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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA


CAES “CEL PM NELSON FREIRE TERRA”
CURSO SUPERIOR DE POLÍCIA – CSP-I/20

Major PM Márcio Cortez Maya Garcia

OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO


INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

São Paulo
2020
Major PM Márcio Cortez Maya Garcia

OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO


INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

Tese apresentada no Centro de Altos Estudos


de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”
como parte dos requisitos para a aprovação no
Curso Superior de Polícia.

Coronel PM Fábio Rogério Candido – Orientador

São Paulo
2020
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
CAES “CEL PM NELSON FREIRE TERRA”
CURSO SUPERIOR DE POLÍCIA – CSP-I/20

Major PM Márcio Cortez Maya Garcia

OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO


INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

Tese apresentada no Centro de Altos Estudos


de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”
como parte dos requisitos para a aprovação no
Curso Superior de Polícia.

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São Paulo, ______ de ______________________de 2020.

___________________________________________
Cel PM Fabio Rogério Candido
Orientador

__________________________________________
Cel PM Wagner Tadeu Silva Prado

__________________________________________
Cel PM Dinael Carlos Martins

__________________________________________
Cel Res PM Azor Lopes da Silva Junior

__________________________________________
Cel Res PM Helena dos Santos Reis

O Orientador e todos os Membros da Banca são Doutores em


Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública - CAES/PMESP
Este trabalho é dedicado:

À minha mãe, “Dona Cida” (in memorian), que há vinte anos deixou este
mundo terreno, mas nunca deixará de ser um esteio na minha vida.
Ao meu pai, Antônio, e ao meu irmão, Marcos, homens probos de quem me
orgulho.
À minha esposa Deise, companheira de todas as horas.
Aos meus filhos amados Maíse e Henry.
AGRADECIMENTO

A Deus, primeiramente, pela sua imensa misericórdia.


Ao Coronel PM Fabio Rogério Candido, pela amizade, incentivo e orientação
deste trabalho.
Aos membros da banca examinadora, Coronéis PM Azor Lopes da Silva
Junior, Helena dos Santos Reis, Wagner Tadeu Silva Prado e Dinael Carlos Martins,
pelas ricas sugestões dadas no transcorrer da pesquisa.
Ao Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins, Comandante do 17º Batalhão
de Polícia Militar do Interior (17º BPM/I), pelo apoio e compartilhamento de suas
valiosas informações e experiências.
Aos Oficiais e Praças do 17º BPM/I que, de alguma maneira, contribuíram
neste estudo.
Aos policiais militares mediadores e conciliadores do 17º BPM/I, 1º Tenente
PM Cláudio Luciano Ziroldo, Cabo PM Paulo Rogério Prestes, Cabo PM Carina de
Farias Gonçalves Mendes, Cabo PM Flávio Matheus Vasconcelos e Cabo PM
Patrícia Daniele Frehi, pelo trabalho profícuo que realizam, fonte inspiradora desta
pesquisa.
Aos Oficiais e Praças do Centro de Altos Estudos de Segurança, bem como
aos professores do Curso Superior de Polícia, pela disponibilidade e atenção
dedicadas.
Às autoridades civis entrevistadas, pelas colaborações que muito
enriqueceram este trabalho.
Aos Juízes e serventuários da 2ª, 4ª e 5ª Varas Criminais de São José do
Rio Preto, por abrirem as portas dos respectivos Cartórios Criminais e fornecerem
importantes informações sobre o funcionamento dos Juizados Especiais Criminais.
À minha família, que não me deixou esmorecer diante das dificuldades e
deu-me incondicional apoio para a consecução deste meu objetivo. Obrigado, Deise,
Maíse e Henry. Minha gratidão, “seu Maya” e Marcos.
A todos que de forma direta ou indireta contribuíram para o desenvolvimento
desta pesquisa.
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto,
não permite equivalente, então ela tem dignidade (KANT, 2011, p. 82).
RESUMO

A presente pesquisa tem como tema os Métodos Alternativos de Resolução de


Conflitos como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública e origina-se a partir
da problemática existente, consistente no grande número de atendimentos de
ocorrências classificadas como desinteligência e outras de menor potencial ofensivo
que empenha e prejudica a atividade de policiamento ostensivo. Essa miríade de
ocorrências menos graves concorre em desfavor da preservação da ordem pública,
em detrimento de atividades de prevenção voltadas para o combate da criminalidade
e suprime, em parte, a capacidade de pronta resposta para atendimentos
emergenciais de situações mais graves. O objetivo principal do trabalho
concentrou-se em verificar a viabilidade da hipótese apresentada, que é o uso de
métodos alternativos para resolução de conflitos por policiais militares que atuam
como mediadores e conciliadores nos Núcleos de Mediação Comunitária (NUMEC) e
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) existentes em
Organizações Policiais-Militares (OPM) da Polícia Militar do Estado de São Paulo
(PMESP), para solucionar as lides civis relacionadas a infrações penais de menor
potencial ofensivo. Nesse sentido, paralelamente ao registro do Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pela própria PMESP, buscou-se confirmar a
adequação das mediações e conciliações feitas pelos policiais militares no sentido
de pacificação social, a funcionar como forma de prevenção primária, à medida que
contribui para diminuir o excessivo número de atendimentos de ocorrências de
menor gravidade pelo policiamento ostensivo. Dessa forma, perseguindo os
objetivos traçados para o estudo, instruiu-se um processo investigatório, em que
predominou o método hipotético-dedutivo, com ênfase à exploração de fontes
bibliográficas, à coleta primária e secundária de dados estatísticos e a pesquisas de
opinião e entrevistas que permitiram compor um parecer baseado em argumentos
seguros, que confirmou ser a hipótese viável e exequível.

Palavras-chave: Polícia Militar. Ocorrências de menor potencial ofensivo. Métodos


Alternativos de Resolução de Conflitos. Conciliação. Mediação. Polícia Ostensiva.
Preservação da Ordem Pública.
ABSTRACT

The subject of this research is Alternative Methods of Conflict Resolution as


Instruments for the Preservation of Public Order and originates from the existing
problem, consistent with the large number of cases of occurrences classified as
unintelligence and others with less offensive potential, which compromises and
undermines the activity of ostensive policing This myriad of less serious occurrences
compete against the preservation of public order, to the detriment of preventive
activities aimed at combating crime and partially suppress the ability to respond
quickly to emergency situations in more serious situations. The main objective of the
work was to verify the viability of the hypothesis presented, which is the use of
alternative methods of conflict resolution by military police officers who act as
mediators and conciliators in the Community Mediation Centers (NUMEC) and
Judicial Resolution Centers of Conflicts and Citizenship (CEJUSC) existing in Military
Police Organizations (OPM) of the Military Police of the State of São Paulo (PMESP),
to resolve civil disputes related to criminal offenses of less offensive potential. In this
sense, in parallel with the registration of the Circumstantiated Term of Occurrence
(TCO) by Military Police itself, we sought to confirm the adequacy of the mediations
and reconciliations made by the military police in the sense of social pacification, to
function as a form of primary prevention, as it contributes to reduce the excessive
number of cases of less serious occurrences by ostensive policing. Pursuing the
objectives outlined for the study, an investigative process was instructed, in which the
hypothetical-deductive method predominated, with emphasis on the exploration of
bibliographic sources, the primary and secondary collection of statistical data, and
opinion polls and interviews which made it possible to compose an opinion based on
sound arguments, which confirmed that the hypothesis was viable and feasible.
.
Keywords: Military Police. Occurrences with less offensive potential. Alternative
Methods of Conflict Resolution. Conciliation. Mediation. Ostensive Police.
Preservation of Public Order.
RESUMEN

El presente tesis tiene como tema los Métodos Alternativos de Resolución de


Conflictos como Instrumentos para la Preservación del Orden Público y se origina en
el problema planteado, consistente en la gran cantidad de ocurrencias calificados
como desinteligencia y otros de menor potencial ofensivo, que procura y perjudica la
actividad de la policía ostensiva. Esta miríada de ocurrencias menos graves compite
con la preservación del orden público, en detrimento de las actividades preventivas
destinadas a combatir la delincuencia y reprime parcialmente la capacidad de
responder rápidamente a situaciones de emergencia en situaciones más graves. El
objetivo principal del trabajo fue verificar la viabilidad de la hipótesis presentada,
que es el uso de métodos alternativos para resolución de conflictos por parte de
policías militares que actúan como mediadores y conciliadores en los Centros
Comunitarios de Mediación (NUMEC) y Centros de Resolución Judicial de Conflictos
y Ciudadanía (CEJUSC) existentes en Organizaciones de Policía Militar (OPM) de la
Policía Militar del Estado de São Paulo (PMESP), para resolver disputas civiles
relacionadas con delitos penales de menor potencial ofensivo.En este paralelo con el
registro del Boletín Circunscripto de Ocurrencia (TCO) por el propia Policía Militar, a
través de mediaciones y reconciliaciones en sus Núcleos y Centros, utilizando es el
instrumento más apropiado en el sentido de la pacificación social, que funciona
como una forma de prevención primaria, ya que evita el número excesivo de casos
de incidentes menos graves por vigilancia policial ostensiva. Así, siguiendo los
objetivos trazados para el estudio, se instruyó un proceso investigativo, en el que
predominó el método hipotético-deductivo, con énfasis en la exploración de
fuentes bibliográficas, la recolección primaria y secundaria de datos estadísticos, y
encuestas de opinión y entrevistas. lo que permitió redactar una opinión basada en
argumentos sólidos, que confirmó que la hipótesis era viable y factible.

Palabras clave: Policía Militar. Sucesos con menos potencial ofensivo. Métodos
Alternativos de Resolución de Conflictos. Conciliación. Mediación. La Policía
Ostensiva. Preservación del Orden Público.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Ciclo Completo de Polícia e Ciclo de Persecução Penal ........................ 43


Figura 2 Capa original da obra Leviatã (1651)...................................................... 56
Figura 3 Representação gráfica sobre os métodos alternativos de resolução
de conflitos.............................................................................................. 73
Figura 4 Coordenadorias Gerais dos CEJUSC no Estado de São Paulo ........... 104
Figura 5 Troféu do 10º Prêmio Mário Covas ....................................................... 110
Figura 6 Seminário sobre Programação Neurolinguística................................... 111
Figura 7 Sala de Mediação Comunitária ............................................................. 112
Figura 8 Cartaz do Núcleo de Mediação Comunitária ........................................ 112
Figura 9 Placas dos CEJUSC em Unidades da PMESP .................................... 116
Figura 10 Celebração do Convênio entre TJSP e SSP ........................................ 117
Figura 11 Situação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP em 2020 ......... 119
Figura 12 Inauguração do CEJUSC da PMESP em Paraguaçu Paulista ............. 119
Figura 13 Inauguração do CEJUSC da PMESP em São José do Rio Preto ........ 120
Figura 14 Primeira mediação do CEJUSC por videoconferência no Estado de
São Paulo ............................................................................................. 122
Figura 15 Quadro sinótico sobre ação penal pública ............................................ 134
Figura 16 Extrato de ocorrência de desinteligência .............................................. 197
Figura 17 Extrato de ocorrência de desinteligência .............................................. 197
Figura 18 Extrato de ocorrência de desinteligência .............................................. 198
Figura 19 Produção dos CEJUSC da PMESP em 2019 ....................................... 205
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 CEJUSC instalados no Estado de São Paulo – 2011 a 2019 ............... 104
Gráfico 2 Resultados do NUPEMEC – Área Família ............................................ 106
Gráfico 3 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Família .......................... 106
Gráfico 4 Resultados do NUPEMEC – Área Cível ............................................... 107
Gráfico 5 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Cível ............................. 107
Gráfico 6 Evolução de pequenas infrações penais no CPI-5 ............................... 113
Gráfico 7 Comparativo de ocorrências dos segundos semestres de 2012 e
2013 ...................................................................................................... 114
Gráfico 8 Comparativos de ocorrências do 17º BPM/I ......................................... 115
Gráfico 9 Pesquisa sobre TCO - qualidade do atendimento ................................ 144
Gráfico 10 Pesquisa sobre TCO – casos de não condução à Delegacia de
Polícia ................................................................................................... 145
Gráfico 11 Soluções dos JECrims .......................................................................... 159
Gráfico 12 Estimativa de ocorrências mediáveis em São José do Rio Preto ......... 196
Gráfico 13 Estimativa de ocorrências mediáveis em Araçatuba ............................ 196
Gráfico 14 Resolução de ocorrências do COPOM - 17° BPM/I .............................. 199
Gráfico 15 Evolução anual das ocorrências mediáveis no Estado de São Paulo .. 202
Gráfico 16 Evolução anual das ocorrências mediáveis em São José do Rio
Preto ..................................................................................................... 202
Gráfico 17 Evolução anual das ocorrências mediáveis em Araçatuba ................... 202
Gráfico 18 Conciliações pré-processuais em São José do Rio Preto .................... 206
Gráfico 19 Atendimentos NUMEC/CEJUSC – Posto PM – São José do Rio
Preto ..................................................................................................... 207
Gráfico 20 Resultados dos JECrims de São José do Rio Preto - 2019 .................. 210
Gráfico 21 Resultados dos JECrims de Araçatuba - 2019 ..................................... 210
Gráfico 22 Comparativo do percentual de acordos entre NUMEC/CEJUSC e
JECrims - 2019 ..................................................................................... 212
Gráfico 23 Questão 1 aos policiais militares operacionais ..................................... 215
Gráfico 24 Questão 2 aos policiais militares operacionais ..................................... 215
Gráfico 25 Questão 3 aos policiais militares operacionais ..................................... 216
Gráfico 26 Questão 4 aos policiais militares operacionais ..................................... 217
Gráfico 27 Questão 5 aos policiais militares operacionais ..................................... 217
Gráfico 28 Questão 6 aos policiais militares operacionais ..................................... 218
Gráfico 29 Questão 7 aos policiais militares operacionais ..................................... 219
Gráfico 30 Questão 8 aos policiais militares operacionais ..................................... 220
Gráfico 31 Questão 9 aos policiais militares operacionais ..................................... 220
Gráfico 32 Questão 10 aos policiais militares operacionais ................................... 221
Gráfico 33 Questão 11 aos policiais militares operacionais ................................... 222
Gráfico 34 Questão 12 aos policiais militares operacionais ................................... 222
Gráfico 35 Questão 1 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 224
Gráfico 36 Questão 2 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 225
Gráfico 37 Questão 3 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 226
Gráfico 38 Questão 4 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 226
Gráfico 39 Questão 5 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 227
Gráfico 40 Questão 6 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 228
Gráfico 41 Questão 7 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 229
Gráfico 42 Questão 8 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 229
Gráfico 43 Principais demandas dos JECrims pesquisados .................................. 233
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Comparativo entre Conciliação e Mediação ........................................... 82


Quadro 2 Comparativo entre Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa ................ 87
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Resultados do TJSP na Semana Nacional de Conciliação de 2019 –


CEJUSC ............................................................................................... 108
Tabela 2 Resultados do TJSP na Semana Nacional de Conciliação de 2019 –
JECrims ................................................................................................ 108
Tabela 3 Unidades dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP em 2020 ........ 118
Tabela 4 Semana Nacional de Conciliação - JECrims SP ................................... 159
Tabela 5 Ocorrências do Estado de São Paulo em 2019 .................................... 191
Tabela 6 Ocorrências do 17º BPM/I – São José do Rio Preto - em 2019............ 191
Tabela 7 Ocorrências do 2º BPM/I – Araçatuba – em 2019 ................................ 191
Tabela 8 Ocorrências mediáveis com registro de BO/PM - 2019 ........................ 192
Tabela 9 Comparativos de ocorrências atendidas em relação às mediáveis
registradas ............................................................................................ 193
Tabela 10 Ocorrências cadastradas no COPOM ONLINE - 2019 ......................... 194
Tabela 11 Ocorrências mediáveis de São José do Rio Preto – 4º trimestre de
2019 ...................................................................................................... 194
Tabela 12 Ocorrências mediáveis de Araçatuba – 4º trimestre de 2019 ............... 194
Tabela 13 Ocorrências mediáveis do CPC ............................................................ 195
Tabela 14 Estimativa de ocorrências mediáveis não registradas .......................... 195
Tabela 15 Ocorrências resolvidas - 17º BPM/I ...................................................... 198
Tabela 16 Conciliações pré-processuais de São José do Rio Preto ..................... 204
Tabela 17 Conciliações pré-processuais de Araçatuba ......................................... 204
Tabela 18 Conciliações dos NUMEC/CEJUSC em postos PM ............................. 205
Tabela 19 Conciliações de causas civis em São José do Rio Preto ..................... 206
Tabela 20 Natureza dos atendimentos do NUMEC/CEJUSC ................................ 207
Tabela 21 Resultados dos JECrims de São José do Rio Preto - 2019 .................. 209
Tabela 22 Resultados dos JECrims de Araçatuba - 2019 ..................................... 209
Tabela 23 Audiências realizadas nos JECrims ...................................................... 211
Tabela 24 Prazo e duração das audiências dos JECrims pesquisados ................ 231
Tabela 25 Principais demandas dos JECrims pesquisados – 2019 ...................... 232
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGU Advogado-Geral da União ou Advocacia-Geral da União


AMB Associação de Magistrados do Brasil
APP Ação penal privada
BO/PM Boletim de Ocorrência da Polícia Militar
BPM/I Batalhão de Polícia Militar do Interior
BPM/M Batalhão de Polícia Militar Metropolitano
Btl PM Batalhão de Polícia Militar
CAES Centro de Altos Estudos de Segurança
CC Código Civil
CEJUSC Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
CF Constituição Federal
Cia PM Companhia de Polícia Militar
CNJ Conselho Nacional de Justiça
COPOM Centro de Operações da Polícia Militar
CP Código Penal Brasileiro
CPC Código de Processo Civil
CPI Comando de Policiamento do Interior
CPP Código de Processo Penal
CSM Conselho Superior de Magistratura
DP Diretoria de Pessoal
DPCDH Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos
EaD Ensino à Distância
EM/PM Estado Maior da Polícia Militar
ENFAM Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados
FONAJE Fórum Nacional dos Juizados Especiais
FONAMEC Fórum Nacional de Mediação e Conciliação
GESPOL Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo
IP Inquérito Policial
IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
JECrim(s) Juizado(s) Especial(is) Criminal(is)
MP Ministério Público
NECRIM Núcleo Especial Criminal da Polícia Civil
NI Nota de Instrução
NORSOP Normas para o Sistema Operacional de Policiamento
NUMEC Núcleo(s) de Mediação Comunitária
NUMEC/CEJUSC Núcleo(s) de Mediação Comunitária e Centro(s) Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania
NUPEMEC Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de
Conflito
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OPM Organização Policial-Militar
PC Polícia Civil
PF Polícia Federal
PGR Procurador Geral da República ou Procuradoria Geral da
República
PM Polícia Militar ou policial militar
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
QMO Quadro Mensal de Ocorrências
QPO Quadro Particular de Organização
RSO Relatório de Serviço Operacional
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SSP Secretaria de Segurança Pública
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
Subcmt Subcomandante
TCO Termo Circunstanciado de Ocorrência
TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo
UOp Unidade Operacional
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 19
2 POLÍCIA OSTENSIVA E PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA ..................... 26
2.1 O impacto das ocorrências de menor gravidade no policiamento
ostensivo e na ordem pública........................................................................ 26
2.2 Atribuições constitucionais e legais das Polícias Militares ........................ 28
2.2.1 Polícia Ostensiva .............................................................................................. 30
2.2.2 Preservação da Ordem Pública ........................................................................ 32
2.2.2.1 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária..................................................... 37
2.2.2.2 Aspectos da prevenção criminal ................................................................... 44
3 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ............................................................................ 48
3.1 O conflito ......................................................................................................... 48
3.2 Breve síntese sobre a solução de conflitos na história .............................. 50
3.2.1 A vingança penal .............................................................................................. 50
3.2.2 Teoria do Contrato Social ................................................................................. 54
3.2.3 Iluminismo ........................................................................................................ 59
3.2.3.1 Repercussão do Iluminismo no Brasil........................................................... 61
3.2.4 Do Século XX aos dias atuais .......................................................................... 62
3.3 Principais meios de resolução de conflitos na história .............................. 65
3.3.1 Autotutela ......................................................................................................... 65
3.3.2 Autocomposição ............................................................................................... 67
3.3.3 Jurisdição ......................................................................................................... 69
3.4 Os métodos autocompositivos para resolução de conflitos ...................... 71
3.4.1 Negociação ...................................................................................................... 74
3.4.2 Arbitragem ........................................................................................................ 75
3.4.3 Conciliação ....................................................................................................... 76
3.4.4 Mediação .......................................................................................................... 78
3.4.5 Distinções entre conciliação e mediação.......................................................... 79
3.4.6 Mediação Comunitária...................................................................................... 83
3.4.7 Justiça Restaurativa ......................................................................................... 86
3.5 Conciliação e mediação no Direito Civil e no Direito Processual Civil ...... 90
3.5.1 Solução de conflitos de natureza civil .............................................................. 90
3.5.2 Conciliação civil na Lei nº 9.099/95 .................................................................. 94
3.5.3 A Resolução CNJ Nº 125/2010 ........................................................................ 96
3.5.4 As inovações legislativas de 2015 .................................................................... 98
3.5.4.1 Os CEJUSC ................................................................................................ 103
3.5.4.2 Efetividade dos CEJUSC ............................................................................ 105
3.5.5 Mediação e Conciliação de causas cíveis pela PMESP ................................. 109
3.5.5.1 Oposições à mediação e à conciliação feitas pela PMESP ........................ 123
3.6 A conciliação e mediação aplicadas às infrações de menor potencial
ofensivo ......................................................................................................... 130
3.6.1 Ação penal ..................................................................................................... 130
3.6.2 Persecução penal ........................................................................................... 134
3.6.2.1 Noções básicas sobre persecução penal ................................................... 134
3.6.2.2 Persecução penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo........ 137
3.6.2.3 Lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar ........................ 138
3.6.3 Solução de conflitos de natureza penal .......................................................... 148
3.6.4 A Solução de conflitos pelos JECrims ............................................................ 150
3.6.4.1 O rito procedimental e a conciliação do JECrim ......................................... 151
3.6.4.2 A (falta de) efetividade dos resultados da conciliação do JECrim .............. 154
3.6.5 A solução no âmbito civil das infrações penais de menor potencial
ofensivo por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC .................................... 164
3.6.5.1 A solução em menor prazo ......................................................................... 164
3.6.5.2 O uso do método mais adequado ............................................................... 167
3.6.5.3 TCO/PM e BO/PM como formas de registro das ocorrências sujeitas à
mediação ou à conciliação ......................................................................... 169
3.6.5.4 Efeitos da composição civil dos NUMEC/CEJUSC na esfera penal ........... 172
3.6.5.5 A mediação e a conciliação feitas pela PMESP como mecanismos de
preservação da ordem pública ................................................................... 183
4 PESQUISAS E ESTATÍSTICAS ......................................................................... 189
4.1 Metodologia ................................................................................................... 189
4.2 Dados estatísticos coletados pelo autor .................................................... 190
4.2.1 Dados estatísticos do CIPM e do COPOM Online ......................................... 190
4.2.2 Mediação e conciliação civis de Araçatuba e São José do Rio Preto ............ 203
4.2.3 Dados dos JECrims de São José do Rio Preto e Araçatuba .......................... 208
4.3 Pesquisa de opinião mediante coleta primária .......................................... 213
4.3.1 Público entrevistado ....................................................................................... 213
4.3.2 Método de coleta ............................................................................................ 213
4.3.3 Amostragem ................................................................................................... 214
4.3.4 Análise e interpretação dos dados da pesquisa ............................................. 214
4.3.4.1 Pesquisa com os policiais militares do serviço operacional ........................ 214
4.3.4.2 Pesquisa com policiais militares mediadores ou conciliadores ................... 223
4.4 Visitas realizadas .......................................................................................... 230
4.5 Entrevistas..................................................................................................... 234
4.5.1. Desembargador José Carlos Ferreira Alves .................................................. 236
4.5.2. Juíza de Direito Gislaine de Brito Faleiros Vendramini ................................. 238
4.5.3. Promotor de Justiça Gustavo Yamaguchi Miyazaki ...................................... 240
4.5.4. Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins ................................................... 242
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 246
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 262
APÊNDICE I – Entrevista com o Doutor José Carlos Ferreira Alves ................ 277
APÊNDICE II – Entrevista com a Doutora Gislaine de B. F. Vendramini .......... 280
APÊNDICE III – Entrevista com o Doutor Gustavo Yamaguchi Miyazaki ......... 286
APÊNDICE IV – Entrevista com Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins .... 295
19

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo surgiu da necessidade de se potencializar a prevenção


criminal e otimizar o policiamento ostensivo, por meio de medidas que diminuam a
demanda relativa ao atendimento de ocorrências menos graves, as quais geram o
empenho em demasia das unidades de serviço1 da Polícia Militar do Estado de São
Paulo (PMESP).
Aventou-se como problemática o grande número de atendimentos
proveniente de ligações ao telefone 190 de ocorrências classificadas como
desinteligência2 ou infrações de menor potencial ofensivo3, o que compromete
significativamente o policiamento ostensivo, com prejuízos efetivos tanto à atividade
preventiva quanto à repressiva imediata sob incumbência da Polícia Militar. O
empenho no atendimento dessa miríade de ocorrências prejudica o direcionamento
do policiamento ostensivo de forma racional, com base em locais e horários de
maior incidência criminal, e diminui a disponibilidade de viaturas e policiais militares
para concorrerem prontamente em situações de maior gravidade, diante da quebra
da ordem pública.
No entanto, a Polícia Militar não pode, e nem deve, deixar de dar o devido
atendimento às ocorrências menos graves, porque estas podem evoluir para
situações mais críticas, o que torna importante a adoção de medidas de prevenção
primária que levem à mitigação dos chamados dessa natureza, ou seja, procurar
agir nas causas que levam ao número excessivo de acionamentos das viaturas.
Como hipótese suscitou-se o uso dos Métodos Alternativos de
Resolução de Conflitos, especificamente as mediações e conciliações promovidas
pelos Núcleos de Mediação Comunitária (NUMEC) e Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (NUMEC/CEJUSC) existentes em unidades da PMESP,
para resolver, além das contendas relacionadas exclusivamente a causas cíveis, os
casos que envolvam infrações de menor potencial ofensivo.

1
O conceito de unidade de serviço engloba as viaturas e policiais militares, atuando individualmente
ou não, à pé, embarcado ou por outro meio, que concorrem para o atendimento de ocorrências
policiais em determinado turno de serviço.
2
Desinteligência é um tipo de ocorrência codificada pela PMESP que versa sobre desentendimento
envolvendo pessoas, para o qual, na ocasião do atendimento pelo telefone 190, não se tem a
certeza de estar relacionado a algum delito.
3
A Lei nº 9099/95 traz no seu art. 61 a definição: “Consideram-se infrações penais de menor
potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (BRASIL, 1995).
20

Além da análise sobre a pertinência, legalidade e benefícios da conciliação e


da mediação promovidas pelos NUMEC e NUMEC/CEJUSC para os pequenos
delitos, apreciou-se a possibilidade de realização dos registros dessas ocorrências
por meio de Boletim de Ocorrência (BO/PM) ou Termo Circunstanciado de
Ocorrência (TCO) pela PMESP, sem a condução das partes à Delegacia de Polícia,
de forma a manter as viaturas por mais tempo no seu setor de patrulhamento e o
policiamento ostensivo mais próximo ao cidadão.
Vislumbrou-se que as mediações e as conciliações feitas por policiais
militares possam se tornar mais efetivas com a ampliação do seu campo de atuação,
de forma a dar maior celeridade no processo de pacificação social e gerar benefícios
diretos à segurança pública, posto que se constituem em atos de prevenção, com
potencial para diminuir a reincidência de ocorrências e reduzir o número de
acionamentos de viaturas da PMESP para atendê-las.
Nessa esteira, os NUMEC e os NUMEC/CEJUSC que funcionam em
Organizações Policiais-Militares (OPM) são vistos como instrumentos que podem
proporcionar maior eficiência ao policiamento ostensivo, em decorrência de ações
preventivas primárias e terciárias4, assim como podem convergir em prol do
interesse público e do próprio Poder Judiciário, à medida que diminuem a demanda
dos Juizados Especiais Criminais (JECrims) e agilizam o trâmite relativo às causas
de menor potencial ofensivo.
As técnicas resolutivas em comento correspondem a uma visão que vem
ganhando força na sociedade, pois buscam realinhar relacionamentos interpessoais
e construir caminhos para a bonança, voltadas não somente a resolver as causas de
Direito Civil e Penal, mas também a prevenir futuras desavenças.
A briga na escola, o desentendimento comercial, o atrito com o vizinho e a
crise familiar são alguns exemplos de circunstâncias que podem ser solucionadas
por práticas autocompositivas e, nos casos em que a lei autorizar e conforme a
opção do ofendido, sem subsunção a longo trâmite burocrático, porém, permitindo o
acesso à jurisdição se assim desejar a vítima ou se a infração penal for pública
incondicionada5.

4
Os conceitos de prevenção primária, secundária e terciária serão discutidos neste estudo, na
subseção 2.2.2.2.
5
As ações penais serão explicadas adiante, na subseção 3.6.1. A ação penal pública
incondicionada é aquela que tem o Ministério Público como titular e independe de autorização do
ofendido para que seja investigada ou intentada em Juízo
21

Essas ocorrências são atendidas diariamente pela Polícia Militar e parte


delas encontrou uma opção de solução rápida e eficiente nas OPM em que
funcionam os NUMEC e os NUMEC/CEJUSC, regrados pela Nota de Instrução nº
PM3-005/03/17 (POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017).
A precitada Nota de Instrução coloca como passíveis de mediação e
conciliação, por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, as situações envolvendo
direitos patrimoniais disponíveis regulados por normas de Direito Civil, assim como
os conflitos de vizinhança, os familiares e os resultantes da perturbação de sossego
público ou da tranquilidade. No entanto, embora possam estar implícitos em algum
dos casos acima, a aludida Nota não inclui expressamente as infrações penais de
menor potencial ofensivo no rol de atendimentos dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC.
Esse caráter restritivo para aplicação da mediação e da conciliação pela
PMESP também motivou o presente estudo, a fim de saber quais as limitações de
atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, dentro de uma análise sistêmica dos
diversos ramos Direito, incluindo o senso de justiça buscado pela sociedade
moderna em nosso país.
Para isso, tornou-se necessário ainda compreender as distinções dos
métodos utilizados na PMESP para resolução de conflitos. Sabe-se que a mediação
e a conciliação nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC ocorrem na fase pré-processual,
mas que apresentam diferenças entre si.
Em especial, a conciliação concentra a solução na lide que pode ser
judicializada, a qual reside em um direito material violado, gerador de
responsabilidade administrativa, civil ou penal, enquanto a mediação vai além,
adentrando a esfera socioafetiva, pois procura resolver a relação pessoal e
sociológica dos indivíduos, de forma a pacificá-la e evitar futuras desavenças entre
as partes.
Mas essas noções pareceram não encerrar a questão, pois, sendo ambos os
métodos praticados na PMESP, convinha saber, e opinar, dentro da estrutura
existente na Instituição e diante da realidade encontrada pelos policiais militares,
quando e como utilizar um ou outro.
Enfim, os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos como
Instrumentos de Preservação da Ordem Pública emergem como um tema pertinente,
em consonância com as aspirações da sociedade em relação à Polícia moderna, a
se impor mais por argumentos e menos pela força, sustentando-se em três pilares
22

de atuação da PMESP (2010, p. 12): Polícia Comunitária, Direitos Humanos e


Gestão pela Qualidade.
Destarte, o objetivo geral da presente pesquisa foi o de averiguar como as
mediações e as conciliações promovidas por policiais militares, juntamente com o
registro de TCO pela PMESP, podem contribuir de forma efetiva para proporcionar a
diminuição dos acionamentos das viaturas para atendimento das ocorrências de
desinteligências e relacionadas a infrações penais de menor potencial ofensivo, a
fim de dar maior eficiência ao policiamento ostensivo e melhores condições para o
cumprimento do mister da Instituição de preservar a ordem pública.
No tocante aos objetivos específicos, este trabalho buscou:
a) verificar o impacto das ocorrências de desinteligência e relativas a
infrações penais de menor potencial ofensivo no policiamento
ostensivo;
b) analisar se a resolução de conflitos da sociedade pela PMESP
mediante uso de métodos alternativos à jurisdição coaduna com as
atribuições constitucionais das Polícias Militares;
c) examinar, concomitantemente à proposta de mediação ou conciliação
pelo NUMEC ou NUMEC/CEJUSC aos envolvidos, no que se refere
às infrações penais de menor potencial ofensivo, a legalidade e a
pertinência do registro do TCO pela PMESP, e a possibilidade do seu
não registro e substituição pelo BO/PM, nos casos em que o ofendido
manifeste interesse pelo não prosseguimento da ação penal, quando
esta for pública condicionada ou privada6;
d) estudar a evolução das formas de resolução dos conflitos na história,
de forma a identificar as tendências no mundo contemporâneo e os
cenários prospectivos nos planos sociais e jurídicos para atuação da
PMESP;
e) comparar as formas de resolução de conflitos no atual Sistema
Jurídico Nacional e confrontar as conciliações dos JECrims com as
conciliações e mediações promovidas pelos NUMEC e

6
As ações penais privadas e as ações penais públicas condicionadas são aquelas que dependem
de manifestação de vontade do ofendido (queixa ou representação, respectivamente) para que se
dê prosseguimento à persecução penal.
23

NUMEC/CEJUSC, a fim de saber os beneplácitos e malefícios de


uma e de outra, principalmente sob o ponto de vista do ofendido;
f) constatar se a hipótese aventada é factível no plano legal e jurídico.
Dessa forma, a justificativa deste estudo encontra-se na própria
necessidade de se encontrar meios de aperfeiçoamento do serviço prestado pela
PMESP à sociedade, de acordo com os princípios insculpidos no artigo 37 da nossa
Constituição Federal, principalmente os da legalidade e da eficiência que devem
reger a Administração Pública (BRASIL, 1988).
Contribuiu para a escolha do assunto a afinidade que guarda com as
atividades profissionais desenvolvidas pelo autor, o qual possui, presentemente,
vinte e nove anos de serviço como Oficial da PMESP, vinte e um deles em atividade
estritamente operacional, tempo em que, em face dos seus bons resultados, três
experiências alinharam seu pensamento nessa questão, a saber:
a) aproximadamente oito anos na coordenação de registros de Termos
Circunstanciados por policiais militares em onze municípios paulistas,
que respondiam a cinco comarcas (São José do Rio Preto,
Catanduva, Nova Granada, Palestina e Paulo de Faria);
b) mais de quatro anos na supervisão de atividades dos Núcleos de
Mediação Comunitária no Comando de Policiamento do Interior-5
(CPI-5), nos mesmos municípios acima mencionados;
c) quase dois anos como Subcomandante (Subcmt) do 17º Batalhão de
Polícia Militar do Interior (BPM/I), OPM que possui NUMEC (desde
2013) e NUMEC/CEJUSC (a partir de 2019).
No aspecto metodológico, o estudo proposto recorreu ao método
hipotético-dedutivo, consagrado pelo filósofo austríaco Karl Popper (1975), no
sentido de identificar o problema e suas possíveis soluções, utilizando
preferencialmente o processo dialético, consistente em testar a hipótese, submetê-la
à criteriosa crítica, a fim de compreender a viabilidade da proposta.
Dessa forma, norteado pelos objetivos traçados para o estudo, instruiu-se
um processo investigatório, com ênfase na pesquisa de fontes bibliográficas e coleta
secundária de dados estatísticos da PMESP e de órgãos externos, em especial, do
Poder Judiciário Paulista, assim como na coleta primária de informação por meio de
questionários de opinião, visitas e entrevistas que pudessem fornecer elementos que
permitissem compor um parecer baseado em argumentos seguros.
24

O trabalho foi estruturado em cinco seções, sendo esta a primeira seção,


de caráter introdutório.
Ver-se-á que, embora compartimentado, este estudo trata dos assuntos de
forma transversal, tendo em vista que muitas questões se correlacionam de forma
complementar, recíproca ou comparativa, principalmente em torno da
contextualização da problemática e da hipótese aqui apresentadas.
Na segunda seção, após uma breve síntese do problema identificado, que é
a alta demanda de ocorrências de menor relevância que ocupam as atividades do
policiamento ostensivo, trata-se das competências constitucionais das Polícias
Militares, que atuam como Polícia Ostensiva e apresentam ampla atribuição dentro
do conceito de preservação da Ordem Pública, em razão dos seus modos de
atuação preventiva e repressiva imediata.
Já se dará uma noção perfunctória de como a solução de conflitos na
sociedade por meio de métodos alternativos coadunam com as atribuições da
Polícia Militar, haja vista funcionarem como um fator de prevenção primária à medida
que contribuem em favor das ações de prevenção secundária relacionadas às
atividades do policiamento ostensivo.
A terceira seção concentra-se na Resolução de Conflitos, primeiramente
sob a ótica histórica e geral, de forma a mostrar como os métodos de solução das
lides evoluíram no tempo, suas influências e as tendências atuais, dentro e fora de
nosso país.
Analisou-se o funcionamento das conciliações e mediações no âmbito penal
e civil, haja vista o estudo ter como relevante a questão das infrações penais de
menor potencial ofensivo, as quais, uma vez praticadas, podem sujeitar o autor à
tríplice responsabilidade (administrativa, civil e penal), cujas soluções, em campos
diversos do Direito, podem se complementar, o que ocorre, por exemplo, nas
audiências preliminares do JECrim, que objetivam alcançar a composição civil dos
danos e a transação penal.
Cumpre pontuar que, considerando que a presente obra possa ser objeto de
futuras consultas no âmbito acadêmico, inclusive por profissionais que não tenham
formação na área jurídica, algumas subseções do trabalho foram destinadas a dar
noções básicas do Direito, sem grande aprofundamento, apenas para que o tema
seja compreensível aos mais diversos públicos.
25

Dentro dos objetivos propostos, após breve histórico sobre a conciliação e


mediação na PMESP, encerrou-se a terceira seção com o foco na resolução de
conflitos feita por policiais militares nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC existentes nas
OPM da Instituição, de forma a esclarecer como pode contribuir efetivamente em
prol da prevenção e melhoria do policiamento ostensivo, incluindo a solução de fatos
relacionados a infrações penais de menor potencial ofensivo.
A quarta seção, que se correlaciona com as seções anteriores, foi
reservada para discussão sobre a metodologia que guiou este trabalho, bem como
para pesquisas e análises de dados coletados de forma primária (diretamente pelo
autor) e secundária (com base em informações de outros autores ou Instituições).
Assim, nessa seção concentraram-se os dados estatísticos, as pesquisas de
opinião, as visitas e as entrevistas realizadas, com o propósito de mensurar e
confirmar, qualitativa e quantitativamente, a problemática apresentada e a hipótese
que permeia esta tese.
Derradeiramente, a quinta seção destinou-se às considerações finais, de
modo a coligir as impressões sobre o tema e a condensar as inferências sobre a
problemática e a viabilidade da hipótese, considerando de um lado as oportunidades
e as potencialidades da estrutura organizacional e, de outro, as fraquezas
institucionais e os óbices que possam se apresentar.
Enfim, o tema abarca a perspectiva que o uso dos métodos alternativos para
resolução de conflitos pessoais pela PMESP e o registro do TCO pelos policiais
militares, no tratamento de questões relacionadas a infrações penais de menor
potencial ofensivo, oferecem como meios de prevenção, beneficiando as atividades
relacionadas ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública, por meio
de respostas céleres e eficazes às contendas que diariamente chegam ao
conhecimento da Instituição.
26

2 POLÍCIA OSTENSIVA E PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

2.1 O impacto das ocorrências de menor gravidade no policiamento ostensivo


e na Ordem Pública

Diariamente, em todos os municípios do Estado de São Paulo,


semelhantemente ao que ocorre no restante do país, o policiamento ostensivo é um
serviço público prestado de forma ininterrupta, vinte e quatro horas por dia e sete
dias por semana.
Policiais militares fardados e equipados, em diversas modalidades de
policiamento, motorizadas ou não, realizam o patrulhamento das vias públicas, no
sentido de fornecer ao cidadão a almejada sensação de segurança e de dissuadir
aqueles que intentam praticar ato que ocasione a quebra da ordem pública.
Além dessa missão basilar, em nossas terras, o telefone 190 é um recurso
para pedido de socorro emergencial disponibilizado pelo Estado ao cidadão que se
sentir ameaçado em algum de seus direitos.
No caso de São Paulo, as ligações ao referido número são recebidas pelos
Centros de Operações da Polícia Militar (COPOM), que acionam os policiais
militares para o atendimento de emergências, a fim de resguardar os direitos da
pessoa humana, em especial, a sua vida, a sua integridade física e o seu patrimônio.
Segundo os dados do Centro de Inteligência da Polícia Militar (CIPM),
somente 14,93% das ocorrências atendidas pela PMESP são conduzidas às
Delegacias de Polícia.
Em meio a uma miríade de atendimentos, o presente estudo comprovou,
conforme se verá na seção 4 deste estudo, que um pequeno rol de ocorrências é
responsável pelo maior emprego de tempo e de esforços dos policiais militares,
alcançando mais de 25% das chamadas do COPOM.
Esse restrito rol inclui os chamados relativos a ameaças, a agressões
(lesões corporais e vias de fato), à perturbação do sossego, à perturbação da
tranquilidade e, principalmente, às desinteligências, ou seja, situações de
desentendimento entre as partes que, a princípio, não puderam ser definidas e
relacionadas a algum tipo penal, o que dependerá das circunstâncias constatadas
pelo agente público no local dos fatos.
27

Conforme se verificará na análise das estatísticas e nas pesquisas de


opinião constantes da seção 4 desta tese, essas ocorrências, em sua maioria, são
de pouca gravidade e geralmente resolvidas no local dos fatos, muitas recorrentes e
envolvendo as mesmas partes, o que impacta de forma significativa e prejudicial o
policiamento ostensivo, em face da necessidade de deslocamento de policiais
militares ao local do fato, os quais, por consequência, afastam-se de sua missão
basal, que é o patrulhamento que proporciona segurança ao cidadão e inibe a ação
dos infratores.
Ademais, nesses casos, as viaturas ficam empenhadas e indisponíveis para
o atendimento de ocorrências mais graves, a exemplo de roubos, homicídios,
averiguação de pessoas armadas, etc.
Porém, em outra vertente, não deve a Polícia Militar deixar de atender essas
ocorrências de menor gravidade, uma vez que podem evoluir para situações mais
graves, que ocasionam a quebra da ordem pública de forma mais contundente.
Também em desfavor das atividades da Polícia Militar em relação ao
cidadão, muitas dessas ocorrências se traduzem em infrações penais de menor
potencial ofensivo, que podem demandar o registro de Termo Circunstanciado de
Ocorrência (TCO), a fim de que o fato seja apreciado pelo JECrim.
Ocorre que, no Estado de São Paulo, a PMESP encontra-se impedida de
registrar o TCO, em decorrência de um ato administrativo da Secretaria de
Segurança Pública (SSP), que faz com que ocorrências que poderiam ser resolvidas
no local, com o registro do referido Termo pelos policiais militares, sejam objeto de
condução às Delegacias da Polícia Civil.
Em razão dessa situação, que será tratada de forma mais detalhada no
decorrer deste estudo, os policiais militares, além de sujeitarem o cidadão a uma
questionável condução coercitiva à Unidade da Polícia Civil, também se veem
obrigados a se afastarem do seu setor de patrulhamento, privando a população
local, comumente por longas horas, do direito referente à prestação do serviço de
policiamento ostensivo.
Destarte, nas seções futuras, para os casos relacionados a infrações penais
de menor potencial ofensivo, tratar-se-á sobre os métodos alternativos para solução
de conflitos e da lavratura dos TCO pela Polícia Militar, hipóteses que podem
contribuir como fator de prevenção em favor de uma maior efetividade do
policiamento ostensivo, visto que possibilitam diminuir a reincidência de
28

atendimentos que oneram o emprego racional da força policial, de forma a permitir a


permanência das viaturas por mais tempo nos locais onde atuam.
Entretanto, antes disso, impende compreender as atribuições constitucionais
das Polícias Militares Brasileiras e como, nos limites de suas competências legais,
podem mitigar o empenho do policiamento ostensivo em ocorrências de menor
gravidade e proporcionar um serviço mais completo e ansiado pela sociedade.

2.2 Atribuições constitucionais e legais das Polícias Militares

Em nossa Carta Magna, as missões dos Órgãos de Segurança Pública são


dispostas no seu artigo 144 (BRASIL, 1988), que diz:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares;
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
[...]
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias
civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Depreende-se que, no Sistema de Segurança Pública Nacional, incumbem


às Polícias Militares, subordinadas aos Governadores das Unidades Federativas, as
atribuições de Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública, missões
que são corroboradas, no que diz respeito à PMESP, pela Constituição do Estado de
São Paulo, em seu artigo 141 (SÃO PAULO, 1989).
A Constituição Federal, em seu artigo 144, parágrafo 7º, define ainda que as
atribuições das Polícias Militares serão detalhadas em lei: “[...] lei disciplinará a
organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de
maneira a garantir a eficiência de suas atividades” (BRASIL, 1988).
A lei que o precitado dispositivo constitucional menciona, hoje vigente, é o
Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que em seu artigo 3º delineia as demais
atribuições das Polícias Militares, dentre as quais se destacam:
29

a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das


Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela
autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou
áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem,
precedendo o eventual emprego das Forças Armadas [...] (BRASIL, 1969a,
grifos nossos).

Do arcabouço legal, portanto, colige-se o âmago das atribuições das Polícias


Militares, quais sejam:
a) Polícia Ostensiva (policiamento ostensivo), de forma exclusiva; e
b) Preservação da Ordem Pública, incluindo as atuações preventiva e
repressiva.
Dessa construção, infere-se que a prevenção não decorre somente das
ações de polícia ostensiva, mas também por elas, posto que a preservação da
ordem pública congrega a atuação preventiva.
Daí, como exemplo, a prevenção pode se dar, no espectro da preservação
da ordem pública, por meio das mediações e conciliações feitas por policiais
militares, cujas situações pacificadas no seio da comunidade concorrem para evitar
o cometimento de novos delitos.
Ademais, a preservação da ordem pública também acolhe a atuação da
Polícia Militar na forma repressiva imediata, que inclui, no caso de quebra da ordem
em face de um delito, atividades afetas à função de polícia judiciária, uma vez que já
ocorrem na fase inicial da persecução penal7, que se inicia com o conhecimento da
infração penal, enquanto perdurar o estado de flagrância delitiva.
A discussão e estudo desse ponto são imperiosos porque uma parte da
sociedade possui noção equivocada e mitigada das atribuições da Polícia Militar,
tendo em vista que, muitos compreendem que o policiamento ostensivo fardado
encerra seu campo de atuação.
Esse parco entendimento ignora que o policial militar é, na verdade, a
representação do Estado presente na ponta da linha e constitui-se, normalmente, na
primeira autoridade estatal a intervir nos conflitos existentes na sociedade, em todos
os municípios brasileiros.

7
Em breve síntese, persecução penal refere-se ao conjunto de ações das autoridades policiais, a
partir do conhecimento da notícia do delito, em apurar sua autoria e materialidade, visando a
fornecer elementos básicos para a ação penal.
30

Há um entendimento reducionista de que a atuação preventiva das Polícias


Militares faz-se tão somente pelo policiamento ostensivo (prevenção secundária),
quando, na verdade, a prevenção está acolhida no conceito mais amplo de
preservação da ordem pública (que inclui a prevenção primária e, até mesmo, como
será discutido, terciária).
Destarte, não é percebido por grande parte das autoridades políticas e de
juristas que as atribuições primárias da Polícia Militar, de polícia ostensiva e de
preservação da ordem pública, são distintas entre si e complementares uma da
outra.
A amplitude da atribuição de preservação da ordem pública autoriza a
Polícia Militar, para consecução dos fins rezados na nossa Carta Maior, a adotar
iniciativas que repercutam na racionalização, eficácia, eficiência e efetividade no
emprego do policiamento ostensivo, de forma que por meio dele se aja
preventivamente e se tenha meios suficientes para responder mediante ações de
repressão imediata, as quais visam ao restabelecimento da ordem pública e a
devolver aos cidadãos, no mais curto período, a sensação de paz e tranquilidade.
Outrossim, acolhido pelo conceito de preservação da ordem pública,
conforme se verá na subseção 2.2.2, um papel residual acaba sendo exercido pelo
policial militar, haja vista que, diante da ineficiência de outros órgãos e setores da
administração pública, recorre-se, de forma imediata, em busca de uma solução, à
Polícia Militar, cuja porta de entrada mais comum é o telefone emergencial 190.
Convém, então, dissecar sobre as atribuições das Polícias Militares, a
começar pela compreensão a respeito da função de polícia ostensiva.

2.2.1 Polícia Ostensiva

Viu-se que a Constituição Federal, no seu artigo 144, parágrafo 5º, reservou
às Polícias Militares, juntamente com a atribuição de preservação da ordem pública,
a competência para o exercício da função de polícia ostensiva.
Deve-se compreender que Polícia Ostensiva e policiamento ostensivo são
expressões distintas: a primeira, consolidada pelo texto constitucional, relaciona-se à
Instituição encarregada de realizar o policiamento ostensivo; a segunda é relativa à
atividade de policiamento propriamente dita, exclusiva das Polícias Militares.
31

No entanto, muitas vezes essas expressões são utilizadas como sinônimas


porquanto fruto de normativos legais anteriores à atual Constituição Federal.
O renomado Álvaro Lazzarini (1989, p. 236, grifo nosso) esclarece tal distinção:
A proteção às pessoas físicas, ao povo, seus bens e atividades. há de ser
exercida pela Polícia Militar, como polícia ostensiva, na preservação da
ordem pública, entendendo-se por polícia ostensiva a instituição policial
que tenha o seu agente identificado de pleno, na sua autoridade
pública, simbolizada na farda, equipamento, armamento ou viatura.
Note-se que o constituinte de 1988 abandonou expressão policiamento
ostensivo e preferiu a de polícia ostensiva, alargando o conceito, pois,
evidente que a polícia ostensiva exerce o Poder de Polícia como instituição,
sendo que, na amplitude de seus atos, atos de polícia que são, as pessoas
podem e devem identificar de relance a autoridade do policial, repita-se,
simbolizada na sua farda equipamento, armamento ou viatura.

O policiamento ostensivo é um dos modos de atuação da Polícia Militar no


aspecto preventivo, cuja conceituação extrai-se do artigo 2º do Decreto Federal nº
88.777/1983, ato do Poder Executivo que regulamenta o Decreto-Lei precitado:
Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Polícias Militares, em
cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados
de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando
a manutenção da ordem pública (BRASIL, 1983).

Nesse campo de atuação, a prevenção emana da ação de presença do


policiamento, identificado pela farda e equipamentos, que visa a inibir o cometimento
das infrações penais e administrativas, assim como servir de referência ao cidadão
que necessite da Força Policial, inclusive para pronto restabelecimento da ordem
pública, quando esta for violada.
A polícia ostensiva (ou policiamento ostensivo) é apenas uma das formas de
prevenir a ocorrência de ilícitos e a quebra da ordem.
Há uma gama de possibilidades para atuação preventiva, incluindo
campanhas e ações de segurança primária, nas quais se inserem as voltadas à
pacificação social, que pode ser alcançada por meio do uso de métodos
consensuais de resolução de conflitos.
Essas outras formas de prevenção vinculam-se à atribuição de preservação
da ordem pública.
Dessa forma, enquanto o policiamento ostensivo traduz-se em uma atividade
de prevenção secundária, orientada para locais de risco e de maior possibilidade de
incidência criminal (PMESP, 2007), outras formas de prevenção (pela pré-atividade)
podem contribuir no fiel cumprimento do papel atribuído às Polícias Militares.
32

2.2.2 Preservação da Ordem Pública

O renomado autor e administrativista, Hely Lopes Meirelles (1998, p. 92),


carreia ensinamentos sobre o conceito de Ordem Pública:
Ordem Pública é a situação de tranquilidade e normalidade que o Estado
assegura — ou deve assegurar — às instituições e a todos os membros da
sociedade, consoante às normas jurídicas legalmente estabelecidas. A
ordem pública visa a garantir o exercício dos direitos individuais, manter a
estabilidade das instituições e assegurar o regular funcionamento dos
serviços públicos, como também impedir os “danos sociais” [...].

Tem-se, de antemão, que a ordem pública é um estado de normalidade


pretendido pela sociedade, em conformidade com as leis e com respeito aos direitos
dos indivíduos que a compõe. Meirelles (1998, p. 92, grifo nosso) ainda aduz que o
conceito de Ordem Pública ainda “[...] abrange e protege também os direitos
individuais e a conduta lícita de todo cidadão, para a coexistência pacífica na
comunidade”.
O grifo na citação anterior se justifica porque vai ao cerne de uma das
questões discutidas nesta tese, que é a resolução de conflitos pela mediação ou
conciliação, que são instrumentos por meio dos quais se busca a pacificação social.
Uma sociedade pacífica decorre da mitigação dos conflitos que possam existir entre
os indivíduos nela inseridos. Assim, a sociedade é um corpo e os indivíduos as suas
células. Metaforicamente, as células doentes podem contaminar o corpo todo.
Quanto mais cedo se agir, no sentido da cura, menores os efeitos para o todo.
Mais atinente à atuação da Polícia Militar, o entendimento majoritário da
doutrina sobre o que seja Ordem Pública concentra-se em torno das ideias do
francês Louis Rolland8 (1947, p. 399 apud MOREIRA NETO 1988, p. 143), que a
desdobrou em três aspectos: “[...] tranquilidade pública, segurança pública e
salubridade pública”.
Lazzarini (1989, p. 233, grifo nosso) afirma que o conceito de Ordem
Pública, dentro dos preceitos constitucionais, apresenta-se em maior amplitude que
o de Segurança Pública:
Com isso é possível afirma-se que o constituinte de 1988 procurou valorizar
o principal aspecto ou elemento da “ordem pública”, qual seja a “segurança
pública”. Procurou, ainda, guardar a correta grandeza entre a “ordem
pública” e a “segurança pública”, sendo esta exercida em função daquela,
como seu aspecto, como seu elemento, sua causa. Lembre-se, a propósito,

8
ROLLAND, Louis. Précis de Droit Administratif. 9. ed. Paris, França: Librairie Dalloz, 1947
(MOREIRA NETO, 1988, p. 143).
33

que “segurança pública” é conceito mais restrito do que o da “ordem


pública”, está a ser preservada pelas Polícias Militares (art. 144, § 5º), às
quais se atribuiu, além das atividades de polícia de segurança ostensiva, as,
também, referentes à “tranquilidade pública” e à “salubridade pública”.

Em outro artigo de Lazzarini (1992, p. 171), no qual também cita Louis


Rolland9 (1947, p. 399), encontra-se uma visão que bem encerra a conceituação de
Ordem Pública:
[...] partindo de textos legais franceses, Louis Rolland disse ter a polícia por
objeto assegurar a boa ordem, isto é, a tranquilidade pública, a segurança
pública, a salubridade pública, concluindo, então, que assegurar a ordem
pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é
tudo aquilo, nada mais do que aquilo.

É a partir dessa compreensão de ordem pública, a qual se perfaz nos


aspectos de segurança, da tranquilidade e salubridade públicas, que se orientarão
as discussões sobre as atividades da Polícia Militar no sentido de preservá-la.
Viu-se anteriormente que, ao se referir à ordem pública, o texto
constitucional usa o termo preservação, enquanto o Decreto-Lei nº 667/69 utiliza o
vocábulo manutenção. Convém lembrar que a Constituição Federal tem texto mais
recente, de 1988, e o Decreto-Lei lhe é anterior, de 1969. Dessa forma, o termo
preservação traz uma definição mais completa, atual e adequada a respeito das
atribuições da Polícia Militar, cuja amplitude não era alcançada pela palavra
manutenção.
O Regulamento aprovado Decreto nº 88.777/1983 traz em seu artigo 2º, nº
19, que a manutenção da ordem pública é “[...] o exercício dinâmico do poder de
polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações
predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir
eventos que violem a ordem pública” (BRASIL, 1983, grifo nosso).
Analisando a norma em apreço, nota-se que a manutenção da ordem
pública ocorre com o predomínio das atuações ostensivas, mas não há imposição de
limites a outras ações de prevenção. Compulsando o artigo de Vicente Nicola
Novellino (2017, p. 32, grifos nossos), vê-se que manutenção e preservação são
conceitos que não se confundem. O autor complementa com citação do dicionarista
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira10:

9
ROLLAND, Louis. Précis de Droit Administratif. 9. ed. Paris, França: Librairie Dalloz, 1947
(LAZZARINI, 1992, p. 171).
10
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 883 (NOVELLINO, 2017, p. 32).
34

Manutenção significa as medidas necessárias para a conservação ou a


permanência de alguma coisa ou de uma situação: manutenção da ordem.
[...] Preservação é o ato ou feito de preservar e preservar: livrar de algum
mal; manter livre de corrupção, perigo ou dano; livrar; defender; resguardar.

Por sua vez, Moreira (1988, p. 148) afirma que a manutenção da ordem
pública busca assegurar um estado harmônico e equilibrado, incluso em um sistema
de convivência pública. As ações promovidas nesse sentido Moreira denominou
homeostasia, ou seja, “[...] um conjunto de processos que devem atuar para manter
a estabilidade do sistema pela prevalência de sua ordem, a despeito das
perturbações de qualquer natureza”.
Já o termo preservação alcança sentido mais dinâmico e maior amplitude, o
que melhor define a atribuição da Polícia Militar, porque vai além desse estado
harmônico e estável, pois pressupõe a possibilidade de rompimento da ordem e a
eventual necessidade do seu pronto restabelecimento, consistente na atuação de
repressão imediata.
Deve-se observar que o conceito de preservação da ordem pública não
encontra previsão específica na nossa legislação, motivo pelo qual se recorre mais
uma vez à definição doutrinária de Lazzarini (1999, p. 105, grifos nossos):
A preservação abrange tanto a prevenção quanto a restauração da
ordem pública, no caso, pois seu objetivo é defendê-la, resguardá-la,
conservá-la íntegra, intacta, daí afirmar-se agora com plena convicção que
a polícia de preservação da ordem pública abrange as funções de polícia
preventiva e a parte da polícia judiciária denominada de repressão
imediata, pois é nela que ocorre a restauração da ordem pública, conforme
demonstro na explicação sobre ciclo de polícia, particularmente nas duas
primeiras fases.

Como já destacado, uma análise transversal entre o texto constitucional


(parágrafo 5º do artigo 144) e o Decreto-Lei nº 667/69, dá indícios de que a
expressão preservação da ordem pública engloba a atividade preventiva (que busca
manter o estado de normalidade) e repressiva imediata (que vai desde o momento
da quebra da ordem pública até o último momento em que se possa restabelecê-la).
Embora o Decreto-Lei em comento trouxesse no seu bojo todas as
atividades relativas à preservação da ordem pública, o significado gramatical da
expressão manutenção dava uma noção imprópria, de caráter restritivo, o que veio a
ser aprimorado pela novel designação conferida pela nossa Carta Maior. Assim,
embora não sejam na semântica, preservação e manutenção são palavras
sinônimas na compreensão pragmática e teleológica da lei.
35

E quando se fala de preservação da ordem pública, torna-se necessário


entender a abrangência dessa atribuição. A respeito disso, Lazzarini (1989, p. 234,
grifo nosso) afiança:
A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública
engloba inclusive, a competência específica dos demais órgãos
policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou
outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta
de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um
verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares
constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o
universo da atividade policial em tema da "ordem pública" e,
especificamente, da "segurança pública".

O autor complementa adiante, distinguindo a Polícia Ostensiva do conceito


de Preservação da Ordem Pública:
Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem pública, às Policias
Militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva, na forma retro
examinada, como também a competência residual de exercício de toda
atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos
(LAZZARINI, 1989, p. 235).

Desse modo, no tocante à preservação da ordem pública, desponta, além da


competência específica, a residual, decorrente da inoperância de outros órgãos
policiais. Nesse aspecto, manifesta-se a dimensão da amplitude da atuação da
autoridade policial de preservação da ordem pública, que engloba toda ação que
puder concorrer para a inocorrência de delitos e, quando isso não for possível, a
restauração a ordem violada.
Evidencia-se que não somente o policiamento ostensivo, mas toda atuação
da autoridade de preservação da ordem pública que permita evitar a reincidência de
delitos (e nesse contexto incluem-se as mediações e conciliações dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC), torna-se atinente à competência da Polícia Militar, encarregada
de garantir o estado de normalidade na sociedade em que atua.
Mas o presente trabalho também considera a possibilidade de registro do
TCO pela Polícia Militar, motivo pelo qual, deve-se falar também sobre a repressão
imediata. Nesse sentido, questiona-se até qual ponto pode atuar a Polícia Militar no
campo de repressão imediata, no exercício da competência de polícia de
preservação da ordem pública.
Na vertente criminal, a Polícia Militar também deve agir imediatamente após
tomar o conhecimento da eclosão de um ilícito penal, enquanto perdurar o estado de
flagrância do delito.
36

O artigo 301 do Código de Processo Penal (CPP) impõe ao policial militar e


demais autoridades policiais o dever de prender quem for encontrado em flagrante
delito. É o que a doutrina chama de flagrante compulsório ou obrigatório, em
contraposição ao que ocorre com o cidadão comum, que diante de um delito, não
tem por dever executar a prisão, no entanto, pode fazê-lo (flagrante facultativo).
As situações que autorizam a prisão em flagrante delito estão assentadas
no artigo 302 do CPP (BRASIL, 1941a):
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele autor da infração.

Os incisos I e II do referido dispositivo do CPP aludem aos flagrantes


conhecidos como próprios, enquanto os III e IV são tratados como impróprios. O
tempo em que perdurar o estado de flagrância delitiva determinará o limite da
atuação da polícia de preservação da ordem pública. É o que ensina Fábio Rogério
Candido (2016, p. 169, grifo nosso):
Ocorre que, nos casos em que a prisão enseja perseguição a ser realizada
por um policial militar, depois de determinado lapso de tempo, sendo
encontrado o criminoso em uma situação que faça presumir ser ele o autor
da infração penal, impõe-se a conclusão que se segue, conforme art. 290, §
1º, a e b, do Código de Processo Penal. De tal forma, para encontrar o autor
do fato, o policial militar deve diligenciar, pois por meio dos indícios que
foram arrolados, das informações conseguidas e das outras provas, será
possível a prisão do autor, procedendo-se, efetivamente, para o
restabelecimento da ordem pública quebrada. Age o policial militar,
portanto, na repressão imediata ao delito, calcada nos elementos que foram
encontrados no local do crime ou durante as diligências realizadas para o
cumprimento do mandamento legal, nos termos do art. 301 do CPP.
Entende-se que exatamente aí está o limite de atuação do policial militar
frente à ocorrência do fato delituoso. Assim, a Polícia Militar, em uma
cadeia de ação hipotética, deve atuar até o último momento possível
para realização da prisão em flagrante, quando da ocorrência de um
delito. Daí em diante, surge a missão constitucional da polícia
investigativa e de apuração criminal que, nos estados, é de
incumbência da Polícia Civil.

Deduz-se que a repressão imediata, dentro da atribuição de preservação da


ordem pública, encerra-se quando não mais for possível efetuar a prisão em
flagrante delito do autor, em decorrência do lapso temporal para encontrá-lo, em
uma das situações de flagrante impróprio, descritas no artigo 302 do CPP.
Lazzarini (1989, p. 235) lembra que o policial militar pode exercer a repressão
imediata “[...] sem que haja violação do dispositivo constitucional, pois, quem tem a
37

incumbência de preservar a ordem pública, tem o dever de restaurá-la, quando de


sua violação”.
Sendo prevenção e repressão imediata missões de competência da Polícia
Militar, torna-se pertinente entender o vínculo desses fatores com as funções de
polícia administrativa e de polícia judiciária.
Dessa forma, sempre com foco na seara criminal, tais noções são
importantes para se entender como funcionam os sistemas de preservação de
ordem pública e de persecução penal, quais as funções de polícia que são exercidas
em cada fase, bem como quais Instituições policiais possuem competência para
atuar nesses ciclos insertos na segurança pública.

2.2.2.1 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

Muitas vezes confunde-se o exercício da função de polícia administrativa


como sendo exclusivamente preventivo, mas a repressão pode ocorrer também
diante de um ilícito administrativo, no entanto, nesses casos, as medidas recaem
sobre objetos diferentes, como se verá adiante.
O hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes (2007,
p. 1817), dá sua compreensão sobre a polícia administrativa, a qual “[...] é também
chamada de polícia preventiva, e sua função consiste no conjunto de intervenções
da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disciplina
exigida pela vida em sociedade”.
Pede-se vênia para discordar sobre a posição que coloca polícia
administrativa como sinônimo de polícia preventiva, haja vista que essa ideia deve-
se ater às questões de direito penal.
Obviamente, na seara administrativa, a Polícia Militar, no papel de
fiscalização, pode vir a praticar ações que pela sua natureza possam ser
consideradas repressivas, o que ocorre, por exemplo, quando elabora uma atuação
de trânsito e o recolhimento de um veículo.
A multa paga pelo infrator, a partir de sua autuação, embora tenha também
aspecto preventivo (o que também está presente na sanção penal, naquilo que se
denomina prevenção geral), visa a punir a pessoa em face de uma infração
administrativa de trânsito, constituindo-se em ato repressivo, porém, incidente em
um direito e não diretamente sobre a pessoa.
38

No entanto, a conceituação de Alexandre de Moraes é válida quando o


assunto orbita a esfera penal, situação em que a linha que separa a atuação de
polícia administrativa e a de polícia judiciária fica evidente, porque coincide com o
momento em que se passa da prevenção para a repressão, em face da ocorrência
de um delito.
A polícia administrativa não é uma função privativa das Polícias e outros
órgãos da Segurança Pública. Nesse caso, as atribuições são dadas por lei, cuja
exclusividade específica de polícia administrativa, stricto sensu, pode ser conferida
de acordo com a normatização legal, decorrente das permissões constitucionais.
Nesse caso, a polícia de preservação da ordem pública pode intervir,
ocasionalmente, de forma residual, quando diante da omissão do órgão público
responsável. Por exemplo, a Polícia Militar não é competente para interditar um
prédio prestes a desabar, mas havendo fortes elementos de que isso possa ocorrer
e causar danos e lesões à integridade física ou à vida das pessoas, poderá evacuar
o local e impedir-lhe o acesso temporariamente, até que os órgãos responsáveis
atuem.
Assim, a polícia administrativa é exercida por aquele que tem o poder de
polícia para atuar em relação à determinada matéria. No ordenamento pátrio, o
único dispositivo em que se encontra a definição de poder de polícia é o artigo 78 da
Lei nº 5.172 de 25 de Outubro de 1966 (Código Tributário Nacional):
Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de
ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à
segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do
mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (BRASIL,
1966).

Portanto, polícia administrativa é atividade da administração pública e a


Polícia Militar, além de outras que lhe forem concedidas por lei, detém parcela desse
poder, no que tange, principalmente, à segurança pública. Hely Lopes Meirelles
(1998, p. 115) explica que a polícia administrativa “[...] é inerente e se difunde por
toda a Administração Pública, enquanto as demais são privativas de determinados
órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares)”.
Daí, as expressões polícia administrativa, polícia preventiva e polícia
ostensiva não possuem mesmo significado, embora todas sejam exercidas pelas
Polícias Militares, a última de forma exclusiva.
39

Da mesma forma, distinguem-se os conceitos de polícia administrativa,


polícia judiciária e polícia de manutenção da ordem pública, conforme enfatiza
Meirelles (1998, p. 115, grifo nosso):
Desde já convém distinguir a polícia administrativa, que nos interessa neste
estudo, da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública,
estranhas às nossas cogitações. Advirta-se, porém, que a polícia
administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que
as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.

No âmbito criminal, a ocorrência de uma infração penal é o momento que


divide os dois modos de atuação da Polícia Militar, a qual, até então exercendo a
polícia preventiva, passará a atuar na função de polícia judiciária, enquanto houver
situação de flagrância delitiva.
Isso porque a atribuição de preservação da ordem pública impõe às Polícias
Militares a função preventiva, exercida antes da eclosão do ilícito penal, e também a
repressiva imediata, que se refere às ações visando ao restabelecimento da ordem
violada.
No entanto, a eclosão do ilícito, que divide a atuação preventiva da
repressiva, não obsta o exercício da polícia administrativa, que subsiste na fase de
polícia judiciária, separadas apenas pelo campo do Direito em que se dará essa
atuação. Para melhor apreensão dessa ideia, em sucinto exemplo, Meirelles11 (1972,
p. 298 apud CANDIDO, 2016, p. 55) lembra que “[...] ao apreender uma carta de
motorista por infração de trânsito, a autoridade pratica ato de polícia administrativa,
mas quando prende o motorista por infração penal, pratica ato de polícia judiciária”.
Portanto, a fiscalização de trânsito é atividade administrativa enquanto a
prisão em flagrante do autor de um crime já se consolida em ato de polícia judiciária,
em razão de a persecução penal já se ter se iniciado com o conhecimento do delito.
Dessa forma, no campo penal, ao falar-se de repressão imediata, já não há
referência à atividade de polícia administrativa, mas sim à de polícia judiciária, uma
vez que a prisão em flagrante delito do autor ocorre já em decorrência da notícia do
crime e no curso da persecução penal.
Moraes (2007, p. 1817, grifos nossos) também pontua outras distinções:
Então, podemos afirmar que a Polícia Administrativa possui maior
discricionariedade, já que atua independentemente de autorização judicial,
visando a impedir a realização de crimes.

11
MEIRELLES, Hely Lopes. Poder de polícia e segurança nacional. Revista dos Tribunais, v. 61, n.
445, p. 287-298, nov. 1972 (CANDIDO, 2016, p. 55).
40

A Polícia Judiciária tem sua atuação regida, entre outros dispositivos


legais, pelo Código de Processo Penal, predominando o seu caráter
repressivo, pois sua principal função é punir os infratores das leis
penais. De acordo com seu próprio nome, a Polícia Judiciária atua em
auxílio à Justiça, apurando as infrações criminais e as respectivas
autorias.

Assim, a preservação da ordem pública compreende a atuação das Polícias


Militares no sentido de manter o estado de normalidade, por meio de um amplo rol
de atividades, como polícia administrativa, ostensiva e preventiva, bem como, diante
da quebra da ordem pública, a ação no sentido de restabelecê-la o mais
rapidamente possível, consistente na repressão imediata.
Daí, sob a ótica penal, permite-se vincular a atividade de prevenção à função
de polícia administrativa, enquanto a repressão, já incide na função de polícia
judiciária, decorrente da prática de infração penal.
Esse raciocínio é corroborado pelos ensinamentos de Lazzarini 12 (apud
CANDIDO, 2016, p. 55), o qual reforça que a polícia administrativa “[...] desenvolve
sua atividade, procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser denominada
preventiva”. Já a atividade de polícia judiciária é “[...] repressiva, porque atua após a
eclosão do ilícito penal, funcionando como auxiliar do Poder Judiciário”.
Dentro do sistema binário de funcionamento das Polícias nos Estados
Brasileiros, tem-se que uma atua na fase preventiva e repressiva imediata, enquanto
a outra age na repressão mediata, ou seja, no sentido de apurar a autoria e
materialidade das infrações penais comuns.
É argumento notório, até mesmo no meio jurídico, colocar a função de
polícia judiciária como competência exclusiva da Polícia Civil, ou, até mesmo, como
sinônimas.
E concluem dessa premissa – errônea, no nosso ponto de vista - que a
Polícia Militar não pode exercer a função de polícia judiciária. Aqui, concorda-se com
os dizeres de Candido (2016, p. 52), contrários a esse entendimento:
Pelo que se vê, a polícia (via de regra, a Polícia Militar) é a primeira
instituição que toma contato com o crime, dando início ao fluxo do sistema
de justiça criminal e, frequentemente, na doutrina majoritária, é tratada
apenas com a perspectiva de polícia administrativa.

Sabe-se que a repressão mediata, ou seja, a apuração de autoria e


materialidade das infrações penais comuns, cabe aos órgãos com atribuição de

12
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998 (CANDIDO, 2016, p. 55).
41

polícia judiciária comum, que são, de acordo com as suas competências territoriais
ou materiais, a Polícia Federal e as Polícias Civis, conforme previsão do artigo 144
da CF (BRASIL, 1988, grifos nossos).:
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
[...]
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Poder-se-ia, assim, argumentar que a função de polícia judiciária não pode


ser exercida pelas Polícias Militares, porquanto é prevista na Constituição Federal e
conferida como atribuição a outras Forças Policiais.
Neste ponto, discorda-se, pois a fase da repressão imediata, inclusa na
atribuição precípua de preservação da ordem pública das Polícias Militares, já ocorre
no âmbito da persecução penal.
Assim, a polícia judiciária constitui-se em uma função da Polícia Civil,
no entanto, não exclusiva, uma vez que se permite a atuação repressiva imediata
de outros Órgãos Policiais de Segurança Pública, aqui inclusas as Polícias Militares,
que tem dever de agir, por mandamento da lei, em face da incidência de um delito.
Além disso, o parágrafo único do 4º do CPP suprime qualquer dúvida a
respeito da não exclusividade dessa função:
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das
infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma
função (BRASIL, 1941a, grifo nosso).

