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São Paulo
2020
Major PM Márcio Cortez Maya Garcia
São Paulo
2020
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
CAES “CEL PM NELSON FREIRE TERRA”
CURSO SUPERIOR DE POLÍCIA – CSP-I/20
___________________________________________
Cel PM Fabio Rogério Candido
Orientador
__________________________________________
Cel PM Wagner Tadeu Silva Prado
__________________________________________
Cel PM Dinael Carlos Martins
__________________________________________
Cel Res PM Azor Lopes da Silva Junior
__________________________________________
Cel Res PM Helena dos Santos Reis
À minha mãe, “Dona Cida” (in memorian), que há vinte anos deixou este
mundo terreno, mas nunca deixará de ser um esteio na minha vida.
Ao meu pai, Antônio, e ao meu irmão, Marcos, homens probos de quem me
orgulho.
À minha esposa Deise, companheira de todas as horas.
Aos meus filhos amados Maíse e Henry.
AGRADECIMENTO
Palabras clave: Policía Militar. Sucesos con menos potencial ofensivo. Métodos
Alternativos de Resolución de Conflictos. Conciliación. Mediación. La Policía
Ostensiva. Preservación del Orden Público.
LISTA DE FIGURAS
Gráfico 1 CEJUSC instalados no Estado de São Paulo – 2011 a 2019 ............... 104
Gráfico 2 Resultados do NUPEMEC – Área Família ............................................ 106
Gráfico 3 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Família .......................... 106
Gráfico 4 Resultados do NUPEMEC – Área Cível ............................................... 107
Gráfico 5 Percentuais de acordos dos CEJUSC – Área Cível ............................. 107
Gráfico 6 Evolução de pequenas infrações penais no CPI-5 ............................... 113
Gráfico 7 Comparativo de ocorrências dos segundos semestres de 2012 e
2013 ...................................................................................................... 114
Gráfico 8 Comparativos de ocorrências do 17º BPM/I ......................................... 115
Gráfico 9 Pesquisa sobre TCO - qualidade do atendimento ................................ 144
Gráfico 10 Pesquisa sobre TCO – casos de não condução à Delegacia de
Polícia ................................................................................................... 145
Gráfico 11 Soluções dos JECrims .......................................................................... 159
Gráfico 12 Estimativa de ocorrências mediáveis em São José do Rio Preto ......... 196
Gráfico 13 Estimativa de ocorrências mediáveis em Araçatuba ............................ 196
Gráfico 14 Resolução de ocorrências do COPOM - 17° BPM/I .............................. 199
Gráfico 15 Evolução anual das ocorrências mediáveis no Estado de São Paulo .. 202
Gráfico 16 Evolução anual das ocorrências mediáveis em São José do Rio
Preto ..................................................................................................... 202
Gráfico 17 Evolução anual das ocorrências mediáveis em Araçatuba ................... 202
Gráfico 18 Conciliações pré-processuais em São José do Rio Preto .................... 206
Gráfico 19 Atendimentos NUMEC/CEJUSC – Posto PM – São José do Rio
Preto ..................................................................................................... 207
Gráfico 20 Resultados dos JECrims de São José do Rio Preto - 2019 .................. 210
Gráfico 21 Resultados dos JECrims de Araçatuba - 2019 ..................................... 210
Gráfico 22 Comparativo do percentual de acordos entre NUMEC/CEJUSC e
JECrims - 2019 ..................................................................................... 212
Gráfico 23 Questão 1 aos policiais militares operacionais ..................................... 215
Gráfico 24 Questão 2 aos policiais militares operacionais ..................................... 215
Gráfico 25 Questão 3 aos policiais militares operacionais ..................................... 216
Gráfico 26 Questão 4 aos policiais militares operacionais ..................................... 217
Gráfico 27 Questão 5 aos policiais militares operacionais ..................................... 217
Gráfico 28 Questão 6 aos policiais militares operacionais ..................................... 218
Gráfico 29 Questão 7 aos policiais militares operacionais ..................................... 219
Gráfico 30 Questão 8 aos policiais militares operacionais ..................................... 220
Gráfico 31 Questão 9 aos policiais militares operacionais ..................................... 220
Gráfico 32 Questão 10 aos policiais militares operacionais ................................... 221
Gráfico 33 Questão 11 aos policiais militares operacionais ................................... 222
Gráfico 34 Questão 12 aos policiais militares operacionais ................................... 222
Gráfico 35 Questão 1 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 224
Gráfico 36 Questão 2 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 225
Gráfico 37 Questão 3 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 226
Gráfico 38 Questão 4 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 226
Gráfico 39 Questão 5 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 227
Gráfico 40 Questão 6 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 228
Gráfico 41 Questão 7 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 229
Gráfico 42 Questão 8 aos policiais militares mediadores/conciliadores ................. 229
Gráfico 43 Principais demandas dos JECrims pesquisados .................................. 233
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 19
2 POLÍCIA OSTENSIVA E PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA ..................... 26
2.1 O impacto das ocorrências de menor gravidade no policiamento
ostensivo e na ordem pública........................................................................ 26
2.2 Atribuições constitucionais e legais das Polícias Militares ........................ 28
2.2.1 Polícia Ostensiva .............................................................................................. 30
2.2.2 Preservação da Ordem Pública ........................................................................ 32
2.2.2.1 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária..................................................... 37
2.2.2.2 Aspectos da prevenção criminal ................................................................... 44
3 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ............................................................................ 48
3.1 O conflito ......................................................................................................... 48
3.2 Breve síntese sobre a solução de conflitos na história .............................. 50
3.2.1 A vingança penal .............................................................................................. 50
3.2.2 Teoria do Contrato Social ................................................................................. 54
3.2.3 Iluminismo ........................................................................................................ 59
3.2.3.1 Repercussão do Iluminismo no Brasil........................................................... 61
3.2.4 Do Século XX aos dias atuais .......................................................................... 62
3.3 Principais meios de resolução de conflitos na história .............................. 65
3.3.1 Autotutela ......................................................................................................... 65
3.3.2 Autocomposição ............................................................................................... 67
3.3.3 Jurisdição ......................................................................................................... 69
3.4 Os métodos autocompositivos para resolução de conflitos ...................... 71
3.4.1 Negociação ...................................................................................................... 74
3.4.2 Arbitragem ........................................................................................................ 75
3.4.3 Conciliação ....................................................................................................... 76
3.4.4 Mediação .......................................................................................................... 78
3.4.5 Distinções entre conciliação e mediação.......................................................... 79
3.4.6 Mediação Comunitária...................................................................................... 83
3.4.7 Justiça Restaurativa ......................................................................................... 86
3.5 Conciliação e mediação no Direito Civil e no Direito Processual Civil ...... 90
3.5.1 Solução de conflitos de natureza civil .............................................................. 90
3.5.2 Conciliação civil na Lei nº 9.099/95 .................................................................. 94
3.5.3 A Resolução CNJ Nº 125/2010 ........................................................................ 96
3.5.4 As inovações legislativas de 2015 .................................................................... 98
3.5.4.1 Os CEJUSC ................................................................................................ 103
3.5.4.2 Efetividade dos CEJUSC ............................................................................ 105
3.5.5 Mediação e Conciliação de causas cíveis pela PMESP ................................. 109
3.5.5.1 Oposições à mediação e à conciliação feitas pela PMESP ........................ 123
3.6 A conciliação e mediação aplicadas às infrações de menor potencial
ofensivo ......................................................................................................... 130
3.6.1 Ação penal ..................................................................................................... 130
3.6.2 Persecução penal ........................................................................................... 134
3.6.2.1 Noções básicas sobre persecução penal ................................................... 134
3.6.2.2 Persecução penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo........ 137
3.6.2.3 Lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar ........................ 138
3.6.3 Solução de conflitos de natureza penal .......................................................... 148
3.6.4 A Solução de conflitos pelos JECrims ............................................................ 150
3.6.4.1 O rito procedimental e a conciliação do JECrim ......................................... 151
3.6.4.2 A (falta de) efetividade dos resultados da conciliação do JECrim .............. 154
3.6.5 A solução no âmbito civil das infrações penais de menor potencial
ofensivo por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC .................................... 164
3.6.5.1 A solução em menor prazo ......................................................................... 164
3.6.5.2 O uso do método mais adequado ............................................................... 167
3.6.5.3 TCO/PM e BO/PM como formas de registro das ocorrências sujeitas à
mediação ou à conciliação ......................................................................... 169
3.6.5.4 Efeitos da composição civil dos NUMEC/CEJUSC na esfera penal ........... 172
3.6.5.5 A mediação e a conciliação feitas pela PMESP como mecanismos de
preservação da ordem pública ................................................................... 183
4 PESQUISAS E ESTATÍSTICAS ......................................................................... 189
4.1 Metodologia ................................................................................................... 189
4.2 Dados estatísticos coletados pelo autor .................................................... 190
4.2.1 Dados estatísticos do CIPM e do COPOM Online ......................................... 190
4.2.2 Mediação e conciliação civis de Araçatuba e São José do Rio Preto ............ 203
4.2.3 Dados dos JECrims de São José do Rio Preto e Araçatuba .......................... 208
4.3 Pesquisa de opinião mediante coleta primária .......................................... 213
4.3.1 Público entrevistado ....................................................................................... 213
4.3.2 Método de coleta ............................................................................................ 213
4.3.3 Amostragem ................................................................................................... 214
4.3.4 Análise e interpretação dos dados da pesquisa ............................................. 214
4.3.4.1 Pesquisa com os policiais militares do serviço operacional ........................ 214
4.3.4.2 Pesquisa com policiais militares mediadores ou conciliadores ................... 223
4.4 Visitas realizadas .......................................................................................... 230
4.5 Entrevistas..................................................................................................... 234
4.5.1. Desembargador José Carlos Ferreira Alves .................................................. 236
4.5.2. Juíza de Direito Gislaine de Brito Faleiros Vendramini ................................. 238
4.5.3. Promotor de Justiça Gustavo Yamaguchi Miyazaki ...................................... 240
4.5.4. Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins ................................................... 242
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 246
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 262
APÊNDICE I – Entrevista com o Doutor José Carlos Ferreira Alves ................ 277
APÊNDICE II – Entrevista com a Doutora Gislaine de B. F. Vendramini .......... 280
APÊNDICE III – Entrevista com o Doutor Gustavo Yamaguchi Miyazaki ......... 286
APÊNDICE IV – Entrevista com Tenente Coronel PM Paulo Sérgio Martins .... 295
19
1 INTRODUÇÃO
1
O conceito de unidade de serviço engloba as viaturas e policiais militares, atuando individualmente
ou não, à pé, embarcado ou por outro meio, que concorrem para o atendimento de ocorrências
policiais em determinado turno de serviço.
2
Desinteligência é um tipo de ocorrência codificada pela PMESP que versa sobre desentendimento
envolvendo pessoas, para o qual, na ocasião do atendimento pelo telefone 190, não se tem a
certeza de estar relacionado a algum delito.
3
A Lei nº 9099/95 traz no seu art. 61 a definição: “Consideram-se infrações penais de menor
potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (BRASIL, 1995).
20
4
Os conceitos de prevenção primária, secundária e terciária serão discutidos neste estudo, na
subseção 2.2.2.2.
5
As ações penais serão explicadas adiante, na subseção 3.6.1. A ação penal pública
incondicionada é aquela que tem o Ministério Público como titular e independe de autorização do
ofendido para que seja investigada ou intentada em Juízo
21
6
As ações penais privadas e as ações penais públicas condicionadas são aquelas que dependem
de manifestação de vontade do ofendido (queixa ou representação, respectivamente) para que se
dê prosseguimento à persecução penal.
23
7
Em breve síntese, persecução penal refere-se ao conjunto de ações das autoridades policiais, a
partir do conhecimento da notícia do delito, em apurar sua autoria e materialidade, visando a
fornecer elementos básicos para a ação penal.
30
Viu-se que a Constituição Federal, no seu artigo 144, parágrafo 5º, reservou
às Polícias Militares, juntamente com a atribuição de preservação da ordem pública,
a competência para o exercício da função de polícia ostensiva.
Deve-se compreender que Polícia Ostensiva e policiamento ostensivo são
expressões distintas: a primeira, consolidada pelo texto constitucional, relaciona-se à
Instituição encarregada de realizar o policiamento ostensivo; a segunda é relativa à
atividade de policiamento propriamente dita, exclusiva das Polícias Militares.
31
8
ROLLAND, Louis. Précis de Droit Administratif. 9. ed. Paris, França: Librairie Dalloz, 1947
(MOREIRA NETO, 1988, p. 143).
33
9
ROLLAND, Louis. Précis de Droit Administratif. 9. ed. Paris, França: Librairie Dalloz, 1947
(LAZZARINI, 1992, p. 171).
10
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 883 (NOVELLINO, 2017, p. 32).
34
Por sua vez, Moreira (1988, p. 148) afirma que a manutenção da ordem
pública busca assegurar um estado harmônico e equilibrado, incluso em um sistema
de convivência pública. As ações promovidas nesse sentido Moreira denominou
homeostasia, ou seja, “[...] um conjunto de processos que devem atuar para manter
a estabilidade do sistema pela prevalência de sua ordem, a despeito das
perturbações de qualquer natureza”.
Já o termo preservação alcança sentido mais dinâmico e maior amplitude, o
que melhor define a atribuição da Polícia Militar, porque vai além desse estado
harmônico e estável, pois pressupõe a possibilidade de rompimento da ordem e a
eventual necessidade do seu pronto restabelecimento, consistente na atuação de
repressão imediata.
Deve-se observar que o conceito de preservação da ordem pública não
encontra previsão específica na nossa legislação, motivo pelo qual se recorre mais
uma vez à definição doutrinária de Lazzarini (1999, p. 105, grifos nossos):
A preservação abrange tanto a prevenção quanto a restauração da
ordem pública, no caso, pois seu objetivo é defendê-la, resguardá-la,
conservá-la íntegra, intacta, daí afirmar-se agora com plena convicção que
a polícia de preservação da ordem pública abrange as funções de polícia
preventiva e a parte da polícia judiciária denominada de repressão
imediata, pois é nela que ocorre a restauração da ordem pública, conforme
demonstro na explicação sobre ciclo de polícia, particularmente nas duas
primeiras fases.
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Poder de polícia e segurança nacional. Revista dos Tribunais, v. 61, n.
445, p. 287-298, nov. 1972 (CANDIDO, 2016, p. 55).
40
12
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998 (CANDIDO, 2016, p. 55).
41
polícia judiciária comum, que são, de acordo com as suas competências territoriais
ou materiais, a Polícia Federal e as Polícias Civis, conforme previsão do artigo 144
da CF (BRASIL, 1988, grifos nossos).:
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
[...]
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Portanto, a polícia judiciária não constitui uma função privativa das Polícias
Civis e outras autoridades administrativas podem exercê-la, inclusive as autoridades
policiais-militares, em especial, no caso das infrações penais comuns, quando
incorporam competência para atuar na repressão imediata, ao efetuarem as
diligências necessárias para prisão do infrator enquanto perdurar o estado
flagrancial, buscando restabelecer a ordem pública.
Destarte, a Polícia Militar atua no campo de polícia judiciária comum no
cumprimento de atribuição repressiva imediata, por meio das ações que devem ser
empreendidas logo após a quebra da ordem, no sentido de restabelecer o estado de
normalidade.
42
Pode-se perguntar o que isso teria a ver com a questão dos métodos
alternativos de resolução de conflitos.
13
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998 (CANDIDO, 2016, p. 55).
43
14
Em 1982 foi publicado na revista Americana The Atlantic Monthly um estudo criado por James
Wilson e George Kelling que apontava a relação entre a desordem e a criminalidade. A teoria ficou
conhecida por esse nome em virtude da experiência realizada, demonstrando como a simples
quebra de uma janela pode desencadear uma sequência de crimes mais graves (PACHECO,
2016). Ou seja, a desorganização do ambiente físico, a desordem social e o aparente estado de
abandono dos espaços públicos e privados concorrem em favor da ocorrência de crimes.
46
Por fim, Rolim (2004, p. 39) fala sobre a prevenção terciária como uma
estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas que já praticaram
crimes e violências, visando a evitar a reincidência.
O autor também coloca como destinatárias de tais ações as pessoas que
foram vítimas de crimes e violências. Em ambos os casos, o autor aduz como
objetivos a promoção do tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional
e social de tais pessoas. Este último tipo de prevenção, portanto, procura recuperar
e ressocializar os infratores da lei, de forma que não voltem a reincidir, assim
como atender a vítimas de crimes e violências.
No que tange à atividade policial, percebe-se que os níveis de prevenção
importam uma ordem de prioridade e que a primária deve ser prevalente, conforme
aduz Blanco (2002, p. 81):
Em nenhuma cidade do mundo considerado civilizado os esforços
empreendidos pela força pública policial, na perspectiva do
desenvolvimento de programas de prevenção secundária do delito ou no
desenvolvimento do trabalho de repressão qualificada, antecedem o esforço
de prevenção primária (educação, saúde, trabalho, esporte, lazer, cultura
etc.).
Por sua vez, percebe-se que a prevenção terciária não implica necessidade
de estar a pessoa encarcerada, porque muitos delitos, em especial os de menor
potencial ofensivo, não repercutem em privação da liberdade, mas já indicam
comportamentos tendentes à prática de ilícitos de determinados indivíduos, os quais,
se receberem a devida atenção, podem ter uma correção de rumo que os leve a um
convívio social harmônico e satisfatório.
Adiante, ver-se-á que o uso de técnicas restaurativas, que guarda relação
com o instituto da mediação, também pode funcionar, de forma análoga, como
medida de prevenção terciária, no que tange aos infratores de delitos menos
graves, assim como às vítimas.
Assim, em noção elementar, as mediações e conciliações podem repercutir
em todos os níveis de prevenção, atuando diretamente na primária e terciária, que
concorrem em favor da atuação preventiva secundária, proporcionada pelo
policiamento ostensivo.
48
3 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
3.1 O conflito
15
Relembrando os ensinamentos do Ensino Médio, a teoria evolucionista da seleção natural do
britânico Charles Darwin (célebre biólogo do século XIX), explicitada na sua obra “A Origem das
Espécies”, de 1859, diz que os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances
de sobrevivência e de deixar um maior número de descendentes do que os menos adaptados.
50
Segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 10), a vingança privada coexistia com
a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação do grupo contra o agressor
diante da ofensa a um de seus membros.
