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MANUAL DE

COMUNICAÇÃO
EFICAZ NA
DIABETES
MANUAL DE
COMUNICAÇÃO
EFICAZ NA
DIABETES
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

A ARTE E A TÉCNICA DOS CUIDADOS EM SAÚDE


– O EXEMPLO DA COMUNICAÇÃO.

João Filipe Raposo


Presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia

Nós, os profissionais de saúde, temos A participação das equipas


das melhores profissões do mundo! multidisciplinares neste processo –
única forma de trabalhar em diabetes,
Esta adjetivação resulta não só das só é possível se baseada em modelos
nossas competências no processo de de comunicação efetiva. Os contextos
ajuda do “outro” na gestão da sua saúde de atuação dos elementos da equipa
e doença, mas de dominarmos esta têm sofrido alterações rápidas nos
zona de fronteira entre a arte e a técnica últimos anos – da consulta individual
em muitas diferentes áreas de que aqui à consulta de grupo, da consulta
destacamos a da comunicação. presencial à consulta virtual, do valor
2 3
de uma equipa de saúde vs. o valor de
No campo das doenças crónicas não redes sociais.
transmissíveis, de que a diabetes
é um dos melhores paradigmas, O treino contínuo das competências
consideramos que o envolvimento de comunicação tem de ser
das pessoas no seu processo de fundamental para todos nós. Este
tratamento é fundamental para que manual, elaborado por um conjunto
se atinjam os melhores resultados de de profissionais com larga experiência,
saúde. Para tal é necessário que estas será certamente um contributo
sejam capazes de aceder, escolher importante para que todos nós
e classificar informação relevante; associemos a “nossa” arte a melhores
que sejam capazes de dominar um competências técnicas. Esta é
conjunto de habilidades que permitam também uma das funções da SPD.
dominar aspetos da terapêutica Em nome da Direção, agradeço a
farmacológica e não farmacológica; todos os autores e a todos aqueles
que alterem comportamentos que que tornaram possível a criação deste
interferem na sua relação com o seu manual.
padrão de vida (pessoal, familiar,
laboral, social); que tenham a Que seja proveitoso para todos os
confiança para manter e melhorar os leitores!
comportamentos numa relação de
confiança com a sua equipa de saúde.
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

LISTA DE AUTORES

Dulce Nascimento do Ó
Especialista em Enfermagem Comunitária, Mestre em saúde
Albertina Dias publica e doutoranda em Saúde Pública, ENSP, UNL. Enfermeira
Enfermeira gestora na Unidade de Diabetes do Centro Hospitalar
coordenadora do Departamento de estudos, projetos e ensaios
Tondela Viseu, EPE. Integra Unidade Funcional da Diabetes Dão
clínicos da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal.
Lafões desde 2014. Conferencista convidada para a Diabetes na
Co-coordenadora do grupo de estudos Educação e Diabetes,
Escola Superior de Saúde de Viseu. Formadora e autora de várias
SPD. Membro da European Network of National Health Literacy
publicações na área da diabetes.
Demonstration Projects, OMS e do grupo Language Matters-
Portugal.

Anabela Mendes Edite Cristina Marques Nascimento


Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica.
Assistente Graduada Sénior de Medicina Interna.
Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem
Diretora do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar
de Lisboa. Investigadora no CIDNUR. Investiga: Informação/
Tondela-Viseu.
comunicação na transição saúde-doença; Autocuidado;
Coordenadora do Grupo de Estudos de Educação em Diabetes da SPD.
Estratégias pedagógicas e dimensões de ensino.

4 5

Catarina Castro Oliveira Eugénia Brito Raimundo


Master Practitioner em Programação Neurolinguística,
Psicóloga, com larga experiência na formação de profissionais de
International Certified Coach, Mediadora de Conflitos
saúde e com certificação em coaching pelo ICF. Sócia-Gerente da
(especialização familiar, laboral e penal) e Advogada.
Motiven, Lda.
Vive com Diabetes tipo 1.

Carme Carrion Isa Brito Félix


Doutorada em Bioquímica, é docente e investigadora na Faculdade
Enfermeira e Professora Adjunta na Egas Moniz School of Health
de Ciências da Saúde da Universidade Aberta de Barcelona (UOC),
& Science. Participa em investigação de intervenções digitais
onde também é Vice-Reitora para a Investigação. É Coordenadora
e presenciais em prevenção primária e secundária de doenças
Científica do Centro de eHealth da UOC, onde lidera o grupo de
crónicas, sustentada na ciência comportamental
investigação interdisciplinar eHealth Lab.

Cristina Vaz de Almeida José Camolas


Doutora em Ciências da Comunicação - Literacia em Saúde
Nutricionista especialista em Nutrição Clínica no Serviço de
Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde
Endocrinologia do CHULN e nos SSCML. Professor Auxiliar
(SPLS). Diretora da Pós-Graduação em Literacia em Saúde (ISPA).
Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Chief-Editor of Jornal Investigação Médica (JIM)
e da Egas Moniz School of Health & Science.
CAPP - Investigador do ISCSP
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LISTA DE AUTORES

Lurdes Serrabulho
Enfermeira Coordenadora de Enfermagem e de Formação na
APDP - Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal –
Lisboa, Portugal. Mestrado e Doutoramento em Ciências da
Paula Almeida
Nutricionista na Unidade de Diabetes do Centro Hospitalar
Educação – Especialidade de Educação para a Saúde, com
Tondela Viseu, EPE. Coordenadora do Serviço de Nutrição e
Teses sobre “A saúde e os estilos de vida dos adolescentes com
Dietética.
diabetes tipo 1” (2004) e “A saúde e os estilos de vida dos jovens
adultos com diabetes tipo 1” (2014) com estudos quantitativos e
qualitativos com grupos focais.
Susana Pica Montesinos
Enfermera Especialista en Pediatría, educadora en la consulta
de Diabetes Infantil del Hospital Universitario de Jerez de la
Maria Batata Frontera (Cádiz). Máster “Bases para la atención y la educación
Enfermeira de cuidados gerais, dedicando-se atualmente a
de las personas con diabetes” (Universidad de Barcelona). Máster
enfermagem de diálise e ao doente com insuficiência renal
“Investigación Enfermera y Práctica Avanzada” (Universidad de
crónica. Vive desde o ano 2000 com Diabetes tipo 1.
Cádiz). Miembro del Grupo de Educación Terapéutica de la Sociedad
Española de Diabetes. Miembro de Grupo de Investigación del
Instituto de Investigación e Innovación Biomédica de Cádiz (INIBICA).
6 7

Mara Pereira Guerreiro Rita Nortadas


Farmacêutica e Professora Associada na Egas Moniz School Assistente Graduada em Medicina Interna na APDP. Adjunta da
of Health & Science. Conduz investigação em equipas Direção Clínica APDP
interdisciplinares de projetos de saúde e educação digital Secretária-Geral da Sociedade Portuguesa de Diabetologia.
nacionais e internacionais, em particular na autogestão da Membro da Direção do Colégio de Medicina Interna da Ordem
doença crónica. dos Médicos

Marcia Leitão Rogério Ribeiro


Enfermeira Coordenadora do Departamento de Sistemas de Doutorado em Biomedicina, é Professor Auxiliar Convidado no
Perfusão Subcutânea Continua de Insulina da Associação Departamento de Ciências Médicas da Universidade de Aveiro e
Protectora dos Diabéticos de Portugal. Membro do Grupo de investigador na APDP – Associação Protectora dos Diabéticos de
Estudos de Educação Terapêutica da Sociedade Portuguesa de Portugal. É perito do Strategic Forum for Self-care, Technology &
Diabetologia. Digitalization do EUDF - European Diabetes Forum.

Nuno M. Pimenta
Diretor da Escola Superior de Desporto de Rio Maior – Instituto Vítor Duarte
Politécnico de Santarém. Membro de equipas interdisciplinares Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação no
de investigação e desenvolvimento em projetos de saúde e Serviço de Medicina A/B e Unidade de Diabetes do CHTV, Viseu,
educação digital nacionais e internacionais, em particular na Portugal. Doutorando em Gestão desde 2021 e investigador do
promoção da atividade física e autogestão da doença crónica. NECE Research Unit in Business Sciences, University of Beira
Membro da Direção da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Interior, Covilhã, Portugal
Obesidade.
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COORDENAÇÃO ÍNDICE

Dulce Nascimento do Ó 10 INTRODUÇÃO


Especialista em Enfermagem Comunitária, Mestre em saúde
publica e doutoranda em Saúde Pública, ENSP, UNL. Enfermeira
12 A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES
coordenadora do Departamento de estudos, projetos e ensaios
12 • A importância da Educação Terapêutica na
clínicos da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal.
Co-coordenadora do grupo de estudos Educação e Diabetes,
comunicação eficaz na Diabetes
Lurdes Serrabulho e Susana Pica Montesinos
SPD. Membro da European Network of National Health Literacy
Demonstration Projects, OMS e do grupo Language Matters-
40 • Princípios e termos preferenciais na comunicação
Portugal.
com e sobre pessoas com Diabetes
Maria Batata, José Camolas, Dulce Nascimento do Ó, Isa Brito
Félix, Eugénia Brito Raimundo, Catarina Castro Oliveira, Anabela
Edite Cristina Marques Nascimento Mendes, Nuno M. Pimenta e Mara Pereira Guerreiro, em nome do
Assistente Graduada Sénior de Medicina Interna. grupo Language Matters Diabetes Portugal
Diretora do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar
Tondela-Viseu. 60 • Modelo ACP – Assertividade, clareza e positividade:
Coordenadora do Grupo de Estudos de Educação em Diabetes da SPD. um modelo de literacia em saúde e de competências
de comunicação para melhores resultados na gestão
8 da Diabetes 9
Cristina Vaz de Almeida

88 • A literacia em saúde e a comunicação nos cuidados


de saúde na Diabetes
Dulce Nascimento do Ó e Eugénia Brito Raimundo

112 • Comunicação na monitorização remota:


plataformas e apps
Rogério Ribeiro e Carme Carrion

130 • A comunicação na consulta presencial


Albertina Dias, Paula Almeida, Vítor Duarte

152 • A comunicação eficaz na consulta remota |


Teleconsulta de Diabetes
Rita Nortadas e Márcia Leitão
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INTRODUÇÃO
A Educação Terapêutica é um dos pilares fundamentais Assim, pretendemos com este manual compilar revisões,
para o sucesso terapêutico na doença crónica em evidencias e reflexões de um grupo de profissionais
geral e, em particular, na Diabetes mellitus. Tratando-se especialistas na área da diabetes e em diferentes contextos.
de uma doença crónica, pressupõe-se que a pessoa
com diabetes se envolva no tratamento e adquira Consideramos que este documento irá contribuir para
competências para assumir um papel ativo na gestão da a reflexão sobre esta temática e fornecer a todos os
sua doença, que tome decisões complexas e que consiga profissionais de saúde os instrumentos e mecanismos
o equilíbrio entre uma multiplicidade de comportamentos que transformem o “simples” ato de transmitir algo numa
de auto-cuidados quotidianos. potente arma terapêutica.

As pessoas com diabetes procuram nos profissionais No grupo de Educação e Diabetes na Sociedade
de saúde, além da sua perícia clínica, a capacidade Portuguesa de Diabetologia acreditamos neste poder,
pessoal de comunicação e de se relacionar. Desta na partilha, aprendizagem e desenvolvimento.
10 11
forma, a capacidade de comunicar de forma eficaz é um
poderoso instrumento de trabalho, sendo essencial para
o sucesso da relação terapêutica.
Acreditamos que “Aqueles que passam
Segundo o dicionário de português, a comunicação é por nós não vão sós. Deixam um pouco
uma palavra derivada do termo latino “communicare”,
que significa “partilhar, participar algo, tornar comum”.
de si, levam um pouco de nós”.
Comunicar significa troca de informação entre indivíduos Antoine de Saint-Exupery
através da fala, da escrita, de um código comum ou do
próprio comportamento.

O ato de comunicar pressupõe estabelecer uma relação Dulce Nascimento do Ó e Edite Nascimento
com alguém, gerando capacidade de conhecimento e
entendimento.

Partilhar e tornar comum são a chave da comunicação


eficaz. A forma como conseguimos “tornar comum” a
informação que queremos transmitir é a pedra basilar
da relação terapêutica e a chave do sucesso da nossa
prática diária.
A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

A IMPORTÂNCIA
DA EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA
NA COMUNICAÇÃO EFICAZ
NA DIABETES
Lurdes Serrabulho
e Susana Pica Montesinos.
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A IMPORTÂNCIA DA Estima-se também que mais de 500 contribuir muito para a melhoria da A Educação Terapêutica e o apoio
milhões de pessoas têm intolerância compensação da diabetes. à autogestão das pessoas com
EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA à glicose, o que as coloca em risco diabetes são fundamentais para
NA COMUNICAÇÃO EFICAZ elevado de desenvolver DM2. O Viver com uma doença crónica prevenir complicações agudas e
NA DIABETES número de crianças e adolescentes até como a diabetes não é fácil, reduzir o risco de complicações a
Lurdes Serrabulho aos 19 anos com diabetes (1,2 milhões) especialmente quando os longo prazo. É importante que o
e Susana Pica Montesinos. também aumenta todos os anos. objetivos de controlo glicémico processo de Educação Terapêutica
são tão exigentes e o tratamento é se estabeleça a partir do momento
Em 2021, mais de 6,7 milhões de basicamente autoadministrado e do diagnóstico, tendo em conta as
1. O DESAFIO DA DIABETES pessoas entre os 20 e os 79 anos altamente complexo. Isto significa diferentes necessidades geradas
morreram de causas relacionadas com que as pessoas com diabetes e (farmacológica, autovigilância e
A Diabetes mellitus (DM) é uma das a diabetes. As despesas diretas com a as suas famílias têm uma grande autocontrolo, estilos de vida a nível
doenças crónicas mais predominantes saúde devido à epidemia de DM já se responsabilidade na autogestão da alimentação e atividade física,
14 15
a nível mundial. Atualmente, mais de aproximam de um trilião de dólares e do seu tratamento e têm de tomar necessidades pessoais, etc.), bem
500 milhões de pessoas vivem com ultrapassarão este valor até 2030. múltiplas decisões diárias. Estas como a informação e formação
diabetes em todo o mundo. Trata- exigências do tratamento podem sobre prevenção e tratamento de
se de um grave problema de saúde ter repercussões para as pessoas, complicações agudas (hipoglicemia
e um grande desafio para a saúde 2. A COMPLEXIDADE DA DIABETES nomeadamente a nível psicológico,5, 6, 7 e hiperglicemia) e complicações
pública em todos os países, uma vez na família,8, 9 no trabalho,10 na vida crónicas associadas.15
que é uma das principais causas de As orientações atuais para a gestão social11, 12 e na situação financeira,13 o
doenças cardiovasculares, cegueira, da DM indicam a necessidade de que pode interferir significativamente
amputações não traumáticas dos manter o controlo da glicose o mais na perceção da qualidade de vida.14
membros inferiores, insuficiência próximo possível dos valores normais,
renal e morte. Recentemente, foi devido à sua relação inversa com A diabetes é um exemplo
demonstrada a associação da a ocorrência de complicações da paradigmático de uma doença crónica
diabetes com o cancro.1 diabetes a longo prazo.3, 4 Por esta complexa que afeta todas as idades
razão, nos últimos anos, o objetivo do e condições sociais. Requer cuidados
O Atlas da Diabetes de 20212 nível de glicose tem vindo a diminuir de saúde contínuos, com estratégias
confirma que a diabetes é uma das gradualmente nas recomendações multifatoriais que vão além do
emergências de saúde globais do clínicas. Os avanços no tratamento, controlo glicémico.
século XXI, estimando-se que 537 a aplicação de novas tecnologias no
milhões de pessoas tenham diabetes, domínio da diabetes e a intensificação
prevendo-se que este número da utilização das orientações de
continue a aumentar. Educação Terapêutica podem
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3. A EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA as necessidades, dificuldades,


expectativas, valores, perspetivas e
Do ponto de vista histórico, o experiências de vida das pessoas com
tratamento da diabetes tem diabetes ou pré-diabetes e deve ter
beneficiado dos avanços biomédicos. em conta os cuidados baseados na
No entanto, esta melhoria foi evidência.17, 18
também associada a um aumento
dos internamentos hospitalares para Na diabetes, o paradigma do
tratamento de complicações agudas. tratamento autoadministrado é
Miller, em 1972, foi pioneira em complexo. O impacto do diagnóstico,
demonstrar e comparar a eficácia de a convivência com a complexidade
programas de educação estruturados da doença e o seu tratamento e
na redução de complicações agudas o aparecimento de complicações
16 17
e nos custos de cuidados de saúde. crónicas associadas, geram diferentes
Por outro lado, Davidson em Atlanta, reações na pessoa e no seu ambiente
Berger em Dusseldorf e Assal na Suíça (psicológico, familiar, económico,
incorporaram programas educativos social e de trabalho), que podem
estruturados e obtiveram resultados interferir significativamente na sua
semelhantes.16 perceção da qualidade de vida,
pelo que é necessário implementar
A diabetes requer a participação diferentes mecanismos de adaptação
ativa das pessoas que têm a doença, que dependerão dos fatores
das suas famílias e cuidadores, que individuais da pessoa e, em grande
devem tomar decisões terapêuticas medida, da qualidade dos cuidados
para conseguir uma boa gestão da recebidos.16
doença. A Educação Terapêutica
foi introduzida progressivamente A Educação Terapêutica conduz a
em programas de cuidados com a uma melhor qualidade de vida, uma
diabetes, a fim de proporcionar às maior adesão terapêutica e a uma
pessoas afetadas e às suas famílias redução das complicações. Existem
ou cuidadores os conhecimentos, atualmente evidências científicas que
competências e atitudes necessárias justificam a otimização do controlo
para a autogestão da diabetes e da glicémico desde o início da doença,3
pré-diabetes. Este processo incorpora a prevenção de fatores de risco
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cardiovascular e a implementação de essenciais do ser humano, como


programas de educação em qualquer a expressão, a inter-relação e a
tipo de diabetes.19 aprendizagem. Os processos de
educação e comunicação na saúde
Estes programas devem ser são práticas sociais contextualizadas
estruturados, com estratégias de que se traduzem em formas de ver
mudança de comportamento para a realidade e construir significados.
a autogestão diária do tratamento Através da educação a pessoa adquire
e devem ser ministrados por conhecimentos, competências,
profissionais especializados de atitudes e comportamentos de
diferentes disciplinas. A falta de saúde. A qualidade da comunicação
adesão terapêutica é um problema determina em grande medida
grave para a eficiência dos cuidados a utilização das intervenções
18 19
na doença crónica, uma vez que educativas.21
o melhor tratamento perde a sua
eficácia se a pessoa afetada não
o implementar corretamente. 5. COMUNICAÇÃO
Neste contexto, foram introduzidas E ESCUTA ATIVA
diferentes opções na monitorização, As pessoas precisam de interagir
educação e autogestão da diabetes, continuamente com o seu ambiente.
que proporcionam tomadas Temos de nos relacionar com as
de decisão mais adaptadas às outras pessoas, compreendermo-nos
necessidades das pessoas com e crescer no sentido mais holístico,
diabetes.20 graças à aprendizagem que decorre
das nossas relações interpessoais.

4. EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA E Os profissionais de saúde dedicados


COMUNICAÇÃO ao cuidado de pessoas com doenças
crónicas, como a diabetes, devem
A Comunicação é um processo demonstrar atitudes e competências
fundamental na Educação Terapêutica. que visam melhorar a relação com as
Ambos os processos partilham laços pessoas, facilitando o seu processo de
estreitos: têm objetivos comuns aprendizagem e correspondendo às
e estão ligados a características suas necessidades.
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ELEMENTOS DE COMUNICAÇÃO Tanto o emissor como o recetor estão sujeitos a várias


barreiras e fatores condicionantes.
Em qualquer processo de comunicação os principais As barreiras mais comuns são:
elementos são o emissor e o recetor, que estão sujeitos às
condições “clássicas” de comunicação (canal, ruído, filtros, Do emissor
• Basear em preconceitos
tipo de mensagem, código...).
• Utilizar “gíria” profissional (tecnicismos)
• Não vocalizar
Cabe ao emissor escolher o momento, o conteúdo e o • Não elaborar as mensagens claramente
código a utilizar na mensagem que pretende enviar ao
recetor, portanto, a responsabilidade do processo de Do recetor
comunicação é sempre do emissor. • Fazer juízos de valor sobre a mensagem
• Resistência à mudança
• Tendência para avaliar / julgar
• Recetor - não é “passivo”, também participa de forma ativa e • Perceções e estereótipos
20 21
decisiva neste processo. • Dissociação entre o que diz e o que faz
• Código - é o sistema de sinais que transmitem a mensagem.
• Canal - depende dos sentidos que o recetor põe em jogo ao Comuns
receber a mensagem. É o meio através do qual a mensagem viaja • Não saber escutar
do emissor para o recetor. • Emoções
• Os ruídos são os elementos de distorção no processo de • Atitudes distorcidas
comunicação (mensagem confusa, mal formulada, ruído de • Ausência de empatia
fundo...). • Falta de feedback

Do meio
A comunicação será “eficaz” desde que a mensagem • Distância
enviada pelo emissor seja percecionada/compreendida • Ruídos
pelo recetor da mesma forma que o emissor enviou. • Interferência e interrupções

Para isso, é necessário que o recetor escute (sinta), Há também uma série de fatores de condicionamento por
compreenda, aceite e atue em conformidade com a parte do emissor e do recetor que afetarão a qualidade da
mensagem recebida.22 comunicação (tipo de mensagem, tipo de canal, crenças
anteriores, nível de inteligência, fadiga, atitude, humor, forma
de apresentar a mensagem, sentimentos, estado social,
etc.).
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De acordo com Mehrabian, e no que respeita os 6. A EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA É a congruência entre a comunicação
componentes que intervêm na transmissão de uma UM PROCESSO FUNDAMENTAL verbal e não-verbal, a valorização
mensagem, a linguagem corporal – como por exemplo NA COMUNICAÇÃO da participação ativa das pessoas
os gestos – é a que mais impacto tem na comunicação em todo o processo, assim como os
(55%), seguindo-se a componente vocal (tom, nuances e A Educação Terapêutica é atos de encorajar e reforçar de forma
outras características) com 38% e a componente verbal, um processo fundamental na positiva. Estes procedimentos vão
que representa apenas 7%. A nossa linguagem não-verbal comunicação com as pessoas com facilitar o processo de mudança de
adquire, portanto, um papel fundamental. diabetes e requer um trabalho comportamentos e de adesão ao
de equipa multidisciplinar e tratamento.18, 29, 30
interdisciplinar, com formação
ESCUTA ATIVA adequada aos novos desafios da No relacionamento com as pessoas
doença crónica, que pressupõe um com diabetes é importante conhecer
Um elemento-chave na comunicação é a nossa atitude. apoio incondicional e duradouro.18, 24 e compreender a pessoa, tendo
22 23
Existem diferentes atitudes de escuta, mas nem todas em conta as suas representações,
favorecem a comunicação. A escuta ativa demonstrou ser O objetivo da educação terapêutica conceções, interesses, necessidades,
facilitadora da comunicação, na medida em que evita juízos consiste em ajudar a pessoa a dificuldades, motivações, estilos de
de valor, procura feedback através da utilização de questões adquirir capacidades e competências vida e todos os outros fatores que
abertas, modula ou evita interrupções, é assertiva e respeitosa, terapêuticas que lhe permitam influenciam as suas decisões, de
reforça a comunicação não-verbal e procura afinidades.23 adaptar a diabetes à sua vida, da forma a conseguirmos, como equipa
melhor forma para si própria, tendo de saúde multidisciplinar, colaborar
A escuta ativa implica, em primeiro lugar, saber estar em em conta as circunstâncias, objetivos cada vez mais na negociação dos
silêncio e escutar, ser capaz de parafrasear ou reformular a e prioridades da sua vida. A educação seus objetivos, para uma melhor
conversa para proporcionar um bom feedback e demonstrar para a autogestão na diabetes é adesão e gestão autónoma do
que se compreendeu a mensagem transmitida pela pessoa. efetiva e contribui para melhorar os tratamento e consequente melhoria
resultados clínicos e de qualidade de da compensação e da qualidade de
Recomenda-se a utilização de uma linguagem positiva, vida, prevenir hospitalizações e reduzir vida.18, 24
centrada nas necessidades e problemas da pessoa, as despesas em saúde.25, 26, 27, 28
demonstrando flexibilidade e valorização dos aspetos Apresentam-se em seguida alguns
positivos, dirigindo a conversação com a continuação de As atitudes e competências a Modelos de Educação Terapêutica
perguntas abertas que permita à pessoa exprimir-se da desenvolver pelos profissionais de que realçam a importância da
forma como pretende. O processo de Educação tem por saúde para otimização da prestação comunicação na otimização dos
base esta relação terapêutica, que permite a negociação de cuidados na área da Educação cuidados às pessoas com diabetes.
de objetivos consensuais, baseados nas necessidades Terapêutica estão relacionadas com
sentidas pela pessoa.38 a empatia, a escuta ativa e reflexiva,
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MODELOS DE EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA

MODELO DAS DOENÇAS CRÓNICAS

Este modelo identifica os elementos essenciais dos


sistemas de saúde que favorecem os cuidados de elevada
qualidade nas doenças crónicas, nomeadamente as
interações mais produtivas entre utentes e profissionais de
saúde, o planeamento dos cuidados, o apoio à autogestão
da doença e às tomadas de decisão, os sistemas de
informação clínica e a comunidade. Este modelo é o
exemplo de uma perspetiva socio-ecológica, que enfatiza
a interação de todos os fatores relacionados com a saúde
24 25
e os indivíduos, famílias, comunidade, sociedade e políticas
económicas. A abordagem ecológica da autogestão
integra as capacidades e as escolhas dos utentes em
relação aos serviços e o apoio que recebem da família,
amigos, locais de trabalho, equipas multidisciplinares,
organizações, culturas, comunidade, ambiente político-
social, sistemas de saúde e governos.30, 31, 32]

O modelo preconiza a promoção da colaboração


entre profissionais de saúde de várias especialidades
(médicos, enfermeiros, dietistas, nutricionistas,
psicólogos) e entre estes profissionais e as pessoas com
diabetes. A investigação sugere que a comunicação e a
colaboração interdisciplinar efetiva está associada a uma
melhor qualidade dos cuidados.31, 32, 33, 34
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MODELO DE CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA Compreender a dinâmica que está na base das mudanças de
comportamento pode encorajar as pessoas a evoluir no seu
Este modelo refere-se à prestação de cuidados de saúde processo e orientar os profissionais de saúde sobre a forma
que respeitem as preferências, necessidades e valores mais efetiva de apoiar essa mudança. No início, a pessoa
da pessoa, no qual a pessoa está em primeiro plano para está na fase de pré-contemplação, em que não pretende
tomar as suas decisões em relação ao tratamento. Este fazer qualquer mudança. Quando se toma consciência da
modelo tem sido associado a benefícios evidentes nos existência de um problema passa-se à fase de contemplação,
resultados a nível físico e psicológico.28, 35 mas, nesta fase, ainda há muitas dúvidas relativamente à
mudança. Frequentemente a alteração de um padrão de
Podemos considerar 4 componentes neste modelo:35 comportamento poderá conduzir a sentimentos de perda.
• a exploração dos sintomas físicos da doença e o efeito que a É na fase de contemplação que se analisam os prós e os
doença tem na vida da pessoa (perspetiva biopsicossocial); contras da mudança: “Quero mesmo mudar?”, ”O que seria
• ver a pessoa como um todo, tentando compreender a doença preciso para eu mudar?”, “Quais são os problemas e obstáculos
26 enquadrada nas circunstâncias biopsicossociais; 27
que me impedem de mudar?”. Quando a pessoa toma a sua
• desenvolvimento da relação terapêutica, mostrando empatia; decisão de mudar o comportamento vai preparar-se e na
• compreensão partilhada e consenso na definição dos problemas, fase seguinte passa à ação. Considera-se que a mudança do
estabelecimento de objetivos e prioridades do tratamento e
comportamento está efetivada quando se mantém durante
identificação dos papéis da pessoa e do profissional de saúde.
seis meses – fase de manutenção.24, 29

As pessoas podem ter retrocessos no seu processo de


MODELO DE MUDANÇA DE COMPORTAMENTOS
mudança de comportamentos e precisarão do apoio dos
profissionais de saúde, pelo que é importante: a) identificar
Este modelo permite perceber em que fase da mudança
com a pessoa as situações em risco de retrocesso e
de comportamentos a pessoa se encontra em relação
as vivências das perceções negativas consecutivas ao
a determinado aspeto, por exemplo, em relação à
retrocesso; b) encontrar situações alternativas para prevenir
alimentação ou atividade física. As pessoas podem
outros retrocessos; c) estabelecer objetivos terapêuticos
estar em diferentes fases do processo de mudança de
mais simples e acessíveis; d) treino em resolução de
comportamentos, em função dos seus estilos de vida.
problemas.24 Estas estratégias visam incutir autoconfiança à
pessoa e fortalecer a sua autonomia. Para realizar este apoio
Este Modelo refere que a mudança de comportamentos é
e ajudar realmente a pessoa é necessário compreendê-la
um processo que se vai fazendo por etapas:
bem. É nesta aliança baseada na comunicação, na confiança
1. Pré-contemplação; 2. Contemplação; 3. Decisão;
e no apoio dos profissionais de saúde que o utente poderá
4. Ação; 5. Manutenção; 6. Retrocesso.24
promover a sua motivação para a mudança e assumir as
exigências do tratamento.24, 34, 38
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ENTREVISTA MOTIVACIONAL que dizer e interromper, é essencial Noventa e oito por cento dos confirma a sua própria compreensão
para compreender a perspetiva resultados na diabetes estão da mensagem. A utilização de escuta
A Entrevista Motivacional é um da pessoa e proporcionar o apoio dependentes da pessoa com reflexiva e a formulação de perguntas
método de comunicação que tem necessário.41, 42 Os profissionais de diabetes e apenas 2% depende dos abertas permite clarificar se está a
tido uma grande difusão em diversas saúde têm um papel muito importante profissionais de saúde. Para tomar haver compreensão das mensagens
áreas, nomeadamente na diabetes, em ajudar a pessoa a encontrar a decisões informadas, a pessoa com transmitidas. Este processo de
para ajudar as pessoas a melhorar sua automotivação significativa e diabetes precisa de ter informação feedback torna a escuta ativa mais
o controlo glicémico, a aumentar em estimular o sentimento de auto- suficiente para pesar os prós e efetiva.24, 31, 42]
a atividade física, a melhorar a eficácia.24, 31, 41 contras, os custos e os benefícios das
alimentação e a reduzir o peso.29, 38, 39 As capacidades de comunicação escolhas que pretende fazer, tendo
assertiva, aberta e apoiante dos também em conta a realidade da sua MODELO DE AUTO-EFICÁCIA
Este modelo é considerado uma profissionais favorecem muito a vida, as suas prioridades e valores.26, 42
metodologia de aconselhamento interação, as pessoas sentem-se A auto-eficácia consiste na confiança
28 29
centrada na pessoa, que a desperta à vontade para discutir as suas O empowerment é um processo que a pessoa tem nas suas próprias
para a mudança de comportamentos dificuldades e as mudanças que já individual relacionado com a capacidades para realizar ou manter
através do apoio na exploração tentaram fazer.24, 31, 40, 41 possibilidade da pessoa com diabetes determinada ação, apesar dos
e resolução da ambivalência. A exprimir as suas necessidades e obstáculos ou desafios. A perceção
motivação para a mudança é devida preocupações em relação à sua da auto-eficácia evolui com a
a fatores intrínsecos.38, 39 O principal EMPOWERMENT doença crónica, ao profissional experiência e os conhecimentos. As
objetivo da Entrevista Motivacional de saúde. O empowerment pode fontes principais da auto-eficácia são
consiste em aumentar a motivação Na diabetes, a própria pessoa é ser considerado um caminho a própria experiência, a observação
da pessoa de acordo com as suas o perito da sua doença, pois vive em que o profissional estimula o da experiência de outros, que
próprias escolhas, para que se sinta diariamente com ela e toma decisões desenvolvimento das capacidades funciona como “modelo”, a persuasão
capacitada para mudar os seus sobre a alimentação, exercício e competências da pessoa com social de pessoas significativas
comportamentos de forma a melhorar físico e insulina. Além disso, toma diabetes, para que faça a autogestão e a interpretação subjetiva das
a sua saúde.29, 30 também outras decisões relacionadas da diabetes, aumentando a auto- experiências fisiológicas, psicológicas
com aspetos familiares, sociais e eficácia.44 Para isso, o profissional e emocionais. A utilização destas
O profissional de saúde deve económicos. As pessoas com diabetes de saúde precisa de ser empático fontes de auto-eficácia ajuda as
ser empático, promover uma devem controlar a sua doença e ser e utilizar escuta ativa. Desta forma pessoas com doença crónica a
comunicação com escuta ativa e responsáveis pela sua gestão, mas demonstra que está genuinamente resolver problemas, a desenvolver
reflexiva, ter expetativas positivas, para isso precisam de compreender interessado em compreender o que a capacidades de autogestão e a
objetivos claros e estar disponível, o bem o que é a diabetes e ter pessoa está a pensar, a sentir, a querer sentirem-se mais confiantes e
que favorecerá resultados positivos.24, competências para tomar as decisões e o significado da mensagem que satisfeitas. A boa interação com a
39, 40
Fazer perguntas e escutar, mais certas no seu autocuidado.24, 26, 27, 42, 43 está a ser transmitida, assim como família e com os pares representa
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uma fonte potencial no desenvolvimento da auto-eficácia.24, 30, 31, 43 MODELO DA CONSULTA (CALGARY)
O relacionamento positivo com os profissionais de saúde facilita os sentimentos
de auto-eficácia das pessoas com diabetes.38, 41 O sentido de auto-eficácia Este modelo ilustra a utilização da Comunicação na Educação Terapêutica nas
demonstrou ser um importante preditor de comportamentos de autocuidado diferentes fases da consulta, nomeadamente a sua importância ao nível: do
e de controlo glicémico. Por outro lado, estabelecer pequenos objetivos Encontro no início da consulta, tendo em conta as Representações e as Fases
que vão sendo concretizados estimula a confiança e ajuda a desenvolver os de Aceitação na Doença Crónica para conhecer melhor a pessoa com diabetes,
sentimentos de auto-eficácia. Se as pessoas acreditarem que são capazes de assim como os aspetos relevantes na construção da relação terapêutica e as
realizar o autocuidado da diabetes sentir-se-ão mais motivados para resolver os competências a desenvolver na técnica de entrevista; dos aspetos importantes
problemas e terão benefícios na saúde e na qualidade de vida.24, 31, 38 no processo de ensino-aprendizagem na educação individual durante a
consulta, nomeadamente a compreensão partilhada e a negociação; e ainda os
aspetos a ter em conta no final da consulta, na separação.24, 31, 41, 45
MODELO PRECEDE
Ao longo deste processo, é fundamental que o profissional de saúde
30 31
O modelo PRECEDE44 permite identificar os fatores que atuam como estabeleça uma comunicação empática, compreenda as perspetivas e
antecedentes comportamentais de problemas de saúde, de modo a que após necessidades da pessoa, seja congruente na comunicação verbal e não-
avaliação do seu grau de importância e possibilidade de mudança seja possível verbal, encoraje o processo interativo, defina a prioridade das necessidades
uma intervenção efetiva. É considerado um modelo muito eficaz no planeamento de informação da pessoa, utilize explicações claras, simples e concretas, dê
de intervenções e ações relacionadas com a mudança de estilos de vida. espaço e tempo durante o processo de informação, avalie a compreensão da
pessoa.18, 24, 31, 41
Neste modelo os fatores que contribuem para a mudança de comportamento são:
1. Fatores predisponentes: são anteriores ao desenvolvimento do comportamento e
estão relacionados com a motivação da pessoa para a mudança. São os conhecimentos, MODELO DAWN - DIABETES ATTITUDES, WISHES AND NEEDS
atitudes, comportamentos, crenças e valores de cada pessoa;
2. Fatores facilitadores: baseiam-se nas competências e recursos necessários para adotar Este modelo de programa foi desenhado para avaliar as atitudes, desejos e
comportamentos. Constituem o que a pessoa sabe ou não sabe fazer em relação ao necessidades das pessoas com diabetes e profissionais de saúde, para servir
comportamento recomendado e aos recursos pessoais, de saúde ou comunitários de base à promoção de cuidados na diabetes. Este programa representa um
disponíveis para poder realizá-lo e integrá-lo no seu dia-a-dia. São a estrutura do
esforço de parceria internacional para aumentar o foco nas pessoas que estão
ambiente ou da comunidade e a situação individual que facilita ou apresenta obstáculos
à mudança; por trás da doença e conhecer as barreiras psicossociais e comportamentais à
efetiva gestão da diabetes.32, 34, 42, 45
3. Fatores de reforço: São subsequentes ao comportamento e constituem a recompensa
ou a punição obtida como resultado da realização do comportamento. Estes reforços
podem ser reais – tais como melhorias físicas (diminuição da dor, perda de peso, etc.), O Estudo DAWN 2 envolveu 15 438 participantes, dos quais 8596 pessoas
ganhos económicos ou benefícios sociais (aprovação ou não da família, do grupo de com diabetes, 2057 familiares e 4785 profissionais de saúde, provenientes de
referência ou da moda) – ou subjetivos (diminuição do prazer, satisfação, aumento da 17 países e 4 continentes. Neste estudo, apesar da maioria das pessoas com
perceção de auto-eficácia e autogestão, diminuição da tensão, etc.). São, em resumo, os diabetes sentir-se apoiada pelos profissionais de saúde, apenas um terço dos
efeitos positivos ou negativos que influenciam o comportamento.
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participantes descreveu sentir que os cuidados prestados eram centrados em Para a prestação de cuidados de elevada qualidade às pessoas com diabetes
si próprios, enquanto que metade dos profissionais de saúde referiu utilizar essa é necessário que os profissionais de saúde tenham boa formação em clínica
abordagem na sua prática. Esta discrepância recomenda melhor comunicação da diabetes e em Educação Terapêutica. A educação em diabetes orientada
entre a equipa de saúde e as pessoas com diabetes, sublinhando-se que por profissionais de saúde bem treinados e motivados integra-se nos cuidados
a mudança do foco para os cuidados centrados na pessoa vai promover a clínicos e é a chave para o sucesso da autogestão do tratamento da pessoa
individualização dos cuidados.32, 34, 42, 46, 47 com diabetes.18, 33, 49

Os resultados revelam que, no geral, a qualidade do relacionamento entre as No processo de Educação Terapêutica, as competências recomendadas para
pessoas com diabetes e os profissionais de saúde é boa, mas os profissionais os profissionais de saúde referem-se a: competências relacionais (comunicar
precisam de compreender melhor os problemas psicológicos e sociais que as de forma empática com escuta ativa, adaptar a linguagem, reconhecer os
pessoas com diabetes enfrentam.34, 42, 46 As recomendações após realização do recursos, as capacidades de aprendizagem, o papel ativo da pessoa na tomada
estudo propõem que cada país desenvolva as suas próprias prioridades para de decisões e apoiar a motivação); competências pedagógicas (escolher e
a promoção de cuidados na diabetes e que promovam a utilização do Modelo utilizar adequadamente as técnicas e instrumentos pedagógicos facilitadores
32 33
das Doenças Crónicas no tratamento e prevenção da diabetes.46, 47 da aquisição de competências de autocuidado); competências metodológicas
e organizacionais (planear as etapas do programa de Educação Terapêutica
com a pessoa com diabetes, coordenar as ações entre a equipa interdisciplinar
CONCLUSÃO e os serviços); competências biomédicas e de cuidados na diabetes (ter
conhecimentos da diabetes, do tratamento, reconhecer as alterações e as
Tendo em conta estes modelos de Educação Terapêutica, é importante uma situações de vulnerabilidade a nível psicológico e social).18, 24, 31, 33, 50
redefinição dos papéis e responsabilidades da parte das equipas de saúde
para melhor adaptação a estes modelos de cuidados. A relação entre a pessoa A comunicação empática promove o sentimento de partilha entre a pessoa
com diabetes e os profissionais de saúde deve promover a comunicação com diabetes e os profissionais de saúde e pode contribuir para o aumento da
e a colaboração, o que resultará numa equipa mais eficaz, baseada nas autoconfiança e autoestima. Se o profissional de saúde estiver atento, escutar,
experiências e nos saberes mútuos.24, 48 processar a informação, refletir sobre o que a pessoa com diabetes disser e a
compreender, isso ajudá-la-á a sentir-se mais motivada para o tratamento.18, 24, 31, 38
Para ajudar realmente a pessoa e para uma gestão partilhada dos objetivos é A investigação demonstra que as respostas empáticas dos profissionais de
necessário conhecer a sua realidade e compreendê-la, estabelecendo uma saúde podem promover a adesão ao tratamento, a melhoria e o bem-estar dos
relação de confiança. As estratégias utilizadas na educação terapêutica visam utentes, devido ao seu maior envolvimento.18, 24, 31, 38
incutir autoconfiança ao utente e fortalecer a sua autonomia, tendo presente
que a boa comunicação entre a pessoa com diabetes e a equipa de saúde Para construir uma relação terapêutica significativa é necessário que a
favorece a adesão.24, 31, 37, 41, 49 pessoa com diabetes apreenda as atitudes de congruência, de aceitação e
empatia do profissional de saúde/educador e se sinta envolvida e apoiada, o
que aumentará a sua satisfação e facilitará a revelação dos seus problemas,
favorecendo a sua autoconfiança e autonomia.18, 24, 31, 38, 41
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As consultas permitem o estabelecimento de uma relação empática e de


ajuda, assim como proporcionam um ambiente motivante que favorece a
aprendizagem da pessoa com diabetes nas áreas de que necessita.18, 24, 31, 38, 41

Foi demonstrado em vários estudos que a comunicação efetiva entre as


pessoas com diabetes e os profissionais de saúde e a educação centrada
na autogestão ativa da pessoa com diabetes promovem os resultados dos
cuidados na diabetes. A utilização das técnicas de entrevista motivacional
demonstrou a melhoria das mudanças de comportamento.24, 26, 31, 45

A adesão a estilos de vida mais saudáveis depende da pessoa com diabetes e


do seu meio envolvente, nomeadamente da sua rede de apoio familiar, social,
de saúde e laboral. Uma intervenção educativa com utilização de diferentes
34 35
suportes de comunicação, coordenada e integrada com os diversos
profissionais de saúde da equipa multidisciplinar, com desenvolvimento
de trabalho interdisciplinar, resultará numa maior eficácia do processo de
mudança de comportamentos e na melhoria dos resultados no tratamento da
diabetes.24, 26, 31, 34, 48, 50
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

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MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

PRINCÍPIOS E TERMOS
PREFERENCIAIS NA
COMUNICAÇÃO COM E SOBRE
PESSOAS COM DIABETES
Maria Batata, José Camolas, Dulce Nascimento do Ó, Isa Brito Félix, Eugénia
Brito Raimundo, Catarina Castro Oliveira, Anabela Mendes, Nuno M. Pimenta e
Mara Pereira Guerreiro, em nome do grupo Language Matters Diabetes Portugal
40 41
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

PRINCÍPIOS E TERMOS PREFERENCIAIS Portugal sobre as perspetivas dos profissionais de saúde


e pessoas com diabetes tipo 2 a respeito da comunicação
NA COMUNICAÇÃO COM E SOBRE centrada na pessoa, indica que uma abordagem pelo
PESSOAS COM DIABETES medo ou pela ameaça é vista por alguns profissionais como
Maria Batata, José Camolas, Dulce Nascimento do Ó, útil, enquanto as pessoas com diabetes a percecionaram
Isa Brito Félix, Eugénia Brito Raimundo, Catarina Castro como uma barreira.4 Uma revisão scoping destaca
Oliveira, Anabela Mendes, Nuno M. Pimenta e Mara Pereira que a utilização de linguagem que julga e estigmatiza
Guerreiro, em nome do grupo Language Matters Diabetes tem impacto nas relações clínicas e pode levar a uma
Portugal diminuição na procura de cuidados de saúde,5 aumentando
previsivelmente os níveis de distress.

ENQUADRAMENTO Por outro lado, há um potencial de impacto positivo na


diabetes quando a linguagem é adequada e cuidada,5 o que
42 43
A diabetes, enquanto doença crónica complexa e exigente, originou um movimento global sobre linguagem preferencial
associada à ocorrência de complicações, requer um papel na comunicação com e sobre pessoas com diabetes.
ativo da própria pessoa na sua gestão. Para tal, torna-se Este movimento iniciou-se há cerca de uma década, com
necessário a promoção de competências de autogestão. um consenso australiano, e resultou na publicação de
Estas incluem a tomada de decisão, o planeamento, a recomendações adaptadas a diferentes idiomas e culturas .
monitorização, a avaliação e resolução de problemas
inerentes à doença.1 Portugal juntou-se a este movimento em 2022, com a
publicação de recomendações adaptadas ao contexto
A necessidade de lidar com as exigências da doença pode nacional.6 Este trabalho foi realizado por um grupo
estar associada ao distress (angústia), entendido como interprofissional composto por pessoas com experiência
uma experiência emocional ou afetiva negativa. Dados clínica e/ou académica (em ciências do desporto,
nacionais no âmbito do estudo DAWN2 indicam que 71.9% ciências farmacêuticas, enfermagem, medicina, nutrição e
dos participantes com diabetes tipo 1 (n=64) e 60.2% dos psicologia) e por pessoas que vivem ou cuidam de pessoas
participantes com diabetes tipo 2 (n=200) apresentavam com diabetes.
níveis elevados de distress relacionado com a diabetes.[2]
Existe evidência consistente que o distress está associado As recomendações nacionais sobre a linguagem
a uma pior autogestão da diabetes, podendo condicionar preferencial na comunicação com e sobre as pessoas com
resultados metabólicos.3 diabetes são uma ferramenta para promover uma relação
terapêutica colaborativa, baseada na empatia, no respeito
A forma como os profissionais de saúde comunicam com pelos valores, preferências e escolhas, aspetos valorizados
as pessoas com diabetes pode contribuir para aumentar os pelas pessoas com diabetes.4
níveis de distress.3 Por exemplo, um estudo qualitativo em
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

Por sua vez, as orientações internacionais destacam a 1. REVISÃO DA LINGUAGEM 2. AUSCULTAÇÃO PERIÓDICA DAS
importância da capacitação da pessoa com diabetes UTILIZADA NA COMUNICAÇÃO PREFERÊNCIAS DA PESSOA COM
enquanto instrumento para a gestão clínica da doença. COM PESSOAS COM DIABETES E DIABETES SOBRE A LINGUAGEM E
As recomendações Language Matters Diabetes Portugal DO EFEITO QUE PRODUZ. AS SUAS CRENÇAS.
podem contribuir para esta capacitação, nomeadamente
através da decisão partilhada em saúde, um aspeto Tenha presente que a linguagem pode Lembre-se que as pessoas são
valorizado pelos profissionais de saúde em Portugal.4 ter efeitos positivos ou negativos nas diferentes, algumas podem ficar
pessoas com diabetes. A linguagem ofendidas ou irritadas com certos
As recomendações nacionais previamente citadas compreende elementos verbais - as termos, que para outras são inócuos.
integram 7 princípios e 3 conjuntos de termos preferenciais palavras - e não verbais, como o tom Nem todas as pessoas expressam
- sobre as pessoas, sobre a diabetes e sobre a gestão de voz e a expressão corporal (gestos, reações de descontentamento ou
da diabetes - detalhados seguidamente . A versão orientação corporal, contacto visual, verbalizam o efeito negativo da
apresentada nesta obra foi objeto de revisão em aspetos expressão facial, etc.). Quando existe linguagem, mas esta influencia a
44 45
de pormenor, face à reflexão após a publicação inicial das falta de coerência entre a linguagem forma como pensam, sentem e agem.
recomendações.6 Em particular, reformulou-se a redação verbal e não verbal, a mensagem O significado e a aceitabilidade das
do enunciado dos princípios, para comunicar a mensagem transmitida pela segunda prevalece. palavras para as pessoas modificam-
de forma menos diretiva, e forneceram-se justificações Palavras comummente usadas pelos se ao longo do tempo, é importante
adicionais nos conjuntos de termos preferenciais. profissionais de saúde e outros explorar periodicamente as suas
profissionais podem ser interpretadas preferências e crenças. Em caso de
de forma diferente pelas pessoas dúvida use a linguagem que a maior
com diabetes, mesmo que não haja parte das pessoas considera positiva.
intenção de ser ofensivo. A reflexão Por exemplo, algumas pessoas com
periódica sobre a linguagem que diabetes sentem-se confortáveis
utiliza visa a melhoria contínua e não a em serem designadas diabéticas,
perfeição. enquanto para outras este é um rótulo
redutor ou ofensivo; o termo “pessoa”
será, à partida, melhor aceite por
todas.