Portanto, a polícia judiciária não constitui uma função privativa das Polícias
Civis e outras autoridades administrativas podem exercê-la, inclusive as autoridades
policiais-militares, em especial, no caso das infrações penais comuns, quando
incorporam competência para atuar na repressão imediata, ao efetuarem as
diligências necessárias para prisão do infrator enquanto perdurar o estado
flagrancial, buscando restabelecer a ordem pública.
Destarte, a Polícia Militar atua no campo de polícia judiciária comum no
cumprimento de atribuição repressiva imediata, por meio das ações que devem ser
empreendidas logo após a quebra da ordem, no sentido de restabelecer o estado de
normalidade.
42

No caso das práticas de infrações penais, o restabelecimento da ordem dá-


se, em parte, com a prisão do seu autor, a fim de propiciar à Justiça que exerça o
seu papel na seara do processo penal.
É o que diz Lazzarini13 (1998, p. 20-25 apud CANDIDO, 2016, p. 55):
Assim, se um órgão estiver na atividade de polícia preventiva (polícia
administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe,
imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia
judiciária), fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal,
com vistas ao sucesso da persecução criminal.

E não poderia ser diferente, porque a autoridade administrativa, que atua


preventivamente, não pode esquivar-se de agir após a ocorrência do ilícito, sob pena
de responsabilidade.
Assim estipula o CPP: “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades
policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em
flagrante delito”.
Isso faz todo o sentido, pois, se fosse diferente, o telefone 190, consagrado
na Organização Pública Brasileira como canal para atendimento de emergências,
haveria que funcionar aos cuidados da Polícia Civil, posto que a maioria das
ligações decorre de delitos que estão acontecendo ou acabaram de ocorrer.
No entanto, esse sistema de comunicação aciona exatamente a polícia de
preservação da ordem pública, que deve restaurar o estado de normalidade, por
meio de ação de repressão imediata, já inclusa na fase da persecução penal, como
ato de polícia judiciária. Dessa construção, mais uma vez conclama-se Lazzarini
(1992, p. 292) que dá a delimitação da atuação das Polícias Estaduais Brasileiras:
[...] a repressão imediata há de ser feita pela Polícia Militar, pois, quem tem
o poder de preservar a ordem pública, tem o dever de restabelecê-la
quando violada, como decorre da própria norma constitucional (art. 144, §
5°), que tem supremacia sobre qualquer outra infraconstitucional.
Bem por isso à Polícia Civil só restam as atividades pós-repressão imediata,
na apuração do caso em si, isto é, da infração penal cometida ou tentada,
salvo as de natureza militar (art. 144, § 4º) e aquelas outras em que, pelas
prerrogativas funcionais das autoridades supremas do Estado, como os
agentes políticos, escapam à sua esfera de competência. A atividade da
Polícia Civil não se compadece com ações ostensivas, porque é de
investigação, onde não tem sentido qualquer ostensividade.

Pode-se perguntar o que isso teria a ver com a questão dos métodos
alternativos de resolução de conflitos.

13
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998 (CANDIDO, 2016, p. 55).
43

Antecipa-se aqui que esses conceitos serão muito importantes adiante,


quando se discutirá a atuação da Polícia Militar em ocorrências envolvendo
infrações penais de menor potencial ofensivo, incluindo o registro do TCO por parte
da referida Instituição, um tabu no Estado de São Paulo.
Para se ilustrar todo o Ciclo de Polícia, que abrange as fases preventiva e
repressiva e as atuações de polícia administrativa e judiciária, recorre-se ao
esquema elaborado por Lazzarini (Figura 1):

Figura 1 Ciclo Completo de Polícia e Ciclo de Persecução Penal

Fonte: LAZZARINI, 1995, p. 26.

Em face do exposto, embora a ação repressiva seja necessária, diante do


cometimento do ilícito, é indiscutível que a melhor forma de manter-se a ordem é por
meio da prevenção.
Essa noção vem de séculos passados, bem ilustrada nas palavras de
Beccaria (2001, p. 67): “É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo
legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo”.
44

2.2.2.2 Aspectos da prevenção criminal

Doutrinariamente, prevalece o entendimento de que a prevenção ocorre em


três níveis: primário, secundário e terciário.
Esses conceitos, inicialmente, eram aplicados no campo da saúde (PMESP,
2006), mas percebeu-se que, guardadas as particularidades, eram perfeitamente
aplicáveis ao sistema de segurança pública.
No que tange ao aspecto segurança pública, o sociólogo Marcos Flávio
Rolim (2004, p. 38, grifo nosso), em trabalho realizado por encomenda da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP), trouxe definições sobre esses níveis de
prevenção, a iniciar pelo primário:
Prevenção Primária - Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas
ao meio ambiente físico e/ou social, mais especificamente aos fatores
ambientais que aumentam o risco de crimes e violências (fatores de risco) e
que diminuem o risco de crimes e violências (fatores de proteção), visando
a reduzir a incidência e/ou os efeitos negativos de crimes e violências.
Pode incluir ações que implicam mudanças mais abrangentes, na estrutura
da sociedade ou comunidade, visando a reduzir a predisposição dos
indivíduos e grupos para a prática de crimes e violências na sociedade
(prevenção social). Ou, alternativamente, pode incluir ações que implicam
mudanças mais restritas, nas áreas ou situações em que ocorrem os crimes
e violências, visando a reduzir as oportunidades para a prática de crimes e
violências na sociedade (prevenção situacional).

Nesse nível, as medidas preventivas não precisam ser necessariamente


adotadas pelas Instituições Públicas ou Órgãos de Segurança e podem ser
alcançadas com ação de cada cidadão, a partir de cuidados com sua própria
segurança. Assim, o indivíduo que tranca o seu veículo e aciona o alarme adota, por
conseguinte, uma medida de prevenção primária.
Convém lembrar, nesse sentido, que, segundo o texto constitucional, no seu
artigo 144, caput, a segurança pública consiste em “[...] direito e responsabilidade de
todos” (BRASIL, 1988), ou seja, cada pessoa deve contribuir para o estado social de
normalidade, adotando cuidados basilares relativos à própria segurança e a de seu
patrimônio.
Da mesma forma, políticas públicas podem concorrer em benefício da
prevenção primária, como, por exemplo, a iluminação pública, a poda de árvores, a
45

limpeza de terrenos baldios, cujo abandono pode concorrer em favor da prática de


delitos, conforme já se comprovou na conhecida Teoria das Janelas Quebradas14.
A prevenção primária foca a raiz dos problemas e busca ações do Poder
Público, assim como outras individuais e sociais, que mitiguem a possibilidade da
incidência delitual.
A PMESP, de acordo com as vigentes Normas para o Sistema Operacional
de Policiamento (NORSOP), ressalta a ênfase à ação preventiva primária: “A
utilização de métodos de prevenção primária, cujo custo é menor, mas que, por seus
efeitos mais duradouros, apresentam maior produtividade, deve ser incentivada”
(PMESP, 2006).
Candido (2016, p. 221, grifos nossos) traz que as Polícias do mundo inteiro,
incluindo a brasileira, dão importância ímpar a esse tipo de prevenção:
[...] fazendo-se estudo de polícia comparada, verificou-se que, em outros
países, guardadas as diversidades sociais, econômicas, políticas e
jurídicas, a polícia trabalha nas searas da prevenção primária, em ações
de cunho social, e em outras, que não sejam diretamente ligadas à
persecução criminal, mas que visem, em ultima ratio, à paz pública. Tais
atuações de polícia assemelham-se às que ocorrem no Brasil, haja vista
que estas preocupações também são uma realidade do nosso modelo
policial, principalmente no que se refere à atuação da Polícia Militar, que é
bastante presente em tais searas.

Já a prevenção secundária é conceituada por Rolim (2004, p. 39) como


uma estratégia centrada em ações dirigidas a pessoas mais suscetíveis de praticar
crimes e atos de violências, frequentemente dirigida aos jovens, a adolescentes e a
membros de grupos vulneráveis e/ou em situação de risco.
A visão do autor, ao que parece, mostra-se um pouco restritiva, porque
negligencia em mencionar a atuação do policiamento ostensivo, planejado e
direcionado para atuação nos locais e horários de maior incidência criminal, o
instrumento mais comum de ação.
Mediante análise de indicadores criminais e uso de ferramentas
tecnológicas, o nível secundário atua de forma mais pontual, considerado o
problema e os riscos que precisam ser prevenidos.

14
Em 1982 foi publicado na revista Americana The Atlantic Monthly um estudo criado por James
Wilson e George Kelling que apontava a relação entre a desordem e a criminalidade. A teoria ficou
conhecida por esse nome em virtude da experiência realizada, demonstrando como a simples
quebra de uma janela pode desencadear uma sequência de crimes mais graves (PACHECO,
2016). Ou seja, a desorganização do ambiente físico, a desordem social e o aparente estado de
abandono dos espaços públicos e privados concorrem em favor da ocorrência de crimes.
46

É também nesse âmbito que ocorre a ação de polícia administrativa, ou seja,


atuante no estado de normalidade, como fiscalizadora de normas ditadas pelo direito
administrativo, exercendo o poder de polícia.
A PMESP corrobora tal pensamento quando nas NORSOP (PMESP, 2006,
grifo nosso) classificam e definem as Operações de Presença:
São aquelas operações cujo fator preponderante é a presença física
(ostensividade) do policial militar ocupando espaços em determinada área
em atitude de dissuasão para prevenir infrações, inibindo a prática delituosa
e desestimulando atividades que propiciem o cometimento de atos
antissociais. É a prevenção secundária por excelência. Exemplo típico
são as operações de saturação.

Por fim, Rolim (2004, p. 39) fala sobre a prevenção terciária como uma
estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas que já praticaram
crimes e violências, visando a evitar a reincidência.
O autor também coloca como destinatárias de tais ações as pessoas que
foram vítimas de crimes e violências. Em ambos os casos, o autor aduz como
objetivos a promoção do tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional
e social de tais pessoas. Este último tipo de prevenção, portanto, procura recuperar
e ressocializar os infratores da lei, de forma que não voltem a reincidir, assim
como atender a vítimas de crimes e violências.
No que tange à atividade policial, percebe-se que os níveis de prevenção
importam uma ordem de prioridade e que a primária deve ser prevalente, conforme
aduz Blanco (2002, p. 81):
Em nenhuma cidade do mundo considerado civilizado os esforços
empreendidos pela força pública policial, na perspectiva do
desenvolvimento de programas de prevenção secundária do delito ou no
desenvolvimento do trabalho de repressão qualificada, antecedem o esforço
de prevenção primária (educação, saúde, trabalho, esporte, lazer, cultura
etc.).

Aqui, vislumbra-se que a resolução de conflitos, à medida que busca


pacificar relações, pode contribuir como medida de prevenção primária, porque
elide fatores que possam contribuir para desavenças e fazer com que as próprias
pessoas contribuam para que não ocorram novas situações de contendas.
Isso está em total consonância com a Diretriz Operacional da PMESP (2006,
grifo nosso), na qual se lê que “[...] prevenção primária eficaz está diretamente
ligada à capacidade e esforço em reconhecer os ambientes ou situações que podem
vir a gerar um fato ilícito e é o policial militar o que melhor está preparado para esse
exercício”.
47

Por sua vez, percebe-se que a prevenção terciária não implica necessidade
de estar a pessoa encarcerada, porque muitos delitos, em especial os de menor
potencial ofensivo, não repercutem em privação da liberdade, mas já indicam
comportamentos tendentes à prática de ilícitos de determinados indivíduos, os quais,
se receberem a devida atenção, podem ter uma correção de rumo que os leve a um
convívio social harmônico e satisfatório.
Adiante, ver-se-á que o uso de técnicas restaurativas, que guarda relação
com o instituto da mediação, também pode funcionar, de forma análoga, como
medida de prevenção terciária, no que tange aos infratores de delitos menos
graves, assim como às vítimas.
Assim, em noção elementar, as mediações e conciliações podem repercutir
em todos os níveis de prevenção, atuando diretamente na primária e terciária, que
concorrem em favor da atuação preventiva secundária, proporcionada pelo
policiamento ostensivo.
48

3 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Observou-se que os conflitos existentes na sociedade, relativos a


desinteligências e delitos menos graves, são a principal fonte de empenho do
policiamento ostensivo, geralmente mediante acionamento da Polícia Militar pelo
telefone 190, chamado a resolver uma maioria de pequenas contendas, muitas delas
resolvidas no local, nem sempre de forma definitiva.
Convém entender um pouco sobre a natureza dos conflitos e as formas que
a humanidade adotou para resolvê-los ao longo de sua história, cuja tendência
segue no sentido de se olhar, a cada dia, de forma mais humanizada para os
indivíduos, sejam ofensores ou ofendidos, como titulares de direitos, com foco na
pacificação social, reservando-se um papel secundário à punição dos
transgressores.

3.1 O conflito

Desde os primeiros registros existentes da atividade humana - que


compreendem fábulas, crenças, mitos e escritos históricos - percebe-se que a
dissensão faz parte do cotidiano das pessoas e da própria sociedade.
O conflito sempre permeou a humanidade, presente nos pequenos núcleos
primitivos (em que os indivíduos sentavam-se à beira da fogueira e estabeleciam
sua comunicação, a exemplo dos desenhos e símbolos grafados em paredes de
cavernas que dão indícios de sua existência), nas congregações maiores e mais
organizadas (que formavam comunidades mais complexas e com maior gama de
interesses) e nos conglomerados de diversos grupos que deram origem a povos e
nações.
As situações de conflito são algo natural, fruto das diferenças que
caracterizam cada indivíduo como um ser único, com suas próprias percepções
existenciais, consoante com a realidade que vive, sua personalidade, os valores que
cultua e os interesses que o move.
Diga-se de passagem, o conflito existe além da espécie humana, como se
vê no mundo animal, ao se observar a convivência entre os que são da mesma
espécie, a exemplo dos grandes felídeos selvagens que batalham pela liderança do
seu clã, ou entre espécies diferentes, em que uma é predadora da outra.
49

A luta pela sobrevivência, no reino animal ou vegetal, gera o conflito, a


oposição de forças, no qual tende a prevalecer, segundo a teoria da seleção natural
de Charles Darwin15, aquele que melhor adaptar-se, não necessariamente o mais
forte fisicamente.
No que se refere aos seres humanos, Carlos Eduardo de Vasconcelos
(2015, p. 2) assim define o conflito:
O conflito é dissenso. Decorre de expectativas, valores e interesses
contrariados. Embora seja contingência da condição humana, e, portanto,
algo natural, numa disputa conflituosa costuma-se tratar a outra parte como
adversária, infiel ou inimiga. Cada uma das partes da disputa tende a
concentrar todo o raciocínio e elementos de prova na busca de novos
fundamentos para reforçar a sua posição unilateral, na tentativa de
enfraquecer ou destruir os argumentos da outra parte. Esse estado
emocional estimula as polaridades e dificulta a percepção do interesse
comum.

Dessa forma, o conflito pode ser do próprio indivíduo consigo mesmo


(conflito intrapessoal), entre duas pessoas (conflito interpessoal), dentro de um
determinado grupo social (conflito intragrupal), ou entre grupos diferentes
(intergrupal).
Este trabalho centrar-se-á nos conflitos interpessoais, porém, inevitável, ante
a busca da pacificação social, que os efeitos alcancem benefícios para a resolução
de conflitos intragrupais, considerados estes os que ocorrem dentro de uma
comunidade ou de um núcleo familiar.
Ao longo da história, emergiram, naturalmente, diversas formas de solução
de conflitos. Não existia, no princípio, uma noção de Direito, na concepção jurídica
que se tem hoje. Logo, não havia distinção de normas de responsabilização penal
ou civil.
As resoluções das divergências, inicialmente empreendidas por meio da
autotulela e da composição, surgiram naturalmente do relacionamento entre os
indivíduos. Com a evolução da civilização, o poder concentrado da mão dos
indivíduos para solução de suas causas pelas suas próprias forças impôs a
necessidade de positivarem-se as primeiras normas sociais de conduta e de
imputarem-se as respectivas punições, delegando-se a decisão das lides aos
governantes do ente abstrato que veio a ser chamado de Estado.

15
Relembrando os ensinamentos do Ensino Médio, a teoria evolucionista da seleção natural do
britânico Charles Darwin (célebre biólogo do século XIX), explicitada na sua obra “A Origem das
Espécies”, de 1859, diz que os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances
de sobrevivência e de deixar um maior número de descendentes do que os menos adaptados.
50

Desse modo, os conflitos mais graves passaram a encontrar solução em lei,


passíveis de penalização, enquanto questões de menor gravidade, segundo os
conceitos de cada época, continuaram a ser discutidas e solucionadas naturalmente
pelos próprios indivíduos, por mecanismos como a negociação e autocomposição,
sem assistência estatal, havendo ainda resquícios do uso da autotutela arbitrária.
Os processos de resolução de conflitos caminharam do período histórico
inicial, em que prevalecia a vingança penal (privada, divina ou pública), e chegaram
aos tempos atuais, principalmente depois do período iluminista, em especial nos
países ocidentais de cultura democrática, com foco na tutela dos direitos individuais
e fundamentais como foco para resolver as lides.
Adiante, tendo como contexto um eixo histórico relacionado ao mundo
ocidental, falar-se-á como as formas de resoluções das lides, com o passar do
tempo, evoluíram junto com a civilização.
Será possível constatar que as soluções, as quais em tempos remotos
prevaleciam restritas ao ambiente privado, passaram, com a formação dos grupos
sociais mais complexos, à mão do Estado. Nesse vai e vem da história, identifica-se
que nos dias de hoje, ainda que de forma parcial, o poder tende a retornar às mãos
dos particulares, com o empoderamento dos indivíduos para resolverem os seus
conflitos sem que haja necessária intervenção estatal por meio da jurisdição, mas
sob o controle desta, quanto à legalidade e garantia de direitos.
Obviamente, o que se propõe aqui é dar, uma noção histórica que possa
situar as formas de solução de conflitos no tempo e as tendências atuais, segundo
as características de nosso país, um Estado Democrático.

3.2 Breve síntese sobre a solução de conflitos na história

3.2.1 A vingança penal

Encontra-se na doutrina do Direito que nos primórdios da humanidade - e


assim por muito tempo - a vingança penal prevaleceu para solução dos conflitos,
período que foi dividido, pedagogicamente, em três fases: vingança privada,
vingança divina e vingança pública.
A vingança privada tem sua origem mais remota, visto que acompanha a
humanidade desde sempre, antes dos grupos sociais formarem-se de maneira mais
51

complexa. A leitura sobre o estado primitivo do homem, em conformidade com a


filosofia contratualista, sobre a qual se aprofundará adiante, dá a noção básica sobre
como inicialmente se resolviam as contendas. Ney Menezes de Oliveira Filho e
Alessandra R. Mascarenhas Prado (2018, p. 1, grifo nosso) aduzem:
A vingança privada consiste, basicamente, em uma forma específica de
reação social, onde a vítima busca a satisfação das suas pretensões
com os seus próprios meios, como uma possibilidade de autotutela ou
autodefesa. Normalmente, associada à barbárie ou a uma prática em uma
“terra sem lei”, ainda é utilizada como meio de controle social em alguns
países, a exemplo do Brasil, escapando à regra do controle social realizado
pelo Estado.

Segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 10), a vingança privada coexistia com
a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação do grupo contra o agressor
diante da ofensa a um de seus membros.
Julio Fabbrini Mirabete (1993, p. 36), por sua vez, descreve que a vingança
privada englobava tanto as reações individuais como as de um grupo,
caracterizadas por respostas que não possuíam proporcionalidade:
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a
reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem
proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu
grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com a
“expulsão da paz” (banimento) que o deixava a mercê dos outros grupos,
que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada
por elemento estranho à tribo, a reação era a da vingança de sangue,
considerada como obrigação religiosa e sagrada, verdadeira guerra movida
pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro,
com a eliminação completa de um dos grupos.

Em comum, concebe-se da leitura dos autores precitados que a vingança


privada trazia o potencial de gerar um ciclo de violência, pois para cada ação
poderia haver uma reação, o que causava grande insegurança tanto internamente
nos grupos, quanto externamente, diante das contendas com tribos ou grupos rivais.
Essa situação de perigo de convulsões sociais e extinção de tribos levou à
necessidade de estabelecerem-se regramentos sociais, que permitissem capitular
infrações e determinar punições proporcionais ao agravo.
Surgiam então os primeiros indícios dos princípios da legalidade e da
proporcionalidade, rezados nos livros de Direito Penal. Mirabete (1993, p. 36)
exemplifica: o Código de Hamurabi dos babilônicos; o Êxodo hebraico; e a Lei
Romana das XII Tábuas. Esses mesmos códices também introduziam a composição
(uma forma de transação penal) como sistema “[...] pelo qual o ofensor se livrava do
castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas etc.)”.
52

Como exemplo, do Velho Testamento bíblico extrai-se o princípio de talião,


que buscava dar ao infrator uma sanção proporcional ao agravo. O princípio é
encontrado no livro de Levítico, verso 24,19-20, que asseverava: “Quando também
alguém desfigurar o seu próximo, como ele fez assim lhe será feito. Quebradura por
quebradura, olho por olho, dente por dente” (ALMEIDA, 2009a, p. 131, grifo
nosso).
A vingança divina representa a fase em que a religião e o misticismo
prevaleceram na cultura de povos, principalmente em tempos primitivos, tendo como
guias os sacerdotes e os líderes religiosos, os quais eram também encarregados da
aplicação das punições “estabelecidas pelas divindades” aos ofensores dos valores
e da crença. Mirabete (1993, p. 36) explana a respeito:
A fase da “vingança divina” deve-se a influência decisiva da religião na vida
dos povos antigos. O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde
os seus primórdios, já que deveria reprimir o crime como satisfação aos
deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por
delegação divina era aplicado pelos sacerdotes, que infligiam penas
severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação.
Legislação típica é o Código de Manu, mas adotados também na Babilônia,
no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia
(Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).

Nota-se que o Estado, diferentemente do que acontece hoje em grande


parte dos países, não era laico, sendo que a religião ditava as leis e suas severas
punições, que não se limitavam a privação da liberdade, mas infligia castigos
corpóreos e até mesmo a pena de morte.
A justificativa era a necessidade de aplacar a ira dos deuses em face dos
atos do transgressor.
Numa época mística e ainda de pouco conhecimento dos fenômenos
naturais, muitas tragédias eram consideradas como castigo dos deuses, conforme
explica Antonio Carlos Wolkmer (2016, p. 18):
O receio da vingança dos deuses, pelo desrespeito aos ditames, fazia com
que o direito fosse respeitado religiosamente. Daí que, em sua maioria, os
legisladores antigos (reis sacerdotes) anunciaram ter recebido as leis do
deus da cidade. De qualquer forma o ilícito se confundia com a quebra da
tradição e com a infração ao que a divindade havia proclamado.

No entanto, com a evolução social e o maior conhecimento dos fenômenos


naturais, o poder concentrado nas mãos dos sacerdotes passou, gradativamente,
aos soberanos, representados, entre outros, por reis, imperadores e patriarcas, que
se tornaram os representantes maiores dos Estados, inaugurando-se, de forma
anacrônica nas diversas sociedades históricas, o período da vingança pública.
53

Assim, o papel de resolução das contendas em determinado momento, em


cada sociedade, passou do indivíduo para os Governantes, estabelecendo-se um
pacto social entre o particular e o ente público, em que o primeiro abria mão da
autotutela e concedia o poder de solucionar os conflitos ao Estado.
Neste sentido, Diniz (2007, pg. 11) explica, que o “[...] Estado passou, então,
a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a
aceitar a composição, renunciando à vingança”.
Na fase da vingança pública, mesmo seguindo-se, de forma relativa, os
princípios de proporcionalidade e legalidade, permaneceram os duros códigos
punitivos, tal como ocorria no período da vingança divina.
Essas leis duras e desumanas prevaleceram por muito tempo e ainda
existem nos dias de hoje, principalmente em países menos democráticos, que
tendem a respeitar menos os direitos fundamentais e a liberdade dos indivíduos.
A história é pródiga em ilustrar o rigor e desproporcionalidade das penas,
caracterizadas pela crueldade e desumanidade, impondo intenso sofrimento àqueles
que transgrediam a lei.
Eram comuns as punições públicas, inclusive as de morte. Na Grécia, o
filósofo grego Sócrates foi condenado e sentenciado à morte, em 399 a.C., e a
execução da pena deu-se pela ingestão de um cálice que continha um veneno
denominado cicuta. José Américo Motta Pessanha (1987, p. 8) lembra,
transparecendo certa ironia, que a “[...] acusação era grave: não reconhecer os
deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude”.
A crucificação romana, que veio a tornar-se um símbolo cristão, traduzia-se
na condenação à morte acompanhada de crueldade e tortura. O caso mais célebre,
o de Jesus Cristo, no século I. “E por cima dele estava escrita a sua acusação: O
REI DOS JUDEUS” (ALMEIDA, 2009b, p. 63).
Outra característica do sistema de vingança pública era a prevalência de
sistemas inquisitoriais. A vontade da vítima independia na apuração da ofensa,
como mostra Wolkmer (2006, p. 2011):
Caracterizado encontra-se, portanto, o sistema inquisitório. Inspirado nos
procedimentos adotados pela Igreja desde o século XIII e acrescido da
tortura herdada do direito romano. Este período da história do direito é
denominado de “vingança pública”, no qual- diferentemente do sistema
acusatório em que a vítima era a principal interessada na punição de seu
ofensor - o soberano vem substituir a vítima. O crime passa a ser uma
ofensa não de um indivíduo a outro, mas ao Estado.
54

Enfim, ao pesquisar sobre o assunto, prima facie, pode ocorrer uma noção
equivocada que os períodos da vingança penal seguem uma ordem cronológica.
Na verdade, esse sincronismo não é tão óbvio, vez que é possível verificar,
por exemplo, que após o Império Romano, um dos berços do Direito e referência do
sistema de vingança pública, houve o retorno da vingança divina, no período em que
a Igreja Romana ganhou poder, a qual decidia, em um sistema inquisitorial, as
punições e indulgências a serem pagas pelos hereges16 e “pecadores”.
Do mesmo modo, na Europa dos séculos XV ao XVIII, também sob o
fundamento religioso, houve a perseguição às consideradas bruxas, que eram
condenadas a morrer queimadas em locais públicos.
A mais famosa delas, Joana D´Arc, que “[...] foi queimada em praça pública
ao ser acusada de heresia e feitiçaria por um tribunal eclesiástico inglês e francês.
Na época, ela tinha somente 19 anos” (BATISTOT, 2018).
Assim, pode-se perceber que mesmo depois de a vingança pública passar a
prevalecer em muitos reinos e países, a vingança divina persistiu em tantos outros e
ainda encontra eco em muitas nações.

3.2.2 Teoria do Contrato Social

A Teoria do Contrato Social, segundo Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e


Gianfranco Pasquino (1998, p. 272), fundamentou-se na necessidade dos indivíduos
abrirem mão de parcela – ou até mesmo da integralidade - de seus direitos, em favor
do Estado, que se colocaria sobre todos, para decisão das questões sociais na
busca do bem comum.
Apesar de mentes discordantes, como o célebre filósofo germânico Georg
Wilhelm Friedrich Hegel17, a corrente contratualista apresenta uma coerência que
parametriza a evolução da resolução dos conflitos desde os grupos humanos mais
remotos até o surgimento do Estado.
Como noção inicial sobre o contratualismo, invoca-se o texto de Bobbio,
Matteucci e Pasquino (1998, p. 272):

16
Herege é aquele que professa uma heresia ou pratica doutrinas contrárias aos dogmas
concebidos pela igreja (DICIO, 2020).
17
Hegel rejeita a teoria contratualista de formação do Estado e da Alienação como relação recíproca
de cessão e troca (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p.20)
55

Em sentido muito amplo o Contratualismo compreende todas aquelas


teorias políticas que veem a origem da sociedade e o fundamento do poder
político (chamado, quando em quando, potestas, imperium, Governo,
soberania, Estado) num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso
entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado
natural e o início do estado social e político.

Essa corrente, desenvolvida entre os séculos XVI e XVIII, teve como


principais expoentes os ingleses Thomas Hobbes e John Locke e o francês Jean
Jacques Rousseau.
Em um período de transição entre os governos absolutista18 e a emersão do
Iluminismo, cujo principal demarcador foi a Revolução Francesa, os três filósofos
políticos mencionados, em sua construção teórica, coincidiram em abordar a
formação da sociedade, que partia do “estado de natureza”, ou seja, o estado
primitivo do homem, desde sua origem, e a mudança para um estado posterior, com
a instituição de um poder político, sob o Estado, decorrente de um pacto dos
indivíduos, com a concordância de submeterem-se às regras do ente abstrato.
No entanto, as semelhanças param por aí e emergem conceitos e
conclusões diferentes de cada filósofo.
Para Thomas Hobbes, o homem, em seu estado de natureza, era mau e
egoísta, vivendo em constantes lutas, sem se subordinar a regras, o que não
permitia que as pessoas pudessem conviver harmonicamente, com plena liberdade,
abrindo espaço para estabelecimento de uma situação de caos.
Para fugir desse estado caótico, segundo Hobbes, os indivíduos viram a
necessidade de regrar o convívio social a fim de obter a paz, abrindo mão de sua
parcela de liberdade em favor do “homem artificial”, no qual depositaram as
incumbências de promover a segurança civil do povo, de estabelecer leis e de
garantir a ordem: “Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e
através disso sua própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual
chamamos Estado” (HOBBES, 2003).
Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 5) descrevem que a visão de
Hobbes centrava-se no Absolutismo do Estado, que predominava em sua época, o
qual, nada mais era que a projeção do Absolutismo natural da relação exclusiva
existente de homem para homem. Os autores complementam: “A legitimação que

18
Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 11) a expressão Absolutismo foi difundida na
primeira metade do século XIX para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder
monárquico ilimitado e pleno.
56

daí resulta é a mais radical jamais concebível, pois que afunda suas raízes na
própria natureza humana e na ‘analogia das paixões’ próprias do homem individual”.
Esse estado despótico comandando pelo rei absolutista, com pleno poder
para agir e tomar decisões sobre o povo, não importando os direitos individuais de
cada um, é sintetizado por Hobbes na sua obra Leviatã (HOBBES, 2003), escrita em
1651.
A capa da obra (Figura 2) ilustra o Leviatã (o Estado), cujos elementos
trazem suas significações.
Em suma: a coroa representa as leis; a espada a força militar do rei; o cedro
a religião; o povo compõe as vestimentas do rei, significando que o poder do rei vem
do povo; e o gigantismo da figura do rei indica que impera sobre toda a terra e suas
cidades.

Figura 2 Capa original da


obra Leviatã (1651)

Fonte: THOMAS HOBBES, 2019.

Revela-se, dessa forma, o rei absoluto, traduzido na frase escrita em latim:


"Non est potestas super terram quae comparetur ei", que significa: “Não há poder na
Terra que se compare a ele".
O inglês John Locke veio à cena um pouco antes de seu compatriota
Hobbes, no entanto, sua visão destoa deste, pois vislumbra um Estado menos
tirânico e maior liberdade dos indivíduos: o Estado liberal.
57

Para Locke, o homem, individualmente, não era mau nos tempos remotos,
no entanto, era inseguro, em razão de viver sob um estado de beligerância.
Sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil (LOCKE, 2001), escrita em
1689, traz suas reflexões sobre esse estado de guerra:
O estado de guerra é um estado de inimizade e de destruição; por isso, se
alguém, explicitamente ou por seu modo de agir, declara fomentar contra a
vida de outro homem projetos, não apaixonados e prematuros, mas calmos
e firmes, isto o coloca em um estado de guerra diante daquele a quem ele
declarou tal intenção, e assim expõe sua vida ao poder do outro, que pode
ele mesmo retirá-la, ou ao de qualquer outro que se una a ele em sua
defesa e abrace sua causa; é razoável e justo que eu tenha o direito de
destruir aquele que me ameaça com a destruição.

Por essa concepção, no estado de guerra, qualquer um que se sentisse


ameaçado passaria a ter direito de eliminar o seu oponente, o que reporta à
vingança privada e ao exercício da autotutela.
Como resultado da realidade estrutural que transformou pequenos grupos
em sociedades mais complexas, em face da busca do estado de paz e convivência
harmoniosa dos indivíduos, em oposição ao estado de guerra, surgiu o Estado como
soberano, guiando a todos, porém, não da forma despótica vislumbrada por Hobbes,
mas, sim, como garantidor dos direitos e liberdades individuais, sob um governante
civil.
Na visão de Locke, segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 275), a
sociedade civil tendia a garantir sua própria racionalidade jurídica e já participava
diretamente do Poder legislativo, opondo-se o direito como limite - ou os direitos
naturais.
Dessa forma, Locke especializa alguns direitos - a vida, a liberdade (de
todas as formas, incluindo a de pensamento e expressão) e a propriedade privada -
e trata-os como alienáveis e indisponíveis, os quais devem ser preservados e
tutelados pelo Estado.
E assim, na compreensão de Locke, o contrato social deveria ser
estabelecido de forma que esses direitos fossem garantidos pelos representantes
eleitos pelos votos dos cidadãos, ou seja, já se seguindo um princípio de democracia
representativa sob a égide de um Governo Civil.
Por fim, Jean Jacques Rousseau, que ganhou evidencia no coração da
revolução francesa e no auge do pensamento iluminista, expressou suas ideias na
obra Do Contrato Social (ROUSSEAU, 2002). O entendimento de Rousseau
convergia no sentido de que o estado de natureza do homem é bom e o que o muda
58

são as relações sociais. Ou seja, se o homem viesse a se tornar mau, isso seria
consequência das influências advindas do ambiente em que vivia. Assim, uma
sociedade harmônica e equilibrada traria um ambiente propício à convivência
pacífica dos indivíduos.
Nessa linha, a vida em sociedade era vista por Rousseau (2002, p. 9) como
necessária, pois, sozinho, o indivíduo não teria condições de subsistir:
Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos,
prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua
resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo
a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem
condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua
maneira de ser.

Dessa maneira, Rousseau (2002, p. 9) via como necessária a “[...] soma de


forças” para a sobrevivência de cada um, a constituir-se uma verdadeira associação
entre os indivíduos:
Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de
associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros
quanto a assembleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua
unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. A pessoa pública, formada
assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade, e
toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus
membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade,
quando comparado a seus semelhantes.

Diferentemente do pensamento de Locke, que vislumbrava uma democracia


representativa, o francês invocava a ideia de que a democracia deveria ser
participativa, em que o Estado, em virtude do contrato social, teria a obrigação de
fazer tudo que o povo lhe determinasse diretamente. Ou seja, o Estado deveria
concentrar a vontade do povo.
Outra distinção entre Rousseau e Locke concernia à propriedade privada, à
qual o francês mostrava-se contrário por entender ser um instrumento de
desigualdade social. Apreende-se da obra de Rousseau que os direitos
fundamentais do indivíduo devem ser preservados e a voz de cada um deve ser
ouvida na sociedade constituída.
Sinteticamente, da análise dos contratualistas é possível inferir a evolução
de um estado mais rigoroso para um mais humanizado, porque as penas do Estado
absolutista, testemunhado por Hobbes, eram aplicadas de forma despótica, porém,
observou-se a tendência à democracia e ao respeito dos direitos individuais,
defendidos por Locke e Rousseau, em especial, na garantia da vida e da liberdade
de cada cidadão.
59

Do mesmo modo que nem todo o CONTRATUALISMO é democrático,


assim nem todo o democratismo é contratualista. Isto é certo na medida em
que o CONTRATUALISMO representa, em algumas das suas mais
conhecidas expressões, um dos grandes filões do pensamento democrático
moderno. [...] Através da teoria da soberania popular, a teoria do
CONTRATUALISMO entra de pleno direito na tradição do pensamento
democrático moderno e torna-se um dos momentos decisivos para a
fundação da teoria moderna da democracia (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 1998, p. 426, grifo nosso).

Especialmente no mundo ocidental, a visão democrática e o olhar aos


direitos individuais também repercutiram no campo de resolução de conflitos,
afastando-se o rigor das punições que se via no período da vingança penal e
caminhando-se em direção a penas mais humanizadas, buscando extinguir as
punições corpóreas e mitigar as privativas de liberdade.
Embora não tenha resultado em um estado de perfeição democrática, em
face do desalinho entre práticas e discurso, o Iluminismo foi, indiscutivelmente, um
momento de evolução humana no que tange aos direitos individuais. Esse ponto de
inflexão na História será discutido a seguir.

3.2.3 Iluminismo

A Revolução Francesa de 1789 foi um marco representativo de uma série de


mudanças sociais, políticas, religiosas e culturais (a exemplo do Renascimento, a
Reforma Protestante, o Humanismo, entre outros movimentos) ocorridas durante a
Idade Moderna19, período em que ocorreu um verdadeiro rompimento com as
práticas da Idade Média (também conhecida como a idade das trevas),
caracterizada pelo poder da Igreja Católica e pelas sociedades feudais.
Aproximando-se do período de transição da Idade Moderna para a
Contemporânea, ganha destaque o Iluminismo20, movimento do século XVIII, que
apresentava como ideais os três pilares ideológicos que se levantaram para
sustentação da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 299).

19
Periodização da História (PERIODIZAÇÃO..., 2020): Pré-História, a Idade Antiga (iniciada com a
invenção da escrita, por volta de 4.000 a.C); Idade Média (a partir da queda do Império Romano,
em 476); Idade Moderna (inaugurada pela Tomada de Constantinopla, ocorrida em 1453); Idade
Contemporânea (marcada pela Revolução Francesa de 1789).
20
De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 605), o termo Iluminismo indica um
movimento de ideias que tem suas origens provavelmente no século XVII, mas que se desenvolve
especialmente no século XVIII, denominado por isso o "século das luzes". Esse movimento visava
a estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, a luta da "luz" contra as "trevas".
60

Em que pese uma série de contestações que pode transversalizar este


assunto, os quais não convêm trazê-los à baia neste estudo, é fato que esse tripé
ideológico trouxe para as questões sociais, políticas e econômicas a importância do
respeito ao ser humano, da igualdade entre as pessoas, do olhar fraterno e da
valorização da liberdade. Uma das maiores personalidades iluministas de destaque
é Jean Jacques Rousseau, sobre quem já se discorreu, quando abordada a Teoria
do Contrato Social.
O Iluminismo também incidiu no campo do Direito Penal, tendo como
principal representante o italiano Cesare Beccaria (1738-1794), que se tornou
célebre por sua crítica e contestação ao sistema punitivo que vigia na Europa,
herdado do império dos soberanos absolutistas.
As ideias de Beccaria inspiraram e influenciaram uma nova visão,
humanizadora das penas, e foram condensadas em sua obra mais conhecida,
escrita em 1764, intitulada Dos Delitos e das Penas (BECCARIA, 2001).
Sua filosofia penal coincide com uma série de mudanças que se sucederam
na Europa e no Ocidente, em especial, nos Estados democráticos, em que se
buscou compatibilizar as penas aos delitos praticados, de forma a eliminar as penas
corpóreas, degradantes e de trabalhos forçados, bem como abolir a pena capital (de
morte), embora este tipo de penalização persista em determinados países.
O saudoso professor, sociólogo, advogado e historiador brasileiro Nélson
Jahr Garcia faz o prefácio na obra de Beccaria utilizada neste estudo (BECCARIA,
2001, p. 3) e mostra a importância insurrecta do italiano:
Dos delitos e das penas é uma obra que se insere no movimento filosófico e
humanitário da segunda metade do século XVIII, ao qual pertencem os
trabalhos dos Enciclopedistas, como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e
tantos outros.
Na época havia grassado a tese de que as penas constituíam uma espécie
de vingança coletiva; essa concepção havia induzido à aplicação de
punições de consequências muito superiores e mais terríveis que os males
produzidos pelos delitos. Prodigalizara-se a prática de torturas, penas de
morte, prisões desumanas, banimentos, acusações secretas.
Foi contra essa situação que se insurgiu Beccaria. Sua obra foi elogiada por
intelectuais, religiosos e nobres (inclusive Catarina da Rússia). As críticas
foram poucas, geralmente resultantes de interesses egoísticos de
magistrados e clérigos. A humanidade encontrava novos caminhos para
garantir a igualdade e a justiça.

Um dos princípios que decorrem da análise da obra de Beccaria é o da


intervenção mínima do Direito Penal, ou seja, que somente os bens jurídicos
considerados importantes e necessários à sociedade devem ser tutelados por esse
61

ramo do Direito, trazendo a ideia de que a punição deveria ser permeada de


utilidade social e se opor à concepção do direito de vingança.
Beccaria (2001, p. 31) opunha-se também à crueldade das penas e sua
pouca efetividade para prevenção criminal:
A crueldade das penas produz ainda dois resultados funestos, contrários ao
fim do seu estabelecimento, que é prevenir o crime.
Em primeiro lugar, é muito difícil estabelecer uma justa proporção entre os
delitos e as penas; porque, embora uma crueldade industriosa tenha
multiplicado as espécies de tormentos, nenhum suplício pode ultrapassar o
último grau da força humana, limitada pela sensibilidade e a organização do
corpo do homem.
Além desses limites, se surgirem crimes mais hediondos, onde se
encontrarão penas bastante cruéis?
Em segundo lugar, os suplícios mais horríveis podem acarretar às vezes a
impunidade. A energia da natureza humana é circunscrita no mal como no
bem. Espetáculos demasiado bárbaros só podem ser o resultado dos
furores passageiros de um tirano, e não ser sustentados por um sistema
constante de legislação. Se as leis são cruéis, ou logo serão modificadas,
ou não mais poderão vigorar e deixarão o crime impune.

O célebre filósofo francês Michel Focault, em sua conhecida obra titulada


Vigiar e Punir, escrita em 1975, ilustra essa tendência apontada por Beccaria, de
passagem das penas corpóreas para as de privação de direitos:
Mas a relação castigo-corpo não é idêntica ao que ela era nos suplícios. O
corpo encontrasse aí em posição de instrumento ou de intermediário;
qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho
obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo
tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo
é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de
interdições. O sofrimento físico e a dor do corpo não são mais os elementos
constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações
insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos (FOUCAULT,
1987, p. 15, grifo nosso).

Na mesma obra, Foucault (1987, p. 20), cita que o afrouxamento da


severidade penal é um fenômeno bastante conhecido dos historiadores do Direito,
visto durante muito tempo como um fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais
suavidade, mais respeito e “humanidade”. Esse afrouxamento mencionado por
Foucault e pregado por Beccaria ficou mais evidente no tempo do Iluminismo, com
influências inclusive no Brasil imperial e em nossa primeira Constituição, de 1824.

3.2.3.1 Repercussão do Iluminismo no Brasil

Viu-se, em momento anterior deste estudo, que houve um período da


humanidade em que predominou a vingança pública, com suas cruéis penitências, e
isso não foi exclusividade de povos ancestrais e estrangeiros.
62

O Brasil, desde o período colonial, ainda no Século XVIII, também refletia o


que ocorria em países do velho continente, com práticas herdadas da Coroa
Portuguesa, caracterizadas pela desproporção das penas, pelos dúbios processos
acusatórios, pelo desrespeito aos direitos humanos e pela discutível efetividade
correcional.
Abundavam punições cruéis e desumanas, penas de morte, banimentos e
torturas. Algumas dessas penas, por exemplo, eram objeto da lei portuguesa vigente
no Brasil colonial (COSTA et al., 2011): as Ordenações Afonsinas (1438), as
Ordenações Manuelinas (1513) e as Ordenações Filipinas (1603).
Nas Ordenações Afonsinas, por exemplo, o crime de lesa majestade21
infligia aos infratores penas de açoites em público, exílio e pena de morte.
Porém, assim como na Europa ocidental, os primeiros sinais no sentido de
humanização das penas começavam a surgir no Brasil, onde os movimentos
iluministas também vieram a exercer grande influência, principalmente após a
independência do país, ocasião em que as leis tenderam a estipular penas mais
amenas e humanizadas, bem como a revogar as incompatíveis.
Assim ocorreu com o advento de nossa primeira Constituição de 1824, que
revogou as Ordenações Filipinas.
Naquela Constituição, destaca-se o artigo 179, XIX, que versava: “Desde já
ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais
penas cruéis” (NOGUEIRA, 2012, grifo nosso).
Dessa forma, o Brasil - apesar de alguns hiatos históricos de autoritarismo
que serão discutidos - inseriu-se em um contexto de respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana, cujas Constituições e legislações, em especial as
de natureza penal, seguiram a tendência de despenalização ou conversão de penas
privativas de liberdade em restritivas de direito.

3.2.4 Do Século XX aos dias atuais

Apesar das muitas guerras e dos grandes conflitos mundiais, cuja tecnologia
aumentou as possibilidades de dano, no Século XX os ideais humanistas ganharam
espaço, evidenciando-se a aptidão dos países, em especial os democráticos, no

21
Crimes de lesa majestade, em suma, referiam-se aos delitos previstos nas Ordenações Afonsinas
praticados contra o Imperador ou a Coroa Portuguesa (EIRA, 2016).
63

sentido de valorizar os direitos e liberdades dos indivíduos, o que também se tornou


objeto e foco nas resoluções dos conflitos existentes em nossa sociedade.
Na Europa, a Revolução Industrial impulsionou o mercado de trabalho e as
relações capitalistas, emergindo a tendência de substituição da mão de obra escrava
por trabalhadores assalariados.
O impulso do pensamento iluminista, apesar de alguns fracassos e
distorções, principalmente pelo desacordo das práticas em relação à pregação
liberal, repercutiu em prol de uma sociedade cada vez mais desperta para a
necessidade de respeito aos direitos individuais.
O progresso da diplomacia e as ameaças às soberanias das nações perante
um mundo caótico, com potencial destrutivo nunca antes visto, fizeram os países
convergirem no sentido de estabelecerem uma sede comum de discussão dos
problemas de nosso planeta, que resultaram, após a 2ª Guerra Mundial, na fundação
das Organizações das Nações Unidas, inicialmente constituída por cinquenta e um
Estados-membros, e que conta atualmente com cento e noventa e três países.
Essa conjunção internacional levou a diversas discussões, incluindo aquelas
em prol dos direitos dos povos e, consequentemente, a pôr sobre a mesa de debate
a necessidade do respeito à dignidade da pessoa humana.
Dessas conferências surgiu a conhecida Declaração Internacional dos
Direitos Humanos, que inspirou muitos dos textos legais e constitucionais adotados
na legislação Brasileira. A Carta Internacional é de caráter principiológico e delas
aqui se destacam alguns artigos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948):
Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade [...].
Artigo 5. Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante [...].
Artigo 9. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado [...].
Artigo 21. [...] 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço
público do seu país [...].
Artigo 29. [...] 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser
humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito
dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da
moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

Os extratos acima dão noção do baldrame comum que sustentava as


diretrizes norteadoras a serem seguidas pelos países signatários da Declaração,
entre os quais se inclui a República Federativa do Brasil.
64

O Brasil também subscreve o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de


novembro de 1969, assinado durante a Convenção Americana dos Direitos
Humanos e objeto de reprodução pelo Decreto Federal nº 678, de 6 de novembro de
1992, no qual os Estados Americanos reafirmam “[...] seu propósito de consolidar
neste Continente, dentro do quadro das Instituições democráticas, um regime de
liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos
essenciais” (BRASIL, 1992).
No artigo 1º do aludido Pacto, as Nações Americanas que o assinam
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades individuais, com a garantia da
jurisdição e sem discriminação alguma, de qualquer natureza.
Antes e depois das Cartas Internacionais mencionadas, verifica-se na
legislação brasileira um aspecto peculiar, que oscila entre avanços e retrocessos no
campo dos direitos humanos. A conturbada História Nacional é ilustrada pelo
número excessivo de Constituições (foram sete no total), fruto de constantes
conflitos de tomada de poder e golpes de Estado, sob uma cultura fortemente
influenciada por ideologias de todos os tipos.
Nesse período, dois momentos são os mais contestados no tocante à
violação dos direitos humanos: o regido pela Constituição de 1937, que estabeleceu
o Estado Novo, sob o governo ditatorial de Getúlio Vargas, que perdurou até 1946; e
o de vigência da Constituição de 1967 (CAVALCANTI; BRITO; BALEEIRO, 2012),
marcado pelo Governo de Regime Militar de governo, que perdurou por vinte e um
anos, contestado pela violação dos direitos humanos fundamentais, envolto em
acusações de repressão policial e de perseguição política, bem como da prática pelo
Estado de torturas, sequestros e homicídios.
Em 1985 ocorreu a transição política, voltando o Governo do país às mãos
dos civis, com a assunção de José Sarney, que herdou a Presidência da República
em razão do falecimento de Tancredo Neves, antes de tomar posse, o qual havia
sido o vencedor das eleições indiretas ocorridas no ano anterior.
Três anos depois, no dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a
Constituição Federal hoje vigente, que se mostrou próspera sob a ótica dos direitos
fundamentais, quando comparada às anteriores.
Dessa forma, a legislação brasileira caminhou a solavancos entre
concessões e supressões de direitos, porém, hoje, converge cada vez mais no
sentido da garantia de direitos fundamentais dos indivíduos. As penas de morte e
65

corpóreas foram extintas e afasta-se cada vez mais a possibilidade de penalização


com privação da liberdade do indivíduo, em especial, no que diz respeito a situações
de menor gravidade.
Como se verá adiante, a solução dessas pequenas infrações caminha no
sentido de menos emprego da jurisdição e mais empoderamento das partes
para resolverem seus próprios conflitos, por meio da autocomposição,
reservando ao Estado-Juiz o papel de auditar e garantir os direitos e o equilíbrio
entre as partes, a fim de evitar a intercorrência de arbitrariedades no processo
resolutivo.
As sociedades vivem em constantes mudanças e no mundo contemporâneo,
cada vez mais, imprime-se velocidade a essa metamorfose hodierna, o que exige a
busca permanente de novos métodos e práticas que atendam às necessidades das
pessoas, em especial, naquilo que tange à proteção dos seus direitos fundamentais.
No entanto, esse amplo espectro de direitos e garantias deve também se
voltar em favor das pessoas vitimadas pelos delitos, sejam mais ou menos graves, e
nesse sentido surgem os métodos consensuais de resolução de conflitos, que se
apresentam como um caminho tendente a assumir protagonismo no mundo jurídico,
não sendo absurdo inferir que no futuro esses instrumentos deixem de ser
alternativos e tornem-se os principais meios de solução de contendas, em especial,
atinentes aos crimes de menor gravidade.

3.3 Principais meios de resolução de conflitos na história

Historicamente, de maior consenso doutrinário, as soluções de lides


evidenciaram-se em três processos, que se instituíram naturalmente ou por meio do
Estado: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição.

3.3.1 Autotutela

Como já visto, o homem, em seu estado primitivo, não vivia sob a égide de
um Estado e a vingança privada era o modo mais comum de se resolver os conflitos,
ou seja, as pessoas ou grupos ofendidos resolviam as questões da forma que
melhor lhes aprouvesse e conforme suas forças permitissem.
66

Um indivíduo lesionado poderia se vingar e matar o seu agressor ou, até


mesmo, um familiar deste. Essa vingança podia ser promovida também pelos grupos
ao qual pertencia o ofendido ou seus familiares. Enfim, não havia regra e,
obviamente, dava-se azo para arbitrariedades, pois vigia o império da força.
Assim, as contendas surgidas - fossem de natureza política, econômica,
social ou particular - acabavam por ser decididas pela imposição da força de uma
pessoa ou de um grupo, que, independente de lhe assistir razão, reprimia a parte
mais fraca, em face da ausência de um Estado que pudesse dar equilíbrio e
proporção a essa relação.
Essa imposição de uma força sobre outra antagônica, para solução de um
conflito, é o que se conhece por autotutela22.
Maurício Godinho Delgado (2002, p. 663) traz clareza sobre o conceito, ao
dizer que “[...] a autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar,
unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à
própria comunidade que o cerca”.
A autotutela, por ser imposta por uma das partes e sujeita a arbitrariedades,
era de natureza precária e não trazia uma solução segura, à medida que deixava
uma parte ou grupo insatisfeito, nutrido do sentimento de vingança.
Essa insegurança, que coaduna com as ideias de John Locke sobre o
estado primitivo do homem, fez com que a autotutela perdesse força, de forma a
emergir o Estado como decisor das causas particulares:
Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter
haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por
si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos
criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado
chamou para si o jus punitionis, ele o exerceu, inicialmente mediante seus
próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas
imparciais independentes e desinteressadas (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 2010, p. 27).

De forma geral, o exercício da autotutela tornou-se cada vez mais diminuto,


e o papel da vingança penal foi assumido pelo Estado, o qual se encarregava de
devolver o mal ao transgressor, predominando assim o caráter retributivo das
sanções. Em outras palavras, a vingança privada, que era promovida pelos próprios
cidadãos, deu espaço à vingança pública e passou o Jus Puniendi (o direito de
punir) às mãos do Estado.

22
Não se pode confundir a autotutela, como método histórico de resolução de conflito, com o
princípio da autotutela da Administração Pública tratado no Direito Administrativo.
67

Hoje, porém, ainda se encontra no Direito pátrio o funcionamento da


autotutela, porém, em condições regradas e sujeitas ao crivo da jurisdição. É o caso
do flagrante facultativo, que confere a qualquer pessoa possibilidade de prender
quem esteja no cometimento de crime, nas condições do artigo 301 do Código de
Processo Penal Brasileiro (CPP), e o exercício da legítima defesa, conforme
disposto no artigo 25 do Código Penal (CP).
De outro lado, sem que haja a excludente da ilicitude, a autotutela – no
sentido de imposição de uma decisão arbitrária de uma pessoa sobre outra – é
considerada crime, de acordo com a redação do artigo 345 do CP: “Art. 345. Fazer
justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo
quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além
da pena correspondente à violência”.
Nesse sentido, Delgado (2002, p, 663) esclarece que, contemporaneamente,
a cultura ocidental tem restringido, ao máximo, as formas de exercício da
autotutela, transferindo ao aparelho de Estado as diversas e principais modalidades
de exercício de coerção.

3.3.2 Autocomposição

Segundo Cintra, Dinamarco e Grinover (2010, p. 29), a autocomposição, que


é o estabelecimento de acordo entre as partes, diretamente ou mediante a
intermediação de um terceiro, é tão antiga quanto à autotutela, ambas precedendo a
jurisdição.
Delgado (2002, p. 664) elucida que a autocomposição ocorre quando o
conflito é solucionado pelas próprias partes, sem intervenção de outros agentes no
processo de pacificação da controvérsia. O autor explica que a autocomposição, na
qual não há exercício de coerção, pode decorrer do despojamento unilateral de uma
vantagem em favor de outrem, da aceitação ou resignação de uma das partes ao
interesse da outra ou, ainda, da concessão recíproca entre os envolvidos.
Verifica-se assim haver alguns elementos que permeiam o instituto da
autocomposição, que se baseia em renúncia voluntária de um direito ou vantagem
de uma das partes, ou em concessões mútuas compensatórias, concorrendo para
uma solução amigável.
68

A autocomposição demonstrou ser uma evolução da civilização e trouxe ao


cenário social e jurídico a resolução de conflitos pelo acordo mediante consenso
entre as partes, com maior possibilidade de satisfazer as partes envolvidas, sem
lhes deixar o sentimento de que tenha havido um vencedor e um derrotado na
questão.
Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha (2017, p. 187) trazem a
ideia de sacrifício espontâneo do interesse por uma ou todas as partes: “É a forma
de solução de conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contempladores
em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio”.
Os autores arrematam que a autocomposição é “[...] a solução altruísta do
litígio. Considerada, atualmente, como prioritária forma de pacificação social”
(DIDIER JÚNIOR; CUNHA, 2017, p. 187, grifo nosso).
Há autores, como Cesar Augusto de Castro Fiúza, Maria de Fátima Freire de
Sá e Ronaldo Brêtas C. Dias (2001, p. 91), que entendem ser impróprio classificar
um conflito mediado como autocomposição, cuja melhor definição recairia na
expressão heterocomposição.
Nossa visão diferencia-se desses autores e aproxima-se mais do conceito
dado por outra corrente doutrinária, que define a participação de uma terceira
pessoa em auxílio à resolução de uma lide como autocomposição mediada,
consoante o posicionamento de Alexandre Araújo Costa (2003, p. 175, grifo nosso):
Conciliação e mediação são dois termos que sempre são utilizados nas
teorias que tratam dos métodos de enfrentamento de conflitos que aqui
chamamos de autocomposição mediada. A palavra mediação acentua o
fato de que a autocomposição não é direta, mas que existe um terceiro que
fica “no meio” das partes conflitantes e que atua de forma imparcial. A
palavra conciliação acentua o objetivo típico desse terceiro, que busca
promover o diálogo e o consenso. Assim, para o senso comum, não
pareceria estranha a ideia de que o mediador tem como objetivo promover a
conciliação, havendo mesmo muitos autores tanto brasileiros como
estrangeiros que tratam esses termos como sinônimos. Porém, na tentativa
de acentuar as diferenças existentes entre as várias possibilidades de
autocomposição mediada, são vários os autores que buscam diferenciar
conciliação de mediação, ligando significados diversos a esses termos.

No Brasil, doutrinária e juridicamente, a autocomposição é entendida, em


sentido amplo, como um processo de resolução de conflitos envolvendo partes
contendoras, que podem estabelecer uma negociação (sem intermediários) ou com
participação de uma terceira pessoa neutra para facilitar essa solução, por meio da
arbitragem, da conciliação ou da mediação.
69

Sobre essa neutralidade, o princípio da impessoalidade do terceiro surgiu


com o tempo, por questões éticas. É o que Costa (2003, p. 177) pontua, ao dizer
que a imparcialidade do terceiro não é uma exigência lógica, mas ética, que
somente faz sentido dentro de uma perspectiva que valorize a subjetividade das
pessoas, que livremente expressem suas vontades, sem pressões externas, como
ameaças ou subornos.
Atualmente, em nosso país, embora de origem remota, a autocomposição
mostra-se um relevante instrumento na resolução do conflito em face da deficiência
da jurisdição para acolher todas as demandas que lhe são apresentadas e por
oferecer soluções mais eficazes, em especial no que tange à pacificação das
relações interpessoais.
Nesse sentido, a autocomposição por meio da conciliação e mediação
tornou-se prática prioritária aos olhos da Justiça Brasileira, fixada como objetivo da
Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, no seu artigo 4º: “[...] Compete ao
Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações
de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da
conciliação e da mediação” (BRASIL, 2010, grifo nosso).
Os métodos autocompositivos serão tratados adiante, mas antes se deve
falar da jurisdição, de forma a compreender como surgiu e qual o seu papel dentro
de um cenário prospectivo.

3.3.3 Jurisdição

Etimologicamente, o termo jurisdição deriva da junção das expressões do


latim: juris (direito) e dicere (dizer). Assim, jurisdição é o poder de dizer o direito,
constituindo-se em uma forma resolutiva de conflito que veio em substituição à
autotutela, marcando a transição da vingança privada para a pública. Cintra,
Dinamarco e Grinover (2010, p. 29) explicam:
[...] o Estado, já suficientemente fortalecido, impõe-se sobre os particulares
e, prescindindo da voluntária submissão destes, impõe-lhes
autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. À atividade
mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os
conflitos dá-se o nome de jurisdição.

Historicamente, depreende-se que com o aparecimento do Estado e sua


evolução, houve a necessidade de se manter o equilíbrio da relação entre os
70

concidadãos, o que exigiu que o poder estatal impusesse-se sobre as pessoas,


inclusive para resolução de seus conflitos, não mais sujeitos a autotutela. Para
decidir sobre essas causas, surge a figura do Juiz.
Em tempos remotos, a jurisdição e o papel de Juiz não se apresentavam da
forma que se tem hoje. Essa função (ou atribuição) era exercida pelos governantes
ou pessoas por ele designadas, o que tornava possível, e até comum, que um
mesmo ente fosse governo, legislador e Juiz. Tourinho Filho (2010, p. 107) mostra
como os atenienses conduziam o Processo Penal:
[...] o Processo Penal se caracterizava “pela participação direta dos
cidadãos no exercício da acusação e da jurisdição, e pela oralidade e
publicidade dos debates”. Alguns delitos graves, que atentavam contra a
própria cidade, eram denunciados ante a Assembleia do Povo, ou ante o
Senado, pelos Tesmotetas, e a Assembleia ou o Senado indicava o cidadão
que devia proceder à acusação.

Esse é somente um exemplo no qual se observa que a jurisdição não era


exercida como um poder independente e muitas vezes se confundia com outras
funções estatais.
Tal situação mudou a partir das ideias de Montesquieu, expressas na teoria
da tripartição dos poderes, conforme indica Tourinho Filho (2010, p. 20): “Para
atingir os seus fins, as funções básicas do Estado - legislativa, administrativa e
jurisdicional - são entregues a órgãos distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário”.
Da própria obra de Montesquieu (2000, p. 167) extrai-se sua explanação
sobre os princípios que regem esse sistema tripartite:
Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder
executivo das coisas que emendem do direito das gentes e o poder
executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o
príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou
anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra,
envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com
o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares.

Em suma, a figura do Estado consolidou-se e os poderes foram


descentralizados com a decadência das nações absolutistas, reservando-se ao
Poder Judiciário o papel de julgamento dos conflitos que afetem os direitos dos
indivíduos e, até mesmo, envolvam o próprio Estado. Dessa forma, os conflitos
originários do direito material encontram no Poder Judiciário, por meio do processo,
o órgão solucionador, a palavra final sobre a lide.
71

Nessa linha, no Brasil, o princípio da jurisdição encontra acolhimento na


Constituição Federal afirma no artigo 5º, XXXV: “[...] a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Ver-se-á, no entanto, que a solução do judiciário pode não ser completa,
porque seus resultados nem sempre concorrem em favor da cura da relação entre
os envolvidos, visto que deixa em aberto fatores que podem concorrer para
reincidência do conflito, inclusive com resultados mais gravosos, concorrentes em
desfavor da paz social e da ordem pública.

3.4 Os métodos autocompositivos para resolução de conflitos

Desde seu advento, a jurisdição tornou-se o principal caminho estatal para


resolução de lides, mas a concentração desse poder mostra-se cada vez mais
sujeita a contestações, em face das dificuldades de lidar com as altas demandas, o
que abriu espaço para a utilização de meios alternativos, que procuram resolver as
questões por meio do consenso e da autocomposição, inclusive na fase que
antecede o processo.
Não se fala aqui de afastamento da jurisdição, mas de um novo papel, bem
descrito pelo Desembargador José Carlos Ferreira Alves, em sua entrevista,
constante do Apêndice I desta pesquisa, cujas palavras são reproduzidas a seguir,
com nosso grifo:
O escopo da Política Pública estabelecida pela [...] Resolução 125, ou seja,
a partir dos meios autocompositivos de solução de conflitos, é o de
propagar uma cultura de paz que se contraponha à litigiosidade inerente à
população que encontrou muita facilidade de recorrer ao Poder Judiciário
após a Constituição de 1988. Noutras palavras, essas atividades hoje
desenvolvidas pelos NUMECs visam fazer com que a atividade
desenvolvida pelo Judiciário não tenha um cunho decisional, mas, sim,
meramente homologatório, fazendo prevalecer a vontade das partes em
detrimento da vontade do Estado.

A jurisdição, portanto, não se afasta com o uso dos métodos


autocompositivos. A prevalência da vontade das partes por meio da autocomposição
fundamenta-se no consenso e transparece ser a melhor forma de solucionar
divergências, contrapondo-se a métodos adversariais.
Sobre os métodos consensuais, e sua diferença em relação aos
adversariais, Bacellar (2012, p. 38, grifos nossos) elucida:
a) métodos consensuais, na forma autocompositiva, são aqueles em que
não há decisão por terceiros e as soluções são encontradas pelos
72

próprios envolvidos – se necessário com auxílio de um terceiro facilitador


imparcial que nada decide e só estimula a manifestação por meio de
indagações criativas, a fim de que os próprios interessados encontrem suas
respostas. [...]
b) métodos adversariais, na forma heterocompositiva, são aqueles em que
as soluções independem da vontade dos litigantes e são tomadas por
um terceiro a partir da colheita de informações, produção de provas e da
análise dos argumentos materializados nos pedidos, contestações,
impugnações, agravos, embargos por eles apresentados.

Assim, quanto aos métodos adversariais, as decisões não são dos


envolvidos, mas de um terceiro, normalmente, um Juiz ou árbitro estabelecido.
Nos métodos consensuais, por sua vez, a decisão pode ser promovida
diretamente pelas partes envolvidas (negociação), ou mediante o auxílio de um
terceiro (mediação ou conciliação).
Porém, cabe pontuar que mesmo na arbitragem, que será objeto de
discussão, existe a possibilidade de consenso, não em relação à decisão, mas no
que se refere à eleição e estabelecimento do árbitro.
Os métodos autocompositivos são práticas assumidas nas últimas décadas
em vários países, alternativos à jurisdição, conforme se depreende do texto do Juiz
Federal da Bahia, Pedro Alberto Calmon Holliday, que reproduz os dizeres de
Figueira Júnior e Tourinho23:
A problemática relacionada à desjudicialização das disputas tem contornos
universais e nesse contexto as ADRs (Alternative Dispute Resolution)
concebidas como expedientes não-adversariais como equivalentes
jurisdicionais, com o fim de ampliar o plexo do acesso à justiça e à
jurisdição, movimento que foi observado no Brasil e no resto do mundo
(FIGUEIRA JÚNIOR; TOURINHO, 2007 apud HOLLIDAY, 2014, p. 11).

Em síntese, Holliday (2014, p. 12) dá a noção de como tais métodos foram


implementados nos Estados Unidos, com os chamados Mecanismos de Resolução
Alternativa de Disputas (Alternative Dispute Resolution Mechanisms), na Alemanha,
onde em 2001 “[...] houve uma reforma no código processual civil alemão no qual se
inseriu a audiência de conciliação (Güteverhandlung)”, e na Inglaterra, com os
Conselhos de Mediação Civil subordinados ao Ministério da Justiça daquele país.
Torna-se necessária a reflexão no sentido de compreender as mudanças
constantes e as novas perspectivas da sociedade, a fim de saber como esta almeja
ver os seus anseios atendidos. Neste sentido, o texto do Juiz de Direito do Rio
Grande do Sul, Marcelo Malizia Cabral (2013, p. 24, grifo nosso), aduz:

23
FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias; TOURINHO, Neto Fernando da Costa. Juizados Especiais
Estaduais Cíveis e Criminais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 55 (HOLLIDAY,
2014, p.11).
73

Com efeito, estudos apontam que os mecanismos de resolução de conflitos


tornam-se menos acessíveis na medida em que se apresentam mais
formais e oficiais e que os indivíduos preferem instrumentos de
resolução de conflitos mais informais, de raiz comunitária, mais
próximos de si, cultural e geograficamente, como são, de regra,
mecanismos alternativos de resolução de conflitos, tais como a conciliação,
a mediação e a arbitragem.

Percebe-se que as pessoas anseiam por novas possibilidades de solução de


conflitos, com mais agilidade e menos ingerência e burocracia estatal, de forma a
recorrer à jurisdição somente em situações que não puderem ser resolvidas de outra
forma.
Nesse sentido, Cabral (2013, p. 28, grifo nosso) revela uma sociedade que
deseja ver seus conflitos solucionados de forma menos burocrática e mais
comunitária, com a “[...] utilização do Poder Judiciário para a resolução de
conflitos como ultima ratio”.
Mas quais seriam, então, os principais métodos de resolução de conflitos?
Para resposta a esta questão, recorre-se ao conhecimento de Roberto Portugal
Bacellar, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná e ex-presidente da
Escola Nacional de Magistratura:
Os meios alternativos de resolução de conflitos na sociedade pós-moderna
correspondem ao movimento de acesso à ordem jurídica justa como acesso
à resolução adequada dos conflitos por negociação, mediação,
conciliação e arbitragem (BACELLAR, 2012, p. 152, grifo nosso).

Ver-se-á com maior detalhamento, nas próximas subseções, sobre cada um


desses institutos, mas a Figura 3 apresenta uma representação gráfica que permite
uma noção inicial que facilitará a compreensão como funcionam.

Figura 3 Representação gráfica sobre os


métodos alternativos de resolução de conflitos

Fonte: CORDEIRO, 2009.


74

Dessa forma, destacam-se a conciliação, a mediação, a negociação e a


arbitragem como principais métodos de solução alternativa de conflitos.
A esses instrumentos acrescenta-se a Justiça Restaurativa, que pode
trazer uma nova visão endógena do processo resolutivo de conflitos, a repercutir no
campo da ordem pública, sobre a qual se arrazoará oportunamente.

3.4.1 Negociação

Carlos Eduardo de Vasconcelos (2015, p. 3) oferece uma primeira noção


conceitual sobre negociação: “É lidar diretamente, sem a interferência de terceiros,
com pessoas, problemas e processos, na transformação ou restauração de
relações, na solução de disputas ou trocas de interesses”.
Sampaio e Braga Neto24 (2007 apud REIS, 2009, p. 8) trazem: “[...]
instrumento primeiro e natural para solucionar os conflitos, a negociação se faz
apenas entre os atores envolvidos na controvérsia, que recorrem ao diálogo e a
troca de opiniões e impressões, não havendo a participação de terceiros”.
Constata-se que a negociação é uma das modalidades mais antigas de
resolução de um conflito e ocorre quando as partes entram, de forma direta, em
conversações e firmam o acordo sem a intermediação de outra pessoa.
Bacellar (2012, p. 162) traz uma definição complementar:
Negociação é um processo e uma técnica destinada a resolver diretamente
divergências de interesses e percepções que tem por objetivo criar, manter
ou evoluir um relacionamento baseado na confiança, gerando ou renovando
compromissos múltiplos e facilitando a formulação de opções e proposições
para um acordo ou de novos acordos.

Dessa maneira, o processo de negociação ocorre, em sentido amplo, em


qualquer tipo de método resolutivo consensual, porém, em sentido estrito, não exige
necessariamente a intermediação de um terceiro, ou seja, as partes dialogam entre
si e assumem os compromissos em relação às suas divergências. É o que Bacellar
(2012, p. 162) chama de negociação direta, forma básica de autocomposição. Há
ainda, segundo o autor, a negociação assistida, ou seja, a excepcionalidade de
contar-se com o auxílio de um terceiro, o que compreende a mediação, a conciliação
e a arbitragem.

24
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. 1. ed.
São Paulo: Brasiliense, 2007 (REIS, 2009, p. 8).
75

Adilson Luis Franco Nassaro (2012, p. 27) ressalta que na negociação “[...]
existem apenas as partes envolvidas que buscam a solução por elas mesmas, por
meio do diálogo, que pode ser incentivado por recursos diversos”.
Portanto, a negociação é o processo natural de entendimento entre as
partes, diretamente, sem necessidade de um terceiro que facilite ou guie essa
conversa, cujo resultado decorre do consenso entre elas, sem a existência de
coerção.

3.4.2 Arbitragem

Instituto muito utilizado nas contendas comerciais e trabalhistas, a


arbitragem, antes compulsória, veio a tornar-se somente facultativa no Direito
Brasileiro, ou seja, as partes podem optar por esse tipo de solução de acordo com
suas vontades e interesses.
Morais e Spengler (2012, p. 213) dão sua noção de como a arbitragem
surgiu:
O estabelecimento de um terceiro, não necessariamente um Juiz ou um
representante do Estado, deu aos litigantes a possibilidade de elegerem, em
comum acordo, alguém que julgassem imparcial para intermediar a
demanda, com o pacto de submeterem-se à decisão do eleito. Era o
princípio da figura conhecida como árbitro.
Percorrendo o histórico da arbitragem, percebe-se que o mesmo se
evidenciou desde a Antiguidade e deste momento em diante passou a
assumir papel importante no tratamento de conflitos. Encontram-se provas
de arbitragem entre os povos gregos, tanto entre particulares como entre
cidades-estados, este último podendo ser exemplificado pelo Tratado de
Paz traçado entre Esparta e Atenas, em 445 a. C. Tradicional a arbitragem
também entre os romanos, que a empregavam largamente nas relações
particulares.

