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Fundamentos da
didática da
, .
matemat1ca

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J'
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UM
UFPR
UNMMCWlll"IDaAl-00™

Reitor
Zaki Akel Sobrinho

Vice-Reitor
Rogério Mulinari

Pró-Reitora de Extensão e Cultura


Deíse Cristina de Lima Picanço

Diretor da Editora UFPR


Gilberto de Castro

Vice-Diretora da Editora UFPR


Suzete de Paula Bornatto

Conselho Editorial
Andre de Macedo Duarte
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Cristina Gonçalves de Mendonça
Edison Luiz Almeida Tizzot
Elsi do Rocio Cardoso Alano
Everton Passos
Ida Chapava! Pimentel
Lauro Brito de Almeida
Mareia Santos de Menezes
Maria Auxiliadora M. dos Santos Schmidt
Maria Cristina Borba Braga
Naotake Fukushima
Sergio Luiz Meister Berleze
Sergio Said Staut Junior

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Fundamentos da
didática da
, .
matemat1ca
Saddo Ag Almouloud
ediç~o atualizada

~ lJFPII

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© Saddo Ag Almouloud

Fundamentos da
didática da
matemática
1.0 Reimpressão: 201 O
2.ª Reimpressão: 2014

Coordenação editorial: Daniele Soares Carneiro


Projeto gráfico e editoração eletrônica: Reinaldo Cezar Lima
Revisão: Patrícia Domingues Ribas
Atualização ortográfica: Gislaine do Rocio Siqueira Farenhuk e Vanessa Andrade
Capa: Eliane Ribeiro Campos

Série Pesquisa, n. 164

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


SISTEMA DE BIBLIOTECAS. COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS
Ficha Catalográfica

Almouloud, Saddo Ag
Fundamentos da didática da matemática / Saddo Ag Almouloud. -
Curitiba : Ed. UFPR, 2007.
218 p. : il. - (Pesquisa; n. 164)

Inclui bibliografia

l . Matemática - Estudo e ensino. 1. Título.

CDD 510.7

ISBN 978-85-7335-190-3
Ref. 575

Direitos desta edição reservados à

Editora UFPR
Rua João Negrão, 280 - Centro
Caixa Postal: 17.309
Tel.: (41) 3360-7489- fax: (41) 3360-7486
80010-200 - Curitiba- Paraná - Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2014

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Dedicatória

Aos meus pais Almouloud Ag Aldjoumat e


Taya Walet Amaye (in memoriam), às minhas
filhas Taya Walet Saddo, Fadimata Walet
Saddo e Botoma Walet Saddo e a todo o povo
da República do Mali (ÁFRICA).

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Agradecimentos

Meus agradecimentos sinceros e especiais às minhas colegas e


amigas Professoras Doutoras Cileda de Queiroz e Silva Coutinho, Maria
José Ferreira da Silva e Maria lnez Rodrigues Miguel, que tiveram uma
inestimável contribuição para a realização desta obra e foram incansáveis
no apoio durante todos os momentos.
Expresso minha gratidão à Professora Doutora Maria Tereza Car-
neiro Soares pelo apoio, incentivo e confiança, que foram fundamentais
para a realização deste trabalho.
Meus agradecimenos a lsabelle Bloch (Professeur d'Université,
Laboratoire Culture, Education, Société, Equipe DAESL - Didactique et
Anthropologie des Enseignements Scientifiques et Langagiers - lUFM
d' Aquitaine et Université Bordeaux 2) pelo prefácio do livro e apoio.
À minha companheira Vanderli Salatiel, pela compreensão, apoio
e carinho.

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Sumário
Prefácio ......................................................................................... 13
Apresentação ................................................................................ 17
I - Fundamentos norteadores das pesquisas em didática da
matemática ............................................................................... 21
1. Abordagem vygotskyana do ensino-aprendizagem ............................. 21
2. Abordagem construtivista da aprendizagem ..... ................................... 23
2.1 O construtivismo piagetiano .................................................................... 23
2.2 O construtivismo didático .............................................................. .......... 24
2.3 A didática da matemática ......................................................................... 25
II - A teoria das situações didáticas............................................ 31
1. Apresentação da teoria das situações ............................................ ....... 31
2. Situação didática, situação adidática.................................................... 33
3. Modelagem das situações adidáticas ................................................... 36
3.1 Dialética da ação ...................................................................................... 37
3.2 Dialética de formulação ........................................................................... 38
3.3 Dialética da validação .............................................................................. 39
3.4 Dialética da institucionalização .............................................................. .40
4. Estruturação do milieu adidático .......................................................... 42
4.1 Análises ascendente e descendente ... :..................................................... .42
4.2 Análise de situações-problema segundo a estrutura de milieu ................ .48
4.3 Análise ascendente da situação do professor ........................................... $4
III -A dialética ferramenta-objeto e o jogo de quadros ........... 61
1. A dialética ferramenta-objeto ............................................................... 61
2. Quadros e jogos de quadros ................................................................. 64
3. Domínios de validade e limitações da teoria ....................................... 68
IV - A noção de registro de representação semiótica e análise
do funcionamento do pensamento ......................................... 71
1. Fundamentos teóricos da noção de registros de
representação semiótica······:······························································· 71
2. Análise de uma situação em termos de
registros de representação semiótica................................................... 75
3. Importância didática de uma análise cognitiva .................................... 76
4. Quadro e registro de representação ...................................................... 78
5. Articulação entre quadros, registros e
ponto de vista ...................................................................................... 80
5.1 A noção de ponto de vista ........................................................................ 81

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5.2 Mudanças de quadros, registros e pontos de vista
para resolução de uma inequação ............................................................. 87
V - O contrato didático ............................................................... 89
1. O que é contrato didático? ................................................................... 89
1. 1 Exemplo de ruptura de contrato didático ........................................ ·... ·.. ·· 91
1.2 Algumas regras de contrato didático em vigor no
Ensino Fundamental ................................................................................. 91
2. Os efeitos do contrato didático ............................................................ 92
2.1 Efeito "pigmaleão"............................................................................ :...... 93
2.2 Efeito "Topaze" e a comprovação da incerteza ....................................... 94
2.3 O efeito "Jourdain" ou o equívoco fundamental. ................................... ·· 94
2.4 O deslize metacognitivo ........................................................................... 95
2.5 O uso abusivo da analogia ....................................................................... 95
VI -Avaliação e contrato didático .............................................. 97
1. O que é avaliar? ................................................................................... 97
1.1 Avaliação - juízo de valor ........................................................................ 97
1.2 Avaliação - medida .................................................................................. 97
1.3 Avaliação - finalidade .............................................................................. 98
2. Avaliação e objetivos pedagógicos ...................................................... 99
2.1 A operacionalização dos objetivos pode
favorecer o condicionamento.... :................................................................99
2.2 A operacionalização dos objetivos pode esconder a realidade
do saber do aluno .................................................................................... 100
2.3 A operacionalização pode esconder
a significação do saber. ........................................................................... l 02
2.4 Infidelidade da avaliação do saber ......................................................... 103
2.5 Quando os professores avaliam, geralmente o saber não é
sua preocupação essencial ...................................................................... l 03
3. Avaliação e decisão ............................................................................ l 04
4. Funções da avaliação ......................................................................... 105
4.1 Avaliação formativa ............................................................................... 105
4.2 Avaliação somativa ................................................................................ 108
VII -A teoria antropológica do didático ................................... 111
1. Modelagem antropológica da matemática ......................................... 112
2. Objetos ostensivos e objetos não ostensivos ...................................... 119
3. Análise de uma organização matemática ........................................... 123
VIII - Erros e obstáculos ........................................................... 129
1. Papel do erro na aprendizagem .......................................................... 129
2. Obstáculos e análise didática do erro ................................................. 13 1
3. Caracterização da noção de obstáculo ............................................... 133
4. Utilidade da noção de obstáculos ....................................................... 136

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-
5. Alguns fatores que podem ser produtores de obstáculo ..................... 13 7
5.1 Generalização abusiva ........................................................................... 137
5.2 Regularização formal abusiva ................................................................ 137
5.3 Fixação em uma contextualização ......................................................... 137
5.4 Aderência exclusiva a um único ponto de vista ..................................... 138
5.5 Amálgama de noções ............................................................................. 138
6. Diferentes tipos de obstáculos ........................................................... 138
6.1 Obstáculos epistemológicos ................................................................... 139
6.2 Obstáculos didáticos .............................................................................. 141
6 .3 O s obst'acu los ps1co
. l'og1cos
· .................................................................. .. 144
6.4 Os obstáculos ontogênicos ..................................................................... 145
7. Como estudar os obstáculos ............................................................... 145
IX - Epistemologia e didática da matemática ......................... 149
1. Epistemologia - Objetos do saber científico -
Objetos de ensinamento .................................................................... 149
2. Epistemologia e a teoria das situações didáticas ................................ 152
3. Epistemologia e obstáculos ...................................................................... 153
4. Epistemologia e concepções .............................................................. 153
4.1 A noção de concepção ............................................................................ 153
4.2 A análise epistemológica ............. ., ......................................................... 156
5. Exemplos de análise epistemológica sobre os números negativos .... 157
5.1 Estudo de Glaeser (1981) ....................................................................... 157
5.2 Exemplo 2: o estatuto matemático dos
números negativos (Schubring, 1986) .................................................... 162
Anexo: Definição da circunferência............................. :.~ ....................... 164
X - Metodologia da engenharia didática····~···························· 167
1. Definindo alguns conceitos ................................................................ 167
2. Engenharia didática: uma metodologia de pesquisa .......................... 171
2.1. As diferentes fases da metodologia da engenharia didática .................. 172
2.2 Experimentação, análise a posteriori e validação .................................. 177
3. Exemplos de engenharia didática ....................................................... 178
3.1. Iniciação à demonstração: aprendendo conceitos geométricos. Almou-
loud e Mello - PUC-SP .......................................................................... 179
3.2. Probabilidade geométrica: um contexto para a modelagem e a
simulação de situações aleatórias com Cabri. Coutinho - PUC-SP ....... 181
3.3 Geometria esférica para a formação de professores: uma proposta inter-
disciplinar. Pataki - PUC/SP .................................................................. 182
XI - Estudo da articulação entre abordagens teóricas ........... 187
1. Comparação entre a Teoria das Situações Didáticas (TSD), de Brousse-
au, e da Dialética Ferramenta-Objeto (DFO), de Douady ................ 189
1.1 As semelhanças ...................................................................................... 189

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1.2 As diferenças ........................................ :·........... ...................................... 191
1.3 Estudo das aproximações e divergências .............................................. 192
2. Comparação entre a teoria antropológica do didático (TAD) e a
teoria das situações didáticas (TSD) .................................................. 196
2.1 Dialética da devolução versus 1.0 momento de estudo .......................... 200
2.2 Dialética da ação e da formulação versus 2. 0 momento de estudo ........ 201
2.3 Dialética da validação versus 3.0 momento e 4.º momento ................... 201
2.4 Dialética da institucionalização versus 5. 0 e 6.º momentos ................... 202
3. Comparação entre a TAD e a DFO .................................................... 202
3. 1 Conhecimento antigo versus 1.º momento ............................................. 203
3.2 Pesquisa versus 2. 0 momento ............................................................... .. 203
3.3 Institucionalização local versus 3.0 momento ........................................ 204
3.4 Familiarização (5.ª fase) versus 4. 0 momento - institucionalização ...... 204
4. Considerações a respeito das comparações realizadas ....................... 205
5. Relação entre TAD, TSD e a teoria de registros de
representação semiótica (TRRS) ...................................................... 206
Referências .................................................................................. 209

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-
Prefácio

A didática da matemática nasceu há aproximadamente 40 anos,


e, ainda que seja certamente uma ciência humana - uma ciência das
atividades do homem na sociedade - ela é portadora de uma ambição de
construir teorias rigorosas que possam constituir modelos para a análise
dos fenômenos de ensino e de aprendizagem da matemática em um am-
biente didático: um meio social concebido para o ensino.
A realidade que observam e reconstroem os pesquisadores em didá-
tica é complexa e multiforme. Que pensemos, por exemplo, os múltiplos
contextos do ensino - ensino primário, secundário, superior; ensino para
alunos com grandes dificuldades ou portadores de alguma deficiência;
ensino nos lugares geograficamente distantes e onde os alunos são des-
providos de meios materiais satisfatórios para o trabalho etc. As teorias
de ensino interessam também ao professor, a seu papel, à ergonomia das
situações que ele pode fazer funcionar em classe, suas limitações, sua
formação acadêmica como didata; e elas ambicionam construir modelos
do aluno em suas produções em face de uma aprendizagem.
O destino das teorias das ciências humanas é de se multiplicar
para se adaptar a esta realidade e poder levá-la em consideração. Sua
multiplicidade não deve ser vista como uma imperfeição, mas fazendo
parte das mutações e das evoluções normais do desenvolvimento de um
campo de pesquisas neste domínio. A história das ciências - e mesmo
das ciências experimentais ou da matemática! - prova que as teorias se
criam, se modificam, e que algumas desaparecem ou são absorvidas em
uma teoria mais ergonômica ou mais "terminada". Assim, a teoria dos
campos magnéticos de Maxwell é uma unificação das teorias elétricas e
magnéticas; a relatividade é uma teoria que reinterpreta a teoria newto-
niana da gravidàde, substituindo a noção de força à distância (atração
dos corpos) pela curvatura do espaço-tempo criada pela massa. Em ma-
temática, as teorias da convergência ou da integral nascidas no século
XIX foram melhoradas e ampliadas para não entrarem em contradição

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~'t'm ~\ t '1.win dm~ 1\11\l,'<\~s. qu~ 1.lS mutcnu\t kos da poca nem haviam
uimln imn infüio ...
1

'"
As ~'t\.~ndu~ hut\H\IH\s t~lll isto clll purticular, ~m rela 'ão à ma-
knH tkn, li'"·' o~ "'"''"'dt1.,s rduti\ os uos fonômenos que desejamos
mt,lklnr d\.'\'t'm Sl't' ~,,nstru(do~ nms o m~smo ocorre com as ciências
C\xpcrim"'ntuis, n~sim '-'Otno nHrmu 1.l til,)s1.lfo lo! tlsico M. Blay. 1 Ainda no
d,,m nio dus nti\'idudcs humunns. u, ~rifü:uçno dn pertinência das teorias
n~n p1.,dl' St' d~tunr s~tü\o por umn conthmtm;no cmn u contingência que
st mr,stt,\ t'lu m~smn ddi~tH.tn, ~ o pês4uisudor não deve, em momento
,,brnm. h..'l1nnr sl'us quadros d~ nm\lis~ corno rt!nlidade ... realidade que ele
t'l; 'onstruiu pum obsl'r, t\-ln ~ nnnlist\-lu. Esta confrontação é um elemento
nu,ilw dn did~\ticu tio mohmu\ticu, l' qual sabemos que é, a cada vez, um
monwnh., d~ pmz~r nu pesquisa - ir obs rvar e experimentar nas clas-
ses.~ eolocar t'\ r~nlidude ll pro a. sta confrontação coloca também em
xeque os êStudos <.k didt\tica m relação à especificidade da disciplina
ensinada. ~spocitkidndt qu~ os p~squisadores em didática da matemática
t\:m detendido ~onstnntemente. e com razão.
e onde , em. no entanto. nas ciências hwnanas. a consistência
dns teorias. além d sun especificidade da matéria ensinada? Ela é con-
trolada peln connmidade dos pesquisadores e pelo uso experimental que
teito: então. em didática. em sociologia, em psicologia, em ergonomia,
em didática profissional não existe controle das teorias unicamente pelo
discurso - n m p la experiência flsica -, mas existe o controle pelas
trocas entre os pesquisadores e pelos resultados experimentais. Sua
legitimidade não pode se originar de sua capacidade em evidenciar os
resultados. na condição de fazer um uso pertinente para o estudo de um
orpus experimental. Em ciências humanas, é a comunicação entre os
pares (a partir de experimentações efetivas) que é o essencial do controle
epistemológico. 2
Nada resta além da profusão, e os problemas subsequentes da arti-
culação das teorias que podem derrotar um jovem pesquisador e causar
ainda embaraço ao pesquisador experiente quando este se encontra em
tàce de um problema inédito o qual deseja considerar. Qual teoria é a
mais adaptada? Não irão escapar alguns elementos essenciais do que o

BLAY. M. oncepts, faits scientifiques et théories. Raison présente. n. 157-158, p. 31-


1

40, 2006.
} Ver a indispensávd obra de BOURDIEU, R. Science de la science er réflexivité. Paris:
Editions Raisons d'Agir. 2001.

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- FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

pesquisador quer captar? Será necessário importar uma teoria de outro


campo? Podem-se ver, muito bem, as teorias semióticas e da comuni-
cação que começam a emergir no campo da didática da matemática, as
relações com as teorias da cognição que têm sido sempre largamente
discutidas. Piaget e Vergnaud forneceram as problemáticas de origem
para a didática da matemática que nasciam. Nos colóquios, os grupos de
discussão tinham como tema a articulação das teorias, como no Cerme 5
(2007).3 Esta riqueza é uma vantagem, e não uma deficiência. Somente
a existência de teorias multiformes e complementares pode permitir a
emergência de conceitos robustos, a fim de capturar o melhor possível
a realidade estudada.
Defendamos ainda para a articulação das teorias: as ciências de-
vem se guardar de um enfoque doutrinário na subjugação a uma única
entre elas. Este método consiste em estudar um fenômeno com a ajuda
de uma teoria pré-determinada e interpretar tudo nesse quadro, ainda
que forjando os fenômenos os quais pretendemos considerar, e isto tem
um nome: o dogmatismo; e isto conduz a não fazer ciência, mas fazer o
discurso. Uma ciência ainda jovem como a didática da matemática não
pode se arriscar a se perder neste simulacro. Claro que o pesquisador uti-
liza voluntariamente a teoria na qual foi formado; no entanto, é essencial
não se limitar a este enfoque e conhecer e poder utilizar as ferramentas
de outras teorias, se necessário.
O livro de Saddo Ag Almouloud é, por todos esses motivos, uma
obra preciosa que queremos saudar. Longe de.toda doutrina, mas com o
cuidado de ser preciso e completo, ele percorre o campo da didática e das
teorias que a forjaram; ele dá conta com meticulosidade e preocupação
dos pontos importantes, que detalha e exemplifica sempre que necessário.
É uma base para os estudantes que desejam se engajar na pesquisa, assim
como para os professores que desejam aprofundar seus conhecimentos
nestes domínios. É também uma ajuda para os pesquisadores que prati-
cam uma teoria de forma privilegiada e desejam completar sua formação
sobre as teorias existentes. É necessário notar a presença de um capítulo
sobre as relações entre a dialética ferramenta/objeto de R. Douady e a
TSD, e sobre a articulação da TSD com a TAD, e em todos os capítulos,
numerosos ex~mplos e referências que permitem inter-relacionar os

3 Conference on European Research in Mathematics Education. Disponlvel em :


<http://www.cyprusisland.com/cenne/groupe8.htm> e <http://www.cyprusísland.com/cenne/
group 11 .htm>.

IS

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F UNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

pesquisador quer captar? Será necessário importar uma teoria de outro


campo? Podem-se ver, muito bem, as teorias semióticas e da comuni-
cação que começam a emergir no campo da didática da matemática, as
relações com as teorias da cognição que têm sido sempre largamente
discutidas. Piaget e Vergnaud forneceram as problemáticas de origem
para a didática da matemática que nasciam. Nos colóquios, os grupos de
discussão tinham como tema a articulação das teorias, como no Cerme 5
(2007). 3 Esta riqueza é uma vantagem, e não uma deficiência. Somente
a existência de teorias multiformes e complementares pode permitir a
emergência de conceitos robustos, a fim de capturar o melhor possível
a realidade estudada.
Defendamos ainda para a articulação das teorias: as ciências de-
vem se guardar de um enfoque doutrinário na subjugação a uma única
entre elas. Este método consiste em estudar um fenômeno com a ajuda
de uma teoria pré-determinada e interpretar tudo nesse quadro, ainda
que forjando os fenômenos os quais pretendemos considerar, e isto tem
um nome: o dogmatismo; e isto conduz a não fazer ciência, mas fazer o
discurso. Uma ciência ainda jovem como a didática da matemática não
pode se arriscar a se perder neste simulacro. Claro que o pesquisador uti-
1iza voluntariamente a teoria na qual foi formado; no entanto, é essencial
não se limitar a este enfoque e conhecer e poder utilizar as ferramentas
de outras teorias, se necessário,
O livro de Saddo Ag Almouloud é, por todos esses motivos, uma
obra preciosa que queremos saudar. Longe de.toda doutrina, mas com o
cuidado de ser preciso e completo, ele percorre o campo da didática e das
teorias que a forjaram; ele dá conta com meticulosidade e preocupação
dos pontos importantes, que detalha e exemplifica sempre que necessário.
É uma base para os estudantes que desejam se engajar na pesquisa, assim
como para os professores que desejam aprofundar seus conhecimentos
nestes domínios. É também uma ajuda para os pesquisadores que prati-
cam uma teoria de forma privilegiada e desejam completar sua formação
sobre as teorias existentes. É necessário notar a presença de um capítulo
sobre as relações entre a dialética ferramenta/objeto de R. Douady e a
TSD, e sobre a articulação da TSD com a TAD, e em todos os capítulos,
numerosos ex~mplos e referências que permitem inter-relacionar os

3
Conference on European Research in Mathematics Education. Disponivel em :
<http://www.cyprusisland.com/cerme/groupe8.htm> e <http://www.cyprusisland.com/cerme/
group 11.htm>.

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SADDO AG ALMOULOUD

diferentes conceitos das diferentes teorias.


Esta obra é então necessária, e será eminentemente útil. Tal apre-
sentação dos conceitos da didática da matemática chega ao ponto, após
quarenta anos de existência. É para mim um grande prazer apresentá-la
e recomendá-la a todos os que querem ter em sua biblioteca um livro
de referência sobre este campo de pesquisas agora estabelecido e que
continua a ser fecundo.