1. Informação adicional disponível em https://www.languagemattersdiabetes.com/

2. Reproduzido com autorização da Direção da Revista Portuguesa de Diabetes a partir do artigo


“Language Matters” Portugal: Recomendações sobre a Linguagem Preferencial na Comunicação Com
e Sobre as Pessoas com Diabetes”, Revista Portuguesa de Diabetes. 2022; 17 (1): 26-33.
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3. USO DE LINGUAGEM IDÊNTICA crenças, prioridades, preferências e de outros com antecedentes ou


NA COMUNICAÇÃO DIRETA COM constrangimentos da pessoa e apoie contexto semelhante. Da mesma
A PESSOA COM DIABETES E NA a mudança de comportamentos forma não deve ser estigmatizante,
COMUNICAÇÃO VERBAL OU de autogestão, levando em conta não deve julgar ou rotular a pessoa,
ESCRITA COM TERCEIROS SOBRE estes aspetos, e não a agenda do nem deve atribuir-lhe culpa pelo
ESTAS PESSOAS. profissional de saúde. desenvolvimento da diabetes ou das
suas complicações.
Esteja consciente que a linguagem 5. PRIORIZAÇÃO DE UMA
transmite, aos outros, o que LINGUAGEM COMPREENSÍVEL 7. PROMOÇÃO DA TOMADA DE
pensamos. Preservar a coerência FACE À LITERACIA DA PESSOA, CONSCIÊNCIA NOS OUTROS
nas diferentes formas de comunicar EMPÁTICA, RESPEITOSA E QUE DO IMPACTO DA LINGUAGEM,
facilita a integração do modelo PROMOVA O EMPODERAMENTO. E ENCORAJAMENTO ÀS
desejado de pensamento. Expresse sugestões de forma ALTERAÇÕES NO SEU USO.
46 47
clara e motivadora. O foco em Explique o fundamento e, se for
4. ADOÇÃO DE UMA ABORDAGEM comportamentos “não aderentes” possível, aponte recursos.
HOLÍSTICA E CENTRADA NA desvaloriza o esforço da pessoa para
PESSOA. Para muitas pessoas a melhorar a sua saúde e autogestão.
diabetes é frustrante, desafiante e A linguagem cria a realidade. O foco
geradora de sobrecarga emocional; nas mudanças positivas (realizadas
pode não ser uma prioridade em ou futuras) e comportamentos
determinadas circunstâncias de vida. desejados é preferível ao foco em
Bem-estar e saúde envolvem mais comportamentos e resultados
do que “ter controlo bioquímico”; passados.
use os valores bioquímicos (e.g.
hemoglobina glicada, glicemias) 6. AUSÊNCIA DE
como ponto de partida para LINGUAGEM AUTORITÁRIA,
uma conversa sobre sucessos e CULPABILIZADORA,
dificuldades e ofereça sugestões. PRECONCEITUOSA OU COM
O foco excessivo nos valores JUÍZOS DE VALOR. Aceite e
bioquímicos pode gerar sentimentos respeite que a pessoa tem direito
de insucesso ou de incompreensão a fazer escolhas e é responsável
por parte do profissional de saúde, pela sua condição. A linguagem não
e na pessoa com diabetes. Prefira deve conter generalizações que
questões abertas para explorar vinculam a pessoa à experiência
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TERMOS PREFERENCIAIS PARA DESCREVER AS PESSOAS, A DIABETES, AS


SUAS COMPLICAÇÕES E A SUA GESTÃO

TERMOS SOBRE AS PESSOAS

EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO


• Diabético •P
 essoa com diabetes • O rótulo “diabético” pode ser • Aderente e • Termos colaborativos, que • É de evitar linguagem
ofensivo para algumas pessoas, não aderente explorem fatores que determinam que pressuponha tomada
• Vítima de • Vive com diabetes
por defini-las com base na sua a autogestão e a implementação de decisão centrada no
diabetes • Cumpridor e
• Tem diabetes patologia, enquanto outras, de estratégias: profissional de saúde, dizendo
não cumpridor
• Sofre de sobretudo com diabetes o que a pessoa deve fazer ou
• Diagnosticado com diabetes • “Na sua opinião, o que é que pode
diabetes tipo 1, se identificam como • Recusa… remetendo para o cumprimento
estar a contribuir para…?”
“diabéticos”. 5,8,11 de ordens.10
• Doente • Bom e mau
• “Está a acontecer algo A gestão da diabetes requer
• Caso não se ausculte a diabético
• Paciente na sua vida que…?” decisão partilhada entre
preferência da pessoa, o termo
o profissional de saúde
“pessoa com diabetes” é o que • “O que levou a…?”
e a pessoa, envolvendo
tem menor probabilidade de ser
• “Vamos trabalhar em equipa para colaboração e tendo em conta
ofensivo.8
chegar a uma decisão que seja as preferências e prioridades da
• A utilização das expressões adequada para si” pessoa.8
“vítima” e “sofre de diabetes”
48 • “Juntos podemos decidir uma • Rotular a pessoa como “não 49
implicam que a pessoa está
estratégia que vá ao encontro das aderente”, “não cumpridor” ou
a sofrer. Isto vitimiza ao invés
suas preferências” “mau diabético”, além de ser
de empoderar, colocando a
estigmatizante, traduz um juízo
pessoa numa posição passiva • “Vamos refletir em conjunto sobre do profissional sobre a falta
relativamente aos cuidados de o melhor plano de ação para si” de envolvimento da pessoa
saúde.7,8,10,11
• “O que pensa destas opções na autogestão. Desta forma,
• Normal • Pessoa • A referência à pessoa sem para o/a ajudar a tomar os podem criar-se obstáculos,
diabetes como “normal”, medicamentos (ou praticar por um lado, a explorar o que
• Saudável
implica que a pessoa com atividade física, ou …) como pode ter conduzido a uma dada
diabetes não o é.7 A expressão acordado?” situação e, por outro, em apoiar
é estigmatizante para os que a implementação de estratégias
vivem com diabetes.8 • “Boa! Vamos então seguir o efetivas de autogestão.
seu plano de ação para tomar
• Em negação •C
 onsidera desafiante • Quando recebem um • Os termos a evitar podem
os medicamentos (ou praticar
diagnóstico de diabetes as causar uma desconexão entre
•P
 reocupado com… atividade física, ou …)”
pessoas têm de se ajustar a o profissional e a pessoa
 o momento não está a investir na uma nova realidade e nem
•N • Termos com foco no que a pessoa com diabetes,5 levando ao
autogestão da diabetes todas o fazem à mesma já consegue fazer: afastamento dos cuidados de
velocidade. Rotular a pessoa saúde.
• Toma a medicação conforme
como “em negação” não é
acordado grande parte das vezes • Os termos preferenciais podem
empoderador.8
• Come frutas e vegetais alguns dias reforçar a autoconfiança e a
por semana auto-eficácia, valorizando as
boas práticas e demonstrando
• Faz uma caminhada de meia hora as suas competências de
um dia por semana autogestão.
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EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO


• “Desmotivado” • “Com outras prioridades no • Podem existir obstáculos a uma • Descontrolado/a • Glicemias fora do alvo • Devem preferir-se
momento” autogestão ótima da diabetes, expressões que descrevam
• “Sem
que num dado momento se o comportamento, e não
vontade de…” • “No momento não está mobilizado
podem afigurar superiores aos a pessoa. Confundir o
para a gestão da diabetes”
• “Não benefícios. As pessoas podem comportamento com a
consegue...” também concluir que algumas pessoa implica um “carimbo”
alterações não valem o esforço, identitário, isto é, o facto de
• “Não é
que são impossíveis ou muito uma pessoa com diabetes não
capaz de ...”
difíceis. Na perceção da pessoa estar, num dado momento,
isto é razoável; é necessário a conseguir implementar
oferecer respeito e apoio.8 um comportamento, não a
caracteriza nem determina
• É importante o profissional de
irreversivelmente o futuro.
saúde assegurar que a decisão
Conforme já referido
da pessoa com diabetes
pressupõe-se que o
é informada pelas várias
comportamento seja situacional,
possibilidades de autogestão.
sendo expectável que uma
• “Sempre a • “Não foi possível...” • As generalizações abusivas pessoa com diabetes apresente
50 mesma coisa” (“sempre”, “nunca”, “nada” …) 51
• “Não teve possibilidade de...” comportamentos diferentes em
são de evitar, uma vez que função das circunstâncias.
• “Nunca
• “Desta vez não foi possível...” estigmatizam.
cumpre” Em contexto de • Pessoa com diabetes • Quem participa numa
• “Não teve apoio para...” • É mais produtivo relatar apenas o investigação: investigação fá-lo
• “Não faz nada • Participante
que está a acontecer, sem julgar.7 voluntariamente e com
do que lhe • Sujeito
• Respondente consentimento. É geralmente
disse” •O
 s termos preferenciais
• Paciente um processo ativo, que envolve
facilitam a possibilidade de
atividades e tarefas.8
mudança de comportamento
no futuro. • “Vocês”, numa • Personalizar, se possível usando • Vincular a pessoa
referência o nome da pessoa com diabetes, a comportamentos
• Paciente/ • Situação desafiante • A gestão da diabetes pode ser
negativa: recorrendo a termos colaborativos, estereotipados de um grupo é
doente/ difícil, não a pessoa. Devem
• Comportamento desafiante dirigidos a objetivos e a tomadas estigmatizante e traduz um juízo
pessoa difícil preferir-se expressões que • “Vocês nunca
de decisão, ou a termos focados do profissional. Desta forma,
descrevam uma situação e tomam a
• Paciente/ no que a pessoa já consegue fazer. podem criar-se obstáculos,
não um indivíduo. Pressupõe- medicação
doente/ por um lado, a explorar o que
se que o comportamento como prescrito”
pessoa pode ter conduzido a uma dada
seja situacional, logo com
desafiante • “Vocês comem situação e, por outro, em apoiar
possibilidade de mudança.
sempre mais a implementação de estratégias.
• A expressão “doente difícil”, doces do que
• Esta generalização, numa
ou similares, podem traduzir é suposto”
referência negativa pode, por
a frustração do profissional de
• “Vocês não outro lado, levar a pessoa a
saúde em lidar com a situação.
cuidam da desvalorizar a situação, por
[8] Para a pessoa com diabetes,
vossa saúde” entender tratar-se de um
rotula e estigmatiza.
comportamento comum a
outras pessoas com diabetes.
É crucial adotar uma
abordagem personalizada.
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TERMOS SOBRE A DIABETES

EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO


• Diabetes • Diabetes tipo 1 • Não existe diabetes ligeira e • Emitir • Termos que coloquem a pessoa • Emitir julgamentos
ligeira ou a condição deve ser sempre julgamentos no centro dos cuidados e que pode conduzir a menor
• Diabetes tipo 2
pouco grave levada a sério. Esta expressão é sobre a traduzam o seu empoderamento: confiança no profissional e,
• Diabetes gestacional, etc. potencialmente danosa para as autogestão da subsequentemente, a menor
• Ser pouco • Fez a escolha de...
pessoas com diabetes.8 diabetes: partilha, para evitar reações
diabético
• Tomou a decisão de… negativas ou, no limite, levar
• Diabetes, • Diabetes tipo 1 • O termo diabetes abarca • Fazer batota
a que a pessoa deixe de ir a
quando se uma série de condições, com • Portar-se mal consultas.
•D  iabetes tipo 2
refere a um diferentes causas, e evolução
tipo específico • Diabetes gestacional, etc. e prognóstico distintos. A • Não quer • É crucial o profissional de
de diabetes diferenciação é importante, para saber saúde preservar a qualidade na
que haja educação do público relação colaborativa, mantendo
em geral sobre as diferentes a “porta aberta”, para que a
condições, não se perpetuando pessoa se sinta confortável
mitos nem estigmas.11 em regressar à consulta, e não
52 inibida ou envergonhada. 53

• Culpabilizar as pessoas e
emitir julgamentos aumenta
o estigma; a vergonha, o
TERMOS SOBRE A AUTOGESTÃO DA DIABETES sentimento de culpa e o
próprio estigma podem levar
a desconexão com os serviços
de saúde e aumentam o risco
EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO de distress relacionado com
• Culpabilizar a • Explorar as razões que levam • Culpabilizar as pessoas e a diabetes, que por sua vez
pessoa pelas a determinadas escolhas emitir julgamentos aumenta está associado a uma pior
suas escolhas alimentares da pessoa, usando o estigma. A vergonha, o autogestão.5
alimentares: termos colaborativos, com vista a sentimento de culpa e o próprio • Por vezes, as pessoas sentem
tomadas de decisão: estigma podem levar a uma necessidade de fazer uma
• “Andou a
desconexão com os serviços pausa, ou presentear-se, com
comer o que • “O que é que o/a leva a comer um
de saúde e a um aumento do uma escolha que pode não
não devia” doce após cada refeição?”
risco de distress relacionado conduzir a uma gestão ótima
• “Não tem • “Qual o motivo de comer legumes com a diabetes, que por sua da diabetes. Essa opção deve
cuidado com apenas aos fins de semana?” vez está associado a uma pior ser desfrutada, sem culpa
a boca” autogestão.5 e experienciada como uma
• “O que aconteceu para…”
• Em relação aos termos escolha positiva.[8] Quando a
preferenciais, a exploração com partilha é proativa por parte
perguntas abertas e neutras da pessoa com diabetes, é
potencia a autorreflexão e importante que o profissional de
autoconsciência da pessoa com saúde agradeça a confiança e
diabetes, crucial para ativar a a transparência, reafirmando a
mudança. relação de parceria.
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EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO


• Utilização de • Apresentação de opções, de forma • As abordagens autoritárias por • Emitir • Valores numéricos • Emitir julgamentos
imperativos: colaborativa: parte dos profissionais levam julgamentos pode conduzir a menor
Expressões neutras, como:
frequentemente as pessoas sobre o confiança no profissional e,
• Deve/ • “ Tem algumas opções...”
a assumirem estratégias para controlo • Alvo de glicemia subsequentemente, a menor
não deve
• “ Considere as opções...” manter o controlo da situação, glicémico: partilha, para evitar reações
• Variabilidade de glicemia
• Pode/ tais como o confronto, a negativas ou, no limite, levar
• “ Pode considerar também...” • Controlo
não pode afirmação dos seus direitos ou a • Estabilidade de glicemia a que a pessoa deixe de ir a
bom/mau
• “ Outra opção é…” procura de outro profissional.5 consultas.
• Tem que/ • Gerir valores superiores e inferiores
• Controlo
não tem que • “ Uma das formas mais • Os imperativos podem levar aos objetivos traçados • É crucial o profissional de
apertado
eficazes de... é…” a que a pessoa sinta que saúde preservar a qualidade na
está a ser tratada como uma • Glicemia relação colaborativa, mantendo
criança; podem também gerar normal a “porta aberta”, para que a
sentimentos de culpa e/ou pessoa se sinta confortável
vergonha.10 em regressar à consulta, e não
54
• Controlo • Gestão • O termo “controlo” foca apenas inibida ou envergonhada. 55

a diabetes, e não todos os • Ameaças: • Termos colaborativos, dirigidos a • Muitas pessoas que não
• Autogestão
aspetos da vida da pessoa com objetivos e a tomadas de decisão atingem alvos metabólicos
• “Vai ficar cego”
diabetes, como a diabetes se ideais já sabem que têm
encaixa nela e quais os desafios • “Vai acabar a um risco aumentado de
ou sucessos vivenciados.9 fazer diálise” complicações; uma abordagem
pelo medo é frequentemente
•E
 ste termo assume que a • “Se os valores
ineficaz. É preferível trabalhar
diabetes pode ser “controlada”, de HbA1c não
em conjunto para acordar
ignorando as muitas variáveis estiverem
alvos específicos, realistas e
que contribuem para os bem retiramos
alcançáveis pela pessoa.10
resultados clínicos e os esforços a bomba”
diários que as pessoas fazem • Expressões percecionadas
para incorporar as exigências da como ameaça podem
diabetes na sua vida.9,10 comprometer a relação
colaborativa.
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EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO EVITE PREFIRA JUSTIFICAÇÃO


• Regime • Plano • É de evitar linguagem • Tratar (o • Gestão da diabetes • O termo tratamento coloca
que pressuponha tomada paciente, a a pessoa numa situação
• Regras • Escolhas
de decisão centrada no diabetes) passiva, ignorando o seu papel,
profissional de saúde, dizendo enquanto gestão é um termo
o que a pessoa deve fazer ou que envolve capacitação.7,8
remetendo para o cumprimento • Correção da • Ajuste da insulina • Correção implica erro, e esta
de ordens.10 glicemia ideia pode acarretar ansiedade
• Melhoria nos valores de glicemia
• A gestão da diabetes requer
decisão partilhada entre
o profissional de saúde • Teste ao • Pesquisa da glicemia • Testar implica um resultado que
e a pessoa, envolvendo sangue induz sentimentos de sucesso/
colaboração e tendo em conta • Automonitorização
falhanço.7,8
as preferências e prioridades da
pessoa.8 • O termo “automonitorização”
56 traduz a capacitação da pessoa 57
• Ao utilizar uma abordagem e promove a tomada de decisão
focada nos recursos da sustentada pelos valores de
pessoa, e que respeite a sua glicemia.
autonomia, potencia-se o seu
empoderamento, ao invés de a
limitar.
Termos com Termos com foco na pessoa com • Mudar a forma como as pessoas
foco no diabetes: com diabetes são vistas no
profissional de contexto de cuidados de
• “A pessoa X iniciou a administração
saúde: saúde requer uma alteração
de insulina”
na linguagem para comunicar
• “Iniciei insulina
• “A pessoa Y perdeu 10 kg” com e sobre estas pessoas.
na pessoa X”
A coerência nas diferentes
• “O que lhe parece definirmos
• “Consegui que formas de comunicar potencia
um intervalo alvo de glicemias,
a pessoa Y o modelo desejado de
alcançável no seu dia-dia, e
perdesse 10 kg” pensamento.
traçarmos um plano para alcançar
• “Quero que este objetivo?” • Numa abordagem centrada na
as suas pessoa deve ser dado crédito
glicemias se ao que a pessoa com diabetes
mantenham consegue alcançar, ao invés de
neste colocar o foco no profissional.10
intervalo”
• Motivação para a mudança por
parte da pessoa com diabetes
tem de ser intrínseca, e não
dependente da orientação
ou procura de aceitação do
profissional de saúde.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Médica Portuguesa. 2022; 35 (10): 729-737. http://dx.doi.org/10.20344/amp.16817
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colaborativas e empáticas, promovendo desta forma melhores resultados em 6. Batata M, Braz A, Camolas J, et al. “Language Matters” Portugal: recomendações sobre a linguagem
preferencial na comunicação com e sobre as pessoas com diabetes. Revista Portuguesa de Diabetes.
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58 59
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Practice. 2012; 97(3): 425–31. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2012.03.015
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Practice. 2021; 173: 108655. https://doi.org/10.1016/j.diabres.2021.108655
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10. Dickinson JK, Guzman SJ, Maryniuk MD, et al. The use of language in diabetes care and education.
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

MODELO ACP – ASSERTIVIDADE,


CLAREZA E POSITIVIDADE:
UM MODELO DE LITERACIA EM
SAÚDE E DE COMPETÊNCIAS
DE COMUNICAÇÃO PARA
MELHORES RESULTADOS
NA GESTÃO DA DIABETES
60 61

Cristina Vaz de Almeida


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MODELO ACP – Podemos afirmar, pelas suas A sua aplicação prática tem
características, que o Modelo ACP demonstrado:
ASSERTIVIDADE, CLAREZA se integra num tipo de comunicação 1) evidência na sua eficácia;
E POSITIVIDADE: UM não-violenta, profundamente 2) interesse demonstrado pelos
MODELO DE LITERACIA transformadora.2 O objetivo deste profissionais devido à facilidade e
estudo é demonstrar como o uso do compreensão dos efeitos;
EM SAÚDE E DE
Modelo ACP e outras competências 3) replicabilidade de uns profissionais
COMPETÊNCIAS DE de comunicação do profissional das para outros, ao longo do tempo;
COMUNICAÇÃO PARA áreas da saúde reforçam os resultados 4) ser um tema central de vários
MELHORES RESULTADOS em saúde e o bem-estar. eventos que trabalham a saúde e a
literacia em saúde;
NA GESTÃO DA DIABETES O Modelo ACP integra uma ação 5) pela sua simplicidade e
Cristina Vaz de Almeida
comunicativa consciente, intencional aprendizagem, obtenção de ganhos
62 63
do sujeito que emite as instruções, evidentes trazidos pela perceção de
para produzir um determinado quem o utiliza.
INTRODUÇÃO
comportamento positivo do sujeito
que recebe a informação e atua na O Modelo ACP tem credibilidade
A literacia em saúde tem a sua
defesa da sua saúde. longitudinal, sendo aplicado de forma
aplicação prática através do
consecutiva desde 2012 por aqueles
desenvolvimento de competências
O Modelo ACP consubstancia-se que o aprendem e veem as vantagens
que se baseiam, a maior parte delas,
através do uso de um conjunto de na melhoria dos resultados, e tem
através do uso de boas competências
três competências comunicativas: a ainda uma consistente validação
comunicativas para que se melhore
assertividade, a clareza de linguagem em 2020. Tem também sido alvo
o acesso, a compreensão e o uso
e a positividade da comunicação, de vários estudos científicos, como
de recursos de saúde, em particular
verbal e não verbal, ou na prática procuraremos apresentar.
quando enfrentamos a pandemia das
de ações concretas e de tomada Este modelo de competências
doenças crónicas.
de decisões acertadas para aquele comunicativas é um instrumento de
indivíduo. promoção da literacia em saúde e
O modelo ACP é composto por
contribui para capacitar indivíduos,
três competências comunicativas
É longa a aplicação do Modelo ACP – entre os quais idosos, na prevenção
úteis para a qualidade da relação
Assertividade, Clareza e Positividade da Diabetes mellitus tipo 2.3
terapêutica, quando aplicadas de
– em Portugal e outros países.
forma interdependente e integrada,1
capacitando tanto os profissionais de
saúde como os pacientes.
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O PALCO DO MODELO ACP: A RELAÇÃO APENAS TRÊS COMPETÊNCIAS COMUNICATIVAS