Bacellar (2012, p. 121) vê a arbitragem como “[...] a convenção que defere a


um terceiro, não integrante dos quadros da magistratura oficial do Estado, a decisão
a respeito de questão conflituosa envolvendo duas ou mais pessoas”.
Pelos conceitos citados, na arbitragem, a terceira pessoa, indicada pelas
partes contendoras, tem poder de decisão sobre a lide, ao contrário do que
acontece na conciliação e mediação, em que a pessoa que intermedeia as tratativas
entre os envolvidos procura dirigir a solução por meio de consenso, situação em que
pode restar infrutífera, ou seja, não solucionada em razão da discordância entre os
envolvidos.
76

A arbitragem é um método adversarial, ou seja, não consensual, pois a


solução não depende das partes, mas da pessoa incumbida de arbitrar a causa. A
Lei nº 9.307/1996 regula o instituto da arbitragem, que pode ser utilizado para
solução de conflitos que tratarem de direitos disponíveis: “Art. 1º As pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a
direitos patrimoniais disponíveis” (BRASIL, 1996). Analisando-se a lei, norma de
Direito Civil, pontua-se que, como método resolutivo, a arbitragem é facultativa e
fruto de convenção entre as partes. Em suma, os envolvidos estipulam as regras do
acordo nos limites da lei e elegem um terceiro para decidir suas controvérsias.
Portanto, o árbitro em questão não se confunde com a figura do Juiz. Morais
e Splenger (2012, p. 228, grifo nosso) esclarecem nesse sentido:
A arbitragem possui um caráter privatista tanto no que se refere à sua
origem, quanto a respeito da qualidade dos árbitros. Assinala que não são
juízes, mas particulares que assumem a qualidade de funcionário
público e que não administram a justiça em nome do Estado, senão
pela vontade das partes. Baseia-se no fato de que no que tange a direitos
disponíveis não pode o Estado privá-las da faculdade de escolher o método
para resolvê-las.

Esse poder conferido ao árbitro explicita-se na interpretação do artigo 18: “O


árbitro é juiz, de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso
ou homologação pelo Poder Judiciário”. Revela-se que as decisões do árbitro são
cabais e constituem-se em títulos executivos extrajudiciais25, de acordo com o
parágrafo único do artigo 11 da Lei de Arbitragem.
A arbitragem encontra-se ainda prescrita na Lei nº 9.099/95 como uma
possibilidade aberta às partes nas causas civis de menor complexidade em que não
se tenha obtido sucesso por meio da conciliação, conforme dicção do artigo 24
(BRASIL, 1995): “Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum
acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei”.

3.4.3 Conciliação

Na conciliação ocorre a intermediação dos litigantes por um terceiro, o qual


procura facilitar a conversação entre as partes, com liberdade para interferir e propor
soluções. Trata-se de uma técnica de resolução consensual, no entanto, o terceiro
pode encaminhar propostas que instruam a melhor decisão.

25
Os títulos executivos serão objeto de breve análise na subseção 3.5.1 deste estudo.
77

Em Bacellar (2012, p. 86, grifos nossos) a conciliação encontra a seguinte


definição:
Definimos a conciliação (nossa posição) como um processo técnico (não
intuitivo), desenvolvido pelo método consensual, na forma autocompositiva,
em que terceiro imparcial, após ouvir as partes, orienta-as, auxilia, com
perguntas, propostas e sugestões a encontrar soluções (a partir da lide)
que possam atender aos seus interesses e as materializa em um acordo
que conduz à extinção do processo judicial.

Vasconcelos (2015, p. 39) diz que conciliação é uma atividade mediadora


focada no acordo, em que o conciliador exerce uma autoridade hierárquica, toma
iniciativas, faz recomendações e advertências e apresenta sugestões.
Holliday (2014, p. 13) também chama a conciliação de mediação ativa: “A
conciliação é um processo comunicacional que possibilita um diálogo com o objetivo
de recuperar a negociação, e a partir desse diálogo chegar a um acordo sobre o
interesse dos conflitantes”. O autor complementa que nesse método, embora se
tenha como função primordial a aproximação das partes, o conciliador tem uma
postura ativa e pode propor soluções alternativas para extinção da controvérsia.
Outra característica da conciliação é a de concentrar-se especificamente na
lide processual, não exatamente na origem do conflito. Assim, por esse método, as
causas do conflito não serão objeto de solução, mas apenas seus efeitos,
consistentes nos danos civis ou penais.
Percebe-se que, conforme o caso, no sentido de busca da pacificação social
pela Polícia Militar, a conciliação pode gerar uma solução precária se o acordo for
feito somente sobre o direito material disponível a ser deduzido, sem se tratar
devidamente das raízes do conflito que geraram o prejuízo a tal direito.
Bacellar (2012, p. 86, grifo nosso) define bem o objetivo da conciliação: “O
foco e a finalidade da conciliação é o alcance de um acordo que possa ensejar a
extinção do processo, e para isso foca-se no objeto da controvérsia materializado
na lide processual”. Ou seja, eventual conflito que tenha originado o dano deixa de
ser apreciado, o que pode ocasionar reincidências.
Na conciliação a terceira pessoa não precisa ser necessariamente o Juiz ou
um servidor específico do Judiciário, mas qualquer pessoa capacitada, apta e
treinada a conduzir as conversações.
No que tange à esfera civil, o CPC traz no artigo 165 a priorização, por
parte dos CEJUSC, da autocomposição por meio de “[...] realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação” (BRASIL, 2015a).
78

Nas causas civis de menor complexidade, a conciliação é trazida no artigo 3º


da Lei nº 9.099/95 como competência do Juizado Especial Cível (BRASIL, 1995).
Esta mesma lei, no âmbito penal, no seu artigo 60, também prevê a
conciliação como instrumento para a resolução de conflitos pelos Juizados Especiais
Criminais (JECrims), no tocante às infrações penais de menor potencial ofensivo.
Importante frisar que a conciliação, no Sistema Judiciário Brasileiro, pode
ocorrer tanto na fase pré-processual (antes de iniciada a ação cível ou penal),
quanto na fase processual. É o que esclarece Holliday (2014, p. 24): “De iniciativa de
alguns Tribunais, conciliação pré-processual é uma técnica que consiste na tentativa
de composição do litígio mesmo antes da citação do Réu, evitando-se com isso o
próprio tramite processual”.

3.4.4 Mediação

A mediação, assim como a conciliação, é um método em que se usa uma


terceira pessoa como facilitadora do diálogo entre as pessoas que tenham um
conflito que verse sobre direitos disponíveis.
Sobre a definição de mediação, Vasconcelos (2015, p. 36) aduz:
Um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que
duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador – que
deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido ou aceito -,
expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam
construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e,
eventualmente, firmar um acordo.

Na técnica de mediação, portanto, o mediador participará como um


facilitador da conversa, no entanto, sem interferências na solução, e sempre
conduzirá os trabalhos como o propósito de deixar que as partes sejam as donas
das decisões, por meio de consenso.
Vasconcelos (2015, p. 36) complementa: “Cabe, portanto, ao mediador
colaborar com os mediandos para que eles pratiquem uma comunicação construtiva
e identifiquem seus interesses e necessidades comuns”.
Assim, a mediação concentra-se não somente em solucionar uma
determinada lide, mas em procurar reestabelecer a relação e a confiança entre as
pessoas, de forma que essas não venham mais a reincidir em novos conflitos.
Para isso, a mediação vai além do dano material ou moral e busca identificar
as causas que levaram a esse desfecho, de forma a conduzir as pessoas envolvidas
79

a pacificarem a relação. Helena dos Santos Reis (2009, p. 9) explica o que é a


mediação:
[...] a atividade de mediação de conflitos é um método de resolução de
conflitos em que um terceiro, independente e imparcial, coordena reuniões
conjuntas ou separadas com as partes, com o objetivo, dentre outros, de
promover o diálogo entre elas, a fim de possibilitar maior reflexão sobre
suas questões, com vistas à construção de soluções.

Lívia Maria Xerez de Azevedo (2014 apud HOLLIDAY, 2014, p. 13) explica
que a mediação baseia-se no diálogo que tem as partes como protagonistas do
processo construtivo de uma solução benéfica aos interesses de todos. Azevedo
complementa que essa comunicação é facilitada pelo mediador, que deve se manter
neutro e garantir o andamento pacífico da composição de interesses.
Desse modo, enquanto na conciliação existe uma interferência ativa do
intermediário, que pode emitir opiniões e sugestões, a mediação procura focar no
consenso das partes, tal como acontece em uma autocomposição negociada,
concentrando as propostas e decisões nas próprias partes envolvidas.
Bacellar (2012, p. 110) assim explica o foco da mediação:
Na mediação, há de se ter em mente que as pessoas em conflito a partir
dessa concepção geral (negativa), ao serem recepcionadas, estarão em
estado de desequilíbrio, e o desafio do mediador será o de buscar, por meio
de técnicas específicas, uma mudança comportamental que ajude os
interessados a perceber e a reagir ao conflito de uma maneira mais eficaz.

Deduz-se, portanto, que a mediação vai além da conciliação, pois procura


harmonizar o convívio entre as pessoas e funciona como mecanismo de pacificação
das relações pessoais e, consequentemente, sociais.

3.4.5 Distinções entre conciliação e mediação

Atualmente, a mediação e a conciliação são dois institutos tratados na lei


para resolução de conflitos de forma consensual, o que pode ocorrer tanto na fase
processual quanto na pré-processual. O artigo 1º, parágrafo 3º, do CPC diz:
A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo
judicial (BRASIL, 2015a).

Mas é importante pontuar que, embora pareçam semelhantes, há vários


pontos que diferenciam a conciliação da mediação. Recorre-se aqui a uma alegoria
simples, que ajuda a compreender a tal distinção: uma divergência entre duas
80

pessoas, em relação a um dano de um objeto de valor (uma pessoa que usou de


algum objeto para riscar e danificar a lataria de um automóvel por causa de uma
divergência entre família).
A conciliação, neste caso hipotético, poderá servir para compor o
ressarcimento relativo aos custos do conserto do veículo, mas não se aprofundará
nos problemas familiares que resultaram no ato danoso.
Já a mediação mostra-se mais completa, porque o mediador buscará
identificar as causas que originaram o problema e tentará pacificar a relação e,
dessa forma, prevenir que ocorra no futuro um fato semelhante ao do dano ao
veículo, ou até mesmo algo mais grave.
Neste ponto, a mediação torna-se mais eficaz porque procura atuar na
causa dos conflitos, adentrando nas questões socioafetivas e não somente na
consequência, que consiste no dano causado. Da obra de Bacellar (2012, p. 113)
tem-se a diferenciação dos métodos em comento quanto à finalidade:
A finalidade da mediação (nossa posição) é desvendar os interesses (lide
sociológica) que de regra estão encobertos pelas posições (lide processual).
As técnicas de um modelo consensual, como as da mediação, possibilitam
a investigação dos verdadeiros interesses e conduzem à identificação
diferenciada: uma coisa é o “conflito processado”; outra, o “conflito real”.

Bacellar (2012, p. 111) ainda entende que a mediação representa ser um


método adequado para situações complexas de cunho emocional e tem de ser
desenvolvida com técnica e visão interdisciplinar.
Outrossim, Carlos Alberto Paulino (2010 apud NASSARO, 2012, p. 68),
pontua:
Tecnicamente, a diferença entre mediação e conciliação é apenas o
posicionamento do terceiro em relação aos envolvidos no conflito: na
primeira, ele facilita o diálogo, priorizando a comunicação entre as partes
para que cheguem a um acordo; na segunda, ele aconselha e induz as
partes a alcançarem um consenso, inclusive sugerindo possíveis soluções.

O Novo CPC, no seu artigo 165, orienta qual o método recomendado,


considerando as relações anteriores existentes (ou não) entre os envolvidos:
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não
houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o
litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou
intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que
houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a
compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles
possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios,
soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (BRASIL, 2015a, grifos
nossos).
81

Há, portanto, muitas situações que podem ser resolvidas pela conciliação,
visto que envolvem casos em que o conflito dá-se única e exclusivamente sobre o
fato em apreciação e não guardam relação com nenhum acontecimento passado
que possa ter despertado algum tipo de rivalidade entre os envolvidos. Como
exemplo, aventa-se um acidente de trânsito sem vítimas que envolve duas pessoas
que até então não se conheciam.
Porém, aventa-se que, tanto para conciliação quanto para mediação, a
questão da existência ou não de vínculo anterior entre os envolvidos não deve
ser vista de forma cabal para escolha do método a ser utilizado, mas apenas
como um parâmetro.
Isso porque, mesmo que não haja um vínculo anterior, a própria ocorrência
pode ser o fator originador de um sentimento de animosidade e de rivalidade aos
envolvidos, que pode levar a um conflito futuro. Helena dos Santos Reis (2009, p. 8)
indica que o conflito pode existir e não advir necessariamente de vínculos anteriores
entre as partes:
A conciliação é um procedimento mais célere e, na maioria dos casos,
restringe-se a uma reunião entre as partes e o conciliador. Para que haja a
conciliação é preciso que não haja entre as partes um relacionamento
significativo passado ou possibilidade a futuro.

Ou seja, o dano material em apreciação no ato da conciliação pode ser o


ponto de origem de problemas futuros e, neste caso, a técnica de mediação possui
maior aptidão para evitar que sentimentos negativos e recíprocos entre os
envolvidos venham a influir em algum fato conflituoso no futuro.
Uma mediação imediata, nesses casos, pode contribuir para que as partes
tenham a relação pacificada, bem como resolvida a questão de composição civil em
menor prazo.
Nesse sentido, reforça-se a conclusão de que a conciliação procura a
solução do litígio relativo ao dano, ainda que uma parte, normalmente a vítima, reste
teoricamente insatisfeita, com a sensação de um prejuízo, enquanto a mediação
busca o restabelecimento da comunicação das partes e a solução consensual com
benefícios mútuos.
De forma mais sucinta, Cintra, Pellegrini e Dinamarco (2010, p.34) sintetizam
a distinção: “ [...] a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes, enquanto a
mediação objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência”.
82

Utilizando-se das distinções feitas por Bacellar, foi elaborado o Quadro 1,


que permite uma análise mais didática das características distintivas desses dois
métodos:

Quadro 1 Comparativo entre Conciliação e Mediação


CLASSIFICAÇÃO CONCILIAÇÃO MEDIAÇÃO

Quanto à Relações de único vínculo. Relações de múltiplos vínculos.


natureza A conciliação é mais adequada A mediação afigura-se, portanto,
(vínculo) da para resolver situações recomendável para situações de
relação circunstanciais, com pessoas que múltiplos vínculos (amizade,
não se conhecem, cujo único vizinhança, de trabalho,
vínculo é o objeto do incidente. comerciais etc.).
Ex.: Acidente de trânsito.

Quanto à A conciliação tem por objetivo o A mediação tem por finalidade


finalidade e foco alcance de um acordo e desvendar os verdadeiros
extinção do processo interesses, desejos,
(consubstanciado na lide), necessidades (lide sociológica)
preferencialmente com resolução que se escondem por trás das
de mérito por meio da transação posições (lide processual), o que,
(concessões mútuas para quando ocorre, faz com que
prevenir ou evitar litígios). naturalmente surja o acordo.

Quanto à forma Na conciliação é possível ao Na mediação o terceiro apenas


de atuação do conciliador opinar sobre o mérito facilita a comunicação, procura
terceiro do acordo, orientar as partes e identificar de modo amplo os
sugerir soluções, sendo, interesses e aprofundar-se nas
portanto, uma participação mais relações, sem limitação de matéria
ativa dirigida ao mérito e mais ou escassez de tempo, faz
superficial sobre as relações e a perguntas criativas com a
investigação dos interesses. finalidade de que os próprios
A conciliação foca-se nos pontos interessados encontrem as
contraditórios (questões) que soluções por eles desejadas.
foram objetos da lide
(controvérsia).

Fonte: o autor, a partir das informações obtidas de Bacellar (2012, p. 116).

O interesse da Polícia Militar no uso adequado do método autocompositivo


de solução de conflitos ocorre por ser a Instituição uma das maiores prejudicadas
por uma solução precária das lides, porque a reincidência de acionamentos diários
para atendimento de ocorrências mal resolvidas impacta diretamente no efeito
preventivo secundário do policiamento ostensivo, assim como na sua capacidade de
pronta resposta para situações emergenciais mais graves.
83

Desinteligências, ameaças, lesões corporais, danos, crimes contra a honra e


perturbações do sossego são exemplos de ocorrências simples, de menor potencial
ofensivo, as quais, solucionadas inadequadamente, podem levar a acontecimento
mais grave, incluindo morte. Neste sentido, Helena dos Santos Reis (2009, p. 53,
grifo nosso) diz:
Para as pessoas envolvidas nos crimes de menor potencial ofensivo
classificados pela Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, também poderia ser indicada a mediação de conflitos, como
forma de solucionar a real causa do conflito e impedir que este ecloda em
violência. É o caso, por exemplo, do crime de ameaça que, se não for
devidamente encaminhado, pode evoluir para homicídio.

Em face disso, reafirma-se, como proposição teórica desta tese, o uso dos
métodos alternativos para solução de conflitos nos Núcleos e Centros existentes na
PMESP, não somente para questões civis, mas também nos casos de infrações de
menor potencial ofensivo, principalmente as sujeitas à ação penal pública ou ação
penal privada, visando a dar celeridade e efetividade às soluções dessas contendas,
a fim de alcançar maior prevenção e benefício à ordem pública.

3.4.6 Mediação Comunitária

A Mediação Comunitária consiste na aplicação da mediação no sentido de


levar a paz ao seio da comunidade e alcançar uma maior parcela da população, em
especial a de periferia e os grupos vulneráveis, muitas vezes distantes dos prédios
da Justiça, normalmente centralizados e, até mesmo, inexistentes em muitos
municípios.
A formação de Núcleos de Mediação Comunitária é incentivada como um
mecanismo que congrega as pessoas no meio social e converge em um discurso de
pacificação que a todos interessa. Azevedo (2010 apud HOLLIDAY, p. 22, 2014)
afiança a importância dos Núcleos de Mediação Comunitária:
Os núcleos de mediação comunitária representam espaços confiáveis e
acessíveis que podem ser procurados quando se busca encontrar uma
solução eficaz e desprovida do excesso de formalidade. Mediadores e
mediados, conscientizam-se da responsabilidade social de todos em
prevenir e resolver conflitos de modo que o bem-estar da coletividade
envolvida deva prevalecer sobre interesses particulares.

Holliday (2014, p. 22) traz que a mediação comunitária como um processo


democrático de solução de conflitos, em que a realização da mediação ocorre dentro
das comunidades periféricas, o que possibilita o acesso à justiça a uma parte da
84

população de baixa renda. No entanto, o conceito do autor, com a devida vênia,


parece reducionista, pois que a Mediação Comunitária pode ser vista sob um
contexto de maior amplitude, haja vista que o próprio conceito de comunidade é
muito difícil de ser estabelecido.
Essa dificuldade conceitual foi percebida na obra Mediação comunitária no
Brasil: diálogo entre conceitos e práticas, sob organização das cientistas sociais
Barbara Musumeci Mourão e Silvia Naidin (2019, p. 17):
Como se procurará mostrar adiante de forma mais aprofundada, definir o
que é mediação comunitária não é tarefa fácil. O que se verificou no curso
do levantamento é que programas que se autoidentificam pelo nome de
mediação comunitária podem ter atividades, princípios e objetivos bastante
diferentes entre si. Ao mesmo tempo, certas organizações que não se
associam diretamente a esse termo exercem atividades e seguem
propósitos muitas vezes semelhantes aos adotados pelos que se
autointitulam comunitários.

Mourão e Naidin fazem um compêndio sobre diversas experiências ocorridas


no Brasil que se autodenominam Mediação Comunitária e verificam uma diversidade
de práticas que podem ser acolhidas por essa nomenclatura. E não são poucas:
De um total de 109 programas, identificados nas fontes de pesquisa como
potenciais programas de mediação comunitária, foi possível localizar e
entrar em contato com 89, dos quais 46 responderam ao questionário que
serviu de base à reflexão contida neste texto (MOURÃO; NAIDIN, 2019, p.
14).

Vera Leonelli (2004 apud MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 79), radicada na


Bahia, descreve que “[...] a palavra comunidade é usada, com frequência, como
sinônimo de favela ou de áreas pobres — o que poderia dar lugar, como sugerem
alguns autores, ao conceito de mediação popular”.
Outro posicionamento é identificado nos programas da região sudeste, com
uma visão mais ontológica, que compreende a Mediação Comunitária como aquela
feita pelos moradores da própria comunidade, que partilham da mesma
sensibilidade, de forma que o público sinta que os mediadores não estão falando de
um lugar “distante” (MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 95).
Após dissecar várias conceituações sobre comunidade e Mediação
Comunitária, Mourão e Naidin (2019, p. 98) encerram seu trabalho sem uma
definição específica, esclarecendo que sua pretensão, mais do que uma conclusão,
foi de estimular o debate e agregar novos elementos ao leque dos conceitos que
conformam o campo da Mediação Comunitária.
85

Verifica-se que todos os conceitos de comunidade não se excluem entre si e


parece adequado entender-se a definição na sua forma mais basilar, extraída do
texto oficial do Ministério da Justiça, baseado na noção de Lycia Neumann e Rogério
Neumann26 (2004 apud MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 77): “Comunidade significa um
grupo de pessoas que compartilham de uma característica comum, uma ‘comum
unidade”.
A Mediação Comunitária, portanto, implica a disponibilidade de um Núcleo
disponível e acessível à comunidade para solução de suas contendas, com pessoas
de confiança e vistas como referência positiva naquele meio, considerando ainda
que boa parte desses conflitos é resultado da violação de normas de convivência
doméstica, de vizinhança e de posturas públicas.
Há de se pontuar, a Mediação Comunitária alcança um longo espectro de
benefícios (individuais, coletivos e organizacionais), abrangendo da mesma maneira
a Justiça. É o que Holliday (2014, p. 23, grifos nossos) afirma:
A mediação comunitária, por todos esses motivos, deve ser entendida
como aliada ao Poder Judiciário e, mais importante, aliada à sociedade
para solução de demandas relacionadas com violência doméstica,
delinquência juvenil, assistência e previdência social, desde que os órgãos
públicos estejam dispostos a funcionarem como agentes facilitadores.

Esse papel pode ser exercido tanto por particulares como por órgãos
públicos que tenham interesse em servir como agente pacificador dentro da
comunidade. E nesse universo inclui-se a “Mediação Comunitária nas Instituições
Policiais”, apontada na pesquisa do economista e mediador docente Wanderley José
Jacob (2019 apud MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 56, grifo nosso), o qual destaca a
Mediação Comunitária em diversos Estados, incluindo o de São Paulo:
As iniciativas policiais analisadas pela pesquisa encontram-se localizadas
no Acre (Projeto Pacificar da Secretaria de Segurança Pública em conjunto
com a Secretaria de Polícia Civil do Estado do Acre); no Ceará
(Coordenadoria de Mediação de Conflitos da Secretaria Municipal da
Segurança Cidadã da Prefeitura de Fortaleza); em Sergipe (Programa
ACORDE da Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado); e, finalmente, em
São Paulo, onde foram identificadas duas experiências: uma delas na
capital (Guarda Civil Metropolitana, da Secretaria Municipal de Segurança
Urbana) e outra no interior, abrangendo vários municípios (NUMEC —
Núcleos de Mediação Comunitária do Comando de Policiamento do
Interior da Polícia Militar).

26
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns. Repensando o
investimento social: a importância do protagonismo comunitário. São Paulo: Global, Instituto
para o Desenvolvimento Social (IDIS), 2004 (MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 77).
86

Nesse contexto, o policial militar assume papel de relevância, pois o seu


vínculo de conhecimento nos locais onde atua concorre para torná-lo referência na
comunidade.
É um trabalho que aproxima os cidadãos da Polícia Militar e funciona como
política inclusiva dessas pessoas, haja vista que muitos, pela sua situação
financeira, cultural e educacional, desconhecem seus direitos e mecanismos que
possam assisti-los.

3.4.7 Justiça Restaurativa

Viu-se a eficiência da mediação, como método de pacificação social, haja


vista que visa não somente à resolução do fato de direito material, mas também a
resgatar a boa relação entre as pessoas a partir da compreensão das origens do
conflito. E a mediação é um dos métodos adotados pela política que trata da Justiça
Restaurativa, atinente ao indivíduo envolvido em infrações penais.
Daí a denominação doutrinária de mediação penal dada ao instituto
resolutivo, quando trabalhado dentro dos princípios da Justiça Restaurativa.
No que diz respeito à procura de medidas menos traumáticas e mais
conectadas às políticas de Direitos Humanos, a pesquisadora Maria Paula Lopes
(2013, p. 8, grifo nosso) cita que a mediação por meio da Justiça Restaurativa é uma
recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) e complementa:
[...] esta reestruturação tem como foco a necessidade de conhecer a origem
do conflito utilizando a formação de círculos restaurativos no qual todos os
envolvidos ficam frente a frente, conversando de maneira transparente
e honesta até conseguir alcançar um resultado que coloque termo ao
conflito surgido. Pode-se dizer que esta estrutura tem a concepção de
busca a verdade real.

Damásio E. de Jesus (2005, grifo nosso), define Justiça Restaurativa como


“[...] um processo colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente
por um crime, chamados de ‘partes interessadas principais’, para determinar
qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão”. Do mesmo
artigo, descobre-se que a origem desse processo vem das ideias27 dos
estadunidenses Paul McCold e Ted Wachtel, os quais afirmam:

27
A Justiça Restaurativa foi apresentada pelos norte-americanos Paul McCold e Ted Wachtel, do
Instituto Internacional de Práticas Restaurativas (International Institute for Restaurative Practices),
no XIII Congresso Mundial de Criminologia, ocorrido em 2003, no Rio de Janeiro (JESUS, 2015).
87

[...] a Justiça Restaurativa constitui “uma nova maneira de abordar a justiça


penal, que enfoca a reparação dos danos causados às pessoas e
relacionamentos, ao invés de punir os transgressores”. Seu postulado
fundamental é que “o crime causa danos às pessoas e a justiça exige que o
dano seja reduzido ao mínimo possível” (JESUS, 2005).

O foco, portanto, mais uma vez, é a reparação de danos e dos


relacionamentos, em detrimento da punição de transgressores. Daí, que a Justiça
Restaurativa não se trata especificamente de uma técnica, mas de um sistema
conceitual apto a lidar com as questões criminais, com proposição de resgate do
indivíduo ao seio da sociedade e de seus relacionamentos pessoais.
A pesquisadora e professora Tânia Almeida (2011) apresenta o quadro
comparativo abaixo (Quadro 2), em que elucida o papel da Justiça Restaurativa, em
especial, a sua extensão à comunidade:

Quadro 2 Comparativo entre Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa

Fonte: ALMEIDA, 2011.

A Justiça Restaurativa apresenta-se como uma alternativa à insuficiência do


sistema judiciário em atender todas as demandas atuais, o que não é o problema
exclusivo de nosso país. A Professora Raffaella da Porciuncula Pallamolla (2015),
explica:
Foi diante da insuficiência do modelo institucionalizado de administração de
conflitos oferecido pela justiça penal que práticas de justiça restaurativa,
paulatinamente, foram sendo experimentadas em diversos países a partir
da década de 1970.
88

Pallamolla (2015) cita que o sistema de Justiça Restaurativa não foi uniforme
em todos os países e relata sobre os primeiros passos em nossas terras, no ano de
2005, que se deram em torno de adolescentes praticantes de ato infracional, por
meio do projeto Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça
Brasileiro28. A autora explica que um dos projetos-piloto, em Brasília/DF, utilizava a
mediação penal aplicada para “[...] casos de menor potencial ofensivo
envolvendo ofensores adultos” (PALLAMOLLA, 2015, grifo nosso).
A Justiça Restaurativa constitui-se atualmente em uma prioridade do Poder
Judiciário, incentivada pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientam protocolo de cooperação para
sua difusão.
Nesse sentido, a AMB (2015, grifo nosso) emitiu a Carta da Justiça
Restaurativa do Brasil, da qual se extraem os frutos vislumbrados de uma já tão
nova experiência vivenciada no sistema de Justiça:
[...] a experiência dos Dez Anos da Justiça Restaurativa no Brasil
convalidou uma diretriz de trabalho que tem contribuído na construção da
paz, na redução dos conflitos e como processo de transformação das
pessoas, das instituições e das comunidades.

Dessa breve constatação, percebe-se que as práticas da Justiça


Restaurativa podem repercutir diretamente em prol da prevenção e em alinhamento
ao policiamento comunitário, porquanto, assim como a mediação, objetiva pacificar
as contendas entre os indivíduos, a fim de evitar a reincidência.
Ademais, o Promotor de Justiça Marcelo Gonçalves Saliba (2009, p. 148)
situa a Justiça Restaurativa como um processo voluntário distinto da Justiça
Retributiva, que utiliza um modelo vingativo.
Saliba (2009, p. 143) enxerga que o paradigma retributivo leva à saturação
do sistema penal, em crise e deslegitimado, o qual deve ser superado pelo
paradigma restaurativo, no qual as práticas de mediação e conciliação constituem
uma forma de comunicação “não violenta” e buscam construir um acordo e minimizar
as consequências do conflito estabelecido. E aqui se tem o foco na mediação como
um instrumento mais eficaz para a resolução de um conflito que envolva a prática de
infração penal em relação à conciliação tratada pela Lei nº 9.099/95.

28
Projeto organizado e financiado pelo Ministério da Justiça (Secretaria da Reforma do Judiciário),
pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD (PALLAMOLLA, 2015).
89

Mais uma vez, revela-se a insuficiência natural, enquanto método, da


conciliação penal em face do seu alcance limitado em relação à satisfação das
partes envolvidas, muitas vezes, submetidas a um “consenso forçado”, conforme
destaca o Manual do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR, 2014, p. 5, grifo nosso):
Por vezes a sentença judicial não atinge o real interesse do
jurisdicionado, pois abrange apenas as questões juridicamente tuteladas e
não seus interesses reais. O que é tratado no processo judicial nem sempre
abarca os fatores sociais que envolvem o conflito e que são importantes
para sua resolução efetiva. É o que difere a lide sociológica (alcançada
pelos métodos autocompositivos) da lide processual (mais restrita e
contemplada pela sentença judicial).

O referido Manual (TJRP, 2014, p. 9) indica que na Justiça Restaurativa


podem ser utilizados métodos como conferências, conferências familiares, mediação
transformativa, mediação vítima-ofensor, círculos de pacificação, círculos decisórios,
restituição, entre outros. De todos esses, como já visto, verifica-se a inclusão do
instituto da mediação, cuja relação com a Justiça Restaurativa é explicada por
Miers29 (2003 apud PALLAMOLLA, 2015):
[...] por um lado a justiça restaurativa é mais restrita do que a mediação
porque se aplica somente à esfera criminal, enquanto a mediação é
utilizada em conflitos criminais e de outras esferas. Por outro lado, a justiça
restaurativa é mais ampla em relação às possíveis respostas que o ofensor
pode dar, alcançadas por outros meios que não a mediação (trabalhos
prestados com a finalidade de reparar a vítima e, em alguns países,
indenizações determinadas pelo tribunal, etc.), ao passo que a mediação,
na esfera criminal, refere-se apenas às relações entre vítima e ofensor que
são estabelecidas na mediação.

Dessa forma, quando incidente sobre questões penais, o instituto da


mediação pode ser tomado como uma espécie do gênero “prática restaurativa”. E as
práticas da mediação penal se assentam nos mesmos princípios que baseiam os
métodos utilizados nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP, sendo que, nos
casos das infrações de menor potencial ofensivo, ganham amplitude, uma vez que a
composição civil é uma das formas para extinção da punibilidade, nos casos em a
ação penal depender de representação ou queixa, conforme se verá oportunamente.
Nesta técnica, a atuação do mediador busca o acordo de reparação do dano,
mas não se restringe à questão econômica, e visa também a restabelecer a parte
afetivo-emocional das relações interpessoais, o que guarda estreita relação com a
atividade de mediação. Almeida (2011) esclarece o foco da Justiça Restaurativa:

29
MIERS, David. Um estudo comparado de sistemas. Relatório DIKÊ – proteção e promoção dos
direitos das vítimas de crime no âmbito da decisão: Quadro relativo ao Estatuto da Vítima em
Processo Penal. Lisboa, 2003, p. 45-60 (PALLAMOLLA, 2015).
90

O objeto de trabalho da justiça restaurativa não é o delito, mas sim o conflito


consequente ao delito. Esta é uma distinção fundamental. Os aportes da
justiça restaurativa são complementares ao tratamento dado ao delito pelo
Estado. A pena não dirime o conflito, objeto maior dos programas
restaurativos.

Pode-se concluir que a Justiça Restaurativa pode servir como mecanismo de


prevenção criminal, semelhante à terciária, sobre a qual já foi falado.
Dentro do princípio da intervenção mínima do Direito Penal30 emergem as
ações da Justiça Restaurativa, da qual a mediação é espécie, como alternativa à
Justiça Retributiva.
A mediação, segundo os princípios da Justiça Restaurativa, eleva-se como
um processo viável e pertinente para tratar de questões relacionadas a infrações
penais de menor potencial ofensivo, mais eficiente do que as soluções dadas pelos
JECrims, por meio de conciliações, as quais, de acordo com o que se verá adiante,
mostram-se insatisfatórias, principalmente no que tange ao atendimento dos anseios
da pessoa ofendida.

3.5 Conciliação e mediação no Direito Civil e no Direito Processual Civil

3.5.1 Solução de conflitos de natureza civil

Os conflitos interpessoais podem ter as origens mais diversas e envolvem


direitos tutelados pelas leis trabalhistas, comerciais, administrativas, civis, penais,
entre outras.
Neste trabalho, o foco concentra-se no âmbito do Direito Penal e do Direito
Civil, que envolve normas jurídicas materiais e processuais. O objeto deste estudo
está adstrito aos conflitos individuais de natureza criminal ou estritamente civil
(excluídas causas trabalhistas, coletivas e difusas).
Na seara cível, a Constituição, em seu artigo 5º (BRASIL, 1988), traz como
direito fundamental o de indenização por dano material, moral ou de imagem:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]

30
O princípio da intervenção mínima do Direito Penal foi brevemente comentado na subseção 3.2.3
deste trabalho, quando se tratou da obra do penalista italiano Cesar Beccaria.
91

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

Portanto, qualquer pessoa envolvida em um conflito, que se sentir


materialmente ou moralmente atacada, poderá intentar ação civil, com o propósito
de obter indenização proporcional ao agravo sofrido.
Destarte, constitui direito subjetivo do indivíduo que se sentir prejudicado, ou
da mesma forma pessoa sob sua responsabilidade legal, ao não conseguir ser
ressarcido de um dano, acionar a Justiça, por meio de advogado, promovendo a
ação civil, desde que tenha interesse e legitimidade, de acordo com os requisitos do
artigo 17, reforçado pelo artigo 330, ambos do CPC (BRASIL, 2015a).
Assim, a pessoa que se sentir lesada devido a um ilícito civil, poderá invocar
a jurisdição e ingressar como autora de ação perante o juízo cível contra o suposto
autor do dano, a fim de que este seja responsabilizado civilmente.
Os ilícitos civis encontram definição no artigo 186 do Código Civil, que diz:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”
(BRASIL, 2002). Essa responsabilização pode ocorrer não somente em decorrência
dos próprios atos e omissões, mas também pelos praticados por outras pessoas, em
conformidade com o artigo 932 do Código Civil:
Art. 932. São responsáveis pela reparação civil:
I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;
II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas
mesmas condições;
III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho, que lhes competir, ou em razão dele;
IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se
albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos.

Aliás, de acordo com o artigo 936 do Código Civil, até mesmo os danos
causados por animais podem gerar responsabilização civil de seus donos ou
detentores.
Convém lembrar que a responsabilidade civil não decorre somente da
prática de ilícito civil, mas também diante de um delito, segundo o artigo 91, I, do
Código Penal (BRASIL, 1940). Desse entendimento, evidencia-se que qualquer
92

lide, inclusive as penais, pode ter repercussão na seara civil, em face dos danos
morais, materiais e de imagem que pode acarretar.
Ou seja, a prática de um ato em desconformidade com algum regramento
normativo ou legal sujeita o autor a responder, concomitantemente, em três esferas
de responsabilidade: administrativa, civil e penal. É a conhecida tríplice
responsabilidade.
A título de exemplo, apresenta-se um acidente de trânsito com vítima, no
qual a pessoa que concorrer com culpa poderá ser autuada pela infração de trânsito
(responsabilidade administrativa), responder pelos danos causados a terceiro
(responsabilidade civil) e sujeitar-se a processo pelo crime de trânsito capitulado no
artigo 303 do Código de Trânsito Brasileiro (responsabilidade penal).
Embora conveniente o aguardo da ação penal, devido a sua prevalência
sobre a civil, esta pode ser intentada em paralelo àquela. Neste sentido, Mirabete
(2008, p. 146, grifo nosso) ensina:
Como princípio, a responsabilidade civil é independente da criminal (art. 935
do CC). Assim, inexistindo sentença condenatória irrecorrível, a ação
ordinária civil para reparação do dano pode ser proposta contra o autor
do crime, seu responsável civil ou seu herdeiro (art. 64 do CPP).

A ação civil em questão é a de conhecimento, que se diferencia da


executiva, esta destinada a promover o recebimento da obrigação devida pelo
responsável pelo dano, com base em um título executivo. Sobre as ações
executivas, José Miguel Garcia Medina (2015, p. 47, grifos nossos) explica:
[...] as ações executivas lato sensu podem ser classificadas em: a) ações de
execução de títulos extrajudiciais, cujo procedimento encontra-se
disciplinado no Livro II do CPC/2015, em que se realizam apenas atos
executivos tendentes à concretização do direito contido no título
executivo; b) Ações de execução de sentenças e de outros títulos
executivos judiciais, quando a execução destes se processar nos termos
dos arts. 523 ss. do CPC/2015, e que têm por base não só as sentenças
proferidas em ações de conhecimento condenatórias, mas podem se
fundar também outros títulos considerados pela norma jurídica como
judiciais (art. 515 do CPC/2015), para se iniciar a execução; e c) Ações de
execução em que a própria sentença é executiva, isto é, a sentença, além
de reconhecer a existência de violação (atual ou potencial) ao direito do
demandante, determina a realização imediata de atos executivos (de sub-
rogação ou de coerção) tendentes à efetivação material de tal direito,
independentemente de nova demanda (de execução). É o que ocorre nos
casos das ações previstas nos arts. 497, 498 e 536 ss. do CPC/2015,
dentre outras.

Os títulos executivos judiciais encontram previsão no artigo 515 do CPC


(BRASIL, 2002, grifo nosso), que incluem os acordos de autocomposição, judiciais e
extrajudiciais, homologados pela Justiça:
93

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de


acordo com os artigos previstos neste Título:
I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade
de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de
qualquer natureza;
IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao
inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;
V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou
honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII - a sentença arbitral;
VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à
carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;
X - (VETADO).

Os títulos executivos extrajudiciais constam do artigo 784 do CPC, dos


quais se destaca, como exemplo, o documento particular assinado pelo devedor e
por 2 (duas) testemunhas e todos os títulos aos quais a lei atribuir força executiva.
O CPC ainda prevê, em seu art. 785, que a “[...] existência de título
executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento,
a fim de obter título executivo judicial”.
Desse modo, o título executivo, extrajudicial ou judicial, é requisito
indispensável para qualquer tipo de execução, ou seja, um documento por meio
do qual poderá o seu detentor receber aquilo que lhe é devido, caso haja
inadimplência ou descumprimento do acordo. E as execuções decorrem de
sentenças judiciais proferidas nas ditas ações executivas.
Dessa forma, os títulos executivos possibilitam o ingresso com ação de
execução, que tem um procedimento judicial mais célere, já iniciado com a citação
do devedor para realização do pagamento.
Para obtenção do título executivo, no caso dos conflitos entre particulares,
além da opção da ação civil de conhecimento, que sem dúvidas é mais onerosa,
apresenta-se, de forma alternativa, a obtenção de acordo pré-processual por meio
da mediação ou da conciliação.
Deve-se ressaltar que os métodos autocompositivos são cabíveis nas searas
civil e penal, porém, não são possíveis no tocante às infrações administrativas, como
adverte Silva Júnior (2009, grifo nosso):
No que toca ao Direito Administrativo, encarregado de regular as relações
entre a Administração Pública e os administrados, sejam estes últimos
cidadãos ou funcionários públicos, não há espaço para solução
consensual dos conflitos em razão do princípio da legalidade que,
nesse ramo do direito, tem conceituação mais restritiva, de modo a
94

conceber que ao administrador somente é dado agir por mandamento legal


e não em tudo aquilo que ele não é proibitivo.

Dessa forma, naquilo em que é cabível, o acordo por meio de


autocomposição mediada, além de todos os benefícios da pacificação social, torna o
caminho menos traumático, mais célere e informal para a solução do conflito, no que
concerne aos eventuais danos sofridos pelos envolvidos.

3.5.2 Conciliação civil na Lei nº 9.099/95

A conciliação civil não é um instrumento novo em nosso ordenamento legal,


mas nas últimas décadas algumas normas legislativas e de organização judiciária
caminharam no sentido de incentivar a autocomposição pré-processual, ou seja,
aquela promovida antes do ingresso de ação civil.
Nesse tocante, entre as principais normas legais hoje vigentes, a mais antiga
é a Lei nº 9.099/95, que admite a autocomposição na esfera civil, assim como na
penal, nas infrações penais de menor potencial ofensivo.
Em sede de juízo cível, a conciliação pode ocorrer em dois momentos, a
saber:
a) durante o processo (conciliação processual);
b) antes do início da ação civil (conciliação pré-processual).
O foco deste trabalho são as autocomposições pré-processuais, porque é
neste campo que ocorre a atuação dos policiais militares como mediadores e
conciliadores.
Nessa linha, as causas mais comuns são as de pequeno valor e de menor
potencial ofensivo, acolhidas pelos Juizados Especiais, que encontram fundamento
e competência na nossa Constituição Federal (BRASIL, 1988), que já coloca a
conciliação como método resolutivo de conflitos:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
[...]
I - Juizados Especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau.

A Lei nº 9.009/95, gerada em decorrência do dispositivo constitucional


mencionado, efetivou a criação dos Juizados Especiais e trouxe nas suas
95

disposições gerais, em seu artigo 2º, os princípios que guiam os processos sob sua
competência: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível,
a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995, grifo nosso).
No âmbito do Direito Civil, a Lei nº 9.099/95 (BRASIL, 1995) estabeleceu
que os Juizados Especiais Civis possuem competência para conciliar, processar e
julgar as causas civis de menor complexidade, assim especificadas no artigo 3º:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao
fixado no inciso I deste artigo.

Cabe recordar que a referência dada na citação anterior, do inciso II, do


artigo 3º, da Lei nº 9.099/95, é atinente ao antigo CPC, de 1973, que ainda
permanece válida, neste caso, conforme especificado no novo Código (BRASIL,
2015a):
Art. 1.063. Até a edição de lei específica, os Juizados Especiais cíveis
previstos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, continuam
competentes para o processamento e julgamento das causas previstas
no art. 275, inciso II, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Dessa forma, haja vista que ainda não foi gestada lei especifica a respeito,
permanece a competência dos Juizados Especiais cíveis para as causas de
qualquer valor previstas no referido dispositivo do antigo CPC (BRASIL, 1973), que
incluem situações de arrendamento rural e de parceria agrícola, cobrança de
condômino, danos em prédio urbano ou rústico, danos causados em acidente de
veículo de via terrestre, cobrança de seguros de acidente de veículo, cobrança de
honorários dos profissionais liberais, revogação de doação e demais casos previstos
em lei.
Destarte, todas as causas enquadradas no artigo 3º da Lei nº 9.009/95 estão
sujeitas à conciliação, ato que precede a qualquer outra sessão, nos termos do
artigo 17, que diz: “Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á,
desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a
citação” (BRASIL, 1995).
Essas causas poderão ser conciliadas por pessoas civis consideradas
auxiliares da Justiça, mas não pertencentes a esta, segundo versa o art. 7º da Lei
em comento. Assim, a conciliação pode vir a ser exercida por pessoas externas ao
Poder Judiciário, sejam agentes públicos ou não.
96

Nos artigos 21 a 26 da Lei nº 9.099/95 desenvolve-se a forma como devem


ocorrer as audiências de conciliação e versa-se também sobre o juízo arbitral, que
trata da subsunção das partes à decisão de um árbitro, escolhidos entre os juízes
leigos.
Na aludida lei, há ainda a possibilidade de homologação judicial de
acordo extrajudicial: “Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor,
poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo,
valendo a sentença como título executivo judicial” (BRASIL, 1995, grifo nosso).
Ressalte-se que as situações de intervenção da polícia ostensiva, no dia a
dia, recaem sobre fatos que implicam questões de Direito Civil e Penal, as quais
são, em sua maioria, acolhidas pelos Juizados Especiais, em razão de acordos de
baixo custo e de incidência de infrações de menor potencial ofensivo.
Deduz-se que os Juizados Especiais Civis encontram competência para
atuar em um amplo campo de situações, uma vez que o valor de causa pode ser
estipulado pela parte e acolher praticamente uma infinidade de condutas, inclusive
aquelas de natureza penal que impliquem ressarcimento por danos morais ou à
imagem da pessoa.
Diante da possibilidade de o autor de um ilícito responder em esferas
independentes de responsabilidade (aqui, em especial, na civil e na penal), pode-se
inferir, por exemplo, que a ameaça, o crime contra a honra, o constrangimento ilegal,
a lesão corporal simples, a violação de domicílio, a exposição indevida da imagem
da pessoa em qualquer meio de comunicação, que inclui as redes sociais, entre
outros delitos, são situações atendidas cotidianamente pela Polícia Militar e que
podem ser acolhidas por uma ação civil com objetivo de ressarcimento e, dessa
forma, aventa-se como possível a subsunção à mediação ou à conciliação pré-
processual, civil ou penal, visando à composição de danos.

3.5.3 A Resolução CNJ Nº 125/2010

A Lei nº 9.099/95 não encerra a conciliação civil nas causas de menor valor,
haja vista o ulterior surgimento de disposições normativas e legais que deram novas
características aos métodos resolutivos das lides, com o intuito de aperfeiçoá-los,
inclusive, ao inserir a mediação, até então não vislumbrada pela Lei dos Juizados
Especiais.
97

Antes do advento do novo CPC, a Resolução CNJ nº 125/10, que dispõe


sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de
interesses no âmbito do Poder Judiciário, incentivava e indicava a força dos
instrumentos de resolução consensual de conflitos.
Das considerações que prefaciam os artigos da Resolução em apreço
destacam-se:
CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política
pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos
de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de
forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados
nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante
outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos
consensuais, como a mediação e a conciliação; [...]
CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos
efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a
sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem
reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade
de recursos e de execução de sentenças (BRASIL, 2010, grifos nossos).

Do texto da Resolução, vislumbra-se que a conciliação e a mediação já


vinham sendo anteriormente utilizadas em diversos programas até então
implementados, em face da excessiva judicialização dos conflitos de interesses, e
que tais métodos mostravam-se instrumentos de pacificação social e de
prevenção de litígios.
Do espírito da norma, percebe-se, de forma clara, que os efeitos das
mediações e conciliações não devem se restringir ao campo judicial, mas se
estender ao plano afetivo, emocional e comunitário, de forma que a boa solução
repercuta em menor taxa de reincidência de ilícitos nos campos civil e penal. Ver-se-
á que essa pretensão encontra plena afinidade com as atividades das Polícias
Militares, posto que tais soluções resultam na diminuição do número de atendimento
de ocorrências pela polícia ostensiva, concorrendo em favor da preservação da
ordem pública.
Para a consecução dos objetivos do Poder Judiciário, a normativa do CNJ
instituiu os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC):
Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas
áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados
Especiais Cíveis e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades
do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização das
sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de
conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao
cidadão (BRASIL, 2010, grifos nossos).
98

Daí, portanto, a gênese dos CEJUSC, com sede específica para a realização
das conciliações e mediações, não exclusivamente por Magistrados:
§ 1º Todas as sessões de conciliação e mediação pré-processuais
deverão ser realizadas nos Centros, podendo, excepcionalmente, as
sessões de conciliação e mediação processuais ser realizadas nos próprios
Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por
conciliadores e mediadores cadastrados junto ao Tribunal (inciso VI do
art. 7º) e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro (art. 9º) [...]
(BRASIL, 2010, grifos nossos).

Passaram a atuar nesses Centros conciliadores e mediadores capacitados


em cursos promovidos pelos Tribunais, na forma disposta do artigo 12 e seus
parágrafos na aludida Resolução do CNJ, entre os quais estão inclusos policiais
militares atuantes nos NUMEC/CEJUSC da PMESP.

3.5.4 As inovações legislativas de 2015

O arcabouço normativo e legal a respeito do assunto robusteceu-se e, no


ano de 2015, o que era regido pelo ato normativo do CNJ foi acolhido em lei, com a
promulgação do novo CPC, que incentiva o uso dos métodos consensuais de
resolução de conflitos, de acordo com o disposto no seu artigo 3º (BRASIL, 2015a):
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo
judicial.

Nesse sentido, no Guia do CNJ (BRASIL, 2015b, p. 45, grifo nosso)


comenta-se o fortalecimento dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos
em face do novo Código:
O CPC/2015 fortalece, em boa hora, a conciliação, a mediação e a
arbitragem como mecanismos hábeis a pacificação social. Na
realidade, a nova codificação estabelece como uma de suas principais
premissas o incentivo a utilização dos métodos adequados de solução
consensual de conflitos, conforme se vê do artigo 3º, § 3º, inserido no
capítulo inicial que trata das normas fundamentais do processo civil.

No seu artigo 165 o novo CPC reproduz a determinação contida no artigo 8º


da Resolução do CNJ nº 125/10, de criação dos CEJUSC pelos tribunais, para
realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo
desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular o uso da
autocomposição.
O novo CPC inovou na inclusão dos métodos autocompositivos, assim como
traçou seus princípios e diretrizes. De forma geral, a atividade dos mediadores e
99

conciliadores nas causas civis é tratada na Seção V, Capítulo III, Título IV, parte
geral do novo referido Código.
Analisando-se os métodos de resolução de conflitos no âmbito do Direito
Civil, verifica-se que as soluções das causas dão-se por meio do processo e pelo
exercício da jurisdição, em conformidade com o artigo 3º do CPC, que reproduz a
regra constitucional: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou
lesão a direito”. Os parágrafos 2º e 3º do artigo 165 do CPC trazem as situações
nas quais se recomendam a conciliação e a mediação, o que já foi explanado neste
estudo.
Por sua vez, o artigo 166 do CPC (BRASIL, 2015a, grifo nosso) traz que a
mediação e a conciliação devem ser norteadas pelos princípios “[...] da
independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade,
da oralidade, da informalidade e da decisão informada”.
Dessa forma, conjugando o artigo acima com o 2º da Lei nº 9.099/95,
emerge que quanto mais simples o processo e respeitada a vontade das partes,
mais a conciliação e a mediação atingirão seus objetivos traçados em lei.
O regramento básico das audiências de conciliação e mediação segue a
disposição prevista no Capítulo V, do Título I, Livro I da parte especial do CPC, e
merece destaque o parágrafo 11 do artigo 334, o qual estabelece que a
autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
Conclui-se que, sempre que ocorrer um acordo de reparação de dano
durante uma sessão de mediação ou de conciliação, este será objeto de um termo
assinado física ou digitalmente pelas partes, com cláusulas estipuladas de valor
financeiro, seja de caráter indenizatório ao dano ocorrido, seja em razão de multa
pelo não cumprimento de determinada convenção, o qual, a partir do momento da
homologação da autoridade judiciária, adquire valor de título executivo judicial.
Essa possibilidade de homologação também é depreendida do artigo 190 e
seu parágrafo único do CPC (BRASIL, 2015a, grifo nosso), que estipula que nos
casos que versar sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes
convencionarem as regras, antes ou durante o processo, sobre as quais o Juiz, de
ofício ou a requerimento, controlará as convenções previstas neste artigo,
recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva.
Quase simultaneamente ao novo CPC, surgiu a Lei de Mediação – Lei nº
13.140, de 26 de junho de 2015 (BRASIL, 2015c) – que disciplina a mediação entre
100

particulares como meio de solução de controvérsias. Como tratam de assuntos


similares, o entendimento majoritário é de que, pelos princípios da especialidade e
da recenticidade31, caso houver algum confronto entre os dois normativos legais, a
Lei de Mediação deve prevalecer sobre o CPC.
Percebe-se, de outro lado, que a Lei de Mediação trata a conciliação de
forma perfunctória, concentrando maior atenção na mediação. O jurista Ricardo
Ranzolin (2015, p. 167) explica:
A Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, recentemente sancionada,
disciplina minuciosamente a mediação – a conciliação é tratada
esparsamente – com sobreposição de muitas normas em relação ao CPC.
Chama atenção o fato desta peça legislativa não referir qualquer revogação
parcial ou total do novo CPC, o qual foi totalmente ignorado, em que pese
ser evidente que, ao tratar de forma especial e mais recente da matéria,
será aquela, a princípio, a norma prevalecente.

A Lei da Mediação, no seu artigo 3º e parágrafos, reza que a mediação pode


versar sobre todo o conflito ou parte dele, tendo como objeto os direitos disponíveis
ou os indisponíveis que admitam transação (BRASIL, 2015c). Neste último caso, nos
chamados direitos indisponíveis transigíveis, será exigida a oitiva do Ministério
Público32 para que possa haver a homologação do acordo em Juízo.
Ainda antes da promulgação da Lei de Mediação, quando esta estava em
“processo de gestação” na forma de Projeto de Lei, Vasconcelos (2015, p. 172)
ponderava sobre a pertinência desse dispositivo:
[...] é muito importante este dispositivo, não apenas porque acolhe o
princípio da autonomia da vontade, mas porque afirma, indiretamente, a
possibilidade da mediação no tocante a matérias que envolvem, ao mesmo
tempo, direitos disponíveis, que podem ser objeto de negociação e
indisponíveis, aqueles que decorrem de normas imperativas.

A Lei nº 13.140/2015 trata da mediação extrajudicial (artigos 21 ao 23) e


da mediação judicial (artigos 24 ao 28), esta última a ser realizada nos CEJUSC.
O mediador judicial, de acordo com o art. 11 da lei de Mediação, deverá
ser pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior
de Ensino, bem como capacitado em curso reconhecido pela Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos tribunais.

31
O princípio da especialidade indica, quando em aparente conflito, a prevalência de norma especial
em relação à norma geral. O princípio da recenticidade, por sua vez, impõe que, havendo duas
normas que tratem sobre a mesma matéria de forma divergente, deve prevalecer a mais recente.
32
Essa participação necessária do Ministério Público nos casos que envolverem questões de direitos
indisponíveis transigíveis ocorre em consonância com o artigo 176 do CPC, que diz: “O Ministério
Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos
sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 2015a).
101

Já o mediador extrajudicial pode ser qualquer pessoa capaz que tenha a


confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de
integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, segundo
dispõe o artigo 9º da Lei de Mediação.
Convém pontuar que o artigo 175 do CPC permite também a conciliação e a
mediação por órgãos institucionais e atuação de profissionais independentes, cuja
atividade poderá ser regida por lei específica. Nesse sentido, a professora Fernanda
Tartuce33 (2015, p. 280 apud OLIVEIRA; VIEIRA, 2019, p. 62) diz:
A mediação extrajudicial pode ser realizada por mediadores independentes
ou por instituições voltadas à sua realização. Por ser operada sem o auxílio
de componentes dos quadros jurisdicionais, ela é denominada mediação
privada ou extrajudicial.

Dessa forma, a mediação não precisa necessariamente ser iniciada a partir


de indicação da Justiça, diante do que reza artigo 4º da referida lei, que autoriza que
o mediador seja escolhido pelas partes.
Já se vê aqui um mecanismo de empoderamento do indivíduo, porque lhe é
dada a oportunidade de resolver o conflito por meio de consenso, com livre escolha
do mediador, mediante concordância da outra parte, sem necessidade de se
recorrer, em um primeiro momento, à jurisdição, cujo acesso permanece-lhe
garantido.
Destarte, a mediação extrajudicial encontra campo de atuação em diversos
setores da sociedade, disponibilizada também pelos órgãos públicos para soluções
de contendas entre particulares, que podem repercutir em favor da pacificação dos
indivíduos.
Cláusula comum às mediações judiciais e extrajudiciais é que o acordo
resultante da mediação “[...] constitui título executivo extrajudicial e, quando
homologado judicialmente, título executivo judicial”, segundo a redação do parágrafo
único do artigo 20 da Lei nº 13140/15.
Assim, obviamente, no caso de acordo extrajudicial, concorrerá em favor da
homologação por parte da autoridade judiciária, quando ocorrer com atuação de
mediador com os requisitos e capacitação definidos no artigo 11 da Lei de
Mediação.

33
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4. ed. São Paulo: Método, 2017 (OLIVEIRA;
VIEIRA, 2019, p. 62).
102

Tartuce34 (2015, pag. 271 apud OLIVEIRA; VIEIRA, 2019, p. 42) ressalta a
importância do bom preparo para o exercício do papel de mediador:
Como já destacado, o mediador precisa ser apto a trabalhar com
resistências pessoais e obstáculos decorrentes do antagonismo de posições
para restabelecer a comunicação entre as partes. Seu papel é facilitar o
diálogo para que os envolvidos na controvérsia possam protagonizar a
condução de seus rumos de forma não competitiva.

No caso do policial militar, além do atendimento aos requisitos previstos em


lei, agrega-se sua formação diferenciada, ancorada em valores como a hierarquia e
a disciplina, que vem a torná-lo confiável para o pleno exercício das atividades de
mediação e conciliação, sob duplo controle, do judiciário e da Polícia Militar.
Ante as inovações apresentadas pela lei, faz-se necessário compreender a
abertura dada pelo CPC, assim como pela Lei de Mediação, em tornar as
conciliações e mediações, judiciais e extrajudiciais, mecanismos mais eficazes, além
do vislumbrado pelos ideólogos legislativos.
Convém reprisar, em relação aos propósitos da atuação da PMESP, o
método de conciliação apresenta menos suficiência quando se objetiva solucionar
um conflito, no que concerne a prevenir futuros acontecimentos, até mesmo de
caráter criminal, emergindo a mediação como um melhor caminho.
Bacellar (2012, p. 87) explica que a origem da conciliação no Processo Civil
Brasileiro, que só ocorria na fase processual, teve o propósito de extinção do
processo, com ou sem resolução do mérito. O autor cita que, seguindo esse viés, a
solução ofertada pode não ser suficiente e definitiva:
Nessas hipóteses (as duas primeiras ensejando a extinção do processo
com resolução do mérito, e a última – desistência da ação – sem apreciação
do mérito), embora ocorra a resolução da lide (parcela do conflito
levada ao conhecimento do Poder Judiciário), na verdade, em regra,
pode não ocorrer pacificação (BACELLAR, 2012, p. 88, grifo nosso).

Portanto, adotada de forma exclusiva na fase processual, a conciliação


poderia levar a transação, instituto previsto no artigo 840 do Código Civil de 2002: “É
lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões
mútuas”. No âmbito pré-processual, conjectura-se que a atividade de conciliação
pode ser muito mais producente, se nela também cuidar-se dos propósitos da
mediação, o que deve ocorrer, obviamente, antes da instauração da ação civil, na
fase pré-processual.

34
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4. ed. São Paulo: Método, 2017 (OLIVEIRA;
VIEIRA, 2019, p. 42).
103

Em suma, as normas jurídicas aqui discutidas trouxeram a possibilidade de


intervenção de terceiros, não necessariamente ligados à Justiça, a auxiliarem na
resolução de conflitos, por meio da mediação e da conciliação, promovendo o
acordo consensual entre as partes, o que se mostra perfeitamente compatível com o
exercício dessas técnicas por policiais militares, não somente em benefício da
Justiça, mas pelo efeito direto em prol das atividades atribuídas constitucionalmente
às Polícias Militares.

3.5.4.1 Os CEJUSC

Viu-se que os CEJUSC foram estabelecidos primeiramente por meio da


Resolução do CNJ nº 125/2010, que disciplinou a Política Judiciária Nacional de
Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse, e consolidados em lei, em 2015,
ao serem previstos no novo CPC e na Lei de Mediação.
Esses Centros passaram a realizar as audiências de conciliação e mediação
pré-processuais ou extraprocessuais. Isso porque a meta buscada pela política
judiciária é de que as conciliações fora do processo sejam em número maior do que
as que as ocorridas no curso da ação cível.
Importante salientar que os CEJUSC são considerados unidades do Poder
Judiciário e sua instalação, seja em prédio da própria Justiça, seja em entidades
públicas ou privadas pertencentes a terceiros, dependem de tratativas do Juiz
Coordenador Regional do CEJUSC com o respectivo NUPEMEC.
Oliveira e Vieira (2019, p. 70, grifo nosso) mencionam que os CEJUSC
agora estão no mesmo grau hierárquico de outros órgãos judiciais:
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça aprovou modificação na
Resolução 219/2016, norma que dispõe sobre distribuição de servidores,
cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder
Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências, para incluir
o CEJUSC como unidade judiciária. Agora, após a mudança da norma, o
CEJUSC está no mesmo patamar das varas, juizados, turmas recursais
e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores.

A organização desses CEJUSC é de responsabilidade dos Núcleos


Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflito (NUPEMEC), que
funcionam juntos aos Tribunais de Justiça das Unidades Federativas do país,
encarregados também do desenvolvimento da política judiciária estabelecida pela
Resolução do CNJ precitada.
104

No Estado de São Paulo, o NUPEMEC vincula-se à Presidência do TJSP e


tem sua estrutura, organização e funcionamento disciplinados em Regimento Interno
(TJSP, 2011). Atualmente, existem dez Coordenadorias Regionais (1ª a 10ª Região)
que apoiam o NUPEMEC na gestão dos CEJUSC no Estado de São Paulo,
distribuídas de acordo com o mapa representado na Figura 4.

Figura 4 Coordenadorias Gerais dos CEJUSC no Estado de São Paulo

Fonte: TJSP, 2020c, p. 12.

Desde 2011 os CEJUSC apresentam vertiginoso crescimento, chegando a


288 unidades em 2019, conforme indica o Gráfico 1.

Gráfico 1 CEJUSC instalados no Estado de São Paulo – 2011 a 2019

Fonte: TJSP, 2020c, p. 22.


105

A autorização do exercício da mediação e da conciliação vinculadas aos


CEJUSC por Instituições externas ao Poder Judiciário consta do artigo 3º da
Resolução CNJ nº 125/10, alterada pela emenda nº 2, de 8 de março de 2016, que
diz:
Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços
mencionados no art. 1º, podendo ser firmadas parcerias com entidades
públicas e privadas, em especial quanto à capacitação de mediadores e
conciliadores, seu credenciamento, nos termos do art. 167, § 3°, do Novo
Código de Processo Civil, e à realização de mediações e conciliações, na
forma do art. 334, dessa lei (BRASIL, 2010, grifo nosso).

A partir dessa autorização do CNJ, o TJSP, como se mostrará à frente,


firmou convênio com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para
instalação de CEJUSC em sede de OPM da PMESP.
Contabilizando os dados do último Relatório do NUPEMEC (TJSP 2020c, p.
22), dos duzentos e oitenta e oito CEJUSC no Estado de São Paulo, quinze
funcionam em prédios da PMESP, treze deles inaugurados no ano de 2019, o que
demonstra a confiança do TJSP na Instituição Castrense e a capacidade dos
policiais militares mediadores e conciliadores.
No caso da PMESP, estar em conformidade com as exigências do Judiciário
deve ser um foco constante, porque a autorização do TJSP, que hoje vige para o
funcionamento dos Centros, é precária, concedida mediante Termo de Cooperação
com validade de dois anos.

3.5.4.2 Efetividade dos CEJUSC

O mais recente Relatório de Atividades do NUPEMEC do Estado de São


Paulo (TJSP, 2020c), relativo a dados dos CEJUSC de 2012 a 2019 (Gráficos 2 e 3),
mostra que o número de audiências de conciliação vem crescendo ano a ano, com
acordos processuais sempre acima de 60% e os pré-processuais nunca inferiores a
80%.
Esses números, assim como os apontados nos Gráficos 4 e 5, demonstram
que a conciliação por intermédio dos CEJUSC apresenta um resultado bastante
favorável, principalmente se comparados às conciliações obtidas pelos JECrims, que
106

ainda serão dissecadas neste estudo35.


Em ambos os casos, nas causas de família e civis, os acordos nas
conciliações pré-processuais superam percentualmente os processuais.

Gráfico 2 Resultados do NUPEMEC – Área Família

Fonte: TJSP, 2020c, p.13.

Gráfico 3 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Família

Fonte: TJSP, 2020c, p.13.

35
Na subseção 3.6.4.2 encontram-se os números dos JECrims trazidos pelo IPEA, e na subseção
4.2.3, fruto de coleta secundária mais restrita, feita pelo autor, os dados desses Juizados do ano
de 2019 nos municípios de São José do Rio Preto e Araçatuba.
107

Observa-se que as conciliações relacionadas a causas de família


apresentam um percentual mais alto em comparação às causas estritamente cíveis,
representadas nos Gráficos 4 e 5, mas estas também têm um alto índice de
resolução no tocante às sessões pré-processuais, com 59% de acordos em 2019.

Gráfico 4 Resultados do NUPEMEC – Área Cível

Fonte: TJSP, 2020c, p.14.

Gráfico 5 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Cível

Fonte: TJSP, 2020c, p.14.

A discussão sobre esses indicadores, em comparação às conciliações dos


JECrims, pode ser em parte antecipada com base na análise do Relatório do
108

NUPEMEC, no que se refere à Semana Nacional de Conciliação36. Em 2019, o


evento ocorreu entre 4 e 8 de novembro, apresentando os resultados apontados na
Tabela 1.

Tabela 1 Resultados do TJSP na Semana Nacional de Conciliação de 2019 – CEJUSC


Conciliações pré-processuais
Audiências designadas 7315
Audiências realizadas 3759
Acordos homologados 2706
Fonte: TJSP, 2020c, p. 18.

Vê-se, comparando os resultados da Tabela 1 com os da Tabela 2, que,


considerando o total de audiências realizadas em relação ao total de conciliações
obtidas (acordo/composição civil) o percentual de sucesso dos CEJUSC (71,9%) é
muito maior que o dos JECrims (3,3%).

Tabela 2 Resultados do TJSP na Semana Nacional de Conciliação de 2019 – JECrims


Audiências criminais
Audiências designadas 1931
Audiências realizadas 1499
Homologatória de transação penal 662
Composição civil 50
Fonte: TJSP, 2020c, p. 18.

Obviamente, existem diversos fatores que influem nessa diferença, mas não
há como justificar tamanha discrepância senão pela forma como as conciliações
ocorrem no CEJUSC, mais voltadas à pacificação, enquanto nos JECrims, como se
verá em momento futuro, acabam relegadas a segundo plano, no que concerne à
resolução das causas socioafetivas que envolvem o conflito.
Sobre a conciliação, de forma geral, tem-se o anuário Justiça em Números
de 2020, publicado pelo Supremo Tribunal Federal, que não se resume a apresentar
estatísticas, trazendo também suas inferências. Na apresentação do anuário, que

36
A Semana Nacional de Conciliação é um evento anual coordenado pelo Conselho Nacional de
Justiça, no qual, no período de uma semana, os Tribunais Federais e Estaduais, inclusos os
Tribunais Regionais da Justiça do Trabalho, se dedicam em regime de mutirão e com especial
dedicação a realizar um maior número de conciliações nas áreas cível, penal e trabalhista.
109

discute os dados de 2019, o então Presidente do CNJ, Ministro Dias Toffoli,


assevera que a cultura de conciliação ainda evolui de forma lenta:
Além dos relevantes avanços alcançados no último ano, o Relatório Justiça
em Números 2020 apresenta também os gargalos da Justiça brasileira. A
litigiosidade no Brasil permanece alta e a cultura da conciliação,
incentivada mediante política permanente do CNJ desde 2006, ainda
apresenta lenta evolução.
Em 2019, apenas 12,5% de processos foram solucionados via conciliação.
Em relação a 2018, houve aumento de apenas 6,3% no número de
sentenças homologatórias de acordos, em que pese a disposição do novo
Código de Processo Civil (CPC), que, em vigor desde 2016, tornou
obrigatória a realização de audiência prévia de conciliação e mediação.
Conforme registrado no presente Relatório, aproximadamente 31,5% de
todos os processos que tramitaram no Poder Judiciário foram solucionados
(BRASIL, 2020a, p. 2, grifo nosso).

No que tange às conciliações no Estado de São Paulo, a expansão dos


NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP pode contribuir com a melhoria dos
números da Justiça Bandeirante, indo ao encontro da necessidade aventada pelo
Presidente do CNJ, ao mesmo tempo em que gera efeitos positivos para o
policiamento ostensivo.

3.5.5 Mediação e Conciliação de causas cíveis pela PMESP

Viu-se que o CNJ traça como objetivo do uso dos métodos autocompositivos
a pacificação social, expressão que, de certa forma, apresenta sinonímia com a
locução ordem pública. Em suma, a palavra paz (de pacificação) encontra
correspondência ao termo ordem, enquanto os vocábulos social (de sociedade) e
pública referem-se àquilo que interessa a todos, indistintamente.
Assim, a finalidade da mediação e da conciliação guarda total
compatibilidade com atribuições constitucionais das Polícias Militares, pelos efeitos
de prevenção primária e secundária, em prol da polícia ostensiva e da preservação
da ordem pública.
Buscar a paz social, otimizar o policiamento ostensivo e garantir a ordem
pública: por certo, esses foram os motores que levaram à primeira experiência da
PMESP com a atividade de mediação, ao inaugurar-se o seu primeiro Núcleo de
Mediação, em dezembro de 2011, no 26º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano
(26º BPM/M), sediado no município de Caieras, SP.
No Estado de São Paulo a Polícia Militar, por seu 26º Batalhão de Polícia
Militar Metropolitano, implantou pioneiramente a Mediação na Base
Comunitária de Segurança de Laranjeiras, rendendo-lhe menção honrosa
110
37
no “Prêmio Mario Covas” em 2013 (ZANELLI, 2013 , apud SILVA JÚNIOR,
2014, p. 17).

Segundo Silva Júnior (2014, p. 17) o projeto de Caieras não evoluiu porque
não foi institucionalizado, mas em 2013, em uma iniciativa mais abrangente, houve a
criação dos Núcleos de Mediação Comunitária (NMC)38 do CPI-5, na região de São
José do Rio Preto, SP.
Na ocasião, o Coronel PM Azor Lopes da Silva Júnior, em nível estratégico-
organizacional, instituiu, por meio da Nota de Instrução nº CPI5-001/03/13 (PMESP,
2013), cento e um Núcleos de Mediação Comunitária em noventa e seis
municípios. Expresso na Nota de Instrução que os criou, já era concepção, por
ocasião da criação desses Núcleos, sua vinculação à missão constitucional das
Polícias Militares:
6.1.6. Núcleo de Mediação Comunitária (NMC): local que visa congregar e
atender a comunidade local, tornando-se um ícone referencial, integrado
com as demais atividades praticadas pela instituição, na missão de
preservação da ordem pública (PMESP, 2013, grifo nosso).

Tal iniciativa foi agraciada (Figura 5), no ano seguinte, com o 10º Prêmio
Mário Covas (MEDIAÇÃO..., 2014), na categoria “inovação em gestão estadual”,
quando superou mais de trezentos projetos concorrentes.

Figura 5 Troféu do 10º Prêmio Mário Covas

Fonte: MEDIAÇÃO..., 2014.

O Relatório Descritivo dos Núcleos de Mediação Comunitária na


Mesorregião de São José do Rio Preto (SÃO PAULO, 2014) apresentado à

37
ZANELLI, Maria Lúcia. O peso justo do serviço público. São Paulo: Diário Oficial do Estado de
São Paulo, Poder Executivo, Seção 1, v. 123, n. 100, 29 mai. 2013 (SILVA JÚNIOR, 2014, p. 17).
38
À época não era adotada a sigla NUMEC, a qual veio a se consolidar com a Nota de Instrução N°
PM3-005/03/17 (PMESP, 2017).
111

Fundação Mario Covas é bastante elucidativo quanto aos cuidados com o preparo
dos policiais militares, que passaram a atuar como mediadores.
Na oportunidade, já se vislumbrava que um dos focos da mediação era a
solução dos conflitos e seus benefícios ao policiamento ostensivo:
O problema enfrentado pelo programa é alta demanda social pela
intervenção policial em conflitos interpessoais de origem familiar ou de
vizinhança, além daqueles gerados por ocasião de acidentes de trânsito
(SÃO PAULO, 2014).

Esse empreendimento de 2013 foi precedido de um minucioso trabalho de


um grupo docente multidisciplinar, que capacitou os policiais militares daquele
Grande Comando nas técnicas de mediação, por meio de cursos da Secretaria
Nacional da Segurança Pública (SENASP) e treinamentos de neurolinguística39
(Figura 6), o que mostra a seriedade institucional que sempre foi dispensada a esse
importante instrumento de pacificação social.

Figura 6 Seminário sobre Programação Neurolinguística.

Fonte: SÃO PAULO, 2014.

