Você está na página 1de 10

ARTIGO ORIGINAL

Interações medicamentosas em pacientes do ambulatório


de neurologia pediátrica de um hospital terciário em
Fortaleza-Ceará

Drug interactions in patients of pediatric neurology outpa-


tient clinic of a tertiary hospital in Fortaleza Ceará
Maria de Fátima Menezes de Azevedo1, Juliana Alves Guimarães2, Eudiana Vale Francelino3, Alesandra Ricardo
Nunes4

questionários (76,66%), encontrando-se


Resumo um total de 38 tipos de interações. Con-
Objetivo: Identicar as possíveis inte- clusão: O estudo nos permitiu observar,
rações medicamentosas em prescrições que interações medicamentosas podem
de pacientes da neurologia pediátrica, de ser comuns no tratamento de pacientes da
forma a contribuir com a farmacovigilância neurologia pediátrica, sugerindo que um
nessa faixa etária. Métodos: Foi realizado papel ativo dos prossionais da saúde na
um estudo transversal, aplicando-se um monitorização da terapêutica evitaria pos-
questionário aos cuidadores de pacientes síveis reações adversas provenientes de
da neurologia pediátrica de um hospital interações medicamentosas.
infantil, com perguntas referentes, prin- Descritores: Interação medicamen-
cipalmente, aos medicamentos em uso. tosa. Pediatria. Neurologia.
Também foram analisados os receituários
para identicar interações medicamento- Abstract
sas, utilizando-se a base Micromedex 2.0
e a literatura Bachmann et al. Resultados: Objective: To identify the possible drug
Foram analisados 90 questionários de interactions in prescriptions of patients of
pacientes da neurologia pediátrica, com Pediatric Neurology, in order to contribute
média de idade de 10,91 anos, sendo iden- with the pharmacovigilance in this age
ticada interação medicamentosa em 69 group. Methods: A cross-section study
was conducted through a questionnaire
applied to caregivers of Pediatric Neurol-
1 Farmacêutica. Mestranda doPrograma de Saúde da Criança e do
Adolescente, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil. ogy patients of a children’s hospital, it was
2 Graduanda de Farmácia, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, referring mainly to drugs in use. The medi-
CE, Brasil. cines have been studied on Micromedex
3 Farmacêutica. Doutoranda do Programa de Ciências Farmacêuticas, UFC,
Fortaleza, CE, Brasil. database 2.0 and Bachmann et al. litera-
4 Farmacêutica. UFC, Fortaleza, CE, Brasil. ture (2006) to identify possible interactions

20 Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

within the requirements. Results: The 90 dois milhões de pessoas com epilepsia e
Pediatric Neurology patient questionnaires 300 mil são crianças com idade inferior a
were collected, with an average age of 14 anos5.
10,91 years and identied drug interaction
in 69 questionnaires (76.66%). It was found A incidência estimada na população
in this study a total of 38 types of drug in- ocidental é de um caso para cada 2.000
teractions. Conclusion: This study allows pessoas por ano. A incidência de epilepsia
us to observe, that drug interactions may é maior no primeiro ano de vida e volta
be common in treating patients of Pediatric a aumentar após os 60 anos de idade. A
Neurology, suggesting that an active role of probabilidade geral de ser afetado por epi-
health professionals in monitoring therapy lepsia ao longo da vida é de cerca de 3%5.
would avoid possible adverse reactions A Interação Medicamentosa (IM) é um
from drug interactions. evento clínico em que os efeitos de um fár-
Keywords: Drug Interaction. Pediatrics. maco são alterados pela presença de outro
Neurology. fármaco, toterápico, alimento, bebida ou
algum agente químico ambiental. Quando
dois medicamentos são administrados con-
Introdução
comitantemente a um paciente, eles podem
A população pediátrica se ressente dos agir de forma independente ou interagir en-
poucos estudos que relacionem o perl de tre si, com aumento ou diminuição de efeito
utilização e ocorrência de Reação Adversa terapêutico ou tóxico de um ou de ambos6.
a Medicamentos (RAM) em crianças hos-
O desfecho de uma IM pode ser perigo-
pitalizadas1. As características siológicas
so quando promove aumento da toxicidade
são variáveis, principalmente na primeira
de um fármaco. Algumas vezes, a intera-
década de vida, acarretando mudanças na
ção reduz a ecácia de um fármaco, o que
funcionalidade de cada órgão2. Durante as
pode ser tão nocivo quanto a toxicidade7.
fases de crescimento, as crianças estão em
contínuo desenvolvimento, quando dife- As interações benécas terapeutica-
renças e processos de maturação não são mente aumentam a ecácia dos fármacos
matematicamente graduais ou previsíveis3. associados ou exercem efeito corretivo
sobre a reação adversa consequente ao
A epilepsia é uma das doenças neu-
uso de um deles. Embora muitos estudos
rológicas mais frequentes, sendo superada
tenham mostrado que as associações de
apenas pelo acidente vascular cerebral4.
fármacos podem causar interações clinica-
Afeta aproximadamente 1% da população
mente signicantes, poucos examinaram
mundial. A incidência dessa patologia varia
seu impacto sobre saúde e bem-estar do
de acordo com idade, sexo, raça, tipo de
paciente7.
síndrome epiléptica e condições socio-
econômicas. Nos países desenvolvidos, a Esse estudo teve como objetivo iden-
prevalência da epilepsia está em torno de ticar as possíveis interações medica-
0,5% da população. Nos países em de- mentosas em prescrições de pacientes da
senvolvimento, em torno de 1,5% a 2% da neurologia pediátrica, de forma a contribuir
população. Nos Estados Unidos existem com a farmacovigilância nessa faixa etária.

Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014 21


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

Métodos contraindicadas, quando a administração


concomitante dos fármacos não é reco-
Trata-se de um estudo de caráter
mendada; maiores, quando apresentam
descritivo, transversal realizado na Far-
ameaça à vida e requerem intervenção
mácia Ambulatorial do Hospital Infantil
médica imediata; moderadas, quando
Albert Sabin (HIAS), em Fortaleza-CE.
há piora no quadro clínico do paciente,
Na primeira fase foi aplicado um havendo necessidade de alteração da te-
questionário semiestruturado a 90 cui- rapia medicamentosa instituída; menores,
dadores de pacientes acompanhados no quando o paciente apresenta alteração no
ambulatório de neurologia pediátrica do quadro clínico, porém não exige modica-
HIAS, no período de agosto de 2011 a ção da terapia medicamentosa.
outubro de 2012, contendo 12 perguntas
Utilizou-se também a classicação
relacionadas ao paciente, distribuídas
dessa base de dados quanto à documen-
em: 1) Identicação da clínica médica; 2)
tação existente, como: excelente, quando
Idade; 3) Peso; 4) Início do tratamento;
os estudos controlados estabeleceram
5) Diagnóstico principal; 6) Existência de de modo claro a existência da interação;
familiares com a doença; 7) Medicamen- boa, quando a documentação sugere com
tos em uso; 8) Apresenta comorbidade veemência a existência da interação, mas
(diagnóstico secundário); 9) Faz trata- faltam estudos controlados realizados de
mento para essa comorbidade; 10) Usou modo adequado; regular, se a documen-
outro tipo de medicamento nos últimos 30 tação disponível é insatisfatória, mas as
dias; 11) Administração do medicamento considerações farmacológicas levam os
é realizada: autocuidado ou por cuidador; clínicos a suspeitar da existência da inte-
12) Houve ocorrência de reação adversa ração; ou a documentação é boa para um
a medicamento, relatando qual medi- medicamento farmacologicamente similar
camento, tempo de duração, conduta e desconhecida, quando não existe docu-
e sintomas em caso de armação. As mentação na literatura que comprove tal
informações fornecidas pelos cuidadores interação medicamentosa8.
de pacientes da neurologia pediátrica
Para classicar as interações quanto
foram conferidas nos prontuários dos
a conduta a ser realizada frente à pre-
pacientes. Os questionários tiveram seus
sença da IM em pacientes, foi utilizada a
dados inseridos no Epi Info versão 3.5.1.
literatura Bachmann at al9: A - Nenhuma
A segunda fase da pesquisa consistiu interação conhecida; B – Nenhuma ação
do estudo dos receituários selecionados necessária; C – Monitorizar a terapia; D
para identicar possíveis Interações – Considerar a modicação da terapia;
Medicamentosas (IM), pelo Centro de X – Evitar a combinação.
Farmacovigilância do Ceará (CEFACE),
do Departamento de Farmácia da Uni- A terceira fase do estudo, também real-
versidade Federal do Ceará (UFC), em izada pelo CEFACE, consistiu em identicar
Fortaleza-CE. interações entre medicamentos pertencen-
tes à neurologia (diagnóstico principal) e
Foi utilizada a classicação encon- medicamentos de outras classes terapêu-
trada na base de dados Micromedex 2.0 ticas em uso pelo paciente. As interações
Drug Interactions quanto à gravidade: foram identicadas através da base de