TERAPÊUTICA INTERDEPENDENTES E AGREGADAS

O profissional de saúde é o elemento mais forte na relação Estas três competências comunicativas, usadas de forma
terapêutica.4 A relação terapêutica é o palco preferido interdependente e conjugada, permitem ao profissional um
do Modelo ACP, embora possa ser utilizado em outros conjunto de efeitos positivos para a relação terapêutica.
contextos, como o social, em cuidados domiciliários, nos De forma sucinta podemos afirmar que o Modelo ACP
processos educativos, no desenvolvimento pessoal ou implica necessariamente o respeito pela outra parte
das organizações e as comunidades. Se pensássemos em (assertividade), a clareza da linguagem utilizada, seja
outro modelo, poderíamos faze a ponte com o Modelo verbal ou não verbal (clareza), e a positividade da ação ou
Ecológico e Social[5] que integra um sistema de múltiplas comportamento solicitado ao doente, que visa contribuir
interinfluências em vários patamares (indivíduo, grupo, para os seus cuidados, prevenção da doença ou promoção
comunidade, sociedade). da saúde.
64 65

O Modelo ACP é ensinado na formação pós-graduada Numa revisão sistemática de Harada et al.,8 a eficácia das
aos profissionais das áreas da saúde que frequentam intervenções de promoção da saúde oral para pessoas
o programa avançado de literacia em saúde (ISPA). com diabetes tipo 2 ministradas por profissionais de saúde
Paralelamente tem sido usado nas práticas diárias de não dentários (enfermeiros) – que incluem comunicação
literacia em saúde, na intervenção em hospitais, na saúde escrita, oral e digital, assim como a implementação de
de proximidade e em comunidades. protocolos de cuidados de saúde oral em práticas gerais –,
melhoraram os resultados clínicos e não clínicos, tais como
O modelo tem sido ensinado através de plataformas conhecimentos, atitudes e comportamentos dos pacientes.
digitais e também aplicado pelos profissionais das áreas As competências de assertividade podem ser usadas para
da saúde aos pacientes, em contato direto físico ou digital, a aproximação a outra pessoa (profissional – paciente),
para promoção da literacia em saúde, e de estratégias para proteger ou obter metas objetivas9 e pressupõe que
promotoras da saúde e de capacitação de pessoas com a pessoa deve legitimamente assumir a responsabilidade
doenças crónicas. Também Chahardah-Cherik et al.[6] das escolhas que faz.9
destacavam a importante relação entre a literacia em
saúde e a promoção da saúde em doentes com diabetes A clareza
tipo 2, assim como Hahn & Truman7 refletem que a As emoções positivas tendem a ter um efeito promotor da
educação melhora a saúde pública e promove a equidade vontade e guiar as pessoas para o bem-estar dos outros,10
em saúde, onde se integra a literacia em saúde e, dentro e proporcionam bem-estar[11] em qualquer relação
desta, o modelo de comunicação ACP. humana, incluindo a terapêutica.
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METODOLOGIA Seguiu-se uma metodologia de


investigação baseada numa revisão
Procedeu-se a uma revisão da narrativa da literatura, um método
literatura sobre as competências que visa chegar a uma visão geral de
assertividade, clareza de linguagem um campo de estudo através de uma
e positividade per si, e fez-se a ponte avaliação razoavelmente abrangente
com a temática da diabetes. e leitura crítica da literatura.13 O
Os resultados da aplicação do Modelo objetivo é enriquecer o discurso
ACP foram inicialmente obtidos humano, sendo mais adequado para
num estudo transversal, descritivo, investigadores qualitativos, cuja
com amostra por conveniência estratégia de investigação se baseia
de 487 médicos e enfermeiros,12 numa epistemologia interpretativa.13
com aplicação de um inquérito por
66 67
questionário com utilização especifica O valor acrescentado deste método
do Modelo ACP, com 17 focus group é permitir a combinação de dados
e entrevistas em profundidade com teóricos e empíricos, obtidos
vários peritos na área. através de uma amostra variada
de documentos com fontes fiáveis,
Resultou ainda na recolha de resultados credíveis e reconhecidas pelos pares
de vários projetos de intervenção que e de experiências de profissionais de
usaram o Modelo, após a formação saúde que testaram eles próprios o
avançada em literacia em saúde no Modelo ACP nas suas práticas diárias.
Instituto de Ciências Psicológicas (ISPA), A pesquisa da relação entre
assim como a análise dos resultados literacia em saúde, competências
da formação avançada em literacia comunicativas e diabetes foi realizada
em saúde em grandes hospitais de nas seguintes bases de dados:
Portugal, circunscrito aos anos de 2021 PubMed, IGI Editor e outras bases de
e 2022. Verificaram-se os resultados dados para enriquecer os conteúdos
da aplicação do modelo através da desejados.
educação à distância da formação
avançada em literacia em saúde no
ISPA, a única faculdade que ministra a
pós-graduação de Literacia em Saúde
em Portugal.
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ALGUNS CASOS DE APLICAÇÃO EVIDENTE DO Para Maibach et al.16 como competências necessárias para
MODELO ACP que uma pessoa possa ser considerada especialista em
comunicação no século XXI é preciso reunir dois aspetos:
A aplicação do Modelo ACP está patente nas práticas 1) o grau de abstração de competências, que vai do teórico
dos profissionais e em registos académicos de evidência ao aplicado; e 2) o nível de análise a que a competência
científica da eficácia e oportunidade do Modelo ACP que é se refere, variando de indivíduo para social. Kemp et
um verdadeiro instrumento de literacia em saúde. al.,17 ao debruçar sobre a necessidade de competências
Ramos,[14] destacando-se numa revisão de literatura comunicativas para responder às alterações de saúde dos
e na sua experiência na área do paciente advocacy, residentes em lares, na vida assistida, destacam o papel
defende que ainda é preciso fazer um longo caminho das competências do modelo ACP, citando os trabalhos
na área da defesa do paciente em Portugal, e que desenvolvidos por Belim & Vaz de Almeida.18, 19
o Modelo ACP - Assertividade, Clareza da Língua e
Positividade - é um modelo essencial para todo o Feliz & Barroca,20 num estudo de revisão de literatura que
68 69
processo de desenvolvimento da Advocacia do Doente e a lista os problemas da reconciliação terapêutica, sublinham
implementação do Advogado do Doente na área da saúde. que a assertividade, clareza e positividade (ACP) são um
modelo de comunicação muito útil para melhorar a relação
Pela primeira vez, no Brasil, numa aplicação do Modelo profissional paciente-saúde, a adesão ao tratamento, a
ACP à literacia alimentar, especificamente aos guias literacia em saúde e a qualidade de vida, e que o modelo
estabelecidos a nível nacional nesse país, Sampaio & pode ser usado na reconciliação da medicação (MR), como
Cabral[15] fazem uma comparação da linguagem utilizada um processo de empoderamento dos profissionais de
com e sem o Modelo ACP para cada ciclo de vida. As saúde para uma maior literacia em saúde.
autoras revelam que a aplicação do modelo ACP assume
uma dimensão desafiadora quando se pensa na literacia Segundo Feliz & Barroca, os maiores erros associados a
alimentar, uma vez que o utilizador do serviço de saúde uma comunicação com falhas são:
traz à consulta uma grande carga cultural e emocional 1) falta de compreensão do conteúdo;
relacionada com a sua alimentação. Concluem ainda 2) confusão na compreensão do significado das palavras;
que, embora o modelo ACP inclua três competências, 3) nomes semelhantes ou muito técnicos de
a assertividade envolve principalmente a relação entre medicamentos ou produtos terapêuticos; mal-entendido
o profissional e o doente, pelo que as competências de das orientações dadas;
clareza e positividade foram priorizadas na preparação 4) falta de monitorização no uso de medicação;
dos quadros de adequação, que se aplicam diretamente à 5) relação excessivamente técnica entre doentes e
linguagem e à comunicação. profissionais e sem investimento interpessoal.20, 21
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Malheiros[22] propõe na sua análise O estudo de Malheiros22 confirma que MODELO ACP: A ASSERTIVIDADE O comportamento assertivo assenta
que a realidade virtual (VR) e a o uso e soluções do doente AR/VR COMO COMPETÊNCIA-CHAVE numa autoestima e autoconfiança que
realidade aumentada (AR) são é um tema emergente e as soluções ASSOCIADA AO RESPEITO gera competência e segurança.24, 26, 27
promotores da literacia em saúde, AR/VR ajudam intrinsecamente a ter E EQUILÍBRIO DA RELAÇÃO
focando-se nos desafios dos doentes uma comunicação limpa, apoiando a TERAPÊUTICA Uma personalidade assertiva
e dos cuidados de saúde, e como a assertividade e positividade e pode relaciona-se com o comportamento,
AR/VR pode alavancar os benefícios ser um promotor de literacia. Apesar de o profissional da área da a cognição e a emoção;28, 29 um
para ambos. saúde ser “o lado mais forte do prato indivíduo com esta personalidade
A autora recomenda aumentar o da balança”,[4] significa que cai sobre tem a capacidade de se auto analisar
O futuro dos cuidados de saúde é uso do doente AR/VR, e conclui ele a responsabilidade de equilibrar para avaliar os seus sentimentos e
pré-visualizado para ser centrado no que a tecnologia tem o potencial e estabelecer uma plataforma de conseguir controlar os seus impulsos
ser humano e usar uma abordagem de apoiar o aumento da realização igualdade e equidade em cada pessoais, usando a inteligência
personalizada para o tratamento do da comunicação através de maior interação com o paciente. emocional.30
70 71
paciente. O presente estudo centra Assertividade, Clareza e Positividade.22
a atenção ao nível público e do A noção de “ser assertivo” pressupõe Uma comunicação focada no
paciente, com o objetivo de ter uma Para Belim, numa revisão literária uma relação de igualdade e associa- paciente, baseada na assertividade
melhor perceção sobre como apoiar a com uma proposta de boas práticas se ao respeito e ao reconhecimento do profissional de saúde, aumenta
literacia do paciente usando soluções a adotar em reuniões de saúde,18 dos direitos próprios e os direitos o envolvimento e confiança do
AR/VR e correta comunicação online. conclui que o uso de competências dos outros, e por os respeitar, não os paciente e melhora os resultados,
de comunicação pelos profissionais, viola.24 especialmente a satisfação.31
Numa revisão de literatura e num onde se utiliza o Modelo ACP, é
estudo de caso de pacientes com benéfico para os pacientes. Segundo A assertividade está dentro de uma Teixeira32 descreve a importância do
doença oncológica,23 é reconhecido a autora, na terra da saúde, o continuidade, que oscila entre a “desenvolvimento da assertividade e
que a qualidade de comunicação profissional que tem competências de submissão e a arrogância, sendo empowerment dos utentes”, referindo
entre o profissional de saúde e os comunicação, é um rei. aquela capacidade de expressar que é importante desenvolver ações
cuidadores informais baseado no e advogar ideias, interesses e destinadas a promover competências
modelo ACP pode facilitar a aceitação sentimentos com facilidade, de comunicação e mais capacitação
(assertividade), a compreensão propriedade e sem ansiedade, dos utentes, tanto nos serviços de
(Clareza da linguagem) e promove a respeitando ao mesmo tempo essas saúde como na comunidade, para que
resiliência e motivação (positividade), mesmas características em outros.25 os utentes se tornem mais proativos
traduzida pela participação ativa nos na procura de informação sobre
cuidados e segurança do paciente. saúde”.
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Para que isso ocorra, isto é, tanto a assertividade como a Assim, a assertividade significa que a comunicação dos profissionais de saúde
capacitação dos pacientes, é necessário: deve conter as seguintes orientações (quadro 1):
1) uma maior qualidade da comunicação entre os
profissionais e os pacientes; Quadro 1. Sobre assertividade relacionada com o acesso, uso e compreensão
2) uma maior consciencialização dos riscos
3) uma maior motivação para a mudança de Como avalia o seu desempenho?
comportamentos;
1. Saber conversar (iniciar, manter, conduzir uma conversa)
4) facilitação das escolhas complexas em saúde e nas
doenças; 2. Informar o/a paciente sempre de forma respeitosa
5) adaptação à doença; 3. Informar o/a paciente sempre de forma atenta
6) qualidade de vida; 4. Encorajar o/a paciente a colocar questões
7) melhorar os comportamentos de adesão;
5. Ajudar o/a paciente a exprimir as suas preocupações
8) melhorar os comportamentos de procura de cuidados”.32
72 6. Gerar sentimentos e emoções com vista a uma resposta eficiente 73

Mauksch33 destaca a importância de se usar na prática a 7. A


 judar o/a paciente a enfrentar os problemas emocionais relacionados
assertividade para se organizar a agenda em saúde, que com o seu estado de saúde
deve estar centrada no paciente, incluindo: 8. Confirmar que o/a paciente compreende
1) respeitar o outro;
9. Ter um tom de voz, inflexão e volume adequados (nem muito alto, nem
2) fazer-se respeitar;
muito baixo)
3) saber ouvir;
4) saber encorajar a participar; 10. Fazer o/a paciente sentir que tem tempo para ele/a durante a interação
5) despistar as “pistas não-verbais” dadas pelo paciente; 11. D
 ar apoio ao/à paciente (ex.: conversa de “cuidado” em vez de conversa de
6) monitorizar a relação. Neste processo, “o profissional “cura”) para fazê-lo/a compreender por que é importante seguir os conselhos
deve distanciar-se do tema, como se fosse um sujeito 11. Saber ouvir o/a paciente
que visse de fora o problema”.33
12. Reconhecer e antecipar situações de eventual conflitualidade com o/a
paciente
13. Sentir-se sempre confiante para lidar com o/a paciente
14. Mostrar uma expressão facial e corporal que inspire confiança
15. Escolher o momento apropriado para expressar a opinião, dando espaço
ao outro para se manifestar, ainda que de forma mais vaga ou incerta

Fonte: elaboração própria


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MODELO ACP: A CLAREZA DE LINGUAGEM PARA A


CLAREZA DO ENTENDIMENTO

Citando Lalonde na sua referência à Bíblia, “Se a trombeta


emitir um som incerto, quem se preparará para a batalha?”,
sublinha-se já nesta altura que a linguagem científica
usada na saúde não é eficaz, pois “a ciência está cheia de
“se”, “mas” e “talvez”, enquanto as mensagens projetadas
para influenciar o público devem ser bem ouvidas, claras e
inequívocas.34

O certo é que os indivíduos precisam de informações para


tomar decisões sobre a sua saúde, mas muitas destas
74 75
informações não são fáceis de entender.
Nas doenças crónicas, a compreensão da ação para o
autocuidado é crucial a uma correta gestão da saúde,
associada à credibilidade, confiança e perícia do
profissional.35

O poder da linguagem simples é que esta torna os


conteúdos mais acessíveis, sendo um requisito diário
necessário na prática clínica do profissional com o
paciente.36

Tal como Shriver et al.,37 também Zancheta & Poureslami38


reforçam a questão cultural, argumentando que as
pessoas podem ter uma adequada literacia na sua cultura,
mas podem ter dificuldades evidentes em compreender o
mesmo conceito noutra língua e noutra cultura.

O uso de estratégias de comunicação oral clara pode


ajudar os pacientes a entender melhor e sentirem-se mais
envolvidos com os seus cuidados de saúde, aumentando a
probabilidade de seguir os seus planos de tratamento.39
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Quanto à clareza está evidenciado que é preciso que o profissional avalie A POSITIVIDADE COMO testado de forma longitudinal desde
também o seu desempenho em diversas perspetivas. A ver: FATOR DE CONSTRUÇÃO DE 2012, com resultados evidenciados.
COMPORTAMENTOS POSITIVOS Num estudo feito por uma equipa
Quadro 2. Clareza relacionada com o acesso, uso e compreensão de enfermeiros num grande hospital
A comunicação positiva ajuda a de Portugal, o Centro Hospitalar
1. Estabelecer a relação com o/a paciente através de linguagem simples, promover uma boa saúde e bem- Universitário de Coimbra, em
usando a linguagem do dia-a-dia e sem infantilizar a linguagem estar em todos as dimensões 2022, após formação avançada em
biopsicossociais do ser humano, literacia em saúde, foi relatado que
2. Estabelecer contato visual com o/a paciente, afável, delicadamente
seja mental, física ou espiritual. Os os pacientes regiram positivamente
3. Perceber as informações que são dadas pelo/a paciente, para lhe prestar pacientes quando ouvem e participam às instruções dadas, através da
alívio rápido, mesmo que sejam breves expressões ou interjeições numa comunicação positiva, sentem aplicação do Modelo ACP, quanto
4. Ajudar o/a paciente com linguagem simples a encontrar informação para um efeito potencial de agradabilidade aos comportamentos necessários
lidar com comportamentos/problemas que afetam a sua saúde e de maior compreensão e conexão para a alta hospitalar, verificando-se
76 77
5. Conhecer o que fez e disse ao/à paciente em consultas anteriores relacional.40 a sua memorização um mês após a
educação de alta.
6. Preparar o/a paciente sobre o que esperar dos cuidados de saúde
Este reforço é dado pela psicologia
7. Informar o/a paciente sobre o que quer saber, os seus sintomas Neumann et al.,41 numa pesquisa
positiva e autores como Seligman
e estado de saúde baseada numa narrativa não
et al.11 defendem que a positividade
8. Explicar detalhadamente os medicamentos, tratamentos e exames produz, além do bem-estar, uma sistemática de revisão da literatura,
9. Confirmar que o/a paciente compreende tudo para a sua própria segurança verdadeira mudança na mente da concluem que “as sugestões verbais
pessoa, que consegue, aos poucos, positivas dos médicos são capazes
10. Usar frases curtas
largar os seus pensamentos negativos de aumentar e/ou substituir os
11.Demonstrar ao/à paciente como se faz (com gráficos, imagens, desenhos efeitos do tratamento médico”. Estes
e substituí-los por pensamentos,
ou esquemas) autores reforçam que as evidências
atitudes e ações positivas.11
12. Escrever e/ou desenhar as instruções para facilitar a memória neurobiológicas mostram que a
do/a paciente O uso de uma comunicação verbal e interação entre o profissional e o
13. Debater os próximos passos e planos de seguimento com o/a paciente não verbal positiva apoia a mudança paciente aumenta a efetividade do
de comportamentos em saúde, gera tratamento médico.43 A linguagem
esperança e vontade de prosseguir positiva associa-se a metas de
em frente. A comunicação positiva abordagem, em vez de metas de
dá esperança. Estes foram alguns evitação.
resultados da investigação sobre o
Modelo ACP junto de cerca de 500
profissionais das áreas da saúde e
Fonte: elaboração própria
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Para a psicologia positiva, a Também num estudo retrospetivo de Quadro 3. Sobre positividade relacionada com o acesso, uso e compreensão
positividade produz uma mudança Milky & Thomas,45 avaliando a decisão
na mente do sujeito, que o faz trocar partilhada numa amostra ponderada 1. Cumprimentar o/a paciente e atender à linguagem não verbal, tanto sua
os pensamentos negativos pelos de 797 entrevistados, representativa como dele/a
positivos, alterando, também, os de 15,6 milhões de pessoas com
2. Deixar o/a paciente falar sem interrupções
objetivos e os limites da sua mente.11 diabetes, observou-se que a decisão
O sujeito positivo caracteriza-se por:42 partilhada esteve associada a uma 3. Ajudar o/a paciente a enfrentar os problemas emocionais relacionados com
1) t er confiança (auto-eficácia) para maior satisfação dos pacientes com os a saúde
acionar o esforço necessário para o seus cuidados de saúde.45 Verificou-se 4. Contribuir para tornar positiva e construtiva a relação com o/a paciente
êxito em tarefas desafiadoras; ainda que o perfil dos indivíduos com 5. Evitar o uso de palavras e frases negativas
2) fazer uma atribuição positiva uma baixa decisão partilhada inclui:
6. Usar a voz ativa (sujeito-predicado-complemento direto)
(otimismo) sobre o êxito presente e idade avançada (idoso), ser homem
futuro; ou não ter seguro, assim como ter 7. Adotar a cortesia e dar carinho quando lida com o/a paciente
78 79
3) p erseverar em direção a metas e, doença crónica. 8. Envolver o/a paciente na tomada de decisão
quando necessário, redirecionar 9. Explicar situações de uma forma positiva ao/à paciente para que este/a se
caminhos para metas (esperança) Sobre a Positividade e o seu sinta suficientemente bem para desempenhar as suas tarefas diárias
rumo ao êxito; e significado mais amplo, significa
10. Ajudar o/a paciente a criar expectativas positivas
4) q uando assolado por problemas e que a construção de uma relação
adversidades, ser resiliente. positiva, mas também a utilização de 11. Incentivar o/a paciente a colocar questões
uma linguagem positiva, orientada 12. Incentivar o/a paciente a tomar decisões
Numa revisão sistemática da literatura para a ação que se pretende que o 13. Mostrar ao/à paciente o comportamento positivo que tem de ter (por ex.:
em 2001 efetuada por Blasi et al.,43 e paciente deseje, constroem relações em vez de lhe dizer “não pode molhar o braço”, diga: “tem de manter o seu
mais tarde por Howick et al.44 numa e resultados mais positivos. braço seco para melhorar essa ferida”)
revisão sistemática e metanálise onde
foram combinados dados de estudos Também já testada esta positividade,
sobre intervenções de empatia (houve exige que o profissional possa ter o
prática de empatia) e intervenções seguinte desempenho (quadro 3):
com expectativas (onde os profissionais
enviaram mensagens positivas para
promover as expectativas positivas
dos pacientes sobre os resultados),
mostraram que a comunicação positiva
podem ajudar a melhorar os resultados
em saúde dos pacientes.
Fonte: elaboração própria
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DISCUSSÃO DE RESULTADOS linguagem fácil de entendimento Unido. Esta intervenção pressupõe o


pelo destinatário e a intenção clara desenvolvimento de competências
A literacia em saúde desempenha de estímulo dos comportamentos comunicativas dos intervenientes.
um papel importante no positivos para o autocuidado Os efeitos da comunicação são
conhecimento sobre diabetes.46 ou gestão da saúde. Estas sentidos de forma extensiva por
Dentro do vasto universo da literacia características das componentes todos os envolvidos, como no
em saúde, verificamos que as comunicativas são otimizadas estudo de McCaffrey et al.48 em
competências comunicativas são quando existe formação específica que analisaram um programa
um fator crítico para a melhoria dos profissionais, tornando-se numa educacional e experimental
do acesso, compreensão e uso de ferramenta muito útil para que os de comunicação positiva entre
recursos de saúde, em particular nas profissionais dominem e melhorem enfermeiros e médicos internos,
doenças crónicas. a relação com os pacientes com demonstrando que este tipo de
doenças crónicas, neste caso, com a comunicação está associado ao
80 81
Neste sentido, está evidenciado diabetes. aumento da satisfação no trabalho
que as características do Modelo da equipa, ao aumento de cuidados
ACP, assentes em três especificas Este modelo “3 em 1” é eficaz em com os pacientes48 e à diminuição
competências comunicativas, variadas situações da vida diária, seja de erros.49,50
permitem uma transformação da no campo da saúde, da educação,
pessoa, porque lhes estimula, na do social, concebido para mudar O estudo de Marciano et al.46 revela,
variedade das suas personalidades, comportamentos de forma eficaz e através de uma metanálise que
que podem ser mais submissas suave, e potenciar nos participantes inclui 61 estudos com um total de
ou agressivas, um pendor mais interessados as suas competências 18.905 pacientes com diabetes
equilibrado, que pressupõe uma de comunicação específicas. tipo 2, em que foi usado o teste
igualdade e respeito mútuos. Como Rosenberg refere na sua S-TOFHLA e o BHLS para avaliação
Além desta reflexão e ação sobre comunicação não violenta, “a forma da literacia funcional mostram que
um comportamento assertivo e é simples, mas profundamente o conhecimento sobre diabetes
não agressivo, nem subserviente transformadora”.2 foi melhor previsto por medidas
ou manipulador, a clareza da de literacia em saúde baseadas
comunicação estabelecida na Panagioti et al.47 destacam o efeito em desempenho, autocuidado por
relação em saúde, de si, já muito da literacia em saúde na qualidade medidas de auto-relato e controlo
complexa, torna-se um elemento de vida de pacientes mais velhos glicémico por ambos os tipos de
facilitador, porque impõe, de com condições de longo prazo como avaliação de literacia em saúde.
forma consciente, o controlo do a diabetes, através de um estudo
jargão técnico, o uso de uma de coorte de prática geral do Reino
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CONCLUSÃO A compreensão da saúde envolve um estado de bem-estar que influencia o