Julio Fabbrini Mirabete (1993, p. 36), por sua vez, descreve que a vingança
privada englobava tanto as reações individuais como as de um grupo,
caracterizadas por respostas que não possuíam proporcionalidade:
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a
reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem
proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu
grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com a
“expulsão da paz” (banimento) que o deixava a mercê dos outros grupos,
que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada
por elemento estranho à tribo, a reação era a da vingança de sangue,
considerada como obrigação religiosa e sagrada, verdadeira guerra movida
pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro,
com a eliminação completa de um dos grupos.
Enfim, ao pesquisar sobre o assunto, prima facie, pode ocorrer uma noção
equivocada que os períodos da vingança penal seguem uma ordem cronológica.
Na verdade, esse sincronismo não é tão óbvio, vez que é possível verificar,
por exemplo, que após o Império Romano, um dos berços do Direito e referência do
sistema de vingança pública, houve o retorno da vingança divina, no período em que
a Igreja Romana ganhou poder, a qual decidia, em um sistema inquisitorial, as
punições e indulgências a serem pagas pelos hereges16 e “pecadores”.
Do mesmo modo, na Europa dos séculos XV ao XVIII, também sob o
fundamento religioso, houve a perseguição às consideradas bruxas, que eram
condenadas a morrer queimadas em locais públicos.
A mais famosa delas, Joana D´Arc, que “[...] foi queimada em praça pública
ao ser acusada de heresia e feitiçaria por um tribunal eclesiástico inglês e francês.
Na época, ela tinha somente 19 anos” (BATISTOT, 2018).
Assim, pode-se perceber que mesmo depois de a vingança pública passar a
prevalecer em muitos reinos e países, a vingança divina persistiu em tantos outros e
ainda encontra eco em muitas nações.
16
Herege é aquele que professa uma heresia ou pratica doutrinas contrárias aos dogmas
concebidos pela igreja (DICIO, 2020).
17
Hegel rejeita a teoria contratualista de formação do Estado e da Alienação como relação recíproca
de cessão e troca (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p.20)
55
18
Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 11) a expressão Absolutismo foi difundida na
primeira metade do século XIX para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder
monárquico ilimitado e pleno.
56
daí resulta é a mais radical jamais concebível, pois que afunda suas raízes na
própria natureza humana e na ‘analogia das paixões’ próprias do homem individual”.
Esse estado despótico comandando pelo rei absolutista, com pleno poder
para agir e tomar decisões sobre o povo, não importando os direitos individuais de
cada um, é sintetizado por Hobbes na sua obra Leviatã (HOBBES, 2003), escrita em
1651.
A capa da obra (Figura 2) ilustra o Leviatã (o Estado), cujos elementos
trazem suas significações.
Em suma: a coroa representa as leis; a espada a força militar do rei; o cedro
a religião; o povo compõe as vestimentas do rei, significando que o poder do rei vem
do povo; e o gigantismo da figura do rei indica que impera sobre toda a terra e suas
cidades.
Para Locke, o homem, individualmente, não era mau nos tempos remotos,
no entanto, era inseguro, em razão de viver sob um estado de beligerância.
Sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil (LOCKE, 2001), escrita em
1689, traz suas reflexões sobre esse estado de guerra:
O estado de guerra é um estado de inimizade e de destruição; por isso, se
alguém, explicitamente ou por seu modo de agir, declara fomentar contra a
vida de outro homem projetos, não apaixonados e prematuros, mas calmos
e firmes, isto o coloca em um estado de guerra diante daquele a quem ele
declarou tal intenção, e assim expõe sua vida ao poder do outro, que pode
ele mesmo retirá-la, ou ao de qualquer outro que se una a ele em sua
defesa e abrace sua causa; é razoável e justo que eu tenha o direito de
destruir aquele que me ameaça com a destruição.
são as relações sociais. Ou seja, se o homem viesse a se tornar mau, isso seria
consequência das influências advindas do ambiente em que vivia. Assim, uma
sociedade harmônica e equilibrada traria um ambiente propício à convivência
pacífica dos indivíduos.
Nessa linha, a vida em sociedade era vista por Rousseau (2002, p. 9) como
necessária, pois, sozinho, o indivíduo não teria condições de subsistir:
Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos,
prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua
resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo
a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem
condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua
maneira de ser.
3.2.3 Iluminismo
19
Periodização da História (PERIODIZAÇÃO..., 2020): Pré-História, a Idade Antiga (iniciada com a
invenção da escrita, por volta de 4.000 a.C); Idade Média (a partir da queda do Império Romano,
em 476); Idade Moderna (inaugurada pela Tomada de Constantinopla, ocorrida em 1453); Idade
Contemporânea (marcada pela Revolução Francesa de 1789).
20
De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 605), o termo Iluminismo indica um
movimento de ideias que tem suas origens provavelmente no século XVII, mas que se desenvolve
especialmente no século XVIII, denominado por isso o "século das luzes". Esse movimento visava
a estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, a luta da "luz" contra as "trevas".
60
Apesar das muitas guerras e dos grandes conflitos mundiais, cuja tecnologia
aumentou as possibilidades de dano, no Século XX os ideais humanistas ganharam
espaço, evidenciando-se a aptidão dos países, em especial os democráticos, no
21
Crimes de lesa majestade, em suma, referiam-se aos delitos previstos nas Ordenações Afonsinas
praticados contra o Imperador ou a Coroa Portuguesa (EIRA, 2016).
63
3.3.1 Autotutela
Como já visto, o homem, em seu estado primitivo, não vivia sob a égide de
um Estado e a vingança privada era o modo mais comum de se resolver os conflitos,
ou seja, as pessoas ou grupos ofendidos resolviam as questões da forma que
melhor lhes aprouvesse e conforme suas forças permitissem.
66
22
Não se pode confundir a autotutela, como método histórico de resolução de conflito, com o
princípio da autotutela da Administração Pública tratado no Direito Administrativo.
67
3.3.2 Autocomposição
3.3.3 Jurisdição
23
FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias; TOURINHO, Neto Fernando da Costa. Juizados Especiais
Estaduais Cíveis e Criminais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 55 (HOLLIDAY,
2014, p.11).
73
3.4.1 Negociação
24
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é Mediação de Conflitos. 1. ed.
São Paulo: Brasiliense, 2007 (REIS, 2009, p. 8).
75
Adilson Luis Franco Nassaro (2012, p. 27) ressalta que na negociação “[...]
existem apenas as partes envolvidas que buscam a solução por elas mesmas, por
meio do diálogo, que pode ser incentivado por recursos diversos”.
Portanto, a negociação é o processo natural de entendimento entre as
partes, diretamente, sem necessidade de um terceiro que facilite ou guie essa
conversa, cujo resultado decorre do consenso entre elas, sem a existência de
coerção.
3.4.2 Arbitragem
3.4.3 Conciliação
25
Os títulos executivos serão objeto de breve análise na subseção 3.5.1 deste estudo.
77
3.4.4 Mediação
Lívia Maria Xerez de Azevedo (2014 apud HOLLIDAY, 2014, p. 13) explica
que a mediação baseia-se no diálogo que tem as partes como protagonistas do
processo construtivo de uma solução benéfica aos interesses de todos. Azevedo
complementa que essa comunicação é facilitada pelo mediador, que deve se manter
neutro e garantir o andamento pacífico da composição de interesses.
Desse modo, enquanto na conciliação existe uma interferência ativa do
intermediário, que pode emitir opiniões e sugestões, a mediação procura focar no
consenso das partes, tal como acontece em uma autocomposição negociada,
concentrando as propostas e decisões nas próprias partes envolvidas.
Bacellar (2012, p. 110) assim explica o foco da mediação:
Na mediação, há de se ter em mente que as pessoas em conflito a partir
dessa concepção geral (negativa), ao serem recepcionadas, estarão em
estado de desequilíbrio, e o desafio do mediador será o de buscar, por meio
de técnicas específicas, uma mudança comportamental que ajude os
interessados a perceber e a reagir ao conflito de uma maneira mais eficaz.
Há, portanto, muitas situações que podem ser resolvidas pela conciliação,
visto que envolvem casos em que o conflito dá-se única e exclusivamente sobre o
fato em apreciação e não guardam relação com nenhum acontecimento passado
que possa ter despertado algum tipo de rivalidade entre os envolvidos. Como
exemplo, aventa-se um acidente de trânsito sem vítimas que envolve duas pessoas
que até então não se conheciam.
Porém, aventa-se que, tanto para conciliação quanto para mediação, a
questão da existência ou não de vínculo anterior entre os envolvidos não deve
ser vista de forma cabal para escolha do método a ser utilizado, mas apenas
como um parâmetro.
Isso porque, mesmo que não haja um vínculo anterior, a própria ocorrência
pode ser o fator originador de um sentimento de animosidade e de rivalidade aos
envolvidos, que pode levar a um conflito futuro. Helena dos Santos Reis (2009, p. 8)
indica que o conflito pode existir e não advir necessariamente de vínculos anteriores
entre as partes:
A conciliação é um procedimento mais célere e, na maioria dos casos,
restringe-se a uma reunião entre as partes e o conciliador. Para que haja a
conciliação é preciso que não haja entre as partes um relacionamento
significativo passado ou possibilidade a futuro.
Em face disso, reafirma-se, como proposição teórica desta tese, o uso dos
métodos alternativos para solução de conflitos nos Núcleos e Centros existentes na
PMESP, não somente para questões civis, mas também nos casos de infrações de
menor potencial ofensivo, principalmente as sujeitas à ação penal pública ou ação
penal privada, visando a dar celeridade e efetividade às soluções dessas contendas,
a fim de alcançar maior prevenção e benefício à ordem pública.
Esse papel pode ser exercido tanto por particulares como por órgãos
públicos que tenham interesse em servir como agente pacificador dentro da
comunidade. E nesse universo inclui-se a “Mediação Comunitária nas Instituições
Policiais”, apontada na pesquisa do economista e mediador docente Wanderley José
Jacob (2019 apud MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 56, grifo nosso), o qual destaca a
Mediação Comunitária em diversos Estados, incluindo o de São Paulo:
As iniciativas policiais analisadas pela pesquisa encontram-se localizadas
no Acre (Projeto Pacificar da Secretaria de Segurança Pública em conjunto
com a Secretaria de Polícia Civil do Estado do Acre); no Ceará
(Coordenadoria de Mediação de Conflitos da Secretaria Municipal da
Segurança Cidadã da Prefeitura de Fortaleza); em Sergipe (Programa
ACORDE da Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado); e, finalmente, em
São Paulo, onde foram identificadas duas experiências: uma delas na
capital (Guarda Civil Metropolitana, da Secretaria Municipal de Segurança
Urbana) e outra no interior, abrangendo vários municípios (NUMEC —
Núcleos de Mediação Comunitária do Comando de Policiamento do
Interior da Polícia Militar).
26
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns. Repensando o
investimento social: a importância do protagonismo comunitário. São Paulo: Global, Instituto
para o Desenvolvimento Social (IDIS), 2004 (MOURÃO; NAIDIN, 2019, p. 77).
86
27
A Justiça Restaurativa foi apresentada pelos norte-americanos Paul McCold e Ted Wachtel, do
Instituto Internacional de Práticas Restaurativas (International Institute for Restaurative Practices),
no XIII Congresso Mundial de Criminologia, ocorrido em 2003, no Rio de Janeiro (JESUS, 2015).
87
Pallamolla (2015) cita que o sistema de Justiça Restaurativa não foi uniforme
em todos os países e relata sobre os primeiros passos em nossas terras, no ano de
2005, que se deram em torno de adolescentes praticantes de ato infracional, por
meio do projeto Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça
Brasileiro28. A autora explica que um dos projetos-piloto, em Brasília/DF, utilizava a
mediação penal aplicada para “[...] casos de menor potencial ofensivo
envolvendo ofensores adultos” (PALLAMOLLA, 2015, grifo nosso).
A Justiça Restaurativa constitui-se atualmente em uma prioridade do Poder
Judiciário, incentivada pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientam protocolo de cooperação para
sua difusão.
Nesse sentido, a AMB (2015, grifo nosso) emitiu a Carta da Justiça
Restaurativa do Brasil, da qual se extraem os frutos vislumbrados de uma já tão
nova experiência vivenciada no sistema de Justiça:
[...] a experiência dos Dez Anos da Justiça Restaurativa no Brasil
convalidou uma diretriz de trabalho que tem contribuído na construção da
paz, na redução dos conflitos e como processo de transformação das
pessoas, das instituições e das comunidades.
28
Projeto organizado e financiado pelo Ministério da Justiça (Secretaria da Reforma do Judiciário),
pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos e pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD (PALLAMOLLA, 2015).
89
29
MIERS, David. Um estudo comparado de sistemas. Relatório DIKÊ – proteção e promoção dos
direitos das vítimas de crime no âmbito da decisão: Quadro relativo ao Estatuto da Vítima em
Processo Penal. Lisboa, 2003, p. 45-60 (PALLAMOLLA, 2015).
90
30
O princípio da intervenção mínima do Direito Penal foi brevemente comentado na subseção 3.2.3
deste trabalho, quando se tratou da obra do penalista italiano Cesar Beccaria.
91
Aliás, de acordo com o artigo 936 do Código Civil, até mesmo os danos
causados por animais podem gerar responsabilização civil de seus donos ou
detentores.
Convém lembrar que a responsabilidade civil não decorre somente da
prática de ilícito civil, mas também diante de um delito, segundo o artigo 91, I, do
Código Penal (BRASIL, 1940). Desse entendimento, evidencia-se que qualquer
92
lide, inclusive as penais, pode ter repercussão na seara civil, em face dos danos
morais, materiais e de imagem que pode acarretar.
Ou seja, a prática de um ato em desconformidade com algum regramento
normativo ou legal sujeita o autor a responder, concomitantemente, em três esferas
de responsabilidade: administrativa, civil e penal. É a conhecida tríplice
responsabilidade.
A título de exemplo, apresenta-se um acidente de trânsito com vítima, no
qual a pessoa que concorrer com culpa poderá ser autuada pela infração de trânsito
(responsabilidade administrativa), responder pelos danos causados a terceiro
(responsabilidade civil) e sujeitar-se a processo pelo crime de trânsito capitulado no
artigo 303 do Código de Trânsito Brasileiro (responsabilidade penal).
Embora conveniente o aguardo da ação penal, devido a sua prevalência
sobre a civil, esta pode ser intentada em paralelo àquela. Neste sentido, Mirabete
(2008, p. 146, grifo nosso) ensina:
Como princípio, a responsabilidade civil é independente da criminal (art. 935
do CC). Assim, inexistindo sentença condenatória irrecorrível, a ação
ordinária civil para reparação do dano pode ser proposta contra o autor
do crime, seu responsável civil ou seu herdeiro (art. 64 do CPP).
disposições gerais, em seu artigo 2º, os princípios que guiam os processos sob sua
competência: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível,
a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995, grifo nosso).
No âmbito do Direito Civil, a Lei nº 9.099/95 (BRASIL, 1995) estabeleceu
que os Juizados Especiais Civis possuem competência para conciliar, processar e
julgar as causas civis de menor complexidade, assim especificadas no artigo 3º:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao
fixado no inciso I deste artigo.
Dessa forma, haja vista que ainda não foi gestada lei especifica a respeito,
permanece a competência dos Juizados Especiais cíveis para as causas de
qualquer valor previstas no referido dispositivo do antigo CPC (BRASIL, 1973), que
incluem situações de arrendamento rural e de parceria agrícola, cobrança de
condômino, danos em prédio urbano ou rústico, danos causados em acidente de
veículo de via terrestre, cobrança de seguros de acidente de veículo, cobrança de
honorários dos profissionais liberais, revogação de doação e demais casos previstos
em lei.
Destarte, todas as causas enquadradas no artigo 3º da Lei nº 9.009/95 estão
sujeitas à conciliação, ato que precede a qualquer outra sessão, nos termos do
artigo 17, que diz: “Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á,
desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a
citação” (BRASIL, 1995).
Essas causas poderão ser conciliadas por pessoas civis consideradas
auxiliares da Justiça, mas não pertencentes a esta, segundo versa o art. 7º da Lei
em comento. Assim, a conciliação pode vir a ser exercida por pessoas externas ao
Poder Judiciário, sejam agentes públicos ou não.
96
A Lei nº 9.099/95 não encerra a conciliação civil nas causas de menor valor,
haja vista o ulterior surgimento de disposições normativas e legais que deram novas
características aos métodos resolutivos das lides, com o intuito de aperfeiçoá-los,
inclusive, ao inserir a mediação, até então não vislumbrada pela Lei dos Juizados
Especiais.
97
Daí, portanto, a gênese dos CEJUSC, com sede específica para a realização
das conciliações e mediações, não exclusivamente por Magistrados:
§ 1º Todas as sessões de conciliação e mediação pré-processuais
deverão ser realizadas nos Centros, podendo, excepcionalmente, as
sessões de conciliação e mediação processuais ser realizadas nos próprios
Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por
conciliadores e mediadores cadastrados junto ao Tribunal (inciso VI do
art. 7º) e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro (art. 9º) [...]
(BRASIL, 2010, grifos nossos).
conciliadores nas causas civis é tratada na Seção V, Capítulo III, Título IV, parte
geral do novo referido Código.
Analisando-se os métodos de resolução de conflitos no âmbito do Direito
Civil, verifica-se que as soluções das causas dão-se por meio do processo e pelo
exercício da jurisdição, em conformidade com o artigo 3º do CPC, que reproduz a
regra constitucional: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou
lesão a direito”. Os parágrafos 2º e 3º do artigo 165 do CPC trazem as situações
nas quais se recomendam a conciliação e a mediação, o que já foi explanado neste
estudo.
Por sua vez, o artigo 166 do CPC (BRASIL, 2015a, grifo nosso) traz que a
mediação e a conciliação devem ser norteadas pelos princípios “[...] da
independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade,
da oralidade, da informalidade e da decisão informada”.
Dessa forma, conjugando o artigo acima com o 2º da Lei nº 9.099/95,
emerge que quanto mais simples o processo e respeitada a vontade das partes,
mais a conciliação e a mediação atingirão seus objetivos traçados em lei.