22 Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

dados Micromedex 2.0 seguindo as mes- média de idade de 10,91 anos, sendo
mas classicações quanto à gravidade e identicada interação medicamentosa em
documentação descritas anteriormente, 69 receituários (76,66%). Encontrou-se um
acrescentando-se o provável mecanismo total de 38 tipos de interações medicamen-
que causa a interação relatada nessa base tosas, sendo 31 entre medicamentos para
de dados. A metodologia citada foi utilizada o diagnóstico principal e sete entre medi-
também no trabalho realizado por Nunes camentos do diagnóstico principal versus
et al10. medicamentos do diagnóstico secundário
O estudo foi aprovado pelo Comitê de ou comorbidade. Do total de receituários
Ética em Pesquisa, do HIAS sob o número (n=90), 67 (74,44%) tiveram medicamento
68/2011. (s) prescrito (s) para a doença epilep-
sia, considerando seus vários tipos. Os
Resultados quadros 1 e 2 fazem referências às intera-
Foram estudados 90 questionários de ções encontradas entre medicamentos da
pacientes da neurologia pediátrica, com neurologia.

Quadro 1 - Interações identificadas com o banco de dados Micromedex 2.0

Interação medicamentosa Frequência* Gravidade Documentação


Carbamazepina x fenobarbital 8 Moderada Regular
Carbamazepina x fumarato de quetiapina 1 Moderada Regular
Clobazam x haloperidol 1 Moderada Regular
Lamotrigina x valproato de sódio 9 Maior Excelente
Lamotrigina x fenitoína 1 Moderada Regular
Clobazam x carbamazepina 6 Menor Boa
Carbamazepina x vigabatrina 8 Maior Boa
Haloperidol x fumarato de quetiapina 1 Maior Boa
Haloperidol x risperidona 2 Maior Regular
Fenobarbital x fumarato de quetiapina 1 Maior Boa
Fumarato de quetiapina x risperidona 1 Maior Boa
Clonazepam x fenobarbital 1 Maior Boa
Clobazam x fenobarbital 2 Maior Boa

* Frequência de aparecimento da IM nos questionários analisados.

Outras classicações de IM segundo (n=5); risperidona x valproato de sódio


a gravidade (moderada) e documentação (n=9); carbamazepina x fenitoína (n=1);
(boa): lamorigina x risperidona (n=2); carbamazepina x topiramato (n=6); car-
fenobarbital x oxcarbazepina (n=1); carba- bamazepina x valproato de sódio (n=7);
mazepina x haloperidol (n=2); carbamaze- carbamazepina x lamotrigina (n=7); topi-
pina x risperidona (n=8); lamotrigina x ox- ramato x fenobarbital (n=10); fenobarbital
carbazepina (n=3); topiramato x valproato x lamotrigina (n=7); fenobarbital x valpro-
de sódio (n=9); fenobarbital x risperidona ato de sódio (n=4).

Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014 23


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

Quadro 2: Interações medicamentosas segundo a literatura de Bachmann et al (2006).