Pau, le 20 avril 2007


Jsabelle Bloch
Professeur d 'Université
Laboratoire Culture, Education, Société, Equipe DAESL (Didactique
et Anthropologie des Enseignements Scientifiques et
Langagiers) - IUFM d' Aquitaine et Université Bordeaux 2.

16

....
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Apresentação

As pesquisas em didática da matemática têm sua origem no


fracasso da reforma da matemática nos anos 1970. O movimento da
matemática moderna levou os pesquisadores franceses, entre outros, a
se interessarem pelo estudo e pela investigação de problemas relativos
ao ensino e à aprendizagem da matemática, bem como propor ações
fundamentadas para resolver, pelo menos parcialmente, tais problemas.
As primeiras pesquisas apoiaram-se, essencialmente, nas teorias psico-
lógicas de Piaget.
Os resultados alcançados demonstraram avanços importantes na
identificação e na compreensão de 1enômenos que interferem nos pro-
cessos de ensino e de aprendizagem de conceitos matemáticos. Além
disso, esses resultados colaboraram na constituição da didática da mate-
mática como área de investigação, que tem suas especificidades no que
diz respeito aos objetos de investigação. A complexidade das questões
estudadas exigiu a interlocução entre diversas ~eas de conhecimento,
como a matemática, a psicologia, a sociologia, a história da matemáti-
ca, a linguística, a epistemologia, a filosofia e a informática aplicada à
educação.
A ênfase na compreensão de fenômenos de ensino e de apren-
dizagem trouxe à tona a necessidade de desenvolver modelos teóricos
que pudessem caracterizar os conhecimentos e saberes, como, também,
sua evolução, tanto histórica quanto aquela que se desenvolve no aluno.
osso objetivo é, justamente, construir um cenário, não exaustivo, dos
fundamentos da didática de matemática, a partir da análise de seus campos
de investigação, de sua articulação com outras ciências e das principais
referências de pesquisa da escola francesa.
A didática da matemática é vista como uma ciência que tem por
objeto investigar os fatores que influenciam o ensino e a aprendizagem
da matemática e o estudo de condições que favorecem a sua aquisição
pelos alunos. Sendo assim, nos propomos a apresentar uma reflexão sobre

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SAooo Aa ALMO}JLOUD

os principais modelos teóricos da escola francesa, bem como algumas


articulações entre eles. Os temas aqui abordados são aqueles que tra-
balhamos em nosso curso de Fundamentos da Didática da Matemática,
no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da
PUC-SP. Esperamos contribuir para:
• estimular a pesquisa em didática da matemática, integrando-a às
preocupações constantes dos docentes e dos pesquisadores;
• uma visão plural de conhecimentos em educação matemática, em
uma dinâmica científica, que possa colaborar com outros pes-
quisadores sobre o ensino e a aprendizagem da matemática;
• o oferecimento de condições favoráveis à formação científica
no campo da didática da matemática, tanto do lado dos pes-
quisadores (veteranos e iniciantes) como dos professores de
matemática.
Abordamos, neste livro, os trabalhos de pensadores como: Guy
Brousseau, 1 Yves Chevallard,2 Régine Douady,3 Raymond Duval,4 entre
outros. A apresentação dos conceitos de base apoia-se em diferentes
pontos de vista e na modelagem sobre os processos de ensino e apren-
dizagem; mais especificamente, os seguintes temas (entre outros) serão
abordados:
• A teoria das situações didáticas (Guy Brousseau);
• A dialética ferramenta-objeto e jogos de quadros (Régine Douady);

1Guy Brousseau foi professor no IUFM (Instituto Universitário de Formação de Pro-


fessores) de Aquitaine e Diretor do Laboratório Aquitaine de didática das ciências e técnicas da
Universidade de Bordeaux I. É autor de numerosas pesquisas em didática da matemática e foi
wn dos primeiros a postular que os fenômenos de ensino da matemática devem ser objetos de
investigações científicas. Sua tese de doutoramento trata dos fundamentos da didática (teoria das
situações didáticas, contrato didático e noção de obstáculos). Atualmente está aposentado, mas
continua em atividade.
2 Yves Chevallard é professor no IUFM d' Aix-Marseille. Publicou resultados de vários es-

tudos sobre os fenômenos de ensino-aprendizagem da matemática e é particularmente conhecido por


seu trabalho sobre a noção de transposição didática e a abordagem antropológica do didático.
3 Régine Douady era professora-pesquisadora da Universidade de Paris VII. Ela é auto-

ra, em didática da matemática, das noções "dialética ferramenta-objeto" e "jogos de quadros".


Atualmente aposentada.
4 Raymond Duval é professor no IUFM de Lilles. Desenvolveu suas pesquisas inicial-

mente no IREM (Instituto de Pesquisa sobre o Ensino da Matemática de Estrasbourg) e publicou


vários trabalhos sobre "a análise do funcionamento do pensamento e a atividade matemática" no
ensino de geometria. Seu estudo mostra a importância de uma análise em termos de registros de
representação semiótica na identificação de fatores que influenciam no ensino-aprendizagem da
matemática.

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

• A noção de contrato didático (Guy Brousseau);


• A noção de registro de representação semiótica (Raymond
Duval);
• A teoria antropológica do didático (Yves Chevallard);
• Erros e a noção de obstáculos (Guy Brousseau);
• A metodologia da engenharia didática (Michele Artigue).

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I - Fundamentos norteadores das
pesquisas em didática da matemática

Pesquisadores em educação e psicólogos soviéticos, europeus


e americanos permitiram explicar alguns mecanismos de construção
de conhecimentos pelo aprendiz, em situação de grupo, elaborando
estratégias pedagógicas suscetíveis de favorecer o processo de ensino e
aprendizagem de diferentes disciplinas.
As abordagens desenvolvidas pelos psicopedagogos (do Instituto
de Psicologia e Pedagogia Geral de Moscou), apoiando-se na teoria de
Vygotsky, no que diz respeito à apropriação do saber pelo aluno, dão
lugar a_experimentos em ambiente escolar.
A perspectiva socioconstrutivista da Escola de Genebra (pesquisas
europeias e americanas) apoia-se na elaboração de estratégias pedagó-
gicas, em situação de grupo ou de classe, cujo objetivo é favorecer a
construção de conhecimentos pelo aluno. Divers~s pesquisas que adotam
tais pressupostos metodológicos e teóricos focam as relações existentes
entre as dinâmicas social e cognitiva.
Nas experimentações feitas em diferentes campos (aprendizagem
da matemática, de ciências, da língua e outras), por pesquisadores do
Instituto de Pesquisa Pedagógica de Moscou e da Escola Ocidental,
aparecem duas visões diferentes da pesquisa em didática: a abordagem
vygotskyana e a piagetiana.

1. Abordagem vygotskyana do ensino-aprendizagem

A organização conceituai das análises realizadas pelos autores


soviéticos apoia-se em uma concepção do desenvolvimento da criança
na qual o social e a atividade ocupam lugar de destaque. O social cons-
titui a fonte do desenvolvimento conceituai da criança e caracteriza a
organização da atividade comum e da aprendizagem do aluno.

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SAooo Ao ALMOULOUD

O desenvolvimento da criança aparece, ao mesmo tempo, como re-


sultado de sua imersão num ambiente cultural e como sendo o processo de
. apropriação desse ambiente; o "social" está relacionado com a atividade,
porque, segundo essa visão, a criança se apropria do ambiente cultural
em situação de ação. A apropriação dos objetos culturais pertencentes ao
mundo não é redutível a objetos "brutos" ou ditos "naturais". A criança
dá significação cultural a esses objetos quando os utiliza, efetivamente,
como ferramenta de resolução de problemas, o que não pode ser feito
independentemente das relações interindividuais. A atividade feita junto
com adultos ou adolescentes sobre esses objetos constitui o universo
indispensável no qual a criança, por um processo de interiorização, conse-
gue, segundo Vygotsky (1956), o domínio individual de seu pensamento.
Um dos conceitos fundamentais para os autores soviéticos é o de
atividade. Leontiev (apud GARNIER; BEDNARZ; ULANOVSKAYAL,
1991, p. 9) mostrou que a estrutura da atividade aparece quando se mani-
festa uma "necessidade" que só se satisfaz por intermédio de um objeto
adequado. É essa relação entre "necessidade" e "objeto adequado", que
pode ser para satisfazê-la ou o seu motivador, que permite desenvolver
a estrutura da atividade.
Quando as crianças aprendem a ler, a leitura pode ser considerada
como uma atividade composta de diferentes ações; contudo, quando se
chega ao fim da aprendizagem, a leitura pode se tomar uma ação, ou uma
operação, dentro de um sistema formado por uma outra atividade. É o
caso, por exemplo, de uma situação de resolução de problemas matemá-
ticos em que uma das operações que deve ser realizada pelas crianças é a
leitura do texto; já em outra situação, em que a criança precisa se preparar
para uma prova, a leitura de um livro constituirá uma ação, porque o
verdadeiro motivo está ligado à obtenção de um bom desempenho na
prova e não ao conteúdo do livro propriamente dito.
Leontiev (apud GARNIER; BEDNARZ; ULANOVSKAYAL,
1991) evidenciou a especificidade da atividade da criança para cada
idade; a mudança de atividade.é, para o autor, a base da periodicidade do
desenvolvimento da criança e determina as mudanças psicológicas que
aparecem, bem como sua "consciência", suas relações com o ambiente
e sua vida interior e exterior.
A análise teórica de Davidov (apud GARNIER; BEDNARZ; ULA-
NOVSKAYAL, 1991) permitiu caracterizar profundamente a atividade
da aprendizagem na escola. Essa atividade consiste, antes de tudd, em
aprender a aprender e, nessa perspectiva, o objetivo de ensino será fazer

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

com que a criança dê forma ao mundo teórico que servirá de ferramenta


na resolução de problemas em situação de aprendizagem.
As pesquisas soviéticas apoiam-se em uma concepção do desen-
volvimento da criança baseada em Vygotsky e seus seguidores, na qual
o "social" e a "atividade" aparecem como conceitos centrais.

2. Abordagem construtivista da aprendizagem

A abordagem construtivista privilegia um domínio específico de


conhecimento: os saberes matemáticos e científicos. Do ponto de vista do
ensino e da aprendizagem, três características diferenciam esses saberes
dos de outros tipos:
(a) a aquisição desses saberes foi historicamente longa, alternando
fases de desenvolvimento progressivo e de devolução;
(b) eles constituem um conjunto de conhecimentos complexos,
ramificados e em constante evolução;
(c) esses saberes contribuíram, de modo fundamental, para o de-
-senvolvimento de nossa civilização técnica e da mídia.
As duas primeiras características mostram que a aquisição de sabe-
res matemáticos e científicos não é espontânea, tendo em vista a com-
plexidade, a constante evolução e a sedimentação dos conhecimentos
envolvidos.
A abordagem construtivista para a aquisição de conhecimentos foi
desenvolvida com o objetivo de estudar o processo de ensino e aprendiz.agem
de conceitos e noções matemáticas. Essa abordagem foi pensada a partir
do modelo piagetiano de desenvolvimento da inteligência em relação à re-
presentação do mundo, explorando a ideia de que esse desenvolvimento se
faz por adaptação a situações novas para o sujeito, ou seja, situações para
as quais os conhecimentos e as competências disponíveis não se mostram
suficientes. Diferentemente do modelo piagetiano, as pesquisas feitas no
contexto escolar tentaram considerar a dimensão institucional da aprendi-
zagem por meio das relações professor-aluno e das relações entre alunos.

2.1 O construtivismo piagetiano


O construtivismo piagetiano, baseado na noção de "equilibra-
ção", corresponde a uma tentativa de descrever, de modo sistemático e
detalhado, os mecanismos do desenvolvimento por adaptação. A "equi-

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SAODO AG ÂLMOULOUD

libração" é o processo pelo qual um esquema existente é transformado


para adequá-lo a um novo objeto mais complexo. Esse processo pode
ser descrito da seguinte maneira:
o sujeito interpreta os dados de seu ambiente e reage em função
dos esquemas, ou seja, dos modelos de comportamentos de que
dispõe;
- dados não familiares provocam uma perturbação no funciona-
mento do esquema mobilizado;
o sujeito reage a essa perturbação por um processo de compen-
sação que pode ser decomposto em três fases, que não devem
ser confundidas com estágios:
- a fase a, em que o sujeito negligencia e evita o que o per-
turba;
- a fase~' em que o sujeito modifica seu esquema para assimi-
lar os novos dados. No curso desta fase, pode-se distinguir
a assimilação de um novo dado como parte complementar e
o estabelecimento de relações entre as partes complementa-
res;
- a fase y, em que o sujeito integra os novos dados a um sistema
hierárquico.
No processo de "equilibração", a construção de novos esquemas •
(e de um novo conhecimento) se faz pela desestabilização dos antigos
e posterior reconstrução. A construção dos conhecimentos, como fenô-
meno de desenvolvimento, é uma reorganização de estruturas de nível
inferior em superior.

2.2 O construtivismo didático

As primeiras pesquisas em didática da matemática apoiaram-se


em alguns aspectos fundamentais do construtivismo de Piaget, como
a noção de desenvolvimento cognitivo e o papel central da ação no
desenvolvimento. De acordo com essa concepção, o conhecimento está,
de fato, intimamente ligado à ação e à experiência do sujeito e tem sua
origem na atividade do sujeito em relação aos objetos. Na perspectiva
piagetiana, o processo de desenvolvimento cognitivo, isto é, a passagem
de um estágio de desequilíbrio para um de equilíbrio, é caracterizado
pela ideia de continuidade/descontinuidade.
O construtivismo didático introduz uma mudança de perspectiva
em relação ao construtivismo piagetiano centralizado no desenvolvimento

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......
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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

do sujeito epistêmico. 5 O sujeito é analisado como aluno em uma classe


e a aquisição dos conhecimentos é estudada considerando a organização
do ensino, proposta pelo professor. Um dos problemas do pesquisador
em educação matemática é estudar os fatores que interferem no processo
de ensino e aprendizagem e as condições _que favorecem a aquisição dos
conhecimentos matemáticos pelo aluno.
A noção prévia, para bem compreender o construtivismo didático,
é a de "situação" ou, exatamente, de "conjunto de situações" que o pro-
fessor deve organizar para permitir uma aprendizagem. Esta perspectiva
retoma, em grande parte, o esquema desestabilização/reconstrução do
construtivismo de Piaget. mas, aqui, são as interações sociais, entre
alunos, que devem provocar ou ampliar a desestabilização necessária
para a aquisição de um novo conhecimento, por reconstrução. Postula-
se que a contradição entre duas declarações, entre duas explicações ou
entre duas estratégias é mais facilmente percebida em um debate entre
dois indivíduos que em um trabalho individual.

2.3A didática da matemática


O construtivismo didático dá ênfase à dimensão social e, em es-
cala menor, à dimensão histórica, na aquisição dos conhecimentos. Os
processos de aquisição de conhecimentos nã~ são unicamente situados
do lado dos sujeitos individualmente, mas da· classe; a aquisição deve
ser o resultado de um processo de adaptação dos sujeitos às situações
que o professor organizou, nas quais as interações com os outros alunos
terão um papel importante.
A didática da matemática desenvolveu-se na França, a partir
dos anos 1970, em um contexto marcado pela reforma da matemática
moderna, com a criação dos Irems (Instituto de Pesquisa sobre Ensino
da Matemática) e o sucesso das teorias psicológicas de Piaget sobre o

5 Para além do sujeito individual, "em sua consciência e idealização particulares, é neces-
sário considerar as estruturas das coordenações das ações comuns a todos os sujeitos; são estas
coordenações gerais (tanto psicológicas, como mentais) que nós chamamos de sujeito epistêmico"
(PIAGET, 1967, apudMARASCHIN, p. 564).
O sujeito epistêmico é um sujeito que se constrói (se estrutura) pela própria atividade,
por meio de um processo de descentralização que lhe possibilita uma melhor compreensão do
mundo e de si mesmo. Resulta, assim, a possibilidade de construção de uma autonomia, em rela-
ção tanto às condições do ambiente quanto às próprias condições psicológicas (MARASCHIN,
Cleci. Disponível em: <http://mathematikos.psico.ufrgs.br/Paradigmas_Projetos/sujeito.htm>.
Acesso em: 03/12/2005).

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..
SADDO Ao A LMOULOUD

desenvolvimento da inteligência e a aquisição de conceitos fundamen-


tais. A preocupação era estudar os problemas de ensino de conceitos
matemáticos em razão das exigências próprias do saber matemático. É
nessa visão que o processo de ensino e aprendizagem foi representado
pelo triângulo pedagógico apresentado no Esquema l.

~PRESENTAÇÕES» Um CONTEÚDO. wn CONCEITO


matemática

O professor

ESQUEMA 1 - TRJÂNGULO PEDAGÓGICO

Sob esse ponto de vista, o estudo das representações dos alunos é


feito, inicialmente, na perspectiva piagetiana. Para a análise dos conteúdos
matemáticos a ensinar, recorremos à análise epistemológica e histórica; o
papel do professor é analisado, prioritariamente, em relação ao conteúdo
que deveria ensinar e à metodologia que deveria utilizar para disponibilizar
esse conteúdo para o aluno. Estudando o processo de ensino e aprendiza-
gem, Brousseau ( 1986) introduziu as noções de variáveis didáticas, teoria
das situações e contrato didático. As relações professor-saber-aluno não
são relações tão diretas e tão transparentes como sugere o triângulo peda-
gógico; não se deve, unicamente, limitar-se à sala de aula para estudar o
ensino e a aprendizagem; é preciso considerar a organização do sistema
educativo (programas, currículo, material pedagógico, livros didáticos,
horários etc.). O Esquema 2 evidencia que a relação entre o saber ensinar
e o saber aprender passa também pelo sistema educativo.
A análise dessas relações mostra a necessidade de considerar a
diferença entre a matemática que pode e/ou deve ser ensinada na escola e
a matemática entendida e praticada pelos pesquisadores em matemática, ,
de onde surgiu o fenômeno de transposição didática (CHEVALLARD;
JOSHUA, 1982). Sabemos que vários órgãos influenciam direta ou indire-

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

~ conceítos,
Objetos,
trumcmo1 do apec:iali• ou
do profi•íonal.

Professor ~<----~> Saber

Transposiçlo 2: gcstlo du
Tran1potíçlo 1: e,colbe e
adequaçlo de confC6dot.
atividades. ensí.....

Aluno ~--·---~Sistema escolar


A orpnlza,çlo ínsrítucional:
currfculo, livros dícWticos, os
rilmot, avalíaçlo.

ESQUEMA 2 - FONTE: DUVAL, 1999, p. 68

tamente o ato de ensino - os políticos, os responsáveis pela comunicação


Gomais, rádio, TV etc.), administradores, os pais dos alunos, governos
etc. -= e formam um ambiente que Chevallard e Joshua (1982) chamam
de "noosfera". Além disso, o tempo é uma outra dimensão da relação
didática, pois existe o tempo do ensino e o tempo da aprendizagem.
Dessa forma, o professor se relaciona com um conjunto de alunos
diferentemente das relações que poderia ter com.cada um dos alunos, em
tarefas pontuais. Além disso, os alunos interagem entre si e esta interação
pode ser utilizada, didaticamente, para promover o processo de ensino
e aprendizagem. São tantos e tão complexos os fatores que interferem
no processo de ensino e aprendizagem que o professor dificilmente dará
conta de todos eles, qualquer que seja o esquema imaginado.
Todos os fenômenos relativos ao ensino e à aprendizagem escolar
podem ser descritos como interações entre diferentes níveis de decisão,
que podem se constituir em elementos perturbadores ou facilitadores
dessas interações.
Por sua posição social, formação e experiência profissional, o profes-
sor se apoia em um conjunto de concepções sobre seu trabalho, na disciplina
a ser ensinada, no ato pedagógico e nas capacidades dos alunos. A relação
do docente com o saber depende da sua formação e história de vida.
No que diz respeito às relações com o saber, a noção de obstáculo
(BROUSSEAU, 1985) tem papel fundamental na construção do saber,
pelo sujeito; pode-se falar em obstáculos epistemológicos, didáticos,
psicológicos, ontogênicos, técnicos etc.

