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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DO BARRO BRANCO


PROGRAMA DE DOUTORADO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS POLICIAIS DE
SEGURANÇA E ORDEM PÚBLICA - 2014

Ten Cel PM João Alves Diniz Neto

O CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE NOS GRANDES CENTROS URBANOS


O CONTEXTO DO PLANEJAMENTO URBANO E A VIABILIDADE DA
PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO NESTE PROCESSO

São Paulo
2014
Ten Cel PM João Alves Diniz Neto

O CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE NOS GRANDES CENTROS URBANOS


O CONTEXTO DO PLANEJAMENTO URBANO E A VIABILIDADE DA
PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO NESTE PROCESSO

Tese apresentada na Academia de Polícia


Militar do Barro Branco como parte dos
requisitos para a aprovação no Programa de
Doutorado em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública.

Cel PM Álvaro Batista Camilo – Orientador

São Paulo
2014
Ten Cel PM João Alves Diniz Neto

O CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE NOS GRANDES CENTROS URBANOS


O CONTEXTO DO PLANEJAMENTO URBANO E A VIABILIDADE DA
PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO NESTE PROCESSO

Tese apresentada na Academia de Polícia


Militar do Barro Branco como parte dos
requisitos para a aprovação no Programa de
Doutorado em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública.

( ) Recomendamos disponibilizar para pesquisa


( ) Não recomendamos disponibilizar para pesquisa
( ) Recomendamos a publicação
( ) Não recomendamos a publicação

São Paulo, de de 2014.

_________________________________
Cel PM Álvaro Batista Camilo

_________________________________
Cel PM Marco Aurélio Alves Pinto

_________________________________
Cel PM Glauco Silva de Carvalho

_________________________________
Cel PM Ricardo Ferreira de Jesus

_________________________________
Cel PM Antônio Carlos Biazotto Filho
Este trabalho é dedicado:

Aos meus pais, Salvador Alves Diniz e Maria Nazaré Soares Diniz, pelo
amor e dedicação incondicional pelos quais ofertaram tudo o que não tiveram, a fim
de que eu chegasse a este momento, guiando-me pelos caminhos da luz e da
retidão.

À minha querida esposa Fabiana Danelli Diniz, pela compreensão


demonstrada nos momentos de ausência, servindo de rocha firme e suporte em que
me alicercei nas mais difíceis decisões.

Às minhas queridas e amadas filhas, Mariana Danelli Diniz e Giulia


Danelli Diniz pelo sorriso, pela pureza e pelo amor eterno e verdadeiro. Por
simplesmente, existirem na minha vida.
AGRADECIMENTOS

Ao Sr Cel PM Álvaro Batista Camilo, pela paciência, pelas preciosas


orientações e pelo grande exemplo profissional que sempre demonstrou, desde os
momentos em que comandou, de forma extremamente competente, a nossa
Instituição.

Aos Senhores Oficiais, Cel PM Marco Aurélio Alves Pinto, Cel PM Glauco
Silva de Carvalho, Cel PM Ricardo Ferreira de Jesus e Cel PM Antônio Carlos
Biazotto Filho, por me darem a honra de compor a presente banca, enriquecendo os
trabalhos com tão nobres contribuições.

Ao Comando da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, oficiais,


praças e demais integrantes desse nobre estabelecimento de ensino, pelos
conhecimentos transmitidos e pelo suporte em todos os momentos de dificuldade.

Aos colegas do CSP I-2014, pelos momentos de alegria, amizade e


interações, viabilizando os intercâmbios preciosos de experiências e suporte ao
aprendizado mútuo, pessoas pelas quais guardo a mais profunda admiração.

Aos oficiais e praças do 29º BPM/I e do 45º BPM/I que acompanharam


comigo todas as etapas dessa jornada, compartilhando os momentos de apreensão
e alegria e me dando suporte para a realização simultânea dos trabalhos e do
comandamento das unidades operacionais.
RESUMO

Toda Instituição que busca se legitimar como representante de uma sociedade a


qual defende, no cumprimento constitucional de suas missões, necessita exaurir os
meios e extrapolar os limites convencionais de sua atuação, se adequando às reais
expectativas que a população apresenta. Em tempos atuais, a atuação da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, frente ao cenário criminal, não lhe permite que
realize apenas as funções estabelecidas como rotinas de policiamento preventivo,
através de direcionamentos de recursos para um atendimento presencial. É
imperativo que o significado amplo da palavra prevenção prevaleça e seja explorado
em todas suas possibilidades mais profundas, realizando reais mudanças no
trabalho sistêmico de combate ao crime. Deste modo, tratando-se de uma
organização policial reconhecida nacionalmente por sua capacidade de inovar e
buscar as melhores oportunidades no atendimento ao cidadão, a adoção de novas
estratégias para eliminação ou mitigação dos crimes reforça a posição de vanguarda
que sempre a caracterizou. O presente trabalho tem por objetivo analisar o aumento
da criminalidade nos grandes centros urbanos, relacionando-a com a ausência de
planejamentos e projetos urbanísticos adequados e como a PMESP pode participar
deste processo multidisciplinar. O estudo e a utilização dos conceitos da Prevenção
do Crime através do Desenho Ambiental, estratégia moderna presente em vários
países que analisam a questão criminal sob uma diferenciada ótica geográfica e
comportamental, se apresenta como excelente ferramenta e grande oportunidade
para que se definam novos destinos para uma atuação preventiva.

Palavras-chave: Trabalho Preventivo, Redução de Esforços, Polícia Militar,


Planejamento Urbano, Legitimação, Prevenção do Crime, Desenho Ambiental.
ABSTRACT

Every institution that seeks to legitimize itself as a representative of a society which


defends the constitutional fulfilling their missions, needs exhaust means and
extrapolate the conventional limits of its performance, adapting to the real
expectations that the community has. In modern times, the role of the Military Police
of São Paulo against the criminal scenario does not allow him to perform only those
duties established as routine preventive policing through directions of resources for
physical care. It is imperative that the broad meaning of the word prevention prevails
and is explored in all its deepest possibilities, making real changes in working to fight
crime. Thus, in the case of a police organization nationally recognized for its ability to
innovate and seek out the best opportunities in serving the citizen, the adoption of
new strategies to eliminate or mitigate the crime reinforces the leading position that
always characterized it. This study aims to analyze the increase of crime in large
urban centers, linking it to the lack of adequate planning and urban projects and how
PMESP can participate in this multidisciplinary process. The study and use of the
concepts of Crime Prevention through Environmental Design, modern strategy
present in several countries that analyze the criminal matter under a different
geographic and behavioral perspective, presents itself as an excellent tool and a
great opportunity to set new targets for a preventive action.

Keywords: Preventive Work, Reduction Efforts, Military Police, Urban Planning,


Legitimation, Crime Prevention, Environmental Design.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Local de Residência das vítima X Local dos homicídios.................... 44


Figura 02 - Concentração de Habitações subnormais em São Paulo.................. 45
Figura 03 - IDH por bairros em São Paulo............................................................ 46
Figura 04 - Local de Homicicídos X Favelas......................................................... 47
Figura 05 - Relações entre os espaços públicos e privados de Oscar Newman.. 54
Figura 06 - Tipologias diferentes densidades semelhantes. (NEWMAN, 1996)... 55
Figura 07 - Rua com elevado nível de urbanização, porém, deserta................... 58
Figura 08 - Página CPTED no site da Prefeitura de Lakewood, Colorado EUA... 60
Figura 09 - Página CPTED site Dept Polícia San Diego, Califórnia – EUA......... 61
Figura 10 - Capa Guia CPTED Dept Polícia de Prince Willian, Virgínia – EUA.... 62
Figura 11 - Gov Alckmin, Pref Hadad e Ten Willian inauguração BCS Aliança.... 70
Figura 12 - Verificação de providencias da RAC – CB......................................... 73
Figura 13 - Comprovação de Cumprimento de Solicitação – RAC – CB.............. 74
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAES Centro de Altos Estudos de Segurança


CPTED Crime Prevention Through Enviromental Design
DAC Design Against Crime
DEC Diretoria de Ensino e Cultura
DFP Diretoria de Finanças e Patrimônio
DL Diretoria de Logística
DP Diretoria de Pessoal
DPCDH Diretoria de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos
DS Diretoria de Saúde
DTEL Diretoria de Telecomunicações
EM Estado Maior
FNQ Fundação Nacional da Qualidade
GESPOL Sistema de Gestão da Polícia Militar
OPM Organização Policial Militar
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
POP Problem-Oriented Policing
PPA Plano Plurianual
PPI Plano de Policiamento Inteligente
RAC Reunião de Análise Crítica
RAIA Relatório de Averiguação de Incidente Administrativo
TCE Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................13

2 A URBE E O URBANISMO....................................................................................16
2.1 Origem das cidades brasileiras............................................................................19
2.2 Registros históricos do planejamento urbano......................................................20
2.3 O urbanismo em tempos modernos.....................................................................23
2.4 A causa da degradação das cidades...................................................................26

3 A CIDADE DE SÃO PAULO...................................................................................29


3.1 Origem da Cidade de São Paulo..........................................................................29
3.2 A formação populacional da cidade de São Paulo...............................................31
3.3 Ascensão da cidade de São Paulo.......................................................................33
3.4 A expansão da cidade de São Paulo...................................................................35

4 AS DOENÇAS DA CIDADE....................................................................................39
4.1 Especulação imobiliária........................................................................................39
4.2 Causas da criminalidade......................................................................................42
4.3 O crime e o mapa da urbanização na cidade de São Paulo................................44

5 A PREVENÇÃO DO CRIME PELO DESENHO URBANO.....................................51


5.1 O crime vinculado às condições apresentadas pela cidade................................51
5.2 CPTED no Brasil..................................................................................................69
5.3 As experiências da Polícia Militar do Estado de São Paulo.................................70
5.4 O Direito Urbanístico e o Ministério Público.........................................................77
5.5 Abordagem de outros pesquisadores da PMESP................................................79

6 CONCLUSÃO.........................................................................................................82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................86
11

1 INTRODUÇÃO

As aflições experimentadas pelo ser humano no mundo atual têm levado


alguns pesquisadores a buscar, incansavelmente, respostas para os problemas
enfrentados pela sociedade. Em pesquisa recente realizada pelo instituto Ibope, em
parceria com a Rede “Nossa São Paulo”, concluiu-se que em 2013, 93% da
população se sentia insegura na cidade de São Paulo, mantendo-se a tendência já
verificada no ano anterior que havia registrado 91% de insatisfação no mesmo
quesito.

Sabe-se, os efeitos da falta da sensação de segurança são desastrosos para


o aumento da criminalidade, pois, num ciclo vicioso, temerosas de saírem às ruas,
às pessoas simplesmente disponibilizam os espaços públicos à ocupação dos
malfeitores.

Neste contexto, diversos autores brasileiros e estrangeiros têm dedicado boa


parte de seu tempo, ao longo dos últimos cinquenta anos, em estudos aprofundados
sobre as causas originadoras do crime, discorrendo sobre fatores sociológicos,
econômicos e geográficos, dentre tantos outros, formadores de seu arcabouço
teórico, estabelecendo linhas de pensamento sobre o assunto que se apresentam,
em uma boa parte das vezes, antagônicas.

No primeiro capítulo de desenvolvimento do trabalho será abordado como


ocorreram as formações históricas das cidades espontâneas, demonstrando que a
condição de viver em sociedade advém da vontade e necessidade do ser humano
em não estar sozinho, sendo que o passado mais distante demonstra que o espírito
colaborativo foi capaz de unir os povos em torno do propósito de criação dos
assentamentos e os desvios comportamentais que se sucederam, foram os efetivos
causadores do fracasso de algumas cidades.

Sob o aspecto das cidades planejadas e não espontâneas, verifica-se que o


simples exercício em dispor das formas e volumes geométricos, na criação do
12

espaço público perfeito também não encontrará sucesso, caso não se considere o
principal ingrediente de formação do conjunto harmônico, o comportamento humano.

Sequencialmente, fixando as análises sobre São Paulo, procurou-se


identificar, através da observação dos aspectos que motivaram a criação da cidade,
em que momentos da formação populacional e urbana, perdeu-se a oportunidade de
escolher um modelo mais coerente que objetivasse a preservação e o crescimento
da população paulista.

A leitura sobre os ciclos econômicos e políticos vivenciados por São Paulo,


nos sugere a conclusão de que, infelizmente, a riqueza de uma localidade,
desacompanhada da assistência e da justiça a todos os seus ocupantes, é sinônimo
de miséria e exclusão para grande parte dos personagens, o que causará em algum
momento, os desequilíbrios e os resultados comportamentais mais indesejados.

Falando-se em doenças da cidade no capítulo seguinte, verificaremos que a


falta de planejamento sobre as necessidades de seus ocupantes e a ausência de
manutenção da ordem existente são capazes de causar os maiores desequilíbrios e
a falência da estrutura urbana.

Sob outra análise, a tentativa mal planejada de recuperação de áreas


degradadas através de instrumentos disfarçados como solucionadores poderá
causar ainda mais deterioração e exclusão social e espacial das pessoas menos
favorecidas.

São objetivos deste trabalho, analisar como atualmente é considerada pelos


gestores públicos, a questão da segurança pública no desenvolvimento do
planejamento urbano e como são utilizados os instrumentos disponibilizados pela
legislação vigente num contexto de solução dos problemas sociais e urbanos, os
quais, complementarmente aos problemas familiares, são os principais geradores
dos conflitos e condições de insegurança da sociedade, proporcionando condições
para que a PMESP possa ser inserida nas discussões municipais para o
planejamento ou realização de intervenções urbanas.
13

Vislumbra-se também detectar em que proporção os problemas advindos da


falta de planejamento urbano, contribuem direta ou indiretamente na depauperação
do espaço urbano e no afastamento do cidadão e identificar como a ausência de
providências próprias da administração pública municipal, dentro do contexto da
“Teoria das Janelas Quebradas”, contribui para o surgimento das condições
favoráveis ao surgimento do crime.

Complementarmente, objetiva-se ainda, conhecer alguns modelos de


planejamento urbano ou intervenções supervenientes recomendáveis conforme
experiências adotadas ou sugeridas pelos pesquisadores sobre as questões
preventivas dentro ou fora do país.

Como hipóteses, foram consideradas situações de que a Instituição deva ou


não participar dos processos de planejamento ou de reordenamento do espaço
público, sendo analisadas ferramentas que poderiam propiciar sua inclusão neste
contexto.

Neste trabalho, foi utilizado o método hipotético dedutivo, valendo-se do


emprego de pesquisas diagnóstica, objetivando determinar quais as condições
apresentadas pelos locais concentradores dos maiores índices criminais, e causais,
ao se relacionar as condições dos bairros menos urbanizados, aos locais com
maiores concentrações criminais.

Foram utilizados dados teóricos extraídos dos diversos livros, teses, artigos,
matérias jornalísticas escritas e virtuais; opinativos, obtidos através de pesquisas
indiretas e entrevistas envolvendo oficiais da Policia Militar; e quantitativos, pela
análise de dados estatísticos extraídos do site da Secretaria de Segurança do
Estado de São Paulo, fundação Seade e do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas (IBGE).
14

2 A URBE E O URBANISMO

As cidades concentram a maior parte dos vícios e virtudes que integram a


base factual formadora dos desequilíbrios atuais, experimentados pela sociedade
moderna. Tais aspectos antagônicos misturam-se ou, muitas vezes, confundem-se,
em torno dos mesmos elementos, direcionando-os para o bem ou para o mal. Nesta
ótica, como exemplo, a riqueza que constrói a cidade, sob determinados prismas,
também acaba sendo o ingrediente que a destrói.

O estudo dos aspectos históricos, onde verificamos sucintamente os fatos e


circunstâncias formadores do ambiente urbano desde sua gênese, é essencial a se
delimitar os equívocos cometidos no passado e compreender o contexto do
presente, na busca de equações lógicas para obtenção das soluções para o futuro.

Origem das Cidades

Remontam à pré-história, as primeiras manifestações da vontade do ser


humano em viver em sociedade. À parte a conveniência de estabelecer distinções
sobre os períodos que marcaram o surgimento do homem, ou analisar as suas
teorias evolutivas, justifica-se, no imperativo da compreensão global deste estudo,
uma pormenorizada análise para aferição dos caminhos que culminaram no
momento atual vivido pela sociedade.