O regramento básico das audiências de conciliação e mediação segue a
disposição prevista no Capítulo V, do Título I, Livro I da parte especial do CPC, e
merece destaque o parágrafo 11 do artigo 334, o qual estabelece que a
autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
Conclui-se que, sempre que ocorrer um acordo de reparação de dano
durante uma sessão de mediação ou de conciliação, este será objeto de um termo
assinado física ou digitalmente pelas partes, com cláusulas estipuladas de valor
financeiro, seja de caráter indenizatório ao dano ocorrido, seja em razão de multa
pelo não cumprimento de determinada convenção, o qual, a partir do momento da
homologação da autoridade judiciária, adquire valor de título executivo judicial.
Essa possibilidade de homologação também é depreendida do artigo 190 e
seu parágrafo único do CPC (BRASIL, 2015a, grifo nosso), que estipula que nos
casos que versar sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes
convencionarem as regras, antes ou durante o processo, sobre as quais o Juiz, de
ofício ou a requerimento, controlará as convenções previstas neste artigo,
recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva.
Quase simultaneamente ao novo CPC, surgiu a Lei de Mediação – Lei nº
13.140, de 26 de junho de 2015 (BRASIL, 2015c) – que disciplina a mediação entre
100
31
O princípio da especialidade indica, quando em aparente conflito, a prevalência de norma especial
em relação à norma geral. O princípio da recenticidade, por sua vez, impõe que, havendo duas
normas que tratem sobre a mesma matéria de forma divergente, deve prevalecer a mais recente.
32
Essa participação necessária do Ministério Público nos casos que envolverem questões de direitos
indisponíveis transigíveis ocorre em consonância com o artigo 176 do CPC, que diz: “O Ministério
Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos
sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 2015a).
101
33
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4. ed. São Paulo: Método, 2017 (OLIVEIRA;
VIEIRA, 2019, p. 62).
102
Tartuce34 (2015, pag. 271 apud OLIVEIRA; VIEIRA, 2019, p. 42) ressalta a
importância do bom preparo para o exercício do papel de mediador:
Como já destacado, o mediador precisa ser apto a trabalhar com
resistências pessoais e obstáculos decorrentes do antagonismo de posições
para restabelecer a comunicação entre as partes. Seu papel é facilitar o
diálogo para que os envolvidos na controvérsia possam protagonizar a
condução de seus rumos de forma não competitiva.
34
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4. ed. São Paulo: Método, 2017 (OLIVEIRA;
VIEIRA, 2019, p. 42).
103
3.5.4.1 Os CEJUSC
35
Na subseção 3.6.4.2 encontram-se os números dos JECrims trazidos pelo IPEA, e na subseção
4.2.3, fruto de coleta secundária mais restrita, feita pelo autor, os dados desses Juizados do ano
de 2019 nos municípios de São José do Rio Preto e Araçatuba.
107
Obviamente, existem diversos fatores que influem nessa diferença, mas não
há como justificar tamanha discrepância senão pela forma como as conciliações
ocorrem no CEJUSC, mais voltadas à pacificação, enquanto nos JECrims, como se
verá em momento futuro, acabam relegadas a segundo plano, no que concerne à
resolução das causas socioafetivas que envolvem o conflito.
Sobre a conciliação, de forma geral, tem-se o anuário Justiça em Números
de 2020, publicado pelo Supremo Tribunal Federal, que não se resume a apresentar
estatísticas, trazendo também suas inferências. Na apresentação do anuário, que
36
A Semana Nacional de Conciliação é um evento anual coordenado pelo Conselho Nacional de
Justiça, no qual, no período de uma semana, os Tribunais Federais e Estaduais, inclusos os
Tribunais Regionais da Justiça do Trabalho, se dedicam em regime de mutirão e com especial
dedicação a realizar um maior número de conciliações nas áreas cível, penal e trabalhista.
109
Viu-se que o CNJ traça como objetivo do uso dos métodos autocompositivos
a pacificação social, expressão que, de certa forma, apresenta sinonímia com a
locução ordem pública. Em suma, a palavra paz (de pacificação) encontra
correspondência ao termo ordem, enquanto os vocábulos social (de sociedade) e
pública referem-se àquilo que interessa a todos, indistintamente.
Assim, a finalidade da mediação e da conciliação guarda total
compatibilidade com atribuições constitucionais das Polícias Militares, pelos efeitos
de prevenção primária e secundária, em prol da polícia ostensiva e da preservação
da ordem pública.
Buscar a paz social, otimizar o policiamento ostensivo e garantir a ordem
pública: por certo, esses foram os motores que levaram à primeira experiência da
PMESP com a atividade de mediação, ao inaugurar-se o seu primeiro Núcleo de
Mediação, em dezembro de 2011, no 26º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano
(26º BPM/M), sediado no município de Caieras, SP.
No Estado de São Paulo a Polícia Militar, por seu 26º Batalhão de Polícia
Militar Metropolitano, implantou pioneiramente a Mediação na Base
Comunitária de Segurança de Laranjeiras, rendendo-lhe menção honrosa
110
37
no “Prêmio Mario Covas” em 2013 (ZANELLI, 2013 , apud SILVA JÚNIOR,
2014, p. 17).
Segundo Silva Júnior (2014, p. 17) o projeto de Caieras não evoluiu porque
não foi institucionalizado, mas em 2013, em uma iniciativa mais abrangente, houve a
criação dos Núcleos de Mediação Comunitária (NMC)38 do CPI-5, na região de São
José do Rio Preto, SP.
Na ocasião, o Coronel PM Azor Lopes da Silva Júnior, em nível estratégico-
organizacional, instituiu, por meio da Nota de Instrução nº CPI5-001/03/13 (PMESP,
2013), cento e um Núcleos de Mediação Comunitária em noventa e seis
municípios. Expresso na Nota de Instrução que os criou, já era concepção, por
ocasião da criação desses Núcleos, sua vinculação à missão constitucional das
Polícias Militares:
6.1.6. Núcleo de Mediação Comunitária (NMC): local que visa congregar e
atender a comunidade local, tornando-se um ícone referencial, integrado
com as demais atividades praticadas pela instituição, na missão de
preservação da ordem pública (PMESP, 2013, grifo nosso).
Tal iniciativa foi agraciada (Figura 5), no ano seguinte, com o 10º Prêmio
Mário Covas (MEDIAÇÃO..., 2014), na categoria “inovação em gestão estadual”,
quando superou mais de trezentos projetos concorrentes.
37
ZANELLI, Maria Lúcia. O peso justo do serviço público. São Paulo: Diário Oficial do Estado de
São Paulo, Poder Executivo, Seção 1, v. 123, n. 100, 29 mai. 2013 (SILVA JÚNIOR, 2014, p. 17).
38
À época não era adotada a sigla NUMEC, a qual veio a se consolidar com a Nota de Instrução N°
PM3-005/03/17 (PMESP, 2017).
111
Fundação Mario Covas é bastante elucidativo quanto aos cuidados com o preparo
dos policiais militares, que passaram a atuar como mediadores.
Na oportunidade, já se vislumbrava que um dos focos da mediação era a
solução dos conflitos e seus benefícios ao policiamento ostensivo:
O problema enfrentado pelo programa é alta demanda social pela
intervenção policial em conflitos interpessoais de origem familiar ou de
vizinhança, além daqueles gerados por ocasião de acidentes de trânsito
(SÃO PAULO, 2014).
39
Seminário sobre Programação Neurolinguística, realizado entre 21 e 22 de fevereiro de 2013, em
São José do Rio Preto, SP (SÃO PAULO, 2013).
112
As sedes das OPM tiveram que adequar suas estruturas para funcionamento
dos Núcleos (Figura 7) e foi estabelecido um projeto de comunicação visual (Figura
8), a fim de levar a informação sobre o funcionamento desses importantes
instrumentos de pacificação às respectivas comunidades.
Fonte: o autor.
113
40
No Gráfico 8, em destaque, onde se lê conduta inconveniente deve-se ler desinteligência.Tal
dissonância deve-se ao fato de que no período em apreciação o código para ocorrências de
desinteligência (C-04) do COPOM de São José do Rio Preto estava inativo, motivo pelo qual as
ocorrências eram cadastradas como conduta inconveniente (C-02).
41
Na subseção 4.2 encontram-se os índices criminais referentes a ocorrências mediáveis e o
comparativo de São José do Rio Preto em relação aos números do Estado de SP no ano de 2019.
116
Fonte: o autor.
42
Disponível em: https://www.google.com/intl/pt-BR/maps/about/mymaps/. Acesso em: 1 out. 2020.
120
Fonte: o autor.
Militar, transparece que a atuação dos NECRIMs configura desvio de finalidade, pois
esse tipo de atividade não guarda mínima relação com a função de polícia judiciária
ou de apuração de infração penal, consistentes em atos de investigação criminal.
Em outra vertente, atualmente, encontra-se sub judice, aguardando decisão
do STF, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6251/19, promovida pela
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, contra o
Decreto nº 61.974/2016 do Governador do Estado de São Paulo, que criou os
NECRIMs da Polícia Civil, os quais, em síntese, realizam conciliações referentes a
fatos que envolvam infrações penais de menor potencial ofensivo cuja ação penal
seja pública condicionada ou privada, algo que se assemelha à proposta deste
estudo, diferindo apenas quanto ao Órgão executor.
Na representação, datada de 8 de novembro de 2019, além de questionar o
Decreto Estadual, que estaria invadindo competência da União em legislar sobre
matéria processual penal, o CONAMP (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2019, p. 17) entende que o ato do Poder Executivo
paulista seja materialmente inconstitucional, vez que “[...] evidente que delegados de
polícia não detêm atribuições para realizarem audiência de composição, por meio de
mediação ou conciliação. Tais funções são exclusivas do Poder Judiciário, com a
participação de membro do Ministério Público”.
O último ato praticado nesse processo foi a juntada do parecer do Advogado
Geral da União (AGU), à época André Luiz de Almeida Mendonça, que entende
improcedente o pedido do CONAMP, destacando-se em suas alegações o que
segue:
Trata-se de medida inovadora e eficaz para a celeridade da resolução
de conflitos e para a pacificação social, que tem obtido resultados
expressivos para a economia processual, tendo em vista a vasta
capilaridade das unidades de polícia judiciária.
De todo modo, cumpre registrar que, conforme consta das informações
prestadas pelo requerido, “todos os procedimentos realizados são
submetidos à apreciação dos magistrados para fins de homologação, com
prévia manifestação do membro do Ministério Público” (fl. 23 do documento
eletrônico nº 12).
Nessa linha, o decreto impugnado prevê, dentre as atribuições dos
NECRIMs, o dever de “encaminhar ao Poder Judiciário o termo
circunstanciado elaborado, após a realização da audiência de composição e
a formalização do Termo de Composição de Polícia Judiciária - TCPJ, que
instruirá aquele, independentemente de consenso entre autor e ofendido”
(artigo 2º, inciso II).
Essa disposição evidencia que a composição eventualmente obtida
pelos NECRIMs permanece sujeita à avaliação do magistrado
competente para o caso, de modo que a disciplina veiculada no ato
126
Por ora, aguarda-se o parecer do STF sobre a causa, mas é possível inferir
que os argumentos do AGU e do PGR aproveitam aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
no que concerne a mediarem e conciliarem casos de infrações penais de menor
potencial ofensivo e, consequente, realizar a Polícia Militar registro do TCO, quando
cabível, tema sobre o qual se aprofundará neste estudo.
Não obstante, mesmo porque as manifestações do AGU e PGR não
poderiam ser extra ou ultra petita, os pareceres emitidos deixaram de tratar sobre
um aspecto básico que parece eivar de ilegalidade a atuação da Polícia Civil, a
saber: a conciliação e a mediação não são atos de investigação, ou seja, não se
enquadram na função de polícia judiciária, que se destina a colecionar elementos de
prova para ação penal.
Logo, as atividades dos NECRIMs mostram-se incongruentes com as
missões constitucionais da Polícia Civil, assim descritas no art. 144 de nossa Carta
Democrática:
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (BRASIL,
1988, grifo nosso).
43
MISSE, Michel (Org.). O Inquérito Policial no Brasil – Uma Pesquisa Empírica. 1. ed. Rio de
Janeiro: Booklink/FENAPEF/NECVU, 2010 (CANDIDO, 2016, p. 106).
129
que só não é pior em razão das prisões em flagrante delito, cuja maioria,
inquestionavelmente, é feita pela Polícia Militar:
A taxa de conversão de BOs em IPs em que houve flagrante delito é maior
(96,7%) do que em autoria conhecida (74,7%), comparativamente à
proporção de crimes consumados (4,3%). Nos casos em que houve
flagrante, as taxas de conversão são elevadas tanto para crimes violentos
quanto não violentos (97,3 e 96,3%, respectivamente). Para latrocínio e
homicídios, ambos envolvendo desfechos fatais, como também para
estupro, as proporções superam os 100%. Tudo indica que o flagrante é
poderoso estímulo à investigação policial (ADORNO; PASINATO, 2010,
p. 75, grifo do autor).
De forma basilar, a ação penal encontra-se prevista nos artigos 100 ao 106
do Código Penal e nos artigos 24 ao 66 do CPP.
Guilherme de Souza Nucci (2016, p. 109) conceitua ação penal como:
[...] o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar em juízo,
solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das
normas de direito penal ao caso concreto. Através da ação, tendo em vista
a existência de uma infração penal precedente, o Estado consegue realizar
a sua pretensão de punir o infrator.
caput, do CPP). Damásio de Jesus (2011, p. 703) explica que esse tipo de ação
possui duas formas: ação penal pública incondicionada e a ação penal pública
condicionada. Sobre a ação penal pública incondicionada, o autor esclarece:
A ação penal é pública incondicionada quando o seu exercício não se
subordina a qualquer requisito. Significa que pode ser iniciada sem a
manifestação de vontade de qualquer pessoa. Ex.: ação penal por crimes
de homicídio, aborto, infanticídio, lesão corporal grave, furto, estelionato,
peculato etc. (JESUS, 2011, p. 703).
44
SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Manual de apoio jurídico operacional: Termo Circunstanciado
de Ocorrência. Bauru, SP: Colorgraf, 2003 (NASSARO 2012).
132
penal. É o que acontece, por exemplo, no crime de ameaça, que se encontra assim
previsto no Código Penal:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro
meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação (BRASIL,
1940, grifo nosso).
processo fazendo uso do instituto do perdão (artigos 105 e 106 do CP), mas neste
caso dependerá de aceitação por parte do acusado.
A decadência ou a renúncia ao direito de queixa gera, consequentemente,
da extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, V, do CP. Dessa forma, a
renúncia trata-se de um ato unilateral, pois independe do aceite da outra parte, e só
ocorre no âmbito pré-processual.
Após o início do processo, é possível o ofendido dispor da ação, por meio do
perdão, mas este instituto não será objeto do presente estudo, pois ocorre somente
durante o processo, quando já não advém ação dos policiais militares que atuam
como conciliadores e mediadores na fase pré-processual.
Em complemento, Damásio de Jesus (2011, 703) ainda nos traz as
subdivisões doutrinárias da ação penal privada: a ação penal exclusivamente
privada; a ação penal privada subsidiária da pública. O autor elucida:
A primeira espécie ocorre quando o CP determina que a ação penal é de
titularidade exclusiva do ofendido ou de seu representante legal. Ex.: crime
do art. 161, § 3.º, do CP. Na segunda, embora a ação penal continue de
natureza pública, permite-se que o particular a inicie quando o titular não a
propõe no prazo legal. Suponha-se um crime de furto em que o Promotor
Público não ofereça denúncia dentro do prazo legal (CPP, art. 46, caput).
Permite-se que o ofendido ou seu representante legal dê início à ação penal
(CP, art. 100, § 3.º).
45
Expressão do latim que significa “persecução penal”.
46
Expressão do latim usada no meio jurídico que significa “notícia do crime”.
135
47
A expressão sine qua non, proveniente do latim, tem o significado literal de “sem a qual não”, ou
seja, que determinada condição é requisito inafastável para o exercício de determinada atividade
ou para alcance de determinado objetivo.
137
penais de menor potencial ofensivo, o APFD será substituído pelo TCO, nos termos
do artigo parágrafo único do artigo 69 da Lei nº 9.099/95: “Ao autor do fato que, após
a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o
compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se
exigirá fiança” (BRASIL, 1995).
Ou seja, de acordo com esse dispositivo, o encaminhamento imediato do
autor ao JECrim, ou seu compromisso de a ele comparecer, elide sua prisão em
flagrante delito e, consequentemente, evita a lavratura do APFD, que será
substituído pelo TCO.
48
A CF/88, no seu artigo 144, parágrafo 4º: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares”. (BRASIL, 1988, grifo nosso).
49
No que se refere à Polícia Federal, a CF/88, no art. 144, parágrafo 1º, IV prevê a exclusividade:
“exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. (BRASIL, 1988, grifo
nosso).
139
50
JESUS, Damásio E. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 53-54 (BRASIL, 2020d, p. 14).
51
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118 (BRASIL, 2020d, p. 14).
140
52
Na subseção 3.5.5.1 deste trabalho viu-se a baixa produtividade da Polícia Civil no tocante à
apuração de infrações penais mais graves.
144
O TCO registrado pela Polícia Militar, por sua vez, traz um equilíbrio a todo o
sistema de segurança pública, liberando a Polícia Civil para as investigações e
otimizando o policiamento ostensivo, conforme se depreende da pesquisa de
Candido (2016, p. 220), respondida por 536 Oficiais da Polícia Militar:
Os benefícios mais apontados pelos referidos Oficiais, ou seja, os
assinalados por mais de 70% dos respondentes, foram: o aumento do
tempo livre de policiamento (aumento da prevenção criminal) por parte
da Polícia Militar, haja vista a notória e desnecessária permanência de filas
de viaturas e de PMs na porta das delegacias de polícia para apresentação
de dados de ocorrência, com 74,70%.
4% 1%
47%
48%
3%
16%
21%
60%
Deve-se considerar que essa eficiência foi alcançada em uma época cuja
maioria dos policiais militares possuía formação antiga, boa parte deles com
requisito de ingresso de escolarização de 1º grau (8ª série). Hoje, a exigência do 2º
grau completo de escolaridade traz um perfil de policial militar muito mais preparado
para essas atribuições, sem contar que grande parcela dos que ingressam como
soldado na PMESP, atualmente, possui curso superior.
