviço, para que possam melhor desempenhar suas
funções.
As ocupações do mundo do trabalho têm, também, suas organizações de
classe, mas ao contrário das profissões, sua fiscalização, controle e orientação
ocorrem muito mais no campo das melhorias salariais e condições de trabalho do
que na perspectiva de regulação dos conhecimentos e saberes profissionais. Em
geral, são atividades laborais que não demandam elevado grau de cognição
intelectiva, filosófica, ética e moral, e que são realizadas por meio de práticas
apreendidas pela experiência cotidiana das quais o ofício necessita para ser
exercido.
Na seção seguinte aborda-se três categorias de análise teórica que
discutem e, ao mesmo tempo, teorizam como uma atividade profissional, na
perspectiva dos autores citados, efetivamente, profissionalizam-se e que
mecanismos internos e externos uma categoria do mundo do trabalho deve
perseguir para validar e manter sua legitimação científica, política, econômica e
social como atividade profissionalizada.

4.2 O processo de profissionalização policial-militar

Como discutido na seção anterior, o processo de profissionalização se dá


dentro do próprio corpo ocupacional e, também, pelas relações estabelecidas entre
as outras categorias, o mundo do trabalho, o Estado e o mercado do trabalho. Assim
sendo, os mecanismos institucionais que tornam viável a profissionalização de um
corpo ocupacional são engendrados dentro e pela cultura profissional no contexto da
formação inicial, mas que não se estagna nesse período, pois para a obtenção e
manutenção do status da profissionalização, enquanto processo ininterrupto de
qualificação, essa busca deve ser perene. É, justamente, essa característica de
dinamicidade que propicia a manutenção como categoria profissional.
As relações materiais e condições sociais, historicamente, construídas
instauram na sociedade, o que Karl Marx denominou de consciência. Essa
137

consciência é voltada tanto para o sujeito enquanto indivíduo, pertencente a uma


classe social, como também para formação de uma consciência de pertença a uma
classe ou categoria profissional.

Essa concepção de história se baseia no processo real de produção,


partindo da produção real da vida imediata; e concebe a forma de
troca conectada a esse modo de produção e por ele gerada (isto é, a
sociedade civil em várias fases) como fundamento de toda história,
apresentando-a em sua atuação enquanto Estado e explicando a
partir dela o conjunto dos diversos produtos teóricos e formas de
consciência – religião, filosofia, moral etc. (MARX; ENGELS, 2005,
p.65).

Atualmente, a tomada de consciência de uma determinada categoria


profissional, no sentido de revisitar as suas bases formativas e educacionais de uma
atividade composta de conhecimentos, saberes e valores legitimados ao longo de
sua história social, destacam-se alguns estudos que analisam, não apenas a
formação profissional inicial, mas, principalmente, o processo como tem ocorrido
essa prática profissional e a abordagem crítico-reflexiva que seus membros fazem
acerca dessa relação e, também, qual é a visão que a sociedade tem de tais
profissionais.
Pesquisando a formação profissional e teorizando acerca de constructos
que possam, efetivamente, profissionalizar determinados grupos de trabalhadores,
alguns estudiosos tais como Freidson (1998); Perrenoud (1999; 2001); Menke;
White; Carey (2002) Núñez; Ramalho e Gauthier (2004; 2014); Poncioni (2004,
2007; 2014), entre outros, definiram categorias teóricas que possibilitam construir
formulações analítico-reflexivas para teorizar como se pode contribuir para uma
melhor formação inicial, fornecendo pistas, também, para uma formação continuada.
Nesse sentido, buscando suprir as lacunas de uma formação inicial,
muitas vezes fragmentada e dissociada do contexto social, com o intuito de estudar
o processo de formação profissional de professores, Ramalho; Nuñez e Guathier
(2004, 2014), apresentam e discutem o que eles denominam de a trilogia da
profissionalização do professor profissional72.

72
Pode parecer preciosismo ou redundância, mas na perspectiva defendida por esses
autores, em muitas realidades do contexto social brasileiro, por exemplo, a categoria de
138

Apesar de estarem tratando de outra categoria de trabalhadores, os


conceitos e categorias analíticas apresentadas pelos autores dão conta dos
aspectos constituintes que permeiam todo o processo de profissionalização de um
corpo profissional, portanto, o que será discutido no contexto da categoria policial-
militar.
De acordo com Ramalho; Nuñez e Gauthier (2004), a profissionalização é
um processo, dinâmico, por excelência, que ocorre interna e externamente no corpo
de uma categoria ocupacional que busca e, concomitantemente, mantém um status
profissional que garante a esse mesmo grupo de trabalhadores a legitimidade de
exercer, fiscalizar e controlar suas atividades. Ao mesmo tempo, esse processo é
político, ideológico, mas, também, técnico, científico, filosófico e ético.
Nesse contexto, deve ser compreendida em duas dimensões, isto é,
profissionalização como processo interno, que os autores denominam de
profissionalidade; e como processo externo, o profissionalismo e a profissionalização
como estado e processo.
De acordo com os autores, na profissionalidade como processo interno,
uma categoria ocupacional se volta para os saberes disciplinares e, também,
pedagógicos instituídos. É, portanto, por meio desses saberes que se tornar
exequível a construção de competências para pautar sua atuação enquanto
profissional pertencente a um grupo ocupacional esotérico que detém a expertise
desse conhecimento e saberes próprios à sua atividade de trabalho.
Por conseguinte, a atividade humana e, neste caso em particular, a
atividade de apropriação de conhecimentos profissionais, é operacionalizada por um
conjunto de ações, nesse locus de internalização, devidamente orientada por um
motivo, cujo objetivo principal é atender as necessidades profissionais que visam um
fim social.
O profissionalismo, como caraterística externa da profissionalidade, por
seu turno, é o resultado da busca incessante de um corpo profissional pela
profissionalização da atividade laboral que exerce. Nesse contexto, é forçoso
ratificar que essa condição não é perene, pois esse nível alcançado no mundo e/ou
mercado do trabalho pode ser posto em xeque, em face ao grau de especialização

trabalhadores docentes, ainda não atende a todos os requisitos de atividade laboral


profissionalizada, o que será esmiuçado neste capítulo.
139

que seus membros desempenhem ou deixem de desempenhar, ao atuarem em suas


respectivas áreas de conhecimento (NÚÑEZ, RAMALHO; GAUTHIER, p. 52, 2004).
O profissionalismo, como defendem os autores, ocorre pela dinâmica da
profissionalização como processo externo, ou seja, por meio do reconhecimento e
legitimação social, política e econômica da atividade exercida, que é consequência
da prática da profissionalidade. Necessariamente, para que uma determinada
categoria de trabalhadores possa receber esse reconhecimento social e, também,
oficial por meio dos mecanismos legais de regulamentação deve haver uma relação
dialética que possibilite a construção de uma identidade social, legitimamente,
reconhecida.
A profissionalização como estado e processo é sempre-já uma meta a ser
alcançada, portanto, jamais estática, não podendo ser considerada um determinado
ponto que um corpo ocupacional alcançou e estagna-se. Porquanto, a
profissionalização é dinâmica e, permanentemente, atualizada no percurso histórico
e socialmente construído.
Uma atividade ocupacional ao alcançar o status de profissão não se
estagna, mas, sobretudo, constantemente atualiza seus conhecimentos e saberes
laborais, sua exclusividade para execução especializada dessa atividade do mundo
do trabalho e, principalmente, renova e legitima direitos, deveres e obrigações no
campo dessa atividade laboral.
Assim, sendo exclusiva, a sua área de atuação deve, também, ser
ininterrupta. Ou seja, a obrigação de desempenhar suas funções não cessa em
horários preestabelecidos de trabalho. Os seus códigos ético e moral vão além das
suas obrigações trabalhistas. Talvez, essa seja uma das principais características
que diferenciam uma profissão de uma ocupação, pois o seu senso de
profissionalização (além, claro, de todo o corpo de conhecimentos e saberes
profissionais que foi adquirido em uma formação específica, pois sua prática ao não
ser interrompida por questões particulares), converte-se em discernimento de bem-
estar social, de compromisso público, que legitima cada vez mais e,
permanentemente, uma profissão, perante os demais grupos sociais.
No âmbito da Teoria Policial Menke; White e Carey (2002), discutindo
acerca da profissionalização dos policiais, destaca que esse aspecto é de caráter,
eminentemente, ideológico e, nesse sentido, prejudicial, pois nesse processo de
140

busca do status de categoria profissionalizada, maquia o real desenvolvimento


profissional dos trabalhadores de segurança. Assim enfatiza:

[...] a ideologia do profissionalismo funciona para proteger as


organizações policiais do ataque público ou político. Além disso a
ideologia promove o status, o prestígio e influencia as percepções
públicas a respeito da ocupação policial [...] é disfuncional, já que
retarda a criação do desenvolvimento profissional “real”. (MENKE;
WHITE; CAREY, 2002, p.109).

Ainda, segundo o autor, a ideologia pela busca da outorga do mandato


policial maquia, por exemplo, que a solução para o crime seria a polícia, refutando
assim, implicitamente, a teoria do crime como um fato social (DURKHEIM, 2002) e,
portanto, fora da esfera de competência policial em resolvê-lo.
De acordo com a Sociologia durkheimiana, fato social é toda forma de
agir e pensar, institucionalizada ou não, que por imposição moral ou por meio de
norma jurídica, exerce sobre as pessoas uma coerção, para fazer ou deixar de fazer
algo. Portanto, o fato social ele é geral, exterior e sobretudo coercitivo, pois existe
em toda e qualquer sociedade; é exterior aos comportamentos individuais; e é
coletivo, pois é capaz de exercer sobre os indivíduos a coerção moral ou jurídica.
Em contraposição à tese apresentada por Menke; White; Carey (2002),
destacam-se os mesmos profissionais liberais, os quais estes autores usam para
identificar como tipos ideais de profissional: médicos, advogados, entre outros.
Ora, se essa ideologia funciona para mascarar o real desenvolvimento
profissional do policial, também, o faz com um profissional liberal, por exemplo, um
advogado que sabendo das circunstâncias incontestes que seu cliente cometerá um
crime, mesmo tendo como improvável sua absolvição, faz seu cliente acreditar que
poderá absolvê-lo.
De igual forma, dá-se com o crime, em relação à instituição policial, pois
mesmo conhecendo suas causas, outros fatores contribuem para que a polícia não
consiga evitá-lo, pois como explicitado, anteriormente, o crime é um fato social e, em
face dessa característica, e a polícia não o exterminará, apenas poderá reduzi-lo,
inclusive, se os demais seguimentos sociais envolvidos na prevenção e repressão
141

estiverem funcionando regularmente. Esta última premissa uma das essências da


teoria do policiamento comunitário (BAYLEY; SKOLNICK, 2002).
É forçoso esclarecer, também, que o profissionalismo almejado não
apenas pela categoria de policiais, mas por qualquer outro grupo ocupacional, não
visa mascarar o real estado de qualificação desse grupo de trabalhadores, mas deve
trazer à tona seu real mister, que no caso da instituição policial, não é a extinção da
criminalidade, mas sua redução a níveis aceitáveis.
Esse é o padrão mínimo de exigência (profissionalismo), dentro de
determinada especialidade, que toda categoria ou grupo ocupacional almeja, sendo
assim aceito dentro de sua categoria profissional e, também, pela sociedade que
recebe o serviço prestado.
A profissionalidade, por seu turno, deve ser concebida como estado e
processo, constituída de um conjunto de características de determinada profissão. É,
portanto, um processo que se efetiva no estado de profissionalização.
No caso específico que discutem os autores, a profissionalização dos
professores ocorre de forma gradativa ao longo da história, visto que, não apenas
essa profissão, mas as demais que constituem o mundo e o mercado do trabalho
vão incorporando valores e especificidades no tempo e no espaço, construído e
transformado pelo próprio homem. Esse é um dos aspectos essenciais do processo
onto e filogenético (MARX; ENGELS, 2002).
Um estudo paradigmático acerca da reflexão não apenas na formação,
mas, sobretudo, durante a própria prática profissional foi desenvolvido por Schön
(1997) autor, também, contemplado na MCN (BRASIL, 2014), com uma abordagem
voltada para uma série de profissionais que precisam, cotidianamente, estar
refazendo sua crítica acerca do que está desenvolvendo na atividade que exerce,
especialmente, arquitetos, engenheiros, médicos, profissionais liberais, em geral
educadores.
Shön (Op. Cit.) destaca que, de fato, o paradigma atual é de desconfiança
na competência profissional em atender, efetivamente, às demandas práticas dos
problemas contemporâneos, e isso dá-se, conforme sua tese, pela inconsistente
formação. De acordo com o autor, esse currículo que data do início do século XX é,
eminentemente, teórico, que incorpora, certamente, um conhecimento
sistematizado, mas que pouco privilegia a prática e a resolução de problemas como
eixo central de sua formação.
142

Os currículos profissionais contemporâneos colocam em primeiro ponto a


ciência básica relevante; em segundo plano a ciência aplicada e, finalmente, em um
último estágio de importância, o ensino prático, aquele voltado para a resolução de
problemas (SHÖN, 1997, p. 19).
Como defende Poncioni (2012), uma formação profissional para os
policiais brasileiros demanda muito mais que esforços político-administrativos nas
esferas estatal e/ou institucional. Implica, entre outras ações, na operacionalização
dos currículos oficiais de pressupostos conhecimentos e saberes próprios que a
distingue das demais profissões. Cada vez mais, é premente a consolidação de uma
identidade profissional para os profissionais de polícia brasileiros, especialmente no
âmbito da segurança pública em consonância com um Estado democrático, voltada
para a cultura de prevenção, em detrimento a uma formação, eminentemente,
militarista, que não mais atende aos anseios e demandas sociais.
A profissionalização de determinada atividade ou ocupação laboral deve
passar por alguns processos, como aqui fora discutido. No entanto, a questão a ser
colocada é se é possível aferir se, efetivamente, uma atividade ocupacional, neste
estudo particular, a atividade policial-militar, já cumprira todos os requisitos
estabelecidos, por exemplo, pela Sociologia das profissões para ser concebida como
uma atividade profissional (FRIEDSON, 1998, p.55) e/ou se adequado às normativas
que satisfaçam a condição de uma profissão e não apenas de uma ocupação
regulamentada (BRASIL, 2010a).
Em outra perspectiva, busca-se estabelecer de acordo com a Sociologia
das profissões e, também, por meio das legislações regulamentadoras se há um
consenso no sentido de tipificar ou identificar os critérios que vão determinar esse
status profissional.
Tomando como parâmetro as questões levantadas consigna-se nesta
seção que após o estabelecimento do modelo moderno de polícia, por volta do
século XIX, e a efetiva atuação até os dias atuais, propõe-se que esse percurso
histórico pode ser entendido como um processo de profissionalização,
especialmente, sob a ótica de pesquisadores como Silva (1990); Muniz (1999, 2001,
2007); Trajanowicz (1994); Bayley, Caldera (2000); Skolnick (2002); Menke; White;
Carey (2002); Monjardet (2003); Poncioni (2004, 2005, 2007, 2014); Bayley (2006),
Silva (2007); Luiz (2008); Pinc (2007, 2011) e (Silva, 2009, 2016, 2017), entre outros
estudiosos da atividade policial, que descrevem, gradativamente, o percurso que as
143

instituições policiais percorreram e, ainda precisam percorrer na busca desse status


profissional.
Por outro lado, outras pesquisas podem dar conta que esse nível
profissional, ainda, não fora alcançado, em face de uma série de fatores
apresentados na problematização do estudo, especialmente, a partir dos estudos de
Caldeira (2003) que contesta as ações policiais militares no Estado de São Paulo.
Silva (1990), logo após a promulgação da atual Constituição Federal,
teoriza o papel polícia brasileira, em especial, a militar, em face da nova ordem
constitucional, tendo como background da abordagem a relação dialética entre o
profissionalismo e o amadorismo da polícia brasileira.
Não obstante a polícia ser uma instituição secular, ela, efetivamente, só
aparece na seara moderna como instituição pública nos idos do século XIX, pois até
então, mesmos os Estados-Nação dispondo de um grupamento que controlasse as
questões relativas à segurança das pessoas e, principalmente, da propriedade,
havia muitas milícias73 privadas que atuavam para manutenção, especialmente da
propriedade.
A institucionalização dos corpos policiais no Brasil ocorre nos idos de
1800, sobretudo a Guarda Nacional. A forma de atuação desses contingentes era,
preponderantemente, pela força, para resolver conflitos de ordem pública, em
especial, os que envolviam as pessoas menos abastadas economicamente (SILVA,
1990, p 137-9). Essa, portanto, é a característica marcante dos grupamentos
policiais criados doravante no país.
Os estudos realizados por Bayley (2006) que, também, foram utilizados
por Silva (Op. Cit.) para fundamentar sua teorização, dão conta que com a
burocratização do Estado moderno e a necessidade desse aparelho de Estado
(ALTHUSSER, 1978) atuar de forma mais sistematizada, principalmente após a
Revolução Industrial, as polícias passam por um processo de racionalização, que se
constitui de diversos fatores, mas para esta Tese serão considerados apenas três: a
classificação da polícia entre pública ou privada; a especialização dessas
instituições; e sua profissionalização.

73
O termo milícia aqui diverge do que ora é empregado, pois atualmente o termo tem
sinônimo de um grupo formado por marginais que prestam um pseudo-serviço de
segurança, pelo qual cobram e mantêm a população refém.
144

Para compreender o processo de racionalização da polícia a partir de


Bayley (2006, p. 24), é necessário fazer uma diferenciação entre uma agência
pública e uma agência privada e, que, segundo o autor, isso só fica mais claro
quando se entende que a simples autorização da comunidade para uma força de
segurança agir, obrigatoriamente, não a torna pública. Isso se dá quando essa
instituição é formada, paga e controlada pelo Estado.
Por outro lado, uma instituição de segurança pode ser autorizada pelo
Estado, mas, efetivamente, não ser pública, pois é mantida por grupos legalmente
constituídos e autorizados. Um exemplo disso são os seguranças dos shoppings
centers, hoteis, bancos, ou parques privados.
A especialização, por seu turno, é um dos aspectos preponderantes para
a profissionalização, visto que sem ela a atuação de uma força policial, mesmo que
legalmente instituída, torna-se mais restrita, focada, na maioria das vezes, apenas
em algumas ações de cunho geral, como, fiscalização de estabelecimentos,
aplicação de medidas administrativas, entre outras.
Ainda, acerca da especialização, um corpo policial passa por processos
de seleção, formação e contínuo treinamento para atuação cotidiana nas ações
efetivas de segurança e estaria legal e legitimamente autorizada para fazer uso da
força, sendo, oficialmente, controlados e fiscalizados74. Apenas para consignar os
principais, estes mecanismos se dão por meio de códigos de ética, corregedorias,
ouvidorias, justiça e Ministério Público.
A profissionalização deve ser entendida como um termo polissêmico, pois
além de significar a forma, meio e processo, pelo qual a corporação policial e seus
membros adquirem o status de instituição legal e legitimamente reconhecida pela
sociedade é a profissionalização, propriamente, dita, pois como defende Bayley
(2006, p. 25) é “uma preparação explicita para realizar funções exclusivas da
atividade policial”, ou seja, é o permanente processo de aprimoramento e
requalificação profissionais, voltados a atender às demandas atuais da sociedade.

74
O Brasil e a maioria dos países democráticos são signatários da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei (ONU, 1979). Tais mecanismos se fazem presentes na Constituição
Federal de 1988 e, mais recentemente, na Portaria Interministerial Nº 4.226/2010, do
Ministério da Justiça e da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República,
que regula a ações dos policiais, mas também como os entes estatais devem prover
condições necessárias, fiscalização e capacitação contínua para a segurança pública.
Voltar-se-á a essa temática no capítulo 6.
145

De acordo com Bayley (2001), pode, até, ter significado embaraçoso para
instituição policial, pois, à medida que é um status desejado/almejado,
evidentemente, ainda, não fora alcançado e, nesse sentido, coloca as corporações,
como também seus membros em xeque, visto que, se percebido nesse estágio pela
sociedade e seus atores, tais trabalhadores e, ainda, não profissionais não estariam
prontos, ou seja, em níveis de formação e qualificação que se espera de uma
entidade estatal tão necessária ao funcionamento da administração pública e,
também, para gerenciamento dos conflitos sociais.
A despeito dessa temática nunca é redundante destacar a teorização
clássica de Althusser (1970, p.44-7), que descreve não apenas os Aparelhos
Ideológicos de Estado (Família, Escola, Igreja), mas, também, os repressivos como,
o exército, os tribunais, as prisões e a polícia que, muito embora, sejam criticados
pelo autor, no conjunto dos aparelhos de Estado, não por sua existência, mas em
virtude de sua apropriação pela classe burguesa dominante, a vida em sociedade
sem esse ARE, sobretudo no mundo contemporâneo, seria inviável.
Caldeira (2000, p.169), ao descrever a atuação policial paulista e
particularizar a da tropa de elite, Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA),
corrobora com as inferências de Silva (1990), quando ele destaca o uso excessivo
da força para resolver conflitos, sobretudo com aqueles criminosos indeterminados e
incertos, pois, conforme os autores, no emaranhado da poeira que sopra das
periferias, geralmente, não saneadas e, tampouco, pavimentadas, jamais poderiam
ser identificados (os policiais) e, assim sendo, quase como uma regra, esses
anônimos podem ser alvos da força física exacerbada, não legitimada legalmente,
mas, recorrentemente, usada de forma desproporcional (BUENO, 2014) e sempre
nas mesmas condições materiais e historicamente construídas.
A partir das proposições de Bayley (2001), apenas na esfera pública é
possível ter uma força de segurança profissional, apesar de, atualmente, haver um
grande número de instituições privadas que desenvolvem essas atividades, como
acima exemplificadas, mas que, no entanto, não chegam a atingir algumas
características e competências que as corporações públicas alcançaram.
Nesse sentido, é forçoso enfatizar que uma parcela, ainda, significativa
das instituições públicas não tenham alcançado o estágio ideal de todas as
categorias interpretativas desse status profissional, conforme é demonstrado a
seguir.
146

Como forma de melhor compreensão lança-se mão da Figura 4 -


Requisitos para uma polícia profissional, que além das características defendidas
por Bayley (2001) são, também, utilizadas as habilidades estabelecidas na Matriz
Curricular Nacional (BRASIL, 2014) que, no plano ideal, devem articular as
competências cognitivas, operativas e atitudinais que o profissional de segurança
pública no Brasil deve desenvolver para poder profissionalizar-se.
147

Figura 4 - Requisitos para uma polícia profissional

Nível estratégico organizacional75


Seleção, formação inicial Racionalização
e continuada Regulamentação e de procedimentos
Fiscalização interna

Ensino, pesquisa e produção Especialização


de conhecimento
Técnicas

desenvolvidas na Corporação
Administrativas

Habilidades a serem
Interpessoais

Políticas

Cognitivas

Fonte: Autoria própria, a partir das inferências dos autores: BRASIL (2000, p12); (2014, p. 36); MENKE; WHITE; CAREY (2002, p.89); BAYLEY (2006, p.66).

75
Nas Polícias Militares o staff são as Seções do Estado Maior, que são responsáveis pelo planejamento estratégico das Corporações. Em
algumas PMs as Diretorias, que são órgãos de direção e execução, também, participam desse planejamento. Na PMRN, não há, ainda, um
Plano Estratégico que norteie a política organizacional. Estas são orientadas por leis, muitas vezes, alteradas, casuisticamente.
148

A partir da Figura 4, elaborada por meio de inferências, especialmente, do


rol de habilidades presentes das Bases Curriculares e da Matriz Curricular Nacional
(BRASIL, 2000; 2014), teve-se como objetivo fazer uma reflexão crítica para
efetivação dos componentes necessários para profissionalização de uma atividade
ocupacional, em particular, a policial-militar.
A profissionalização, além de condição sine qua non para aquisição de
um status funcional é, acima de tudo, um processo contínuo de aprimoramento dos
conhecimentos e saberes estabelecidos como inerentes e particulares àquela
atividade ocupacional, em constante processo de profissionalização, conforme
estabelecido na Figura 4.
A partir dessa premissa essencial, decorre uma característica
fundamental para articulação dos conhecimentos e saberes apreendidos na
formação: a competência. De acordo com Perrenoud (1999), competência é a
capacidade de mobilizar conhecimentos teóricos e saberes práticos para interagir
com o mundo e com as pessoas. Assim, competência não pode ser definida como
algo fixo, mas como uma capacidade do ser humano de adequar-se a diversos
contextos nos quais estão inseridos. Portanto,

Todo savoir-faire é uma competência; porém, uma competência pode


ser mais complexa, aberta, flexível do que um saber-fazer e estar
mais articulada com conhecimentos teóricos. Um savoir-faire pode
funcionar como recurso mobilizável por uma ou mais competências
de nível mais alto. (PERRENOUD, 1999, p. 29).

Esse conceito de competência fora adotada pela Matriz Curricular


Nacional (2014), sendo denominada de cognitivas, atitudinais e operativas, que, de
acordo com a MCN, é condição sine qua non para o exercício da atividade policial.
Para tanto, devem ser mobilizadas algumas habilidades, entre outras mais
específicas enfatiza-se as:
1. técnicas, para desempenho de funções inerentes à atividade;
2. administrativas, capacidade gerencial e adequado dentro das funções;
3. interpessoais, capacidade de relacionamento com público externo e
interno;
4. políticas, habilidades associativas; e, por fim a
149

5. cognitivas, que demandam raciocínio lógico e abstrato. (BRASIL, 2014,


p.36)
Por outro lado, também, lança-se mão dos aspectos conceituais definidos
por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) correlacionados aos enfatizados por Caldeira
(2000) e Silva (1990), no âmbito da segurança pública, quando demonstram uma
carga excessiva de amadorismo, falta de adoção de procedimentos técnicos aliados
à ausência de recursos legais e aspectos éticos quando estão no desempenho das
suas atividades, que obstaculariza a mobilização dessas competências, conforme a
Figura 3.
Na perspectiva de Ramalho; Nuñez e Guathier (2004) os saberes
disciplinares são transmitidos pela ritualística e pela tradição de uma prática laboral
e isso ocorreu na processo de desenvolvimento da atividade. Para esses autores,
para a profissão de professor há quatro estágios: 1. o improvisado; 2. o artesanal; 3.
o técnico; e 4. o profissional.
Na perspectiva da atividade policial-militar, não apenas a partir desses
autores, mas também da de Silva (1990), Menke; White e Carey (2002), Monjardet
(2003), Silva (2007), Poncioni (2012) e Silva (2017), considera-se razoável utilizar,
pelo menos três, dos quatro estágios do desenvolvimento de uma profissional,
conforme a Figura 5:

Figura 5 – Estágio do processo de profissionalização policial-militar

Policial Policial Policial


improvisa técnico profissional

Estágio do processo de profissionalização

Fonte: Ramalho; Nuñez; Gauthier (2004, p.59)


150

O processo que ocorre após o surgimento de uma atividade ocupacional


não é natural, mas “[...] social e histórico dado pela ação do grupo que deseja a
profissionalização, assim como pelo contexto que oferece as condições necessárias
a esse processo” (RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER (2004, p.59).
Conforme representado pela Figura 5, no longo processo de
profissionalização de uma atividade laboral há rupturas, idas, retrocessos,
reconstrução e negação de saberes e conhecimentos.
A espiral que ilustra esse processo não é uniforme, propositadamente,
pois busca reproduzir a luta histórico-social e político-ideológica que move a
sedimentação e legitimação76 de uma profissão, seja dentro do seu próprio corpo de
saberes, conhecimentos e pessoas que a executam, mas também em relação às
demais profissões, à sociedade, ao mundo do trabalho e ao Estado como entre
regulador.
No estágio improvisador não há padrões preestabelecidos, cada
trabalhador, a partir do adestramento77 recebido desempenhava suas funções sem
que houvesse determinado rigor quanto ao cumprimento do mister de policiar, que
pelos autores pesquisados teria ocorrido ao longo história até a Revolução Industrial.
No estágio técnico, por seu turno, após esse período, institui-se, mesmo
que, precariamente, nas corporações policiais europeias e norte-americanas alguns
procedimentos que vão orientar a atividade de policiamento, melhor divisão das
funções e dos cargos conforme descreve Monjardet (2003).
No estágio profissional, de acordo as competências, próprias, estas estão
inseridas em uma situação real e contextualizada. E assim sendo, vão mobilizar
saberes, quer sejam científicos ou não para solução de problemas. De acordo com
Bayley (2006) é somente a partir do desenvolvimento alguns padrões
preestabelecidos nas profissões já sedimentadas, que sirvam de parâmetros, que
uma atividade ocupacional pode se estabelecer enquanto profissão.

76
A teoria do movimento circular é oriunda dos filósofos gregos, especialmente, Thales,
Anaximandro e Anaxímenes, contudo, na perspectiva defendida por Cheptulin (2004, p.
166-7) e corroborada por este autor, é na visão materialista dialética, que concebe o
movimento em círculo e, também, e o para trás. No entanto, mesmo não sendo uniforme é
por meio dessas rupturas, retrocessos que o conhecimento científico complexifica.
77
Termo deveras utilizado na literatura militar, para indicar formação/treinamento que foi
adotada pelas PMs no Brasil, especialmente, quando da institucionalização da IGPM,
como forma de doutrinamento e fiscalização das corporações policiais-militares.
151

Caldeira (2000, p. 135), em sua pesquisa na Polícia do Estado de São


Paulo, nas décadas de 80 e 90, século XX, já enfatizava a questão da ausência e/ou
precariedade de competências e habilidades de integrantes daquela corporação
para gerenciar conflitos, surtindo, justamente, o contrário do efeito esperado, ou
seja, o uso excessivo da força como sendo o primeiro recurso ao invés de ser o
último a ser utilizado pelos policiais.
A falta dessas competências e habilidades ou sua articulação precária e
seu reflexo na profissionalização da atividade policial-militar, aliadas à
institucionalização de conhecimentos e saberes policiais-militares será a abordagem
feita na próxima seção.

4.3 Conhecimentos e saberes profissionais: uma análise da atividade policial-


militar

Para abordar os conhecimentos e saberes da atividade profissional


policial destacam-se os estudos realizados por Menke; White; Carey (2002) e Bayley
(2006), a partir dos quais tais artefatos culturais são pressupostos para
profissionalização dos policiais, como assim é em outra atividade, conforme
defendem os autores. Ou seja, “[...] para alcançar um status profissional, é
necessário haver um conjunto subjacente de conhecimento teórico e técnico”
(MENKE; WHITE; CAREY; 2002, p.89).
Por outro lado, na abordagem teórica de Bayley, a profissionalização vai
constituir a identidade da polícia moderna, isto é, as instituições policiais que foram
criadas ou reorganizadas nos moldes contemporâneos, no final do século XIX, em
especial, a europeia (francesa, inglesa, alemã), a norte-americana, entre outras.
De acordo com esse autor, há os aspectos mínimos para que uma
corporação policial possa obter e manter o status de uma corporação profissional
que são o “[...] recrutamento de acordo com padrões específicos, remuneração alta
e suficiente para criar uma carreira, treinamento formal e supervisão sistemática dos
oficiais superiores” (BAYLEY, 2006, p.60).
O conhecimento profissional, como o arcabouço intelectual, é
estabelecido social, histórico e culturalmente, sendo sistematizado em determinada
profissão ou grupo ocupacional.
152

Os conhecimentos e saberes profissionais que são constructos teóricos e


experienciais necessários para desenvolver uma cultura profissional capaz de
estabelecer ou instaurar uma identidade profissional são uma construção intelectual
de uma categoria profissional, sistematizados, aceitos e validados cientificamente,
que são aprimorados no processo constante de profissionalização.
Ramalho; Gauthier e Núñez (2004, p. 30) colocam os saberes no campo
do exercício da própria prática profissional. Portanto, saberes profissionais são
práticas, construídas e orientadas no exercício de uma atividade ocupacional, que
buscam solucionar problemas.
De acordo com esses autores, esses saberes são, consensualmente,
estabelecidos em um grupo profissional, pois são resultados da aplicabilidade de
uma teoria, legitimamente, aceita em um corpus ocupacional. Mas, também, surgem
das práticas e das experiências dentro de uma organização profissional.
As categorias de análise utilizadas pelos autores e atribuídas à
profissionalização de um corpo profissional, na perspectiva deste trabalho permitem,
mesmo que de forma genérica, conceber que saberes estão relacionados à
resolução de problemas, isto é, voltados à prática, portanto, de caráter,
eminentemente, prático.
Por outro lado, o conhecimento profissional está intrinsecamente
relacionado à cultura profissional, sistematizada academicamente, embasado em
preceitos e princípios científicos e filosóficos (RAMALHO; GAUTHIER; NÚÑEZ,
2004, p. 28-9).
A partir dessa proposição, infere-se que o estabelecimento de um
conhecimento profissional surge da necessidade ou demanda que uma atividade
impõe a um grupo socioprofissional, para contribuir em uma comunidade ou
sociedade, em determinado contexto social, em que surge e se estabelece uma
profissão. Ou seja, é

[...] um equilíbrio das motivações entre a necessidade que o cliente


tem do profissional e a necessidade que este tem de ter clientes, o
que é característico das “profissões liberais”. Esta institucionalização
deriva também de uma dinâmica de legitimação que pode apoiar-se
nesse ajustamento de papéis para definir um corpo de saberes
independentemente dos indivíduos, que suscetivelmente deve ser
ensinado, testado, controlado com a participação dos próprios
153

profissionais e o reconhecimento do Estado regulador. (DUBAR.


1997, p.130).