Medicamento Interação Classicação


Lamotrigina D
Carbamazepina C
Fenobarbital
Haloperidol C
Clobazam C
Lamotrigina Fenitoína D
Clobazam C
Fenitoína D
Carbamazepina
Risperidona C
Haloperidol D
Clobazam Oxcarbazepina C
Risperidona Haloperidol C
Fenobarbital C
Valproato de Sódio Lamotrigina D
Carbamazepina C

Dos 90 pacientes da neurologia, 18 e desses cinco, um paciente apresentou


(20%) apresentavam algum tipo de comor- duas interações. Foram sete (18,42%)
bidade e desses, 13 (72,22%) faziam trata- tipos de interações envolvendo medica-
mento para sua respectiva comorbidade, mentos da neurologia e medicamentos de
estando, portanto, em uso de medica- outras classes terapêuticas. No Quadro 3,
mento. Dos 13 pacientes, cinco apresen- foram relatadas essas interações medica-
taram interações, sendo que um paciente mentosas identicadas pelo Micromedex
apresentou uma interação entre os medi- 2.0, avaliando a gravidade e o provável
camentos para o diagnóstico secundário mecanismo resultante.
Quadro 3: Interações medicamentosas entre medicamentos neurológicos e outras
classes terapêuticas segundo base de dados Micromedex 2.0.

Interação Medicamentosa Severidade Documentação Provável mecanismo


Diminuição da absorção de ácido
Ácido fólico x Fenobarbital Moderada Regular fólico; aumento do metabolismo
do barbitúrico.
Carbamazepina x Predni- Aumento do metabolismo da pred-
Moderada Regular
sona nisona.
Indução do metabolismo da predni-
Fenobarbital x Prednisona Moderada Boa
sona por barbitúricos.
Digoxina x Furosemida Moderada Boa Perda de potássio e de magnésio
Fumarato de Formoterol x Aditivo prolongamento do intervalo
Maior Regular
Haloperidol QT.
Cloridrato de Imipramina x
Maior Regular Efeitos cardíacos aditivos.
Risperidona
Aumento da exposição ao N-
Clobazam x Omeprazol Moderada Regular desmetilclobazam, o metabólito
ativo do clobazam.

24 Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

Discussão aumentada, ou ainda a diminuição dos efei-


tos, quando a terapia com ácido valpróico
Uma diculdade encontrada nesse es-
for interrompida ou sua dose for reduzida.
tudo foi a escassez de relatos de casos na
literatura a respeito dos efeitos adversos No estudo de Grisotto et al.14 com ns
gerados de interações medicamentosas, de avaliar a ecácia ou eventuais efeitos
especicamente na pediatria. colaterais da associação de lamotrigina e
valproato de sódio no controle de epilepsia
Em 2012, Fernandes et al.11 armaram
refratária em crianças e adolescentes com
que um grande número de interações me-
idade média de 12 anos, 11% dos pacien-
dicamentosas é possível, particularmente
tes apresentaram efeitos colaterais, sendo
quando se analisam os fármacos que
tremor o mais frequente, seguido de ir-
atuam no sistema nervoso central como
ritabilidade e sintomas gastrintestinais. No
antipsicóticos, antidepressivos, anticonvul- entanto, considerando a população total
sivantes, ansiolíticos e estabilizadores do deste estudo (n=37) os autores concluíram
humor. As associações envolvendo esses que, esses eventos foram raros, não sendo
fármacos são bastante comuns porém, preciso interromper o tratamento.
nem sempre é possível evitá-las.
Em outro estudo, porém em adultos,
Meiners et al.12 ao avaliarem a pre- Li et al.15 observaram uma maior possibili-
valência de prescrição de medicamentos dade de desenvolver rash cutâneo quando
em cinco enfermarias pediátricas de uma se adiciona lamotrigina em pacientes em
população de 332 pacientes, obtiveram uso de valproato. O estudo foi feito em uma
a classe terapêutica do sistema nervoso população de 103 pacientes com epilep-
como a mais prescrita (109%), seguida dos sia refratária, dos quais 33 faziam uso de
anti-infecciosos de uso sistêmico (81,9%) e valproato e 70 não faziam uso desse me-
sistema respiratório (69%). Portanto, o risco dicamento. Após a adição de lamotrigina
de ocorrer uma reação adversa decorrente ao tratamento, dez (30%) dos 33 pacientes
de associações é elevado. que tiveram valproato adicionado ao trata-
Com relação à análise das interações mento e 6 (8%) dos 70 pacientes que não
medicamentosas nesse estudo, foi con- tiveram valproato adicionado ao tratamento
desenvolveram rash. Segundo os autores,
siderado para discussão as de gravidade
a ocorrência de efeito adverso, como é o
Maior (n=8) encontradas no Quadro 1, que
caso do rash mencionado, foi fundamen-
representam 25,08% dos tipos de intera-
tada pelo fato do valproato de sódio inibir
ções para diagnóstico principal (n=31). No
o metabolismo da lamotrigina aumentando
caso da IM lamotrigina x valproato, Bach-
as concentrações plasmáticas da mesma,
mann et al.13 recomendam diminuir a dose
proporcionalmente ao aumento da dosa-
da lamotrigina em 50% quando utilizada
gem de valproato de sódio.
concomitantemente com o ácido valpróico.
É importante monitorizar o aumento da Em 2008, Rocha16 usou argumentos
concentração sérica/efeitos tóxicos, espe- semelhantes ao relatar o caso de um pa-
cicamente, a necrólise epidérmica tóxica, ciente de 36 anos em uso de lamotrigina,
no caso da lamotrigina, quando iniciada valproato de sódio e clonazepam. Tendo
terapia com ácido valpróico ou sua dose for a dose do valproato de sódio aumentada

Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014 25


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

pelo médico, o paciente apresentou estado que podem predispor ao prolongamento


confusional (efeito adverso) dois dias após do intervalo QT e torsade de pointes (ex:
essa mudança. O manejo terapêutico deu- cardiopatia, alcoolismo, hipotireoidismo)8.
se pela retirada da lamotrigina e do valpro- Para a IM haloperidol x risperidona, a li-
ato de sódio, o que levou a melhora do es- teratura de Bachmann et al.18 explica que é
tado confusional do paciente em três dias. preciso monitorizar o aumento dos efeitos
O autor acrescenta que o uso concomitante da risperidona (um substrato do complexo
desses fármacos deve ser cauteloso, com enzimático citocromo oxidase ou CYP-
aumento progressivo das doses e, muitas 450), quando for iniciada uma terapia com
vezes, não aumentando as mesmas para haloperidol (um inibidor do CYP) ou sua
valores habitualmente utilizados na prática dose aumentada, ou a diminuição dos efei-
psiquiátrica clínica. tos, quando a terapia com haloperidol for
interrompida ou sua dose for reduzida.
Outra interação de gravidade maior foi
o caso da carbamazepina x vigabatrina, Em se tratando da interação fenobar-
que segundo o banco de dados Microme- bital x fumarato de quetiapina, de acordo
dex 2.0, relata ser necessária a monitoriza- com Micromedex 2.0, a recomendação
ção da concentração de carbamazepina e está relacionada à precaução quando a
sua dose ajustada quando a vigabatrina é quetiapina é administrada com barbitúricos
adicionada à terapia com o mesmo. ou outros indutores do citocromo P450
Um estudo foi feito por Sánchez-Alcaraz 3A. Pode ser necessário o aumento das
et al.17 utilizando um grupo de 15 pacien- doses de quetiapina para manter o con-
tes com idade média de 31±12anos com trole dos sintomas psicóticos em pacientes
epilepsia, no qual esses pacientes rece- que receberam quetiapina e barbitúricos.
beram terapia apenas com carbamazepina Com relação ao fumarato de quetiapina x
durante 6 meses e depois carbamazepina risperidona por conta dos efeitos aditivos
associada a vigabatrina durante 3 meses. potenciais sobre o intervalo QT, a base de
Comparando as amostras de sangue co- dados Micromedex 2.0 alerta que não se
letadas durante a monoterapia e a terapia recomenda a administração concomitante8.
combinada, os autores concluíram que Para a IM clobazam ou clonazepam
para alguns pacientes, a adição de viga- (benzodiazepínicos) x fenobarbital, deve-
batrina ao tratamento com carbamazepina
se considerar uma alternativa para um
diminui os níveis dessa última a valores
dos medicamentos interagentes, a m de
subterapêuticos; o que se faz necessário
evitar o fracasso terapêutico do substrato
um ajuste adequado e monitorização te-
(clobazam e clonazepam são substratos
rapêutica junto ao paciente.
da CYP3A4). Em alguns casos, fabricantes
Para as IM haloperidol x fumarato de oferecem ajustes de dose adequados, por
quetiapina e haloperidol x risperidona, de isso a bula deve ser consultada. O Micro-
acordo o Micromedex 2.0, há a neces- medex pontua que é preciso monitorar a
sidade de proceder com monitorização do possibilidade de depressão respiratória
eletrocardiograma (ECG) e eletrólitos no quando esses fármacos são utilizados em
início e durante o tratamento, devendo-se combinação. A redução da dose de um ou
fazer triagem de pacientes para condições ambos os fármacos pode ser necessária8.

