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“O desenvolvimento sustentável é um

slogan”. Entrevista com Serge Latouche


Jonas Jorge
10–14 minutos

O protagonista de hoje opta por realizar a entrevista em Les délices du fournil (as delícias
do forno), um pequeno local que oferece serviço rápido de sanduíches, croissants e cafés
em pleno coração do bairro latino de Paris. Com os videoclipes de êxito do momento como
fundo e enquanto bebe sua taça de vinho tinto, - especialista em filosofia econômica e o
impulsionador da teoria do decrescimento - relata como sua experiência de vida com
comunidades alheias ao desenvolvimentismo, primeiro em Laos e depois na África, fez com
que perdesse a fé na economia, histórias que ele explica em La sociedad de la
abundancia frugal, um de seus últimos livros traduzidos ao espanhol. Para Serge
Latouche, um intelectual parisiense de cabelo grisalho e sorriso afável, a sociedade do
crescimento repousa sobre a acumulação ilimitada de riquezas, destrói a natureza e é uma
geradora de desigualdades sociais.

O mantra central daqueles que atualmente governam o mundo é o desenvolvimento


econômico exponencial e o aumento da produtividade trabalhista, mesmo que isso
acarrete o corte de direitos. Muitos são os que celebram o recém-aprovado projeto do
Banco Central Europeu para injetar mensalmente 80 bilhões de euros por mês para
reavivar o crescimento da economia europeia. No entanto, este defensor do
decrescimento econômico considera que a solução reside em viver de outra forma para
viver melhor. Para Latouche, o altruísmo deveria substituir o egoísmo, o prazer do ócio à
obsessão pelo trabalho, a importância da vida social ao consumo desenfreado e o razoável
ao racional.

A entrevista é de Luna Gámez, publicada por Rebelión, 27-08-2018. A tradução é do


Cepat.

Eis a entrevista.

O que lhe fez perder a fé na economia e buscar novas alternativas através da filosofia
econômica?

Quando vivia em Laos estive com comunidades que trabalhavam umas cinco horas por dia
e o restante do tempo dedicavam a se divertir, a plantar, a caçar, a pescar, e aí me dei conta
de que o desenvolvimento iria acabar com esta forma de vida feliz e transformaria estas
pessoas em subdesenvolvidas. O desenvolvimento colonizaria seu imaginário, criando-lhes
necessidades externas e destruindo o equilíbrio de suas sociedades. Quando falo de
colonizar o imaginário é porque parto da ideia de que a economia é uma forma de colonizar
o imaginário, como foi a religião nos momentos em que os conquistadores invadiram outros
países. Esta experiência me permitiu compreender que a economia é uma forma de religião
e que o desenvolvimento é uma forma de ocidentalização do mundo, que assume o papel
da colonização por outros meios.

Foi neste momento que começou a pensar na necessidade do decrescimento?

Não, eu não utilizei o termo decrescimento até 2002, quando organizamos o grande
colóquio Desfazer o desenvolvimento, refazer o mundo (Défaire le développement,
refaire le monde) na sede da UNESCO, em Paris. Em 64, eu fui à África como um
verdadeiro missionário do desenvolvimento, ainda que estivesse inscrito no partido
comunista e me considerasse marxista. Em 66, cheguei a Laos e no meu retorno à França
começou minha crítica à economia política e meu trabalho na epistemologia econômica. Aí
nasceu uma reflexão, durante décadas, e começou minha crítica ao desenvolvimento como
uma forma de ocidentalização do mundo.

Como definiria o decrescimento?

Eu não o definiria. É um slogan que teve uma função midiática de contradizer outro slogan.
É realmente uma operação simbólica imaginária para questionar o conceito mistificador do
desenvolvimento sustentável. O conceito de decrescimento chegou por acaso e por
necessidade.

O que é para você o desenvolvimento sustentável?