De outro lado, sabe-se que parte dos Delegados apresenta como
argumentação a falta de capacidade intelectual e jurídica dos policiais militares para
53
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Relatório de informações sobre os resultados preliminares
alcançados com a implantação da elaboração de termos circunstanciados pela Polícia
Militar no âmbito da Circunscrição Judiciária. Enviado à Egrégia Corregedoria de Justiça por
Emílio Migliano Neto, MM Juiz de Direito. 4ª Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto-
SP, 2002, p. 1-9 (CANDIDO, 2016, p. 122).
146
registro do TCO, o que não resiste aos fatos, pois, na prática, estudos do IPEA
(2015b, p. 30, grifos nossos) apontam outra realidade:
[...] as Delegacias de Polícia também aparecem no âmbito de articulação
institucional dos Jecrim. No entanto, de maneira geral, parece não haver
uma articulação constante entre os Juizados e as Delegacias, que
parecem estar distante física e institucionalmente. Diversos funcionários dos
cartórios visitados retratavam as Delegacias como locais com menor
estrutura material e pessoal do que os Juizados, o que se configurava como
uma barreira para a digitalização dos processos. Essa não articulação por
vezes se impõe como uma barreira para a tramitação dos processos
nos Jecrim, pois há muitas dúvidas e distorções na condução de
procedimentos entre a delegacia e o judiciário. A principal questão diz
respeito à correta condução do Termo Circunstanciado, que por vezes é
encaminhado ao Juizado sem ter sido devidamente instruído. Dúvidas
sobre como redigir o termo e que tipos de delitos são compatíveis com
tais procedimentos não são incomuns, tendo sido encontrados casos que
ao invés de serem iniciados como Termos Circunstanciados, foram
autuados como Inquéritos Policiais comuns.
No que diz respeito a não se permitir o registro de TCO pela Polícia Militar,
deve-se falar do interesse público, visto que o cidadão é o maior prejudicado por
esse sistema incoerente, que retira das ruas o policial que lhe dá segurança para
apresentar distante do seu setor uma ocorrência que poderia ser registrada no local
dos fatos.
Mas, felizmente, essa situação já tem sido percebida por uma grande parte
de Chefes dos Poderes Executivos estaduais, sendo que, atualmente, o registro de
TCO pelas Polícias Militares é praticado em muitos Estados da Federação.
Percebe-se que esses conflitos de atribuição podem decorrer da forma como
se desenhou o atual Modelo Policial Brasileiro, em especial nos Estados da
Federação, de estrutura bipartite, com uma polícia de preservação de ordem pública
(a qual na maior parte do tempo atua como polícia administrativa, exceto quando na
atuação de repressão imediata) e outra para apuração das infrações penais (que
executa a função de polícia judiciária), incumbida de colher, por meio da
investigação, elementos de autoria e materialidade para a propositura da ação
penal.
Essa esdrúxula repartição faz com que, no momento da eclosão da infração
penal, quando não mais incide a atuação de polícia administrativa e preventiva, haja
uma zona de intersecção54, segundo a doutrina majoritária, em que se abre
54
Na subseção 2.2.2.2 apresentou-se a Figura 1, que traz uma visão geral sobre os Ciclos de
Polícia, que deixa evidente a zona de intersecção em que as duas Polícias, Militar e Civil, podem
atuar concorrentemente como polícia judiciária, logo após a ocorrência do ilícito penal, na fase de
repressão imediata do delito.
147
55
LAZZARINI, Álvaro et al. Direito Administrativo da Ordem Pública. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1987, p. 69 (CANDIDO, 2016, p. 85).
148
entregando diretamente à Justiça Criminal quem deva ser entregue, talvez seja um
dos grandes males da legislação processual brasileira”.
As noções apresentadas até aqui, no que tange à ação penal e à
persecução penal, serão importantes à frente quando se discorrer sobre a
combinação de medidas pela Polícia Militar, de registro do TCO pari passu com o
encaminhamento do caso para mediação ou conciliação pelos NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC quando envolver infrações penais de menor potencial ofensivo.
conformidade com o seu artigo 69, parágrafo único, quando o autor for apresentado
imediatamente ao JECrim ou assumir compromisso de a ele comparecer.
Percebe-se a propensão de levar a solução da contenda para as partes
envolvidas, colocando o Estado-Juiz como um agente auditor e de ratificação, o qual
basicamente analisa a questão da disponibilidade do direito negociado, consoante o
princípio da jurisdição.
Essa inferência também é percebida com alteração promovida pela Lei nº
9.099/95, em seu artigo 88: “Além das hipóteses do CP e da legislação especial,
dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
leves e lesões culposas” (BRASIL, 1995). Ou seja, até mesmo em casos de lesões
leves dolosas, que envolve a prática de violência, o legislador deu ao ofendido a
opção de decidir por ver ou não o seu algoz processado, o que antes não era
possível, pois se tratavam de infrações penais de ação penal pública incondicionada.
Nos casos das infrações sujeitas à ação penal pública e ação penal privada,
o acordo em torno de reparação dos danos acarretará renúncia ao direito de
representação ou queixa (parágrafo único do artigo 74), o que extinguirá a ação
penal e encerrará, até mesmo, a possibilidade de transação penal.
Seguindo o trâmite do JECrim, antes da transação penal, se assim entender
o Ministério Público, pode ocorrer o arquivamento dos autos ainda que não haja
composição civil e mesmo diante de representação verbal do ofendido (artigo 75),
assim como nos casos de ação penal pública incondicionada.
Superadas todas essas possibilidades, ainda na fase pré-processual, a
transação penal (artigo 76) é outro dispositivo que evita a pena de privação de
liberdade.
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal
pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério
Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos
ou multas, a ser especificada na proposta (BRASIL, 1995).
Vale repetir que, nos casos de infração penal cuja ação penal seja pública
condicionada ou privada, a transação só é proposta após fracasso da composição
civil e manifestação do interesse do ofendido em representar, de acordo com o
artigo 75 da Lei nº 9.099/95.
O insucesso de qualquer acordo na fase pré-processual levará à denúncia
oral do Parquet56, abrindo espaço à nova tentativa de conciliação (artigo 79),
sendo que, neste momento, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual
ou inferior a um ano, o Ministério Público, poderá propor a suspensão do processo,
de dois a quatro anos, condicionada ao cumprimento de alguns requisitos da lei.
Ao fim do processo, em sentença, pode o Juiz (artigo 81) decidir pela
absolvição do autor ou por aplicar, exclusivamente, a pena de multa. No caso de
não pagamento da multa, pode ser feita sua conversão em pena restritiva de
direito (artigo 85), nos termos previstos em lei, o que pode ocorrer nos casos em
que haja enquadramento no artigo 44 do CP.
Portanto, durante todo o rito do JECrim vê-se a extrema excepcionalidade da
privação de liberdade do autor de uma infração penal de menor potencial ofensivo,
identificando-se, pelo menos, vários momentos em que este pode ser beneficiado:
56
Parquet é uma das formas de se referir a um integrante do Ministério Público.
153
Alves, que em sua entrevista, constante do Apêndice IV, retrata tal realidade, a qual
parece incidir também nos JECrims:
De toda sorte, porém, essa atuação dos magistrados visa à resolução dos
processos, o que nem sempre (acredito que na imensa maioria das vezes)
representa a resolução do conflito estabelecido. Significa que mesmo um
Judiciário eficiente nem sempre atende às expectativas dos cidadãos, pois
estes buscam solucionar os problemas que os afligem e não simplesmente
o processo judicial que decorre dessa pretensão.
57
GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas a privação de liberdade. 1 ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2011 (LOPES, 2013, p. 8).
58
Na subseção 4.4, Tabela 24, mostra-se os prazos médios das audiências preliminares, conforme
informações obtidas em três Varas Criminais de São José do Rio Preto.
156
Como exemplo, e aqui um relato próprio da experiência vivida pelo autor nos
anos que serviu na então 2ª Cia do 17º BPM/I, em algumas localidades, as
audiências no JECrim eram pré-agendadas pelos policiais militares por ocasião do
registro do TCO.
Na média, as audiências eram marcadas para três meses a contar do dia
dos fatos, mas eram comuns agendamentos para datas mais longínquas, nos casos
em que se dependesse, por exemplo, da juntada de laudo pericial.
Nas demais comarcas, em que não havia o agendamento prévio, os
JECrims fixavam que o encaminhamento do TCO deveria ser feito apensado dos
respectivos laudos, que demoravam cerca de 15 dias para serem emitidos.
Daí, além do encaminhamento tardio dos feitos, o trâmite no próprio Juizado
tornava-se mais demorado, incluindo a necessidade de diligência dos Oficiais de
Justiça para notificar as partes para comparecimento na audiência preliminar.
Dessa forma, a audiência preliminar do JECrim raramente ocorria no período
inferior a três meses, a contar da data do fato, sem contar a dilação de prazos nos
períodos de recesso forense.
Essa situação de audiências tardias continua acontecendo, conforme
corroboraram as autoridades entrevistadas nos APÊNDICES II e III desta pesquisa,
uma situação que não apresenta tendência de melhora, haja vista que, de acordo
com a coleta estatística descrita na subseção 4.2.3, a entrada de TCO nos JECrims,
em 2019, nos municípios que basearam esta pesquisa, foi maior do que o de casos
solucionados.
Aliás, dessas entrevistas, depreende-se que também concorre em desfavor
da resolução dos conflitos nos JECrims o tempo de duração da audiência, mais ou
menos em torno de 20 minutos, havendo situações de Juízes que realizam sessões
“em massa”.
Nas visitas aos JECrims de São José do Rio Preto, relatadas na subseção
4.4, os Diretores de Cartório informaram tempo ainda menor para duração das
audiências preliminares, as quais ocorrem em um espaço de 5 (cinco) a 15
(quinze) minutos.
No Apêndice III, o Promotor entrevistado, Doutor Gustavo Yamaguchi
Myiazaki, afirma que um dos grandes problemas relativos aos conflitos pequenos
decorrentes de relação continuada é “[...] que, até haver uma resposta judicial, a
157
Essa impressão foi colhida nas entrevistas também no que diz respeito ao
Ministério Público:
Contribuindo com o menosprezo relativo aos juizados, alguns servidores e
juízes da capital, entrevistados durante a pesquisa, afirmaram que os
promotores de justiça, habituados a tratar de crimes mais graves,
também não se interessam pelas causas de juizados e não colaboram
com a transação penal. Para exemplificar, durante uma audiência
acompanhada pela equipe de pesquisa, a promotora presente confessou
que achava que os processos do juizado tratam de muita besteira,
referindo-se a discussões e brigas entre conhecidos, vizinhos e
familiares (IPEA, 2015a, p. 46, grifos nossos).
158
59
Na subseção 3.4.5 deste trabalho foram analisadas as distinções entre os institutos da conciliação
e da mediação, assim como em quais situações um ou outro método é mais adequado.
159
60
Na subseção 4.2.3 foram colhidos e analisados os dados estatísticos dos JECrims dos municípios
de Araçatuba e São José do Rio Preto, os quais, em síntese, apontam que as composições civis
mal ultrapassam 2% do total de feitos que dão entrada nos Cartórios Judiciais.
162
3.6.5 A solução no âmbito civil das infrações penais de menor potencial ofensivo por
meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC
61
Segundo os dados fornecidos pelas 2ª, 4ª e 5ª Varas Criminais de São José do Rio Preto, que
serviram de base para composição da Tabela 24, constante na subseção 4.4.
167
62
Conforme previsto nos parágrafos 2º do artigo 165 do CPP, sobre o qual se discorreu na subseção
3.4.5.
168
63
A subseção 3.6.2.3 foi dedicada para demonstrar a pertinência, a legalidade, a viabilidade e a
afinidade com o interesse público que decorrem do registro do TCO pelas Polícias Militares.
170
64
A subseção 4.3.4.2 traz o questionário respondido por policiais militares mediadores e
conciliadores que atuam na PMESP. Inferiu-se da pergunta 6 (Gráfico 37) um tempo médio
abaixo dos 30 (trinta) dias e nunca acima dos 60 (sessenta) dias.
65
Acordo frutífero é aquele em que as partes chegaram a um consenso sobre a reparação civil dos
danos.
171
Impor aos indivíduos um tipo de solução que não desejam e se impedir outra
forma de resolução por eles preferida parece ir exatamente contra o princípio de
pacificação social e de empoderamento das pessoas para resolver suas contendas.
Na decisão judicial mencionada, pressupõe-se que a vítima abriu mão da
representação em razão do acordo civil que conseguiu, por meio de consenso com a
outra parte, no NUMEC/CEJUSC. Se o próprio ofendido não deseja o
prosseguimento da ação penal, mas somente o ressarcimento civil dos danos, da
forma mais célere possível, logo após ocorrido o fato, não parece razoável que o
Estado-Juiz lhe imponha seguir um caminho contra a sua vontade.
Aliás, nas entrevistas dos Apêndices II e III, tanto a Magistrada quanto o
membro do Ministério Público responderam que, nos casos de negativa da vítima
em dar prosseguimento à ocorrência atendida pela Polícia Militar, não se deve
registrar o TCO, mas apenas fazer-se um simples registro de ocorrência.
Neste estudo constatou-se que, no dia a dia, a Polícia Militar deixa de
registrar um número absurdo de ocorrências66, em face do desinteresse dos
ofendidos em seguir com a ação no campo penal, no tocante às infrações penais de
menor potencial ofensivo que dependam de representação da vítima e, até mesmo,
em casos de ação penal pública incondicionada.
Essas ocorrências não são pacificadas porque, no momento do registro,
comumente é explicado pelo policial militar ao cidadão todo o trâmite da ocorrência,
que passará pela condução à Delegacia de Polícia e a “intimação” das partes pelo
Judiciário. Tais informações desestimulam o registro da ocorrência e o caso, por sua
vez, tem uma solução paliativa e momentânea, podendo ser objeto de novos
chamados.
Por outro lado, vê-se o policial militar impedido de orientar a mediação ou a
conciliação pelo NUMEC e NUMEC/CEJUSC, pois sabe que se no processo
autocompositivo houver acordo civil corre-se o risco de não tê-lo homologado pelo
juízo, como ocorreu na decisão judicial em comento.
O rigor formal, até mesmo em razão dos princípios da própria Lei nº
9.099/95, desestimula o cidadão a procurar a prestação jurisdicional, que muitas
66
Na subseção 4.2.1 estabeleceu-se um panorama dos atendimentos de ocorrências de menor
potencial ofensivo da PMESP, de forma a demonstrar o seu impacto no policiamento ostensivo e
na capacidade de pronta resposta aos chamados de urgência relacionados a situações mais
graves.
175
[...] a Lei Federal 12.594/2012, cujo art. 35, inc. II, estabelece o princípio da
“excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos”, inc. III estabelece o
princípio da “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e,
sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”
(ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL, 2005).
67
MENDONÇA, Ângela Hara Buonomo. Mediação Comunitária. Uma ferramenta de acesso à
justiça? Tese (Mestrado em História Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas. Rio de
Janeiro, 2006 (SILVA JÚNIOR, 2014, p.3).
178
Desse modo, necessário discorrer, de forma mais amiúde, sobre como pode
ser operacionalizada a atuação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC de acordo com a
hipótese levantada, no sentido de mediar e conciliar os conflitos relacionados às
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Viu-se que, no trâmite dos CEJUSC, o acordo de composição civil está
sujeito à homologação judicial, que o torna título executivo judicial. Já as OPM que
tem NUMEC geram títulos executivos extrajudiciais.
Por esses meios, a solução torna-se célere, uma vez que a grande maioria
dessas ocorrências tem o primeiro atendimento feito pela Polícia Militar, que desde
já poderia iniciar o processo de pacificação, o que tende a ser mais eficiente, por
causa da possibilidade de se utilizar, analisando-se caso a caso, a mediação como
método restaurativo voltado a resolver não só a questão de direito material da lide,
mas colocar um termo ao conflito sob o ponto de vista social.
Nessa conformidade, a busca dos JECrims pela reparação do dano causado
à vítima, pode ser alcançada de forma mais ágil por meio da mediação ou da
conciliação dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC. Lima (2013, p. 1447, grifo nosso)
explica que tipos de danos podem ser objeto de composição civil:
[...] um dos objetivos declarados da Lei nº 9099/95 é a reparação dos danos
sofridos pela vítima, sempre que possível. Daí a importância da
composição civil dos danos, que pode ser feita nas infrações que
acarretam prejuízos materiais, morais ou estéticos à vítima.
68
Na subseção 3.5.5.1, viu-se que o estudo do IPEA menciona que nem todas as notícias de crime
se convertem em Boletim de Ocorrência e nem todas as ocorrências tornam-se Inquéritos
Policiais, e que a lógica de seleção dos casos refere-se muito mais à necessidade que os policiais
civis têm de administrar o volume de trabalho.
183
69
A subseção 3.5.5 traz o histórico, as experiências e a excelência das mediações e conciliações
feitas na PMESP, consolidadas nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC existentes na Instituição.
184
70
Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br/acoes/leAcoes.aspx?id=33362. Acesso em: 4 fev. 2020.
186
fazer com que dialoguem de forma civilizada e encontrem um ajuste, ainda no local
dos fatos e no calor da ocorrência.
Nesses momentos, segundo apurou a presente pesquisa, muitas
ocorrências apresentam indícios de infração penal de menor potencial ofensivo e
demonstram que é necessário algo mais para pacificar a relação das pessoas, no
entanto, comumente os envolvidos não querem se submeter ao trâmite burocrático
de serem conduzidos a uma Delegacia ou terem que comparecer à Justiça.
Em tais ocasiões, na ponta da linha, o policial militar sente falta de um
instrumento para dar uma solução melhor à contenda, que seria a mediação ou a
conciliação por parte dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, no entanto, acaba sendo
obrigado a dar a ocorrência como resolvida no local, porque não pode coagir as
partes a registrarem a ocorrência, pois sabe que a autocomposição por parte da
Polícia Militar pode não encontrar amparo em outras autoridades, em especial,
alguns integrantes do Poder Judiciário que entendem que essas causas, por
estarem relacionadas à questão penal, não podem ser resolvidas no âmbito civil.
Assim, com o encaminhamento do litígio aos NUMEC e NUMEC/CEJUSC,
corre-se o risco de não se ter a solução homologada, conforme observado nas
entrevistas dos Apêndices II e III, além da possibilidade de responsabilização do
policial militar, como se viu na subseção anterior.
A análise estatística e as percepções dos policiais militares que trabalham
no serviço operacional, de acordo com a pesquisa feita neste trabalho, já mostram
um grande número de ocorrências que morrem no nascedouro.