26 Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

No presente trabalho, observaram- de 20 medicamentos, de uso comum em


se algumas crianças com comorbidade, pacientes com epilepsia e outras doen-
fazendo-se necessário o uso de outras ças neurológicas, envolvidos nas intera-
classes de medicamentos. Os envolvidos ções medicamentosas, permitiu observar
em reações nesse estudo foram: vitamina, com esse estudo, que IM são comuns no
glicocorticoides, cardiotônico, diurético, an- tratamento de pacientes da neurologia
tidepressivo tricíclico e antiulceroso. Duas pediátrica.
foram de intensidade Maior, de acordo
com a classicação do Micromedex 2.0: A recomendação diante desses da-
cloridrato de imipramina x risperidona, cuja dos é para que os prossionais da saúde
associação entre antidepressivo tricíclico tomem conhecimento dessas possíveis
e antipsicótico não é recomendada, de interações, para que pacientes que
acordo com essa base de dados; a outra recebem politerapia possam ser monito-
IM foi fumarato de formoterol x haloperidol, rizados adequadamente, principalmente
cuja atenção está voltada a possibilidade quando as associações são inevitáveis.
de efeitos aditivos sobre o intervalo QT, Alguns fatores, porém, podem dicultar
e o risco aumentado de ocorrer arritmias a intervenção em um tratamento, como a
ventriculares8. O fumarato de formoterol diculdade em acompanhar com frequên-
é bastante usado apresentando-se asso- cia o paciente no sistema de saúde e o
ciado à budesonida na forma de aerossol elevado preço dos medicamentos mais
para problemas respiratórios, como asma. modernos, que possivelmente seriam
mais seguros, em caso de uma substi-
A IM digoxina x furosemida presente
tuição de medicamento. Dessa forma, o
nesse estudo, foi também relatada no tra-
estudo é relevante por servir de fonte de
balho de Nunes et al.10 classicada como
pesquisa e alerta para prossionais e es-
tendo efeito sinérgico, apresentou frequên-
cia igual a 3, no entanto, os autores armam tudantes com ns de minimizar os riscos
que nenhuma ação é necessária. Meiners à saúde dos pacientes pediátricos.
et al.12 em um estudo sobre prescrição de
medicamentos para crianças hospitaliza- Referências
das, de 332 pacientes detectou 8 vezes a
presença da interação furosemida versus 1. Santos DB. Perl de utilização de medicamen-
digoxina. Os autores relatam que os pos- tos e monitoração de reações adversas em
síveis efeitos adversos são distúrbios pacientes pediátricos no Hospital Infantil Albert
eletrolíticos e arritmias. No nosso estudo,
Sabin [dissertação]. Fortaleza(CE): Departa-
não houve relato de efeitos adversos para
mento de Farmácia, Universidade Federal do
essa interação.
Ceará; Fortaleza; 2002.

Considerações nais
2. Kearns GL, Abdel-Rahman SM, Alander SW,
Blowey DL, Leeder JS, Kauffman RE. Develop-
Alguns estudos apesar de não serem
focados na pediatria, permitem um di- mental pharmacology: drug disposition, action,
recionamento quanto aos cuidados no and therapy in infants and children. N Engl J
tratamento nessa faixa etária. Um total Med. 2003; 349: 1157-67.

Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014 27


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

3. Silva P. Farmacologia básica e clínica. 6. ed. 10. Nunes C, Francelino EV, Lima JGC, Monteiro
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. MP. Interação medicamentosa: fator de risco de
p. 1186-96. reação adversa a medicamentos (RAM). Med
Soc. 2012; 32: 1-29.
4. Porter RJ. Classication of epileptic seizures
and epileptic syndromes. In: Engel Jr. J, Pedley
11. Fernandes MA, Affonso CRG, Sousa LEN,
TA. Epilepsy: a comprehensive textbook. Phila-
Medeiros MGF. Interactions between pharma-
delphia: Lippincott-Raven: 1997. p. 47-57.
cotherapy in service mental health specialist.
Interdisciplinary Magazine Novafapi, 2012;
5. Ren WHP. Anesthetic management of epileptic
5(1): 9-15.
pediatric patients. Int Anesthesiol Clin. 2009;
47(3): 101-16.
12. Meiners MMMA, Bergsten-Mendes G. Pre-
6. Maranhão MVM, Gomes EA, Carvalho PE. Epi- scriçäo de medicamentos para crianças hospi-
lepsia e anestesia. Rev Bras Anestesiol. 2011; talizadas: como avaliar a qualidade? Rev Assoc
61(2): 232-54. Med Bras. 2001; 47(4): 332-7.

7. Hoeer R, Wannmacher L. Interações de 13. Bachmann KA, Lewis JD, Fuller MA, Bonglio
medicamentos. In: Ministério da Saúde (BR). MF (Ed.). Interações medicamentosas: o novo
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos padrão de interações medicamentosas e -
Estratégicos. Uso racional de medicamentos: toterápicas. 2. ed. São Paulo: Manole; 2006.
temas selecionados. Brasília: Ministério da
p. 394-5.
Saúde; 2012. Tema 4, p. 31-40.

14. Grisotto KP, Bruck I, Antoniuk AS, Santos LHC.


8. Micromedex 2.0 Drug Interactions [Internet];
Association of lamotrigine and valproate in re-
cited 2013 Mar 7. Available from: http://www.mi-
fractory epilepsies of children and adolescents.
cromedexsolutions.com/micromedex2/librarian/
ND_T/evidencexpert/ND_PR/evidencexpert/ Arq Neuropsiquiatr. 2008; 66(3-A):477-81.
CS/312059/ND_AppProduct/evidencexpert/
DUPLICATIONSHIELDSYNC/3C48F1/ND_PG/ 15. Li LM, Russo M, O’Donoghue MF, Duncan JS,
evidencexpert/ND_B/evidencexpert/ND_P/ Sander JW. Allergic skin rash with lamotrigine
evidencexpert/PFActionId/evidencexpert. and concomitant valproate therapy: evidence
FindDrugInteractions. for an increased risk. Arq Neuropsiquiatr. 1996;
54(1): 47-9.
9. Bachmann KA, Lewis JD, Fuller MA, Bonglio
MF (Ed.). Interações medicamentosas: o novo 16. Rocha FF. Secondary delirium due to the use of
padrão de interações medicamentosas e -
lamotrigine with abrupt increase valproic acid’s
toterápicas. 2. ed. São Paulo: Manole; 2006.
dose. Rev Bras Psiquiatr. 2008; 30(1): 86-90.
p. xiii-iv.

28 Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014


Interações medicamentosas em pacientes... Azevedo MFM et al

17. Sanchez-Alcaraz A, Quintana MB, Lopez E,


Rodrguez I, Llopis P. Effect of vigabatrin on
the pharmacokinetics of carbamazepine. J Clin
Pharm Ther. 2002; 27(6): 427-30.

18. Bachmann KA, Lewis JD, Fuller MA, Bonglio


MF (Ed.). Interações medicamentosas: o novo
padrão de interações medicamentosas e -
toterápicas. 2. ed. São Paulo: Manole; 2006.
p. 487.

Endereço para correspondência:

Maria de Fátima Menezes Azevedo


Rua Dom Sebastião Leme, 700 - apto 302
Bairro de Fátima, CEP 60.050-160
Fortaleza - CE
E-mail: menezes-azevedo@ig.com.br

Cadernos ESP, Ceará 8(1): 20-29, jan./jun. 2014 29

Você também pode gostar