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A Favela de Paraisópolis, em São Paulo: comunidades


movimentam R$ 137 bilhões por ano (Getty Images/Roberto
Rocco r.c.rocco@tudelft.nl)

A economia das
favelas: o Quarto Setor
Sempre acreditei que o lucro nunca foi o
problema. É o que você faz com ele que
importa, escreve Celso Athayde, cofundador
da Cufa e CEO da Favela Holding

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Por Da Redação
Publicado em 06/05/2022 11:10 | Última atualização em
06/05/2022 11:31
Tempo de Leitura: 7 min de leitura

Celso Athayde*

De onde eu venho empreender é sinônimo de “se


virar”. Falamos em “dar nossos pulos, fazer
nosso corre”. Desde que eu me conheço por
gente, eu empreendo, embora nunca tenha
usado essa palavra.

Também aprendi, quando dei meus primeiros


passos no ativismo social, que os movimentos
sociais devem se orgulhar por não ter lucro.
“Não quero ganhar nada, não”, era a frase que eu
mais ouvia e ainda ouço com muito orgulho na
favela. Era como um dogma. Se o trabalho
dignifica a alma, o lucro leva para o fogo eterno.
Essa atitude sempre esteve afixada em nossas
cabeças, como um mantra.

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Antes de morar na Favela do Sapo, vivi nas ruas


por alguns anos. Para sobreviver, pedia dinheiro
— a tradução física do capitalismo. Já na favela,
vendia doces e salgados feitos pela minha mãe,
Dona Marina. Nossa dignidade e sobrevivência
dependia exclusivamente do resultado
econômico desse trabalho. O lucro era a razão
de tantas andanças pelas ruas do bairro e pelas
vielas da favela carregando o tabuleiro de
cocada.

Mais velho, ajudei a criar e participei de muitos


movimentos. Hip-hop, moradia, favelas,
charme, só para citar alguns. Nunca foi fácil
lidar com o capital. Me senti, por diversas vezes,
um mercenário por conseguir algum dinheiro,
ainda que de forma honesta, para comprar os
bens que tanto desejava.

O problema não é o lucro, é o que


você faz com ele

Hoje, reflito sobre onde cheguei. Cofundei a


maior organização de favela do país até o
momento, a Cufa, há mais de 20 anos uma
organização social COM fins lucrativos, como
sempre preferi chamar desde a fundação. Criei
a Favela Holding, o maior conglomerado de
empresas com atuação em favelas, um
empreendimento essencialmente capitalista,
mas que promove um grande impacto positivo
nas comunidades. Mais do que isso, vem
fazendo escola e incentivando outras ONGs a
virar empresa e saborear o lucro responsável.
Algumas já estão migrando, mas ainda é pouco,
precisamos de muito mais. Voltando às
conquistas, o pouco que tenho, conquistei com
o discurso de que favela não é carência, é
potência.

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universitários

Sempre acreditei que o lucro nunca foi o


problema. É o que você faz com ele que
importa, para ti e para seu entorno. Na Cufa,
quando eu ainda administrava, reinvestíamos
todo o resultado financeiro nas ações da
instituição. Porém, perseguíamos esse
resultado, pois ele permitiria expandir a
organização e beneficiar mais pessoas.

O Quarto Setor: a economia das


favelas

Aprendi, nesse processo, que o primeiro setor é


o Estado — sempre incapaz de olhar para a
favela, cuja existência se deve, justamente, à
ausência de governo. O segundo setor é o
universo corporativo, composto pelas empresas
e suas importantes jornadas para a economia e
o desenvolvimento do país, mas que nunca
incluíram a favela nos seus planos de
desenvolvimento — salvo as exceções. O
terceiro setor é o lugar de onde sempre falei,
que são os movimentos sociais, as ONGs,
sindicatos etc.

Nestes anos de pandemia, o terceiro setor foi a


salvação para milhares de famílias. Porém, ele
não é exclusivo da favela e não consegue
atender a demanda intensa desses territórios,
de seus moradores em busca de
desenvolvimento. Na minha opinião, a
Criminalização e a aversão ao lucro acaba sendo
um freio na vocação empreendedora da base da
pirâmide. Por isso, proponho a criação de um
novo conceito que liberte os favelados dessa
culpa: o Quarto Setor, que consolide a economia
da favela e olhe para ela com um olhar
capitalista, até que tenhamos um novo modelo
formal. Mas um olhar capitalista de impacto,
que faça o lucro ficar retido na base, e não
voltar às mãos dos que sempre controlaram o
capital. Isso traz impacto social real.