Por outro prisma teórico, pode-se concluir que um conhecimento


profissional é um artefato teórico, background cultural sistematizado científica e
academicamente, que possibilita ao trabalhador desempenhar uma atividade laboral
qualificada. Ou seja,

O trabalho qualificado se distingue do não-qualificado por um critério


adicional - o grau em que essas atividades são simples e repetitivas,
ou variam de um oficio para outro. Aquilo que Karl Marx chamou
“divisão de trabalho parcelar”, um número relativamente pequeno de
ações simples, repetitivas e invariáveis, representa o que decidi
chamar especialização mecânica. No outro extremo fica o trabalho
especializado que não pode ser desempenhado mecanicamente,
pois as contingências de uma tarefa em particular variam tanto, em
relação a outras, que o trabalhador precisa ter considerável
discernimento para adaptar seu conhecimento e sua qualificação a
cada circunstância, a fim de trabalhar com sucesso. (FREIDSON,
2016, p.3)

Portanto, é a partir da premissa de uma necessária regulamentação que se


enfatiza o papel do Estado e os demais organismos oficiais de fiscalização e
controle de profissões e ocupações. Ou seja, a discussão que ora se torna evidente
e forçosa é que não apenas no campo sociológico, esse debate deve ser travado,
mas, também, na campo legal, econômico, político e até ideológico, visto que uma
categoria de classe se utiliza de todos esses parâmetros para adquirir e manter o
profissionalismo.
Dubar explica que haveria certo acordo sobre determinar o que seria um
“tipo ideal de profissão”, especialmente na perspectiva da abordagem da conduta
desse métier e, também, da análise própria organizacional dessa categoria
profissional, sendo, portanto, estabelecidos alguns critérios para sua monopolização:
uma competência técnica e científica fundamentada; aceitação e utilização de um
código de ética que regule a atividade profissional. (DUBAR, 1997, p.130).
Assim, enfatiza-se que esse saber, como instrumento da
profissionalização de um corpo ocupacional, obrigatoriamente, não pode ser,
154

apenas, prático, mas precisa, para sua validação enquanto profissão, ter um saber
embasado cientificamente, constituindo-se e institucionalizando-se em conhecimento
profissional.
Por conseguinte, o caminho a ser percorrido para que uma categoria
adquira o status profissional perpassa pela institucionalização de um código
deontológico para que tenha capacidade e legitimidade de regular suas ações
conceituais, práticas, técnicas, científicas, filosóficas, entre outras, por meio de
questionamentos éticos e morais que, recorrentemente, permeiam uma atividade
profissional.
Então, a partir dessa autonomia que é conferida pelo Estado, pela
sociedade e, até, pelo mundo/mercado do trabalho que, por exemplo, algum
membro da categoria profissional ao atuar em desacordo com os padrões
preestabelecidos será/poderá ser responsabilizado.
Para tanto, na perspectiva de adotar um parâmetro das atividades
profissionais a serem desenvolvidas por uma categoria profissional, utilizar-se-á a
normalização nacional vigente, sistematizada a partir da Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO), que orientam/sistematizam o exercício de atividades, habilidades
e competências das ocupações e profissões no país. (BRASIL, 2010a).
A CBO emprega como parâmetro para sistematizar a organização dos
grupos profissionais e das ocupacionais a Clasificación Internacional Uniforme de
Ocupaciones (CIUO), em sua versão mais atualizada (2008), que, por seu turno é a
principal catalogação de profissões e ocupações da Organização Internacional do
Trabalho (OIT, 2015). A partir dessas normativas, analisa-se quais são as principais
atividades dos Cabos e Sargentos policiais militares.
De acordo com a CBO o Cabo da Polícia Militar deve deter as mesmas
competências e habilidades que o Soldado PM, pois ambos estão inscritos na
família de Código 0212, identificador do cargo e descritivo das atribuições que deve
desenvolver um executor da segurança pública. Entretanto, conforme, está
estabelecido na hierarquia militar (BRASIL, 1983); (RIO GRANDE DO NORTE,
1976), o Cabo está, imediatamente, acima, funcionalmente, do soldado.
Para efeito de policiamento ostensivo, considera-se, na perspectiva desta
Tese, que ambos devem deter conhecimentos equivalentes, pois de forma genérica
desenvolvem:
155

[...] policiamento ostensivo preventivo fardado e atendem e


solucionam ocorrências. Executam atividades operacionais e
policiamento reservado. Restabelecem ordem pública, controlam
distúrbios civis e garantem cumprimento de mandado judicial.
(BRASIL, 2010a).

Contudo, em âmbito geral de competências e habilidades, que devem


desenvolver os policiais militares, o superior hierárquico, obrigatoriamente, por
imposições legais do cargo, devem deter um nível de conhecimento técnico acima
do que detém o seu subordinado.
Para citar as atividades práticas mais correlatas ao objeto de estudo,
selecionou-se algumas atividades operacionais elencadas no rol de atividades que o
Cabo PM deve desempenhar: “[...] preservar a integridade física dos cidadãos,
socorrer vítimas, isolar local de ocorrência, preservar local do crime, proibir entrada e
saída de pessoas em locais isolados, conduz infrator ou criminoso à autoridade
competente [...]” (BRASIL, 2010a)78.
Por seu turno, os Sargentos estão, hierarquicamente, na pirâmide
institucional policial-militar, imediatamente acima dos Cabos. Os primeiros, portanto,
têm função de assessoramento aos oficiais e gerenciamento das atividades de
policiamento ostensivo.
Apesar de cargos distintos, em se tratando de segurança pública, o
conhecimento que ambos devem deter para sua prática profissional, no cotidiano
das ruas, precisam ser equivalentes, relativizando-se, entretanto, a hierarquia
funcional quando do gerenciamento das ações a desenvolver. Se há um Cabo e um
Soldado realizando um policiamento, o Cabo comanda os trabalhos. No caso de
haver um Sargento, este deve assumir o gerenciamento das atividades, pelo menos,
protocolarmente.
Conforme a CBO os Sargentos PM devem desempenhar, entre outras, as
seguintes atividades no policiamento ostensivo:

Comandam o grupo e a guarda do quartel. Assessoram o comando,


administram as atividades da unidade e participam na formação de

78
Disponível em:
http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaDescricao.jsf. Acesso
15 jan 2015.
156

policiais. Supervisionam policiamento ostensivo e organizam


processos e procedimentos administrativo-militares. Atendem a
ocorrências e as apresentam (sic.) à autoridade competente.
Prestam serviços comunitários (BRASIL, 2010a)79.

Por conseguinte, em face dessa normalização, infere-se que todos dessa


categoria são profissionais, resguardando-se, entretanto, os graus ou níveis de
formação de conhecimento que detêm as responsabilidades funcionais e o
conhecimento mínimo de segurança pública para resolução de ocorrências críticas.
Assim, pode-se destacar que saberes práticos estariam correlacionados a uma
competência dupla. Isto é, teoria aliada à prática.
Para uma melhor compreensão da hierarquia policial-militar, abaixo segue
a Figura 6 – Demonstrativo de postos e graduações na PMRN, bem como
correlacionado as seus, respectivos cursos de formação inicial ou continuada.

Figura 6 – Demonstrativo de postos e graduações na PMRN, com respectivos cursos


de formação/habilitação, especialização ou aperfeiçoamento e capacitação
Postos e Graduações Formação Especialização e Formação
Aperfeiçoamento continuada

Ceronel
Diversos cursos
Tenente-
Oficiais CSP técnicos e em nível
Coronel
Superiores de especialização
Major CFO em Instituições
Policiais ou
Oficial Capitão CAO
Intermediário Militares e em IES

1º Tenente -
Oficial
subalterno 2º Tenente -

Subtenente CHO -
Diversos cursos
Sargento CFS CAS técnicos em
Praças Instituições Policiais
Cabo CNP - ou Militares e em IES
ou Escolas Técnicas
Soldado CFP -
Fonte: Lei Estadual Nº 4.630 de 1982

79
Disponível em:
http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaDescricao.jsf. Acesso
em 15 jan 2015.
157

Mais uma vez chama-se especial atenção para o termo competência,


pois, atualmente, tem sido largamente utilizado. Neste estudo, além das concepções
defendidas por Dubar (1997), utiliza-se as definições de Perrenoud (2001), que
ressalva não ser razoável delimitar um termo como esse, pois sua essência é
polissêmica. Além da conceitualização anterior, competência, também, seria definida
como aptidão ou capacidade de mobilizar saberes. Seria um talento ou determinada
qualidade que alguém possui para o bom desempenho de uma atividade, portanto,
habilidade para executá-la de forma competente e eficaz.

Ainda nessa mesma perspectiva, Núñez e Ramalho (2001) descrevem


competência como sendo a capacidade de mobilizar conhecimento e saberes
profissionais para resolução de problemas, mesmo que jamais tenha passado por tal
contexto.

A competência pode ser mais que um conjunto de movimentos


objetivamente contestável. Ela é também a ação sobre o mundo,
definida pela sua utilidade social ou técnica [...] tem uma função
prático-social: se orienta à solução de situações-problema bem
definidas. Visa atender aos objetivos estimados e desejados (sic.)
(NÚÑEZ; RAMALHO, 2001, p. 24).

Na perspectiva dos operadores de segurança pública, de acordo com


Silva (2007, p.22), ao estudar os saberes profissionais do policial militar no Estado
do Rio Grande do Norte descreve que “saber [...] mesmo que no nível potencial [...] é
uma construção humana capaz de participar da dimensão prática e, também, da
dimensão teórica, do fazer e do pensar como fundamentos da vida humana”. Ou
seja, a partir dos conhecimentos específicos da atividade policial-militar, neste
estudo são estabelecidos seis modelos de saberes dessa atividade profissional: 1.
trabalhar questões relativas à ordem pública; 2. atuar contra a criminalidade; 3.
defender pessoas e patrimônios; 4. atuar preventivamente pelo (sic.) policiamento
ostensivo; 5. trabalhar problemas de outrem em apoio; e 6. atuar em problemas
críticos (SILVA, 2007, p.135).
Os saberes identificados pelo autor foram investigados a partir de
questionários aplicados a dezessete Capitães que, em 2006, participavam de um
curso de aperfeiçoamento (CAO) na Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Os
profissionais participantes da pesquisa são policiais formados em uma Academia de
158

Polícia Militar, em um curso específico de nível superior, os quais têm, em média,


dez anos de serviço na corporação.
Esses oficiais de polícia, do cargo de Capitão, obrigatoriamente, realizam
o CAO, instituído como mecanismo de capacitação profissional e requisito para
ascensão profissional aos postos de Major e Tenente-Coronel, penúltimo cargo da
carreira policial-militar (BRASIL, 1969).
De acordo com Silva (2007, p. 110-11), a escolha dos participantes se
deu em virtude da sua importância na pirâmide institucional, pela posição estratégica
de comandamento de grupamentos, denominados na estrutura policial-militar de
Companhias80. O autor realizou sua pesquisa por meio do estudo de quatro casos
críticos, que envolviam situações-problema relativas ao serviço policial-militar,
abordando conhecimentos teóricos e práticos, orientado para Tomada de Decisão
daqueles policiais em casos críticos, típicos de ações policiais em que abrangeriam
“[...] o policiamento ostensivo geral; o policiamento reativo e repressivo; e as tarefas
policiais não exclusivas de polícia ostensiva” (SILVA, 2007, p.115).
Menke; White e Carey (2002, p.90) a partir de suas pesquisas,
especialmente, nas polícias europeias e americana, defendem que há três fontes de
conhecimento na atividade policial: “1) experiência no trabalho; 2) julgamentos de
valor e opiniões de especialistas da polícia; e 3) teoria e técnica emprestadas de
outras disciplinas”.
Destaca, também, que não há um consenso na formulação dessa base de
conhecimentos, pois pelo menos três grupos sociais disputam/reivindicam o direito
de estabelecer tal base: “os acadêmicos, os líderes da polícia (geralmente os
administradores) e os policiais de linha, aqueles que atuam na rua” (MENKE;
WHITE; CAREY; 2002 p. 91).
O problema enfático é justamente o conflito existente na definição de
quem tem competência e legitimidade para formular e organizar essa base de
conhecimento. No entanto, apesar de haver tido um avanço significativo nesse
processo de construção consensual, ainda, há muito a percorrer e, que, inclusive,
descreve como contínua a profissionalização. Concluindo, os autores defendem

80
As Companhias são subdivisões dos Batalhões, compostas por Soldados, Cabos,
Sargentos e Tenentes. Estes últimos, auxiliares direto dos Capitães, tanto no trabalho
administrativo, como no trabalho prático de policiamento ostensivo.
159

esse status profissional não é estanque e depende de uma série de fatores para que
seja alcançado e, principalmente, mantido.
Comparando a atividade policial às profissões liberais, como a medicina e
a advocacia, Menke; White; Carey (2002, p.92-3) enfatizam que, principalmente,
essas têm um período significativo de formação inicial (acadêmica) para o exercício
da profissão: em média, dez anos. No caso dos policiais, ratifica que o período é,
relativamente, curto, em média 400 horas, e que não há exigência de um nível
educacional elevado para os policiais que atuam nas ruas, exceto para ascensão
profissional.
É forçoso destacar que no Brasil, a partir de 2003, com a implementação
da Matriz Curricular Nacional para os operadores de segurança, esses dados têm
mudado, significativamente, tendo em vista a formação básica para os policiais
militares e civis ser atualmente de 908 (novecentas e oito) horas (BRASIL, 2014, p.
75).
Na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, a formação básica para o cargo
de Soldado é de 960 (novecentas e sessenta) horas-aula, assim como para o cargo
de Oficiais é de 3.900 (três e novecentas)81.
Ademais, no que concerne ao perfil de escolaridade questionado por
Menke; White e Carey (2002), muito embora haja um lapso temporal de mais de dez
anos, da pesquisa elaborada por esses autores, bem como as realidades europeias
e norte-americanas serem distintas da brasileira, a última pesquisa realizada pelo
Ministério da Justiça, por meio da SENASP, demonstra um avanço na qualificação
de todos os integrantes da segurança do país, especialmente na dos policiais
militares.
A partir de dados estatísticos82 mais atuais, a partir de pesquisas
realizadas desde 2004, pelo Ministério Justiça, por meio da SENASP, é possível
inferir que se faz necessário um maior acompanhamento do nível de formação e
capacitação dos integrantes das corporações policiais para que não se cometa o
equívoco de apontar dados que não mais correspondem à realidade do status de
qualificação que detêm os policiais do século XXI.

81
Conforme legislação já citadas.
82
A pesquisa está disponível integralmente neste link:< http://www.justica.gov.br/sua-
seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/estudos-e-pesquisas/pesquisas-perfil-
da-instituicoes-de-seguranca-publica >. Acesso em 1 nov. 2015.
160

De acordo com a última pesquisa intitulada “Perfil das instituições de


segurança pública 2013 (ano-base 2012)”, 1% do efetivo das Polícias Militares
brasileiras, pouco mais de 490 mil policiais, têm apenas o Nível Fundamental de
escolarização incompleto; 5%, Nível Fundamental; 6%, Ensino Médio incompleto,
45%, Ensino Médio completo, 8% Superior incompleto; 33% Superior completo e 8%
já concluíram uma Especialização.
O destaque para esses dados está no nível de Doutorado, com a PMESP
liderando com 152 doutores83; o Paraná com 25; a PM de Pernambuco com 14 e
Minas Gerais com 11 policiais que cursaram doutoramento (BRASIL; 2014, p. 60-2).
A PMRN não respondeu à pesquisa, portanto, não constam os dados da
PM potiguar. As informações referentes ao nível de escolarização dos participantes
desta pesquisa de doutorado encontram-se no capítulo 1, onde é apresentado o
perfil dos participantes da pesquisa e serão discutidos, por ocasião da análise dos
dados empíricos, no Capítulo 7.
Evidencia-se, entretanto, que antes da Constituição brasileira de 1988, a
seleção, recrutamento e capacitação dos integrantes dessas corporações eram
bastante diferentes dos processos atuais.
As legislações das polícias militares país afora têm mudado buscando
adequar-se à nova conjuntura político-social do Brasil. Nesse contexto, a PMRN,
motivada, fortemente, pelas Associações de Cabos e Soldados e de Subtenentes e
Sargentos Policiais e Bombeiros Militares conseguiram aprovar no Poder Legislativo
a Lei Complementar nº 515, de 2014, já apresentada neste estudo, que entre outras
conquistas da categoria profissional, estabeleceu que os Soldados PM e BM teriam
paridade com a carreira dos oficiais. Ou seja, os Soldados e Cabos PM ou BM,
precisavam se submeter a novo concurso interno para progressão funcional. Já os
Oficiais não, ingressavam por meio de concurso público para realizarem o CFO,
conforme descrito no capítulo 1 e, após os cursos regulares de aperfeiçoamento de
especialização da corporação, chegavam ao último posto da carreira (Coronel).
Com o advento da LC 515/2014, o ingresso do Soldado PM e BM, após o
concurso público, não mais realiza o Curso de Formação de Soldados (CFSD) mas,
desta feita, o CFP, também, apresentado no Capítulo 1, o qual lhe habilita a chegar
83
O número elevado na PM de São Paulo pode ser em virtude de em 2008 a corporação
atualizou sua legislação, instituindo cursos de pós-graduação lato sensu em seu rol de
cursos institucionais, contudo, os seus cursos de mestrado e doutorado em segurança
pública ainda não foram reconhecidos pelo MEC.
161

a graduação de Subtenente, necessitando, contudo, os cursos regulares da


corporação, quais sejam, CFS e CAS, os quais não mais demandam de novo
concurso, por mérito intelectual, mas será convocado, apenas sua antiguidade84.
A partir do Quadro 11 - Conhecimentos e saberes policiais-militares é
estabelecido um rol de conhecimentos e saberes específicos da atividade policial-
militar, os quais tiveram como referência, as Bases Curriculares (BRASIL, 2000), a
Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2014), a Classificação Brasileira de Ocupações
(BRASIL, 2010a) e algumas que pesquisas acerca da profissão, cultura e identidade
policial-militar no Brasil.

Quadro 11 - Conhecimentos e saberes policiais-militares


Conhecimentos (específicos da Saberes (potenciais para atuação policial- militar)
atividade policial militar)
Legislação Procedimentos de como atuar preventiva e
repressivamente contra a criminalidade
Resoluções de conflitos Estratégias para desenvolver questões relativas à ordem
pública
Tomada de Decisão Protocolos rotinizados a serem utilizados em
problemas críticos
Armas, equipamentos e munições Procedimentos a serem utilizados quando necessário uso
da força legal
Uso legal da força física Juízos moral e ético para defender a integridade sua e de
terceiros (vítimas e infratores)
Gerenciamento de crises Estratégias cognitivas e emocionais para atuar em
problemas críticos

Fonte: BAYLEY (2006 p.121); SILVA (2007, pp.24 e135); BRASIL (2000; 2010a; 2014); SILVA (2016).

O esquema demonstrado no Quadro 11 não tem o intuito simplificador


e/ou reducionista, ao contrário, busca enfatizar, a partir dos pesquisadores
estudados que é possível estabelecer algumas categorias-chave para se demarcar
uma conduta mais profissional na atividade policial, em especial, a militar.

84
Nas corporações militares, federal e estadual (no caso da PM e BM), a antiguidade é o
grau hierárquico que o militar alcançou a partir de seu mérito intelectual depois de
avaliado em todas as disciplinas ao término do seu respectivo curso de formação. Neste
caso específico, o CFP e o CFO. Esta antiguidade acompanhará o profissional de
segurança por toda sua carreira servindo-lhe de precedência diante dos seus demais
pares, ou seja, colegas de profissão do mesmo posto (para Oficiais) e graduação (para as
Praças).
162

Destarte, como explicitado anteriormente, são necessárias algumas


competências e habilidades para o desempenho das atividades policiais, quer sejam
de cunho cognitivo, procedimental (técnico) e atitudinal, mas essas capacidades só
encontrarão o locus salutar para seu desenvolvimento se a estrutura organizacional
que está em nível estratégico, desenvolver as políticas administrativas de sua esfera
de atuação, de acordo com a Figura 4 – Requisitos para uma polícia profissional.
Assim, não basta que haja uma boa seleção, se a formação inicial é
insuficiente, a continuada não ocorre ou é deficitária, como enfatizam os
pesquisadores citados, especialmente Menke; White; Carey (2002); Bayley (2006) e
Poncioni (2005, 2007, 2014).
Como se mostrou na estatística, uma formação, por si só, também, não
surtirá muito efeito se os mecanismos de fiscalização, controle e responsabilização
(MUNIZ, 1999); (LEMBRUBER; MUSUMECI; CANO, 2003) não são efetivos, ou se
funcionam precariamente. Por outro lado, não há pesquisas para que os dados
produzidos, possam ser sistematizados, cientificamente, retornando à esfera
educativa, desta feita, como proposta educacional para corrigir os possíveis desvios
de conduta que a formação inicial não foi capaz de fazê-lo.
Outra abordagem que se faz imperativa é analisar se na formação
profissional o conhecimento acadêmico que o candidato e/ou o policial tem ao
ingressar na corporação ou venha conseguir já sendo policial é aproveitado,
obviamente respeitando-se as especificidades da doutrina e cultura policial-militar.
No caso da PMRN, o aproveitamento ocorre, informalmente, para os
oficiais que podem assumir funções administrativas em razão de suas formações
acadêmicas, aliada a sua formação profissional, que é o primeiro requisito. No caso
das Praças isso, também, pode ocorrer. E a partir da vigência da LC 515/2014 todos
os seus cursos acadêmicos são aproveitados como critério para promoções
funcionais, além, também, das especificidades dos respectivos cargos policiais-
militares, que são os primeiros requisitos.
A institucionalização de protocolos para atuação policial são algumas
inciativas já em prática nas polícias mais tradicionais do país, como, a PMESP e a
PMMG. Estes têm servido de incentivo para as demais Corporações, pois buscam
produzir conhecimento científico e sistematizar saberes policiais, como método de
resolução e/ou enfretamento de situações-problema que surgem no cotidiano da
própria prática policial.
163

Na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Silva (2007), por meio de uma
compilação de manuais editou o Manual Básico de Técnicas de Abordagem
Policial85, que, entre outros objetivos, visa rever os conceitos e técnicas da
abordagem policiais e, principalmente, sistematizar tais protocolos na atividade
policial-militar da PMRN, como saberes inerentes à atividade policial.
Todas as medidas e/ou ações são importantes para se alcançar, manter e
melhorar o nível de profissionalização na atividade policial-militar, porém uns são
mais prioritários que outros. Nessa perspectiva, a racionalização de procedimentos é
fundamental para que policiais possam atuar embasados em protocolos legitimados
e não no empirismo da tentativa e erro. Uma via para se alcançar tal proposta é a
pesquisa, a produção de conhecimento e especialização cada vez mais na sua área
de atuação.

85
Mesmo que embrionário, o referido manual deve servir como parâmetro para outros
estudos que possam contribuir para potencializar o nível de profissionalização na PMRN
e, quiçá, de outras polícias brasileiras, tendo em vista, o intercâmbio existente.
164

5 TOMADA DE DECISÃO ENQUANTO SABER PROFISSIONAL NA ATIVIDADE


POLICIAL-MILITAR: perspectiva Histórico-Cultural

A atividade humana para se desenvolver necessita ser executada por


meio de uma habilidade ou hábito. Por seu turno, essa atividade do mundo objetal
corresponde a uma necessidade, isto é, criada a partir da necessidade social.
Na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural (THC), a atividade humana se
origina por meio de uma necessidade, quais sejam, social ou biológica. As sociais,
com efeito, têm sua motivação nas necessidades humanas, que são engendradas a
depender das condições materiais e socioculturais nas quais o sujeito está inserido
(LEONTIEV, 1978, p.68-72).
Na atividade profissional e, neste estudo, a policial-militar, as categorias
analíticas Social, Atividade e Mediação, estabelecidas pela THC (VYGOTSKY, 1987)
são fundamentais, pois, diferentemente do que se possa inferir acerca da prática
institucional, os aspectos subjetivos e/ou emocionais (PETROVSKI, 1980) estão tão
presentes quanto os critérios objetivos (técnicos e legais), e podem influenciar direta
ou indiretamente em uma intervenção policial.

A Psicologia soviética, por seu turno, estabeleceu os princípios gerais a


partir da THC para explicar os fenômenos do mundo objetivo. Nessa concepção, é
por meio de uma relação objetal e mediatizada que a consciência reflete a realidade
objetiva, que o reflexo psíquico torna possível (LEONTIEV, 1978); (PETROVSKI,
1980); (GALPERIN, 1976); (DAVYDOV, 1986); (TALIZINA;1988; 2009); (NÚÑEZ;
2009); (FARIÑAS 2010), entre outros.

Na Atividade Tomada de Decisão policial-militar, como em outra atividade


humana, essa materialização reflete todas as ações, seja de forma explicita ou
implícita, quando se objetiva por meio dos conceitos histórico e culturalmente
construídos, nos quais estão circunscritos o Sentido e o Significado, que são
estabelecidos pelo homem antes, durante e após o desenvolvimento do trabalho,
enquanto constructo social.
O Sentido, nessa perspectiva, é uma construção individual do ser
humano, enquanto que o Significado é concebido de forma coletiva, partilhada por
um determinado grupo de pessoas, comunidade ou categoria profissional. O
Significado de uma palavra, que não deve ser concebido, equivocadamente, apenas
165

em seu compreensão semântica, “[...] representa um amálgama tão estreito do


pensamento e da linguagem, que fica difícil de dizer se se trata de um fenômeno da
fala ou de um fenômeno do pensamento (VYGOTSKY, 1987, p. 104).
O homem enquanto ser social, predominantemente ativo, socialmente
modificado e transformador do meio no qual está inserido, é quem produz o Sentido
e o Significado nas leituras contemporâneas da THC e já incorporam novos
pressupostos teórico-filosóficos, tais como a subjetividade, a complexidade, a
interdisciplinaridade, entre outros (FARIÑAS, 2010).

Em que pese a intervenção policial ser de cunho, eminentemente,


legalista (objetivo), como é notório, a ação humana, em termos vygoskyanos
está/será sempre permeada pelos aspectos da influência biopsicossocial que o
mundo objetivo imprime ao seu humano, sendo exteriorizado de forma subjetivada.

As Habilidades e os Hábitos humanos, com efeito, são algumas dessas


formas de materialização do pensamento, que na Atividade Tomada de Decisão
policial-militar, revestem-se de especificidades sui generis à própria atividade e à
categoria profissional.

Este capítulo, portanto, tem como objetivo principal analisar, na


perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, o Sentido e o Significado que
circunscrevem a Atividade Tomada de Decisão na profissão policial militar.

Na segunda seção, busca teorizar acerca da concepção e da construção


das Habilidades e dos Hábitos nessa atividade profissional. Na terceira objetiva a
análise teórica da formação da consciência e sua importância para o
estabelecimento da categoria habilidade.

Na quarta seção e última parte do capítulo são abordados os aspectos


fisiológicos e subjetivos que estão circunscritos na Tomada de Decisão policial-
militar, bem como são analisadas em que circunstâncias esses aspectos podem
permear a prática cotidiana dessa atividade profissional, influenciando-a.
166

5.1 Sentido e Significado: pressupostos de análise da Tomada de Decisão na


atividade policial-militar

O conceito de Sentido e Significado teve importância fundamental na


teoria vygotskyana, pois, segundo o próprio autor, é por meio dessa categoria
analítica que foi possível concretizar os estudos experimentais do pensamento
verbal, ou seja, a fala (VYGOTSKY,2014, p 277-8).
No entanto, como explicam alguns autores contemporâneos, dentre eles
González Rey (2007), esses conceitos só vão ganhar importância na obra de
Vygotsky quando do seu amadurecimento intelectual, em especial, em Pensamento
e linguagem, pois, anteriormente, de acordo com essa interpretação, tais categorias
estavam postas de forma implícita. Nessa concepção,

O controle da natureza e o controle do comportamento estão


mutuamente ligados, assim como a alteração provocada pelo homem
na natureza altera a própria natureza do homem. Na filogênese,
podemos reconstruir uma ligação através de evidências documentais
fragmentadas, porém convincentes, enquanto na ontogênese
podemos traçá-la experimentalmente (VYGOTSKY, 1991, p. 62)

A partir dessa perspectiva, lança mão de vários artefatos, termo


empregado pelo próprio autor, para explicar que a significação vai ser a
generalização dos conceitos. Esclarece que no processo de criação humana e
societal, tanto homem como sociedade são criados e recriados em uma relação
simbiótica e é, portanto, por meio dessa interação e transformação filo e
ontogenética que se alteram os significados e, também, os sentidos.

O Significado é uma construção social e reflete a produção de todo


constructo cultural produzido, historicamente, em dada sociedade. O Sentido, por
seu turno, é reflexo do primeiro, porém, interfere nele, não apenas as
representações socialmente construídas, mas também as motivações, desejos,
escolhas individuais, entre outras formas de manifestações subjetivas, para, a partir
167

desses constituintes, serem reelaborados como meios de interpretação do mundo


objetivo (BOURDIEU, 2005).

Um aspecto fundante para compreender a dimensão ontológica dessas


duas categorias analíticas, explica González Rey (2009), é concebê-la de forma
analítica e crítica, inferindo, assim, que não se trata, apenas, de uma questão
semântica mas, sobretudo, do caráter teórico desses instrumentos simbólicos.

Vygotsky destaca a importância desses conceitos para compreensão da


construção do pensamento humano, e como esses instrumentos ou signos que
compõem um sistema de categorias e conceitos engendram a consciência humana.
A significação, portanto, de uma determinada palavra se apresenta como uma
verdadeira amálgama entre o pensamento e a fala. Ou seja, a linguagem é uma
representação mental, um conceito generalizado.

O significado das palavras só é um fenômeno de pensamento na


medida em que é encarnado pela fala e só um fenômeno linguístico
na medida em que se encontra ligado com o pensamento e por este
iluminado. É um fenômeno do pensamento verbal ou da fala
significante – uma união do pensamento e da linguagem
(VIGOTSKY, 1991, p. 277).

Defende Vygotsky que os significados das palavras e, por conseguinte,


dos conceitos se alteram, pois o processo histórico-cultural promove mudanças na
sua estrutura interna. Portanto, compreender a forma de estruturação e
funcionamento do pensamento verbal é preponderante para se entender o
funcionamento do psiquismo humano (Idem, 2001, p. 287). Nesse contexto, o
sentido de determinada palavra ou sentença pode ter várias interpretações em
virtude do contexto social no qual ela está inserida (Idem, 2001, p. 292).

Por seu turno, Leontiev (1978) defende que a consciência humana tem
origem a partir da divisão do trabalho, pois este é responsável por operar motivos
comuns, significados, e tornam-se fenômenos da consciência individual. Portanto, as
condições materiais e dos meios de produção em que o trabalho é engendrado
168

surge, também, a propriedade privada. É, por conseguinte, nesse contexto, que os


Significados que são, socialmente, construídos passam a ser dual, e a Psicologia
coloca-se a diferenciar o significado objetivo e o sentido subjetivo, que o autor
denomina de sentido personal (LEONTIEV, 1978, p.113). Assim,

[...] los significados aparecen ante el sujeto también en sua


existencia independiente, ou sea, como objeto de la conciencia y, a
la vez, como modo y mecanismo de la aprehensión, es decir,
funcionando en el procesos que presentan la realidade obetiva. En
este funcionamiento, los significados entran em relaciones internas
que los viculan con outros generadores de la conciencia individual;
solo en estas relaciones internas es donde adiquieren su
característica psicológica (LEONTIEV, 1978, p.114).

Portanto, a

[...] diferencia de los significados, los sentidos personales, lo mismo


que la trama sensorial de la conciencia, no poseen uma existencia
supraindividual, na psicologia. Mientras que la sensorialidad externa
vincula en la conciencia del sujeto los significados con la realidad del
mundo objetivo, en el sentido personal los vincula con la realidad de
su própria vida en este mundo, son sus motivos. El sentido personal
es el que crea la parcialidad de la conciencia humana (LEONTIEV,
1978, p. 120).

O sentido personal é sempre um sentido de algo puro, imaterial, mas ao


mesmo tempo está, afetivamente, repleto de sensações, que o autor denomina de
psicologicamente rico. Isto é, tais significações são engendradas ao longo da vida do
ser humano, em um processo, por excelência, histórico-cultural e social. Esclarece
ainda Leontiev (Op. Cit), que nenhum indivíduo possui sua própria língua, tampouco,
significados por ele elaborados, criando sua história particular, mas que mesmo os
sentidos personais são um conjunto de interações, os quais são criados, recriados e
ressignificados pelo contexto sócio-histórico-cultural.
169

Em uma atividade profissional a própria atividade é o mecanismo de


mediação do sujeito com o mundo objetivo. Nesse sentido, focalizando a prática da
atividade policial, toda intervenção policial é esse vetor de mediação que, por seu
turno, é motivada por uma necessidade social, institucional e/ou individual.
Na concepção Histórico-Cultural o homem jamais mantém relação
mediata com o mundo exterior, visto que nessa premissa o mundo objetivo aparece
para o homem por meio de motivos, finalidades, necessidades e condições de sua
atividade (LEONTIEV, 1978, p. 98).
A atividade tem sua constituição interna que dinamiza a relação objetal. A
estrutura da atividade se compõe por meio dos motivos, ações e operações que
movem sua finalidade. Assim sendo, qual o motivo que mobiliza a atividade policial?
Qual a necessidade de que o ato de policiar aconteça?
Para responder a essas questões, parte-se da definição clássica da
atividade de policiar de Monjardet, sintetizando que:

A dimensão institucional de toda polícia se analisa como uma reunião


de dois elementos analiticamente distintos. Um elemento universal,
comum a toda polícia, sua instituição (no sentido dinâmico do termo)
como instrumento distribuidor de força num conjunto socialmente
definido [...]. E um elemento específico que em contrapartida,
diferencia as polícias: as finalidades que são socialmente atribuídas
ao uso da força em uma determinada sociedade, e que se identificam
ao mesmo tempo por prescrições normativas particulares [...]. A
polícia não é esse instrumento que intervém quando “force may have
to be used”, mas sim quando lhe é ordenado fazê-lo, seja por
instância que tem autoridade sobre ela ou pelo sistema de valores
partilhados aqui e agora (MONJADERT, 2003, p. 23).

A conceitualização adotada por Monjardet está na mesma perspectiva


teorizada pela Sociologia das profissões de Dubar (1997), pois se faz necessária a
institucionalização de um mandato, e isso é conferido por um diploma oficial
legitimado socialmente.
Conforme Dubar (1997), mandato “é a obrigação legal de assegurar uma
função específica”. No Brasil, está estabelecido no artigo 144 da Constituição
Federal de 1988, conferindo tal instituto às Polícias Militares: Portanto, “às polícias
170

militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” (BRASIL,


1988).
Ao cumprir sua formação inicial, o policial militar brasileiro, seja para a
carreira de Praças ou Oficiais86 (conforme Figura ilustrativa 4), esses profissionais,
são diplomados. Os primeiros em nível técnico e os Oficiais com formação em
bacharel em segurança pública. Essa formação lhes é conferida em instituições
próprias de ensino policial, portanto, seria nas palavras de Dubar (Op. Cit.), seu
diploma legal, sua licence, condição sine qua non, outorgada por instituição
competente para tal, que no caso brasileiro são as academias e o centros de
formação existentes nas Corporações, instituições quase bicentenárias (SILVA,
2009).
Como visto no Capítulo 2, em alguns países europeus a exigência para
ingresso nas corporações policiais, desde o final do século XIX, é a de formação em
ciências jurídicas para os dirigentes, o que não acontece para os policiais de rua.
No Brasil, como as funções (atividades) policiais são divididas, o que não
ocorre na maioria dos países, a atividade policial de prevenção e repressão do crime
e ordem pública é de competência das Polícias Militares. No caso da investigação,
essa é da alçada da Polícia Civil. Há países em que essas funções são exercidas
por uma mesma instituição.
Após a Constituição Federal de 1988 exige-se para os cargos de
Delegados da Polícia Civil, o nível de bacharel em Direito, o que só passou a ser
exigido para os cargos de oficiais das PMs, há aproximadamente, dez anos,
inicialmente, na Brigada Militar/RS e na Polícia Militar/GO. Na Polícia Militar/AM, há
menos de cinco anos e, mais recentemente, na PM mineira e na carioca.
No Rio Grande do Norte, no caso dos agentes de Polícia Civil, desde
2010, já é exigido formação em nível superior. Apesar de estar em andamento uma
legislação para mudar a exigência para o ingresso para Oficiais e Praças na PMRN,
o requisito atual ainda é de nível médio para ambos os cargos.