Alguns modelos teóricos consideram que os primeiros grupos organizados,


em busca de alimento, segurança e sobrevivência, não se caracterizaram pela
produção de quaisquer itens de consumo e sim pela colheita ou caça do que a
natureza generosamente lhes provia. Motivados pela busca de tais necessidades,
exauridas as reservas naturais, as pessoas migravam para outras regiões, sendo
15

considerados nômades, estando sua fixação à terra diretamente relacionada às


condições ideais para sua subsistência (SILVA)1.

Apenas em tempos posteriores, com o surgimento das técnicas para o


cultivo vegetal e domesticação e criação de animais, possibilitou-se que o homem
não necessitasse mais abrir mão de locais considerados ideais do ponto de vista de
segurança e abastecimento, criando condições para que, através de sua própria
providência, se vinculasse à terra de sua escolha (LUBBOCK, 1898;
SAVELLE,1990).

O aumento dos núcleos familiares, bem como a aproximação de grupos


distintos, porém, com interesses e necessidades convergentes, proporcionaram que
aglomerações maiores se formassem, originando o que poderíamos considerar os
embriões das primeiras cidades espontâneas surgidas na antiguidade.

Embora não se possa precisar que tais eventos tenham se dado em partes
específicas do globo ou que tenham ocorrido simultaneamente em várias regiões,
alguns estudos em sítios arqueológicos indicam que, as primeiras evidências do
surgimento do homem teriam se dado no continente africano (DARWIN, 1871).

Futuramente, o desenvolvimento de novas habilidades para as confecções


de diversos tipos de produtos, através do surgimento das primeiras técnicas
manufatureiras artesanais, permitiu que algumas pessoas passassem a se dedicar a
outras atividades não atreladas à agricultura, pesca ou pecuária que atendiam
exclusivamente às necessidades alimentares do grupo e que já geravam excedentes
capazes de fomentar o escambo. Muitos integrantes dos agrupamentos passaram a
se dedicar à construção de abrigos, confecção de roupas e à fabricação rudimentar
de ferramentas e armas, fazendo com que os novos atrativos locais permitissem que
outras pessoas desejassem se integrar aos grupos, permitindo que aumentassem e
evoluíssem de pequenos vilarejos para o que se classificaram posteriormente como
as primeiras cidades (BENEVOLO, 1997).

Apesar dos indicativos sobre a gênese do surgimento do homem apontar


para local entre a África do Sul e a Namíbia, podendo ser considerados os primeiros

1
Informação disponível em <http://www.infoescola.com/pre-historia/periodo-neolitico/>. Acesso em:
10 Mar. 2014.
16

grupos nômades, estima-se que as primeiras cidades da antiguidade tenham origem


na região da Mesopotâmia, ao longo do Rio Tigre e Eufrates, entre os anos de 4.000
e 3.500 a.C. A maior concentração de pessoas, o que proporcionou a tais locais se
destacarem na formação das cidades, deveu-se principalmente à fertilidade do solo
que era banhado pelos rios locais (FABER, 2011) 2.

Os traçados representados por ilustrações e levantamentos realizados em


sítios arqueológicos destes primeiros complexos demonstram que, apesar de não se
falar em planejamento urbano ou, ao menos, delimitar quando sua prática passou a
ser utilizada, tais cidades possuíam consideráveis níveis de organização e estavam
dispostas e distribuídas de forma exemplar (CHINEN) 3, muito superior aos
assentamentos populacionais espontâneos experimentados na época medieval, era
moderna ou, ainda, para nosso maior descontentamento, no período
contemporâneo.

As cidades antigas possuíam características peculiares e se distinguiam de


meras ampliações das aldeias e vilas existentes até então. Nestas, as interações
eram naturais em razão da afinidade familiar dos habitantes que se predispunham a
cumprir os papéis primitivos de subsistência. Nas cidades, iniciam-se os trabalhos
de terceirização de tarefas, hierarquizando-se funções e originando-se as relações
entre grupos dominantes e subalternos (BENÉVOLO, 1997), proporcionando-se que
novas atividades nas áreas industriais manufatureiras e de serviços se
desenvolvessem de modo a impulsionar as atividades econômicas, até então,
primárias.

2
Informação disponível em < http://www.historialivre.com/antiga/importancia_dos_rios.pdf>. Acesso
em: 16Mar. 2014.
3
Informação disponível em < http://conhecimentopratico.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/
26/artigo145825-1.asp>. Acesso em: 16 Mar. 2014.
17

2.1 Origem das cidades brasileiras

O processo de colonização do território que hoje corresponde ao Brasil,


iniciado entre os anos de 1500 e 1530 (período pré-colonial) pelos descobridores
portugueses, teve caráter eminentemente exploratório econômico e baseou-se nas
atividades de extração vegetal próximas à costa litorânea, demandando o
escoamento do seu principal produto, o pau-brasil, para alguns países da Europa
(ABREU, 1907).

O início das ligações físicas entre Portugal e sua colônia no continente


americano, proporcionado pelo meio marítimo; acentuou a relevância dedicada ao
desenvolvimento das áreas costeiras, estimuladas pela instalação de portos
marítimos, próximos às áreas de interesse econômico; sendo natural que os
primeiros assentamentos urbanos no Brasil se estabelecessem predominantemente
junto à costa brasileira (MORAES, 2007).

A atenção dos colonizadores contra as invasões estrangeiras também


demandaram maior concentração populacional inicial na franja litorânea, sendo que
a preocupação com os aspectos de segurança predominava no posicionamento das
edificações na busca da vigilância permanente necessária para as defesas externas.

Ainda que tenhamos conhecimento atual de que o território incorporado à


Coroa Portuguesa era pleno de riquezas, à época, considerando-se que as grandes
rotas econômicas envolviam outro oceano e o continente asiático, a ocupação das
novas terras com o propósito de colonização não despertou grandes interesses de
seus exploradores.

Apenas em meados da década de 1530, o rei de Portugal, temeroso pelas


invasões da colônia portuguesa que se mostravam cada vez mais constantes adotou
o sistema das capitanias hereditárias, tendo como premissa, a missão de promover
a ocupação do território para fins também habitacionais (CANCIAN, 2005) 4. Este

4
Informação disponível em <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/periodo-pre-colonial-
pau-brasil-capitanias-hereditarias-e-governo-geral.htm> Acesso em: 16 Mar. 2014.
18

processo, aliado ao fato da saturação da extração e comércio do pau-brasil,


viabilizou a busca pela diversificação de atividades econômicas, proporcionando a
relativa ampliação dos interesses portugueses pelas terras mais interiores de nosso
país.

A cultura agrícola canavieira e o desenvolvimento da pecuária foram as


principais atividades econômicas utilizadas para a interiorização das ocupações
populacionais colonizadoras.

Mesmo assim, ainda que o principal ciclo econômico iniciado pelo sistema
das capitanias hereditárias, o da cana-de-açúcar, demandasse a exploração de mais
terras para cultivo, a produção e a logística de escoamento do produto final ainda
encontrava coerência em continuar priorizando a concentração populacional ao
longo das áreas litorâneas (PEIXOTO, 1944).

Durante o século XVII, impressionados pelo desempenho espanhol na


exploração de riquezas minerais junto às terras vizinhas e contíguas na parte sul da
América, os portugueses entenderam que deveriam adentrar mais
contundentemente ao interior da colônia, realizando diversas incursões a partir das
principais cidades litorâneas (ABREU, 1907). Em geral, as expedições duravam
anos e muitas das tentativas esbarravam tragicamente na aniquilação de seus
integrantes pela fúria de grupos indígenas hostis. A hostilidade, na verdade, se
justificava, à medida que parte dos objetivos das jornadas, era a escravização de
povos indígenas que se encontrassem pelo caminho a fim de servir como mão de
obra no ciclo canavieiro.

2.2 Registros históricos do planejamento urbano

Os primeiros registros literários sobre o tema planejamento urbano na


história da criação das cidades é descrito por Aristóteles sobre Hipódamo de Mileto,
arquiteto Grego representante da antiga escola Jônica, que viveu entre os anos de
498 e 408 a.C. Hipódamo não se restringia ao exercício da arquitetura, mas já
19

teorizava sobre os conceitos do habitat urbano, sendo o primeiro arquiteto grego a


conceber um planejamento urbano (ainda que este conceito e termo sejam
modernos), estruturando a Polis5 (TAVARES, 2010)6, (conceito de cidade-estado
surgido entre os séculos VII e V a.C.) adotando princípios permeados pela
funcionalidade das coisas.

Considerado o primeiro urbanista da história, os planos urbanos de


Hipódamo de Mileto baseavam-se na adoção de ruas largas que se cruzavam
ortogonalmente, refletindo o conceito filosófico de sociedade ideal da época,
representando a lógica, a clareza e a simplicidade com que se destacavam.

Considerando-se que grande parte das manifestações artísticas romanas


inspiraram-se nos ideais gregos, a arquitetura e urbanismo das cidades do Império
Romano também seguiram tais tendências, porém, agregaram-se diversos aspectos
ritualísticos e itens de requinte aos projetos urbanísticos romanos (MOREIRA,
2007)7. As cidades romanas visavam o conforto de seus habitantes, provendo-os de
lazer, entretenimento e medidas sanitárias como as representadas pelos aquedutos
construídos em longas distâncias, destinados aos abastecimentos dos
assentamentos.

Os consideráveis avanços do Império Romano sobre grande parte da


Europa e Ásia ensejaram a criação de novos assentamentos nas áreas
conquistadas, os quais necessitavam representar os valores e ideais do império. As
novas cidades romanas representavam o poder absoluto do império e seguiam as
características marcantes de sua estrutura social, tendo no imperador o ícone
máximo de sua representação.

Os espaços, inserindo-se neste contexto os prédios destinados a templos


religiosos e os Fóruns, eram hierarquizados e buscavam demonstrar o poderio
militar romano sobre os povos dominados, sendo que as cidades romanas eram

5
Cidade-estado da Grécia antiga.
6
Informação disponível em <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/revlae/article/viewFile/1828/1689>
Acesso em: 18 Mar. 2014.
7
Informação disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/06.069/3106>
Acesso em: 18 Mar. 2014.
20

implantadas mediante planos de regulamentação urbana, estabelecendo-se


obrigações neste processo, adotando-se nesta etapa, ritos especiais que se
revestiam de caráter simbólico e religioso.

Nas cerimônias, presentes os personagens responsáveis por cada área


específica, marcavam-se os traçados dos viários em linhas cruzadas obedecendo-se
os posicionamentos do nascer e do pôr do sol e rememorava-se pelo surgimento da
nova cidade, a fundação da própria Roma que, por sua importância e
representatividade, marcava a própria criação do mundo (MUNFORD, 1961). O
cumprimento de tais rituais representava para as comunidades que habitariam as
cidades, a certeza de que toda a estrutura urbana estava em total equilíbrio com as
demais forças que regiam o universo.

Embora com o fim do Império Romano, haja um processo de crescimento


desordenado das cidades motivadas pelo sistema feudal (ALSAYYAD, ROY, 2009),
considera-se que os ritos de implantação das cidades foram mantidos, ainda que
parcialmente modificados, até o fim da idade média, momento em que, com o início
da era moderna, dando-se relevância aos conceitos racionais iluministas,
abandonaram-se tais práticas.

Alguns autores lamentam que, a despeito do caráter excessivamente


religioso que permeava os planejamentos e implantações das cidades romanas,
estando relativamente distantes dos aspectos humanos e racionais que deveriam
direcionar os bons projetos urbanísticos modernos, tenham-se abandonado
totalmente os valores da antiguidade, entendendo que tal abandono privou o homem
em seu sentimento intimo de posicionar-se em relação ao universo, ocasionando
efeitos desagregadores na forma como os indivíduos interagem em sociedade e
como virão a se posicionar em relação às suas cidades (MOREIRA, 2007) 8.

O ser humano apenas adquire a sensação de pertencimento a uma


comunidade quando há uma relação de correspondência entre seu universo e o
mundo construído em que está inserido. O abandono a esses princípios, os quais

8
Informação disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/06.069/3106>
Acesso em: 18 Mar. 2014.
21

são experimentados até os dias de hoje em nossas constatações cotidianas,


reforçam a teses de que quando o ser humano não se sente incluso no contexto
urbano, ele o desrespeita e o agride como também fazem aos que divergem de seus
pensamentos.

2.3 O urbanismo em tempos modernos

Embora a disciplina “planejamento urbano” date de período não tão remoto,


fazendo parte de rol de conhecimentos surgidos no início do século passado, os
conceitos que envolvem as condições das distribuições físicas de uma cidade já
eram utilizados na antiguidade, até mesmo antes do que registra a história em
relação a Hipódamo de Mileto.

Os sítios arqueológicos existentes que remontam a períodos anteriores aos


vividos pelo brilhante e renomado arquiteto da antiguidade, indicam claramente a
existência de alguma lógica nas disposições de construções com funções bem
definidas nas cidades, insertas em conjuntos harmônicos, ao menos, do ponto de
vista estético e funcional.

Se houve planejamento anterior para a implantação da cidade como um


todo, ou se ocorreu um plano de intervenções estudadas para novas edificações ou
alterações do tecido urbano 9, podemos dizer que foi exercida uma atividade ligada
ao planejamento urbano.

O conceito moderno sobre o planejamento urbano como disciplina surgiu em


razão da necessidade de se implementarem alterações em regiões urbanas
deterioradas em cidades inglesas e norte-americanas que cresceram
desordenadamente no período da revolução industrial e careceram de intervenções
corretivas capazes de restabelecer a estética, a funcionalidade, a salubridade e o
espírito das cidades, segundo a ótica de quem considerava tais ambientes como

9
Tecido Urbano refere-se a um determinado tipo de urbanização de uma região urbana.
22

inadequados mas, também, como forma de tentar resolver os problemas causados


pelo próprio exercício das más intervenções urbanísticas (HALL, 1975).

São expoentes desta fase do urbanismo, Frank Lloyd Wright com sua
utópica “Broadacre City”, Le Corbusier e a “Ville Radieuse” (Cidade Radiante),
Ebenezer Howard e a Cidade Jardim e Tony Garnier (Cidade Industrial),
profissionais que estabeleceram em suas propostas suas visões particulares das
cidades ideais, tentando desenhá-las de modo completo, com a interação do ser
humano e suas necessidades urbanas, integrando-os à terra e às novidades
tecnológicas surgidas no período vivido, objetivando obter o todo desejado num
grande modelo sistêmico de funções a serem exercidas num só lugar (CHOAY,
1979).

Os conceitos idealizados pelos mesmos e que os eternizaram no meio da


arquitetura e urbanismo não foram capazes de promover as transformações
desejadas, no entanto, resta ao final, como conclusão aos demais profissionais
relacionados à área que as alterações no contexto urbano devem ser encaradas
como um fenômeno dinâmico, produto do momento histórico que o ambiente
experimenta e que em razão das grandes transformações vivenciadas naquele
período, não se podia mais estabelecer um modelo urbanístico ideal a ser seguido
pelos planejadores, vez que tal configuração tenderia sempre a estar evoluindo com
o tempo.

Um dos aspectos importantes na prática do urbanismo, quer no


planejamento de novas cidades, quer no saneamento de distorções dos maus
planejamentos, os ingredientes necessários para obtenção de uma cidade realmente
agradável, funcional e conveniente à convivência das pessoas; não permitem que o
exercício de bem planejar seja aspecto que alcance a unanimidade do gosto das
pessoas.

Os aspectos normalmente avocados para a obtenção de uma cidade ideal,


seguindo as definições mais comuns alicerçadas em contextos de local onde
ocorrem os adensamentos populacionais, onde se processam as relações
comerciais e de prestação de serviço ou se realizam as manifestações de lazer,
23

culturais e artísticas de interesse de cada grupo, pouco representam na realização


do planejamento urbano, se não estiver presente, a efetiva interação das pessoas no
espaço urbano (JACOBS, 1961).

A cidade bem resolvida, onde os acontecimentos se dão de forma


satisfatória para todos seus frequentadores, precisa, como todo ser vivente, possuir
corpo e alma sãos. Os assentamentos que contém todos os itens de infraestrutura
elencados como desejáveis numa cidade, porém, sejam desprovidos de alma que
aqui definimos como a identificação que determinados grupos adquirem em relação
ao espaço urbano público, onde interagem entre si e conferem vida ao espaço
abstrato, aparentarão, numa interpretação mais racional, estar sãos de corpo, no
entanto, estarão seriamente doentes, ou até mesmo, desprovidos de alma.

Quando inexiste a alma, ainda que o corpo insista em permanecer vivo,


surgirão os efeitos negativos desta alienação e indiferença, fazendo com que
desapareça o apreço pela cidade em seu aspecto físico, surgindo a possibilidade de
feri-la, desrespeitando-se as pessoas, produzindo violência e dor a todos os que
habitam ou dependam do espaço considerado.