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SADDO AG ALMOULOUD
'

A engenharia didática {ARTIGUE, 1990) envolve, além de es-


tudos preliminares, a construção, exploração e análise de situações de
apren~izagem que têm por objetivo relacionar o professor, os alunos e
um elemento do saber matemático, objeto da aprendizagem.
As noções de ferramenta, objeto e suas relações dialéticas, além
daquelas de quadro e mudança de quadro (ou jogos de quadros), foram
introduzidas por Douady ( 1986). A análise dessas noções mostra que a
dialética ferramenta-objeto e as mudanças de quadros são instrumentos
de análise poderosos, que permitem certa leitura da evolução de noções
matemáticas, da aprendizagem efetivamente existente, além da constru-
ção e gestão de engenharias didáticas.
A abordagem antropológica (CHEVALLARD, 1999) ocupa uma
posição de destaque no desenvolvimento teórico da didática da matemá-
tica, com as noções de objetos e "rapports "pessoais e institucionais aos
objetos, evidenciando a importância da relação entre os objetos matemá-
ticos e as práticas associadas. Os conceitos de técnica, tecnologia, teoria
e o papel dos instrumentos semi óticos no trabalho matemático (dialética
ostensivos/não ostensivos) são aspectos tratados nessa teoria.
Segundo Duval ( 1999), o desenvolvimento dos conhecimentos, em
particular os matemáticos, permitiu difer~nciar registros, linguagem e
imagem, em razão da oferta de novas possibilidades do funcionamento
representacional, ou seja, da possibilidade de diferentes apreensões e
tratamentos, tanto do ponto de vista da linguagem, da imagem, do discur-
so, quanto da modalidade sinóptica. A importância da análise cognitiva
baseada nos diferentes registros representacionais do saber matemático
'permitiu que Duval ( 1995) desenvolvesse a teoria dos registros de repre-
sentação semiótica, isto é, de um sistema semiótico que tem as funções
cognitivas fundamentais no nível consciente.
É nesse cenário que a didática da matemática se desenvolveu e se
constituiu em uma área de conhecimentos em que o estudo dos fenômenos
de ensino e de aprendizagem é feito a partir de diversas perspectivas.
Vergnaud ( 1990), numa linha piagetiana, sustenta que a aquisição de
conhecimentos é fundamentalmente dos sujeitos e se dá em função do
grau de desenvolvimento e do nível das estruturas e das competências
que regem sua ação. Já Brousseau (1986) e Chevallard e Joshua (19.82)
defendem que a aquisição dos conhecimentos depende, em primeiro lugar,
das características das situações nas quais os sujeitos são colocados.
Duval ( 1995) propõe uma abordagem cognitiva da aprendizagem
da matemática que se apoia na noção de registros de representação se-

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

miótica, partindo do princípio que considera a mobilização de uma plu-


ralidade de registros 'Como tendo papel fundamental na aprendizagem.
De acordo com Duval ( 1999), a abordagem construtivista dis-
tingue-se das teorias cognitivistas porque, nestas últimas, as condições
para a construção dos conhecimentos são determinadas, algumas vezes
de modo exclusivo, pelos conteúdos, conceitos e tratamentos (matemá-
ticos ou científicos). Por sua vez, a abordagem construtivista se refere,
em geral, muito mais à história da disciplina e ao modelo piagetiano do
desenvolvimento do que aos modelos psicológicos do funcionamento
da atividade cognitiva.
Considerar o funcionamento da atividade cognitiva é considerar:
• a interação de diferentes níveis (consciente e infraconsciente) e
de diferentes modos de atividade (verbal (oral), gráfico (visual),
gestual (motor));
• a coordenação de diferentes registros de representação (lin-
guagem, imagem (neutras com relação à oposição interna/
externa)).
Nas perspectivas salientadas, tanto para a escola soviética quanto
para a escola ocidental, os conhecimentos são elaborados segundo di-
nâmicas sociocognitivas.
Nosso estudo focalizará essencialmente os fundamentos da didática
da matemática segundo a escola francesa.

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-
II -A teoria das situações didáticas

A teoria das situações didáticas busca criar um modelo da intera-


ção entre o aprendiz, o saber e o mi/ieu (ou meio)6 no qual a aprendiza-
gem deve se desenrolar. Foi desenvolvida por Guy Brousseau (1986),
pesquisador francês da Universidade de Bordeaux. Discutiremos aqui
os fundamentos dessa teoria e seus objetivos. Mais especificamente,
discutiremos as noções de situação didática, situação adidática, situação
fundamental, devolução, milieu antagonista. Duas das mais importantes
noções desenvolvidas por Brousseau, e que serão evocadas nesta parte
do livro, são a de contrato didático e a de obstáculo, que serão estudadas
nos capítulos V e VIII.

1. Apresentação da teoria das situações


A teoria das situações didáticas foi desenvolvida por Guy Brous-
seau no intuito de modelar o processo de ensino e aprendizagem dos
conceitos matemáticos. Para o autor,

um processo de aprendizagem pode ser caracterizado de modo


geral (se não determinado) por um conjunto de situações iden-
tificáveis (naturais ou didáticas) reprodutíveis, conduzindo fre-
qüentemente à modificação de um conjunto de comportamentos
de alunos, modificação característica da aquisição de um deter'-
minado conjunto de conhecimentos (BROUSSEAU, 1975, p.
6, tradução nossa).

Dessa forma, -o objetivo da teoria das situações é caracterizar um


processo de aprendizagem por uma série de situações reprodutíveis,

6Nesta obra usaremos o termo mi/ieu ou milieux em francês no lugar de sua tradução em
português "meio" por entendermos que esta não dá conta da ideia que está em jogo. Explicitaremos
neste capitulo o que entendemos por milieu segundo Brousseau (1986).

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SADDU A G AI.MO\ IÍ,Ol JI)

conduzindo frequentemente à modificação .de um conjtmto de compor-


tamentos dos alunos. Essa modificação é característica da aquisição
de um determinado conjunto de conhecimentos, da ocorrência de uma
aprendizagem significativa.
O objeto central de estudo nessa teoria não é o sujeito cognitivo,
mas a situação didática na qual são identificadas as interações estabele-
cidas entre professor, aluno e saber. Brousseau ( 1986) procura teorizar
os fenômenos ligados a essas interações, buscando a especificidade
do conhecimento ensinado. Para isso, considera como fundamental a
estrutura formada pelo sistema minimal: sistema didático stricto sensu
(Esquema 3), consideradas aqui as interações entre professor e alunos
mediadas pelo saber nas situações do ensino.

Epistemologia
do professor
-- A relação do aluno
com o saber

Relação pedagógica

ESQUEMA 3 - TRIÂNGULO DIDÁTICO

A teoria das situações apoia-se em três hipóteses, que explicitamos


abaixo:
1. O aluno aprende adaptando-se a um milieu que é fator de di-
ficuldades, de contradições, de desequilíbrio, um pouco como
acontece na sociedade humana. Esse saber, fruto da adaptação
do aluno, manifesta-se pelas respostas novas, que são a prova
da aprendizagem (BROUSSEAU, 1986, p. 49). Esta hipótese é
uma referência à epistemologia construtivista de Piaget, segundo
a qual a aprendizagem decorre de processos de adaptação, no
sentido biológico do termo, desenvolvidos pelo sujeito diante de
situações problemáticas.
2. O milieu não munido de intenções didáticas é insuficiente para
permitir a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo apren-
diz. Para que haja essa intencionalidade didática, o professor
deve criar e organizar um mi/ieu no qual serão desenvolvidas as
situações suscetíveis de provocar essas aprendizagens.

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

3. A terceira hipótese postula que esse milieu e essas situações


devem engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos
no processo de ensino e aprendizagem.
Acrescentamos uma quarta hipótese, extraída diretamente de
Bachelard (1938, p. 17): "no fundo, o ato de conhecer dá-se contra um
conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos,
superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização".

2. Situação didática, situação adidática

O objeto central da teoria das situações é a situação didática de-


finida como

o conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou impli-


citamente entre um aluno ou grupo de alunos, um certo milieu
(contendo eventualmente instrumentos ou objetos) e um si.-,i.~ma
educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber
constituído ou em constituição (BROUSSEAU, 1978, tradução
nossa).

A situação adidática, como parte essencial da situação didática, é


uma situação na qual a intenção de ensinar não é reyelada ao aprendiz,
mas foi imaginada, planejada e construída pelo professor para propor-
cionar a este condições favoráveis para a apropriação do novo saber que
deseja ensinar.
Para Brousseau ( 1986), uma situação adidática tem as seguintes
características:
• o problema matemático é escolhido de modo que possa fazer o
aluno agir, falar, refletir e evoluir por iniciativa própria;
• o problema é escolhido para que o aluno adquira novos conh~-'
cimentos que sejam inteiramente justificados pela lógica interna
da situação e que possam ser construídos sem apelo às razões
didáticas; 7
• o professor, assumindo o papel de mediador, cria condições para
o aluno ser o principal ator da construção de seus conhecimentos
a partir da(s) atividade(s) proposta(s).

7
O aluno aprende por uma necessidade própria e não por uma necessidade aparente do
professor ou da escola.

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SAooo Ao ALMOULOUD

Ainda segundo Brousseau ( 1986, p. 49), cada conhecimento pode


ser caracte~izado por, pelo menos, uma situação adidática que preserva
seu sentido e que é chamada de situação fundamental. Ela determina o
conhecimento ensinado a um dado momento e o significado particular
que esse conhecimento vai tomar do fato tendo em vista as escolhas
das variáveis didáticas e as restrições e reformulações sofridas em seu
processo de organização e reorganização.
Assim, uma situação fundamental constitui um grupo restrito de
situações adidáticas cuja noção a ensinar é a resposta considerada a mais
adequada/indicada, situações que permitem introduzir os conhecimentos
em sala de aula numa epistemologia propriamente científica.
Perrin-Glorian ( 1999) afirma que a situação fundamental é uma
situação adidática característica de um saber (saber correspondendo às
situações de validação) ou de um conhecimento (conhecimento corres-
pondendo às situações de ação). Os diferentes valores dados às variáveis
didáticas da situação fundamental devem permitir gerar todas as situações
representativas dos diferentes sentidos ou diferentes ocasiões de emprego
do saber em jogo.
Para Legrand (1993, p. 124), uma situação será fundamental se ela:
- tiver, por sua consistência epistemológica e sua adaptação ao
campo conceituai do aluno, o poder de modificar o conformismo
escolar;
- permitir uma desestabilização e justificar a aceitação de uma
mudança de ponto de vista, que deve então favorecer os conflitos
da racionalidade;
- permitir a devolução do projeto global do saber.
Ainda segundo Legrand (1993, p. 125), a situação fundamental
que pretendemos construir para permitir uma aquisição significativa e
problemática do saber deve, então, ser capaz de transmitir ao aluno o
projeto do saber sob três formas:
• dar ao aprendiz "epistêmico" a possibilidade de encarar uma
mudança de ponto de vista sobre o conhecimento estudado;
• permitir ao aprendiz psicológico estudar como ele poderia aceitar
a transformação da sua relação com o saber;
• indicar ao aprendiz escolar o tipo de trabalho que deve fazer para
transformar em saber as noções estudadas na situação.
Uma situação didática se caracteriza pelo jogo de interações do
aluno com os problemas colocados pelo professor. A forma de propor
esses problemas ao aluno é chamada de devolução, e deve ter por obje-

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p

F UNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

ti, o provocar uma interação suficientemente rica e que permita ao aluno


desenvolvimento autônomo.
O aluno não distingue de imediato, na situação, o que é de origem
1didática ou de origem didática.
Para Brousseau:

A concepção moderna do ensino solicita, pois, ao professor que


provoque no alw10 as adaptações desejadas, por uma escolha judi-
ciosa dos problemas que lhe propõe. Estes problemas, escolhidos
de forma a que o aluno possa aceitá-los, devem levá-lo a agir, a
falar, a refletir a evoluir por si próprio. Entre o momento em que
o aluno aceita o problema como seu e o momento em que produz
sua resposta, o professor recusa-se a intervir como proponente
dos conhecimentos que pretende fazer surgir. O aluno sabe per-
feitamente que o problema foi escolhido para o levar a adquirir
um conhecimento novo, mas tem de saber igualmente que esse
conhecimento é inteiramente justificado pela lógica interna da
situação e que pode construí-lo sem fazer apelo a razões didáticas
(BROUSSEAU, 1986, p. 49, tradução nossa).

Vemos que esse processo de ensino e aprendizagem apoia-se na


noção de devolução, já introduzida nesse texto e definida como o ato
pelo qual o professor faz o aluno aceitar a respon~abilidade de uma
situação de aprendizagem (adidática) ou de um problema aceitando as
consequências dessa transferência.
Na teoria das situações, o milieu é um sistema antagonista ao
sujeito, sendo o milieu adidático um sistema sem intenção didática,
exterior ao sujeito, que, por suas retroações às ações do sujeito, permite
sua reflexão a respeito de suas ações e de sua aprendizagem. Ou seja, o
aprendiz é o responsável pelo processo de sua aprendizagem.
Segundo a teoria piagetiana, a criança aprende adaptando-se a um
milieu numa situação não didática. Brousseau ( 1986) salienta, porém,
que o mi/ieu sem intenções didáticas é manifestamente insuficiente para
induzir no aluno todos os conhecimentos que se deseja que ele adquira A
relação didática tem por finalidade desaparecer, e o sujeito deverá então
poder utilizar os conhecimentos assim construídos fora de todo contexto
com intenção didática Essas duas condições explicam a necessidade da
noção do mi/ieu na teoria das situações didáticas.
O mi/ieu da situação fundamental é um milieu para a aprendiza-
gem do saber que ela representa. Esse mi/ieu pode ser decomposto em
diferentes situações adidáticas que podem gerar a situação fundamental,

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SADDO AG ALMOULOUD

resultando em uma organização que Perrin-Glorian ( 1999) chama de es-


truturação horizontal do milieu adidático, referente ao saber matemático
(voltaremos a estudar mais a fundo a estruturação do milieu).
É importante destacar que a noção de situação fundamental
apoia-se numa hipótese muito forte, na qual se deve questionar, para
todo conhecimento, se é possível encontrar pelo menos um jogo formal,
· comunicável, sem utilizar o conhecimento que determina, nesse jogo, a
estratégia mais adequada. Segundo Perrin-Glorian ( 1999), a existência
de uma situação fundamental representativa de um saber não implica
necessariamente a existência de uma situação didática que permite en-
sinar ou -aprender esse saber num determinado nível de ensino, pois isto
significa também a existência de um contrato didático 8 que permite fazer
a devolução para o funcionamento dessa situação fundamental.

3. Modelagem das situações adidáticas

Para analisar o processo da aprendizagem, a teoria das situações


observa e decompõe esse processo em quatro fases diferentes, nas quais o
saber tem funções diferentes e o aprendiz não tem a mesma relação com
o saber. Nessas fases interligadas, podem-se observar tempos dominantes
de ação, de formulação, de validação e de institucionalização.
Brousseau modela as situações adidáticas em termos de jogo. Uma
situação suscetível de provocar uma·aprendizagem será tal que o aluno
dispõe de uma estratégia básica para começar a jogar. Tal estratégia
deve permitir ao sujeito compreender o problema e as regras do jogo.
No entanto, as retroações fornecidas pelo milieu lhe permitem também
perceber que essa estratégia não permitirá ganhar o jogo ou então que
seu custo didático ou cognitivo é muito grande. Uma estratégia ótima
deveria ser criada ou viabilizada utilizando-se conhecimento visado.
Uma situação didática é caracterizada pelo milieu, e este é organi-
zado a partir da escolha das variáveis didáticas, que são aquelas para as
quais a mudança de valores provoca modificações nas estratégias ótimas,
o que a toma um ponto importante no estudo de modelos de aprendi-
zagem segundo a teoria das situações. Uma mudança significativa nos
valores assumidos por certas variáveis é chamada salto informacional,

• Estudaremos a noção de contrato didático mais adiante.

36

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>
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

e pode levar a uma mudança qualitativa nas estratégias pertinentes para


resolver o problema. A determinação dessas variáveis e o "valor" do salto
a ser efetuado para potencializar a aprendizagem são pontos marcantes
na construção das situações. Uma primeira escolha da(s) variável(eis) e
os valores a serem assumidos por elas pode servir à devolução do pro-
blema e ao encaminhamento de uma estratégia básica. Novas escolhas
se farão necessárias (tanto de valores das mesmas variáveis já em jogo
como de outras variáveis) para o desenvolvimento da situação adidática
pretendida.
A teoria das situações desenvolveu-se a partir da classificação de
situações caracterizadas por três tipos de dialéticas ou interações funda-
mentais com o milieu, que envolvem diferentes relações com o saber em
jogo: trocas diretas para uma ação ou uma tomada de decisão, trocas de
informações numa linguagem codificada, trocas dos argumentos.

3.1 Dialética da ação


Ela consiste em colocar o aprendiz numa situação, chamada situ-
ação de ação, tal que:
- coloca um problema para o aluno cuja melhor solução, nas
condições propostas, é o conhecimento a ensinar;
- o aluno possa agir sobre essa situação e que ela lhe retome
informações sobre sua ação.
O Esquema 4 mostra as relações da dialética de ação de acordo
com Henry ( 1991 ).

lnformaçlo .....
,/
Situação 1/ Aprendiz
"'- Ação

Sanções .....
,/

ESQUEMA 4 - DIALÉTICA DE AÇÃO

Uma boa situação de ação não é somente uma situação de manipu-


lação livre ou que exija uma lista de instruções para seu desenvolvimento.
Ela deve permitir ao aluno julgar o resultado de sua ação e ajustá-lo, se
necessário, sem a intervenção do mestre, graças à retroação do milieu.
Assim, o ·aluno pode melhorar ou abandonar seu modelo para criar um
outro: a situação provoca assim uma aprendizagem por adaptação.

37

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....

SAooo Aa ALMOULOUD

Essa fase é essencial para o aluno exprimir suas escolhas e deci-


sões por ações sobre o milieu. Nela, as interações estão centralizadas
na tomada de decisões, embora possa haver trocas de informações (se
os alunos trabalham em grupo, os conhecimentos dos elementos desse
grupo fazem parte do milieu de cada um dos alunos, propiciando, por-
tanto, retroações), mesmo que não sejam necessárias à ação. Os alunos
dispõem das mesmas informações e as decisões são orientadas pelas
retroações do milieu.

3.2 Dialética de formulação


. Nesta fase de uma situação adidática, o aluno troca informações
com uma ou várias pessoas, que serão os emissores e receptores, trocando
mensagens escritas ou orais. Estas mensagens podem estar redigidas em
língua natural ou matemática, segundo cada emissor. Como resultado,
essa dialética permite criar um modelo explícito que pode ser formulado
com sinais e regras comuns, já conhecidas ou novas. É o momento em
que o aluno ou grupo de alunos explicita, por escrito ou oralmente, as
ferramentas que utilizou e a solução encontrada.
O objetivo da dialética de formulação é a troca de informações.
Por exemplo, se o aluno deve agir e não dispõe de toda a informação e se
seu parceiro no jogo dispõe das informações que lhe faltam, pode haver,
nessas trocas, julgamentos, debates de validade, sem que isto constitua
necessariamente uma situação de formulação.

Sanção

SITUAÇÃO MENSAGEM
Sançlo

RECEPTOR

ESQUEMA 5 - DIALÉTICA DE FORMULAÇÃO

A dialética de formulação, segundo Brousseau, consiste em propor-


cionar ao aluno condições para que este construa, progressivamente,
uma linguagem compreensível por todos, que considere os objetos e as
relações matemáticas envolvidas na situação adidática.

38

--· Scanned by CamScanner


- FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Une dialectique de la formulation consisterait à mettre au point


progressivement un langage que tout le monde comprenne et
qui prenne en compte les objets et les relation pertinentes de
la situation de façon adéquate (c'est-à-dire en permettant les
raisonnements utiles et les actions). A chague instant, ce langage
construit serait éprouvé du point de vue de lintelligibilité, de la
facilité de construction, de la longueur des messages qu 'il permet
d'échanger. La construction ou code (repertoire, vocabulaire,
quelquefois syntaxe) en tangue ordinaire ou en langage formalisé
rend possible l'explicitation des actions et des modeles d'action
(BROUSSEAU, 1998, p. 36, tradução nossa). 9

3.3 Dialética da validação


É a etapa na qual o aprendiz deve mostrar a validade do modelo
por ele criado, submetendo a mensagem matemática (modelo da situação)
ao julgamento de um interlocutor. De um lado, o emissor deve justificar
a exatidão e a pertinência de seu modelo e fornecer, se possível, uma
validação semântica e sintática. O receptor, por sua vez, pode pedir
mais explicações ou rejeitar as mensagens que não entende ou de que
discorda, justificando sua rejeição. Assim, a teoria funciona, nos debates
científicos e nas discussões entre alunos, como milieu de estabelecer
provas ou de refutá-las.

SITUAÇÃO TEORIA

RECEPTOR

Sanção
ESQUEMA 6 - DIALÉTICA DA VALIDAÇÃO

9 Uma dialética da fonnulação consistiria em desenvolver progressivamente uma lingua-

gem compreensível por todos e que leva em conta os objetos e as relações pertinentes da situação
de fonna adequada (isto é, pennitindo raciocínios úteis e ações). A cada instante esta linguagem
construída será testada do ponto de vista de sua inteligibilidade, da facilidade de construção, do
tamanho das mensagens que se podem trocar. A construção ou código (repertório, vocabulário,
algumas vezes a sintaxe) em língua natural ou linguagem formal torna possível a explicitação
das ações e·dos modelos de ação.

39

.....
Scanned by CamScanner
SAooo Aa A LMOULOUD

Enquanto o objetivo principal da situação de formulação é a comu-


nicação linguística, a dialétic~ de validação busca o debate sobre a certeza
das asserções, o que permite organizar as interações com o milieu.
Em suma, o objetivo é a validação das asserções que foram for-
muladas nos momentos de ação e de formulação, podendo se referir a
diferentes níveis de validade: sintática, semântica ou mesmo pragmática
(relativa à eficácia do texto).

3.4 Dialética da institucionalização


Em sua primeira formulação, a teoria só apresentava as três pri-
meiras etapas. A evolução nas discussões e utilizações dessa teoria foi
enriquecida com as noções de contrato e institucionalização, entre outras.
As situações da institucionalização foram então definidas como aquelas
em que o professor fixa convencionalmente e explicitamente o estatuto
cognitivo do saber. Uma vez construído e validado, o novo conhecimento
vai fazer parte do patrimônio matemático da classe, embora não tenha
ainda o estatuto de saber social:
- se feita muito cedo, a institucionalização interrompe a constru-
ção do significado, impedindo uma aprendizagem adequada e
produzindo dificuldades para o professor e os alunos;
- quando feita após o momento adequado, ela reforça interpreta-
ções inexatas, atrasa a aprendizagem, dificulta as aplicações;
- é negociada numa dialética.
Depois da institucionalização, feita pelo professor, o saber torna-
se oficial e os alunos devem incorporá-lo a seus esquemas mentais,
tornando-o assim disponível para utilização na resolução de problemas
matemáticos.
Nadine Milhaud (apud HENRY, 1991, p. 40) propõe uma mode-
lagem de aprendizagem centrada na teoria das situações didáticas. O
Quadro 1 ressalta, horizontal e verticalmente, as características de cada
fase da situação didática, identificando o fundamento de quàtro processos
didáticos nas relações dos alunos com o saber:
1 - sucessão das fases de personalização, despersonalização,
socialização e repersonalização do saber;
2 - esse saber é, prontamente, recontextualizado para o problema
visado, fonte da atividade. Na sequência, ele é descontextua-
lizado para ser reutilizado em outros contextos;

40

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SffiJAÇÃO deN;k, de FORMULAÇÃO de VALIDAÇÃO de INSTITUCIONALIZAÇÃO de REUTILIZAÇÃO
-
~

DIDÁTICA
na qual o ..,_. lllm fUNÇÕES DIFERENTES: 10mar decisõel, comunicar, provar, generalizar, l1IIPOllder 6s quellõel.