Os solicitantes procuram um socorro imediato da PM, que serve como um
paliativo, para resolver momentaneamente o conflito, mas as pessoas, comumente,
acabam por abrir mão do registro da ocorrência, talvez em parte pelo descrédito da
solução por via judicial, que como demonstrado pouco atende os anseios da vítima,
ou até mesmo pelo trâmite burocrático e moroso, que prolonga as angústias dos
envolvidos.
Diferentemente do que ocorre com outros órgãos, o empenho na solução
pacífica dos conflitos, além aproximar o policial militar da sociedade, comporta ainda
um acompanhamento diário sobre como estão fluindo os relacionamentos
conflitantes e submetidos à mediação, respeitadas as cláusulas de
confidencialidade.
188
71
TROJANOWICZ, Robert; BUCQUEROUX, Bonnie. Policiamento Comunitário: como começar.
Rio de Janeiro: POLICIALERJ, 1994 (NASSARO, 2012, p. 35).
189
4 PESQUISAS E ESTATÍSTICAS
4.1 Metodologia
72
Ocorrências mediáveis, para o efeito deste estudo, são aquelas consideradas passíveis de
mediação ou conciliação nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC, e não englobarão todo e qualquer tipo
de situação, mas se restringirão às mais comuns, que pressupõem a existência de dolo, a saber:
ameaça, agressão (que inclui lesão corporal e vias de fato), desinteligência, perturbação do
sossego e conduta inconveniente (esta porque em algumas localidades foi utilizada para codificar
ocorrências de desentendimentos).
191
Para se obter uma referência fora dos municípios sob estudo, também se
utilizando o COPOM ONLINE, verificou-se o cadastro de ocorrências na Capital do
Estado de São Paulo no dia 1º de outubro de 2019, que apresenta o volume de
atendimento de vinte e nove Batalhões de Área da PMESP, indicado na Tabela 13,
cujos números apresentaram similaridade com os há pouco discutidos, constatando-
se que 96,4 % dos casos mediáveis não foram objeto de registro de BO/PM.
21392
28% Total de ocorrências
Araçatuba
22017
25% Total de ocorrências
Ocorrências mediáveis
64919 não registradas em BO
75%
73
Duplicidade de chamada ocorre quando um fato gera mais de um acionamento da Polícia Militar
por pessoas diferentes.
198
3%
Resolvidas pela PM
23%
Deslocamento de viatura
ao local
Sem intervenção policial
59% militar
15%
Encaminhamento à Del.
Pol.
e nove), que correspondem a 71%, foram resolvidos no local pelos policiais militares
mediante orientação.
Ainda sobre o exposto no Gráfico 14, tem-se clara noção do impacto
negativo ao policiamento ostensivo quando se vê que aproximadamente 23% das
ocorrências mediáveis canceladas (ou seja, sequer foram atendidas no local) são de
perturbação do sossego, normalmente no período noturno, após pendência de
atendimento por mais de uma hora, sem que haja reiteração da reclamação.
Tal situação ocorre principalmente nos fins de semana, quando a demanda
de ocorrências faz com que o empenho de viaturas seja dado conforme o grau de
urgência e, nesses casos, as perturbações de sossego são preteridas em relação a
outros atendimentos.
Outro impacto negativo observado refere-se às duplicidades de chamada,
que muitas vezes fazem com que a viatura se desloque ao local dos fatos,
ocasionalmente fora do seu setor, o que também prejudica o patrulhamento.
Já as demais ocorrências mediáveis, excluídas a de perturbação de
sossego, exigem maior atenção do policiamento, pois implica diretamente perigo à
integridade física das pessoas. Desse universo de ocorrências (agressões,
ameaças, desinteligências, danos etc.) muitas poderiam ser encaminhadas para a
realização da mediação ou da conciliação, a fim de se pacificar as relações
conflitantes.
Ocorre, porém, que muitos desses casos podem indicar, no curso do
processo de pacificação, a realização de um acordo de natureza civil, mas em
algumas localidades pode o policial militar mediador ou conciliador encontrar óbice
de assim proceder, por conta do entendimento de alguns Magistrados e membros do
Ministério Público, no sentido de não se deve homologá-lo judicialmente74,
desconsiderando que o envolvido abriu mão do seu direito subjetivo de
representação e que deseja tão somente a reparação de algum dano.
Resta ainda uma breve menção sobre os acidentes de trânsito com vítima,
cujo registro do TCO pela Polícia Militar, além de evitar o retrabalho no registro
policial e o desvio dos policiais civis de atividades investigativas relativas a delitos
mais graves, permitiria o retorno do policiamento ostensivo ao seu setor em menor
75
Viu-se na subseção 4.4, Tabela 24, que as audiências do JECrim podem demorar de 90 (noventa)
a 180 (cento e oitenta) dias para ocorrerem, a contar da data da ocorrência.
202
Estado
370609
367415
332436
292588301883
331706318850 310096
283676
1.763 1.666
457 1.083 522
859
586 598
ano ano ano ano ano ano ano ano ano
2011 2012 2103 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: CIPM.
Araçatuba
2659
2485
2112 2060 1927 2183
1786 1543 1996
nos últimos dois anos apresentou alta, mas, diferentemente do que ocorre no
Estado, seus números atuais se mostram favoráveis em relação ao início da série
histórica.
Nota-se que São José do Rio Preto, exceção ao ano de 2018, apresenta
uma tendência à diminuição desses conflitos que prejudicam o policiamento
ostensivo, situação que poderia se mostrar ainda mais favorável se as mediações e
conciliações não se restringissem somente às causas civis.
Convém ressaltar que a existência dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC nos
municípios em foco não é a causa exclusiva, mas coincide com uma baixa dos
números criminais mais acentuada do que a indicada para a média estadual, não
podendo, obviamente, serem descartadas outras iniciativas, principalmente afetas às
localidades situadas no interior do Estado, onde o policiamento comunitário é mais
efetivo e produz melhores resultados no que atine às pequenas infrações.
Esses números podem ser um indicativo que uma sociedade pacificada
tende menos à prática de delitos, incluindo os mais graves, situação que pode ser
potencializada com a otimização dos recursos da Polícia Militar para mediação ou
conciliação de conflitos relacionados à infração penal de menor potencial ofensivo,
com o devido registro do TCO quando cabível.
Tais medidas contribuem para a pacificação social, para a mantença do
policiamento ostensivo no setor de atuação e para melhores condições de pronta
resposta na repressão imediata, de forma a se garantir a ordem pública.
Conciliação
por policiais
militares
20%
Conciliação
por civis
80%
A partir desses dados foram elaborados os Gráficos 20 e 21, que dão uma
noção dos percentuais de composições civis do JECrim. Observa-se que a
audiência preliminar do JECrim apresenta pouca aptidão para a composição civil e
que a “triagem” do Ministério Público leva ao arquivamento de muitos casos e a
inocorrência da audiência preliminar, por lhe faltar justa causa.
Nota-se, assim, que nas duas comarcas (São José do Rio Preto e
Araçatuba) a grande maioria dos casos é objeto de arquivamento, o que faz inferir
que os elementos probatórios coletados nas infrações penais de menor potencial
ofensivo tendem a ser precários, de forma que a movimentação da máquina
administrativa do Estado torna-se custosa demais para se chegar a lugar nenhum.
210
imediato e, nesse sentido, qualquer iniciativa que vise a agilizar o seu atendimento
deve ser vista como algo em prol dos princípios motores estabelecidos no artigo 2º
da aludida lei.
Por fim, tendo por base o ano de 2109 e os municípios de São José do Rio
Preto e Araçatuba, o Gráfico 22 apresenta comparativo entre o percentual de
acordos feitos nos NUMEC/CEJUSC da PMESP e as composições civis nos
JECrims.
4.3.3 Amostragem
76
Informação disponibilizada em 1º de outubro de 2020 pela Seção de Planejamento do
Departamento de Recursos Humanos da Diretoria de Pessoal (DP) da PMESP.
77
Informação disponibilizada em 18 de agosto de 2020 pela DPCDH da PMESP.
215
Fonte: o autor.
O Gráfico 24, relativo à questão 2, mostra uma maior adesão à pesquisa por
parte dos policiais militares do interior (85,1% dos respondentes), o que mostra
haver um maior interesse no assunto por parte daqueles que atuam fora da Capital e
da região metropolitana do Estado.
Fonte: o autor
Fonte: o autor
Fonte: o autor
Fonte: o autor
Fonte: o autor
Esse tipo de solução mostra uma realidade não vislumbrada por outros
órgãos e autoridades, a exemplo do Ministério Público e do Judiciário, que não
teriam como acolher tal demanda no JECrim se todas essas ocorrências fossem
objeto de registro.
219
Fonte: o autor
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
221
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
78
Discorreu-se sobre tais dados na subseção 3.5.5.1, que tratou das oposições à mediação e à
conciliação pela PMESP.
224
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
Tal situação sugere que questões mais beligerantes acabam não sendo
objeto de mediação ou conciliação pelos NUMEC/CEJUSC, ou seja, exclui-se um
grande número de casos que poderiam ser pacificados.
É exatamente aqui que se vislumbra a grande demanda subnotificada que
não passa por nenhum tipo de tratamento, nem nos NUMEC e NUMEC/CEJUSC,
nem nos JECrims.
Na questão 3, sintetizada no Gráfico 37, foi arguido sobre a eficiência da
pacificação e conciliação no que tange às infrações penais de menor potencial
ofensivo. Nota-se que as mediações e conciliações mostram-se de grande valia para
solução de tais casos, sendo que 87,5% dos policiais militares responderam que os
aludidos métodos são eficientes em todos ou na maioria dos casos.
Logo, a eficiência do uso desses institutos não se trata de uma percepção
minoritária e perfaz o entendimento daqueles que exercem diariamente as funções
de mediador e conciliador.
226
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
79
Informação do IPEA (2015a, p.42) constante na subseção 3.6.4.2.
228
Fonte: o autor.
80
A presente pesquisa demonstrou, na subseção 4.4 (Tabela 24), que as audiências preliminares
nos JECrims de São José do Rio Preto costumam ocorrer entre 90 (noventa) e 180 (cento e
oitenta) dias a contar da data do fato.
81
Na subseção 4.2.3, nos Gráficos 20 e 21, verificou-se o alto número de arquivamentos de TCO no
JECrims de São José do Rio Preto (67%) e Araçatuba (78%).
229
independentemente da vontade das vítimas, têm sua solução aceita pelo Poder
Judiciário, que homologa os acordos feitos pelos CEJUSC. Isso demonstra que a
evolução social traz novas medidas, que implicam novas interpretações legislativas,
cujos princípios superam a lei sob o ponto de vista literal, de forma a prevalecer o
seu aspecto teleológico.
Fonte: o autor.
Fonte: o autor.
230
Cabe ressaltar que o número de infrações cuja ação penal seja pública
condicionada é maior do que o apontado, uma vez que entre os crimes de trânsito
(cujas estatísticas dos JECrims não os discriminam individualmente) inserem-se as
lesões corporais culposas (art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro). Não obstante,
82
Viu-se na subseção 3.6.4.2 que a pesquisa do IPEA (2015a, p. 88) informa que a “[...] vítima
permanece ‘desempoderada’ nos Jecrims, não sendo um ator relevante na dinâmica desses
órgãos judiciais ‘especiais’, onde praticamente não é ouvida”.
233
1000
800
600
21%
400
14%
200 7%
2%
0
Acão penal
Ação penal Contravenções Crimes de Crimes
pub. cond ou
pub. incond. Penais trânsito ambientais
privada
Total 1128 417 149 275 38
Fonte: o autor, com base nos dados das 2ª, 3ª e 4ª Varas Criminais de São José do Rio
Preto.
4.5 Entrevistas
respondeu que entende ser viável a composição civil de danos e a mediação nessa
situação, pois, apesar de não resolverem a questão penal, podem concorrer em
benefício do autor do ilícito, seja para exclusão do dolo, seja para fixação da pena,
nos termos do artigo 59, do Código Penal.
Em resposta à pergunta 3, disse que pela sua experiência o baixo número
de composições civis nos JECrims ocorre porque muitas vezes o ofendido não
apurou seus prejuízos. Disse ainda que outro motivo é que a composição civil
implica em reconhecimento de culpa, o que não ocorre na transação penal.
A respeito dos NECRIMs da Polícia Civil (pergunta 4) asseverou que o
entendimento majoritário na Comarca em que trabalha é de que as conciliações
feitas por aquele Núcleo violariam o princípio da inafastabilidade da prestação
jurisdicional, embora entenda que tais acordos, de fato, pareçam resolver
satisfatoriamente as lides. Entende que a tendência é de que esse entendimento
contrário aos Núcleos mude e que esses caminhos irão se abrir com o tempo.
A respeito das mediações da Polícia Militar serem utilizadas para aplicar
práticas restaurativas a infrações penais de menor potencial ofensivo (pergunta 5),
disse que são boas medidas, pois buscam a pacificação social e solução de conflitos
no ambiente em que se deram, mais próximo do local e época dos fatos.
No que se refere ao aproveitamento pelo JECrim dos acordos homologados
pelo CEJUSC decorrentes de mediação de casos de infrações penais de menor
potencial ofensivo, de ação penal pública condicionada ou privada, cujo ofendido
não queira o prosseguimento da ação penal (pergunta 6), a entrevistada disse
concordar com tal ponto de vista, mas que nesses casos também adentram
“[...] questões institucionais, que tratam de abrir mão da atribuição, de
soberania, e daí decorrem as divergências sobre a homologação dos acordos”.
Nas considerações finais (pergunta 7), a Juíza concordou que audiências
preliminares demoram a ocorrer e que o tempo despendido à conciliação é curto, e
muitas vezes, depois do autor ter passado pela necessidade de ir à Delegacia e de
procurar um advogado, quando chega ao JECrim já não está mais disposto ao
acordo.
Ao final, disse ainda entender que os acordos obtidos fora do JECrim são
viáveis, mas que deve se ter em mente que talvez não sejam aceitos como título
executivo e a pessoa possa ter que ingressar com ação de conhecimento.
240
parte não aceita fazer o acordo com a outra naquele momento, pois, mesmo em
posição desfavorável no processo, o autor não se vê como o causador do dano.
Nesses casos, a lide envolve sentimento (emoção) e não se trata somente
de uma questão de valor (financeiro ou patrimonial). Em outras situações, a pessoa
prefere pagar, por meio da transação penal, a uma entidade de caridade, do que
ressarcir o desafeto.
Referente aos NECRIMs (pergunta 4), o posicionamento do Promotor, o
qual ressalta não ser unânime, é de que se deve aproveitar qualquer tipo de
acordo que chegue ao JECrim, sejam obtidos pela Polícia Civil, sejam os feitos
pela Polícia Militar. A questão suscitada contra os NECRIMs refere-se ao artigo 72
da Lei nº 9.099/95, do qual se obtém a ideia de que deverão estar presentes, por
ocasião da conciliação no JECrim, os responsáveis civis, os advogados e o Juiz.
Porém, na prática, isso não lhe parece viável, pois o responsável civil pode ir além
da pessoa do autor do fato, citando como exemplo o proprietário de uma empresa
de ônibus cujo motorista envolveu-se em acidente de trânsito com vítima.
Infere-se das palavras do entrevistado que, além da existência de muitas
partes para um acordo, também concorrem em detrimento da negociação o fato de a
conciliação dar-se comumente em uma única sessão, que dura no máximo 20 (vinte)
minutos. O Promotor entende também que não lhe parece ser o Juiz a única pessoa
capaz para fazer a conciliação, e que seria mais correto que observasse o acordo, e
não ser parte nele.
Por isso, nesses casos, a posição do entrevistado é de verificar se as partes
já possuem algum acordo e, se houver, opinará pela homologação do Juiz.
O entrevistado pontuou que exercer o papel de conciliação civil é uma
situação difícil de ser compreendida pelo Juiz e pelo Promotor que atuam no Juízo
Criminal, os quais deveriam também passar por uma atualização, para internalizar
que o papel da Lei nº 9.099/95, que não é somente de despenalização, mas também
de pacificação.
Em resposta à pergunta 5, o entrevistado ser a mediação uma prática
restaurativa que pode ser utilizada para infrações penais de menor potencial
ofensivo. Citou como exemplo os casos de conflito de vizinhança, onde esse
instrumento de resolução de conflitos torna-se importante. Que a Justiça, no que
atine à atividade restaurativa, possui limites legais e parâmetros constitucionais e
242
processuais a se observar, e dentro desse olhar, pode se dar novo perfil e enfoque
do atendimento.
No que diz respeito à pergunta 6, disse que não vê óbice em se aceitar nos
JECrims os acordos de composição de danos homologados pelo Juiz do CEJUSC.
Aliás, réplica do entrevistado foi mais incisiva, no sentido de que esses acordos
devem ser aproveitados pelo JECrim, para os fins do artigo 74, parágrafo único da
Lei nº 9.099/95. Vai além, ao explicar que seu modo de proceder é no sentido de
que qualquer tipo de acordo deve servir a esse propósito, como, por exemplo, o feito
na seguradora no caso de acidente de trânsito com vítima.
Disse que os arquivamentos de TCO (pergunta 7) no JECrim ocorrem
diante da falta de justa causa para designação da audiência preliminar.
Em suas considerações finais (pergunta 8), destaca-se a parte em que o
entrevistado diz que na discussão sobre a Lei nº 9.099/95 há muita filigrana
acadêmica e falta de praticidade no que concerne a entender a norma processual
para o fim consensual, voltada a uma Justiça Restaurativa. Nessa linha, seu
entendimento é de que é preciso que a Justiça Criminal deixe de ser voltada ao
interesse do Estado em punir o autor do fato, para se tornar cada vez mais uma
justiça negociada, uma Justiça Penal com base no consenso.
Ressaltou, ao fim, que se o pensamento residir somente naquilo que é
tradicional - na questão da indisponibilidade da ação penal, no princípio da
obrigatoriedade, nas questões estanques de cada Instituição, nas funções
consideradas como privativas na Constituição Federal - nunca se conseguirá
construir um modelo consensual de Justiça.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
83
A subseção 4.3.4.2 traz a pesquisa de opinião feita junto aos policiais militares mediadores e
conciliadores, cujas respostas à pergunta 8 indicam que somente 1,6% dos respondentes
percebem que a vítima, nas mediações e conciliações, intenciona exclusivamente a punição do
ofensor.