86
Para a carreira policial-militar, no Brasil, o candidato ingressa na Corporação por meio de
concurso público. Há dois níveis funcionais: para o cargo de Soldado, após a formação
inicial executa, essencialmente, o policiamento ostensivo, pode ascender,
profissionalmente, até a graduação de Sargento ou Subtenente; ou presta concurso para
o cargo de oficial, iniciando a carreira profissional como Tenente podendo chegar até o
posto de Coronel. Para o cargo de oficial exerce as funções de gerenciamento e
coordenação, seja na esfera administrativa ou na operacionalização do policiamento.
171

A forma de atuação e especificidades da atividade policial-militar estão


previstas no regulamento das Polícias e Bombeiros Militares, conforme discorrido,
também, no Capítulo 2.
A despeito da institucionalização de um compromisso solene que as
profissões mais tradicionais prestam, a exemplo de médicos, advogados, juízes,
entre outros, os policiais militares sempre tiveram o seu compromisso legal
institucionalizado e, solenemente, declamado perante a sociedade no ato de sua
diplomação, conforme a seguir, respectivamente, para os cargos de Soldado e
Oficial da Polícia Militar do Rio Grande do Norte:

Ao ingressar na Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte,


prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir
rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado
e dedicar-me inteiramente ao serviço policial-militar, à manutenção
da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o risco
da própria vida (RIO GRANDE DO NORTE, 1976).

Ao ser declarado Aspirante-a-Oficial da Polícia Militar, assumo o


compromisso de cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a
que estiver subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço
policial-militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da
comunidade, mesmo com o risco da própria vida (RIO GRANDE DO
NORTE, 1976).

Com efeito, defende-se que a atividade policial-militar é muito mais que


uma ocupação, pois cumpre todos os requisitos legais culturais estabelecidos para
legitimação de uma profissão. Muito embora seja consenso que em alguns deles, o
nível que uma sociedade democrática deseja ainda está aquém do satisfatório e
esperado (MENKE; WHITE; CAREY, 2002).
A atividade que desempenha o policial militar atende, mesmo que de
maneira implícita, uma necessidade da sociedade, de atuar em prol de um bem
comum, ou seja, da coletividade. Assim sendo, qual seria a estrutura (necessidade,
motivo, ações, operações, finalidade e objetivo) que orienta a atividade policial-
militar e, consequentemente, sua Tomada de Decisão?
De acordo com Leontiev (1978), a atividade é uma unidade molecular,
não aditiva que constitui a vida objetiva do indivíduo. Essa atividade nunca é
172

mediata, mas sim mediatizada pelo reflexo psíquico. Portanto, será em toda medida
estabelecida pelas relações e condições da vida material objetiva, por meio das
interações inter e intrapessoais. Nesse sentido, não se confunde com reação, mas,
por excelência, interação e condições materiais e subjetivas a ela circunscrita.
A atividade humana, conforme o autor, deriva, surge, origina-se por meio
da necessidade. Análogas às necessidades fisiológicas, são as necessidade
subjetivas, psicológicas ou emocionais, as quais têm sua motivação nas
necessidades humanas, que são engendradas socialmente e divergem a depender
das condições materiais socioculturais nas quais o sujeito está inserido (LEONTIEV,
1978, p.68-72).
A necessidade que motiva a atuação policial parte da sociedade quando
dessa se origina o clamor de ordem e paz social que fora alterada, desejando,
mesmo que, implicitamente, seja reestabelecida. Com efeito, o profissional de
segurança pública, em especial, o policial militar, foi legitimado por essa mesma
sociedade para agir em prol da sua defesa, que, por seu turno, sente-se imbuído de
fazer valer o seu diploma, legalmente instituído e, por imposição do seu mandato,
tem a obrigação legal, moral e socialmente que assumiu, devendo preservar vidas e
aplicar a lei.
Por seu turno, os motivos, na perspectiva interpretativa da THC, seriam
constituídos de ações e operações que compõem a atividade de policiar,
secularmente desempenhada. Então, nessa perspectiva, qual o Sentido e o
Significado da atividade da atividade profissional policial-militar?
Ao longo da história o papel de policiar foi criado e reinventado. Como dito
incialmente, a forma de atuação e sua legitimação são sociais e vão variar de acordo
com as condições materiais de determinada sociedade.
Nesse aspecto, toma-se como parâmetro a sociedade potiguar, inserida
no contexto social brasileiro com características sócio-histórico-culturais bem
diversa, conforme a seguir.
O Rio Grande do Norte tem população não superior a 4 milhões de
habitantes, com região metropolitana de, aproximadamente, 1,5 milhão de pessoas
e sua capital, Natal, apesar de, mundialmente, conhecida, ainda, conserva ares de
cidade pequena, até provinciana, em alguns aspectos. Com uma população que não
173

passa de 900 (novecentos) mil habitantes87, a capital potiguar conserva extremos de


uma população cosmopolita, mas também, áreas periféricas, onde a necessidade
pela atividade policial é premente, visto que, muitas vezes este é um dos poucos
serviços públicos que tardam, mas não deixam de ser executados, mesmo com
precariedade.
O Sentido e o Significado da atuação da atividade policial-militar nas
quatro áreas geográficas de Natal, não deveriam divergir, pois como apregoam os
estudiosos em segurança pública ela (a polícia) deve ser igualitária para todas as
pessoas em quaisquer que sejam os contextos que ensejem a sua intervenção
(BALESTRERI, 2002); (BAYLEY; 2002; 2006).
Como forma de objetivar essa teorização veja-se um exemplo fictício, que
poderia ser vivenciado pelos policiais militares potiguares e, também, quiçá, ser
matéria de capa de jornais locais e nacionais: a prisão de adolescentes pelo uso de
entorpecentes.
No bairro Ponta Negra dois adolescentes são flagrados por uma patrulha
da Polícia Militar quando fazem uso de maconha, na Avenida Erivan França, uma
das orlas marítima mais visitadas do Brasil, especialmente, por sua beleza natural e
conhecida, mundialmente, pelo Morro do Careca, cartão postal de Natal. Um dos
jovens é loiro, está usando roupas caras, expressa-se bem; o segundo adolescente
é negro, usa roupas velhas e, pela forma como se expressa, rapidamente, infere-se
que o primeiro cursou uma boa escola, já o segundo, talvez, não tenha tido a
oportunidade sequer de sentar em uma sala de aula em toda sua vida...
A atuação policial é imediata, os dois são abordados, à guisa policial, e
fica a indagação: qual teria sido o procedimento da atuação policial com os
adolescentes infratores?
Nesse momento o Sentido e o Significado que permeiam o constructo
teórico Histórico-Cultural da atividade policial são mediadas, não, somente, pelas
competências cognitivas, procedimentais e atitudinais que devem compor os
parâmetros formativos policial-militar (SILVA, 2012; 2017b), e orientar os aspectos
legais, técnicos e éticos de uma intervenção policial (SILVA, 2016), mas,
principalmente, pelo caráter subjetivo e emocional que movem os desejos e as
motivações humanas.

87
Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=240810. Acesso em: 07
ago 2015.
174

Propositadamente, não se conclui o desfecho desse exemplo fictício, mas


seu intuito é fomentar a reflexão-crítica, demonstrando que a atividade policial é
deveras complexa, pois apesar de contar com critérios técnicos para estabelecer-se,
na prática cotidiana, como em qualquer atuação profissional, os aspectos subjetivos
e emocionais são muito significativos, os quais constituem muito mais o Sentido do
que o Significado (VYGOTSKY, 1991; 2014), (LEONTIEV, 1978) da Tomada de
Decisão, a policial-militar.
Dados empíricos que podem concretizar melhor o exemplo acima foram
pesquisados por Pinc (2006), a partir dos quais defende que o ato de tomar uma
decisão em uma ocorrência policial é, por excelência, uma ação de perícia quase
que cirúrgica, e fazem, também, problemática desta Tese, constante no capítulo 3.
A Tomada de Decisão, como fora explicitado anteriormente, reveste-se de
Significado, mas, principalmente, de Sentido, pois é dinâmica e transforma-se em
face da interação social que ocorre entre a o público (infrator ou não) e a instituição,
os policiais militares.

Mais adiante essas novas ressignificações são pormenorizadas


adequando-as à atividade policial-militar. Por ora, abordar-se-á como a Habilidade e
Hábitos humanos podem ser entendidos no enforque Histórico-Cultural.

5.2 Habilidade e hábito na atividade profissional

A formação de uma habilidade, na THC, necessariamente, é estabelecida


por meio de uma atividade, materialmente, surgida em um processo de
aprendizagem, que por seu turno é de caráter cognitivo e pode ocorrer por dois
meios ou grupos: gerais e específicos.
O primeiro pode ser utilizado em vários contextos, inclusive o de
planejamento da própria atividade, forma de execução e seu controle. Ou seja,
utilizam-se dos aspectos cognitivos e lógicos, relacionando-se com a “comparação,
conceito, dedução, consequência, demonstração, classificação, entre outros
(TALIZINA, 2000, p. 67).
Concebe-se, então, que tal processo de aprendizagem mobiliza uma
habilidade que desenvolve a metacognição, processo inteligível em que o agente da
ação tem consciência de todos os passos da atividade e ações que a compõem.
175

O segundo grupo, o das habilidades específicas, tem uma área de


abrangência limitada, pois tal aprendizagem é executada por meio de uma atividade
que desenvolve habilidades restritas a uma determinada área disciplinar. Nesse
contexto, esclarece a autora que os hábitos não conferem a mesma possibilidade de
aprendizagem como as habilidades (TALIZINA, 2001; p.87-8).
Há, portanto, dois modos de atividade que possibilitam a assimilação dos
conceitos e que esse processo é possível por duas vias: a espontânea e a dirigida.
No primeiro caso, por meio da assimilação espontânea, os hábitos não
proporcionam a construção de um pensamento lógico, pois não são,
suficientemente, conscientes, capazes de uma sistematização da apropriação do
conhecimento. Portanto, o conhecimento não é retido, tampouco poderá ser utilizado
em outra situação, pois se deu de forma inconsciente, não se generalizando a outros
contextos.
Na segunda possibilidade, a assimilação por meio de uma atividade
orientada, que possibilita a ativação de habilidades do pensamento lógico, vai guiar
a atividade de uma forma tal que será possível reduzir o tempo dessa assimilação,
proporcionando mais qualidade e possibilidades de generalização a outros
contextos. Assim sendo, “[...] la formación exitosa de las acciones se determina por
la calidad de su base orientadora”(TALIZINA, 2001, p.88).
Por outro lado, as atividades que, posteriormente, desmembram-se em
ações possibilitam a formação de habilidades, pois nessa perspectiva teórica,
apenas a realização de uma atividade possibilita deduzir que tal pessoa tem
conhecimento do processo e não apenas o executa de forma mecânica. Veja-se
quando ela explica sobre o desenvolvimento de habilidades em alunos:

Podemos hablar sobre los conocimientos de los alunos em la medida


em que sean capaces de realizar determinadas acciones con estos
conocimiento. Esto es correcto, ya que los conocimiento siempre
existen unidos estrechamente a unas u otras acciones (habilidades)
Los mismos conocimientos pueden funcionar en gran cantidad de
acciones diversas (TALIZINA, 1987, p.14).

Hábitos e habilidades jamais podem ser entendidos como sinônimos, pois


os primeiros são ações realizadas de forma inconsciente e espontânea. Por outro
176

lado, as habilidades são desenvolvidas por meio de uma atividade orientada,


tributando, assim, para a aprendizagem e desenvolvimento, tanto do homem como
do meio no qual este está inserido. Essa teoria foi criada e desenvolvida por P. Ya
Galperin (1976) e nominada Teoria da Assimilação dos Conceitos e das Ações
Mentais por Etapas, a partir das formulações teóricas filosóficas Histórico-Culturais.

De acordo com esse autor a diferença está, justamente, no


processamento da ação, ou seja, enquanto as ações automáticas ocorrem por meio
de mecanismo já constituídos na psique humana, como se houvesse uma fórmula
preestabelecida, nesse contexto, as ações orientadas estabelecem conexões
criando/mapeando o processo de aprendizagem.

Para melhor entendimento, pense-se, por exemplo, em uma fórmula


matemática, sem que se saiba o porquê e como se chegou àquele resultado. O
mesmo se dá em uma atividade cotidiana em que o ser humano estabelece uma
relação com a realidade objetiva inconscientemente ou, dito de outra forma,
automaticamente incorporada à sua prática habitual.

Por outro lado, quando da execução de uma atividade (ação) na qual se


estabelecem relações por meio de orientações, esses mecanismos funcionam como
instrumentos ativadores da capacidade cognitiva do ser humano, que torna possível
esse processo, o qual é mediado pelo reflexo psíquico, do plano externo para o
interno, possibilitando a apropriação do conhecimento e, também, da habilidade
(GALPERIN, 1976, p. 76-7).

A habilidade, de modo genérico, atua em dois campos: o teórico e o


prático. Em uma relação dialética são complementares visto que o sujeito de uma
atividade, necessariamente, precisa assimilar tanto o conhecimento teórico como os
saberes práticos para executá-la (TALIZINA, 1987)
De acordo com Núñez (2009) ao tratar do grau de domínio de
determinada atividade, sob o enfoque da Teoria da Assimilação dos Conceitos e das
Ações Mentais por Etapas, explica-se que quando o indivíduo atinge este nível de
apropriação, assimilou um novo conhecimento e, consequentemente, criou um
hábito, pois o conhecimento, agora, internalizado foi automatizado. Para esse autor,
“no trânsito pelas etapas, quando programado o processo, as habilidades podem
177

derivar hábitos, ou seja, ações automatizadas nas quais as operações se realizam


inconscientemente” (NÚÑEZ, 2009, p.124).
No caso da definição feita pelo autor durante a apropriação ou
assimilação do conhecimento houve uma abreviação em virtude do conhecimento de
todas as etapas que se adquiriu, não sendo mais necessário repetir algumas delas.
Para Talizina (2001), quando os hábitos ocupam o lugar dos meios,
sendo, portanto, uma ação inconsciente dessa atividade, esses “hábitos” não
possibilitam a apreensão do conhecimento.
Na perspectiva de Núñez (2009) o processamento da atividade,
devidamente, orientada possibilita que a habilidade se torne uma ação
automatizada, pois pelo, domínio que o agente tem em executá-la, algumas etapas
são abreviadas, tornando-se um hábito, nesse caso, inconsciente, pois se tornaram
automatizados.
Partindo do pressuposto epistemológico apresentado, para analisar a
habilidade e o hábito na atividade policial-militar, infere-se que, ora esse profissional
pode estar agindo utilizando suas habilidades cognoscitivas para Tomada de
Decisão, ora pode agir, deliberadamente, tomando sua decisão em função de um
hábito que fora de forma automatizado, incorporado às suas práticas profissionais,
sem que este tenha, efetivamente, consciência do que está/permanece fazendo.
Para melhor elucidar essa questão, apresenta-se outro caso hipotético, no
qual policiais militares em atuação de rotina são demandados a exercerem sua
atividade, pela força do ofício e pelo mandate e licence (DUBAR, 1997), que os
autorizam e, ao mesmo tempo, os cobram para agirem em nome da lei.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe às Polícias Militares
o policiamento ostensivo para o controle e preservação da ordem pública. No
entanto, a própria Carta Magna estabelece que a segurança pública é dever do
Estado, contudo, é direito e responsabilidade de todos (BRASIL, 1988).
Contudo, ainda, a despeito da forma exclusiva de atuação das Polícias
Militares brasileiras, esta, fora definida no Decreto-Lei Federal Nº 667 de 1969,
circunscrevendo que, além da prevenção, às Polícias Militares, também, caberiam a
repressão contra a perturbação da ordem pública, conforme citação abaixo, e que
em circunstâncias atuais, implicitamente fico extensivo à criminalidade, em geral,
178

observando-se, necessariamente, os limites legais para o uso da força e de armas


de fogo88, recentemente, normatizado no país:

Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança


interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às
Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a)
executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das
Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela
autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes
constituídos; b) atuar de maneira preventiva, como força de
dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser
possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira
repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o
eventual emprego das Forças Armadas; d) atender à convocação,
inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra
externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou
ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para
emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como
participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; [...] (BRASIL,
1969)89.(Grifos do autor).

O ponto crucial a ser analisado na atividade policial-militar, como


mecanismo de desenvolvimento da habilidade, é abordado a partir de um certo
encontro (des)concertante (PINC, 2006) entre o público e a instituição policial, que
ocorre, na medida em que uma equipe de policiais, atuando no policiamento
ostensivo precisa tomar a decisão acerca da flagrância de um ato delituoso. Nesse
sentido, retomar-se-á o caso hipotético dois adolescentes flagrados portando
determinada quantidade de entorpecentes, na Praia de Ponte Negra, em Natal, para
que se possa aproximar, em tese, a teoria da prática cotidiana policial-militar.
De acordo com as leis em vigência no país, dependendo da forma como o
agente infrator é apresentado em uma delegacia de polícia, este pode passar de

88
O Brasil é signatário do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei (CCFRAL), da ONU (1979), e editou a Portaria Interministerial nº
4.226/2010, do MJ e da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, que
regula a ações dos policiais, no tocante ao uso de força e de armas de fogo, mas também
como os entes estatais devem prover condições necessárias, fiscalização e capacitação
contínua para os profissionais da segurança pública (BRASIL, 2010).
89
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-667-2-
julho-1969-374170-normaatualizada-pe.pdf. Acesso em 28 out 2017.
179

transgressor da lei a dependente químico, sendo desobrigado da privação de


liberdade. Veja-se abaixo o que estabelece a Lei Federal Nº 11.343 de 2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou


trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das
drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º
Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de
pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar
dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga
destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à
quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais,
bem como à conduta e aos antecedentes do agente (Grifei) (BRASIL,
2006.)

Nessa perspectiva hipotética, de precisarem apresentar as pessoas


flagranteadas pelo uso de entorpecentes à delegacia de polícia, os policiais
militares, necessariamente, devem fazer o registro dessa ocorrência e, assim sendo,
essa atividade está sistematizada de forma a ser realizada, conscientemente e, por
ser uma rotina do contexto policial, é feito de forma automática.
Enfatiza-se, entretanto, que se trata de dois jovens, sendo um negro e um
loiro. O primeiro, maltrapilho, que se comunica precariamente – destaca-se, pela
própria falta de não haver frequentado uma escola e, também, por medo da
repressão policial (ALTHUSSER, 1974). O outro, bem vestido, comunica-se bem,
sendo possível perceber que estudou em boas escolas, quiçá já frequentando,
também, uma boa universidade e deve pertencer à classe social abastarda.
Então, diante das circunstâncias postas, o que moverá ou instruirá a ação
policial-militar na sua Tomada de Decisão? Um hábito ou uma habilidade?
Hipoteticamente, não é possível dizer qual seria a Tomada de Decisão policial-
militar. No entanto, tal reflexão serve como mecanismo de análise para enfatizar que
há uma linha tênue entre a Tomada de Decisão orientada pela habilidade e aquela
que é orientada pelo hábito, pois este último, por estar automatizado, no cotidiano da
180

profissão, e neste estudo, específico, é razoável considerar que as ações policiais,


podem ser influenciadas, também, pela subjetividade do profissional de segurança,
muito embora, que na primeira hipótese (no caso da habilidade) isso, também,
possa acontecer.

5.3 A formação da consciência para o estabelecimento da habilidade

A formação da consciência orienta as atividades não automatizadas,


desde que outrora tenham sido assimiladas de forma dirigida, e está,
intrinsecamente, relacionada ao desenvolvimento do trabalho como atividade
humana, sendo estabelecida no processo de comunicação do homem com o mundo
objetivo e envolve a consciência (LEONTIEV, 1978, p. 114).

A consciência, nessa perspectiva, é um atributo do cérebro humano. É a


unidade dos processos psíquicos que participa, ativamente, nas relações do sujeito
com o mundo exterior e com seu próprio eu e, ao mesmo tempo, é o grau superior
do desenvolvimento da psique humana que surge no processo de trabalho e da
comunicação (NÚÑEZ, 2009, p.67-68).

Em uma Tomada de Decisão, portanto, de ocorrências, tipicamente,


policiais, seus integrantes devem dominar, integralmente, as três esferas de
competência definida Perrenoud (1999), quais sejam cognitiva, procedimental e
atitudinal (BRASIL, 2010) e transportá-la para os saberes policiais-militares. Nesse
sentido, o desenvolvimento de uma habilidade, como é o caso da Tomada de
Decisão na atividade policial, implica em sistematização de um processo de
aquisição de conhecimento e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento de
competências.

Como defendida pela Teoria Histórico-Cultural, as condições materiais


que circundam uma categoria profissional contribuem, significativamente, para sua
constituição sociocultural (ideologias, valores, normas e costumes,
institucionalizados ou não), e seus integrantes são demandados e agem,
profissionalmente, influenciados, socialmente, por esses aspectos.
181

Essas condições materiais, por seu turno, ao mesmo tempo provocaram


inúmeras avanços, mas também, retrocessos, e impõem ao homem e à sociedade
posturas e posicionamentos, muitas vezes, conflitantes. Nesse sentido, as
desigualdades e vicissitudes que permeiam o mundo objetivo, também, estão
imbricados nessa teia social.

Aliados a outros fatores geradores de desregramento e anomia social dão


vazão ao surgimento de condutas que não são aceitas socialmente, podendo ser
apenas conduta antissocial ou um ato criminoso (DURKHEIM, 2001). Esse é,
portanto, o objeto abstrato, pelo qual ocorrerá a interação da ação/ou não ação
policial com o meio em que ele está inserido.

Está ação/não ação (e, às vezes, omissão), que enseja uma Tomada de
Decisão é motivada pela necessidade profissional e individual que o policial precisa
atuar e, para tal, sua habilidade de decidir deve estar desenvolvida. Segundo Núñez
(2009, p. 66), esse processo ocorre por meio da atividade, sendo considerada uma
atividade de estudo, de caráter consciente, orientada a um objetivo definido.

De acordo com esse pressuposto, o objetivo é a finalidade pela qual se


executa a atividade, devidamente, acionada por um motivo, a força motriz, que
impulsiona a ação. Isto é, atua como manifestação concreta da necessidade
(PETROVSKI, 1980, p.100).

Em uma sequência esquemática devem ser desenvolvidas ações que são


denominadas como:

[...] proceso subordinado a la representación que se tiene del


resultado que debe lograrse, es decir, al proceso subordinado a un
fin concíente. Del mismo modo que el concepto de motivo se
correlaciona con el concepto de actividad, el concepto de fin se
correlaciona com el concepto de acción. (LEONTIEV, 1978, p.82)

De forma sistêmica, a atividade policial é composta de ações e devem se


desdobrar em operações, que são os meios pelos quais essas ações são
executadas (LEONTIEV, 1978, p.85).
182

Quando um policial está imbuído de fazer determinada atividade


profissional, essa ação tem um motivo, explícito ou tácito. Explícito, pode ser
entendido quando em um procedimento técnico-profissional que ele promove em
uma diligência, como o de capturar alguém que praticou um crime ou está na
iminência de cometê-lo.

Por outro lado, o motivo tácito seria quando nessa mesma ação, por meio
de medidas preventivas, também, em uma diligência, esse mesmo profissional evita
que o crime ocorra. Ou seja, para a sociedade apenas o primeiro motivo fica
evidente, a decisão de capturar um infrator, pois houve a materialização por meio da
ação (captura da pessoa que cometeu dado ato criminoso). Já na ação preventiva, a
Tomada de Decisão, também, ocorreu, o motivo estava implícito e o crime fora
evitado, muito embora essa não seja a percepção social, pois não se materializou,
pelo menos, não concretamente aos olhos da sociedade.

Para analisar a consciência no caso da atividade profissional policial-


militar, na perspectiva da THC, toma-se como exemplo um patrulhamento, que tem
seu objetivo já determinado pela instituição policial, ou seja, a prevenção do crime.

É importante frisar que, dependendo da forma de execução de uma


atividade, esta pode perder seu motivo. Isto é, quando um policial que deveria
executar seu trabalho com consciência, realizando todas as partes constituintes da
ação, não o faz, esse patrulhamento deixa de ser uma atividade orientada a um fim,
para ser somente um ato de deslocar-se em uma viatura policial, como, o de
caminhar, conduzir uma motocicleta ou guiar um veículo, entre outros.

Portanto, ao não se concretizar enquanto essência da função policial,


orientada para prevenir o crime, essa atividade perdeu o sentido. Por outro lado, [...]
la acción pelo contrário puede adquirir una fuerza impulsora propia y llegar a ser una
actividad particular (LEONTIEV, 1978, p. 87). Isso ocorreria, quando em situação
análoga, o policial que apenas guia um veículo policial, interessado em outras
questões que não as de segurança pública, passa a fazê-lo no intuito de capturar um
infrator, por exemplo.
183

É nesse contexto de ação/omissão que a Tomada de Decisão da


atividade policial, operacionaliza-se. E, em sendo operacionalizado, o processo de
realização consciente da atividade é que, na perspectiva da THC, desenvolve a
habilidade humana, que neste caso específico é da Tomada de Decisão na
Atividade policial-militar.

De acordo com Núñez (2009, p. 74), a aprendizagem deve ser


considerada como uma atividade humana, consciente e orientada a um fim, ou seja,
a apropriação de conhecimento. Nesse sentido, a aprendizagem como atividade é
um termo equivalente ao termo ação, e assim, aos estruturarmos o sistema de ações
que o estudante deve realizar para assimilar os conceitos, estar-se-ia, também,
organizando as condições (operações) adequadas para formação de habilidade. Por
conseguinte, as etapas que constituem uma aprendizagem de uma nova habilidade
são:

[...] conocimiento preliminar de la tarea, reproducción material del


objeto (con modelo de arena en crudo) raciocínio verbal cuidadoso
de las particularidades de cada lugar y conclusión sobre caráter de
éstos; a continuación, realización de éste mismo processo, ya no em
forma verbal, sino interna y parcial, y por último, la realización mental
de todas las operaciones com sola verbalización del resultado final.
[...] más tarde se denomino la formación por etapas de los actos
mentales [...] (GALPERIN, 1976, p,30)

De acordo com a Teoria da Formação das Ações Mentais por Etapas,


organizando as operações adequadas para realização da atividade, esta alcança um
grau de automatização, consciência, solidez e, consequentemente, generalização,
momento em que a habilidade está formada. Ainda, conforme Núñez (2009, p. 74),
quando uma pessoa assimila uma experiência das gerações anteriores, assimila não
somente os objetos do mundo exterior (conceitos), como também a parte operativa
que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos.
Outro aspecto que, obrigatoriamente, deve ser observado é a
classificação das habilidades. São gerais aquelas que são utilizadas em diferentes
184

áreas de conhecimento. Já as específicas refletem as particularidades do objeto, isto


é, só podem ser aplicadas em uma determinada área de conhecimento (TALIZINA,
2001).
A habilidade de tomar decisões é uma habilidade geral, pois é utilizada
em toda e qualquer área de conhecimento, pois mobilizam outros conhecimentos.
Essas habilidades são conteúdos das ações que o sujeito domina, estruturados em
operações e orientados a um objetivo. Possibilitam, portanto, a interação com os
objetos e com outros sujeitos (NÚÑEZ, 2009, p, 84).
Ao se analisar um evento hipotético, no qual um policial precise fazer uso
de sua arma fogo para evitar a morte de um refém que está sob a mira de um
sequestrador, este profissional, além de dominar a habilidade específica de
manusear, com extrema técnica sua arma, precisará antes disso, dominar a
habilidade geral da Tomada de Decisão. Ou seja, precisará elaborar uma análise
lógica situacional, em frações de segundos, ancorando-se, obrigatoriamente, em
todo arcabouço, legal, técnico e ético de sua formação profissional (SILVA, 2017b).
Como dito anteriormente, todo desenvolvimento profissional pelo qual
passou este policial é a marca registrada da sua personalidade como sujeito social,
mas, também, particular, que em um momento de crise precisa mobilizar os
conhecimentos necessários ao desempenho adequado de sua profissão. E é,
consequentemente, nesse contexto de assimilação do trabalho, como práxis
humana, que se forma a consciência, que é ao mesmo tempo individual e coletiva.

Nesse sentido, segundo Núñez (2012), o desenvolvimento de habilidades


gerais pode ser estabelecido por meio de atividades orientadas, como,
anteriormente, explicitado. Defende o autor que se deve constituir uma base
orientadora que possibilite a sistematização dessas atividades, criando meios e
condições de execução de ações apropriadas a esse fim. Sendo assim, enfatiza que
devem ser formalizados objetivos gerais para instrumentalizar o processo de
ensino/aprendizagem, pelo autor, denominado de unidade didática, definindo, assim,
alguns indicadores de qualidade, conforme abaixo:

a) o grau de generalização (nível de transposição do conhecimento a


outras áreas dentro do limite de abrangência desse conhecimento);
185

b) grau de independência (que mediaria a capacidade individual do


aprendiz em realizar atividade);

c) grau de consciência (que avaliaria a capacidade do aluno refletir sobre


a atividade que está sendo desenvolvida, demostrando sua capacidade meta-
cognitiva); e

d) por fim, o grau de assimilação da ação (ou seja, a avaliação do nível de


apropriação da própria ação).

A partir desses pressupostos, infere-se que todos esses princípios


norteadores ao serem transpostos para área de atuação profissional, como a da
atividade policial-militar, possibilite o desenvolvimento de habilidades gerais. Ou
seja, instaurar uma unidade didática90 que possa pôr em prática a habilidade da
Tomada de Decisão na atividade policial-militar que contemple o desenvolvimento
da própria atividade profissional (SILVA, 2017a).
Essa formação/transformação da personalidade profissional pode
estabelecer um nível de consciência necessária para o desempenho funcional,
ancorados em procedimentos legais, técnicos e éticos (BRASIL, 2010; 2014).
Para tanto, tomar-se-á como referência o que é mais peculiar à atividade
profissional policial-militar: o uso da força e, em casos mais extremos, o da arma de
fogo, obviamente, quando devidamente amparado pela legislação, fazendo uma
análise de quais competências devem estar mobilizadas durante uma ação,
tipicamente, policial.
A partir do Quadro 12 – Competências policiais-militares acerca do uso da
força, pode-se fazer algumas inferências, pois é por meio de instrumentos
normativos, institucionalizados, que os profissionais de segurança pública devem
nortear seu mister.

90
No caso da atividade profissional policial-militar esta unidade didática deve ser
denominada de Procedimento Operacional Padrão (POP), que após testado e validado,
deve ser institucionalizado como parâmetro a ser adotado pelos integrantes na
corporação, como a Portaria Interministerial 4.226/2010 (BRASIL, 2010), muito embora
esta última seja apenas diretrizes e não parâmetros técnicos.
186

Quadro 12 - Competências policiais militares acerca do uso da força

COMPETÊNCIAS POLICIAIS-MILITARES

COGNITIVAS OPERATIVAS ATITUDINAIS


As respostas aqui deverão indicar os As repostas aqui deverão indicar os conteúdos Aqui as respostas deverão indicar os
conhecimentos conceituais, ou seja, aqueles procedimentais. Estes conteúdos são expressos conteúdos atitudinais. Estes são indicados
que se referem aos conceitos, leis, em habilidades (o fazer policial). por valores, crenças individuais e grupais
regulamentos, saberes, etc. historicamente (o aspecto relacional)
sistematizados.

EXEMPLO (ATIVIDADE DO USO DA ARMA DE FOGO)


 Código de conduta para os encarregados  Habilidade de comunicação  Valores que orientam a Tomada de
de aplicação da Lei;  Habilidade de negociação Decisão;
 Portaria 4.226 (MJ/SDH, 2010) que  Habilidade de empunhadura  Ação e reação em determinados
disciplina o uso da força e/ou arma de  Habilidade de efetuar disparos em diversas contextos;
fogo situações  Reflexões antes, durante e depois da
 Regulamentos e manuais de tipos de  Habilidade de imobilização ação.
arma;
 Regulamentos e manuais de tipos de
munição.
Os conhecimentos, habilidades e atitudes deverão favorecer a uma relação da teoria com a prática, contida na disciplina em questão, em
relação às competências selecionadas.

Fonte: Autoria própria, sistematizado durante a produção da Tese


Referência: Matriz Curricular Nacional/MJ/SENASP (BRASIL; 2014, p. 21-9)
187

O Quadro 12 - Competências policiais-militares acerca do uso da força, foi


idealizado a partir das necessidades formativas que se evidenciaram nos currículos
dos sujeitos durante a pesquisa bibliográfica e empírica (Cabos e Sargentos), em
processo de formação continuada no CFAPM, em 2016.
Como defendido por Sacristán (2011) e por Shön (2000), em tese, os
currículos são, eminentemente, teóricos e relegam a segundo plano os aspectos
práticos da formação.
A partir desses pressupostos e considerando o estabelecido na MCN
(BRASIL, 2014), quando da avaliação dos dados empíricos, produziu-se o referido
quadro que, em princípio, sinalizam que parâmetros conceituais, procedimentais e
atitudinais, os quais devem ser contemplados em um Referencial Procedimental
(POP) para atuação do policial militar, quando da necessidade da avaliação do uso
ou não de forção e/ou de armas de fogo para resolução de ocorrências críticas, na
pratica da atividade profissional, que é parte integrante do Capítulo 8.
Esse POP, por seu turno, é a materialização do conceito da habilidade da
Tomada de Decisão, que ao mesmo tempo que deve ser sucinto, deve se tornar,
também, autoexplicativo para que sua assimilação e possibilidade de transposição a
diversos contextos situacionais na atividade profissional policial-militar sejam
facilitadas.
Outro objetivo do Quadro de competências é imprimir um caráter prático
aos conceitos dos conhecimentos e saberes policiais no campo de pesquisa
profissional de segurança pública, em estudo, sem, contudo, furtar-se de contemplar
a reflexão crítica que deve permear uma atividade profissionalizada, seja, antes,
durante e após a sua execução da atividade.