Dos cursos da SENASP, a Nota de Instrução do CPI-5 reproduziu no seu


item 6.1.4 o conceito de Mediação Comunitária, de Bernadete Moreira Pessanha
Cordeiro et al. (CORDEIRO, 2009):
Mediação Comunitária: área de aplicabilidade da mediação de conflitos, a
mediação comunitária é uma importante ferramenta para a promoção do
empoderamento e da emancipação social. Por meio dessa técnica, as
partes direta e indiretamente envolvidas no conflito têm a oportunidade de

39
Seminário sobre Programação Neurolinguística, realizado entre 21 e 22 de fevereiro de 2013, em
São José do Rio Preto, SP (SÃO PAULO, 2013).
112

refletir sobre o contexto de seus problemas, de compreender as diferentes


perspectivas e, ainda, de construir em comunhão uma solução que possa
garantir, para o futuro, a pacificação social.

As sedes das OPM tiveram que adequar suas estruturas para funcionamento
dos Núcleos (Figura 7) e foi estabelecido um projeto de comunicação visual (Figura
8), a fim de levar a informação sobre o funcionamento desses importantes
instrumentos de pacificação às respectivas comunidades.

Figura 7 Sala de Mediação Comunitária

Fonte: SÃO PAULO, 2014.

Figura 8 Cartaz do Núcleo de Mediação


Comunitária

Fonte: o autor.
113

Anterior ao CPC e à Lei de Mediação de 2015, a Nota de Instrução,


(PMESP, 2013), no seu item 6.3.5.1, apresenta uma série de exigências para
atuação dos mediadores, como aprovação no Curso de Mediação Comunitária da
SENASP, perfil para realização da atividade, conhecimento da comunidade e dos
conflitos nela existente, habilidades específicas, iniciativa, entusiasmo,
comprometimento e comportamento ético, além de estar, no mínimo, no bom
comportamento.
Antecipando o que será discutido adiante, verifica-se aqui que constavam no
item 6.2.8.1 da Nota de Instrução (PMESP, 2013), no rol de ocorrências a serem
mediadas, entre outras, os conflitos decorrentes de infrações penais em que a
ação penal seja privada ou pública condicionada à representação do ofendido
ou seu representante legal.
No período inicial, a Mediação Comunitária mostrou-se um método bastante
promissor, porém, ainda, devido à sua incipiência, era um processo que era visto
com bastante insegurança, com poucos visionários do potencial desses
instrumentos em prol da preservação da ordem pública.
O Gráfico 6 aponta a queda dos números de ocorrências passíveis de
mediação após implantação dos Núcleos de Mediação do CPI-5:

Gráfico 6 Evolução de pequenas infrações penais no CPI-5

Fonte: HELENA; VASCO; OLIVEIRA, 2016, p. 14.


114

Foi na sede do CPI-5, no município de São José do Rio Preto, que os


NUMEC mostraram-se mais eficientes e alcançaram os mais relevantes resultados,
que vieram a inspirar sua expansão por todo o Estado, de acordo com o Relatório
Descritivo mencionado (SÃO PAULO, 2014, grifo nosso):
No dia 31 de outubro de 2013, em São José do Rio Preto, foi realizado pelo
CPI-5, um Congresso de Polícia Comunitária, onde o tema central foi o
Programa de Mediação Comunitária. Com a participação de jornalistas,
autoridades regionais e de toda a equipe de liderança da Polícia Militar na
região (120 Oficiais), foram apresentados “cases” de Mediação havidos
naqueles primeiros 3 meses de implantação do programa, tudo com o
objetivo de se intercambiar experiências e vencer os eventuais
desalinhamentos. Os resultados apresentados superaram as
expectativas.

Os elaboradores do aludido Relatório, após confrontarem as informações do


segundo semestre de 2012 com as do mesmo período do ano de 2013, inferiram
que já se revelava reduções de 23% das ameaças, de 33% das ocorrências de
desentendimentos interpessoais e de 6,6% de casos de
perturbação do sossego (Gráfico 7).
Os acidentes de trânsito não tiveram redução, mas foi observado que isso
ocorreu porque sua causa não decorria de conflitos anteriores, mas geralmente da
imperícia, imprudência ou negligência de condutor de veículo.

Gráfico 7 Comparativo de ocorrências dos segundos


semestres de 2012 e 2013

Fonte: SÃO PAULO, 2014.

O 17º BPM/I, cujos Núcleos de Mediação Comunitária estão entre os


implantados em 2013, é a Unidade Operacional que responde pelo município sede
do CPI-5 e traz resultados mais recentes (Gráfico 8).
115
40
Gráfico 8 Comparativos de ocorrências do 17º BPM/I

Fonte: MARTINS, 2019.

Obviamente, sabe-se que os índices criminais são influenciados por


situações multifatoriais e que as causas de redução da criminalidade e do número
de atendimentos de ocorrências não decorrem unicamente de um fator, mas é fato
que a implantação dos Núcleos de Mediação de São José do Rio Preto coincidiu
com o período de baixa dos índices de ocorrências relacionadas aos casos em que
concorre a mediação.
Estes números mostram-se como um dos indicativos da eficiência e
agilidade das soluções por intermédio dos Núcleos de Mediação Comunitária, em
especial, se comparados aos números do Estado41 que mostra também uma
redução, porém, bem menos acentuada que a vista no município de São José do
Rio Preto.

40
No Gráfico 8, em destaque, onde se lê conduta inconveniente deve-se ler desinteligência.Tal
dissonância deve-se ao fato de que no período em apreciação o código para ocorrências de
desinteligência (C-04) do COPOM de São José do Rio Preto estava inativo, motivo pelo qual as
ocorrências eram cadastradas como conduta inconveniente (C-02).
41
Na subseção 4.2 encontram-se os índices criminais referentes a ocorrências mediáveis e o
comparativo de São José do Rio Preto em relação aos números do Estado de SP no ano de 2019.
116

A exitosa experiência do CPI-5 levou outro Grande Comando, o CPI-10, a


inaugurar, em 2016, Núcleos de Mediação Comunitária em oito municípios, onde o
sucesso da medida se repetiu.
E foi além, ao estabelecer convênio de mútua cooperação com o TJSP, que
promoveu a junção do NUMEC de Araçatuba com uma Unidade do CEJUSC (Figura
9), no ano de 2017, e capacitou, nos termos da Resolução nº CNJ nº 125/10,
policiais militares ao trabalho de mediação e conciliação, já sob a égide do novo
CPC e da Lei de Mediação.

Figura 9 Placas dos CEJUSC em


Unidades da PMESP

Fonte: o autor.

Assim, decorrente de publicação em Diário de Justiça Eletrônico do dia 12


de abril de 2017, com inauguração cerimonial no dia 26 do mesmo mês, a 1ª
Companhia PM do 2º BPM/I tornou-se o primeiro posto de CEJUSC no país a ser
abrigado em um quartel da Polícia Militar. Nasciam, então, os NUMEC/CEJUSC.
Cabe aqui mencionar a destacada participação na implantação dos
NUMEC/CEJUSC em Araçatuba de dois policiais militares: o 1º Tenente PM Fábio
Aparecido Webel de Oliveira e o Cabo PM Roberto Carlos Vieira.
Sobre a experiência, ambos escreveram o livro Mediação Comunitária na
Segurança Pública, prefaciado pelo Desembargador José Carlos Ferreira Alves,
Coordenador e Presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos.
117

Na obra, os autores mencionam a respeito da legalidade da iniciativa:


Desta forma, fica claro que uma parceria entre Segurança Pública e Poder
Judiciário é, além de legalmente possível, estimulada pela legislação
vigente. Sendo assim, existe a possibilidade de tornar o NUMEC um órgão
híbrido que podemos chamar de NUMEC/CEJUSC (OLIVEIRA; VIEIRA,
2019, p. 71).

A iniciativa araçatubense prosperou e o TJSP, em 2018 (Figura 10), firmou o


Convênio nº 000.102/2018/Cv (SÃO PAULO, 2018) com a PMESP, mediante
interveniência da Secretaria de Segurança Pública (SSP/SP), a fim de expandir os
NUMEC/CEJUSC para outros municípios do Estado.

Figura 10 Celebração do Convênio entre TJSP e SSP

Fonte: PARCERIA..., 2018a.

No ato da assinatura do convênio, o presidente do TJSP, Desembargador


Manoel de Queiroz Pereira Calças, enfatizou: “Esperamos que, por meio desse
acordo, consigamos trazer para os paulistas mais paz e serenidade e que o nosso
fim seja sempre atingido” (PARCERIA..., 2018b).
Essa esperança do ínclito Presidente do TJSP é o que move o presente
trabalho, de que as atividades dos NUMEC/CEJUSC, sob a responsabilidade dos
policiais militares, tornem-se um instrumento de pacificação social e repercuta em
prol da segurança pública.
118

Hoje, ao todo, existem cento e vinte e cinco NUMEC e quinze Unidades de


NUMEC/CEJUSC vinculadas à PMESP, conforme Tabela 3. Constam, ainda, dos
dados fornecidos pela DPCDH, dois NUMEC/CEJUSC a serem inaugurados em
breve, no 20º BPM/I, em Caçapava, e no 7º BPM/I, em Sorocaba.

Tabela 3 Unidades dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP em 2020


Grande Comando Batalhão de
Município NUMEC CEJUSC
Comando de Área Área
CPC CPA/M-5 49º BPM/M São Paulo (Pirituba) 1 0
CPA/M-4 48º BPM/M São Paulo (Itaquera) 1 1
CPM CPA/M-7 26º BPM/M Franco da Rocha 2 0
CPI CPI-1 20º BPM/I Caraguatatuba 5 0
CPI-2 34º BPM/I Atibaia 1 1
CPI-3 3º BPM/I Ribeirão Preto 1 1
38º BPM/I São Carlos 1 0
15º BPM/I Franca 1 1
43º BPM/I Sertãozinho 1 1
CPI-5 16º BPM/I Fernandópolis e municípios 49 0
17º BPM/I São José Rio Preto 3 1
30º BPM/I Catanduva e municípios 16 0
52º BPM-I Mirassol e municípios 30 0
CPI-8 25º BPM/I Adamantina 1 1
Dracena 1 1
32º BPM/I Paraguaçu Paulista 1 1
Cândido Mota 1 1
Assis 1 1
CPI-10 2º BPM/I Araçatuba 3 1
Birigui 1 1
Penápolis 1 1
28º BPM/I Andradina 3 1
TOTAL 125 15
Fonte: Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da PMESP, 2020.

Porém, nota-se que, apesar do número aparentemente expressivo, são


poucos os Batalhões da PMESP no Estado que possuem NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC instalados, o que demandaria, segundo o que se expõe neste
trabalho, o recrudescimento de uma política do Comando da Instituição no sentido
de promover a expansão desses Núcleos e Centros, disseminando uma cultura que
coloque o policial militar como agente pacificador na sociedade.
Para se ter uma noção da distribuição dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da
PMESP elaborou-se o mapa a seguir (Figura 11), o qual mostra que a prática da
119

mediação e da conciliação encontra-se ainda adstrita a determinadas regiões do


Estado.

Figura 11 Situação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP em 2020

Fonte: O autor, a partir dos dados da DPCDH (2020).


42
(1) Mapa elaborado na ferramenta Google Maps .

Dessa forma, imagens como as reproduzidas nas Figuras 12 e 13 colocam a


PMESP em sintonia com as autoridades públicas de todos os Poderes Constituídos,
fortalecendo a concepção de Polícia Comunitária (PMESP, 2005), alinhada aos
princípios de respeito aos direitos humanos e à dignidade dos cidadãos.

Figura 12 Inauguração do CEJUSC da PMESP em


Paraguaçu Paulista

Fonte: PARCERIA..., 2019.

42
Disponível em: https://www.google.com/intl/pt-BR/maps/about/mymaps/. Acesso em: 1 out. 2020.
120

Figura 13 Inauguração do CEJUSC da PMESP em São José do Rio Preto

Fonte: o autor.

Esse empenho institucional já é denotado na consolidação da Nota de


Instrução nº PM3-005/03/17 (PMESP, 2017), com vinculação à DPCDH, publicada
um ano antes do mencionado Convênio com o TJSP, que regulamenta a atuação
dos NUMEC e dos NUMEC/CEJUSC, já com alterações promovidas pela Ordem
Complementar nº PM3-002/03/19, de 15 de março de 2019.
Entre as alterações mais significantes promovidas pela Ordem
Complementar em comento, destaca-se o subitem 4.5, que trata da necessidade em
se conjugar esforços com o TJSP:
4.5. estabelecer parceria com o Poder Judiciário no sentido de obter-se
capacitação dos policiais militares, apoio administrativo para a instalação de
postos dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania no
âmbito da Polícia Militar (NUMEC/CEJUSC) e homologação das mediações
(PMESP, 2019).

Assim, consolida-se um sistema de mediação e conciliação na PMESP, que


encontra na referida Nota de Instrução (PMESP, 2017) o instrumento que reconhece
os institutos de resolução consensual de conflitos como efetivos mecanismos de
pacificação social e de preservação da ordem pública.
Porém, como dito, poucas OPM puseram em prática o que se poderia se
chamar de “Programa de Mediação Comunitária” da PMESP. Conforme se
aprofundará adiante, sob o ponto de vista deste trabalho, o entendimento é de que,
além de se promover a expansão das OPM com NUMEC e NUMEC/CEJUSC, deve-
121

se ampliar o seu campo de atuação, a fim de alcançar mais plenamente as


finalidades da Instituição Castrense, no que se refere às suas atribuições
constitucionais. Nesse sentido, também se pronunciou o Tenente Coronel Paulo
Sérgio Martins, entrevistado no Apêndice IV.
No item 6.7 da aludida Nota de Instrução (PMESP, 2017) têm-se os tipos de
casos estabelecidos para resolução de conflitos por meio de mediação ou
conciliação:
6.7. Circunstâncias passíveis de mediação através dos NUMEC:
6.7.1. conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, regulados por
normas de Direito Civil;
6.7.2. conflitos de vizinhança;
6.7.3. conflitos resultantes da perturbação de sossego público;
6.7.4. conflitos familiares, desde que observadas as peculiaridades
previstas na legislação referente a cada caso, a exemplo da Lei nº 8.069, de
13JUL90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 10.741, de
01OUT03 (Estatuto do Idoso), Lei nº 11.340, de 07AGO06 (Lei Maria da
Penha) e Lei nº 13.146, de 06JUL15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência);
6.7.5. se em qualquer das circunstâncias anteriores for constatada violência
ou grave ameaça, deverão ser adotadas as providências referidas na Nota
de Instrução nº PM3-001/02/15, de 03SET15 [Sistemática de atuação da
Polícia Militar no atendimento e registro de ocorrências (Resolução SSP-
57/2015)];
6.7.6. pessoas incapazes (menores ou inimputáveis), absoluta ou
relativamente, que figurem como parte da mediação comunitária, deverão
ser assistidas ou representadas por seus pais, tutores ou curadores, na
forma da lei.

Mais uma vez, a Nota de Instrução (PMESP, 2017) em destaque traz a


vinculação dos métodos alternativos de solução de conflitos com as missões
constitucionais da PMESP:
3.2. recepcionando a previsão constitucional, uma das filosofias básicas do
sistema de policiamento é justamente dar ênfase à ação preventiva,
particularmente no que concerne aos métodos de prevenção primária,
destinados a evitar ou reduzir a ocorrência de infrações penais, por meio da
identificação, avaliação, remoção ou redução das condições propícias e dos
fatores precursores;
3.3. como alternativas para a prevenção de ocorrências policiais, focadas na
solução de controvérsias, surgem as modalidades de autocomposição de
conflitos, entre as quais a negociação, a arbitragem, a conciliação e as
mediações extrajudiciais e judiciais, todas com o condão de elidir a
jurisdição contenciosa, por regra mais dispendiosa e mais longa.

Porém, percebe-se que nessa Nota de Instrução, diferentemente da Nota do


CPI-5 já mencionada (PMESP, 2013), não foram expressamente inclusas as
infrações penais de menor potencial ofensivo de ação penal pública condicionada ou
privada no rol de ocorrências a serem mediadas ou conciliadas pelos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC.
122

Convém lembrar que a atuação dos policiais militares como mediadores e


conciliadores não é remunerada, embora isso seja previsto nos artigos 13 e 22,
parágrafo 3º da Lei de Mediação.
No caso, o policial militar atua de forma voluntária e assina termo nesse
sentido, situação acolhida pelo artigo 169, parágrafo 1º do CPC, o qual diz que a
“[...] mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário,
observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal”.
Vislumbra-se que a expansão das conciliações e mediações na PMESP, por
meio da hibridez dos NUMEC/CEJUSC, conforme mencionada por Oliveira e Vieira
(2019, p. 71), possa gerar maior eficiência da referida Instituição no sentido prevenir
ocorrências de delitos por meio de métodos alternativos, e assim dar-se maior
eficiência ao policiamento ostensivo.
Cabe ressaltar que, por ocasião da elaboração do projeto para a presente
pesquisa, não se vislumbrava a pandemia do coronavírus que parou o planeta.
Essa situação prejudicou o andamento dos novos CEJUSC e veio a limitar o campo
de investigação, embora, em razão do porte dos municípios, Araçatuba e São José
do Rio Preto tenham fornecido elementos suficientes para suportar a presente tese.
Mas, ao mesmo passo em que os problemas surgem, novas oportunidades
se apresentam, a exemplo da iniciativa da primeira mediação por meio de vídeo
conferência, feita pelo NUMEC/CEJUSC de São José do Rio Preto (Figura 14).

Figura 14 Primeira mediação do CEJUSC por videoconferência no Estado de São Paulo

Fonte: PMESP, 2020.


123

A publicação afirma que a mediação realizada pela mediadora Patrícia


Daniele Frehi, Soldado PM, alcançou êxito e que esse novo formato de audiência
permite que a população tenha acesso aos métodos de resolução de conflitos,
durante as restrições devido à pandemia do novo coronavírus.
A visão que o Poder Judiciário tem dos CEJUSC que funcionam nas OPM
paulistas é das melhores, conforme indicou o Desembargador José Carlos Ferreira
Alves (TJSP, 2020c, p. 23).
Essa impressão foi objeto de destaque no Relatório do NUPEMEC de 2019,
que reserva as páginas 23 a 28 para tratar sobre os Centros instalados em quartéis
da PMESP, assim prefaciadas:
Mediante formalização de termo de convênio entre o Tribunal de Justiça e o
Governo do Estado, foi possibilitada a implantação de postos dos Cejuscs
nos “Núcleos de Mediação Comunitária” (Numecs) instalados nos batalhões
da Polícia Militar, seguindo o exemplo bem sucedido ocorrido no Cejusc de
Araçatuba, onde foi instalado o primeiro posto em parceria com a Polícia
Militar.
Os Numecs disponibilizam policiais capacitados para ajudar na solução
pacífica dos conflitos, ficando subordinados à Diretoria de Polícia
Comunitária e de Direitos Humanos.
Todos os policiais militares que realizam conciliação e mediação nos postos
dos Cejuscs instalados nos Numecs foram capacitados em Mediação
Judicial, nos termos da resolução 125/2010 do CNJ. Os termos de acordos
elaborados nessas unidades são objeto de homologação pelos Juízes
Coordenadores dos Cejuscs vinculados. Foram instalados 13 postos em
2019.

Dessa forma, dentro de suas atribuições constitucionais, vê-se que a


PMESP possui estrutura e preparo não somente para execução da mediação e da
conciliação, mas para expandir esse tipo de atividade pelo Estado, contando com a
seriedade com que é encarada pelo Comando da Instituição, com mediadores e
conciliadores formados dentro de um ambiente disciplinado e nos parâmetros do
CNJ.

3.5.5.1 Oposições à mediação e à conciliação feitas pela PMESP

Em que pese haver consenso do TJSP, materializado por meio de convênio


firmado junto à SSP, ainda surgem algumas vias de contestação sobre o
funcionamento das mediações e conciliações em Unidades da PMESP, a exemplo
da Representação nº 7725/2017 feita ao Ministério Público em São José do Rio
Preto (MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, 2017) pela Polícia Civil, que
124

procurou imputar prática de ato de improbidade administrativa à Polícia Militar, em


razão da atividade dos Núcleos de Mediação Comunitária.
A 4ª Promotoria de Justiça da citada Comarca, por meio do parecer do
Promotor de Justiça Sérgio Clementino, indeferiu a representação formulada pela
Delegacia Seccional de Polícia de São José do Rio Preto, ocasião em que
manifestou pela inexistência de indícios de improbidade administrativa por parte da
Polícia Militar. Foi além, ao consignar a pertinência, a importância e a legalidade do
exercício da mediação pelos policiais militares. Do parecer do Ministério Público, eis
alguns extratos:
[...] verifica-se que referido órgão de segurança pública tem buscado
agir em favor da sociedade, pacificando conflitos sociais e, assim,
atuando em conjunto com os demais órgãos públicos em busca de levar à
sociedade emancipação social e cidadania [...].
Veja-se, inclusive, que na cerimônia de inauguração do Núcleo de
Mediação Comunitária da Polícia Militar em São José do Rio Preto e
região (CPI-5), ocorrida no dia 24 de julho de 2013, estavam presentes
representantes do Ministério Público, Poder Judiciário e Ordem dos
Advogados do Brasil, além do chefe do Poder Executivo Municipal,
Secretária Municipal de Educação e Deputado Federal, tendo a solenidade
sido presidida pelo Desembargador Ademar José Ferreiro da Silva,
representando o Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo. [...]
Por sua vez, em São José do Rio Preto ocorreram apenas no ano passado,
803 (oitocentos e três) acordos de mediação finalizados, o que certamente
contribuiu para o desafogamento do Poder Judiciário e para que a
sociedade pudesse resolver seus próprios problemas de maneira
amadurecida, com cidadania.
Sendo assim, entendo que eventual ausência de atribuição específica da
Polícia Militar para realização das audiências de mediação, ausente o dolo
de praticar qualquer ilegalidade, não tem o condão de configurar a prática
de ato de improbidade administrativa. Pelo contrário, indica que a Polícia
Militar do Estado de São Paulo busca aproximar-se dos cidadãos,
proporcionando-lhes sentimento de confiabilidade em referido órgão
público (MPSP, 2017, grifos nossos).

O parecer do Ministério Público mostra-se bastante completo e vem a


corroborar o disposto neste estudo, seja em face dos fins sociais aos quais se
destinam as mediações e conciliações feitas pelos policiais militares, seja em razão
da pertinência e da legalidade da atuação da PMESP por meio dos NUMEC e,
agora, dos NUMEC/CEJUSC.
Um dos motivos do pleito da Polícia Civil, possivelmente, vem do fato de as
mediações da Polícia Militar, de alguma forma, concorrerem com as feitas pelos
Núcleos Especiais Criminais (NECRIMs) daquela Instituição. Porém, a mediação e a
conciliação feitas por uma Instituição (NUMEC) não interferem nas promovidas pela
outra (NECRIM), mas convém dizer que, diferentemente da atuação legal da Polícia
125

Militar, transparece que a atuação dos NECRIMs configura desvio de finalidade, pois
esse tipo de atividade não guarda mínima relação com a função de polícia judiciária
ou de apuração de infração penal, consistentes em atos de investigação criminal.
Em outra vertente, atualmente, encontra-se sub judice, aguardando decisão
do STF, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6251/19, promovida pela
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, contra o
Decreto nº 61.974/2016 do Governador do Estado de São Paulo, que criou os
NECRIMs da Polícia Civil, os quais, em síntese, realizam conciliações referentes a
fatos que envolvam infrações penais de menor potencial ofensivo cuja ação penal
seja pública condicionada ou privada, algo que se assemelha à proposta deste
estudo, diferindo apenas quanto ao Órgão executor.
Na representação, datada de 8 de novembro de 2019, além de questionar o
Decreto Estadual, que estaria invadindo competência da União em legislar sobre
matéria processual penal, o CONAMP (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2019, p. 17) entende que o ato do Poder Executivo
paulista seja materialmente inconstitucional, vez que “[...] evidente que delegados de
polícia não detêm atribuições para realizarem audiência de composição, por meio de
mediação ou conciliação. Tais funções são exclusivas do Poder Judiciário, com a
participação de membro do Ministério Público”.
O último ato praticado nesse processo foi a juntada do parecer do Advogado
Geral da União (AGU), à época André Luiz de Almeida Mendonça, que entende
improcedente o pedido do CONAMP, destacando-se em suas alegações o que
segue:
Trata-se de medida inovadora e eficaz para a celeridade da resolução
de conflitos e para a pacificação social, que tem obtido resultados
expressivos para a economia processual, tendo em vista a vasta
capilaridade das unidades de polícia judiciária.
De todo modo, cumpre registrar que, conforme consta das informações
prestadas pelo requerido, “todos os procedimentos realizados são
submetidos à apreciação dos magistrados para fins de homologação, com
prévia manifestação do membro do Ministério Público” (fl. 23 do documento
eletrônico nº 12).
Nessa linha, o decreto impugnado prevê, dentre as atribuições dos
NECRIMs, o dever de “encaminhar ao Poder Judiciário o termo
circunstanciado elaborado, após a realização da audiência de composição e
a formalização do Termo de Composição de Polícia Judiciária - TCPJ, que
instruirá aquele, independentemente de consenso entre autor e ofendido”
(artigo 2º, inciso II).
Essa disposição evidencia que a composição eventualmente obtida
pelos NECRIMs permanece sujeita à avaliação do magistrado
competente para o caso, de modo que a disciplina veiculada no ato
126

questionado não interfere no exercício das atribuições constitucionalmente


reservadas aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Assim, caso a composição promovida pela Polícia Civil não seja
homologada judicialmente, o Juizado Especial Criminal já terá recebido o
termo circunstanciado que viabiliza o prosseguimento da fase preliminar e
do rito sumaríssimo a serem observados no âmbito dos Juizados (BRASIL,
2020b, p. 18, grifos nossos).

Já o parecer do Procurador Geral de Justiça (PGR) centra-se na questão da


constitucionalidade do Decreto Estadual em face de Leis Federais e, nesse ponto,
entende que a arguição do CONAMP não merece prosperar, posto que não houve a
criação de cargos públicos para exercício de polícia judiciária e que não há invasão
de competência do Ministério Público, uma vez que o TCO é encaminhado
regularmente à Justiça:
Dado que a providência final, de envio do termo circunstanciado à
autoridade judiciária, não se aparta da diretriz legal, não excluindo a
atuação do Ministério Público nem a apreciação do Poder Judiciário,
constata-se que se trata de exercício do poder regulamentar da
Administração Pública, nos limites das atribuições do Chefe do Poder
Executivo previstas no art. 84, IV e VI, a, da CF/1988 (BRASIL, 2020c, p.
18).

Por ora, aguarda-se o parecer do STF sobre a causa, mas é possível inferir
que os argumentos do AGU e do PGR aproveitam aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
no que concerne a mediarem e conciliarem casos de infrações penais de menor
potencial ofensivo e, consequente, realizar a Polícia Militar registro do TCO, quando
cabível, tema sobre o qual se aprofundará neste estudo.
Não obstante, mesmo porque as manifestações do AGU e PGR não
poderiam ser extra ou ultra petita, os pareceres emitidos deixaram de tratar sobre
um aspecto básico que parece eivar de ilegalidade a atuação da Polícia Civil, a
saber: a conciliação e a mediação não são atos de investigação, ou seja, não se
enquadram na função de polícia judiciária, que se destina a colecionar elementos de
prova para ação penal.
Logo, as atividades dos NECRIMs mostram-se incongruentes com as
missões constitucionais da Polícia Civil, assim descritas no art. 144 de nossa Carta
Democrática:
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (BRASIL,
1988, grifo nosso).

Não obstante, o Decreto Estadual em comento (SÃO PAULO, 2016) dá


como atribuição do NECRIM:
127

Artigo 2° - São atribuições básicas dos Núcleos Especiais Criminais -


NECRIMs:
I - receber os procedimentos de polícia judiciária de autoria conhecida,
boletins de ocorrência ou termos circunstanciados, referentes às infrações
penais de menor potencial ofensivo de ação penal pública condicionada à
representação ou de ação penal privada, para instrução e realização de
audiência de composição, por meio de mediação ou conciliação, entre
autores e ofendidos;
II - encaminhar ao Poder Judiciário o termo circunstanciado elaborado, após
a realização da audiência de composição e a formalização do Termo de
Composição de Polícia Judiciária - TCPJ, que instruirá aquele,
independentemente de consenso entre autor e ofendido, bem como nas
hipóteses em que tenha se verificado a retratação da vítima quanto ao
direito de representação ou de requerimento.
§ 1° - Havendo composição entre autor e ofendido quanto aos danos, em
decorrência da audiência de composição, mesmo que este não ofereça
representação ou não requeira providências face ao autor, será lavrado o
respectivo termo circunstanciado.

Preliminarmente, uma vez que se discorrerá a respeito na subseção 3.6,


observa-se que o parágrafo 1º do artigo 2º do Decreto em comento, exceto quando
se tratar de retratação do ofendido, mostra-se avesso à lei processual penal, diante
da interpretação analógica dos parágrafos 4º e 5º do artigo 5º do CPP, uma vez que
contraria a vontade do ofendido, que não deseja prosseguir com a ação penal.
Se nos crimes de ação penal pública condicionada ou privada o Inquérito
Policial (IP) não pode ser iniciado sem a representação ou requerimento do
ofendido, muito menos cabimento tem, sem situação similar, o registro do TCO.
Nesse sentido, inclusive, coaduna-se com a posição da Juíza e do Promotor de
Justiça entrevistados nos Apêndices II e III.
Em outra linha, os NECRIMs, além de desviarem-se da lei, ao se empenhar
policiais civis para cuidarem de casos fora de sua atribuição, podem ser vistos como
um ato de improbidade administrativa, pois despendem gastos financeiros, tempo e
esforços em detrimento do seu papel primordial e constitucional, que é o de
investigar e elucidar delitos, em especial os mais graves.
Essa situação de ineficiência é exposta pelo Relatório do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que incluiu o Estado de São Paulo e aponta
em suas pesquisas a subnotificação criminal, em decorrência do excesso de
demandas apresentado nas Delegacias da Polícia Civil:
No Brasil, apesar de a legislação indicar a necessidade de instauração de
inquérito policial sobre todas as notícias-crime, na prática, não é bem isso o
que acontece em uma delegacia de polícia. Nem todas as notícias de
crime se convertem em BO – e nem todas as ocorrências são
transformadas em inquéritos policiais. [...] Fatores ligados à repercussão
do crime e ao status social das vítimas contribuem significativamente para a
instauração dos inquéritos, mas, de forma geral, a lógica de seleção dos
128

casos refere-se muito mais à necessidade que os delegados e agentes


de polícia têm de administrar o volume de trabalho. Assim, havendo
informações suficientes no BO, instaura-se inquérito sem a realização
de investigação. Do contrário, arquiva-se a ocorrência. Portanto, a
investigação criminal não é uma regra, mas uma exceção (INSTITUTO
DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2015, p. 28, grifos nossos).

Essa pouca produtividade só não é menor em razão da eficiência da Polícia


Militar, pois a maioria dos Inquéritos Policiais é instruída a partir das prisões em
flagrantes feitas por policiais militares.
Verificando o conjunto dos processos analisados nesta pesquisa, constata-
se que 59,2% deles foram instruídos por um inquérito instaurado (tabela 1)
a partir da prisão em flagrante dos suspeitos e 34,8% a partir de inquéritos
iniciados por portaria. Além disso, em 6,0% dos casos os acusados já se
encontravam presos por motivos alheios ao processo. Ou seja, em 64,4%
dos processos analisados os acusados já se encontravam presos no
momento da instauração dos inquéritos policiais [...] (IPEA, 2015a, p. 28).

Sob coordenação do professor de Sociologia e doutor em Ciências Humanas


Michel Misse43, o estudo intitulado O Inquérito Policial no Brasil: uma Pesquisa
Empírica, do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflitos e Violência Urbana da
UFRJ, aduz que os crimes que “[...] apresentam melhor taxa de elucidação
resultam de flagrantes, isto é, do trabalho das Polícias Militares e não de
investigações da Polícia Civil” (MISSE, 2010, p. 43 apud CANDIDO, 2016, p. 106,
grifo nosso).
A pesquisa de CANDIDO (2016, p. 153, grifo do autor) mostra que esse
problema não é novo e que a ineficiência repercute na apuração dos crimes contra a
vida, o maior bem do indivíduo.
O dado mais notável para a presente pesquisa é sobre a autoria dos crimes.
Apenas 19,58% dos registros de homicídio são de autoria conhecida: a
grande maioria, 76,65%, é de autoria desconhecida. No entanto, 90,36%
das ocorrências convertidas em inquérito são de homicídios com autoria
conhecida. Em síntese, todo registro deveria virar investigação, mas há uma
seletividade patente centrada nos 10% de conhecidos, ou seja, aqueles
cometidos por vizinhos, parentes, colegas de trabalho, amigos de bar, etc.
Se há flagrante, esse número cresce para 97,64%.

Outros autores sinalizam no mesmo sentido. Em 2010, Sergio Adorno, então


Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-Cepid/USP) e Wânia
Pasinato, à época Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos de Gênero –
Pagu, da Unicamp, publicaram um artigo que demonstrava a realidade da
investigação promovida pela Polícia Civil e mostravam essa preocupante situação,

43
MISSE, Michel (Org.). O Inquérito Policial no Brasil – Uma Pesquisa Empírica. 1. ed. Rio de
Janeiro: Booklink/FENAPEF/NECVU, 2010 (CANDIDO, 2016, p. 106).
129

que só não é pior em razão das prisões em flagrante delito, cuja maioria,
inquestionavelmente, é feita pela Polícia Militar:
A taxa de conversão de BOs em IPs em que houve flagrante delito é maior
(96,7%) do que em autoria conhecida (74,7%), comparativamente à
proporção de crimes consumados (4,3%). Nos casos em que houve
flagrante, as taxas de conversão são elevadas tanto para crimes violentos
quanto não violentos (97,3 e 96,3%, respectivamente). Para latrocínio e
homicídios, ambos envolvendo desfechos fatais, como também para
estupro, as proporções superam os 100%. Tudo indica que o flagrante é
poderoso estímulo à investigação policial (ADORNO; PASINATO, 2010,
p. 75, grifo do autor).

Se a investigação criminal, principal competência da Polícia Civil, é


exercida de forma tão precária, não há motivos para atue com exclusividade em
situações menos graves que não demandem investigação, nem para impedir a
mediação e a conciliação pela PMESP.
Em suma, os índices de esclarecimentos da Polícia Civil são irrisórios e a
investigação praticamente uma atividade passiva, cuja maioria das soluções não é
fruto de uma investigação elaborada, mas do aproveitamento das prisões em
flagrante realizadas pela Polícia Militar, decorrente de sua atuação repressiva
imediata. É o que deixa claro o estudo do IPEA:
Deste modo, a apuração de crimes, longe de centrar-se em uma atividade
voltada para inteligência policial na elucidação de fatos e conhecimento da
autoria do crime, torna-se, na maior parte das vezes, passiva na espera da
autuação das prisões em flagrante para que o inquérito não seja arquivado.
O indivíduo preso seria, então, a garantia da continuidade do inquérito para
o deslinde processual (IPEA, 2015a, p. 31).

A atividade de investigação poderia ser muito mais eficiente e mais bem


aproveitada se a Polícia encarregada da apuração criminal saísse a campo, ao invés
de centrar-se em atividades que lhe fogem à sua competência.
No que se refere à Polícia Militar, essa vedação não incide, pois a ampla
atribuição de preservação da ordem pública, que impõe à Instituição a atuação de
polícia preventiva e repressiva imediata, permite o exercício da mediação e da
conciliação, que tem natureza preventiva primária, com reflexo imediato na
prevenção secundária, decorrente da atividade de policiamento ostensivo.
No caso da Polícia Militar, não se almeja integrar atividades de outro Poder,
mas atuar dentro de suas atribuições como órgão do Poder Executivo, em total
afinidade à sua missão constitucional, de polícia ostensiva e de preservação da
ordem pública.
130

No entanto, ainda que se discorde da ideia de não conformidade das


conciliações feitas pela Polícia Civil, tem-se como certo que não há impedimento
para a Polícia Militar exercer esse papel de forma concorrente.
Nesse caso, cada Instituição pode atender às suas próprias demandas,
tornando mais amplo e acessível o serviço ao cidadão, o qual poderá escolher o
órgão público em que confie para atendimento de seu problema.

3.6 A conciliação e mediação aplicadas às infrações de menor potencial


ofensivo

Antes de falar-se da conciliação feita no JECrim, importante que, de forma


sucinta, sejam dadas algumas noções básicas sobre Direito Penal e Processual
Penal necessárias ao desenvolvimento do assunto.

3.6.1 Ação penal

De forma basilar, a ação penal encontra-se prevista nos artigos 100 ao 106
do Código Penal e nos artigos 24 ao 66 do CPP.
Guilherme de Souza Nucci (2016, p. 109) conceitua ação penal como:
[...] o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar em juízo,
solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das
normas de direito penal ao caso concreto. Através da ação, tendo em vista
a existência de uma infração penal precedente, o Estado consegue realizar
a sua pretensão de punir o infrator.

Vê-se que o direito de ingressar em Juízo será do Estado-acusação,


consubstanciado na figura do Ministério Público, nos casos de ação penal pública.
Nesse sentido, reza a CF/88, em seu artigo Art. 129, inciso I, quando coloca como
uma das funções institucionais do Ministério Público a promoção privativamente da
“[...] ação penal pública, na forma da lei”.
Dessa forma, em regra, segundo a compreensão que se obtém do artigo 100
do Código Penal, “[...] a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a
declara privativa do ofendido” (BRASIL, 1940, grifo nosso). A ressalva, por óbvio,
refere-se à ação penal privada.
A ação penal pública de qualquer natureza tem como titular o Ministério
Público e como peça inicial a denúncia (artigo 100, parágrafo 1º do CP e artigo 24,
131

caput, do CPP). Damásio de Jesus (2011, p. 703) explica que esse tipo de ação
possui duas formas: ação penal pública incondicionada e a ação penal pública
condicionada. Sobre a ação penal pública incondicionada, o autor esclarece:
A ação penal é pública incondicionada quando o seu exercício não se
subordina a qualquer requisito. Significa que pode ser iniciada sem a
manifestação de vontade de qualquer pessoa. Ex.: ação penal por crimes
de homicídio, aborto, infanticídio, lesão corporal grave, furto, estelionato,
peculato etc. (JESUS, 2011, p. 703).

Lembra-se, por oportuno, que no caso das contravenções penais o artigo 17


da Lei de Contravenções Penais (LCP) determina que a ação penal será sempre
pública incondicionada (BRASIL, 1941b).
Parte da doutrina e da jurisprudência entende que há uma única
contravenção que deve ser equiparada à ação penal pública condicionada: a de vias
de fatos (artigo 21 da LCP).
Isso porque o dispositivo acolhe a prática de uma agressão que não gera
ferimento, emergindo incoerência em não se exigir representação, visto que o
resultado mais gravoso, que seria uma lesão corporal leve (artigo 129 do CP),
depende de manifestação da vítima para prosseguimento, de acordo com o artigo 88
da Lei nº 9.099/95.
Silva Junior44 (2003 apud NASSARO 2012) pontua a exceção:
[...] os Tribunais vêm entendendo que, por consequência, a contravenção
penal “vias de fato” (art. 21 da LCP, caso de agressão sem lesão como
corte, fratura, hematomas e outras) também passou a ser de ação penal
pública condicionada. Por raciocínio lógico: se a vítima pode dispensar a
ação penal no crime (lesões corporais), o mesmo deve ocorrer na
contravenção penal (vias de fato) que é considerado delito menor.

No caso da ação penal pública condicionada à representação do


ofendido, o seu titular continua sendo o Ministério Público, mas este depende de
autorização do ofendido para procedê-la. Mirabete (1993, p. 352) esclarece: “Pode a
ação pública depender da representação que se constitui numa espécie de pedido-
autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a
função expressam o desejo de que a ação seja instaurada".

Dessa forma, a representação do ofendido – ou de seu representante legal –


é uma condição, sem a qual não pode o Ministério Público dar seguimento a ação

44
SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Manual de apoio jurídico operacional: Termo Circunstanciado
de Ocorrência. Bauru, SP: Colorgraf, 2003 (NASSARO 2012).
132

penal. É o que acontece, por exemplo, no crime de ameaça, que se encontra assim
previsto no Código Penal:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro
meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação (BRASIL,
1940, grifo nosso).

Observa-se que quando a lei expressamente trouxer a expressão se


procede mediante representação o crime será de ação penal pública condicionada.
Porém, a previsão de representação como condição da ação penal nem
sempre vem prevista no próprio artigo que tipifica o delito. É o caso das lesões
corporais dolosas e culposas do artigo 129 do Código Penal e da lesão corporal
culposa descrita no Código de Trânsito Brasileiro. Nesses delitos, a representação
está prevista na Lei nº 9.099/95, em seu artigo 88, que diz: “Além das hipóteses do
Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal
relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas” (BRASIL, 1995).
A ação penal também será pública condicionada quando o Ministério
Público, nos casos previstos em lei, depender de requisição do Ministro da Justiça.
Porém, não se alongará aqui nesse assunto por não interessar a este estudo.
O ofendido pode se retratar da representação somente enquanto não tiver
sido iniciada a ação penal, ou seja, antes do oferecimento da denúncia do Ministério
Público ao Juiz competente. Após isso, será irretratável, segundo o previsto, de
forma idêntica, nos artigos 25 do CPP e 102 do CP.
As infrações penais de ação penal privada, cuja titularidade é do particular,
são identificadas pelo uso da expressão somente se procede mediante queixa.
Mirabete (1993, p. 357) ensina que, ainda assim, o poder de punir permanecerá
sempre com o Estado:
Embora o jus puniendi pertença exclusivamente ao Estado, este transfere
ao particular o direito de acusar (jus accusationis) quando o interesse do
ofendido se sobrepõe ao menos relevante interesse público, nos delitos cuja
repressão interessa muito de perto apenas à vítima.

A ação privada tem como peça instauradora a queixa e segue o princípio da


conveniência ou oportunidade, vez que é dada plena faculdade ao ofendido em
propor a ação, bem como a ela renunciar.
Cabe pontuar que um dos princípios norteadores desse tipo de ação penal é
o da disponibilidade, o qual indica que ofendido pode dispor da ação penal privada,
antes de iniciá-la, por meio da renúncia (artigo 104 do CP), ou depois de iniciado o
133

processo fazendo uso do instituto do perdão (artigos 105 e 106 do CP), mas neste
caso dependerá de aceitação por parte do acusado.
A decadência ou a renúncia ao direito de queixa gera, consequentemente,
da extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, V, do CP. Dessa forma, a
renúncia trata-se de um ato unilateral, pois independe do aceite da outra parte, e só
ocorre no âmbito pré-processual.
Após o início do processo, é possível o ofendido dispor da ação, por meio do
perdão, mas este instituto não será objeto do presente estudo, pois ocorre somente
durante o processo, quando já não advém ação dos policiais militares que atuam
como conciliadores e mediadores na fase pré-processual.
Em complemento, Damásio de Jesus (2011, 703) ainda nos traz as
subdivisões doutrinárias da ação penal privada: a ação penal exclusivamente
privada; a ação penal privada subsidiária da pública. O autor elucida:
A primeira espécie ocorre quando o CP determina que a ação penal é de
titularidade exclusiva do ofendido ou de seu representante legal. Ex.: crime
do art. 161, § 3.º, do CP. Na segunda, embora a ação penal continue de
natureza pública, permite-se que o particular a inicie quando o titular não a
propõe no prazo legal. Suponha-se um crime de furto em que o Promotor
Público não ofereça denúncia dentro do prazo legal (CPP, art. 46, caput).
Permite-se que o ofendido ou seu representante legal dê início à ação penal
(CP, art. 100, § 3.º).

No caso da ação penal privada subsidiária da pública, essa garantia decorre,


primeiramente, do mandamento constitucional disposto no artigo 5º, LIX (BRASIL,
1988), que diz que “[...] será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal”.
Mas, essa explicação é meramente contextual, pois, para o propósito deste
estudo, interessarão somente as ações penais exclusivamente privadas.
Cabe ainda ressaltar que, em comum, há duas circunstâncias a respeito das
ações penais privadas e das ações penais públicas condicionadas:
a) a decadência do direito de representar ou de queixa nos dois casos,
se não houver previsão específica em contrário, ocorrerá na forma do
art. 38 do CPP, ou seja, em seis meses, contados do dia em que o
ofendido vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso da ação
privada subsidiária, do dia em que se esgotar o prazo para o
oferecimento da denúncia (BRASIL, 1941a);
b) quanto à forma, tais ações poderão ser intentadas de modo oral ou
escrito (artigo 39, parágrafo 1º do CPP), seja por particulares, seja
134

por pessoa jurídica, representada por seu representante legal (artigo


37 do CPP).
Enfim, para facilitar uma visão geral sobre as ações penais, reproduz-se o
quadro sinótico da obra de Damásio de Jesus (Figura 15).

Figura 15 Quadro sinótico sobre ação penal pública

Fonte: JESUS, 2011, p. 704.

3.6.2 Persecução penal

3.6.2.1 Noções básicas sobre persecução penal

A persecutio criminis45 é a atuação do Estado a partir do conhecimento da


infração penal - notitia criminis46 - no sentido de colher elementos de provas que
possibilitem a promoção da ação penal pelo Ministério Público ou pelo particular.
É fato que, conhecida a notícia do crime, já na atuação de repressão
imediata, o primeiro movimento das Forças Policiais, na maioria das vezes as
encarregadas do policiamento ostensivo, ocorre no sentido de prender-se o autor, ou
autores, do delito.
Em face do que prevê o artigo 301 do CPP, qualquer autoridade policial, seja
do policiamento ostensivo, seja da investigação, diante da notícia de um crime, deve
agir imediatamente no sentido de prender o autor. O art. 302 do mesmo Código traz
as situações de flagrância delitiva:
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele autor da infração.

45
Expressão do latim que significa “persecução penal”.
46
Expressão do latim usada no meio jurídico que significa “notícia do crime”.
135

De forma breve, a classificação do flagrante é a seguinte:


a) o direto, que corresponde aos previstos nos incisos I e II do artigo 302
do CPP; e
b) o presumido, quando a prisão ocorrer nas circunstâncias dos incisos
III e IV do mesmo artigo.
Não estando o autor em situação de flagrante delito, emerge a necessidade
de investigação. Nesse caso, conhecida a notitia criminis, com indícios de
materialidade, mas ausentes elementos que autorizem a prisão em flagrante, ou cuja
autoria seja desconhecida, o fato deverá, em regra, ser apurado por meio de
Inquérito Policial, seguindo assim iniciada a persecução penal, visando a encontrar
elementos informativos de autoria e materialidade do delito que permitam a
proposição da ação penal.
O Inquérito Policial é um ato administrativo relativo à função de polícia
judiciária que tem por fim, conforme dispõe o artigo 4º do CPP, “[...] a apuração das
infrações penais e da sua autoria” (BRASIL, 1941a).
Nucci (2016, p. 55) descreve que a finalidade do Inquérito Policial é “[...] a
investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos
para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o
particular, conforme o caso”.
Portanto, o inquérito policial é um ato de investigação e deverá ser
instaurado quando do conhecimento das infrações penais de ação penal pública
incondicionada, que implica em ato de ofício da autoridade policial. Dessa forma,
diante da materialidade de um crime, o princípio da obrigatoriedade do processo
penal faz com que, havendo justa causa, nos crimes de ação penal pública
incondicionada, em conformidade com o que prevê o artigo 5º, I e II, do CPP, a
instauração do Inquérito Policial seja compulsória.
Sobre esse princípio, Nucci (2016, p. 33) ensina:
[...] princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e princípio
consequencial da indisponibilidade da ação penal: significa não ter o órgão
acusatório, nem tampouco o encarregado da investigação, a faculdade de
investigar e buscar a punição do autor da infração penal, mas o dever de
fazê-lo. Assim, ocorrida a infração penal, ensejadora de ação pública
incondicionada, deve a autoridade policial investigá-la e, em seguida,
havendo elementos, é obrigatório que o promotor apresente denúncia.

No entanto, nos casos em que a ação seja pública condicionada ou privada,


a investigação só pode ser iniciada mediante a representação ou requerimento,
136

conforme a situação, da vítima ou de seu representante legal. Assim, nos casos de


ação penal pública condicionada, não pode a autoridade policial instaurar de ofício o
Inquérito Policial, porque depende de representação do ofendido ou requisição do
Ministro da Justiça, de acordo com o artigo 5º, parágrafo 4º, do CPP, que diz: “O
inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não
poderá sem ela ser iniciado” (BRASIL, 1941a, grifo nosso).
Desse modo, esse dispositivo legal, impede a instauração de Inquérito
Policial e a investigação nos casos em que o ofendido, nos crimes de ação penal
pública condicionada, não manifestar seu interesse em representar.
Torna-se, a representação do ofendido, condição sine qua non47 para
instauração de Inquérito Policial, e na sua ausência, o máximo que pode ser feito é
um registro da ocorrência.
Da mesma forma, o Ministério Público não poderá intentar ação penal
pública quando não houver representação do ofendido, nos termos do artigo 24 do
CPP.
Situação semelhante ocorre nas infrações de ação penal privada. Sem o
devido requerimento do ofendido ou representante legal, não pode a autoridade
policial instaurar o Inquérito Policial. É o que se infere do artigo 5º, parágrafo 5º, do
CPP: “Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá
proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.
Após instauração do Inquérito Policial, a autoridade policial, diante do
princípio da indisponibilidade, não poderá arquivá-lo (artigo 17 do CPP).
Mas o princípio da obrigatoriedade da instauração do Inquérito Policial não
incidirá nos casos de infrações de menor potencial ofensivo cuidadas pela lei nº
9.099/95, inclusive quando a ação penal for pública incondicionada. Nessa linha,
Marcellus Polastri Lima (2005, p. 66) adverte:
Trata-se, evidentemente, de verdadeira exceção à regra geral do art. 5º, §
5º, do Código de Processo Penal pelo art. 69 da Lei 9.099/95, pois, em se
tratando de delito de menor potencial ofensivo, não há que se falar em
instauração de inquérito, e sim de termo circunstanciado.

A Lei nº 9.099/95 trouxe um tratamento diferente no tocante às infrações


penais de menor potencial ofensivo e é sobre isso que se tratará a seguir.

47
A expressão sine qua non, proveniente do latim, tem o significado literal de “sem a qual não”, ou
seja, que determinada condição é requisito inafastável para o exercício de determinada atividade
ou para alcance de determinado objetivo.
137

3.6.2.2 Persecução penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo

A primeira distinção refere-se à desnecessidade de instauração de Inquérito


Policial ou do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) quando houver elementos
suficientes para lavratura do TCO, instituído pelo artigo 69 da Lei nº 9.099/95 como o
instrumento apto para registro de infrações penais de menor potencial ofensivo.
Outra situação é a da não prisão em flagrante delito do autor quando este concordar
em comparecer ao JECrim.
O TCO, diferentemente do Inquérito Policial, é um mero registro de
ocorrência e não se trata de um instrumento de investigação criminal.
Lima (2005, p. 66, grifo nosso) assente nesse sentido ao dizer que, após a
Lei dos Juizados Especiais entrar em vigor, as infrações de menor potencial
ofensivo, com autoria e materialidade definida, não carecem de investigação,
sendo passíveis de um mero registro:
Com o advento, entretanto, da Lei 9.099/95, pode-se dizer que, apesar de
continuarmos adotando o sistema da duplicidade de instrução, a primeira
fase, concernente à investigação, em nome dos princípios da celeridade e
informalidade, foi reduzida de tal forma que a Autoridade Policial só
deverá colher os elementos existentes no clamor do fato, de forma
sucinta, lavrando-se o que se denomina termo circunstanciado, que
nada mais é do que uma coleta abreviada das versões dos envolvidos,
indicação de testemunhas e outros dados relevantes, constando o
registro de requisição do exame de corpo de delito e outras perícias.

Portanto, o TCO não é uma peça destinada à apuração penal, mas um


mero registro da ocorrência, o qual, segundo a lei, deve ser encaminhado “[...]
imediatamente ao Juizado, com autor do fato e a vítima” (BRASIL, 1995).
Note-se, que a Lei nº 9.099/95, no aspecto teleológico, não prevê a
realização de diligências investigativas, mas o encaminhamento imediato ao JECrim.
Seguindo o espírito da norma, a autoridade policial que tomar conhecimento desse
tipo de ocorrência deve conduzir, na mesma hora, as partes envolvidas do local para
o Juizado competente.
Embora muitos autores digam que o TCO seja, para os casos de infração
penal de menor potencial ofensivo, um substituto do Inquérito Policial, pode-se
também entender que funcione em substituição ao APFD.
Isso porque, no estado flagrancial, o autor do delito mais grave poderá ser
preso e lavrado o auto APFD pela autoridade policial. Já no caso das infrações
138

penais de menor potencial ofensivo, o APFD será substituído pelo TCO, nos termos
do artigo parágrafo único do artigo 69 da Lei nº 9.099/95: “Ao autor do fato que, após
a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o
compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se
exigirá fiança” (BRASIL, 1995).
Ou seja, de acordo com esse dispositivo, o encaminhamento imediato do
autor ao JECrim, ou seu compromisso de a ele comparecer, elide sua prisão em
flagrante delito e, consequentemente, evita a lavratura do APFD, que será
substituído pelo TCO.

3.6.2.3 Lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar

Enquanto o Inquérito Policial, como peça de apuração penal, fica adstrito, de


acordo com a natureza do delito, às Polícias Civil e Federal, o Termo
Circunstanciado pode ser lavrado por outras autoridades policiais, entre elas,
os policiais militares, por não ser peça de investigação, mas um simples registro de
ocorrência.
Esse posicionamento encontra amparo na lei e vem se pacificando com
base em larga jurisprudência no sentido de que o registro do TCO pela Polícia Militar
não fere nenhuma norma legal ou atribuição, apesar dos óbices que se opõem em
muitos Estados.
Aqui se inserem as considerações feitas na subseção 2.2.2.1, quando se
comentou sobre as atribuições das Polícias Militares e sua atuação nos campos de
polícia administrativa (por meio da prevenção) e de polícia judiciária (nas ações de
repressão imediata).
Do ponto de vista legal, relembra-se que na nossa Lei Maior reserva a
função de polícia judiciária, no âmbito estadual, à Polícia Civil, mas não há nenhuma
menção em nosso ordenamento jurídico sobre a exclusividade de tal função 48,
exceto no que se concerne à Polícia Federal49.

48
A CF/88, no seu artigo 144, parágrafo 4º: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares”. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
49
No que se refere à Polícia Federal, a CF/88, no art. 144, parágrafo 1º, IV prevê a exclusividade:
“exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. (BRASIL, 1988, grifo
nosso).
139

Nesse sentido, tem-se a recentíssima decisão do STF, relativa à ação direta


de inconstitucionalidade apresentada pela Associação dos Delegados de Polícia do
Brasil (ADEPOL), julgada improcedente pela 1ª Turma da Corte Suprema, da qual se
destaca o voto da relatora, Ministra Carmem Lúcia (BRASIL, 2020d, p. 17, grifo
nosso), a qual refuta a colocações da requerente e deixa de forma clara que o TCO
não é ato de investigação:
[...] O entendimento de que a lavratura de termo circunstanciado não
configura atividade investigativa e, portanto, não é função privativa de
polícia judiciária não contraria jurisprudência assentada deste Supremo
Tribunal Federal.
12. Considerando-se que o termo circunstanciado não é procedimento
investigativo, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as
declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se
reconhecer que a possibilidade de sua lavratura pelo órgão judiciário não
ofende os §§ 1º e 4º do art. 144 da Constituição, nem interfere na
imparcialidade do julgador.

Pode ser suscitado que a decisão refira-se somente à possibilidade de o


Poder Judiciário elaborar o TCO, que foi o objeto da ação, e não a outras
Instituições, mas não merece prosperar tal argumento, porque o voto é bem claro ao
referir-se à natureza desse tipo de registro, no sentido de que não configura
atividade investigativa, bem como a declarar de forma taxativa que não é função
privativa de polícia judiciária.
Essa posição, aliás, corrobora-se no próprio voto, quando a Ministra cita
(BRASIL, 2020d, p. 14, grifo nosso) doutrinas e jurisprudências anteriores, a
exemplo de Damásio de Jesus50:
[...] A função de polícia judiciária, que compreende toda a investigação e
produção extrajudicial de provas, é conduzida por Delegado de Polícia de
carreira e não policial militar. No caso da Lei n. 9.099, contudo, não existe
função investigatória nem atividade de polícia judiciária. A lei, em
momento algum, conferiu exclusividade da lavratura do termo
circunstanciado às autoridades policiais, em sentido estrito. Trata-se
de um breve, embora circunstanciado, registro oficial da ocorrência, sem
qualquer necessidade de tipificação legal do fato, bastando a probabilidade
de que constitua alguma infração penal.

A Ministra (BRASIL, 2020d, p. 14, grifo original) menciona ainda Ada


Pellegrini Grinover et al.51:
Embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos
processos penais que tramitam nos Juizados Especiais, o termo

50
JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 53-54 (BRASIL, 2020d, p. 14).
51
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118 (BRASIL, 2020d, p. 14).
140

circunstanciado não é procedimento investigativo. Na dicção de Ada


Pellegrini Grinover, “o termo circunstanciado (…) nada mais é do que um
boletim de ocorrência mais detalhado”.

No libelo (BRASIL, 2020d, p. 14), nota-se que a ADEPOL apresentou


precedente de inconstitucionalidade de norma estadual que atribuía à Polícia Militar
a lavratura de TCO, sob o entendimento de tratar-se de função de polícia judiciária,
mas a Ministra Carmem Lúcia (BRASIL, 2020d, p. 16) deixou bem claro que na
ocasião não era esse o objeto da discussão, mas sim a substituição dos Delegados
de Polícia por policiais militares nas Delegacias, o que não tem nada a ver com
TCO.
A respeito dessa situação, a Ministra fez questão de enfatizar seu voto
naquela outra oportunidade:
Nesse julgamento, mesmo que tenha havido incursões dos julgadores sobre
o fato de policiais militares lavrarem termo circunstanciado de ocorrência,
não foi esse, definitivamente, o foco do debate, menos ainda o sentido da
decisão final. [...]
A questão da lavratura dos termos circunstanciados foi, naquele caso,
meramente circunstancial – consentindo-me a um jogo de palavras; não se
discutiu sobre a lavratura do termo, mas sobre o exercício de função
distinta da eminente ou tipicamente militar, e de maneira lata. [...]
Por outro lado, a própria expressão ‘termo circunstanciado’ remete, como
agora destacado pelo Ministro Celso de Melo, à Lei n. 9.099, que, na
verdade, não é função primacial da autoridade policial civil. A doutrina
registra que essa é uma função que pode ser exercida por qualquer
autoridade policial. [...]
A matéria particular e especialmente posta da lavratura de termo de
ocorrência circunstanciado por policial militar não foi objeto de análise
específica pelo Supremo Tribunal na Ação Direta da Inconstitucionalidade nº
3.614/PR, de modo a que seja conclamado este Tribunal a contemplá-la
com força vinculante por constar, como fundamento, daquele mesmo
julgado. Foi observada a questão, mas en passant, e daí a falta de
identidade material (BRASIL, 2020d, p. 17 – 18, grifo nosso).

Logo, o registro do TCO não decorre de investigação, mas dos elementos


que se têm à mão, estando todas as provas consubstanciadas e coletadas, com
autor e vítima definidos, sujeitas apenas à realização de prova pericial.
Portanto, o TCO é tão somente uma de peça registro da ocorrência, que
pode ser feito por qualquer outra Instituição policial que não seja a Polícia Civil, a
qual não detém exclusividade na função de polícia judiciária e não tem, nessas
situações, a sua atribuição investigativa penal violada.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o único óbice ao registro de TCO
vem de uma Resolução da Secretaria de Segurança Pública (SÃO PAULO, 2009),
que à época veio a proibir os TCO feitos pela PMESP, que vinham sendo
registrados em caráter experimental desde 2001, somente em algumas Unidades,
141

por causa de outra Resolução anterior da mesma Secretaria de Estado (SÃO


PAULO, 2001).
Porém, compartilha-se aqui o entendimento de que um ato normativo do
Poder Executivo de natureza administrativa não pode sobrepor-se à lei e a
Resolução da SSP, além de parecer contrário ao ordenamento legal, antagoniza o
próprio posicionamento do Poder Judiciário Paulista, o qual, por meio das Normas
Gerais da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ), avaliza e autoriza o registro dos
TCO pela PMESP, por meio do artigo 671 do Provimento CGJ 30/2013:
Art. 671. A autoridade policial que atue no policiamento ostensivo ou
investigatório, ao tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado.
§ 1º O juiz de direito responsável pelas atividades do juizado é autorizado a
tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados por policiais
militares, desde que também assinados por oficial da Polícia Militar (TJSP,
2013, grifos nossos).

Além dos posicionamentos do TJSP e do STF, foi emitida a Nota Técnica nº


1, de 31/01/2020, pelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), sob lavra
da Desembargadora Janice Goulart Garcia Ubialli, do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, que é clara em favor da lavratura do TCO pelas Polícias Militares:
[...] a legislação e a jurisprudência pátrias não impõem óbice a que o
procedimento criminal nos Juizados Especiais criminais possa se iniciar com
lastro em TCO lavrado pela Polícia Militar ou por agentes de trânsito, em
respeito inclusive ao Princípio da Eficiência (art. 37 da CF/1988).
O art. 69 da Lei nº 9.099/95 dispõe que, em relação aos crimes de menor
potencial ofensivo e às contravenções penais, o termo circunstanciado
será lavrado por qualquer autoridade policial que tomar conhecimento
da ocorrência, seguindo o procedimento com a apresentação de autor e
vítima ao Juizado Especial, sem menção a condicionantes ou à
homologação do TCO pelo delegado civil.
[...]
Ademais, o compartilhamento da competência para lavratura de TCO de
menor potencial ofensivo entre todos os órgãos de segurança pública
previstos no art. 144 da CF e respectivos órgãos de apoio, ao invés de
fragilizar a base de dados da Polícia Civil, como alegado, reforça, na
realidade, o ideal de integração entre as forças de combate ao crime
estabelecida pela Lei n. 13.675/2018, que criou o Sistema Único de
Segurança Pública – SUSP, que, como sabido, vem apresentando bons
resultados desde a sua criação.
[...]
Historicamente a jurisprudência dos Juizados Especiais vem repelindo
alegações de nulidade processual decorrente da suposta incompetência da
Polícia Militar para lavrar termos circunstanciados, haja vista o Enunciado
Criminal n. 34 do FONAJE (Atendidas as peculiaridades locais, o termo
circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar). No mesmo
sentido, a Conclusão II do Encontro Nacional de Presidentes dos Tribunais
de Justiça, realizada em Vitória (ES) no mês de outubro de 1995, e a
decisão proferida pelo CNMP no Pedido de Providências
0.00.000.001461/2013-22 (BRASIL, 2020e, grifos nossos).
142

Do mesmo FONAJE, entidade que congrega os Magistrados integrantes do


Sistema dos Juizados Especiais, também veio outra mais recente manifestação,
expressa por meio da Nota Técnica nº 2, de 4 de agosto de 2020 (BRASIL, 2020f,
grifos nossos), suportada na mencionada decisão da Ministra do STF Carmem
Lúcia, que corrobora a atribuição das Polícias Militares, entre outros órgãos, para a
lavratura do TCO:
Assim, ao contrário do que se poderia supor, a ocasional lavratura de TCO
no órgão jurisdicional, reitere-se, se e quando viável a imediata realização
de audiência preliminar, não exclui, nem tampouco suplanta, a
realização do ato por qualquer agente de segurança pública: polícia
federal, polícias rodoviária e ferroviária federal, polícias civis, polícias
militares e guardas municipais (art. 144, I a V, e § 8º, da Constituição
Federal).

Por isso, ao mesmo tempo em que se permite ao órgão jurisdicional registrar


o TCO, não se exclui a competência de qualquer outro agente de segurança fazê-lo,
incluindo os integrantes das Polícias Militares. Para não deixar dúvidas, a referida
Nota Técnica assenta sua posição:
[...] O art. 69 da Lei n. 9.099/1995, que não pode ser interpretado
restritivamente em face do disposto no art. 144 da Constituição Federal,
dispõe que, em relação aos crimes de menor potencial ofensivo e às
contravenções penais, o termo circunstanciado será lavrado por
qualquer agente de segurança pública que tomar conhecimento da
ocorrência, seguindo o procedimento com a apresentação de autor e vítima
ao Juizado Especial ou, na impossibilidade, tomando o compromisso de
oportuno comparecimento.

Essa manifestação trata especialmente dos crimes dos artigos 28 e 48 da


Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), mas a sua conclusão é universal em relação ao
TCO, no sentido de não ser uma atividade investigativa restrita à Polícia Civil.
A Resolução da SSP/SP de 2009 há pouco comentada, que não permite o
registro do TCO pela PMESP, além de contrariar os posicionamentos de nossa
Justiça, reveste-se de aparente inconstitucionalidade, quiçá um ato de improbidade,
pois impende prejuízo econômico ao Estado, decorrente do gasto de dinheiro
público com combustível para desnecessários deslocamentos do local dos fatos até
as Unidades Policiais, com consequente retirada das viaturas do seu setor de
patrulhamento.
Essa economia é, inclusive, mencionada na Nota Técnica nº 1/20 do
FONAJE:
Ao todo, 12 estados da federação autorizam a lavratura de TCO com
encaminhamento direto ao Poder Judiciário, o que resultou, no último
biênio, no registro de 284.067 ocorrências, com redução de custos na
143

movimentação da máquina estatal e, sobretudo, de tempo na conclusão


dos procedimentos de natureza criminal (BRASIL, 2020e, grifo nosso).

Dessa forma, emerge a possibilidade de se considerar ímproba a ação


estatal que gasta recursos financeiros em demasia ao mesmo tempo em que deixa
de promover o básico em segurança secundária à população, que é a atuação de
polícia ostensiva e preventiva da Polícia Militar.
Por sua vez, os registros de TCO feito pela PM mostram muito mais
consonância com o interesse público, conforme a dicção de CANDIDO (2016, p.
129):
Assim é que os registros de Termos Circunstanciados pelas polícias
militares vão ao encontro da satisfação do cidadão, revelando-se como uma
forma de atendimento mais célere, cômoda, menos onerosa, menos
burocrática, onde se estabelece uma maior e melhor prestação jurisdicional
para todas as camadas sociais.

Cabe ainda questionamento quanto à violação da dignidade da pessoa


humana pelo ato normativo do Poder Executivo em apreço, pois implica a condução
coercitiva de pessoas às Delegacias de Polícia, o que contraria o art. 69, parágrafo
único, da Lei nº 9.099/95, que elide a prisão em flagrante delito ao autor que se
comprometer em comparecer em juízo.
Como já discorrido52, entende-se que as causas mais críticas clamam por
uma ação mais efetiva da Polícia Civil e não faz sentido que as infrações de menor
potencial ofensivo tenham que passar pelo simples “carimbo” do Delegado de
Polícia, tomando-lhe tempo precioso que poderia ser despendido na apuração de
delitos mais graves.
Aliás, tempo precioso não só para a Polícia Civil, mas também para a Polícia
Militar, que acaba se afastando do seu setor de patrulhamento, o que implica ainda
gastos financeiros ao Estado e prejudica o policiamento ostensivo, tão caro à
população.
Isso porque, enquanto a “investigação” abastece-se dos flagrantes e
ocorrências apresentadas pela polícia ostensiva, a Polícia Militar acaba por afastar-
se do setor de patrulhamento, cujas viaturas ficam por longo tempo distante da
população, o que compromete ainda o atendimento e o socorro emergencial do
cidadão.

52
Na subseção 3.5.5.1 deste trabalho viu-se a baixa produtividade da Polícia Civil no tocante à
apuração de infrações penais mais graves.
144

O TCO registrado pela Polícia Militar, por sua vez, traz um equilíbrio a todo o
sistema de segurança pública, liberando a Polícia Civil para as investigações e
otimizando o policiamento ostensivo, conforme se depreende da pesquisa de
Candido (2016, p. 220), respondida por 536 Oficiais da Polícia Militar:
Os benefícios mais apontados pelos referidos Oficiais, ou seja, os
assinalados por mais de 70% dos respondentes, foram: o aumento do
tempo livre de policiamento (aumento da prevenção criminal) por parte
da Polícia Militar, haja vista a notória e desnecessária permanência de filas
de viaturas e de PMs na porta das delegacias de polícia para apresentação
de dados de ocorrência, com 74,70%.

A experiência com o registro de TCO pela PMESP, na região do CPI-5, entre


2001 e 2009, mostrou um alto nível de satisfação do cidadão em relação às
ocorrências registradas.
Exemplo disso é o demonstrado nos Gráficos 9 e 10, que reproduzem dados
da opinião pública relativos ao período do projeto-piloto sobre registro de TCO pelo
CPI-5, com uma amostragem de 3.911 (três mil, novecentos e onze) envolvidos em
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Para se pontuar a tamanha eficiência da elaboração de Termos
Circunstanciados de Ocorrências pela Polícia Militar do Estado de São
Paulo (PMESP), ainda foram colhidas informações da Seção Operacional
do 17º BPM/I, responsável pela área territorial da região de São José do Rio
Preto, local em que a adoção de tal sistemática foi pioneira e, sem dúvida, a
mais exitosa e abrangente do Estado.
Na respectiva Organização Policial Militar (OPM), verificou-se que a Polícia
Militar lavrou, no período de 01 de dezembro de 2001 a 30 de setembro de
2009, o expressivo número de 42.121 Termos Circunstanciados,
encaminhando-os diretamente ao Poder Judiciário (CANDIDO; FONSECA,
2020).

Gráfico 9 Pesquisa sobre TCO - qualidade do atendimento

O atendimento dispensado a(o) Sr(a) pelo Policial


Militar responsável pelo registro da ocorrência foi
considerado?

4% 1%

47%

48%

ótimo bom regular péssimo

Fonte: CANDIDO; FONSECA, 2020.


145

Gráfico 10 Pesquisa sobre TCO – casos de não condução à


Delegacia de Polícia

Na sua opinião, a nova sistemática de atuação da


PM elaborar Termo Circunstanciado, sem
necessidade de passagem pelo Distrito Policial?

3%
16%

21%
60%

melhora melhora muito


não altera piora

Fonte: CANDIDO; FONSECA, 2020.

Tem-se ainda, relativa ao mesmo período, a pesquisa feita pelo próprio


Poder Judiciário da região de São José do Rio Preto, que mostra o grau de
satisfação do cidadão com o desempenho da Polícia Militar nos registros do TCO:
Ao conhecimento da referida autoridade judiciária, chegou o resultado de
pesquisas de campo juntamente à comunidade civil, que passou a receber
esta nova forma de prestação de serviço público, de sorte que, da
amostragem colhida (970 pessoas) dentre os 3.540 Termos
Circunstanciados lavrados pela Polícia Militar local (90 % deles no local dos
fatos) [...].
No que tange à opinião pública quanto ao novo sistema: 66 % dos
entrevistados veem-no melhor e mais ágil, 18% não notaram modificação,
14% entenderam que a melhora é muito grande e, 2% entendem que piora
53
e não agiliza em nada (SÃO PAULO, 2002 , apud CANDIDO, 2016, p.
122).

Deve-se considerar que essa eficiência foi alcançada em uma época cuja
maioria dos policiais militares possuía formação antiga, boa parte deles com
requisito de ingresso de escolarização de 1º grau (8ª série). Hoje, a exigência do 2º
grau completo de escolaridade traz um perfil de policial militar muito mais preparado
para essas atribuições, sem contar que grande parcela dos que ingressam como
soldado na PMESP, atualmente, possui curso superior.
De outro lado, sabe-se que parte dos Delegados apresenta como
argumentação a falta de capacidade intelectual e jurídica dos policiais militares para

53
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Relatório de informações sobre os resultados preliminares
alcançados com a implantação da elaboração de termos circunstanciados pela Polícia
Militar no âmbito da Circunscrição Judiciária. Enviado à Egrégia Corregedoria de Justiça por
Emílio Migliano Neto, MM Juiz de Direito. 4ª Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto-
SP, 2002, p. 1-9 (CANDIDO, 2016, p. 122).
146

registro do TCO, o que não resiste aos fatos, pois, na prática, estudos do IPEA
(2015b, p. 30, grifos nossos) apontam outra realidade:
[...] as Delegacias de Polícia também aparecem no âmbito de articulação
institucional dos Jecrim. No entanto, de maneira geral, parece não haver
uma articulação constante entre os Juizados e as Delegacias, que
parecem estar distante física e institucionalmente. Diversos funcionários dos
cartórios visitados retratavam as Delegacias como locais com menor
estrutura material e pessoal do que os Juizados, o que se configurava como
uma barreira para a digitalização dos processos. Essa não articulação por
vezes se impõe como uma barreira para a tramitação dos processos
nos Jecrim, pois há muitas dúvidas e distorções na condução de
procedimentos entre a delegacia e o judiciário. A principal questão diz
respeito à correta condução do Termo Circunstanciado, que por vezes é
encaminhado ao Juizado sem ter sido devidamente instruído. Dúvidas
sobre como redigir o termo e que tipos de delitos são compatíveis com
tais procedimentos não são incomuns, tendo sido encontrados casos que
ao invés de serem iniciados como Termos Circunstanciados, foram
autuados como Inquéritos Policiais comuns.