248
84
Atualmente são 125 (cento e vinte e cinco) NUMEC e 15 (quinze) NUMEC/CEJUSC, cujas
Unidades estão relacionadas na Tabela 3, na subseção 3.5.5.
85
As prevenções primária, secundária e terciária foram explicadas na subseção 2.2.2.2.
249
86
Na subseção 3.6.4.2 viu-se que os estudos do IPEA (2015a, p. 45 - 46) apontaram que há
resistência por parte de alguns Juízes e servidores, assim como de Promotores e Defensores, em
trabalharem em Juizados e que em algumas localidades percebe-se o menosprezo pelos tipos
penais de menor potencial ofensivo.
87
Principalmente na entrevista do APÊNDICE III viu-se a inaptidão de boa parte dos Juizes e de
Promotores de Justiça que atuam na área criminal para lidar com a conciliação civil tratada na Lei
nº 9.099/95.
88
Conforme se viu na Tabela 24 da subseção 4.4, as audiências preliminares são curtas, sendo que
nos Cartórios Criminais visitados, em São José do Rio Preto, constatou-se que duram de 5 (cinco)
a 15 (quinze) minutos.
251
89
Viu-se nesta pesquisa que o CNJ decidiu não ser necessária a presença dos advogados das
partes nas conciliações e mediações dos CEJUSC.
90
Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo
competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial
(BRASIL, 1995).
91
Art. 20 [...] Parágrafo único. O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo,
constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial
(BRASIL, 2015b).
252
Por sua vez, no JECrim, esse acordo pode ser aproveitado para extinção da
punibilidade, nos termos do artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9.099/9592.
Convém lembrar que os acordos extrajudiciais obtidos na mediação dos
NUMEC, fora do sistema do CEJUSC, também tem força executiva mesmo que não
sejam homologados pela autoridade judiciária, sendo assim aptos para serem
cobrados em ação de execução, sem necessidade de uma ação de conhecimento.
Já nos casos de ação penal pública condicionada ou privada em que o
ofendido manifeste interesse no prosseguimento da ação penal ou nas situações
de ação penal pública incondicionada, a proposta é de que o policial militar efetue
o registro do TCO e convide as partes para mediação ou conciliação no NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC.
Porém, nesse caso, caberá ao policial militar esclarecer que o acordo tratará
apenas das questões de Direito Civil (reparação do dano) e de pacificação da
relação entre as partes, sendo que as consequências penais ficarão a encargo do
JECrim.
Nessa conformidade, o TCO registrado pela Polícia Militar seguirá
normalmente ao JECrim e eventual composição civil obtida no NUMEC ou
NUMEC/CEJUSC não encerrará a ação penal, mas poderá beneficiar o infrator para
fins de fixação da pena, nos termos do artigo 59 do Código Penal, ou até como
prova de arrependimento posterior, em conformidade com o artigo 16, também do
Código Penal.
Isso significa que não se afasta a jurisdição, porque nos casos de ação
penal seja pública incondicionada ou naqueles que haja representação ou
requerimento da vítima, os fatos serão sujeitos à apreciação das autoridades que
atuam no JECrim, por meio do encaminhamento do BO/PM ou do TCO,
preservando-se assim o devido controle jurisdicional e do Ministério Público.
A resolução de tais conflitos pela PMESP, por meio dos NUMEC e
NUMEC/CEJUSC, apresenta potencial no sentido de otimizar os três fatores,
comentados há pouco, que se mostraram deficitários nos JECrims:
a) o tempo, porque a PMESP é porta de entrada dessas ocorrências e
pode iniciar de imediato o processo de pacificação, estando apta,
92
Art. 74 [...] Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal
pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação (BRASIL, 1995).
253
93
Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá
ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.
Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até
o julgamento definitivo daquela (BRASIL, 1941a).
94
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais
sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no juízo criminal (BRASIL, 2002).
95
Na subseção 3.6.5.4, viu-se o posicionamento da Mirabete (2008, p. 146): “Não pode, porém, o
juízo cível obrigar o lesado a aguardar o trânsito em julgado da sentença penal, sob fundamento
da prejudicialidade”.
255
policiais militares podem levar à composição civil com homologação judicial, que tem
o condão de extinguir a punibilidade e finalizar o processo, nos termos do artigo 74,
parágrafo único da Lei nº 9.099/95, o que desonera o Poder Judiciário e ao mesmo
tempo possui efeito preventivo, que repercute em prol do policiamento ostensivo.
A solução sociológica mostra-se, muitas vezes, mais importante e eficiente
do que a meramente processual e jurídica, de acordo com os ensinamentos de Silva
Júnior (2014, p. 4):
Não é de agora que sustentamos a necessidade de uma revisão de
paradigmas na área de segurança pública (SILVA JÚNIOR, 2000, 2007,
2007b, 2008, 2009) que possibilite encarar os conflitos sociais por uma ótica
transdisciplinar, capaz de orientar sua solução ou condução com o auxílio
de outras ciências que não só a jurídica; mas os paradigmas que permeiam
a ordem burocrática estatal, notadamente os de natureza jurídica, fazem a
estrutura estatal permeável, quando não reativa, às propostas de mudança:
um Estado Jurídico neófobo.
96
Os números dos JECrims de São José do Rio Preto e Araçatuba, conforme visto na subseção
4.2.3, indicam que foram arquivados em 2019, respectivamente, 67% (Gráfico 20) e 78% (Gráfico
21) dos feitos que deram entrada nos Cartórios Criminais..
256
97
Viu-se no decorrer deste trabalho representação de improbidade da Polícia Civil contra a Polícia
Militar em razão das atividades dos NUMEC, a qual foi indeferida pelo Ministério Público (MPSP,
2017). Também se comentou sobre ADI do CONAMP (2019) contra os NECRIMs da Polícia Civil,
que se encontra sub judice. A ADEPOL também entrou com ADI contra TCO registrado pelo Poder
Judiciário, que foi indeferido pelo STF (BRASIL, 2020d).
258
A PMESP é uma Instituição que conta com mais de 189 anos de existência,
período em que enfrentou muitos desafios, sendo parte indissociável da História
Brasileira, com episódios positivos e negativos, alvo de críticas justas e injustas.
Essa organização, composta de valorosos homens selecionados de uma
sociedade complexa e multifacetária, muitas vezes acaba sendo objeto de
preconceito, principalmente de alguns grupos ideológicos, que potencializam
situações negativas e, até mesmo, as distorcem.
Nesse viés, naturalmente, ações irregulares de policiais militares, e até
mesmo as regulares descontextualizadas, ganham espaço nessa guerra difamatória
contra as Polícias Militares, impulsionada pela facilidade tecnológica e pelo uso do
artifício conhecido como pós-verdade98, por meio do qual se busca fazer com que os
casos excepcionais de excesso, diante da infinidade de bons atendimentos diários
promovidos pela Instituição, pareçam ser uma regra de comportamento treinada e
instruída nos seus bancos escolares e de formação.
A proposição deste estudo, nesse contexto, não se concentra em uma forma
pontual de atuação, mas fundamentada em uma questão de filosofia institucional,
que pode levar a uma mudança cultural e a quebra de alguns paradigmas, ainda que
de forma gradual.
Desse modo, a internalização dos conceitos que formam os mediadores e
conciliadores incute nos policiais militares o papel do policial pacificador, treinado
para agir de forma serena e com capacidade argumentativa. E o argumento que
convence evita o uso da força e eventual prática de violência policial. Esse
“modo de agir” tem potencial para tornar cada vez mais raras a captação de
situações que prejudicam a imagem institucional, ao mesmo tempo em que
aproxima o policial militar da sociedade como agente pacificador.
Embora se compreenda que as diversas modalidades e os múltiplos campos
de atuação na Polícia Militar exijam determinados perfis pessoais, pode-se concluir
que todos os seus integrantes, indistintamente, devem ter a aptidão para resolver
conflitos, porque esta característica está presente em todas as atividades e
atribuições policiais-militares.
98
Pós-verdade é um neologismo que passou a ser utilizado para descrever as manipulações da
verdade por meio de mensagens impactantes que buscam influenciar as pessoas no plano
emocional, distorcendo ou tirando o foco da realidade, transmitidas por meio de discursos
apelativos e voltados à formação da opinião pública.
260
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Horário: 18h00
Tipo de entrevista: Estruturada, com respostas transcritas pelo próprio
entrevistado.
Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:
ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada, é comum o ofendido se manifestar,
de forma veemente, pelo não registro de ocorrência. Pergunta-se: segundo compreensão de Vossa
Excelência, nessas situações, o policial militar deve registrar o Boletim de Ocorrência ou Termo
Circunstanciado, mesmo contra a vontade do ofendido, ou deve entender que se trata de um direito
subjetivo da vítima, que não pode ser obrigada a fazer tal registro? Quais os motivos que justificam
uma medida ou outra?
Resposta. Infração penal, ainda que de menor potencial ofensivo, escapa do alcance daquilo que
vem preconizado na Resolução CNJ nº 125, razão pela qual não pode ser tratada no âmbito dos
CEJUSC, ou dos próprios NUMEC, enquanto “braço” daquele. Por outro lado, aqui no nosso Estado
de São Paulo, há muita polêmica acerca da possibilidade de o Policial Militar lavrar um TCO, porque
o entendimento majoritário é no sentido de que essa ação incumbe ao Delegado de Polícia. Assim,
mesmo entendendo que se trata de um direito subjetivo da vítima, penso que, enquanto não
consolidado o entendimento no que se refere à competência da Polícia Militar para o exercício do
mister, a ela incumbirá a lavratura do BO ou o encaminhamento do caso ao Delegado de Polícia
para que este se encarregue do TCO. No primeiro caso, os aspectos cíveis que decorrem daquele
acontecimento poderão ser objeto de negociação no âmbito dos NUMEC, enquanto que, no segundo
caso, deverão ter o encaminhamento de praxe até que chegue ao Juizado Especial Criminal.
Pergunta 3. Na atuação dos NUMEC e CEJUSC, segundo entendimento de Vossa Excelência, a
conciliação deve se ater à composição civil dos danos em relação à questão de direito material ou
deve ir além, buscando pacificar a relação entre os indivíduos, inclusive com práticas voltadas ao
método de mediação? Quais os motivos que justificam a resposta?
Resposta. A função precípua da mediação e da conciliação não é a resolução do conflito, mas, isto
sim, o restabelecimento do diálogo e a compreensão pelas partes de que divergências existem, mas
que podem ser solucionadas sem que impliquem em litígios. Não bastasse, há que se considerar
que nem sempre uma situação que comporta conciliação/mediação contempla danos materiais,
sendo certo que, sobretudo nas questões que envolvem relações continuativas (questões de família,
por exemplo), a pacificação da relação interpessoal se mostra muito eficaz no que se refere à
cessação de reiterados conflitos por uma mesma razão. Imperioso registrar que, por vezes, o
simples fato de se comporem e restabelecerem a conversa é motivo para que uma das partes exija
da outra alguma indenização de cunho financeiro, que se mostrava, até então, como a única
pretensão deduzida. Como costumo manifestar em minhas aulas, o terceiro facilitador que tiver o
dom de, com base nas técnicas aprendidas no Curso de Formação, trocar o ponto final existente
numa relação de pessoas, por uma vírgula, não resolverá um problema, mas, sim, talvez todos que
vierem a acontecer. Jamais podemos cogitar de uma conciliação que se atenha, exclusivamente, à
composição civil eventualmente pretendida, mas ir sempre além, incutindo nas partes a certeza de
que, se tiveram poder para geral o conflito, têm igual poder para resolvê-lo.
Pergunta 4. Segundo nosso entendimento, com base na presente pesquisa, no JECrim a solução da
lide por meio da conciliação concentra-se, com maior ênfase, na composição civil e não na
pacificação do conflito sociológico (com atuação no campo afetivo e emocional). Pergunta-se:
consoante o que prevê a Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, a mediação, de forma imediata,
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promovida por policiais militares, a fim de prevenir futuras desavenças e conflitos mais graves,
poderia complementar e tornar mais completa a solução, com efeito preventivo em benefício da
ordem pública? Por quais motivos?
Resposta. Penso que me tornaria repetitivo se respondesse esse questionamento, pois tudo o que
penso acerca do tema, já expendi na questão anterior.
Pergunta 5. Sabe-se que a mediação iniciada imediatamente pela Polícia Militar, no sentido de
pacificar o conflito, estabelece vínculo de confiança entre as partes, o que pode levar a um acordo de
composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC?
Resposta. Como se trata de questão que envolve composição civil, e as consequências pretendidas
dependem de vontade expressa do ofendido, não vejo problema em ver homologado pela autoridade
do CEJUSC. De toda forma, é importante que se atente para o fato de que, por vezes a
representação já foi promovida perante a autoridade policial e, verificada essa hipótese, o ofendido a
ela não poderá renunciar (pois já foi exercida), mas somente se retratar da representação e
renunciar à queixa.
Pergunta 6. Vossa Excelência deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões
que possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado a
outras considerações que julgar pertinentes.
Resposta. O escopo da Política Pública estabelecida pela citada Resolução 125, ou seja, a partir
dos meios autocompositivos de solução de conflitos, é o de propagar uma cultura de paz que se
contraponha à litigiosidade inerente à população que encontrou muita facilidade de recorrer ao Poder
Judiciário após a Constituição de 1988. Noutras palavras, essas atividades hoje desenvolvidas pelos
NUMEC visam a fazer com que a atividade desenvolvida pelo Judiciário não tenha um cunho
decisional, mas, sim, meramente homologatório, fazendo prevalecer a vontade das partes em
detrimento da vontade do Estado.
A eficiência operacional do Judiciário pode ser medida pelo grande número de decisões que são
proferidas diariamente, seja pelas interlocutórias, pelas sentenças ou pelos acórdãos. De toda sorte,
porém, essa atuação dos magistrados visa à resolução dos processos, o que nem sempre (acredito
que na imensa maioria das vezes) representa a resolução do conflito estabelecido. Significa que
mesmo um Judiciário eficiente nem sempre atende às expectativas dos cidadãos, pois estes buscam
solucionar os problemas que os afligem e não simplesmente o processo judicial que decorre dessa
pretensão. Assim, uma eficiente e ampla atuação dos NUMEC/CEJUSC representará, sem dúvidas,
uma significativa redução nas judicializações, sem a necessidade de enfrentamento daquela rigidez
formal e daquela inflexibilidade procedimental que lhe são próprias.
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Data: 04/09/2020
Horário: 13h00
Tipo de entrevista: Semiestruturada, com respostas inicialmente transcritas pela
entrevistada; após entrevista pessoal, acréscimos de
anotações do entrevistador, revisadas pela entrevistada.
Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:
prosseguimento. Como exemplo, citou o caso de uma pessoa esfaqueada, no sentido de saber se
não foi a primeira vez que houve problema com aquela pessoa, caso a Polícia já tenha sido
acionada por três ou quatro vezes anteriormente para seu atendimento.
Aqui, o entrevistador lhe explicou como é feito o registro do atendimento pela Polícia Militar, por
meio do sistema informatizado do COPOM, em que os atendimentos ficam registrados, com
histórico inicial, histórico final e resultado, incluindo as partes contatadas, mesmo quando não há
registro de Boletim de Ocorrência. No entendimento da entrevistada, na situação descrita na
pergunta, esse tipo de registro lhe parece suficiente.
Em complemento, após ser pontualmente feita a pergunta pelo entrevistado sobre a questão, no
caso de infração penal de menor potencial ofensivo que a pessoa não desejar representar, em não
dar prosseguimento, entende não ser necessário o registro do BO ou do TC, sendo suficiente o
registro de atendimento feito no sistema informatizado pela PM, para que a parte não venha alegar
posteriormente, como exemplo, que acionou a PM cinco vezes e não houve registro de ocorrência,
ou que houve negativa de atendimento.
Pergunta 2. Nos casos envolvendo infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja
pública incondicionada, Vossa Excelência entende que há campo para a composição civil de
eventual dano moral e/ou material e que, eventualmente, pode ser cabível mediação baseada em
práticas restaurativas? Quais os motivos que justificam a resposta?
Resposta. Entende que sim, para solucionar o conflito maior de interesses, sendo imprescindível
esclarecer aos envolvidos, contudo, que não se colocará fim às consequências criminais, e que se
resolverá apenas as consequências cíveis.
Sobre ser possível a mediação em crimes de infração penal de menor potencial ofensivo de ação
penal incondicionada, concorda que pode ser utilizada pelo JECrim em benefício do autor por
minimizar os danos, o que não exclui a responsabilidade penal, mas interfere na análise da conduta
do agente, do seu comportamento social e até mesmo nas consequências do crime e eventualmente
avaliação do dolo, pois a pessoa pode alegar que não queria fazer aquilo e que foi um erro seu.
Pergunta 3. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas de Economia Aplicada (IPEA) de
2015, assim como coleta de dados secundária das estatísticas do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), verifica-se que as composições civis nos JECrims apresentam-se abaixo de 8,4% em
relação ao total de audiências realizadas (este o percentual mais alto encontrado em nossa
pesquisa). Pergunta-se: segundo a experiência de Vossa Excelência, a que se deve tal fenômeno e
por que isso ocorre?
Resposta. São diversos fatores. Em diversos casos a vítima não apurou seus prejuízos ainda, em
outros há discussão de responsabilidade e culpabilidade e a composição civil implica em
pagamentos, ou seja, precisa-se assumir responsabilidade, ao passo que a transação penal não
implica em reconhecimento de culpa.
Acrescentou que outro problema que ocorre é que na audiência do JECrim, geralmente, o autor tem
defensor e a vítima não, o que faz com que esta se sinta um pouco desprotegida. Assim, quando o
ofendido chega a uma audiência, vê-se diante do Juiz, do Promotor e do autor com o seu advogado.
Isso reforça a vantagem da conciliação na Polícia, porque as partes são atendidas em um patamar
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de composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC e seu aproveitamento pelo JECrim, em especial, para extinção da
ação penal, nos termos do parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. Pela interpretação atual, provavelmente não porque as partes podem alegar falta de
assistência e/ou orientação jurídica, mas sempre serve como comprovação da boa fé e intenção das
partes.