5.4 Aspectos fisiológicos e subjetivos na Tomada de Decisão na profissão


policial-militar

Independentemente de qualquer que seja a atuação profissional, o caráter


de subjetividade sempre é colocado em segundo plano, sobretudo em face do grau
de complexidade que envolve a auferição e análise de tal característica.
A assertiva acima é uma constante, especialmente, nas profissões mais
tradicionais. Recorrentemente, ao abordar os critérios que devem constituir uma
188

formação profissional, esses aspectos não são aprofundados, na maioria das vezes,
inclusive, menosprezados e, até, desconsiderados.
De acordo com os principais expoentes, seguidores e desenvolvedores da
Teoria Histórico-Cultural, a categoria da subjetividade não foi estudada ou, pelo
menos, não foi possível destacar tal abordagem de forma explicita. Entretanto, pode-
se fazer algumas deduções, por exemplo, a partir das teorizações do Sentido que é
trabalhado, incialmente, por Vygotsky e, posteriormente, por Leontiev, quando
tratam do sentido personal, que não deixa de ser uma interpretação da subjetividade
humana.
Por outro lado, quando PETROVSKI (1980) sistematiza no livro Psicología
General os aspectos emocionais e volitivos da atividade, infere-se que estava
abordando a categoria subjetividade, mesmo que tal conceitualização não apareça
nas suas teorizações, bem como na de outros seguidores da THC que,
explicitamente, não discorreram acerca dessa categoria analítica, mas que,
implicitamente, essa discussão estava presente.
Petrovski (1980, p. 336-7) explica que sentimentos e emoções não devem
ser identificados como sinônimos, visto que “[...] los sentimentos forman un sistema
de sinales que indica caules acontecimientos del mundo exterior son significativos
para el indivíduo”. E por [...] emoción solamente la forma concreta en que se
desenvolver el processo psíquico de vivencia de los sentimentos”. Ainda, em relação
às emoções, segundo este autor, elas apresentam atitudes positivas e negativas,
podendo, também, ser classificadas como ambivalentes e indeterminadas
(PRETROVSKY, 1980, p. 339)
Por outro lado, destaca, ainda, que os sentimentos são compostos de
conteúdos que estão arraigados em pressupostos das necessidades naturais e
culturais. Assim, os contextos social e material em que estão inseridos têm
contribuição significativa para sua vida sentimental, pois “[...] la actividad conjunta
con otras personas em la sociedad, dependen de las relaciones interpersonales
fornadas en la sociedad”. (PETROVSKI, 1980, p, 340).
Contundo, é, principalmente, Fariñas (2010) que, explicitamente, destaca
e aprofunda a temática da subjetividade humana como categoria epistemológica a
ser acrescida aos postulados históricos culturais. Defende a autora que apesar de
Vygotsky jamais ter falado acerca de complexidade, é possível inferir por meio de
suas teorizações, especialmente, pelas categorias histórico e social que a
189

complexidade é o oposto ao reducionismo, à simplificação e ao esgotamento às


multiplicas possibilidades de compreender o ser humano.
De acordo com a pesquisadora, diferentemente das correntes teóricas
contemporâneas da THC, mesmo que a Gestalt tenha dado sua contribuição,
especialmente, no Ocidente, a Psicanálise e outras correntes tenham se aproximado
dos pressupostos teóricos e filosóficos da Complexidade, nenhuma delas conseguiu
avançar mais que a histórico culturalista. Assim sendo, defende a autora que um dos
principais pontos de destaque dessa abordagem é o fato de considerar

A situação social do desenvolvimento expressa a conjunção


dinâmica das condições interpessoais ou externas e as interpessoais
ou internas que produzem o desenvolvimento da pessoa. Por isso,
pode-se afirmar [...] que a relação ativa do indivíduo com seu meio,
em outras palavras, sua elaboração subjetiva na qual o ambiente é
apenas um dos seus pontos de partida. (FARIÑAS, 2010, 72-3).

Fariñas (Op. Cit) não apenas defende que havia pressupostos da Teoria
Complexidade quando da criação da Teoria Histórico Cultural, como explicita-os,
demonstrando que essa teoria foi a única que conseguiu interação gnosiológica
entre filosofia e ciência, especialmente, quando adota a dinamicidade existente entre
o geral e o particular, bem como trazendo em seu arcabouço os pressupostos do
Materialismo Dialético Histórico.
Outro pressuposto é a concepção da personalidade como sendo uma
categoria analítica a ser estudada e compreendida de forma integral, que reúne as
unidades dialéticas cognitivo/afetivo, interno/externo, bem como social/biológico.
Portanto, a partir do enfoque interdisciplinar, que é a linha de pensamento
defendida pela autora como sendo a continuidade e o desenvolvimento mais
coerente com a THC, ela sintetiza explicando que, nesse sentido a Teoria Histórico
Culturalista “[...] tem contribuído para o desenvolvimento de uma perspectiva inter e
transdisciplinar, pretendendo estudar o desenvolvimento humano e da personalidade
a partir da ótica da cultura e de sua história” (FARIÑAS, 2010, p. 79).
Em uma Tomada de Decisão, efetivamente, dependendo da importância
sentimental e a frequência que tal ação tem sido realizada por determinada pessoa,
essa pode passar ou sofrer alterações no seu processo fisiológico e,
190

consequentemente, tais acontecimentos, talvez, alterem a forma de execução dessa


ação.
No Quadro 12, no item Competências Operativas, estão postas algumas
que o policial militar precisa desenvolver/atualizar/potencializar para o desempenho
de suas funções. Os aspectos fisiológicos e emocionais teorizados por Petrovski
(1980) estão, diretamente, relacionados com as competências, visto que uma
interfere/influencia na outra, na forma de desempenho e, sobretudo, nos
desdobramentos de uma Tomada de Decisão.
Acerca disso, retrata Petrovski (1980, p. 342) que “quanto más
significativos para la persona son los cambios que tienen lugar en torno suyo y en su
propio ser, tanto más profundas son las conmociones de los sentimientos”.
Como consequência fisiológica dessa alteração emocional por meio de
sentimentos que são significativos para o indivíduo, ele sofre modificações, por
exemplo, para respirar, na intensificação dos batimentos cardíacos, nos suores, no
rubor em sua face, nas mãos trêmulas, entre outras alterações dessa natureza que
podem influenciar no desfecho da ação a ser desenvolvida ou em execução.
A partir desses pressupostos, explica Petrovski (Op. Cit. p. 351), quando
as emoções são motivações para alguma atividade humana, esta pode em uma
perspectiva positiva, organizar tal atividade, mas pode também contribuir para sua
desorganização.
Como defendido na seção anterior, dada às condições sociais e materiais
em que a atividade ou ação humana se desenvolve, esta pode sofrer alteração,
como explicado no caso hipotético da Tomada de Decisão da equipe de policiais que
precisava enquadrar dois jovens infratores, por uso de entorpecentes. Porém, de
igual maneira, na mesma situação, policiais se encontravam com realidades
objetivas diferentes, em que a ação (Tomada de Decisão) geraria estados de
estresse diferenciados.
Acerca dessa análise, tomar-se-á com um exemplo a Tomada de Decisão
da ação policial acima exemplificada. Por conseguinte, as ações dos agentes podem
ocorrer de forma automatizada, mesmo contra a vontade daqueles que a executam
(os policiais). Ou seja, “[...] los hábitos, las formas aprendidas y automatizadas del
comportamiento no se inhiben, sino que puede ocupar el lugar de las acciones
ejecutas inconscientemente, incluso contra la propia voluntad (PRETROVSKY, 1976,
p.353).
191

A Tomada de Decisão, necessariamente, tem seu componente motivador.


Assim sendo, o caráter volitivo sempre está presente em uma Tomada de Decisão.
No entanto, é forçoso destacar que há ações involuntárias, ou seja, aquelas que são
tomadas inconscientemente.
De acordo com Petrovski (1980, p. 361), são aquelas que acontecem de
forma impulsiva ou em outras palavras ocorrem envoltas em um misto de emoções,
dificultando o agente executor de pensar. Este, por seu turno, pode agir por impulso,
por medo, pelo estresse e/ou por diversas outras emoções. Na atividade policial e,
neste estudo específico, tais sentimentos, podem contribuir para ações equivocadas,
aumentando o índice de letalidade na atividade policial (BUENO, 2014).
Com relação às ações voluntárias, como as definir? Há uma fórmula para
guiá-las, em especial, as tomadas de decisão?
De acordo com o mesmo autor, as ações voluntárias pressupõem que o
agente tenha consciência da execução e do resultado que sua ação pode ocasionar.
No entanto, adverte que na seara motivacional, há correlação com a personalidade
do indivíduo, que por seu turno, estão muito bem representada em estágios
hierárquicos na constituição da consciência individual. Por conseguinte, a motivação
para Tomada de Decisão não é apenas de interesse da Psicologia, mas perpassa
outras ciências, inclusive, com emprego de métodos matemáticos e utilização de
programas digitais que auxiliam na Tomada de Decisão.
Destaca, ainda, Petrovski (1980 p.366-7) que para busca da melhor
solução a ser tomada, necessário se faz escolher as melhores estratégias,
colocando alguns aspectos a serem analisados, tais como custo/benefício, tempo
gasto, esforço desprendido, satisfação com o resultado final, entre outros, o que
conforme a tese defendida por Pinc (2006), em virtude da especificidade da
atividade policial-militar é, praticamente, impossível, pela dinâmica que envolve a
intervenção policial, principalmente, o fator tempo e imprevisibilidade,
extraordinariedade, urgência e emergência.
Na Tomada de Decisão implica uma luta de motivos, os quais devem ser
confrontados para se ter as melhores motivações escolhidas. Nesse sentido para as
profissões que, necessariamente, não demandam de decisões rápidas, o
confrontamento entre as motivações serão salutares, pois possibilitam uma melhor
escolha ou Tomada de Decisão mais bem avaliada.
192

Por outro lado, decisões que precisam ser tomadas rapidamente, em


virtude de suas especificidades profissionais, como a atividade profissional policial-
militar, essas motivações só dificultam cada vez mais o processo, sendo, portanto,
necessária uma sistematização anterior aos fatos que ensejem a decisão rápida,
porém de forma consciente. É forçoso enfatizar que as intervenções policiais podem
ser semelhantes, mas não são iguais, pois os aspectos que as motivam e os atores
envolvidos são únicos, em cada uma delas, portanto, talvez nem sempre é possível
tomar a mesma decisão, ainda que em ocorrências análogas.
Em face desse contexto, a Teoria da Assimilação dos Conceitos e das
Ações Mentais por Etapas, criada e desenvolvida por Galperin (1976), aqui,
brevemente, apresentada, que, até os dias atuais, vem sendo desenvolvida pelos
seus seguidores, apresenta-se como uma perspectiva teórico-científica à resolução
desse tipo de problema, visto que possibilita a instrumentalização do agente a ter
consciência de todas as etapas da atividade a ser desenvolvida.
193

6 TOMADA DE DECISÃO: marco teórico e regulatório

Pela ausência de produção científica que adaptasse os pressupostos


teóricos da Teoria das Decisões defendidos por Simon (1970), Robbins (2004),
Braga (1987), Chiavenato (1999), entre outros, que demonstraram as primeiras
sistematizações acerca do processo decisório, às instituições de segurança pública
ou profissões análogas, bem como considerando a especificidade que cerca a
Tomada de Decisão no campo de estudo e pesquisa da atividade policial-militar, em
especial, nas intervenções práticas, far-se-á uma abertura de capítulo mais extensa,
descrevendo o que esses teóricos definiram como pressupostos, buscando
demarcar a especificidades entre essa Teoria e a atividade profissional policial-
militar.
O marco teórico desta Tese é da Teoria Histórico-Cultural (THC), cujos
maiores expoentes são Vygotsky (2001) e Leontiev (1978), a partir dos quais busca-
se conceber a atividade prática profissional policial-militar como uma atividade
consciente que visa atender uma necessidade, seja institucional, social e/ou
individual, inserido em dado contexto.
Este capítulo se constitui, portanto, de uma abordagem aos principais
referentes teóricos da Tomada de Decisão e quais seus desdobramentos na
corporação policial-militar e ao marco regulatório das Bases Curriculares da
Segurança Pública no Brasil (2000).
A partir da análise das competências e habilidades necessárias ao
desenvolvimento da atividade profissional policial-militar, aborda-se como ocorre o
processo de construção desses instrumentos cognitivos que, também, devem ser
considerados operativos e atitudinais, sobretudo, por meio das teorizações de
Perrenoud (1999) e Sacristán (2011), adotados na Matriz Curricular Nacional, da
SENASP/MJ (BRASIL, 2000; 2003; 2009; 2014).
Por fim, por meio dos pressupostos teóricos apresentados e seus
desdobramentos na profissão em estudo, define-se o que para esta Tese são
considerados “casos críticos” na atividade policial-militar, os aspectos que a
circundam, as normativas internacionais e nacionais que orientam a prática da
atividade de segurança pública, especialmente, quando da Tomada de Decisão
envolve a utilização da força física e/ou da arma de fogo e seus desdobramentos.
194

O ato da Tomada de Decisão está presente no cotidiano da atividade


humana, seja na esfera das relações pessoais e/ou nas atividades profissionais.
Desde os tempos mais remotos, a partir do seu engendramento enquanto ser social,
o homem decide o que fazer, utilizando as mais variadas estratégias. Engels (2014)
esclarece que quando o homem, em meio às mais variadas condições materiais de
existência, passa a andar ereto, dá um dos passos mais fundamentais na história da
humanidade, pois essa simples decisão, mesmo que inconsciente e, muito mais
guiada pelas necessidades biológicas do que sociais, vai ser fator, preponderante,
para o estabelecimento do homem enquanto ser social e, assim, instituir-se por meio
da sociogênese.
Explicita Engels (Op. Cit. p.14), que na relação simbiótica desenvolvida
entre a ontogênese e a filogênese “los hombres en formación llegaron a un punto en
que tuvieron necesidad de decidirse algo los unos a los otros”. Ou seja, a Tomada
de Decisão, nesse contexto, era por necessidade de sobrevivência, portanto,
biológica, mas também social, na medida em que ao longo do desenvolvimento
humano se legitima pela necessidade/capacidade de o homem relacionar-se. Essa,
portanto, é a forma mais elementar da relação dialética entre os aspectos biológico e
cultural que engendrando o ser humano.
Nesse processo de transição o homem sai do estado selvagem, passando
pela barbárie até chegar ao período civilizatório que, conforme o autor, durou
milênios, a partir do qual o homem criou/inventou instrumentos capazes de subsidiar
decisões que serão, doravante, fundantes para constituição da humanidade
(ENGELS, 2009, p.37).
Por outro lado, é somente no limiar do século XX que a Teoria das
Decisões, efetivamente, surge a partir de uma abordagem científica, sobretudo no
campo da Administração e da Economia (SIMON, 1970).
Em meio ao pleno desenvolvimento do Capitalismo e da Revolução
Industrial, essas searas da atividade humana necessitava de parâmetros fundados
nos preceitos da racionalidade para auferir cada vez mais lucros ao sistema vigente.
Nessa conjuntura, a Teoria das Decisões surge influenciada pelo contexto
da maximização dos resultados e a auferição dos lucros, que permeavam a tessitura
social vigente, a da produção industrial em série, que se fundava imersa, sobretudo,
de forma técnica e mecanicista. Gradativamente, a sistematização do processo
195

decisório de Simon (1916-2001), que estava intrínseco às organizações privadas,


começa a se institucionalizar enquanto teoria.
No setor público, ainda, em desenvolvimento embrionário, o processo
decisório vai se inserindo no sistema organizacional, adotando a Teoria da Tomada
de Decisão como pressuposto para o planejamento estratégico nas organizações.
De acordo com esses autores, o processo decisório, propriamente dito é
classificado em três dimensões de competência: operacional, tático e estratégico. No
nível operacional as decisões são de caráter, eminentemente, de execução; as
decisões que são tomadas em nível tático, são consideradas intermediárias ou
técnico-administrativo e visam atender às demandas em nível gerencial e, por fim, a
última instância da Tomada de Decisão, o nível estratégico, em que se decidem
quais são as linhas de ação essenciais que norteiam a forma de funcionamento de
determinada instituição, sua cultura institucional (SIMON, 1970); (ROBBINS, 2004);
(CHIAVENATO, 1999).
O processo decisório abordado por esses teóricos é, primordialmente, um
ato administrativo adotado nas organizações privadas e públicas, especificidade
essa que o diferencia, essencialmente, da Tomada de Decisão na atividade prática
policial-militar, neste estudo específico, da possibilidade do uso da força e/ou de
arma de fogo em ocorrências que demandam tais medidas.
De acordo com Chiavenato (1999), uma organização é composta de um
sistema de decisões, em que cada membro participa dentro da esfera de sua
competência, conscientemente, e de forma racional. Nesse sentido, o processo
decisório pode ser entendido como a sistematização da capacidade de planejamento
para Tomada de Decisão de um determinado grupo institucional que terá como
consequência uma escolha.
A sistematização do processo decisório passa a fazer parte das
organizações, como pressuposto filosófico, científico e político e, nesse sentido,
também, como instrumento para minimização de escolhas equivocadas, ou
insuficientemente satisfatórias à administração desejável, reduzindo, assim, perdas
e aumentando ganhos, principal foco das organização privadas.
Ressalva-se, entretanto, que nessa, concepção, alguns aspectos
influenciam a Tomada de Decisão, as quais são orientadas, mesmo que
implicitamente, a partir de suas percepções e condições de existência social.
196

Em que pese a filosofia organizacional estar presente, em tese, em todo e


qualquer processo decisório institucional, sempre estará inserida nesse contexto
uma representação da idiossincrasia de cada funcionário/integrante ou colaborador.
Preocupado com esse objeto de estudo, Simon, em 1949, no Carnegie
Institute of Technology, buscou, com outros pesquisadores e colaboradores, estudar
o processo de resolução de problemas nos mais variados sistemas organizacionais.
Assim, o profissional em diversas esferas da vida social, em organizações
privadas ou sistemas governamentais, simples ou complexos,
estabeleciam/estabelecem sua Tomada de Decisão para resolução das questões da
vida em sociedade. Esse processo “é um trabalho de escolher as questões que
requerem atenção, a definição de objectivos, encontrar ou projetar cursos
adequados de ação, avaliar e escolher entre ações alternativas” (SIMON, 1986, p.
01).
Portanto, todos os esforços imbricados em uma Tomada de Decisão
visam a melhoria das condições de existência das pessoas, pois se assim não
proceder, nem o Estado possibilitará bem-estar social, tampouco os mercados
lograrão resultados e lucros a que se destinam.
Simon, em meados do século XX, defende a necessidade de dotar a
teoria do processo decisório da máxima racionalidade e, para esse fim, preocupou-
se em aliar a inteligência humana à artificial. Dessa maneira estabelece a Theory of
Subjective Expected Utility (SEU), traduzida para o português como a Teoria da
utilidade subjetiva esperada ou, em outros termos, um modelo matemático
sofisticado, que possibilitaria a Tomada de Decisão, contribuindo com informações
estatísticas teóricas e operações de investigação. Ou seja, a “[...] SEU teoria lida
apenas com a Tomada de Decisão; não tem nada a dizer sobre a forma de enquadrar os
problemas, definir metas, ou desenvolver novas alternativas” (SIMON, 1986, p. 02).

Braga (1987), em sua tese de doutoramento defendida na Universidade


do Texas (EUA), faz um resgate histórico dos principais estudiosos do
comportamento organizacional, analisando “O processo decisório nas organizações
brasileiras” que, entre outros aspectos relevantes desse trabalho, considera três
dimensões do processo decisório: objetivos, estratégia e comunicação.
No primeiro aspecto, destaca a autora que apesar dos objetivos
organizacionais parecerem ser bem estabelecidos, esses precisam ser revistos
197

pelos gestores, pois na estrutura organizacional por mais que não apareçam,
explicitamente, recursos materiais e/ou simbólicos estão em jogo, e são esses os
fatores mais considerados quando da necessidade de uma Tomada de Decisão.
O segundo aspecto, a estratégia, “[...] preocupa-se com questões
relativas à definição de problemas, avaliação de alternativas e escolha do melhor
curso de ação” (BRAGA, 1987, p.17). Nesse sentido, as estratégias destacariam os
meios e a maneira pelos quais se deve implementar uma decisão mais adequada
que outra.
Outro fator importante que a autora enfatiza é que as corporações podem
não parecer, mas são verdadeiras “arenas”, onde vários e diversas perspectivas são
os interesses que estão por trás de uma determinada escolha. Às vezes, uma
estratégia equivocada, além de provocar danos profissionais pode, também, trazer
questões emocionais causadores de muito estresse com desdobramentos
inimagináveis dentro de uma instituição.
Nesse sentido, existem vários estereótipos de organizações, umas mais
flexíveis e outras mais rígidas. As instituições militares são “[...] de ordem coagida,
enquanto que uma organização radical de grupo político ou religioso constitui um
exemplo de ordem manipulada” (BRAGA, 1987, p.17). Segundo essa autora, as
instituições militares têm sua lógica e sua sistematização próprias de
operacionalidade.
Alargando essa perspectiva e adentrando no campo de estudo da
administração militar, há dois tipos de corporações militares: as federais (Forças
Armadas) e as estaduais (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares), as
quais, apesar de análogas, não devem ser consideradas equivalentes. Conforme os
artigos 142 e 144 da Constituição Federal de 1988, as primeiras têm funções
institucionais distintas das segundas, pois as Forças Armadas têm a missão
constitucional de defesa nacional. Já as Polícias Militares, por seu turno, têm como
seu maior mister a segurança pública, por meio do policiamento ostensivo, muito
embora, possa haver uma tácita confusão de compreensão institucional que, ainda,
perpassa, não apenas o imaginário popular, mas também, a formação e a
recapacitação dos policiais militares do país (MUNIZ, 2001).
Na lógica da Tomada de Decisão nas corporações policiais,
especialmente, as militares, como defende Braga (1987), a ordem social, presente,
198

implicitamente, na cultura organizacional orienta o tom da Tomada de Decisão,


influenciando as ações dos seus integrantes.
O terceiro e último aspecto é a dimensão da comunicação, que conforme
a autora, muito embora, todos sejam fundamentais para o desenvolvimento do
processo decisório, não é possível operacionalizá-lo se o complexo que forma o
sistema de regras que constitui a cultura organizacional não for transmitido pela
comunicação.
Para Robbins (2004) o processo decisório é essencial em uma
organização. No entanto, ele destaca que antes de qualquer Tomada de Decisão é
necessário compreender um pouco como se processa a percepção e qual é sua
relação com a decisão de cada pessoa. De acordo com o autor: “la percepción es un
proceso por el que los individuos organizan y interpretan las impresiones sensoriales
con el fin de darle un sentido al entorno” (ROBBINS, 2004, p.123).
Assim, sua importância para Teoria do Comportamento e, por
conseguinte, para o processo decisório ou Tomada de Decisão está na premissa de
que as pessoas moldam sua conduta a partir da percepção “[...] de la realidad, más
que en la realidad en sí misma. El mundo percibido es el mundo que importa para la
conducta (ROBBINS, 2004, p.124).
Para o modelo de tomada de decisões estabelecido como racional,
Robbins sistematiza os seguintes aspectos: 1. Definir el problema; 2. Identificar los
criterios de decisión; 3. Dar pesos a los critérios; 4. Desarrollar alternativas; 5.
Evaluar las alternativas; e 6. Elegir la mejor alternativa.
Porém, mesmo sendo o modelo racional, como explicita o autor, o que vai
diferenciar uma decisão de outra, com características semelhantes, é o potencial
criativo da pessoa que vai decidir, em face dessa premissa. Por outro lado, de
acordo com Robbins (2004, p.137) um fator preponderante que está fora da
chamada Tomada de Decisão racional é o uso da habilidade intuitiva por parte de
membros de profissões que necessitam exercer o processo decisório,
eminentemente, rápido.

Como aponta o estudo, a natureza da atividade institucional tem um


diferencial no processo decisório dos seus profissionais. Por exemplo, bombeiros,
enfermeiras de cuidados intensivos, pilotos de aviões de combate, equipes de ações
táticas especiais policiais-militares, entre outras atividades congêneres devem ter
199

seus processos decisórios e respectivas tomadas de decisões analisadas de forma


diferenciadas.
Defende-se, a partir desse diagnóstico, que para categorias cuja prática
profissional sofre uma carga elevada de estresse, como controladores de voo,
operadores de bolsa de valores e policiais, entre outras congêneres, além dos
referenciais teóricos, técnicos e legais utilizados na suas respectivas Tomadas de
Decisão, cotidianamente, carecem, também, tomar decisões rápidas e, nesses
casos a subcultura profissional91 é bastante significativa, especialmente, nas ações
policiais (PINC, 2011).
A especificidade da Tomada de Decisão na atividade profissional da
Polícia Militar é analisada, detidamente, nos subcapítulos 6.1 e 6.2, tendo em vista
ser essa profissão circunscrita de características peculiares, necessitando, portanto,
esmiuçá-las, detalhadamente, com o intuito de desvelar como ocorre o processo da
Tomada de Decisão em casos críticos, ou seja, aquelas situações extremas,
tipicamente policiais, que ensejam/demandam além de conhecimentos
conceituais/factuais, saberes procedimentais e atitudinais (ZABALA; 1998),
(PERRENOUD, 2001) e (BRASIL, 2014).
Como visto, a partir dos referentes estudados, as especificidades de
imprevisibilidade, extraordinariedade, urgência e emergência, que envolvem a
Tomada de Decisão na atividade prática policial-militar, correlacionados aos
aspectos fisiológicos e subjetivos são alguns dos fatores que a diferenciam do
Processo Decisório das Instituições (SIMON, 1970); (ROBBINS, 2004),
CHIAVENATO (1999).
Em atividades profissionais que ensejam uma Tomada de Decisão de
forma rápida e adequada a diferentes contextos situacionais como na atividade
profissional policial-militar, que dispõe de um campo de pesquisa, ainda, incipiente,
como defendido no Capítulo 2, dos estudos antecedentes, torna-se imperativo
adotar métodos e instrumentos científicos apropriados para interpretação e/ou
construção de conhecimentos e saberes da prática dessa profissão.
Por esses fatores, considerados preponderantes, especialmente, nas
profissões que se assemelham em níveis de tensão, quando da necessidade da

91
A subcultura policial, e, neste caso, em particular, a militar, conforme defende Monjardet
(2003) seriam os modos de agir e pensar interna corporis, que se reproduz, muitas vezes,
à margem da cultura institucionalizada.
200

Tomada Decisão, como na atividade prática policial-militar, torna-se inevitável


analisar os aspectos subjetivos que envolvem o processo decisório a partir das
características da personalidade humana (LEONTIEV, 1978); (PETROVSKI, 1980).

6.1 Atividade policial-militar: especificidades como fatores constituintes

A personalidade, a partir da perspectiva da THC, é formada por meio das


relações sociais mediatizadas pela atividade humana, considerando nesse processo
os fatores biológicos (congênitos) e o núcleo da subjetividade de cada indivíduo.
Nessa perspectiva,

[...] la personalidad se forma en el processo de interacción activa con


el mundo circundante, lo cual resulta posible gracias a la actividad.
Mostrar las causas de esta actividad, sus formas psicológicas y
maniestaciones significa caracterizar a la personalidad (PETROVSKI,
1980, p, 92).

É imperativo conceber que os conceitos de atividade e personalidade


estão teórico e, filosoficamente, embasados no Materialismo Histórico Dialético,
conforme defendido por Vygotsky e, especialmente, Leontiev, no fragmento abaixo:

[...] necesariamente a la tesis sobre la esencia histórico-social de la


personalidad, [...] implica que la personalidad surge por primera vez
en la sociedad, que el hombre entra en la historia (y el niño entra en
la vida) sólo como individuo dotado de determinadas propiedades y
capacidades innatas y que sólo se convierte en personalidad como
sujeto de las relaciones sociales. [...] La investigación del proceso de
nacimiento y trasformación de la personalidad del hombre en su
actividad que trascurre en condiciones sociales concretas es la clave
para llegar su concepción: psicológica auténticamente científica.
(LENONTIEV, 1978, p. 135).

A atividade humana defendida por Leontiev é o processo pelo qual o


homem, devidamente, motivado por uma necessidade, estabelece uma relação
mediatizada pelos signos materiais e/ou espirituais para interagir com a realidade. É,
portanto, por meio da atividade que um processo é eliciado e dirigido por um motivo,
aquele a partir do qual uma ou outra necessidade é objetivada. Por conseguinte,
201

[...] por trás de uma relação de atividades, há uma relação de


motivos. Assim chegamos à necessidade de nos voltamos (sic.) para
análise dos motivos e para consideração de seu desenvolvimento,
sua transformação, o potencial para dividir sua função e aquele de
seus deslocamentos que ocorrem dentro do sistema de processos
que formam a vida de um indivíduo como sua personalidade.
(LEONTIEV, 1978, p. 143).

A base real para a personalidade humana é o agregado de relações com


o mundo, que são sociais, por natureza, porém são realizadas por meio de sua
atividade, ou mais precisamente, pelo agregado de suas atividades. Assim sendo,

La comunidad de la macroestructura de la actividad externa, práctica,


y de la actividad interna, teórica, permite conducir su análisis
apartándose inicialmente de las formas en que ambas trascurren. [...]
Fueron introducidos los conceptos instrumento, operaciones
instrumentales, el concepto de finalidad, y más tarde, también el de
motivo ("esfera motivacional dela conciencia") (LEONTIEV, 1978,
p.81).

Esse processo ocorre em toda atividade humana, na esfera pessoal e/ou


profissional. Em uma prática profissional, como nas atividades de segurança pública,
por exemplo, o fator personológico determina que não apenas o conhecimento e a
experiência são suficientes para a Tomada de Decisão. Esse fator (personológico)
são los rasgos demarcadores da personalidade humana, que são compreendidos
dos aspectos emocionais, naturais e histórico-sociais (GALPERIN, 1976) e tais
aspectos irão permear as atividades humanas (LEONTIEV, 1978).
Por meio da Psicologia é possível estudar a conduta que orienta toda e
qualquer atividade desenvolvida pelo homem. E nesse aspecto, nela está contida los
rasgos psicológicos (emocionais), naturais (fisiológico, biomecânicos) como também
histórico-sociais, podendo ser jurídicos, éticos, estéticos, entre outros aspectos da
vida social (GALPERIN, 1976).
Segundo o autor, o ser humano pode dizer o que pensa, quais são suas
aspirações, “[...] pero de todo ello puede testimuar más seguramente lo que él hace”
(GALPERIN, 1976, p.115). É, portanto, esse, um dos principais aspectos que vão
distinguir uma pessoa de outra, no aspecto comportamental e, também, quando
precisa tomar uma decisão.
202

As profissões, em especial aquelas mais tradicionais, buscam sistematizar


um código de conduta que auxilie seus profissionais a compreender como deve
ocorrer o desenvolvimento de sua atividade profissional e, consequentemente seu
processo decisório, quer seja em ações cotidianas ou naquelas mais complexas,
que envolvem, particularmente, alguns aspectos condicionantes.
A necessidade, nesse contexto, é o estado pelo qual o ser humano
expressa sua dependência a condições concretas de existência atuais e serve de
estimulante para atividade do homem (PETROVSKI, 1980, p, 94). Elas
(necessidades) podem ser classificadas segundo a origem em naturais e culturais e,
conforme o objeto, em materiais e espirituais.
Esse conjunto de ações teorizadas por Leontiev, como atividades,
movidas por uma necessidade é que vai constituir o fator catalisador de formação
das habilidades, pois elas são consideradas como um conjunto de ações tanto
psíquica quanto práticas, reguladas, conscientemente, mediante as quais os seres
humanos se relacionam com o meio, buscando transformá-lo para atender suas
necessidades.
Nesse sentido, a Tomada de Decisão, pode ser considerada uma
habilidade geral, que todo ser humano necessita adquirir para desenvolver-se. O
diagnóstico, portanto, em dado contexto situacional, é uma ferramenta fundamental
que possibilitará a um profissional estabelecer as etapas que deverão ser seguidas.
É possível, também, estabelecer o conjunto de ações e operações que serão
desenvolvidas como a necessidade de identificar, avaliar e selecionar opções e
ações que caracterizam a tomada de decisões. (MARTÍNEZ, 2008, p. 35).
Por analogia, como em outras profissões, no campo de estudo da
medicina, Martínez (Op. Cit) define quatro etapas, que devem ser seguidas como
norteamento para o processo de Tomada de Decisão para um médico geral básico.
Nesse estudo propôs quatro estágios: 1. definição do problema; 2. desenvolvimento
de opções de solução; 3. avaliação das opções e seleção da melhor; e 4.
implementação e seguimento da decisão.

No estabelecimento do problema, como exemplo definido nessa Tese,


passar-se-á ao desenvolvimento das opções de solução/alternativas, que podem ser
classificadas de duas maneiras: no primeiro caso, com as decisões programadas
para os quais o problema é bem conhecido e estruturado; e no segundo, para
203

aqueles não programados que são, eminentemente, situações novas, e que ensejam
dos médicos um alto grau de criatividade para solucionar tais situações.

Alargando essa concepção teórica para o campo de estudo da segurança


pública, especialmente, para Tomada de Decisão na atividade prática policial-militar,
quando da resolução de casos críticos, a abordagem apresentada só se enquadra
na segunda opção, pois mesmo que haja um protocolo institucional para os
principais casos, aqueles que envolvem reféns, infratores armados, alto nível de
tensão, entres outros fatores que podem permear uma Tomada de Decisão na
atividade profissional policial-militar, as circunstâncias, pessoas envolvidas e
contextos situacionais são distintos e exigem desse profissional uma decisão
adequada, inclusive, devendo-se colocar em segunda prioridade a prisão do infrator,
pois a primeira deve ser sempre preservar vidas (ONU, 1979); (BRASIL, 1988);
(SENASP, 2008); (BRASIL, 2009); (BRASIL, 2010b); (BRASIL, 2014).
Para tais posicionamentos os policiais envolvidos em uma ocorrência
(caso crítico) necessitam estar embasados em pressupostos universais (ONU,
1979), que são sistematizados por princípios constitucionais (BRASIL, 1988) para as
agências de segurança pública (BRASIL, 2008), os quais orientam as forças policiais
e seus integrantes para o uso da força e/ou da arma de fogo, estabelecendo a
legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência dos
procedimentos a serem adotados (BRASIL, 2010b).
De acordo com os autores abordados, qualquer que seja a linha de ação
traçada para sistematizar o processo decisório e, propriamente, um norteamento
institucional de Tomada de Decisão, o método racional é o mais citado, mormente
porque, quando se trata de problemas que dispõem de tempo, pelos menos as
circunstâncias organizacionais que envolvem o problema podem ser consideradas
de urgência, mas não são emergenciais, como ocorrências policiais, médicas, ou
bombeirísticas, e favorecem, em tese, uma análise mais detalhada.
A vertente do método racional, portanto, possibilita a adoção dos métodos
estudados, conforme o Quadro 13, a seguir:
204

Quadro 13 - Demonstrativo das ações de uma Tomada de Decisão


AUTOR ETAPAS DO MODELO DE TOMADA DE DECISÕES

H. SIMON 1. A descoberta das situações nas quais uma decisão deve ser
tomada
2. Identificar quais as alternativas mais viáveis a serem adotadas; e
3. A Tomada de Decisão propriamente dita
S. P. ROBBINS 1. Definir el problema
2. Identificar los criterios de decisión
3. Dar pesos a los criterios
4. Desarrollar alternativas
5. Evaluar las alternativas
6. Elegir la mejor alternativa

BRAGA 1. Identificação ou definição de problemas


2. Reunião dos dados necessários para sua solução
3. Levantamento e enunciação das alternativas de soluções
4. Análise das soluções possíveis (linhas de ação)
5. Seleção de melhor solução para o problema (solução)

Fonte: Compilação dos autores Simon (1986); Braga (1987); Robbins (2004)

Os autores vistos destacam uma mesma lógica para sistematização da


Tomada de Decisão, obviamente, incorporando-se algumas especificidades,
dependendo da natureza organizacional. Assim sendo, em condições favoráveis,
como explicitado, na rationale (lógica) é obedecida para contextos conhecidos. Ou
seja, a sistematização desenvolvida a partir de uma estruturação racional só é
adotada em contextos organizacionais, mesmo que não sejam rotineiros, mas já
experienciados e que, necessariamente, disponha-se de tempo hábil para adoção
dessa Tomada de Decisão.
Resgatando a relevância da informação teorizada por Simon (Op. Cit.),
ele descreve que as decisões programadas regem o fazer profissional das
instituições, como as que descreve Braga (1987), que são rotinizados,
cotidianamente, e passam a fazer parte da cultura institucional. Em outros contextos,
de caráter aberto, as decisões não programadas a partir desse sistema de
informação não consegue efetivar-se.
Na perspectiva da administração pública militar, explicita Franco (2012),
há uma série de peculiaridades que tornam essa atividade profissional sui generis.
De acordo com esse autor, mesmo com todos os regulamentos e/ou regras que
205

regem a profissão castrense92, em virtude da imprevisibilidade que a cerca, algumas


das fases que envolvem todo o processo decisório são suprimidas por não se
adequarem.
Por outro lado, quando tudo ocorre dentro dos padrões preestabelecidos
é possível que a sistematização do processo possibilite, inclusive, a sua ampliação.
No entanto, deve-se destacar, também, que as vicissitudes dessa atividade
profissional não possibilitam o conhecimento de dados e/ou informações fidedignas
indispensáveis à Tomada de Decisão. Na maioria das vezes, esses dados são
imprecisos e, portanto, insuficientes, dificultando ou, até mesmo, inviabilizando a
Tomada de Decisão, sobretudo, quando se trata de um caso crítico, os quais são
abordados a seguir.

