Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DO OCIDENTE?
Serge Latouche1
Tradução: Acácio Sidinei Almeida Santos2
1
Professor emérito da Universidade Paris XI.
2
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP/SP). Atualmente é professor do
departamento de Antropologia da PUC/SP.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 175
TRADUÇÃO
parceria. Se a África é pobre naquilo que somos ricos, ela se revela rica
naquilo que somos pobres. Existem na África verdadeiros experts das
relações harmoniosas entre o ser humano e o meio ambiente que poderiam
contribuir para nos retirar da crise ecológica (se é que já não é tarde
demais). Encontram-se na África especialistas em relações sociais e na
resolução de conflitos que poderiam nos propor receitas em matéria de
relações entre gerações, entre homem e mulher, entre maiorias e minorias,
etc. Para isso, é necessário fazer uma “descentralização cognitiva”, pois não
é no referencial da nossa percepção de mundo que os remédios africanos
podem ser eficazes. As receitas de um desenvolvimento nos moldes
africanos correm o risco de ser inoperantes. Por outro lado, a África pode
nos ajudar a sair do tipo de economia que nos torna doentes.
A) A economia do débrouille3
O milagre da sobrevivência da África subsaariana se resume numa
única palavra: A “economia do débrouille”. Assim é chamado o conjunto de
pequenas empresas e de artesãos que trabalham para a clientela popular:
ferreiros que restauram objetos, marceneiros e alfaiates do bairro, e o
conjunto das “pequenas atividades” (flanelinhas, trançadoras de cabelo,
caminhoneiros com velhos veículos andando pela graça a Deus,
Alhamdoulillah... auxiliares que orientam os passageiros para “ônibus
3
N.T. – Nesse contexto, há dificuldade na tradução da expressão “economia do débrouille”.
O equivalente em português seria algo como a “economia do ‘se virar’”.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 176
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 177
TRADUÇÃO
7
Encore connue em Afrique sous son ancien nom de Caisse centrale de coopération
économique, ou plus simplement ‘’la caisse’’.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 178
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
8
Michel Lelart - Les systèmes parallèles de collecte de I’épargne, Épargne sans frontière, nº
30, Mars 1993, p. 35.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 179
TRADUÇÃO
que uma direção específica seja definida na idéia”. Ainda segundo Gilbert
Rist “esta lacuna não tem nada de estranho, ela indica simplesmente que
outras sociedades não consideram que sua produção seja dependente do
acúmulo contínuo de saberes e de bens com a função de tornar melhor o
futuro em relação ao passado.”9 Desta forma, em Wolof, encontramos o
equivalente da palavra “desenvolvimento” em um termo que significa “a voz
do chefe”. Os camaroneses de língua Eton são ainda mais explícitos. Eles
falam de “sonho do homem branco”. “A representação do desenvolvimento
não possui equivalente na língua Moré e se traduz pela frase: tönd
maoondame tenga taoor kënd yïnga (nós lutamos para que sobre a terra [na
aldeia] as coisas funcionem para o corpo [para mim]).”10
Esta ausência de palavras para definir o desenvolvimento é um
indício, mas ela sozinha não basta para provar a ausência de qualquer visão
desenvolvimentista e econômica. Apenas mostra que os valores sobre os
quais repousam o desenvolvimento e, muito particularmente, o progresso,
não correspondem em nada às profundas aspirações africanas. Estes valores
estão ligados à história do Ocidente e, provavelmente, não têm nenhum
sentido para outras sociedades.
No que diz respeito à África negra, os antropólogos observaram que a
percepção do tempo é caracterizada por uma clara orientação para o
passado. “Os Sara do Chade pensam que o que está atrás dos olhos, e que
eles não podem ver, é o futuro, enquanto que o passado se encontra na
frente, porque ele é conhecido”. O autor complementa: “é difícil contestar a
lógica de tal representação.”11 Andrzej Zajaczkowski faz uma observação
análoga para os Kikuyu12. Isso parece ser uma generalidade e não só na
África; mas para não fugir do assunto, esta representação dificulta a
9
Gilbert Rist ‘‘Processus culturels et développement’’ 4ème conférence générale de I’EADI,
Madrid 1984, p.6.