indivíduo na sua relação com outros, mas também o bem-estar da sociedade,
Podemos afirmar, pelo paralelismo e utilidade, que o modelo ACP de por vários níveis de interinfluências, onde se integram vários patamares que se
competências de comunicação, que serve de base à literacia em saúde, está cruzam como um sistema vivo e que passa por:
muito inter-relacionado com o modelo de Comunicação não violenta2 que se 1) direitos humanos praticados;
baseia “em competências de linguagem e comunicação que fortalecem em 2) taxas baixas de corrupção;
nós a capacidade de manter a humanidade, mesmo em condições adversas”. 3) governos eficientes;
4) impostos à população progressivos;
Rosenberg afirma que a comunicação não violenta “orienta-nos no sentido 5) programas de segurança para arrendamento, pensões, subsídios de
da reformulação do modo como nos expressamos e ouvimos os outros“.2 desemprego e apoio a pacientes e a pessoas com deficiência;
Quando analisado em detalhe o processo cognitivo, racionalizado que deve 6) politicas ativas de emprego, formação, incentivos ao emprego e criação
estar na base do modelo ACP, também o modelo de comunicação não violenta direta de empregos;
se ancora numa cognição cuidadosa sobre a forma como nos expressamos 7) direitos e liberdades políticas com leis do trabalho, políticas generosas de
82 83
perante o outro, atendendo à necessidade de cuidado, compassividade e desemprego, e, entre outros fatores;
compreensão. 8) um investimento e proteção de ambientes naturais mais saudáveis, por
exemplo, ar puro e amplo espaço verde.
Manter um bom nível de competências de comunicação nas relações humanas,
e em particular na relação em saúde, significa promover conscientemente Este último caso, cada vez mais crítico, e que tem a ver com literacia em
sociedades mais equilibradas, felizes e com maior bem-estar. saúde e melhores formas de comunicação e compreensão do papel de cada
um na proteção e preservação da Terra, no qual as doenças crónicas onde
Como Diener et al.51 registaram, o perfil das nações mais felizes e se enquadra a diabetes ainda tem um longo caminho até ao seu controlo e
economicamente mais desenvolvidas é dotado de uma “riqueza” gerada por diminuição progressiva.
relações de cooperação, onde prevalece o bem-estar que enriquece os povos.
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

A LITERACIA EM SAÚDE E A
COMUNICAÇÃO NOS CUIDADOS
DE SAÚDE NA DIABETES.
Dulce Nascimento do Ó e Eugénia Brito Raimundo

88 89
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A LITERACIA EM SAÚDE cognitivas e sociais e a capacidade Classificou ainda a literacia em saúde em 3 níveis:
dos indivíduos para acederem à
E A COMUNICAÇÃO NOS compreensão e ao uso da informação •Literacia Básica/Funcional - Compreende as aptidões
CUIDADOS DE SAÚDE NA de forma a promover e manter uma
suficientes para ler e escrever, que permitem um
funcionamento efetivo nas atividades diárias;
DIABETES. boa saúde”.4 Posteriormente, Nutbeam
Dulce Nascimento do Ó (2000) definiu a literacia em saúde • Literacia Comunicativa/Interativa – Abrange aptidões
e Eugénia Brito Raimundo como “as capacidades pessoais, cognitivas mais avançadas que podem ser utilizadas,
cognitivas e sociais que determinam em conjunto com as aptidões sociais, nas atividades
a capacidade dos indivíduos para diárias para a obtenção e compreensão de informações
adquiridas em diferentes fontes, e na aplicação da nova
A LITERACIA EM SAÚDE ganhar acesso, compreender e usar a
informação em novas circunstâncias;
informação para promover e manter
O conceito de literacia em saúde tem a saúde”.5 Para este autor, a literacia • Literacia Critica – Engloba aptidões cognitivas mais
evoluído ao longo dos tempos e o em saúde envolve um nível de avançadas que, em conjunto com as competências
90 91
reconhecimento da sua importância conhecimento, habilidades pessoais sociais, permitem analisar criticamente a informação e
e confiança que permitem fazer utilizá-la para exercer maior controlo sobre os eventos
para a saúde das pessoas e das
mudanças ao nível do estilo de vida, e situações da vida.3, 5, 6
comunidades tornou-se evidente.
condições pessoais e saúde.
Esta diferente tipologia representa os níveis de
Inicialmente a literacia foi associada
Abrange também as habilidades conhecimento e competências, que progressivamente
às capacidades necessárias
sociais necessárias nas interações vão suportando maior autonomia e empowerment,
para compreender e utilizar a
com os outros e com a sociedade, relativamente à capacidade de decidir e se comprometer
informação relacionada com a
fundamentais para passar à ação. com uma diversidade de conhecimentos em saúde, que
saúde nos contextos clínicos1, 2 tendo
Considera que é constituída por se estendem desde a gestão pessoal aos determinantes
evoluído para a noção de construto
dois elementos fundamentais, as sociais da saúde.3
multidimensional, que abrange os
recursos individuais, as competências tarefas (tasks) e as competências
(skills). O primeiro refere-se ao Mais recentemente, a OMS ampliou a definição,
e as habilidades, inter-relacionados
desenvolvimento de tarefas como acrescentando uma noção de continuidade temporal e
com os contextos e as condições
ler um texto básico ou escrever geracional, pelo que definiu como “os conhecimentos
ambientais.3
frases simples. Relativamente às e competências pessoais que se acumulam através de
competências, a literacia centra-se atividades diárias, interações sociais e entre gerações.
Simultaneamente as definições de
no nível de conhecimento e aptidões Os conhecimentos e as competências pessoais são
literacia em saúde foram evoluindo.
para realizar determinada tarefa.5 mediados pelas estruturas organizacionais e disponibilidade
Em 1998, a Organização Mundial
de recursos que permitem às pessoas aceder, compreender,
de Saúde (OMS) definiu a literacia
avaliar e utilizar informações e serviços de forma a promover
em saúde como “as competências
e manter uma boa saúde e bem-estar”.7
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A literacia em saúde significa o desenvolvimento de encorajando as pessoas a aprenderem ao longo da vida


competências individuais, mas também a interação entre (participando de uma aprendizagem estruturada ou
as pessoas e os contextos, potenciando poder e voz através de atividades diárias, como a leitura ou a aquisição
individual e coletiva. Segundo a OMS, os programas de de competências informáticas) são, portanto, consideradas
literacia em saúde, contribuem para a coprodução de suscetíveis de facilitar o desenvolvimento e a manutenção
saúde ao melhorar a comunicação e promover o equilíbrio de competências de literacia em saúde.10
entre os utilizadores, os prestadores, os legisladores e os
especialistas.[8] Trata-se de um produto da interação entre Segundo o relatório do Institute of Medicine of the National
as pessoas e os seus contextos, dos quais estão incluídos Academies, a literacia baseia-se na interação entre as
os recursos disponíveis em saúde.9 aptidões das pessoas e os respetivos contextos de saúde,
o sistema de saúde, o sistema de educação e os fatores
A literacia influencia a capacidade de aceder à informação, sociais e culturais em casa, no trabalho e na comunidade.
as competências cognitivas e linguísticas e afeta a auto- Assim, a responsabilidade para a melhoria dos níveis de
92 93
eficácia. O nível individual de literacia afeta diretamente literacia em saúde deve ser compartilhada entre vários
a sua capacidade de aceder à informação de saúde, setores, sendo fundamental a participação da sociedade
aprender sobre a prevenção de doenças e promoção de civil, no desenvolvimento de estratégias para assegurar as
saúde, seguir os seus cuidados de saúde e comunicar necessidades e o conhecimento das comunidades.11
com os outros sobre mensagens de saúde. Vários estudos
referem que as pessoas aumentam a literacia nos O investimento em literacia requer abordagens
contextos sociais e culturais em que vivem, tendo várias compreensivas, incluindo a utilização de uma linguagem
oportunidades nos contextos formais, como a escola, o clara que torne acessíveis as mensagens a todos, que
emprego ou outros contextos como a família, amigos, contribuam para gerir a saúde e a doença, a utilizar os
grupos de pares e comunicação social. No caso das serviços de saúde de forma adequada e a contribuir para
crianças, as oportunidades de aprendizagem são muito melhorar a compreensão e a capacidade de controlo das
importantes para os anos seguintes. Incluem a interação situações da vida.9
com a família, programas de educação infantil e promoção
da saúde nas escolas, a brincar, e na aprendizagem nos
cuidados habituais.10

Estudos recentes sobre os determinantes da literacia


em saúde entre adultos mais velhos, verificaram que a
participação na aprendizagem ao longo da vida, formal
e informal, é um dos mais fortes preditores de literacia
em saúde neste grupo populacional. As intervenções
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IMPACTO DA LITERACIA EM idas às urgências e mais admissões


SAÚDE NOS CUIDADOS DE SAÚDE hospitalares.15 Apresentam níveis
mais baixos de conhecimentos
A literacia em saúde tornou-se uma relacionados com a saúde e de
prioridade no século XXI, por ser capacidade em gerir a doença.18
considerada fundamental para que as Os grupos que tendencialmente
pessoas detenham a capacidade de apresentam níveis mais baixos
gerir a sua saúde e de navegar pelo de literacia são as pessoas com
sistema de saúde.12 menos anos de escolaridade e
minorias étnicas, famílias de baixos
Níveis baixos de literacia em saúde rendimentos, imigrantes, pessoas
têm impactos negativos ao nível sem cidadania plena e idosos. Sendo
da saúde individual, coletiva, dos especialmente comum em pessoas
94 95
recursos e gastos em saúde.8 Estão que se enquadram em vários desses
associados à inadequada utilização grupos de risco.13
dos serviços de saúde, a baixos níveis
de conhecimentos em saúde, de A literacia em saúde, sendo um
adesão à medicação, de autogestão importante determinante em saúde
da doença e a elevadas taxas de e da qualidade de vida, tem um
internamentos e de situações de contributo crucial na melhoria dos
urgência.13 Conduzem a maiores resultados de saúde e na redução
dificuldades em gerir a medicação das desigualdades em saúde. De
e ao aumento de ocorrências de todo o mundo surgem evidências
eventos adversos com a medicação.14 para a associação entre literacia em
Pessoas com baixa literacia têm saúde e os resultados em saúde. As
tendência para ter níveis inferiores políticas e práticas devem promover a
da perceção do estado de saúde,15 identificação de questões de literacia
menor participação em atividades em saúde e a implementação de
de prevenção e maior prevalência respostas direcionadas.8
de fatores de risco para a saúde,
educação, pobreza e emprego,16
reduzida capacidade de autogestão,
limitada participação nas consultas
e nos processos de decisão,17 mais
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ E A No contexto dos cuidados de saúde, compreenderam e as suas decisões maior dificuldade na compreensão
LITERACIA EM SAÚDE os estilos de comunicação dos são prejudicadas devido aos baixos sobre o que leem ou o que lhes é
profissionais de saúde podem facilitar níveis de literacia em saúde. Por comunicado nas consultas, o que
Sendo a diabetes uma doença a troca de informação e contribuir outro lado, os profissionais de saúde inibe a capacidade de auto-eficácia
crónica e exigente, que requer para o empowerment ou, por outro podem assumir que as pessoas, e autogestão, especialmente se os
cuidados de saúde contínuos, a lado, dificultar a comunicação e a por terem escolaridade que lhes profissionais de saúde estabelecerem
educação e o apoio à autogestão capacitação da pessoa com diabetes.23 permite ler e escrever, compreendem um relacionamento mais
são fundamentais para prevenir as Neste sentido, o relacionamento o conteúdo da comunicação e dos paternalista.27, 29
complicações agudas e reduzir o positivo com os profissionais de saúde documentos que lhes são facultados.
risco de complicações a longo prazo. facilita os sentimentos de auto- No entanto, a literacia em saúde
A qualidade da comunicação entre eficácia/empowerment das pessoas e o nível de escolaridade não são
os profissionais de saúde e a pessoa com diabetes, sendo um importante necessariamente equivalentes.27
com diabetes/família é reconhecida preditor de comportamentos de
96 97
como fundamental numa relação de autocuidado e de controlo glicémico. Neste sentido, quando consideramos
colaboração e partilha que promova Se as pessoas acreditarem que são a literacia em saúde para além
a autogestão, participação na tomada capazes de realizar os autocuidados da leitura, escrita e matemática, e
de decisões de saúde e melhor da diabetes, sentir-se-ão mais incluímos as competências sociais
controlo da diabetes.19, 20 motivadas para resolver os problemas e de comunicação que permitem a
e terão benefícios na saúde.24, 25 utilização da informação sobre saúde
Simultaneamente, o suporte social e capacitam as pessoas a participar
tem sido associado com melhor No entanto, as pessoas referem nos seus cuidados, a importância
compensação da diabetes.21 que nem sempre os profissionais da literacia de saúde na gestão da
Reconhece-se atualmente que de saúde transmitem informações diabetes parece evidente.28
a capacidade de autogestão das claras e satisfatórias, ou facilitam a
pessoas com diabetes é um dos realização de perguntas adicionais. As pessoas com melhor literacia em
fatores críticos para o sucesso no [26] Segundo Arlen (2004) as pessoas saúde tendem a ser mais capacitadas
tratamento.[20] Tratando-se de são relutantes em admitir as suas e a ter melhores resultados em saúde.
uma doença caraterizada por um limitações e podem sentir vergonha Desta forma, a literacia ao longo
tratamento com um nível elevado das suas dificuldades na leitura e do tempo deverá contribuir para a
de complexidade, exige das pessoas na compreensão. Preferem não melhoria da autogestão, melhores
capacidades que ultrapassam as fazer perguntas porque receiam dar resultados de saúde e participação
competências básicas para utilizar a a conhecer as suas dificuldades. mais ativa na tomada de decisões.29
informação sobre saúde na gestão As escolhas que fazem são No caso de as pessoas terem níveis
diária da diabetes.22 influenciadas pelo que aparentemente inadequados de literacia, podem ter
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COMO PROMOVER A visualiza a pessoa com diabetes. capacidade de influência. O impacto a mestria do profissional de saúde
COMUNICAÇÃO EFICAZ Se o seu foco é na patologia, a no profissional de saúde é diferente no desempenho da sua função,
ADEQUADA AO NÍVEL DE comunicação será padronizada e igual quando diz ou pensa “A pessoa X na consciência da sua missão e
LITERACIA INDIVIDUAL? para todos os seus utentes, em função é agressiva, ou é manipuladora, compromisso, e no conhecimento de
da condição clínica. Se o seu foco é mentirosa ou arrogante, …” de quando atitudes e comportamentos previsíveis
Como vimos anteriormente, a gestão na PESSOA, naquilo que a carateriza diz ou pensa: “A pessoa X está com em pessoas com diabetes.
da comunicação dos profissionais de e diferencia, a sua comunicação será um comportamento agressivo, ou Na forma como o profissional de
saúde com as pessoas com diabetes é personalizada, sendo aqui crucial está a manipular, a mentir, ou está a saúde comunica com a pessoa
um fator crítico de sucesso na decisão diferenciar o SER do ESTAR. tentar intimidar…”. A perceção de que com diabetes, podemos salientar
de adesão à terapêutica. Falar de O SER representa “Como a pessoa é”: é um comportamento do momento, quatro facilitadores que otimizam
comunicação significa falar do impacto as suas especificidades biográficas e a podendo este ser mais ou menos a eficácia da comunicação, na
que estamos a gerar no nosso recetor, sua condição clínica. recorrente, reforça a capacidade de gestão da clareza e no reforço de
pois o que nós comunicamos não é a empatia, ao procurar compreender uma relação de confiança: a escuta
98 99
nossa intenção, mas sim o efeito que O ESTAR representa “Como a pessoa o que motivará o mesmo. Permitirá ativa, a demonstração de empatia,
geramos no outro. está em cada momento”: a sua ao profissional não personalizar em o questionar adequadamente e a
condição clínica atual, o seu nível si e focar-se na pessoa, por exemplo, reformulação.
A comunicação do profissional de de literacia na saúde, a atitude e em vez de: “Eu não admito que falem
saúde só será eficaz se permitir comportamento demonstrado, assim assim comigo!” refletirá sobre “O que Na escuta comum, temos de
consolidar uma relação de parceria como a decisão de aderir ou não à levará esta pessoa a ter agora este reconhecer que, na relação com
numa aliança terapêutica, que terapêutica e envolve crenças, nível comportamento na consulta?”. o outro, estamos frequentemente
considera e respeita a individualidade de consciencialização face aos riscos, focados em nós, no nosso quadro
de cada pessoa. A comunicação conhecimento e aceitação da doença Esta diferença ajudará o profissional a de referência: “Faz sentido o que
centrada no indivíduo validará o ou fase do processo de mudança. E responder assertivamente perante um diz”, “Não concordo com o que
ajustamento ao seu nível de literacia e é sobre esta dimensão que se gere a comportamento mais desafiante por está a dizer”, “Estou a sentir-me
confirmará a adequada compreensão, comunicação, na perceção de que é parte da pessoa com diabetes. A sua confrontado(a)!”, “Não admito que
assim como a empatia permitirá a alguém com recursos internos e com atitude será proativa, com reflexão e me mintam!...”. Na escuta ativa
compreensão da atitude demonstrada potencial de desenvolvimento. controlo sobre a sua própria resposta, genuína, o nosso foco é na outra
e facilitará a ação de influência junto Esta diferenciação faz com que o em vez de uma atitude reativa, pessoa, escutar com o seu quadro
da pessoa. profissional de saúde não cristalize a na expressão de uma reatividade de referência, procurando perceber
sua perceção da pessoa em função agressiva, quando critica diretamente, a sua perceção: “Qual é a sua
O primeiro passo na consolidação do comportamento demonstrado, em ou de uma reatividade passiva, objeção ou resistência?”, “O que mais
desta relação de parceria implica uma particular se este for mais desafiante, quando fica bloqueado, magoado valoriza?”, “O que enfatizou na sua
reflexão interna do próprio profissional protegendo a relação terapêutica ou desmotivado. A gestão de uma justificação?”, “O que a terá levado a
de saúde em relação à forma como e reforçando a crença na sua comunicação assertiva demonstra mentir, ou a dissimular?”. Este enfoque
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no outro será tão mais fortalecido com diabetes, pela forma como
quanto mais estivermos atentos ao apresenta um determinado tema,
todo da sua comunicação, na sua sendo relevante explorar de forma
componente verbal e não verbal. neutra. Por exemplo quando a pessoa
Qual a congruência entre o discurso, afirma que determinada medicação
a entoação da voz e a comunicação não está a fazer o efeito desejado,
corporal (Manteve ou desviou o olhar? mas no decorrer da consulta, através
Encostou-se na cadeira ou aproximou- das técnicas de comunicação,
se da mesa? Cruzou os braços?…), se verifica que não está a fazê-la
escutar o que a pessoa está a dizer, adequadamente.
mas também como o está a dizer (Que
emoções expressa? Como gere os Este facilitador da escuta ativa
silêncios?). permitirá ao profissional de
100 101
saúde reforçar a sua empatia ao
A escuta ativa também exige compreender o que a pessoa pensa
escutar sem julgamento, sendo aqui e sente, criar conexão e inspirar
importante o profissional de saúde confiança, demonstrar que se
estar consciente dos enviesamentos importa com ela. E conseguirá assim
que podem decorrer das suas ideias influenciar, potenciar a recetividade
pré-concebidas em relação à pessoa, da pessoa para se alinhar e investir na
daí a importância de explorar para adesão.
aferir os factos da realidade. Por
exemplo, quando pressupõe de A empatia do profissional de saúde
imediato que um aumento de peso para com a pessoa com diabetes
foi o resultado de uma alimentação tem de ser demonstrada, pois
desadequada, quando na realidade foi só assim esta a sentirá. E pode
o resultado da pessoa ter sido forçada ser demonstrada pela expressão
a interromper as suas caminhadas por verbal de compreensão ou pela
lesão no tornozelo. comunicação não verbal, através de
um toque no braço ou na mão, ou
É igualmente importante o num aceno da cabeça, além do olhar
profissional de saúde estar atento aos atento.
enviesamentos cognitivos que podem
ser induzidos pela narrativa da pessoa
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A expressão já familiar “Calçar os Esta capacidade de empatia permite identificados pelo nosso interlocutor, Modelo da Entrevista Motivacional.[31]
sapatos do outro e andar com eles” prever o comportamento da outra ou transmitir os juízos de valor No lidar com as resistências, é crucial
demonstra o quanto a empatia pessoa e perceber o que ela precisa e as ideias pré-concebidas do o profissional de saúde conhecer
implica mantermos a perceção de para ser ajudada, pois a compreensão profissional de saúde, ou dificultar a todas as barreiras específicas para
que os sapatos são do outro, pelo da forma como está a percecionar recolha genuína de informação, ao cada pessoa com diabetes e ajudá-la
que deveremos manter-nos focados a situação e da emoção que está a influenciar a resposta. Por exemplo a encontrar maneiras de as superar.
nele, no seu referencial, quer nos demonstrar permite-nos antecipar o uma pessoa com diabetes que afirma É aqui relevante saber questionar,
identifiquemos ou não com o que nos que tenderá a fazer e agir de forma a ter interrompido a medicação. Se privilegiando as perguntas abertas e
está a partilhar ou a sentir. É o ter uma influenciá-la. o profissional de saúde questionar neutras e demonstrar uma atitude de
atenção plena no outro, no que está a de imediato se foi por se ter sentido escuta ativa.
pensar e a sentir, o que permite criar A demonstração de empatia é mal, mesmo que não tenha sido essa
pontes de conexão. absolutamente crucial, pois só se a causa e a pessoa responda que Neste processo, o profissional
a pessoa com diabetes se sentir não foi por isso, mas sim porque se de saúde deve estabelecer uma
102 103
Na empatia cognitiva conseguimos compreendida é que sentirá confiança ausentou de férias e esqueceu-se de comunicação empática e colaborante,
entender o ponto de vista da pessoa na relação terapêutica. levar consigo os comprimidos, poderá como se dançasse com a pessoa.
com diabetes sem a julgar: o que está ficar preocupada com a possibilidade Num primeiro momento é crucial
a pensar, qual a sua perceção, o seu Aceitar a pessoa não significa de algum efeito secundário por si o alinhamento, de forma a criar e
referencial de pensamento e o que concordar com ela, significa ainda não identificado. favorecer o relacionamento entre
fundamenta o mesmo (são crenças, conhecer o seu referencial, ambos, e só depois exercer a ação
ideias pré-concebidas, preconceitos? compreender as suas dificuldades Desta forma, é recomendável a de influência, potenciando a reflexão
ou factos, evidências científicas? ou a e evitar a contra-argumentação colocação de perguntas abertas, pelo próprio. Integrar no discurso
experiência vivida?). para uma boa interação numa neutras logo de início e depois a linguagem da própria pessoa,
relação colaborativa. O confronto é vamos afunilando com perguntas devolvendo os critérios que ela
Na empatia emocional, conseguimos sempre contraproducente, apenas fechadas de forma a validar ou demonstrou valorizar, irá potenciar a
perceber o que a pessoa com diabetes contribuindo para aumentar as clarificar informação específica. É sua concordância, por uma questão
está a sentir, o que está a despoletar resistências à mudança. recomendável evitar o “Porquê?” como de coerência interna.
essa emoção e como a mesma está pergunta aberta, pois tenderá a criar
a ser expressa? Implica a observação Um outro facilitador de comunicação uma resposta defensiva. O “Porquê?” No explorar a dissonância, o
atenta da miografia do rosto, da que destacamos é a arte de deve ser substituído por outras profissional de saúde leva a
postura corporal e do comportamento. questionar adequadamente. É aqui perguntas, tais como: “O que o/a leva pessoa com diabetes a clarificar
Perceber as emoções de medo crucial evitar a tendência na utilização a …?” “Como …?”, “Quais os motivos…?”. os seus próprios objetivos, valores
(receio, apreensão), de raiva (quando inicial de perguntas fechadas (que Será relevante, no decorrer do diálogo, e interesses, potenciando a auto-
está zangado) ou de alegria (quando potenciam respostas de sim ou não), lidar com as resistências e explorar consciência da discrepância face ao
expressa agradecimento). pois pode denunciar problemas não as dissonâncias, tendo por base o seu comportamento atual. A perceção
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desta ambivalência face à mudança situações em que a pessoa pode