6.2 Tomada de Decisão em casos críticos na atividade policial-militar

As Polícias Militares brasileiras de longas datas utilizaram e, ainda,


utilizam, em alguns casos, quando não há legislação ou protocolos próprios, as
normativas das Forças Armadas, em especial, do Exército Brasileiro (MATTA;
SILVA, 2011), sendo “[...]adotados na Polícia Militar, em matéria não regulada na
legislação estadual, as leis e regulamentos em vigor no Exército, no que lhe for
pertinente” (RIO GRANDE DO NORTE, 1976).
Após a institucionalização das Bases Curriculares (BRASIL, 2000), a
Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2003) veio suprir esse vácuo normativo, na
seara da segurança pública, no sentido de instrumentalizar o currículo e o processo
formativo desses profissionais, a partir da qual adotam-se muitos autores na sua
formulação, em uma perspectiva de reforma curricular de outrora, que orientavam as
polícias brasileiras, visto que essa matriz foi idealizada não apenas para as PMs,
mas também para as demais forças de segurança do país (BRASIL, 2009). A
referida normativa busca implementar uma formação que possibilitasse a esse
segmento profissional uma performance mais afeta à segurança pública, em
detrimento de uma visão essencialmente militarizada, que era, em tese, voltada,
especialmente para a segurança nacional (BORGES FILHO, 1989); (MUNIZ, 2001).

92
Referente à caserna ou organização militar, do Latim, castrensis. Não há correlação com
a doutrina de Fidel Castro.
206

Conforme esses autores, os profissionais de segurança têm por


excelência a função constitucional de preservação da ordem pública (BRASIL,
1988). Os militares federais, por seu turno, têm por missão, também constitucional, a
defesa do território, da nação, do Estado brasileiro, contra um inimigo externo, em
tese, combatendo outra nação. Os militares estaduais têm por princípio,
principalmente, a prevenção do crime, mas caso esse ocorra, a prisão do infrator.
Na maioria das vezes, para o caso das Forças Armadas, havendo um
conflito entre nações, o desfecho, geralmente, é a eliminação do opositor. Por
conseguinte, nessa concepção teórica, o agente de segurança pública,
(in)conscientemente acaba incorporando essa lógica que não está no currículo
oficial, mas se operacionaliza no oculto, por meio de diversos mecanismos da
subcultura institucional que são reforçados nas práticas dos órgãos de ensino militar
(PONCIONI, 2004, 2005) e, também, no cotidiano do serviço nas ruas (BUENO,
2014).
A partir dessa conjuntura formativa das agências de segurança pública do
país, pós Constituição Federal de 1988, é necessário que se conceitualize quais
ocorrências policiais devem ser denominadas como casos críticos. Para esta Tese,
visto que não seria demasiado dizer que todo tipo de ocorrência policial, por mais
simples que ele possa parecer, qualquer ato infracional deve ser considerado como
um caso crítico.
Silva, (2007, p. 115), em tese de doutoramento realizado na UFRN,
analisou algumas ocorrências que foram, na sua perspectiva, considerados casos
críticos. Contudo, para este estudo, considerar-se-á, caso crítico, as ocorrências
policiais que envolvem vítimas na condição de reféns e/ou aqueles em que os
infratores estejam portando armas de fogo, com intuito da prática de delitos, nos
quais os policiais militares necessitam intervir, podendo fazer uso da força e/ou de
armas de fogo.
Para um enquadramento legal do crime, popularmente, conhecido como
sequestro, o Código Penal Brasileiro93 descreve-o no seu artigo 148 da seguinte
forma: “privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”.

93
Código Penal Brasileiro, aprovado pelo Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em
13 jun 2016.
207

Outros atos criminosos podem ser enquadrados de várias formas: 1.


Simplesmente portar arma de fogo sem que esteja devidamente autorizado para tal,
conforme estão tipificados na Lei Nº 10.826/2003, que estabelece o seguinte:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,


transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar (BRASIL, 2002)94. (Grifos do
autor).

Por seu turno, o portador de uma arma de fogo poderá utilizá-la para
prática de outros delitos, que não seja apenas o de portá-la sem a devida
autorização. É, portanto, na subjetividade e intencionalidade ou não do infrator que
reside a necessidade da Tomada de Decisão do profissional de segurança pública,
que ao detectar uma irregularidade tem por dever de ofício, a obrigação de manter o
contato (des)concertante do qual fala Pinc (2006) para inibir e/ou evitar que tal
pessoa pratique delitos.
A partir da tese de doutoramento, com o aprofundamento do estudo
acerca do comportamento policial e, consequentemente, a Tomada de Decisão na
sua atividade profissional, Pinc (2011) aponta que as condutas policiais, mesmo
após uma formação continuada permanecem a ser influenciadas pela subcultura
policial-militar. A autora chama a atenção, enfatizando que apesar do treinamento
institucional, os policiais tendem a não seguir os protocolos estabelecidos pela
corporação.
Em que pese haver políticas institucionais de formação continuada
adotadas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, a subcultura policial atua,
ocultamente, nas formas de pensar e agir (DURKHEIM, 2001) desse profissional,
pois

[...] os resultados continuam indicando que os procedimentos


preconizados pelo Procedimento Operacional Padrão (POP), que

94
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm>. Acesso em:
11 jun 2016.
208

visam controlar o uso da força pela polícia durante as abordagens,


ainda não foram assimilados no comportamento individual do policial
(PINC, 2011, p.174).

Voltar-se-á a analisar essa problemática por ocasião da análise dos


dados da pesquisa empírica.
De acordo com os autores contemplados na MCN (BRASIL, 2014),
destaca-se a ênfase dada a Perrenoud (1999), que defende o currículo como
instrumento parte de um processo de aprendizagem muito mais abrangente que um
conjunto de disciplinas de um determinado curso, ou em outra perspectiva, junção
de conteúdos programáticos, na maioria das vezes, dispersos, estanques e que não
mantém qualquer correlação interdisciplinar.
Um currículo deve conter muito mais que conteúdos conceituais. Faz-se
necessário que possa, também, a partir de um conjunto de saberes procedimentais,
contribuir com reflexões, por meio dos seus princípios e metas estabelecidas de
projeto educativo, que deve ser flexível, possibilitando a promoção de debates e sua
reelaboração em sala de aula, fomentando a interação entre os sujeitos que
compõem o referido processo (PERRENOUD; Et al, 2001).
O currículo do qual fala Perrenoud deve estar mobilizado para
potencializar o grau de profissionalização de uma atividade, capaz de prover
autonomia profissional, por exemplo, aos quadros das corporações policiais.
Na perspectiva aqui defendida, apenas seria possível a partir da
apreensão ou atualização de competências profissionais específicas, capazes de
mobilizar conhecimentos e saberes de uma cultura profissional (BRASIL, 2009, p.6);
(SILVA, 2016, 13).
Em uma Tomada de Decisão de ocorrências, tipicamente, policiais, em
que para este estudo, analisar-se-á os casos críticos, seus integrantes devem
dominar, integralmente, as três esferas de competência definida por Phillipe
Perrenoud, que deverá ser transposta para os saberes policiais-militares.
Nesse sentido, o desenvolvimento de uma habilidade, como é o caso da
de tomar decisão na atividade policial, implica em sistematização de um processo de
aquisição de conhecimento e, ao mesmo tempo, de mobilização de competências e
habilidades.
209

No entanto, em que pese a necessidade premente de se operacionalizar


processos de aprendizagem presentes nas Bases Curriculares e na MCN, a
condição peculiar de militar que o diferencia na constituição de sua identidade
profissional, que ocorre por meio de seleção, formação e treinamentos diferenciados
(MUNIZ, 2001; PONCIONI, 2005; 2014), tem imposto por meio desses mecanismos
a constituição de uma cultura institucional legal ou, ainda, oculta, que opera no
campo das informalidades, as quais se naturalizam de diversas maneiras,
especialmente, em momentos da prática da atividade no cotidiano policial-militar
(SILVA, 2017), obstacularizando e retardando uma formação que tribute para o
desenvolvimento dessas competências.

Como explicitado, os aspectos históricos e culturais que constituem a


personalidade profissional aliado aos motivacionais, que envolvem a Tomada de
Decisão do profissional de segurança pública, reforçam velhos paradigmas
institucionais.

No processo ensino/aprendizagem, no qual, as atividades humanas são


desenvolvidas, e nela está inserida a atividade policial estão também inseridas as
habilidades, que de acordo com Galperin (1978) são apreendidas por meio das
ações mentais por etapas. Nessa teoria o processo humano de aprendizagem é
sistematizado e organizado por meio de operações adequadas para realização de
uma atividade.

Como defendido, anteriormente, todo desenvolvimento profissional pelo


qual passou esse policial é a marca registrada da sua personalidade como sujeito
social, mas, também, particular, que em um momento de crise precisa mobilizar os
conhecimentos e saberes necessários ao desempenho adequado de sua profissão.
E é, portanto, nesse contexto de assimilação do trabalho, como práxis humana, que
se forma a consciência, que é ao mesmo tempo individual e coletiva.
Deve-se inferir que todos esses princípios norteadores devem ser
transpostos para a área de atuação da atividade policial. Isto é, sistematizar uma
unidade didática na formação inicial e/ou continuada que possa pôr, em prática,
dentro da habilidade de tomar decisões na atividade policial-militar que contemple o
desenvolvimento da própria atividade profissional, que analise a
formação/transformação da identidade profissional e que, sobretudo, possa
210

estabelecer um nível de consciência necessária para o desempenho funcional,


ancorados em procedimentos legais, técnicos e éticos (BRASIL, 2014).
Tendo consciência da tarefa complexa que tal pleito enseja na Seção
seguinte abordar-se-á alguns aspectos e fatores que pode influenciar e interferir
positiva ou negativamente quando da Tomada de Decisão em casos críticos na
atividade policial-militar.

6.3 Legalidade, técnica e ética na atuação policial

Apesar de o marco legal ser/estar bastante diluído em todo o texto esse


aspecto, ainda, é muito incipiente no campo de estudo da segurança pública, a não
ser em uma perspectiva de crítica aos excessos ocorridos nas atividades
profissionais das polícias, especialmente, no caso brasileiro, em parte, em virtude de
um passado muito recente, quando houve utilização das forças policiais, com intuito
de repressão social (SILVA, 2009). A atividade profissional policial é, em certa
medida, pouco estudada pela comunidade científica, o que, sobremaneira, contribui
para o desconhecimento dos conhecimentos e saberes profissionais das polícias
(MONJARDET, 2003).
Por outro lado, atualmente, tem emergido, sobretudo, segmentos sociais
e, também, das próprias fileiras das instituições policiais estudiosos interessados,
não apenas na perspectiva já mencionada, que concebem as forças de segurança
como aparelho repressor de Estado (ALTHUSSER, 1974), mas em compreender o
metier profissional policial e quais são as reais condições culturais, estruturais,
legais, entre outros aspectos que fundamentam a atuação e, mais recentemente, a
profissionalização dessa atividade (MENKE; WHITE; CAREY, 2002).
As forças de segurança dos países que são signatários da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III),
da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, bem como
dos demais pactos internacionais que foram acordados até os dias atuais, que
demarcam como os profissionais de segurança e as forças armadas devem se portar
perante suas decisões profissionais na prática cotidiana do seu metier.
Especificamente, tratando das forças de segurança, já em 1979, é
institucionalizado no âmbito dos países membros da ONU, o Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (CCFRAL). Esse
211

documento, que apesar de não ser lei, é um instrumento normativo, fundamentado


em princípios filosóficos e éticos vai nortear a atividade dos aplicadores da lei, isto é,
toda e qualquer Tomada de Decisão, necessariamente, deve estar contemplada com
seus pressupostos.
Como visto nos capítulos anteriores, as profissões são regidas por
códigos de ética, sejam esses escritos ou, simplesmente, baseados na tradição,
como são algumas constituições nacionais, como é o caso da Constituição britânica,
denominada consuetudinária, ou seja, abalizada no direito costumeiro, não escrito95.
No entanto, o que é forçoso, também, enfatizar é que o simples fato de
estar consignado, mesmo que em ato solene e registrado entre nações e chefes de
Estado, por si só o CCFRAL não garante a aceitação e, principalmente, a efetivação
de tais normas, seja por parte dos entes estatais, por meio de medidas político-
administrativas que possibilitem sua efetivação ou pelos próprios profissionais,
quando de sua ação no cotidiano nas práticas de segurança pública.
Conforme assinalado o CCFRAL, (ONU, 1979), apesar de estar de forma
genérica na atual constituição brasileira, especificamente, no seu artigo 5º,
efetivamente, não motivou os governos nas suas respectivas esferas de
responsabilidades a adotarem as medidas necessárias efetivas para dotar as forças
de segurança e, por conseguinte, seus profissionais com a estrutura e condições de
trabalho suficientes para o desempenho da sua profissão, em consonância com
aquela normativa.
De acordo com esse código, em seu preâmbulo, enfatiza que:

e) Que as normas, enquanto tais, carecem de valor prático, a menos


que o seu conteúdo e significado seja inculcado em todos os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei, mediante educação,
formação e controlo, adopta o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, que figura em
anexo à presente resolução e decide transmiti-lo aos Governos,
recomendando que encarem favoravelmente a sua utilização no
quadro da legislação e prática nacionais como conjunto de princípios
que deverão ser observados pelos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei (ONU, 1979).

95
Disponível em: http://jusbrasil.jusbrasil.com.br/noticias/3003001/constituicao-nao-escrita.
Acesso e 01 dez 2014.
212

No entanto, apesar dessa consignação, de forma expressa, desde 1979,


uma normativa, que tratasse a problemática em âmbito nacional, apenas ocorre no
final da primeira década do século XXI, por meio da Portaria Interministerial Nº
4.226, de 31 de dezembro de 2010. Percebe-se, portanto, que de fato, há um hiato
entre os acordos internacionais assinados pelo Brasil e sua efetiva
operacionalização, conforme preceitua a referida portaria, no seu artigo 1º:

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir, a


todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a
comunidade e protegendo todas as pessoas contra actos ilegais, em
conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua
profissão requer (ONU, 1979).

Destaca-se, entretanto, que por ocasião da institucionalização do


CCFRAL (ONU, 1979) o país passava por um regime de cunho militar, período esse,
no qual não apenas os direitos dos infratores foram cerceados mas, também, de
qualquer cidadão que questionasse o poder vigente.
De acordo com alguns autores, as forças policiais foram usadas,
largamente, para reprimir não apenas infratores. Segundo essa temática, teoriza,
Caldeira (2003), que os atos ilegais, que foram utilizados como instrumento de
trabalho pelas forças policiais, outrora, ainda são recorrentes e, paradoxalmente, em
que pese a democracia proibir tais atos, estes permanecem a acontecer.
De acordo com a autora, apesar de sua pesquisa ter sido realizada na
Polícia de São Paulo, especificamente, na Rondas Ostensivas Tobias Aguiar
(ROTA), nos anos 2000, resguardando-se as especificidades sociais, culturais e/ou
estruturais, em termos proporcionais, essa não é uma realidade diferente em outras
polícias no Brasil.
Com o fim do regime militar, que durou de 1964 a 1985, ocorre uma série
de mudanças na vida pública do país. Entretanto, efetivamente, sua consignação,
apenas, operacionaliza-se com a promulgação da atual Constituição Federal.
Todavia, é forçoso esclarecer que mesmo estando norteando a Carta Magna de
1988, as mudanças consoantes à esfera da segurança pública são paulatinas e,
apenas se tornam específicas com a publicação da Portaria Interministerial do
Ministério da Justiça, em 2010.
213

O artigo 144 da CF/1988 delimita quais são os órgãos de segurança e


que competências eles têm, quanto à prevenção e à repressão da violência e à
criminalidade. Partindo do pressuposto que, necessariamente, o país precisava
consignar uma normativa mais efetiva da aceitação do CCFRAL (ONU, 1979) é que
surge a Portaria 4.226/201096, conforme a seguir:

CONSIDERANDO o disposto no Código de Conduta para os


Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de
17 de dezembro de 1979, nos Princípios Básicos sobre o Uso da
Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações
Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de
setembro de 1999, nos Princípios orientadores para a Aplicação
Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis
pela Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas na sua resolução 1989/61, de 24 de maio de
1989 e na Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou
penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada
em Nova York em 10 de dezembro de 1984 promulgada pelo Decreto
nº 40, de 15 de fevereiro de 1991; CONSIDERANDO a necessidade
de orientação e padronização dos procedimentos da atuação dos
agentes de segurança pública aos princípios internacionais sobre o
uso da força; CONSIDERANDO o objetivo de reduzir paulatinamente
os índices de letalidade resultantes de ações envolvendo agentes de
segurança pública; e, CONSIDERANDO as conclusões do Grupo de
Trabalho, criado para elaborar proposta de Diretrizes sobre Uso da
Força, composto por representantes das Polícias Federais, Estaduais
e Guardas Municipais, bem como com representantes da sociedade
civil, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
e do Ministério da Justiça, resolvem: Art. 1º Ficam estabelecidas
Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança
Pública, na forma do Anexo I desta Portaria (sic.) (BRASIL, 2010b).

A partir de então, somente após essa e outras políticas e medidas no


cenário nacional no âmbito da segurança pública a Tomada de Decisão, em nível
governamental, de normalizar as ações dos seus profissionais de segurança é que
os policiais e demais operadores de segurança pública passam, efetivamente, a
dispor de uma normalização específica para que com um pouco mais de clareza
conceitual, adotarem suas ações administrativas e operacionais.
96
Ministério da Justiça e a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da
República (BRASL, 2010).
214

Ao leitor não afeito às questões relativas à segurança pública pode


parecer estranho que uma simples normativa (Portaria) que, efetivamente, não tem
força de lei possa mudar toda uma cultura institucional, tanto operacional, quanto
administrativa das forças policiais. De fato isso ocorre, e para auxiliar o pequeno
exercício analítico e reflexivo tomar-se-á como exemplo outras profissões,
totalmente, diversas ao contexto em estudo, como a atividade profissional da
medicina, talvez, engenharia ou, ainda, a magistratura.
Imagine-se como um médico, por mais simples que seja um procedimento
que ele necessite realizar em seu paciente, como esse profissional comportar-se-ia
se nada estivesse escrito, sistematizado, normalizado na literatura médica. Quais os
principais sintomas de determinada enfermidade? Que exame solicitar? Ou, ainda,
que medicamentos prescrever, já que nada estava consignado na literatura
profissional?
Imagine-se, também, nessa mesma perspectiva, a postura de um
engenheiro para realizar seus cálculos necessários à construção de pontes,
viadutos, prédios e outras construções complexas, principalmente, na sociedade
contemporânea, em que esses trabalhos, além de muito específicos, remontam a
verdadeiras obras de arte, quando não, monumentos de ficção científica. Assim,
como deferia agir esse engenheiro sem uma literatura específica que orientasse
quais os cálculos seriam necessários? Quais seriam os materiais mais adequados?
Ou quais testes de resistências deveriam aplicados?
O que dizer, então, acerca dos magistrados, profissionais que,
necessariamente, precisam contribuir com suas decisões judiciais para a construção
da justiça e paz social terem de atuar sem uma normativa própria, a lei. Como tais
profissionais, cada qual na sua esfera de competência, poderiam exercer seus
misteres sem uma regra, uma norma ou doutrina? Como seria então a dosimetria da
pena a ser aplicada? Que requisitos deveria considerar para concluir acerca da
periculosidade ou não do infrator?
Da mesma forma deve-se conceber o profissional de segurança pública,
em particular, a função policial-militar. No Brasil, esses profissionais são
responsáveis, constitucionalmente, primeiro por prevenir o crime, porém em este
tendo acontecido, sua missão de imediato será a de capturar aquele(a) que por
algum motivo praticou, desde o mais simples delito, até o crime mais perverso.
215

De acordo com a referida Portaria Interministerial “o uso da força pelos


agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de
proteção aos direitos humanos [...]”, assim como respeitar e “[...] obedecer aos
princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e
conveniência”. Nessa mesma perspectiva, estabelece a normativa que “não é
legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou
que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de
morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros” (BRASIL,
2010b).
Defende-se, por conseguinte, que tão complexa e distinta são as
profissões elencadas, quanto é a do profissional de segurança pública, pois por mais
perverso que ele entenda tenha sido o crime cometido por alguém, por força de lei o
agente de segurança precisar proteger esse infrator contra quaisquer atos que
atentem contra sua dignidade, sob pena de ser responsabilizado por omissão.
Portanto, uma das principais ações da Portaria 4.426/2010 foi normalizar
quais são as competências e responsabilidades não apenas dos profissionais de
segurança, mas, principalmente, dos governos e instituições em prover os meios
necessários ao desempenho profissional e de acompanhamento, apoio e
fiscalização das agências de segurança do país e seus integrantes.
À guisa das considerações finais deste capítulo, consigna-se que uma
Tomada de Decisão em ocorrências policiais, denominadas para este estudo de
“casos críticos”, alguns aspectos, necessariamente, precisam ser considerados, visto
que em um Estado democrático, como se enfatizou que o país adentrou, pós 1988,
muitos paradigmas no campo da segurança pública foram institucionalizados, muito
embora, nem sempre, totalmente, aceitos pela sociedade e, consequentemente, por
parte significativa dos profissionais de segurança.

O Brasil, em que pese ser signatário de tratados e convenções


internacionais, efetivamente, não cumpre na integralidade o que subscreveu. Assim
sendo, na busca de transpor esse obstáculo adotou um conjunto de políticas
institucionais que, efetivamente, ainda, passa por um processo de maturação nas
instituições de segurança pública, especialmente, a Portaria 4.226 (MJ/SDH, 2010).

Refletindo, criticamente, acerca do lapso temporal de uma fração de


segundos, tempo que dura para que o profissional de segurança pública, em uma
216

precisão quase que cirúrgica, tome sua decisão, estão os aspectos legais, técnicos,
éticos e emocionais que, enfatiza-se, a partir de embasamentos sociológicos e
educacionais, não são apreendidos apenas em uma formação secular e/ou
profissional, pois perpassam, também, todas as condições histórico-culturais nas
quais não apenas o profissional de segurança está inserido, mas todos que
constituem o processo formativo, no qual deve ser considerada a característica da
complexidade, como uma condição humana.
Marx e Engels (2012, p. 105) explicam que quanto mais ocorre a divisão
do trabalho, que traz como consequência a acumulação desenfreada do capital,
mais a sociedade estará fragmentada e, como desdobramento, pode-se inferir mais
desigualdade de classes e, por conseguinte, mais mazelas sociais, o que só seria
revertido, apenas, por meio de uma consciência política que levaria a uma
revolução.
A revolução da qual falam os autores é aquela que traria a redenção
social das classes trabalhadoras, por meio da consciência de classe.
Paradoxalmente, o que, contemporaneamente, tem-se presenciado é a
marginalização cada vez mais de populações que não conseguem se inserir como
cidadãos de fato e de direito, especialmente, enquanto integrantes alijados da
população economicamente ativa.
Como desdobramento perverso dessa desigualdade social, esses, agora
marginalizados seres humanos, em condições subumanas, confrontam-se,
cotidianamente, entre si, levando o país, no caso brasileiro, a taxas alarmantes de
homicídios por ano, principalmente pelo uso de arma de fogo, como já demonstrado
por meio de estatísticas.
Por outro lado, pelo fato de discordar de algumas teorias antropológicas e
sociológicas, que evidenciam, equivocadamente, a pobreza como fator de
causalidade do crime, não se deve deixar de chamar a atenção para esses fatores
que permeiam as circunstâncias que fazem parte da conjuntura histórico-cultural do
país e, por conseguinte, da rotina da atividade prática policial.
A abordagem em evidência é que há uma visão estereotipada por parte
da sociedade, em especial, a brasileira, que rotulam classes periféricas,
denominadas “perigosas” (SILVA, 1990), as quais carregam consigo o estigma de
discriminação e segregação social. E esse, com efeito um dos principais aspectos
que complexificam a Tomada de Decisão, por exemplo, na resolução dos casos
217

críticos policiais, pois, como em grande parte, envolvem as comunidades periféricas,


pesa sobre essas a máxima popular que “bandido bom é bandido morte” (SOARES,
2011).
Silva (2016), ao pesquisar a formação policial-militar, defende que ocorre
uma espécie de segunda socialização dos alunos-policiais quando estão nos cursos
de formação, ao ingressarem na corporações policiais, nos centros de formação e
nas academias, especialmente os militares, no Brasil. Essa socialização opera tanto
por meio dos currículos formais quanto pelo oculto. É, portanto, por meio dessa
subcultura institucional que ocorre, também, na prática da atividade policial-militar,
naturalizando-se no cotidiano das intervenções policiais.
Essa condição de pobreza, como defendem alguns estudiosos não causa
a criminalidade em si, mas, provavelmente, as condições de subsistência e
miserabilidade, nas quais as populações são/estão submetidas podem [...] motivar a
busca de formas alternativas de sobrevivência, de maneira criminosa e violenta. E a
causa aí não seria a miséria em si, mas, provavelmente, a própria condição humana,
em face da desigualdade injusta (SILVA, 1990, p.13).
Essa condição de vulnerabilidade, portanto, transparece para sociedade
e, em certa medida, para o aparelho policial como um selo negativo, uma cicatriz,
que dificulta e obstaculariza a atuação policial, tornando cada vez mais tenso o
encontro (des)concertante entre a polícia e o público (PINC, 2006), especialmente, o
público periférico, suspostamente “perigoso”.
Entretanto, apesar de toda influência preconceituosa oriunda da
sociedade, na qual estão inseridos infratores e, também, policiais, esses mesmos
profissionais, por força legal, bem como por princípios éticos e morais que regem a
conduta do operador de segurança pública 97, devem pautar suas decisões
ancoradas nos aspectos legais, que norteiam toda ação dos agentes públicos,
devendo primar, especialmente, pelo respeito à dignidade humana e aos princípios
legais constituídos.
Contudo, as estatísticas constantes no Mapa e no Atlas da Violência, já
citados, evidenciam que em ocorrências típicas policiais, que envolvem uso da força
e de arma de fogo, muitas decisões policiais não têm resultados satisfatórios para

97
Estatuto dos Policiais Militares, que trata da ética na atividade policial-militar e outros
códigos de conduta que norteiam as atividades desses profissionais (RIO GRANDE DO
NORTE, 1976.
218

ambos os lados, inferindo-se, assim, a partir desses registros oficiais que há


demanda por uma melhor formação inicial e continuada desses profissionais.
Apesar de não transparecer para a sociedade que todos os seus
referenciais técnicos e legais em vigência, atualmente, no país visarem a segurança
do policial, enquanto profissional que está a serviço do Estado, dos demais cidadãos
que, por ventura, infelizmente, estejam envolvidos em uma ação policial, visa,
também, a segurança do próprio infrator, que apesar de transgressor da norma
social, muitas vezes, é tão vítima quanto aquele a quem vitimou98 (SOARES, 2011).
Nessa perspectiva, o ato99 de tomar uma decisão em uma ocorrência
policial é, por excelência, um feito em um instante de perícia quase que cirúrgica.
Em uma perspectiva bachelardiana (2007) esse feito não cessaria, por isso que
passaria a ser uma ação com vínculos de interligação de causa e consequência,
como nos relata Pinc (2006) sobre o momento de uma abordagem policial que é
vivido, cotidianamente, na maior instituição policial do país, a Polícia Militar do
Estado de São Paulo (PMESP), que fora brevemente problematizado no Capítulo 3.
Nesse trabalho a autora, à época, oficial daquela Corporação, nos
esclarece que apesar de estar circunscrito de pré-noções acerca de um dito cidadão
em atitude suspeita, o policial, nesse encontro, que ela intitula de (des)concertante
entre a polícia e o público, precisa manter a sua margem de segurança, a segurança
do infrator, diretamente, envolvido na prática de ato criminoso, a de terceiros, e que
jamais pode descuidar da atenção que deve dispensar à dignidade humana, a
qualquer cidadão, mesmo que seja um infrator (PINC, 2006).
Senão, veja-se:

98
Um dos casos mais emblemáticos ocorridos no Brasil foi o do “Ônibus 174”, no Rio de
Janeiro, em 2000, em que um adolescente armado com um revólver toma de assalto um
ônibus de transporte coletivo, e a partir daí, após várias tentativas de resolução do “caso
crítico”, o infrator desce do ônibus com arma apontada para cabeça de uma jovem
professora. Então ocorre a Tomada de Decisão por um PM que atira no infrator. O policial
erra o disparo e o infrator atira e mata a refém. Na sequência, o sequestrador é preso e
morto asfixiado dentro da viatura policial. O fato foi notícia internacional, tornou-se
documentário e filme. Apesar do desfecho catastrófico, doravante, no país ocorreu um
divisor de águas, pois muitas normativas aqui analisadas, surgem a partir desse fato.
Outro evento emblemático, também, desastroso para segurança pública foi o caso crítico
de El Dourado dos Carajás, no Pará, em 1996.
99
Gaston Bachelard, em Intuição do instante (2007) diferencia ato e ação. Grosso modo, ato
é o exato momento que alguém age. No que diz respeito à ação, essa é continuada.
Assim, não cessaria ao término do ato, mas estaria linkada por uma sucessão deles.
219

[...] os policiais estão autorizados a abordar pessoas que estejam se


comportando de forma a despertar suspeita de que possam vir a
transgredir ou já possa ter transgredido uma norma legal. A
fundamentação dessa suspeita é pautada no entendimento do
policial, também legítimo. No entanto, essa capacidade de
discernimento do policial gera muita discussão, principalmente por
ausência de conceitualização clara do que seja uma atitude suspeita.
Na tentativa de orientar a escolha do policial, a polícia militar (sic.) de
São Paulo apresenta uma definição e descreve algumas condutas
que podem ser consideradas suspeitas (PINC, 2006, p. 33).

Assim sendo, o manual instrutivo da PMESP descreve que é/são


considerada(s)

[...] atitude(es) suspeita(as) todo comportamento anormal e


incompatível para o horário e o ambiente considerados, praticado por
pessoa (s) com a finalidade de encobrir ação ou intenção de prática
delituosa. Alguns exemplos: a. quando uma pessoa desvia o olhar ou
o itinerário, ao reconhecer ou avistar um policial; b. condutor ou
ocupante (s) de veículo quando olha (m) firmemente (sic) para frente,
na condição de rigidez, evitando olhar para os lados, para o policial
ou para viatura, que naturalmente chamam a atenção do público em
geral; c. pessoas que ao ver (em) ou reconhecer (em) um policial ou
uma viatura, inicia (m) um processo e fuga, começam a correr
abruptamente, etc. (PINC, 2006, p. 33).

Com o advento da Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2003; 2009; 2014)


surgem novos parâmetros que podem auxiliar na formação e/ou desenvolvimento do
processo decisório da esfera policial, tanto militar quanto civil e, sobretudo, no
processo de Tomada de Decisão, que demanda, conforme os autores já citados, o
desenvolvimento de determinadas competências e habilidades que perpassam,
concomitantemente, aspectos cognitivos, procedimentais e atitudinais.
A partir do Quadro 12, acerca do uso de armas de fogo (vide página 186),
pode-se fazer algumas inferências, pois é por meio desses instrumentos normativos,
institucionalizados que os profissionais de segurança pública devem nortear sua
prática profissional.
Toma-se como referência o que é mais peculiar à atividade profissional, o
uso da força e, em casos mais extremos, o uso da arma de fogo, obrigatoriamente,
quando, devidamente, amparado pela legislação em vigor.
220

Para tanto, far-se-á uma análise de quais competências devem estar


mobilizadas durante uma ação, tipicamente, policial, considerada, para esta Tese,
como a Tomada de Decisão em casos críticos, momento em que é exigida, por força
da legislação e, pelo dever de justiça, sob o qual o policial militar presta seu
compromisso legal e solene ao assumir seu cargo (aspectos já analisados).
Muito embora o estudo que fundamenta a Tese tenha como foco os
policiais militares, conforme preceitua e orienta a Matriz Curricular Nacional da
SENASP/MJ-2014, o currículo básico da referida matriz é comum para policiais civis
e militares do país, sendo denominada de “Malha curricular para ações formativas
da Polícia Civil e da Polícia Militar (núcleo comum)” (BRASIL; 2014, p.75).
Por conseguinte, este estudo pode servir, resguardando-se os devidos
contextos situacionais e peculiaridades institucionais e regionais do Brasil, para
análise e pesquisas acerca da atuação dos profissionais de segurança pública do
país, no cotidiano da sua prática profissional, quando da sua Tomada de Decisão
para resolução de casos críticos, para os quais se pode usar como parâmetro
analítico o Quadro 12 - Competências profissionais policiais militares acerca do uso
da força, nesta Tese sistematizado.
Em casos críticos, como as ocorrências policiais-militares, que não
dispõem de tempo para análise das hipóteses e estudos de situação (FRANCO,
2010)100, pois são tomadas no momento da ação, sua sistematização ocorre muito
antes do fato ocorrer, qual seja, na formação inicial ou continuada, caso a
Corporação tenha essa política de profissionalização.
Em outros termos, o que se depreende é que todo o arcabouço conceitual
e factual, procedimental e atitudinal (ZABALA, 1998), obrigatoriamente, necessário à
formação inicial e continuada, neste estudo, do profissional de segurança,
contribuirá para o desfecho da decisão, mas no momento culminante, nos casos
críticos, tais instrumentos que operam no âmbito da cognição, do procedimento e da
atitude irão mobilizar competências gerais e específicas dessa profissão, que
estarão relacionadas ao contexto situacional.
Adotar-se-á, nesta Tese, a conceitualização de Perrenoud (1990) de que
competência é a capacidade de mobilizar conhecimentos e saberes, em diferentes

100
Ver, também, FERREIRA (1972) que fez estudo sobre a administração militar
221

contextos situacionais, para resolução de problemas e, também, na perspectiva


afetiva.
Noutro prisma, de acordo com Morin (2005), o ser humano não pode ser
concebido sob o aspecto da unilateralidade, pois este é complexo e essa
característica de complexidade é que lhe constituirá de um princípio essencial,
denominado por ele de hologramático. Ou seja,

Holograma é a imagem física cujas qualidades de relevo, de cor e de


presença são devidas ao fato de que cada um dos seus pontos
incluírem (sic.) quase toda informação do conjunto que ele
representa. Bom, nós temos esse tipo de organização nos nossos
organismos biológicos; cada uma de nossas células, até mesmo a
mais modesta célula da epiderme, contém a informação genética do
ser global. [...] Nesse sentido podemos dizer não só a parte está no
todo, mas também o todo está na parte (MORIN, 2005, p.181).