O PROFESSOR
1 &colhe. propõe, orvanza e gerWICia a s ~ dlcMticN w quais
os alunos l!m l'8lpOnSlbilicl de gerenciar as funções do saber
11 Ele coloca em re1aç1o as produçõel
com o saber social que institui
11 Ele a>nllrói ~ de treino
e propõe novas li1uaÇões
1

Perlonallmçlo Despersonallzaç Socialização do saber RepenonallzaçAo


OSALUNOS
Seu SABER

~
<
~ --,do--L,~----,:::::1
. 1 ,
======~1,1~1----=.~1===11
'
11
1 Que empenhem
1 l
Queempeiil1leln 0ueell1>fllo'lem
~ 1 Devem ~r-se do sat. 1 1 Empemam o now aiaema 1
Ul COlll'leoi'lientm peuoais conheámenflOI e uma 00lo'lec:imen1ol para OBJETO do estudo conhecimenm
~
o que o profeaor que funcionam como linguagem comum JUSTIFICAR, provar
espera dos ak.no8
~ fenwnelltas utilzadac:omo criticar
o< FERRAMENTA

-----------.• .....----------,
1·..--1
<
.....estudando:
--
(.)
A fim de corigir ou fazer automatizando técnk:as para resolver problemas novos
<
e Suasproctuçl5es evoluir a produção ou as definições, a linguagem de utilizações e ,_ novas situações

ª
. eâ'à6gias, suas produQões
õ de participar da elaboraçlcl as notações, oa teoremas • de funclonemento conlextuals
< de uma produção coletiva do saber
o
.n
ç
r- ,, NelUI síluaçõel, o saber esté bastante relacionado 00l11 o contexto O uber 6 fora do contexto:
O saber 6: 1

:=:~,
'3 O SABER
CONTEXTUALIZADO DESCONTEXTUALIZADO RECONTEXTUALIZADO
~ 1 1
o< SINTAXE
z
::>
ú-
SEMÂNTICO
Objetos, sentido, algnlficaçlo
1
1
Da teoria, de sua artlculaçlo
l 1
SEMÂNTICA
daexpllcaçlo
1
o, aabf,rea Já adqulridol funcionam como ferramentas explldtu,
S.,Nla1&*): o, sabe<ea que foram construídos funcionam como:
ferramentas impllclta1 (poli pré-construídos) Objelol de estudos Ferramenta, expllcltas

QUADRO 1 - SITUAÇÃO DIDÁTICA


FONTE: MILHAUD, apudHENRY, 1991, p. 40

~~ - -~ -------"-~- - .4
," Dno Au A1.Mrn 11.01J1)

J - csto dinl~tico do e ntexto induz t\ dialética / <'rramenta-


oly'eto. cvidoncit,da por Régine Douody ( 1986) (que veremos
no capitulo 111).
4 - enfim, o saber passa sucessivnmente de um estatuto de novo
no estututo de antigo.
Do ponto de vista do contrato (que vamos também estudar no
capitulo IV), é o aluno quem tem a responsabilidade de gerenciar sua
relação com o saber nas fases de ação, de formulação e de validação.
O professor está encarregado da fase de institucionalização. Ele deve
determinar a forma e o conteúdo do saber para o qual ele quer dar um
estatuto oficial. levando em conta os efeitos da transposição didática
(ver capitulo VI 1).

4. Estruturação do milieu adidático


Lembramos que o objetivo da teoria das situações didáticas é
estudar os fenômenos que interferem nos processos de ensino e de apren-
dizagem da matemática e propor um modelo teórico para a construção,
a análise e a experimentação de situações didáticas. Um dos pontos
fundamentais que dão suporte a essa teoria é a noção de mi/ieu, que foi
introduzida por Brousseau para analisar, de um lado, as relações entre
os alunos, os conhecimentos ou saberes e as situações e, por outro lado,
as relações entre os próprios conhecimentos e enti:e as situações.
Assim, a escolha de uma situação didática deve levar em consi-
deração as possf veis posições de um sujeito na relação didática, sendo
imprescindível identificar essas posições em relação a outras, assim
como suas articulações.
A posição de um "agente" num jogo adidático é diferente da po-
sição de um aluno submetido às intenções do professor. O professor é o
organizador dos jogos do aluno com o mi/ieu, pois ele escolhe as situações
adidáticas mais adequadas com as quais os alunos devem interagir para
encaminhar o processo de aprendizagem. Brousseau ( 1986) descreve o
mi/ieu por uma estrutura "encaixada" na forma de "cebola", conforme
a Figura 1, cujo ponto de partida é o "milieu material" (M _3).

4.1 Análises ascendente e descendente


Margolinas ( 1995a), apoiando-se em Brousseau ( 1986; 1990), trans-
fonnou esse modelo para valorizar o caráter central da situação didática e
para analisar, simetricamente à situação do aluno, a situação do professor.
42

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p

FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

FIGURA 1 - ESTRUTURA DO MILIEU

Margolinas (1995a) desenvolveu a ideia de duas análises possíveis


(cf. Quadro 2): a análise ascendente e a análise descendente, associando
essas análises aos pontos de vista de alunos e do professor (visualizadas
no Esquema 7). A análise ascendente que caracteriza a atividade do aluno
(em uma situação adidática) começa da estrutura (S_3) e vai até a situação
didática (S 0). A análise "descendente" caracteriza a atividade do professor
nos diversos níveis da estruturação do milieu (iniciando em S+3 até S0).
Na estruturação proposta podem-se identificar as posições M (relativa
ao milieu), E (relativa ao aluno) e P (relativa ao professor).
: ...... ,_,.,,...,.,_,_. . ' ····,r-·· . · ··--·. ··-·-·-· .... ··· ······-·- ·····--····--. ........-•··· ·--.... !, ..... ..• .,,_,., ... -· ....,.._____ . __ ..,,,..,,,_, ___ ·- ··
1
1M+3
1M de construção
.!
·1 P-noosfera
lS+3
S-noosfera !
.
fM:2-· -·~--· · · · · ·-·-- ·-··-r··-·- ······-··- ·-·····--·--·-··· ·1·p·~2·····--····-·-······..·-···· :,-s~2-·- --.. . ._ ,... . _-1
j M de proJeto iP-construtor . j S-de construção !
M; j'" '"' .·· -·. ... . . ·· ·rE~1·· .. . . . . ....... -- . .. í p.;1·· ·-····· . . . . .......Ts:1· ,. . . . . . . . . .. ... . ... . .;
1
1

/M didático i E-reflexivo IP-planejador ISde projeto l


r.·- -......... ----.--.-··- .·. ... . . ......-·---·-·-·-·-- -·-·-r·-..·-···--·--·......._ _-- - +----------- ·· ,.-i 1
1MO /EO JPO 1 SO J

lM de aprendizagem /A/uno !
~~:;:---r: !~-:-rvado~----1
; Professor S-didática

~ refe:cia - -- -r
, - · · -......................- -................. .. ....... _ ...... 1 . ,. ..- . . , .. _ ..._ ............., ........... r .. ..
~:!prendi:mgem
.......-....... _ .__. ,..................................[.........................,,_ _ ________J
-1
IM-2 IE"2 i S-2 i
j M-objetivo E-agindo : . 1 S de referência 1
fi,:j--·-· ·---.. --·· · .....-.. TIe~j-·_. . .............. . ·-···--··1···. . ----.....- ........ "Ts:j ·----·----- --!
j M-material
·--·-·
·-·- ....
j E-objetivo
.....
-·-·····--··-··- .... . ,. ···-·"-
.._ -···· .. . ... ....
!S-objetiva ..-· - ........:
............... -······-···..
J
...._ ... .. ... ... ... ...... _, - ···- ··- · ....,_, __ ---·· --·····-··-.. .. .... ··-·······
, ... ··- -
1

QUADRO 2 - ESTRUTURAÇÃO DO MILIEUDE MARGOLINAS (1998, p. 16)

43

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SADoo AG ALMOULOUD

Para melhor compreensão da evolução da situação em jogo, englo-


bando a análise ascendente e a descendente, devemos considerar que o
professor, antes de entrar no nível S0, faz a devolução do problema para
o aluno, desencadeando o nível S-3.

A análise descendente e o papel do professor


Mo Eo Po So
f

-
1 M +3 1 E +3 1 P+3
1 s +3
1 p -1 S -1 1
1 M-1
'
-
1 M +2 1 E +2 1 P+2 1 s +2 + 1
1 p
' M-2 -2 S -2 1
s +1

-
M +1 E +1 p +1 t
1
M -3 p -3 s -3
Professor faz
a devolução A an.ilise aSCl!Odente e o papel do aluno

ESQUEMA 7 - ESTRUTURAÇÃO DO MILIEU

O nível +3 (chamado de noosfera) caracteriza a atividade do pro-


fessor que está refletindo de modo geral sobre o ensino da matemática
e/ou sobre o ensino de um dado tema.
No nível +2 (nível de construção), a atividade do professor consiste
em traçar as grandes linhas de como ensinar um dado tema. É nesse nível
que ele procura situações fundamentais, se seu objetivo for desenvolver
uma engenharia didática, por exemplo. •
O nível +1 (nível de projeto) corresponde ao momento do plane-
jamento de uma aula.
O nível O (nível didático) caracteriza a ação do professor em sala
de aula. É o nível da institucionalização. A situação S0 é formada pelas
interações M 0 , E 0, P 0• O mi/ieu M 0 é constituído pelas interações entre
um mi/ieu (M_1) , um sujeito que caracteriza uma das posições do aluno
(E_1) e um sujeito que caracteriza uma das posições do professor (P_ 1) .
O nível -3 é caracterizado pelo momento no qual o aluno toma
conhecimento do problema que lhe é proposto (o professor fez a devo-
lução do problema).
O nível -2 é caracterizado pela situação de referência (S_2) , inter-
mediária entre a situação objetiva e a situação de aprendizagem para o
aluno. Os alunos (E_2) estão em situação de resolução de problema e o
professor (P_2 ) age como mediador e observador das ações dos alunos

44

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- F1 INllAMl N'I 1s l >,\ l)ll l Tlf'A I A MAT MÁTK'A

pt\ll\, ev ntunlm "nl '. unte 'ipnr us inl rv nções que deve fazer na insti-
tu ·il1nulizu ·l)o lo ·ul ~ na volidt,çrto.
O nlv :)I - 1 (nivcl de obsorvoçilo) é marcado pela devolução ou da
obser a~ão du utividud 'dos t\lunos. E' nele que identificamos a situação de
nprendizngem (S). Úno mili 11 de\ r forôncin (M) que os conhecimentos
do aluno se transformam ~m sob r ~ que ele começa a identificar os conhe-
ciment()S que :)1 d v:) ompr ender e validar do ponto de vista científico.
Neste nlvd, o milieu p rmite ao aluno ( E.,) fazer tentativas, mas não lhe
p ..rmite ·oncluir o trabalho, por insuficiência de conhecimentos.
Dentro dessa evolução sugerida pela estruturação do milieu, o
suj "ito opr ..nd n partir d sua ação, sendo. portanto, responsável por
sua aprendizagem.
Pa.rn facilitar a análise de situações muito complexas, que envolvem
muitos conh cimentos. Perrin-Glorian ( 1998) distingue no milieu três
componentes importantes:
• o componente material, constituído de dados objetivos, materiais
ou não, inclusive instrumentos;
• o componente cognitivo, constituído de saberes e conhecimentos
disponíveis necessários à resolução de um problema e que não
são necessariamente institucionalizados;
• o componente social constituído de outros atores que podem
intervir na resolução de um problema: parceiros, outros alunos,
professor. Segw1do a autora, uma intervenção desse componen-
te - que é normalmente especifico do milieu adidático - pode
levar a uma mudança no milieu cognitivo dos níveis inferiores,
ou seja, na passagem de uma situação para outra.
Ces composantes ne sont pas independantes. Une modification
de l'une d'entre elles entraine en général tlma modification des
autres. Par exemple, dans une construction géométrique, si l'on
modifie les instruments disponibles, on mod.ifie par la même les
connaissances à mettre dans le milieu matérial.
En principe la composante sociale n'intervient qu'à partir du
niveau didactique quand il s'agit du maitre. Une intervention
du maitre peut être interprétée comme un changement dans la
composante cognitive du milieu matériel (données objectives
indépendantes de l'éleve) et va donc changer la situation adidac-
tique (PERRIN-GLORIAN, 1998, p. 19).

Para fazer uma análise a posteriori, Perrin-Glorian distingue o


componente cognitivo potencial e o componente cognitivo efetivo, sendo

45

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SADoo Ao ALMouwuo

o primeiro constituído dos conhecimentos disponíveis e bem assimilados


dos alunos, ou seja, dos conhecimentos e saberes antigos que o aluno é
capaz de mobilizar sozinho e de forma estável para a resolução de um
problema. O segundo constitui a parte do mi/ieu cognitivo potencial que
é efetivamente ativada na situação adidática.
Para a autora, o milieu cognitivo potencial é determinado pelas
análises prévias e as informações que dizem respeito ao ambiente dos
alunos. E acrescenta:

On peut prévoir un milieu cognitif potentiel maximal (les savoirs


et connaissances utiles pour la résolution qu 'on peut mieux. espérer
au niveau ou on propose la situation) qui vont déterminer les pro-
cédures attendues, et des variations suivant les groupes d'éleves,
certains savoirs et certaines connaissances n'étant disponibles
dans le milieu potentiel que pour une parte des éleves. (p. 20)

Segundo Margolinas (2002), o professor toma decisões em todos os


níveis de sua atividade.
,-
Essas decisões e as interações com os diferentes
milieux podem provocar transformações nos conhecimentos do professor,
quer dizer, produzir uma aprendizagem por parte do professor.

Comme dans toute situation non didactique, le professeur peut


pourtant transfonner ses connaissances dans l' interaction avec un
milieu. Pourtant, le caractere non didactique de la situation auto-
rise essentiellement les situations d'action, rarement les situations .
de fonnulation, et de validation et pratiquementjamais la situation
de institutionnalisation. C'est dire que les connaissancê du pro-
fesseur développées dans ces situations seront le plus souvent des
connaissances implicites. (MARGOLINAS, 2002, p. 144)

Podemos ainda identificar duas categorias para a análise do milieu:


milieu antagonista e milieu aliado. A noção de milieu aliado foi intro-
duzida por Fregona (1995), segundo a qual para agir e para aprender
o aluno deve perceber a insuficiência de seus milieux de controle; por
isso o subsistema com que ele negocia não deve ser um aliado, mas um
-antagônico. Segundo Margolinas (2002, p. 148), o caráter antagonista do
milieu está relacionado com a existência de uma interação efetiva. ''Um
mi/ieu diz-se antagonista se é capaz de produzir retroações sobre os co-
nhecimentos do sujeito. Diremos que um milieu é aliado se ele só permite
a ação do sujeito, mas não é suscetível de produzir retroações."

46

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>
F UNDAMENTOS l)A DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Entretanto, se o professor busca organizar um milieu aliado cujo


objetivo é evitar a confrontação, então temos interações fictícias.

Exemplo 1
ABC é um triângulo retângulo em A.
a) Amplie esse triângulo, multiplicando por 4 as dimensões indi-
cadas. O triangulo A'B 'C' que você vai obter é uma ampliação na razão
4 do triângulo desenhado.
Dica: Para representar uma figura
na razão 4, multiplicam-se as dimensões A
desta figura por 4.
b) Calcule a medida da hipotenusa
B '(" do triângulo A'B 'C' (observação:
pense em usar o teorema de Pitágoras).
A construção pedida é o reconhe- C
~;..-----~B
cimento das propriedades de um milieu FIGURA 2
aliado, que encaminha a uma aprendizagem por ostensão, ou seja,
aprendizagem pela observação de modelos prontos (objetos materiais
manipulados pelo aluno: multiplicar por 4, desenhar a figura ampliada,
usar o teorema de Pitágoras). Contrariamente, na aprendizagem por
adaptação, trata-se de construir conhecimentos apesar de um milieu
antagonista que resiste às ações do sujeito aprendiz, forçando-o a evoluir
em suas estratégias.

Exemplo 2

Como construir um segmento AB de comprimento .Js


unidades
de medida.
A construção pedida é reconhecida como um mi/teu antagonista.
A situação não oferece nenhuma "dica" sobre a estratégia a ser utilizada
para a construção do segmento AB. Para resolver o problema proposto,
o aluno precisa analisar seu repertório de conhecimentos ou saberes a
respeito de Geometria e fazer conjecturas sobre quais deles poderiam
ajudá-lo na construção. O objetivo do problema seria desenvolver
habilidades como: saber usar os objetos matemáticos na resolução de
problemas contextualizados, refletir, raciocinar e validar matematica-
mente sua construção. O aluno poderá, por exemplo, usar o teorema de
Pitágoras para justificar que o segmento AB poderia ser a hipotenusa de

47

-- Scanned by CamScanner
SADI)O Ao A1.Mrn 1w110

um triângulo retângulo de catetos m •dindo rcsp ctivom nte 1 2. Nest


caso, os objetos materiais qu deverão ser numipulodos pelo SlU ito s&o:
desenhar a figura, o teorema de Pitágoras num ros r ais.

4.2 Análise de situações-problema segundo a


estrutura de milie11
Apresentamos, a seguir, algumas situações anal isadas segundo
a estruturação do milieu, observando as diferentes posições do aluno e
seus processos de aprendizagem, bem como o papel do professor nessas
diferentes posições. A análise proposta começa pela situação materia.1 ou
objetiva e tem1ina na situação didática (situação de institucionalização).

Exemplo 1
É possível encontrar números reais cujo quadrado é -1? (MARGO-
LINAS, 2002)

Análise didática da situação


O objetivo do problema é levar o aluno a perceber que não existe
um número real cujo qua,drado seja igual a -1.

Determinação da situação objetiva ( S_ 3 )


A situação objetiva é uma situação não finalizada na qual o milieu
material (M_J é composto por, no mínimo: os números naturais, intei-
ros, racionais que são os objetos disponíveis para E_3 que lhe permitem
iniciar a resolução do problema. Os conhecimentos de E_3 que permitirão
a interação com M_3 são:
• propriedades da multiplicação, regras de sinais; e
• a definição de um quadrado como multiplicação do número por
si próprio.
Na situação S_3, o sujeito E_3 produz (efetivamente ou virtualmente)
pares de números do tipo (a, a2).

Determinação de S_1
Conforme ilustrado no Quadro 2, os objetos da situação objetiva
(S_3) com os quais E_3 estabelece uma relação local e estável constituem
o mi/ieu (M_i), o qual contém os pares (a, a2), objetos par~ a interação
com E.r Na situação S_2, E_2 busca pares de números (a, a2) tais que a2 =

48

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e
FIJNIJAM11NTOS IM l>IIJATICA DI\ MA'l'HMÂ'l'll 'A

-1, em que essa exploração sistemática do conjunto de pares torna-se


a estratégia básica.

Obtenção da situação ( S_,)


A situação (S) é a situação de aprendizagem. mi/leu M.1 formado
pela ausência de pares (a, a2) tais que a2 =-1 (que é a relação estável de E.2 com
os pares tais que a2 = -1 ). O aluno E_1 deve buscar as rnzões dessa ausência,
pelo estudo das propriedades do milieu. Neste nível, o milieu M.1 permite
ao aluno E_ 1 fazer tentativas, mas não lhe permite concluir o trabalho, por
insuficiência de seus conhecimentos. Na situação adidática S_ 1 o aluno E. 1
buscaajustificativa da não existência de um número real cujo quadrado seja
igual a -1. O professor P_ 1 assume a posição de observar sem concluir.

o milieu adidátic~ s()


A situação S0 é a situação didática. É nesta situação que se busca
uma razão matemática para justificar a ausência de um número real cujo
quadrado seja -1. O aluno E0 pode formular o que aprendeu na situação
S_ 1 e o professor P0 irá intervir para concluir e institucionalizar o novo
conhecimento.

Exemplo 2: Situação do floco Koch de Bloch (2002)


Considere um triângulo equilátero F0 • Divida cada lado desse
triângulo em três segmentos congruentes. Construa sobre os lados de F0
triângulos equiláteros de lados congruentes a esses segmentos, obtendo
a Figura F 1• Faça a mesma operação com a Figura F 1, obtendo a Figura
F2 • Continue o processo até a Figura de ordem n.
É possível determinar a área A0 ~ o perímetro P11 da figura de ordem
n? Estude a variação da área e do perímetro de F11 quando n aumenta
indefinidamente.

Análise didática da situação-problema


Essa situação envolve um problema geométrico cujo objetivo é
introduzir o conceito de limite de sequências numéricas. A "figura-limite"
não é conhecida, nem de acesso fácil. O termo geral das sequências nu-
méricas exprime-se em função de n. Os alunos devem ter como conhe-
cimentos prévios sequências numéricas, uma vez que as encontradas no
desenvolver dessa atividade permitirão fazer um trabalho numérico.

49

,.,,
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SAooo Aa ALMOULOUD

FIGURA 3 - FLOCOS DE KOCH. FONTE: BLOCH, 2002, p. 133

Determinação do milieu objetivo ou material ( M_3 )


Esse milieu pode ser constituído pelas figuras F O resultantes das
construções sucessivas do floco e permite:
• calcular o perímetro e a área das primeiras figuras F 0, F 1, F 2,
F 3' F4;
• calcular o perímetro P n, e a área A n da figura genérica F n em

função de n, e
• formular conjecturas a respeito dos valores dos limites de P n e
de A 0 quando n aumenta indefinidam~nte.