desejada, pretende potenciar a sua estar a ser mais extensa no seu
iniciativa e criar energia que canalize discurso. Permite ainda ao profissional
para a ação. O objetivo é criar uma de saúde focar e avançar, quando
motivação intrínseca para a mudança: é importante assumir a orientação
“Eu vou mudar porque quero!”.30 É, da comunicação, garantindo o
pois, importante que o profissional de foco e evitando a dispersão quer
saúde explore na pessoa “afirmações por outros temas paralelos e não
de auto-motivação”: “Estou relevantes, quer evitando o ruído de
determinado a cuidar da minha saúde”. uma abordagem mais conflituosa.
Outro facilitador da comunicação é A reformulação permitirá ignorar a
a reformulação, permitindo diminuir linguagem de conflito (insinuação,
significativamente a taxa de erros, ao ataque, intimidação, …) e focar no tema
104 105
confirmar a correta compreensão do central, na situação apresentada e sua
que a pessoa com diabetes transmitiu, proposta de solução.
assim como no clarificar o que o
profissional de saúde transmitiu. Uma técnica específica - a
É aqui crucial verificar a atenção, reformulação em eco, é muito útil na
compreensão e retenção de consulta, ao devolver à pessoa com
informação. Pedir à pessoa com diabetes uma parte do seu discurso,
diabetes para reformular, sintetizando no sentido de a levar a explorar esse
os pontos cruciais do tratamento, tema ou a tomar consciência do
é recomendável, garantindo uma mesmo.
abordagem que não a faça sentir-se
avaliada. Por exemplo: “Ajude-me Simultaneamente, é importante
a recordar, Sr. Manuel, como deve garantir que o esquema terapêutico
fazer o tratamento” ou “Sr. Manuel, visual, para clarificação do tratamento
ficou claro como deve administrar a e auxiliar de memória que a pessoa
insulina? Ajude-me a recapitular. Pode com diabetes leva consigo, é legível
por favor, exemplificar como faz a e compreensível para ela. É decisivo
insulina?”. adequar a linguagem ao nível de
literacia e em particular ao seu nível
A reformulação permite igualmente de literacia na saúde. A validação
sintetizar no que é crucial, nas contínua da adequada compreensão
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e a consciência da previsível inibição ativando o chamado efeito de de não adesão. Aqui é crucial que o já conseguir subir uma escadaria sem
da pessoa em perguntar ou expor Pigmalião: “esperar o melhor das profissional de saúde num primeiro parar. E como isso a faz sentir?
a dúvida ou desconhecimento, vai pessoas pode ser uma profecia que momento agradeça a partilha e a
permitir ao profissional de saúde ir se cumpre por si mesma”.32 Envolver confiança demonstrada, reforçando Deve valorizar-se não somente os
ajustando a sua comunicação, em a pessoa, fazendo-a tomar a iniciativa a importância de transparência na resultados, mas igualmente o esforço
particular na escrita por extenso em de estabelecer os seus próprios relação. A seguir com uma atitude de e a determinação, a expressão da
substituição de siglas, abreviaturas objetivos, reforça o seu sentimento de exploração (com questões abertas e vontade de mudar e a persistência
ou frações (pequeno-almoço em vez autorrealização. neutras) incentivará a pessoa a refletir do seu comportamento. Por exemplo,
de PA, em situação aguda em vez de sobre a situação e a explorar a sua uma pessoa que nunca faltou a uma
SOS, meio comprimido em vez de Quando se fala de mudança ambivalência. consulta deve ser valorizada, mesmo
utilização da fração ½, …). comportamental é crucial termos que não tenha demonstrado até
presente a frase de Terry Neil: “A porta A recolha de feedback e a ao momento um comportamento
Todos estes facilitadores da da mudança só se abre por dentro”. monitorização do processo de de adesão. O profissional de saúde
106 107
comunicação devem estar integrados Nenhuma mudança se efetivará e se evolução permite validar e promover a poderá explorar as “falas de mudança”
numa abordagem motivacional, com instalará se a sua fonte de motivação adesão, demonstrando os benefícios para potenciar a motivação intrínseca
atitude de coach e gestão de uma não for intrínseca à pessoa. Não do tratamento e adequando à mudança – “O que a leva a vir a esta
linguagem positiva para que seja pode estar dependente da pressão continuamente o plano de intervenção consulta? Qual a importância para
potenciada a adesão por parte da ou controle externo por parte do à realidade específica de cada pessoa. si de se sentir mais estabilizado?” –
pessoa com diabetes. profissional de saúde. É crucial o profissional de saúde assim como ao nível de mudanças
reforçar as boas práticas, dar feedback comportamentais – “O que a leva a
Nesta abordagem, o profissional de Em todos os momentos da positivo, celebrar os sucessos no dizer que deve deixar de fumar?”.
saúde deverá suportar a auto-eficácia, consulta há que garantir a clareza reconhecimento e valorização das
levando a pessoa com diabetes a da comunicação, validando a evoluções registadas, fortalecendo Sabendo que é um processo dinâmico
acreditar que a mudança é possível, compreensão, assim como potenciar as competências e a autoconfiança. com evoluções e regressões no nível
a confiar na sua capacidade para a recetividade ao processo de Incentivar as frases de autoafirmação de maturidade (pois mesmo que a
lidar com os obstáculos/bloqueios aprendizagem, associado à auto- reforça a consciência dos benefícios capacitação seja crescente, o nível
e a preservar um comportamento responsabilização. Criar um e das mais-valias da adesão. Por de motivação e de autoconfiança
saudável na sua auto-gestão. contexto de segurança na relação exemplo, numa pessoa que diga será muito flutuante), é crucial ir
terapêutica é essencial para um canal que se sente melhor é crucial que reforçando a auto-eficácia da pessoa
Neste reforço da auto-confiança da aberto e fluente de comunicação, se explore o que a leva a concluir com diabetes, valorizando todos os
pessoa com diabetes são importantes legitimando a pessoa a colocar isso? Que mudanças observou na sua indicadores de autonomia e aceitar,
os reforços positivos e as expectativas todas as questões, a expressar as condição clínica que evidenciam a compreendendo, os momentos em
positivas expressas pelo profissional suas preocupações e objeções e a melhoria do seu estado de saúde? Por que a pessoa com diabetes não tenha
de saúde relativamente à pessoa, partilhar os seus comportamentos exemplo se deixou de fumar, afirma valorizado os cuidados. E porque
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neste processo de adesão também estão implicadas as


medidas gerais – de adequação da alimentação, prática
de exercício físico e a introdução de novos hábitos no
estilo de vida – é crucial o descondicionar de hábitos
existentes e a criação e consolidação de novos hábitos
de vida saudáveis, sendo fundamental a manutenção da
persistência quer por parte da pessoa com diabetes quer
por parte do profissional de saúde. Este deverá preservar a
relação de apoio, garantindo uma “porta aberta” na aliança
terapêutica.

Nesta abordagem motivacional, o processo de decisão


será sempre partilhado entre o profissional de saúde
108 109
e a pessoa com diabetes, com a responsabilização e
envolvimento ativo da pessoa na construção do plano
de ação que será assim customizado à sua realidade,
potenciando uma maior eficácia.

Sendo então a comunicação a principal ferramenta de


influência, a forma como ela se processa na relação
entre o profissional de saúde e a pessoa com diabetes é
absolutamente determinante. Tanto poderá ser uma arma
destrutiva da aliança terapêutica, como poderá ser uma
âncora fulcral em todo o processo, fortalecendo a relação
de parceria num alinhamento para objetivos comuns, num
caminho único que respeite e aceite a individualidade de
cada pessoa e, em particular, o seu nível de literacia em
saúde. A escolha é de cada um de nós, na forma como
integramos este compromisso com o nobre sentido de
missão.
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

COMUNICAÇÃO NA
MONITORIZAÇÃO REMOTA:
PLATAFORMAS E APPS
Rogério Ribeiro e Carme Carrion

112 113
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COMUNICAÇÃO NA O controlo bem-sucedido da capacitação da pessoa, como para os sistemas de saúde,


diabetes depende em grande parte por exemplo, facilitando o fluxo de dados, apoiando
MONITORIZAÇÃO da adoção, sustentada pela pessoa os processos de tomada de decisão, criando múltiplos
REMOTA: PLATAFORMAS com diabetes, de um conjunto de ganhos em eficiência dos sistemas de saúde.7 Aqui, a
E APPS. opções farmacológicas, práticas pandemia de COVID-19 parece ter sido simultaneamente
Rogério Ribeiro diárias de autocuidados e hábitos um impulsionador e um obstáculo, pois criou uma
e Carme Carrion de vida. Infelizmente, lidar com oportunidade inestimável para a adoção da saúde digital,
essas exigências gera uma carga quer para a telemedicina quer para a monitorização
psicológica considerável nas pessoas remota,8, 9 porém com uma capacidade reduzida do
A diabetes continua a ser um dos com diabetes e seus familiares, além sistema para o suporte, acompanhamento e cuidados
maiores desafios globais de Saúde de ser exigente para os profissionais preventivos à diabetes.10
Pública. Este problema faz-se sentir de saúde que os acompanham.5
particularmente em Portugal, com Nos últimos anos, mesmo antes da pandemia, as soluções
114 115
uma taxa de prevalência de diabetes Para responder ao desafio de móveis de saúde (mHealth: dispositivos digitais, aplicações
das mais elevadas da Europa, melhorar os resultados de saúde e plataformas) têm-se multiplicado para proporcionar
afetando atualmente mais de um e reduzir simultaneamente o peso maior capacidade de captura e integração de dados.
milhão de pessoas.1 psicológico da diabetes, os sistemas Embora o impacto dessas ferramentas digitais seja
de saúde demonstram um esforço comummente percecionado como positivo, em aspetos
Por isso, esforços consideráveis têm para desenvolver abordagens como o controlo glicémico, a aquisição de conhecimentos
sido desenvolvidos pelo sistema multidisciplinares e colaborativas, sobre a diabetes, o bem-estar psicológico e os
de saúde nas últimas décadas para promovendo a capacitação e a auto- comportamentos de autocuidado,11, 12 a avaliação objetiva
melhorar o acesso e a qualidade dos eficácia da pessoa com diabetes, dos seus efeitos sobre a gestão da diabetes descrita na
cuidados. No entanto, observamos assim como a comunicação entre literatura tem sido considerada inconsistente.13
que uma proporção considerável diferentes profissionais envolvidos e
de pessoas com diabetes em todo entre estes e a pessoa, tarefas nas Nessa avaliação, foi demonstrado que globalmente
o país ainda não atinge o controlo quais as ferramentas digitais podem a confiabilidade e a usabilidade destas soluções
metabólico adequado para o seu ser fundamentais.6 tecnológicas permanecem deficientes, e que a avaliação
estado de saúde e para a prevenção da sua eficácia permanece limitada, especialmente na
das complicações.2 Neste cenário, a Assim, as plataformas e aplicações maturidade das soluções e na duração dos estudos
perspetiva da saúde digital tem sido digitais são vistas como abrangendo relatados.13 Além disso, muitas soluções foram
uma forte aposta na planificação potenciais benefícios tanto desenvolvidas sem a contribuição dos seus utilizadores
de um ecossistema nacional de para as pessoas com diabetes, pretendidos (ou seja, pessoas com diabetes e profissionais
informação de saúde.3, 4 nomeadamente flexibilidade de de saúde) e podem colocar em risco a equidade devido
acesso, melhoria da comunicação e ao exacerbar da dificuldade de acesso aos cuidados
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provocada pela infoexclusão relativa como mediadores. Além disso, leva à necessidade de reconfigurar sejam “aliciados” a agir, e que com
de parte considerável da população as intervenções educativas, além a forma como a comunicação clínica isso possam criar ambientes com
com diabetes,14 criando um autêntico de sofrerem limitações de tempo, é conduzida. Aqui, as principais significado para si. O significado para
“fosso digital”. tendem a estar alinhadas com perturbações incluem a perda da os utilizadores acontece quando a
iniciativas e materiais massificados, linguagem corporal e das pistas sua personalidade, combinada com
Assim, um dos principais desafios faltando a capacidade de reconhecer vocais, a natureza irrevogável da as suas experiências passadas, é
para promover a adoção de e abordar as necessidades e escrita e a necessidade de criar estimulada nos contextos certos por
mHealth é que esses esforços motivação do paciente.16 espaços e tempo para reflexão e sistemas interativos.24
raramente são integrados na A comunicação eficaz nos cuidados ponderação.21
interação rotineira entre pacientes de saúde na diabetes constitui Aqui, é essencial considerar que uma
e profissionais de saúde, e não uma peça essencial numa relação O papel das ferramentas digitais “solução para todos” torna-se ainda
abordam adequadamente questões terapêutica bem-sucedida.17 Em todo de saúde na promoção de pessoas mais desadequada. Os utilizadores
de equidade e sustentabilidade no o ciclo de vida, tanto na diabetes tipo 1 com diabetes mais informadas e diferem na forma como adotam
116 117
acesso à saúde. Para preencher essa como na tipo 2, a comunicação de alta ativas é baseado em larga medida na tecnologias inovadoras.25 Estudos
lacuna, o design digital é cada vez qualidade entre pacientes e membros articulação de parcerias de cuidados, recentes têm contribuído para uma
mais impulsionado por processos da equipa de acompanhamento de entre o apoio fornecido pelos visão ampliada sobre este modelo,
participativos, para melhor entender saúde tem implicações importantes profissionais de saúde e o contributo propondo novas dimensões para
as barreiras comuns e os facilitadores para o envolvimento de longo prazo e dos pacientes, nomeadamente quanto melhor entender o processo de
sentidos pelas pessoas na adoção de os resultados de saúde.18 às suas vivências e preferências, mudança de comportamento que
comportamentos relacionados com a assim como à implementação de ocorre em cada um dos níveis de
gestão da diabetes.15 A comunicação eletrónica na saúde estratégias de comunicação entre adoção (ou seja, as suas características
há muito que é reconhecida como si.22 Para impulsionar a adoção e o gerais, bem como os facilitadores,
Os processos participativos são vitais uma ferramenta com potencial envolvimento com as ferramentas barreiras e requisitos para a
para o desenho do suporte digital, de melhorar a comunicação entre de saúde digital, o apoio fornecido mudança).26 A identificação de fatores
abrangendo tanto os pacientes quanto os profissionais de saúde e os pelos profissionais/sistemas deve pessoais e clínicos relacionados com
os profissionais de saúde, pois as pacientes.19 No entanto, a adoção de abranger as capacidades de literacia a capacitação de cada pessoa pode
suas necessidades são muitas vezes soluções digitais para apoio remoto digital e a experiência mais ampla do permitir que os profissionais de saúde
discordantes e dependentes da representa também um desafio utilizador, mas também estar ciente e reconheçam as pessoas com diabetes
organização em que se encontram. à comunicação, nomeadamente definir as necessidades do utilizador que mais poderiam beneficiar de uma
Na realidade, as soluções digitais porque a linguagem assume um e os motivos para interação.23 De intervenção baseada em tecnologia,
são geralmente disponibilizadas papel crítico nos cuidados de saúde facto, para projetar um ambiente ou mesmo ajustar a complexidade
às pessoas com diabetes sem em geral.20 Assim, em particular digital favorável à gestão da diabetes, das intervenções disponíveis às
considerar o papel crítico que os no formato remoto assíncrono, a capaz de estimular a participação, probabilidades estimadas de sucesso
profissionais de saúde desempenham utilização de ferramentas digitais é necessário que os utilizadores para cada paciente em específico.27
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Entre esses fatores, a literacia digital em saúde tem


um papel essencial.28 Além disso, esta capacidade de
encontrar, entender, avaliar e aplicar informações de
saúde obtidas através de fontes eletrónicas e aplicar
o conhecimento adquirido para abordar ou resolver
problemas de saúde pode ser ela mesma alvo de
intervenção educacional pelos profissionais em formatos
mais acessíveis entre as pessoas com diabetes, como o
vídeo, potenciando a adoção da saúde digital na gestão da
diabetes.29

Como fica evidente, todas estas estratégias só irão


contribuir efetivamente para apoiar a resiliência da
118 119
pessoa com diabetes e alterar o panorama do controlo
inadequado da diabetes, consequentes complicações e
perda de qualidade de vida, se conseguirem apoiar a sua
capacitação e a motivação.30 Nesta área, os largos recursos
e materiais educacionais existentes para a diabetes podem
ser enquadrados em soluções de mHealth, especialmente
para apoiar intervenções baseadas em teorias
psicossociais e modelos de cuidados crónicos integrados.31

Adicionalmente, a integração de uma perspetiva social, ou


seja, a integração no apoio à gestão da diabetes através
de ferramentas digitais da identificação, articulação e
intervenção nos determinantes sociais da saúde, é vista
como potencialmente benéfica, tanto pelo apoio da
comunidade quanto pelos fenómenos de comparação
social.32 Sendo esta uma área amplamente inexplorada,33
espera-se que isso abra oportunidades para a melhoria
da comunicação entre pessoas com diabetes e os
profissionais que as acompanham e apoiam, e mesmo
entre profissionais de diferentes sectores.34
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A informação relevante para a gestão da diabetes não é parâmetro bioquímico, a hemoglobina glicada (HbA1c).
apenas originada na área da saúde e do apoio social. Na Sendo um parâmetro que reflete um período de cerca de
era atual, pessoas com doenças crónicas, como a diabetes, três meses, esta medida acaba por contribuir para que
estão cada vez mais expostas a informações relacionadas haja tendencialmente uma abordagem “tamanho único”
com saúde através dos meios de comunicação e redes em relação ao aconselhamento sobre estilos de vida. Em
sociais digitais, de forma ativa ou passiva. Esta tornou-se contraponto, foi demonstrado que a inclusão de dados
a principal fonte de informação entre as consultas, e os derivados de sensores usados no dia-a-dia, enquadrados
profissionais de saúde são frequentemente compelidos numa estratégia de apoio educacional, pode conduzir a
a reagir e validar as informações obtidas pelos pacientes. uma melhoria do controlo glicémico, da comunicação
Isso encaixa-se com dificuldade na prática clínica rotineira entre as pessoas com diabetes e os profissionais que
do apoio à gestão da diabetes, pois os profissionais de constituem a sua equipa de saúde, e da satisfação com
saúde acham difícil monitorar e intervir em ambientes o tratamento.39 No entanto, no “mundo real”, há uma
digitais não regulamentados e, de outra forma, aproveitar falta objetiva de dados disponíveis sobre hábitos de
120 121
as redes sociais digitais como uma ferramenta na gestão comportamento e muitos dos parâmetros clínicos, durante
da diabetes.35 os períodos entre as consultas, para informar a tomada de
decisão partilhada na gestão da diabetes. O envolvimento
Por outro lado, o papel do apoio de uma rede de suporte com dispositivos e soluções digitais pode fornecer esses
em ambientes online, muitas vezes impulsionado por dados que, no entanto, ainda precisam ser processados,
pares, é cada vez mais reconhecido como um recurso para resumidos e visualizados para se tornarem utilizáveis
pessoas com diabetes,36 embora seja um recurso que em pelos profissionais e pelos próprios pacientes, refletindo
muitas instâncias é distinto das intervenções de educação as trajetórias de saúde e estilo de vida da pessoa com
em grupo realizadas pelos profissionais de saúde, e que diabetes e, assim, informando ações específicas sobre
coloca eventuais receios de comercialização. Estas novas mudança de comportamento.
formas de organização também colocam novos desafios
em termos de comunicação aos profissionais de saúde, Recentemente, os dados da monitorização contínua
por uma ausência de relação de confiança direta entre a da glicose (CGM) tornaram-se um excelente exemplo.
equipa de saúde e estes agentes.37 As trajetórias de glicose são visualizadas por meio de
uma forma padronizada, ou seja, o gráfico Ambulatory
Embora as principais guidelines internacionais já Glucose Profile, com um grupo específico de variáveis
tenham incorporado um apelo à atenção das equipas para expressar a análise de fenómenos acionáveis,
de saúde no sentido de apoiar e facilitar a mudança de como por exemplo, o intervalo de tempo.40 No entanto,
comportamentos e bem-estar para melhorar os resultados tal abordagem analítica ainda está em falta para outros
de saúde da pessoa com diabetes,38 o controlo da gestão fatores críticos. Por exemplo, nutrição e exercício físico
da diabetes ainda é muito monitorado por um único possuem indicadores definidos por guidelines clínicas,
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que podem ser explorados nessa tarefa, juntando ainda longo da continuidade dos cuidados, inclusivamente entre
indicadores puramente digitais. Estes “biomarcadores instituições e níveis de assistência. Assegurar a qualidade e
digitais” constituem igualmente uma oportunidade para a transparência destas componentes, onde figuram também
predição e o acompanhamento de algumas complicações a validação de sensores inovadores e a validade clínica dos
da diabetes, como o pé diabético.41 algoritmos, a fraca padronização e a insuficiente segurança
dos dados,14 cria o necessário clima de confiança
Neste enquadramento, tem sido proposto que o conducente à adoção das ferramentas digitais. Os serviços
ecossistema fornecido pela mHealth, ou seja, pela de apoio à gestão da diabetes sofrem atualmente uma
Saúde Digital, é ideal para impulsionar a resiliência na transformação, para a inclusão de ferramentas digitais e
gestão da diabetes.42 A captura de dados fisiológicos e para o planeamento de autênticas “clínicas virtuais”, que
comportamentais quantificáveis, por dispositivos digitais, exigem a reformulação dos fluxos de trabalho.46 Isto inclui
pode ser projetada para ser traduzida num “fenótipo a possibilidade de os profissionais de saúde prescreverem
digital” personalizado,43 o que já tem sido implementado a utilização de plataformas e aplicações digitais, um
122 123
com assinalável sucesso para fornecer conselhos aconselhamento que deverá ser realizado em alinhamento
informados que originam ações concretas tanto das com a opinião das pessoas com diabetes.47
pessoas com doença como dos profissionais de saúde,
em outras doenças crónicas além da diabetes.44 Portanto, Apesar de, e devido a, toda esta evolução, permanecem
a “fenotipagem digital”, realizada ao longo do tempo, ainda muitas questões regulamentares quanto a estas
incorporando dados através de medicina de sistemas, ferramentas digitais e às intervenções nelas baseadas.48
pode permitir identificar trajetórias específicas de saúde Tratam-se de questões relacionadas com a validação
e comportamento, avaliar intervenções atuais, sinalizar e certificação das plataformas e dispositivos digitais, a
necessidades não atendidas das pessoas com diabetes normalização dos procedimentos, a ética e a proteção
e informar a orientação personalizada para o suporte ao de dados, fatores que influem decisivamente na adoção
controlo da gestão da diabetes,45 enriquecendo e ajudando das soluções digitais.49 Assim, a atual proliferação do uso
a avaliar o impacto da comunicação eficaz. da saúde digital torna necessário o uso de frameworks,
modelos e ferramentas avaliativas para conhecer a sua
Nestes processos, há várias componentes técnicas aceitabilidade, viabilidade, usabilidade, confiabilidade,
que jogam um papel primordial, nomeadamente a eficiência, eficácia e segurança, entre outros.50 Nestes
interoperabilidade e a portabilidade.7 Os profissionais temas também se incluem o impacto económico e social,
necessitam que à multiplicidade de dados deixe de nomeadamente os modelos de pagamento. Sobre isso, e
corresponder uma multiplicidade de plataformas o potencial da futura comparticipação pelos sistemas de
informáticas, enquanto as pessoas com doença crónica saúde da utilização destas aplicações digitais para o apoio
precisam de estar no centro da gestão dos seus dados à gestão da diabetes, surgiu recentemente na Alemanha
de saúde, e que os mesmos as possam acompanhar ao um modelo de comparticipação provisória para obtenção
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

de evidência em ambiente de mundo real, apelidado DiGA,


que tem sido considerado particularmente promissor.7

Presentemente, aumenta a pressão social para a


transformação digital dos serviços, onde se inclui a
Saúde. A assunção do benefício provocado por essa
transformação é vista de forma supra-nacional, como por
exemplo através do desenvolvimento atual do Espaço
Europeu de Dados de Saúde, uma forma de potenciar a
investigação em Saúde Pública e medicina de precisão,51
assim como da utilização crescente da inteligência
artificial. Todos estes desenvolvimentos, apesar da
perceção geral do seu benefício, requerem de pessoas
124 125
com diabetes e de profissionais de saúde um conjunto
de novas competências, especialmente em termos das
competências de comunicação.52 Não nos podemos
esquecer que, tal como nas interações presenciais, o
estabelecimento de uma relação empática é um pilar
essencial de uma educação terapêutica eficaz mantida
através de comunicação digital.53
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MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