Assim sendo, é razoável inferir que todas as ações do ser humano não
são apenas constituídas dos aspectos conceituais apreendidos de determinada
formação secular e/ou profissional, mas são compostas de uma gama de
informações que constitui a formação social e individual deste profissional, enquanto
ser humano e, também, integrante de uma profissão, notadamente, inserido em
outros contextos, sejam eles legais, sociais e/ou culturais.
Em face dos pressupostos e das inferências apresentadas, aponta-se
algumas pistas acerca do estágio de profissionalização que se encontra o policial
militar potiguar, a partir das análises estabelecidas entre o conhecimento teórico
produzido, atualmente, no Brasil e os dados coletados na fase empírica da pesquisa,
que serão tratados no Capítulo 7.
222

7 ORGANIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS

Pela ausência de parâmetro em nível estadual 101 que norteie a resolução


desse tipo de ocorrência e outras que demandam o uso da força e/ou de armas de
fogo, tomar-se-á, inicialmente, como referência, o Código de Conduta para o
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (ONU, 1979) e a Portaria
Interministerial Nº 4.226/2010, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH), sendo esta a última diretriz nacional
para as Polícias Civil e Militar, que busca disciplinar e orientar a utilização da força e
de armas de fogo e, mais especificamente, o Curso de Gerenciamento de Crises
(MJ/SENASP, 2008) 102.

Na perspectiva defendida nesta Tese, esses três documentos devem ser


usados como parâmetro de norteamento para as intervenções práticas103, nos
Estados onde as polícias, ainda, não normalizaram essas ações, por meio de um
Procedimento Operacional Padrão, como o caso da PM potiguar.

Esta etapa da pesquisa envolveu várias subetapas, das quais se


destacam: transcrição dos questionários para planilha em formato Excel, para
tratamento por meio do software Modalisa, que possibilitou, inicialmente, a
codificação e posterior categorização dos dados colhidos na fase empírica. Outra
medida foi a releitura do texto transcrito, buscando verificar se estava em
consonância com os objetivos, metodologia e dados coletados.

A partir de então, sistematizou-se as informações contidas no


Questionário, como auxílio do software Modalisa que possibilitou eleger os principais

101
Segundo Batista (2012, p.135), apenas as PMs do Ceará, São Paulo, Alagoas, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso normalizaram os procedimentos a serem
utilizados por suas respectivas forças de segurança para essas intervenções policiais.
102
O CGC foi criado em 2008 e está disponível na Rede EAD, desde 2008.Disponível em:
https://cidadaossp.files.wordpress.com/2009/06/gerenciamentocrises_completo.pdf.
Acesso em: 10 dez 2014.
103
Há disponível no site do MJ (que na gestão do presidente Michel Temer traz, também, a
designação de “e Segurança Pública”), apenas cinco POP com as seguintes temáticas: 1.
Perícia Criminal; 2. Atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual; 3.
Investigação criminal de homicídios; 4. A polícia judiciária no enfrentamento às drogas
ilegais; e 5. Guia de recomendações para forças de segurança pública em praças
desportivas. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-
publica/analise-e-pesquisa/acervo/pagina_pop/. Acesso em 07 abr 2017.
223

termos citados, a partir das respostas dos participantes. Esse processo denominado
de codificação foi dividido em quatro fases (AMADO, 2000, p.55-62):

1. unidade de registro, para a qual foram criadas palavras-chave;


2. unidade de contexto, aqui definidas como as questões do questionário;
3. unidade de enumeração, que foi estabelecida com sendo pelo número
de ocorrências das palavras-chave; e
4. categorização. Nesta fase as palavras-chave foram agrupadas em
categorias de análise, tomando como referência o Curso de
Gerenciamento de Crises (SENASP/MJ, 2008).

Os objetivos específicos estão correlacionados às respectivas perguntas,


de acordo com o Quadro 1 - Plano de sistematização da pesquisa empírica (vide
página 39), os quais foram organizados e tratados da forma a seguir.

Todos os objetivos foram contextualizados por meio do Caso Hipotético -


Apêndice “B”, conforme transcrição literal abaixo:

Dois assaltantes invadem uma farmácia no bairro onde o senhor


trabalha. Sua equipe de três policiais é acionada pela central da PM
e se desloca até o local. Lá chegando, por volta das 18h, um dos
assaltantes foge e o outro faz a balconista de refém.
Segurando a balconista, de aproximadamente 30 anos, pelo
pescoço, o assaltante ameaça furar o olho da mulher com uma faca.
O lugar está tomado por pessoas que exigem uma ação policial, uma
tomada de decisão.
A central de operações lhe informa que o senhor está autorizado a
agir, adotando todos os procedimentos e técnicas que a lei ampara.
(Autoria própria, 2015)

A partir da contextualização do Caso Hipotético, o primeiro objetivo


“identificar e analisar o lugar que ocupa a Atividade Tomada de Decisão na prática
do trabalho do policial militar” foi correlacionado à primeira pergunta e indagou-se:
“que decisão o senhor tomaria em face dessa ocorrência na sua atividade
224

profissional policial-militar?”, obtendo-se as respostas que foram organizadas em


dados estatísticos, conforme Gráfico 7, a seguir:

Gráfico 7 – Respostas com mais incidência para Tomada de Decisão de Cabos e


Sargentos em formação continuada
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

(0) 0,0%
Não obtendo êxito no contato informaria aos superiores
(1) 1,9%

(0) 0,0%
Não fazer o que o sequestrador pede
(1) 1,9%

(0) 0,0%
Identificar o suspeito
(1) 1,9% Sargentos Cabos

(2) 2,4%
Desviaria/Controlaria o Trânsito
(0) 0,0%

Aguardaria a equipe especializada para lidar com aquele tipo de (0) 0,0%
ocorrência (2) 3,7%

(7) 8,2%
Informaria a central do ocorrido
(1) 1,9%

(6) 7,1%
Afastar a população
(2) 3,7%

(6) 7,1%
Tentaria acalmar a situação
(4) 7,4%

(16) 18,8%
Manter contato com o agressor/Iniciar negociação
(13) 24,1%

(21) 24,7%
Pedir apoio especializado
(13) 24,1%

(27) 31,8%
Isolamento do Local
(16) 29,6%

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0%

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN

O Gráfico 7 concentra as respostas, ao questionário, dos 57 policiais


sujeitos do objeto de estudo, em formação continuada no CFAPM, no primeiro
semestre de 2016.

Há 11 ações que foram registradas, entre as quais observam-se ilhas de


peso, que se identificam com os procedimentos adotados no CGC (MJ/SEANSP,
2008), quais sejam: 1. conter a crise; 2. isolar o local; 3. manter contato sem
concessões; e 4. solicitar apoio especializado. Os procedimentos estão dispostos
em ordem de hierárquica de execução, conforme estabelece o CGC, que para
melhor sistematização do texto serão identificados pela sigla CSIM.

Em que pese a doutrina do Gerenciamento de Crises (GC) ter dois


objetivos principais, “[...] preservar vidas e aplicar a lei” (SENASP/MJ, 2008, p.12),
não é possível precisar se, efetivamente, os procedimentos CSIM têm sido aplicado,
225

exatamente, nessa ordem, na prática da atividade policial, visando atingir os


objetivos do GC.

Constata-se, entretanto, por meio das ações desenvolvidas pelo protocolo


CSIM, que as mesmas são tomadas quase que concomitantemente, inferindo-se,
portanto, que não há inflexibilidade na sua aplicação, pois a depender do contexto
situacional que o policial encontra na ocorrência ele pode, inicialmente, solicitar
apoio para atender possíveis vítimas no local e depois realizar as outras ações.

De acordo com os referenciais utilizados na doutrina de Gerenciamento


de Crises, “[...] de uma Resposta Imediata eficiente depende quase 60% do êxito da
missão policial no gerenciamento de uma crise” (SENASP/MJ, 2008, p.50).

As respostas que emergem do Gráfico 7 estão concentradas em três


grupos distintos por grau de incidência. O primeiro grupo de respostas concentra
tanto Cabos como Sargentos, aparecendo, destacadamente, em primeiro lugar com
29,6% para Cabos e 31,8% para Sargentos as respostas da ação de “isolar o local”
do ato delituoso.

Em seguida, em segundo lugar em prioridade nesse primeiro bloco de


respostas, em relação a uma ocorrência que envolvesse a possibilidade de uso de
força e/ou de arma de fogo, tem-se “pedir apoio” com 24% das opções para Tomada
de Decisão, tanto para Cabos como para Sargentos, em grau de prioridade.

Na terceira e última posição do primeiro bloco de resposta acerca de que


providência adotaria, imediatamente, ao ser acionado para resolver uma ocorrência
“crítica” aparece a ação imediata de “manter contato” com o agressor, sendo os
Cabos com 24,1% e os Sargentos com18,8% de priorização para essa ação.

Analisando esse primeiro bloco de respostas em relação à Tomada de


Decisão dos informantes da pesquisa (Cabos e Sargentos) e, tendo como referência
o protocolo CSIM, percebe-se que não foi seguida rigidamente a hierarquia que é
adotada pela doutrina do Gerenciamento de Crises (SENASP/MJ, 2008). Contudo,
como exposto acima, infere-se que essa deve ser uma avaliação do próprio policial,
ao analisar o caso crítico em particular, pois entende-se que
226

A aplicação da lei não é uma profissão em que se possa utilizar


soluções padronizadas para problemas padronizados que ocorrem
em intervalos regulares. Trata-se mais da arte de compreender o
espírito e a forma da lei, assim como as circunstâncias únicas de um
problema particular a ser resolvido. Espera-se que os encarregados
da aplicação da lei tenham a capacidade de distinguir entre inúmeras
tonalidades de cinza, em vez de apenas fazer a distinção entre preto
e branco, certo ou errado. (ROVER, 2005, p. 293).

Essa mesma citação está presente nas Bases Curriculares para os


profissionais de segurança, institucionalizadas em 2000, pelo Ministério da Justiça,
por meio da SENASP, que fora utilizada como pressuposto na problematização
desta Tese, o que vem a ratificar que os protocolos são necessários, contudo não
devem ser obstaculizadores para o desempenho competente da atividade policial.

Retoma-se, portanto, nesse contexto, o conceito de competência


teorizada por Perrenoud (1999) e Núñez; Guathier e Ramalho (2004), apresentada
no Capítulo 4, que tratou da profissionalização policial-miliar, quando esses teóricos
defendem esse atributo como sendo a capacidade humana de mobilizar
conhecimentos e saberes para resolução de problemas, mesmo que tal indivíduo
jamais tenha enfrentado situação análoga. O policial, por seu turno, deve ser capaz
e hábil, isto é, competente, no sentido de que há dois objetivos básicos na sua
atividade profissional, quais sejam preservar vidas e aplicar a lei e, que, sua Tomada
de Decisão pode/deve protelar o segundo, caso julgue necessário para salvar vidas
que podem estar sob risco iminente.

No segundo bloco de respostas encontram-se as que têm de 7,1% a 8,2%


de importância na opinião dos Sargentos. Com 7,1% aparece a resposta que se
assemelha ao protocolo CSIM conter, que não foi citado na primeira lista. Pode-se
inferir que “tentar acalmar a situação” pode ser entendida como uma tentativa de
conter o ato delituoso. Nessa perspectiva, 7,1% responderam que iria “afastar a
população” e 8,2% que “informaria à Central do ocorrido”. Ambas, respectivamente
podem sugerir, também, ao protocolo CSIM isolar e solicitar apoio.

Esse bloco de respostas para os Cabos indica uma predominância de


ascendência, portanto, não demonstrando constância como as respostas dos
227

Sargentos. 1,9% de Cabos que disse “informaria à Central”; acima de 3,7%


afirmaram que “afastariam a população”, enquanto 7,4% declararam que tentariam
“tentaria acalmar a situação”. As duas últimas ações, mesmo com percentuais
inferiores, assemelham-se às respostas dadas pelos Sargentos e,
consequentemente, ao protocolo CSIM isolar e solicitar apoio.

Nesse sentido, mesmo não tendo sido citadas as quatro ações do


protocolo padrão CSIM, adotado nesta Tese, como referência, encontra-se
razoabilidade e convergência para os dois blocos de respostas mais significativas,
em termos percentuais, nas respostas dadas à primeira pergunta da pesquisa,
acerca de qual Decisão os Cabos e Sargentos tomariam em face de uma ocorrência
policial que demandasse o uso de força e/ou de armas de fogo. Na Tabela 7 -
Agrupamento das respostas de maior incidência para Tomada de Decisão (vide
página 228) essas respostas similares foram agrupadas, a partir das quais se faz
uma nova análise.

O terceiro e último bloco de respostas do Gráfico 7 comtemplam pesos


menos significativos, em termos percentuais, contudo, em uma análise mais
descritiva percebe-se nuances que particularizam as respostas. Por exemplo, os
Sargentos só aparecem citando uma única ação, com 2,4%; enquanto que os Cabos
estão mais pulverizados em três ações com 1,9%, cada, e ou com 3,7%, indicando
que “aguardariam equipe especializada”. Na única ação que os Sargentos citam
2,4% que “desviariam/controlariam o trânsito”, os Cabos não aparecem, o que pode
indicar que eles acham essa ação não prioritária para o contexto geral da resolução
da ocorrência.

A avaliação geral das respostas referentes ao Gráfico 7 é que uma


parcela significativa dos informantes pesquisados, na sua Tomada de Decisão para
o enfretamento de casos críticos, na sua atividade profissional, em especial, as que
demandam o uso da força e/ou de armas de fogo têm observado os pressupostos
estabelecidos na doutrina do Gerenciamento de Crises, o CSIM, que muito embora
não esteja institucionalizado, nacionalmente, como normativa a ser seguida,
integralmente, pelas forças de segurança, incluindo a PMRN, serve como princípio
basilar, principalmente para as Polícias Miliares que não normalizaram seus
228

Procedimentos Operacionais Padrão, para ocorrências críticas, especialmente, a PM


potiguar.

Aqui pode ser inserida uma análise mais ampla abarcando, também, os
teóricos usados ao longo do texto.

Do rol de onze unidades de registro (AMADO, 2000) elencadas a partir


das respostas dos 57 PMs (Cabos e Sargentos) que responderam às perguntas
constantes no Gráfico 2, foi possível agrupá-las em apenas quatro expressões-
chave (conter, solicitar apoio, isolar e manter contato sem concessões), que para
esta Tese serão considerados como elementos de significação dentro do contexto
da atividade policial-militar institucionalizados e normalizados para a profissão por
meio do Curso de Gerenciamento de Crises, da SENASP, para que a análise possa
partir de um conhecimento profissional já sistematizado.

Para categorização foi tomado como referência o protocolo CSIM do


Curso de Gerenciamento de Crises (SENASP/MJ, 2008), expressos pelas as ações
imediatas de conter a crise, solicitar apoio, isolar o local e manter contato sem
concessões, que se constituem as primeiras providências que os policiais devem
desenvolver no local do ato delituoso e, para a Tese, foram agrupadas em
categorias analíticas (expressões-chave), de acordo com a Tabela 7 a seguir:

Tabela 7 – Agrupamento das repostas de maior incidência para Tomada de Decisão

Informantes** Total de Total das


Agrupamento da citações de citações
codificação em 22 Cabos 33 Sargentos Cb/Sgt Cb/Sgt
palavras-chave*
Qtde. (%)*** Qtde. (%)*** Qtde. (%)
Conter 7 31,81 7 21,21 14 25, 45
Solicitar apoio 15 68,18 19 57.57 34 61,81
Isolar 16 72,72 28 84.84 44 80,00
Manter contato sem
14 63,63 17 51.51 31 56,36
concessões
Total de citações das
52 - 71 - 123 -
palavras-chave

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN


Nota * - Agrupadas adotando o protocolo CSIM do Curso de Gerenciamento de Crises (SENASP/MJ,
2008), recepcionados pela Portaria 4.226 (MJ/SDH, 2010).
Nota** - Um Cabo e um Sargento não responderam ao questionamento.
Nota*** - Referente à porcentagem relativa dos informantes.
229

A Tabela 7 apresenta as respostas de 55 participantes do estudo (Cabos


e Sargentos), quando questionados sobre as ações que tomariam para enfrentar a
situação-problema, que em síntese, representa a ação delituosa em que um
“assaltante ameaça furar o olho de mulher com uma faca”, conforme Apêndice “B”.

Em uma primeira análise, é possível inferir que do total dos 22 Cabos e


33 Sargentos, ao serem perguntados que decisão tomariam se tivessem que
atender a uma ocorrência que ensejasse o uso da força e/ou de arma de fogo e,
que, possivelmente, uma pessoa tomada como refém estivesse com risco iminente
de ser vitimizada, 80% deles informaram que sua primeira medida como Tomada de
Decisão seria “isolar o local onde estava ocorrendo o delito”.

Analisados, separadamente, Cabos e Sargentos apresentam decisões


bem semelhantes, pois 72% dos Cabos disseram que “isolariam” o local da
ocorrência e mais de 84% dos Sargentos também adotariam essa mesma decisão.

Essa semelhança na Tomada de Decisão, também, está presente nas


demais ações imediatas adotadas. Como segunda opção, os Cabos citaram
“solicitar apoio”, dessa vez ultrapassando os Sargentos com um pouco mais de 68%
de citações. Os Sargentos, por seu turno, atribuíram 57,57% de importância a essa
Tomada de Decisão.

Como terceira medida que adotariam, ao serem demandados a agir em


uma ocorrência que necessitasse do uso da força e/ou de armas de fogo, os Cabos
e Sargentos em formação continuada no CFAPM, no primeiro semestre de 2016. Os
Cabos responderam que “manteriam contato sem concessões”, representando
63.63%, sendo seguidos pelos Sargentos que atribuíram 51,51% de importância
para essa medida.

E em última opção, como medida da Tomada de Decisão dos


informantes, paradoxalmente, é a primeira ação imediata, conter, do protocolo CSIM
(SENASP/MJ, 2008), que fora tomado como parâmetro para essa categorização.

Como analisado no Gráfico 7, entende-se que a depender do contexto


situacional que o policial encontra, ele, obrigatoriamente, não pode ser inflexível na
230

adoção do protocolo, pois, inclusive, poderá ser responsabilizado caso um socorro


médico não seja realizado em tempo hábil, por exemplo.

Em termos absolutos, em 52 citações dos Cabos e em 71 dos Sargentos


o protocolo CSIM conter, solicitar apoio, isolar e manter contato foi usado como
parâmetro para Tomada de Decisão na ocorrência crítica, utilizada como caso
hipotético da pesquisa. Portanto, infere-se que mesmo não seguindo rigidamente a
priorização elencada pela doutrina utilizada pela Secretaria Nacional de Segurança
Pública e, em que pese a PMRN, também, não ter um protocolo ou norma
institucionalizada, os PMs indagados se utilizaram de parâmetros técnicos para
responder aos questionamentos da pesquisa.

Não obstante os dados estatísticos levantados no Capítulo 3, que tratou


da problemática da Tomada de Decisão, ter demonstrado um aumento significativo
da letalidade nas intervenções policiais, no Brasil, nos últimos cinco anos, “isolar o
local do crime e “solicitar apoio” representam, respectivamente, 80% e 61,81% das
respostas dos 22 cabos e 33 Sargentos que estavam participando da formação
continuada no CFAPM. Essas possibilidades que emergem dos dados podem
significar uma maior cautela no exato momento da intervenção policial, ao menos
para os PMs do Rio Grande do Norte que participaram da pesquisa.

Dos 57 policiais que participaram da pesquisa apenas dois se abstiveram


e não responderam a qualquer termo ou expressão que pudesse fazer referência
aos procedimentos institucionalizados como conhecimento profissional na seara da
segurança pública para atendimento dessa modalidade de intervenção policial.

Como não há dados comparativos entre a PMRN e as demais coirmãs,


acerca das ações equivocadas nas intervenções policiais, tendo em vista as
informações referentes à Corporação não terem sido repassadas ao Ministério da
Justiça, na última pesquisa realizada, para fazer parte das estatísticas nacionais, o
único parâmetro que se tem disponível são os dados da Corregedoria da PMRN,
que apontam para um relevante uso da força quando das intervenções policiais no
período de 2009 a 2014. (Ambas as informações estão no Capítulo 3, que tratou da
problemática desta Tese).
231

Dos dados disponibilizados pela Corregedoria, no período de 2009 a


2014, apenas, em 2010, a denúncia de ameaça superou a de agressão física nas
intervenções policiais. Ou seja, o maior índice de desvio de conduta registrado na
prática das ações policiais, na PMRN, conforme os dados da Corregedoria da
SESED-RN, apresentados no Gráfico 3, (vide página 104), é por agressão física.
Essa constatação pode evidenciar que o maior desrespeito à normativa do Ministério
da Justiça para uso da força e/ou de armas de fogo nas ações policiais
materializam-se, exatamente, por meio da agressão física.

A condução das ocorrências policiais com uso excessivo da força não


moderado, não conveniente e, consequentemente, ilegal, pode ser indício da
ausência de um protocolo institucional (um referencial procedimental) para o uso da
força e/ou de armas de fogo, que é uma realidade da PMRN e, também, da maioria
das coirmãs. Deve-se considerar, também, o contexto que circunscreve cada
ocorrência, ou seja, a emergência e o estado emocional, mediante suas respectivas
especificidades.

Ao ser analisada a Tomada de Decisão mais recorrente nas respostas


agrupadas em categorias-chave na Tabela 7, constata-se que isolar foi
predominante para Cabos e Sargentos que, inicialmente, pode evidenciar duas
motivações. A primeira seria que, em virtude de não fazer parte de uma tropa
especializada, não teriam que adotar medidas outras que não fosse isolar o local do
ato delituoso, que estaria na sua esfera de competência. E a segunda, por
desconhecimento de quais seriam as ações a desenvolver, por cautela, adotariam a
que teria menos probabilidade de agravamento da situação, o que não deixa de ser
razoável, enquadrando-se, também, na mesma perspectiva de competência policial-
militar elencada anteriormente.

Por outro lado, pode, também, apontar uma lacuna na formação inicial e
continuada acerca de conhecimentos e saberes profissionais para resolução de
ocorrências críticas, o que, mantendo-se essa perspectiva, ensejará a contemplação
do objetivo específico 5, que trata da produção de um referencial procedimental para
norteamento nas intervenções policiais com essas especificidades, que é um dos
resultados desta Tese, constante no Apêndice “D”.
232

O segundo objetivo específico buscou “identificar e caracterizar fatores


que contribuem ou dificultam para a Atividade Tomada de Decisão, segundo relatos
do policial militar potiguar”, correlacionada à segunda pergunta: “o que o(a)
senhor(a) leva em consideração na Tomada de Decisão em sua atuação na
atividade profissional em casos dessa natureza?”

Seguindo o mesmo parâmetro, obteve-se os dados que compuseram o


Gráfico 8, conforme abaixo:

Gráfico 8 – Fatores que os Cabos/Sargentos levam em consideração na Tomada de


Decisão

Características do agressor 2,1%

Instrução da central 2,1%

Aceitabilidade Social 2,1%

Quantidade de envolvidos 2,1%


3,0%

Armas utilizadas 2,1%


3,0%

Aplicar a lei 2,1%


9,1%

Natureza de ocorrência 6,3%


3,0%

Conter a ocorrência no local 6,3%


6,1%

Minha experiência 6,3%


15,2%

Non réponse 12,5%


6,1%

Conhecimentos técnicos 8,3%


15,2%

Segurança dos envolvidos 22,9%


15,2%

Preservar vidas 25,0%


24,2%

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0%

Sargentos Cabos

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN

No Gráfico 8 observa-se que há diferentes fatores entre Cabos e


Sargentos, participantes deste estudo, a partir dos quais os referidos policiais
elaboram suas respectivas Tomadas de Decisão.
233

Os dados demonstram que há uma confluência em dois fatores para


ambos os profissionais. A primeira semelhança é, também, o fator mais relevante
dentro da doutrina do Gerenciamento de Crises na atividade de segurança pública,
que é “preservar vidas”, que ambos identificam como sendo mais ou menos do
mesmo nível de importância, na hora da Tomada de Decisão, em ocorrências que
demandam o uso da força e/ou de armas de fogo, representando, respectivamente,
para Cabos e Sargentos, 24,2% e 25%.

A segunda confluência está na Tomada de Decisão de “conter a


ocorrência no local” do ato delituoso, com 6% das respostas para ambos os cargos.
O que se infere, também, desses dois fatores é que o primeiro, como dito, é um dos
objetivos basilares do GC na segurança pública, e a segunda resposta é a primeira
ação do protocolo CSIM, adotado pelos parâmetros de formação continuada, na
modalidade a distância do Ministérios da Justiça e operacionalizada pela Rede EAD
da SENASP, desde 2008.

Os demais fatores elencados pelos profissionais dos dois cargos são


divergentes. Os Sargentos se concentram em três grupos de resposta que
representam os maiores fatores em peso percentual.

O primeiro grupo de fatores de relevância para os Sargentos se concentra


na faixa de 22,9% e 25%, que são, respectivamente, “segurança dos envolvidos” e
“preservar vidas”, que em uma abordagem mais ampla pode, inclusive ser entendida
como fatores análogos.

O segundo grupo é composto de quatro fatores que está faixa de 6,3% a


8,3%. Com uma pequena variação entre o menor e o maior índice os fatores
elencados são “natureza da ocorrência”, “conter a ocorrência no local”, “minha
experiência” e “conhecimentos técnicos”, que recebeu a maior pontuação na escala
de fatores que influenciam na Tomada de Decisão.

O último grupo de fatores em importância aferida em percentuais citado


pelos Sargentos ficou na faixa de 2,1%, igualmente para as respostas “aplicar a lei”,
“instrução da Central”, “aceitabilidade social”, “quantidade de envolvidos” e “armas
utilizadas”.
234

Depreende-se desses seis últimos fatores que eles são satélites e dão
suporte às respostas que tiveram maior peso, que a grosso modo, significa
“preservar vidas’, um dos objetivos basilares do Gerenciamento de Crises
(SENASP/MJ, 2008).

É importante consignar, também, que esses fatores elencados pelos


Sargentos estão norteados pela princípios da Portaria Interministerial 4.226
(MJ/SDH, 2010. p.), “que estabelece na diretriz número 2. “o uso da força por
agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade,
necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência”.

Por seu turno, os Cabos, também, apresentam certo equilíbrio na


distribuição de peso dos fatores que contribuem ou dificultam na sua Tomada de
Decisão.

Excetuando-se o fator “preservar vidas”, que se equivale em grau de


importância aos dos Sargentos, há uma concentração em três grupos de fatores,
sendo o primeiro com, exatamente, 15% para “segurança dos envolvidos”,
“conhecimentos técnicos” e “minha experiência”.

Em uma concepção mais ampliada “conhecimentos técnicos” e “minha


experiência” poderiam ser entendidos como análogos, que dariam o suporte para a
Tomada de Decisão pela “segurança dos envolvidos”. Contudo, “minha experiência”,
a partir dos teóricos apresentados, deve ser entendido como de caráter muito
subjetivo, especialmente, considerando Vygotsky (2001), Leontiev (1978) e Orlandi
(2000), visto no Capítulo 5.

Nesse mesmo sentido, a subcultura policial, também, pode, por vezes,


nortear, ainda que, extraoficialmente, as ações policiais na sua prática cotidiana
(MONJARDET, 2003), inclusive, para alguns policiais militares, após haverem
passado por um treinamento, conforme constatou Pinc (2011), o que é mais
preocupante, tendo em vista o nível de complexidade (MORIN, 2005), (FARIÑAS,
2010), que circunscreve ações de segurança pública.

No segundo fator há uma harmonização em termos estatísticos para as


respostas dos Cabos e está situado na faixa dos três pontos percentuais, que
235

abrangeram as respostas “natureza da ocorrência”, “armas utilizadas” e


“quantidades dos envolvidos” que, também, poderiam ser interpretados como fatores
satélites, os quais subsidiariam a Tomada de Decisão principal, a de “preservar
vidas”, na opinião dos Cabos.

Outro aspecto em que os Sargentos e os Cabos divergem nas suas


respectivas respostas ao questionário é na decisão de “aplicar a lei”, que recebeu
indicação, respectivamente, de 2,1% e 9,1%, que é realmente significativo pois
fatores secundários tiveram pontuação maior do que essa Tomada de Decisão para
ambos os cargos.

Para além de uma análise, meramente quantitativa e descritiva, a partir


dos dados que emergem do Gráfico 8 (vide página 232), pode-se buscar identificar
não apenas o que está, expressamente, escrito nas respostas do Questionário e
foram transpostas para a representação gráfica, mas também interpretar o não dito
do qual fala Orlandi (2000). Portanto, o que estaria nas entrelinhas a partir da
interpretação das respostas desses policiais em processo de formação continuada
na PMRN, em 2014, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento?

Por exemplo, o que, efetivamente, significa para esses policiais militares


mais de 24% citações de “preservar vidas”, para os Cabos, e 25% para os
Sargentos, perfazendo um total de quase 50% das respostas, dos 23 Cabos e dos
34 Sargentos que participaram da pesquisa, tomando como referência que no Brasil
é muito presente a máxima de que “bandido bom é bandido morto”104 (SOARES,
2011).

Outro dado significativo foi o item “não respondeu” que foi a resposta de
6% dos Sargentos, e atingiu 12,5% das respostas dos Cabos. Com o resultado de

104
Muito embora seja imperativo relativizar os aspectos sócio-histórico-culturais que
constituem a sociedade brasileira e, neste estudo particular, as especificidades das
Polícias Militares, para que não se caia na armadilha do determinismo social é, também,
forçoso que se observe alguns parâmetros valorativos dessa mesma sociedade, por
exemplo, a recente pesquisa realizada pela Universidade Cândido Mendes, a qual ratifica
que 37% da população carioca concorda com a máxima de que “bandido bom é bandido
morto”. Disponível em: http://www.ucamcesec.com.br/reportagens/cariocas-discordam-
que-bandido-bom-e-bandido-morto/. Acesso em: 06 abr 2017.
236

2,1% dos Sargentos e 9,1% dos Cabos que responderam “aplicar a lei”, não fica
assim, clara a opção de não responder, quando se abstêm de citar qualquer
conhecimento ou saber profissional, preferindo silenciar.

O cerne do problema que se evidencia agora e que está, diretamente,


relacionada à questão inicial para atender a um dos objetivos específicos é saber se
é possível inferir que a opção por não responder foi por falta de motivação ou por
desconhecimento de procedimentos básicos necessários para atuação na atividade
profissional policial-militar.

Em sendo confirmada a primeira hipótese, não é possível e, tampouco,


razoável conjecturar a motivação e o grau de aspectos subjetivos que podem
circunscrevê-la. Se corroborada a segunda, é fato preocupante, tendo em vista o
alto índice de letalidade e ações equivocadas nas intervenções policiais no Brasil,
conforme dados do Mapa da Violência, do Atlas da violência e da Corregedoria da
PMRN, discutidos no Capítulo 3. Outra constatação é que se confirmam as
conclusões encontradas por Pinc (2011), que verificou que mesmo após uma
capacitação, quando, em atuação os policiais militares de São Paulo agiam,
deliberadamente, a partir de outros referenciais que não eram os conhecimentos e
saberes profissionais.

Outro fator relevante, que parece emergir dos dados que surgem não
apenas dos números, mas dos sentidos que são atribuídos pelos policiais à sua
Tomada de Decisão que é, por exemplo, deter-se um pouco mais a analisar e tentar
desvelar qual significação está presente na resposta “minha experiência”. Observa-
se que os percentuais dessa resposta e de “conhecimentos técnicos” constantes no
Gráfico 8 são semelhantes e bastante altos.

Parece estar aí presente, na hora de resolver esses “casos críticos” o


aspecto da discricionariedade, em detrimentos dos protocolos e/ou procedimentos
institucionalizados. Entende-se por ato discricionário a possibilidade do policial optar
em agir a partir de outros conhecimentos e saberes que não são os da segurança
pública. Isto é, a Tomada de Decisão a partir da prática da atividade da “experiência
das ruas”, que pode ser “uma postura adequada”, mas que precisa ser validada pelo
237

corpo profissional e sistematizada como conhecimento profissional, como os do


Curso de Gerenciamento de Crise, o Método Giraldi105, entre outros.

Para analisar o objetivo específico 3, que buscou “Investigar e analisar o


sentido que os PMs têm sobre a Atividade Tomada Decisão no seu processo
formativo”, correlacionando-a com a terceira pergunta que indagou: “na sua opinião
a formação inicial ou continuada na PMRN contribui para a Tomada de Decisão na
sua atividade profissional, auxiliando para solucionar ocorrências similares a essa?
Sim/Não. Explique como?”. Além da pergunta direcionada, havia a possibilidade
para que o participante explicasse o porquê de sua resposta.

A partir da formulação proposta, obteve-se os seguintes dados, conforme


a Tabela 8, a seguir:

Tabela 8 – Importância da formação inicial ou continuada para Tomada de Decisão


na PMRN
Cabos Sargentos Total
Respostas Quantidade Quantidade Quantidade
de (%) de (%) de (%)
participantes participantes participantes
Sim 19 86,4% 28 96,6% 47 92,16%
Não 3 13,6% 1 3,4% 4 7,84%
Total 22 100,0% 29 100,0% 51 100,00%

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN


Nota: um Cabo e cinco Sargentos não responderam à pergunta.

Dos 23 Cabos do Curso de Nivelamento de Praças que participaram da


pesquisa um não respondeu e dezenove responderam “sim” para a pergunta
“formação inicial e continuada contribui para Tomada de Decisão, auxiliando à
resolução de ocorrências, que demandam o uso da força e/ou da armas de fogo?” e
três responderam que não contribui.