Determinação do nível -3
Nesse nível, supõe-se que o aluno saiba construir figuras, entenda
a importância da figura na compreensão de um conceito matemático e
tenha a capacidade de imaginar o infinito, pelo menos numa construção
geomé_trica.
A situação material ou objetiva S_3 será, então, constituída das
figuras F0 , F 1, F 2 , F 3 , F4 e dos cálculos possíveis que foram previstos.
No nível E_ 1, o aluno E_2 calcula então perímetros e áreas das
figuras, pois entende o cálculo de perímetros e áreas de triângulos e é
capaz de organizar fórmulas "coerentes": n ~ P 0 , n ~ N 8 • A situação
adidática S_2 é assim constituída pela terna (Fi, Pi, Ai), O s i s 4 (situa-
ção de referência). O milieu M_, é definido pela questão: o que acqntece
quando n cresce indefinidamente?

50

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

No nível -1, o aluno E_" a partir dos cálculos feitos para O~ i~4,
percebe que precisa achar uma fórmula mais geral ·para P n e A n .
No nível da situação didática, o aluno E 0 busca as justificati-

vas matemáticas de P. = p 0 ( ; J, e A.= A'15-5 r


s 3(4J"]
9 e levanta

conjecturas para os limites: lim A =! /4, e limP =+oo . O


n-HO: 5 n..:+oo
professor PO intervém então para fazer a institucionalização do conceito
de limite de sequências numéricas.

Exemplo 3
a) Qual o lugar geométrico dos centros das circunferências tan-
gentes a duas retas concorrentes r e s?
b) Descreva sua construção. Justifique.

Análise da situação
Esta situação-problema faz parte de um conjunto de atividades desen-
volvidas para a formação de professores d~ Ensino Fundamental integrantes
de um projeto de pesquisa desenvolvido na PUC-SP (1999-2000). 10
Essas atividades tinham por fundamento teórico a teoria das situações
de Brousseau, em especial a estruturação do milieu segundo Mar,golinas.

Determinação da situação objetiva ( S_3 )


A situação objetiva é uma situação não finalizada na qual no mi/ieu
material (M_3) encontram-se, no mínimo, figuras de sucess_ivas constru-
ções geométricas e os conhecimentos acessíveis pelo uso do software
Cabri-géometre, como objetos disponíveis para permitir que E_3 possa

10 o projeto tinha por objetivos: investigar questões relacionadas com a aprendizagem da

geometria rias séries finais do Ensino Fundamental, reconhecer as representações dos professores
destas séries no que se refere ao papel da geometria na fonnação do aluno e investigar o papel
do computador nestes processos. Integrava pesquisadores e professores de Ensino Fundamental.
Esse trabalho colaborativo tinha por objetivos, entre outros, despertar a atenção do grupo para
a necessidade de um trabalho reflexivo sobre suas ações pedagógicas e contribuir na formação
de um profissional crítico, participativo e competente para atuar na sala de aula, não sendo mero
executor de tarefas, procedimentos e técnicas que foram estabelecidos por especialistas.

51

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SADoo Aa ALMOULOUD

·iniciar a resolução do problema. Por sua vez, os conhecimentos de E_3


que permitem a interação com M-3 são:
• Propriedades geométricas relativas à circunferência;
• As diferentes caracterizações de reta tangente a uma circunfe-
rência e de bissetriz de um ângulo;
• A noção de lugar geométrico;
• O domínio das funcionalidades de Cabri-géometre;
• A importância da figura na compreensão de um conceito mate-
mático, que possibilita:
• Construir as circunferências, os pontos de tangência com as
retas, as bissetrizes etc.;
• Formular conjecturas a respeito do lugar geométrico;
• Visualizar o lugar geométrico.
Na situação material ou objetiva S_3, o aluno E_3 deve produzir (efe-
tivamente) a(s) figura(s) que permite(m) determinar o lugar geométrico
procurado. A situação S_3 será, assim, constituída das figuras construídas
e das relações e propriedades envolvidas.

Determinação de S_2 •

Os objetos da situação objetiva (S_) com os quais E_3 estabelece


uma relação local estável constituem o milieu (M_2) para a interação de
E_2 : o que está em jogo são as figuras-cabri construídas.
Na situação adidática S_2, o aluno E_2 busca a(s) propriedade(s)
dos centros das circunferências que tangenciam duas retas concorrentes
usando o Cabri-géometre. Essa exploração sistemática toma-se a estra-
tégia básica.

FIGURA4

52

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Obtenção da situação ( S_ 1 )
Na situação de aprendizagem (S_,), o milieu M_, é formado pelo
lugar geométrico dos centros das circunferências que tangenciem duas
retas concorrentes, e o aluno E_, deve buscar as razões dessa propriedade
do milieu. Assim, o milieu M_, deve permitir ao aluno E_, fazer tentativas,
mas não lhe permite concluir o trabalho: justificar matematicamente. Na
situação S_I' o aluno E_, busca a justificativa matemática: o lugar geomé-
trico procurado é o par de retas, bissetrizes dos ângulos determinados
pelas retas concorrentes, enquanto P_, observa sem concluir.

O milieu didático S0
Na situação didática S0, a tarefa é encontrar uma razão matemática
para justificar que o lugar geométrico procurado é o par de retas bissetri-
zes dos ângulos suplementares determinados pelas retas conco"entes.

FIGURAS

O aluno E0 formula o que aprendeu na situação S_, (institucio-


nalização local) e o professor P0, finalmente, irá intervir para concluir,
fazendo a institucionalização. Um ponto M qualquer da bissetriz de um
ângulo é equidistante dos lados desse ângulo.

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SAooo Aa ALMOULOUD

4.3 Análise ascendente da situação do professor


Bloch ( 1999), analisando a estruturação do milieu proposta por
Margolinas, salienta a importância de se analisar a situação do professor
nessa estruturação, levantando a hipótese de que, em uma situação adi-
dática, o professor e o aluno aprendem por intermédio de suas atividades
matemáticas, durante a "mesma" situação. Embora essa aprendizagem
seja para ambos, ela não acontece na mesma instituição, de acordo com
Conne (1996, apudBLOCH 1999, p. 149).
Dessa forma, Bloch ( 1999) sugere estudar o milieu do professor
considerando dois tipos de objetos:
• Os elementos objetivos do mi/ieu (os alunos, os elementos da
situação, as relações entre o aluno e os diferentes milieux adidá-
ticos organizados para o desenvolvimento da situação etc.);
• Os conhecimentos e os saberes que o professor coloca em jogo
na situação.
A partir de uma análise ascendente, a autora evidencia as características
do mi/ieu do professor: mi/ieu material, milieu objetivo, milieu de referência-
do aluno e milieu de referência para o professor (mi/ieu para a ação).

a) O milieu material
O milieu material do professor é composto pelos alunos e pelo
milieu material dos alunos. Segundo a autora, o professor é responsável
por dois componentes dos quais dependem o encaminhamento e o sucesso
da situação: a adequação do milieu material para o prosseguimento do
projeto e a utilização, pelos alunos, desse milieu material conforme o
previsto (a transformação do milieu potencial em milieu efetivo, segundo
Perrin-Glorian (1999)).
Nessa situação, o milieu antagônico ao professor é o par aluno/
milieu do aluno, no qual existem dois componentes: o milieu material do
aluno, que o professor controla, e as reações dos alunos, as quais muitas
vezes não são controladas pelo docente.

Nós deduzimos que a ação do aluno, nesse milieu adidático, tem


duas funções:
• para o aluno, serve para fazer evoluir sua interação com o milieu;
• para o professor: serve para assegurar-se que a situação está
avançando conforme o previsto e para construir e utilizar
seus conhecimentos (conhecimentos matemáticos e didáticos)
(BLOCH, 1999, p. 153, tradução nossa).

54

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p
F UNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

b) O milieu objetivo

O milieu objetivo do professor é constituído pelos elementos da


situação, pelas ações dos alunos e, sobretudo, pelos conhecimentos
desses alunos, além das modificações que esses conhecimentos
provocam no milieu objetivo dos alunos (BLOCH, 1999, p. 153,
tradução nossa).

O milieu do professor é modelado, em parte, pelas ações, tentati-


vas. teoremas em ação etc. do aluno. Por isso a ação do professor, numa
situação fundamental, deve sempre levar em consideração os conhe-
cimentos de seus alunos, suas tentativas e suas conjecturas, assumindo
assim a posição de observador das ações dos alunos para, eventualmente,
antecipar intervenções que deve fazer nas fases de institucionalização
local e de validação.

e) O milieu de referência do aluno


É no milieu de referência que os conhecimentos do aluno se trans-
formam em saber, começando a identificar os novos conhecimentos que
deve compreender e validar do ponto de vista científico.
Bloch ( 1999, p. 159) ressalta que nessas condições pode haver um
pedido, por parte do àluno, para renegociar o contrato didático inicial
no que diz respeito à validação e à maneira de fazer essa validação, que
pode provocar uma ruptura de contrato, fazendo do milieu material do
aluno o mi/ieu para a ação do professor.
A autora identifica ainda três mi/ieux para o professor em sala de
aula:
• um mi/ieu de observação, que corresponde ao mi/ieu objetivo
do aluno enquanto age;
• um mi/ieu para a ação, que corresponde ao milieu de referência
do aluno aprendiz; e
• um mi/ieu para a institucionalização, que corresponde ao milieu
de aprendizagem do aluno na situação didática.

d) O milieu de referência para o professor: um milieu para a ação


O mi/ieu de referência do professor é constituído pelos elementos
da situação, as tentativas, os erros, os sucessos, as conjecturas, as for-
mulações, as estratégias dos alunos.

ss

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SADDO AG ALMOULOUD

O milieu de referência é então um milieu no qual os alunos estão


engajados na formulação e na validação, isto é, na busca de saberes
(sob a forma, por exemplo, de critérios de validade) possibilitan-
do a dominação da situação; ou seja, de saberes envolvidos na
situação proposta que lhes permitiu manifestar/construir como
conhecimento (BLOCH, 1999, p. 159, tradução nossa).

Nesse milieu, no qual o professor não pode ficar neutro em relação


às formulações e validações propostas pelos alunos, consequentemente,
é obrigado a agir sobre as ações (formulações/validações) dos alunos.
Bloch (1999, p. 161) observa que as tarefas do professor no milieu de re-
ferência têm muitas contribuições no que diz respeito aos seguintes aspectos:

• prosseguimento da devolução da situação;


• permitir e gerenciar as formulações públicas; e
• engajar a problemática de validação (por exemplo, socialização
dos resultados, debates, confrontações de resultados de alunos)
e conduzir essa validação até a obtenção, ou pelo menos até o
reconhecimento, de critérios de validade aceitáveis (tradução
nossa).

Nesse processo d~ ensino e de aprendizagem, o professor deve


engajar seus conhecimentos para controlar os milieux antagônicos. São
as interações do professor com seus diferentes milieux e os milieux dos
alunos que contribuem para a aprendizagem dos aprendizes e para a
autoformação (do ponto de vista didático, pedagógico, até matemático)
desse professor.
A construção e a utilização de conhecimentos do professor de-
pendem do número de parâmetros que ele tem de controlar (BLOCH,
1999):
• o milieu de referência dos alunos;
• suas produções (tentativas, sucessos, questões, erros, intera-
ções...);
• os conhecimentos dos alunos visíveis nas suas produções;
• os conteúdos matemáticos associados ao milieu de referência·
• os critérios de validade introduzidos, envolvidos ou discutidos etc.;'
• o modelo teórico de milieu para a modelagem de situações
fundamentais.
Bloch (2002) discute os diferentes níveis de mi/ieux e suas funções
e propõe um modelo de construção de milieu de situações fundamen-
tais.

56

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f llNDAMENl s D \ ü lü.'\.11 A DA MATEM TIC

A autora discute a detem1inação de situações que, teoricamente


pemütirlio estabelecer un1a relação com o saber visado. Essa detenni-
nação envoh e necessariamente três aspectos importantes:
• un1a análise matemática e epistemológica do saber;
• admitir que se pode transfom1ar o saber em conhecimentos, ou
seja, ton1ar o aluno capaz de utilizar esse saber na resolução de
problemas; e
• estudar as possibilidades de essas situações poderem ser usadas
em contextos didáticos.
Bloch (2002) propõe assim a seguinte metodologia para a elabo-
ração e a análise do modelo do saber matemático:

a) Condições e exigências da elaboração e/unções do modelo


a.l) Condições necessárias para a elaboração das situações
• Analisar a estrutura matemática do conceito visado·
• Analisar a gênese histórica do saber e de suas manifestações
antigas ou contemporâneas, suas funcionalidades na matemática
os obstáculos epistemológicos inerentes ao conceito;
• Evidenciar saberes (matemáticos) e conhecimentos (matemáti-
cos, culturais ou pessoais) ligados ao saber visado·
• Elaborar um jogo relaç:ionado ao saber que envolva um ator e
um mi/ieu "material" que possibilite retroações.
a.2) Análise das condições que garantem a existênria de um jogo
• Analisar a pertinência das situações pensadas em relação ao
saber matemático e aos saberes prévios·
• Identificar as variáveis de comando da situação e as variáveis
necessárias;
• Analisar a consistência das situações verificando se as variáveis
escolhidas não são contraditórias isto é se elas não conduzem
a conhecimentos incompatíveis para quem age.
/J) Metodologia para estudar a pertinência de uma situação-
problema para o processo ensino-aprendizagem
• Analisar as diferentes instituições de ensino onde o saber será
ensinado, analisar a evolução do tratamento do conceito;
• Escolher as variáveis didáticas que podem estar disponfveis para
o desenvolvimento das situações de ensino e de aprendizagem;

S1

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SAooo Ao ALMOULOUD

• Estudar as relações entre variáveis didáticas;


• Identificar sistemas de situações e problemas articulados em
conhecimentos supostamente disponíveis, mais ou menos
equivalentes ao teórico, que podem levar ao ensino do conceito
matemático visado, para um determinado nível de ensino (e
determinar esse nível);
• Determinar cenários possíveis usando os jogos previstos, as va-
riáveis didáticas escolhidas, os problemas pertinentes, apoiando-
se nas organizações de conhecimentos evidenciadas.
Os diferentes aspectos discutidos anteriormente consideram, a
priori, as potencialidades das variáveis potencialmente identificadas,
para a elaboração, a análise e a experimentação de situações-problema
que buscam o ensino e a aprendizagem de um determinado objeto ma-
temático.

e) O modelo experimental a priori


Bloch (2002) qualifica este segundo nível de modelo experimental
a priori, porque é nele que se podem prever os possíveis cenários, os
possíveis valores das variáveis didáticas, as formas de jogos que podem
ser desenvolvidos e identificar os conhecimentos prévios necessários
além de sua articulação com o novo saber a ser ensinado/aprendido em
uma situação adidática. Este nível de modelo é chamado de "modelo de
milieu a priori'' (MiA), pois permite:
• construir engenharias didáticas;
• antecipar e prever comportamentos;
• prever a coleta das informações, além de organizá-las e inter-
pretá-las;
• fornecer referências para analisar as situações de ensino; e
• analisar os conhecimentos envolvidos na situação e possíveis
jogos do aluno e do professor.
A construção de um milieu (Mi A) consiste em determinar variáveis
didáticas, cenários possíveis, o que deve ser o objeto do jogo etc.

Observação de classes
Um dos objetivos da teoria das situações é a observação direta
da classe para confrontar os fenômenos observados aos modelos de co-
nhecimentos existentes. Trata-se essencialmente de analisar o impacto
do ensino proposto sobre os conhecimentos dos sujeitos envolvidos

58

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ps

FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

em relação ao modelo experimental inerente à situação fundamental


desenvolvida; além disso, identificar as variáveis didáticas que tiveram
um papel importante na mudança significativa ou não na construção do
saber/conhecimento do aluno.
Bloch (2002, p. 136) sugere um conjunto de questões que devem
ser consideradas nessa confrontação:

A situação tem chances de funcionar e alcançar os objetivos


fixados em termos de aprendizagens dos alunos? Quais são as
alternativas? Como se pode modificar, se necessário, a organi-
zação do milieu? Os efeitos em termos de conhecimentos para
os alunos são identificáveis? Que conhecimentos e em qual(ais)
nívél(eis) de milieu? (tradução nossa)

É imprescindível considerar ainda nesse processo de ensino e


de aprendizagem o jogo do professor, quer dizer, buscar respostas às
seguintes questões: qual é o jogo do professor? Ele tem algum grau
de liberdade ou está submetido às exigências da instituição? Como o
professor gerencia o seu milieu? Que conhecimentos utilizar para isso
(seus ou os dos alunos)?

S9

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............

III -A dialética ferramenta-objeto e o


jogo de quadros

As noções ~e dialética ferramenta-objeto e de jogo de quadros


foram introduzidas na didática da matemática por Régine Douady ( 1986),
como instrumentos poderosos para a análise de fenômenos de ensino-
aprendizagem da matemática.
Para entender a potencialidade dessas noções, pretendemos, neste
capítulo, além de apresentá-las, fazer uma análise didática de um exem-
plo, valendo-se dessas ferramentas.

1. A dialética ferramentà-objeto

As noções de fe"amenta, de objeto e suas relações dialéticas,


como também as de quadro, de mudança de quadro ou jogos de quadros,
foram introduzidas por Douady ( 1986) e têm suas relevâncias reconhe-
cidas pela comunidade científica e por numerosos professores, que as
utilizam frequentemente.
Em didática, a dialética ferramenta-objeto e os jogos de quadros po-
dem ser ferramentas poderosas para a construção e gestão de engenharias
didáticas, visto que Douady ( 1993) atribui uma dupla dimensão a essas
noções, epistemológica e didática. Do ponto de vista epistemológico, a
· dialética ferramenta-objeto e as mudanças de quadros tomam-se instru-
mentos poderosos de análise, porque permitem uma leitura diferenciada
da evolução de noções matemáticas e, também, uma análise da aprendi-
zagem efetivamente existente. Em sua dimensão didática:

Dialectique outil-objet e jeux de cadres sont des outils de cons-


trution et de gestion d' ingénierie didactique ou le point de départ
est mathématique e ou le premier travail du didacticien est une
analyse épistémologique du savoir à enseigner [...]. lls intervien-
nent enfin, avec certains éléments de la théorie des situations pour
décrir un modele possible pour une organisation de la rclation

61

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SAooo A o A LMOULOUD

enseignement-apprentissage d'un certain savoir mathématique


(DOUADY, 1993, p. 95).

Analisando um pesquisador em matemática resolvendo uma ques-


tão matemática (ainda não resolvida), Douady buscou características da
ação efetivada pelo pesquisador que pudessem inspirar o trabalho que o
professor realiza em sala de aula. Assim, a autora observa:

Le travai! de recherche est fortement socialisé. Les mathématiciens


communiquent beaucoup entre eux sous formes diverses:
échanges privés ou séminaires de travai! à propos d'une question
objet d'étude, exposés à large public, colloques ... pour commu-
niquer des travaux ayant atteint um certain degré d'achevement.
Le statut du contenu des échanges n 'est pas toujours te même
(DOUADY, 1986, p. 96).

Esta observação deu origem às noções de ferramenta e objeto PJlI1i


permitir diferenciar os estatutos de um conceito matemático. De acordo
com Douady ( 1986), uma noção ou conceito tem o estatuto deferramenta
quando intervém na resolução de um problema, e o de objeto quando é
identificado como conteúdo da aprendizagem. Assim, Douady distingue,
para um conceito matemático, o polo ferramenta e o polo objeto:

Assim, digamos que um conceito é ferramenta quando nos


interessamos no uso que está sendo feito dele para resolver
um problema. Uma mesma ferramenta pode ser adaptada para
diferentes problemas. Por objeto, entendemos o objeto cultural
colocado num edificio mais amplo, que é o do saber sábio num
dado momento reconhecido socialmente (DOUADY, 1986, p. 9,
tradução nossa).

Dessa forma, a autora fala de ferramenta quando considera o caráter


operatório, contextualizado e personalizado de um conceito, e de objeto
quando considera seu caráter cultural, relativamente descontextµalizado,
despersonalizado, atemporal e social (DOUADY, 1993, p. 96). A autora
acrescenta ainda que:

Les outils peuvent intervenir de façon implicite, être explicités,


livrés à des communautés scientifiques plus ou moins larges em
suivant des états transitoires, des reprises à la lumiere de problé-
matiques éventuellement différentes de celles qui les ont produits.

62

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Les objets sont, quant à eux, destinés à être des outils potentiels
grâce auxquels d'autres objets pourront être elaborés.
Du point de vue épistemologique, la transfonnation du statut des
connaissances d'outil en objet implique un travai) de décontextu-
alisation et un travai) de dépersonnalisation. L'organisation et la
realisation didactique de ce travail donnent lieu à des situations
de classe souvent différentes (DOUADY, 1993, p. 96).

