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05/10/2023, 13:07 Olga Breno morre sem homenagens - Estadão

Olga Breno morre sem


homenagens

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Por Agencia Estado


21/10/2000 | 13h43

4 min de leitura

Única sobrevivente do antológico filme Limite, Olga Breno morreu


semana passada no Rio aos 89 anos sem homenagem. Passou a vida
desconhecida, os últimos anos morando na casa de uma das duas
filhas no Leblon e guardando a única relíquia de sua história: os
envelopes com fotografias, citações, recortes e cartas sobre Limite. Se
dona Olga morasse em Hollywood, Paris ou Londres seria, ela própria,
a relíquia do cinema nacional. Mas trata-se do Brasil. Onde a única

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cópia de Limite foi guardada durante anos debaixo da cama do


salvador do filme, Saulo Pereira de Melo. E onde o próprio diretor de
Limite, Mário Peixoto morreu anônimo e paupérrimo aos 84 anos em
1992, tendo perdido a casa do Morcego com todas as antiguidades e
filmado apenas um dos 17 roteiros que escreveu na vida. Depois de
Limite que fez aos 18 anos, Olga Breno teve três alegrias. A primeira
foi a homenagem do Teatro Municipal 50 anos depois da filmagem de
Limite, em 1930. A segunda foi o reencontro com Mário Peixoto, em
1988, na inauguração do Centro Cultural de Magaratiba onde Limite
havia sido rodado -- e ela pôde cochichar ?Mário, eu não sabia que era
tão famosa?. A terceira alegria foi na Casa de Cultura Laura Alvim no
Rio, em 1996, durante um ciclo de palestras sobre Limite onde ela,
pela primeira vez, entendeu seu papel no filme. ?Eu era angústia,
prisão?, ela contou talvez na última alegria que teve antes de morrer,
em entrevista no ano passado para o jornal O Estado de S.Paulo. ?Até
então eu não entendia patavina do que fazia naquele filme.? Olga
Breno estava feliz por contar passagens de uma história da qual ela
era a última detendora, disposta a abrir seu baú de tesouros. Contou
que estava na loja de chocolates Bhering que pertencia ao primo de
Mário Peixoto quando foi chamada pelo patrão. ?Quer fazer um
filme??. Ela saltou de trás de um balcão para ser o rosto de abertura de
Limite, com as mãos algemadas. Não foi nada fácil. A mãe nascida em
Trás- os-Montes só permitiu a participação da filha depois de se
certificar que no roteiro não havia beijo. Assim mesmo mandou de
vigia o irmãozinho da filha, para acompanhar cena por cena, e relatar
tudo em casa depois. O diretor de 22 anos ordenava e ela fazia sem
perguntar ou saber o que vinha antes ou depois. ?Fui confinada num
barquinho que deveria navegar em Mangaratiba?, ela contou, ?e só
rodamos o filme ali porque o primo do Mário era o prefeito?. Em terra
a equipe estacionava na fazenda Santa Justina. O diretor nunca se
preocupou com um pormenor. ?Eu não sabia nadar, tinha pavor de
água, mas enfrentei tempestades me apoiando nos destroços do barco
em alto mar, morta de medo?. Olga também não sabia chorar, ?nem em
enterro? mas o diretor obrigou e ela apelou para as cebolas. ?Não
sabia de que se tratava, mas acho que o Mário também não, ele trazia
as seqüências na cabeça sem dizer nada para a equipe, e na hora
improvisava; dava certo? Olga não sabia de filme nem de cachê. ?Nem
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sabia que essas coisas eram pagas?, contou. ?O primo dele me liberou
de vendedora na loja mas continuou pagando o salário, e o Mário me
dava uns vestidos?. Ela contou que, como diretor, Mário era um
gentleman. ?Nunca houve grito, rispidez, histrionice?. Nos bastidores
corriam as fofocas. ?Que Mário era gay, que a outra atriz do filme,
Taciana Rey, era apaixonada pelo único ator do filme, Raul Schnoor,
mas que o Raul gostava era de mim?, Olga contou, maliciosa. Ela
lastimava que o fim da sua carreira tenha coincidido com o fim do
filme. ?Eu fazia parte do elenco do segundo filme de Mário, Onde a
Terra Acaba, mas ele brigou com a atriz principal, Carmem Santos, que
era a dona do estúdio Brasil Vita. A Carmem insistiu para que eu
ficasse mas fui solidária com o Mário, saí junto?. Olga saíu desolada. ?
Mesmo tendo repetido 46 vezes a cena em que era esbofeteada ao
vivo, e sem dublé? a atriz casou-se e teve duas filhas. O glamour do
cinema ficou para trás. ?Gosto que me chamem de Olga Breno porque
era nome artístico, mas na verdade a Olga só existiu naquele filme?,
ela disse. Seu nome verdadeiro, como todo mundo a conhecia, era
Alzira Alves. Alzirinha. ?Mas o Mário disse que esse nome não dava e
me fez escolher entre dois, Luba Laje e Olga Breno ? achei o último
mais normal.? Maquilada, bonita, lúcida, ela disse ainda estar
orgulhosa de ter cumprido o destino que, sem querer, Mário Peixoto
havia profetizado para ela. ?Dos três atores do filme dentro de um
barquinho num mar imenso, o Raul se entrega logo, a Taciana fica
esperando o pior e era eu quem deveria lutar contra a morte até o fim,
não sucumbir.? A profecia durou até a noite de quarta feira dia 11 de
outubro. De qualquer forma, Limite, que trata da limitação do ser
humano, deixa claro: tenha a atitude que tiver, depois de viver amor,
desespero, naufrágios, o destino de todos os habitantes de todos os
barcos é um só. Este ano, a editora Aeroplano publicou Mário Peixoto,
Escritos Sobre Cinema de Saulo Pereira de Mello ? guardião da obra
do cienasta. E a Lacerda Editores lançou a primeira biografia do
diretor, Jogos de Armar, de Emil de Castro. A Funarte também colocou
no mercado o cd-rom Estudos sobre Limite. Mas Olga Breno só pode
ser revista na obra genial de Mário Peixoto no vídeo vendido pela
Funarte a R$ 20,00. Ver Limite, no cinema, com música ao vivo, vai ser
difícil. O filme corre em 16 quadros, e não em 24, requer cuidados
especiais. A Funarte passou o filme uma vez no Teatro Municipal em
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1980, outra, há dois anos. Não tem previsão para a próxima projeção.
O documentário Onde a Terra Acaba, de Sergio Machado, está em
finalização.

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