A COMUNICAÇÃO
NA CONSULTA PRESENCIAL
Albertina Dias, Paula Almeida, Vítor Duarte

130 131
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

A COMUNICAÇÃO NA estudos mostram melhores resultados comunicação.5 Esta é um processo complexo que se
de saúde, melhor satisfação e concretiza numa teia de comportamentos verbais e
CONSULTA PRESENCIAL. adesão ao tratamento, bem como não verbais, num dado contexto. Watzlawick e Bateson,
Albertina Dias, Paula Almeida,
níveis reduzidos de desconforto e pioneiros do estudo da comunicação humana, defendem
Vítor Duarte
preocupação, e melhoria da saúde que todo o comportamento é uma forma de comunicação,
mental.3 A comunicação é um dos e o primeiro axioma proposto é que “não se pode não
pilares fundamentais do processo comunicar”.6 Assim, sendo impossível não comunicar e,
A consulta presencial pressupõe a
de cuidados. Comunicar é um fator- acreditando que toda a comunicação tem consequências,
interação do profissional de saúde
chave na literacia em saúde para é fundamental que todos os profissionais tenham
num mesmo espaço físico e em
que as pessoas consigam aceder, consciência que os seus comportamentos têm impacto
simultâneo com a pessoa que o
compreender e usar a informação que nas pessoas de quem cuidam, nos seus cuidadores e nos
procura com um objetivo terapêutico.
recebem, por forma a tomarem as outros profissionais da equipa, e que tenham a consciência
Este é o momento em que o
melhores decisões sobre a sua saúde.4 de que as competências de comunicação interpessoal são
132 profissional, ao “estar com” a pessoa, 133
fundamentais em toda a prática clínica, em especial nas
tem a possibilidade de perceber as
Na relação terapêutica, profissional de especialidades intensamente relacionais, como é o caso
suas necessidades e é a circunstância,
saúde e paciente interagem para que de todo o processo de educação terapêutica na diabetes.5
por excelência, para estabelecer
se fundamentem as espectativas e se
planos de cuidados conjuntos que
obtenham consequências e resultados Baseado nestes pressupostos, a consulta presencial
façam sentido para ambos.1 A pessoa
que promovam o entendimento deve assumir um contorno de entrevista clínica onde se
com diabetes não é necessariamente
para a ação, com vista a melhores estabelece uma relação interpessoal, entre um ou mais
uma pessoa doente, deve ser vista
resultados em saúde. É através indivíduos, e onde está associado a aplicação de técnicas
como uma pessoa que tem uma
da comunicação que se exploram com um fim último de diagnosticar e ajudar a pessoa
doença crónica, que pode e deve
e valorizam sintomas, emoções, a restabelecer o seu equilíbrio.6, 7 Assim, deverá haver
viver a sua vida, em parceria e com
sentimentos e preocupações, que se uma conjugação da relação humana com habilidades
o controlo do seu diagnóstico. No
identificam e modelam espectativas, técnicas. Importa clarificar que, embora a entrevista clínica
entanto, a sua vigilância de saúde
que se dão explicações, que se lida utilizada na consulta não deixe de ser uma conversa, não
pressupõe a frequência de consultas
com motivações e que se acordam se confunde com esta porque tem características próprias
presenciais e elas deverão ser um
planos terapêuticos, isto é, que se e a sua condução dentro da consulta presencial requer
momento de partilha, no sentido da
constrói um clima terapêutico e técnicas especificas, competências adquiridas e treino
adesão ao tratamento e da melhoria
uma relação profissional de ajuda.5 (Tabela 1).
da qualidade de vida.2
A relação e comunicação, sendo
entidades distintas, são indissociáveis
A comunicação adequada e centrada
uma vez que a relação se constrói
na pessoa é essencial para a prática
e manifesta em grande parte pela
clínica de alta qualidade3 e muitos
MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES MANUAL DE COMUNICAÇÃO EFICAZ NA DIABETES

Tabela 1 - Características da entrevista clínica e da conversa vulgar Tabela 2- Tarefas da consulta de acordo com Pendleton

CONVERSA VULGAR ENTREVISTA CLÍNICA 1) Definir o motivo para o paciente vir à consulta;
Não tem foco Centrado na pessoa 2) Considerar outros problemas;
A conversa aborda os interesses Ocupa-se dos problemas da pessoa 3) Escolher com o paciente uma atuação apropriada para cada problema;
de ambos os interlocutores e de mais ninguém 4) Atingir uma compreensão dos problemas partilhada com o utente;
Sem agenda definida Com tema definido Envolver o utente no tratamento, aconselhá-lo e encorajá-lo a aceitar a
5)
O profissional estrutura a conversa responsabilidade.
A atenção é partilhada igualmente
de modo a ser o mais útil possível
pelas duas partes Fonte: Adaptado de Nunes, 20106
para a pessoa
Ocorre em qualquer local e hora Ocorre em local e hora definidos Tabela 3 – Passos da consulta de acordo com Larsen
134 Começa e acaba quando 135
Tem um tempo definido
os dois determinam P Pré-consulta (Prior to consultation)
Fonte: Adaptado de Nunes, 2010
6
R Inicio da Relação (Relationship)
A Avaliar Ansiedade (Anxieties)
C Estabelecer Linguagem Comum (Common)
T Traduzir da linguagem vernácula para a médica (Translating)
I Interagir (Interaction)
Alguns autores descrevem a consulta como uma sucessão
de fases em que se cumprem passos específicos, enquanto C Converter insigth em ação (Converting)
outros consideram uma sucessão de tarefas a cumprir sem A Verificar Acordo (Agreement check)
respeitar tempos.6 Estas descrições são sempre artificiais
L Encerrar a consulta (Leave from consultation)
e percebemos que cada uma não consegue abarcar
toda a complexidade da entrevista clínica, razão por que Fonte: Adaptado de Nunes, 20106

existem várias. Se, por um lado, cada consulta possui


uma individualidade e especificidade únicas, por outro
sabemos que a estrutura e o modelo configuram propósito
e objetividade. Representativo da opção de descrever a
consulta segundo as diferentes tarefas a executar é a obra
de Pendleton et al. (Tabela 2) e a sucessão cronológica
de estratégias em nove passos de Larsen et al. (Tabela 3)
representado pela mnemónica PRATICAL.6
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Tendo por base o método clínico centrado na pessoa, Figura 1 – Modelo de desenvolvimento da entrevista clínica
Ramos (2009) subdivide a “consulta em 7 passos”
designadamente: preparação, primeiros minutos,
exploração, analise e contextualização, avaliação, plano,

ENCONTRO
encerramento e reflexão final.8 Outros autores reduzem
Primeiro
para cinco os momentos estruturais: INÍCIO Preparação
contacto
1) fase preparatória,
2) fase de abertura ou contacto,
3) fase exploratória ou de deteção,

CONHECER
4) fase resolutiva ou de manejo,
Perspectiva Colheita de

OUTRO
5) fase encerramento ou fecho.6
da pessoa informação*

CONSTRUIR A RELAÇÃO
Neste contexto facilmente percebemos que qualquer que
136 137
seja a descrição ou estrutura que sigamos, ela apenas
configura um mapa para orientação de um determinado

ESTRATÉGIAS PARA A DECISÃO


COMPREENSÃO PARTILHADA/
caminho, por forma que, se sairmos do caminho, possamos
retomar outra via para não nos afastarmos do nosso
objetivo terapêutico.
Explicação Planeamento Negociação
A nossa abordagem vai ser baseada no Calgary-
Cambridge Model,9 nos vários estudos e autores e na
nossa experiência enquanto educadores. Iremos descrever
as diferentes fases da consulta e os correspondentes
aspetos a alcançar em cada uma delas, bem como as
técnicas de comunicação a utilizar1. Em termos práticos
consideraremos a consulta composta por quatro fases:

SEPARAÇÃO
Encontro, Conhecer o outro, Compreensão partilhada/ ENCERRAMENTO Reflexão
Estratégias para a decisão e a Separação. Este modelo
centra-se na singularidade da pessoa, na relação
terapêutica e no contexto em que tudo acontece (Figura 1).

Fonte: Elaborado com base em Kurts (1966)9 e Ramos (2009)8


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ENCONTRO O ambiente de consulta deve ser cuidado e agradável,3


pois demonstra de imediato respeito e atenção a quem
A PREPARAÇÃO é acolhido. O conceito de “estética organizacional” foi
introduzido por Warren10 para nomear a experiência
Para uma consulta bem-sucedida é importante que o estética no local de trabalho e o seu impacto no
profissional de saúde consiga fazer uma antecipação do desempenho profissional. O local de consulta deve traduzir
que o espera e deve prever as dificuldades, os meios a as a vontade de contribuir para a construção da relação de
estratégias para as ultrapassar.6 Esta preparação torna-se confiança, facilitadora da boa prática do profissional e
essencial perante a continuação de encontros anteriores. facilitadora da pessoa revelar as suas ideias e angústias.10
A análise do processo clínico, bem como a associação de
memórias de encontros anteriores permite tornar o doente O equipamento informático deve estar bem colocado, para
virtualmente presente (ex: lembrar o nome pelo qual minimizar a barreira visual, ser testado e autossuficiente
gosta de ser tratado), os seus familiares, e listar os atos desde o registo até à impressão para diminuir falhas
138 139
que ficaram pendentes e as ações que foram acordadas.6 e interrupções. O número crescente de plataformas
É nesta fase de preparação que o profissional avalia os agregadoras de dados sobre a autovigilância da diabetes
recursos e as condições para a interação que vai suceder. e a diversidade de aplicações (Apps) onde as pessoas
Na construção (primeira vez) ou recuperação da memória agregam e partilham os dados sobre o tratamento e
da pessoa, dos seus problemas e do plano que foi estilo de vida pressupõe, na maioria das vezes, uma pré-
estabelecido (nas seguintes) vai elaborando a sua agenda, análise antes da consulta, preparando o profissional para
tentando sempre preservar a plasticidade,6 para integrar os a compreensão da informação disponibilizada, sendo
reais problemas que a pessoa traga consigo. este um enorme desafio que se coloca aos profissionais.
Os milhões de dados produzidos entre consultas são
Além disso é fundamental que o profissional se prepare importantes para as decisões terapêuticas, mas eles têm
antes de iniciar cada atendimento, na medida em que rever que ser analisados previamente e depois contextualizados
as suas próprias condições física e emocional permite-lhe na presença da pessoa.
maior disponibilidade para iniciar uma trajetória no sentido
do outro.3 Coisas simples como hidratar-se ou ir à casa de A disposição da mesa e das cadeiras deve ser calculada,9
banho podem tornar-se importantíssimas para garantir permitindo o olhar entre os dois, e a distância deve ser
o seu bem-estar e conseguir estar disponível durante medida de forma a permitir o toque terapêutico (se a ele
todo o tempo da consulta. Deve ainda fazer um apelo à houver lugar). A organização dos materiais, tanto de exame
autoconsciência e autoconhecimento para proceder à físico (ex: balança e fita métrica) como para demonstração
descontaminação de emoções alheias à presente relação nas sessões de instrução e treino (ex: glucómetro ou
e minimizar a possibilidade de ruídos, interferências e alimentos), traduz preocupação e uma imagem de que
interrupções. tudo está pronto para responder às necessidades da
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pessoa que é acolhida.1 Dentro de cada gabinete deverão - da aparência física - Respondemos mais favoravelmente às
estar cuidadosamente arrumados e identificados todos pessoas atraentes;[6] na escola o aluno atraente é mais provável
de encontrar compreensão e ajuda do professor; no tribunal o
os materiais existentes, para se poder fazer uma escolha
réu descuidado e repulsivo tem tendência a receber penas mais
tranquila sem ter que ir buscar um dispositivo a outro
pesadas que outro atraente com crimes idênticos; nas repartições
gabinete e sem ser interrompido por outros profissionais publicas ir bem vestido ou descuidado determina diferentes
que vêm buscar algo. Os folhetos informativos, físicos formas de ser atendido. Este conhecimento é importante ao
ou digitais, devem estar acessíveis para evitar a quebra profissional para evitar que o “preconceito” não cegue a sua
no fluxo de raciocínio tanto do profissional como da atuação e conduta.
pessoa.1 Por último, todo o lugar de consulta deve ser
privado e devem ser minimizadas as barreiras do ruído, da Este é o momento que determina o clima emocional e a
interrupção física ou por telefone, pois qualquer uma delas concentração que irão permanecer durante toda a consulta.4,
provoca perda de conexão entre os dois interlocutores.1
11
No caso de um primeiro encontro, a apresentação do
nome e função do profissional é essencial, pois transmite
140 141
segurança e pode iniciar um vínculo.3 Embora para os autores
PRIMEIRO CONTACTO seja unânime que este é o momento por excelência dado
ao doente, é nesta fase que se fazem as enunciações das
O primeiro minuto da consulta tem um enorme valor perguntas, dos assuntos a tratar nessa consulta, do tempo
simbólico. O profissional de saúde deve ser acolhedor disponível e sobre o método que vamos adotar.3 Este passo
e deixar a pessoa à vontade. Para isso é importante é importantíssimo nas sessões de instrução e treino, pois
demonstrar nos primeiros minutos que a pessoa é o centro nada é mais ineficaz do que tentarmos a aquisição de
do seu cuidado e que a atenção está toda voltada para conhecimentos ou estabelecimento de metas quando a
ela e não para papéis ou para o computador.3 Receber a pessoa está permanentemente a olhar para o relógio. Não
pessoa com o seu nome, preferencialmente à porta do ter disponibilidade de tempo nesse dia permite circunscrever
consultório, de forma afável vai criar um clima de confiança a consulta ao básico, encurtar o tempo gasto e orienta para
e à vontade que facilitará todo o processo. Este é o nova marcação no dia que ambos tiverem disponibilidade.
momento:3 Assim, poupamos tempo, o profissional poupa energia e
- do primeiro olhar a pessoa sente-se respeitada – aumenta a satisfação de
Olhar diretamente com um sorriso – exprime amizade, confiança, ambos.
conforto;
Olhar para o chão (evita olhar direto) – exprime desconforto;
Este é o momento do encontro de agendas: a do
Olhar direto de sobrolho franzido – exprime agressividade, raiva;
Olhar atento para os pormenores pode ser facilitador da
profissional e a da pessoa.4,12 Estas deverão coexistir, sob
condução da consulta e pode mesmo determinar ajuste ou uma pena de defraudar a expectativas da pessoa e diminuir a
inversão da agenda inicialmente preparada. efetividade da consulta.
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CONHECER O OUTRO Ao evitar interromper, o profissional precisará fazer menos


perguntas depois. Assim, deve concentrar-se na procura
COLHEITA DE INFORMAÇÃO / PERSPETIVA DA PESSOA de ideias e preocupações e as perguntas abertas devem ir
fechando progressivamente, mas de forma que a pessoa
Nesta fase acontece a exploração dos problemas/ continue o seu relato.1 Deve ainda haver lugar a clarificação
necessidades, considerando sempre a perspetiva da de frases que possam deixar dúvidas, resumos parciais e
pessoa. Falamos particularmente de uma consulta onde se o uso de linguagem acessível e concisa, evitando jargões
irão abordar aspetos no contexto de uma doença crónica, (Figura 2).
visando a adesão a um plano terapêutico e a integração ou
modificação de atividades da vida da pessoa.6 Assim toda Figura 2 - Representação de comunicação partilhada
a colheita de informação deve ser centrada na perspetiva
da pessoa, pois será ela a implementadora das propostas
resultantes da consulta de educação terapêutica.11 As
142 143
perguntas iniciais devem ser abertas, mas focadas na
agenda inicialmente acordada.3

Se, por um lado, devem ser evitadas as perguntas muitos


gerais, nomeadamente: “Como está?”, “Como correu o
tratamento?”, “Correu tudo bem?”, por outro deve dar-se
primazia a questões como: “O que mais o preocupa hoje?”,
“Sobre o… quais são as suas maiores dificuldades com…?”,
“Do que acordámos, o que foi mais difícil…?”, ” Acerca
de… o que conseguiu fazer…?”, com as quais ganhamos
direção.3 Estas perguntas dão liberdade para a pessoa
falar, mas circunscrevem o assunto para evitar a fuga.
Aqui recomenda-se que o profissional procure situar-se
no mundo da pessoa podendo não iniciar desde logo o
raciocínio clínico. Não existe regra fixa para o tempo que se
deve deixar a pessoa falar, mas está provado que quando
não é interrompida fala, por regra, durante cerca de dois
minutos, o que aumenta a probabilidade de expor os seus
medos ou preocupações. Assim, a reação do profissional
de interrupção aos 15 a 20 segundos deverá ser modulada,
pois esse será um tempo ganho a favor dos dois.3, 6, 11
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É frequente que na consulta/sessão de grupo a pessoa Durante esta fase, o profissional pode socorrer-se de várias
venha com acompanhante. Este, embora assumido como técnicas de apoio à narrativa[6] e, embora elas não sejam
pessoa significativa e parceira de cuidados, pode interferir exclusivas desta fase, iremos enumerá-las aqui, dada a
de forma a enviesar a comunicação dentro da consulta sua importância para facilitar a verbalização de ideias e de
(Tabela 4). expectativas:
a) Baixa reatividade: quanto maior for o tempo deixado
Tabela 4 - O acompanhante na consulta presencial pelo profissional para a pessoa falar, melhor ela
verbalizará a sua história;
Acompanhante b) Perguntas abertas: dão mais informação na unidade
Estratégia de tempo, envolvem a pessoa na entrevista, podendo
(comportamento)
ela exprimir preocupação e ansiedade acerca do seu
Intrometido - Esvaziamento da interferência: dar liberdade de
(dominador ou protetor): expressão para esvaziar os conteúdos ansiogénicos problema;
(ex: “tem uma ideia concreta do que poderíamos fazer?”. c) Silêncios funcionais: silêncios rápidos são involuntários,
144 - dar instruções ao Se for uma relação dominadora carece de outras técnicas; 145
silêncios lentos são voluntários;
profissional
(ex: “não era melhor ele fazer - Pacto de intervenção: consiste em propor um pacto d) Facilitações: é preciso demonstrar por meios verbais e
comprimidos do que insulina?”; (ex: “se estiver de acordo conta-me o que aconteceu e depois não verbais que está disponível e quer ouvir a história.
vou ouvir o seu marido sem interrupções. Concorda?”
- contestar pela pessoa Verbais: ”hum, hum” ,“continue, continue”, “estou a ouvi-
(ex: “conta que não te tens dado
Requer assertividade por parte do profissional;
lo”. Não verbais: acenos de cabeça que incitam a pessoa
bem com a nova insulina”; - Técnica da ponte: consiste em fazer a ponte entre aquilo a falar.
- induzir respostas ao doente que o acompanhante disse e a opinião da pessoa.
e) Empatia: primeiro a interiorização da situação emocional
(ex: “ontem disseste que não te “O que pensa o Sr.… sobre o que a sua esposa acabou de dizer?”;
entendes com essa caneta…”; da pessoa e, segundo, dar a conhecer à pessoa que a
- Marcação de novo contacto: por vezes, mesmo
compreende;
- controlar a consulta utilizando algumas técnicas, torna-se impossível
(ex: “vá mostra lá o livro f) Pedir exemplos: permite colher uma ideia mais precisa
prosseguir com o objetivo da consulta, sendo
dos registos…”; imperioso formalizar outro encontro. inserida num contexto psíquico e social.
Passivo: A “ativação” faz-se com a técnica da ponte em sentido
Frequentemente fica na sala contrário, pedindo a opinião.
de espera, mas, se entra no (ex: “Sr. ... o que pensa sobre a D. … fazer uma dose de insulina
gabinete, fica calado como se também à noite?”;
não estivesse presente. Evita
envolver-se no problema.

Fonte: Elaborado com base em Nunes, 20106


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COMPREENSÃO PARTILHADA/ESTRATÉGIAS
PARA A DECISÃO

EXPLICAÇÃO/DEMONSTRAÇÃO, PLANEAMENTO E
NEGOCIAÇÃO

Por mais brilhante, completo e eficaz que seja o nosso


plano, ele não será proveitoso se a pessoa não o aplicar.6
Assim, parece-nos importante referenciar algumas
técnicas de informação que serão de grande utilidade
tanto na consulta presencial como nas sessões de
instrução e treino.

146 147
Técnicas de informação:
a) Transparência – deve ser utilizada toda a informação
disponível;
b) Colocação em cena (Figura 3) - oportunidade, dosear a
informação (doses assimiláveis), pausas (precisamos de
processar a informação), ritmo e dicção clara (adequar
a velocidade com que se dizem as palavras), contacto
visual, atenção à linguagem não verbal.