Além disso, a autora complementa a teoria com a introdução da


noção de janela conceituai, definida como o conjunto de objetos, de
ferramentas e relações, ·mobilizado por uma pessoa, em um dado mo-
mento, com o objetivo de analisar o enunciado de um problema, de uma
situação, ou, ainda, para desenvolver uma estratégia de resolução, em
algum quadro que possa estar relacionado ao estudo.
A partir da dialética ferramenta-objeto, a autora propõe, então, uma
organização de ensino em várias etapas, relacionadas no que se segue:
a. Antigo: como primeira condição para o problema, o enunciado
deve ter um sentido para todos os alunos que podem mobilizar
os objetos conhecidos de saber, como ferramenta explícita, em
um processo de resolução, ou para resolver somente uma parte
do problema. Nesta fase, os conceitos matemáticos deverão ser
utilizados como ferramentas explícitas para resolver (mesmo
que parcialmente) os problemas propostos.
b. Pesquisa - novo implícito: como segunda condição, os alW1os não
podem resolver totalmente o problema proposto porque o objeto
de ensino é a ferramenta adequada para resolver o problema.
c. Explicitação - institucionalização local: visto que, nas situações
de comunicação, os alunos apresentam várias formas de saber,
o objetivo desta fase é dar um estatuto de objeto aos conheci-
mentos que foram utilizados como ferramenta, como condição
para a homogeneização e a constituição do saber da classe, além
de situar o saber e promover seu progresso.
d. Institucionalização - estatuto do objeto: dentre os conhecimen-
tos explicitados na fase anterior, o professor seleciona alguns
para ser descontextualizados e retidos pelos alunos, a fim de ser
utilizados na resolução de outros problemas.
e.Familiarização - reutilização numa situação nova: o professor
propõe aos alunos, nesta fase, que o conhecimento instituciona-
lizado seja utilizado como ferramenta explícita. O novo objeto
toma-se, então, conhecimento "antigo" para ser utilizado em

63

L
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SAooo Ao ALMOULOUD

um novo ciclo da dialética ferramenta-objeto.


f. Complexificação da tarefa ou novo problema: nesta fase, são
propostas situações mais complexas, em que os alunos poderão
testar e/ou desenvolver os novos conhecimentos adquiridos.
A dialética ferramenta-objeto pode ser esquematizada da seguinte
maneira:

Conhecimento antigo

Ferramenta Pesquisa - novo implícito


Novo objeto se
Explicitação - institucionalização local transforma em
conhecimento
Institucionalização antigo
Objeto
Familiarização - reutilização
Nova ferramenta
Complexificação da tarefa ou novo problema

ESQUEMAS

2. Quadros e jogos de quadros

Analisando o funcionamento de pesquisadores em· matemática,


Douady ( 1986) evidenciou o papel das mudanças de quadro no tratamento
de questões matemáticas. Já a noção de jogo de quadros foi introduzida,
pela autora, para explicitar características importantes da matemática:
a capacidade de mudar de ponto de vista, de traduzir um problema de
um quadro para outro, com a finalidade específica de mobilizar outras
ferramentas na resolução, que não são as inicialmente encaminhadas. A
autora caracteriza um quadro como sendo

constituído de ferramentas de uma parte da matemática, de rela-


ções entre os objetos, de formulações eventualmente diferentes
e de imagens mentais associadas a essas ferramentas e relações.
Dois quadros podem ter os mesmos objetos e ser diferentes'
por causa das imagens mentais e da problemática desenvolvida
(DOUADY, 1993, p. 389, tradução nossa).

64

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

A autora admite que as imagens mentais têm um papel importante


no funcionamento como ferramenta dos objetos do quadro, visto que
dois quadros podem comportar os mesmos objetos e ser diferentes pelas
imagens mentais e também pela problemática envolvida.
Assim, urna mudança de quadro, de acordo com Douady (1986),
é um meio de obter formulações diferentes para um problema que, sem
serem necessariamente equivalentes, permitem ter uma nova visão para
as dificuldades encontradas, disponibilizando ferramentas e técnicas que
não transparecem em uma primeira formulação. Já osjogos de quadros
são, segundo a autora, mudanças de quadros provocadas por iniciativa do
docente, quando escolhe problemas convenientes para fazer avançar as fa-
ses de pesquisa e evoluir as concepções dos alunos. Acrescenta ainda:
Je dis qu'il y a changement de cadres pour um probleme lorsqu'il
est possible de le formuler dans um cadre autre que celui ou il est
énoncé initialement. Si l'énoncé implique plusieurs cadres, il peut
arriver qu'en priviligiant l'un ou l'autre, il soit possible d'établir
des correspondences entre questions analogues dans des cadres
différents (DOUADY, 1993, p. 96).

A seguir, descrevemos um exemplo,· com o objetivo de mostrar


uma análise feita em tennos da dialética ferramenta-objeto e da mudança
de quadros, que foi apresentado em nosso curso de Fundamentos da Di-
dática da Matemática proposto no Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação Matemática da PUC-SP.
De um prisma quadrangular regular, em que a aresta da base mede x
e a altura mede 3, foi cortado um cubo de aresta x. Para que valores de x o
volume do novo prisma, após o corte, é maior do que 2 e menor do que 4?
A resolução desta situação-problema envolve os seguintes quadros:
• O quadro geométrico: prisma quadrangular, cubo, lados, me-
didas dos lados, ou seja, dimensões, perímetro e área, que são
objetos utilizados diretamente (dimensões, volume) ou indire-
tamente (área) no enunciado;
• O quadro algébrico: equações, incógnitas e soluções de uma
equação serão ferramentas para reformular, de urna outra ma-
neira, o problema;
• O quadro de.funções: as variações de duas variáveis relacionadas
(função de 3.º grau), a determinação de duas variáveis ligadas
por duas relações correspondentes aos estudos intermediários
para tratar do problema em sua tbrmulação algébrica;

6S

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SADDO Ao ALMOULouo

• O quadro da geometria analítica: representação gráfica de uma


função de 3.0 grau (no caso da resolução gráfica), determinação
do zero da função a partir da leitura e interpretação do gráfico
(existência ou não de pontos de interseção da curva com o eixo
das abscissas);
• O quadro numérico: inteiros, certas funções, números reais e
as operações são ferramentas básicas para todas as etapas do
estudo, qualquer que seja o quadro considerado.
O objetivo está centrado em um ponto de geometria: cálculo de
volume de um prisma quadrangular. Mas a realização das tarefas amplia
a situação didática, de modo que outros elementos matemáticos (noções,
métodos), nos diferentes quadros, sejam trabalhados do ponto de vista
do significado e da técnica. Quais seriam, então, as competências supos-
tamente disponíveis para resolver o problema?

1) Para abordar o problema ·



a)No quadro analítico, o aluno deve saber o que é um plano carte-
siano, eixos ortogonais, escalonamento, coordenada, abscissa,
ordenada, traçar dois eixos ortogonais com escalas, colocar
pontos cujas coordenadas são conhecidas e identificar as coor-
denadas de pontos marcados num plano cartesiano;
b) No quadro numérico, o aluno deve saber operar com números
reais e fazer cálculos que envolvam números inteiros, números
decimais e frações;
- c)No quadro algébrico, deve ser capaz de expressar o volume do
cubo em função da aresta x, resolver uma equação de terceiro
grau e uma inequação do tipo a< A(x) < b.

2) Competências algébricas disponíveis


Dependendo do caso, as competências disponíveis poderão ser
úteis ou tomar-se obstáculos à resolução do problema. No exemplo em
questão, apresentamos aquelas que podem ser consideradas úteis.
Para prosseguir na resolução do problema, outros savoir-faire são
necessários; por exemplo, saber desenvolver, fatorar e resolver expressões
algébricas polinomiais do primeiro, segundo e terceiro graus.
Além das noções subjacentes às competências supostas como
ferramentas explícitas, a fatoração, principalmente, é uma das mais im-

66

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FUNDAM NTOS DA l)ll)ÁTICA DA MATI MÁTl('A

portantes, além do teorema: Um p1YJdu10 d fatores é nulo,)' • s·om nt


se, um dos.fatores é nulo.
A primeira representação da situação-problema é apresentada
no quadro geométrico: prisma quadrangular reguh,r, medida dos lados
(dimensões), volume, cubo, aresta.

1
1
1
,t"----
., t' 1
3
X

,,L ......
,"
X
FIGURA6

Para calcular o volume procurado, basta subtrairmos o volume


do cubo cortado do volume total do prisma e representá-lo no quadro
algébrico, fazendo uso da fórmula:
V= x.x.(3 - x)
V= 3x2 - x 3
Para saber onde o volume é maior que 2 e menor que 4, precisamos
tratar esta fórmula como uma função, passando assim a ser um objeto
do quadro das funções.
Assim considerando, podemos calcular os valores de x para os
quais o cubo cortado coincide com o próprio prisma de base quadrangular,
ou seja, devemos impor que: V (x) = O. Teremos:
3x2 -x3 = O
x2 (3 -x) = O
X = 0 OU 3 - X = 0 :::::) X =3
Assim, x = Oex = 3 são as raízes da função e o domínio dessa
função é dado pelo intervalo [0,3], já que o volume deve ser positivo.
Atribuindo alguns valores a x e esboçando o gráfico:
X o 0,5 1,5 2 3

V(x) o 0,625 2 3,375 4 o

L 67

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SADDO Aa ALMOULOUD

.. .. . .... . ... ... .... ... .. . .. .. ... . . . ...


• . . . . • . . .4 . . ... . . ...... ... . .

• • • • • • • • • :J

.. .. .•. .. 2

. • . . . . . •• 1

. . . . .. .. .. .. . .... . . ... .. . ... . .. . ... ... .


o.s 1. 2. s

. ........ . .... . . . .. .. .. ... .. . ... . . .. ... . . . . .... .

FIGURA 7

Analisando o gráfico, podemos concluir que o volume do. cubo


será maior que 2 e menor que 4 para os valores de x entre 1 e aproxima-
damente 2, 7. Essa possibilidade de "diálogo", em diferentes quadros,
permite a resolução do problema.

3. Domínios de validade e limitações da teoria

Em sua dimensão epistemológica, a dialética ferramenta-objeto e as


mudanças de quadro são ferramentas de análise que permitem diferentes
leíturas de noções matemáticas. As mudanças de quadro e as interações
entre diferentes quadros constituem um poderoso instrumento para a
criação de novos conhecimentos em matemática a partir de antigos.
Em sua dimensão didática, a dialética ferramenta-objeto e os jogos
de quadros são instrumentos de construção e de gestão de engenharias di-
dáticas, construção que se inicia por uma análise epistemológica do saber a
se ensinar. Conjugando a teoria de Douady (1986) e a teoria das situações
de Brousseau ( 1986), podemos criar um modelo possível para ~a orga-
nização da relação ensino-aprendizagem de um saber matemático.
No entanto, Rogalski ( 1993, p. 1O1) apresenta limitações da
dialética ferramenta-objeto na introdução de alguns tipos de conceitos,
como, por exemplo, os saberes algébricos, que foram introduzidos vo-

68

Scanned by CamScanner
p

FUNDAMENTOS DA DIDÂTIC A DA MATEMÁTICA

tuntariamente para unificar e generalizar e não para resolver problemas.


Na realidade, às vezes foram aceitos pelos matemáticos porque esses
saberes se revelaram necessários para resolver novos problemas em
novos domínios.
Por outro lado, Dorier ( 1997) analisou, nessa problemática, as difi-
culdades do ensino da álgebra linear. Em sua análise histórica e epistemo-
lógica mostrou que os conceitos da álgebra linear não foramfe"amentas
antes de se tomarem objetos. Esses conceitos, formalizados tardiamente
pelos matemáticos, tiveram a axiomática dos espaços vetoriais utilizada
quarenta anos após sua introdução, quando se tomou útil para resolver
problemas de análise em dimensão infinita. Além disso, a álgebra linear
unifica métodos em domínios diferentes, como, por exemplo: geometria,
equações e cálculos numéricos, álgebra dos polinômios e soluções de
equações funcionais; seu funcionamento, nesses diferentes domínios,
parece indispensável à sua própria compreensão. Encontrar problemas,
em um nível aceitável, para que a álgebra linear seja naturalmente uma
ferramenta necessária não é fácil de ser conseguido.
Quanto ao domínio de validade da teoria, é importante tomar
os devidos cuidados quando se qüer distinguir o estatuto de objeto e o
de ferramenta de um conceito matemático. Artigue (1993) mostra um
exemplo com os números complexos:

Ainsi donc, lire à la lwniere d'une distinction entre pôle outil


et pôle objet, l 'histoire des nombres complexes, amene à se dé-
marquer de la vision simpliste des rapports entre les deux pôles
rencontrée souvent dans la vulgarisations de la dialectique outiV
objet. Plus qu'une transition de l'outil à l'objet, cette histoire
montre l'imbrication étroite du développement suivant les deux
pôles, le renforcement de l'outil, l'élargissement de ses domaines
d'utilisation, aidant à le constituer comme objet, le travail sur
l'objet em cours d'élaboration aidant à penser son rôle d'outil. II
n 'y a pas de raison que l 'apprentissage scolaire échappe à cette
complexité! (ARTIGUE, 1993, p. 99)

Não podemos terminar este capítulo sem chamar a atenção sobre


a diferença entre a noção de quadro e de registro de representação se-
miótica (que estudaremos no próximo capítulo) introduzida por Duval
( 1995). A noção de registro é distinta da noção de quadro, pois a primeira
aporta uma dimensão semiótica, imprescindível para a compreensão dos
objetos matemáticos.

69

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IV - A noção de registro de
representação semiótica e análise
do funcionamento do pensamento

Na primeira parte deste capítulo, analisamos os fundamentos


teóricos dos registros de representação semiótica, segundo o psicólogo
Raymond Duval, e, na segunda, propomos uma análise comparativa das
noções de registro, quadro e ponto de vista. Mostramos a especificidade
de cada noção e a necessidade da articulação dessas noções no processo
de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos e no desenvolvi-
mento de habilidades relacionadas. Esta necessidade decorre do fato de
que não existe objeto matemático sem suas diferentes representações e
pontos de vista.

1. Fundamentos teóricos da noção de registros de


representação semiótica

Um registro de representação é, segundo Duval ( 1999), um sistema


semiótico que tem as funções cognitivas fundamentais no funcionamento
cognitivo consciente. Nesse sentido, os registros se diferenciam dos có-
digos por serem estes funcionalmente mais limitados que os primeiros. A
diferença entre registros e códigos, apresentada no Esquema 9, evidencia
a existência de dois níveis de funcionamento cognitivo: o consciente e
o não consciente; salienta-se que todo conhecimento implica necessa-
riamente a mobilização desses dois níveis.
Todos os códigos têm em comum a característica de não pennitir
determinar ou representar diretamente um conteúdo de conhecimento.
O que é codificado deve ser decodificado para poder ser compreendido,
pois a codificação consiste em colocar em correspondência unidades de
um código com unidades de uma mensagem já expressa ou objetivada
de modo explícito em um outro sistema semiótica.

71

L Scanned by CamScanner
SAooo Ao ALMOVLouo

FUNÇÔES COGNllWAS NÍVEL DE


FUNCIONAMENTO
Comtmicação e
CONSCIENTE
REGISTROS Objetivação e (relação com wn objeto: o que um
de sujeito observa. O que é observado é
representação sempre determinado
Tratamento e semanticamente e topologicamente)

SISTEMAS
SEMIÓTICOS
Transmissão ou NÃO CONSCIENTE
(não referência a wn objeto: um
Signo detonador ou código só funciona bem de modo
CÓDIGOS autormtico, ou seja, curto-
Colocação em memória ou circuitando todo controle ou
tratamento consciente.)
Categorização (dados)
1.....---------=---
ESQUEMA 9 - FONTE: DUVAL, 1999, p. 68 .

Falar de registros é colocar em jogo o problema da aprendizagem


e dar ao professor um meio que poderá ajudá-lo a tomar mais acessível a
compreensão da matemática. A noção de registro permite salientar a im-
portância da mudança de registro e considerar a necessidade de uma coor-
denação de registros. Uma mudança de registro tem vantagens do ponto de
v:ista do tratamento, podendo facilitar a compreensão ou a descoberta.
Em qualquer atividade intelectual, na elaboração e na transfor-
mação de representações semióticas, é necessário distinguir dois tipos
heterogéneos de transformação das representações: o tratamento e a
conversão.

Um tratamento é a transformação de uma representação em uma


outra do mesmo registro, isto é, uma transformação estritamente
interna a um registro. Existem tratamentos que são específicos a
cada registro e que não precisam de nenhuma çontribuição externa
para serem feitos ou justificados.
Uma conversão é a transformação de uma representação de um
registro D em uma outra representação de um registro A, conser-
vando, pelo menos, a referência ao mesmo objeto ou à mesma
situação representada, mas mudando, de fato, o conteúdo da
representação (DUVAL, 1999, p. 30, tradução nossa).

Os tratamentos dependem do registro de representação em que


são feitos e de sua validade, ou não, sob o ponto de vista matemático.

72

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fllNDt\Ml' N'lWl Pi\ llll)i'\TIC'A Ili\ MA'l'I\MÁ'l'II '/\

Por exemplo: os tratam ntos f\guruis, por r oonfigurm;a.o, pera oJguns


problemas de geometria, implicurn d t.ermitu,çO s de área. Segundo
Duval. esses tratamentos podem s r f itos sem o monor conhecimento
ou justificativa matemática.
Para um bom entendimento do que é uma conversao, os seguintes
aspectos devem ser cuidadosamente observados:
1. Toda conversão tem um sentido a ser considerado. Efetuar a con-
versão em um sentido não significa que seja possível efetuá-la
no sentido inverso. Por essa razão, é necessário sempre indicar
qual o registro de partida e o de chegada; caso contrário, haverá
risco de abuso de linguagem ou desvio conceituai.
2. Não se deve confundir o conteúdo da representação com o objeto
representado. embora o registro permita explicitar ou revelar
propriedades do objeto. Converter uma representação é, então,
mudar o conteúdo e não somente a forma.
A análise cognitiva e111 investigações em didática da matemática
necessita que se distinga o que é do tratamento, propriamente dito, e o que
é da conversão. Mais precisamente, é necessário distinguir dois tipos de
tratamento e dois tipos de conversão, como evidencia o Esquema 1O.

algoritmizhel Os procedimentos de cálculo I Trabalho efetuado 1


(n ,gistros apoiam-se na operação de

< <
monofimcionais) .__su-bs_tl_tu-lç-lo_e_po_d_e_m_d_ar-lu-ga__.r
às "rotinas".
TRATAMENTO as figuras geométricas e
os tratamentos figurais suas diferentes apreenções
nlo algoritmizivel ns representações gráficas
(registros elementares

<
mu/Jifuncionais) as operações relativas o raciocinio dedutivo em
à função llngua natural
de expansão discursiva
a argumentação

enttt registros
pode-se encontrar uma regra
outros que nlo aqatlt de codificação como suporte - gráficos e equações
à conversão

<
da lfngua naiural gráficos e textos
CONVERSÃO compreensão de um
nenhuma regra enunciado
com tem de levar em conta conjunto de enunciados
uma língua natural as funções discursivas de problemas
llngua fonnal e
llngua natural

ESQUEMA 10. - FONTE: DUVAL, 1999, p. 21

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SADDO Ao ALMOULOUD

Existem tratamentos que podem se tornar algoritmos (um con-


junto de regras operatórias), como aqueles que o ensino da matemática
tende a privilegiar (algoritmos das operações aritméticas: com escrita
decimal, com escrita fracionária, com resolução de equações, ou de
sistemas de equações, algoritmos para o cálculo das derivadas, apenas
para citar alguns; eles são comuns, tanto no Ensino Fundamental quanto
no Ensino Médio).
Existem tratamentos que não se reduzem a algoritmos (os trata-
mentos puramente figurais ou visuais, como figuras geométricas, gráficos
e esquemas). Tais tratamentos não são, geralmente, objetos de apren-
dizagem, por serem considerados de segunda importância; além disso,
aqueles específicos nos registros figurativos e no registro do discurso em
língua natural são, na maioria dos casos, ignorados, podendo se tornar
fonte de dificuldade ou de incompreensão.
Duval ( 1999) destaca que a congruência ou a nãp congruência
entre registros é o que determina o caráter natural ou "arbitrário" de uma
conversão. Pode-se dizer que a congruência corresponde ao fato de a
representação de partida ser mais ou menos "transparente" em relação
à representação de chegada. Pode-se dizer, também, de modo metafóri-
co, que a congruência corresponde a um isomorfismo, não do ponto de
vista matemático, mas do semiótico. É esse isomorfismo semiótico que
os três critérios de congruência (apresentados a seguir) propostos por
Duval tentam esclarecer, além de permitirem a determinação do grau de
congruência ou de não congruência entre os registros.
CRITÉRIO 1. Possibilidade de uma correspondência lexical
entre as unidades significantes próprias a cada registro. Considera-se
como unidade significante elementar tudo o que diz respeito ao léxico
de registro. O primeiro registro de congruência consiste em dispor, na
representação a ser efetuada, de unidades significantes elementares no
registro de chegada que correspondem às unidades significantes elemen-
tares da representação a ser convertida.
, '
CRITERIO 2. A univocidade semântica terminal. Para uma uni-
dade significante na representação a ser convertida podemos ter várias
unidades significantes possíveis no registro de chegada; é o caso em que
o registro de ,chegada é a língua natural.
-CRITERIO 3. A ordem de organização das unidades significantes
na representação de partida pode ser conservada, ou não, na represen-
tação de chegada. Esse critério é verdadeiramente pertinente, quando

74

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

as unidades significantes são organizadas de acordo com a dimensão


(dimensão 1 para a língua).
A coordenação de vários registros (pelo menos dois) é uma con-
dição necessária para essa forma de compreensão, que Duval denomina
"conceituai".

2. Análise de uma situação em termos de


registros de representação semiótica
Segundo Duval, o objetivo de uma análise em termos de registros
de representação semiótica é determinar o .funcionamento representa-
cional próprio de um registro e, por consequência, determinar unidades
significantes de uma representação desse registro. De um lado, tudo o
que se pode observar numa representação não é necessariamente perti-
nente, ou seja, representativo ou significante e, por outro lado, o que é
pertinente nem sempre é percebido pelos aprendizes.
Tudo que diz respeito ao funcionamento representacional, a deter-
minação das unidades pertinentes de uma representação, depende da de-
terminação do campo de todas as variáveis possíveis, cuja representação
seja suscetível de ser utilizada. No entanto, dois tipos de variações devem
ser diferenciados: as variações estruturais e as variações cognitivas.
- As variações estruturais são as variações internas a um registro
e que transformam uma representação à condição de que ainda
se tem uma representação identificável no mesmo registro.
- As variações cognitivas são as variações estruturais que, além
de conservar a significação, conservam, também, a referência,
em sua totalidade ou em parte, ao objeto representado. É so-
mente com esse tipo de variação que se distinguem as unidades
pertinentes de uma representação.
As variações cognitivas podem ser consideradas como um subcon-
junto das variações estruturais, mas não se procede do mesmo modo para
efetuá-las. As variações estruturais podem ser feitas considerando um único
registro, enquanto as cognitivas levam em consideração dois registros.
Duval ( 1995) salienta que é tomando simultaneamente dois re-
gistros de representação, e não cada registro isoladamente, que se pode
determinar o funcionamento da representação própria a um registro, ou
seja, a conversão é um instrumento para diferenciar as variações unica-
mente estruturais daquelas cognitivas propriamente ditas.