O desenvolvimento sustentável é isso, um slogan. É o equivalente ao TINA de Margaret


Thatcher, There Is No Alternatives, que vem para dizer que não há alternativas ao
liberalismo econômico. O desenvolvimento sustentável foi inventado por criminosos de
colarinho branco, entre eles Stephan Schmidheiny, milionário suíço que fundou o
Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (World Business Council for
Sustainable Development), o maior lobby industrial de empresas poluidoras, e que foi
acusado pelo homicídio de milhares de operários em uma de suas fábricas de amianto.

Também seu amigo Maurice Frederick Strong, um grande empresário do setor mineiro e
petroleiro que, paradoxalmente, foi o secretário geral da Conferência das Nações Unidas
para o Meio Humano, onde se iniciou a reflexão para que 20 anos mais tarde, na Cúpula
da Terra da Rio 92, se apresentasse oficialmente o termo desenvolvimento sustentável.
Eles decidiram vender o desenvolvimento sustentável assim como vendemos um sabão,
com uma campanha publicitária extraordinária, excelentemente sincronizada e com um
êxito fabuloso. Contudo, não é mais que outra vertente do crescimento econômico.

Em alguns momentos, afirmou que a economia é a raiz de todos os males e que é


necessário sair dela e abandonar a religião do crescimento, mas como se abandona
uma fé quando se acredita nela?

Não existe uma receita. Eu me tornei decrescentista em Laos e a maioria das pessoas de
meu grupo teve experiências parecidas com as minhas de contato com sociedades não
desenvolvimentistas que as fez abrir os olhos. Não nascemos decrescentistas, nos
tornamos. Assim como não nascemos produtivistas, no entanto nos tornamos rapidamente
porque vivemos em um ambiente em que a propaganda produtivista é tão tremenda que a
colonização do imaginário se produz ao mesmo tempo em que aprendemos a língua
materna. Desintoxicar-se depois depende das experiências pessoais. Um crescimento
infinito em um planeta finito não é sustentável, é evidente inclusive para uma criança, mas
não acreditamos no que já sabemos, como disse Jean-Pierre Dupuy, um amigo filósofo. O
melhor exemplo é a COP21, onde foram realizados maravilhosos discursos, mas que não
produzirão quase nenhum fruto, por isso eu acredito no que eu chamo a pedagogia das
catástrofes. Acredito que é a única coisa que pressiona a cada um a sair de sua carapaça e
pensar.

Em que consiste a pedagogia das catástrofes?

As pessoas que se veem atingidas por alguma catástrofe começam a ter dúvidas sobre a
propaganda que as televisões ou os partidos políticos difundem, sejam de esquerda ou de
direitas, e diante das dúvidas podem ir em busca de alternativas e se aproximar do
decrescimento. É necessário que haja uma articulação entre o teórico e o prático, entre o
vivido e o pensado. Ainda que você tenha a experiência, se não cria uma reflexão pode cair
no desespero, no niilismo ou no fascismo, por exemplo. Portanto, são necessários esses
dois ingredientes, mas não há receita para combiná-los.

Você fala que não há que crescer por crescer, assim como não há que decrescer por
decrescer. Em que deveríamos crescer e em que decrescer?

Fazer crescer a felicidade, melhorar a qualidade do ar, poder beber água natural potável,
comer carne sadia, que as pessoas possam se abrigar em condições aceitáveis... Vivemos
em uma sociedade do desperdício, que gera numerosos dejetos, mas onde muitas destas
necessidades básicas não são satisfeitas. Sair da ideologia do crescimento supõe uma
redução do consumo europeu até alcançar uma pegada ecológica sustentável, isto supõe
reduzir em 75% nosso consumo de recursos naturais.

Contudo, não somos nós, cidadãos, os que devemos reduzir nosso consumo final, mas o
sistema. Por exemplo, 40% da carne que se vende nos supermercados vai para o lixo sem
ser consumida. Isto acarreta um desperdício enorme e uma alta pegada ecológica. Em um
país como a Espanha, até os anos 70, a pegada ecológica era sustentável, e se todos
tivessem continuado vivendo como os espanhóis daquele momento teríamos um mundo
sustentável. Acontece que os espanhóis não passaram a comer o triplo de quantidade,
mas o triplo de mal. Na década dos 70, as vacas ainda se alimentavam com grama, mas
agora comem soja, que se produz no Brasil, queimando a floresta amazônica; depois é
transportada 10.000 km, mistura-se com farinha animal e são feitas rações com as quais as
vacas se tornam loucas. Portanto, a pegada ecológica de um quilo de carne hoje supõe 6
litros de petróleo, e ocorre o mesmo que acontece com a roupa e com o restante de bens.
Vivemos na sociedade da obsolescência programada, quando em lugar de tirar,
deveríamos reparar e desta forma poderíamos decrescer sem reduzir a satisfação.