Disse que, sobre os acordos dos CEJUSC e sua homologação, que lhes confere força de título
executivo judicial, o entrevistador perguntou por que não aceitá-los no JECrim, ao invés de se deixar
o conflito em aberto, para tudo ser decidido numa audiência preliminar de vinte minutos, ao que a
entrevistada respondeu entender tal ponto de vista, mas que nesse caso também há questões
institucionais, que tratam de abrir mão da atribuição, de soberania, e daí decorrem as divergências
sobre a homologação dos acordos. Em São José do Rio Preto, são oito Varas Cíveis e a Vara do
Juizado Especial Cível, além de cinco Varas Criminais, e nem todos pensam igual. É importante
expor o trabalho que está sendo feito pela Polícia, especialmente porque contribui para deixar a
situação mais pronta para o Judiciário e desafogar o trabalho do Judiciário.
O entrevistador, sobre a questão a inafastabilidade da jurisdição, perguntou sobre a questão da
sobrecarga do Poder Judiciário, ao que respondeu a entrevistada que a mediação a conciliação e
todas as mudanças trazidas pela lei foram no sentido incentivar. A conciliação, antes eventual, hoje
é praticamente uma regra. Na Lei nº 9099/95, sob o aspecto civil, exige-se a presença das partes
nas audiências, a ausência do autor leva à extinção e a do réu, à revelia. E não adianta a parte
enviar procurador, porque é exigida a presença física das partes, o que contribuiu muito para o
acordo, pois a parte fala e participa diretamente, ainda que assistida por advogado.
A entrevistada vê que a observância dos princípios como os da inafastabilidade da jurisdição e da
Justiça gratuita acabou levando a banalização de muitas questões, porém, de outro lado, há casos
em que algumas situações parecem ser banais, mas, ao ser ouvida a pessoa lesada, verifica-se que
ela tem a verdade dela e se sente preterida, lesada e enganada. Quando se dá a oportunidade para
que se manifeste, verifica-se que ela se sente atendida e se acalma, o que também pode solucionar
conflitos.
Pergunta 7. Existem situações de arquivamento do Termo Circunstanciado por parte do Ministério
Público ou da autoridade judiciária com consequente não agendamento de audiência preliminar? Se
positiva a resposta, em que situações isso ocorre?
Resposta. Sim. Ocorre basicamente em casos que falta justa causa para prosseguimento, outros
casos que sequer configuram infração penal.
Acrescentou que, a esse respeito, percebe-se que quanto maior a comarca, mais arquivamentos
acontecem.
Pergunta 8. Vossa Excelência deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões
que possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado
a outras considerações que julgar pertinentes.
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Resposta. A busca pela pacificação social deve ser constante e a utilização de instrumentos como
mediação, justiça restaurativa dentre outros, são de fundamental importância para, independente de
apuração dos fatos já ocorridos, evitar a reiteração.
Todas as questões discutidas na entrevista, que não foram inclusas nas respostas às perguntas
anteriores, encontram-se narradas nos parágrafos abaixo.
O entrevistador explicou que com a mediação feita pela PM, o Juiz teria em mãos um instrumento de
composição que não teria como ser trabalhado nos Juizados, em que as audiências são curtas e
demoram acontecer. Sob a demora, em determinado ponto da entrevista, a entrevistada concordou
que as audiências demoram a ocorrer considerando a data inicial do conflito.
Quanto a serem curtas, também concordou, explicando que existem Juízes que fazem, inclusive,
audiências em massa.
A entrevistada entende como aspectos relevantes [sobre a mediação iniciada mais cedo], de um
lado o conflito está mais aflorado, mas de outro, as pessoas estão resolvendo no ambiente delas,
mais favorável. A partir do momento que se dá seguimento à ocorrência pela Polícia, que é
chamada à Delegacia, orientada a procurar um advogado, quando a pessoa chega à audiência
preliminar no JECrim, algumas pessoas pensam: “já que eu vim até aqui, agora eu vou até o final”.
Assim, torna-se mais complicado resolver. Há casos, por exemplo, com colisão de trânsito, em que
no NECRIM se resolveu somente o valor do carro, mas [se ela tiver que seguir ao JECrim] terá
outras despesas, com advogado, levando a orçamentos mais elevados e mais custos, que
prejudicam o acordo, além da “perda” de mais tempo para resolver o impasse.
Entende, dessa forma, que os acordos obtidos fora do JECrim são viáveis, mas que deve se ter em
mente que talvez não sejam aceitos como título executivo e a pessoa possa ingressar com ação de
conhecimento.
Por sua vez, nos casos de infração penal de ação pública condicionada, o Ministério Público pode
entender que o acordo pode fazer com que se declare extinta a punibilidade, mas se não for integral
o acordo fora do Judiciário, a vítima pode reclamar providências e, nesse caso, oferecer-se-ia a
transação penal e a reparação do dano seria analisada em favor do autor da infração, nos termos do
art. 59 do Código Penal, ou seja, o acordo traria efeitos positivos, porém, sem eventualmente excluir
a discussão sobre o dano integral.
É comum que isso aconteça, que alguém diga que foi enganado no momento do acordo, que foi
atrás do advogado e que agora entendeu direito a questão, mas isso ocorre inclusive em relação a
decisões do Judiciário. Aliás, acrescenta que é comum as partes comparecerem nos JECrims sem
advogados.
A entrevistada entende que todo esse trabalho da PM deve ser visto como um prestígio à vítima,
uma vez que a Justiça Criminal acaba se preocupando mais em punir, em responsabilizar o infrator,
e nem sempre questiona a vítima: o que ficaria bom para você?
A questão da mediação, que acaba sendo ampla nisso, que é ouvir o outro, e a capacitação dos
policiais para isso é importante, porque a pessoa ela quer ser ouvida. Se ela tem um espaço para
isso e o outro fala “nossa, eu não sabia que você tava passando por tudo isso, me desculpa, vou
resolver”. Que está tendo muitas ações de crimes contra a honra por publicação em rede social e
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muitas vezes a pessoa só quer que a outra pessoa delete aquilo e a esqueça, e a outra vem a dizer
que não sabia que estava incomodando. Então a situação se resolve, muitas vezes com exclusão da
postagem, ou retratação pública, sem indenizações.
Sobre a policial militar servir como agente pacificador, disse de sua experiência no que se refere à
análise de ocorrências referente a acidente de trânsito, nas quais vê que muitos policiais fazem um
registro muito bem feito e se percebe seu caráter pacificador, em que colhem a versão das partes,
tiram fotos do evento, orientam os envolvidos na busca pela resolução, às vezes colhem até dados
de alguma testemunha. De outro lado, há ocorrências que a pessoa reclama que nem foi ouvida
pelo policial.
Entende que é necessário ao policial ter esse olhar, do outro, como ser humano, seja como vítima,
seja como autor do fato. Aliás, lembra, em acidente de trânsito, quando se tem lesão corporal, o
causador já é considerado autor, mesmo que ele esteja certo e seja, na verdade, uma vítima. É
necessário que no atendimento desse tipo de ocorrência, já no meio do conflito, o responsável pelo
atendimento não deve ser mais um vetor do dissenso e sim manter uma postura no sentido de
acalmar os envolvidos, se vai ou não resolver-se o conflito naquele momento isso será uma
consequência. Mesmo que não se resolva ali, acalmar e orientar as partes já se configura na
pacificação social que se busca.
Sobre a capacitação do mediador/conciliador, pontuou que muitas vezes as questões acabam sendo
resolvidas mais por profissionais ligados a outras áreas de conhecimento, como psicologia e
sociologia, do que pelos que tem formação em Direito, que acabam vendo o conflito de uma ótica
mais jurídica.
Isso sugere que, no que se refere da Polícia fazer a mediação, ter que se ouvir um lado, ouvir o
outro, e na linha tênue entre a conciliação e mediação, a terceira pessoa introduzir de forma sutil
uma possibilidade de solução, colocando um “e se” na discussão. Isso porque muitas vezes as
partes estão propensas a fazer o acordo, mas não dar o braço a torcer, porém, acabam
concordando, quando essa solução vem do terceiro.
Sobre a proposta da tese do entrevistador, a magistrada entende que está na vanguarda do direito,
que há resistências, mas que estão sendo vencidas, aliás, bem mais rápido do se imaginava.
E isso se mostra melhor, há de se buscar a solução, ouvir as partes, e essa preocupação da Polícia
pensa que resguarda a própria vítima, porque no aspecto criminal, o ofendido chega ser ouvido na
audiência e pergunta “quando é que vou receber?” e lhe é dito que não irá receber, que vai se punir
o autor, caso clássico de estelionato. Então, a vítima se sente mais lesada ainda.
Sobre a mediação da PM, posiciona a favor, mas com todas as considerações que foram feitas, a
exemplo da inafastabilidade da jurisdição.
286
Data: 27/08/2020
Horário: 18h20
Tipo de entrevista: Semiestruturada, com perguntas enviadas antecipadamente
ao entrevistado; após entrevista pessoal, as respostas foram
anotadas e transcritas pelo entrevistador e revisadas pelo
entrevistado.
Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Excelência a inestimável contribuição no
sentido de responder à pauta de entrevista a seguir:
pesquisa). Pergunta-se: segundo a experiência de Vossa Excelência, a que se deve tal fenômeno e
por que isso ocorre?
Resposta. O baixo número de composições dá-se porque, às vezes, quando o TC chega ao Fórum,
não há parâmetro para fazer a negociação.
Em um crime de acidente de trânsito têm-se danos cessantes, danos morais, danos patrimoniais,
danos estéticos. Às vezes nem o Juiz nem a vítima tem condição para negociar. Nessas situações, o
próprio entrevistado orienta para não se dar o seguimento à conciliação por não haver parâmetros
para esse acordo, pois o que se fizer naquele momento poderá ser alterado, porque as premissas
desse acordo não serão as mesmas da sua realidade atual.
Há ainda danos ocultos que podem surgir na evolução de uma doença da pessoa.
Na maioria das vezes, principalmente nos casos de ação penal pública condicionada à
representação que envolve relações contínuas - lesão corporal entre vizinhos, entre pessoas que já
possuíam uma animosidade pretérita -, uma parte não aceita fazer acordo com a outra naquele
momento. Mesmo que esteja em posição desfavorável naquela situação, a parte (autora) não se vê
como a causadora de dano.
Nesses casos, apesar das tentativas, percebe-se que se perde tempo e se consegue um percentual
muito baixo de composições, como citado na pesquisa.
Isso ocorre não por falta de tentativa, mas porque a lide não permite em dado momento fazer-se
uma composição de danos, porque a relação envolve sentimento, envolve emoção, e não é só
questão de valor.
Como exemplo comum, o caso em que uma pessoa agride outra, uma dificilmente aceitará pagar ao
(à) rival. Isso é muito raro acontecer.
Isso ocorre porque uma pessoa não aceita, porque acha que está perdendo para a outra. A primeira
pergunta que a parte autora faz é: “vou ter que pagar para quem, para ela [a outra parte] ou para
vocês [o Juizado]?" Nessa situação, explica-se que o pagamento não será feito necessariamente à
outra parte, mas para colaborar com o Fundo da Criança e Adolescente, AACD ou APAE, tornando
mais fácil se conseguir a transação e não a composição. Porque na composição a pessoa está
pagando para a outra parte e na transação paga a uma entidade de caridade.
Em casos como lesão corporal de trânsito, com dano pequeno, ainda se consegue algum sucesso,
porque se tem ideia do que esteja acontecendo, mas quando a lide não envolve somente a questão
patrimonial - e daí vem a ideia de composição civil - é praticamente impossível fazer o acordo na
prática dentro do JECrim.
Nesse ponto, o entrevistado vê que os juízes mais novos, os que têm formação mais recente,
entendem e percebem que o problema não é só jurídico, que tem que pacificar, que “o caminho é
esse aí mesmo”.
Pergunta 4. Em São José do Rio Preto, o NECRIM da Polícia Civil tem feito conciliações nos casos
de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja privada ou pública condicionada.
Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável o aproveitamento pelos JECrims desse tipo de
acordo e sua homologação para os fins dispostos no parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. Aqui, em sua resposta, o entrevistado além do NECRIM, incluiu também os Núcleos de
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Nos casos mais graves, o entrevistado vê a prática restaurativa alcançando a pessoa que sai da
cadeia ou de algum lugar onde se encontrava socialmente contida, de forma a retorná-la ao convívio
social. Entende que isso pode ser aplicado não somente nos delitos mais graves, mas a tudo.
Em outro trecho da entrevista, o entrevistado também fala sobre a justiça, no que atine à atividade
restaurativa, que há limites legais e parâmetros constitucionais e processuais a se observar, e
dentro desse olhar, pode se dar um novo perfil e um novo enfoque do atendimento.
Pergunta 6. Sabe-se que a mediação iniciada imediatamente pela Polícia Militar, no sentido de
pacificar o conflito, estabelece vínculo de confiança entre as partes, o que pode levar a um acordo
de composição civil, com manifestação clara do ofendido em não desejar o prosseguimento da ação
penal – no caso de infração penal de menor potencial ofensivo cuja ação seja privada ou pública
condicionada. Pergunta-se: Vossa Excelência vê como viável esse acordo ser homologado pela
autoridade judiciária do CEJUSC e seu aproveitamento pelo JECrim, em especial, para extinção da
ação penal, nos termos do parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95?
Resposta. O entrevistado responde não ver óbice nesse sentido. Seu entendimento é de que o
acordo de composição de danos não precisa de homologação e serve para extinção da punibilidade.
Sobre os acordos feitos pelo CEJUSC, o seu posicionamento é de que não só podem, como devem
ser aproveitados para os fins do artigo 74, parágrafo único da Lei nº 9099/95.
Como exemplo, pontuou que seu procedimento é no sentido de que, se as partes fizerem o acordo
na seguradora no caso de acidente de trânsito com vítima, no seu entendimento, isso já significa
que está extinta punibilidade. É pacta sunt servanda. Se a seguradora pagou os danos patrimoniais,
e o beneficiário assina o termo de quitação dos danos para poder receber o valor, já estará extinta a
punibilidade. Pelo que sabe, a maioria dos Promotores da região adotam essa prática.
Pergunta 7. Existem situações de arquivamento do Termo Circunstanciado por parte do Ministério
Público ou da autoridade judiciária com consequente não agendamento de audiência preliminar? Se
positiva a resposta, em que situações isso ocorre?
Resposta. A primeira manifestação do Ministério Público, ao receber um Termo Circunstanciado, é
no sentido de verificar se é ou não caso de arquivamento. A audiência preliminar pressupõe a
existência de justa causa, ou seja, elementos de autoria e de materialidade delitiva.
Não havendo justa causa, ocorrerá o arquivamento e não haverá a audiência preliminar.
Nesse sentido, essas são as fases que envolvem as propostas do Ministério Público em relação a
uma infração de menor potencial ofensivo: arquivamento; proposta de transação penal; suspensão
do processo mediante acordo de não persecução penal; suspensão condicional do processo.
No entanto, se o registro do Termo Circunstanciado não oferecer elementos probatórios de autoria e
materialidade, desde logo ocorrerá o arquivamento e a não realização da audiência de custódia.
Pergunta 8. Vossa Excelência deseja fazer considerações gerais, incluindo críticas e sugestões que
possam auxiliar na consecução da presente pesquisa? Se sim, o campo abaixo está destinado a
outras considerações que julgar pertinentes.
Resposta. Incluem-se neste campo as considerações do entrevistado que não foram constadas nas
questões anteriores.
Disse que trabalha com a Lei nº 9099/95 desde a sua fundação, com a criação de Juizados
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Especiais Criminais. Lembrou que, em São Paulo, ainda como Oficial de Justiça, as causas
criminais passíveis de detenção e reclusão eram encaminhadas para o Fórum Central “Mário
Magalhães”, enquanto os pequenos delitos e as contravenções eram distribuídos aos Fóruns e
Varas regionais, ocasião em que os crimes de lesão corporal dolosa e culposa eram de ação penal
pública incondicionada.
Que essas infrações menores muito sobrecarregavam a Polícia Militar e a Polícia Civil, pois não
existia naquela época o Termo Circunstanciado e, nesses casos, instaurava-se Inquérito.
Uma simples abordagem por falta de habilitação, à época uma contravenção penal, partida de uma
simples abordagem de rotina do policial militar, obrigava o Delegado a instaurar Inquérito Policial e
seguir o processo criminal, com a sentença do Poder Judiciário, a sentenciar o indivíduo, para
absolvição ou condenação.
Tudo isso gerava muito trabalho, deixando em aberto a questão: como seria hoje se tudo
continuasse como antes da Lei nº 9099/95, diante da conflituosidade que a sociedade vem
enfrentando?
Diante dessa realidade, afirmou que, sem dúvida alguma, a melhor solução para esses delitos de
bagatela, de menor potencial ofensivo, é a conciliação. Que a causa penal perde relevo quando se
consegue atingir a finalidade da Justiça que a pacificação social.
Disse que não se consegue a pacificação com a resposta penal, que deve haver muito mais que
isso, no sentido de resolver a lide que é muito maior do que o objeto do processo que está sendo
discutido.
Ressaltou que não é mais possível a judicialização de tudo e de tratar de situações que tenham
fundo social e de relacionamento dentro de uma Justiça penal que não tenha por pensamento a
pacificação social.
A Lei nº 9099/95 foi muito discutida, mas se percebe que havia muita filigrana acadêmica e falta de
praticidade no que concerne a entender a norma processual para o fim consensual, voltada a uma
justiça restaurativa.
Entende que é preciso que deixe de ser uma Justiça Criminal voltada ao interesse do Estado de se
punir o fato para se tornar cada vez mais uma Justiça negociada, uma Justiça Penal com base no
consenso.
Dentro desse panorama, o entrevistado vê a conciliação como alternativa dentro da Justiça penal. E
não só conciliação, mas a mediação dos conflitos. E haverá que se elegerem os atores sociais e
institucionais que vão trabalhar nesse sentido.
Disse que vê a conciliação, inevitavelmente, como um dos instrumentos que vai ocupar espaço
dentro de uma Justiça Penal consensual e negociada e que a grande questão que surge é como
viabilizá-la e quais serão as Instituições e os atores que atuarão nesse novo cenário.
Inferiu que se o pensamento residir somente no tradicional, na questão da indisponibilidade da ação
penal, no princípio da obrigatoriedade, nas questões estanques de cada Instituição, nas funções
consideradas como privativas na Constituição Federal, nunca se conseguirá construir um modelo
consensual de Justiça.