Por outro lado, no Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos, cinco


participantes não responderam a indagação “contribui para Tomada de Decisão em

105
Esse método foi criado pelo coronel Nilson Giraldi, da PMESP, e adotado pelas polícias
brasileiras como um saber profissional que foi sistematizado, técnica e cientificamente,
sendo considerado um conhecimento profissional para o uso da arma de fogo por
profissionais de segurança pública, inclusive adotado pelo Ministério da Justiça em suas
capacitações (GIRALDI, 2017).
238

ocorrências dessa natureza”, 28 responderam “sim”, e, apenas, um respondeu que


não contribuía.

As cinco abstenções do grupo dos Sargentos, por ausência de resposta,


significam 17,24%, ou seja um número relativamente alto para esses informantes,
analisado isoladamente.

Quando a análise é feita, conjuntamente, com as duas graduações,


conclui-se que 10%,52 do total de informantes (57 Cabos e Sargentos) não
responderam ao questionamento.

Duas indagações emergem dessa “ausência de resposta. A primeira é


que, aparentemente, direta e objetivamente, ela busca saber do participante do
estudo se a formação, seja em nível inicial ou continuada atende às necessidades
formativas dos profissionais de segurança ou tem-se firmado como uma atividade,
meramente, administrativa ou protocolar. E, em segunda instância, a pergunta
estaria voltada para avaliar o conhecimento técnico dos informantes (Cabos e
Sargentos) acerca da temática em questão. Como no grupo dos Sargentos a
ausência de respostas foi bem mais significativa que o grupo dos Cabos, vislumbra-
se pelo menos dois fatores.

O primeiro é a motivação para responder ao questionário. Mas se essa


fosse a principal motivação, então, concluir-se-ia que muitas outras questões,
também, deixariam de ser respondidas, o que não ocorreu.

O segundo é que, por serem as temáticas do Gerenciamento de Crises e


do Uso diferenciado da força, eminentemente, novas nos currículos dos profissionais
de segurança pública, talvez não estejam, suficientemente, consolidadas, a não ser
para aqueles policiais que tenham realizado uma capacitação específica, presencial
e/ou a distância, ou alguns deles pertençam a tropas especializadas, fator percebido
em algumas transcrições feitas para o texto a serem analisadas na parte final deste
capítulo.

Considerando, conjuntamente, apenas os integrantes da pesquisa que


responderam se a formação inicial e continuada contribuía para auxílio da resolução
239

desses “casos críticos”, tem-se que 92,16% dos participantes afirmam que contribui
e 7,84% informaram não contribuir.

Ao analisar o discurso do “sim” e do “não” acerca da contribuição da


formação inicial e/ou continuada para Tomada de Decisão na resolução de
ocorrências críticas na PMRN, tem-se uma visão mais aprofundada dos “Sentidos”
expressos pelos informantes da pesquisa.

Quando a análise é feita, conjuntamente, e aliado a outros fatores,


observa-se que nos textos das respostas dos Cabos há um número significativo que
responderam mais detalhadamente que os Sargentos. Isso pode estar relacionado a
alguns fatores, como faixa etária, tempo de serviço, formação, nível de escolaridade,
entre outros.

Nesse contexto, o objetivo 3 “investigar e analisar o sentido que os PMs


têm sobre a Atividade Tomada Decisão no seu processo formativo”, abordado por
meio da pergunta se “a formação inicial/continuada contribuía para Tomada de
Decisão em ocorrências críticas, terá uma análise geral, tomando-se como
referências as Tabela 01 e 02 (páginas 49 e 51), correlacionada “à significação que
Cabos e Sargentos têm do processo formativo da atividade policial-miliar”,
apresenta-se as seguinte inferências.

Os Cabos, com efeito, com uma formação mais recente, talvez, tenham
tido uma perspectiva mais participativa, já que mais de 80% deles estão na faixa
etária de 35 a 40 anos, portanto, mais ou menos 20 anos de serviço; e os Sargentos,
por seu turno, concentram-se na faixa de 40 a 50 anos de idade, todos acima de 25
anos de serviço, e alguns com 30, o que se infere uma formação mais militarizada,
menos adepta a questionamentos.

Nas respostas, por extenso, de Cabos e Sargentos, foi detectado que três
afirmaram haver feito o Curso de Gerenciamento de Crises, pela Rede
EAD/SENASP. Seis participantes citaram não haver adquirido tais conhecimentos
na formação inicial, que um deles alegou ser inconsistente.
240

Conforme o participante de número “13” do CAS: “[...] quando entrei na


Polícia Militar, em 1989, as tomadas de decisões eram outras. Na continuidade da
minha carreira militar venho aprendendo muitas técnicas [...]”.

Outras declarações deveras significativas são as dos participantes do


CNP de número “10” e “13”, que, respectivamente, declaram:

“[...] na PMRN não tem doutrina nos cursos oferecidos pela


instituição, exceto para o grupamento especial, onde teria que no
mínimo, toda polícia deveria ter o conhecimento básico em
ocorrências excepcionais”. “[...] nós só aprendemos na prática”.

De acordo com Orlandi (2000), o sentido do discurso, pode, inclusive,


está no não dito, no texto não escrito ou nas entrelinhas do processo comunicativo.
Nesse caso, os textos acima refletem, inicialmente, que as práticas de outrora na
PMRN eram bem diferentes das atuais e, crê-se, também, nas demais coirmãs país
afora.

No final da década de 80 do século XX, o Brasil acabara de promulgar a


atual Constituição e, como defendido nesta Tese e, também, ancorado em muitos
estudiosos, a cultura militarizada ainda era muito presente. Portanto, os
procedimentos eram muito mais voltados para a segurança nacional do que para
segurança pública (BORGES FILHO;1989), (MUNIZ; 1999), (SILVA; 2009), entre
outros.

O segundo participante expressa. Incisivamente, que na Instituição não


há protocolos institucionalizados, como também crê-se, em boa parte das
Corporações Militares do país, já defendido nesta Tese.

A falta de regulamentação de procedimentos e protocolos testados e


legitimados como os do Gerenciamento de Crises e o do Método Giraldi devem ser
uma regra e não a exceção, para que o policial militar tenha parâmetros para
atuação, como as analogias feitas com as profissões liberais no Capítulo 6.
241

O último e, talvez, seja o mais emblemático problema que emerge dos


dados da fase empírica da pesquisa, de uma forma geral, apresenta dois
desdobramentos. O primeiro, não havendo a especialização tão criticada por Menke;
White e Carey (2002), colocará em xeque o processo de profissionalização, visto
que, como defendido por eles, é uma das características fundamentais para alcance
e manutenção do status de uma ocupação profissionalizada. O segundo é uma
consequência do primeiro, pois, os dados das ações inadequadas que compuseram
boa parte da problemática da Tese, no Capítulo 3, só tenderão a aumentar, pois,
sem parâmetros para atuação, os equívocos nas intervenções106 e, possivelmente,
desvios de conduta terão mais chances de ocorrer.

A seguir, a análise do objetivo específico 4: “refletir e interpretar os dados


da pesquisa empírica, sob a perspectiva teórica da Tese” está correlacionado às três
últimas perguntas:

 na sua opinião, enumere três palavras que julga mais importante para
solução dessa ocorrência policial-militar;
 detalhe o passo a passo como o(a) senhor(a) tomaria sua decisão para
solucionar essa ocorrência na sua atividade profissional; e
 na hipótese de sair algo errado na decisão tomada pelo(a) senhor (a)
que medidas adotaria para solucionar o problema. Relacione três ações em ordem
de prioridade que adotaria.
A partir dos estudos e pesquisas apresentadas nesta Tese e as respostas
obtidas, consignadas no Gráfico 9 - Nuvem de palavras mais importantes para
Tomada de Decisão na PMRN, é possível identificar, pelo menos, quatro delas que
estão no mesmo patamar em importância: “isolar”, “conter”, “negociar” e

106
Para além dos casos emblemáticos de intervenções equivocadas realizadas por PMs que
foram noticiados pela mídia nacional e internacional citadas ao longo da Tese, no RN, em
2010, em atendimento a uma ocorrência dentro de um ônibus um PM é morto e outro é
alvejando por não adotar as medidas pertinentes à resolução de casos que demandam o
uso da força e de armas de fogo. Disponível em:
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/itep-identifica-homem-que-matou-pm-em-frente-
ao-midway/168042. Acesso em 15 jan 2015. Em 2013 um universitário ao furar um
bloqueio policial na cidade de Mossoró/RN foi morto a tiros por uma guarnição policial
PM. Disponível em:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/enterrado-jovem-fuzilado-
por-pms-1.268678. Acesso em 15 jan 2015.
242

“segurança”. Estas, por seu turno, representam, em significado, outras tantas que
são citadas.
Fato é que, apesar da ausência de formação continuada, conforme
constatada ao longo desta Tese, esses termos, tecnicamente, estão correlacionados
com o protocolo CSIM, sistematizado no Capítulo 6, para concatenar os
procedimentos que devem ser adotados em uma ocorrência, aqui denominada
crítica.
Por outro lado, relacionando essas perguntas, aos dados do Gráfico –
Nuvem de palavras e aos da Tabela 9 - Passo a passo de Cabos/Sargentos para
Tomada de Decisão na PMRN, não se encontra a mesma ressonância. Ao contrário,
na Tabela 9, a seguir, menos de 10% dos Cabos e nenhum Sargentos respondeu
corretamente o referido protocolo.
Na mesma perspectiva, o maior índice de acerto foi dos Cabos que
alcançaram 54,5%, citando três das quatro palavras que representam o protocolo
CSIM, sendo, também, seguido pelos Sargentos, com 34,4% que responderam três
palavras que guardavam equivalência com o protocolo sistematizado.
A análise da última pergunta, será feita conjuntamente com o quinto e,
também, último objetivo para que não se tenha a impressão de se estar sendo
redundante, muito embora as perspectivas de abordagens sejam distintas.

A análise do objetivo específico 5: “propor um referencial procedimental


para potencializar o processo de tomada de decisão no que diz respeito à Atividade
Tomada de Decisão na profissão policial-militar”, como o objetivo 4, também, está
relacionado às três últimas perguntas, imediatamente, acima citadas.

As respostas que surgem como as três primeiras palavras podem ser


percebidas em grau de importância, a partir do Gráfico 9, disposto em uma nuvem
de palavras conforme a seguir:
243

Gráfico 9 – Nuvem de palavras mais importantes para Tomada de Decisão na PMRN

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN

Os termos-chave que são evidenciados a partir das três primeiras


palavras, em ordem de prioridade para resolução de uma ocorrência crítica das
respostas dos 23 Cabos e 34 Sargentos, em formação continuada que participaram
da pesquisa empírica desta Tese, dão conta que há, sim, uma uniformidade nas
terminologias empregadas, apontando que, em princípio, muito do que foi posto em
prática em sala de aula, foi lembrado (talvez, apreendido), o que, necessariamente,
não significa que isso asseguraria o emprego de tais protocolos na prática cotidiana
da atividade profissional.

Contudo, fato é que a formação continuada que alguns destacaram que


tiveram, no referido processo formativo, veio contribuir com o nível de profissional
desses policiais. Como defendido por Núñez, Ramalho e Gauthier (2004). A
profissionalização de uma categoria de trabalhadores é um processo contínuo,
244

político e ideológico. Portanto, conhecimentos e saberes profissionais são parte


inerentes da profissionalidade, no processo de profissionalização e,
consequentemente, busca incessante pelo profissionalismo.

O último objetivo específico “propor um referencial procedimental para


potencializar o processo da Tomada de Decisão do policial militar” está
correlacionado ao item 5 do Questionário, cuja solicitação é que fosse detalhado o
“passo a passo desses profissionais para Tomada de Decisão” versus os cargos de
Cabos e Sargentos.

A partir das respostas e, após a categorização dos termos citados, foi


possível agrupá-los na Tabela 9, de acordo com as categorias analíticas para
resolução de problemas, constantes no Curso de Gerenciamento de Crises,
inicialmente, denominado de protocolo CSIM, que representam as ações imediatas
conter; solicitar apoio; isolar e manter contato sem concessões, que devem ser
adotadas pelo policial, conforme a seguir:

Tabela 9 – Passo a passo de Cabos/Sargentos para Tomada de Decisão na PMRN


Cabos Sargentos Total
Categorias do curso de
Gerenciamento de Quantidade Quantidade Quantidade
crises de (%) de (%) de (%)
participantes participantes participantes
Citou 100% das
categorias do Curso de 2 9,1% 0 0,0% 2 3,7%
Gerenciamento de Crises
Citou 75% das categorias
do Curso de 12 54,5% 11 34,4% 23 42,6%
Gerenciamento de Crises
Citou 50% das categorias
do Curso de 4 18,2% 8 25,0% 12 22,2%
Gerenciamento de Crises
Citou 25% das categorias
do Curso de 3 13,6% 10 31,3% 13 24,1%
Gerenciamento de Crises
Não citou nenhuma das
categorias do curso de 1 4,5% 3 9,4% 4 7,4%
Gerenciamento de crises
Total* 22 100,0% 32 100,0% 54 100,0%
Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN
Nota: CSIM (conter, solicitar apoio, isolar e manter contato sem concessões)
Nota”: um Cabo e dois Sargentos não responderam às perguntas.

Na Tabela 9 está evidenciado o percentual de Cabos e Sargentos que


participaram da pesquisa e não responderam nenhum dos quatro protocolos (CSIM)
é superior aos que responderam 100%. Ou seja, de acordo com o referido protocolo
245

apenas 3,7% dos PMs participantes da pesquisa responderam corretamente,


indicando o protocolo CSIM, qual seja, conter; solicitar apoio; isolar e manter contato
sem concessões.

Do total de 54 Cabos e Sargentos que responderam à solicitação, apenas


dois Cabos, no momento da pesquisa, lembram-se dos conhecimentos abordados
em sala de aula, referentes a ocorrências policiais que demandam o uso de força
e/ou de armas de fogo, citando os quatro termos-chave do protocolo de
Gerenciamento de Crises.

Quando se diminui um dos quatro protocolos a serem utilizados, isto é,


tomando-se como parâmetro apenas 75% do CSIM; 54,5% dos cabos e 34,4% dos
Sargentos responderam, corretamente, o que representa 42,6% dos participantes
que têm conhecimento, ou pelo menos, lembraram de três dos quatro protocolos na
ação imediata a ser desenvolvida na hora de resolver ocorrências críticas.

Usando, apenas, duas palavras-chave do CSIM aparecem 18,2% e 25%,


respectivamente, de Cabos e Sargentos que responderam dois protocolos
corretamente.

Outro dado relativamente alto é que analisando, conjuntamente, o grupo


de informantes, quase 1/4, ou seja, 24,1% dos Cabos e Sargentos responderam
apenas um dos quatro protocolos dos CSIM.

Em uma análise mais ampliada, em que pese os primeiros cursos de


Nivelamento de Praças e Aperfeiçoamento de Sargentos realizados, em 2016, no
Centro de Formação e Aperfeiçoamento da PMRN haverem passado, recentemente,
pela capacitação acerca das normas relativas ao Gerenciamento de Crises, tais
conhecimentos, ainda, não estavam bem consolidados para esse grupo de policiais,
pois apenas 42,6% do total de 54 participantes que responderam à solicitação
acerca do passo a passo para Tomada de Decisão em ocorrências denominadas
críticas, indicaram três das quatro ações do protocolo esperado.

Com efeito, ao ser realizado o cruzamento dos dados estatísticos acima


especificados, na Tabela 9, acerca da Tomada de Decisão na PMRN e o passo a
passo na hora resolução da ocorrência crítica, fazendo uma triangulação entre
246

cargos (Cabos/Sargentos) e as quatro categorias do protocolo CSIM, do Curso de


Gerenciamento de Crises, obteve-se a seguinte constatação demostrada por meio
do Gráfico 10.

Gráfico 10 – Tomada de Decisão versus cargos

Cabos Sargentos

100%

90%
82% (28)
80%
70% (16)
70% 65% (15)
61% (14)
60% 56% (19)
50% (17)
50%

40%
30% (7)
30%
21% (7)
20%

10%

0%
Conter Solicitar apoio Isolar Manter contato sem
concessões

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN


Referência: protocolo CSIM, sistematizado nesta Tese

A partir dos dados do Gráfico 10, é perceptível que há uma concentração


nas respostas de ambos os cargos ao decidirem pela medida imediata do protocolo
CSIM isolar. Essa medida representa a primeira Tomada de Decisão para 70% dos
Cabos e 82% dos Sargentos.

Outro fator que deve ser considerado relevante é que a ação imediata do
CSIM conter, que nos Cursos de Gerenciamento de Crises (SENASP/MJ, 2008) é
adotado como primeira medida, foi a menos citada como Tomada de Decisão desse
grupo de informantes, aparecendo como Tomada de Decisão, apenas, com 30% e
21%, respectivamente, para Cabos e Sargentos.
Em terceiro e quarto lugares, obtendo quase que o mesmo percentual de
importância na Tomada de Decisão dos participantes da pesquisa ficaram as ações
imediatas do protocolo CSIM solicitar apoio, respectivamente com 65% e 56% para
Cabos e Sargentos; e manter contato sem concessões, sendo citados por 61% dos
Cabos e 50% dos Sargentos.
247

Outro fator relevante é que em três das quatro medidas imediatas do


protocolo do CSIM, os Cabos sempre estão à frente, percentualmente, na Tomada
de Decisão em relação aos Sargentos, exceto na adoção da Tomada de Decisão em
isolar o local.
Um dos possíveis fatores que podem ser evidenciados para essa
diferenciação é que a formação dos Cabos é bem mais recente que a dos
Sargentos. Isso pode ter contribuído para que tenham tido mais acesso e, mais de
uma vez às temáticas da formação profissional acerca dessa modalidade de
enfrentamento de ocorrências críticas.
Outro aspecto que pode ser sugerido é que nos questionamentos acerca
da “contribuição da formação inicial ou continuada para auxílio na Tomada de
Decisão na atividade profissional”, os Cabos destacam que participaram de
formação, pelo menos, na modalidade a distância (SENASP/MJ, 2008), o que
reforça a tese da contribuição significativa da aquisição de novos conhecimentos e
saberes profissionais por meio dos processos formativos, ao longo da carreira,
melhorar o nível de profissionalização, adequando-se à proposições de Menke;
White e Carey (2002) que a profissionalização das polícias carece de mais tempo de
formação inicial e, bem como mais regularidade nas capacitações ao longo da
carreira.
A sexta e última pergunta indagou “na hipótese de sair algo errado na
decisão tomada” busca verificar as demandas profissionais desse grupo de policiais
militares, informantes da pesquisa, a partir do objetivo especifico 5, “propor um
referencial procedimental para potencializar o processo de Tomada de Decisão no
que diz respeito à Atividade Tomada de Decisão na profissão policial-militar”,
especialmente, para ocorrências que ensejam o uso da força e/ou de armas de fogo,
sendo elaborada a Tabela 10, conforme a seguir:
248

Tabela 10 – Medidas adotadas caso algo saia errado na Tomada de Decisão


Medidas Cabos Sargentos Total
adotadas Ocorrência (%) Ocorrência (%) Ocorrência (%)
Pedir apoio 10 29,4% 18 43,9% 28 37,3%
Isolar a área 3 8,8% 7 17,1% 10 13,3%
Negociar 3 8,8% 7 17,1% 10 13,3%
Acalmar a
3 8,8% 3 7,3% 6 8,0%
situação
Identificar o
erro/Aprimora 6 17,6% 6 8,0%
r as técnicas
Tiro de
comprometim 2 5,9% 3 7,3% 5 6,7%
ento

Conter 4 11,8% 1 2,4% 5 6,7%

Imobilizar o
1 2,9% 2 4,9% 3 4,0%
meliante
Recuar 2 5,9% 2 2,7%
100,0
Total 34 100,0% 41 100,0% 75
%

Fonte: Pesquisa realizada em março/2016 CFAPM/RN

De acordo com a Tabela 10, na hipótese de que algo saia errado na


Tomada de Decisão desses informantes, há uma concentração da Tomada de
Decisão dos cargos (Cabos/Sargentos), elegendo a primeira medida imediata do
protocolo CSIM solicitar apoio, aparecendo, respectivamente, para quase 30% do
Cabos e 43% do Sargentos.
Na segunda Tomada de Decisão há uma polarização mais ou menos na
mesma porcentagem de importância para Cabos e Sargentos. Enquanto os Cabos
preferiram escolher a medida “identificar o erro/aprimorar as técnicas”, com 17,6%,
os Sargentos optaram por adotar duas medidas imediatas, isolar a área e negociar,
ambas com 17,1% de importância na sua Tomada de Decisão.
Dois fatores isolados que pelos seus desdobramentos devem ser
considerados. O primeiro, a utilização do “tiro de comprometimento”, que mesmo
tendo sido citado apenas por 5,9% dos Cabos e 7,3% dos Sargentos, por ser uma
medida extrema é um indicador representativo para auxiliar na construção do
referencial procedimental acerca das demandas das necessidades formativas,
propostas no Apêndice “D”.
249

O segundo fator é que apenas o grupo dos Cabos adotariam a decisão de


“identificar o erro/aprimorar as técnicas”. Evidentemente, que essa Tomada de
Decisão não seria uma ação imediata, mas como um desdobramento para
potencializar o nível da profissionalidade dentro da categoria profissional do policial
militar, por meio da “[...] racionalização dos saberes e das habilidades utilizadas no
exercício profissional, agora já manifesta em termos de competência de um dada
categoria de trabalhadores, e que expressa elementos da profissionalização
(RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER; 2004, p.53)
Em uma análise do conjunto da Tomada de Decisão dos informantes da
pesquisa, constata-se que mais ou menos 80% das ações imediatas que
decorreriam, caso algo saísse errado na Tomada de Decisão inicial, contemplam o
protocolo CSIM, citando, literalmente, o referido protocolo ou termos que a ele se
assemelham. Assim responderam “pedir apoio” (protocolo CSIM - solicitar) 37,3%;
“isolar a área” (protocolo CSIM – isolar) 13,3%; “negociar” (protocolo CSIM - manter
contato sem concessões) 13,3%; “acalmar a situação” (protocolo CSIM - conter) 8%;
e, propriamente, citando o protocolo CSIM conter 6,7% dos Cabos e Sargentos.
Esse, portanto, também, é um indicativo substancial da urgência da
construção do referencial procedimental proposto (Apêndice “D”), tendo em vista
que, aparentemente, o que está sendo seguido nas ações desses policiais na sua
prática profissional não é uma normativa, e sim um conjunto de conhecimentos e
saberes que foram sistematizados para serem desenvolvidos em uma formação
continuada na modalidade a distância (SENASP/MJ, 2008). O que não deixa de ser
um bom referente, pois o que está sendo evidenciado, a partir dos dados empíricos,
que emergem desta Tese é que se esses profissionais fossem demandados na sua
prática policial utilizariam, tais conhecimentos.
Em uma análise mais específica de algumas respostas, quando
questionados sobre quais seriam as medidas adotadas diante de uma situação
crítica em que algo deu errado, de acordo com a pergunta, relacionada, também, ao
último objetivo específico 5, com o foco de propor um referencial procedimental para
o norteamento de ocorrências dessa natureza, o participante do Curso de
Nivelamento de Praças de número “14” declara que “[...]se algo sair errado não
estaria mais na minha alçada”.
Por seu turno, o participante do Cursos de Aperfeiçoamento de Sargentos
de número “01”, explicita, por meio de sua resposta que iria "[...]tentar defender-me;
250

tentar explicar para as autoridades o motivo do erro; tentar me precaver para


próxima ocorrência não errar".
Outro participante que teve destaque foi o de número “20” do Curso de
Nivelamento de Praças, que entre outras medidas iria “orar”.
O participante “08”, do CAS, afirma que "em caso de fuga faria o
acompanhamento informando à Central de Operações; se houvesse oportunidade
usaria a força física necessária para conter a injusta agressão; em última hipótese,
usaria a força letal para proteção própria ou de terceiros".
Por sua vez, o Sargento de número “32”, também, do CAS, diz que
“informaria ao meu comandante superior; informaria às autoridades competentes;
procuraria ajuda de pessoas mais experientes".
Das respostas apresentadas duas estavam dentro das ações efetivas que
o profissional de segurança deve tomar: agir dentro da legalidade, inclusive com uso
da força e/ou armas de fogo, devendo justificar-se, posteriormente, perante as
autoridades competentes (ONU, 1948; 1979), (BRASIL, 1988; 2010).
Contudo, outras respostas merecem um pouco mais de atenção e,
consequentemente, ensejam adoção de medidas político-administrativas para
criação de correção de uma cultura institucional. Não está sendo feito neste estudo
juízo de valor acerca de religiosidade, tampouco que esse ou qualquer aplicador da
lei não deva ter os direitos necessários de uma assessoria jurídica adequada, caso
sua ação seja considerada inadequada, mas que em uma cultura de trabalho
profissionalizado, procedimentos técnicos, obrigatoriamente, devem ser adotados
em face desse contexto.
Remete-se o contexto situacional à analogia feita com algumas profissões
liberais. Nesse aspecto, destaca-se a Medicina, o Direito ou a Engenharia. Suponha-
se que em uma intervenção cirúrgica com um amigo ou parente algo não sai como
planejado e, ao ser indagado qual medida o médico adotaria para a situação, tenha-
se como resposta: “não está mais na minha esfera de competência”, ou “tentarei me
defender” e, ainda, “irei orar”.
De igual maneira que a sociedade anseia por médicos, engenheiros e
advogados, ou tantos outros trabalhadores bem formados e capacitados para
resolução dos problemas mais complexos, em tempos de defesa de direitos e de
Estado democrático, espera-se, também, no campo da segurança pública, em
251

particular, o policial-militar uma postura, igualmente, profissionalizada (PONCIONI,


2012).
Os demais participantes que responderam ao questionamento acerca de
que decisão tomaria se algo saísse errado na ocorrência policial adotaram o que o
protocolo de gerenciamento de crises estabelece, ou pelo menos foram mais
técnicos em suas exposições.
As outras três respostas demonstram que a cultura da atividade policial,
ainda, não se tornou profissionalizada ou seu nível de profissionalização, ainda, é
precário em alguns dos requisitos defendidos por Menke, Whitee Carey (2002),
especialmente, no curto período de formação que é adotado para formação dos
profissionais de segurança, na Europa e nos EUA. Contudo, no Brasil,
gradativamente, após a institucionalização da MCN, desde 2003, essa realidade tem
mudado. Atualmente, de acordo com a última atualização da referida Matriz, em
2014, a carga horária mínima sugerida para as Polícias Civil e Militar brasileiras, é
de 908 horas-aula.
No Rio Grande do Norte, após a edição da Lei Complementar 515/2014, o
curso inicial para o policial militar, deve ter carga horária mínima de 960 e máxima
de 1920, devendo ser operacionalizado, exclusivamente, no CFAPM, com 240
(duzentos e quarenta) dias letivos. Após a formação inicial, o policial militar no RN,
por força desta lei, deve passar por vários cursos de formação continuada, como os
estudados nesta Tese, quais sejam o CNP e CAS, entre outros regulares da carreira
profissional ou outros que a dinâmica social enseje.
O oitavo e último capítulo trata da proposta do referencial procedimental,
que por vezes, suscitou-se emergencial, a partir das análises das questões
submetidas e das respostas apresentadas pelos participantes da pesquisa, trazendo
no seu limiar o processo de sistematização do referido procedimento e os pareceres
de oficiais pesquisadores e técnicos nesse campo específico da segurança pública.
252

8 PROPOSTA DE REFERENCIAL PROCEDIMENTAL

Não obstante a terminologia Procedimento Operacional Padrão (POP)


possa parecer reducionista e simplificadora, seu objetivo é, principalmente, o de
nortear as atividades práticas de determinadas profissões, especialmente, daquelas
que ainda não dispõem de uma literatura oficial, sistematizada, que estabeleça quais
parâmetros teóricos, técnicos e legais devem guiar suas respectivas atividades.

Nesta Tese, uma das primeiras preocupações foi a de, justamente, não
denominá-lo de manual, mas sim de referencial, especialmente, buscando
diferenciar esses dois procedimentos. Mesmo se entendendo que ambos são,
extremamente, importantes, o primeiro, considera-se de caráter, eminentemente,
técnico e, em certa medida, limitado, para uma atividade profissional, complexa,
como a policial-militar, sobretudo, a Tomada de Decisão, para uso ou não de força
e/ou de armas de fogo em ocorrências de natureza crítica. Assim, defende-se que
um manual não conseguiria dar conta de uma série de questões subjetivas e
complexas que circunscrevem a atividade em estudo.

Um referencial procedimental, por seu turno, mesmo diante das


complexas questões, apresentadas, ao longo da Tese, é o que mais se aproxima do
objetivo almejado, visto que, como a própria nomenclatura descreve, trata-se de
uma referência, a partir de procedimentos, os quais já são adotados nas atividades
profissionais policiais-militares, tendo em vista estarem embasadas em
conhecimentos e saberes e, também, em leis e tratados, estabelecidos ao longo da
construção social, histórico-cultural da profissionalidade da atividade policial-militar.

A construção da Proposta deste Referencial Procedimental (PRP) ocorreu


por meio da pesquisa bibliográfica, especialmente, a partir dos protocolos
institucionais das Polícias Militares que, por meio de sua tradicionalidade e expertise
já sistematizaram suas respectivas normas, que orientam a atuação prática de seus
profissionais, quais sejam: PMESP (2002), PMMS (2013), PMMG (2017), mas,
também, investigando e analisando o que já havia sido produzido, mesmo que de
forma, ainda, incipiente, na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, sobretudo, os
manuais de Silva (2007), Barreto (2013; 2016) e PMRN (2014).
253

8.1 Procedimento Operacional Padrão para PMRN: sistematizando


conhecimentos e saberes

Quadro 11- Procedimento Operacional Padrão (POP) para Atendimento


de Ocorrências Críticas na PMRN107
Desenvolvimento do Procedimento Operacional Padrão
1. Ações preliminares
1.1 Coleta de dados sobre a ocorrência (O quê? Quem? Onde? Como? Quando? Por
quê? Quanto?108) e briefing109 entre os componentes da guarnição no deslocamento
para atender o evento;
1.2 Contato com a(s) pessoa(s) indicada(s) pelo Centro de Operações (CO) ou com o
solicitante e adoção de ações orientadas pela CO; e
1.3 Manter a segurança da guarnição, dos envolvidos e de terceiros durante toda a ação.

2. Ações imediatas no local da ocorrência devem atender aos princípios da:


2.1 Legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência; e
2.2 Sendo constatado que se trata de ocorrência com refém adotar o protocolo do
Gerenciamento de Crises que, correspondem as ações imediatas: conter, solicitar
apoio; isolar; manter contato sem concessões (CSIM). A hierarquia das ações é
flexível, dependendo do contexto situacional.
3. Resultados esperados
Desfecho satisfatório, com eficiência e eficácia sempre de forma a preservar vidas e
aplicar a lei, mesmo que a observância do primeiro objetivo retarde a aplicação do
segundo.
4. Circunstâncias que podem levar ao erro procedimental
4.1 Informações incorretas ou insuficientes acerca da ocorrência;
4.2 Policial e/ou terceiros feridos ou mortos na ocorrência; e
4.3 Equipamentos e/ou armamentos não funcionam.
5. Ações corretivas
5.1 Imediatas:
5.1.1 Não adotar nenhuma ação imediata, se possível, antes de coletar mais informações
que orientem uma Tomada de Decisão embasada nos princípios da legalidade,
necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência;
5.1.2 Solicitar apoio especializado para atendimento das vítimas; e
5.1.3 Adotar as demais ações do protocolo CSIM para que seja possível sanar panes em
equipamentos e/ou armamentos ou recuar em face do contexto situacional.
5.2 Posteriores:
5.2.1 Preenchimento do formulário avaliativo do POP; e
5.2.2 Debriefing110 acerca da aplicação do POP com os policiais envolvidos
realizado por especialistas.

107
Referência: (ONU, 1979); (ROVER, 2005); (BRASIL, 2010b); (PMESP, 2002); (PMMS,
2013); (BARRETO, 2013; 2016); (PMRN, 2014); (PMMG, 2017).
108
Este item não está relacionado a valor monetário, mas a princípios da dignidade humana.
O policial dever refletir quantas vidas custam em uma Tomada de Decisão imprudente.
109
Em uma tradução livre para do Inglês para o Português, seriam breves instruções acerca
de ações a desenvolver em uma atividade.
110
Esclarecimentos ou discussão acerca de ações desenvolvidas. Espécie de estudo de
caso.
254

O Quadro 11 busca sistematizar uma série de ações que, a partir das


pesquisas e estudos teóricos, técnicos e/ou legais e, também, dos aspectos
conceituais, procedimentais e atitudinais (BRASIL, 2014) devem orientar o Operador
de Segurança Pública, em particular, o policial militar para a resolução de
ocorrências críticas.
Nesse sentido, o POP foi dividido em cinco etapas:
1. as ações preliminares;
2. as ações imediatas no local da ocorrência;
3. os resultados esperados;
4. as circunstâncias que podem levar ao erro procedimental; e
5. as ações corretivas.
As Ações preliminares visam, mormente, o policial militar que primeiro
tiver contato com a ocorrência, tornando exequível a este profissional dispor do
máximo de informações que possibilitem a sistematização de um plano de ação.
Isso pode parecer redundância ou preciosismo aos profissionais de áreas diversas
da segurança pública, visto que, modo genérico, espera-se que o operador de
segurança já disponha de competências e habilidades (PERRENOUD, 1999);
(RAMALHO; NÚÑES; GUATHIER, 2004), que o tornem capaz de resolver
ocorrências dessa natureza.
Contudo, em face dos dados estatísticos disponíveis, os quais, alguns
deles apresentados no Capítulo 3, é que emerge a urgência de protocolos
institucionais com tais parâmetros, considerando, ainda, estudos e pesquisas
científicas de vários autores especializados, que avaliaram, também, esses
aspectos, igualmente, constatados pela PMMG (2017, p. 10), inferindo-se

[...] que não era suficiente investir apenas na formação de Unidades


de Intervenção Tática, formadas por negociadores, snipers e
operadores táticos, mas todos os policiais deveriam saber como
ocorre o processo de gestão de incidentes críticos, em especial o
primeiro interventor.