Voltando à análise das formas como surgiram alguns assentamentos


humanos no passado, quer no Brasil, ou em qualquer outro lugar no mundo, a
maneira espontânea com que se criaram tais agrupamentos, desprovidos de
qualquer planejamento ou ordenamento específico, não deveria necessariamente
ser considerada como a causadora do nascimento de uma cidade doente, em
contraposição às premissas elencadas como relevantes na prática do planejamento
urbano.

A vontade do grupo que decidiu por estabelecer aquele contexto de


interações humanas, havendo química favorável nas relações sociais do grupo, foi
aspecto eminentemente suficiente para garantir as condições favoráveis para a
existência da alma necessária para a criação da identidade com o espaço
compartilhado, exatamente como ele se apresentou.

No entanto, o processo de crescimento destes assentamentos espontâneos,


onde seus novos personagens podem não se inserir totalmente nos padrões
24

estabelecidos pelos seus fundadores, se demonstra condição capaz de criar


desequilíbrios e desvios suficientes para comprometer a harmonia e a estabilidade
do conjunto, gerando uma cidade realmente caótica, violenta e insegura.

Aproveitando os exemplos narrados em “Morte e Vida das Grandes Cidades”


(JACOBS, 1961), algumas habitações consideradas cortiços, existentes em bairros
tradicionais pertencentes a determinadas cidades avaliadas em períodos
compreendidos entre três e quatro décadas passadas, embora evidentes
exemplares do caos urbano, sob a ótica acurada dos praticantes e das teorias do
bom planejamento urbano, representavam melhores conjuntos harmônicos, num
contexto mais filosófico da urbanidade do que elegantes conjuntos habitacionais
cuidadosamente inseridos em quadras bem traçadas e voltadas para a total
tranquilidade dos seus habitantes.

A essência da questão, ainda sob a ótica de Jacobs, reside no fato de que


uma cidade, no exercício de seus fundamentos subjetivos de existência, firma-se
como tal através do que ocorre nas ruas e calçadas, pouco importando o que se
passa no interior das edificações residenciais ou demais edificações componentes,
onde as relações interpessoais se processam em caráter mais familiar, comercial,
profissional e restrito.

Ruas e calçadas que não se prestam a comportar as necessárias interações


sociais, independente aos motivos para que isso ocorra, se tornam desinteressantes
e monótonas. Se a rua da cidade é desinteressante, a cidade num sentido amplo
será desinteressante e neste contexto, sua configuração favorecerá fortemente o
seu despovoamento, declínio e queda.

2.4 A causa da degradação das cidades

Após o processo de criação e sedimentação de suas bases, algumas


cidades atingem considerável estabilidade, num cenário relativo em que a habilitam
a ser consideradas, resultados de implantações bem sucedidas. Não importa o grau
25

de complexidade ou a relevância que possuam nos ideários estabelecidos e


respeitados por determinados grupos de teóricos ou outras castas de formadores de
opinião. O essencial é que tenham sido capazes de representar para os grupos de
pessoas que as ocupam e a elas se incorporaram, numa relação de pertencimento,
as funções físicas e estruturais necessárias para o atendimento de suas
expectativas e que ofereçam a seus frequentadores, o grau de interação entre
pessoas e espaços públicos imprescindíveis à existência de suas almas.

Dentro deste pensamento, podemos considerar que nem todas as estruturas


urbanas necessitariam ser ampliadas em busca de satisfação em verem suas
expectativas de realização bem atendidas. Ainda que em escala reduzida, tais
assentamentos se bastariam pelo simples atendimento dos propósitos pelos quais
foram implantados. No entanto, os elementos existentes no inevitável processo
dinâmico que se aplica à urbanização, promovido pelos mais variados aspectos
envolvendo, principalmente, o viés econômico, poupará muito poucos produtos
acabados das transformações naturais em busca de ajustes, podendo lançá-los no
rol de reais sucessos de sobrevivência ou condená-los ao processo de
desconstrução e morte (MOURA, 2014)10.

Deste os primórdios, os movimentos da humanidade têm sido motivados


pela busca do bem-estar pessoal. Embora tenha se estabelecido que nenhum
homem é uma ilha e que as interações coletivas são essenciais para a sobrevivência
da espécie, a necessidade de satisfazer os instintos primitivos mais egoístas do ser
é o primeiro estimulo que leva o indivíduo a se inserir no cenário coletivo.

É essa necessidade de obtenção incansável pela satisfação pessoal ou até


o instinto de sobrevivência e, num contexto de autocompletamento, de busca da
coesão dos grupos afins, que impedem as cidades de serem consideradas inertes
ou estáveis, ficando sujeitas a terem a manutenção de seu equilíbrio ameaçada.

O surgimento de novas oportunidades econômicas gera inevitavelmente os


movimentos migratórios, em busca pela realização dos indivíduos. Quando a porção

10
Informação disponível em <http://www.mobilizacuritiba.org.br/files/2014/04/Curitiba-constru
%C3%A7%C3%A3o-e-desconstru%C3%A7%C3%A3o-de-um-mito.pdf> Acesso em: 20 Mar. 2014.
26

junto ao litoral mais ao norte do Brasil era palco dos ciclos econômicos à época da
colonização, era o nordeste brasileiro o foco das maiores concentrações
populacionais do país. Exaurido o inicial ciclo econômico atrator e eleito novo eixo
propulsor da economia, facilmente a região mais populosa passou à região de Minas
Gerais e, no contexto mais moderno, ao estado paulista (SILVA) 11.

Várias cidades no mundo experimentaram um forte êxodo envolvendo a


troca do ambiente rural para o ambiente urbano ou a migração entre áreas já
urbanizadas, sendo preponderante para tal, a busca por melhores opções de vida,
enriquecimento ou o abandono do estilo monótono de suas antigas cidades.

Os processos de industrialização ou desindustrialização de uma região,


recrudescimento de condições climáticas, ocorrências de manifestações violentas
(guerras, crimes, violência exagerada), falta de emprego e oportunidades, entre
outros, são eventos capazes de provocar o desinteresse das pessoas pelas áreas
em que residem, motivando-as a buscarem melhores condições em outros espaços
geográficos.

A criação ou ampliação de maiores polos econômicos com a geração de


mais postos de trabalho, maiores condições de segurança, melhores opções de
educação, crescimento ou formação profissional (capacitação ou aperfeiçoamento),
suporte à saúde, entretenimento, clima, etc., são características de uma cidade que
a credenciam a ser constantemente procuradas para recebimento de novos
membros (ARESTA, 2010)12.

Apenas com a criação de novos focos de interesses locais, com a renovação


das oportunidades e a apresentação de cenários prospectivos aos frequentadores
daquele espaço, se consegue conservar o fluxo de movimento interno dentro do
mesmo espaço geográfico, evitando-se que a saída e a chegada anômalas de novos
membros causem incidentes e desequilíbrios aos sistemas já estabilizados.

11
Informação disponível em <http://www.brasilescola.com/brasil/principais-migracoes-inter-regionais-
no-brasil.htm> Acesso em: 22 Mar. 2014.
12
Informação disponível em <http://lei3l.files.wordpress.com/2010/06/as-cidades-insustentaveis.pdf>
Acesso em: 21 Mar. 2014.
27

3 A CIDADE DE SÃO PAULO

O estudo ora realizado fará referência à capital paulista, cidade que por sua
expressão no cenário internacional, reúne as características próprias das maiores
metrópoles do mundo, sendo cenário bastante representativo do todo nacional.

A abordagem sobre como se originou a cidade de São Paulo, possibilitará


compreender as razões pelas quais os problemas atuais têm se apresentado de
forma persistente nas questões urbanísticas e como a formação da população com
suas preterições sociais contribuiu para o atual desenho urbano.

3.1 Origem da Cidade de São Paulo

Durante o processo de colonização do Brasil, os padres jesuítas exerceram


relevante papel na criação de comunidades para congregação indígena,
denominadas Missões. Tais assentamentos indígenas já pacificados serviram de
base propícia para suporte aos grupos de exploração e permitiram que, ainda que
desordenadamente, fossem formadas vilas neste processo de expansão.

Uma das principais missões formadas neste período e que serviu de base
para as principais incursões ao interior do Brasil através das “Bandeiras”
(expedições formadas por particulares denominados “Bandeirantes”, em busca de
riquezas), fruto das iniciativas jesuítas no planalto paulista; deu origem à Vila de São
Paulo em 25 de janeiro do ano de 1554 (REVISTAS.USP.BR) 13.

Os Padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, auxiliados por João


Ramalho, português que já vivia no planalto e havia fundado a Vila de Santo André
da Borda do Campo (ABC Paulista) no ano de 1553, foram os fundadores da Vila
que, apesar de experimentar quase três séculos de relativa inexpressividade

13
Informação disponível em <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/36094/38815>
Acesso em: 02 Abr. 2014.
28

(TOLEDO, 2007)14, nos anos seguintes, assumiu papel de extrema relevância


durante parte do ciclo do ouro, do café e da indústria.

A descoberta das primeiras jazidas de minerais preciosos entre o fim do


século XVII e o início do século XVIII em terras correspondentes hoje ao estado de
Minas Gerais deveu-se às atividades expedicionárias dos Bandeirantes Paulistas.

Beneficiada por sua estratégica posição geográfica, possuindo os principais


caminhos terrestres e fluviais para o interior e para o sul do continente, a Vila de São
Paulo de Piratininga, assim elevada em 1560, desempenhou relevante papel no
suporte logístico das atividades mineradoras ou para o escoamento de produtos
transportados ao porto de Santos, tornando-se um importante entreposto comercial.

A descoberta das jazidas pelos Bandeirantes paulistas no fim do século XVII


em terras mineiras, despertou o interesse e a corrida do ouro à região das minas,
não apenas por habitantes da colônia, mas também por portugueses vindos da
Europa, gerando-se conflitos e muitas mortes, nos episódios conhecidos como
“Guerra dos Emboabas15”.

No ano de 1711, um novo caminho, derivado do trajeto original que se


iniciava na Vila de São Paulo, foi aberto ligando de forma mais rápida as minas de
ouro à cidade de Parati e ao Rio de Janeiro, sendo que Portugal eleva São Paulo à
condição de Cidade e a separa da região das minas, tornando-a uma nova capitania,
porém, diminuindo a relevância da cidade neste ciclo econômico.

O esvaziamento de interesses econômicos causou o empobrecimento


momentâneo da Capitania de São Paulo que passou incentivar a produção agrícola
para fixação populacional no interior, inicialmente, de subsistência e, num segundo
momento, com a cana de açúcar, para a exportação, aproveitando a construção da

14
Informação disponível em <http://veja.abril.com.br/230507/pompeu.shtml> Acesso em: 29 Mar.
2014.
15
Conflito armado ocorrido na região das Minas Gerais entre os anos de 1707 e 1709, envolvendo os
bandeirantes paulistas e os emboabas (portugueses e imigrantes de outras regiões do Brasil).
29

Calçada de Lorena16 que abreviou sobremaneira o acesso ao Porto de Santos


(MORALEZ, 2002)17.

A vinda da família real ao Brasil em 1808 e a abertura dos portos às nações


amigas, promovem melhorias à economia paulista, sedimentando a importância do
porto de Santos. A predileção do príncipe D. Pedro por São Paulo, tornando sua
permanência frequente nas terras paulistas, a reinsere no contexto de relevância
política nacional, tornando-se província em 1821 e palco da proclamação da
república em 1822.

3.2 A formação populacional da cidade de São Paulo

A missão catequética dos jesuítas permitiu que durante muitos anos os


mesmos fossem os protetores dos povos indígenas, impedindo ou dificultando sua
escravização, garantindo o índio como o primeiro grupo formador do povo brasileiro
(ARAUJO, 2005)18.

Alguns índios trabalhavam na Capitania de São Vicente desde o


descobrimento, na retirada do pau-brasil, em troca de produtos trazidos pelos
europeus, porém, não podendo adquirir escravos africanos, com o tempo passou a
existir o tráfico indígena19 (TAUNAY, 1924), sendo a mesma praticada por
portugueses ou até índios que escravizavam os pertencentes a tribos rivais. Por tais
motivos, detecta-se fraca presença da raça negra na formação da população
paulista deste período.

16
Primeiro caminho pavimentado que ligou São Paulo a Santos, construído a mando de Bernardo
José Maria de Lorena, então governador-geral da Capitania.
17
Informação disponível em <http://ecoviagem.uol.com.br/blogs/ecofotos/boletins/caminhada-na-
calcada-do-lorena-6109.asp> Acesso em: 30 Mar. 2014.
18
Informação disponível em <http://hid0141.blogspot.com.br/2012/02/os-povos-no-brasil-
miscigenacao.html> Acesso em: 30 Mar. 2014.
19
Estima-se que houve mais de 200.000 escravos indígenas na capitania de São Vicente até meados
do século XVII.
30

Ainda antes do período colonial, náufragos portugueses, como João


Ramalho já se encontravam pela capitania, tendo se identificado e interagido com os
indígenas e constituído laços de famílias miscigenadas, o que facilitou o
entendimento dos portugueses e jesuítas com os silvícolas.

Com a descoberta de ouro em Minas no fim do século XII pelos


Bandeirantes, resultando no início deste ciclo econômico, boa parte dos habitantes
paulistas migraram para lá. A ausência desta parcela de paulistas coincide e pode
ser considerado como o declínio das atividades escravistas indígenas em São Paulo
(MONTEIRO, 1989).

A migração de senhores e escravos negros do nordeste para a atividade


extrativista e transporte do ouro até o porto de Parati, a presença dos africanos em
áreas de domínios paulistas 20, passa a ser mais frequente em São Paulo. Na
segunda metade do século XVIII, por volta do ano de 1765, a atividade mineradora
já se fazia bastante diminuta e pouco lucrativa, o que motivou os paulistas e outros
colonos que se encontravam em Minas a se deslocarem para São Paulo.

O restabelecimento das atividades agrícolas na Capitania, demandou a


utilização da mão de obra africana, sendo fator fundamental para a ascensão
econômica paulista já na explosão da cultura cafeeira, sendo que no final do século
XVIII, os negros compunham 24,2 % da população paulista (MARCÍLIO, 2004).

Muito antes da abolição da escravatura, no Brasil colonial, já havia negros


forros ou libertos. Alguns escravos conquistavam sua liberdade de diversas
maneiras, sendo através de compras pessoais, de prêmios concedidos por seus
senhores por produtividade, atos de gratidão, nascimento sob o regime de liberdade
ou adesão a funções que lhes conferia a alforria (DEURSEN, 2009) 21.

Nesta época, engendrou-se forte movimento em trazer o imigrante branco


para a lavoura de café, não se dando oportunidade para que o negro se fixasse
naturalmente no cenário agrícola do qual já participava no interior do estado, o que,

20
As áreas das Minas de ouro faziam parte da Capitania de São Paulo.
21
Informação disponível em <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/escravos-povo-
marcado-491017.shtml> Acesso em: 05 Abr. 2014.
31

provavelmente, contribuiu para que, em sua maior parte, se estabelecessem nos


centros urbanos (BEIGUELMAN,1981).

Com achegada dos imigrantes europeus, destacando-se em números, os


italianos; as condições de trabalho impostas pelas características laborais no campo
não tornaram tão atrativa a fixação dos mesmos no interior do estado. O trabalho no
campo era pesado e as condições de vida proporcionadas pela carência de itens,
próprios da monocultura, afastaram o imigrante do sonho de se tornar colono e o
redirecionaram para as cidades (PEREIRA, 2000).

Em São Paulo, atraídos pela conveniência de se acomodarem em locais


próximos ao trabalho nas indústrias que se distribuíam ao longo das estradas de
ferro, e da hospedaria dos imigrantes, alguns grupos de imigrantes, em sua maioria,
italianos, escolheram estabelecer-se, ainda que desestruturadamente, em regiões
rurais, representadas por chácaras e pequenas propriedades, porém, próximas ao
centro urbano, destacando-se as regiões do Brás, Bexiga e Bom retiro, formando os
primeiros cortiços improvisados.

3.3 Ascensão da cidade de São Paulo

Com o estabelecimento da família real em 1808 e o surgimento de um novo


perfil de consumo, permitiu-se que, inicialmente, o comércio exterior fosse
intensificado para atender a esta nova demanda com produtos industrializados
importados através dos portos, vez que até então, à colônia, não era permitida tal
atividade, bem como se deu início às atividades industriais manufatureiras (MOURA,
1980).