No que diz respeito a não se permitir o registro de TCO pela Polícia Militar,
deve-se falar do interesse público, visto que o cidadão é o maior prejudicado por
esse sistema incoerente, que retira das ruas o policial que lhe dá segurança para
apresentar distante do seu setor uma ocorrência que poderia ser registrada no local
dos fatos.
Mas, felizmente, essa situação já tem sido percebida por uma grande parte
de Chefes dos Poderes Executivos estaduais, sendo que, atualmente, o registro de
TCO pelas Polícias Militares é praticado em muitos Estados da Federação.
Percebe-se que esses conflitos de atribuição podem decorrer da forma como
se desenhou o atual Modelo Policial Brasileiro, em especial nos Estados da
Federação, de estrutura bipartite, com uma polícia de preservação de ordem pública
(a qual na maior parte do tempo atua como polícia administrativa, exceto quando na
atuação de repressão imediata) e outra para apuração das infrações penais (que
executa a função de polícia judiciária), incumbida de colher, por meio da
investigação, elementos de autoria e materialidade para a propositura da ação
penal.
Essa esdrúxula repartição faz com que, no momento da eclosão da infração
penal, quando não mais incide a atuação de polícia administrativa e preventiva, haja
uma zona de intersecção54, segundo a doutrina majoritária, em que se abre

54
Na subseção 2.2.2.2 apresentou-se a Figura 1, que traz uma visão geral sobre os Ciclos de
Polícia, que deixa evidente a zona de intersecção em que as duas Polícias, Militar e Civil, podem
atuar concorrentemente como polícia judiciária, logo após a ocorrência do ilícito penal, na fase de
repressão imediata do delito.
147

competência às duas polícias, que corresponde ao início da persecutio criminis, a


partir do conhecimento da notitia criminis e vai até o momento em que se esgota o
estado flagrancial.
Portanto, nesse interregno, a atuação da Polícia Militar na fase de polícia
judiciária impõe-se de forma compulsória, pois lhe é imposto o dever de prender em
flagrante delito o infrator da lei. Esse dever legal reveste-se no papel de repressão
imediata atribuído à autoridade de preservação da ordem pública, que se encerra
em duas situações:
a) após decorrido o tempo em que não seja mais possível a prisão em
flagrante delito do autor do fato, nos termos dos incisos III e IV do art.
302 do CPP; e
b) com a efetiva prisão em flagrante delito do autor, incluído o tempo
dedicado ao seu registro.
No caso da prisão em flagrante delito, restam apenas os atos de registro dos
fatos, seja pelo APFD, seja pelo TCO, sem necessidade de investigação, podendo,
portanto, ser registrado pela própria Polícia Militar.
Existem várias concepções sobre o Ciclo Completo de Polícia descritas na
obra de Candido (2016). Em sentido amplo, o Ciclo Completo de Polícia abrangeria
a prática de todas as atribuições, preventivas e repressivas, incluindo a investigação,
por todas as Polícias. Não é esse o foco deste trabalho, mas sim o exercício do
Ciclo Completo de Polícia nos limites atualmente permitidos pela lei brasileira. É o
que Candido denomina de Ciclo Completo de Polícia Mitigado (2016, p. 98, grifo
nosso):
A Polícia Militar, em tal modelo, não atuaria na investigação criminal,
atribuição que ficaria a cargo exclusivo da Polícia Civil. Resumidamente, no
atendimento e registro das ocorrências, a Polícia Militar atuaria nos
crimes de menor gravidade e que não demandassem investigação. A
Polícia Civil atuaria nos crimes de maior gravidade e em todos aqueles
que necessitassem de investigação.

O Ciclo Completo de Polícia, nesses termos, apresenta-se como uma das


potenciais medidas em prol da eficiência da atividade policial brasileira, o que se
depreende da leitura de Lazzarini55 (1987, p. 69 apud CANDIDO, 2016, p. 85), que
pontua: “[...] não cumprir o Ciclo Completo de Polícia, com o policial militar

55
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1987, p. 69 (CANDIDO, 2016, p. 85).
148

entregando diretamente à Justiça Criminal quem deva ser entregue, talvez seja um
dos grandes males da legislação processual brasileira”.
As noções apresentadas até aqui, no que tange à ação penal e à
persecução penal, serão importantes à frente quando se discorrer sobre a
combinação de medidas pela Polícia Militar, de registro do TCO pari passu com o
encaminhamento do caso para mediação ou conciliação pelos NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC quando envolver infrações penais de menor potencial ofensivo.

3.6.3 Solução de conflitos de natureza penal

No campo jurisdicional, o processo penal é a regra no que diz respeito à


solução das causas criminais, iniciado a partir da denúncia do Ministério Público,
quando a infração for de ação penal pública, ou mediante oferecimento de queixa
pelo ofendido, nos casos de ação penal privada, a qual também poderá ser
intentada de forma subsidiária à pública, diante de eventual inércia do Ministério
Público, conforme já foi explicado.
Mesmo antes da Lei nº 9.099/95, historicamente, as leis penais caminhavam
no sentido de mitigar as penas privativas de liberdade e substituí-las por penas
alternativas, porém, eventuais acordos e composições não se centravam do diálogo
entre as partes, mas sim em torno de uma proposta do Estado-acusação ou Estado-
juiz ao autor da infração penal.
A redação atual do CP, dada pela Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998,
ressalta a possibilidade de substituição das penas privativas de liberdade pelas
restritivas de direitos elencadas em seu artigo 43, a saber: prestação pecuniária;
perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades
públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
O art. 44 do CP (BRASIL, 1940) deu as circunstâncias do cabimento de tais
benefícios:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as
privativas de liberdade, quando:
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II - o réu não for reincidente em crime doloso;
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente.
§ 1º VETADO
149

§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita


por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a
pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de
direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

No entanto, essa busca de abrandamento punitivo era algo que ocorria


sempre dentro do processo, após oferecida a denúncia ou a queixa, e não em uma
fase preliminar, pré-processual, conforme se verifica acontecer hoje no trâmite dos
JECrims, em que a transação penal encerra o feito.
Só recentemente é que, para crimes mais graves, surgiu uma modalidade de
acordo pré-processual, em razão de mudança introduzida em nosso CPP pela Lei nº
13.964/19 (BRASIL, 2019), aplicável aos crimes cuja pena mínima seja de quatro
anos e não haja violência e grave ameaça. Trata-se do acordo de não persecução
penal, constante do art. 28-A do CPP, que trouxe uma perspectiva de interromper a
ação penal e evitar o andamento do processo, afastando a possibilidade de
condenação à pena privativa de liberdade.
Esse acordo pode ser proposto pelo Ministério Público, desde que
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante ajuste de
condições a serem cumpridas de forma cumulativa ou alternada pelo infrator, que
podem compreender: a reparação do dano ou restituição da coisa à vítima; a
renúncia voluntária a bens e direitos indicados como instrumentos, produto ou
proveito do crime; a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; o
pagamento de prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social
indicada pelo juízo da execução; ou, por prazo determinado, o cumprimento de outra
condição indicada pelo Ministério Público compatível e proporcional ao delito.
Para noção, de forma exemplificativa, podem se beneficiar dessa medida os
autores de crimes de furto (mesmo o qualificado), receptação (inclusive a
qualificada), favorecimento à prostituição, rufianismo, abandono material, falsificação
de produtos alimentícios, peculato, lavagem de dinheiro e alguns dispositivos da Lei
nº 11.343/2006 (Drogas).
Na visão de Emerson Garcia (2019, grifo nosso), consultor jurídico do
CONAMP, a norma em comento “[...] trata-se de nítida mitigação ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal”. Garcia completa dizendo que o Sistema Brasileiro
tem encampado a consensualidade no Direito Penal, que pode redundar na redução
das sanções ou na própria concessão do perdão, o que sempre estará condicionada
à apreciação judicial.
150

No entanto, o acordo de não persecução penal não se trata de um


mecanismo de autocomposição entre as partes, pois não há a participação direta
do ofendido, pelo menos não no texto da lei, e o acordo é feito entre o membro
do Ministério Público e o autor da infração penal.
Resta agora, na seara penal, verificar as infrações penais de menor potencial
ofensivo e entender como se dá a solução desses conflitos no JECrim, nos termos
da Lei nº 9.099/95, cujos principais objetivos são a reparação dos danos ao ofendido
(por meio da composição civil) e a conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos (pela transação penal).

3.6.4 A Solução de conflitos pelos JECrims

Mesmo no caso de infrações penais menos graves, as normas gerais do


Código Penal são aproveitadas para soluções no âmbito do JECrim, a exemplo do
uso das medidas dos artigos 43 e 44 do referido Código, mencionados na subseção
anterior, como base das propostas do Ministério Público para transação penal e para
extinção da ação.
A busca para agilizar os processos judiciais e excepcionar a privação de
liberdade como mecanismo de punição norteou a atual Constituição Federal, que no
inciso I, caput, do artigo 98, abriu espaço para a criação dos Juizados Especiais,
com competência para a “[...] conciliação, o julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo”
(BRASIL, 1988, grifo nosso).
Originariamente, no texto da Lei nº 9.099/95, as infrações penais de menor
potencial ofensivo incluíam as contravenções penais e os crimes com pena máxima
de 1 (um) ano, no entanto, veio a ser alterada, vigendo hoje a redação dada pela Lei
nº 11.313/2006 (BRASIL, 2006, grifo nosso):
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com
multa.

A lei nº 9.099/95 indica claramente que as penas privativas de liberdade


são consideradas como de aplicação excepcionalíssima e afasta, inclusive,
desde o momento da lavratura do TCO, a hipótese de prisão em flagrante delito, em
151

conformidade com o seu artigo 69, parágrafo único, quando o autor for apresentado
imediatamente ao JECrim ou assumir compromisso de a ele comparecer.
Percebe-se a propensão de levar a solução da contenda para as partes
envolvidas, colocando o Estado-Juiz como um agente auditor e de ratificação, o qual
basicamente analisa a questão da disponibilidade do direito negociado, consoante o
princípio da jurisdição.
Essa inferência também é percebida com alteração promovida pela Lei nº
9.099/95, em seu artigo 88: “Além das hipóteses do CP e da legislação especial,
dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
leves e lesões culposas” (BRASIL, 1995). Ou seja, até mesmo em casos de lesões
leves dolosas, que envolve a prática de violência, o legislador deu ao ofendido a
opção de decidir por ver ou não o seu algoz processado, o que antes não era
possível, pois se tratavam de infrações penais de ação penal pública incondicionada.

3.6.4.1 O rito procedimental e a conciliação do JECrim

Numa progressão no texto da Lei nº 9.099/95, há clara percepção da


exceção da pena privativa de liberdade, desde o início, já no ato do registro da
ocorrência, ao deixar-se, de realizar a prisão em flagrante delito do autor, diante do
seu compromisso em comparecer em Juízo, segundo o parágrafo único do seu art.
69 (BRASIL, 1995).
Convém lembrar que a lei em tela, ao mencionar a composição civil e a
transação penal, nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo, trata
exatamente dos ramos de responsabilização civil e penal do indivíduo em face do
cometimento de uma infração penal.
Recebido o TCO, a audiência preliminar só será realizada se houver justa
causa, e quando isso não ocorrer, o Ministério Público poderá propor o seu
arquivamento, o qual pode ocorrer também em outro momento, de forma motivada,
desde que antes da proposta de transação penal.
Na audiência preliminar (artigo 72), em que deveriam participar o Juiz, o
representante do Ministério Público, os envolvidos (autor e vítima), os
representantes civis e os advogados das partes, há a possibilidade de composição
civil de danos.
152

Nos casos das infrações sujeitas à ação penal pública e ação penal privada,
o acordo em torno de reparação dos danos acarretará renúncia ao direito de
representação ou queixa (parágrafo único do artigo 74), o que extinguirá a ação
penal e encerrará, até mesmo, a possibilidade de transação penal.
Seguindo o trâmite do JECrim, antes da transação penal, se assim entender
o Ministério Público, pode ocorrer o arquivamento dos autos ainda que não haja
composição civil e mesmo diante de representação verbal do ofendido (artigo 75),
assim como nos casos de ação penal pública incondicionada.
Superadas todas essas possibilidades, ainda na fase pré-processual, a
transação penal (artigo 76) é outro dispositivo que evita a pena de privação de
liberdade.
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal
pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério
Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos
ou multas, a ser especificada na proposta (BRASIL, 1995).

Vale repetir que, nos casos de infração penal cuja ação penal seja pública
condicionada ou privada, a transação só é proposta após fracasso da composição
civil e manifestação do interesse do ofendido em representar, de acordo com o
artigo 75 da Lei nº 9.099/95.
O insucesso de qualquer acordo na fase pré-processual levará à denúncia
oral do Parquet56, abrindo espaço à nova tentativa de conciliação (artigo 79),
sendo que, neste momento, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual
ou inferior a um ano, o Ministério Público, poderá propor a suspensão do processo,
de dois a quatro anos, condicionada ao cumprimento de alguns requisitos da lei.
Ao fim do processo, em sentença, pode o Juiz (artigo 81) decidir pela
absolvição do autor ou por aplicar, exclusivamente, a pena de multa. No caso de
não pagamento da multa, pode ser feita sua conversão em pena restritiva de
direito (artigo 85), nos termos previstos em lei, o que pode ocorrer nos casos em
que haja enquadramento no artigo 44 do CP.
Portanto, durante todo o rito do JECrim vê-se a extrema excepcionalidade da
privação de liberdade do autor de uma infração penal de menor potencial ofensivo,
identificando-se, pelo menos, vários momentos em que este pode ser beneficiado:

56
Parquet é uma das formas de se referir a um integrante do Ministério Público.
153

a) pela não prisão em flagrante delito, em face do seu compromisso de


comparecer em Juízo;
b) diante da renúncia do ofendido ao direito de queixa ou representação,
independentemente de composição civil, que pode ocorrer em vários
momentos;
c) caso ocorra o arquivamento pelo Ministério Público, ante a ausência
de justa causa para a audiência preliminar,
d) se houver a composição civil nos termos do parágrafo único do artigo
74 da Lei nº 9.099/95;
e) no caso de arquivamento pelo Ministério Público no curso da
audiência preliminar, antes da proposta de transação penal;
f) pela proposta de transação penal com substituição da pena privativa
de liberdade por pena restritiva de direito;
g) caso seja proposta a suspensão condicional do processo;
h) pela realização de acordo em nova tentativa de conciliação, após a
denúncia do Ministério Público;
i) concluso o procedimento sumaríssimo, se for absolvido pelo Juiz da
causa;
j) se condenado ao fim do procedimento sumaríssimo, pela aplicação
de pena exclusiva de multa; e
k) se condenado e não pagar a multa, pela imposição de pena restritiva
de direito, em conformidade com o artigo 44 do CP.
Vê-se, dessa forma, que o autor da infração penal possui uma série de
garantias que lhe assegura a liberdade (não a impunidade), mas o fato é que,
segundo demonstrou esta pesquisa, o que se verá adiante, a perspectiva do
ofendido parece frustrada, restando-lhe um sentimento de que não foi atendida em
seus anseios e de que a Justiça não foi feita.
Dessa solução insatisfatória restam rusgas e o conflito entre as partes pode
reincidir, porque a causa não foi tratada de forma holística, mas somente no sentido
de se dar uma prestação jurisdicional retributiva, sem alcançar a pacificação.
Isso não significa ineficiência, mas uma realidade que muitas vezes está
além do alcance do Poder Judiciário, que pode ser suprida por outros meios. Nesse
sentido, recorre-se novamente às palavras ao Desembargador José Carlos Ferreira
154

Alves, que em sua entrevista, constante do Apêndice IV, retrata tal realidade, a qual
parece incidir também nos JECrims:
De toda sorte, porém, essa atuação dos magistrados visa à resolução dos
processos, o que nem sempre (acredito que na imensa maioria das vezes)
representa a resolução do conflito estabelecido. Significa que mesmo um
Judiciário eficiente nem sempre atende às expectativas dos cidadãos, pois
estes buscam solucionar os problemas que os afligem e não simplesmente
o processo judicial que decorre dessa pretensão.

Diante disso, o trâmite previsto em lei e a própria estrutura do Poder


Judiciário levam a concluir que a movimentação da máquina administrativa
(inclusos os meios da Polícia e do Poder Judiciário) deve ser mínima, seguindo os
princípios da eficiência da Administração Pública que regem as referidas
Instituições, e os resultados devem ser os mais efetivos possíveis, tanto no sentido
de dar a devida reprimenda ao autor, mas, principalmente, em satisfazer os anseios
das vítimas, as quais, conforme diversas vezes foi demonstrado neste trabalho,
preferem a reparação do dano e a solução da lide psicológica a ver simplesmente
o autor punido, ainda que com alguma pena alternativa.

3.6.4.2 A (falta de) efetividade dos resultados da conciliação do JECrim

Viu-se que para os delitos de menor gravidade, a Lei nº 9.099/95, em seu


artigo 62, objetivou, maiormente, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a
aplicação de pena não privativa de liberdade.
A exposição de motivos da referida lei, expressa em texto da Câmara dos
Deputados (BRASIL, 1989, grifos nossos), reproduz o seu espírito e o sentimento do
legislador à época, enquanto ainda era um projeto de lei:
Não se desconhece que, em elevadíssima porcentagem de certos crimes de
ação penal pública, a polícia não instaura o inquérito e o MP e o juiz atuam
de modo a que se atinja a prescrição. Nem se ignora que a vítima - com
que o Estado até agora pouco se preocupou - está cada vez mais
interessada na reparação dos danos e cada vez menos na aplicação da
sanção penal.

Desse modo, além da prescrição dos casos e da não instauração de


Inquéritos diante de crimes de ação penal pública, destaca-se que há mais de trinta
anos já se vislumbrava que a vítima, antes de pretender a penalização do autor do
delito, preferia que os danos fossem reparados; em outras palavras, a reparação
cuidada pelo Direito Civil, em muitos casos, traz mais senso de justiça ao cidadão do
que a sanção de natureza penal aplicada ao infrator.
155

Nesta pesquisa, detalhada na subseção 4.3.4.2, cuidou-se de fazer pergunta


similar aos policiais militares que atuam como mediadores ou conciliadores, sendo
que a maioria (69% dos inquiridos) respondeu que permanece atualmente essa
percepção de que as pessoas preferem a reparação dos danos à punição do
infrator.
Rogério Greco57 (2011, p. 358 apud LOPES, 2013, p. 8) reforça ainda a
preferência da vítima pela resolução do conflito sociológico em relação à punição do
autor:
O processo penal, de qualquer modo, é angustiante. Na verdade em muitas
infrações penais, principalmente aquelas consideradas de menor potencial
ofensivo, como as pequenas lesões, os crimes contra a honra (calúnia,
injúria ou difamação) etc., o que a vítima mais deseja é um pedido de
desculpas, um pedido de perdão por parte do ofensor.

Porém, mesmo diante de importantes avanços, passados quase vinte e


cinco anos do advento da Lei nº 9.099/95, os seus objetivos, na prática, não foram
alcançados plenamente, o que ficou claramente demonstrado em pesquisas e
análises estatísticas que compõem este estudo.
Cabe lembrar que, à luz da lei, o JECrim deveria receber as ocorrências
imediatamente, no entanto, por causa do acúmulo de processos no Poder Judiciário,
as audiências de conciliação são agendadas a posteriori, normalmente, meses
depois.
As pesquisas que compuseram este trabalho indicam que as audiências
preliminares acontecem entre 90 (noventa) a 180 (cento e oitenta) dias
decorridos da data do fato58. Isso porque a estrutura do Poder Judiciário, em todos
os níveis, demonstra inaptidão para suportar tal demanda, que impossibilita os
JECrims de prestarem atendimento em regime de plantão, o que permitiria adotar as
providências iniciais previstas no artigo 70 da Lei nº 9.099/95.
Dessa forma, a exceção tornou-se regra, ou seja, as audiências do Juizado
são designadas para data posterior. Ao não se suprir essa necessidade, por
conseguinte, deixa-se de cumprir os objetivos relativos às infrações de menor
potencial ofensivo, conforme vislumbrados pelos ideólogos da Lei dos Juizados
Especiais.

57
GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas a privação de liberdade. 1 ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2011 (LOPES, 2013, p. 8).
58
Na subseção 4.4, Tabela 24, mostra-se os prazos médios das audiências preliminares, conforme
informações obtidas em três Varas Criminais de São José do Rio Preto.
156

Como exemplo, e aqui um relato próprio da experiência vivida pelo autor nos
anos que serviu na então 2ª Cia do 17º BPM/I, em algumas localidades, as
audiências no JECrim eram pré-agendadas pelos policiais militares por ocasião do
registro do TCO.
Na média, as audiências eram marcadas para três meses a contar do dia
dos fatos, mas eram comuns agendamentos para datas mais longínquas, nos casos
em que se dependesse, por exemplo, da juntada de laudo pericial.
Nas demais comarcas, em que não havia o agendamento prévio, os
JECrims fixavam que o encaminhamento do TCO deveria ser feito apensado dos
respectivos laudos, que demoravam cerca de 15 dias para serem emitidos.
Daí, além do encaminhamento tardio dos feitos, o trâmite no próprio Juizado
tornava-se mais demorado, incluindo a necessidade de diligência dos Oficiais de
Justiça para notificar as partes para comparecimento na audiência preliminar.
Dessa forma, a audiência preliminar do JECrim raramente ocorria no período
inferior a três meses, a contar da data do fato, sem contar a dilação de prazos nos
períodos de recesso forense.
Essa situação de audiências tardias continua acontecendo, conforme
corroboraram as autoridades entrevistadas nos APÊNDICES II e III desta pesquisa,
uma situação que não apresenta tendência de melhora, haja vista que, de acordo
com a coleta estatística descrita na subseção 4.2.3, a entrada de TCO nos JECrims,
em 2019, nos municípios que basearam esta pesquisa, foi maior do que o de casos
solucionados.
Aliás, dessas entrevistas, depreende-se que também concorre em desfavor
da resolução dos conflitos nos JECrims o tempo de duração da audiência, mais ou
menos em torno de 20 minutos, havendo situações de Juízes que realizam sessões
“em massa”.
Nas visitas aos JECrims de São José do Rio Preto, relatadas na subseção
4.4, os Diretores de Cartório informaram tempo ainda menor para duração das
audiências preliminares, as quais ocorrem em um espaço de 5 (cinco) a 15
(quinze) minutos.
No Apêndice III, o Promotor entrevistado, Doutor Gustavo Yamaguchi
Myiazaki, afirma que um dos grandes problemas relativos aos conflitos pequenos
decorrentes de relação continuada é “[...] que, até haver uma resposta judicial, a
157

situação já é outra, já piorou ou aconteceram várias outras coisas até se chegar à


primeira audiência preliminar”.
Dessa forma, o tempo para a audiência preliminar é um dos mais sérios
problemas que se observa na solução inadequada dos JECrims, o qual, aliás,
repercute diretamente na atividade da PM, posto que nesse longo período a lide
permanece insolúvel, sujeita a novos conflitos entre as partes, o que pode influir em
eventual quebra de ordem e no empenho do policiamento ostensivo, prejudicando as
ações de prevenção e as condições de pronta resposta para atendimento de
situações mais graves.
Além da questão temporal, outro fator relevante detectado em estudo do
IPEA e nas entrevistas realizadas alude ao interesse (ou falta dele) por parte dos
magistrados, servidores da Justiça e membros do Ministério Público no que
concerne às causas dos JECrims, em comparação ao interesse relativo aos
processos ordinários envolvendo a apuração das infrações mais graves.
Das entrevistas do Apêndice II e III restou claro que há certa inaptidão de
muitos Juízes e Promotores Criminais para lidarem com questões de Direito Civil,
corroborando a informação do IPEA (2015a, p. 45, grifos nossos), que chama a
atenção para um tratamento secundário que é dado às causas penais de menor
potencial ofensivo. As percepções dos pesquisadores do referido Instituto trazem
indícios que não podem ser desprezados:
De modo geral, é possível entrever que ainda há resistência por parte de
alguns juízes e servidores, assim como de promotores e defensores
em trabalharem em juizados. Conversas informais com esses atores
atuantes nas varas transmitem uma impressão de que as atribuições dos
juizados são menosprezadas no âmbito do sistema de justiça criminal,
o que, consequentemente, gera um desprestígio para o trabalho dos
funcionários. Em algumas localidades visitadas, essa situação é
interpretada como consequência de uma hierarquia que se estabelece com
base no menosprezo pelos tipos penais de menor potencial ofensivo e
na pouca visibilidade do papel dos juizados.

Essa impressão foi colhida nas entrevistas também no que diz respeito ao
Ministério Público:
Contribuindo com o menosprezo relativo aos juizados, alguns servidores e
juízes da capital, entrevistados durante a pesquisa, afirmaram que os
promotores de justiça, habituados a tratar de crimes mais graves,
também não se interessam pelas causas de juizados e não colaboram
com a transação penal. Para exemplificar, durante uma audiência
acompanhada pela equipe de pesquisa, a promotora presente confessou
que achava que os processos do juizado tratam de muita besteira,
referindo-se a discussões e brigas entre conhecidos, vizinhos e
familiares (IPEA, 2015a, p. 46, grifos nossos).
158

Convém lembrar, que essas “besteiras” (discussões e brigas entre


conhecidos, vizinhos e familiares, que muitas vezes evoluem para casos mais
graves) são responsáveis pela maioria dos atendimentos feitos pela Polícia Militar,
boa parte resolvida no local, conforme aferido nesta pesquisa.
São exatamente esses fatos que poderiam ter melhor solução se submetidos
à mediação com maior brevidade, evitando-se o acúmulo nos JECrims e, ao mesmo
tempo, prevenindo novas incidências e acionamentos do policiamento ostensivo.
Sobreleva-se, por fim, que as soluções inadequadas do JECrim decorrem
também, entre outros motivos, em razão da inaptidão natural da conciliação,
método previsto na Lei nº 9.099/95, para tratar do conflito sociológico relacionado às
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Verifica-se que a solução, dentro âmbito do JECrim, só abrange o
método da conciliação, não acolhendo a técnica de mediação. Bacellar (2012,
p.116, grifo nosso) corrobora a ideia de que a conciliação é um método limitado, pois
só resolve parcialmente o conflito:
Tem-se observado que, para solucionar conflitos familiares, de vizinhança e
outros em que a relação entre as partes é de vários vínculos (relações
multiplexa), resolver – pela conciliação – apenas um dos aspectos da
controvérsia acaba por resolver a lide (parcela restrita do conflito
levada ao sistema judicial), mas não soluciona a integralidade do
conflito.

Infere-se que a precariedade da solução ofertada pelo JECrim ocorre porque


a conciliação, como já tratado59, não busca pacificar a relação, mas tão somente
discutir sobre o direito material ofendido pela prática delituosa. Essa situação é
percebida nos discursos de funcionários do Poder Judiciário:
Funcionários do cartório de um juizado de uma cidade do interior visitada
resumem de maneira consistente os problemas enfrentados: “o importante
são as metas; a satisfação das pessoas não é levada em
consideração”. Esses funcionários afirmam que o juizado virou uma vara
de pequenas proporções, perdendo as características da Lei nº 9.099/1995:
“para a estatística, o juizado é bom, pois tem muitos processos” (IPEA,
2015a, p. 46, grifo nosso).

Dos estudos em comento deduz-se que a composição civil, a transação


penal e a suspensão condicional são aplicadas em pequena proporção dos
processos e, dessa forma, os JECrims acabam por não atender aos principais
objetivos da Lei nº 9.099/95 por parte dos Juizados:

59
Na subseção 3.4.5 deste trabalho foram analisadas as distinções entre os institutos da conciliação
e da mediação, assim como em quais situações um ou outro método é mais adequado.
159

Os processos encaminhados aos Jecrims são passíveis de algum tipo de


benefício penal (transação penal, suspensão condicional do processo,
composição civil). Salvo as situações impeditivas, era de se esperar o
uso frequente dessas medidas para economia processual e celeridade
da justiça. Verificou-se que em apenas 8,4% dos processos analisados
na pesquisa houve composição civil [...]. Em 25,5% dos casos foi
oferecida uma transação penal [...] e em 7,2%, a suspensão condicional do
processo [...]. Em 7,8% houve condenação dos réus (IPEA, 2015a, p. 43,
grifo nosso).

Desses dados do IPEA, elaborou-se o Gráfico 11:

Gráfico 11 Soluções dos JECrims

Fonte: o autor, com base nos dados do IPEA (2015a, p. 43).

Os números da Semana Nacional de Conciliação do triênio 2017, 2018 e


2019 permitem uma informação amostral (Tabela 4), dentro de uma perspectiva que
pode ser considerada mais otimista, em face da dedicação especial dos tribunais em
razão do evento e a realização de audiências em regime de mutirão:

Tabela 4 Semana Nacional de Conciliação - JECrims SP

Conciliações dos JECrims 2017, 2018, 2019

Audiências designadas 6945


Audiências realizadas 5595
Homologação de Transação Penal 2531
Composição civil 238
Fonte: TJSP, 2019.
160

Observa-se desses resultados que, do total de 5.595 audiências realizadas,


2531 (45,24%) resultaram na transação penal e apenas 238 (4,25%) foram objeto de
composição civil.
Em uma primeira análise de tais números, as conciliações civis pré-
processuais, conforme apontado na subseção 3.5.4.2, com acordo sempre acima
dos 55% na área cível, mostram-se um meio bastante efetivo de resolução de
conflitos, se comparado às composições civis obtidas nas audiências preliminares
nos JECrims.
Os estudos do IPEA (2015a, p. 47, grifos nossos) demonstram que, apesar
de o método de conciliação do JECrim ter como um dos motes a composição civil,
não é o que ocorre na prática:
Deve-se ressaltar que há um reconhecimento de que a conciliação possui
grande capacidade de dirimir conflitos, de modo que seu uso é também
justificado com o objetivo de dar baixa ao processo rapidamente. Pode-se
dizer que as audiências de conciliação são aquelas que mais
representam a ideia de acordo, pois pressupõem a presença de ambas as
partes e a mútua concordância com os termos estabelecidos. Contudo,
isso não implica, necessariamente, um processo de composição das
partes envolvidas. Além do mais, segundo alguns juízes entrevistados, há
uma baixa resolubilidade de conflitos por meio das conciliações nos
juizados, devido, principalmente, ao não comparecimento, em juízo, de
réus e vítimas. Assim, muitos preferem iniciar o processo já pela transação
penal.

O número de conciliações nos JECrims, segundo dados apontados nesta


pesquisa, mostra-se bastante insatisfatório.
A transação penal, ainda que direcionada para substituir a pena privativa de
liberdade por restritiva(s) de direito, pode até solucionar o processo e encerrá-lo
perante a Justiça, mas deixa uma grande lacuna, ao não promover devidamente a
reparação do dano ao ofendido, nem pacificar a relação entre as partes, deixando
em aberto a possibilidade de novos conflitos e de acionamento de toda a máquina
estatal para atendimento de casos mal resolvidos.
Percebe-se que, na prática, numa análise conjunta das informações do IPEA
confrontadas com as obtidas na visita aos JECrims e com a entrevista do Apêndice
III, as composições civis também são subutilizadas nas situações que envolvam
infrações penais de ação penal pública incondicionada, o que denota um tratamento
inadequado dessas questões, conforme se exporá adiante.
161

Basta se analisar os números das conciliações feitas nos JECrims que


serviram como base para a presente pesquisa60 para perceber que as composições
civis alcançam um número ínfimo se comparadas às transações penais e mais
diminuto se contrastado com o total de Termos Circunstanciados que entram nos
cartórios criminais.
Obviamente, que muitos casos não são submetidos à composição civil pelo
simples fato de não haver campo para tal, a exemplo do porte de droga, mas mesmo
assim, sempre que houver uma pessoa física como vítima, pode-lhe restar um dano
de natureza moral a ser discutido e um conflito a se pacificar.
Nota-se na pesquisa do IPEA (2015a, p.42) que, relativos aos atendimentos
dos JECrims, os casos reincidentes são altos e alcançam 42,4% dos réus, ou
seja, muitos tiveram passagem pela Justiça Criminal e a solução dada não gerou
efeito educativo visado pela punição, algo que traz prejuízo ao policiamento
ostensivo, o qual tem que atender um maior número de situações recorrentes.
Transparece aqui a subutilização da mediação, dentro dos princípios da
Justiça Restaurativa, que busca exatamente agir no sentido de recuperar os
indivíduos, especialmente os infratores penais, para o convívio social harmônico.
No que diz respeito aos motivos dessas composições civis serem em
número tão baixo, as respostas nas entrevistas dos Apêndices II e III, sintetizadas
na subseção 4.5 do presente estudo, deram indicativos importantes para
compreender o funcionamento das audiências preliminares.
Nesse sentido, foram citadas como principais razões para o baixo número de
composições civis:
a) o fato de as audiências preliminares demorarem a ocorrer;
b) a curta duração das sessões;
c) a indisposição do autor para o acordo após ter que arcar com
despesas de advogado e despendido tempo para ir à Delegacia
depor, entre outras situações;
d) por não haver o ofendido apurado os seus prejuízos, faltando
parâmetros para negociação;

60
Na subseção 4.2.3 foram colhidos e analisados os dados estatísticos dos JECrims dos municípios
de Araçatuba e São José do Rio Preto, os quais, em síntese, apontam que as composições civis
mal ultrapassam 2% do total de feitos que dão entrada nos Cartórios Judiciais.
162

e) pelo fato da composição civil implicar, no ponto de vista do ofensor,


que está reconhecendo culpa perante a vítima, o que não acontece
na transação penal;
f) pela inaptidão de Juízes e Promotores Criminais para lidarem com
questões de conciliação civil;
g) pela animosidade pretérita das partes em razão dos vínculos entre
elas existentes;
h) pelo fato de a pessoa preferir pagar, por meio da transação penal, a
uma entidade de caridade, por exemplo, do que ressarcir o desafeto.
Mais uma vez, verifica-se a insuficiência natural dos JECrims, decorrente do
próprio rito processual, para resolverem as questões afetivo-emocionais do conflito e
também para compor adequadamente os danos civis, motivo pelo qual a transação
penal acaba prevalecendo.
Além do insucesso em recuperar o infrator, os indicativos são de que as
conciliações do JECrim frustram os anseios das vítimas, deixando abertas as
“feridas”, o que também é causa de reincidência.
É o que se conclui do estudo do IPEA (2015a, p. 88, grifo nosso), o qual
menciona que a “[...] vítima permanece ‘desempoderada’ nos Jecrims, não
sendo um ator relevante na dinâmica desses órgãos judiciais ‘especiais’, onde
praticamente não é ouvida”.
Essa situação de desempoderamento da vítima também foi depreendida na
entrevista da Juíza Gislaine de Brito Faleiros Vendramini (Apêndice II), que explicou
como um dos problemas na audiência do JECrim que, geralmente, o autor tem
defensor e a vítima não, o que faz com que esta se sinta de certa forma
desprotegida.
A Magistrada explica que isso reforça a vantagem da conciliação na Polícia,
porque as partes são atendidas em um patamar de equivalência, ouvindo mais a
vítima que o autor.
Impressão similar obteve-se da conversa com os Diretores dos Cartórios
Criminais, por ocasião da visita relatada na subseção 4.4, os quais relataram que
nos casos em que as partes comparecem sem advogados à audiência preliminar
do JECrim, somente ao infrator é garantido um defensor dativo, ficando a vítima
sem assistência jurídica.
163

Além da precariedade das composições civis, as transações penais também


parecem não surtir a sensação de justiça e como consequência dão a impressão de
certa impunidade. O Relatório do IPEA (2015a, p. 56) explica que, no caso das
transações penais “[...] as pessoas saem insatisfeitas com o seu resultado porque,
afinal, não há atribuição de responsabilidade”.
Enfim, as audiências do JECrim, segundo o estudo em tela, demonstram um
tipo de automação, que parece desumanizar o tratamento da lide. Nesse sentido,
consta no Relatório do IPEA (2015a, p. 50):
Há a percepção de que a aceitação da transação significa a assunção da
culpa pelo acusado, como se fosse uma “confissão de crime”. Na visão de
determinados servidores, a transação, como forma de conciliação e de
resolução do processo penal, implica um movimento de massificação usado
de forma quase indiscriminada.

Nota-se que a solução processual penal é insatisfatória no que se refere


ao maior anseio da vítima, que é a resolução da questão sociológica e a reparação
dos danos.
A conciliação prevista na Lei nº 9.099/95 já se encontra sob questionamento,
principalmente diante da política do Poder Judiciário pátrio, que vê na Justiça
Restaurativa uma forma mais adequada de pacificação das relações humanas
envolvendo os autores de delito.
De tal maneira, antes da culpa e do castigo do autor, o que se busca é a
resolução do conflito e a reparação do dano. Nessa direção, um dos métodos
utilizados pela Justiça Restaurativa é justamente a mediação, que praticamente não
é utilizada para infrações penais de menor potencial ofensivo.
Viu-se que, no âmbito civil, o CPC, nos parágrafos 2º e 3º do artigo 165,
estabelece que a conciliação seja indicada para pessoas que não possuam vínculo
anterior, enquanto a mediação seria mais adequada para situações em que
anteriormente já existia algum liame entre as partes envolvidas.
Deve-se pontuar que isso é um parâmetro (uma preferência) e não se trata
de uma norma taxativa sobre o uso de uma técnica ou outra, porque a decisão sobre
o método deve ser casuística. A escolha do método depende de uma adequada
entrevista inicial, que pode ser feita em uma audiência com mais tempo de duração
e mais próxima da ocorrência do fato, a exemplo das realizadas em um NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC da PMESP.
164

3.6.5 A solução no âmbito civil das infrações penais de menor potencial ofensivo por
meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC

3.6.5.1 A solução em menor prazo

A subsunção do conflito diretamente à Polícia Militar já coloca as partes em


um relacionamento direto com os policiais militares, os quais também serão,
normalmente, os primeiros a atender a situações de reincidência em caso de
eventual e futura alteração, o que permite um controle e direcionamento das
mediações, em conformidade com os princípios da Justiça Restaurativa.
O Coronel PM Azor Lopes da Silva Júnior (2009, p. 11, grifo nosso) expressa
pensamento semelhante:
Nos conflitos em torno de direitos disponíveis regulados por normas de
Direito Civil e naqueles de ordem penal em que a ação penal seja privada,
ou mesmo pública, desde que condicionada à representação do ofendido, o
emprego de técnicas de mediação por policiais teria o condão de
pacificar conflitos em sua flagrância, ao contrário da via judicial,
notadamente mais tardia, por mais que se tente imprimir celeridade.

Sobre essas demandas, encontra pertinência a observação dos


pesquisadores do IPEA (2015a, p. 48, grifo nosso) diante de uma de suas
entrevistas:
A conciliadora relatou na entrevista que o juizado normalmente convoca as
duas partes para fazer um acordo de “respeito”, em que o objetivo “é a paz
deles”. Segundo ela, a maioria dos casos é relativa à briga de vizinhos
e familiares, dano, vias de fato, ameaça, injúria e calúnia e, em geral,
trata-se de pessoas muito simples, que vivem muito próximas e que,
nesses casos, o pedido de desculpa já resolve a contenda. [...]
Para essa servidora, a conciliação é necessária e resolve aproximadamente
60% dos casos. Ela explica que não há acordos forçados, pois tem de partir
do desejo dos envolvidos, embora faça a ressalva de que não costuma ver
o retorno das pessoas atendidas. Por fim, a servidora pede que haja
treinamento para a função e que o trabalho dos conciliadores seja
reconhecido em sua importância para a efetiva resolução dos processos.

A PMESP tem profissionais capacitados e aptos a exercer a mediação e a


conciliação já no nascedouro das ocorrências e dos conflitos, que podem apresentar
resultados muito mais satisfatórios, haja vista a menor burocracia e maior brevidade
da solução, evitando que a lide e as angústias se prolonguem no tempo, enquanto
as partes aguardam a audiência do JECrim, onde não terão a questão sociológica
atendida.
Isso não significa que os fatos não passarão pelo crivo do Ministério Público
e do Judiciário, pois, a PMESP, ao mesmo passo, quando o ofendido assim desejar
165

ou se a ação penal for pública incondicionada, efetuará o registro do TCO e o


encaminhará ao JECrim. Assim, a jurisdição não será afastada em nenhum
momento, lembrando que, caso a vítima não deseje o prosseguimento da ação
penal, nos casos que dependam de queixa ou representação, o Ministério Público
não poderá intentá-la.
No JECrim, o Ministério Público e o Juiz, além de poderem auditar os feitos,
ver-se-ão diante de indiscutíveis benefícios, visto que terão sob pauta boa parte de
casos já resolvida e pacificada no âmbito do Direito Civil, restando a adoção das
medidas penais pertinentes, se couberem, a exemplo da proposta de transação
penal.
Nesses casos, a assistência jurídica do advogado na audiência preliminar
também resta garantida, presença essa que não é exigida na composição civil
realizada pelas partes no âmbito da mediação e da conciliação dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC.
Isso com base no artigo 11 da Resolução CNJ nº 125/10, a qual afirma que
“[...] nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público, defensores
públicos, procuradores e/ou advogados” (BRASIL, 2010, grifo nosso). Dessa forma,
a presença do advogado não é obrigatória na conciliação dos CEJUSC, mas lhe é
facultado participar, se assim desejar a parte em ver-se representada.
Nesse sentido se manifestou o CNJ (CNJ..., 2018), o qual em decisão a
respeito de Recurso Administrativo apresentado pela Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) confirmou não ser obrigatória a presença de advogados e defensores
públicos em mediações e conciliações conduzidas nos CEJUSC.
De outro modo, caso haja o registro do TCO, designada a audiência
preliminar, podem as partes comparecer com seus advogados e ratificarem o
acordo, caso não tenha havido homologação pelo Juiz do CEJUSC.
Lembra-se, aliás, que apesar do artigo 72 estipular a presença dos
advogados das partes na audiência preliminar do JECrim, isso, de fato, nem
sempre acontece, conforme se depreende da entrevista do Apêndice II, cuja Juíza
entrevistada esclarece que, geralmente, comparece somente o advogado do autor.
Essa informação foi confirmada nos Cartórios dos JECrims visitados (subseção
4.4), onde foi relatado que é muito comum que as partes comparecerem sem
advogados, nomeando-se defensor dativo somente para o autor do fato, ficando a
vítima sem ninguém que lhe dê a devida assistência jurídica.
166

Essa celeridade e eficiência ganha relevância ao levar-se em conta que a


Polícia Militar é a porta de entrada da maioria das ocorrências criminais, e dentro de
suas atribuições constitucionais dispõe de Núcleos e Centros para mediação e
conciliação, com propósito de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.
Convém lembrar que os casos atendidos pelos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
podem ser objeto de várias sessões, as quais, normalmente, segundo apontaram os
dados coletados nesta pesquisa, encerram-se em mais curto prazo em relação ao
agendamento da audiência do JECrim.
Nas audiências do JECrim, por sua vez, situação que restou bastante clara
nas entrevistas dos Apêndices II e III e nas visitas realizadas aos Cartórios Criminais
(subseção 4.4), os casos são resolvidos, na maioria das vezes, em uma única
sessão de conciliação, com duração entre 5 e 15 minutos, o que pode ser
insuficiente para alinhar o relacionamento entre os envolvidos, principalmente no
plano afetivo-emocional. Nesse mesmo sentido, o estudo do IPEA (2005a, p. 48,
grifo nosso) menciona:
Deve-se ressaltar que a maioria das audiências de conciliação
encontradas em campo é realizada em um único encontro, a audiência
preliminar. Caso uma primeira tentativa de proposição da conciliação seja
negativa, é imediatamente proposta a transação penal, em geral, conduzida
pelo juiz.

Sem contar que, no período entre o fato e a audiência preliminar, que


pode demorar de 90 (noventa) a 180 (cento e oitenta) dias61, por não estar
recebendo o tratamento adequado, o conflito permanece “vivo”, com contendas não
resolvidas, sujeito a reincidências e resultados mais graves. Enquanto tarda a
solução, tais conflitos podem recrudescer e as possibilidades de consenso e
pacificação diminuírem.
Em outra linha, um correr de olhos nas estatísticas dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, na seção 4 desta pesquisa, é suficiente para notar que o tempo
de solução do conflito e o sucesso nas conciliações e composições são mais
satisfatórios que os números apresentados pelo JECrim.
Essa agilidade favorece o cidadão e a qualidade do serviço que lhe é
prestado, pois evita uma sucessão de encaminhamentos das partes a diversos
órgãos (da Polícia Militar para a Polícia Civil e desta para o JECrim).

61
Segundo os dados fornecidos pelas 2ª, 4ª e 5ª Varas Criminais de São José do Rio Preto, que
serviram de base para composição da Tabela 24, constante na subseção 4.4.
167

3.6.5.2 O uso do método resolutivo mais adequado

Mesmo nas questões civis, aventou-se, neste estudo, que o CPC, ao


privilegiar as conciliações, traz uma sugestão precária no que se refere à pacificação
social e, consequentemente, à atividade de polícia ostensiva.
Lembra-se que há indicação no sentido de que o conciliador atuará
preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes 62.
Porém, tal dispositivo, segundo nossa compreensão, deve ser acatado como uma
recomendação, porque, apesar de não haver um vínculo anterior entre as partes, o
próprio evento ilícito pode ser o fato originador de um conflito, cujo tratamento por
meio da conciliação não surtiria o efeito necessário de pacificação social objetivado
pelo Estado.
Desse modo, a definição do melhor método só será possível ao se analisar
especificamente cada caso, iniciando-se com uma entrevista dos envolvidos,
geralmente feita pelo policial militar, pois é quem primeiro atende o cidadão no dia a
dia. Assim, sendo-lhe oportunizado o encaminhamento ao NUMEC e
NUMEC/CEJUSC da PMESP, terá o policial militar instrumento efetivo para definir
um tratamento mais adequado à contenda.
Uma vez estabelecido o atendimento inicial pelo policial militar
conciliador/mediador, que já estabelece um primeiro vínculo de confiança com as
partes envolvidas, não faz sentido que se interrompa a prestação do serviço para
informar ao cidadão no sentido de que este aguarde alguns meses para ter sua
situação resolvida no JECrim, ao qual será encaminhado o TCO. Menos sentido
ainda se a infração penal de menor potencial ofensivo for de ação penal privada ou
pública condicionada e o ofendido não quiser dar prosseguimento na parte criminal,
mas apenas o ressarcimento civil dos danos.
No caso das infrações penais, a mediação encontra consonância com a
Justiça Restaurativa, uma prática buscada e incentivada pelo Poder Judiciário
Nacional. Viu-se que a Justiça Restaurativa atine aos conflitos de natureza penal e
contrapõe-se ao princípio da Justiça Retributiva, que adota um procedimento
adversarial, enquanto aquela procura o diálogo e o consenso.

62
Conforme previsto nos parágrafos 2º do artigo 165 do CPP, sobre o qual se discorreu na subseção
3.4.5.
168

Nos casos de ação penal pública condicionada ou de ação penal privada em


que a pessoa não deseje prosseguir com o feito (não queira representar contra o
autor do fato), o TCO não deve ser feito, mas o registro da ocorrência por meio do
BO/PM faz-se necessário, uma vez que, além das providências no sentido da
autocomposição entre as partes, os fatos devem ser preservados para eventual
análise das autoridades que atuam no JECrim caso haja mudança de
posicionamento do envolvido, o que, aliás, é muito raro.
A prestação jurisdicional deve ser garantida, porém, certa liberdade deve ser
dada aos envolvidos, empoderando-os sobre suas decisões.
De outro lado, vários participantes salientaram a necessidade de reversão
de trajetória da política criminal, que há quase três décadas vem apostando
na criminalização de condutas como forma de ordenação das relações
sociais, inclusive a partir das agências da segurança pública – ou seja, não
apenas no plano legislativo, embora aqui também haja movimento
inequívoco de tornar o crime e a pena em ferramentas de engenharia social.
Associada à mencionada pobreza do repertório das alternativas penais,
essa condição empurra para as varas e juizados casos que poderiam
ser resolvidos por outras agências do sistema de justiça ou mesmo
por procedimentos não judiciais e/ou parajudiciais, como mediação e
conciliação (IPEA, 2015a, p. 25, grifo nosso).

Nessa esteira, os pesquisadores do IPEA sugerem que a legislação poderia


abrir espaço para mais opções de solução desses conflitos:
Para avançar ainda mais, a legislação poderia abrir a possibilidade de
implementação de projetos de justiça restaurativa, de modo a ampliar as
possibilidades de perdão. Poder-se-ia prever, por exemplo, que, no limite,
em qualquer crime, após a denúncia ou queixa, se a vítima aceitar participar
de um processo de mediação, a ação penal fica suspensa e se, ao final da
mediação, a vítima aprovar o resultado obtido, o crime fica perdoado e é
extinta a punibilidade (IPEA, 2015a, p. 92).

Em concordância com o princípio da legalidade e em consonância com os


propósitos da Justiça Restaurativa, nossa posição é de que os casos de infração
penal de menor potencial ofensivo devem ser submetidos à conciliação e/ou
mediação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP e os acordos de composição
civil aproveitados pelos JECrims.
Isso porque, como foi dito, a prática de uma infração penal pode gerar
responsabilidade civil e penal. No caso das infrações penais de menor potencial
ofensivo, pelo princípio da especialidade, vê-se que o acordo de composição civil
pode gerar a extinção da ação penal pública condicionada ou privada, de acordo
com o artigo 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.
169

Essa solução tem o condão de satisfazer tanto a responsabilização penal


quanto a civil, ao mesmo passo em que possibilita construir uma cultura de
pacificação social, buscada pelas técnicas da mediação e pela Justiça Restaurativa.
De outro lado, por meio do registro do BO/PM e do TCO, conforme o caso,
ainda se dá a necessária garantia, se assim desejar o ofendido, no que diz respeito
a ter a lide analisada pelas autoridades atuantes no JECrim, em especial, o Juiz e o
Promotor de Justiça.

3.6.5.3 TCO/PM e BO/PM como formas de registro das ocorrências sujeitas à


mediação ou à conciliação

Diante de uma infração de menor potencial ofensivo, considerando a


sujeição do autor à dupla responsabilidade, civil e penal, aventa-se a possibilidade
de que, no âmbito da PMESP, seja possível a mediação ou a conciliação para
composição civil e pacificação do conflito sem prejuízo da adoção de outras medidas
relativas ao JECrim, ou seja, o registro do TCO pela Polícia Castrense.
Conforme se expôs neste estudo63, a Polícia Militar é competente para o
registro do TCO, que não se trata de peça de investigação, portanto, não é ato
exclusivo da Polícia Civil. Também foi demonstrado que o registro do TCO pela PM
apresenta uma série de benefícios, a saber:
a) a não condução coercitiva e arbitrária de pessoas às Delegacias, por
não estarem em situação de prisão em flagrante delito;
b) o não afastamento da viatura do policiamento ostensivo do seu setor,
o que a torna disponível e mais próxima do cidadão para atendimento
de situações emergenciais; e
c) a liberação de encargos da Polícia Civil para cuidar de sua principal
atribuição, que é a apuração das infrações penais.
A submissão do conflito civil à mediação ou à conciliação promovida por
policiais militares, por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, não interfere no
andamento do TCO, quando se tratar de casos relacionados à infração penal de
menor potencial ofensivo cuja ação penal seja pública incondicionada ou, nos

63
A subseção 3.6.2.3 foi dedicada para demonstrar a pertinência, a legalidade, a viabilidade e a
afinidade com o interesse público que decorrem do registro do TCO pelas Polícias Militares.
170

demais casos, quando houver manifestação do interesse no prosseguimento do feito


por parte do ofendido.
Com base nas estatísticas informadas64, pressupõe-se que a mediação ou a
conciliação será promovida com brevidade pelos policiais militares, de forma a
terminar, normalmente, muito antes do agendamento da audiência preliminar por
parte do JECrim. Os números demonstrados apontam a tendência de que esses
conflitos, em sua acachapante maioria, estejam resolvidos, no que tange à
pacificação e ao acordo civil, antes da data da audiência preliminar designada no
JECrim.
Isso porque, segundo a proposta deste estudo, quando cabível, a Polícia
Militar providenciará o devido registro e encaminhamento do TCO ao JECrim
enquanto, paralelamente, proporá às partes a adoção do método mais adequado
para resolução das questões civis e sociológicas do conflito.
Dessa maneira, operacionalmente, a mediação ou a conciliação iniciar-se-ia
desde logo, com o agendamento das sessões, e o TCO seguiria ao JECrim com a
informação de que os envolvidos optaram, voluntariamente, por participarem da
conciliação e mediação feita pela PMESP. Finalizada a mediação/conciliação,
frutífera65 ou não, providenciar-se-ia a comunicação ao JECrim, em tempo hábil,
antes da realização da audiência preliminar.
Seguindo esse raciocínio, os acordos frutíferos obtidos no NUMEC/CEJUSC
suprimiriam ou mitigariam, no curso da referida audiência do JECrim, a fase de
composição civil e, nos casos das infrações de ação penal privada ou pública
condicionada nos quais o ofendido inicialmente manifestou interesse no
prosseguimento do feito, repercutiriam na extinção do processo, nos termos do
parágrafo único do artigo 74 da Lei nº 9.099/95.
A mediação e a conciliação também podem servir nos casos de infrações
penais de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja pública incondicionada,
desde que não obste o registro e o prosseguimento do TCO ao JECrim. Isso porque
pode a questão ser pacificada, sem prejuízo da resolução processual. Dessa forma,
cabível a composição civil, mas sem o condão de interromper a ação penal. “No

64
A subseção 4.3.4.2 traz o questionário respondido por policiais militares mediadores e
conciliadores que atuam na PMESP. Inferiu-se da pergunta 6 (Gráfico 37) um tempo médio
abaixo dos 30 (trinta) dias e nunca acima dos 60 (sessenta) dias.
65
Acordo frutífero é aquele em que as partes chegaram a um consenso sobre a reparação civil dos
danos.
171

caso de ação de iniciativa pública (incondicionada), ao contrario, a homologação do


acordo civil nenhum efeito terá sobre a ação penal” (GRINOVER et al., 1997, p.
129).
Nessa linha, nas entrevistas constantes dos Apêndices II e III, tanto a Juíza
de Direito quanto o Promotor de Justiça, mostram-se a favor da mediação e da
conciliação, pois, embora eventual composição civil não interfira no prosseguimento
da ação e nem da proposta de transação penal, o acordo poderá concorrer em favor
do autor da infração penal, em especial, para a fixação da pena, conforme
disposição do artigo 59 do Código Penal.
Assim, eventual composição civil colaboraria no sentido de agilizar a
audiência preliminar no JECrim, ao permitir que se passe à fase da transação penal,
conforme os ensinamentos de Mirabete (1997, p. 78):
Evidentemente, homologada a composição, não ocorre a extinção da
punibilidade quando se tratar de infração penal que se apura mediante ação
penal pública incondicionada, prosseguindo-se na audiência preliminar com
eventual proposta de transação ou, não sendo esta apresentada, com o
oferecimento da denúncia pelo MP. Entretanto, se a composição dos danos
ocorrer, deve ser ela objeto de consideração do MP, quando da
oportunidade de oferecer a transação, e do juiz, como causa de diminuição
de pena ou circunstância atenuante (arts. 16 e 65, III, b, última parte, do
CP). Além disso, é evidente que a composição impedirá uma ação ordinária
de indenização fundada no art. 159 do CC, ou a execução, no cível, da
eventual sentença condenatória (art. 91, 1, do CP).

Nessa vertente, exemplifica-se a contravenção de perturbação da


tranquilidade, fato comum envolvendo vizinhos, cuja ação penal é pública
incondicionada. Além do fato originador do TCO, a ser cuidado pelo JECrim, pode
existir uma possível relação conflituosa entre as partes, que deve ser pacificada, a
fim de se evitar outras ocorrências, a exemplo de um ato de vingança ou mesmo a
reincidência contravencional. Pode haver algum prejuízo financeiro decorrente da
perturbação, como, por exemplo, um comerciante que perde clientes por causa do
excessivo barulho feito pelo vizinho.
É o entendimento que se eleva, inclusive, da norma que disciplina os
NUMEC da PMESP (PMESP, 2017), que inclui os conflitos de vizinhança, entre os
quais, muito comuns, estão os casos de perturbação por som ou algazarra,
indissociáveis das infrações penais previstas nos artigos 42 e 65 da LCP (BRASIL,
1941b).
Destarte, segundo o que apurou o presente estudo, a regra é não haver
composição civil no JECrim diante de delitos que forem de ação penal pública
172

incondicionada, os acordos obtidos na mediação e na conciliação dos NUMEC e


NUMEC/CEJUSC não causam prejuízos, posto que o TCO seguirá seu trâmite e
estará sujeito à jurisdição, e poderão ser aproveitados tanto para beneficiar o autor,
quanto para satisfação dos interesses da vítima, de forma a alcançar a pacificação
do conflito.
Assim, nem o Judiciário nem o Ministério Público estarão privados do devido
controle dos atos praticados no âmbito da polícia de preservação da ordem pública,
pois poderão realizar o acompanhamento dos feitos, sem maiores prejuízos, haja
vista que, por princípio, a atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC deve ater-se
apenas a questões de direito civil envolvendo direitos disponíveis, não interferindo
no âmbito penal.

3.6.5.4 Efeitos da composição civil dos NUMEC/CEJUSC na esfera penal

A proposta deste estudo consiste em que, nos casos de infração com


previsão de ação penal privada ou pública condicionada, os acordos frutíferos dos
NUMEC e NUMEC/CEJUSC possam ser homologados pelo Poder Judiciário e
aproveitados pela autoridade judiciária do JECrim como um documento apto a
promover o arquivamento da ação penal, uma vez que a composição civil dos danos
implica renúncia do ofendido ao direito de queixa ou representação, na
conformidade do previsto no artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9.099/95.
Essa solução, encaminhada de forma tempestiva, tornaria desnecessária até
mesmo a realização da audiência preliminar, em face da extinção da punibilidade, o
que é corroborado por Renato Brasileiro de Lima (2013, p. 1446):
A partir do momento em que o art. 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95,
aponta que a composição dos danos acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação, é intuitivo que ambas as renúncias devem ter a
mesma consequência jurídica, qual seja, a extinção da punibilidade.
Em ambas as situações – ação penal privada e pública condicionada à
representação –, o não cumprimento do acordo não restitui à vítima o direito
de queixa ou de representação. De fato, extinta a punibilidade, resta ao
ofendido apenas a possibilidade de executar o título executivo judicial obtido
com a homologação transitada em julgado.

Assim, a composição civil gera extinção da punibilidade e o ressarcimento


dos danos da vítima é garantido pelo título executivo judicial, sendo que o ofendido,
caso não venha a receber a devida indenização, poderá ingressar diretamente com
ação civil executiva, um meio muito mais simples para se alcançar a justiça.
173

Assim, havendo o acordo homologado pelo Juiz do CEJUSC e acolhido pelo


Juiz do JECrim, nos termos do art. 74, parágrafo único da Lei nº 9.099/95, sequer
haverá objeto para o Parquet propor a transação penal, pois a ação penal encontrar-
se-á extinta.
Mas, já se sabe, até mesmo por se tratarem de institutos novéis, pode
ocorrer resistência quanto a essa solução. Em São José do Rio Preto, por exemplo,
recentemente, o 17º BPM/I recebeu e-mail (GELOTTO, 2019), proveniente do
cartório do Poder Judiciário subordinado ao Juiz Coordenador do CEJUSC,
informando da proibição de atenderem situações que envolvessem infrações penais
de menor potencial ofensivo.
O referido e-mail, encaminhado pelo escrevente judiciário Gilberto Gelotto,
no dia 16 de julho de 2019, trouxe a informação sobre decisão do Juiz Coordenador
do CEJUSC de São José do Rio Preto, que determinou o arquivamento de um
acordo de composição civil feito pelo NUMEC/CEJUSC de São José do Rio Preto,
relativo a acidente de trânsito com vítima, em razão da impossibilidade de
homologá-lo diante de “[...] situação que extrapole a competência cível”.
Acrescentou ainda que deveria ser aplicado o mesmo entendimento para casos
semelhantes, sob pena de se caracterizar desobediência.
Pede-se vênia para discordar de tal entendimento, que não inviabiliza a
hipótese desta tese, por se tratar de uma deliberação isolada, que não expressa o
posicionamento do Judiciário como um todo, considerando tratar de assunto não
debatido suficientemente no plano acadêmico e jurídico, uma vez que tem por objeto
institutos incipientes, que pouco ultrapassam uma década, com suas principais
matérias disciplinadas por leis que hoje completam apenas seis anos.
Conforme a presente pesquisa demonstrou, se a Polícia Militar resolvesse
levar aos JECrims todos os casos que atende diariamente, relacionados a infrações
penais de menor potencial ofensivo, ocorreria um caos no sistema judiciário, que
teria uma demanda colossal.
E talvez seja o desconhecimento de tal situação e sobre os prejuízos de tais
ocorrências à ordem pública que leva determinadas autoridades judiciárias e do
Ministério Público a tomarem decisões como essa, há pouco citada, um dos fatos
motivadores da presente pesquisa, de forma a demonstrar a realidade existente e as
medidas que podem contribuir em favor dos sistemas de Segurança Pública e de
Justiça, sem ultrapassar os limites legais.
174

Impor aos indivíduos um tipo de solução que não desejam e se impedir outra
forma de resolução por eles preferida parece ir exatamente contra o princípio de
pacificação social e de empoderamento das pessoas para resolver suas contendas.
Na decisão judicial mencionada, pressupõe-se que a vítima abriu mão da
representação em razão do acordo civil que conseguiu, por meio de consenso com a
outra parte, no NUMEC/CEJUSC. Se o próprio ofendido não deseja o
prosseguimento da ação penal, mas somente o ressarcimento civil dos danos, da
forma mais célere possível, logo após ocorrido o fato, não parece razoável que o
Estado-Juiz lhe imponha seguir um caminho contra a sua vontade.
Aliás, nas entrevistas dos Apêndices II e III, tanto a Magistrada quanto o
membro do Ministério Público responderam que, nos casos de negativa da vítima
em dar prosseguimento à ocorrência atendida pela Polícia Militar, não se deve
registrar o TCO, mas apenas fazer-se um simples registro de ocorrência.
Neste estudo constatou-se que, no dia a dia, a Polícia Militar deixa de
registrar um número absurdo de ocorrências66, em face do desinteresse dos
ofendidos em seguir com a ação no campo penal, no tocante às infrações penais de
menor potencial ofensivo que dependam de representação da vítima e, até mesmo,
em casos de ação penal pública incondicionada.
Essas ocorrências não são pacificadas porque, no momento do registro,
comumente é explicado pelo policial militar ao cidadão todo o trâmite da ocorrência,
que passará pela condução à Delegacia de Polícia e a “intimação” das partes pelo
Judiciário. Tais informações desestimulam o registro da ocorrência e o caso, por sua
vez, tem uma solução paliativa e momentânea, podendo ser objeto de novos
chamados.
Por outro lado, vê-se o policial militar impedido de orientar a mediação ou a
conciliação pelo NUMEC e NUMEC/CEJUSC, pois sabe que se no processo
autocompositivo houver acordo civil corre-se o risco de não tê-lo homologado pelo
juízo, como ocorreu na decisão judicial em comento.
O rigor formal, até mesmo em razão dos princípios da própria Lei nº
9.099/95, desestimula o cidadão a procurar a prestação jurisdicional, que muitas

66
Na subseção 4.2.1 estabeleceu-se um panorama dos atendimentos de ocorrências de menor
potencial ofensivo da PMESP, de forma a demonstrar o seu impacto no policiamento ostensivo e
na capacidade de pronta resposta aos chamados de urgência relacionados a situações mais
graves.
175

vezes prefere abster-se da devida reparação do dano civil, em razão do tempo de


demora da solução e o prolongamento de suas angústias:
Ocorre que, por vezes, o rigorismo da lei pode, em certa medida,
desestimula a(s) parte(s) a tentar resolver determinada questão
controvertida que a envolve. Isso não quer dizer que entendemos que a lei
não deve ser cumprida ou que causa embaraços àqueles(as) que buscam
se socorrer do Poder Judiciário para dirimir suas contendas. Em verdade,
percebemos que devido ao estrito cumprimento da lei, a fim de que o
processo tome seu rumo lógico, o reclamante, por vezes, não quer ter
trabalho de se movimentar nesse sentido. Não obstante, por não
entender os meandros jurídicos de nossa legislação, dentre outras
dificuldades, acabam não dando prosseguimento ao seu intento. Nesse
cenário, delegam ao estado-juiz a resolução do problema, o que não
significa qualquer impedimento, claro que este ocorrerá se a lei assim
disser. Ademais, iura novit curia, ou seja, o juiz conhece o direito.
De toda sorte, que o emprego exacerbado de formalismo, pode
ocasionar certa dose de desestímulo ao reclamante, no intuito de
buscar por uma resposta que possa surtir efeitos no sentido de
extirpar, de uma vez por todas, a lide sociológica. Esta, por vezes, o
magistrado e os tribunais não fulminam quando da prolação de suas
sentenças e acórdãos, respectivamente (OLIVEIRA; VIEIRA, 2019, p. 56,
grifos nossos).

Outrossim, repete-se, o direcionamento da ocorrência para o JECrim nem


sempre se mostra o melhor caminho para resolução de forma completa da lide. O
consenso, nesses casos, apresenta-se como o mais efetivo meio de composição
civil, pois, por ele, pode-se alcançar o plano afetivo-emocional das pessoas, no
sentido de conduzi-las à paz.
Desse modo, o Estado estará mais próximo do seu papel social, traduzido
nas palavras de Silva Junior (2014, p. 10):
Seguir o modelo tradicional adversarial vê os conflitos exclusivamente pelo
prisma jurídico e, assim, sua posologia é baseada no registro de um Boletim
de Ocorrência e eventual instauração de inquérito policial, que levará o
evento ao Poder Judiciário pela via do processo penal ou, nos casos que
envolvam exclusivamente questões de natureza cível, a única opção que
restaria às partes envolvidas seria o processo civil. Dessa forma, a maior
parte das demandas geradas por conflitos fica represada pelo gargalo da
burocracia, o cidadão fica desassistido e o Estado não cumpre seu papel de
pacificador.

Outro ponto de discordância a respeito da decisão do ínclito Magistrado se


dá uma vez que, independente da ação penal, é direito da pessoa intentar a ação
civil, porque são esferas de responsabilidade diferentes. Nessa linha, reza o CPP
(BRASIL, 1941a):
Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para
ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do
crime e, se for caso, contra o responsável civil.
Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá
suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.
176

Portanto, não se extrapola a competência civil quando se analisa a questão


de Direito Civil relacionada à prática de um delito.
O Código Civil corrobora o CPC, ao dizer que no seu artigo 935 que a “[...]
responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões
se acharem decididas no juízo criminal” (BRASIL, 2002).
No entanto, no trâmite especial para infrações penais de menor potencial
ofensivo, a Lei nº 9.099/95, de certa forma, inverteu essa lógica, ao definir o
encerramento da ação penal, dando-a como decidida, quando houver a composição
civil nos termos do parágrafo único do seu artigo 74 (BRASIL, 1995).
Mirabete (2008, p. 146, grifos nossos) esclarece essa independência das
esferas de responsabilização e que a penal só obsta a civil, quando aquela segue o
rito processual até o fim, com a sentença transitada em julgado:
Dessa forma, é possível o desenvolvimento paralelo e independente de
uma ação penal e de uma ação civil, o juiz poderá suspender o curso da
ação civil, até o julgamento definitivo da ação penal (art. 64 parágrafo único
[do CPP]). Procura-se, com a suspensão, evitar, quando possível, decisões
contraditórias. Não pode, porém, o juízo cível obrigar o lesado a
aguardar o trânsito em julgado da sentença penal, sob fundamento da
prejudicialidade. A suspensão é uma faculdade concedida ao juiz, que a
decretará em vista da defesa que for alegada e só é imprescindível quando
o conhecimento jurídico da ação civil depender da existência de crime, o
que é raro. No mais, a suspensão deve ser evitada ou reduzida ao
mínimo.

Porém, no caso da infração penal de menor potencial ofensivo que dependa


de manifestação da vontade do ofendido para prosseguimento da ação penal,
sequer se chegará ao momento da sentença penal processual, em face da anterior
extinção da punibilidade decorrente da renúncia ao direito de representação ou
queixa gerada pela composição civil dos danos homologada judicialmente.
Mirabete (2008, p. 146) deixa claro que é direito do lesado ter seu
ressarcimento o quanto antes, assim, deve se garantir, nos casos de ação penal
pública condicionada ou privada, o direito subjetivo do ofendido que não quiser o
prosseguimento da ação penal e desejar obter o direito de indenização em
curtíssimo prazo, num “acordo de cavalheiros”, por meio da composição civil. Eis o
empoderamento do indivíduo pregado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Da cartilha da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), depreende-se
que, cada vez mais, excepciona-se a jurisdição, preferindo-se a autocomposição
com práticas restaurativas:
177

[...] a Lei Federal 12.594/2012, cujo art. 35, inc. II, estabelece o princípio da
“excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos”, inc. III estabelece o
princípio da “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e,
sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”
(ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL, 2005).

Ademais, se o princípio vale ao processo, muito mais efetivo se torna ao não


ser necessário instaurá-lo e não se movimentar a custosa máquina estatal, fórmula
de economia também interessante à sociedade.
Nos casos expressos em lei, consiste em um direito a manifestação do
ofendido no sentido de não querer representar penalmente contra o autor do fato.
Um direito que não pode lhe ser suprimido ou violado.
E essa manifestação expressa de desinteresse elide a possibilidade da ação
penal, restando apenas, se desejar, o resíduo de responsabilidade civil, que pode
ser objeto de conciliação ou mediação nos NUMEC ou NUMEC/CEJUSC.
Como efeito, deve ser objetivo da Justiça que a lide seja resolvida de forma
menos traumática, por meio do consenso entre os envolvidos, que desde logo
possam voltar aos seus lares com sua situação solucionada.
E nesse sentido, as mediações e conciliações pré-processuais têm
demonstrado maior eficiência em relação à jurisdicionalização das causas. As
palavras de Silva Júnior (2014, p. 3) concorrem nesse sentido:
A resolutividade também será elemento diferenciador; enquanto as
demandas judiciais, em razão de sua quantidade e do formalismo
processual, são tardias e nem sempre atendem às pretensões das partes,
gerando mútua frustração e reincidência do conflito, os métodos de
resolução alternativa de disputas são informais, buscam que as partes em
litígio encontrem por si a solução mais adequada, reatando suas relações
interpessoais, o que tende a uma alta taxa de resolutividade do caso e
minimização do risco de reincidência.

Impor, principalmente à vítima, um rito indesejado e moroso de natureza


penal, que prolongará o seu suplício, parece, de longe, a decisão menos viável.
Assim procedendo, ao final, estaria a justiça sendo aparentemente cumprida na
crueza da letra, mas violada nos seus objetivos de respeito à dignidade humana.
Os NUMEC e NUMEC/CEJUSC mostram-se métodos eficientes de
solucionar os conflitos de forma desinstitucionalizada, de acordo com a abordagem
de Mendonça67 (2006, p. 36 apud SILVA JÚNIOR, 2014, p. 3):

67
MENDONÇA, Ângela Hara Buonomo. Mediação Comunitária. Uma ferramenta de acesso à
justiça? Tese (Mestrado em História Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas. Rio de
Janeiro, 2006 (SILVA JÚNIOR, 2014, p.3).
178

A mediação comunitária surge como uma fomentadora do respeito,


participação e cultura de paz. Tudo isso se daria mediante técnicas e
procedimentos operativos informais (desinstitucionalizados), em favor de
uma Justiça que pretende resolver o conflito, dar satisfação à vítima e à
comunidade, pacificar as relações sociais interpessoais e gerais danificadas
pelo delito e melhorar o clima social: sem vencedores nem vencidos, sem
humilhar nem submeter o infrator às “iras da lei”, nem apelar à “força
vitoriosa do Direito”.