10
Pierre Joseph Laurent, Le don comme ruse. Anthropologie de la coopération au
dévellopement chez les Mossi du Burkina Faso : la fédération Wend-Yam. avril 1996,
Louvain. p. 228.
11
Gilbert Rist, interculture, nº95, avril1987,p.17
12
Andrzej Zajaczkowski, Dimension culturelle du développement, publication du Centre
d’Wtudes sur les Pays hors-européens Academie polonaise des Sciences, Varsovie, 1982,
p. 40.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 180
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
13
Cimade Quand l’Afrique posera ses conditions, Dossier pour un débat nº67, septembre
96, Fondation pour le progrès de l’homme. p. 43.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 181
TRADUÇÃO
14
Pierre-Joseph Laurent, Le don comme ruse. Anthropologi de la coopération au
développement chez les Mossi du Burkina Faso : la fédération Wend-Yam, avril 1996,
Louvain. p. 274.
15
Ibid. p. 226.
16
Voir Majid Rahnema, La pauvreté globale, une invention qui s’en prend aux pauvres,
Interculture nºIII Montréal, Printemps 119. Voir aussi : Le Nord perdu, Repères pour I’après-
développement, par G. Rist, M. Rahema et G. Esteva, Éditions d’En bas, Lausanne 1992 et
Gustavo Esteva, Une nouvelle source d’espoir ‘’Les marginaux », op. cit.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 182
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 183
TRADUÇÃO
voltaram para suas atividades anteriores. No que diz respeito aos artesãos
dos subúrbios populares, nunca se deve esquecer que sua própria
existência é fruto de um milagre. É o que devemos começar a entender e
analisar. Simplesmente, não existe mercado no sentido econômico da
palavra, isto é, não há demanda solvente. De uma clientela sem renda, não
se pode esperar a fortuna, mas já é uma tentativa bem-sucedida o fato da
atividade garantir sua sobrevivência e a desta mesma clientela! E, se as
empresas racionais funcionassem, existiriam muitas delas, pois não faltaram
iniciativas em cem anos de colonização e quarenta de desenvolvimento!
Por outro lado, o reconhecimento da cultura popular permite a
legitimação das práticas da economia neo-clânica. Essas produções culturais
dos excluídos vão dos cultos sincréticos e das seitas proféticas até o saber-
fazer técnico. Nunca se destacará suficientemente a importância da criação
popular a nível simbólico através das crenças e dos cultos. Trata-se neste
caso de um aspecto fundamental da outra sociedade que escapa totalmente
ao economista.
No informal, não estamos em uma economia, estamos em uma outra
sociedade. O setor informal se encontra dissolvido, incorporado no social,
principalmente nas redes complexas que estruturam esses subúrbios. É um
erro ver nas experiências africanas uma forma alternativa da mesma coisa. A
fecundidade desta aventura deve ser procurada em outro lugar.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 184
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
A) A auto-organização societária
Por que a outra África? A África oficial, a África das independências,
entrou em falência econômica e política. Falência econômica: menos de 2%
do PNB mundial, o equivalente ao PIB da Bélgica ou das 15 maiores fortunas
do planeta... Falência política: golpes de Estado, guerras civis, corrupção,
genocídios, etc. Tudo isso constitui a fonte para o Afro-pessimismo.
Entretanto, se esta constatação do fracasso é unânime, inclusive para os
intelectuais africanos, é a prova do fracasso da África oficial. É o fracasso da
ocidentalização (e a globalização é apenas a continuação do mesmo
processo), isto é, fracasso do mimetismo econômico e político. Felizmente
existe uma “outra” África. A sobrevivência de 600 a 800 milhões de
náufragos é um milagre. A outra África é a África das savanas, das florestas e
das aldeias, a África dos subúrbios e dos bairros populares. Em suma, é a
África da “sociedade civil”, a África das reuniões nacionais. Uma África bem
18
Serge Latouche. ‘‘L’autre Afrique. Entre don et marché’’, Albin Michel paris, 1998.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 185
TRADUÇÃO
19
L’expérience que j’évoquerai concerne principalment la société néo-clanique ou
vernaculaire de Grand yoff, une banlieue de Dakar. II s’agit au fond société de 100 000
personnes (Grand-Yoff) qui vivent largement de leur auto-production sans création de
monnaie, grace à la densité de réseaux sociaux dits néo-claniques.