Após a proclamação da independência, são marcantes para a cidade de São


Paulo, intitulada a “Imperial Cidade”, a criação em 1825 da Biblioteca Pública Oficial
de São Paulo, a fundação do primeiro periódico paulistano em 1827 e a inauguração
da Faculdade de Direito do Largo São Francisco no mesmo ano, sendo esta,
32

juntamente com a Faculdade de Direito de Olinda, os estabelecimentos de ensino


jurídico mais antigos do País (KIYOMURA, 2007)22.

A nova dinâmica da cidade, ocasionada pelo afluxo dos personagens


envolvidos no novo contexto educacional, operam alterações radicais no cotidiano
local, ensejando, além do convívio de novos grupos e realizações de diferentes
interações dos representantes acadêmicos nos espaços públicos, a construção de
hotéis, restaurantes e espaços destinados a manifestações artísticas e culturais
(DIREITO.USP.BR)23.

O interesse internacional pelo consumo do café motivou a implementação da


cafeicultura em solos paulistas, a partir da região do Vale do Paraíba, sendo que os
primeiros exemplares plantados vieram do Rio de Janeiro. Em meados do século
XIX, durante o segundo reinado do período imperial, São Paulo seguia encabeçando
a lista dos principais produtores e exportadores de café (LIMA, 2012).

A cidade de São Paulo em 1872, ano do primeiro censo demográfico


realizado em nível nacional (IBGE), ocupava o ranking de nona colocada entre as
capitais mais populosas do Brasil, sendo a única localizada fora do litoral, contando
com população de 31.385 habitantes, enquanto a cidade do Rio de Janeiro ocupava
a primeira posição com população de 274.972 pessoas. Na virada do século, Estado
e Município de São Paulo já exibiam respectivamente a segunda maior população
estadual, com 2.282.279 de habitantes e municipal com 239.820 pessoas
(PREFEITURA DE SÃO PAULO)24.

No Censo do ano de 1940, o Estado de São Paulo assumiu a primeira


posição populacional nacional, contando com 7.180.316 pessoas e em 1960 a
cidade de São Paulo passou a liderar o ranking de municípios mais populosos
contando com 3.825.351 habitantes, posições que se mantém até os dias atuais,

22
Informação disponível em <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2007/jusp814/pag12.htm> Acesso em:
20 Abr. 2014.
23
Informação disponível em <http://www.direito.usp.br/faculdade/index_faculdade_historia_01.php>
Acesso em: 12 Mai. 2014.
24
Informação disponível em <http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/tabelas/pop_brasil.php>
Acesso em: 17 Mai. 2014.
33

segundo o censo de 2010, representada por população estadual de 41.262.199 e da


capital com 11.253.503 pessoas.

3.4 A expansão da cidade de São Paulo

Até o ano de 1850, a cidade de São Paulo, considerando a área realmente


urbana, estava bastante concentrada, limitando-se a poucas vias que constituíam o
“triângulo”, formado pelas Ruas direita, quinze de novembro e São Bento, não
podendo se falar em segregação vez que todas as atividades sociais da época se
desenvolviam nesta região (ASSUNÇÃO, 2006)25.

Nesta época, a proximidade existente entre a parte mais urbanizada e a área


rural, pouco permitia diferenciá-las, sendo que em perímetro adjacente ao triângulo
histórico, distribuíam-se diversas chácaras como as do Bom Retiro, Liberdade,
Santa Efigênia, Brás, Consolação, Cambuci, Higienópolis, Moóca, Pari, Barra Funda
e Água Branca, que deram origem a bairros muito conhecidos em tempos atuais.

Capitalizados pelos excelentes lucros, os cafeicultores financiaram a


construção da primeira estrada de ferro paulista, finalizando em 1867, a São Paulo
Railway, trecho ligando Jundiaí ao Porto de Santos em 139 Km de linhas que
passaram pelas cidades de Cubatão, Santo André (Paranapiacaba), Rio Grande da
Serra, Ribeirão Pires, Mauá, São Bernardo do Campo, São Caetano e São Paulo,
sendo que na capital, margeou ou atravessou importantes bairros históricos
formadores da base de expansão urbana da cidade, destacando-se o Ipiranga, Vila
Prudente, Cambuci, Moóca, Brás, Bom Retiro, Santa Cecília, Barra Funda e Lapa
(PONTES, 2012)26.

25
Informação disponível em <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/
edicao10/materia03/> Acesso em: 02 Jun. 2014.
26
Informação disponível em <http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/estilo-no-campo/a-historia-
nos-trilhos-do-cafe> Acesso em: 15 Mai. 2014.
34

A região original da fundação da cidade e algumas áreas adjacentes


consideradas mais privilegiadas foram escolhidas para comporem os bairros mais
nobres da cidade nos períodos colonial e imperial, recebendo durante o inicio da
expansão da cidade, os primeiros comércios, serviços institucionais, escolas e,
consequentemente, prédios residenciais.

No entanto, a região também passou a receber diversas atividades


comerciais e institucionais, deteriorando as características do ambiente residencial,
criando condições incomodas para manter a habitação da aristocracia paulista,
sendo que as chácaras mais próximas, são loteadas e constituem seus bairros mais
procurados, dando origem aos Campos Elíseos, Higienópolis, Paulista e Jardins.

Os casarões que permaneceram abandonados no centro passaram a ser


ocupados pelos mais carentes que utilizam seus cômodos coletivamente,
configurando a área como de predominância de cortiços (FERREIRA, 2002).
Adicionalmente. Grandes quantidades de estrangeiros empregados diretamente na
área urbana, ou oriundos do campo após abandono das áreas de cafeicultura, vão
aumentar o número de habitantes que não possuíam condições de se estabelecer
dignamente na capital paulista, multiplicando por oito, a população de 31.385 de
1872, passando a ser de 239.820 pessoas no ano de 1900, período inferior a 30
anos.

Sem condições de residir em bairros nobres, os mais pobres escolhiam


habitar próximos às fábricas junto às várzeas e às linhas férreas, em condições
totalmente precárias, intensificando-se os problemas habitacionais e urbanísticos na
cidade de São Paulo, ficando evidentes os claros contrastes entre cidade
organizada, estruturada e composta de todos os equipamentos sociais e a sua
antítese urbana, estereótipo do caos, que tenderá a predominar nos processos de
expansão da urbe (PREFEITURA.SP.GOV.BR, 2005)27.

A especulação imobiliária ganha contornos bem definidos já na segunda


metade do século XIX, sendo que os terrenos dos bairros que dispunham dos

27
Informação disponível em <http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/historia/index.php?
p=4673> Acesso em: 28 Mai. 2014.
35

serviços essenciais como água, esgotos, bondes elétricos e eletricidade, são


naturalmente valorizados e evidentemente custam mais caro que os demais,
passando a ser cada vez mais constante a segregação social no contexto urbano.
Neste processo evolutivo, historicamente, em nenhum momento futuro, criaram-se
condições para erradicação dos problemas sociais na cidade de São Paulo.

Até o fim dos anos trinta, ainda que fossem construídas casas para
moradias, a insuficiência salarial era proibitiva para seu uso unifamiliar, quer nas
áreas centrais, quer em diversos bairros que já haviam se estabelecido como
operários. Para minimizar os problemas, foram criados programas para que as
indústrias construíssem casas para funcionários, no entanto, o modelo fracassou
pois não havia casas suficientes e não houve gratuidade nas vilas construídas
(BLAY, 1985). A predominância do cortiço como moradia ainda se deveu ao fato de
que muitos proprietários de casas, cientes de que ganhariam muito mais sublocando
seus cômodos, tornaram se grandes especuladores imobiliário desta modalidade
(SANTOS, 1992).

A partir de 1938, quando o meio de transporte coletivo começa a ser


diversificado através do emprego em larga escala de ônibus, a utilização das áreas
mais distantes dos centros começa a ser viável, porém, os recursos de quem
conseguia adquirir um terreno nestas localidades eram limitados, o que contribuiu
para que houvesse o processo de construção própria ou autoconstrução sem a
participação de equipes profissionais, resultando em desestruturação urbana
(SANTOS, 1992).

Nos períodos seguintes, com a intensificação dos processos migratórios,


São Paulo, em 1950, já contava com população de 2.198.096 pessoas, ampliando-
se os cinturões de ocupação urbana para as várzeas e, com a ausência da iniciativa
governamental no planejamento urbano, a polis desenvolveu-se da melhor forma
que a população recém-chegada pudesse se estabelecer ou como a especulação
imobiliária determinasse.

Na década de 60, a quantidade de população urbana brasileira ultrapassou


a população rural, sendo que a cidade de São Paulo, em expansão do seu parque
36

industrial, assistiu a um expressivo crescimento populacional resultante do


crescimento vegetativo e do processo de migração, aumentando o processo de
crescimento de favelas, existentes desde os anos 40, porém, até então, em
quantidades não tão alarmantes (TASCHNER, 1984).
37

4 AS DOENÇAS DA CIDADE

As sequelas alcançadas pela degradação ocasionada pelo desequilíbrio


populacional imposto às cidades e a falta de políticas públicas voltadas à mitigação
dos problemas, frequentemente são agravadas pela adoção de medidas
equivocadas que, em lugar de solução, agravam sobremaneira o processo de
segregação espacial e social, potencializando os fatores geradores do crime.

4.1 Especulação imobiliária

À época da publicação da Lei da Terra 28, em 1850, o governo imperial


brasileiro não dispunha de levantamentos confiáveis sobre os limites do que era
terra privada e do que era domínio público, ao contrário do que ocorrera em países
como os Estados Unidos, em 1776, após a sua declaração de independência
(GUEDES, 2005).

Deste modo, enquanto no país norte-americano, houve adoção de critérios


claros para regularização definitiva do que já havia sido comprovado posse efetiva;
estatização das terras essencialmente livres, inclusive, com a compra de grandes
porções de terras indígenas e, principalmente, implementação de políticas de
vendas e doações de frações de terras, dependendo do momento político, a quem
estivesse disposto a produzir, favorecendo-se à formação de núcleos de agricultura
familiar; no Brasil, com as manobras para se manter a extensão agrárias, se
concentrou a propriedade nas mãos de poucos, favorecendo-se a predominância de
latifúndios monoculturais, proporcionando desequilíbrios e distorções na forma como
o espaço, de forma geral, estava sendo ocupado.

Resultado mais nefasto do que a própria desorganização fundiária, foram as


consequências para a exclusão de grande parte da população existente, a qual não

28
Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a
propriedade privada no Brasil.
38

teve condições de possuir a terra para fins produtivos e acessoriamente, a função


habitacional da propriedade.

Com o fim de alguns ciclos econômicos e a abolição da escravatura no fim


do século XIX, os acúmulos de terras por alguns latifundiários próximos dos centros
urbanos e a necessidade de expansão dos bairros residenciais favoreceram a
realização de loteamentos, cuja tendência, em uma lógica capitalista de otimização
financeira, sempre visou atender o cliente com maior potencial aquisitivo.

O processo de especulação imobiliária, geralmente destituída da


espontaneidade dos acontecimentos, consiste na forma relativamente injusta como
alguns proprietários acumulam terras, nelas nada produzindo; aguardando que,
outros entes, sejam da esfera pública ou privada, as valorizem pela implementação
de melhorias advindas da dotação de infraestrutura básica proporcionada por água,
esgoto e energia; serviços urbanos através de escolas, creches, hospitais e demais
equipamentos urbanos; e condições de mobilidade urbana, pela destinação de vias
públicas pavimentadas ou, ainda, de sistema de transporte público eficiente
(SABOYA, 2008)29.

Em análises acadêmicas mais modernas, determinados autores têm feito


leituras divergentes sobre os propósitos reais que lastreiam a adoção de certas
intervenções urbanas com o propósito de revitalização de áreas degradadas,
considerando-as mais um exemplo de uso indevido de recursos públicos a serviço
da especulação imobiliária, uma vez que expropriaria áreas ocupadas por camadas
mais carentes da população, em favorecimento de valorizações imobiliárias a serem
administradas por grupos particulares, causando os processos de segregação e
exclusão social (NEFS, 2005)30.

Previstas na Lei Nº 10.257 de 10 de julho de 2001, o Estatuto das Cidades,


as operações urbanas consorciadas, seriam exemplos de intervenções mais
expressivas a serem promovidas pelo poder público municipal com a finalidade de

29
Informação disponível em <http://urbanidades.arq.br/2008/09/o-que-e-especulacao-imobiliaria/>
Acesso em: 06 Jun. 2014.
30
Informação disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.058/487>
Acesso em: 30 Mai. 2014.
39

realizar transformações urbanísticas capazes de conferir a uma área específica,


melhorias estruturais, proporcionando a prevalência do direito urbanístico e a
manutenção das condições ambientais, no entanto, para atingirem a plenitude de
suas pretensões, tais institutos, coordenados pelo ente governamental, careceriam
do envolvimento da iniciativa privada, das empresas concessionárias prestadoras de
serviços públicos, dos moradores e dos demais usuários do local.

Ainda partindo da avaliação de alguns estudiosos, posições que mereceriam


ser mais bem aprofundadas em ocasião mais específica e oportuna, a mencionada
participação dos moradores e usuários teria encontrado pouca relevância nos atos
preparatórios das operações urbanas, proporcionando que se reservassem espaços
externos para habitação de alguns residentes originais ou, ainda, que a valorização
das áreas operadas, causassem aumento do custo de vida, tornando inviável a
permanência de algumas famílias, acentuando-se o processo de segregação e
exclusão social (BONDUKI, 2013)31.

O processo de marginalização imposto, de forma premeditada ou


espontânea, a determinados grupos que, em razão de suas condições
socioeconômicas, não conseguem utilizar o mesmo espaço urbano, imperando-se
neste cenário o estabelecimento de núcleos populacionais desprovidos das
condições, equipamentos e serviços necessários para a existência das interações
sociais saldáveis, necessárias para a prevalência do direito urbanístico, tem se
tornado o principal componente formador da violência silenciosa e velada aos
direitos humanos do cidadão e responsável pelos autos índices de criminalidade nas
áreas urbanas brasileiras.

Num cenário de avaliação lógica envolvendo os componentes da violência,


na matemática da segurança, as contas não fecham e jamais fecharão enquanto
suas causas motivadoras estiverem em pleno funcionamento e em franca expansão.
Não existe polícia suficiente para conter o descontrole social causado pelo

31
Informação disponível em <http://www.cartacapital.com.br/politica/avancos-e-retrocessos-na-
operacao-urbana-agua-branca-4691.html> Acesso em: 10 Jun. 2014.
40

desordenamento urbanístico das grandes cidades que possa ser arcado pelo próprio
contribuinte que dela necessita (FOLHA, 1998) 32.

Estudos demonstram que o aumento das atividades de cunho policial tem


melhorado a produtividade da polícia com aumento das prisões de criminosos
(GLOBO.COM, 2014)33, sendo que, atualmente, ainda que o tempo de reclusão do
infrator tenha sensivelmente diminuído em razão do abrandamento das legislações
brasileiras, o número de presos no estado de São Paulo tem aumentado a cada ano,
onerando ainda mais o povo paulista.

4.2 Causas da criminalidade

Diversos autores têm debatido sobre as questões sobre a violência e o


aumento dos crimes, sendo que, obviamente, com tal busca, num contexto de
eliminação do que mais incomoda o ser humano, pretender-se-ia resolver o
problema na origem, atacando-se as causas e não os produtos.

Nos primeiros capítulos de sua tese “O papel do policiamento na redução de


indicadores criminais: paradoxo ou decorrência lógica?”, no ano de 2010, o Coronel
Glauco Silva de Carvalho faz importante análise sobre todas as linhas que procuram
estabelecer quais seriam os reais fatores que contribuem para o surgimento do
crime e finaliza sua avaliação com a conclusão de que, se tratando de ciência não
exata, não se pode definir um único elemento constituidor do conjunto formador do
crime, sendo necessário que as medidas protetivas de cunho social sejam
implementadas em conjunto com as ações de polícia.

Considerando as teorias estudadas sobre as questões comportamentais,


concluindo-se que a própria ausência da fiscalização no contexto ordenador do

32
Informação disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff23049814.htm> Acesso em:
20 Jul. 2014.
33
Informação disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/10/roubos-crescem-19-e-
assassinatos-sobem-22-em-setembro-em-sp.html> Acesso em: 27 Set. 2014.
41

espaço, facilita para que haja o inicio do processo de deterioração do ambiente,


acredita-se, os fatores ambientais, econômicos, sociais e fiscalizatórios são, não
apenas complementares, mas também interdependentes.