Figura 3 - Colocação em cena (Técnicas de informação)

contacto
visual ritmo e
dicção clara
linguagem dosear a
não verbal informação
oportunidade
pausas

Fonte: Elaborado com base em Nunes, 20106


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Apresentação da informação6: k) Respeitar a autoestima da pessoa – tudo o que for dito/


a) R  egra de 3 – consiste em dizer o que vai ser exposto, ensinado deve ser no sentido de valorização da pessoa,
depois faz-se a descrição e em seguida a síntese utilizando o encorajamento e o reforço positivo;
daquilo que foi dito. Técnica muito usada nos telejornais: l) Resumir e comprovar a assimilação – a melhor forma de
o locutor apresenta a notícia, transmite a notícia e sabermos se a pessoa compreendeu é esta fazer um
posteriormente faz um resumo; resumo da informação;
b) E  nunciar – apresentar o tema e como o vamos abordar m) Comunicar o risco.
é um fator determinante para captar a atenção do
interlocutor (ex: “Hoje vai aprender a dar insulina, vou A tomada de decisão na consulta presencial, da qual será
mostrar a caneta e vai fazer a primeira administração”); elaborado um plano que irá acompanhar a pessoa até nova
c) F  rases curtas – frases curtas, com menos de 20 palavras, consulta, deverá ser sempre resultante de um processo
são mais fáceis de apreender a mensagem; de negociação.6, 9 Este processo pressupõe que ambos
d) E  vitar tecnicismos – o vocabulário deve aproximar-se do (pessoa e profissional) partilhem ideias, informações e
148 149
meio cultural da pessoa; opções para adquirirem um consenso. O plano torna-se
e) C  oncatenação de ideias – na conjugação de frases, a tão mais perfeito quanto mais capaz a pessoa for de o
ideia anterior encadeia na seguinte; executar. É através da negociação que cada interveniente
f) Ordenar – numa lista de instruções, a primeira e a última decide o que pode dar e receber, envolvendo este
são as que mais facilmente se recorda. Assim, deve processo a troca de propostas seguras e garantias de que
guardar-se o mais importante para o início ou para o fim; o plano possa ser cumprido. Por exemplo: é preferível uma
g) Escrever – mais de 60% do que foi dito não irá ser administração de insulina/dia, uma vez que a pessoa se
lembrado. Deve complementar-se a comunicação com mostra incapaz de fazer duas administrações/dia. Fica
resumo escrito dos principais passos; explícito, acordado e escrito que será uma administração/
h) S  er concreto e preciso – evitar instruções vagas, seja tão dia até nova consulta.
claro e preciso quanto possível;
i) Ilustrar, exemplificar e demonstrar – reforçar a
informação com esquemas, analogias ou metáforas.
Utilizar a “técnica da demonstração” com o material e
equipamento prescrito que será usado pela pessoa em
casa; nada melhor do que aprender fazendo;
j) R acionalidade – explicar o fundamento de uma
terapêutica. Por exemplo: “fazer insulina vai permitir ao
seu organismo utilizar a glicose, assim vai sentir menos
cansaço”;
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SEPARAÇÃO 1. Frederico C, Campos C, Izabel I, et al. Qual Guia de Comunicação na Consulta Médica É o Mais
Adequado para o Ensino de Habilidades Comunicacionais na Atenção Primária à Saúde Brasileira?
Revista Brasileira de Educação Médica. 2018; 42(3): 108–18.
REFLEXÃO E ENCERRAMENTO https://doi.org/10.1590/1981-52712015v42n2RB20170138
2. Schultz AA, Wad JL, Willaing I, et al. Achieving a useful and person-centred diabetes consultation
is a shared responsibility between diabetologists and people with diabetes: a qualitative study of
Nesta última fase do encontro terapêutico é importante
perspectives from people with type 1 diabetes. Diabetic Medicine. 2021; 38(6): e14382.
que o profissional sinalize que a consulta está a chegar ao https://doi.org/10.1111/dme.14382
fim.1 Deve ser realizado um sumário das preocupações e 3. Dhoms M, & Gusso G. Comunicação Clínica: aperfeiçoando os encontros em saúde. 1a edição. Vol.
dos pontos de acordo, e deve ser feita a validação de que 1. Porto Alegre: Artmed; 2021.

a informação foi compreendida e complementada com o 4. Vaz de Almeida C. Modelo de comunicação em saúde ACP: as competências de comunicação no
cerne de uma literacia em saúde transversal, holística e prática. Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 201.
plano escrito.6 Pode e deve validar-se a rede de suporte pp. 43-52 http://hdl.handle.net/10400.12/7662
escolhida. Deve ainda verificar-se se ficou alguma dúvida e,
5. Carrapiço E, & Ramos V. A comunicação na consulta. Uma proposta prática para o seu
se ela persistir e for importante, pode ser o mote para um aperfeiçoamento contínuo. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. 2012; 28(3): 212–22.
novo encontro (ex: “Agora que já sei fazer insulina posso https://doi.org/10.32385/rpmgf.v28i3.10943
150 151
continuar a fazer a mesma alimentação?”; “Sinto que tem 6. Nunes JMM. Comunicação em contexto clínico. 1st edition. Lisboa: Bayer Health; 2010. Available
at: https://www.mgfamiliar.net/itemgenerico/comunicacao-em-contexto-clinico/
dúvidas sobre como adaptar o seu plano alimentar com
7. Nunes AM. A importância da comunicação com profissionais de saúde: o olhar dos usuários na
a administração de insulina. Vamos marcar uma consulta atenção primária à saúde no interior de Portugal. Saúde Redes. 2019; 5(2): 113–21.
para revermos o plano e falarmos sobre isso. Concorda? https://doi.org/10.18310/2446-4813.2019v5n2p113-121
Quando está disponível?”. 8. Ramos V. A consulta em 7 passos. Execução e análise crítica de consultas em Medicina Geral e
Familiar. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. 2009; 25(2): 208–20.
https://doi.org/10.32385/rpmgf.v25i2.10609
Por fim é importante que o profissional encerre a consulta,
9. Kurtz SM, & Silverman JD. The Calgary-Cambridge Referenced Observation Guides: an aid to
indicando esse momento verbalmente, por meio de um defining the curriculum and organizing the teaching in communication training programmes.
olhar ou de um cumprimento.6,10 Levantar-se e acompanhar Medical Education. 1996; 30(2): 83–9. https://doi.org/10.1111/j.1365-2923.1996.tb00724.x
a pessoa à porta finaliza um momento personalizado e 10. Nunes JM. A abertura da consulta. O fim está no princípio. Revista Portuguesa de Clínica Geral.
2009; 25(2): 199–207. https://doi.org/10.32385/rpmgf.v25i2.10608
cimenta a relação de segurança que deverá acompanhar a
pessoa na concretização do que ficou estabelecido. 11. Wenceslau LD, Fonseca VKT, Dutra A, et al. Um roteiro de entrevista clínica centrada na pessoa
para a graduação médica. Revista Brasileira de Medicina de Familia e Comunidade. 2020; 15(42):
2154–2154. https://doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2154
12. Chadwick R. General practice: How important is the face-to-face consultation? Bioethics. 2022;
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ: REVISÕES E REFLEXÕES

A COMUNICAÇÃO EFICAZ
NA CONSULTA REMOTA |
TELECONSULTA DE DIABETES
Rita Nortadas e Márcia Leitão

152 153
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A COMUNICAÇÃO EFICAZ No entanto, numa altura em que requer o recurso a conhecimentos respeitar os princípios de igualdade,
os sistemas de saúde apresentam científicos, habilidades e capacidades equivalência, voluntariedade, rigor,
NA CONSULTA REMOTA dificuldade para dar resposta às comunicacionais de toda a equipa humanização, confidencialidade
| TELECONSULTA DE necessidades da população e em multidisciplinar. e proteção de dados. Para o bom
DIABETES manter a sua viabilidade, a Saúde cumprimento destes princípios, a
Rita Nortadas e Márcia Leitão Digital no geral, e a Telemedicina em Segundo o guia de recomendações Teleconsulta deve ser realizada por
particular, ganha relevo ao apresentar- da Ordem dos Enfermeiros, a videochamada, salvo em situações
se como uma solução inovadora e Teleconsulta é uma consulta na qual pontuais de constrangimento
1. SAÚDE DIGITAL, TELEMEDICINA sustentável. Em complementaridade o profissional de saúde, à distância técnico em que pode ser substituída
E TELECONSULTA com o método tradicional, e com recurso às tecnologias de por chamada telefónica para não
este modelo deverá contribuir informação e comunicação, avalia prejuízo do próprio. Por outro lado,
A tecnologia digital tem apresentado potencialmente para melhorar o a situação clínica de uma pessoa existe um conceito diferente - a
um crescimento exponencial nas acesso aos cuidados de saúde, e procede ao planeamento da Telemonitorização - que consiste
154 155
últimas décadas e prevê-se que esta aproximando o cidadão dos sistemas prestação de cuidados de saúde, num recurso tecnológico que pode
tendência se mantenha nos próximos de saúde e reduzindo desigualdades sendo possível decorrer em tempo estar integrado na modalidade da
anos. A evolução digital no âmbito da geográficas, assim como melhorar a real (Síncrona), simulando a consulta Teleconsulta para complementar a
saúde também tem acompanhado articulação entre os diferentes níveis presencial, ou em tempo diferido informação prestada pelos utentes
esta tendência, no entanto o processo de cuidados, reduzir despesa e custos (Assíncrona).5 e para conferir objetividade à análise
de transformação tem decorrido associados à manutenção da saúde e e decisão clínica. Consiste na
de forma assimétrica nas diferentes ao tratamento em caso doença.2, 3 A Teleconsulta apresenta-se monitorização remota consentida de
áreas. como um modelo de consulta registos clínicos e parâmetros vitais,
Segundo a definição da OMS, a complementar à consulta presencial, permitindo o acompanhamento clínico
A Saúde Digital é um conceito amplo modalidade de Teleconsulta é a e tem como objetivos responder contínuo ou intermitente do utente por
que engloba vários níveis de atuação consulta realizada por profissionais às necessidades da população, parte da equipa de saúde. Apresenta
na saúde, incluindo a prática clínica de saúde à distância com recurso melhorar a vigilância clínica, facilitar como benefício o fornecimento de
diária nas suas diversas vertentes, às tecnologias de informação e a comunicação com as pessoas com dados acrescidos que facilitam a
a articulação e comunicação entre comunicação (TICs), que se encontra diabetes e com os seus cuidadores, intervenção e a individualização
estruturas, profissionais e instituições, legalmente enquadrada no conceito dinamizar a consultoria e debate de de cuidados à distância, com
a formação, educação e literacia de Telemedicina e regulamentada casos clínicos interpares, encurtar tomada de decisões mais precisas,
da comunidade, a interligação de pela Norma da DGS 010/2015.2, 4 distâncias, flexibilizar horários, diminuir otimização terapêutica, promoção
sistemas informáticos eletrónicos, Assim, a Teleconsulta, enquadrada a despesa e custos associados do conhecimento e da autonomia da
bases de dados e análise de big na Tele-saúde, constitui um meio de às deslocações e contribuir para pessoa com diabetes e cuidadores
data.1, 2 ligação, efetuado à distância, que mais tempo livre de qualidade. É (familiares, professores, educadores,
permite atividades de relação que um ato clínico e, como tal, deve técnicos, outros profissionais de
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saúde, etc.). Pode também conduzir 2. TELECONSULTA DE DIABETES: No primeiro momento, pré-consulta, o profissional de
indiretamente a uma melhor gestão CARACTERÍSTICAS E ESTRUTURA saúde deverá informar o utente, em contacto prévio, do
de recursos humanos e físicos e objetivo e do modo de funcionamento, material necessário
melhorar o bem-estar e satisfação A Teleconsulta é uma arma fulcral da consulta à distância e obter o seu consentimento
das pessoas e dos profissionais de na prestação de cuidados de saúde informado.
saúde envolvidos nos processos de integrados, nomeadamente na
abordagem de doenças crónicas diabetes pela sua complexidade, E aqui começa já um processo de decisão partilhada, no
como a diabetes.6, 7, 8 cronicidade, por todas as implicações qual devem decidir quais as ferramentas mais adequadas
na sociedade e sobretudo pelo a utilizar. E sempre que o profissional de saúde considere
Qualquer uma destas modalidades empowerment que pode fornecer às que a informação fornecida de forma telemática pelo
oferece às pessoas e famílias um pessoas e famílias. utente não é clara ou suficiente para a tomada de decisão
recurso de proximidade que visa clínica, deve encaminhar para outra forma de cuidado.5
colmatar algumas das necessidades já A equipa de saúde proporciona a sua
156 157
identificadas. Até à data, a realização experiência em diabetes, educação e No segundo momento, a consulta, na modalidade
da Teleconsulta exige o acordo de apoio, mas não controla a diabetes.5 síncrona o profissional de saúde deve identificar-se,
todas pessoas envolvidas e obriga a Deste modo, a teleconsulta deve identificar e validar os dados do utente, recordar a razão do
consentimento informado por escrito ser estruturada e há princípios contato e questionar se o momento é oportuno. Sendo um
(Norma DGS 015/2013).9 fundamentais da mesma que contato por vezes sem alguns dos fatores que influenciam
devem continuar a ser respeitados a comunicação (a luz, temperatura, o contato visual, a
nesta modalidade de prestação de postura ou gestos) torna-se essencial dar primazia à escuta
cuidados, como a relação profissional ativa, mostrando assim disponibilidade e fortalecimento da
de saúde - utente, mantendo a relação terapêutica.
confiança mútua, a independência de
opinião do profissional, a autonomia Após o início da teleconsulta através da escuta ativa e
do utente, a privacidade e a respeito pelos silêncios, cabe ao profissional de saúde
confidencialidade.5 conduzir a comunicação, focando-se nas preocupações do
utente e do profissional de saúde, sinalizando e orientado
No que concerne à estrutura da os aspetos fundamentais a trabalhar naquela consulta.
Teleconsulta, subdividimos em 3 É ainda importante realizar perguntas abertas e obter
momentos: pré-consulta, consulta e feedback do utente, numa constante decisão partilhada,
pós-consulta. e definir deste modo objetivos SMART para a próxima
consulta. Por último, resumir a consulta, os objetivos
propostos e o método de envio do plano terapêutico e
futuras marcações.
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No momento pós-consulta, todos os cuidados devem


ser devidamente documentados no processo do utente,
nomeadamente marcações de próximas consultas,
exames, análises, bem como, deve ser enviado o plano
terapêutico, utilizando o meio previamente acordado.

Fig. 1 Diagrama de comunicação em teleconsulta

Saber Saber Saber Saber


158 Iniciar Ouvir Comunicar Conduzir 159

Saber Saber
Terminar Questionar

Saber Saber Saber Saber


Resumir Fortalecer Negociar Explicar
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3. A IMPORTÂNCIA DA EQUIPA DE – utente em consulta torna-se um condições técnicas e de preparação o utente acerca das características
SAÚDE NA TELECONSULTA DE enriquecimento mútuo e fortalece a dos serviços de saúde (sendo na sua deste serviço, horário e duração da
DIABETES adesão terapêutica. Comunicar é uma maioria realizadas por via telefónica), Teleconsulta e garantir as condições
ferramenta terapêutica fundamental o incumprimento de horários e a falta tecnológicas para a realização
A Consulta de Diabetes caracteriza- e que exige treino. Deste modo, o de coordenação entre membros das da consulta, com a qualidade
se pela intervenção conjunta de seu aperfeiçoamento sistemático e equipas. esperada. O utente tem de dar o seu
vários profissionais de saúde com contínuo deve integrar a formação de consentimento escrito, confirmar que
o objetivo de alcançar melhores todos os profissionais de saúde. Na ótica dos utentes, estas consultas possui condições tecnológicas e um
resultados clínicos. A articulação e Na prática clínica da Consulta de por via telefónica resolveram entorno favorável que permita a sua
a comunicação plena entre estes Diabetes, a comunicação é um pilar problemas pontuais como a atenção à consulta.12, 13
profissionais, os utentes, familiares básico da educação terapêutica. Isto renovação de receituário ou a
ou cuidadores é o segredo para adquire particular importância no prescrição de exames, mas não Quando nos referimos à comunicação,
atingir estes resultados. O modelo contexto da Teleconsulta já que, por deram resposta às reais necessidades devemos distinguir a comunicação
160 161
de Teleconsulta deve garantir definição, os diferentes intervenientes sentidas pela população. Foram interpares e a comunicação com os
a continuidade deste método e encontrar-se-ão em diferentes interpretadas como contactos utentes, familiares ou cuidadores.
existência da equipa multidisciplinar, espaços físicos. telefónicos, mas não foram A comunicação interpares deve
a união da equipa, a comunicação, a reconhecidos como atos clínicos, com ser realizada e partilhada por
qualidade da proposta terapêutica Para uma comunicação eficaz é as características de uma consulta. meios oficiais, respeitar o código
e a consistência da informação imprescindível garantir condições A pergunta coloca-se então: o que deontológico e a lei de proteção de
fornecem no seu todo um ambiente técnicas que permitam a transmissão falhou nesta oportunidade para o dados. Deve ser estruturada, com
de confiança para que o utente de informação de forma idónea e desenvolvimento das consultas recurso a linguagem técnica, registada
desenvolva no seu ambiente o plano a compreensão das mensagens remotas e otimização de recursos? no processo clínico e com objetivos e
definido.10,11 expostas. Durante a pandemia Além da insuficiência tecnológica plano conjunto bem definidos.
COVID-19, motivado pela necessidade amplamente discutida na maioria A comunicação entre o profissional de
de isolamento e distanciamento dos serviços de saúde, falhou a saúde e o utente, familiar ou cuidador
4. COMUNICAÇÃO EFICAZ NA social, foram improvadas consultas organização e a comunicação. deve ser adequada e individualizada
TELECONSULTA DE DIABETES à distância realizadas por telefone. à pessoa que recebe a informação.
Estas surgiram como um recurso A Teleconsulta é um ato clínico Deve ser transmitida de forma
Etimologicamente, a palavra alternativo numa altura em que não legislado e rigoroso que tem de clara e simples, com utilização de
comunicar deriva do latim comunicare havia condições nem tempo para ser reconhecido como tal pelos terminologia fácil ou do entendimento
que significa «partilhar alguma coisa praticar a medicina à distância, de profissionais de saúde e pelos comum por parte da população em
com alguém», «pôr em comum», outra maneira. Algumas das razões utentes. A comunicação eficaz geral. Pode e deve haver recurso a
«tornar comum».8 Assim, esta apontadas para o insucesso deste em Teleconsulta tem início neste informação escrita como esquemas,
partilha entre profissional de saúde tipo de consultas foram a falta de ponto. A instituição deve informar desenhos, panfletos informativos,
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vídeos, sites online, entre outros, como complemento à “face-to-face”, com integração da componente visual na
informação oral, de forma a melhorar a compreensão e consulta à distância com recurso à videochamada, tendo-
apreensão de conceitos e ideias. Podem ser utilizados se verificado um impacto positivo significativo na análise
exemplos práticos do dia-a-dia do utente e construir a dos seguintes parâmetros:15
partir dessa base de familiaridade. É importante cumprir o
horário e a duração da consulta, no entanto é fundamental - Perceção da Eficácia Tecnológica nível de perceção
reservar tempo para a colocação de dúvidas ou questões e dos utentes sobre a capacidade das novas tecnologias
ouvir a interpretação que o utente e/ou familiar faz do seu como meio facilitador do entendimento partilhado com a
estado de saúde ou do seu controlo metabólico. Parte do equipa de saúde;
sucesso da Consulta de Diabetes está na contextualização - Perceção da Eficácia da Comunicação
dos factos clínicos e na seleção de meios (ajuste grau atribuído por médicos e utentes à concretização dos
terapêutico ou outros), de forma conjunta, para ultrapassar objetivos de comunicação propostos para a consulta;
questões que limitam alcançar os objetivos.12, 13, 14 - Compreensão da Informação para autogestão da
162 163
saúde
grau atribuído por utentes em relação ao nível de
5. A IMPORTÂNCIA DA IMAGEM NA TELECONSULTA confiança sentida para gerir os seus próprios cuidados.
DE DIABETES
Tal como no modelo de consulta convencional, a
Vários estudos têm sido realizados ao longo dos comunicação não-verbal tem um papel de extraordinária
últimos anos com o intuito de comprovar a eficácia da importância na Teleconsulta com vídeo integrado. Como
introdução de recursos digitais nas consultas médicas, apenas é necessário ter um computador com câmara
nomeadamente para realização de consulta remota. de vídeo e som, e ter acesso ao processo eletrónico
Existem diferenças no desenho e populações incluídas do utente, a Teleconsulta pode ser realizada a partir de
nestes estudos, o que não permite a sua comparação. No qualquer ponto geográfico sem depender das instalações
entanto, a maioria dos ensaios tem incluído populações dos serviços de saúde. Contudo, deve escolher-se um
abrangentes com representatividade de pessoas dos entorno tranquilo e com carácter profissional, imagem,
vários grupos etários e níveis socioculturais diferentes. postura e vestuário equivalente ao utilizado na consulta
presencial, que transmita ao utente confiança, segurança e
Apesar da dispersão de dados de investigação, parece rigor no processo.
haver concordância no que diz respeito à satisfação global
dos pacientes na utilização das novas tecnologias. Um A Consulta de Diabetes tem a característica de se
aspeto que se tem revelado diferenciador para a obtenção desenrolar, sobretudo, com base no diálogo e na
de bons resultados na introdução da saúde digital na comunicação, de onde deve resultar conhecimento
prática clínica corrente diz respeito à preservação do e aprendizagem que terá como fim a capacitação e
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autonomia do utente. Este trabalho de comunicação ouvir, saber comunicar, saber conduzir os ensinos, saber
é feito na maioria das vezes sem consciência do que questionar, saber explicar, saber negociar, saber fortalecer
está a ser transmitido direta ou indiretamente. Como a relação terapêutica, saber resumir e saber terminar a
já referido anteriormente, na Teleconsulta este aspeto consulta.
adquire especial importância pelo facto dos diferentes
intervenientes estarem geograficamente distantes. Na Todas estas habilidades e competências devem ser
Teleconsulta é imprescindível comunicar de forma clara treinadas diariamente e em constante formação contínua,
e consciente ao longo de todo o processo – técnico, sendo uma mais-valia nos níveis de satisfação dos utentes,
administrativo, clínico e institucional – para garantir o bom bem como, no sucesso da educação terapêutica.
desempenho, os resultados desejados e o cumprimento
dos princípios de igualdade, equivalência e rigor.16

164 165
6. O FUTURO DA COMUNICAÇÃO NA
TELECONSULTA DE DIABETES

A evolução tecnológica tem tido um crescimento


“Se quiser construir um navio, não reúna
exponencial, não obstante a comunicação fará sempre pessoas para recolher madeira e cumprir
parte do futuro, seja ele mais tecnológico ou não. Assim,
a relação e a comunicação são entidades distintas, mas
tarefas e instruções. O ideal é ensiná-las a
indissociáveis, sendo que a relação se constrói e manifesta desejar pela imensidão infinita do mar.”
em grande parte pela comunicação.
É fulcral, por isso, nesta relação de partilha que é Antoine de Saint-Exupery
comunicar, efetuá-lo de forma eficaz na Teleconsulta.
Torna-se primordial reconhecer as vantagens, bem como
os limites e o enquadramento legal da Teleconsulta, para
que seja reconhecida como um ato clínico por utentes,
profissionais, instituições e políticos.

O futuro prevê-se cada vez mais enriquecido


tecnologicamente e, deste modo, a Saúde Digital deve ser
uma prioridade de todos nós, nomeadamente a formação
contínua dos profissionais de saúde sobre a comunicação
eficaz, fomentando a arte de saber iniciar a consulta, saber
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