Desse modo, necessário discorrer, de forma mais amiúde, sobre como pode
ser operacionalizada a atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC de acordo com a
hipótese levantada, no sentido de mediar e conciliar os conflitos relacionados às
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Viu-se que, no trâmite dos CEJUSC, o acordo de composição civil está
sujeito à homologação judicial, que o torna título executivo judicial. Já as OPM que
tem NUMEC geram títulos executivos extrajudiciais.
Por esses meios, a solução torna-se célere, uma vez que a grande maioria
dessas ocorrências tem o primeiro atendimento feito pela Polícia Militar, que desde
já poderia iniciar o processo de pacificação, o que tende a ser mais eficiente, por
causa da possibilidade de se utilizar, analisando-se caso a caso, a mediação como
método restaurativo voltado a resolver não só a questão de direito material da lide,
mas colocar um termo ao conflito sob o ponto de vista social.
Nessa conformidade, a busca dos JECrims pela reparação do dano causado
à vítima, pode ser alcançada de forma mais ágil por meio da mediação ou da
conciliação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC. Lima (2013, p. 1447, grifo nosso)
explica que tipos de danos podem ser objeto de composição civil:
[...] um dos objetivos declarados da Lei nº 9099/95 é a reparação dos danos
sofridos pela vítima, sempre que possível. Daí a importância da
composição civil dos danos, que pode ser feita nas infrações que
acarretam prejuízos materiais, morais ou estéticos à vítima.

Nesses casos, teleologicamente, o acordo cível do CEJUSC homologado


pelo Poder Judiciário, tem o mesmo efeito do promovido no JECrim, qual seja, o de
título executivo judicial e, dessa forma, como já foi discutido, poderia ser levado ao
conhecimento da autoridade judiciária competente para extinção da ação penal dos
casos relativos à infração de ação penal privada ou pública condicionada, posto que
a composição civil acarreta renúncia ao direito de queixa e representação.
Por conseguinte, o aproveitamento das conciliações e mediação feitas
por meio dos NUMEC ou NUMEC/CEJUSC surge como um meio legal para
extinguir a ação penal, de forma mais célere e eficaz. Reflexamente, cuida-se das
179

feridas dos envolvidos e mitigam-se as possibilidades de reincidência de delitos e


acionamento do policiamento ostensivo.
Isso porque a causa penal de menor potencial ofensivo exige uma solução
não somente no plano processual, relativa ao fato originador do TCO, e deve atentar
também às raízes do conflito, de ordem sociológica, o que torna pertinente o
tratamento por meio da mediação ou da conciliação dos NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC. Nesse sentido, Silva Junior (2009, grifos nossos) explicita:
Na esfera do Direito Penal, todavia, a lei reserva espaços em que o direito
de ação depende exclusivamente do ofendido, ainda que o direito de
punir seja monopolizado pelo Estado. É, pois, nessa área de possibilidade
de consenso extrajudicial entre os sujeitos em conflito que é possível a
mediação conduzida pelo agente policial bem preparado. Nos conflitos em
torno de direitos disponíveis regulados por normas de Direito Civil e
naqueles de ordem penal em que a ação penal seja privada, ou mesmo
pública, desde que condicionada à representação do ofendido, o
emprego de técnicas de mediação por policiais teria o condão de
pacificar conflitos em sua flagrância, ao contrário da via judicial,
notadamente mais tardia, por mais que se tente imprimir celeridade.

No que concerne à operacionalização da sistemática proposta neste estudo,


há ainda a possibilidade da mediação e da conciliação serem feitas nos casos de
infração penal de menor potencial ofensivo sem que seja registrado o TCO. Nesse
mesmo sentido concorre o posicionamento de Silva Júnior (2014, grifos nossos):
Assim, se o fato delitivo ocorrido for considerado de menor potencial
ofensivo, e se for de ação penal privada ou ação penal pública condicionada
à representação, surge, com a mediação policial militar, uma forma
alternativa de atuar, antes de se dar prosseguimento ao caminho da
justiça penal. Nestes casos, como já discorrido, é possível propor às partes
a realização da mediação policial do conflito. Se for alcançado sucesso na
mediação, a ação é extinta antes mesmo de chegar à fase de
proposição da transação penal.

Nossa experiência, decorrente dos anos de serviço como Oficial PM em


OPM que congregava vários municípios e diversas comarcas, mostra que essa ideia
é plenamente viável, mas pode encontrar alguma resistência em uma ou outra
localidade, em face do entendimento particular de alguns Juízes e Promotores de
Justiça, nem tanto por uma discordância do ponto de vista legal, mas pela mantença
da práxis em determinadas Varas Criminais, cuja disruptura pode ocorrer a partir de
uma adequada argumentação perante essas autoridades.
Desse modo, nas ocorrências cuja ação penal seja privada ou pública
condicionada, quando as partes optarem pela mediação/conciliação e o
ofendido desde logo decidir por não querer o prosseguimento do feito ao
JECrim, o fato deve ser objeto de registro do Boletim de Ocorrência da Polícia
180

Militar (BO/PM), com a devida assinatura dos envolvidos e a manifestação do


ofendido a respeito do interesse de não representar, bem como sua ciência sobre o
prazo decadencial – normalmente de 6 meses – do direito de representação ou
queixa.
Em tais casos, de acordo com as entrevistas e os posicionamentos
doutrinários expressos ao longo deste trabalho, registrar do TCO contra a vontade
do ofendido mostra-se um ato impertinente, à medida que invade arbitrariamente o
direito subjetivo da vítima.
Essa noção decorre de analogia em relação ao que acontece com o
Inquérito Policial, cuja obrigatoriedade de instauração de ofício ocorre somente
nos casos de infrações penais de ação penal pública incondicionada.
Como visto, quando a ação penal for pública condicionada ou privada, o
Inquérito Policial, segundo o art. 5º do CPP e seus parágrafos 4º e 5º, não poderá
ser iniciado sem a representação ou requerimento do ofendido, princípio que deve
ser observado também no caso do TCO, que trata de infrações menos graves.
Promover o registro do TCO contra a vontade do ofendido configura-se uma
violação de seu direito, um ato de desempoderamento do indivíduo, que pode fazer
com que desista do registro dos fatos e, ainda, desestimulá-lo a recorrer à
mediação, deixando o conflito irresoluto e com possibilidade de reincidência.
Aliás, como indicam as pesquisas deste trabalho, essas ocorrências, em sua
maior parte inclusas naquelas classificadas inicialmente como desinteligência, são
resolvidas no local pela PMESP, seja por se tratar de uma situação comezinha, seja
pela indisposição do indivíduo ofendido em se submeter ao trâmite do procedimento
do JECrim, o qual, mesmo que simplificado pela Lei nº 9.099/95, ainda lhe é custoso
e com resultados bem aquém de suas expectativas.
Destarte, nesses casos, apresenta-se como mais eficaz o simples registro
do BO/PM e, simultaneamente, a proposta de mediação ou conciliação pelo
NUMEC/CEJUSC, com eventual acordo homologado pela Justiça.
Aumenta-se em muito a possibilidade de a pessoa fazer o registro ao ter a
opção de solução mais simples e informal por meio da mediação ou da conciliação,
mitigando a probabilidade de dispensar a ocorrência e deixar “as coisas como
estão”.
Como já explicitado, esse tipo de resolução tem o condão de pacificar a
relação e de evitar novos conflitos, além de repercutir em prol do policiamento
181

ostensivo e da atividade de preservação da ordem pública, evitando que as


contendas menores evoluam para situações mais graves, o que concorre também
em prol do desafogo das demandas dos JECrims.
Dessa forma, o registro do BO/PM preservará os acontecimentos, com a
devida lisura, e poderá seguir ao JECrim, no caso em que o ofendido – em face do
insucesso da mediação ou da conciliação – venha no prazo legal a manifestar seu
interesse em representar ou exercer seu direito de queixa contra o ofendido.
Aliás, no que se refere ao conteúdo, o BO/PM e o TCO apresentam-se
exatamente iguais, diferenciando-se apenas na nomenclatura.
No caso em que houver acordo de composição civil homologada
judicialmente, o encaminhamento do BO/PM ou TCO só se faz necessário se a
infração for de ação penal pública incondicionada ou, nos demais tipos de ação
penal, se houver interesse por parte do ofendido no prosseguimento do caso ao
JECrim.
Silva Júnior (2009, grifo nosso) explica que tal prática não implicaria em
exclusão da prestação jurisdicional:
Poder-se-ia levantar em oposição o princípio constitucional da
inafastabilidade da jurisdição; todavia, deve-se ter em conta que quando
um policial media um conflito que gira em torno de direito disponível, e
registra os termos dessa composição entre as partes em boletim de
ocorrência, além de não se inviabilizar futura busca de tutela jurisdicional,
mais que isso, o registro garante segurança jurídica para ambas as partes
até mesmo numa eventual futura demanda judicial.

Destarte, não se suprime a possibilidade de se recorrer à jurisdição, uma vez


preservadas as informações no BO/PM, com a devida garantia jurídica caso a parte
envolvida decida pelo prosseguimento da ação no campo penal.
Porém, tratam-se tais situações de casos excepcionalíssimos, pois os
acordos frutíferos, dentro dos critérios trabalhados na mediação, são resultados de
consenso e pacificação, e fazem com que, naturalmente, na maioria dos casos,
conforme apontou a presente pesquisa na subseção 4.3, os ofendidos abram mão
do prosseguimento da ação penal.
A própria parte ofendida, diante da perspectiva da composição civil na
audiência de conciliação, tende a manifestar o seu interesse em não representar
contra o autor, excluindo o objeto para prosseguimento do TCO.
A coleta da manifestação do ofendido, no que diz respeito ao interesse do
prosseguimento do feito na seara penal, ainda antes do encaminhamento ao
182

JECrim, vai ao encontro de práticas judiciais em nosso país:


São exemplos de procedimentos, que quando planejados com todas as
partes envolvidas no processo, tendem a ser menos burocráticos e mais
rápidos: [...]
Forma de confirmação da representação do autor da ação penal
condicionada à representação: não há um procedimento específico que
determine momento e forma de se apresentar a representação. Há
comarcas que realizam isso na hora da notícia crime; há comarcas que
combinam com todas as delegacias para que seja apresentada apenas no
cartório, assim evita-se que seja dada a representação em um momento de
“instabilidade” e a vítima se arrependa posteriormente. Isso acaba evitando
a marcação de audiências que não ocorrerão, por isso, há menor
burocracia; há comarcas que pedem para que a representação seja
confirmada apenas no dia da audiência, correndo o risco de marcar um ato
processual desnecessário (IPEA, 2015b, p. 46, grifo nosso).

Cumpre esclarecer que a situação expressa acima não é nenhuma


inovação, pois já é uma prática comum na própria Polícia Civil no Estado de São
Paulo, conforme apontou o IPEA (2015, p. 28)68, ou seja, registrar BO e não TCO, e
aguardar a representação da vítima para dar prosseguimento ao feito.
De tal maneira, a opção pelo não registro imediato do TCO pela PM, nos
casos em que dependam de representação ou queixa e o ofendido não deseje o
prosseguimento da ação penal, mostra-se consonante com os princípios
perseguidos pela Lei nº 9.099/95, que primeiramente visam à reparação do dano, o
que é muito mais fácil de obter dentro de um método consensual do que no
adversarial, em que predomina a beligerância.
Ante o exposto, tem-se um vislumbre sobre como as conciliações e
mediações feitas por policiais militares nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, de forma
legal, evidenciam grande potencial de pacificação social em prol da segurança
pública, como fator de prevenção, em favor da otimização do policiamento ostensivo
e das atividades de preservação da ordem pública.
Ao mesmo tempo, o uso desses institutos no âmbito da Polícia Militar
contribui para uma melhoria sistêmica, ao desafogar a demanda do Poder Judiciário
e desonerar a Polícia Civil para investigação criminal de fatos de natureza mais
grave, proporcionando economia ao Estado e garantia de uma prestação eficiente e
de qualidade àquele que é a parte mais importante dentro desse sistema: o cidadão
paulista.

68
Na subseção 3.5.5.1, viu-se que o estudo do IPEA menciona que nem todas as notícias de crime
se convertem em Boletim de Ocorrência e nem todas as ocorrências tornam-se Inquéritos
Policiais, e que a lógica de seleção dos casos refere-se muito mais à necessidade que os policiais
civis têm de administrar o volume de trabalho.
183

3.6.5.5 As mediações e as conciliações feitas pela PMESP como mecanismos de


preservação da ordem pública

A constante busca de aperfeiçoamento pela Polícia Militar leva à


necessidade de se procurar novas formas e de se encontrar práticas que impliquem
melhoria do atendimento ao cidadão, bem como ofereçam soluções que conduzam à
prevenção em relação a fatores que possam causar perturbação à ordem pública.
Viu-se que a PMESP já possui uma considerável experiência nas mediações
e conciliações69, as quais vêm se mostrando efetivos meios de prevenção primária,
por meio da atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, referendadas pelo Poder
Judiciário.
Nassaro (2012, p. 14, grifos nossos) mostra a importância do uso dos
métodos de resolução de conflitos por policiais militares e a íntima relação com a
atribuição constitucional das Polícias Militares:
O objeto e a natureza do trabalho das polícias militares podem ser
representados pela permanente busca de pacificação nas relações
sociais, por meio da resolução de conflitos diversos, mediante a promoção
de acordos ainda que informais, com suporte no exercício da missão
constitucional de ‘polícia ostensiva’ e ‘preservação da ordem pública’
conforme parágrafo 5º, do artigo 144, da Constituição Federal.

No entanto, essa prevenção pode ser potencializada pela aplicação de tais


métodos também nas causas que se refiram a infrações penais de menor potencial
ofensivo, com a aceitação dos acordos pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do
devido registro do TCO, quando cabível.
As resoluções de conflitos por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
demonstram grande eficácia e efetividade, à medida que resolvem as contendas e
estabelecem a paz entre os envolvidos. Podem também solucionar eventuais danos
civis, constituindo os acordos títulos executivos, extrajudiciais ou judiciais, que
servem como garantia ao ofendido em ter satisfeita a sua necessidade.
Não há óbice legal aos policiais militares para atuarem como mediadores e
conciliadores, pois o sistema normativo conduzido pelo CNJ, com base das
exigências do CPC e da Lei de Mediação, autoriza-os ao exercício de tal mister.

69
A subseção 3.5.5 traz o histórico, as experiências e a excelência das mediações e conciliações
feitas na PMESP, consolidadas nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC existentes na Instituição.
184

No que tange à conciliação do JECrim, as normas legais de 2015 – CPC e


Lei de Mediação - são mais recentes e tratam mais adequadamente a questão,
mostrando, em comparação com as disposições da Lei nº 9.099/95, melhores
parâmetros para resolução da questão civil envolvendo infrações penais de menor
potencial ofensivo, de forma a alcançar os benefícios de uma verdadeira solução
consensual, que construa a paz entre os indivíduos.
Os números desta pesquisa apontam a capacitação e o alto grau de
resolutividade das contendas por parte dos mediadores e conciliadores da PMESP,
os quais demonstram grande dedicação aos casos que lhes são submetidos. A título
de exemplo, os relatos dos mediadores/conciliadores do NUMEC/CEJUSC de São
José do Rio Preto apontam o diferencial dos policiais militares, os quais, se
necessário, telefonam ou procuram pessoalmente as pessoas para convidá-las à
mediação ou à conciliação, enquanto os conciliadores civis limitam-se a enviar
cartas registradas para as partes, o que não permite uma melhor compreensão dos
objetivos da autocomposição mediada por parte dos destinatários.
Como referencial dessa boa produtividade dos policiais militares
mediadores, recorre-se ainda aos dados estatísticos fornecidos pelo 17º BPM/I,
compreendendo o período desde a inauguração do NUMEC/CEJUSC, em maio de
2019, até o mês de julho transato. Os números apontam a realização de 74
mediações e conciliações (envolvendo 167 pessoas), sendo que 62 delas resultaram
frutíferas, o que corresponde a uma eficiência de 83,7 %.
Dessas mediações e conciliações, segundo apurado junto ao Oficial de
ligação do aludido NUMEC/CEJUSC, trinta e um foram os casos de acidentes de
trânsito sem vítima, cujo tempo médio de solução, desde a entrada no Núcleo
(distribuição), até a homologação judicial, foi de 37 (trinta e sete) dias (ZIROLDO,
2019).
Ou seja, mais que o conhecimento do Direito, a aptidão para o exercício da
atividade de conciliação torna-se primordial. É sob essas exigências que atuam os
policiais militares conciliadores e mediadores dos NUMEC/CEJUSC.
Na tríade que sustenta a política institucional da PMESP (2010, p. 12), em
consonância com o que já foi mencionado neste estudo, uma de suas colunas
mestras é a filosofia de Polícia Comunitária (PMESP, 2005), cujo uso dos métodos
alternativos para resolução de conflitos pelos policiais militares alinha-se
estrategicamente a esse pensamento e objetivo institucional.
185

O policial militar comunitário deve ser visto como um agente pacificador na


essência, a ser desvinculado do sujeito agressivo que muitas vezes se vê
incentivado pela própria sociedade a usar da violência, o que, embora seja
repudiado pela PMESP, é um desvio de cultura percebido, que faz da ação de
alguns poucos um instrumento de dano à imagem institucional.
Dessa forma, o envolvimento dos policiais militares nessa cultura de
pacificação social é visto inclusive, como aspecto de política pública, em face da
busca da diminuição da violência policial, haja vista que o introduz como agente
comunitário no seio da sociedade.
Nessa esteira, o Comando da PMESP vinculou os NUMEC e
NUMEC/CEJUSC à Diretoria de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos, porque
há uma relação intrínseca entre os meios alternativos de resolução de conflitos com
as diretrizes que norteiam o policiamento comunitário e as políticas de direitos
humanos, concentradas no respeito à dignidade da pessoa humana.
No caso particular dos NUMEC da PMESP, Jacob (2019 apud MOURÃO;
NAIDIN, 2019, p. 59) evidencia que sua implantação deu-se como estratégia
organizacional alinhada à filosofia de Polícia Comunitária e recorre ao site da
Secretaria de Segurança Pública70 para descrever esse alinhamento:
A diretriz do policiamento comunitário compreende o estreitamento dos
laços entre a PM e a população. O trabalho é baseado no conceito de que
tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar,
priorizar e resolver os problemas, com o objetivo de melhorar a qualidade
geral de vida.

Outra importante iniciativa da PMESP foi a inclusão nos currículos de


formação dos policiais militares, a mediação de conflitos como matéria, a exemplo
da Escola Superior de Soldados “Coronel Eduardo Assumpção” (PMESP, 2018) que
inclui 24 horas/aulas para tratar o assunto, no qual se aborda a teoria do conflito,
noções sobre a resolução de conflitos, panoramas e histórico da mediação, a
atividade do mediador judicial e extrajudicial e o policial militar como mediador
comunitário no local da ocorrência, entre outros.
Ser pacificador e apaziguador é requisito implícito para se ingressar nas
fileiras da Polícia Militar. Depreende-se que qualquer indivíduo que não seja apto a
resolver conflitos de maneira adequada não serve para ser policial militar.

70
Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br/acoes/leAcoes.aspx?id=33362. Acesso em: 4 fev. 2020.
186

Neste sentido, encontra-se eco nos dizeres de Nassaro (2012, p. 43):


Na verdade, o policial militar sempre foi um mediador e mesmo um
conciliador por excelência, não obstante a pequena difusão de
conhecimentos e treinamentos específicos nessa seara de ação. Em seu
primeiro contato com as partes ele já pode conseguir pela presença,
palavra, argumentação e até aconselhamento, evitar situações que
certamente se agravariam. O bom policial “não se envolve na ocorrência”
como preconizam os manuais - e confirma a experiência profissional -
adotando postura neutra, como um árbitro ao ouvir a versão das partes e
buscando uma solução equilibrada mediante seu poder de argumentação,
desde que possível um desfecho no local dos fatos.

Antes mesmo de haver definição e estabelecimento de técnicas para


policiais militares em mediação, a natureza de sua atuação os conduz a
naturalmente desenvolverem essa atividade, uma vez que, na maioria das vezes,
são a primeira autoridade do Estado a comparecer nos locais onde esteja ocorrendo
qualquer tipo de conflito que altere o estado de normalidade. Logo, seu preparo
nesse sentido torna-se essencial, principalmente porque sua atuação inicial não
ocorre em clima de tranquilidade, mas sob tensão, quando os ânimos dos envolvidos
estão “à flor da pele”.
Essa aptidão natural de lidar diariamente com os conflitos, em terreno hostil,
deve permear a formação do policial militar, para torná-lo um profissional confiável,
apto também para exercer a mediação e a conciliação por meio dos Núcleos e
Centros da PMESP.
Quando ocorre a briga de casal, a discussão entre vizinhos, a perturbação
de sossego e o acidente de trânsito, entre outros casos, os dedos dos envolvidos
encontram as teclas 190 de seus telefones e chamam o policial militar para resolver
a disputa. Isso acontece a toda hora, todos os dias. Às duas horas, na madrugada,
no fim de semana, quando o telefone 190 toca e alguém do “outro lado da linha”
clama por socorro, é o Soldado PM, aquele que patrulha o setor ou o pequeno
município, quem estará a postos para atender ao cidadão. Não haverá Juiz, nem
Promotor, nem Delegado, nem qualquer outra autoridade no local. O Estado será
representado pelo Soldado PM. Esse é o agente pacificador.
Assim, nas grandes metrópoles e nos rincões mais distantes, estará lá o
Estado, personificado na figura do policial militar. Os que participam do colóquio do
ambiente de caserna descrevem que a função do policial militar é um pouco de tudo:
padre, pastor, conselheiro conjugal, psicólogo, psicoterapeuta, o ombro amigo, etc.
Essas intervenções exigem um treinamento de intermediação entre os
envolvidos, no sentido de se apaziguar as partes, chamando-as à razão, tentando
187

fazer com que dialoguem de forma civilizada e encontrem um ajuste, ainda no local
dos fatos e no calor da ocorrência.
Nesses momentos, segundo apurou a presente pesquisa, muitas
ocorrências apresentam indícios de infração penal de menor potencial ofensivo e
demonstram que é necessário algo mais para pacificar a relação das pessoas, no
entanto, comumente os envolvidos não querem se submeter ao trâmite burocrático
de serem conduzidos a uma Delegacia ou terem que comparecer à Justiça.
Em tais ocasiões, na ponta da linha, o policial militar sente falta de um
instrumento para dar uma solução melhor à contenda, que seria a mediação ou a
conciliação por parte dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, no entanto, acaba sendo
obrigado a dar a ocorrência como resolvida no local, porque não pode coagir as
partes a registrarem a ocorrência, pois sabe que a autocomposição por parte da
Polícia Militar pode não encontrar amparo em outras autoridades, em especial,
alguns integrantes do Poder Judiciário que entendem que essas causas, por
estarem relacionadas à questão penal, não podem ser resolvidas no âmbito civil.
Assim, com o encaminhamento do litígio aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC,
corre-se o risco de não se ter a solução homologada, conforme observado nas
entrevistas dos Apêndices II e III, além da possibilidade de responsabilização do
policial militar, como se viu na subseção anterior.
A análise estatística e as percepções dos policiais militares que trabalham
no serviço operacional, de acordo com a pesquisa feita neste trabalho, já mostram
um grande número de ocorrências que morrem no nascedouro.
Os solicitantes procuram um socorro imediato da PM, que serve como um
paliativo, para resolver momentaneamente o conflito, mas as pessoas, comumente,
acabam por abrir mão do registro da ocorrência, talvez em parte pelo descrédito da
solução por via judicial, que como demonstrado pouco atende os anseios da vítima,
ou até mesmo pelo trâmite burocrático e moroso, que prolonga as angústias dos
envolvidos.
Diferentemente do que ocorre com outros órgãos, o empenho na solução
pacífica dos conflitos, além aproximar o policial militar da sociedade, comporta ainda
um acompanhamento diário sobre como estão fluindo os relacionamentos
conflitantes e submetidos à mediação, respeitadas as cláusulas de
confidencialidade.
188

Essa proximidade e conhecimento do conflito permitem obter um feedback


dos casos mediados, o que não ocorre com outras Instituições, como Judiciário,
Ministério Público e Polícia Civil, que não possuem essa atividade cotidiana que é
desenvolvida pelo policial militar, diretamente nas ruas, que o possibilita ver como
estão se comportando o marido que agrediu a esposa no bar, o filho adolescente na
madrugada em ambientes impróprios, a criança desacompanhada na via pública,
etc.
E quanto mais conhecer sobre relações de conflito que ocorrem no seio da
comunidade onde trabalha, mais elementos terá o policial militar para agir
preventivamente e pacificá-la. Por isso, esse tipo de feedback qualifica a atuação do
policiamento ostensivo e torna-se também um fator de prevenção criminal.
Busca-se, por esse caminho, um ciclo virtuoso, pois à medida que as
situações são resolvidas pacifica-se a sociedade, estabelece-se a confiança mútua
entre a comunidade e a Polícia Militar, com mais efetividade do policiamento
ostensivo e a sensação de segurança por todos almejada. Desse modo, fincam-se
de forma profunda e em terreno seguro as bandeiras da Polícia Comunitária, filosofia
assim definida por Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux71 (1994 apud
NASSARO, 2012, p. 35, grifo nosso):
É uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova
parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que
tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar,
priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, droga,
medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do
bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área.

Todos esses fatores concorrem em favor de que as Polícias Militares, em


especial a do Estado de São Paulo, em razão da estrutura já existente, possam
promover a resolução das questões de Direito Civil relacionadas às determinadas
infrações penais de menor potencial ofensivo, de forma mais célere e eficiente, de
modo a contribuir em prol do policiamento ostensivo e da preservação da ordem
pública.

71
TROJANOWICZ, Robert; BUCQUEROUX, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar.
Rio de Janeiro: POLICIALERJ, 1994 (NASSARO, 2012, p. 35).
189

4 PESQUISAS E ESTATÍSTICAS

4.1 Metodologia

Este trabalho, sob o aspecto metodológico, centrou-se em ampla pesquisa


exploratória bibliográfica, que incluiu a leitura de obras produzidas no âmbito da
Polícia Militar e da comunidade civil, incluindo autores nacionais e estrangeiros,
assim como extensa consulta de legislações e de normas atinentes ao objeto do
estudo.
Assim, além dos livros físicos que compuseram a bibliografia que embasou o
presente estudo, obteve-se no vasto universo da internet abundante material sobre o
assunto, que compôs o conhecimento histórico, técnico, doutrinário e jurídico a
respeito do tema, bem como forneceu importantes elementos de informação e dados
estatísticos.
Dentro de um processo dialético, a partir de nossa compreensão, esse
material foi organizado, lido e discutido no decorrer deste estudo.
Importante pontuar que alguns temas, em razão de sua natureza, não
permitem estabelecer uma hipótese cabal, mas isso não lhes retira a validade,
conforme os dizeres de Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (1989, p. 111):
A ciência, na busca do conhecimento, não se restringe unicamente a
procedimentos inspirados por princípios oriundos do positivismo
(estatística). Estudo científico não é somente aquele que pretende
comprovar hipóteses, que se interessa pelo generalizável, pelo que se
repete nos fenômenos observados. O rigor de um estudo científico, nas
Ciências Humanas, advém precipuamente de o pesquisador assumir,
visando superá-la, a tensão entre ele e seus informantes, originada no
encontro de pessoas, pertencentes a distintas classes sociais, grupos de
raça, de gênero, com diferentes níveis de preparo escolar. O rigor científico,
neste caso, é garantido pela presença de outro que não é pesquisador, não
como mero informante ou sujeito de pesquisa.

Dessa forma, muito mais que firmar um argumento final, o conhecimento


aqui produzido visou a trazer uma contribuição no que se refere a soluções no
campo da segurança pública, que deve ser observado dentro de um conjunto de
providências sistêmicas sob um olhar holístico de um mundo volátil e diversificado, o
qual exige a todo momento repensar estratégias e corrigir as rotas.
Nesta seção serão discutidos dados estatísticos coletados pelo autor a partir
de fontes primárias e secundárias, além das análises de pesquisas de opinião. O
plano de pesquisa foi feito no sentido de se reunir informações e questionamentos
190

que poderiam coadunar ou contestar as ideias expressas a partir do conhecimento e


das estatísticas provenientes da pesquisa bibliográfica, e nesta fase elegeu-se o
público a responder os itens considerados importantes, bem como as pessoas que
seriam entrevistadas e as visitas necessárias para coleta de informações
complementares.

4.2 Dados estatísticos coletados pelo autor

4.2.1 Dados estatísticos do CIPM e do COPOM Online

Em atendimento a um dos objetivos da pesquisa, os dados estatísticos


apresentados a seguir foram colhidos a fim de se verificar a demanda subnotificada
relativa a infrações penais de menor potencial e mensurar o impacto das ocorrências
mediáveis72 na atividade de policiamento ostensivo.
Considerando que São José do Rio Preto e Araçatuba são os dois principais
polos na PMESP no que se refere à mediação comunitária e à conciliação por meio
dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, ambos serviram como base para este estudo,
cujos números foram analisados de forma comparativa e proporcional com as
médias estaduais dos dados de mesma natureza.
Obviamente, essas estimativas podem não refletir a realidade exata do que
acontece no plano estadual, mas permitem uma aproximação capaz de dar
segurança no que concerne às conclusões deste trabalho.
Junto ao CIPM, tomando como base o ano de 2019, foram colhidos os
dados da Tabela 5, relativos aos registros provenientes dos Relatórios de Serviço
Operacional (RSO) das viaturas e lançados nos Quadros Mensais de Ocorrências
(QMO) das Unidades Operacionais (UOp) da PMESP.
Esses dados demonstram que na média estadual as ocorrências atendidas
pela Instituição são em sua maioria resolvidas no local sem condução às Delegacias
de Polícias.

72
Ocorrências mediáveis, para o efeito deste estudo, são aquelas consideradas passíveis de
mediação ou conciliação nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, e não englobarão todo e qualquer tipo
de situação, mas se restringirão às mais comuns, que pressupõem a existência de dolo, a saber:
ameaça, agressão (que inclui lesão corporal e vias de fato), desinteligência, perturbação do
sossego e conduta inconveniente (esta porque em algumas localidades foi utilizada para codificar
ocorrências de desentendimentos).
191

Tabela 5 Ocorrências do Estado de São Paulo em 2019


Estado Nº absoluto Percentual
Total de ocorrências no ano 2.223.418 100,00%
Condução a órgãos policiais 331.983 14,93%
Resolvidas pela PM 1.501.283 67,52%
Resolvida sem intervenção 156.940 7,06%
Fonte: CIPM, 2020.

As Tabelas 6 e 7 mostram os números de São José do Rio Preto, que


possui, por estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
464.983 habitantes (SÃO..., 2020), e Araçatuba, com população estimada de
198.129 pessoas (ARAÇATUBA, 2020).

Tabela 6 Ocorrências do 17º BPM/I – São José do Rio Preto - em 2019


17º BPM/I Nº absoluto Percentual
Total de ocorrências no ano 51.610 100,00%
Condução a órgãos policiais 5.594 10,84%
Resolvidas pela PM 45.237 87,65%
Resolvida sem intervenção 36 0,07%
Fonte: CIPM, 2020.

Tabela 7 Ocorrências do 2º BPM/I – Araçatuba – em 2019


2º BPM/I Nº absoluto Percentual
Total de ocorrências no ano 21.379 100,00%
Condução a órgãos policiais 6.324 29,58%
Resolvidas pela PM 8.203 38,37%
Resolvida sem intervenção 3.031 14,18%
Fonte: CIPM, 2020.

Nota-se que os resultados dos aludidos municípios destoam


significativamente, o que ocorre, entre outros motivos, em razão de haver em
localidades menos populosas maior disponibilidade de tempo para conduzir os
casos às Delegacias de Polícia, enquanto nos de maior população, mais próximo à
média estadual, esses atendimentos tendem a ser resolvidos sem esse tipo de
condução, diante do acúmulo de ocorrências.
Obviamente, essa distinção ocorre também em razão de práticas gerenciais
do policiamento, que podem divergir conforme a política do Comandante local,
192

sendo certo que o deslocamento desnecessário de viaturas às Delegacias de Polícia


gera enorme prejuízo ao policiamento ostensivo, à medida que a unidade de serviço
é obrigada a deixar o setor de patrulhamento e afastar-se da população da região
onde atua, que fica desguarnecida de Força Policial, fator que, aliás, seria mitigado
com a lavratura do TCO no local dos fatos para os casos que envolvam infração
penal de menor potencial ofensivo.
Para efeito deste estudo, foram selecionadas as principais ocorrências do
dia a dia, as quais foram denominadas “mediáveis”, conforme explicado há pouco,
por se tratarem de situações passíveis de mediação ou conciliação.
Não está incluso, por exemplo, o acidente de trânsito com vítima, pois,
embora mediável, optou-se por mensurar somente os casos em que se pressupõe a
existência de dolo na conduta do autor.
Também não se incluiu as ocorrências de violência doméstica, uma vez que
possuem mecanismos específicos de prevenção, tratados na Lei nº 11.340/2006.
Nessas condições, os dados do CIPM informam os seguintes números:

Tabela 8 Ocorrências mediáveis com registro de BO/PM - 2019


São José do
Ocorrências mediáveis Estado SP Araçatuba
Rio Preto
Ameaça 8.458 58 240
Agressões (lesões e vias de fato) 39.346 383 798
Perturbação do sossego 100.097 8 322
Desinteligência 219.864 61 769
Conduta inconveniente 2.844 12 54
TOTAL 370.609 522 2183
Fonte: CIPM, 2020.

Quanto ao percentual de ocorrências mediáveis registradas em Boletim de


Ocorrência (BO/PM) em relação ao total de atendimentos da PMESP, obteve-se a
composição expressa na Tabela 9. Verifica-se no Estado de São Paulo que 16,67%
das ocorrências apresentadas nas Delegacias são mediáveis, relativas a infrações
penais de menor potencial ofensivo.
Araçatuba se mostra mais próxima à média estadual, enquanto São José do
Rio Preto demonstra um índice bem aquém, não se conseguindo identificar com
precisão os motivos para tal fenômeno, senão a política de atendimento de
193

ocorrência por parte de cada Comandante, considerando a situação particular de


cada município.

Tabela 9 Comparativos de ocorrências atendidas em relação às mediáveis registradas


2019 Total de atendimentos Total de mediáveis % mediáveis
Estado SP 2.223.418 370.609 16,67%
São José do Rio Preto 51.610 522 1,01%
Araçatuba 21.379 2183 10,21%
Fonte: CIPM, 2020.

Porém, os dados do CIPM não apresentam o retrato mais adequado sobre a


realidade relativa aos atendimentos de ocorrências dessa natureza porque apontam
somente os resultados indicados no RSO das viaturas, não congregando a
totalidade das situações cadastradas pelo COPOM.
A situação torna-se evidente quando se nota que a maioria das ocorrências
mediáveis não são encaminhadas às Delegacias de Polícia, o que fica claramente
perceptível ao se dissecar esses atendimentos, verificando a origem dos
acionamentos e não somente os resultados cadastrados ao final, por ocasião de seu
encerramento.
A obtenção desses dados é possível por meio do COPOM ONLINE, sistema
informatizado de acesso restrito aos integrantes da PMESP, que possui uma base
de dados mais ampla, que não envolve somente os resultados finais registrados,
mas todos os atendimentos cadastrados no sistema, motivo pelo qual apresenta um
número maior de ocorrências objeto de intervenção de policiais militares.
Se por um lado, o COPOM ONLINE fornece informações mais precisas, por
outro, são mais difíceis de serem trabalhadas, uma vez que parte dos dados tem
que ser colhida individualmente, analisando-se caso a caso, motivo pelo qual foi
necessário compartimentar a pesquisa em amostras, conforme a complexidade da
informação.
Desse modo, esse “garimpo” das informações não permite a coleta referente
a todo o Estado, motivo pelo qual a pesquisa, nesse ponto, ateve-se aos municípios
de São José do Rio Preto e Araçatuba.
Nessa linha, no ano de 2019, verifica-se nos referidos municípios uma
semelhança entre o percentual das ocorrências mediáveis em relação às demais,
conforme indica a Tabela 10.
194

Tabela 10 Ocorrências cadastradas no COPOM ONLINE - 2019


Demais
Município Mediáveis % Mediáveis
ocorrências
São José do Rio Preto 55407 21716 28,1%
Araçatuba 64919 23069 26,2%
Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Desse modo, na média dos municípios, aproximadamente uma a cada


quatro ocorrências cadastradas no COPOM é mediável. Porém, dessas ocorrências,
ver-se-á que a maioria delas não foi objeto de registro de BO/PM. Para elucidar essa
questão, escolheu-se como universo amostral das ocorrências mediáveis o último
trimestre do ano de 2019 (de 1º de outubro a 31 de dezembro) em São José do Rio
Preto e Araçatuba, analisando-se um a um os atendimentos e verificando em quais
houve registro de BO/PM. Esses dados foram reproduzidos nas Tabelas 11 e 12.

Tabela 11 Ocorrências mediáveis de São José do Rio Preto – 4º trimestre de 2019


Total de
Resolvidos Registro de
Histórico original ocorrências
sem registro BO
geradas
Agressão 559 513 46 Percentual
Ameaça 428 417 11 sem registro
Desinteligência 2056 2036 20
Conduta inconveniente 28 27 1
Perturbação do sossego 2294 2292 2
TOTAL 5365 5285 80 98,51 %
Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Tabela 12 Ocorrências mediáveis de Araçatuba – 4º trimestre de 2019


Total de
Resolvidos Registro de
Histórico original ocorrências
sem registro BO
geradas
Agressão 356 206 150 Percentual
Ameaça 113 65 48 sem registro
Desinteligência 3687 3645 42
Conduta inconveniente 329 322 7
Perturbação do sossego 1411 1389 22
TOTAL 5896 5627 269 95,44%
Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Em Araçatuba, nota-se uma situação muito parecida com a de São José do


Rio Preto, no que se refere ao percentual de ocorrências não registradas em relação
ao total das geradas pelo COPOM.
195

Para se obter uma referência fora dos municípios sob estudo, também se
utilizando o COPOM ONLINE, verificou-se o cadastro de ocorrências na Capital do
Estado de São Paulo no dia 1º de outubro de 2019, que apresenta o volume de
atendimento de vinte e nove Batalhões de Área da PMESP, indicado na Tabela 13,
cujos números apresentaram similaridade com os há pouco discutidos, constatando-
se que 96,4 % dos casos mediáveis não foram objeto de registro de BO/PM.

Tabela 13 Ocorrências mediáveis do CPC


Total de
Resolvidos sem
Histórico original ocorrências Registro de BO
registro
geradas

Agressão 420 24 396


Ameaça 116 4 112
Desinteligência 1265 51 1213
Conduta inconveniente 4 1 3
Perturbação do sossego 563 2 561
TOTAL 2368 82 2285
Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

A respeito de São José do Rio Preto e Araçatuba, a partir do percentual da


amostra fornecida pelos dados trimestrais, aplicado ao total de ocorrências havidas
durante todo o ano, buscou-se estimar o número de ocorrências mediáveis que não
foram objeto de registro em BO/PM em 2019, cujas informações obtidas foram
dispostas na Tabela 14.

Tabela 14 Estimativa de ocorrências mediáveis não registradas


Estimativa de
Total de % não registrada
ocorrências
Registros do COPOM ocorrências (conforme amostra
mediáveis não
mediáveis no ano trimestral)
registradas no ano
São José do Rio Preto 21716 98,51% 21392
Araçatuba 23069 95,44% 22017
Fonte: Estimativa feita com base nos dados do COPOM ONLINE.

Desses dados foi possível compor os Gráficos 12 e 13 com a indicação dos


percentuais de ocorrências mediáveis que não foram objeto de registro de BO/PM e,
consequentemente, não conduzidas à Delegacia de Polícia, em relação ao total de
ocorrências cadastradas no sistema COPOM ONLINE.
196

Gráfico 12 Estimativa de ocorrências mediáveis em São José


do Rio Preto

São José do Rio Preto

21392
28% Total de ocorrências

55407 Ocorrências mediáveis


72% não registradas em BO

Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Gráfico 13 Estimativa de ocorrências mediáveis em Araçatuba

Araçatuba

22017
25% Total de ocorrências

Ocorrências mediáveis
64919 não registradas em BO
75%

Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Verifica-se, assim, que os dados se mostram muito mais consistentes dos


que os do QMO das UOp (que compõem os dados do CIPM), elucidando que a
maioria das ocorrências mediáveis cadastradas inicialmente no COPOM
ONLINE não é objeto de registro de BO/PM e corresponde, pelo menos, a um
quarto (1/4) dos atendimentos do telefone 190, situação que provavelmente se
aproxima da realidade dos demais municípios paulistas, haja vista a observação dos
números da Capital, discutidos anteriormente na Tabela 13, que mostram uma
similaridade proporcional.
197

Importante salientar que nem todas essas ocorrências correspondem, ao


final, à mesma natureza do fato inicialmente cadastrada pelo COPOM.
Daí, parte delas pode não se confirmar ou gerar duplicidade de chamada73
ou, ainda, deixar de ser atendida em face do acúmulo de atendimentos
emergenciais, o que já é um exemplo do impacto negativo causado ao policiamento
ostensivo.
Por isso, para se obter um parâmetro mais minucioso ainda, dissecou-se
individualmente 462 (quatrocentos e sessenta e duas) ocorrências mediáveis do 17º
BPMI, de São José do Rio Preto, relativas aos primeiros 7 (sete) dias do mês de
outubro de 2019, do dia 1º (terça-feira) ao dia 7 (segunda-feira), de forma que fosse
possível também a acolher a particularidade de cada dia da semana.
As Figuras 16, 17 e 18 exemplificam as telas das quais se extraíram as
informações pretendidas, com o intuito de compreender as soluções dadas pela
PMESP às ocorrências cadastradas pelo COPOM.

Figura 16 Extrato de ocorrência de desinteligência

Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Figura 17 Extrato de ocorrência de desinteligência

Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

73
Duplicidade de chamada ocorre quando um fato gera mais de um acionamento da Polícia Militar
por pessoas diferentes.
198

Figura 18 Extrato de ocorrência de desinteligência

Fonte: COPOM ONLINE, 2020.

Verifica-se nessas figuras que, embora muitas ocorrências sejam


despachadas como desinteligência, a conduta descrita no histórico inicial traz
elementos relacionados a infrações penais de menor potencial ofensivo,
confirmando o pensamento, já expresso neste trabalho, de que toda situação de
conflito atendida pela PMESP dificilmente não terá no seu bojo o cometimento de
um delito, ainda que seja de menor gravidade.
A amostragem analisada, embora possa apresentar diferenças em relação
ao modo de atendimento de cada localidade, demonstra de forma irrefutável a
realidade existente, revelando o impacto desse tipo de ocorrência no policiamento
ostensivo e o papel de apaziguador que o policial militar exerce diariamente, o que
fica mais evidente ainda, quando confrontado com as respostas dos policiais
militares do serviço operacional no questionário constante da subseção 4.3.4.1.
A Tabela 15 e o Gráfico 14 condensam as informações obtidas,
respectivamente, em números absolutos e percentualmente.

Tabela 15 Ocorrências resolvidas - 17º BPM/I

Resultado final das ocorrências cadastradas no COPOM Qtd.

Resolvidas mediante intervenção da PM (resolvida no local, dispensa pelo


234
solicitante e orientação às partes)

Deslocamento de viatura ao local (duplicidade de chamadas, nada


57
constatado, nada mais havia)

Resolvidas sem intervenção policial (cancelada, sem intervenção ou sem


91
condições técnicas para atender)

Registradas em BO/PM e encaminhamento à Delegacia de Polícia 13


Fonte: o autor, a partir dos dados do COPOM ONLINE.
199

Gráfico 14 Resolução de ocorrências do COPOM - 17° BPM/I

3%
Resolvidas pela PM
23%
Deslocamento de viatura
ao local
Sem intervenção policial
59% militar
15%
Encaminhamento à Del.
Pol.

Fonte: o autor, a partir dos dados do COPOM ONLINE.

Considerando os dados da Tabela 14, vistos há pouco, dos quais se estimou


um total de 21.292 (vinte e uma mil, duzentos e noventa e duas) ocorrências
mediáveis não conduzidas às Delegacias no ano de 2019 em São José do Rio Preto
e, que 59% dessas, conforme o Gráfico 14, são efetivamente solucionadas mediante
intervenção direta da Polícia Militar, ter-se-ia que, ao final, foram aproximadamente
12.562 casos resolvidos pelos policiais militares.
Infere-se desses números que se todas essas ocorrências fossem
registradas a demanda recrudesceria de tal maneira que não seria suportada pelos
JECrims, os quais teriam uma demanda burocratizada praticamente insolúvel.
Isso sem contar uma série de outras ocorrências mediáveis que não foram
inclusas nas pesquisas, a exemplo da violência doméstica, dos acidentes de trânsito
com vítima, dos crimes de dano simples e dos delitos contra a honra, entre outros.
Para se ter noção do que isso significa, atendo-se somente às situações de
violência doméstica, os dados do COPOM ONLINE apontam 2.744 ocorrências
em 2019 no município de São José do Rio Preto.
Utilizando-se dados do último trimestre do referido ano, chega-se a uma
amostra de que somente 4,4% dessas ocorrências foram registradas em Boletim
de Ocorrência.
Ainda sobre esse tipo de ocorrência, valendo-se dos mesmos critérios e
datas utilizados para formulação da Tabela 15, verificaram-se 69 (sessenta e nove)
casos, sendo apenas 3 (três) registrados em BO/PM (4,3%), enquanto 49 (quarenta
200

e nove), que correspondem a 71%, foram resolvidos no local pelos policiais militares
mediante orientação.
Ainda sobre o exposto no Gráfico 14, tem-se clara noção do impacto
negativo ao policiamento ostensivo quando se vê que aproximadamente 23% das
ocorrências mediáveis canceladas (ou seja, sequer foram atendidas no local) são de
perturbação do sossego, normalmente no período noturno, após pendência de
atendimento por mais de uma hora, sem que haja reiteração da reclamação.
Tal situação ocorre principalmente nos fins de semana, quando a demanda
de ocorrências faz com que o empenho de viaturas seja dado conforme o grau de
urgência e, nesses casos, as perturbações de sossego são preteridas em relação a
outros atendimentos.
Outro impacto negativo observado refere-se às duplicidades de chamada,
que muitas vezes fazem com que a viatura se desloque ao local dos fatos,
ocasionalmente fora do seu setor, o que também prejudica o patrulhamento.
Já as demais ocorrências mediáveis, excluídas a de perturbação de
sossego, exigem maior atenção do policiamento, pois implica diretamente perigo à
integridade física das pessoas. Desse universo de ocorrências (agressões,
ameaças, desinteligências, danos etc.) muitas poderiam ser encaminhadas para a
realização da mediação ou da conciliação, a fim de se pacificar as relações
conflitantes.
Ocorre, porém, que muitos desses casos podem indicar, no curso do
processo de pacificação, a realização de um acordo de natureza civil, mas em
algumas localidades pode o policial militar mediador ou conciliador encontrar óbice
de assim proceder, por conta do entendimento de alguns Magistrados e membros do
Ministério Público, no sentido de não se deve homologá-lo judicialmente74,
desconsiderando que o envolvido abriu mão do seu direito subjetivo de
representação e que deseja tão somente a reparação de algum dano.
Resta ainda uma breve menção sobre os acidentes de trânsito com vítima,
cujo registro do TCO pela Polícia Militar, além de evitar o retrabalho no registro
policial e o desvio dos policiais civis de atividades investigativas relativas a delitos
mais graves, permitiria o retorno do policiamento ostensivo ao seu setor em menor

74 Debateu-se na subseção 3.6.5.4 sobre o posicionamento de alguns Magistrados e integrantes do


Ministério Público contrário à mediação e à conciliação de fatos relacionados à infrações penais de
menor potencial ofensivo.
201

tempo, ao mesmo passo em que o caso poderia ser encaminhado ao NUMEC ou


NUMEC/CEJUSC para a confecção imediata de um acordo, sempre respeitada a
voluntariedade dos envolvidos.
Esse tipo de providência agilizaria o policiamento, uma vez que congrega
uma boa parte dos atendimentos da Polícia Militar, conforme indicam as estatísticas
do CIPM, correspondendo a 4,76% das ocorrências da PMESP no Estado, 4,21%
em São José do Rio Preto e 9,98% em Araçatuba.
As partes poderiam, dessa maneira, seguir suas vidas normalmente, com a
situação resolvida em curto prazo, sem que tivessem que comparecer à audiência
preliminar do JECrim meses depois75, deixando em aberto o sentimento de angústia
nos envolvidos, que pode levá-los a um novo conflito.
Dessa forma, a pacificação dos conflitos, já no nascedouro das ocorrências,
mostra-se necessária e, até mesmo, essencial para os sistemas de segurança
pública e de justiça.
Torna-se primordial dar aos policiais militares que atuam na ponta da linha a
opção de poderem direcionar infrações penais de menor potencial ofensivo para as
mediações e conciliações dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, capazes de dispensar o
devido tratamento aos conflitos e desafogar o Poder Judiciário, ao mesmo tempo em
que se pacifica a sociedade, gerando um círculo virtuoso, que beneficiará
diretamente o policiamento ostensivo.
Nessa esteira, a conciliação e mediação pelos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
são um dos principais caminhos para otimizar o policiamento ostensivo e evitar que
essas desinteligências, agressões e ameaças repercutam em situações mais
graves, o que não é de interesse da sociedade, assim como não é da Justiça. Essa
noção ficará mais clara ao se analisar os próximos dados coletados nesta pesquisa.
Mesmo com as oposições à realização das mediações e conciliações pela
Polícia Militar para os casos envolvendo infração penal de menor potencial ofensivo,
as ocorrências mediáveis, nos municípios sob estudo (Gráficos 16 e 17), mostraram
uma queda diferenciada em relação à média estadual (Gráfico 15), principalmente
São José do Rio Preto, que possui os NUMEC há mais tempo e em número maior
do que os existentes em Araçatuba.

75
Viu-se na subseção 4.4, Tabela 24, que as audiências do JECrim podem demorar de 90 (noventa)
a 180 (cento e oitenta) dias para ocorrerem, a contar da data da ocorrência.
202

Gráfico 15 Evolução anual das ocorrências


mediáveis no Estado de São Paulo

Estado
370609
367415
332436
292588301883
331706318850 310096
283676

ano ano ano ano ano ano ano ano ano


2011 2012 2103 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: CIPM.

Gráfico 16 Evolução anual das ocorrências mediáveis


em São José do Rio Preto

São José do Rio Preto


2.387

1.763 1.666
457 1.083 522
859
586 598
ano ano ano ano ano ano ano ano ano
2011 2012 2103 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: CIPM.

Gráfico 17 Evolução anual das ocorrências


mediáveis em Araçatuba

Araçatuba
2659
2485
2112 2060 1927 2183
1786 1543 1996

ano ano ano ano ano ano ano ano ano


2011 2012 2103 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: CIPM.

Enquanto na média estadual verifica-se um crescimento gradual dos


números relativos às ocorrências mediáveis desde 2014, estando em 2019 acima de
2011, os gráficos de Araçatuba e São José do Rio Preto indicam queda. Araçatuba
203

nos últimos dois anos apresentou alta, mas, diferentemente do que ocorre no
Estado, seus números atuais se mostram favoráveis em relação ao início da série
histórica.
Nota-se que São José do Rio Preto, exceção ao ano de 2018, apresenta
uma tendência à diminuição desses conflitos que prejudicam o policiamento
ostensivo, situação que poderia se mostrar ainda mais favorável se as mediações e
conciliações não se restringissem somente às causas civis.
Convém ressaltar que a existência dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC nos
municípios em foco não é a causa exclusiva, mas coincide com uma baixa dos
números criminais mais acentuada do que a indicada para a média estadual, não
podendo, obviamente, serem descartadas outras iniciativas, principalmente afetas às
localidades situadas no interior do Estado, onde o policiamento comunitário é mais
efetivo e produz melhores resultados no que atine às pequenas infrações.
Esses números podem ser um indicativo que uma sociedade pacificada
tende menos à prática de delitos, incluindo os mais graves, situação que pode ser
potencializada com a otimização dos recursos da Polícia Militar para mediação ou
conciliação de conflitos relacionados à infração penal de menor potencial ofensivo,
com o devido registro do TCO quando cabível.
Tais medidas contribuem para a pacificação social, para a mantença do
policiamento ostensivo no setor de atuação e para melhores condições de pronta
resposta na repressão imediata, de forma a se garantir a ordem pública.

4.2.2 Mediação e conciliação civis de Araçatuba e São José do Rio Preto

Outro objetivo deste trabalho foi o de verificar a eficiência das mediações e


conciliações civis, incluindo as realizadas pela Polícia Militar, a fim de,
posteriormente, compará-las em relação às conciliações promovidas em sede dos
JECrims.
Nessa linha, a partir de dados coletados de planilhas individuais do
movimento judiciário no Estado de São Paulo disponibilizadas pelo TJSP (2019b),
foram tabulados os resultados mensais dos CEJUSC (incluindo os postos civis e o
da Polícia Militar) de São José do Rio Preto e de Araçatuba, extraindo-se as
informações constantes das Tabelas 16 e 27.
204

Tabela 16 Conciliações pré-processuais de São José do Rio Preto


2018 2019
CEJUSC
Cível/Família Cível/Família
Audiências realizadas 1761 1832
Conciliações obtidas 1301 1378
Percentual de sucesso 73,88% 75,22 %
Fonte: TJSP, 2020b. A completar

Tabela 17 Conciliações pré-processuais de Araçatuba


2018 2019
CEJUSC
Cível/Família Cível/Família
Audiências realizadas 1907 1882
Conciliações obtidas 1181 1159
Percentual de sucesso 61,93% 61,58%
Fonte: TJSP, 2020b.

Há de se esclarecer que esses dados referem-se apenas às conciliações


pré-processuais, feitas pelos CEJUSC, ou seja, excluem-se aquelas feitas no curso
do processo, após ingresso de ação civil.
São José do Rio Preto, assim como ocorre de forma geral no Estado,
apresentou um percentual de sucesso maior nas causas de família, porém, mesmo
nas causas cíveis, o índice de resolução na Comarca é bastante alto, com
significativa evolução em 2019, período em que já houve a contribuição do Posto
Policial-Militar do CEJUSC.
Por sua vez, os dados de Araçatuba, embora em patamares menores que os
de São José do Rio Preto, também indicam um grau de resolução satisfatório,
embora se verifique haver campo para evolução, principalmente no que toca às
causas civis.
A Tabela 18 traz os resultados produzidos exclusivamente pelos postos do
NUMEC/CEJUSC da PMESP, com base nos dados ofertados pela Diretoria de
Polícia Comunitária e Direitos Humanos (DPCDH), referentes ao ano de 2019. Cabe
lembrar que atualmente os policiais militares (mediadores e conciliadores) não
atuam em causas de família, mas somente nas causas civis. Verifica-se que a
produtividade dos policiais militares se mostra acima do percentual geral das
mediações e conciliações, que inclui o trabalho dos civis.
205

Tabela 18 Conciliações dos NUMEC/CEJUSC em postos PM


CEJUSC - Postos PM São José do Rio Preto Araçatuba
Audiências realizadas 247 84
Acordos obtidos 204 65
Percentual de sucesso 82,59% 77,38%
Fonte: Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos (DPCDH).

Considerando o pior cenário, 7 (sete) em cada 10 (dez) conciliações feitas


por policiais militares resultam em acordo das partes, índice bastante alto de
resolutividade.
Analisando a Figura 19, extraída do Relatório do NUPEMEC de 2019,
verifica-se um percentual menor de resolução nos NUMEC/CEJUSC de todo o
Estado, o que se explica pela incipiência desses Centros, que estão em fase de
ajustes iniciais, diferentemente de São José do Rio Preto, que trabalha com
mediação desde 2013, e de Araçatuba, pioneira nos CEJUSC em 2017.

Figura 19 Produção dos CEJUSC da PMESP em 2019

Fonte: TJSP, 2020c, p. 28.

Destarte, os dois municípios em foco parecem fornecer um modelo sólido


para funcionamento das mediações e conciliações, que podem servir como
norteadores do processo de implantação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC em todo o
Estado, principalmente na Capital paulista, onde se vê ainda tímida essa iniciativa.
206

Os NUMEC/CEJUSC possuem uma capacidade para expansão no Estado,


até mesmo nos municípios em que já estejam instalados.
Em São José do Rio Preto, por exemplo, em 2019, segundo os dados
informados pelo Oficial de Ligação do 17º BPM/I, a partir dos quais se elaborou a
Tabela 19, verificou-se que das causas civis, incluindo as processuais e pré-
processuais, apenas 3,25% dos casos foram submetidos à conciliação por parte da
PMESP.

Tabela 19 Conciliações de causas civis em São José do Rio Preto


Conciliações dos Juizados Cíveis
PM - pré-processual 429
Civis - pré-processual 1720
Civis - processuais 11064
Fonte: NUMEC/CEJUSC do 17º BPM/I.

No entanto, considerando-se somente as conciliações pré-processuais civis,


nas quais se inserem as realizadas pelos NUMEC/CEJUSC da PMESP, chegar-se-á
a um percentual significativo de casos atendidos pelos policiais militares, conforme
indicado no Gráfico 18.

Gráfico 18 Conciliações pré-processuais em São José do Rio Preto

Conciliação
por policiais
militares
20%

Conciliação
por civis
80%

Fonte: NUMEC/CEJUSC do 17º BPM/I.

Dos atendimentos promovidos desde sua criação (Tabela 20), em abril de


2019, até o final do mesmo ano, vê-se que os tipos de casos que o
NUMEC/CEJUSC de São José do Rio Preto vem atendendo tem efeito preventivo
menor do que poderia alcançar. Com base nos mesmos dados, elaborou-se o
Gráfico 19.
207

Tabela 20 Natureza dos atendimentos do NUMEC/CEJUSC

Atendimentos NUMEC/CEJUSC – posto PM – de São José do Rio Preto


Acidente de Trânsito geral 105 24,71%
Arrendamento Rural 2 0,47%
Cheque 1 0,24%
Cobrança de Aluguéis - Sem despejo 5 1,18%
Comissão 1 0,24%
Compra e Venda 27 6,35%
Despejo para Uso Próprio 3 0,71%
Direito de Vizinhança 173 40,71%
Dissolução 0 0,00%
Locação de Imóvel 22 5,18%
Locação de Móvel 9 2,12%
Pagamento 4 0,94%
Perdas e Danos 29 6,82%
Posse 2 0,47%
Prestação de Serviços 29 6,82%
Promessa de Compra e Venda 2 0,47%
Rescisão do contrato e devolução do dinheiro 5 1,18%
Seguro 1 0,24%
Transferência de Financiamento (contrato de gaveta) 2 0,47%
Troca ou permuta 1 0,24%
Uso 1 0,24%
Usufruto 1 0,24%
Fonte: NUMEC/CEJUSC do 17º BPM/I.

Gráfico 19 Atendimentos NUMEC/CEJUSC – Posto PM – São José


do Rio Preto

Fonte: NUMEC/CEJUSC do 17º BPM/I.


208

O gráfico indica que, juntos, os acidentes de trânsito sem vítima e os direitos


de vizinhança - geralmente ligados à perturbação do sossego - alcançam cerca de
65% dos atendimentos do NUMEC/CEJUSC do 17º BPM/I.
Daí surge a importância de se manter a hibridez dos institutos da mediação
(mais afeta aos NUMEC) e da conciliação (que coaduna como principal atividade
dos NUMEC/CEJUSC).
Os NUMEC e NUMEC/CEJUSC devem atender à finalidade constitucional
das Polícias Militares, no sentido de repercutir em prol do policiamento ostensivo e
da preservação da ordem pública, e para que isso seja alcançado emerge a
necessidade de que as infrações de menor potencial ofensivo também sejam objeto
de conciliação e mediação por policiais militares.
Entende-se que as causas dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC devem ser bem
selecionadas, priorizando-se aquelas cuja solução de fato repercuta em prol das
missões constitucionais da PMESP.
Nota-se, de acordo com o que demonstram a Tabela 20 e o Gráfico 19, que
os atendimentos do NUMEC/CEJUSC cuidam muito pouco de conflitos familiares, os
quais, segundo a pesquisa da subseção 4.3.4.1, seriam os que mais impactam o
policiamento ostensivo, cujo tratamento mais adequado deve ser feito por meio da
mediação nos NUMEC.
Por lógica, infere-se que há um amplo espectro de situações não pacificadas
na sociedade que deixam de ser submetidas aos NUMEC/CEJUSC.
Não obstante, na próxima subseção será possível notar que a mediação e a
conciliação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC apresentam um índice de sucesso bem
maior dos que as composições civis obtidas na seara criminal, no que se refere às
infrações penais de menor potencial ofensivo.

4.2.3 Dados dos JECrims de São José do Rio Preto e Araçatuba

Do site do TJSP (2020b) foram coletadas vinte e quatro planilhas de cada


uma das Varas Criminais de São José do Rio Preto e Araçatuba, a partir das quais
se formataram os resultados, neste caso, adstritos ao ano de 2019.
Dessa forma, escolheu-se dos dados das planilhas somente os resultados
das audiências dos Juizados Especiais Criminais, cuja solução pode se desdobrar
209

somente nas seguintes hipóteses: composição civil, transação penal, denúncia ou


arquivamento.
As Tabelas 21 e 22, com informações de São José do Rio Preto e
Araçatuba, mostram um número de arquivamentos muito alto, em contraposição a
poucas denúncias e composições civis.

Tabela 21 Resultados dos JECrims de São José do Rio Preto - 2019


JECrim - 2019 1ª Vara 2ª Vara 3ª Vara 4ª Vara 5ª Vara Total
Composição civil 0 11 1 2 1 15
Transação penal e Composição 0 0 36 5 0 41
Transação penal 114 157 90 74 138 573
Arquivo e outros motivos 369 472 435 218 429 1923
Denúncia 59 84 69 21 78 311
TOTAL 542 724 631 320 646 2863
Fonte: TJSP, 2020b.

Tabela 22 Resultados dos JECrims de Araçatuba - 2019


JECrim - 2019 1ª Vara 2ª Vara 3ª Vara Total
Composição civil 2 5 3 10
Transação penal + composição 0 0 0 0
Transação penal 61 82 70 213
Arquivo e outros motivos 238 256 356 850
Denúncia 2 6 13 21
TOTAL 303 349 442 1094
Fonte: TJSP, 2020b.

A partir desses dados foram elaborados os Gráficos 20 e 21, que dão uma
noção dos percentuais de composições civis do JECrim. Observa-se que a
audiência preliminar do JECrim apresenta pouca aptidão para a composição civil e
que a “triagem” do Ministério Público leva ao arquivamento de muitos casos e a
inocorrência da audiência preliminar, por lhe faltar justa causa.
Nota-se, assim, que nas duas comarcas (São José do Rio Preto e
Araçatuba) a grande maioria dos casos é objeto de arquivamento, o que faz inferir
que os elementos probatórios coletados nas infrações penais de menor potencial
ofensivo tendem a ser precários, de forma que a movimentação da máquina
administrativa do Estado torna-se custosa demais para se chegar a lugar nenhum.
210

Gráfico 20 Resultados dos JECrims de São José do Rio Preto - 2019

Fonte: o autor, com base nos dados do TJSP, 2020b.

Gráfico 21 Resultados dos JECrims de Araçatuba - 2019

Fonte: o autor, baseado nos dados do TJSP, 2020b.

Nesses casos de arquivamento, com números muito semelhantes nos dois


municípios, não se pode esquecer que existe uma contenda que sequer será
analisada quanto à questão de pacificação, ficando o conflito em aberto por “falta de
provas”, situação em que a mediação e a conciliação pelo NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC poderiam concorrer no sentido de dar uma solução ao litígio
211

sociológico e, por consequência, pacificar a relação e prevenir a reincidência


delitual.
Em muitos desses casos, haja vista o posicionamento contrário de algumas
autoridades que atuam no JECrim, a mediação e a conciliação deixam de ser feitas
nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, e com o arquivamento proposto pelo Ministério
Público, a situação fica sem qualquer tipo de tratamento no que se refere à
pacificação social.
Quando não arquivado, no interregno entre a data da ocorrência e a da
audiência preliminar do JECrim, em que nenhuma tentativa conciliatória foi adotada,
ou sequer proposta, pode ocorrer novos acionamentos e empenho do policiamento
ostensivo, em detrimento da manutenção da ordem pública.
A incapacidade dos JECrims para lidarem com a demanda de casos também
é outro problema que repercute em desfavor da pacificação social. Constatou-se que
o número de audiências realizadas está bem abaixo da quantidade de TCO que dão
entrada nos referidos Juizados. Nesse sentido, compôs-se a Tabela 23, relativa às
audiências do JECrim de 2019, em São José do Rio Preto e Araçatuba.

Tabela 23 Audiências realizadas nos JECrims


JECrims São José do Rio Preto Araçatuba
Entrada de procedimentos (TCO) 2566 966
Audiências realizadas 1540 373
Fonte: TJSP, 2020b.

Esses dados indicam uma tendência de recrudescimento do número de


audiências preliminares ou do prazo para sua realização desde a chegada do TCO
no Cartório Criminal, em face da incapacidade de absorção da demanda pelos
JECrims.
Neste estudo, viu-se nas entrevistas constantes dos Apêndices II e III, assim
como na subseção 3.6.4.2, que as audiências preliminares do JECrim demoram a
ocorrer. Essa informação sobre o longo prazo para a realização da audiência
preliminar foi corroborada por ocasião das visitas feita a três Varas Criminais de São
José do Rio Preto, relatadas na subseção 4.4 desta pesquisa.
Nota-se que essa situação estrutural do Poder Judiciário Nacional não
apresenta indicativos de mudança em curto prazo. Aliás, convém lembrar que,
segundo a Lei nº 9.099/95, o atendimento do JECrim a esses casos deveria ser
212

imediato e, nesse sentido, qualquer iniciativa que vise a agilizar o seu atendimento
deve ser vista como algo em prol dos princípios motores estabelecidos no artigo 2º
da aludida lei.
Por fim, tendo por base o ano de 2109 e os municípios de São José do Rio
Preto e Araçatuba, o Gráfico 22 apresenta comparativo entre o percentual de
acordos feitos nos NUMEC/CEJUSC da PMESP e as composições civis nos
JECrims.

Gráfico 22 Comparativo do percentual de acordos entre


NUMEC/CEJUSC e JECrims - 2019
90,00% 82,59%
77,38%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00% 2%
1%
0,00%
Percentual de acordos nos Percentual de acordos no JECrim
NUMEC/CEJUSC PMESP

Araçatuba São José do Rio Preto

Fontes: DPCDH, 2020 (dados dos NUMEC/CEJUSC); TJSP, 2020


(dados dos JECrims).

Em que pese haver algumas particularidades que naturalmente tornam os


acordos nos JECrims mais difíceis, incluindo situações em que o ofendido não é
pessoa física (nos casos em que o sujeito passivo é a coletividade ou o Estado, por
exemplo), o fato é que as mediações e conciliações dos NUMEC/CEJUSC
apresentam potencial para melhorar a produtividade desses pactos, haja vista
ocorrerem em menor prazo, dedicarem mais tempo à resolução e mergulharem nas
raízes dos conflitos, de forma a proporcionar soluções mais satisfatórias,
principalmente ao ofendido.
Como se viu, a resolução do JECrim deixa muito a desejar no ponto de vista
da vítima e isso pode ser mudado se oportunizado aos NUMEC/CEJUSC
participarem desse processo de solução, conforme indica a noção dos próprios
213

policiais militares do serviço operacional e mediadores na pesquisa de opinião,


sobre a qual se discorrerá na próxima subseção.

4.3 Pesquisa de opinião mediante coleta primária

4.3.1 Público entrevistado

As pesquisas de opinião basearam-se em dois grupos distintos:


a) policiais militares que trabalham nas atividades operacionais; e
b) policiais militares capacitados como mediadores ou conciliadores,
lotados em OPM em que haja instalado NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC.
O questionário destinado aos policiais militares que executam atividades
operacionais objetivou colher suas percepções a respeito das ocorrências de
desinteligência e daquelas dadas como resolvidas no local, com o intuito de saber
com qual tipo de situações lidam no dia a dia e quais a natureza dos fatos que
realmente atendem.
Essa pesquisa foi necessária a fim de saber se a percepção empírica do
autor, resultado de sua vivência no policiamento, encontrava eco naqueles que
atuam diariamente nas ruas, assim como ter-se uma noção qualitativa sobre os
casos de infração penal de menor potencial ofensivo que acabam sendo
subnotificados ou não registrados, conforme visto na subseção 4.2.1, em face da
resolução dada pelo policial militar no local dos fatos.
A respeito do questionário direcionado aos policiais militares mediadores e
conciliadores, suas percepções são imprescindíveis no sentido de se estabelecer um
panorama das situações por eles vivenciadas e se, no seu ponto de vista, encontram
cabimento para resolução de conflitos relacionados a infrações penais de menor
potencial ofensivo pelos NUMEC e NUMEC/CEJUSC.

4.3.2 Método de coleta

Foram feitas pesquisas de opinião por meio de questionários, elaborados a


partir da plataforma Google Formulários, dirigidas aos grupos destinatários, cuja
214

análise, utilizando-se do método hipotético dedutivo, encontra-se inserida na seção


4.3.4 deste trabalho.

4.3.3 Amostragem

Dos questionários distribuídos de forma semiprobabilística, já inclusos o


cálculo de grau de confiança e a margem de erro da pesquisa (CALCULADORA...,
2020), obteve-se:
a) pesquisa representativa de 671 (seiscentos e setenta e um) policiais
militares do serviço operacional, os quais representam 0,81% dos
integrantes do serviço ativo da PMESP, que totalizavam, em 30
setembro de 2020, 82.316 (oitenta e dois mil, trezentos e
dezesseis)76, apresentando 95% de grau de confiança e 4% de
margem de erro;
b) pesquisa informativa com 64 (sessenta e quatro) policiais militares
mediadores ou conciliadores, que correspondem a 18,93% do total de
338 (trezentos e trinta e oito) atuantes na PMESP, capacitados e
certificados77 para tal atividade, cujos grau de confiança e margem de
erro têm seus cálculos prejudicados em razão da baixa “população”
total.

4.3.4 Análise e interpretação dos dados da pesquisa

4.3.4.1 Pesquisa com os policiais militares do serviço operacional

A pesquisa em destaque foi solicitada, mediante envio de link de acesso ao


formulário da plataforma digital Google Forms, aos e-mails dos Comandantes e
Subcomandantes de Batalhão da PMESP, para coletarem de seus efetivos
operacionais as respostas aos quesitos formulados.
O Gráfico 23 mostra que responderam ao questionário 671 (seiscentos e
setenta e um) policiais militares, cujas respostas, em sua maior parte, foram dadas

76
Informação disponibilizada em 1º de outubro de 2020 pela Seção de Planejamento do
Departamento de Recursos Humanos da Diretoria de Pessoal (DP) da PMESP.
77
Informação disponibilizada em 18 de agosto de 2020 pela DPCDH da PMESP.
215

pelas Praças (Subtenentes, Sargentos, Cabos e Soldados), que totalizaram 75,8%


dos respondentes. A amostra, no que tange ao número de participações, mostra-se
bastante confiável, correspondendo ao 0,81% do efetivo da PMESP.

Gráfico 23 Questão 1 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.

O Gráfico 24, relativo à questão 2, mostra uma maior adesão à pesquisa por
parte dos policiais militares do interior (85,1% dos respondentes), o que mostra
haver um maior interesse no assunto por parte daqueles que atuam fora da Capital e
da região metropolitana do Estado.

Gráfico 24 Questão 2 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

A respeito da pergunta 3, o Gráfico 25 indica que a maioria dos


respondentes (59,2%) trabalha em cidade com populações acima de 100 mil
216

habitantes. Com base nesses dados, as respostas, em alguns aspectos, tendem a


refletir uma percepção mais presente em municípios mais populosos, o que é
importante, pois o maior prejuízo ao policiamento ostensivo ocorre nessas
localidades.

Gráfico 25 Questão 3 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

No que se refere à questão 4, pela análise do Gráfico 26 percebe-se que a


maioria dos respondentes apontou como situação mais comum nas ocorrências de
desinteligência a intercorrência de desentendimentos familiares (55,6%) e de
perturbação do sossego (34,9%), o que corresponde a 90,5% das respostas.
De outro lado, 7,7% responderam quer os desentendimentos entre vizinhos
são os problemas mais comuns, enquanto uma parcela inexpressiva de 1,8%
referiu-se a situações de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.
Logo, depreende-se que os conflitos envolvendo direitos disponíveis,
que incluem principalmente os acidentes de trânsito sem vítima, acabam sendo um
dos principais objetos de resolução de conflitos pelo NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, conforme demonstrado na subseção 4.2.2, enquanto os casos
que implicam maiores problemas ao policiamento ostensivo, de acordo com o
que se verá nos próximos gráficos, acabam não sendo sujeitos à conciliação, seja
pela dispensa da ocorrência, seja por se tratarem de ocorrências relacionadas a
infrações penais de menor potencial ofensivo.
217

Gráfico 26 Questão 4 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

O Gráfico 27 apresenta as respostas à pergunta 5, elaborada com intuito de


saber qual o comportamento que o policial militar assume normalmente diante das
ocorrências de desinteligência.
São dados bastante elucidativos, pois, segundo se depreende do gráfico, o
policial militar atua constantemente (inclusos os que responderam sempre ou
frequentemente) como apaziguador das ocorrências de desinteligência, conforme
responderam 94,3% dos policiais militares.