Não se pode mais afirmar que o crime está diretamente ligado à pobreza,
vez que em momentos de maiores dificuldades econômicas vivenciados no país, os
índices criminais se encontravam em patamares mais baixos. Pelas condições
ambientais, também se depreende que, como vimos, o desarranjo urbano no Brasil
data de várias décadas e em momentos pretéritos os índices criminais não
preocupavam tanto à sociedade. Sob a ótica da presença policial, alguns locais
atuais que recebem maciça atenção dos aparatos fiscalizatórios não conseguem
reduzir os índices criminais a níveis satisfatórios.

Deste modo, diante de um quadro de consumismo exacerbado com a


substituição de princípios éticos por valores materiais, apenas nos resta concluir que
a questão comportamental, inicialmente, envolvendo o sentimento natural da
marginalização do ser humano, o qual se ressente dos processos de exclusão e
segregação social, é iniciada no cenário de abandono do espaço urbano em que se
insere (JACOBS, 1961).

A falta de elementos capazes de fazer com que o individuo faça parte de um


todo, como os equipamentos e serviços urbanos, inclusive com as ações
fiscalizatórias da polícia, necessárias ao sentimento de pertencimento, estimula o
ser humano a se revoltar com o sistema e a castigar a cidade.

A presença maciça da polícia nos locais desprovidos de elementos


sustentadores da cidadania, a coloca num contexto tirânico, visto que não apresenta
àquela comunidade, a legitimidade necessária para exigir sem nada doar em
contrapartida.

Apenas o equilíbrio proporcionado por ambiente saudável, oportunidade de


trabalho, espaço público convidativo e ação fiscalizatória sob medida é capaz de
promover no ser humano a condição ideal para sua existência em sociedade.
42

4.3 O crime e o mapa da urbanização na cidade de São Paulo

Acompanhando o conceito de planejamento urbano, estabelecendo-se que é


a atividade da criação do ambiente e do desenvolvimento de programas que visam
melhorar a qualidade de vida da população de áreas urbanas já estabelecidas ou,
numa melhor prática, a serem planejadas, dotando-as das melhores práticas de
serviços públicos, infraestrutura e mobilidade urbana, objetivando alcançar
condições favoráveis para a existência das interações sociais salutares e basilares
para a existência da cidade, constata-se facilmente que, na cidade de São Paulo,
alguns locais, por razões históricas já declaradas, estão mais bem aquinhoados de
boas iniciativas, podendo-se concluir que se posicionam privilegiadamente num alto
ranking subjetivo de urbanismo, de acordo com os cruzamentos dos dados
censitários do IBGE sobre as melhores condições existentes neste contexto
(AZAREDO, 2013; BURGARELLI, 2013)34.

Impõe-nos a interpretação pela subjetividade do ranqueamento, uma vez


que, excetuando-se os serviços interpretados como de necessidade comum, não há
critérios objetivos para fixar quais seriam os itens essenciais capazes de alavancar a
qualificação urbanística de uma região, sendo que alguns itens considerados
imprescindíveis para determinada população, podem não ser tão alardeados por
outras.

No lado oposto aos distritos considerados mais urbanizados, considerando


todas as questões históricas que envolveram o crescimento da cidade e sua
deterioração com o surgimento dos cortiços em áreas centrais; vários bairros, com
predominância periférica, ampliaram o rol de configurações urbanas extremamente
desfavoráveis, marcadas pela precariedade de saneamento básico, de moradias
dignas, de serviços públicos e de transporte eficientes, entre outros itens, inclusive,
de caráter fiscalizatório; ocasionando o abandono da prática da cidadania e o

34
Informação disponível em <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,so-2-5-dos-paulistanos-
vivem-em-areas-totalmente-urbanizadas,1100220> Acesso em: 15 Ago. 2014.
43

distanciamento de seus ocupantes do sentimento de obrigação com aquele espaço


(SANTOS, 1992).

Neste contexto, vários óbices se interpõem na manutenção das poucas


estruturas urbanas existentes nestas localidades e as depredações pontuais tendem
a pressionar descendentemente todo o conjunto, estabelecendo-se um ciclo vicioso,
conceito amplamente explorado pela “teoria das janelas quebradas” de James Q.
Wilson e George Kelling.

Ainda que no cerne das principais discussões sobre o assunto, estejam


afloradas as questões da pobreza como principal motivadora de tais
acontecimentos, equivoca-se quem apontar a mesma como única fonte dos
desajustes mencionados. Estudos realizados na formação da teoria mencionada
demonstraram estarem presentes, causas prevalentemente comportamentais, afetas
à área da psicologia ambiental e abordadas nas relações sociais que envolvem um
espaço público (VERGARA, 2012)35.

A indiferença manifestada pelas ações ou omissões do poder público,


delega automaticamente a seus desamparados, com raras exceções, a mesma
forma de se posicionar em relação à cidade, numa clara demonstração de quebra de
códigos e regras sociais estabelecidas, sedimentando o total descrédito do ser
humano em relação ao conjunto e profundo desrespeito pelo seu semelhante.

Em uma tendência evolutiva, ampliando-se os efeitos danosos na esfera


administrativa, a banalização da prática contrária ao ordenamento jurídico em
escalas transgressionais menores não punidas, a exemplo do que ocorre no
descumprimento de regras de trânsito, comércio não regulamentado, uso e
ocupação do solo, entre outros, criam-se ambientes ideais para a ocorrência de atos
mais graves, plenamente classificados como crimes.

Analisando-se as configurações urbanas apresentadas por alguns bairros da


cidade de São Paulo, em sua maioria, frutos da autoconstrução ilegal, depreende-se
facilmente que as áreas mais carentes de estrutura e atendimento por serviços

35
Informação disponível em <http://super.abril.com.br/ciencia/origem-criminalidade-442835.shtml>
Acesso em: 22 Set. 2014.
44

públicos, tendem a figurar como cenários propícios para a prática de crimes,


destacando-se em suas adjacências, os atos de natureza ofensiva à pessoa
(CABRAL, 1999)36 e, num raio de influência externo mais próximo, o surgimento de
crimes contra o patrimônio, explicados pelo conceito de “distance decay”, que
considera que tais manifestações ocorrem próximas aos locais onde residem, ou
frequentam, os infratores.

Figura 01: Mapa comparativo: Local de Residência das vítimas de homicídio X Local
dos homicídios.

Fonte: Fundação Seade. 2000.

Os mapas acima, referentes a levantamentos do ano de 2000 relacionam


respectivamente, os locais de residência das vítimas dos crimes de homicídio e os
cenários onde tais crimes ocorreram na cidade de São Paulo.

36
Informação disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/arquitet/arqui22.htm> Acesso
em: 12 Out. 2014.
45

Comparando os mapas acima inter-relacionados com a representação


cartográfica dos aglomerados subnormais representadas pelos cortiços e favelas,
elaborada através do mapa interativo montado a partir do site da Secretaria
Municipal de Habitação da cidade de São Paulo (http://mapab.habisp.inf.br/),
verifica-se que os locais onde predominam os crimes violentos contra a pessoa,
correspondem às áreas geográficas onde se apresentam as maiores condições de
subestruturação.

Figura 02: Concentração de Habitações subnormais.

Fonte: IBGE.

As análises comparativas entre as condições urbanísticas destas


localidades, os níveis de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) apresentados
pela população local e os índices de criminalidade violenta, também demonstraram
que os elevados números apresentados por determinados bairros estão diretamente
relacionados com as condições urbanas existentes.
46

Deste modo, verifica-se que a maior parte das áreas onde ocorreram os
crimes, recebeu avaliação de IDH médio, o que não corresponderia a uma
classificação tão privilegiada, uma vez que as regiões consideradas como de baixo
IDH, numa escala de 0 a 1, estariam abaixo do valor 5 e indicam tratar-se de áreas
com condições de sobrevivência comparadas aos piores locais do globo terrestre.

Figura 03: IDH por bairros em São Paulo.

Fonte: Atlas de Trabalho e Desenvolvimento da Cidade de São Paulo 2007.


47

Contextualizando as comparações realizadas sobre os bairros polarizados


como tendo ou não tendo condições urbanas ideais, a cidade de São Paulo, além da
classificação de médio IDH situado abaixo da nota 8 para os bairros menos
favorecidos, ainda verificamos a existência de vários distritos com IDH alto, situado
entre as notas 8 e 9, bem como, verificamos a correspondência aos melhores níveis
de desenvolvimento com notas superiores a 9, classificando os bairros melhores
estruturados como de altíssimo IDH.

Considerando as evoluções das condições de existência do ser humano na


última década, os progressos no emprego de estratégias para redução dos crimes
empregadas pelas polícias e as melhorias realizadas em nível municipal nas áreas
correspondentes aos aglomerados subnormais, representando visível diminuição
das áreas de favelização nas regiões periféricas, verifica-se que o número de
homicídios na cidade de São Paulo, retrocedeu de forma significativa fazendo com
que os índices da Capital, neste quesito, caíssem 63 % na comparação entre os
anos 2000 e 2010, estabelecendo uma relação mais confortável de 13,7 ocorrências
por 100.00 habitantes, número que chegou a 10,4 ocorrências por 100.000
habitantes no fechamento do ano de 2013.

Figura 04: Comparativo - Local de Homicídios X Conglomerados Subnormais.

Fonte: SEHAB Municipal - SEHAB Estadual - Fundação Seade – IBGE.


48

Ainda assim, percebe-se claramente que as áreas que apresentam valores


superiores a 10 homicídios por 100.000 habitantes, concentram-se em zonas ainda
carentes das políticas públicas de estruturação urbana, o que certamente, se
viessem a ser tratadas com mais atenção, lançariam a cidade de São Paulo a níveis
de excelente aceitação internacional.

As alterações do panorama de concentração de agrupamentos subnormais,


verificadas nos mapas temáticos e confirmadas em diversas publicações pelos sites
da administração municipal, têm evidenciado algumas intervenções por parte dos
órgãos envolvidos na desconstrução dos paradigmas envolvendo os bairros
periféricos, transformando ou removendo muitos dos problemas urbanos de São
Paulo, no entanto, as populações nas localidades remanescentes estão
aumentando, resultando em populações globais maiores que as existentes em
períodos de maior capilarização dos assentamentos, o que demonstra uma
tendência de acentuação dos problemas sociais experimentados por tais
populações. A população residente em agrupamentos subnormais passou de
1.160.590 habitantes em 2000 para 1.280.440 pessoas em 2010, sendo que o
número de favelas teria passado de 2018 no ano 2000 para 1020 em 2010.
49

5 A PREVENÇÃO DO CRIME PELO DESENHO URBANO

A análise das causas do crime, através do estudo do desenho das cidades,


indica obviamente que a configuração física desfavorável é capaz de gerar grande
parte das infrações menores e, num processo gradual, dos crimes realizados no
espaço público. No entanto, a vinculação do ingrediente comportamental,
provocado, principalmente, pela ausência governamental, é aspecto que não
devemos subestimar a relevância.

A Polícia Militar, baseada em sua vocação preventiva, já participa de várias


iniciativas que a inserem de forma direta ou indireta no contexto de alteração do
desenho urbano e do comportamento humano. No entanto, tais iniciativas devem ter
caráter obrigatório e não voluntário.

5.1 O crime vinculado às condições apresentadas pela cidade

Vários estudos envolvem conceitos sobre os crimes que ocorrem


provocados pela cidade, quer sob os aspectos físicos que oferecem condições
propícias para o surgimento das infrações, quer pelos comportamentos que se
permitem desenvolver e também levam ao surgimento do ilícito.

Teorias famosas como a das Janelas Quebradas ou a sobre os Espaços


Defensáveis, já se encarregaram de bem explicar como as interações dos cidadãos
com o ambiente em que convivem são capazes de evitar ou produzir atitudes
contrárias ao ordenamento jurídico.

5.1.1 Teoria das Janelas Quebradas


50

A teoria das janelas quebradas estabelecida pelos acadêmicos americanos


JAMES Q. WILSON e GEORGE L. KELLING, a partir de estudos anteriores 37
referentes ao comportamento do ser humano frente à ausência de políticas públicas,
já foi consagrada pelos estudiosos e pesquisadores de todo o mundo, ao
discorrerem sobre como a ausência de atitudes corretivas sobre os eventos mínimos
ocorridos num ambiente sob os aspectos administrativos de uma determinada
localidade podem evoluir negativamente, causando a desordem generalizada,
movendo as pessoas a migrarem para ações ilegais mais graves no contexto da
formação do crime.

No agravamento do quadro, as pessoas que têm condições de se mudar,


abandonam o local e as demais, que não reúnem condições de migração, passam a
deixar de frequentar as áreas públicas, oferecendo aos criminosos, todas as
facilidades para se estabelecerem e promoverem mais atos ilegais.

Todas as análises que fizemos sobre os cenários apresentados em áreas


degradadas da cidade de São Paulo, encaixam-se perfeitamente neste conceito e
mereceriam a adoção de medidas que pudessem restabelecer as áreas públicas aos
seus verdadeiros donos. Mas, isso não é tão simples. Apenas a conjugação de
esforços envolvendo todos os entes participantes da formação da cidadania seria
capaz de estruturar tais comunidades, restabelecendo-lhes as características de
cidade, do ponto de vista urbanístico.

Hierarquizando os componentes da reconstrução da cidade, o bom exemplo


do poder público é o primeiro relevante passo a ser ofertado em direção à
agregação de valores em torno de um objetivo comum. Os exemplos internacionais
demonstram que a retomada das rédeas da condução dos bairros pelas prefeituras
de importantes cidades, partindo-se da tolerância zero com as práticas
transgressionais simples, repercutiu sensivelmente para a diminuição dos índices
criminais propriamente ditos.

37
A Universidade de Stanford (EUA), realizou experiência de psicologia social, deixando dois carros
idênticos, abandonados numa rua do Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo
Alto, área nobre de Los angeles, tendo como resultado a vandalização do primeiro veículo.
Sequencialmente, após a quebra de um vidro do segundo carro, o mesmo também foi vandalizado.
51

Porém, como motivar a população a adotar tais atitudes reconstrutivas, se as


necessidades básicas para a existência da cidadania, respeitando-se os direitos
humanos fundamentais, não são minimamente supridas pelos órgãos responsáveis?
Nesta ótica, o simples ato de intensificação de fiscalização, apreensão, autuação ou
lacração, quer pelos órgãos administrativos municipais, quer pelas instituições
policiais, tem um efeito devastador em sentido contrário.

O exercício do poder de polícia sem as contrapartidas de estruturação não


promove a cidadania e não desperta no residente o sentimento de estar sendo bem
cuidado, mas sim, o instiga a desenhar a seu redor um cenário repressor e tirano
advindo de seus cuidadores, destituindo-os de qualquer chance mínima de
legitimação de seus atos.

5.1.2 Os espaços defensáveis

As discussões acadêmicas acerca dos modelos ideais de concepção das


cidades se apresentaram no contexto contemporâneo de forma mais frequente após
o caos urbano que se instalou nas cidades industriais no fim do século XIX, as quais
não possuíam capacidade física e estruturação suficientes para abrigar
adequadamente a mão de obra necessária para seu funcionamento, bem como, pela
necessidade de encaixar neste quebra-cabeça urbano, mais esta novidade poluidora
e geradora de tráfego.

Nos períodos que se passaram, vários profissionais na área do design


urbano ofereceram suas visões sobre como deveria se estabelecer a cidade do
futuro, exercitando suas teorias e conhecimentos sobre o urbanismo, porém, nem
sempre com a eficiência necessária, vez que o principal personagem formador deste
cenário final, o ser humano, nem sempre tinha suas expectativas atendidas pelos
projetos oferecidos.

Em 1961, Jane Jacobs, escritora americana e importante ativista política no


Canadá, publicou a significativa obra Morte e Vida nas Grandes Cidades
52

Americanas, a respeito dos modelos estabelecidos como ideais na área de


planejamento urbano, criticando o que considerava como projetos de
embelezamento das cidades, impostos conforme modelos a serem seguidos pelos
seus criadores, mas que, no entanto, não consideravam o que pensavam e
necessitavam seus usuários, principalmente, no que considerava de vital
importância para a vida das cidades, a existência de vida nas ruas e calçadas. Deste
modo, a autora estabeleceu que a forma equivocada como se desmontaram
algumas cidades consideradas desprovidas de beleza e organização, formadas
principalmente por minorias sociais, destacando-se os negros e imigrantes, numa
busca pelo modelo ideal, belo e funcional; foi a razão principal pelo qual se
destruíram as relações interpessoais, afastando as pessoas dos espaços públicos e
colaborando para o processo de deterioração, surgimento da desordem e,
posteriormente do crime nas grandes cidades.