Até pouco tempo, as chamadas economias emergentes, como China ou Índia,


cresciam com força e imparáveis, mas agora vivem um período de desaceleração e
em alguns casos até de recessão, como é o caso do Brasil. Poderíamos ter a
esperança de que surgissem alternativas de decrescimento nestes países?
Em teoria sim, a crise poderia ser uma oportunidade para buscar novas alternativas porque
a crise é um decrescimento forçado, mas o paradoxal é que a colonização do imaginário
pela sociedade do crescimento é tal que a única obsessão dos governos é voltar ao
crescimento, quando na realidade a ferramenta chave deveria ser a sabedoria. A
preocupação atual tanto do Brasil como da China é como retomar o crescimento,
tornaram-se tóxico-dependentes, drogados pelo crescimento.

Acredita que as iniciativas do decrescimento virão de países em situações de crise


ou de países menos absorvidos pelo desenvolvimento?

Pode vir de ambos, mas já que somos os ocidentais os responsáveis por esta estrutura, é
daqui que se deveria partir a desocidentalização do mundo. Nós tentamos isso a partir do
movimento do decrescimento, mas no momento não temos um verdadeiro impacto sobre a
realidade, só em nível micro, com iniciativas como as cooperativas de produtores locais,
que são pequenas experiências de decrescimento em nível local, das quais conheço muitas
iniciativas interessantes na Espanha.

Acredita que serão os cidadãos que impulsionarão o decrescimento ou será uma


iniciativa dos governos?

Virá do povo, está claro, dos governos é claro que não. Por que acredita que os novos
partidos políticos que estão nascendo na Europa não abordam a ótica do decrescimento?
Por medo. Têm medo de não ganhar os votos suficientes para chegar ao poder.

Você afirma que vivemos em um mundo dominado pela sociedade do crescimento


que gera profundas desigualdades. De que forma isto pode afetar os ciclos
migratórios?

A lógica da sociedade do crescimento é destruir todas as identidades. O problema das


migrações é um problema muito complexo, agora falamos de milhões de sírios deslocados,
mas antes deste século acabar, haverá 500 ou 600 milhões de deslocados, quando cidades
inteiras como Bangladesh ou milhões de camponeses chineses virem suas terras
inundadas pelo aumento do nível do mar. Ao aumentar as catástrofes do planeta, os
migrantes ambientais aumentarão também.

Onde eu tenho mais experiência de campo é na África e ali observei que não é a pobreza e
a miséria material que provocam as migrações, é a miséria psíquica. Quando eu comecei a
trabalhar na África, há uns vinte anos, não havia existência econômica, assim como
tampouco há hoje. Toda a riqueza econômica africana representa 2% do PIB mundial,
segundo as estatísticas da ONU. A grande maioria representa a massa de petróleo
nigeriano. Desta forma, temos 800 milhões de africanos que vivem fora da economia, no
mercado informal. No início, quando eu ia à África havia bom ambiente, muito dinamismo,
as pessoas queriam transformar suas terras, havia muitas iniciativas, mas desapareceram.
Na última vez que fui, os jovens já não queriam lutar mais contra o deserto, agora o que
querem é ajuda para encontrar papéis e ir para a Europa, por quê? Não é porque agora
sejam mais pobres que antes, é porque destruímos o sentido de sua vida. Os últimos 10 ou
20 anos de mundialização tecnológica representaram uma colonização do imaginário 100
vezes mais importante que os 200 anos de colonização militar e missionária. São criadas
novas necessidades, na televisão lhes são vendidas as maravilhas da vida daqui e eles já
não querem viver lá.

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