Gráfico 27 Questão 5 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

Viu-se na subseção 4.2.1 que, estatisticamente, essas ocorrências são, na


sua maioria, resolvidas no local, o que vem a ser confirmado nas respostas
218

apresentadas à questão 6, representadas no Gráfico 28.


Esse papel exercido pelo policial militar, por regra, pressupõe, por um lado, a
necessidade de um preparo com base nos princípios da mediação e da conciliação
e, por outro, a existência de um conflito relacionado a algum tipo de infração penal
de menor potencial ofensivo, o que será esmiuçado em breve.
Em complemento, 5,2% responderam que raramente agem como
apaziguador e 0,4% disseram nunca ter precisado atuar de tal forma.
As respostas à pergunta 6 indicam que nas ocorrências de desinteligência é
comum a sua correlação com algum tipo de infração penal de menor potencial
ofensivo.
Observa-se aqui que a maioria dos respondentes (85,1%) informou que,
sempre ou frequentemente, depara-se com a prática de alguma infração penal nas
ocorrências de desinteligência, as quais são resolvidas no local e sem registro de
ocorrência (BO/PM), em razão da manifestação das partes pelo não
prosseguimento.

Gráfico 28 Questão 6 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

Esse tipo de solução mostra uma realidade não vislumbrada por outros
órgãos e autoridades, a exemplo do Ministério Público e do Judiciário, que não
teriam como acolher tal demanda no JECrim se todas essas ocorrências fossem
objeto de registro.
219

Outro tipo de ocorrência muito comum e merecedora de análise é a de


perturbação de sossego, a qual também deixa de ser objeto de registro de BO/PM
ou TCO, sendo resolvida no local dos fatos, embora a princípio configure uma
infração penal de menor potencial ofensivo de ação penal seja pública
incondicionada.
É o que aponta o Gráfico 29, relativo à pergunta 7:

Gráfico 29 Questão 7 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor

Nesse sentido, 97,1% dos policiais militares responderam que sempre ou


frequentemente não se registra ocorrência nesses casos, para os quais, a
depender da situação, podem ser enquadrados como perturbação da tranquilidade
(artigo 65 da LCP).
O registro dessas ocorrências acaba não sendo feito, como visto,
exatamente por causa de as pessoas não estarem dispostas a submeterem-se ao
trâmite judicial.
A reincidência é o objeto do Gráfico 30, cujas respostas confirmam que as
ocorrências de desinteligência, que na sua maioria envolvem situações de infração
penal de menor potencial ofensivo, acabam não sendo objeto de registro de BO/PM.
Assim, esses casos não recebem tratamento adequado no tocante à
pacificação social, o que pode gerar a reincidência, conforme percepção de 82,4%
dos respondentes, que responderam que a reincidência acontece, sempre ou
frequentemente.
220

Gráfico 30 Questão 8 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.

A pergunta de número 9, representada pelo Gráfico 31, corrobora essa


noção, deixando claro que a solução dada pelo policial militar no local é paliativa e
que o policiamento ostensivo sofrerá prejuízo futuro em relação a outras atividades,
porque novamente o policial militar terá que concorrer no mesmo local para
atendimento de um conflito mal resolvido. Esse gráfico aponta a percepção dos
policiais militares de que o conflito não tenha sido solucionado definitivamente após
o encerramento da ocorrência de desinteligência. É o que se deduz das respostas,
em que a maioria dos respondentes (68,5%) afirma ser grande a possibilidade de as
partes desentenderem-se novamente.

Gráfico 31 Questão 9 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.
221

No que concerne à missão constitucional da PMESP, mostraram-se muito


relevantes as respostas ao quesito 10, representadas no Gráfico 32, das quais se
depreende que o policiamento ostensivo é de fato prejudicado pelo atendimento de
ocorrências de desinteligência.

Gráfico 32 Questão 10 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.

A Polícia Militar, no exercício da repressão imediata, deve promover o


atendimento dessas ocorrências, visto que potencialmente podem repercutir em
situações mais graves.
É inconteste que essas situações, muitas vezes comezinhas, acabam por
tomar tempo e esforço do policiamento ostensivo, que tem outras atividades
prejudicadas, em especial, o patrulhamento orientado para locais de riscos e o
atendimento emergencial de ocorrências mais graves.
Nesse sentido, em patamar muito alto, 84,1% dos policiais militares
apontaram haver tal prejuízo.
As perguntas 11 e 12 foram feitas com o fito de verificar se há ou não
“resistência” dos policiais militares à atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC.
No Gráfico 33, verifica-se que 74,5% dos policiais militares responderam que
atuam em Unidades que possuem tais Núcleos e Centros. A análise do Gráfico 34
denota outro ponto importante, haja vista que no passado, conforme testemunhado
por este autor, muitos policiais militares também possuíam uma compreensão
limitada sobre o assunto, por ser a Mediação Comunitária uma prática embrionária,
222

e resistiam – talvez o melhor modo de dizer é que se sentiam inseguros - ao uso de


tais institutos, por entenderem que tal atividade não guardava relação com a
atribuição.

Gráfico 33 Questão 11 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.

Gráfico 34 Questão 12 aos policiais militares operacionais

Fonte: o autor.

As respostas fornecidas dão uma noção que essa “resistência” vem


diminuindo significativamente, o que provavelmente ocorre em razão de atualmente
a Mediação Comunitária compor como matéria o currículo de formação dos
Soldados na PMESP, o que faz com que, desde cedo, já se incorpore o
223

entendimento da pertinência dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC como essenciais na


Instituição, vez que voltados à missão constitucional das Polícias Militares.
Somados os que opinaram sempre e frequentemente, 68,9% dos policiais
militares veem a mediação e conciliação de conflitos por meio dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC como um fator de prevenção, à medida que concorrem para
diminuir a reincidência dos chamados atendidos pelo policiamento ostensivo.
Ante o exposto, percebe-se claramente o alto número de ocorrências
atendidas por policiais militares relacionadas a infrações penais de menor potencial
ofensivo que são atendidas e resolvidas no local, sem que os ofendidos desejem
registrar a ocorrência, incluindo casos de ação penal pública incondicionada.
Aliás, segundo os dados do IPEA (2015, p. 28)78, essa subnotificação ocorre
também nos atendimentos feitos pela Polícia Civil, nos balcões das Delegacias.
O encaminhamento de tais casos aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da
PMESP, na forma proposta na subseção 3.6.5, pode contribuir significativamente
para que recebam um tratamento mais adequado, incluindo os relacionados a
infrações penais de menor potencial ofensivo, haja vista que, além da providência
criminal, estarão sujeitos à pacificação e a prévia resolução de direito civil, de acordo
com a Lei nº 9.099/95.

4.3.4.2 Pesquisa com policiais militares mediadores ou conciliadores

Por meio de e-mail, encaminhou-se o link do questionário elaborado na


plataforma digital Google Forms aos Comandantes de OPM que possuam NUMEC
ou NUMEC/CEJUSC para preenchimento dos policiais militares que atuam como
mediadores ou conciliadores na PMESP.
A pesquisa foi identificada a fim de evitar eventual duplicidade de resposta,
bem como para não ser respondida por policial militar que não fosse mediador ou
conciliador.
A primeira questão, representada no Gráfico 35, foi sobre os tipos de
conflitos que se apresentam como de mais difícil solução. Verificou-se que a maior
parte dos policiais militares (34,4% dos respondentes) apontou que as questões
familiares são as que apresentam maior dificuldade de resolução.

78
Discorreu-se sobre tais dados na subseção 3.5.5.1, que tratou das oposições à mediação e à
conciliação pela PMESP.
224

Nessas situações, entendemos a pertinência do uso do método de


mediação, que trabalha fatores afetivos e emocionais, buscando restaurar as
relações, o que certamente implicará na prevenção, de forma a minimizar futuros
acionamentos do policiamento ostensivo.

Gráfico 35 Questão 1 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

Esses casos são raramente atendidos pelos NUMEC/CEJUSC, que se


concentram mais na conciliação com fins de composição civil, conforme visto na
subseção 4.2.2 (Gráfico 19). Nessa linha, os direitos patrimoniais disponíveis
também apresentam, segundo 29,7% dos respondentes, como de difícil solução.
Nesse sentido se posicionou um dos mediadores do 2º BPM/I que
responderam esta pesquisa, que abriu campo, no quesito 10, para sugestões e
opiniões:
Conflitos patrimoniais são mais difíceis de serem resolvidos, pois
normalmente as partes não se conhecem, não há nenhuma relação a ser
preservada na audiência que é de conciliação. Já ocorreram, em alguns
casos, ofensas verbais, no entanto nunca houve nenhum tipo de agressão
física ou dano durante as sessões de mediação.

Na questão 2 (Gráfico 36) perguntou-se a respeito do vínculo dos


atendimentos promovidos no NUMEC/CEJUSC com infrações penais de menor
potencial ofensivo.
Embora em percentual menor em relação às respostas dos policiais militares
do serviço operacional, relativas às perguntas 5 e 6 da subseção 4.3.4.2, que
guardam certa similaridade com a questão que aqui se comenta, as respostas dos
225

mediadores e conciliadores, no sentido de que “acontece sempre” ou “acontece


frequentemente”, dão conta que um significativo número de ocorrências atendidas
nos NUMEC ou NUMEC/CEJUSC, segundo 45,4% dos respondentes, tem em seu
bojo algum tipo de infração penal de menor potencial ofensivo.

Gráfico 36 Questão 2 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

Tal situação sugere que questões mais beligerantes acabam não sendo
objeto de mediação ou conciliação pelos NUMEC/CEJUSC, ou seja, exclui-se um
grande número de casos que poderiam ser pacificados.
É exatamente aqui que se vislumbra a grande demanda subnotificada que
não passa por nenhum tipo de tratamento, nem nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC,
nem nos JECrims.
Na questão 3, sintetizada no Gráfico 37, foi arguido sobre a eficiência da
pacificação e conciliação no que tange às infrações penais de menor potencial
ofensivo. Nota-se que as mediações e conciliações mostram-se de grande valia para
solução de tais casos, sendo que 87,5% dos policiais militares responderam que os
aludidos métodos são eficientes em todos ou na maioria dos casos.
Logo, a eficiência do uso desses institutos não se trata de uma percepção
minoritária e perfaz o entendimento daqueles que exercem diariamente as funções
de mediador e conciliador.
226

Gráfico 37 Questão 3 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

A questão 4 refere-se ao tipo de causa mais comum com que se deparam os


mediadores e conciliadores. O Gráfico 38 mostra que as causas civis preponderam,
segundo 57,8% dos policiais militares, sendo que somente 17,2% aludem a
situações envolvendo direito de família.

Gráfico 38 Questão 4 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

Lembra-se aqui que as conciliações que visam à composição civil, referentes


a casos de família, geralmente são tratadas em CEJUSC de unidades civis, porém,
227

entende-se que as situações que envolvam pessoas de um mesmo núcleo familiar


poderiam encontrar um tratamento mais adequado na mediação dos NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC da PMESP.
A atuação nas causas civis é importante, mas o acolhimento de
ocorrências de infração penal de menor potencial ofensivo pelos
NUMEC/CEJUSC, incluindo as envolvendo familiares, torna-se imprescindível,
uma vez que, conforme se verificou nas estatísticas, tais situações são as maiores
causas de acionamento de viaturas pelo COPOM.
No que concerne à questão 5 deduz-se que, enquanto a reincidência de
pequenas infrações se mostra alta no serviço operacional (viu-se também a alta
reincidência nos JECrims)79, os casos submetidos aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
apresentam outra realidade.
É o que aponta o Gráfico 39:

Gráfico 39 Questão 5 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

O baixo número de reclamações e os raros casos de reincidência em


procurar os NUMEC ou NUMEC/CEJUSC indicam que o grau de resolutividade é
bastante satisfatório, corroborando os números apontados nas pesquisas
estatísticas constantes deste trabalho.
Foi questionado também a respeito do tempo de realização das mediações e
conciliações, cujas respostas estão representadas no Gráfico 40.

79
Informação do IPEA (2015a, p.42) constante na subseção 3.6.4.2.
228

Gráfico 40 Questão 6 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

As respostas apresentadas deram noção da agilidade na solução dos


conflitos pelos NUMEC ou NUMEC/CEJUSC e permitem inferir um tempo médio de
resolução abaixo dos 30 dias, conforme apontaram 92,2% dos respondentes e
grande parte dos casos resolvidos em uma única sessão. Nenhuma das respostas
apontou como comum uma solução acima de 60 dias.
Pode se concluir dessa questão, nos casos de TCO que sejam
encaminhados para os JECrims, que a solução da lide sociológica e de Direito Civil
se dará antes da realização da audiência preliminar80 - isso se não houver
arquivamento pelo Ministério Público81 - e assim colaborar em favor da agilização do
procedimento judicial na seara penal.
Outra realidade é a das ocorrências de perturbação do sossego ou da
tranquilidade, objeto da questão 7, que tratam de contravenções penais que, apesar
de serem de ação penal pública incondicionada, normalmente são solucionadas nos
NUMEC e NUMEC/CEJUSC sem o registro e o encaminhamento do TCO.
O Gráfico 41 traz as respostas à referida questão, no qual se nota que as
contravenções penais, disciplinadas em uma lei de quase oitenta anos, mesmo com
uma previsão legal que exige o registro do TCO e encaminhamento ao JECrim,

80
A presente pesquisa demonstrou, na subseção 4.4 (Tabela 24), que as audiências preliminares
nos JECrims de São José do Rio Preto costumam ocorrer entre 90 (noventa) e 180 (cento e
oitenta) dias a contar da data do fato.
81
Na subseção 4.2.3, nos Gráficos 20 e 21, verificou-se o alto número de arquivamentos de TCO no
JECrims de São José do Rio Preto (67%) e Araçatuba (78%).
229

independentemente da vontade das vítimas, têm sua solução aceita pelo Poder
Judiciário, que homologa os acordos feitos pelos CEJUSC. Isso demonstra que a
evolução social traz novas medidas, que implicam novas interpretações legislativas,
cujos princípios superam a lei sob o ponto de vista literal, de forma a prevalecer o
seu aspecto teleológico.

Gráfico 41 Questão 7 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.

Por fim, encerrou-se a pesquisa com pergunta 8 (Gráfico 42), buscando-se


saber qual a percepção dos mediadores e conciliadores no tocante à pretensão (ou
intenção) das pessoas ofendidas em relação à outra parte envolvida nas causas
sujeitas à conciliação ou mediação.

Gráfico 42 Questão 8 aos policiais militares mediadores/conciliadores

Fonte: o autor.
230

Reforçando o que se mostrou em vários momentos neste estudo, a menor


pretensão da pessoa ofendida é a de que a outra parte seja, exclusivamente,
punida. Apenas 1,6% dos mediadores e conciliadores percebem nas vítimas a
busca da punição do ofensor.
Emerge que a maioria das pessoas tem como intuito a reparação do
dano e a pacificação da relação, o que demonstra ser a lide penal secundária,
prevalecendo o interesse na resolução dos litígios civil e sociológicos.
Mais uma vez, as pesquisas corroboraram a tese de que a punição deve ser
uma exceção no caso de infrações penais de menor potencial ofensivo e impende
prevalecer a satisfação à pretensão do ofendido, o qual parece ser atendido de
forma insuficiente nos JECrims, que deixa parte do caso irresoluta, sujeita a
reincidências que podem prejudicar diretamente as atividades precípuas da Polícia
Militar.

4.4 Visitas realizadas

Tendo em vista a necessidade de maior compreensão sobre alguns dados


coletados a partir de fontes secundárias, bem como de complementar informações
perante os funcionários da Justiça, este pesquisador realizou visita, nos dias 29 de
setembro e 1º de outubro de 2020, a três cartórios judiciais no município de São
José do Rio Preto, a saber:
a) 2ª Vara Criminal, tendo como Juiz titular o Doutor Luis Guilherme
Pião, cujas informações foram prestadas pela Diretora do Cartório,
Sra. Adriana Yokomachi;
b) 4ª Vara Criminal, tendo como Juiz titular o Doutor Eduardo Garcia
Albuquerque, cujas informações foram prestadas pelo Diretor do
Cartório, Sr. Ricardo Luiz Milani;
c) 5ª Vara Criminal, tendo como Juiz titular a Doutora Gláucia
Véspoli dos Santos Ramos de Oliveira, cujas informações foram
prestadas pelo Diretor do Cartório, Sr. Vaylor Mansur.
Com base nas informações prestadas pelos aludidos Cartórios Criminais foi
elaborada a Tabela 24:
231

Tabela 24 Prazo e duração das audiências dos JECrims pesquisados


2ª Vara 4ª Vara 5ª Vara
Informações solicitadas
Criminal Criminal Criminal
Tempo médio para realização das audiências
90 a 120 120 a 180
preliminares do JECrim a contar da data do 120 dias
dias dias
fato
Tempo médio para realização das audiências
60 a 90 60 a 120
preliminares do JECrim a contar da entrada 90 dias
dias dias
do TCO no Cartório
5 a 10
Tempo de duração da audiência preliminar 5 minutos 15 minutos
minutos
Fonte: 2ª, 3ª e 4ª Varas Criminais de São José do Rio Preto.

Os dados coletados corroboram a longa demora das audiências


preliminares dos JECrims, as quais, em média, podem acontecer entre 90 e 180
dias a contar da data do fato. Da tabela acima é possível inferir que os TCO
chegam ao Cartório Criminal entre 30 e 60 dias após a ocorrência do delito.
Ou seja, ocorrida a infração penal de menor potencial ofensivo e registrado o
TCO, tem-se a expectativa que a audiência preliminar ocorrerá no prazo mínimo de
três meses, período em que o conflito de cunho afetivo e emocional permanecerá
sem tratamento, podendo ocasionar novos acionamentos das viaturas da PMESP
para atendê-los, onerando assim o policiamento.
Verifica-se também que o tempo de duração da audiência preliminar é
muito breve, entre 5 e 15 minutos, além de consistir em um único encontro, tempo
demasiadamente escasso para se ouvir as partes, compreender o conflito e tentar-
se uma composição civil, diferentemente do que acontece nos NUMEC e nos
NUMEC/CEJUSC, onde, se necessário, pode se realizar mais de uma audiência,
cujo tempo pode chegar a uma hora em cada encontro.
Os Diretores dos três Cartórios visitados informaram ainda que o autor
sempre é assistido por um defensor, ainda que seja dativo. Num diálogo mais
extenso e detalhado com Adriana Yokomachi, Diretora da 2ª Vara Criminal, obteve-
se mais uma informação relevante, que depois se confirmou com os demais
Diretores de Cartório, que é comum as partes comparecerem sem advogado, e
que somente ao autor da infração é garantido um defensor público, o que leva a
inferir que o ofendido fica desassistido nesses casos.
Dessa forma, nota-se que os procedimentos judiciários acabam se
adequando às demandas, nem sempre seguindo o exato rito da lei e muitas vezes
tratando as situações de conflito por meio de um trâmite formal, que se mostra frio
232

aos olhos dos envolvidos na lide, conforme já se havia depreendido da pesquisa do


IPEA82. Transparece que a estrutura dos JECrims - por mais boa vontade que
tenham os Juízes, Promotores de Justiça e funcionários do Poder Judiciário - não
permite que se atenda efetivamente ao anseio da vítima, no sentido de reparação do
dano, o que, aliás, é um dos dois principais objetivos da Lei nº 9.099/95.
Ao final, resta a tais operadores buscarem a produtividade na resolução dos
processos, focados na lide material, de forma a eliminar as filas de encadernados
acumulados, o que acaba tornando deficitária a solução no plano social,
principalmente em relação à vítima.
Poderia se aventar que esses casos são solucionados dessa forma porque
na maioria deles não cabe a composição civil, mas isso se mostra contraditório
diante de uma análise conjunta das informações colhidas perante os entrevistados
nos Apêndices II e III, dos números de composições civis obtidas nos JECrim e da
natureza dos litígios por eles mais atendidos.
Em complemento, para um panorama sobre as principais demandas de 2019
nas três Varas Criminais visitadas, a partir dos dados obtidos junto aos respectivos
Cartórios Judiciais, foi elaborada a Tabela 25:

Tabela 25 Principais demandas dos JECrims pesquisados – 2019


2ª Vara 4ª Vara 5ª Vara
Infrações penais Total
Criminal Criminal Criminal
Ação penal: pública condicionada ou privada 378 322 428 1128
Ação penal: pública incondicionada 146 145 126 417
Contravenções penais 37 59 53 149
Crimes de trânsito 84 99 92 275
Crimes ambientais 18 11 9 38
Fonte: o autor, com base nos dados das 2ª, 3ª e 4ª Varas Criminais de São José do Rio Preto.

Cabe ressaltar que o número de infrações cuja ação penal seja pública
condicionada é maior do que o apontado, uma vez que entre os crimes de trânsito
(cujas estatísticas dos JECrims não os discriminam individualmente) inserem-se as
lesões corporais culposas (art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro). Não obstante,

82
Viu-se na subseção 3.6.4.2 que a pesquisa do IPEA (2015a, p. 88) informa que a “[...] vítima
permanece ‘desempoderada’ nos Jecrims, não sendo um ator relevante na dinâmica desses
órgãos judiciais ‘especiais’, onde praticamente não é ouvida”.
233

obviamente, as contravenções penais, parte dos crimes de trânsito e os crimes


ambientais também são de ação penal pública incondicionada.
Da Tabela 25 compôs-se o Gráfico 43, que permite uma visão sobre o
percentual dos atendimentos de 2019 nos JECrim visitados:

Gráfico 43 Principais demandas dos JECrims pesquisados


1200 56%

1000

800

600
21%
400
14%

200 7%
2%
0
Acão penal
Ação penal Contravenções Crimes de Crimes
pub. cond ou
pub. incond. Penais trânsito ambientais
privada
Total 1128 417 149 275 38
Fonte: o autor, com base nos dados das 2ª, 3ª e 4ª Varas Criminais de São José do Rio
Preto.

Assim, no tocante à natureza dos delitos, a maioria dos atendimentos do


JECrim comporta conciliação, lembrando que os crimes de ação penal pública
condicionada e de ação penal privada, necessariamente, tem como vítima uma
pessoa determinada, física ou jurídica, diferente de outros delitos que podem ter
como sujeito passivo o Estado e a coletividade, os que se mostram minoria nos
números apresentados.
Uma pessoa lesionada tem custos com medicamentos e com o socorro
médico que recebeu. Um crime contra a honra fere a imagem da pessoa. Uma
contravenção de perturbação da tranquilidade pode prejudicar o negócio de uma
pessoa. E muitas vezes, os ofendidos, em especial os mais simples, acabam
esperando a audiência do JECrim para fazer o seu pleito, a qual dedicará um tempo
mínimo para resolução, isso se o caso não for objeto de arquivamento pelo
Ministério Público.
234

Portanto, embora haja no JECrim um grande número de situações


consideradas mediáveis, nota-se que o percentual de composições civis é muito
baixo. Convém lembrar novamente que os danos sofridos pela vítima podem ir além
dos materiais e que deve também ser assegurado ao ofendido o seu direito de
indenização moral ou à imagem, garantido pelo art. 5º, V, da CF/88.
Muitos arquivamentos ocorrem por falta de provas, mas isso não quer dizer
necessariamente que o fato não ocorreu. A possibilidade de resolução de um conflito
dessa natureza, de forma imediata e voltada à pacificação da relação das pessoas,
pode conduzir a um acordo, principalmente se o autor souber que lá na frente não
será responsabilizado penalmente.
Entende-se aqui que um conflito relacionado à infração penal de menor
potencial ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, ainda que
inicialmente seja objeto de representação do ofendido, pode ser, diante da
concordância das partes, sujeito à mediação ou à conciliação nos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC no mais curto prazo, cujo acordo pode ser aproveitado no JECrim,
conforme se discorreu na subseção 3.6.5 deste estudo.
Dessa forma, o Estado, de forma sistêmica, com a interação de seus vários
agentes, em um processo colaborativo, pode alcançar a tão almejada eficiência da
Administração Pública, sem prejuízo das prerrogativas das autoridades judiciárias e
do Ministério Público.

4.5 Entrevistas

Experiências pessoais, além de enriquecerem a pesquisa, trazem


informações essenciais no sentido de complementar dados e pontos de vistas não
encontrados ou percebidos em pesquisas bibliográficas ou, até mesmo, nos dados
estatísticos coletados.
Para esse intento, foram realizadas as entrevistas discriminadas nesta
subseção, sendo adotado, conforme preferência de cada um dos entrevistados, o
modelo estruturado ou semiestruturado.
Dessa forma, em razão das dificuldades ofertadas pela pandemia do
coronavírus, foram elaborados questionamentos e endereçados aos entrevistados
por mensagem eletrônica, para que os respondessem previamente. Eventuais
dúvidas vieram a ser sanadas posteriormente, mediante retorno de e-mail ou por
235

meio de entrevistas interlocutórias realizadas pessoalmente ou por meio de


videoconferência.
As íntegras de todas as entrevistas estão nos Apêndices I a IV desta
pesquisa, sendo que os seus pontos mais relevantes encontram-se, em parte,
disseminados ao longo da produção textual deste estudo, comentados em momento
oportuno, e, noutra parte, nesta subseção, naquilo que, embora pertinente ao
estudo, não se encontrou espaço para justaposição no decorrer do texto.
Sobre o critério de escolha dos entrevistados, buscava-se saber,
primeiramente, sob a ótica do TJSP, quais as perspectivas sobre o empenho de
policiais militares no papel de mediação e conciliação junto à Justiça Paulista, motivo
pelo qual se entendeu não haver ninguém melhor para falar do assunto que o
Desembargador José Carlos Ferreira Alves, Coordenador do NUPEMEC no
Estado de São Paulo.
Necessitava-se também conhecer a opinião daqueles que lidam diariamente
com contendas judiciais, civis e criminais, em especial, relacionadas às infrações
penais de menor potencial ofensivo. Pretendeu-se, por isso, entrevistar autoridades
da Justiça e do Ministério Público com larga experiência de atuação tanto nos Juízos
Especiais Criminais como nos Juizados Cíveis, uma vez que poderiam agregar – e
agregaram - informações importantes dessas duas áreas do Direito, naquilo que
guardam relação com o presente trabalho.
Nos parâmetros estabelecidos, encontraram correspondência ao perfil
almejado a Juíza de Direito Gislaine de Brito Faleiros Vendramini e o Promotor
de Justiça Gustavo Yamaguchi Miyazaki, os quais atenderam prontamente ao
convite do pesquisador.
No âmbito interno da PMESP, vislumbrou-se como necessário ouvir alguém
que tivesse conhecimento teórico sobre a matéria e experiência no que diz respeito
à praxe, qualidades encontradas no Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins, o
qual possui portentoso cabedal cognitivo para discorrer sobre o tema deste trabalho,
ostentando em seu currículo, entre outras, as seguintes qualificações: mediador e
conciliador certificado pelo CNJ; instrutor na Instituição da matéria atinente ao
presente tema nos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Oficiais e Praças PM;
tutor de Ensino a Distância (EaD) dos cursos da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP).
236

4.5.1. Desembargador José Carlos Ferreira Alves

O Apêndice I traz a entrevista do Doutor José Carlos Ferreira Alves,


Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Coordenador do NUPEMEC,
uma das maiores autoridades no Brasil no que tange à política de uso dos métodos
consensuais para resolução de conflitos.
Sua atuação não se restringe ao nível estadual, cujo currículo inclui a função
de Presidente do FONAMEC (Fórum Nacional de Mediação e Conciliação), além da
docência na área de Conciliação e Mediação em diversos Cursos de Formação,
Aperfeiçoamento e Pós-Graduação.
No que se refere à sua visão sobre as conciliações feitas por policiais
militares nos CEJUSC de São Paulo (pergunta 1), respondeu que acompanha o
trabalho dos NUMEC com “[...] brilho nos olhos” e sua avaliação é “[...] a melhor
possível”. Ressaltou a sintonia que possui com as atividades da Polícia Militar nesse
campo e que as inovações promovidas em Araçatuba transformaram-se em um
capítulo à parte nas aulas e palestras que profere, incluindo a instituição da
“mediação escolar” que já foi tema de um painel no FONAMEC, acontecido em São
Luís, no Estado do Maranhão.
Quanto às ocorrências policiais que envolvam infração penal de menor
potencial ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, nas quais
as vítimas não queiram que sejam registradas (pergunta 2), respondeu que,
enquanto não se consolidar entendimento em favor da Polícia Militar registrar o
TCO, ao policial militar incumbirá, nos casos de infração penal de menor
potencial ofensivo, a lavratura do BO ou o encaminhamento do caso ao
Delegado de Polícia para que este se encarregue do TCO. No primeiro caso, os
aspectos cíveis que decorrem daquele acontecimento poderão ser objeto de
negociação no âmbito dos NUMEC, enquanto que, no segundo caso, deverá
ocorrer o encaminhamento de praxe até que chegue ao Juizado Especial Criminal.
Depreende-se da resposta do entrevistado que os aspectos cíveis podem
ser tratados nos NUMEC, mas que isso não pode barrar o andamento do TCO, nos
casos em que tal registro deva ser feito.
Foi perguntado se a conciliação deve se ater à composição civil dos danos,
em relação à questão de direito material, ou ir além, buscando pacificar a relação
entre os indivíduos, inclusive com práticas voltadas ao método de mediação
237

(perguntas 3 e 4). O entrevistado respondeu que a função precípua da mediação e


da conciliação não é a resolução do conflito, mas o restabelecimento do diálogo e a
compreensão pelas partes de que divergências existem, mas que podem ser
solucionadas sem que impliquem em litígios.
Acrescentou que nem sempre uma situação que comporta conciliação ou
mediação contempla danos materiais, sendo certo que, sobretudo nas questões que
envolvem relações continuativas (questões de família, por exemplo), a pacificação
da relação interpessoal se mostra muito eficaz no que se refere à cessação de
reiterados conflitos por uma mesma razão.
Ressaltou que, por vezes, o simples fato de se comporem e
restabelecerem a conversa é motivo para que uma das partes exija da outra
alguma indenização de cunho financeiro, que se mostrava, até então, como a
única pretensão deduzida. Nesses casos, o terceiro facilitador que tiver o dom de,
com base nas técnicas aprendidas no Curso de Formação, trocar o ponto final
existente numa relação de pessoas, por uma vírgula, não resolverá um problema,
mas, sim, talvez todos que vierem a acontecer.
Encerrando a questão, disse que uma conciliação não pode se ater,
exclusivamente, à composição civil eventualmente pretendida, mas ir sempre além,
incutindo nas partes a certeza de que, se tiveram poder para gerar o conflito, têm
igual poder para resolvê-lo.
Sobre a viabilidade da homologação pelo Juiz do CEJUSC de um acordo de
composição civil decorrente da mediação relativa à infração penal de menor
potencial ofensivo de ação penal pública condicionada ou privada na qual tenha
havido clara manifestação do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal (pergunta 5), o entrevistado respondeu que, por se tratar de questão que
envolve composição civil, e as consequências pretendidas dependem de vontade
expressa do ofendido, não vê problema em ser o acordo homologado pela
autoridade do CEJUSC.
Alertou, entretanto, que nos casos em que a representação já foi promovida
perante a autoridade policial e, verificada essa hipótese, o ofendido a ela não poderá
renunciar (pois já foi exercida), mas, somente se retratar da representação e
renunciar à queixa.
Por fim, abriu-se espaço para as considerações finais do entrevistado
(pergunta 6), o qual destacou que o escopo da Política Pública estabelecida pela
238

Resolução CNJ 125/10, a partir dos meios autocompositivos de solução de conflitos,


é o de propagar uma cultura de paz que se contraponha à litigiosidade inerente à
população, que encontrou muita facilidade de recorrer ao Poder Judiciário após a
Constituição de 1988.
Noutras palavras, disse que essas atividades hoje desenvolvidas pelos
NUMEC visam a fazer com que a atividade desenvolvida pelo Judiciário não
tenha um cunho decisional, mas, sim, meramente homologatório, fazendo
prevalecer a vontade das partes em detrimento da vontade do Estado.
Ao final, disse que a atuação dos magistrados visa à resolução dos
processos, o que nem sempre (acredita que na imensa maioria das vezes)
representa a resolução do conflito estabelecido. Que isso significa que mesmo um
Judiciário eficiente nem sempre atende às expectativas dos cidadãos, pois
estes buscam solucionar os problemas que os afligem e não simplesmente o
processo judicial que decorre dessa pretensão.
Entende que uma eficiente e ampla atuação dos NUMEC/CEJUSC
representará, sem dúvidas, uma significativa redução nas judicializações, sem a
necessidade de enfrentamento daquela rigidez formal e daquela inflexibilidade
procedimental que lhe são próprias.

4.5.2. Juíza de Direito Gislaine de Brito Faleiros Vendramini

No Apêndice II, que traz a íntegra da entrevista, a Doutora Gislaine de Brito


Faleiros Vendramini, Juíza de Direito, no que diz respeito à infração penal de
menor potencial ofensivo em que o ofendido não queira o registro da ocorrência
(pergunta 1), respondeu que não se deve registrar o TCO quando a vítima não tiver
a intenção no prosseguimento da ação penal, mas que deve ser feito algum tipo de
registro pela Polícia Militar. Entende que, nesses casos, para fins de registro, basta
o cadastramento de ocorrências no sistema informatizado do COPOM, que consta
os dados do atendimento e do solicitante, pois desses dados será possível, caso
venha a ser necessário à Justiça, obter-se um histórico dessas chamadas.
No que concerne a haver campo para a composição civil de eventual dano
moral e/ou material nos casos envolvendo infração penal de menor potencial
ofensivo cuja ação penal seja pública incondicionada, e se nesses casos pode ser
cabível a mediação baseada em práticas restaurativas (pergunta 2), a Magistrada
239

respondeu que entende ser viável a composição civil de danos e a mediação nessa
situação, pois, apesar de não resolverem a questão penal, podem concorrer em
benefício do autor do ilícito, seja para exclusão do dolo, seja para fixação da pena,
nos termos do artigo 59, do Código Penal.
Em resposta à pergunta 3, disse que pela sua experiência o baixo número
de composições civis nos JECrims ocorre porque muitas vezes o ofendido não
apurou seus prejuízos. Disse ainda que outro motivo é que a composição civil
implica em reconhecimento de culpa, o que não ocorre na transação penal.
A respeito dos NECRIMs da Polícia Civil (pergunta 4) asseverou que o
entendimento majoritário na Comarca em que trabalha é de que as conciliações
feitas por aquele Núcleo violariam o princípio da inafastabilidade da prestação
jurisdicional, embora entenda que tais acordos, de fato, pareçam resolver
satisfatoriamente as lides. Entende que a tendência é de que esse entendimento
contrário aos Núcleos mude e que esses caminhos irão se abrir com o tempo.
A respeito das mediações da Polícia Militar serem utilizadas para aplicar
práticas restaurativas a infrações penais de menor potencial ofensivo (pergunta 5),
disse que são boas medidas, pois buscam a pacificação social e solução de conflitos
no ambiente em que se deram, mais próximo do local e época dos fatos.
No que se refere ao aproveitamento pelo JECrim dos acordos homologados
pelo CEJUSC decorrentes de mediação de casos de infrações penais de menor
potencial ofensivo, de ação penal pública condicionada ou privada, cujo ofendido
não queira o prosseguimento da ação penal (pergunta 6), a entrevistada disse
concordar com tal ponto de vista, mas que nesses casos também adentram
“[...] questões institucionais, que tratam de abrir mão da atribuição, de
soberania, e daí decorrem as divergências sobre a homologação dos acordos”.
Nas considerações finais (pergunta 7), a Juíza concordou que audiências
preliminares demoram a ocorrer e que o tempo despendido à conciliação é curto, e
muitas vezes, depois do autor ter passado pela necessidade de ir à Delegacia e de
procurar um advogado, quando chega ao JECrim já não está mais disposto ao
acordo.
Ao final, disse ainda entender que os acordos obtidos fora do JECrim são
viáveis, mas que deve se ter em mente que talvez não sejam aceitos como título
executivo e a pessoa possa ter que ingressar com ação de conhecimento.
240

4.5.3. Promotor de Justiça Gustavo Yamaguchi Miyazaki

O Doutor Gustavo Yamaguchi Miyazaki, Promotor de Justiça, cuja


entrevista completa encontra-se no Apêndice III, no que diz respeito à forma do
registro das ocorrências que configurem infração penal de menor potencial ofensivo
cujo ofendido não deseje o prosseguimento da ação penal (pergunta 1), respondeu
que, diante da negativa da vítima, deve-se registrar o Boletim de Ocorrência,
inclusive para situações de acidente de trânsito com vítima, em que vê a importância
do registro do BO para efeitos civis, mas não ser caso para lavratura do TCO.
Lembrou que, nos crimes de ação penal pública condicionada e privada, a
representação é condição de abertura de qualquer procedimento criminal e nem o
Ministério Público pode requisitar a instauração de termo circunstanciado ou
qualquer outro ato investigatório sem que haja manifestação expressa do ofendido.
Entende que os acordos entre as partes, nesses casos, não teriam
necessidade de homologação, mas não vê óbice que os pactuados no CEJUSC e
homologados por Juiz civil sejam utilizados no JECrim.
Comentou que nos casos de ação penal pública incondicionada (pergunta
2) não é usual fazer a composição civil, a menos que as partes manifestem interesse
nesse sentido. Que os acordos civis em infrações penais de menor potencial
ofensivo só são obrigatórios quando a lei os determina, a exemplo do que ocorre nos
crimes ambientais, cuja extinção da punibilidade depende da reparação do dano
ambiental.
Porém, não vê problema algum em que seja feita a composição civil fora do
processo, asseverando que o acordo cível não irá influenciar na transação penal,
porém, poderá ser aproveitado no JECrim no que se refere à fixação da pena nos
termos do artigo 59 do Código Penal ou até mesmo para análise quanto a eventual
arrependimento posterior.
Sobre o baixo número de composições civis no JECrim (pergunta 3), atribui
como uma das causas a falta de parâmetros às partes para negociação, pois muitas
vezes a reparação envolve muitos fatores, como danos cessantes, morais,
patrimoniais, estéticos e, até mesmo, os ocultos. Também concorrem em desfavor
da composição civil os casos de ação penal pública condicionada à representação
que envolvem relações contínuas (a exemplo da lesão corporal entre vizinhos ou
sobre pessoas que já possuíam uma animosidade pretérita), situações em que uma
241

parte não aceita fazer o acordo com a outra naquele momento, pois, mesmo em
posição desfavorável no processo, o autor não se vê como o causador do dano.
Nesses casos, a lide envolve sentimento (emoção) e não se trata somente
de uma questão de valor (financeiro ou patrimonial). Em outras situações, a pessoa
prefere pagar, por meio da transação penal, a uma entidade de caridade, do que
ressarcir o desafeto.
Referente aos NECRIMs (pergunta 4), o posicionamento do Promotor, o
qual ressalta não ser unânime, é de que se deve aproveitar qualquer tipo de
acordo que chegue ao JECrim, sejam obtidos pela Polícia Civil, sejam os feitos
pela Polícia Militar. A questão suscitada contra os NECRIMs refere-se ao artigo 72
da Lei nº 9.099/95, do qual se obtém a ideia de que deverão estar presentes, por
ocasião da conciliação no JECrim, os responsáveis civis, os advogados e o Juiz.
Porém, na prática, isso não lhe parece viável, pois o responsável civil pode ir além
da pessoa do autor do fato, citando como exemplo o proprietário de uma empresa
de ônibus cujo motorista envolveu-se em acidente de trânsito com vítima.
Infere-se das palavras do entrevistado que, além da existência de muitas
partes para um acordo, também concorrem em detrimento da negociação o fato de a
conciliação dar-se comumente em uma única sessão, que dura no máximo 20 (vinte)
minutos. O Promotor entende também que não lhe parece ser o Juiz a única pessoa
capaz para fazer a conciliação, e que seria mais correto que observasse o acordo, e
não ser parte nele.
Por isso, nesses casos, a posição do entrevistado é de verificar se as partes
já possuem algum acordo e, se houver, opinará pela homologação do Juiz.
O entrevistado pontuou que exercer o papel de conciliação civil é uma
situação difícil de ser compreendida pelo Juiz e pelo Promotor que atuam no Juízo
Criminal, os quais deveriam também passar por uma atualização, para internalizar
que o papel da Lei nº 9.099/95, que não é somente de despenalização, mas também
de pacificação.
Em resposta à pergunta 5, o entrevistado ser a mediação uma prática
restaurativa que pode ser utilizada para infrações penais de menor potencial
ofensivo. Citou como exemplo os casos de conflito de vizinhança, onde esse
instrumento de resolução de conflitos torna-se importante. Que a Justiça, no que
atine à atividade restaurativa, possui limites legais e parâmetros constitucionais e
242

processuais a se observar, e dentro desse olhar, pode se dar novo perfil e enfoque
do atendimento.
No que diz respeito à pergunta 6, disse que não vê óbice em se aceitar nos
JECrims os acordos de composição de danos homologados pelo Juiz do CEJUSC.
Aliás, réplica do entrevistado foi mais incisiva, no sentido de que esses acordos
devem ser aproveitados pelo JECrim, para os fins do artigo 74, parágrafo único da
Lei nº 9.099/95. Vai além, ao explicar que seu modo de proceder é no sentido de
que qualquer tipo de acordo deve servir a esse propósito, como, por exemplo, o feito
na seguradora no caso de acidente de trânsito com vítima.
Disse que os arquivamentos de TCO (pergunta 7) no JECrim ocorrem
diante da falta de justa causa para designação da audiência preliminar.
Em suas considerações finais (pergunta 8), destaca-se a parte em que o
entrevistado diz que na discussão sobre a Lei nº 9.099/95 há muita filigrana
acadêmica e falta de praticidade no que concerne a entender a norma processual
para o fim consensual, voltada a uma Justiça Restaurativa. Nessa linha, seu
entendimento é de que é preciso que a Justiça Criminal deixe de ser voltada ao
interesse do Estado em punir o autor do fato, para se tornar cada vez mais uma
justiça negociada, uma Justiça Penal com base no consenso.
Ressaltou, ao fim, que se o pensamento residir somente naquilo que é
tradicional - na questão da indisponibilidade da ação penal, no princípio da
obrigatoriedade, nas questões estanques de cada Instituição, nas funções
consideradas como privativas na Constituição Federal - nunca se conseguirá
construir um modelo consensual de Justiça.

4.5.4. Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins

Além das entrevistas com as autoridades do Poder Judiciário e do Ministério


Público, foi entrevistado o Tenente Coronel Paulo Sérgio Martins, atualmente
Comandante do 17º BPM/I, por sua capacitação e experiência na implantação e
gerenciamento de NUMEC, o qual forneceu importantes dados e sugestões sobre o
melhor modo de se operacionalizar a resolução de conflitos na PMESP.
Na entrevista, cuja íntegra compõe o Apêndice IV deste estudo, em resposta
à pergunta 1, relatou que, segundo sua experiência profissional, os maiores
obstáculos encontrados para implantação e manutenção dos Núcleos de Mediação
243

Comunitária, em 2013, no CPI-5, foram a falta de legislação sobre mediação, a


escassez de material didático sobre o tema, os poucos cursos disponíveis em EaD
da SENASP, a falta de experiência dos gestores e a carência de parâmetros
adequados para seleção dos mediadores, situações que já se encontravam
superadas em 2019, quando da criação do NUMEC/CEJUSC no 17º BPM/I, já
alicerçados em ampla legislação e normatização, seja no âmbito da Justiça, seja no
da PMESP.
Entende que ainda falta consolidar o “[...] Programa de Mediação
Comunitária” no âmbito da PMESP, principalmente nas OPM da Capital do Estado, a
fim de quebrar paradigmas e adotar-se uma nova estratégia organizacional para a
administração do conflito, em alinhamento à filosofia de Polícia Comunitária.
No que concerne à expansão dos NUMEC/CEJUSC (pergunta 2), o Oficial
PM recomenda que se selecionem com esmero os policiais militares com aptidão
para atuarem como mediadores, com atendimento às necessidades da sociedade
em que estão inseridos, pois se trata de atividade voluntária e especializada. Disse
que não pode haver escolhas erradas desses profissionais, haja vista, que, em
decorrência das atribuições constitucionais da PMESP, a busca pela pacificação
social tornou-se o principal objetivo da Instituição.
Sobre o impacto da mediação no policiamento ostensivo (pergunta 3), com
base em sua experiência profissional em Batalhões operacionais da PMESP, disse
ser possível concluir que o NUMEC do 17º BPM/I previne pequenas desavenças,
para que não evoluam para episódios mais graves, o que evita a espiral de violência
e contribui para o serviço operacional, ao otimizar o emprego de recursos humanos
e meios materiais para o exercício da polícia ostensiva.
Que as ocorrências que impactam o atendimento do telefone 190, como
agressões, ameaças, condutas inconvenientes, perturbações de sossego, ou seja,
conflitos de proximidade e vizinhança, tiveram expressiva redução no decorrer
dos anos.
A respeito da visão do Poder Judiciário, do Ministério Público e da sociedade
sobre a mediação e a conciliação feitas por policiais militares (pergunta 4), disse
que tanto em 2013, ocasião da inauguração dos NUMEC, quanto em 2019, com a
instalação do NUMEC/CEJUSC, os eventos foram muito prestigiados e apoiados por
representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da Ordem dos
Advogados do Brasil, Ministério Público e Comunidade Acadêmica. Por isso, sua
244

percepção é de que a visão desses órgãos e da sociedade sobre os NUMEC e


NUMEC/CEJUSC são as melhores possíveis.
Que isso emerge como uma das mais promissoras oportunidades para as
Instituições de Segurança Pública demonstrarem o quanto seus integrantes são
profissionais e, assim, contribuir-se para uma sociedade mais justa e fraterna, na
construção do verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Sobre da pergunta 5, entende que, nos casos de infração penal de menor
potencial ofensivo, sem prejuízo das providências cabíveis ao JECrim, o
NUMEC/CEJUSC poderia atuar e colaborar no sentido de pacificar a relação entre
as partes e dar mais agilidade na composição civil, pois a mediação de conflitos é
mais abrangente, sendo uma importante ferramenta para a promoção do
empoderamento e da emancipação social.
O Oficial PM vê como possível, em resposta à pergunta 6, o aproveitamento
da composição civil homologada pelo Juiz do CEJUSC para extinção da ação penal
nos termos do artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9.099/99, desde que antes da
audiência preliminar do JECrim.
Esclareceu não vislumbrar problemas em relação à capacitação dos
mediadores e conciliadores da PMESP (pergunta 7), uma vez que é feita nos
termos da Resolução 125/2010 do CNJ.
Disse ainda que facilitaria, e muito, se o policial militar, desde a sua
formação, tivesse o curso de mediador e conciliador nos termos da aludida
Resolução, para que não houvesse solução de continuidade do “Programa
Mediação Comunitária” na Instituição, a fim de que se possa pacificar e equalizar a
doutrina na PMESP, aos seus Oficiais e Praças.
Em suas considerações finais (pergunta 8), o Oficial PM explica que a
Mediação Comunitária não busca substituir o Poder Judiciário, tampouco visa
diminuir o número de processos, pois se trata de atividade comunicativa e
pacificadora.
A mediação e a conciliação têm alcance social maior, que propõem a
desconstrução dos conflitos, sejam eles atuais ou potenciais, a fim de restaurar a
relação entre as pessoas e a construção de uma solução, de forma a fomentar a
cidadania e conter os conflitos interpessoais na sua origem, evitando assim, a
eclosão da violência e crimes graves.
245

Diz que, pedagogicamente, a PMESP alavanca com a implantação dos


NUMEC/CEJUSC um movimento de construção do verdadeiro senso de
pertencimento social.
Ao final, revela que a Mediação Comunitária já contribuiu para resolução
de mais de 13 (treze) mil conflitos, disseminando a cultura de paz e o bem-estar
social na região de São José do Rio Preto.
246

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção deste epílogo foi estruturada a partir dos objetivos específicos


estipulados na parte introdutória deste trabalho, cujos resultados e observações
foram sintetizados, buscando-se traduzir a essência das ideias apresentadas nesta
tese e as conclusões quanto à viabilidade das propostas.
Comprovou-se a problemática vislumbrada, ao se verificar, em especial
nas subseções 2.1 e 4.2.1 da presente pesquisa, o grande e prejudicial impacto ao
policiamento ostensivo causado pelo volumoso número de ocorrências de
desinteligência e de menor potencial ofensivo atendidas pela PMESP.
Tal situação prejudica as atividades do policiamento ostensivo, normalmente
planejadas e direcionadas para locais e horários de maior incidência criminal, e a
capacidade de pronta resposta da Polícia Militar, uma vez que parte das viaturas da
Polícia Militar fica indisponível para responder de forma mais célere a situações de
maior gravidade.
De outro lado, também se demonstrou que uma parcela dessas ocorrências
é objeto de condução às Delegacias de Polícia, o que também afasta a viatura do
setor de patrulhamento, às vezes por horas, e priva a comunidade da ação de
presença da Polícia Militar, tão importante para inibir os criminosos e proporcionar a
sensação de segurança pretendida pelo cidadão.
Na subseção 2.2 demonstrou-se a amplitude das atribuições constitucionais
das Polícias Militares e que essas ocorrências de desinteligência e de menor
potencial ofensivo concorrem em desfavor da preservação da ordem pública, pois
retiram substancialmente da Instituição os recursos humanos e materiais para
atuação preventiva e repressiva imediata.
Nas subseções 3.1 a 3.3 deu-se um panorama histórico sobre a resolução
de conflitos no mundo e no Brasil, a fim de contextualizar o atual momento em que
se privilegia a adoção de mecanismos de autocomposição (dissecados na subseção
3.4), de forma a empoderar as partes a solucionarem seus conflitos e somente em
ultima ratio recorrerem à jurisdição, sem, contudo, afastá-la.
Para melhor compreensão da hipótese, as subseções 3.5 e 3.6 foram
dedicadas a esclarecer como se dão as resoluções das lides nas áreas de Direito
Civil e Penal, e restou demonstrado que, no que se refere a contendas de menor
gravidade, as soluções dos JECrims, de acordo com o exposto na subseção 3.6.4.2,
247

mostram-se menos eficientes do que as alcançadas por meio das conciliações e


mediações feitas pelos CEJUSC, entre as quais assumem relevância e têm especial
destaque as promovidas pelos NUMEC e NUMEC/CEJUSC da PMESP, conforme
evidenciado nas estatísticas apresentadas na subseção 4.2.2 e no comparativo da
subseção 4.2.3 (Gráfico 22).
Quanto à evolução histórica dos instrumentos de resolução de conflitos, viu-
se que caminharam no sentido de despenalização dos infratores e na busca do
respeito aos direitos humanos, porém, no caso das infrações penais de menor
potencial ofensivo, os inúmeros benefícios que os autores dos delitos hoje possuem
nos JECrims parecem não alcançar plenamente os anseios dos ofendidos, os quais,
apesar de não pretenderem ver seus algozes punidos, desejam ser ouvidos e
reparados quanto aos danos sofridos, assim como viver em um ambiente pacífico,
seja no plano familiar, seja no plano social.
Dessa forma, evidenciou-se que a solução penal nem sempre se mostra a
mais adequada para um conflito, vez que resolve a lide processual, mas não a
sociológica, de forma que não encerra as divergências existentes entre as partes, o
que pode gerar reincidência delitual e, até mesmo, resultados mais graves no futuro.
Nesse sentido, comprovou-se, tanto por meio das fontes bibliográfica, como
pelas opiniões expressas na pesquisa realizada junto aos policiais militares
mediadores e conciliadores83, que o ofendido prefere a reparação do dano e o
restabelecimento da relação interpessoal do que a punição do eventual autor do
ilícito.
Em outra vertente, na subseção 3.5.5, verificou-se a larga experiência da
PMESP e a excelência de seus serviços na prática das mediações e conciliações
para resolução de conflitos de natureza cível, destacando-se a eficiência dos
NUMEC, que funcionam desde 2013, tendo como maior expoente o CPI-5 (São José
do Rio Preto), e dos NUMEC/CEJUSC, unidades híbridas que passaram a atuar em
2017, mediante convênio com o TJSP, primeiramente no CPI/10 (Araçatuba), e que
agora se expandem pelo Estado de São Paulo.

83
A subseção 4.3.4.2 traz a pesquisa de opinião feita junto aos policiais militares mediadores e
conciliadores, cujas respostas à pergunta 8 indicam que somente 1,6% dos respondentes
percebem que a vítima, nas mediações e conciliações, intenciona exclusivamente a punição do
ofensor.
248

Neste estudo foram colecionadas diversas manifestações do TJSP e de


seus integrantes favoráveis às mediações e às conciliações feitas pela PMESP, com
destaque às palavras do Desembargador José Carlos Ferreira Alves, Coordenador
do NUPEMEC, o qual, em sua entrevista no Apêndice I, expressou:
Como coordenador do NUPEMEC acompanho o trabalho dos NUMECs com
brilho nos olhos. Costumo falar que a mim só falta a farda, pois sinto-me um
policial militar, tamanha é a sintonia existente. Ver as inovações promovidas
por meio do “190” em Araçatuba transformou-se em um capítulo à parte nas
aulas e palestras que profiro, assim como a instituição da “mediação
escolar” que já foi tema de um painel no Fórum Nacional da Mediação e
Conciliação – FONAMEC, acontecido em São Luís - MA. Assim, por essas
razões e pelo fato de as sessões conciliatórias estarem acontecendo de
forma constante, a avaliação é a melhor possível.

Esses projetos se solidificaram e se consolidaram estrategicamente como


uma realidade na PMESP84, a qual regrou o funcionamento dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC (PMESP, 2017), vinculando-os à DPCDH, e inseriu a mediação e
a conciliação na grade curricular dos Cursos de Formação dos policiais militares
paulistas (PMESP, 2018).
Destarte, nos casos das infrações penais de menor potencial ofensivo, pelos
argumentos exaustivamente apresentados, principalmente os condensados na
subseção 3.6.5.5 deste trabalho, analisados de forma transversal com as
estatísticas, entrevistas e visitas relatadas na seção 4, a hipótese, teoricamente,
demonstrou ser viável e exequível, bem como revestida de legalidade, uma vez
que guarda vínculo com as atribuições constitucionais da PMESP e coaduna com as
diretrizes do Conselho Nacional de Justiça.
Este estudo apontou, principalmente nas subseções 3.5.5, 3.6.5 e 4.2.2, o
potencial dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC para atuarem nas causas relacionadas a
infrações de menor potencial ofensivo, em conjunto com o eventual registro do TCO
pela PMESP, e assim recrudescerem as ações preventivas primárias e terciárias,
visando à pacificação social e à redução da reincidência delitiva, com efeitos
positivos na prevenção secundária, proporcionada pela maior disponibilidade do
policiamento ostensivo. Para entendimento desses aspectos preventivos e dos
benefícios no campo de preservação da ordem pública, em conformidade com o que
foi estudado85, vislumbra-se como:

84
Atualmente são 125 (cento e vinte e cinco) NUMEC e 15 (quinze) NUMEC/CEJUSC, cujas
Unidades estão relacionadas na Tabela 3, na subseção 3.5.5.
85
As prevenções primária, secundária e terciária foram explicadas na subseção 2.2.2.2.
249

a) efeito preventivo primário: a menor propensão das pessoas para


reincidirem nos conflitos, à medida que adquirem consciência de seu
papel na busca da pacificação das relações pessoais e sociais;
b) efeito preventivo secundário: redução da demanda para o
policiamento ostensivo, permitindo que este seja direcionado para
locais de risco e tenha aumentada a sua capacidade de pronta
resposta para atendimento emergencial de ocorrências mais graves; e
c) efeito preventivo terciário: a mediação, pouco utilizada para
infrações penais de menor potencial ofensivo, é método que compõe
a política da Justiça Restaurativa relacionada seara penal, no sentido
de mitigar os efeitos dos delitos para as vítimas e de recuperar os
infratores para o convívio social.
Dessa forma, expõe-se, a seguir, nas linhas finais deste trabalho, uma
análise prospectiva sobre o cenário que permitirá a consecução da hipótese
proposta.
Um pequeno rol de ocorrências – que inclui ameaças, lesões corporais
dolosas, vias de fato, perturbação do sossego, perturbação da tranquilidade,
acidente de trânsito com vítimas e, principalmente, as desinteligências - é
responsável pela maior demanda de atendimentos no telefone 190, que empenham
substancialmente o policiamento ostensivo, afastando as viaturas da PMESP do
setor de patrulhamento, que ficam também indisponíveis para atendimento
emergencial de situações de maior gravidade.
Este problema em parte pode ser solucionado por meio de ações de
pacificação social que repercutam na diminuição desses conflitos, no entanto, no
caso das infrações penais de menor potencial ofensivo, quando estas ocorrências
são levadas ao JECrim não encontram uma solução satisfatória, conforme se
vislumbrou na subseção 3.6.4.2, em razão de três principais (não únicos) motivos:
a) tempo de solução demasiado, por causa do excessivo trâmite
burocrático, que gera desconforto ao cidadão, além de deixar a
situação irresoluta por um período em que novos conflitos podem
ocorrer;
b) tratamento das infrações penais de menor potencial ofensivo de forma
secundária pelo sistema judicial e, até mesmo, pelo Ministério
250

Público, conforme apontou os estudos do IPEA86 e as entrevistas dos


Apêndices II e III87; e
c) utilização de método inadequado para resolução de lides de natureza
sociológica, posto que a solução do JECrim concentra-se
basicamente no método da conciliação, por meio do qual se busca
somente resolver a lide processual, em uma única audiência de curta
duração88, sem adentrar às raízes do conflito e reservando à vítima
um papel sem relevância.
Assim, os estudos aqui apresentados apontaram que, apesar de todos os
esforços do Poder Judiciário, os meios que dispõe não lhe permitem dar uma
resposta adequada e completa às infrações penais de menor potencial ofensivo,
fazendo com que a solução ofertada pelos JECrims seja insatisfatória, pois não
atende plenamente os princípios e objetivos da Lei nº 9.099/95, o que,
consequentemente, afeta negativamente a atividade de policiamento ostensivo e de
preservação da ordem pública, em face do empenho das viaturas da PMESP para
atender situações mal resolvidas.
De forma cabal, demonstrou-se que a composição civil é muito rara nos
JECrims, conforme visto nas subseções 3.6.4.2, 4.2.3 e 4.4, correspondendo a
aproximadamente 2% dos resultados em relação ao total de TCO que deram
entrada em 2019 nos Cartórios Judiciais de Araçatuba e São José do Rio Preto,
municípios nos quais se centrou a presente pesquisa.
Como alternativa, demonstrou-se que essas ocorrências poderiam ser
pacificadas, em número considerável, se no momento do seu atendimento pela
PMESP pudesse ser feito o convite às partes para participarem de mediação ou
conciliação nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC sem que, necessariamente, seja-lhes
imposto o registro do TCO para encaminhamento ao JECrim, o que parece ser
perfeitamente cabível no caso de infrações penais de menor potencial ofensivo cuja

86
Na subseção 3.6.4.2 viu-se que os estudos do IPEA (2015a, p. 45 - 46) apontaram que há
resistência por parte de alguns Juízes e servidores, assim como de Promotores e Defensores, em
trabalharem em Juizados e que em algumas localidades percebe-se o menosprezo pelos tipos
penais de menor potencial ofensivo.
87
Principalmente na entrevista do APÊNDICE III viu-se a inaptidão de boa parte dos Juizes e de
Promotores de Justiça que atuam na área criminal para lidar com a conciliação civil tratada na Lei
nº 9.099/95.
88
Conforme se viu na Tabela 24 da subseção 4.4, as audiências preliminares são curtas, sendo que
nos Cartórios Criminais visitados, em São José do Rio Preto, constatou-se que duram de 5 (cinco)
a 15 (quinze) minutos.
251

ação penal seja pública condicionada ou privada e o ofendido manifeste interesse


pelo não prosseguimento do feito na seara penal.
Aliás, restou demonstrado, inclusive com a concordância dos entrevistados
nos Apêndices II e III, que a conciliação ou mediação pela PMESP mostra-se cabível
até mesmo para situações em que a infração penal de menor potencial ofensivo seja
de ação penal pública incondicionada. Porém, nesse caso, a finalidade não seria de
extinção da punibilidade, mas o resgate da relação interpessoal e um eventual
benefício ao infrator no momento da fixação da pena, motivo pelo qual, em tal
circunstância, o TCO deve ser registrado.
Dessa maneira, a proposta deste trabalho consiste em que, no atendimento
pela PMESP de ocorrências de menor potencial ofensivo consideradas mediáveis,
nos casos de ação penal pública condicionada ou de ação penal privada em que o
ofendido não queira o prosseguimento da ação penal, o policial militar registre o
BO/PM, constando a manifestação do ofendido, e convide as partes para mediação
ou conciliação no NUMEC ou NUMEC/CEJUSC.
Nesses casos, o registro do BO/PM garante que o ofendido, caso mude de
ideia e tenha interesse em seguir com a ação penal em Juízo, possa ter acesso à
jurisdição, por meio do encaminhamento da ocorrência à autoridade do JECrim.
De outro lado, o acordo civil resultante da mediação ou da conciliação - em
cujas sessões se faculta, mas não se obriga a assistência de advogado 89 - poderá
ser homologado judicialmente, mesmo se tratando de composição extrajudicial,
conforme permissão do artigo 57 da Lei nº 9.099/9590 e do artigo 20, parágrafo
único, da Lei de Mediação91, passando a constituir título executivo judicial.
Nesse sentido, as convenções das partes em acordos sobre direitos que
admitam autocomposição podem ser objeto de apreciação judicial, nos termos do
artigo 190, parágrafo único do CPC (BRASIL, 2015a), situação em que a
composição civil poderá ser homologada judicialmente, caso o Juiz verifique estar
livre de nulidade ou cláusula abusiva.

89
Viu-se nesta pesquisa que o CNJ decidiu não ser necessária a presença dos advogados das
partes nas conciliações e mediações dos CEJUSC.
90
Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo
competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial
(BRASIL, 1995).
91
Art. 20 [...] Parágrafo único. O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo,
constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial
(BRASIL, 2015b).
252

Por sua vez, no JECrim, esse acordo pode ser aproveitado para extinção da
punibilidade, nos termos do artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9.099/9592.
Convém lembrar que os acordos extrajudiciais obtidos na mediação dos
NUMEC, fora do sistema do CEJUSC, também tem força executiva mesmo que não
sejam homologados pela autoridade judiciária, sendo assim aptos para serem
cobrados em ação de execução, sem necessidade de uma ação de conhecimento.
Já nos casos de ação penal pública condicionada ou privada em que o
ofendido manifeste interesse no prosseguimento da ação penal ou nas situações
de ação penal pública incondicionada, a proposta é de que o policial militar efetue
o registro do TCO e convide as partes para mediação ou conciliação no NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC.
Porém, nesse caso, caberá ao policial militar esclarecer que o acordo tratará
apenas das questões de Direito Civil (reparação do dano) e de pacificação da
relação entre as partes, sendo que as consequências penais ficarão a encargo do
JECrim.
Nessa conformidade, o TCO registrado pela Polícia Militar seguirá
normalmente ao JECrim e eventual composição civil obtida no NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC não encerrará a ação penal, mas poderá beneficiar o infrator para
fins de fixação da pena, nos termos do artigo 59 do Código Penal, ou até como
prova de arrependimento posterior, em conformidade com o artigo 16, também do
Código Penal.
Isso significa que não se afasta a jurisdição, porque nos casos de ação
penal seja pública incondicionada ou naqueles que haja representação ou
requerimento da vítima, os fatos serão sujeitos à apreciação das autoridades que
atuam no JECrim, por meio do encaminhamento do BO/PM ou do TCO,
preservando-se assim o devido controle jurisdicional e do Ministério Público.
A resolução de tais conflitos pela PMESP, por meio dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, apresenta potencial no sentido de otimizar os três fatores,
comentados há pouco, que se mostraram deficitários nos JECrims:
a) o tempo, porque a PMESP é porta de entrada dessas ocorrências e
pode iniciar de imediato o processo de pacificação, estando apta,

92
Art. 74 [...] Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal
pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação (BRASIL, 1995).
253

caso necessário, para encaminhar a solução ao JECrim antes da do


prazo normal da audiência preliminar;
b) o interesse, pois os efeitos de uma solução adequada são prioritários
e de alta relevância para a PMESP, no sentido de diminuir a demanda
de atendimento de ocorrências, otimizar o policiamento ostensivo e
aumentar a sua capacidade de pronta resposta para ocorrências mais
graves; e
c) a utilização do método adequado de resolução de conflitos, seja
conciliação, seja mediação, no sentido não somente de solucionar a
questão de Direito Civil, mas também a questão sociológica, com
sessões múltiplas e de maior duração, que buscam um processo de
pacificação, no qual a vítima é protagonista.
Todas essas propostas foram analisadas na subseção 3.6.5, considerando-
se os posicionamentos contrários e a favor, e verificou-se que nada obsta a adoção
de tais medidas, senão o entendimento contrário de uma ou outra autoridade
atuante nos JECrims, portanto, não unânime.
Verifica-se que os que argumentam contra o tipo de resolução proposta no
presente trabalho desconhecem a realidade do dia a dia do policial militar, o qual,
conforme demonstraram os dados coletados nesta pesquisa, concorre diariamente
no atendimento de uma infinidade de ocorrências de conflitos entre indivíduos.
A maioria dessas ocorrências, cadastradas (mas não registradas em
BO/PM) como desinteligência, é resolvida no local e não chega ao conhecimento do
Poder Judiciário, o qual provavelmente não suportaria receber tal demanda, cuja
estrutura sequer permite o atendimento imediato preceituado no artigo 69 da Lei nº
9.099/95.
Os dados de coleta primária e secundária mostraram que essas resoluções
dadas pelo policial militar podem apresentar vieses negativos, porque, em boa parte,
são paliativas e momentâneas, e por outro lado são ignoradas pelas demais
autoridades públicas, haja vista a subnotificação decorrente da negativa das
pessoas que acionam a Polícia Militar em registrar as ocorrências, visto que não
desejam se submeter ao trâmite da Justiça, que lhes parece moroso, oneroso e
incerto quanto a uma eficaz solução da lide.
Por outro lado, o policial militar acaba por não encaminhar o caso para a
mediação do NUMEC ou NUMEC/CEJUSC, pois esta pode não encontrar aval da
254

Justiça, mesmo quando se tratando de ocorrência de menor potencial ofensivo de


ação penal pública condicionada ou privada em que a vítima manifeste interesse em
não representar contra o autor, conforme se viu na subseção 3.6.5.4.
Tal posição parece contrariar o direito subjetivo do indivíduo, uma vez que
não se pode obrigá-lo a submeter o seu caso à apreciação do JECrim e registrar-se
o TCO, quando isso depender de sua representação ou requerimento, assim como
ocorre com o Inquérito Policial, que não pode ser instaurado sem autorização do
ofendido nos crimes que dependam de representação ou queixa do ofendido,
segundo a inteligência do artigo 4º, parágrafos 4º e 5º do CPP. Da mesma forma,
nesses casos, sem autorização do ofendido o Ministério Público não pode iniciar a
ação penal, nos termos do artigo 24 do mesmo Código.
Assim, considerando a independência das esferas civil e penal, nos casos
que não sejam de ação penal pública incondicionada e o ofendido não represente
criminalmente, este não pode ser privado do seu direito subjetivo caso deseje
apenas a reparação civil dos danos, em consonância com o disposto nos artigos 64
do CPP93 e 935 do CPC94.
A doutrina também se posiciona nesse sentido95.
Considerando que o acordo tratará meramente da parte de Direito Civil,
ciente de que o ofendido não deseja prosseguir na seara penal, não emerge motivos
para que o Juiz do CEJUSC não o homologue.
Desse modo, se por um lado têm-se soluções precárias do JECrim no que
concerne à pacificação social e à resolução das questões de Direito Civil ligadas à
infração penal, em contraposição, evidenciou-se que os NUMEC/CEJUSC, de forma
legal e voltados às atribuições constitucionais da Polícia Militar, podem oferecer
todos esses benefícios negligenciados na conciliação penal.
Ademais, nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo de
ação penal privada ou pública condicionada, a conciliação e a mediação dos

93
Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá
ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.
Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até
o julgamento definitivo daquela (BRASIL, 1941a).
94
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal (BRASIL, 2002).
95
Na subseção 3.6.5.4, viu-se o posicionamento da Mirabete (2008, p. 146): “Não pode, porém, o
juízo cível obrigar o lesado a aguardar o trânsito em julgado da sentença penal, sob fundamento
da prejudicialidade”.
255

policiais militares podem levar à composição civil com homologação judicial, que tem
o condão de extinguir a punibilidade e finalizar o processo, nos termos do artigo 74,
parágrafo único da Lei nº 9.099/95, o que desonera o Poder Judiciário e ao mesmo
tempo possui efeito preventivo, que repercute em prol do policiamento ostensivo.
A solução sociológica mostra-se, muitas vezes, mais importante e eficiente
do que a meramente processual e jurídica, de acordo com os ensinamentos de Silva
Júnior (2014, p. 4):
Não é de agora que sustentamos a necessidade de uma revisão de
paradigmas na área de segurança pública (SILVA JÚNIOR, 2000, 2007,
2007b, 2008, 2009) que possibilite encarar os conflitos sociais por uma ótica
transdisciplinar, capaz de orientar sua solução ou condução com o auxílio
de outras ciências que não só a jurídica; mas os paradigmas que permeiam
a ordem burocrática estatal, notadamente os de natureza jurídica, fazem a
estrutura estatal permeável, quando não reativa, às propostas de mudança:
um Estado Jurídico neófobo.