20
Emmanuel Ndione : Dynamique urbaine d’une société en grappe, ENDADankar 1987. et
Le don et le recours, ressorts de l’économie urbaine. ENDA-Dakar 1992.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 186
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
21
Alain Marie, Processus d’individuation dans les villes Ouest-Africaines. Paris, Gremovia,
Iedes-Cecod, 1994.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 187
TRADUÇÃO
22
Sur cette distinction argent et monnaie, voir par exemple Jean Joseph Goux, « La monnaie
ou L’argent » dans « L’économie dévoilée » sous la direction de Serge Latouche, Revue
Autrement, Paris, 1995.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 188
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
23
L’Enda-Graf a inauguré un système de guichet de marché, géré par les femmes elles-
mêmes qui assure la sécurité des dépots faits sur le marché même et permet des prêts
importants. Le succès est considérable et le système est en pleine expansion.
24
Jacques Godbout et Johanne Charbonneau ‘‘La dette positive dans le lien familal’’, in Ce
que donner veut dire, don et inérèt, Revue de MAUSS, Nº1, La découverte, Paris 1993.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 189
TRADUÇÃO
25
Jacques Godbout, en collaboration avec Alain Caillé, -L’esprit du don, La découverte,
1992.
26
F. Eboussi Boulaga, ‘‘Les conférences nationales en Afrique noire : une affaire à suivre’’,
paris Karthala, 1993.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 190
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
27
Jean-Godefroy Bidima, ‘‘La palabre. une juridiction de la parole’’. Michalon, col. le bien
commun, Paris 1997, op. cit, p.21.
28
Nyerere, The African and Democracy, London, 1961, p. 104.
29
Bidima, p.66.
30
Bidima, op. cit. p.45.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 191
TRADUÇÃO
31
Communication personnelle.
32
Jean-Godefroy Bidima, ‘‘La palabre. Une juridiction de la parole’’. op. cit, Paris 1997, p.
10.
33
Bidima, op. cit. p. 92.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 192
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
34
Paul Ricouer, Entretien, on ‘‘Ethique ET Responsabilité’’, Neuchâtel, A la Baconnière,
1994, p. 16.
35
Bidima, p. 21.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 193
TRADUÇÃO
36
Laburthe-Tolra, op. cit., p. 348-349.
37
R.Mel Meledje, ‘‘Emokr, système de gestion des conflits chez les Odjukru’’, Thèse de
doctorat, paris 1994. p. 125.
38
Ibid. p. 108.
39
Ibid. p. 109 et 110.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 194
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
40
Rappelons à tire d’illustrattion que dans le village-monde, les revenus des menbres de la
grande famile Disney, en 1993 allait de 97000 $ I’heure pour le directeur Michael Eisner à 7
cents pour le travailleur birman qui fabriquait le jergey ‘‘Mickey and Co’’, soit de 1 à 1385
714... (source Sweatshop watch, 1998, 720 Market Street, San Francisco).
41
C’est ainsi que Singleton parle de la palabre chez Wakonongo.
42
Swadeshi: ‘‘terme indien popularisé par Gandhi : confédération de communautés
villageosies autonomes dont la prospérité est assurée par une économie orientée vers le
besoins locaux’’, Majid Rahneama, op. cit. p. 21.
43
Dah et Megersa in Post-developpement reader, cité par Rahnema, op. cit. p. 274.
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 195
TRADUÇÃO
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 196
A África pode contribuir para resolver os problemas do ocidente?
| Autor: Serge Latouche. Tradução: Acácio Sidinei Almeida dos Santos
Espaço Plural • Ano XIV • Nº 28 • 1º Semestre 2013 • p. 175 - 197 • ISSN 1518-4196 197