A escola de negócios da favela

O morador de favela deve usufruir sim do lucro


proveniente do seu trabalho, físico e intelectual,
seja ele proveniente de empresas ou ONGs.
Após a Expo Favela, evento que protagonizamos
em 15, 16 e 17 de abril deste ano no World Trade
Center, em São Paulo, pensei muito sobre a
capacidade de geração de riqueza das favelas,
que movimentam 137 bilhões de reais por ano. A
Expo mostrou para toda sociedade a enorme
capacidade de empreender desse povo, dessa
gente.

Para a favela liberar todo seu potencial, no


entanto, é preciso que o lucro deixe de ser um
estigma, uma dor. A criação de uma escola de
negócio da favela vai ajudar a mudar essa
narrativa. É preciso que as pessoas periféricas
entendam que devem usufruir do produto do
seu esforço e trabalho, e não há nada de errado
com isso.

É possível que ainda seja conveniente, para


parte da sociedade, e para algumas pessoas
mais cultas do que nós, sustentarem esse
discurso anticapitalista, podendo, assim,
explorar a força de trabalho da favela e a
capacidade de inovação de seus moradores,
sem que seja dado o valor merecido. Mas, se no
asfalto se prega a lógica do lucro, por que na
favela vamos pregar a escassez e não a
abundância?

Sem lucro, é impossível resolver os problemas


que as favelas apresentam, considerando que
os três setores não conseguem responder
concretamente. Esses problemas se
perpetuam, na minha opinião, porque os três
setores da economia foram incapazes de
resolvê-lo. O estado sempre negligenciou
projetos e programas consistentes para a
melhoria do dia-a-dia desses locais. As
empresas sempre exploraram a mão de obra
desses moradores, sem dar-lhes o devido
reconhecimento.

ESG nas favelas

Não haverá resultado concreto em nenhuma


estratégia ESG se a favela não for incluída no
sistema e continuar a ser tratada como um país
à parte. Não haverá resultado positivo mínimo
se continuarmos negando o lucro e endossando
o ingênuo discurso de que não podem desfrutar
da fortuna gerada nas comunidades.

O terceiro setor, do qual a Cufa faz parte, foi


muito importante para combater e diminuir as
mazelas que assolam esses lugares, mas não fez
o suficiente. E não o fez porque, mesmo que
involuntariamente, diversas instituições e
pessoas que atuam neste setor, influenciadas
por uma lógica retrógrada e conveniente
propagada pelos outros dois setores, repetiram
o discurso de que o morador desse território
não pode usufruir do capital que ele mesmo
produz.

A Expo Favela deixou claro para o país e para o


mundo que favela é potência e não carência, e
que seus moradores têm uma capacidade
absurda de gerar riqueza para o Brasil. Por isso
a ideia de lançar o Quarto Setor, que englobará a
Economia da Favela como foco central.

Não quero chamar essa minha reflexão de tese,


é apenas como uma provocação para a favela,
economistas, academia e interessados no tema.
Mesmo que a academia discorde dessa visão,
não fará diferença caso a favela concorde.
Afinal, na favela temos nossos intelectuais
formados ou orgânicos, capazes de construir as
nossas próprias elaborações e narrativas. Mas o
ideal seria ver os mais diversos pensadores se
debruçarem sobre esse tema, trazendo suas
próprias leituras sobre ele.

Aproveito para provocar todas as pessoas que


tenham interesse no tema a prestar atenção ao
que estou escrevendo aqui. E que contribuam
para que essa reflexão seja propagada em toda
a sociedade até que encontre a medida certa
sobre um problema tão urgente. Estou aberto
para debater o Quarto Setor com quem quiser
estudá-lo, apoiá-lo, e, por que não, contestá-lo.
E quero sugerir a todos os favelados que
pensem no lucro que geram para a sociedade. A
favela é potência e não carência, e nós somos a
prova viva disso. O Quarto Setor vem para
reposicionar o capitalismo brasileiro, tão
estimulado, festejado e partilhado no asfalto, e
tão rechaçado e incompreendido na favela.

*Celso Athayde é cofundador da Cufa e CEO da


Favela Holding

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