75

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SAooo Ao ALMOULouo

Por essa razão uma análise cognitiva dos discursos é diferente de


uma análise puramente linguística, o que aparece claramente quando se
analisam os diferentes tipos de raciocínio, de enunciado de problema, de
sistema de designação de objetos matemáticos e de definição.

3. Importância didática de uma análise cognitiva

Duval ( 1999) destaca cinco aspectos importantes para uma análise


cognitiva:
1. A dupla variação estrutural cognitiva, característica desta análise,
tem a vantagem de poder ser rapidamente perceptível e controlável por
todos (professores e alunos). Pode-se, facilmente, dar aos alunos meios
para praticar e observar essa dupla variação, mas isso só ocorre quando os
alunos têm condições de descobrir um campo de variação; não é suficiente
que eles identifiquem apenas algumas mudanças de registro pontuais,
em função dos problemas matemáticos colocados. É na descoberta de
um campo de variações cognitivas que se compreende o funcionamento
representacional de um registro, e não na aplicação correta das regras
de formação de representação dentro de um registro.
2. É por meio do estudo sistemático da passagem de um registro
para outro que se apresenta a possibilidade de perceber a importância da
forma das representações e da identificação daquelas que são pertinentes.
A distinção, feita pelo autor, entre as variáveis redacionais intrínsecas e
as extrínsecas para a compreensão do enunciado de um problema é uma
aplicação particular dessa análise cognitiva.
3. Essas variáveis permitem analisar a tarefa cognitiva, envolvida
num problema, num exercício, ou em qualquer atividade proposta no
quadro do ensino da matemática, sem confundi-la com a tarefa matemá-
tica propriamente dita e sem reduzi-la a esta, pois toda tarefa matemática
envolve necessariamente uma tarefa cognitiva Uá que ela deve ser feita,
evidentemente, por um sujeito) e a complexidade das tarrfas propostas
aos alunos depende tanto dos aspectos cognitivos quanto dos aspectos
matemáticos. Ignorar o aspecto cognitivo significa não considerar as
condições de apropriação reais de um conteúdo matemático e as razões
das dificuldades encontradas pelos alunos.
4. Uma abordagem em termos de registros conduz a excluir toda
solução pedagógica ou didática que tenderia a privilegiar um registro, em
detrimento de outros, pois nenhum registro pode ser considerado mais

76

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

acessível que outro para os alunos, visto que cada registro apresenta pro-
blemas específicos de aprendizagem (a aparente facilidade dos registros
não-discursivos é um engano) e, também, porque a mudança de registro
implica um trabalho de coordenação de registros.
5. As variáveis cognitivas conduzem a microanálises de um pon-
to de vista muito mais global do que a análise habitualmente feita dos
problemas de ensino e de aprendizagem, como um programa de ensino,
as relações na classe e a avaliação de um sistema educativo, que, mui-
tas vezes, induz _professores, ou mesmo pesquisadores em didática da
matemática, a subestimá-los.
Assim, buscando as funções que podem ser atribuídas às represen-
tações semióticas, Duval (1999, p. 30) elaborou o Quadro 3, concentrando
nele algumas respostas.

1
REPRESENTAÇÕES REPRESENTAÇÕES
SITUAÇÃO FUNÇÕES
SEMIÓTICA$ NÀO SEMIÓTICAS
Representação 1. Comunicação
sempre nunca
de um mesmo (explicitacão para outra nessoar
registro produzido 2. Tratamento algumas nunca
ou apresentado
3. Objetivação
como tal algumas às vezes
(tomada de consciencia Por si)
4. Endereçamento (memória)
aatoadcleate Identificação e reconhecimento algumas algumas vezes
- memória)
às vezes
5. Contribuição de infom1ações às vezes
complementares (fotos como peças de
convir.r.ln\
Representação 6. Interpretação heuristica (tratamento
algumas às vezes
de um registro transitório)
7. In- explicativa al1tUmas às vezes
produzido ou
apresentado 8. Seleção de elementos (unidades,
algumas certas condiçôcs
como aniliar infonnacõcs. etc.) ocrtinentes.
para 9. Exemplo sim às vezes (fotos)
representações 1O. lludnlclll al1tUmas sim
de um outro
11 . Material (substituto do objeto) algumas sim
registro
maquetes, alguns.
12. Simulação instrumentos
nlo
Agente flsico (por miniaturii.ação) {medicõcs)
cm intcraçlo 13. Jogo: simulação e objetivaçlo?
direta e não atores (gestos)
constitutivo Açlo cuja realidade dos efeitos ~ neutralil.llda
(ato sem passa2em ao ato)
da representação
15. Delegaçlo (organização de uma indivlduos (eleitos ou
não
sociedade) nomeados)

QUADRO 3 - FONTE: DUVAL, 1999, p. 30

77

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A comunicação, o tratamento e a obj--'ti ação silo funções cogniti-
vas fundamentais para a produção das repres ntações. As quatro primeiras
funções (cf. 2." coluna do quadro) são as cognitjvns fundru11entai , mas
só as três primeiras constituem registros de repres ntação para o funcio-
namento cognitivo na consciência do sujeito.

4. Quadro e registro de representação


Lembramos que foi na observação de pesquisadores de matemá-
tica em ação e considerando a resolução de problemas como a atividade
essencial do matemático que Douady ( 1986) propôs a noção de quadro
e a "dialética ferramenta/objeto". De fato, na atividade de pesquisa para
resolver um problema, a mudança de quadro, ou seja, uma mudança de
contexto ou de modelo teórico, é, às vezes, uma estratégia decisiva.
É esse tipo de "funcionamento" dos matemáticos que Douady
. toma
como modelo para organizar o ensino de forma que os alunos apreendam
ou construam seus conhecimentos matemáticos.
Assim, a noção de quadro baseia-se, inicialmente, nas diferentes
abordagens e nos diferentes domínios matemáticos, não relacionada
a sistemas semióticos. Naturalmente, isso não exclui que se possam
considerar os registros nessa abordagem, mas os registros não estão em
primeiro plano. Duval ( 1999), comparando as noções de quadro e de
registro de representação semiótica, fez a seguinte indagação:

Nessas condições, falar em termos de quadro ou falar em termos


de registros parece falar da mesma coisa, dando mais importância
ao conteúdo matemático ou à sua representação semiótica. Ou
seja, existiria um certo paralelismo entre uma análise em termos
de quadros e uma análise em termos de registros? (p. 24)

Se não existe quadro que não apela para wn registro, em contrapartida


quadro e registro não conduzem ao mesmo campo da atividade matemática
(DUVAL; 1999). Para wn quadro, pode haver wn ou vários registros. Por
exemplo, no quadro geométrico temos o registro da língua materna, o regis-
tro figural e o registro simbólico; e, ainda, wna conversão de registro pode
ser feita dentro de wn mesmo quadro, como ocorre, geralmente, quando se
.trata do registro da escrita algébrica e do registro da língua formal.
Segundo Duval ( 1999), uma mudança de quadros e uma mudança
de registro não correspondem, de maneira alguma, aos mesmos fenôme-

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SAooo A o ALMOULOUD

A flexibi tidade entre os pontos de vista algébrico e geométrico


(geometria analítica) não se reduz a uma simples conversão de registros
de representação; de fato, a aprendizagem de técnicas e conversões é
insuficiente para que sejam dominados. Para compreender a articulação
entre os pontos de vista algébrico e geométrico, é imprescindível que
o aluno compreenda as propriedades dos objetos nesses dois quadros e
suas interconexões.
As mudanças de registros e as variações internas (pertinentes ou
não pertinentes) em um registro são percebidas por todos e também pelos
aprendizes, pois elas dependem do funcionamento cognitivo do pensa-
mento em jogo, em todas as estratégias intelectuais e, necessariamente,
no contexto de uma investigação matemática.
A noção de quadro foi desenvolvida em referência à resolução
de problemas, e a noção de registro conduz a tomar como atividade de
referência uma atividade mais universal e mais precisa, a do tratamento
que se encontra em toda resolução de problemas.

5. Articulação entre quadros, registros e ..


ponto de vista

Objetiva-se estudar essas três noções mostrando, por meio de


exemplos, diferenças e suas importâncias quando se desenvolvem situa-
ções de ensino e de aprendizagem de conceitos matemáticos, bem como
no desenvolvimento das habilidades correspondentes.
Um registro de representação é, de acordo com Duval (1999),
um sistema semiótico que tem as funções cognitivas fundamentais no
funcionamento cognitivo consciente, ou seja, sendo uma maneira típica
de representar um objeto matemático, ou um problema, ou uma técnica.
Já á noção de registro se refere ao domínio dos sinais que servem para
designar qualquer coisa (por exemplo, o mapa que representa o Brasil
não é o Brasil).
O objeto matemático "função" pode ser representado por quatro
registros de representação semiótica: registro das tabelas, das fórmulas
algébricas, gráfico e simbólico:

80

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

registro das tabelas de valores :


X 0,5 1 1,5 2 2,5
f(x) 3 Ó -1 1 5,5
.
1- Função registro 3x+ v'_IA_
das fórmulas: f(x) = __ Px-2j
- 'I
2
x +1
registro gráfico ou de desenho
registro simbólico : f, f + g, r ...
O objeto matemático vetor pode ser representado por um desenho,
uma tabela (ou matriz) ou um símbolo.

registro do desenho : ~

2 - Vetores do plano registro das tabelas de números : (2, - 3) ou ( ~


3
J
registro simbólico: ü, ü + v, 3ü ...

5.1 A noção de ponto de vista


A expressão "pontos de vista" deve ser entendida como uma maneira
de definir ou caracterizar _um objeto matemático e/ou suas propriedades.
Pontos de vista diferentes, para um objeto matemático, são maneiras dife-
rentes de olhá-lo, de fazê-lo funcionar e, eventualmente, de defini-lo. Nesse
sentido, olhar um objeto em diferentes quadros é ter diferentes pontos de
vista, embora se possam ter vários pontos de vista no mesmo quadro.
Por exemplo, uma curva C do plano pode ser definida no quadro da
geometria analítica a partir de dois pontos de vista diferentes: cartesiano
e paramétrico, como pode ser observado nos exemplos a seguir.

Exemplo 1. Equação de uma reta e de uma circunferência no plano:


• por uma equação cartesiana f(x, y) = O
equação de uma reta: ax + by + c = O
equação de uma circunferência: x 2 + y 2 + 2ax + 2by + c = O

• por uma equação paramétrica: x = g(t), y = h(t)


x=at+b
equação de uma reta: { y=ct+d
x=a+rcose
equação de uma circunferência: { y=b+rsen0

81

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SADDO Ao ALMOULOUD

A passagem de um ponto de vista a outro, para uma determinada


curva, não é uma simples conversão de registros, mas um teorema ma-
temático a ser estabelecido.

Exemplo 2. Equações de retas e planos no espaço:


Temos dois pontos de vista que se referem ao quadro da geometria
analítica (expressar as equações a partir das coordenadas de pontos) e
ao quadro da geometria vetorial.
No quadro da geometria vetorial:
Equação cartesiana de um plano Equação paramétrica de um plano
(
ax + by + cz + d =O x = a + b 1s + c1t
1

l y = a + b s + c2t
2 2
Z = a + b s + C3 t
3 3

(2 parâmetros: se t)

..
No quadro da geometria analítica:
Equação cartesiana de uma reta Equação paramétrica de uma reta

ax + by + cz + d = O X= ªl + Â.bl
{ a'x + b'y +c'z+ d'= O
y = a + )..b ( l parâmetro)
2 2
(2 equações) z = ª3 +Â.b3

A resolução de um problema pode ser fácil num ponto de vista e


dificil em outro.

Poi exemplo: Equação cartesiana Equação paramétrica


Detenninar um pcnto da curva C oode ser: diflcil fàcil
Saber se um ponto Mo pertence à curva C fâcil dificil
rode ser:

Exemplo 3. Em geometria plana:


Caso 1: A mediatriz de um segmento AB pode ser definida como:
1. o conjunto dos pontos que são equidistantes dos extremos do
segmento (representada na figura 8a).
2. a reta perpendicular ao segmento AB por seu ponto médio (re-
presentada na figura 8b).

82

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F UNDAMENTOS DA DJDÁTICA DA MATEMÁTICA

A B
(a) (b)
FIGURAS

Caso .Z: Podemos caracterizar um paralelogramo a partir de vários


pontos de vis~ como, por exemplo:
1. é um quadrilátero convexo que tem dois lados opostos paralelos;
2. é um quadrilátero cujas diagonais têm o mesmo ponto médio;
3. é um quadrilátero cujos lados opostos são paralelos.
Estes enunciados (registro verbal) caracterizam de três maneiras
diferentes o objeto matemático "paralelogramo". Demonstra-se que são
três pontos de vista equivalentes, que podem ser usados para provar que
um quadrilátero é ou não um paralelogramo. A utiliz.ação de um ou outro
ponto de vista depende das condições impostas pelo problema proposto;
por exemplo, na situação a seguir, podemos usar o ronto de vista 1 ou 2
para demonstrar que o quadrilátero MNPQ é um paralelogramo.
Dado o quadrilátero ABCD, sejam M, N, P e Q os pontos médios
dos lados AB, BC, CD e AD, respectivamente. Demonstre que MNPQ é
um paralelogramo.
O processo de resolução desse problema envolve, entre outros, a
interpretação do enunciado e as devidas conversões (registros discursivo,
figural, matemático):

Conversão na linguagem figural Conversão na linguagem matemática


B Hipóteses:

N • ABCD quadrilátero convexo;


• M ponto médio de AB;
• N ponto médio de BC;
• P ponto médio de CD;
D • Q ponto méido de AD.
FIGURA9

83

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SADoo Aa ALMoULouo

A passagem de um ponto de vista a outro, para uma determinada


curva, não é uma simples conversão de registros, mas um teorema ma-
temático a ser estabelecido.

Exemplo 2. Equações de retas e planos no espaço:


Temos dois pontos de vista que se referem ao quadro da geometria
analítica (expressar as equações a partir das coordenadas de pontos) e
ao quadro da geometria vetorial.
No quadro da geometria vetorial:
Equação cartesiana de um plano Equação paramétrica de um plano

ax + by + cz + d =O

(2 parâmetros: s e t)

.
No quadro da geometria analítica:
Equação cartesiana de uma reta
ax+bv+cz+d =0
{a'x + b'y+c'z+d'= O

(2 equações)

A resolução de um problema pode ser fácil num ponto de vista e


dificil em outro.
Por exemolo: Equação cartesiana Equação paramétrica
Determinar um oonto da curva C oode ser: diflcil ticil
Saber se um ponto Mo pertence à curva C fácil diflcil
oode ser:

Exemplo 3. Em geometria plana:


Caso 1: A mediatriz de um segmento AB pode ser definida como:
1. o conjunto dos pontos que são equidistantes dos extremos do
segmento (representada na figura 8a).
2. a reta perpendicular ao segmento AB por seu ponto médio (re-
presentada na figura 8b).

82

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

A B
(a) (b)
FIGURA 8

Caso 2: Podemos caracterizar um paralelogramo a partir de vários


pontos de vista, como, por exemplo:
l. é um quadrilátero convexo que tem dois lados opostos paralelos;
2. é um quadrilátero cujas diagonais têm o mesmo ponto médio;
3. é um quadrilátero cujos lados opostos são paralelos.
Estes enunciados (registro verbal) caracterizam de três maneiras
diferentes o objeto matemático "paralelogramo". Demonstra-se que são
três pontos de vista equiv~lentes, que podem ser usados para provar que
um quadrilátero é ou não um paralelogramo. A utilização de um ou outro
ponto de vista depende das condições impostas pelo problema proposto;
por exemplo, na situação a seguir, podemos usar o ponto de vista l ou 2
para demonstrar que o quadrilátero MNPQ é um paralelogramo.
Dado o quadrilátero ABCD, sejam M, N, P e Q os pontos médios
dos lados AB, BC, CD e AD, respectivamente. Demonstre que A1NPQ é
um paralelogramo.
O processo de resolução desse problema envolve, entre outros, a
interpretação do enunciado e as devidas conversões (registros discursivo,
figural , matemático):

Conversão na linguagem figural Conversão na linguagem matemâtíca


B Hipóteses:

N • ABCD quadrilátero convexo;


• M ponto médio de AB;
• N ponto médio de BC;
• P ponto médio de CD;
D • Q ponto méido de AD.
FIGURA9

83

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SADoo AG ALMOULOUD

Conclusão (tese)
O quadrilátero MNPQ é um paralelogramo.
Essas conversões colaboram na compreensão do problema e são
fatores facilitadores na resolução.
A maior parte dos problemas de ensino e de aprendiz.ado da Geome-
tria é de origem didática e linguística, em que a coordenação de diferentes
registros de representação (a escrita algébrica, as figuras geométricas,
o discurso na língua natural) ligados ao tratamento dos conhecimentos
não se opera espontaneamente, mesmo no decorrer de um ensino que
mobilize essa diversidade de registros (DUVAL, 1995).

Exemplo 4. Na análise:

1. A função f, definida por / (x) = 2x + 1 , pode ser, também, re-


x+3
presentada por f (x) = 2 - ~. Nos dois casos, o registro de re-
x+3 .
presentação semiótica é o mesmo, mudando apenas o posto de vista.
No segundo caso, a função fé caracterizada como a diferença
de duas funções, o que permite comparar mais facilmente a
função f e a função constante h, definida por h(x) = 2, bem como
determinar os limites de f tendendo a + oo .
2. Definindo o conceito de derivada de uma função:
Pode-se pensar a derivada, de acordo com Thurston (1995, apud
DIAS, 1998), de diversos pontos de vista, a saber:

a) Como infinitamente pequena: df(x);


dx
o) Como fórmula de derivação: a derivada de x" é n.x"- 1, a derivada
da função seno é a função cosseno, a derivada da composta de
duas funções, (f o g)', é (f' º g).g' etc.;
c)Definição formal: f'(x) é derivada de f se, e somente se,

.., f(x+~x)-f(x)
'v't > O, 36 >O/ se O--< 1~x 1--< 6, entao . - d ~E
~X

d) Definição geométrica: a derivada é o coeficiente angular da


tangente no ponto considerado;
e)Como taxa de variação: a derivada é a velocidade instantânea

84

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

de f(t), onde t representa o tempo;


f) Entre todas as funções que se possa pensar em aproximar a uma
dada função, a sua derivada é a melhor delas.

Exemplo 5. Em álgebra linear:


Na sua tese de doutoramento, Dias (1998) estudou as dificuldades
dos alunos do ensino superior (França) em resolver tarefas que envol-
vessem a articulação dos pontos de vista cartesiano e paramétrico na
representação de subespaços vetoriais.
A autora considera os seguintes pontos de vista para um subespaço
vetorial:
Ponto de vista paramétrico: subespaço gerado por um conjunto
de vetores;
Ponto de vista cartesiano: subespaço solução de uma equação ou
de um sistema de equações lineares.
Fazendo uma análise cognitiva com base nesses dois pontos de
vista, Dias identificou quatro tipos de representação paramétrica e dois
de representação cartesiana.

a) Representações paramétricas

(i) Explícito-intrínseca, como, por exemplo:


A= lin {a, b} = {v/v = aa + ~b, onde (a,~) E 9F}. Os vetores são
dados no registro simbólico intrínseco.

(ii) Explícito-tabela, como, por exemplo:

A= ((1, O, O), (O, 1, O)]= {a(l, O, O)+ ~(O, 1, O), onde a e~ E

9l}. Os vetores geradores são dados no registro das tabelas.

(iii) Implícito-equação, como, por exemplo:


B = {(1, -2, 1), (1, -3, 3)} =
={(x, y, z) E 9?3, tal que x =a+~' y = -2a - 3~, z =a+ 3~,
onde a e ~ E 9?} .
O subespaço vetorial é caracterizado pelas coordenadas de um vetor
genérico, e cada coordenada é determinada em função do(s) parâmetro(s)
por meio de uma equação

(iv) Implícito-tabela, como, por exemplo:


A= {a,~' O), onde (a,~) e 9?2 }.

85

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SAooo Ao A LMOULouo

O subespaço vetorial é caracterizado por uma representação de


vetores geradores em um único vetor dado sob a forma de tabela. A
interpretação segundo o ponto de vista paramétrico supõe, então, uma
decomposição do vetor (a, p, O) em ( a, ~'O)= a(l, O, O)+ P(O, 1, O).

b) Representações cartesianas

(i) Cartesianas intrínsecas, como, por exemplo:


A = {v/T( v) = O}, sendo T um operador linear. O subespaço é
caracterizado como núcleo de uma aplicação linear, os vetores sendo
representados no registro simbólico intrínseco.

(ii) Cartesiano-explícita, como, por exemplo:


A = {(x, y, z) E m3 / z = Oe 2x + y = O} . O subespaço é caracte-
rizado por um sistema de equações lineares.

Segundo Dias ( 1998), a flexibilidade entre os pontos de vista


"cartesiano" e "paramétrico" não se limita a uma simples flexibilidade
semiótica entre registros de representação; de fato, a aprendizagem de
técnicas de tradução e conversão é insuficiente para que se atinja esse
domínio.
Para compreender a articulação entre os pontos de vista "cartesia-
no" e "paramétrico", a autora considera os seguintes quadros:
• o quadro da álgebra linear;
• o quadro da geometria euclidiana;
• o quadro dos sistemas lineares;
• o quadro matricial;
• o quadro dos determinantes.
No quadro dos sistemas lineares, a articulação entre os pontos de
vista cartesiano e paramétrico é ligada à representação dos subespaços
soluções dos sistemas. A resolução de um sistema linear coloca em
jogo a representação paramétrica do espaço das soluções, vetorial ou
afim, dependendo de o sistema ser homogêneo ou não. A representação
cartesiana mínima é obtida mediante a redução do si~tema de equações
linearmente independentes (DIAS, 1998, p. 83).
O quadro matricial pode ser favorável ao desenvolvimento e à ar-
ticulação de rapports (relações) "provisórias" nos espaços de dimensão
. finita. Com efeito, é possível demonstrar as propriedades para as matrizes,
depois transferi-las mediante isomorfismos adequados a aplicações lineares
e a subespaços vetoriais de R", trabalhando com objetos algébricos que

86

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

podem parecer menos abstratos para os estudantes (DIAS, 1998, p. 90).