As conclusões de Jacobs já indicavam que a subtração da figura dos


vigilantes comunitários naturais constituídos pelos próprios usuários das ruas e das
calçadas, foi fundamental para o surgimento da insegurança nas ruas e daí para os
bairros e então às cidades. Suas visões são o embrião de discussões que se
promovem hoje no dia a dia cotidiano brasileiro, onde se tecem críticas ferozes
sobre os processos de urbanização e revitalização das cidades como forma
mascarada de promoção da exclusão social.

A diferença básica existente na concepção da escritora e na visão crítica dos


pensadores brasileiros, reside no fato de que as pessoas ocupantes dos bairros
negativamente estereotipados e fadados ao extermínio dos exemplos americanos,
foram capazes de promover as melhorias necessárias para sua recuperação e
ressurgimento de vida por iniciativa própria, ainda que o poder público tivesse
voltado as costas para os locais. A politização sadia e a capacidade de mobilização
popular foram fundamentais para que sua vontade prevalecesse, culminando com a
manutenção e progresso de alguns bairros.

Oscar Newman, arquiteto e urbanista americano, através de sua obra


“Defensible Spaces” (Espaços Defensáveis) de 1972, divergiu sobre alguns pontos
estabelecidos por Jacobs, principalmente por discordar que a grande diversidade
53

urbana existente nas ruas das grandes cidades fosse vital para a segurança das
mesmas, entendendo que quando todos são responsáveis por tudo, ninguém cuida
de qualquer coisa.

Justificou ainda que cidades grandes como Nova York, riquíssimas no


quesito apontado pela colega no contexto aglomeratório, possuíam altos níveis
criminais, no entanto, os próprios conceitos sobre a vigilância natural também
estarão presentes em seu trabalho, ainda que num contexto diferente.

Newman estabeleceu então que o desenho urbano adotado em


determinadas áreas da cidade, conjugando-se algumas características específicas
fundamentais a serem apresentadas pelas arquiteturas das construções, bem como,
a participação das pessoas no processo de vigilância, eram essenciais para a
obtenção dos espaços defensáveis. Porém, a vigilância do espaço seria efetuada
pelas pessoas num processo de pertencimento seccionado de cada espaço e não
na obtenção de sensação de pertencimento a todo o conjunto como vislumbrava
Jacobs.

Os espaços defensáveis necessitariam de quatro fatores para existirem


sendo o primeiro, a territorialidade, sob o qual o território interno e externo é um
conjunto sagrado para seus proprietários obrigando-os a uma vigilância continua
sobre a área de sua influencia e despertando nos potenciais invasores a distinção
clara do que é privado, mantendo-os afastados pela possibilidade de estarem sendo
observados; a vigilância natural, pela qual as residências têm que possuir
características que possibilitem a observação externa, através de portas e janelas
estrategicamente posicionadas; a imagem, através da influencia proporcionada pela
singularidade do projeto que trará a percepção de que se está diante de um
ambiente seguro e da inserção no ambiente, representada pela justaposição de
áreas intercalando zonas seguras com bairros sociais, aumentando as atividades na
área e aumento os níveis de segurança.
54

Figura 05 - Graduação do espaço - privado, semi-privado, semi-público, público -


segundo Oscar Newman.

Fonte: Oscar Newman, 1972.

Percebe-se que os princípios, ainda que indiretamente, também estão


presentes na teoria das janelas quebradas que, em verdade, surge posteriormente,
em 1982 e, basicamente, a essência de todos estes conceitos passa pelo evento do
esvaziamento do espaço público, quer ocasionado pela prática das pequenas
transgressões, quer pela destruição das relações interpessoais entre seus
ocupantes, através de intervenções urbanísticas malsucedidas.

Observa-se na figura abaixo a alternância entre dois tipos diferentes de


partido arquitetônico, dispostos em uma mesma rua, sendo que o da esquerda é
menos atrativo aos pedestres em razão de sua configuração, favorecendo-se o
surgimento do ambiente inseguro. No entanto, a mescla com a disposição do lado
oposto da rua, a qual possui fachadas próximas da rua com janelas voltadas para o
passeio público e acessos bem definidos às pessoas acabam por conferir aos dois
lados um maior grau de segurança.
55

Figura 06: Tipologias diferentes em densidades semelhantes.

Fonte: Oscar Neman. 1996.

5.1.3 CPTED - Crime Prevention Through Enviromental Design

O momento vivido por algumas cidades americanas nas décadas de 60 e 70,


foi marcado pelos processos de decadência dos grandes centros urbanos,
contribuindo na motivação das diversas análises sociológicas e manifestações
literárias sobre o crescimento da criminalidade vinculado ao design do ambiente.
Justifica-se, portanto, a concomitância no surgimento de vários conceitos
envolvendo o tema, sendo que todos parecem ser, em algum momento, repetitivos
ou, ao menos, complementares.

Elizabeth Wood, através da obra publicada em 1961 “Housing Design”,


aproveitamento de suas experiências pelos anos de trabalho nas questões
habitacionais para a cidade de Chicago, desenvolveu orientações direcionando o
uso do desenho urbano para a obtenção da vigilância natural dos espaços,
privilegiando os aspectos de segurança. Seu trabalho destacou a importância da
56

visibilidade dos equipamentos públicos de recreação e de outros locais de interação,


vinculando-os com elementos que garantiriam a observação por um maior número
de pessoas, agregando segurança aos mesmos.

Apesar de não promoverem as mudanças almejadas à época de sua


disponibilização, as premissas dos estudos de Wood, aliados aos pensamentos de
Jacobs, entre análises de outros autores, forneceram elementos para que Ray Jeffery
desenvolvesse os conceitos do CPTED (Crime Prevention Through Environmental
Design), ou Prevenção do Crime Através do Desenho Ambiental, no ano de 1971,
estabelecendo concepções sobre a criação do comportamento antissocial e sua relação
com o surgimento do criminoso, promovendo profundas alterações nas teorias
criminológicas.

Através deste modelo, estabelecem-se dois elementos fundamentais a


serem considerados na avaliação para a prevenção dos crimes, o local do crime e o
agente que o pratica, definindo-se que potenciais infratores estabelecem seus
objetivos criminosos de forma racional, considerando todas as condições que
envolvam risco no desencadeamento de suas atividades ilegais, sendo que em tais
análises, ao se depararem com determinadas configurações desfavoráveis para
levar à frente seu intento, sejam elas logísticas, ambientais ou comportamentais,
tenderão a desistir da realização do ato.

A continuidade dos trabalhos de Jeffery ensejou que fossem publicadas


novas versões sucessivas das orientações do CPTED, sendo que na última, em
1990, abandonando levemente a análise sobre o agente, afirmou que é possível
impedir totalmente ou, ao menos, diminuir as práticas criminosas através das
alterações do desenho do ambiente, focando precipuamente nesta providência como
as principais formas de intervenção para diminuição dos atos criminosos.

5.1.4 CPTED – 2ª Geração


57

O exagero, considerado por alguns segmentos, pela extrema dedicação à


relevância da análise do espaço urbano nos estudos estabelecidos até então por
Jeffery, relegando-se a segundo plano os aspectos sociológicas nos prognósticos do
surgimento do crime, motivou que novas análise fossem realizadas, estabelecendo-
se um novo modelo de CPTED por Timothy Crowe em 1991, através de sua
publicação Crime prevention through environmental design : applications of
architectural design and space management concepts.

A análise sob a ótica dos conceitos anteriores poderia até alcançar bons
resultados, quando se detectasse a participação única do ambiente como gerador
dos comportamentos antissociais, sendo facilmente atenuado com a adoção de
todas as medidas de alteração urbana. No entanto, algumas manifestações e
relações comportamentais podem não depender unicamente do ambiente existente
e, deste modo, poder-se-ia obter soluções perfeitas de desenho urbano e ainda
assim, continuar a experimentar o surgimento de atos criminosos partidos de
membros da localidade ou pessoas externas ao espaço avaliado.

Exemplificando, imaginemos uma rua onde foram tomados todos os


cuidados para que possuíssem traçados perfeitos com passeios amplos e
ajardinados, com vegetações a alturas tais que não prejudicassem a visibilidade das
pessoas e com casas desprovidas de muros fechados, permitindo total vigilância
externa de quem frequentasse as ruas. Todas essas medidas conceitualmente
corretas segundo os princípios anteriores, seriam insuficientes para evitar os crimes
se não estivessem presentes as movimentações necessárias das pessoas para a
existência do controle e da vigilância.

Quem são as pessoas que residirão no local? Permanecerão em casa


durante o dia? Ou permanecerão fora, trabalhando o dia todo? Transitarão pelas
ruas a pé ou através do transporte público? Ou sairão logo cedo com seus veículos,
retornando ao final do dia, da mesma maneira, desertificando as ruas? Haverá
crianças indo a pé para as escolas próximas? Pessoas utilizarão equipamentos
públicos?
58

Embora aparentem ser forçadas tais construções mentais, se analisarmos


acuradamente, alguns exemplos de bairros que presenciamos nas diversas cidades
brasileiras, não encontraremos dificuldades em identificar, ao menos, uma
manifestação urbana que se apresente desta maneira, como na figura abaixo,
demonstração exemplar de modelo urbanístico físico a ser seguido.

Figura 07: Rua com elevado nível de urbanização, porém, deserta.

Fonte: https://www.google.com.br/maps/search/floripa.

No entanto, apesar da beleza das formas, do espaço ideal para a circulação


e interação de pessoas, da inexistência de muros integrando o passeio ao contexto
de cada residência e das janelas e portas voltadas para a rua, não detectamos a
presença das pessoas que podem estar ausentes nos horários matutinos e
vespertinos, ou, simplesmente, não possuem razão para visitarem as ruas.

Deste modo, Crowe adiciona uma “não tão nova” variável para os
comportamentos em espaços urbanos; vez que já eram elementos essenciais para
Jacobs e Wood; as características sociais, sendo fundamental que se considere que
os utilizadores devem conferir funcionalidades para os diversos espaços públicos,
devendo, tal conceito, ser incorporado ao trabalho do planejador urbano, para que
se exerça realmente a prática na obtenção de espaços mais seguros.
59

Baseados nos conceitos renovados ou reiterados pelo novo modelo


delineado, estabeleceram-se quatro elementos essenciais para a aplicabilidade das
estratégias e técnicas do CPTED sendo que o primeiro, o controle natural dos
acessos, visa criar a percepção no potencial transgressor de que o mesmo corre o
risco de ser pego, levando-o, num processo de tomada de decisão, a desistir de seu
intento; a vigilância natural foca nos mesmos conceitos anteriores de se possibilitar a
visibilidade dos espaços públicos; a territorialidade, releva que o sentimento de
propriedade é naturalmente reforçado quando os residentes se identificam com os
espaços públicos e se sentem obrigados a zelar por eles e, pela manutenção do
espaço novo ou recuperado, é fundamental que seja evitada a decadência dos
espaços e seu provável abandono, expondo-o novamente à ocupação por pessoas
mal-intencionadas, sendo importante neste processo, o envolvimento da
comunidade que dele depende.

5.1.5 Utilização atual dos conceitos do CPTED

Os modelos conceituais estabelecidos pelos diversos personagens


estudados serviram de base de pesquisa para os diferentes profissionais da inter-
relação espaço urbano/criminalidade. Obviamente, as particularidades
experimentadas por cada pesquisador, próprias das questões sociológicas de seus
países, produziram variações sobre o assunto em cada canto do globo terrestre.

No entanto, os fenômenos iniciais relativos à deterioração e ao abandono do


espaço, à ausência do sentimento de controle e da inexistência do uso das ruas
pelas pessoas, são ingredientes que fazem parte de todas as variações publicadas
em cada localidade, sendo que o exemplo praticado por todos os idealizadores com
a obtenção de excelentes resultados, deve ser aplicado em qualquer ponto onde se
espere que a cidade não crie o crime e sim, o evite.

Nos diversos países em que os conceitos já têm sido efetivamente


utilizados, suas aplicações variam de acordo com o grau de necessidade que a
localidade exige. Considerando o caráter municipal de algumas polícias, as
prefeituras se responsabilizam por encabeças as discussões sobre o tema,
60

disponibilizando informações orientativas através de sites específicos, publicações


de guias de orientação para os usuários ou estabelecimento de comissões formadas
para discutir os problemas, propor mudanças e aprovar ou reprovar projetos de
caráter privado que não tenham passado pelo crivo dos profissionais.

Figura 08: Página do CPTED no site da Prefeitura de Lakewood. Colorado. EUA.

Fonte: Site da Prefeitura de Lakewood, Colorado EUA.

Outras cidades, através de iniciativas diretas de seus departamentos de


polícia concentram diretamente nos sites policiais, todas as matérias referentes ao
tema, servindo como fonte de consulta para os planejadores e empreendedores.
61

Figura 09: Página do CPTED no site do Departamento de Polícia de San Diego,


Califórnia – EUA.

Fonte: Site do Departamento de Polícia de San Diego, Califórnia – EUA.

Periodicamente, alguns cadernos especializados, guias ou códigos


referentes aos princípios do CPTED, são publicados pelos departamentos de polícia.
62

Figura 10: Capa do Guia do CPTED do Departamento de Polícia de Prince Willian,


Virgínia - EUA.

Fonte: Departamento de Polícia de Prince Willian, Virgínia - EUA.


63

Em se tratando do planejamento de novos centros urbanos ou na


recuperação dos projetos existentes, é imperativo que, para a obtenção de
resultados minimamente aceitáveis, se avalie com profundidade as possibilidades de
ocorrência de crimes que poderão ser gerados pela disposição dos elementos
formadores do espaço.

Atendo-nos ao caso específico de São Paulo, remontando aos idos anos de


60 e 70, emprestando os exemplos do que se modificou no atendimento do Corpo
de Bombeiros da PMESP nos aspectos da prevenção contra incêndios, onde a
precariedade da legislação da época a tornava incapaz de conferir às edificações
todas as características construtivas e de combate suficientes a evitar o surgimento
de incêndios, a propagação das chamas e difusão de fumaça ou a evacuação
segura dos ocupantes de uma edificação, fez-se necessário que o órgão público se
atualizasse e se adequasse para obtenção de edificações mais seguras, que não
permitissem ou diminuíssem sensivelmente o surgimento do incêndio.

Para tal, foi necessário se observar (é claro que já havia literatura e


expertise internacional nesta área) os fatores próprios de cada edificação sujeito a
riscos, onde suas características físicas ou comportamentais de seus usuários
proporcionaram a grande possibilidade da ocorrência dos incêndios ou seus efeitos
negativos. A detecção dos tipos de ocorrências que encontrariam maior facilidade
para seu surgimento através da configuração apresentada pela edificação, permitiu
que se delimitasse, para a construção de novas edificações, objetivando-se que os
tais acontecimentos não se repetissem, os modelos encontrados até então fossem
proibidos nas novas edificações.

Nas questões afetas ao contexto urbanístico, embora se duvide que o


processo elencado sobre as questões de prevenção a incêndios possam ser
reproduzidas em escala macro, sendo evidente que as medidas impositivas no
conceito anterior encontram maior aplicabilidade pelos interesses empresariais (caso
não se adéque, o construtor não possuirá um produto vendável), é fundamental que
se procure reproduzir os mesmos processos utilizados de forma satisfatória,
estabelecendo-se que tais localidades devam se adequar.
64

As tendências mercantilistas dos processos de urbanização, envolvendo


desde as grandes empresas construtoras ou os pequenos especuladores,
legalizados ou clandestinos, estabeleceram metas de produção gigantescas com o
objetivo de se tirar a maior margem de lucro possível dos empreendimentos
imobiliários. Conjuntos residenciais, shoppings centers, centros empresariais e
loteamentos surgem a cada instante, sem que se questione que sua forma
inadequada de distribuição no terreno, a ausência de serviços públicos básicos, a
inexistência de funcionalidade no contexto em que estão inseridos vão produzir os
“incêndios” que deveriam ser evitados na análise de aprovação de novos
empreendimentos ou na adequação dos empreendimentos que já estão em
funcionamento e produzem mortes e prejuízos constantes, sem que este processo
seja interrompido.

Embora pareça forçada, a comparação dos dois casos é bastante


conveniente pois o que é considerado como absurdo hoje para o caso dos
empreendimentos imobiliários também o eram para as edificações que tiveram de
ser adequadas a partir dos anos 70.