O posicionamento contrário de alguns Magistrados e Promotores de Justiça,


embora não seja unânime e nem tenha como se mensurar se é ou não majoritário,
gera uma retração natural dos policiais militares mediadores e conciliadores, os
quais, temerários de alguma reprimenda judicial, acabam não recebendo casos
cujas mediação e conciliação do NUMEC/CEJUSC seriam indicadas.
No entanto, talvez não vislumbrado por essas autoridades, muitas contendas
podem não restar pacificadas se seguirem o trâmite do JECrim, seja pelo
arquivamento do caso pelo Ministério Público96 sem que a audiência preliminar
ocorra, seja pela inaptidão do JECrim, conforme se demonstrou, para resolver
plenamente a causa civil e restabelecer o relacionamento dos envolvidos.
Paralelamente ao convite para mediação ou conciliação nos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, ficou comprovado, na subseção 3.6.2.3, o cabimento do
registro do TCO pelo policial militar, o que encontra reconhecimento legal,
doutrinário e jurisprudencial, incluindo recente decisão do STF (BRASIL, 2020d),
pois não é um ato de investigação policial, portanto, não restrito à Polícia Civil.
Na mesma subseção viu-se que o registro do TCO pela Polícia Militar
concorre em favor do interesse público e da eficiência da administração pública, uma
vez que repercute em maior tempo de policiamento ostensivo nas ruas e em respeito
à dignidade da pessoa humana, à medida que evita desnecessárias conduções

96
Os números dos JECrims de São José do Rio Preto e Araçatuba, conforme visto na subseção
4.2.3, indicam que foram arquivados em 2019, respectivamente, 67% (Gráfico 20) e 78% (Gráfico
21) dos feitos que deram entrada nos Cartórios Criminais..
256

coercitivas à Delegacia de Polícia de pessoas que não estejam sujeitas à prisão em


flagrante delito.
No Estado de São Paulo, um ato administrativo consubstanciado em
Resolução da SSP (SÃO PAULO, 2009) sobrepõe-se à lei e ao entendimento da
Magistratura Nacional e Paulista, impedindo que a PMESP lavre o TCO.
Nesse sentido, entende-se que caberia ao Poder Executivo Bandeirante
rever tal posicionamento, pois a manutenção desse status pode se exteriorizar como
ato de improbidade administrativa, pois impõe gastos financeiros exorbitantes e
desnecessários, ao fazer com que se desloque as viaturas da Polícia Militar para as
Delegacias, de forma a afastá-las por longo tempo do setor de patrulhamento,
privando a população do direito que tem ao serviço essencial que é o policiamento
ostensivo. Com o registro do TCO pela Polícia Militar no local dos fatos, o tempo de
atendimento das ocorrências diminui, permanecendo a viatura no seu setor de
atuação, próxima ao cidadão.
Também restou evidenciado nesta pesquisa que a referida norma
administrativa prejudica a função de polícia judiciária da Polícia Civil, uma vez que
empenha seus integrantes para registro de TCO em detrimento da apuração de
crimes mais graves, esta a sua principal atribuição, que apresenta resultados
bastante insatisfatórios, conforme vislumbrado na subseção 3.5.5.1 e em diversas
fontes bibliográficas citadas neste trabalho.
Aliás, viu-se na mesma subseção, que esse prejuízo às investigações
criminais da Polícia Civil não advém somente da questão do TCO, mas também
decorre do funcionamento dos NECRIMs, que parecem desviar-se da finalidade da
referida Instituição, porquanto tal atividade não guarda relação com as suas
atribuições constitucionais, de polícia judiciária e de apuração da autoria e
materialidade das infrações penais comuns.
Em suma, o registro do referido TCO pela Polícia Militar mostrou-se uma
solução pertinente e eficiente, o qual repercute em prol da probidade administrativa,
uma vez que evita deslocamentos desnecessários e financeiramente custosos de
viaturas às Delegacias de Polícia, ao mesmo tempo em que deixa de conduzir
coercitivamente pessoas que não estão sujeitas à prisão em flagrante delito e libera
os meios da Polícia Civil para sair a campo e promover a investigação de crimes
mais graves, de forma a melhorar seus baixos índices de elucidação.
257

Em outra linha, conforme o entendimento vertido durante a pesquisa, o


registro do TCO é incabível em infração penal de menor potencial ofensivo de
ação penal pública condicionada ou ação penal privada cujo ofendido manifeste
interesse em não prosseguir com a ação penal, situação em que deve ser
substituído pelo BO/PM. Essa compreensão decorre em analogia ao que acontece
com o Inquérito Policial, o qual, conforme o art. 5º, parágrafos 4º e 5º, do CPP, não
pode ser instaurado sem autorização do ofendido nas infrações de ação penal
privada ou pública condicionada.
Porém, não se pode fechar os olhos aos óbices e oposições existentes em
relação a tais propostas, as quais, conforme se depreende das entrevistas dos
Apêndices I, II e III e do excesso de ações e representações descritas no curso
desta pesquisa97, parecem residir mais em questões de cunho institucional, no
sentido de se preservar prerrogativas, do que propriamente na legalidade ou não de
tais medidas.
Nessa esteira, segundo nosso enfoque, as medidas aqui sugeridas devem
ser levadas pela PMESP à discussão perante a sociedade, civil e acadêmica, e as
autoridades públicas, políticas e jurídicas, sendo esse um dos motivos do presente
trabalho, que visou a colecionar informações que pudessem demonstrar a realidade
dos atendimentos das ocorrências que envolvem infrações penais de menor
potencial ofensivo e a demonstrar como a adoção das propostas aqui explicitadas
pode colaborar em benefício de todos os Órgãos Públicos envolvidos e,
consequentemente, concorrer em prol do interesse público.
Pretende-se, desse modo, demonstrar que a mediação e a conciliação dos
NUMEC e NUMEC/CEJUSC, assim como o registro do TCO pela Instituição, nos
casos de infração penal de menor potencial ofensivo, em nada violam
competências alheias, medidas que estão em perfeita consonância com os
objetivos constitucionais do Estado Brasileiro e que podem beneficiar:
a) ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, em face do desafogo
de procedimentos nos JECrims, permitindo-lhes maior qualidade em
face da menor quantidade de atendimentos, assim como por terem o

97
Viu-se no decorrer deste trabalho representação de improbidade da Polícia Civil contra a Polícia
Militar em razão das atividades dos NUMEC, a qual foi indeferida pelo Ministério Público (MPSP,
2017). Também se comentou sobre ADI do CONAMP (2019) contra os NECRIMs da Polícia Civil,
que se encontra sub judice. A ADEPOL também entrou com ADI contra TCO registrado pelo Poder
Judiciário, que foi indeferido pelo STF (BRASIL, 2020d).
258

trâmite das audiências preliminares agilizado, em face da resolução


das questões de Direito Civil relativas à reparação dos danos, que
podem ser aproveitadas para a decisão penal;
b) à Polícia Civil, que pode desincumbir seus policiais de situações de
mero registro e encaminhamento de TCO ao JECrim,
disponibilizando-se mais tempo para exercício de sua atribuição
constitucional, de investigação e apuração das infrações penais, em
especial, as de maior gravidade;
c) à Polícia Militar, que por meio das conciliações e mediações vem a
exercer sua missão constitucional de prevenir novos delitos por meio
da pacificação social, otimizando o policiamento ostensivo, que
também é favorecido pelo registro do TCO no local dos fatos, de
forma a evitar os não econômicos deslocamentos às Delegacias de
Polícia, com dispêndio de longo tempo, que afasta as viaturas do
setor de patrulhamento, privando a comunidade local da necessária
atuação de prevenção secundária em prol da preservação da ordem
pública;
d) ao cidadão, que encontrará maior agilidade e eficiência na solução
de seus conflitos de forma consensual, bem como o respeito às
garantias e direitos fundamentais uma vez que as conciliações
viabilizam a autocomposição e podem afastar a possibilidade de
medidas restritivas de direitos e liberdades;
e) à sociedade, que terá comunidades mais pacificadas, com menos
incidência de delitos, em virtude de casos resolvidos de forma célere
e adequada; também porque terá o policiamento ostensivo disponível
e em condições de pronto atendimento no caso de situações de maior
gravidade, assim como uma polícia judiciária dedicada à
investigações dos delitos que mais atemorizam à população;
f) ao Estado, pela consonância com o princípio da eficiência da
Administração Pública, consolidado em um sistema de plena
integração de seus órgãos em prol do interesse público.
Além disso, a mediação e a conciliação também carregam em si outro
benefício, na formação cultural institucional: o policial militar pacificador.
259

A PMESP é uma Instituição que conta com mais de 189 anos de existência,
período em que enfrentou muitos desafios, sendo parte indissociável da História
Brasileira, com episódios positivos e negativos, alvo de críticas justas e injustas.
Essa organização, composta de valorosos homens selecionados de uma
sociedade complexa e multifacetária, muitas vezes acaba sendo objeto de
preconceito, principalmente de alguns grupos ideológicos, que potencializam
situações negativas e, até mesmo, as distorcem.
Nesse viés, naturalmente, ações irregulares de policiais militares, e até
mesmo as regulares descontextualizadas, ganham espaço nessa guerra difamatória
contra as Polícias Militares, impulsionada pela facilidade tecnológica e pelo uso do
artifício conhecido como pós-verdade98, por meio do qual se busca fazer com que os
casos excepcionais de excesso, diante da infinidade de bons atendimentos diários
promovidos pela Instituição, pareçam ser uma regra de comportamento treinada e
instruída nos seus bancos escolares e de formação.
A proposição deste estudo, nesse contexto, não se concentra em uma forma
pontual de atuação, mas fundamentada em uma questão de filosofia institucional,
que pode levar a uma mudança cultural e a quebra de alguns paradigmas, ainda que
de forma gradual.
Desse modo, a internalização dos conceitos que formam os mediadores e
conciliadores incute nos policiais militares o papel do policial pacificador, treinado
para agir de forma serena e com capacidade argumentativa. E o argumento que
convence evita o uso da força e eventual prática de violência policial. Esse
“modo de agir” tem potencial para tornar cada vez mais raras a captação de
situações que prejudicam a imagem institucional, ao mesmo tempo em que
aproxima o policial militar da sociedade como agente pacificador.
Embora se compreenda que as diversas modalidades e os múltiplos campos
de atuação na Polícia Militar exijam determinados perfis pessoais, pode-se concluir
que todos os seus integrantes, indistintamente, devem ter a aptidão para resolver
conflitos, porque esta característica está presente em todas as atividades e
atribuições policiais-militares.

98
Pós-verdade é um neologismo que passou a ser utilizado para descrever as manipulações da
verdade por meio de mensagens impactantes que buscam influenciar as pessoas no plano
emocional, distorcendo ou tirando o foco da realidade, transmitidas por meio de discursos
apelativos e voltados à formação da opinião pública.
260

Assim, compreende-se que o perfil pacificador e a aptidão para resolução de


conflitos devem compor as características do indivíduo que pretenda ingressar na
PMESP, habilidade natural do policial militar que pode ser direcionada para exercer
tecnicamente a mediação e a conciliação.
Como efeito secundário, mas muito relevante, os NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, dentro da ótica deste trabalho, tendem a tornar os nossos
quartéis da Instituição uma referência de paz na sociedade. Assume a PMESP,
dessa maneira, inclusive pelo uso de suas instalações, o que ela já é de fato, um
lugar de garantia de direitos e de confiança da comunidade, sobrepondo a
equivocada imagem de um local proibido no imaginário das pessoas, transmitida por
algumas ideologias contrárias à existência das Polícias Militares.
Nesse sentido, visto que geograficamente se concentram em poucas OPM
da PMESP, conforme visto na subseção 3.5.5 (Figura 11), impende que a
Instituição envide esforços no sentido de acelerar a expansão dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC todo o Estado, principalmente na Capital e sua região
metropolitana.
Essa expansão torna-se vital para que suas práticas sejam difundidas em
todo o Estado e não fiquem restritas a iniciativas isoladas de alguns Comandantes,
de forma a aumentar a legitimidade da PMESP para consecução integral do que
aqui se propõe: sem afastar a jurisdição e sem afetar outras competências
institucionais, a realização da mediação e da conciliação por policiais militares em
situações que envolvam infrações penais de menor potencial ofensivo e, quando
cabível, o registro do TCO.
Lembra-se que o registro do TCO pela Polícia Militar, conforme exposto na
seção 3.2.6.3, foi uma prática exitosa na região do CPI-5, de 2001 a 2009, mas a
letargia, naquela ocasião, em não se promover a ampliação de tal iniciativa para
todo o Estado, fez com que não adquirisse solidez institucional, levando a fatídica
Resolução da SSP, de 2009, que retornou a PMESP a seu status quo, obrigando-a a
apresentar as ocorrências de infrações penais de menor potencial ofensivo nas
Delegacias de Polícia, o que, conforme se demonstrou nesta pesquisa, é
extremamente prejudicial ao policiamento ostensivo e, extensivamente, ao cidadão
paulista.
Para consecução da hipótese aventada neste estudo vislumbra-se assim a
necessidade de expansão dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC e de um trabalho de
261

convencimento, no plano institucional, jurídico, acadêmico e social, perante os


públicos interno e externo, passos que devem preceder a implementação da
presente proposta, inclusive com a readequação na Nota de Instrução da PMESP
(2017) hoje existente, de forma a incluir as infrações penais de menor potencial
ofensivo no rol de atendimentos dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC.
Em suma, seguindo a linha dos pioneiros da ideia, citados ao longo deste
trabalho, quanto ao uso de métodos alternativos na PMESP para resolução de
conflitos, em consonância com o pensamento do Tenente Coronel PM Paulo Sérgio
Martins, exposto em sua entrevista na subseção 4.5.4, tais sugestões traduzem-se
na composição de um Programa de Conciliação e Mediação Comunitárias da
Polícia Militar Paulista como um objetivo estratégico da Instituição, que pode se
desdobrar em diversos planos de ação que possibilitem a sua consecução.
Enfim, o presente estudo pretendeu deixar um corolário com base sólida e
confiável, no sentido de contribuir com a PMESP, cuja atuação hodierna se mostra
cada vez mais complexa, com constantes mudanças de paradigmas, o que a desafia
a encontrar devotamente soluções de atuação em prol da sociedade paulista e em
consonância com seu papel constitucional.
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277

APÊNDICE I – Entrevista com o Doutor José Carlos Ferreira Alves


Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e Coordenador do
NUPEMEC - Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos

Data: 11/09/2020

Horário: 18h00
Tipo de entrevista: Estruturada, com respostas transcritas pelo próprio
entrevistado.

Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:

Breve currículo do entrevistado


Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, com atuação na 2ª Câmara de Direito Privado;
Coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e Cidadania
NUPEMEC;
Coordenador dos Cursos de Formação de Conciliadores e Mediadores da Escola Paulista da
Magistratura – EPM;
Presidente do FONAMEC – Fórum Nacional da Mediação e Conciliação;
Presidente do FOCOMESP – Fórum da Conciliação e Mediação do estado de São Paulo;
Presidente da Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Colégios Recursais dos Juizados
Especiais de São Paulo;
Componente do Conselho Supervisor dos Juizados Especiais de São Paulo;
Professor na área de Conciliação e Mediação em diversos Cursos de Formação, Aperfeiçoamento e
Pós Graduação.
Pergunta 1. Como Vossa Excelência avalia as conciliações feitas pelos policiais militares vinculados
ao CEJUSC?
Resposta. Como coordenador do NUPEMEC acompanho o trabalho dos NUMEC com brilho nos
olhos. Costumo falar que a mim só falta a farda, pois sinto-me um policial militar, tamanha é a
sintonia existente. Ver as inovações promovidas por meio do “190” em Araçatuba transformou-se em
um capítulo à parte nas aulas e palestras que profiro, assim como a instituição da “mediação escolar”
que já foi tema de um painel no Fórum Nacional da Mediação e Conciliação –
FONAMEC, acontecido em São Luís - MA.
Assim, por essas razões e pelo fato de as sessões conciliatórias estarem acontecendo de forma
constante, a avaliação é a melhor possível.
Pergunta 2. No atendimento de ocorrência policial que envolva infração penal de menor potencial
278

ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, é comum o ofendido se manifestar,
de forma veemente, pelo não registro de ocorrência. Pergunta-se: segundo compreensão de Vossa
Excelência, nessas situações, o policial militar deve registrar o Boletim de Ocorrência ou Termo
Circunstanciado, mesmo contra a vontade do ofendido, ou deve entender que se trata de um direito
subjetivo da vítima, que não pode ser obrigada a fazer tal registro? Quais os motivos que justificam
uma medida ou outra?
Resposta. Infração penal, ainda que de menor potencial ofensivo, escapa do alcance daquilo que
vem preconizado na Resolução CNJ nº 125, razão pela qual não pode ser tratada no âmbito dos
CEJUSC, ou dos próprios NUMEC, enquanto “braço” daquele. Por outro lado, aqui no nosso Estado
de São Paulo, há muita polêmica acerca da possibilidade de o Policial Militar lavrar um TCO, porque
o entendimento majoritário é no sentido de que essa ação incumbe ao Delegado de Polícia. Assim,
mesmo entendendo que se trata de um direito subjetivo da vítima, penso que, enquanto não
consolidado o entendimento no que se refere à competência da Polícia Militar para o exercício do
mister, a ela incumbirá a lavratura do BO ou o encaminhamento do caso ao Delegado de Polícia
para que este se encarregue do TCO. No primeiro caso, os aspectos cíveis que decorrem daquele
acontecimento poderão ser objeto de negociação no âmbito dos NUMEC, enquanto que, no segundo
caso, deverão ter o encaminhamento de praxe até que chegue ao Juizado Especial Criminal.
Pergunta 3. Na atuação dos NUMEC e CEJUSC, segundo entendimento de Vossa Excelência, a
conciliação deve se ater à composição civil dos danos em relação à questão de direito material ou
deve ir além, buscando pacificar a relação entre os indivíduos, inclusive com práticas voltadas ao
método de mediação? Quais os motivos que justificam a resposta?
Resposta. A função precípua da mediação e da conciliação não é a resolução do conflito, mas, isto
sim, o restabelecimento do diálogo e a compreensão pelas partes de que divergências existem, mas
que podem ser solucionadas sem que impliquem em litígios. Não bastasse, há que se considerar
que nem sempre uma situação que comporta conciliação/mediação contempla danos materiais,
sendo certo que, sobretudo nas questões que envolvem relações continuativas (questões de família,
por exemplo), a pacificação da relação interpessoal se mostra muito eficaz no que se refere à
cessação de reiterados conflitos por uma mesma razão. Imperioso registrar que, por vezes, o
simples fato de se comporem e restabelecerem a conversa é motivo para que uma das partes exija
da outra alguma indenização de cunho financeiro, que se mostrava, até então, como a única
pretensão deduzida. Como costumo manifestar em minhas aulas, o terceiro facilitador que tiver o
dom de, com base nas técnicas aprendidas no Curso de Formação, trocar o ponto final existente
numa relação de pessoas, por uma vírgula, não resolverá um problema, mas, sim, talvez todos que
vierem a acontecer. Jamais podemos cogitar de uma conciliação que se atenha, exclusivamente, à
composição civil eventualmente pretendida, mas ir sempre além, incutindo nas partes a certeza de
que, se tiveram poder para geral o conflito, têm igual poder para resolvê-lo.
Pergunta 4. Segundo nosso entendimento, com base na presente pesquisa, no JECrim a solução da
lide por meio da conciliação concentra-se, com maior ênfase, na composição civil e não na
pacificação do conflito sociológico (com atuação no campo afetivo e emocional). Pergunta-se:
consoante o que prevê a Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, a mediação, de forma imediata,
279

promovida por policiais militares, a fim de prevenir futuras desavenças e conflitos mais graves,
poderia complementar e tornar mais completa a solução, com efeito preventivo em benefício da
ordem pública? Por quais motivos?
Resposta. Penso que me tornaria repetitivo se respondesse esse questionamento, pois tudo o que
penso acerca do tema, já expendi na questão anterior.
Pergunta 5. Sabe-se que a mediação iniciada imediatamente pela Polícia Militar, no sentido de
pacificar o conflito, estabelece vínculo de confiança entre as partes, o que pode levar a um acordo de
composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC?
Resposta. Como se trata de questão que envolve composição civil, e as consequências pretendidas
dependem de vontade expressa do ofendido, não vejo problema em ver homologado pela autoridade
do CEJUSC. De toda forma, é importante que se atente para o fato de que, por vezes a
representação já foi promovida perante a autoridade policial e, verificada essa hipótese, o ofendido a
ela não poderá renunciar (pois já foi exercida), mas somente se retratar da representação e
renunciar à queixa.
Pergunta 6. Vossa Excelência deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões
que possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado a
outras considerações que julgar pertinentes.
Resposta. O escopo da Política Pública estabelecida pela citada Resolução 125, ou seja, a partir
dos meios autocompositivos de solução de conflitos, é o de propagar uma cultura de paz que se
contraponha à litigiosidade inerente à população que encontrou muita facilidade de recorrer ao Poder
Judiciário após a Constituição de 1988. Noutras palavras, essas atividades hoje desenvolvidas pelos
NUMEC visam a fazer com que a atividade desenvolvida pelo Judiciário não tenha um cunho
decisional, mas, sim, meramente homologatório, fazendo prevalecer a vontade das partes em
detrimento da vontade do Estado.
A eficiência operacional do Judiciário pode ser medida pelo grande número de decisões que são
proferidas diariamente, seja pelas interlocutórias, pelas sentenças ou pelos acórdãos. De toda sorte,
porém, essa atuação dos magistrados visa à resolução dos processos, o que nem sempre (acredito
que na imensa maioria das vezes) representa a resolução do conflito estabelecido. Significa que
mesmo um Judiciário eficiente nem sempre atende às expectativas dos cidadãos, pois estes buscam
solucionar os problemas que os afligem e não simplesmente o processo judicial que decorre dessa
pretensão. Assim, uma eficiente e ampla atuação dos NUMEC/CEJUSC representará, sem dúvidas,
uma significativa redução nas judicializações, sem a necessidade de enfrentamento daquela rigidez
formal e daquela inflexibilidade procedimental que lhe são próprias.
280

APÊNDICE II – Entrevista com a Doutora Gislaine de B. F. Vendramini


Juíza de Direito Auxiliar de São José do Rio Preto, em exercício na Vara do
Juizado Especial Cível

Data: 04/09/2020
Horário: 13h00
Tipo de entrevista: Semiestruturada, com respostas inicialmente transcritas pela
entrevistada; após entrevista pessoal, acréscimos de
anotações do entrevistador, revisadas pela entrevistada.

Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:

Breve currículo da entrevistada


Atualmente é Juíza de Direito Auxiliar de São José do Rio Preto, em exercício na Vara do Juizado
Especial Cível;
Formada em Direito, no ano de 1997, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Franca, SP.
Ingressou na Magistratura em 29 set. 2000;
Trabalhou na Comarca de Araraquara, cerca de um ano, como Juíza substituta, e depois
circunscrição de São José do Rio Preto;
Foi Juíza titular nas Comarcas de Nova Granada, Urupês e Palestina;
Promovida à Juíza Auxiliar em São José do Rio Preto, em 2013, onde atuou por três anos no Juízo
Criminal e, após, passou ao Juízo Civil, no qual atua até a presente data.
Pergunta 1. No atendimento de ocorrência policial que envolva infração penal de menor potencial
ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, é comum o ofendido se manifestar,
de forma veemente, pelo não registro de ocorrência. Pergunta-se: segundo compreensão de Vossa
Excelência, nessas situações, o policial militar deve registrar o Boletim de Ocorrência ou Termo
Circunstanciado, mesmo contra a vontade do ofendido, ou deve entender que se trata de um direito
subjetivo da vítima, que não pode ser obrigada a fazer tal registro? Quais os motivos que justificam
uma medida ou outra?
Resposta. Entende que deva haver o registro da ocorrência, pois o direito subjetivo da vítima foi
manifestado quando ela acionou a Polícia Militar e, se não quiser dar prosseguimento, será
desnecessária qualquer outra providência.
Disse que a visão do Juiz é formalista e, neste aspecto, todo atendimento tem que ter algum tipo de
registro, ainda que não seja caso de dar andamento.
Acrescentou que o registro do atendimento é importante, mesmo que a pessoa não queira dar
281

prosseguimento. Como exemplo, citou o caso de uma pessoa esfaqueada, no sentido de saber se
não foi a primeira vez que houve problema com aquela pessoa, caso a Polícia já tenha sido
acionada por três ou quatro vezes anteriormente para seu atendimento.
Aqui, o entrevistador lhe explicou como é feito o registro do atendimento pela Polícia Militar, por
meio do sistema informatizado do COPOM, em que os atendimentos ficam registrados, com
histórico inicial, histórico final e resultado, incluindo as partes contatadas, mesmo quando não há
registro de Boletim de Ocorrência. No entendimento da entrevistada, na situação descrita na
pergunta, esse tipo de registro lhe parece suficiente.
Em complemento, após ser pontualmente feita a pergunta pelo entrevistado sobre a questão, no
caso de infração penal de menor potencial ofensivo que a pessoa não desejar representar, em não
dar prosseguimento, entende não ser necessário o registro do BO ou do TC, sendo suficiente o
registro de atendimento feito no sistema informatizado pela PM, para que a parte não venha alegar
posteriormente, como exemplo, que acionou a PM cinco vezes e não houve registro de ocorrência,
ou que houve negativa de atendimento.
Pergunta 2. Nos casos envolvendo infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja
pública incondicionada, Vossa Excelência entende que há campo para a composição civil de
eventual dano moral e/ou material e que, eventualmente, pode ser cabível mediação baseada em
práticas restaurativas? Quais os motivos que justificam a resposta?
Resposta. Entende que sim, para solucionar o conflito maior de interesses, sendo imprescindível
esclarecer aos envolvidos, contudo, que não se colocará fim às consequências criminais, e que se
resolverá apenas as consequências cíveis.
Sobre ser possível a mediação em crimes de infração penal de menor potencial ofensivo de ação
penal incondicionada, concorda que pode ser utilizada pelo JECrim em benefício do autor por
minimizar os danos, o que não exclui a responsabilidade penal, mas interfere na análise da conduta
do agente, do seu comportamento social e até mesmo nas consequências do crime e eventualmente
avaliação do dolo, pois a pessoa pode alegar que não queria fazer aquilo e que foi um erro seu.
Pergunta 3. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas de Economia Aplicada (IPEA) de
2015, assim como coleta de dados secundária das estatísticas do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), verifica-se que as composições civis nos JECrims apresentam-se abaixo de 8,4% em
relação ao total de audiências realizadas (este o percentual mais alto encontrado em nossa
pesquisa). Pergunta-se: segundo a experiência de Vossa Excelência, a que se deve tal fenômeno e
por que isso ocorre?
Resposta. São diversos fatores. Em diversos casos a vítima não apurou seus prejuízos ainda, em
outros há discussão de responsabilidade e culpabilidade e a composição civil implica em
pagamentos, ou seja, precisa-se assumir responsabilidade, ao passo que a transação penal não
implica em reconhecimento de culpa.
Acrescentou que outro problema que ocorre é que na audiência do JECrim, geralmente, o autor tem
defensor e a vítima não, o que faz com que esta se sinta um pouco desprotegida. Assim, quando o
ofendido chega a uma audiência, vê-se diante do Juiz, do Promotor e do autor com o seu advogado.
Isso reforça a vantagem da conciliação na Polícia, porque as partes são atendidas em um patamar
282

de equivalência, ouvindo-se tanto a vítima quanto o autor.


Pergunta 4. Em São José do Rio Preto, o NECRIM da Polícia Civil tem feito conciliações nos casos
de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada.
Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável o aproveitamento pelos JECrims desse tipo de
acordo e sua homologação para os fins dispostos no parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. A questão já foi bem discutida na Comarca e prevaleceu entendimento afastando o
aproveitamento com base no princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional.
Disse que, particularmente, no Juizado Civil em que trabalha, não ouviu alegações de que as partes
foram preteridas no NECRIM, ou que a sua solução tenha sido ineficiente. Por conclusão lógica,
presume-se que os acordos feitos por lá dão certo, inclusive já orientou um parente seu, militar da
Polícia Militar que serve ao Corpo de Bombeiros, que foi convidado pelo NECRIM para resolução de
um acidente de trânsito, para que comparecesse à Delegacia. Posteriormente, recebeu o retorno de
que a ocorrência restou bem resolvida, foi feito acordo e seu parente recebeu integralmente o valor
do prejuízo.
Disse que no caso do objeto desta entrevista, a reação contrária ao NECRIM ocorre em face do art.
73 da Lei nº 9.099/95, nos casos de infração de menor potencial, que diz que a conciliação deve ser
feita por conciliadores acompanhados pelo Juiz, o que abre margem à discussão, que leva alguns
Magistrados a não aceitarem esses acordos.
Mas a tendência é de mudanças. Há diversos conflitos de atribuição: entre PM e Polícia Civil, entre
Ministério Público e Judiciário, entre Ministério Público e as polícias. Daí que não se consegue uma
opinião única no Direito, existe a interpretação de cada um, mas lhe parece que tudo que busca a
pacificação social e a solução de conflitos, de forma menos onerosa e mais eficiente, mais rápida, é
o melhor para a sociedade. E esses caminhos vão ser abertos.
Lembra-se que até mesmo a Lei nº 9.099/95 quando publicada ensejou resistência, pois dispensa
advogado em causas de até 20 salários mínimos. Mas foi uma questão que veio a se estabilizar com
o tempo.
Pergunta 5. Segundo nosso estudo, a mediação, como uma das práticas de Justiça Restaurativa,
atine a causas penais. Pergunta-se: Vossa Excelência entende que as mediações comunitárias e
as conciliações promovidas pela Polícia Militar podem ser utilizadas como práticas restaurativas nos
casos de infrações penais de menor potencial ofensivo?
Resposta. Entende que sim, porque tais conciliações buscam pacificação social e solução de
conflitos no ambiente em que se deram, mais próximo do local e época dos fatos.
Acrescentou que a primeira vez que ouviu falar de Justiça Restaurativa, pensou que não iria torna-
se realidade, mas hoje é uma realidade em vários segmentos do direito.
O entrevistador explicou-lhe o seu ponto de vista, de que a mediação, dentro da Justiça
Restaurativa, atine ao campo penal, e que nesse caso poderiam também ser aplicados para
ressocializar os autores de infração penal de menor potencial ofensivo, argumentos com os quais a
magistrada mostrou concordância.
Pergunta 6. Sabe-se que a mediação iniciada imediatamente pela Polícia Militar, no sentido de
pacificar o conflito, estabelece vínculo de confiança entre as partes, o que pode levar a um acordo
283

de composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC e seu aproveitamento pelo JECrim, em especial, para extinção da
ação penal, nos termos do parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. Pela interpretação atual, provavelmente não porque as partes podem alegar falta de
assistência e/ou orientação jurídica, mas sempre serve como comprovação da boa fé e intenção das
partes.
Disse que, sobre os acordos dos CEJUSC e sua homologação, que lhes confere força de título
executivo judicial, o entrevistador perguntou por que não aceitá-los no JECrim, ao invés de se deixar
o conflito em aberto, para tudo ser decidido numa audiência preliminar de vinte minutos, ao que a
entrevistada respondeu entender tal ponto de vista, mas que nesse caso também há questões
institucionais, que tratam de abrir mão da atribuição, de soberania, e daí decorrem as divergências
sobre a homologação dos acordos. Em São José do Rio Preto, são oito Varas Cíveis e a Vara do
Juizado Especial Cível, além de cinco Varas Criminais, e nem todos pensam igual. É importante
expor o trabalho que está sendo feito pela Polícia, especialmente porque contribui para deixar a
situação mais pronta para o Judiciário e desafogar o trabalho do Judiciário.
O entrevistador, sobre a questão a inafastabilidade da jurisdição, perguntou sobre a questão da
sobrecarga do Poder Judiciário, ao que respondeu a entrevistada que a mediação a conciliação e
todas as mudanças trazidas pela lei foram no sentido incentivar. A conciliação, antes eventual, hoje
é praticamente uma regra. Na Lei nº 9099/95, sob o aspecto civil, exige-se a presença das partes
nas audiências, a ausência do autor leva à extinção e a do réu, à revelia. E não adianta a parte
enviar procurador, porque é exigida a presença física das partes, o que contribuiu muito para o
acordo, pois a parte fala e participa diretamente, ainda que assistida por advogado.
A entrevistada vê que a observância dos princípios como os da inafastabilidade da jurisdição e da
Justiça gratuita acabou levando a banalização de muitas questões, porém, de outro lado, há casos
em que algumas situações parecem ser banais, mas, ao ser ouvida a pessoa lesada, verifica-se que
ela tem a verdade dela e se sente preterida, lesada e enganada. Quando se dá a oportunidade para
que se manifeste, verifica-se que ela se sente atendida e se acalma, o que também pode solucionar
conflitos.
Pergunta 7. Existem situações de arquivamento do Termo Circunstanciado por parte do Ministério
Público ou da autoridade judiciária com consequente não agendamento de audiência preliminar? Se
positiva a resposta, em que situações isso ocorre?
Resposta. Sim. Ocorre basicamente em casos que falta justa causa para prosseguimento, outros
casos que sequer configuram infração penal.
Acrescentou que, a esse respeito, percebe-se que quanto maior a comarca, mais arquivamentos
acontecem.
Pergunta 8. Vossa Excelência deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões
que possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado
a outras considerações que julgar pertinentes.
284

Resposta. A busca pela pacificação social deve ser constante e a utilização de instrumentos como
mediação, justiça restaurativa dentre outros, são de fundamental importância para, independente de
apuração dos fatos já ocorridos, evitar a reiteração.
Todas as questões discutidas na entrevista, que não foram inclusas nas respostas às perguntas
anteriores, encontram-se narradas nos parágrafos abaixo.
O entrevistador explicou que com a mediação feita pela PM, o Juiz teria em mãos um instrumento de
composição que não teria como ser trabalhado nos Juizados, em que as audiências são curtas e
demoram acontecer. Sob a demora, em determinado ponto da entrevista, a entrevistada concordou
que as audiências demoram a ocorrer considerando a data inicial do conflito.
Quanto a serem curtas, também concordou, explicando que existem Juízes que fazem, inclusive,
audiências em massa.
A entrevistada entende como aspectos relevantes [sobre a mediação iniciada mais cedo], de um
lado o conflito está mais aflorado, mas de outro, as pessoas estão resolvendo no ambiente delas,
mais favorável. A partir do momento que se dá seguimento à ocorrência pela Polícia, que é
chamada à Delegacia, orientada a procurar um advogado, quando a pessoa chega à audiência
preliminar no JECrim, algumas pessoas pensam: “já que eu vim até aqui, agora eu vou até o final”.
Assim, torna-se mais complicado resolver. Há casos, por exemplo, com colisão de trânsito, em que
no NECRIM se resolveu somente o valor do carro, mas [se ela tiver que seguir ao JECrim] terá
outras despesas, com advogado, levando a orçamentos mais elevados e mais custos, que
prejudicam o acordo, além da “perda” de mais tempo para resolver o impasse.
Entende, dessa forma, que os acordos obtidos fora do JECrim são viáveis, mas que deve se ter em
mente que talvez não sejam aceitos como título executivo e a pessoa possa ingressar com ação de
conhecimento.
Por sua vez, nos casos de infração penal de ação pública condicionada, o Ministério Público pode
entender que o acordo pode fazer com que se declare extinta a punibilidade, mas se não for integral
o acordo fora do Judiciário, a vítima pode reclamar providências e, nesse caso, oferecer-se-ia a
transação penal e a reparação do dano seria analisada em favor do autor da infração, nos termos do
art. 59 do Código Penal, ou seja, o acordo traria efeitos positivos, porém, sem eventualmente excluir
a discussão sobre o dano integral.
É comum que isso aconteça, que alguém diga que foi enganado no momento do acordo, que foi
atrás do advogado e que agora entendeu direito a questão, mas isso ocorre inclusive em relação a
decisões do Judiciário. Aliás, acrescenta que é comum as partes comparecerem nos JECrims sem
advogados.
A entrevistada entende que todo esse trabalho da PM deve ser visto como um prestígio à vítima,
uma vez que a Justiça Criminal acaba se preocupando mais em punir, em responsabilizar o infrator,
e nem sempre questiona a vítima: o que ficaria bom para você?
A questão da mediação, que acaba sendo ampla nisso, que é ouvir o outro, e a capacitação dos
policiais para isso é importante, porque a pessoa ela quer ser ouvida. Se ela tem um espaço para
isso e o outro fala “nossa, eu não sabia que você tava passando por tudo isso, me desculpa, vou
resolver”. Que está tendo muitas ações de crimes contra a honra por publicação em rede social e
285

muitas vezes a pessoa só quer que a outra pessoa delete aquilo e a esqueça, e a outra vem a dizer
que não sabia que estava incomodando. Então a situação se resolve, muitas vezes com exclusão da
postagem, ou retratação pública, sem indenizações.
Sobre a policial militar servir como agente pacificador, disse de sua experiência no que se refere à
análise de ocorrências referente a acidente de trânsito, nas quais vê que muitos policiais fazem um
registro muito bem feito e se percebe seu caráter pacificador, em que colhem a versão das partes,
tiram fotos do evento, orientam os envolvidos na busca pela resolução, às vezes colhem até dados
de alguma testemunha. De outro lado, há ocorrências que a pessoa reclama que nem foi ouvida
pelo policial.
Entende que é necessário ao policial ter esse olhar, do outro, como ser humano, seja como vítima,
seja como autor do fato. Aliás, lembra, em acidente de trânsito, quando se tem lesão corporal, o
causador já é considerado autor, mesmo que ele esteja certo e seja, na verdade, uma vítima. É
necessário que no atendimento desse tipo de ocorrência, já no meio do conflito, o responsável pelo
atendimento não deve ser mais um vetor do dissenso e sim manter uma postura no sentido de
acalmar os envolvidos, se vai ou não resolver-se o conflito naquele momento isso será uma
consequência. Mesmo que não se resolva ali, acalmar e orientar as partes já se configura na
pacificação social que se busca.
Sobre a capacitação do mediador/conciliador, pontuou que muitas vezes as questões acabam sendo
resolvidas mais por profissionais ligados a outras áreas de conhecimento, como psicologia e
sociologia, do que pelos que tem formação em Direito, que acabam vendo o conflito de uma ótica
mais jurídica.
Isso sugere que, no que se refere da Polícia fazer a mediação, ter que se ouvir um lado, ouvir o
outro, e na linha tênue entre a conciliação e mediação, a terceira pessoa introduzir de forma sutil
uma possibilidade de solução, colocando um “e se” na discussão. Isso porque muitas vezes as
partes estão propensas a fazer o acordo, mas não dar o braço a torcer, porém, acabam
concordando, quando essa solução vem do terceiro.
Sobre a proposta da tese do entrevistador, a magistrada entende que está na vanguarda do direito,
que há resistências, mas que estão sendo vencidas, aliás, bem mais rápido do se imaginava.
E isso se mostra melhor, há de se buscar a solução, ouvir as partes, e essa preocupação da Polícia
pensa que resguarda a própria vítima, porque no aspecto criminal, o ofendido chega ser ouvido na
audiência e pergunta “quando é que vou receber?” e lhe é dito que não irá receber, que vai se punir
o autor, caso clássico de estelionato. Então, a vítima se sente mais lesada ainda.
Sobre a mediação da PM, posiciona a favor, mas com todas as considerações que foram feitas, a
exemplo da inafastabilidade da jurisdição.
286

APÊNDICE III – Entrevista com o Doutor Gustavo Yamaguchi Miyazaki


Promotor de Justiça Titular na Comarca de Palestina, SP

Data: 27/08/2020
Horário: 18h20
Tipo de entrevista: Semiestruturada, com perguntas enviadas antecipadamente
ao entrevistado; após entrevista pessoal, as respostas foram
anotadas e transcritas pelo entrevistador e revisadas pelo
entrevistado.

Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:

Breve currículo do entrevistado


Promotor de Justiça Titular na Comarca de Palestina;
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP);
Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Turma de 1997;
Ingressou no Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) em 2000.
Pergunta 1. No atendimento de ocorrência policial que envolva infração penal de menor potencial
ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, é comum o ofendido se manifestar,
de forma veemente, pelo não registro de ocorrência. Pergunta-se: segundo compreensão de Vossa
Excelência, nessas situações, o policial militar deve registrar o Boletim de Ocorrência ou Termo
Circunstanciado, mesmo contra a vontade do ofendido, ou deve entender que se trata de um direito
subjetivo da vítima, que não pode ser obrigada a fazer tal registro? Quais os motivos que justificam
uma medida ou outra?
Resposta. Nesses casos, respondeu o entrevistado que, diante da negativa do ofendido, deve-se
registrar o Boletim de Ocorrência. Como exemplo, citou um acidente de trânsito com vítima, com
resultado de lesão corporal, envolvendo duas pessoas que se conheçam ou que se trataram bem.
Faz-se o registro da ocorrência para efeitos civis (para seguradora etc.), para se ter uma
documentação oficial a respeito, mas não se lavrará TC sobre isso.
Entende que não há necessidade de homologar esse acordo para extinção da punibilidade, mas não
vê óbice aos acordos do CEJUSC, homologados por Juiz civil, também serem utilizados no JECrim.
Sobre a presente questão, o entrevistado entende que, nos crimes de ação penal pública
condicionada e privada, a representação é condição de abertura de qualquer procedimento criminal
e nem o Ministério Público pode requisitar a instauração de Termo Circunstanciado ou de qualquer
outro ato investigatório sem que haja manifestação expressa do ofendido.
O que lhe parece necessário distinguir é a parte criminal e a parte administrativa policial, porque o
287

Termo Circunstanciado é um procedimento investigatório policial e vai ser levado ao conhecimento


do Ministério Público, porque tem um fato típico com todas as questões de investigação da
ocorrência policial.
Mas não vê problema no registro da ocorrência policial para controle interno da Instituição, para se
ter um histórico daquilo que foi feito e do trabalho desempenhado pelo policial, mas, do ponto de
vista processual, sem a representação da vítima não se deve fazer nada.
Pergunta 2. Nos casos envolvendo infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja
pública incondicionada, Vossa Excelência entende que há campo para a composição civil de
eventual dano moral e/ou material e que, eventualmente, pode ser cabível mediação baseada nas
práticas restaurativas? Quais os motivos que justificam a resposta?
Resposta. Nos casos de ação penal pública incondicionada não é usual fazer composição civil, a
menos que as partes manifestem interesse nesse sentido, porém, não vê problema nenhum em que
seja feita a composição civil fora do processo. Como por exemplo, citou que no caso de uma
contravenção penal, se a parte informar que fez algum acordo, pode-se homologá-lo. Mas esse
acordo cível não irá influenciar em nada na transação penal.
Mesmo porque, na transação penal, em São José do Rio Preto, o que se tem feito é a prestação
pecuniária por parte do autor da infração, destinada a um Fundo Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente. Logo, o acordo civil não vai repercutir na transação penal, que uma vez decidido
pelo pagamento em pecúnia, o valor será destinado ao referido fundo.
Disse que a composição civil só será realizada em infração de ação penal pública incondicionada se
assim vier prevista em lei, como ocorre, por exemplo, nos crimes ambientais, por força dos artigos
27 a 28 da Lei nº 9.605/98, que preveem a extinção da punibilidade e tratam de duas situações: o
crime ambiental e o dano ambiental.
O crime ambiental resolve-se com a transação penal, mas esta só ocorre com a composição civil
relativa ao dano ambiental. É o que ocorre, por exemplo, com as Usinas de Cana de Açúcar e as
agroindústrias, em cuja investigação deve-se recolher o Termo de Compromisso de Recuperação
Ambiental (TCRA).
Dessa forma, não há espaço na lei para se realizar a composição civil nos casos de crimes de ação
penal pública incondicionada.
Embora, porém, não seja obrigatória, nada impede que seja feita fora do processo e venha a ser
homologada pelo Juiz.
Assim, se houver espaço poderá ser feito o acordo, até mesmo porque paralelamente a causa será
encaminhada ao judiciário. E o acordo feito poderá ser encaminhado e ser até mesmo relevante
caso o TC tenha continuidade, pois o Juiz poderá usar eventual acordo de reparação de dano e
levá-lo em consideração para fixação da pena, nos termos do artigo 59 do Código Penal, ou até
mesmo para análise quanto a arrependimento posterior.
Pergunta 3. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas de Economia Aplicada (IPEA) de
2015, assim como coleta de dados secundária das estatísticas do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), verifica-se que as composições civis nos JECrims apresentam-se abaixo de 8,4% em
relação ao total de audiências realizadas (este o percentual mais alto encontrado em nossa
288

pesquisa). Pergunta-se: segundo a experiência de Vossa Excelência, a que se deve tal fenômeno e
por que isso ocorre?
Resposta. O baixo número de composições dá-se porque, às vezes, quando o TC chega ao Fórum,
não há parâmetro para fazer a negociação.
Em um crime de acidente de trânsito têm-se danos cessantes, danos morais, danos patrimoniais,
danos estéticos. Às vezes nem o Juiz nem a vítima tem condição para negociar. Nessas situações, o
próprio entrevistado orienta para não se dar o seguimento à conciliação por não haver parâmetros
para esse acordo, pois o que se fizer naquele momento poderá ser alterado, porque as premissas
desse acordo não serão as mesmas da sua realidade atual.
Há ainda danos ocultos que podem surgir na evolução de uma doença da pessoa.
Na maioria das vezes, principalmente nos casos de ação penal pública condicionada à
representação que envolve relações contínuas - lesão corporal entre vizinhos, entre pessoas que já
possuíam uma animosidade pretérita -, uma parte não aceita fazer acordo com a outra naquele
momento. Mesmo que esteja em posição desfavorável naquela situação, a parte (autora) não se vê
como a causadora de dano.
Nesses casos, apesar das tentativas, percebe-se que se perde tempo e se consegue um percentual
muito baixo de composições, como citado na pesquisa.
Isso ocorre não por falta de tentativa, mas porque a lide não permite em dado momento fazer-se
uma composição de danos, porque a relação envolve sentimento, envolve emoção, e não é só
questão de valor.
Como exemplo comum, o caso em que uma pessoa agride outra, uma dificilmente aceitará pagar ao
(à) rival. Isso é muito raro acontecer.
Isso ocorre porque uma pessoa não aceita, porque acha que está perdendo para a outra. A primeira
pergunta que a parte autora faz é: “vou ter que pagar para quem, para ela [a outra parte] ou para
vocês [o Juizado]?" Nessa situação, explica-se que o pagamento não será feito necessariamente à
outra parte, mas para colaborar com o Fundo da Criança e Adolescente, AACD ou APAE, tornando
mais fácil se conseguir a transação e não a composição. Porque na composição a pessoa está
pagando para a outra parte e na transação paga a uma entidade de caridade.
Em casos como lesão corporal de trânsito, com dano pequeno, ainda se consegue algum sucesso,
porque se tem ideia do que esteja acontecendo, mas quando a lide não envolve somente a questão
patrimonial - e daí vem a ideia de composição civil - é praticamente impossível fazer o acordo na
prática dentro do JECrim.
Nesse ponto, o entrevistado vê que os juízes mais novos, os que têm formação mais recente,
entendem e percebem que o problema não é só jurídico, que tem que pacificar, que “o caminho é
esse aí mesmo”.
Pergunta 4. Em São José do Rio Preto, o NECRIM da Polícia Civil tem feito conciliações nos casos
de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada.
Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável o aproveitamento pelos JECrims desse tipo de
acordo e sua homologação para os fins dispostos no parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. Aqui, em sua resposta, o entrevistado além do NECRIM, incluiu também os Núcleos de
289

Mediação Comunitária da Polícia Militar. Em suma, entende que é viável o aproveitamento de


acordos, obtidos pela Polícia Civil e pela Polícia Militar, relativos às infrações penais de menor
potencial ofensivo pelo JECrim. Mas frisa o entrevistado que seu entendimento não é um unânime.
A grande questão, que gera dúvida quanto à validade das composições feitas pela Polícia Militar ou
Polícia Civil para efeitos penais, reside no artigo 72 da Lei nº 9099/95, de cuja leitura obtém-se a
ideia de que deverão estar presentes na audiência preliminar os responsáveis civis, os advogados e
o Juiz.
O entrevistado trouxe como exemplo um acidente de trânsito envolvendo um ônibus, em que, na
audiência preliminar, poderiam ter que participar da conciliação o proprietário da empresa e a
seguradora. No caso de São José do Rio Preto, as audiências preliminares ocorrem em uma única
sessão, no espaço de 10 a 20 minutos, uma seguida da outra. Essa audiência teria que acolher Juiz,
responsáveis civis, advogado, etc. Diante disso, o entrevistado discorda da oposição aos acordos
provenientes das Polícias. Entende que a interpretação que dão ao citado artigo 72 não está de
acordo com a finalidade da Lei. Entende também que o Juiz não é a única pessoa capaz de fazer a
conciliação, o qual deve observar, mas não fazer parte desse acordo.
Outro exemplo ao qual recorreu o entrevistado: uma cena de trânsito envolvendo dez pessoas
lesionadas. Diante de tal situação, o entrevistado pergunta quem seria o responsável civil e como se
faria um acordo desse tipo.
Assim, o entrevistado diz que, numa situação dessas, a primeira informação que irá buscar na
audiência preliminar é se já existe algum acordo. E se existir, não importar quem o tenha feito, irá
requerer a sua homologação ao Juiz. Segundo o entrevistado, pode ser questionado que o acordo
não foi feito na presença do Juiz, mas este nem sempre se trata de um bom conciliador.
O entrevistado levantou o questionamento sobre o que se quer: a judicialização ou a ampliação
desses acordos?
O Promotor alerta que aceitar essa situação é muito difícil para um Juiz Criminal, que na realidade
não é muito afeto à audiência preliminar, porque ele não é Juiz Cível. A Lei nº 9099/95 deu ao Juiz
Criminal um papel que lhe é estranho de pacificação social e de resolução da lide.
O entrevistado diz que é difícil para o Juiz Criminal, acostumado em dar sentença penal
condenatória, passar a ter que fazer, com a chegada da Lei nº 9099/95, a conciliação civil. Isso não
é compreendido facilmente por um Juiz Criminal, ou por um Promotor Criminal, os quais deveriam
também passar por uma atualização, para internalizar que o papel da Lei nº 9099/95 não é somente
de despenalização, mas também de pacificação.
Pergunta 5. Segundo nosso estudo a mediação, como uma das práticas de Justiça Restaurativa,
atine a causas penais. Pergunta-se: Vossa Excelência entende que as mediações comunitárias e
as conciliações promovidas pela Polícia Militar podem ser utilizadas como práticas restaurativas nos
casos de infrações penais de menor potencial ofensivo?
Resposta. Entende que sim. O entrevistado fala a importância das práticas restaurativas e cita
como exemplo os casos de vizinhança. A prática mostra que nos conjuntos habitacionais, cujas
residências não apresentam muro de separação e os limites são muito próximos, o índice de
conflitos é muito alto. Entende que ali a prática restaurativa é importante.
290

Nos casos mais graves, o entrevistado vê a prática restaurativa alcançando a pessoa que sai da
cadeia ou de algum lugar onde se encontrava socialmente contida, de forma a retorná-la ao convívio
social. Entende que isso pode ser aplicado não somente nos delitos mais graves, mas a tudo.
Em outro trecho da entrevista, o entrevistado também fala sobre a justiça, no que atine à atividade
restaurativa, que há limites legais e parâmetros constitucionais e processuais a se observar, e
dentro desse olhar, pode se dar um novo perfil e um novo enfoque do atendimento.
Pergunta 6. Sabe-se que a mediação iniciada imediatamente pela Polícia Militar, no sentido de
pacificar o conflito, estabelece vínculo de confiança entre as partes, o que pode levar a um acordo
de composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC e seu aproveitamento pelo JECrim, em especial, para extinção da
ação penal, nos termos do parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. O entrevistado responde não ver óbice nesse sentido. Seu entendimento é de que o
acordo de composição de danos não precisa de homologação e serve para extinção da punibilidade.
Sobre os acordos feitos pelo CEJUSC, o seu posicionamento é de que não só podem, como devem
ser aproveitados para os fins do artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9099/95.
Como exemplo, pontuou que seu procedimento é no sentido de que, se as partes fizerem o acordo
na seguradora no caso de acidente de trânsito com vítima, no seu entendimento, isso já significa
que está extinta punibilidade. É pacta sunt servanda. Se a seguradora pagou os danos patrimoniais,
e o beneficiário assina o termo de quitação dos danos para poder receber o valor, já estará extinta a
punibilidade. Pelo que sabe, a maioria dos Promotores da região adotam essa prática.
Pergunta 7. Existem situações de arquivamento do Termo Circunstanciado por parte do Ministério
Público ou da autoridade judiciária com consequente não agendamento de audiência preliminar? Se
positiva a resposta, em que situações isso ocorre?
Resposta. A primeira manifestação do Ministério Público, ao receber um Termo Circunstanciado, é
no sentido de verificar se é ou não caso de arquivamento. A audiência preliminar pressupõe a
existência de justa causa, ou seja, elementos de autoria e de materialidade delitiva.
Não havendo justa causa, ocorrerá o arquivamento e não haverá a audiência preliminar.
Nesse sentido, essas são as fases que envolvem as propostas do Ministério Público em relação a
uma infração de menor potencial ofensivo: arquivamento; proposta de transação penal; suspensão
do processo mediante acordo de não persecução penal; suspensão condicional do processo.
No entanto, se o registro do Termo Circunstanciado não oferecer elementos probatórios de autoria e
materialidade, desde logo ocorrerá o arquivamento e a não realização da audiência de custódia.
Pergunta 8. Vossa Excelência deseja fazer considerações gerais, incluindo críticas e sugestões que
possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado a
outras considerações que julgar pertinentes.
Resposta. Incluem-se neste campo as considerações do entrevistado que não foram constadas nas
questões anteriores.
Disse que trabalha com a Lei nº 9099/95 desde a sua fundação, com a criação de Juizados
291

Especiais Criminais. Lembrou que, em São Paulo, ainda como Oficial de Justiça, as causas
criminais passíveis de detenção e reclusão eram encaminhadas para o Fórum Central “Mário
Magalhães”, enquanto os pequenos delitos e as contravenções eram distribuídos aos Fóruns e
Varas regionais, ocasião em que os crimes de lesão corporal dolosa e culposa eram de ação penal
pública incondicionada.
Que essas infrações menores muito sobrecarregavam a Polícia Militar e a Polícia Civil, pois não
existia naquela época o Termo Circunstanciado e, nesses casos, instaurava-se Inquérito.
Uma simples abordagem por falta de habilitação, à época uma contravenção penal, partida de uma
simples abordagem de rotina do policial militar, obrigava o Delegado a instaurar Inquérito Policial e
seguir o processo criminal, com a sentença do Poder Judiciário, a sentenciar o indivíduo, para
absolvição ou condenação.
Tudo isso gerava muito trabalho, deixando em aberto a questão: como seria hoje se tudo
continuasse como antes da Lei nº 9099/95, diante da conflituosidade que a sociedade vem
enfrentando?
Diante dessa realidade, afirmou que, sem dúvida alguma, a melhor solução para esses delitos de
bagatela, de menor potencial ofensivo, é a conciliação. Que a causa penal perde relevo quando se
consegue atingir a finalidade da Justiça que a pacificação social.
Disse que não se consegue a pacificação com a resposta penal, que deve haver muito mais que
isso, no sentido de resolver a lide que é muito maior do que o objeto do processo que está sendo
discutido.
Ressaltou que não é mais possível a judicialização de tudo e de tratar de situações que tenham
fundo social e de relacionamento dentro de uma Justiça penal que não tenha por pensamento a
pacificação social.
A Lei nº 9099/95 foi muito discutida, mas se percebe que havia muita filigrana acadêmica e falta de
praticidade no que concerne a entender a norma processual para o fim consensual, voltada a uma
justiça restaurativa.
Entende que é preciso que deixe de ser uma Justiça Criminal voltada ao interesse do Estado de se
punir o fato para se tornar cada vez mais uma Justiça negociada, uma Justiça Penal com base no
consenso.
Dentro desse panorama, o entrevistado vê a conciliação como alternativa dentro da Justiça penal. E
não só conciliação, mas a mediação dos conflitos. E haverá que se elegerem os atores sociais e
institucionais que vão trabalhar nesse sentido.
Disse que vê a conciliação, inevitavelmente, como um dos instrumentos que vai ocupar espaço
dentro de uma Justiça Penal consensual e negociada e que a grande questão que surge é como
viabilizá-la e quais serão as Instituições e os atores que atuarão nesse novo cenário.
Inferiu que se o pensamento residir somente no tradicional, na questão da indisponibilidade da ação
penal, no princípio da obrigatoriedade, nas questões estanques de cada Instituição, nas funções
consideradas como privativas na Constituição Federal, nunca se conseguirá construir um modelo
consensual de Justiça.
Nesse sentido manifestou concordância com o modelo de pensamento estabelecido pelo autor desta
292

tese e que deve ser pensado o papel das Instituições nessa nova situação.
Entende que não se pode pensar que a Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Poder
Judiciário são engrenagens isoladas dentro do sistema de Justiça. Na verdade, todos fazem parte
do Estado, compõem do poder estatal e são partes da administração da Justiça.
Que existe uma parcela da soberania que será exercida pelo Judiciário, mas este terá que participar
desse novo cenário, porque a decisão judicial deveria ser sempre a última hipótese a ocorrer, mas o
que se percebe é que a judicialização dos casos está cada vez mais se tornando uma premissa e
não um fim em si mesmo. Que o Poder Judiciário está sendo levado a decidir todos os casos,
refletindo uma sociedade atual doente.
Entende que atualmente há um processo de grande degradação moral/social, que o individualismo
tem prevalecido.
O entrevistado sugeriu a leitura de alguns autores fora do cenário jurídico para entender como estão
as relações humanas e quais as situações que o policial militar lida no dia a dia, o qual acaba, às
vezes, fazendo parte das situações que atende, o que o leva a uma resposta não muito adequada -
uma “resposta militar” para o conflito.
Indicou a pesquisar o autor polonês chamado Zygmunt Bauman, falecido recentemente em 2019,
que foi quem mais escreveu sobre relações humanas no Século XXI, na chamada pós-modernidade,
em que se observa relações pessoais efêmeras, em que se procura resolver as questões em um
curto espaço de tempo.
Assim, todas as discussões passam por isso e é dentro desse contexto que serão levadas à
mediação e à conciliação, devendo se entender o papel de conflituosidade decorrente dessas
relações “curtas”, como ocorre nos acidentes de trânsitos e em brigas nas quais as pessoas sequer
se conhecem.
O entrevistado relatou sua experiência durante visita ao Canadá, quando passou por algumas
cidades, onde não viu nenhum Fórum ou base similar a uma Delegacia. Percebeu uma situação
muito diferente daqui, em que o policial – que equivaleria ao nosso policial militar - é autoridade na
rua. E esse policial resolve todos os problemas diários ocorridos na rua, como, por exemplo, a briga
de vizinhos. E praticamente nada é levado ao Judiciário, que naquele país é um recurso
extremamente caro. Por isso as pessoas se socorrem da Polícia para resolver as questões. Que o
policial é muito respeitado porque o que fala é praticamente lei, e isso dá muita força no sentido de
pacificação dos conflitos no local e na hora. Daí vê-se que o policial de lá está preparado para
receber essa carga emocional.
No Brasil além da institucionalização das Polícias, os papéis são vistos de forma estanque.
O entrevistado entende que deveria haver em nosso país, disponível à sociedade e para atender
àqueles que estão envolvidos em situações de conflito, algo semelhante a um Centro de
Atendimento dessas ocorrências (conflitos), similar ao “Poupatempo”, onde a pessoa pode fazer o
RG, pagar a multa, licenciar veículo e ir ao banco. Entende que esses Centros de Atendimentos
poderiam englobar diversos órgãos e atores sociais – como assistente social, psicólogo, policial
militar - voltados à solução desses casos, principalmente nas cidades maiores, para que essas
situações não se percam no tempo, porque um dos grandes problemas relativos a esses conflitos
293

pequenos decorrentes de relação continuada é que, até haver uma resposta judicial, a situação já é
outra, já piorou ou aconteceram várias outras coisas até se chegar a primeira audiência preliminar.
Que a pessoa é vista como um problema na sociedade, quando não deveria ser tratada como um
criminoso. Dá-se uma solução tardia para um problema que deveria ser resolvido lá atrás.
O entrevistado diz que enxerga hoje que a Polícia Militar tem sido a primeira porta de entrada para
busca de soluções de conflitos, não são só criminais, mas também conflitos sociais familiares de
relação continuada, em que a polícia não está preparada, pois não foi criada para isso. É fato que
está recebendo essas demandas e precisa haver um novo perfil de atendimento por parte da Polícia
Militar, com pessoal preparado para repressão de ocorrências graves, assim como também para
atendimento no varejo dessas pequenas infrações.
Lembra que, às vezes, uma ocorrência é pequena e acaba se tornando uma ocorrência
extremamente grave. Já viu isso acontecer, em um processo de desenvolvimento da agressividade
da pessoa, o policial, de testemunha, de agente pacificador, acabou sendo vítima da ocorrência.
Daí reflete o entrevistado: será que se está preparado para esse tipo de abordagem? Às vezes,
nessas ocorrências o policial pode ser visto como um intruso, uma pessoa que vai até o local
atrapalhar a relação das partes.
Deve-se, por isso, ter o policial esse perfil apaziguador, solucionador de conflitos, principalmente
cidades menores, onde tem que ser respeitado como autoridade.
Nesse panorama, o entrevistado gosta da ideia: da mediação e do uso da prática restaurativa.
O próprio entrevistado assume que procura adotar esse tipo de comportamento apaziguador,
exemplificando sua atuação em São José do Rio Preto, situação que é observada por seus colegas
que demonstram até mesmo perplexidade com tal forma de resolver os casos.
Entende que se o Promotor chega a uma audiência e intimida a pessoa, não vai conseguir
solucionar o caso. Mas terá maior possibilidade de sucesso se assumir uma posição de diálogo,
demonstrando as vantagens que o autor do fato terá, de forma a perceber que está sendo
“medicada”, mesmo constando como autor de um delito.
Às vezes o autor do fato é um médico, um policial, uma pessoa de bem, pessoas que nunca
compareceram em Fórum e não podem ser tratadas como criminosas contumazes.
Disse não ter dúvida que seria útil na audiência preliminar trazer-se a composição já ajustada, pré-
negociada, “mastigada”. Que não tem dúvida que as composições feitas, quanto mais houver
melhor, não importa quem as faça.
Reflete ainda sobre a necessidade da busca da qualidade para as mediações e conciliações, seja
por policiais militares, seja por policiais civis.
Exemplifica que no caso de um acordo feito por parte que seja menor de idade ou incapaz o
Ministério Público não vai homologá-la, pois as partes não foram devidamente representadas.
Necessário, assim, entender as questões institucionais de cada um dos atores. Pergunta: Será que
esses acordos estão indo ao JECrim com a qualidade? Será que o policial civil ou militar está
preparado fazer aquele acordo?
Deve-se pensar que o policial civil ou militar também vai ter que chamar às conciliações o
responsável civil, entender o papel de cada um dos envolvidos inclusive, se houver necessidade, a
294

assistência jurídica. O advogado vai se sentir à vontade de realizar um acordo perante policial civil
ou policial militar?
As Instituições que vão ter que responder a isso e dizer se conseguem cumprir esse papel. Preparar
os policiais para fazer isso é essencial e se não houver esse preparo não se conseguirá chegar a
esse objetivo.
O perfil do policial deve-se ajustar a essas novas tendências de ocorrência e a Polícia Militar deve
passar por esse processo de renovação, compreendendo as grandes ocorrências policiais e as
banais. Advém-lhe a ideia de que o policial parece estar preparado para fazer repressão, mas não a
interveniência de outra forma. Se ele possuir essa informação, essa preparação – e aqui diz o
entrevistado que não sabe como a Polícia Militar, enquanto Instituição, vê isso - e ter acesso a aulas
com sociólogos, com pessoas ligadas aos Direitos Humanos e à Psicologia, a fim de ver o outro
lado, certo quer irá contribuir para melhora da Instituição, de forma a instruir o policial a usar a
cabeça em primeiro lugar e a arma em último caso.
O policial deve ter a vivência, de forma a entender que ele não pode ser parte da ocorrência e que
deve estar acima do problema.
Na sua ótica, o entrevistado vê que os policiais militares, de forma geral, são bons, que têm
vocação, que não buscam na Polícia somente um emprego, mas que querem efetivamente ser
policiais e isso é muito importante para a carreira. E o que diferencia a Polícia Militar de tudo, e que
é essencial, são a hierarquia e disciplina, porque sem isso não se chega a lugar nenhum.
Por fim, sobre os CEJUSC, entende que foram maravilhosos para o Poder Judiciário e têm
funcionado muito bem, as partes os estão aceitando e entendendo que é uma forma de resolver os
seus problemas. Os Núcleos têm surtido bastante efeito e a litigiosidade diminuiu. Por isso, é a favor
de criar esses Núcleos.
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APÊNDICE IV – Entrevista com Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins


Comandante do 17º Batalhão de Polícia Militar do Interior – São José do Rio Preto

Data: 28/08/2020
Horário: 18h00
Tipo de entrevista: Estruturada, com respostas transcritas pelo próprio
entrevistado.

Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Senhoria a valorosa contribuição no sentido
de responder à pauta de entrevista a seguir:

Breve currículo do entrevistado


Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo;
Comandante do 17º BPM/I, em São José do Rio Preto, SP;
Mediador/Conciliador certificado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
Instrutor nos cursos de formação e aperfeiçoamento de Oficiais e Praças da Corporação;
Tutor de Ensino a Distância (EaD) dos cursos da Secretaria Nacional de Segurança Pública
(SENASP);
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP). Mestre em Ciências Policiais de Segurança
e Ordem Pública (CAES/PMESP);
Pós-graduado em Segurança Pública pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC/RS);
Extensão Universitária em Gestão Organizacional em Segurança Pública e Justiça Criminal pela
Universidade de São Paulo (USP).
Pergunta 1. Segundo a experiência do entrevistado, quais os maiores obstáculos que encontrou
para implantação e mantença, primeiramente do NUMEC e, posteriormente, do NUMEC/CEJUSC,
nas OPM em que trabalhou?
Resposta. Segundo a experiência profissional deste Oficial, os maiores obstáculos
encontrados para implantação e manutenção do Núcleo de Mediação Comunitária
(NUMEC) e do Núcleo de Mediação Comunitária/Centro Judiciário de Solução de Conflitos
e Cidadania (NUMEC/CEJUSC), foram inicialmente, em 2013, para a implantação do
NUMEC, a falta de legislação sobre mediação e a escassez de material didático sobre o
tema, para utilização na capacitação, treinamento e conscientização dos policiais militares;
os poucos cursos disponíveis em EaD da SENASP; a falta de experiência dos gestores e
inovação do programa, não havendo parâmetro adequado para seleção e escolha dos
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policiais militares mediadores, aliado ao fato de que, a Nota de Instrução alusiva ao tema
foi editada concomitante à implantação do programa NUMEC no âmbito do Comando de
Policiamento do Interior - Cinco (CPI-5). Posteriormente, em 2019, com a criação do
NUMEC/CEJUSC, já estava em vigência a Lei de Mediação, o Convênio com o Poder
Judiciário e a Nota de Instrução no âmbito da PMESP, sendo adotados os preceitos da
Resolução nº 125 do CNJ que aduz sobre cursos de capacitação, treinamento,
aperfeiçoamento dos mediadores e conciliadores. Penso que ainda falta consolidar o
Programa de Mediação Comunitária no âmbito da Instituição, principalmente nas
Organizações Policias Militares (OPM) da capital do Estado, como disciplina de relevância,
a fim de quebrar paradigmas e preparar adequadamente os policiais militares para adoção
de um padrão procedimental e adotar uma nova estratégia organizacional para a
administração do conflito que poderá trazer, como benefício adicional, a melhoria
significativa da percepção que a população tem do trabalho policial, aumentando os níveis
de confiança e credibilidade, alinhada à filosofia de polícia comunitária, na prestação de
serviços de prevenção e atendimento das demandas originadas do telefone 190,
otimizando o relacionamento com a comunidade.
Pergunta 2. Para a expansão dos NUMEC e CEJUSC, baseado na sua experiência profissional,
quais as recomendações que tem para os Comandantes de OPM da PMESP?
Resposta. Os NUMEC/CEJUSC vêm se desenvolvendo na PMESP como uma forma efetiva de
solução dos conflitos, agindo de forma rápida e indo ao encontro dos anseios da população, que
busca sempre uma pronta resposta aos seus mais diversos litígios. Nas regiões do Estado que
estão implantando esse programa, recomendo que selecionem com esmero os policiais militares
com aptidão para atuarem como mediadores, atendendo às necessidades da sociedade em que
estão inseridos, pois, se trata de atividade voluntária e especializada, com cursos de reciclagem
permanentes, que exige preparação, atenção e diligência, buscando formação e atualização
constante para o seu exercício, não podendo haver escolhas erradas desses profissionais, haja
vista, que a PMESP tem como missão precípua e constitucional a polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública (art. 144, § 5º, CF), e em decorrência dessa atribuição, a busca pela pacificação
social tornou-se o principal objetivo da Instituição.
Pergunta 3. Com base em sua experiência profissional em Batalhões operacionais da PMESP,
incluindo o período atual como Comandante do 17º BPM/I, qual o impacto do emprego de policiais
militares na conciliação e mediação no policiamento ostensivo? Quais os motivos que fundamentam
sua resposta?
Resposta. Com base na minha experiência profissional em Batalhões operacionais da PMESP, é
possível concluir que o NUMEC implantado e desenvolvido na cidade de São José do Rio Preto -
SP, área do 17º BPM/I, previne pequenas desavenças, especialmente envolvendo familiares e
vizinhos que evoluem para episódios mais graves, evitando a espiral de violência, contribuindo de
maneira eficaz e efetiva para o serviço operacional da Corporação em nossa cidade, otimizando o
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emprego de recursos humanos e meios materiais para o exercício da polícia ostensiva, visto que, as
ocorrências que impactam o atendimento do telefone 190, como agressões, ameaças, condutas
inconvenientes, perturbações de sossego, ou seja, conflitos de proximidade e vizinhança tiveram
expressiva redução no decorrer dos anos, concorrendo para que as ligações para o Centro de
Operações da Polícia Militar (COPOM) por meio do telefone 190 diminuíssem, possibilitando que as
Unidades de Serviço (US) fossem desincumbidas dessas ocorrências e liberadas para o
patrulhamento, potencializando o policiamento ostensivo e redução dos índices criminais em nossa
cidade.
Pergunta 4. Qual a percepção do entrevistado sobre a visão que o Ministério Público, o Poder
Judiciário e a sociedade em geral tinham, e agora tem, sobre a mediação e a conciliação
promovidas por policiais militares por meio dos NUMEC e CEJUSC?
Resposta. No mês de julho de 2013, todos os NUMEC na área do CPI-5 foram inaugurados,
atendendo a uma população de 1,5 milhão de habitantes. Todas as solenidades contaram com a
presença e apoio de representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da Ordem
dos Advogados do Brasil, Ministério Público e Comunidade Acadêmica. Em abril de 2019, também
não foi diferente a solenidade de inauguração do NUMEC/CEJUSC no 17º BPM/I que foi bastante
prestigiada pelas autoridades mencionadas. Por isso, a minha percepção sobre a visão que o
Ministério Público, o Poder Judiciário e a sociedade em geral têm sobre a mediação e a conciliação
promovidas por policiais militares por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC são as melhores
possíveis, emergindo como uma das mais promissoras oportunidades de que as Instituições de
Segurança Pública têm em mãos para demonstrarem o quanto seus integrantes são profissionais e
podem contribuir para uma sociedade mais justa e fraterna e na construção do verdadeiro Estado
Democrático de Direito.
Pergunta 5. Nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo, sem prejuízo das
providências cabíveis ao Juizado Especial Criminal (JECrim), o NUMEC/CEJUSC poderia atuar e
colaborar de forma a pacificar a relação entre as partes, a dar mais agilidade na composição civil
dos danos e a prevenir eventos delituosos ou conflitos futuros em prol do policiamento ostensivo?
Quais os motivos que fundamentam sua resposta?
Resposta. Nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo, sem prejuízo das providências
cabíveis ao JECrim, o NUMEC/CEJUSC poderia atuar e colaborar de forma a pacificar a relação
entre as partes, a dar mais agilidade na composição civil, pois a mediação de conflitos é mais
abrangente, é um meio não hierarquizado de solução de controvérsias em que duas ou mais
pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador, expõem o problema, são escutadas e
questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e,
eventualmente, firmar um acordo. É uma importante ferramenta para a promoção do
empoderamento e da emancipação social. Por meio dessa técnica, as partes direta e indiretamente
envolvidas no conflito têm a oportunidade de refletir sobre o contexto de seus problemas, de
compreender as diferentes perspectivas e, ainda, de construir em comunhão uma solução que
possa garantir, para o futuro, a pacificação social.
Pergunta 6. O entrevistado entende como possível, desde que feita antes da audiência preliminar
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do JECrim, que este possa aproveitar a composição civil homologada pela autoridade judiciária do
CEJUSC, para fins de extinção da ação penal de infrações de menor potencial ofensivo nos termos
do art. 74, parágrafo único da Lei nº 9099/99?
Resposta. A mediação insere-se no escopo de atuação preventiva da Polícia Militar do Estado de
São Paulo, no entanto, entendo possível, desde que feita antes da audiência preliminar do JECrim,
que se possa aproveitar a composição civil homologada pela autoridade judiciária do CEJUSC, para
fins de extinção da ação penal de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 74,
parágrafo único da Lei nº 9099/95.
Pergunta 7. Quanto à capacitação dos mediadores e conciliadores pela Polícia Militar, quais os
problemas que Vossa Senhoria vislumbra? São formados em número suficiente para atender a
demanda ou para cobrir eventuais afastamentos de mediadores/conciliadores? A formação do
policial militar para atuar como mediador/conciliador, desde seu ingresso na PMESP, auxiliaria no
sentido de que não haja solução de continuidade das mediações/conciliações na Instituição?
Resposta. Não vislumbro problemas em relação à capacitação dos medidores e conciliadores da
PMESP, mesmo com o advento do Termo de Cooperação entre Tribunal de Justiça e o Governo do
Estado de São Paulo, em outubro de 2018, em que o policial militar mediador, enquanto
solucionador pacífico dos conflitos, deve ser capacitado nos termos da Resolução 125/2010 do CNJ,
pois, o método da mediação e da conciliação supõe valores, técnicas e habilidades que devem ser
desenvolvidas em cursos de capacitação e práticas supervisionadas com várias abordagens. Penso
que facilitaria, e muito, se o policial militar, desde a sua formação tivesse o curso de
medidor/conciliador nos termos da aludida resolução, para que não houvesse solução de
continuidade do Programa Mediação Comunitária na Instituição, a fim de que possa pacificar e
equalizar entre Oficiais e Praças a doutrina a ser utilizada na PMESP, disseminando suas rotinas,
dotando o policial militar dos conhecimentos legais que embasam a sua atuação, tornando-o apto a
atuar como mediador comunitário.
Pergunta 8. Vossa Senhoria deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões que
possam auxiliar na consecução da presente pesquisa?
Resposta. A mediação comunitária não busca substituir o Poder Judiciário, tampouco visa diminuir
o número de processos, pois, é atividade comunicativa e pacificadora. A mediação/conciliação está
em franco desenvolvimento no Brasil, potencializada pela Lei de Mediação e pelo Novo Código de
Processo Civil, tendo alcance social maior, propondo a desconstrução dos conflitos, sejam eles
atuais ou potenciais, restaurando a relação entre as pessoas e a construção de uma solução,
fomentando a cidadania e a contenção de conflitos interpessoais na sua origem, evitando assim, a
eclosão da violência e crimes graves. Em suma, evitando pequenos desentendimentos, evita-se a
espiral da violência. A PMESP pedagogicamente alavanca com a implantação dos
NUMEC/CEJUSC, um movimento de construção do verdadeiro senso de pertencimento social. O
Programa de Mediação Comunitária já contribuiu para resolução de mais de 13 mil conflitos,
disseminando a cultura de paz e o bem-estar social na região de São José do Rio Preto.

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