Nesse sentido manifestou concordância com o modelo de pensamento estabelecido pelo autor desta
292
tese e que deve ser pensado o papel das Instituições nessa nova situação.
Entende que não se pode pensar que a Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Poder
Judiciário são engrenagens isoladas dentro do sistema de Justiça. Na verdade, todos fazem parte
do Estado, compõem do poder estatal e são partes da administração da Justiça.
Que existe uma parcela da soberania que será exercida pelo Judiciário, mas este terá que participar
desse novo cenário, porque a decisão judicial deveria ser sempre a última hipótese a ocorrer, mas o
que se percebe é que a judicialização dos casos está cada vez mais se tornando uma premissa e
não um fim em si mesmo. Que o Poder Judiciário está sendo levado a decidir todos os casos,
refletindo uma sociedade atual doente.
Entende que atualmente há um processo de grande degradação moral/social, que o individualismo
tem prevalecido.
O entrevistado sugeriu a leitura de alguns autores fora do cenário jurídico para entender como estão
as relações humanas e quais as situações que o policial militar lida no dia a dia, o qual acaba, às
vezes, fazendo parte das situações que atende, o que o leva a uma resposta não muito adequada -
uma “resposta militar” para o conflito.
Indicou a pesquisar o autor polonês chamado Zygmunt Bauman, falecido recentemente em 2019,
que foi quem mais escreveu sobre relações humanas no Século XXI, na chamada pós-modernidade,
em que se observa relações pessoais efêmeras, em que se procura resolver as questões em um
curto espaço de tempo.
Assim, todas as discussões passam por isso e é dentro desse contexto que serão levadas à
mediação e à conciliação, devendo se entender o papel de conflituosidade decorrente dessas
relações “curtas”, como ocorre nos acidentes de trânsitos e em brigas nas quais as pessoas sequer
se conhecem.
O entrevistado relatou sua experiência durante visita ao Canadá, quando passou por algumas
cidades, onde não viu nenhum Fórum ou base similar a uma Delegacia. Percebeu uma situação
muito diferente daqui, em que o policial – que equivaleria ao nosso policial militar - é autoridade na
rua. E esse policial resolve todos os problemas diários ocorridos na rua, como, por exemplo, a briga
de vizinhos. E praticamente nada é levado ao Judiciário, que naquele país é um recurso
extremamente caro. Por isso as pessoas se socorrem da Polícia para resolver as questões. Que o
policial é muito respeitado porque o que fala é praticamente lei, e isso dá muita força no sentido de
pacificação dos conflitos no local e na hora. Daí vê-se que o policial de lá está preparado para
receber essa carga emocional.
No Brasil além da institucionalização das Polícias, os papéis são vistos de forma estanque.
O entrevistado entende que deveria haver em nosso país, disponível à sociedade e para atender
àqueles que estão envolvidos em situações de conflito, algo semelhante a um Centro de
Atendimento dessas ocorrências (conflitos), similar ao “Poupatempo”, onde a pessoa pode fazer o
RG, pagar a multa, licenciar veículo e ir ao banco. Entende que esses Centros de Atendimentos
poderiam englobar diversos órgãos e atores sociais – como assistente social, psicólogo, policial
militar - voltados à solução desses casos, principalmente nas cidades maiores, para que essas
situações não se percam no tempo, porque um dos grandes problemas relativos a esses conflitos
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pequenos decorrentes de relação continuada é que, até haver uma resposta judicial, a situação já é
outra, já piorou ou aconteceram várias outras coisas até se chegar a primeira audiência preliminar.
Que a pessoa é vista como um problema na sociedade, quando não deveria ser tratada como um
criminoso. Dá-se uma solução tardia para um problema que deveria ser resolvido lá atrás.
O entrevistado diz que enxerga hoje que a Polícia Militar tem sido a primeira porta de entrada para
busca de soluções de conflitos, não são só criminais, mas também conflitos sociais familiares de
relação continuada, em que a polícia não está preparada, pois não foi criada para isso. É fato que
está recebendo essas demandas e precisa haver um novo perfil de atendimento por parte da Polícia
Militar, com pessoal preparado para repressão de ocorrências graves, assim como também para
atendimento no varejo dessas pequenas infrações.
Lembra que, às vezes, uma ocorrência é pequena e acaba se tornando uma ocorrência
extremamente grave. Já viu isso acontecer, em um processo de desenvolvimento da agressividade
da pessoa, o policial, de testemunha, de agente pacificador, acabou sendo vítima da ocorrência.
Daí reflete o entrevistado: será que se está preparado para esse tipo de abordagem? Às vezes,
nessas ocorrências o policial pode ser visto como um intruso, uma pessoa que vai até o local
atrapalhar a relação das partes.
Deve-se, por isso, ter o policial esse perfil apaziguador, solucionador de conflitos, principalmente
cidades menores, onde tem que ser respeitado como autoridade.
Nesse panorama, o entrevistado gosta da ideia: da mediação e do uso da prática restaurativa.
O próprio entrevistado assume que procura adotar esse tipo de comportamento apaziguador,
exemplificando sua atuação em São José do Rio Preto, situação que é observada por seus colegas
que demonstram até mesmo perplexidade com tal forma de resolver os casos.
Entende que se o Promotor chega a uma audiência e intimida a pessoa, não vai conseguir
solucionar o caso. Mas terá maior possibilidade de sucesso se assumir uma posição de diálogo,
demonstrando as vantagens que o autor do fato terá, de forma a perceber que está sendo
“medicada”, mesmo constando como autor de um delito.
Às vezes o autor do fato é um médico, um policial, uma pessoa de bem, pessoas que nunca
compareceram em Fórum e não podem ser tratadas como criminosas contumazes.
Disse não ter dúvida que seria útil na audiência preliminar trazer-se a composição já ajustada, pré-
negociada, “mastigada”. Que não tem dúvida que as composições feitas, quanto mais houver
melhor, não importa quem as faça.
Reflete ainda sobre a necessidade da busca da qualidade para as mediações e conciliações, seja
por policiais militares, seja por policiais civis.
Exemplifica que no caso de um acordo feito por parte que seja menor de idade ou incapaz o
Ministério Público não vai homologá-la, pois as partes não foram devidamente representadas.
Necessário, assim, entender as questões institucionais de cada um dos atores. Pergunta: Será que
esses acordos estão indo ao JECrim com a qualidade? Será que o policial civil ou militar está
preparado fazer aquele acordo?
Deve-se pensar que o policial civil ou militar também vai ter que chamar às conciliações o
responsável civil, entender o papel de cada um dos envolvidos inclusive, se houver necessidade, a
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assistência jurídica. O advogado vai se sentir à vontade de realizar um acordo perante policial civil
ou policial militar?
As Instituições que vão ter que responder a isso e dizer se conseguem cumprir esse papel. Preparar
os policiais para fazer isso é essencial e se não houver esse preparo não se conseguirá chegar a
esse objetivo.
O perfil do policial deve-se ajustar a essas novas tendências de ocorrência e a Polícia Militar deve
passar por esse processo de renovação, compreendendo as grandes ocorrências policiais e as
banais. Advém-lhe a ideia de que o policial parece estar preparado para fazer repressão, mas não a
interveniência de outra forma. Se ele possuir essa informação, essa preparação – e aqui diz o
entrevistado que não sabe como a Polícia Militar, enquanto Instituição, vê isso - e ter acesso a aulas
com sociólogos, com pessoas ligadas aos Direitos Humanos e à Psicologia, a fim de ver o outro
lado, certo quer irá contribuir para melhora da Instituição, de forma a instruir o policial a usar a
cabeça em primeiro lugar e a arma em último caso.
O policial deve ter a vivência, de forma a entender que ele não pode ser parte da ocorrência e que
deve estar acima do problema.
Na sua ótica, o entrevistado vê que os policiais militares, de forma geral, são bons, que têm
vocação, que não buscam na Polícia somente um emprego, mas que querem efetivamente ser
policiais e isso é muito importante para a carreira. E o que diferencia a Polícia Militar de tudo, e que
é essencial, são a hierarquia e disciplina, porque sem isso não se chega a lugar nenhum.
Por fim, sobre os CEJUSC, entende que foram maravilhosos para o Poder Judiciário e têm
funcionado muito bem, as partes os estão aceitando e entendendo que é uma forma de resolver os
seus problemas. Os Núcleos têm surtido bastante efeito e a litigiosidade diminuiu. Por isso, é a favor
de criar esses Núcleos.
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Data: 28/08/2020
Horário: 18h00
Tipo de entrevista: Estruturada, com respostas transcritas pelo próprio
entrevistado.
Sou o Major PM Márcio Cortez Maya Garcia, atualmente cursando o Curso Superior de Polícia 2020 e
estou desenvolvendo pesquisa sob o tema: Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos
como Instrumentos de Preservação da Ordem Pública.
Para realização de pesquisa de campo, solicito a Vossa Senhoria a valorosa contribuição no sentido
de responder à pauta de entrevista a seguir:
policiais militares mediadores, aliado ao fato de que, a Nota de Instrução alusiva ao tema
foi editada concomitante à implantação do programa NUMEC no âmbito do Comando de
Policiamento do Interior - Cinco (CPI-5). Posteriormente, em 2019, com a criação do
NUMEC/CEJUSC, já estava em vigência a Lei de Mediação, o Convênio com o Poder
Judiciário e a Nota de Instrução no âmbito da PMESP, sendo adotados os preceitos da
Resolução nº 125 do CNJ que aduz sobre cursos de capacitação, treinamento,
aperfeiçoamento dos mediadores e conciliadores. Penso que ainda falta consolidar o
Programa de Mediação Comunitária no âmbito da Instituição, principalmente nas
Organizações Policias Militares (OPM) da capital do Estado, como disciplina de relevância,
a fim de quebrar paradigmas e preparar adequadamente os policiais militares para adoção
de um padrão procedimental e adotar uma nova estratégia organizacional para a
administração do conflito que poderá trazer, como benefício adicional, a melhoria
significativa da percepção que a população tem do trabalho policial, aumentando os níveis
de confiança e credibilidade, alinhada à filosofia de polícia comunitária, na prestação de
serviços de prevenção e atendimento das demandas originadas do telefone 190,
otimizando o relacionamento com a comunidade.
Pergunta 2. Para a expansão dos NUMEC e CEJUSC, baseado na sua experiência profissional,
quais as recomendações que tem para os Comandantes de OPM da PMESP?
Resposta. Os NUMEC/CEJUSC vêm se desenvolvendo na PMESP como uma forma efetiva de
solução dos conflitos, agindo de forma rápida e indo ao encontro dos anseios da população, que
busca sempre uma pronta resposta aos seus mais diversos litígios. Nas regiões do Estado que
estão implantando esse programa, recomendo que selecionem com esmero os policiais militares
com aptidão para atuarem como mediadores, atendendo às necessidades da sociedade em que
estão inseridos, pois, se trata de atividade voluntária e especializada, com cursos de reciclagem
permanentes, que exige preparação, atenção e diligência, buscando formação e atualização
constante para o seu exercício, não podendo haver escolhas erradas desses profissionais, haja
vista, que a PMESP tem como missão precípua e constitucional a polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública (art. 144, § 5º, CF), e em decorrência dessa atribuição, a busca pela pacificação
social tornou-se o principal objetivo da Instituição.
Pergunta 3. Com base em sua experiência profissional em Batalhões operacionais da PMESP,
incluindo o período atual como Comandante do 17º BPM/I, qual o impacto do emprego de policiais
militares na conciliação e mediação no policiamento ostensivo? Quais os motivos que fundamentam
sua resposta?
Resposta. Com base na minha experiência profissional em Batalhões operacionais da PMESP, é
possível concluir que o NUMEC implantado e desenvolvido na cidade de São José do Rio Preto -
SP, área do 17º BPM/I, previne pequenas desavenças, especialmente envolvendo familiares e
vizinhos que evoluem para episódios mais graves, evitando a espiral de violência, contribuindo de
maneira eficaz e efetiva para o serviço operacional da Corporação em nossa cidade, otimizando o
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emprego de recursos humanos e meios materiais para o exercício da polícia ostensiva, visto que, as
ocorrências que impactam o atendimento do telefone 190, como agressões, ameaças, condutas
inconvenientes, perturbações de sossego, ou seja, conflitos de proximidade e vizinhança tiveram
expressiva redução no decorrer dos anos, concorrendo para que as ligações para o Centro de
Operações da Polícia Militar (COPOM) por meio do telefone 190 diminuíssem, possibilitando que as
Unidades de Serviço (US) fossem desincumbidas dessas ocorrências e liberadas para o
patrulhamento, potencializando o policiamento ostensivo e redução dos índices criminais em nossa
cidade.
Pergunta 4. Qual a percepção do entrevistado sobre a visão que o Ministério Público, o Poder
Judiciário e a sociedade em geral tinham, e agora tem, sobre a mediação e a conciliação
promovidas por policiais militares por meio dos NUMEC e CEJUSC?
Resposta. No mês de julho de 2013, todos os NUMEC na área do CPI-5 foram inaugurados,
atendendo a uma população de 1,5 milhão de habitantes. Todas as solenidades contaram com a
presença e apoio de representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da Ordem
dos Advogados do Brasil, Ministério Público e Comunidade Acadêmica. Em abril de 2019, também
não foi diferente a solenidade de inauguração do NUMEC/CEJUSC no 17º BPM/I que foi bastante
prestigiada pelas autoridades mencionadas. Por isso, a minha percepção sobre a visão que o
Ministério Público, o Poder Judiciário e a sociedade em geral têm sobre a mediação e a conciliação
promovidas por policiais militares por meio dos NUMEC e NUMEC/CEJUSC são as melhores
possíveis, emergindo como uma das mais promissoras oportunidades de que as Instituições de
Segurança Pública têm em mãos para demonstrarem o quanto seus integrantes são profissionais e
podem contribuir para uma sociedade mais justa e fraterna e na construção do verdadeiro Estado
Democrático de Direito.
Pergunta 5. Nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo, sem prejuízo das
providências cabíveis ao Juizado Especial Criminal (JECrim), o NUMEC/CEJUSC poderia atuar e
colaborar de forma a pacificar a relação entre as partes, a dar mais agilidade na composição civil
dos danos e a prevenir eventos delituosos ou conflitos futuros em prol do policiamento ostensivo?
Quais os motivos que fundamentam sua resposta?
Resposta. Nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo, sem prejuízo das providências
cabíveis ao JECrim, o NUMEC/CEJUSC poderia atuar e colaborar de forma a pacificar a relação
entre as partes, a dar mais agilidade na composição civil, pois a mediação de conflitos é mais
abrangente, é um meio não hierarquizado de solução de controvérsias em que duas ou mais
pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador, expõem o problema, são escutadas e
questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e,
eventualmente, firmar um acordo. É uma importante ferramenta para a promoção do
empoderamento e da emancipação social. Por meio dessa técnica, as partes direta e indiretamente
envolvidas no conflito têm a oportunidade de refletir sobre o contexto de seus problemas, de
compreender as diferentes perspectivas e, ainda, de construir em comunhão uma solução que
possa garantir, para o futuro, a pacificação social.
Pergunta 6. O entrevistado entende como possível, desde que feita antes da audiência preliminar
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do JECrim, que este possa aproveitar a composição civil homologada pela autoridade judiciária do
CEJUSC, para fins de extinção da ação penal de infrações de menor potencial ofensivo nos termos
do art. 74, parágrafo único da Lei nº 9099/99?
Resposta. A mediação insere-se no escopo de atuação preventiva da Polícia Militar do Estado de
São Paulo, no entanto, entendo possível, desde que feita antes da audiência preliminar do JECrim,
que se possa aproveitar a composição civil homologada pela autoridade judiciária do CEJUSC, para
fins de extinção da ação penal de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 74,
parágrafo único da Lei nº 9099/95.
Pergunta 7. Quanto à capacitação dos mediadores e conciliadores pela Polícia Militar, quais os
problemas que Vossa Senhoria vislumbra? São formados em número suficiente para atender a
demanda ou para cobrir eventuais afastamentos de mediadores/conciliadores? A formação do
policial militar para atuar como mediador/conciliador, desde seu ingresso na PMESP, auxiliaria no
sentido de que não haja solução de continuidade das mediações/conciliações na Instituição?
Resposta. Não vislumbro problemas em relação à capacitação dos medidores e conciliadores da
PMESP, mesmo com o advento do Termo de Cooperação entre Tribunal de Justiça e o Governo do
Estado de São Paulo, em outubro de 2018, em que o policial militar mediador, enquanto
solucionador pacífico dos conflitos, deve ser capacitado nos termos da Resolução 125/2010 do CNJ,
pois, o método da mediação e da conciliação supõe valores, técnicas e habilidades que devem ser
desenvolvidas em cursos de capacitação e práticas supervisionadas com várias abordagens. Penso
que facilitaria, e muito, se o policial militar, desde a sua formação tivesse o curso de
medidor/conciliador nos termos da aludida resolução, para que não houvesse solução de
continuidade do Programa Mediação Comunitária na Instituição, a fim de que possa pacificar e
equalizar entre Oficiais e Praças a doutrina a ser utilizada na PMESP, disseminando suas rotinas,
dotando o policial militar dos conhecimentos legais que embasam a sua atuação, tornando-o apto a
atuar como mediador comunitário.
Pergunta 8. Vossa Senhoria deseja fazer as considerações finais, incluindo críticas e sugestões que
possam auxiliar na consecução da presente pesquisa?
Resposta. A mediação comunitária não busca substituir o Poder Judiciário, tampouco visa diminuir
o número de processos, pois, é atividade comunicativa e pacificadora. A mediação/conciliação está
em franco desenvolvimento no Brasil, potencializada pela Lei de Mediação e pelo Novo Código de
Processo Civil, tendo alcance social maior, propondo a desconstrução dos conflitos, sejam eles
atuais ou potenciais, restaurando a relação entre as pessoas e a construção de uma solução,
fomentando a cidadania e a contenção de conflitos interpessoais na sua origem, evitando assim, a
eclosão da violência e crimes graves. Em suma, evitando pequenos desentendimentos, evita-se a
espiral da violência. A PMESP pedagogicamente alavanca com a implantação dos
NUMEC/CEJUSC, um movimento de construção do verdadeiro senso de pertencimento social. O
Programa de Mediação Comunitária já contribuiu para resolução de mais de 13 mil conflitos,
disseminando a cultura de paz e o bem-estar social na região de São José do Rio Preto.