Para o convencimento da opinião pública e do poder público em relação às


mudanças sobre a proteção contra incêndio, foram necessárias as 16 almas levadas
pelo incêndio no Edifício Andraus em 1972, ou as 184 vidas perdidas no incêndio do
Edifício Joelma no ano de 1974. Sob a forte comoção que se abateu sob a
população brasileira, fazia todo o sentido promover as alterações que não
permitissem que tragédias destas envergaduras voltassem a ocorrer em terras
paulistas e elas nunca mais ocorreram em proporções tão aterradoras.

No caso do urbanismo, aparenta-se guardar extrema distância em relação


ao objeto apreciado no contexto de Bombeiros, no entanto, é impossível se
esquecer dos 93 mortos gerados pela elevada desestruturação urbana e pelo
altíssimo grau de vulnerabilidade social dos residentes da Vila Socó em Cubatão no
ano de 1983, ou dos mais de 900 mortos vitimados pelos deslizamentos de terra
ocorridos no mês de janeiro de 2011 no estado do Rio de Janeiro, em razão das
ocupações desordenadas e inadequadas realizadas nas encostas de várias cidades
fluminenses.
65

Para tais enfrentamentos, embora a intervenção urbanística não seja


atribuição estadual, as ações necessárias para mitigação dos riscos às pessoa
requerem esforços supra governamentais e envolvem órgãos que necessitam
extrapolar os limites regulares de suas prerrogativas constitucionais. Deste modo, as
ações na área de defesa civil têm ensejado que a secretarias estaduais, integradas
com o ente administrativo municipal, num projeto multidisciplinar coordenado pela
Casa Militar, através da Defesa Civil do Estado de São Paulo, intervenham na
configuração urbana das cidades.

Através do Programa Estadual de Prevenção de Desastres Naturais e de


Redução de Riscos Geológicos, em ações do Grupo de Articulação de Ações
Executivas, são aproveitados os diagnósticos sobre as situações de risco
proporcionadas pelas aglomerações subnormais que ocupam encostas ou áreas
sujeitas a inundações, ensejando que sejam executados projetos de realocação
habitacionais e redesenhamento urbanístico, restabelecendo as condições do meio
ambiente sustentável e, acessoriamente, resgatando a cidadania da população.

Seguindo está linha lógica da preservação da vida, não há coerência em


também não nos debruçarmos sobre as questões urbanísticas com a mesma
preocupação que norteou os esforços para adequação das legislações protetivas
das edificações no contexto de incêndio e lastreou a participação efetiva da esfera
estadual na transformação dos cenários ameaçados pelos riscos geológicos.

Embora haja dispersão dos números de crimes contra a pessoa pelo


território municipal, o computo final de 143 vítimas de latrocínio ou 1.256 vidas
ceifadas por homicídio na cidade de São Paulo apenas no ano de 2013 38, em sua
grande maioria causada pela desagregação urbana, nos impõe envidar todos os
esforços para que as providências capazes de provocar as alterações esperadas
sejam efetivamente promovidas.

A relevância em se hierarquizar que o processo de desconstrução dos


crimes inicie-se com a detecção de quais são os crimes a que estão sujeitos
determinados conjuntos urbanos relaciona, obrigatoriamente, a polícia como

38
SSP/SP.
66

principal ente a participar do processo do planejamento urbano sob a luz do CPTED.


Quem possui a capacidade de identificar quais tipos de incêndio uma edificação está
exposta é autoridade suficientemente respeitada para definir o que deve ser evitado
ou proibido na busca de uma edificação segura. No mesmo contexto, quem possui o
Know-how para identificar os delitos que poderão surgir das configurações
apresentadas por um conjunto urbano, não pode ficar à parte do que se julga
conveniente aceitar como solução para os problemas da saúde da cidade, sendo
que, ainda, ironicamente, ainda é chamado a apagar os “incêndios” provocados pela
falta de atenção na prevenção.

Todas as demonstrações advindas das vastas e frequentes experiências


internacionais indicam que deverão ser envolvidos no processo de escolha das
estratégias de planejamento, todos os participantes que possuam perspectivas
próprias baseadas de seus conhecimentos multidisciplinares, sendo que a
combinação de todos esses conhecimentos trará ao CPTED a capacidade de
realização de um trabalho único e eficaz na eliminação ou mitigação das
oportunidades para que o crime surja num determinado espaço urbano, sendo
fundamentais os profissionais de arquitetura e urbanismo particulares e os
pertencentes às administrações públicas, dos representantes do povo (vereadores
ou líderes comunitários), dos profissionais de segurança, bem como de outras
lideranças locais com interesses diretos e inter-relacionados com os problemas do
bairro.

Embora a legislação brasileira estabeleça todo um ordenamento jurídico que


rege as relações necessárias no campo de estruturação das cidades, delineando a
partir do mais elevado diploma legal, o Estatuto das Cidades, passando pelos planos
diretores municipais, no processo de planejamento de novos bairros e
empreendimentos de diversas ordens, raramente a polícia é chamada a participar
dos atos de preparação ou elaboração dos projetos urbanísticos.

Carece também, a estrutura de avaliação dos contextos urbanísticos, dos


conhecimentos inerentes às estratégias do CPTED, sendo necessária a formação
nesse âmbito para os diversos profissionais que participariam do processo do
planejamento, principalmente os representantes dos setores governamentais, sendo
67

que os mesmos, a exemplo do que se tem demonstrado como boas práticas em


países que já possuem os conceitos institucionalizados no processo preventivo, têm
formado grupos técnicos compostos por policiais capazes de difundir os conceitos
ao público em geral e promover a capacitação de novos técnicos nos fundamentos
do CPTED.

A experiência em CPTED apresentada pelos britânicos possibilitou que


fossem formados vários especialistas denominados Architectural Liaison Officers
pela polícia inglesa, os quais possuem a função de cerificação dos locais
considerados defensáveis, sendo objeto de certificação todas as novas construções
ou reconstruções de espaços, os estacionamentos, os conjuntos habitacionais, as
áreas de lazer, os bairros e os edifícios em geral. A certificação é feita com base no
atendimento aos critérios estabelecidos pelo CPTED.

Variações do CPTED foram utilizadas em outros países ou em momentos


mais recentes através de designações diferentes como o DAC (Design Against
Crime) e POP (Problem-Oriented Policing). Atualmente alguns autores chegam a
mencionar uma terceira geração de CPTED, tratando da mescla de ocupações nos
mesmos espaços, no entanto, não há aplicação concreta que seja capaz de
estabelecer diferenciação com os conceitos já existentes.

5.2 CPTED no Brasil

No Brasil, esses conceitos têm sido pauta de estudo por vários especialistas
das áreas correlatas à segurança pública, pertencentes a seguimentos variados
entendidos como necessários à composição do CPTED, no entanto, em sua maioria,
restringem-se a citar as bases de seus fundamentos e ressaltar sua importância,
sem aprofundar sobre as formas que sua filosofia devesse ser incorporada à rotina
dos administradores de segurança pública, quem deveria fazer parte das comissões
que realizariam os planejamentos, ou como as determinações ou orientações
deveriam ser difundidas a todos os interessados.
68

A falta de cultura preventiva reinante no cenário nacional normalmente


desencoraja os administradores em geral a iniciar as providencias necessárias para
a aplicação da máxima “prevenir é melhor que remediar”, porém, independente a tal
condição, enquanto não se iniciarem os trabalhos, ainda que, em caráter orientativo,
no início, jamais atingiremos um nível aceitável de diminuição do surgimento do
crime pela adoção de medidas estruturais. É preciso dar o primeiro passo.

Analisando o cenário municipal paulistano, como em toda outra cidade que


se obriga a direcionar seus esforços em organizar o espaço público para os
crescimentos futuros, dotando-o de infraestrutura e serviços capazes de promover a
cidadania, foi publicada a última revisão do Plano Diretor Estratégico em 31 de julho
de 2014, através da Lei Municipal nº 16.050.

Segundo o referido diploma legal, visando promover a gestão participativa


nas decisões que envolvem os espaços públicos e as políticas urbanas, várias
questões em que estariam implícitas as necessidades da abordagem do tema
segurança, demandam a formação de conselhos participativos para discussão dos
problemas, formando colegiados multidisciplinares compostos dos diversos
segmentos da sociedade, no entanto, em nenhum deles a presença dos
profissionais responsáveis pela área de segurança pública são considerados
membros ou são convidados a participar, ainda que sejam os principais órgãos que
deverão administrar os passivos resultantes da inobservância dos aspectos de
segurança.

5.3 As experiências da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Embora a participação em CPTED seja algo não exercitado pela Polícia


Militar do Estado de São Paulo, a instituição já tem se feito presente em algumas
iniciativas que visam atingir os mesmos objetivos da aplicação dos conceitos
estabelecidos, em atividades que envolvem alguns de seus programas de
policiamento e iniciativas de relacionamento com a comunidade.
69

Através do policiamento comunitário, não foram poucas as participações de


policiais militares em projetos que envolvem, desde a orientação da comunidade
sobre os cuidados com a cidade até a liderança de grupos para fins de reforma ou
revitalização de espaços públicos, trazendo, pelo envolvimento, as pessoas de volta
ao convívio público, restabelecendo o sentimento de pertencimento e inibindo as
concentrações de indivíduos mal intencionados.

Em atuações ocorridas na região centro da cidade de São Paulo,


denominadas “Ação Local”, voltadas a recuperar as condições físicas apresentadas
por diversos espaços e equipamentos públicos, através de intervenções da
administração pública municipal, a Polícia Militar se fez representar pelos
responsáveis pelo policiamento local, dos quais podemos destacar o Tenente Willian
Thomaz.

Em entrevista com o referido oficial, o mesmo explicou como ocorreria a


participação da Instituição no processo, descrevendo que o surgimento da
necessidade de integração entre os órgãos públicos surgiu através dos movimentos
comunitários locais que, inconformados com as condições ambientais do bairro, às
quais estavam afastando os frequentadores dos espaços públicos e,
consequentemente “disponibilizando-os” à ocupação por infratores, clamavam pela
solução dos problemas, inclusive, à Polícia Militar.

O envolvimento institucional nesta fase, com indicação do que estaria


causando as anomalias segundo a ótica policial, criou pontes entre os órgãos
governamentais, possibilitando o entendimento direto entre a Prefeitura Municipal e
o Governo do Estado de São Paulo, na instalação de uma Base Comunitária de
Segurança, bem como na revitalização de todo o entorno do bairro, estabelecendo-
se um processo salutar de recuperação da cidade e resgate da cidadania dos
frequentadores.
70

Figura 11: Governado Alckmin, Prefeito Hadad e Tenente Willian na inauguração da


BCS Aliança.

Fonte: Portal do Governo do Estado de São Paulo.

Atualmente pela visão estratégica dos atuais Comandantes do Policiamento


da Capital, Coronel Glauco Silva de Carvalho e do Policiamento da Região Centro,
Coronel Celso Luiz Pinheiro, a participação dos integrantes da PMESP expandiu-se
na integração com os órgãos municipais, envolvendo desde as fases para
planejamento preliminar, passando pelo desenvolvimento das ações, culminando
com reuniões para balanço dos resultados obtidos, sendo que o modelo já está
sendo estendido a outros bairros da cidade.

As atividades de rádio patrulhamento, bem como outros programas de


policiamento desenvolvidos pela instituição, mantendo o policial vigilante em todos
os momentos de seu trabalho, possibilitam que os mesmos se deparem
constantemente com diversas situações administrativas que não demandariam
providencias, segundo a natureza principal de sua missão. No entanto, no contexto
da manutenção da ordem pública que é um conceito que ultrapassa
substancialmente os meros elementos comportamentais do ser humano, tais
constatações são registradas através de procedimento formal específico, o RAIA,
Relatório sobre Averiguação de Incidente Administrativo.
71

Através deste importante instrumento, sempre que qualquer policial militar se


deparar com uma infração de cunho administrativo, independente à concomitância
de providencias de natureza operacional rotineira, deverá preencher o relatório que
deverá ser encaminhado aos órgãos competentes a solucioná-los, através dos
canais hierárquicos competentes.

Não desprezando a relevância do instrumento, infelizmente, nem todas as


providencias que poderiam ser adotadas pelos órgãos responsáveis para solução
dos problemas administrativos, principalmente os de ordem física, são levadas a
efeito, redundando em efetiva solução dos problemas globais. Ao mesmo tempo,
nem todas as infrações administrativas de pequena natureza, normalmente
consideradas irrelevantes, que estão ocultas nos grandes cenários dos
atendimentos operacionais de maior gravidade, são registradas pelos nossos
atendimentos.

No ano de 2010, visando à celeridade no fluxo das informações geradas


pelas PMESP, a serem encaminhadas à Prefeitura Municipal de São Paulo, após o
preenchimento do RAIA, foi criada a integração entre o SIOPM (Sistema de
Informações da Polícia Militar) e o SAC (Sistema de Atendimento ao Cidadão)
municipal. Através do convênio, as informações constantes do relatório, depois de
inseridas no sistema informatizado, passaram a ser disponibilizadas imediatamente
aos subprefeitos das áreas responsáveis, agilizando a tomada de providências.

Nos atendimentos de ocorrências de acidentes de transito realizados por


policiais militares, os detalhes do ambiente motivadores das circunstancias em que
ocorreram os eventos são considerados de extrema relevância e, deste modo, os
relatórios elaborados para tais registros são modelados em formato semiestruturado,
possuindo campos induzíveis que estimulam o agente a fornecer a maior parte de
informações e diagnosticar, acessoriamente à avaliação da conduta humana, como
o meio favoreceu ao surgimento do fato.

Embora em reduzidas iniciativas no policiamento urbano, mas em maior


escala no policiamento rodoviário, as informações detectadas em relatório são
repassadas aos gestores do sistema viário para que possam ser processadas as
72

alterações necessárias à mitigação dos eventos indesejados (a construção de uma


passarela em local de grande incidência de atropelamentos, por exemplo). No
tratamento do crime urbano, tais variáveis não são consideradas, não havendo
estimulação à coleta de tais coletas durante o registro da ocorrência policial.

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, visando padronizar e sistematizar o


planejamento operacional para suas unidades, estabeleceu o PPI, Plano de
Policiamento Inteligente, objetivando organizar digitalmente as informações criminais
em base de dados e, através de sua utilização, direcionar o policiamento de acordo
com as prioridades de cada localidade.

A análise sobre os dados coletados, discussão realizada pelas unidades


operacionais por ocasião da RAC, Reunião de Análise Crítica, hierarquiza como
cada informação exerce influencia sobre os fatos gerados dos atendimentos e
suporta a definição das estratégias para que os eventos não mais ocorram, com
direcionamentos logísticos e pessoais nos espaços urbanos prioritários.

De acordo com o plano, para definição das estratégias operacionais durante


as RAC, algumas perguntas são realizadas para estimular a relevância das
informações e direcionamento adequado dos esforços e dos meios, sendo que
questionamentos referentes a “Onde”, “Como” e “Porquê”, fazem parte dos enfoques
a serem avaliados e serviriam perfeitamente a proporcionar respostas sobre o
ambiente em que os crimes ocorreram.

No entanto, as experiências adquiridas pela participação neste processo de


planejamento nos demonstram claramente que as providencias preventivas são
voltadas, predominantemente, ao contexto operacional, lastreadas essencialmente
no aspecto comportamental; muito pouco, se considerando o componente ambiental
na formulação das estratégias, o qual obrigaria ao chamamento à participação de
outros órgãos responsáveis pelo ordenamento das cidades.

Dentro desta filosofia preventiva, o Corpo de Bombeiros tem utilizado as


informações coletadas nos cenários das ocorrências discutindo-as em suas RAC,
porém adaptada às suas necessidades, ferramenta que foi transformada em um
73

instrumento de controle informatizado, disponibilizado no ambiente virtual da


intranet.

Analogamente ao que ocorre no desenvolvimento do PPI nas atividades de


policiamento, nas discussões em RAC do CB, detecta-se que a maior parte dos
eventos que ensejaram a atuação operacional teve suas origens nos problemas
urbanísticos, gerando-se relatórios e providências que envolvem frequentemente a
provocação dos entes municipais, com objetivo da eliminação da causa dos
acidentes. Os encaminhamentos realizados são acompanhados e têm seu status
registrado também no sistema informatizado.

Figura 12: Verificação de providencias da RAC – CB.

Fonte: site do Corpo de Bombeiros de São Paulo.


74

Figura 13: Comprovação de Cumprimento de Solicitação – RAC – CB.

Fonte: site do Corpo de Bombeiros de São Paulo.