Para tanto, as ações presentes neste PRP busca, além de


instrumentalizar o policial militar que primeiro entrar em contato com as ocorrências
críticas (primeiro interventor), também, deve ter como escopo difundir, mesmo que
255

de forma embrionária, uma fundamentação teórica e doutrinária mínima, que deve


ser aprofunda por meio de processo de formação continuada regular (SACRISTÃN,
2011).
As Ações imediatas têm caráter impositivo, pois devem atender,
obrigatoriamente, a determinadas condicionalidades, com o intuito, exclusivo, de
preservar vidas e aplicar a lei, acolhendo os princípios éticos, morais, legais e
técnicos da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência,
estabelecidos na Portaria Interministerial Nº 4.226 de 2010, do Ministério de Justiça
e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (BRASIL, 2010).
Esses princípios, apesar de estarem consignados nesta Portaria, não se
configuram enquanto conjunto de ações e operações sistematizadas visando a
resolução de determinadas ocorrências policiais que se sobressaiam da rotina
operacional. A PM de Minas Gerais, com efeito, denominam-nas de incidentes
críticos, pois devem ser considerados como “[...] fenômenos sociais complexos de
quebra da normalidade que, por colocarem a vida dos cidadãos em risco, exigem a
intervenção especial da polícia” (PMMG, 2017, p.13).
Foi utilizado, também, como parâmetro, nesta parte da PRP os protocolos
do Curso de Gerenciamento de Crises, explicitados no Capítulo 7, que para nesta
Tese foi denominado de CSIM, ou seja, a depender do contexto situacional, o
policial militar deve, muito embora haja uma hierarquia nas ações a serem
desenvolvidas, optar por aquela que mais se adeque, no momento em que chega ao
local do evento.
Por seu turno, o CSIM contempla aspectos conceituais, procedimentais e
atitudinais discutidos ao longo da pesquisa, especialmente por Dória Júnior e
Fahning (2008), igualmente, adotados pela SENASP (BRASIL, 2014), possibilitando
que essas ações não sejam meros hábitos rotinizados, mas habilidades
apreendidas, desenvolvidas e, constantemente, reavaliadas, como previsto no
Formulário Avaliativo do POP, conforme o Apêndice “E”.
A terceira etapa do Procedimento, com efeito, buscou desenvolver
aspectos em que se almejam os Resultados esperados no desfecho da ocorrência
crítica. Nesse sentido, a eficiência e a eficácia deste e de quaisquer outros
protocolos institucionais no campo da segurança pública têm os mesmos objetivos,
obrigatoriamente, de preservar vidas e aplicar a lei. A observância hierárquica
256

dessas ações, muito embora, na prática cotidiana, possa parecer que é possível sua
inversão doutrinária, ética e legal, não é admissível.
O mito do policial herói que perpassa, não apenas o imaginário policial,
mas também social, precisa ser desmistificado e superado a partir de ferramentas
pedagógicas e institucionais, como a proposta do POP.
Outra percepção que fora ponderada ao longo do texto é o hiato existente
entre os mecanismos de fiscalização/responsabilização e os órgãos de formação
inicial e continuada da Corporação. Destarte, o Apêndice “E”, além do objetivo
principal de reavaliar, periodicamente, o procedimento institucionalizado, também,
visa proporcionar a sistematização de dados estatísticos para que o déficit detectado
no accountability sistem seja minimizado por políticas institucionais no campo, não
apenas da fiscalização/responsabilização, mas, inclusive, da formação inicial e da
continuada, realizada na instituição policial.
O quarto item do POP são as Circunstâncias que podem levar ao erro
procedimental, as quais são subdivididas em três possibilidades, que estão
circunscritos na esfera de competência do policial militar, primeiro interventor, mas
também de terceiros e, ao mesmo tempo, da própria Corporação.
Nessa perspectiva, a formação e, também, a capacitação continuada do
operador de segurança pública serão decisivas para que esse profissional tenha
capacidade de mobilizar conhecimentos e saberes (PERRENOUD, 1999), para
discernir até onde vai sua esfera de responsabilidade, de modo que, no espaço
temporal, exíguo, que na maioria das vezes, dispõe, possa escolher a Tomada de
Decisão mais adequada e exequível, pois poderá contar com informações incorretas
e, até mesmo insuficientes.
Por outro lado, o agravamento da ocorrência crítica como a possiblidade
de feridos e/ou mortos, inclusive, policiais, não podem ser descartadas, pois como
visto no Capítulo 5 os aspectos subjetivos e emocionais complexificam a Tomada de
Decisão.
Nos itens componentes equipamentos e/ou armamentos, também, podem
ser considerados potenciais geradores de agravamento de ocorrências policiais, pois
uma falha na utilização ou mal funcionamento e, até mesmo, sua inadequação à
ação poderá provocar danos irreparáveis. Nesse contexto, o Quadro 12, que trata
das Competências para o uso da força e/ou armas delimita alguns exemplos de
ações que podem/devem orientar os aspectos formativos desses profissionais.
257

Por fim, as Ações corretivas definidas no POP se dividem em duas etapas


e visam a adoção de medidas na hora da ação, durante e posterior aos fatos. Como
defendido por Shön (2000), determinadas profissões, necessariamente, carecem de
um currículo que as habilite, efetivamente, a uma prática reflexiva. No caso dos
participantes da pesquisa, em alguns momentos, quando da análise dos dados que
emergiram da fase empírica, as respectivas formações rumavam com aspectos
muito mais protocolares que, efetivamente, formadores de competências e
habilidades para o exercício qualificado da atividade policial-militar (PONCIONI,
2012).
As primeiras correções/reparações constantes no POP dizem respeito a
adoção de ações que, quando necessárias, não devam ir de encontro aos princípios
basilares já estabelecidos. Por conseguinte, a preservação da vida continua como
primeiro item a ser seguido, devendo-se acionar equipes especializadas para
socorrimento de vítimas ou prosseguimento no atendimento da ocorrência crítica de
forma qualificada.
O último item das Ações corretivas se constitui de medidas que visam a
produção de dados estatísticos, com o intuito de subsidiar a reavaliação periódica do
Procedimento Operacional Padrão para resolução de ocorrências críticas, que
envolvem, tanto os policiais que atenderam a ocorrência quanto especialistas em
ocorrências dessa natureza.
Na primeira fase, o devido preenchimento do Formulário Avaliativo
(APÊNDICE - E), deve ser executado pelos policiais que atenderam e deram os
encaminhamentos necessários à resolução da ocorrência. Em seguida os dados
deverão ser concatenados e, posteriormente, analisados por especialistas e,
também, por profissionais da área educacional, no sentido que as boas intervenções
sejam replicadas para toda a Corporação e os equívocos, analisados e propostos
como estudos de casos.
Esta, portanto, é a apresentação geral do POP que na seção seguinte
recebe as avaliações, críticas e sugestões dos oficiais especialistas que foram
demandados e emitiram seus respectivos pareceres, os quais detêm expertises
nesse campo de estudo da segurança pública e, também, pela atuação que
desenvolvem como Comandantes ou membros das Organizações Policiais Militares
(OPM) especializadas.
258

8.2 Pareceres técnicos: análise e adequações do POP

Tomando como parâmetro os Pareceres Técnicos emitidos por três


oficiais especializados em ocorrências críticas, os quais além de exercerem funções
específicas em OPM especializadas, quais sejam, Batalhão de Operações Policiais
Especiais (BOPE), Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e Rondas
Ostensivas com Apoio de Motocicletas (ROCAM), dois desses oficiais, também, são
pesquisadores na temática em estudo (BARRETO, 2013; 2016); (COTTA, 2009).

O Parecer Técnico do Oficial da ROCAM da PMRN (ANEXO - B)


concorda que o POP apresentado atende aos pressupostos legais, técnicos e éticos
necessários para o emprego da atividade policial-militar, em ocorrências críticas.

O referido Oficial apresenta algumas considerações no sentido de


aprimorar o Procedimento, especialmente, no que se refere às Ações preliminares,
acrescendo que o policial militar deve “[...] certificar-se, por meio da Central de
Operações, acerca de possível apoio na área ou imediações do evento crítico”
(ANEXO - B)

O parecerista defende, também, que nas Ações imediatas é importante


‘[...] inserir no item 2.3 Não se tratando de ocorrências de Gerenciamento de Crises,
indicar que ações devem ser adotadas” (ANEXO - B). E, por fim, mas não menos
significativo, acerca do item Ações corretivas “[...] acrescentar o termo inexistente
que se aplica para equipamentos e armamento” (Idem).

Considera-se que todas os itens ponderados e sugeridos são pertinentes


e serão incorporados na proposta final, constante no Apêndice “D”.

Da análise do Parecer Técnico do Oficial do BPChoque do PMRN. O


parecerista, também, se posicionou acerca da pertinência da proposta do POP para
resolução de ocorrências críticas, na esfera institucional da PMRN, sugerindo,
contudo, que se faz coerente:
259

[...] acrescentar um item “possibilidade de erros”, elencando as


possibilidades mais comuns de erro de procedimento durante a ação
policial, como “não realizar o isolamento adequado”, “permitir a
entrada de pessoas e imprensa no perímetro de segurança”, “realizar
procedimento de resgate sem pertencer a tropa especializada”,
dentre outras [...] (Anexo “C”).

Como no parecer anterior, este, também, fora, eminentemente, técnico,


fazendo, a partir de uma visão perspicaz, com sugestões de adequações que serão
inseridas na proposta final do referido procedimento, conforme Apêndice - D.

O Parecer Técnico do Oficial da PMMG (ANEXO – D), como os demais


pareceristas é que o Procedimento Operacional Padrão está em consonância com
princípios e pressupostos universais legais, técnicos e éticos para atuação policial-
militar.

Na perspectiva de adequações visando aperfeiçoar o POP, o Oficial da


PMMG sugere que é imprescindível instituir a figura do: “[...] Controlador do
incidente (CPU111, CPCia112 ou Supervisão). Ele potencializa as ações
implementadas inicialmente pelo Primeiro Interventor. Estabelece, assim, a
coordenação e controle inicial na cena de ação” (ANEXO, D).

O oficial sugere, também, que para melhor resolução da ocorrência


crítica, é pertinente definir quais as autoridades técnicas que podem atuar na cenário
onde o fato delituoso ocorreu. Assim, sugere, a partir dos referenciais da PMMG e
de estudos do próprio autor (COTTA, 2009), os profissionais que devem ter acesso
aos locais específicos, após instauradas as ocorrências críticas são:

111
Este Oficial é o Comandante do Policiamento da Unidade (Batalhão), da circunscrição
onde a ocorrência crítica aconteceu.
112
Este Oficial é o Comandante de Policiamento da Companhia, da circunscrição onde a
ocorrência crítica aconteceu.
260

[...] Autoridades Técnicas (Gestor do Incidente Crítico) e Autoridade


de Linha (Comandante da Cena de Ação). Isso diminui a
possibilidade de intervenção política num momento em que a
resolução deve ser técnica. As ações de todos esses profissionais
devem estar bem definidas e ser alvo de treinamento e divulgação
(ANEXO – D)

Ainda conforme o parecerista, em Minas Gerais, por questões de


adequações conceituais, este tipo de ato delituoso, nesta Tese definida como
ocorrências críticas, na PMMG são denominadas incidentes críticos. O Oficial
mineiro, também, sugere que para uma leitura e entendimento adequado da
proposta ora apresentada, é razoável criar um glossário para terminologias técnicas
adotadas no POP. Neste sentido, não apenas para o POP, mas para os demais
termos, siglas e abreviaturas, consta nos elementos pré-textuais a Lista de
Abreviaturas e Siglas.
261

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não obstante as políticas de segurança pública implementas no Brasil


desde 1997, incialmente com a criação da Secretaria Nacional de Segurança
Pública, a partir da qual foi institucionalizada uma série de ações que,
normativamente, mudaram o paradigma nesse campo de estudo e pesquisa, ainda,
pode-se constatar muitas variações no modelo de atuação da atividade policial-
militar, que, como visto nesta Tese, influenciaram/influenciam no modus operandi da
prática do policiamento ostensivo, em especial, da PMRN, mas, também, essa
constatação pode servir de parâmetro para uma análise das demais PMs do país,
resguardando-se, todavia, as especificidades culturais e regionais.

Reconhece-se que a proposta da Tese foi deveras audaciosa, tendo em


vista a incipiência do campo teórico e de pesquisa, como evidenciado no início do
trabalho, que buscou mostrar quão a segurança pública é, por excelência, um locus
e um habitus complexos de serem investigados, dado às circunstâncias histórico-
culturais, especialmente, na América Latina e no Brasil, que vivenciaram governos
militares, criando uma espécie de hiato entre essas instituições e a sociedade.
Essas características dificultavam/dificultam o acesso às informações, o que foi em
certa medida, minimizado em virtude do autor ser integrante do quadro de oficiais da
PMRN.

Por outro lado, com o intuito de buscar minimizar essa incipiência,


procurou-se desvelar a institucionalização das corporações policiais e as nuanças
que permearam/permeiam a cultura, a identidade e os aspectos estruturantes da
profissionalização da polícia brasileira, os quais compuseram o percurso histórico,
que fora, brevemente, concatenado a partir dos principais estudos realizados no
Brasil acerca da instituição policial, especialmente, por meio de teses e dissertações
que estão disponibilizadas, principalmente, no Banco de Digital de Teses e
Dissertações, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.

Ao focalizar a questão da problemática da Tomada de Decisão na


atividade policial-militar, buscou-se embasar essa atividade com dados estatísticos e
a partir das normativas nacionais e internacionais que norteiam por meio de
parâmetros universais as ações policiais, especialmente, pelos princípios da
262

legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. Estes, por


seu turno, quando assumidos como critérios legais, técnicos e éticos,
pedagogicamente planejados e executados no processo formativo da atividade
profissional podem tornar-se competências cognitivas, operativas e atitudinais
capazes de balizar o principal objetivo da segurança pública, qual seja, preservar
vidas e aplicar a lei.

Nesse sentido, evidenciou-se que balizam o processo da formação


policial-militar pressupostos inerentes à profissionalização de uma atividade, isto é,
competências e habilidades. Contudo, em face da especificidade desta atividade
profissional e, por atuar, interventivamente, quase como uma ação cirúrgica, o
policial militar deve estar, permanentemente, em formação continuada, regido por
um código de ética e acompanhado por um accountability system que possa fazer
frente aos possíveis desvios de conduta que este operador da segurança pública
está propenso, face ao contexto social no qual está inserido. Essa constatação não
pode ser, entretanto, entendida apenas no campo do desvio de conduta, mas
também dos precários processos de seleção e formação inicial, e a continuada que,
por vezes é inexistente ou, meramente, protocolar e/ou administrativa normativa.

A partir dos pressupostos da Sociologia das profissões e/ou das


normativas nacionais e internacionais acerca do reconhecimento de profissões e
ocupações, apesar, de muito se ter avançado, em um curto lapso temporal do
efetivo processo de consolidação de uma cultura de segurança pública no Brasil, a
identidade, os saberes e os conhecimentos profissionais específicos da profissão
policial-militar ainda não representam, em plenitude, uma cultura profissional
consolidada. Nesse sentido, o paradigma militarista, entre outros aspectos histórico-
culturais, ainda contribuem para a manutenção de lacunas a serem preenchidas,
especialmente no campo da formação, seja ela inicial ou continuada.

O estabelecimento de um mandato policial que é conferido às


corporações policiais, autorizando-lhes, inclusive, quando necessário utilizar a força
e/ou armas de fogo, que é a licença que, em outras profissões possibilita, por
exemplo, um médico em uma intervenção cirúrgica cortar um paciente para atender
a uma demanda de saúde, diferenciando-o de um açougueiro ou torturador.
263

Nesse sentido, a profissionalização como processo e estado que é


constituída de profissionalidade e profissionalismo são requisitos sine qua non do
alcance do status profissional, mas também a busca contínua pela sua manutenção.
A competência profissional policial-militar, que deve mobilizar conhecimentos,
saberes e/ou habilidades profissionais, entre outras, as técnicas, as administrativas,
as interpessoais, as políticas e as cognitivas carecem ser o parâmetro formativo
necessário às demandas de força policial da Contemporaneidade.

Contudo, se tais parâmetros legais, técnicos e éticos não se objetivarem


em procedimentos exequíveis, em vão será todo o esforço empreendido para
construção de uma teoria policial ou da atividade policial.

Como defendido ao longo da Tese, a Atividade de Tomada de Decisão


Policial deve ser orientada por pressupostos teóricos, metodológicos e técnicos, que
tem como objetivo, única e exclusivamente, a preservação da vida e o cumprimento
da lei. Para tanto, os dados estatísticos da pesquisa empírica realizada no Centro de
Formação e Aperfeiçoamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, em março
de 2016, vêm corroborar com a hipótese inicial do estudo. Ou seja, não obstante, os
esforços normativos institucionais realizados no Brasil, principalmente, a partir do
final dos anos 1990, a Atividade da Tomada de Decisão para resolução de
ocorrências críticas que demandam de utilização da força legal e/ou armas de fogo,
ainda, não está, suficientemente, normalizada e/ou consolidada enquanto saber e
conhecimento profissional na segurança pública do país e, em particular, no Rio
Grande do Norte.

Por outro lado, é imperativo destacar que a formação dos sujeitos da


pesquisa, conforme foi possível constatar a partir dos dados estatísticos, tem
mudado gradativamente. Os Sargentos da PMRN com uma formação ocorrida um
pouco antes ou um pouco depois da promulgação da Constituição Federal de 1988,
ainda, carregam o paradigma do modelo militarista, muito mais marcado pelos
princípios das Forças Armadas, em detrimentos da formação embasada nos
princípios da segurança pública, que receberam os Cabos, da PM potiguar, nos
início dos anos 2000.
264

Com um pouco mais de 20 anos de serviço, os Cabos se apresentam


mais escolarizados, inclusive, quase 50% desse grupo profissional tem formação
superior ou em vias de conclusão. O que não representa a realidade do grupo
profissional dos Sargentos, para os quais esse nível de escolaridade não chega a
20%.

No requisito da formação inicial ou continuada para atendimento das


novas demandas da atividade policial, qual seja, o desenvolvimento de
competências e habilidades para resolução das ocorrências que demandam o uso
da força e/ou de arma de fogo, os dados demonstram uma tímida melhor
capacitação dos Cabos em detrimento aos Sargentos. O que demonstram as
informações contidas nas respostas ao questionário aplicado é que, mesmo de
forma esporádica os Cabos tiveram uma melhor capacitação, seja de forma
presencial e/ou a distância para atendimento desse tido de ocorrência. Contudo, a
não existência de normalização de tais procedimentos operacionais por parte da
PMRN revela a necessidade de uma normativa dessa natureza, o que é proposto
por meio do Referencial Procedimental.

Espera-se que a contribuição teórica desta Tese, qual seja, trazer à tona
para o campo acadêmico o métier policial-militar, buscando desvelar, entre outras
especificidades, se a atividade policial pode ser concebida como profissionalizada
e/ou se há requisitos que, ainda, precisam ser atendidos para alcance/manutenção
do status profissional. E se a Proposta do Referencial Procedimental, aqui
denominada de Procedimento Operacional Padrão para Atendimento de Ocorrências
Críticas, pode potencializar/otimizar a Tomada de Decisão nesse tipo de intervenção
na prática policial e, efetivamente, é capaz de contribuir para o debate científico
dessa atividade, que por circunstâncias diversas (já discutidas), não estão na
agenda acadêmica brasileira ou ainda é bastante incipiente.

A Proposta do Referencial Procedimental para Resolução de Ocorrências


Críticas, como produto normativo a ser apresentado ao Comando da Polícia Militar
da PMRN para ser submetida à aprovação como Procedimento Operacional Padrão
(POP) para Resolução de Ocorrências Críticas na PMRN (Apêndice “D”) e seu
Formulário Avaliativo (Apêndice “E”) foram submetidos a quatro pareceres técnicos
de três oficiais da PMRN de Organizações Policiais Militares (OPM) especializadas,
265

quais sejam, Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), Batalhão de


Polícia de Choque (BPCHOQUE), Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas
(ROCAM) e o quarto parecerista é oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, também
do BOPE.

Em matéria de teoria de polícia ou da atividade policial almeja-se que esta


Tese possa ser entendida, também, como a busca pela tentativa de minimizar a
opacidade e a inércia que circunscreve tanto a organização policial como a profissão
policial, as quais impedem e/ou dificultam uma atuação profissional mais
transparente e possível de mensuração por meio de critérios científicos e técnicos.

Ao mesmo tempo que se defende que a atividade policial alcançara o


status de uma atividade profissionalizada, mesmo que de forma precária em um ou
outro requisito dessa profissionalização, em alguma medida já desenvolveu saberes
e conhecimentos, teorias e técnicas próprias.

Nessa perspectiva, mesmo considerando o lapso temporal que é,


atualmente, dedicado à formação inicial e continuada, ainda, insuficiente, este está
em um processo de aprimoramento, que, apesar de paulatino, é realizado em
estabelecimento oficial de ensino, muito embora alguns requisitos pedagógicos e
acadêmicos, ainda, estejam em desenvolvimento.

Considera-se, por seu turno, que o trabalho policial é de relevância crucial


para consolidação de uma sociedade democrática, contudo, em alguns momentos
da execução da atividade profissional, como pôde ser aferido nas respostas ao
questionário utilizado como metodologia para desvelar os Sentidos e os Significados
da ATP dos participantes do estudo, sem a fiscalização e responsabilização as
ações da prática cotidiana policial, pode desviar-se do seu objetivo maior, quais
sejam, preservar vidas e aplicar a lei.

A autonomia que a organização alcançou em face dos interesses


corporativos e políticos, ainda, deixam a desejar, contudo, essa não pode ser
considerada uma especificidade, apenas, da atividade policial-militar.
Consequentemente, a força motriz (motivo) que move o sentido da missão policial é
tão latente que, por vezes, faz-se necessária uma intervenção dos órgãos
266

reguladores para que o Sentido atribuído pelo policial não desprenda a essência da
atividade de policiar, em prol de uma subcultura policial-militar, em detrimento do
bem-estar coletivo.

Como defendido ao longo da Tese, a organização policial-militar, pela


natureza e especificidade de sua cultura militar, promove no seio do corpo
institucional um sentimento de pertença a uma comunidade profissional esotérica,
que como o requisito acima elencado, necessita do seu código deontológico para
corrigir e, buscar prevenir desvios de conduta, que é imperativo enfatizar, não é uma
característica, apenas, da atividade policial.

Todavia, pela natureza que constitui a profissão policial-militar, a expõe


perante os demais atores sociais, inclusive, porque, a Tomada de Decisão adotada
por esses profissionais sem os pressupostos e princípios aqui defendidos e que
compõem a proposta do Referencial Procedimental para Resolução de Ocorrências
Críticas pode contribuir para danos físicos e até a morte das pessoas envolvidas na
ocorrência policial.

Consequentemente, em maior ou menor grau, a atividade policial deve


ser concebida como profissionalizada, ressalvando-se, entretanto, as condicionantes
nesta Tese, evidenciadas, condição sine qua non que imprime a constante busca de
aprimoramento e especialização no seu campo de atuação.

Portanto, à guisa das Considerações Finais, reconhece-se que a proposta


pela qual trilhou a Tese não foi uma das mais modestas, sendo alcançados a
maioria dos objetivos que foram estabelecidos, contudo, alguns não puderam ser
consolidados, em face de limitações de diversas ordens, ao longo da pesquisa,
apresentadas.

Nessa perspectiva, este autor dar-se-á por satisfeito se, pelo menos, este
trabalho poder ampliar a análise, a concepção e discussão interna e externa corporis
acerca do nível de profissionalização dos policiais militares da PMRN, contribuindo,
assim, para outras pesquisas, em especial, na segurança pública do Rio Grande do
Norte e, quiçá, do Brasil.
267

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280

APÊNDICE A - Questionário social

Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Prezado (a) participante,


Este questionário tem como objetivo analisar qual o sentido que o Policial Militar
atribui à “Tomada de decisão” na sua atividade Profissional.

A primeira parte do questionário colherá informações sobre o perfil social do


participante. Já a segunda, abordará qual o sentido que o senhor atribui à sua
“Tomada de decisão” na atividade profissional da PMRN, tomando como referência
o caso hipotético, conforme o Apêndice B.

Suas informações serão sigilosas e embasarão a pesquisa da Tese de Doutorado


que analisa do ponto de vista teórico e prático, a Atividade de Tomada de
Decisão para resolução de ocorrências que demandam o uso da força e/ou de
armas de fogo na prática profissional de Cabos e Sargentos da PMRN.
Desde já, agradecemos sua valiosa colaboração.
01 – Sexo?
( ) Masculino ( ) Feminino
02 – Faixa etária Data: _____/______/______/
( ) De 19 a 24 anos ( ) De 25 a 30 anos
( ) De 31 a 35 anos ( ) De 36 a 40 anos OPM: __________________
( ) De 41 a 45 anos ( ) De 46 a 50 anos
( ) De 51 em diante

03 - Qual a sua Graduação/Posto?


( ) Soldado
( ) Cabo
( ) Sargento

04 – Trabalha há quantos anos na PMRN


( ) De 01 a 05 anos
( ) De 05 a 10 anos
( ) De 10 a 15 anos
( ) De 15 a 20 anos
( ) De 20 a 25 anos
( ) De 25 a 30 anos
281

05 – Qual o seu estado civil


( ) Solteiro(a).
( ) Casado(a)
( ) Viúvo(a)
( ) Divorciado(a).
( ) União Estável
06 – Quantidade de filhos?
( ) Nenhum ( ) 01 ( ) 02 ( ) 03 ( ) 04 ( ) 05 ou mais
07 – Bairro onde reside?
___________________________________
08 - Quem é o principal responsável pelo sustento da família?
( ) O(a) próprio(a) entrevistado(a).
( ) Esposo(a)
( ) Pai
( ) Mãe
( ) Filho(a)
( ) Irmão(a)
( ) Outro(s) _________________________________
09 - Qual é a sua renda na PMRN?
( ) Até R$ 3.000,00.
( ) De R$ 3.001,00 até R$ 6.000,00.
( ) De R$ 6.001,00 até R$ 10.000,00.
( ) Acima de R$ 10.000,00

10 - Qual é o seu nível de escolaridade?


( ) Fundamental Incompleto.
( ) Fundamental Completo.
( ) Médio Incompleto.
( ) Médio Completo.
( ) Superior Incompleto.
( ) Superior Completo.
( ) Pós-graduado (Lato sensu)
( ) Pós-graduado (Stricto sensu)
282

APÊNDICE B - Caso hipotético de ocorrência policial-militar

Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Prezado (a) participante,


Este caso hipotético tem como objetivo subsidiar as respostas que serão dadas ao
questionário (Apêndice “C”), que busca analisar qual o sentido que o Policial Militar
atribui à “Tomada de decisão” na sua atividade Profissional.
Suas informações serão sigilosas e embasarão a pesquisa da Tese de Doutorado
que analisa “O sentido que os policiais militares das graduações de soldado,
cabo e sargento do estado Rio Grande do Norte atribuem à tomada de decisão,
no exercício da sua atividade profissional, sob a perspectiva teórica Histórico-
Cultural”.
Desde já, agradecemos sua valiosa colaboração.

CASO HIPOTÉTICO DE OCORRÊNCIA POLICIAL MILITAR


Dois assaltantes invadem uma farmácia no bairro onde o senhor trabalha.
Sua equipe de três policiais é acionada pela central da PM e se desloca até o local.
Lá chegando, por volta das 18h, um dos assaltantes foge e o outro faz a balconista
de refém.
Segurando a balconista, de aproximadamente 30 anos, pelo pescoço, o
assaltante ameaça furar o olho da mulher com uma faca. O lugar está tomado por
pessoas que exigem uma ação policial, uma tomada de decisão.
A central de operações lhe informa que o senhor está autorizado a agir,
adotando todos os procedimentos e técnicas que a lei ampara.
283

APÊNDICE C – Questionário social

Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

QUESTIONÁRIO PROFISSIONAL (versão 5)


(Deve ser respondido a partir da análise do caso hipotético do Apêndice “B”)

1. Que decisão o senhor tomaria em face dessa ocorrência na sua atividade


profissional policial militar?
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___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2. O que o senhor (a) leva em consideração na tomada de decisão em sua atuação
na atividade profissional em casos dessa natureza?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3. Na sua opinião a formação inicial ou continuada na PMRN contribui para a
tomada de decisão na sua atividade profissional, auxiliando para solucionar
ocorrências similares a essa? Sim/Não. Explique como.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
284

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4. Na sua tomada de decisão enumere três palavras que julga mais importante
para solução dessa ocorrência policial militar.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5. Detalhe o passo a passo como o senhor (a) tomaria sua decisão para solucionar
esta ocorrência na sua atividade profissional.

6. Na hipótese de sair algo errado na decisão adotada pelo senhor (a) que medidas
adotaria para resolver o problema? Relacione três ações em ordem de prioridade
que adotaria.
___________________________________________________________________________
285

APÊNDICE D - PROPOSTA DE REFERENCIAL PROCEDIMENTAL PARA


IMPLANTAÇÃO DE PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO (POP) PARA
OCORRÊNCIAS CRÍTICAS NA PMRN113
Desenvolvimento do Procedimento Operacional Padrão
1. Ações preliminares
1.1 Coleta de dados sobre a ocorrência (O quê? Quem? Onde? Como? Quando? Por
quê? Quanto?114) e briefing115 entre os componentes da guarnição no deslocamento
para atender o evento;
1.2 Contato com a(s) pessoa(s) indicada(s) pelo Centro de Operações (CO) ou com o
solicitante e adoção de ações orientadas pela CO; e
1.3 Manter a segurança da guarnição, dos envolvidos e de terceiros durante toda a ação.

2. Ações imediatas no local da ocorrência devem atender aos princípios da2:


2.1 Legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência; e
2.2 Sendo constatado que se trata de ocorrência com refém adotar o protocolo do
Gerenciamento de Crises, que correspondem as ações imediatas: conter, solicitar
apoio; isolar; manter contato sem concessões (CSIM). A hierarquia das ações é
flexível, dependendo do contexto situacional.
3. Resultados esperados
Desfecho satisfatório com eficiência e eficácia sempre de forma a preservar vidas
e aplicar a lei, mesmo que a observância do primeiro objetivo retarde a aplicação
do segundo.
4. Circunstâncias que podem levar ao erro procedimental
4.1 Informações incorretas ou insuficientes acerca da ocorrência;

4.2 Policial e/ou terceiros feridos ou mortos na ocorrência; e

4.3 Equipamentos e/ou armamentos não funcionam.

5. Ações corretivas
5.3 Imediatas:
5.3.1 Não adotar nenhuma ação imediata, se possível, antes de coletar mais informações
que orientem uma Tomada de Decisão embasada nos princípios da legalidade,
necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência;
5.3.2 Solicitar apoio especializado para atendimento das vítimas; e
5.3.3 Adotar as demais ações do protocolo CSIM para que seja possível sanar panes em
equipamentos e/ou armamentos ou recuar em face do contexto situacional
5.4 Posteriores:
5.4.1 Preenchimento do formulário avaliativo do POP; e
5.4.2 Debriefing116 acerca da aplicação do POP com os policiais envolvidos
realizado por especialistas.

113
Referência: (ONU, 1979); (ROVER, 2005); (BRASIL, 2010b); (PMESP, 2002); (PMMS,
2013); (BARRETO, 2013; 2016); (PMRN, 2014).
114
Este item não está relacionado a valor monetário, mas a princípios da dignidade humana.
O policial dever refletir quantas vidas custam em uma Tomada de Decisão imprudente.
115
Em uma tradução livre para do Inglês para o Português, seriam breves instruções acerca
de ações a desenvolver em uma atividade.
116
Esclarecimentos ou discussão acerca de ações desenvolvidas. Espécie de estudo de
caso.
286

APÊNDICE E - FORMULÁRIO AVALIATIVO117 DO REFERENCIAL PROCEDIMENTAL DO POP PARA OCORRÊNCIAS


CRÍTICAS NA PMRN
Avaliador(es):_______________________ Ocorrência a ser avaliada nº ____/2017
___________________________________ POP 01 PMRN
___________________________________ Equipe de policiais:

Data:
Assinale com um “X” as ações adotas e as que não foram Sim Não Observações
integralmente especifique-as detalhadamente no campo
observações
1. Ações preliminares
1.1 Coleta de dados sobre a ocorrência (O quê? Quem? Onde? Como?
Quando? Por quê? Quanto?118) e briefing entre os componentes da
guarnição no deslocamento para atender o evento
1.2 Contato com a(s) pessoa(s) indicada(s) pelo Centro de Operações (CO)
ou com o solicitante e adoção de ações orientadas pela CO
1.3 Manter a segurança da guarnição, dos envolvidos e de terceiros
durante toda ação

. Ações imediatas no local da ocorrência devem atender aos


princípios da:
2.1 Legalidade, necessidade,
proporcionalidade, moderação e conveniência

117
A avaliação do POP por equipe de especialistas e emissão de parecer institucional visa sua atualização periódica anualmente.
118
Este item não está relacionado a valor monetário, mas a princípios da dignidade humana. O policial dever refletir quantas vidas custam em
uma Tomada de Decisão imprudente.
287

2.2 Sendo constatado que se trata de ocorrência com refém adotar o


protocolo do Gerenciamento de Crises que correspondem as ações
imediatas: conter, solicitar apoio; isolar; manter contato sem
concessões (CSIM). A hierarquia das ações é flexível, dependendo do
contexto situacional
3. Resultados esperados
Desfecho satisfatório com eficiência e eficácia sempre de forma a
preservar vidas e aplicar a lei, mesmo que a observância do primeiro
objetivo retarde a aplicação do segundo
4. Circunstâncias que podem levar ao erro procedimental
4.1 Informações incorretas ou insuficientes acerca da ocorrência

4.2 Policial e/ou terceiros feridos ou mortos na ocorrência

4.3 Equipamentos e/ou armamentos não funcionam

5. Ações corretivas
5.1 Imediatas:

5.1.1 Não adotar nenhuma ação imediata, se possível, antes de coletar mais
informações que orientem uma Tomada de Decisão embasada nos
princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e
conveniência

5.1.2 Solicitar apoio especializado para atendimento das vítimas

5.1.3 Adotar as demais ações do protocolo CSIM para que seja possível
288

sanar panes em equipamentos e/ou armamentos ou recuar em face do


contexto situacional

5.2 Posteriores:

5.2.1 Preenchimento do formulário avaliativo do POP


5.2.2 Debriefing acerca da aplicação do POP com os policiais
envolvidos realizado por especialistas
Também definir as Autoridade Técnica (Gestor do Incidente Crítico) e
Autoridade de Linha (Comandante da Cena de Ação). Isso diminui a
possibilidade de intervenção política num momento em que a resolução deve
ser técnica.

As ações de todos esses profissionais devem estar bem definidas e serem alvo
de treinamentos e divulgação.

Em Minas usamos o termo “Incidentes Críticos” ao tratar das “ocorrências


críticas”, como forma de adequação conceitual.

Penso que seria importante colocar um glossário com os termos utilizados no


POP.

Belo Horizonte, MG, 18 de abril de 2017.

Francis Albert Cotta, 1º Ten PM1


Comandante do Esquadrão Antibombas
Negociador de Crises do BOPE MG

1
Doutor em História Social da Cultura pela UFMG (2004). Realizou pós doutorados na
Universidade Federal de Minas Gerais (História Social da Cultura), Universidade Nacional de
La Matanza (Direito Pena e Garantias Constitucionais), Universidade John F. Kennedy
(Psicologia) e Atualmente realiza pós doutorado em Ciências Sociais na PUC Minas, onde
pesquisa a Discricionariedade Policial e a Tomada de Decisão em Manifestações Populares.
É Negociador de Crises com reféns localizados e suicidas armados no BOPE MG, onde atua
desde 1995.

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