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PROMOTORIA DE JUSTIÇA JUNTO AO IX JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA CAPITAL

Processo: 0007514-51.2023.8.19.0209
MM. Juíza,

Trata-se de procedimento investigatório inicialmente instaurado para apurar a prática de lesão corporal
culposa na direção de veículo automotor (art. 303 da Lei 9503/97), conforme capitulação inicial lançada
pela autoridade policial no termo circunstanciado.

Ocorre que não há nos autos representação formulada pela suposta vítima, sendo noticiado pela
imprensa que o mesmo já teve alta hospitalar, o que implica na necessidade de sua manifestação quanto
ao prosseguimento deste processo.

Por outro lado, não consta dos autos informação oficial, nem mesmo no termo de qualificação do
motorista investigado, informação comprobatória da atividade realizada pelo motorista que conduzia o
veículo no momento do atropelamento, havendo fortes indícios que o mesmo seria motorista do aplicativo
UBER, portanto, transporte de passageiros, o que conduziria à incidência da causa de aumento prevista
no parágrafo 1º do artigo 303, da Lei 9503/97 e, eventualmente, alteraria a competência judicial para
apreciar a lesão corporal.

Com relação às providências processuais quanto à lesão corporal, requer o Ministério Público seja
expedido ofício ao Hospital Miguel Couto, requisitando-se o BAM da vítima no prazo de 5 dias e,
obtida a qualificação completa do mesmo, seja Kayke Brito intimado a manifestar ou não desejo de
representar.

Outrossim, sem prejuízo, requer seja expedido, desde já, intimação ao motorista Diones Coelho da
Silva, bem como expedição de ofício à UBER, requisitando-se a confirmação de que o motorista
Diones Coelho da Silva é motorista de transporte de passageiros pertencente àquela empresa,
tudo no prazo de 5 dias.

Por fim, considerando todos os fatos apurados nestes autos, especialmente o depoimento das
testemunhas, bem como demais informações publicadas em diversos veículos de comunicação, que
serão oportunamente anexadas aos autos, constata-se que o cidadão BRUNO FREITAS MANTUANO
DE LUCA (fl.43), que estava na companhia da vítima Kayke Brito, foi o único que teria saído do local
logo após o atropelamento, sem adotar qualquer providência para prestar socorro, nem mesmo
saber que algum socorro ou solicitação havia sido feita, até porque relata que sequer sabia quem
teria sido a vítima do atropelamento, nem mesmo como retornou para sua residência.

Ora, conclusão lógica e óbvia é que o referido senhor Bruno não se importou sequer em ter qualquer
conhecimento quanto às providências que teriam sido adotadas para prestação de socorro daquela
vítima, não podendo se eximir de responsabilidade pelo crime previsto no artigo 135 do Código
Penal.

O tipo penal em questão tutela a proteção à vida e a integridade física, impondo-se aos cidadãos o
princípio da solidariedade em com a finalidade de proteger a vida e a integridade física, sendo
conduta esperada e desejada de todos aqueles que presenciam uma situação de perigo a uma pessoa,
se importar com o fato e adotar as mínimas providências para que aquela pessoa seja socorrida.

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Esse dever genérico de prestar assistência a pessoa ferida, ou em grave e imininente perigo, se impõe a
qualquer pessoa, sem exigir qualquer condição especial ao sujeito ativo, sendo possível fazê-lo sem risco
pessoal.

Evidente que, no caso concreto, o senhor Bruno não adotou qualquer providência no sentido de
socorrer a pessoa que havia sido atropelada, tendo declarado que nem mesmo sabia ser seu amigo,
omitiu-se em adotar qualquer providência em buscar socorro, nem mesmo chamar autoridade
pública, bombeiros ou qualquer providência, limitou-se a ir embora com total descaso pelo resultado
final do acidente que presenciou, tendo declarado, inclusive, que acreditava que a vítima havia
morrido, sendo certo que sequer soube se alguém havia providenciado chamado aos bombeiros
para socorrer a vítima, até por que saiu do local sem nem mesmo saber como chegou em casa e
como retornou, levando à conclusão que sequer sabia que teria sido solicitado socorro.

Não há nenhuma dúvida quanto à consumação da omissão de socorro, na medida em que esta
configura-se com a simples abstenção, no exato momento em que poderia agir, mas preferiu omitir o
socorro agindo com dolo de perigo, ou seja, com vontade livre de abster-se de socorrer, com a
consciência da situação de perigo em que se encontrava a vítima.

Desta forma, requer o Ministério Público seja retificada a autuação para incluir o nacional BRUNO
FREITAS MANTUANO DE LUCA, como autor do fato de crime previsto no artigo 135 do Código
Penal, seja providenciada a juntada de FAC/CAC para análise dos requisitos do artigo 76 da Lei
9099/95 e designada audiência especial, oportunamente.

Com relação ao crime do artigo 303 da Lei 9503/97, a depender do resultado da manifestação da vítima,
bem como da qualificação do motorista, que poderá ensejar desmembramento do processo, aguardamos
o cumprimento das diligências requeridas para definitiva manifestação.

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2023.

MÁRCIO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA


Promotor(a) de Justiça
Mat. 1968

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