Conforme exemplo acima, após o encaminhamento das demandas aos


órgãos envolvidos e acompanhamento da indicação que foi formulada, verificando-
se o atendimento da solicitação, a mesma é registrada e passa a ser monitorada
para verificação da obtenção do resultado pretendido, no caso, a redução de
acidentes.

Estudadas as aplicações das RAC, conclui-se que em alguns seguimentos


da Polícia Militar, dos quais destacamos o Corpo de Bombeiros, considera-se
fortemente o local dos acontecimentos para entender as origens e propor a
eliminação ou diminuição dos eventos causadores de suas demandas, enquanto que
o policiamento ostensivo considera, predominantemente, os fatores
comportamentais do ser humano para estabelecer as suas estratégias.

Avaliando a lógica preventiva em seu significado original, os números de


crimes produzidos pela desagregação social e pela degradação urbana dificilmente
75

serão reduzidos aos números desejados pela sociedade paulista, enquanto não
agirmos nas reais causas de sua produção.

5.4 O Direito Urbanístico e o Ministério Público

Brasília, 05 de Outubro de 1988. A publicação da nova Carta Magna da


República Federativa do Brasil, a Constituição Cidadã, caracterizou-a pela
agregação de valores que até então não se encontravam claramente definidos nas
edições anteriores, considerando que os contornos que alguns assuntos referentes
aos direitos das pessoas receberam, sofreram forte influencia de como o mundo
passava a contemplar as matérias.

A ordem urbanística, definida como o conjunto de diplomas legais


estabelecidos para organizar as atividades do uso do espaço urbano em benefício
do bem comum, preterindo os direitos individuais em prol dos direitos coletivos, é um
direito difuso estabelecido pelo Estatuto das Cidades, devendo ser garantidos a toda
a sociedade.

Deste modo, considerando que o artigo 123 da Constituição Federal conferiu


ao Ministério Público a missão de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como seu artigo 129, inciso
III, incumbiu-o de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, sua vigilância para garantia do ordenamento urbanístico, ultrapassa
qualquer esfera governamental.

Ao município, conferiu a Constituição em seu artigo 182, a atribuição de


executar a política de desenvolvimento urbano, porém, respeitando as diretrizes
gerais fixadas em ordenamentos superiores, como o próprio Estatuto da Cidade e
respeitando os interesses difusos, os quais devem atender obrigatoriamente.
76

As inúmeras anomalias urbanísticas causadas por décadas de ausência de


dispositivos legais ou da vontade dos gestores urbanos em exercer suas missões,
destituíram as pessoas dos seus direitos fundamentais, impedindo as cidades atuais
de exercer a função social prevista no parágrafo 2º do mesmo artigo 182, gerando
dois universos em um só espaço, ou seja, um espaço cidade urbanizada e sua
antítese, representada pela total negação da lei.

Considerando o caráter estadual da Polícia Militar de São Paulo, definindo-


se suas missões constitucionais, conforme parágrafo quinto do artigo 144 da
constituição federal, como a da realização da polícia ostensiva e da preservação da
ordem pública, entende-se, por algumas linhas de pensamento, não restar à
Instituição, qualquer envolvimento nas questões sobre o uso e ocupação do solo.

Tal corrente, não obstante, não caminha sozinha na interpretação de outros


juristas que avaliam que o artigo 24 e o seu parágrafo primeiro, conferem à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre o direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico, cabendo ao ente estadual, a
incumbência de legislar suplementarmente sobre as matérias.

Deste modo, considerando que as relações legislativas principais se dão


diretamente entre a esfera federal e a municipal, interpretando o significado da
palavra suplementar, detectando-se a ausência de qualquer tratativa do ente
federativo para determinado assunto, caberia ao nível estadual legislar, obrigando-
se o município a se adequar. Restaria apenas a previsão legal em nível estadual.

Independente a tal complexidade jurídica, conforme missões estabelecidas


pela Constituição Federal e pelo próprio Estatuto das Cidades ao Ministério Público,
o oportuno fornecimento de informações sobre questões que desrespeitassem o
ordenamento urbanístico, seria capaz de motivar à adoção das medidas
preconizadas pelo artigo 23 da Constituição Federal.

Neste contexto, considerando o histórico de cooperações entre a Polícia


Militar e o Ministério Público do Estado de São Paulo, na busca dos objetivos
comuns da garantia dos direitos sociais básicos e da dignidade da pessoa humana,
estando o policial militar diretamente em contato com os lugares mais distantes nos
77

municípios, podendo registar todas as manifestações de desconformidade no


ordenamento urbanístico, a atuação institucional na reorganização da cidade,
poderia ser levada a efeito através de termos de cooperação entre os órgãos.

Obviamente, não se pensaria encaminhar ao ministério público cada


constatação de falta de tampa de bueiros ou de buracos no leito carroçável, mas
sim, relatórios cuidadosamente elaborados pelos gestores policiais operacionais,
com bases em informações detalhadamente coletadas, indicando a causalidade
entre altas incidências criminais e as grandes concentrações, em um mesmo espaço
público, de processos de deterioração urbana.

5.5 Abordagem de outros pesquisadores da PMESP

O estudo do espaço urbano ou do elemento edificado já foi alvo de outros


estudos na Polícia Militar do Estado de São Paulo, em razão de cursos em edições
anteriores referentes aos programas de mestrado ou doutorado de ciências de
segurança e ordem pública, realizados pela Instituição, sendo destacados alguns
trabalhos que adotaram linhas semelhantes de estudo.

5.5.1 Coronel Renato Cabral Catita – CSP 2007

No ano de 2007, o então Major Renato Cabral Catita, hoje Coronel da


reserva da PMESP, defendeu a tese “A Estratégia da Polícia Militar no
Acompanhamento do Crescimento Urbano das Cidades” onde fez uma análise do
crescimento urbano da cidade de Ribeirão Preto, apresentando as justificativas de
que a responsabilidade pela diminuição dos crimes não cabe apenas aos órgãos
policiais, defendendo que caberia à Instituição o encaminhamento de informações
coletadas ao longo dos atendimentos policiais ou solicitações da comunidade para
auxiliar no planejamento urbano e na manutenção dos espaços públicos.
78

No desenvolvimento de seu trabalho, por ocasião da utilização de


questionários, o autor auferiu que, entre comandantes operacionais da Polícia Militar
em diversas regiões do estado, 96 % dos gestores entendiam que a Instituição pode
auxiliar outros órgãos, na obtenção da prevenção primária, através do encaminhamento
de sugestões, 86 % dos gestores recebem solicitação da comunidade que competem a
outros órgãos a sua resolução, 100 % dos gestores acreditam que o urbanismo aplicado
pode auxiliar a Polícia Militar na obtenção da sensação de segurança, 98% concordam
que o desenho urbanístico é capaz de auxiliar na prevenção do crime, 92% acredita
que é possível motivar as administrações municipais a se empenharem a partir de
orientações e sugestões da PM, 39% dos gestores foram convidados a participar da
elaboração do plano diretor em suas cidades, 92% não são chamados a participar
de projetos para lançamento de loteamentos ou outros empreendimentos de grande
impacto social.

Em conclusão foi proposto que a Polícia Militar, através de regulamentação


por diretriz ou outro ato normativo, determinasse a participação dos comandantes no
processo de planejamento e infraestrutura dos municípios, levando sugestões aos
envolvidos com a área de urbanismo; que o RAIA fosse mais bem aproveitado,
formando um banco de dados, visando seu aproveitamento nos planejamentos
futuros; que a Polícia Militar passasse a integrar o GRAPROHAB (Grupo de Análise
e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo), com direito a voto
aos representantes da área do policiamento e do bombeiros; inclusão da disciplina
de urbanismo e desenho urbano no Curso de Formação de Oficiais, a fim de
fornecer aos mesmos, os conhecimentos básicos sobre a formação da cidade e
suas correlações com a segurança pública; incluir o tema do urbanismo e segurança
pública na pauta das palestras realizadas pela Polícia Militar às comunidades.

5.5.2 Major Carlos Cotta Rodrigues – CAO-I/2009

Por ocasião de seu curso de mestrado em ciências de segurança e ordem


pública no ano de 2009, o então Capitão Carlos Cotta Rodrigues, atualmente Major
79

da reserva da Polícia Militar, realizou o trabalho monográfico “Elaboração de Laudo


Técnico de Impacto de Segurança Pública por conta de Expedientes Imobiliários – A
Prevenção Através do Gerenciamento Urbano”, fazendo referência aos conceitos do
CTPED e suas variações, favorecendo o foco na prevenção do crime.

O autor fez esclarecimentos sobre os Estudos de Impacto de Vizinhança que


devem ser realizados por ocasião da instalação de grandes empreendimentos,
conforme determina o Plano Diretor dos municípios, por imposição do Estatuto das
Cidades, e concluiu que o instrumento não considera as questões de segurança
pública em seu planejamento, sendo que ao final estabeleceu a necessidade da
criação de um Estudo de Impacto de Segurança Pública, a ser incorporado na
análise de grandes projetos.

Dentre os 32 itens de propostas elaboradas pelo autor, destacam-se: a


criação de um Comitê Brasileiro de Segurança Pública junto à ABNT para o
desenvolvimento de normas técnicas envolvendo edificações e questões de
urbanismo; o estabelecimento de convênios entre a PMESP e as prefeituras a fim de
assegurar a participação nos processos de planejamento, elaboração de planos
diretores e análise de EIA e EIV; transformação do RAIA em Norma Técnica da
ABNT aplicável a todo o território nacional; e difusão dos conceitos de CPTED, DAC
e POP através da criação de cursos para comandantes de companhia, disciplinas
nos cursos de arquitetura e urbanismo e matérias em cursos de formação da Polícia
Militar.

5.5.3 Major Marcos Tadeu Boldrin de Siqueira – CAO-II/2012

Em 2013, o então Capitão Marcos Tadeu Boldrin de Siqueira, elaborou


trabalho de conclusão de seu curso de mestrado em ciências de segurança e ordem
pública sob o tema “A Arquitetura como Fator de Prevenção Primária: Análise de
Edificações Residenciais e Comerciais na Cidade de Marília/SP”, utilizando como
parte de seus estudos os conceitos de CPTED aplicados, principalmente à
80

edificação e seu interior (comércio) de acesso público, estendendo-se também aos


entornos.

Denominando os conceitos como “Arquitetura na Prevenção do Delito”, o


autor propôs sua disseminação ao publico externo e externo, a criação de material
escrito e virtual para orientações e difusão, inclusão dos policiais militares no
planejamento urbanístico municipal e, como inovação, a criação de convênio entre
Estado e Município, como os existentes com o Corpo de Bombeiros da PMESP, bem
como a criação de uma espécie de brigada para o segmento privado, voltada a
garantir a perpetuação das informações em ambientes com grande afluxo de
pessoas e a alteração do Boletim de Ocorrência da Polícia Militar com a inclusão de
campos para coleta de informações criminais afins às edificações vitimadas.
81

6 CONCLUSÃO

Os estudos realizados indicaram que grande parte dos crimes violentos


atuais acontecem, independentemente às condições econômicas de seus agentes,
em áreas compostas por agrupamentos subnormais ou áreas sob sua influencia,
resultantes de um ambiente desfavorável e propício à exclusão social e à formação
do comportamento humano inadequado perante o espaço urbano.

Embora a presença da Polícia Militar no cenário pós-crime e na prevenção


do mesmo seja extremamente necessária, a missão referente ao policiamento
ostensivo preventivo fica muito prejudicada em razão da grande gama de
atendimentos criminais e sociais produzidos por tais distorções urbanas.

Deste modo as intervenções nestas áreas degradadas são fundamentais


para a eliminação ou mitigação das causas do surgimento do crime, devendo a
Polícia Militar fazer parte deste contexto, inclusive como instrumento de legitimação
de suas atividades.

As pesquisas indiretas realizadas em trabalhos monográficos anteriores


demonstraram que as administrações municipais costumam solicitar a participação
da Instituição durante o processo do planejamento urbano em cerca de 39% dos
entrevistados, número que pode aumentar dependendo da postura e empenho dos
comandantes, já que em sua totalidade, entenderam que devem participar de tal
contexto.

Os processos de elaboração de projetos arquitetônicos e urbanísticos


brasileiros, motivados pelo efeito do medo do cidadão, tem causado o isolamento
físico das pessoas, encerrando-as em fortalezas que transformam as ruas em
lugares desertos e propícios à ocupação por desordeiros e infratores da lei num ciclo
vicioso.

Fica bastante claro que a cultura popular brasileira no entendimento de


como a Polícia Militar deva participar do tratamento do crime, a vincule única e
exclusivamente ao atendimento da ocorrência ou à presença permanente para que o
82

evento não ocorra. “Queremos mais policiamento na rua”. No entanto, tal visão deve
ser desconstruída.

Ainda que os instrumentos da participação direta da Instituição nos assuntos


afetos à organização das cidades sejam limitados, os exemplos relatados sobre a
participação de policiais militares na composição de equipes multidisciplinares para
a solução de problemas urbanos que afetam a segurança no centro de São Paulo,
motivados por questões comunitárias, demonstram que a participação da polícia é
viável, oportuna e muito bem-vinda por parte dos administradores municipais e
cidadãos envolvidos com os projetos.

A criação de uma cultura prevencionista, a exemplo do que ocorreu nos


anos 70 pelo Corpo de Bombeiros e foi capaz de reduzir sensivelmente o número de
ocorrências de incêndio, é vocação natural da Polícia Militar como legítima
responsável pela segurança pública da população e deve ser ofertada aos usuários
paulatinamente, fazendo com que as ideias sejam sedimentadas pela repetição.

Deste modo, os conceitos devem ser incorporados e vinculados à imagem


da Instituição nos mesmos moldes em que falamos sobre a Polícia Comunitária ou
os Direitos Humanos que, diga-se de passagem, têm sido largamente
desrespeitados no contexto do urbanismo.

Os registros policiais sobre os atendimentos de ocorrências já consumadas,


onde o BOPM deve ser preenchido com a maior gama de informações que elucidem
ou façam indicações sobre a dinâmica e a autoria do crime, a exemplo do que ocorre
em relação aos registros de acidente de trânsito, devem receber também as
indicações que formem uma base de dados para a polícia militar a respeito do local
onde ocorreu o crime, devendo constar características geográficas e de edificações,
condições sociais, entre outros detalhes que podem auxiliar na obtenção de
soluções para o local, evitando-se o crime ou outro tipo de infração.

Objetivamente, concluo que a Polícia Militar, através de seus comandantes


operacionais, deve fazer parte dos processos de planejamento urbano e de outras
intervenções nas cidades através da adoção, ao exemplo do que já ocorreu sobre a
Polícia Comunitária, da Doutrina da Cultura Prevencionista, estabelecendo-se
83

diretrizes internas que disciplinem a participação de seus gestores em conjunto com


as administrações municipais.

Integrando a base formadora da disseminação dos princípios preventivos


deve ser criada a Coordenadoria de Atividades Preventivas a ser composta por
grupos de oficiais formadores das políticas de orientação à população, criando-se
Guias, nos moldes do CPTED a serem disponibilizados ao público e o site CPTED,
nos moldes estabelecidos pelos diversos departamentos de polícia do mundo.

Ainda como proposta, considerando a prática de realização das RAC,


Reuniões de Análise Crítica, das ocorrências atendidas pelo Corpo de Bombeiros,
onde se tem analisado o ambiente, procurando eliminar os fatores externos
causadores dos acidentes, sugiro que os nossos BOPM evoluam, integrando-se
campos a serem preenchidos com as informações sobre os ambientes em que
ocorreram os crimes, motivando que, em posse dos dados, durante as RAC nos
batalhões operacionais, não se discutam apenas os aumentos dos índices e as
estratégias para direcionamento de mais policiamento mas, também, as causas
relacionadas com ambiente, verificando as providências a serem tomadas pelos
órgãos envolvidos.

Finalmente, considerando as experiências anteriores sobre os termos de


cooperação existentes entre a Polícia Militar e o Ministério Público, sugiro a
elaboração de instrumento especifico para tomada de providências sobre
descumprimentos, na esfera administrativa municipal, vinculados à prática de crimes
ou contravenções penais, como no caso de comércios que recebem autorização
específica para seu ramo de atividade e abrigam ilegalmente jogos de azar em seu
interior. Tal medida visaria impedir que tais estabelecimentos continuassem
funcionando após a constatação da infração, nos mesmos moldes em que têm
havido lacrações em casos de desmanches, em iniciativas recentes ocorridas no
Estado de São Paulo.
84

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