Segundo a autora, no quadro da álgebra linear, os pontos de vista cartesiano
e paramétrico são colocados em jogo nas representações de subespaços
vetoriais de dimensão finita, da interseção de subespaços, de subespaços
gerados por uma família de vetores, da soma de subespaços, de núcleo e de
imagem de uma aplicação linear. Já no quadro da geometria afim euclidiana,
a álgebra linear pode intervir na articulação de maneira a:
• permitir ilustrar graficamente as propriedades dessa articulação
nas dimensões 2 e 3;
• permitir evidenciar e trabalhar, nesse contexto, as relações entre
os números de parâmetros e de equações.

5.2 Mudanças de quadros, registros e pontos de vista


para resolução de uma inequação
Problema: Resolver a inequação: x2 - 4 < 1, no conjunto dos
números reais.
Podemos resolver a inequação, pelo menos, de duas formas dife-
rentes, a saber:
a) Resolução no quadro algébrico
x2 -4 < 1 <=> x2 - 5 <O<=> (x-"'5)(x + "'5) <O.Para resolver esta
inequação, precisamos encontrar um conjunto de números reais tais que
{x - "'15)(x + --fs) < O. Estudaremos, então, o sinal de cada fator e, em
seguida, o do produto. Usaremos a Tabela 1 para fazer esse estudo:

TABELA 1 - ESTUDO DA VARIAÇÃO DO POLINÔMIO x 2 - 5

X -../5 Js
'
x+..fs - + +

x-../5 - - +

+ - +
(x -~Xx + ./s) i
A análise desta tabela mostra que ( x - "Ís)(x + "Ís) < O se, e
somente se, x e J- "'15, -vsl_, ou seja, - "'15 < x < "Ís.

87

h,
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SADoo Ao ALMOULouo

b) Resolução no quadro geométrico (mudança de quadro e,


portanto, de ponto de vista)
Trata-se de construir, no registro gráfico, a parábola P de equação
m(x) = x2 - 4 e a retarde equação n(x) = 1 e comparar as ordenadas dos
pontos de P e as ordenadas dos pontos de r.

m(x) ='>f-4

r n(x) = 1
---· ..·--··· .L
1 X

0,00)

\ ~
FIGURA 10

O gráfico mostra que os pontos da parábola cujas ordenadas são


inferiores a 1 são os pontos A(x2 -4, x) do plano tal que -2,23 < x < 2,23.
Neste exemplo, a mudança de quadro (então de ponto de vista) e a con-
versão de registro (de fórmula para gráfico) são elementos facilitadores
na resolução da inequação proposta.
Em síntese, vimos em nosso estudo a importância de compreender
a articulação entre quadro, registro e ponto de vista, bem como a neces-
sidade de desenvolver atividades que proporcionem ao aluno condições
de compreender que uma noção matemática funciona em vários registros
de representação e de saber identificá-los. Essas atividades devem per-
mitir, também, que mudanças de quadros e de pontos de vista, além da
conversão de registro, tenham um papel central em situações de ensino
e aprendizagem.
Para compreender um conceito é necessário saber em que quadros
ele funciona e compreender os pontos de vista que lhes são associados. Para
provar teoremas ou resolver problemas, a mudança de quadro e a escolha
judiciosa de registros de representação são fundamentais 1no cumprimento
da tarefa pedida, além de serem fundamentais na distinção entre o objeto ma-
temático (conceito) e suas diferentes representações num dado registro.

88 ·

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V - O contrato didático

Guy Brousseau introduziu a noção de contrato didático para ana-


lisar as relações que se estabelecem ( explícita e implicitamente) entre o
professor e seus alunos, e sua influência sobre o ensino-aprendizagem
da matemática. Neste texto, analisamos os fundamentos teóricos e os
diferentes efeitos do contrato didático.

1. O que é contrato didático?

Guy Brousseau ( 1980) define o contrato didático como o conjunto


de comportamentos específicos do professor esperado pelos alunos, e o
conjunto de comportamentos dos alunos esperado pelo professor. Esse
contrato é

uma relação que determina - explicitamente em pequena par-


te, mas sobretudo implicitamente - aquilo que cada parceiro,
professor e aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual
será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro
(BROUSSEAU, 1986, p. 51 ).

A noção de contrato didático permite distinguir a situação didática


da situação-problema: na primeira, manifesta-se o desejo de ensinar que
envolve, pelo menos, uma situação-problema e um contrato didático. A
significação do problema e do conceito para o aluno depende do contra-
to didático estabelecido; é o que permitirá a negociação do sentido das
atividades em jogo.
A definição de contrato didático acima diz respeito a certa situação
dada. Contudo, ele pode, também, se estabelecer em relação a um conjunto
de situações ~m certo nível de ensino; ele é, ainda, um meio para gerenciar
o tempo didático em sala de aula. Já em 1982, Guy Brousseau escrevia:

89

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SAooo Ao ALMOULouo

b) Resolução no quadro geométrico (mudança de quadro e,


portanto, de ponto dé vista)
Trata-se de construir, no registro gráfico, a parábola P de equação
m(x) = x2 -4 e a retarde equação n(x) = 1 e comparar as ordenadas dos
pontos de P e as ordenadas dos pontos de r.

m(x) =x2-4

r n(x) = 1

\\\_
FIGURA 10

O gráfico mostra que os pontos da parábola cujas ordenadas são


inferiores a 1 são os pontosA(x2 -4, x) do plano tal que-2,23 < x < 2,23.
Neste exemplo, a mudança de quadro (então de ponto de vista) e a con-
versão de registro (de fórmula para gráfico) são elementos facilitadores
na resolução da inequação proposta.
Em síntese, vimos em nosso estudo a importância de compreender
a articulação entre quadro, registro e ponto de vista, bem como a neces-
sidade de desenvolver atividades que proporcionem ao aluno condições
de compreender que uma noção matemática funciona em vários registros
de representação e de saber identificá-los. Essas atividades devem per-
mitir, também, que mudanças de quadros e de pontos de vista, além da
conversão de registro, tenham um papel central em situações de ensino
e aprendizagem.
Para compreender um conceito é necessário saber em que quadros
ele funciona e compreender os pontos de vista que lhes são associados. Para
provar teoremas ou resolver problemas, a mudança de quadro e a escolha
judiciosa de registros de representação são fundamentais 1no cumprimento
da tarefa pedida, além de serem fundamentais na distinção entre o objeto ma-
temático (conceito) e suas diferentes representações num dado registro.

88 ·

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V - O contrato didático

Guy Brousseau introduziu a noção de contrato didático para ana-


lisar as relações que se estabelecem (explícita e implicitamente) entre o
professor e seus alunos, e sua influência sobre o ensino-aprendizagem
da matemática. Neste texto, analisamos os fundamentos teóricos e os
diferentes efeitos do contrato didático.

1. O que é contrato didático?

Guy Brousseau (1980) define o contrato didático como o conjunto


de comportamentos específicos do professor esperado pelos alunos, e o
conjunto de comportamentos dos alunos esperado pelo professor. Esse
contrato é

uma relação que determina - explicitamente em pequena par-


te, mas sobretudo implicitamente - aquilo que cada parceiro,
professor e aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual
será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro
(BROUSSEAU, 1986, p. 51).

A noção de contrato didático permite distinguir a situação didática


da situação-problema: na primeira, manifesta-se o desejo de ensinar que
envolve, pelo menos, uma situação-problema e um contrato didático. A --- -
significação do problema e do conceito para o aluno depende do contra-
to didático estabelecido; é o que permitirá a negociação do sentido das
atividades em jogo.
A definição de contrato didático acima diz respeito a certa situação
dada. Contudo, ele pode, também, se estabelecer em relação a um conjunto
de situações ~m certo nível de ensino; ele é, ainda, um meio para gerenciar
o tempo didático em sala de aula. Já em 1982, Guy Brousseau escrevia:

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SADoo Aa ALMOULouo

o contrato fixa o papel convencional do conhecimento, da apren-


dizagem, da memória e transmite uma espécie de "teoria" do
conhecimento, "teoria" que se chama "epistemologia escolar"
e que tem como função permitir a comunicação didática (apud
PERRIN-GLORIAN, 1994, p. 124, tradução nossa).

É também por meio do contrato didático que se busca

o que impede ou favorece o acesso dos alunos ao conhecimento,


o que bloqueia a entrada de certas crianças no processo da
aprendizagem. Pois os contratos, sua realização e seus sucessos
revelam a idéia que os professores e os alunos têm da matemática
e de seu funcionamento, das condições de sua criação e, portanto,
de seu interesse. São as circunstâncias nas quais a matemática está
empregada que lhe dão sua significação (BROUSSEAU, 1979,
apud PERRIN-GLORIAN, 1994, p. 125, tradução nossa).

Podemos destacar nas afirmações de Brousseau três observações


importantes: •
a)As relações entre o professor e o aluno dependem de um pro-
jeto social que se impõe a todos e são regidas por várias regras
e convenções que, em sua maioria, não colocam em jogo, de
forma sistemática, o saber, que é o terceiro parceiro da relação
didática. Este aspecto é o que distingue contrato didático de
contrato pedagógico, já que este último privilegia relações
sociais, atitudes, regras e convenções, mas não coloca em jogo
o saber. Além disso, como o contrato didático é específico dos
conhecimentos em jogo, ele pode ser mudado, tendo em vista
que os conhecimentos e os saberes evoluem e se transformam,
enquanto o contrato pedagógico permanece estável;
b) O funcionamento do contrato didático depende de diferentes
contextos de ensino e de aprendizagem. As escolhas pedagó"-
gicas, o tipo de trabalho proposto para os alunos, os objetivos
de formação, a epistemologia do professor, as condições da
avaliação etc., fazem parte dos determinantes essenciais do
contrato didático; ,
c) O contrato didático tem por objetivo, fundamentalmente, a
aquisição de saberes pelos alunos;
d) Um contrato didático mal administrado, por parte do professor ou
. do aluno, pode ser a fonte de dificuldades para a aprendizagem
de novos conhecimentos matemáticos. Geralmente, o contrato

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

didático vem à tona e é motivo de renegociação quando não é


respeitado por qualquer um dos parceiros da relação didática:
professor ou aluno.

1.1 Exemplo de ruptura de contrato didático


O ensino da geometria no primeiro grau (caso da França)
O reconhecimento de figuras e de configurações é o enfoque
utilizado para o trabalho com Geometria nas quintas e sextas séries do
Ensino Fundamental francês, e o aluno deve também aprender a usar os
instrumentos d~ desenho para desenvolver aptidões gráficas. As figuras
são consideradas, nestes níveis de escolaridade, como objetos geomé-
tricos concretos, sobre os quais se pode agir diretamente. Neste nível,
os alunos trabalham no que Henry ( 1997) chama de modelo pseudocon-
creto: o objeto abstrato é designado pelo sujeito como se fosse objeto da
realidade. Por exemplo, o cubo perfeito, modelo abstrato, é designado
em associação ao cubo real, manipulado concretamente pelo aluno (por
exemplo, um dado de seis faces). O processo de abstração da figura
ainda não atinge o nível de fprmalização. Nas sétimas e oitavas séries,
os alunos devem avançar nesse processo, dando às figuras o status de
objetos ideais e abstratos, distinguindo-os de suas representações (as
figuras desenhadas), que tomam o status de significando.
Ainda no ensino francês, do início do Ensino Fundamental até a 5.ª
série, geralmente, os problemas e exercícios de matemática são numéricos
e/ou geométricos. Contudo, a partir da 6.ª série, começa-se a operar com
letras e números: o que era feito apenas com números começa a ser feito -
·· -·- __,.,._.,.,,
com letras também, o que pode ser identificado como uma quebra no
contrato didático e gerador de dificuldades nestas séries.
Muitos alunos têm dificuldade em adaptar-se a essa ruptura de
contrato. No jogo de interações aluno-saber-professor, a ruptura de con-
trato didático e sua renegociação podem provocar a entrada em cena de
fatores positivos ou negativos para a aprendizagem.

1.2 Algumas regras de contrato didático em vigor no


Ensino Fundamental
Em geral, os problemas de matemática costumam ter em seus
enunciados somente os dados necessários para sua solução e ter sempre
uma única resposta, obtida pelo uso de operações numéricas. Com isso,

91

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SAooo Aa ALMOULOUD

quando os alunos têm um problema para resolver, é muito comum que


procurem os números contidos no enunciado do problema e façam ope-
rações matemáticas para encontrar a resposta. De qualquer modo, para
estes alunos, há sempre uma resposta para uma questão matemática e
o professor a conhece, o que significa que se deve, sempre, encontrar
uma solução e esta pode ser corrigida. Se o professor oferece aos alunos
somente problemas deste tipo, quando se depararem com problemas
que não têm solução ou que têm mais de uma solução possível, ou que
têm excesso de dados ou não são resolvidos com operações numéricas,
certamente cometerão erros ou não saberão respondê-los. O fato de o
professor mudar o tipo de problema utilizado pode ser considerado uma
ruptura no contrato didático.
Vejamos alguns exemplos de problemas que provocam esse tipo
de ruptura:
O custo de uma festa:
Numa festa notamos a presença de 350 homens e 473 mulheres.
Quanto custou a/esta?
A idade da professora: •
Em uma sala de aula temos 15 meninos e 17 meninas. Qual é a
idade da professora?
Nos dois casos, é muito comum encontrar alunos que adicionam
os valores identificados no texto para obter uma resposta (a soma en-
contrada). Poucos respondem que é impossível resolver tais problemas
com as informações que foram dadas.
Outros exemplos (MOREIRA, 1993, p. 38, anexos, tradução
nossa):
I.Aos dez anos uma criança tinha 115 cm (de altura). Qual será
sua altura quando tiver 20 anos?
2. Um motorista leva 3 dias para percorrer a estrada entre São
Paulo e Recife. Quais os tempos de cada um de 3 motoristas
para Jazer esse percurso, se andarem na mesma velocidade e
partirem de São Paulo na mesma hora?
3.Dois trabalhadores levaram 4 dias para cavar uma fossa.
Quanto tempo levariam 4 trabalhadores para,cavar a tal fossa,
trabalhando no mesmo ritmo?

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

2. Os efeitos do contrato didático

O conceito de contrato didático permite analisar e interpretar


os fenômenos não evidentes que interferem nos processos de ensino e
de aprendizagem. Seu estudo permite identificar paradoxos ligados ao
processo esperado pelo professor, quando organiza o ensino visando à
produção autônoma, pelo aluno, do conhecimento pretendido.
A negociação contínua do contrato didático tem por consequência,
às vezes, a descaracterização dos conteúdos matemáticos e dos objetivos
de aprendizagem, pois o professor, querendo que seus alunos acertem,
tende a facilit~r a tarefa de diferentes maneiras: várias explicações, pro-
posta de problemas decompostos em subquestões, ensino de algoritmos
etc. Pesquisadores em didática da matemática identificaram diversas
atitudes ou práticas que são verdadeiras rupturas de contrato por parte
do professor, aqui designadas pelo termo "efeito de contrato".
Segundo Ricardo, Slongo e Pietrocola (2003), Brousseau faz alusão
à dimensão paradoxal que permeia o contrato didático, principalmente
em função dos papéis atribuídos ao professor e ao aluno no processo
de apropriação do conheci~ento. Ele parte do pressuposto de que o
professor tem responsabilidades distintas do aluno e, como responsável
por administrar o contrato no sistema didático, deve proceder de modo
a respeitar o papel do aluno nos processos de ensino é de aprendizagem,
buscando compatibilidade com o seu desenvolvimento cognitivo. Assim,
a situação paradoxal reside no fat.o de que tudo o que o professor ensina
ou explicita ao aluno tira deste a oportunidade de aprender. Ou seja, ao
mesmo tempo em que a mediação do professor na relação didática se faz - -- - - ,,,.,,,.

necessária, ela não pode solapar do aluno as condições imprescindíveis


/
para o processo de apropriação do conhecimento. O professor procura
reestruturar o problema, devolvendo-o ao educando; entretanto, essa
"proximidade provoca a constante tentação de ajudar o aluno a ser bem-
-sucedido, quando se trata de aprender" (PERRENOUD, 1999, p. 66,
apud RICARDO; SLONGO; PIETROCOLA, 2003).

2.1 Efeito "pigmaleão"


O contrato didático depende das expectativas do professor em
relação aos alunos ou de um aluno em particular. Pode-se observar que,
em alguns casos, um aluno ou um grupo de alunos tem sempre o mesmo
rendimento nas avaliações aplicadas pelo professor por causa de um

93

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SADoo Ao ALMOULouo

acordo tácito estabelecido. Tal acordo faz com que o professor, em alguns
momentos, limite seu nível de exigências em função da imagem que faz
desse(s) aluno(s). O mito que se estabelece entre as partes envolvidas
ilustra o que os psicólogos chamam defenômeno das expectativas.

2.2 Efeito "Topaze" e a comprovação da incerteza


Quando um aluno encontra uma dificuldade, o professor pode criar
condições para que o aluno supere essa dificuldade sem um verdadeiro
engajamento pessoal do discente. Tal procedimento docente é chamado
de efeito "Topaze".
Esse fenômeno aparece nas situações didáticas em que o professor
se encarrega de uma parte substantiva, essencial do trabalho, que deveria
ser de responsabilidade do aluno. A resposta que o aluno deve dar é deter-
minada de antemão e o professor escolhe as questões para as quais essa _
resposta pode ser dada ou que podem provocar as respostas esperadas,
facilitando as estratégias dos alunos e maximizando a significação dessas
respostas. Se os conhecimentos visados desaparecerem peste processo,
teremos o efeito "Topaze".

2.3 O efeito "Jourdain" ou o equívoco fundamental


Este tipo de efeito se caracteriza quando um comportamento co-
mum do aluno é interpretado pelo professor como uma manifestação de
um saber científico. Para evitar o debate de conhecimento com o aluno
e, eventualmente, a aparição de um fracasso, o professor admite reco-
nhecer o índice de um conhecimento científico nos comportamentos ou
nas respostas dos alunos, no momento em que são, de fato, motivados
por outros fatores e por significações triviais.
Um exemplo desse tipo de efeito é o aluno responder a uma questão
colocada pelo professor com uma expressão do senso comum, a qual esse
professor interpreta como resposta correta dando um sentido científico
à resposta do aluno. Vamos supor que a atividade seja a resolução de
uma equação de primeiro grau, e o aluno usa, de forma sistemática, o
"passar para o outro lado com sinal trocado" como rbgra para encontrar a
resposta procurada. O professor então passa a apresentar prioritariamente
equações do tipo a + x = b, para que o aluno obtenha a resposta correta,
mesmo usando uma estratégia falsa. Segundo Brousseau ( 1986), alguns
métodos pedagógicos com base nas preocupações das crianças provocam
muitas vezes esse efeito.

94

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....

FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

2.4 O deslize metacognitivo


Este fenômeno ocorre quando o professor considera uma técnica,
útil para resolver um problema, como objeto do estudo, e perde de vista
o verdadeiro saber a desenvolver. Como exemplos, podemos citar:
• a utilização de diagramas de flechas utilizados para estudar a
teoria dos conjuntos;
• a utilização das tabelas de variação para dominar o conceito
de função;
• utilização da árvore de possibilidades para resolver problemas
de contagem;
• utilização de suas próprias palavras e de suas heurísticas como
objetos de estudo, no lugar do verdadeiro conhecimento mate-
mático, na ocasião de um fracasso de uma atividade previamente
proposta.

2.5 O uso abusivo da analogia


As analogias são, à~ vezes, úteis para fazer compreender o signi-
ficado de um conceito. No entanto, sua utilização abusiva pode desca-
racterizá-lo. Tais analogias são produtoras do efeito "Topaze". Segundo
Brousseau ( 1990), esse tipo de didática é independente dos conteúdos
e pode levar o professor a dar importância a variáveis não pertinentes
à situação, deixando de lado as mais específicas. A aprendizagem por
analogia é um método de apresentação do saber que só favorece a sua
memorização. /
Se os alunos fracassam em suas aprendizagens, o professor, muitase==-- ._..-
vezes, lhes oferece uma chance sobre o mesmo assunto, evocando-o por meio
de analogias. Desta forma, a solução dos alunos é obtida por efeito da leitura
das indicações didáticas, e não de uma releitura do problema em questão.
No jogo do professor com o sistema aluno-meio, o contrato didático
permite estabelecer as regras e estratégias básicas que podem evoluir e
sofrer as adaptações necessárias, consequência das renegociações do
contrato e que caracterizam mudanças do jogo do aluno.
Para cada conhecimento e, talvez, para cada função de um conhe-
cimento, devem corresponder situações (problemas) específicas e prova-
velmente diferentes contratos didáticos. A evolução dos jogadores e do
jogo pode levar à rejeição de certos conhecimentos julgados ineficientes,
bem como do contrato didático previamente estabelecido.

95

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SAooo Aa ALMOULouo

O professor tem obrigação social de ensinar tudo o que for ne-


cessário para a aquisição do saber. É uma cobrança do aluno, sobretudo
quando está em dificuldade. Sob a pressão do aluno e o desejo de fazê-lo
adquirir bastante conhecimento, o professor facilita demais as tarefas e,
por isso, às vezes, perde as chances de obter e constatar, objetivamente,
a aprendizagem visada.
Analisando esses efeitos, percebe-se que o professor se encontra
muitas vezes numa situação dificil, pode-se dizer que se encontra num
paradoxo: ele deve criar condições para a aprendizagem dos alunos, mas
quase tudo que ele faz para conseguir uma resposta satisfatória pode
estar prejudicando a aprendizagem, por não permitir que os alunos che-
guem sozinhos à resposta esperada. O aluno também fica numa posição
paradoxal, pois não constrói, por conta própria, o saber que o professor
quer lhe ensinar.
Brousseau ( 1990) faz a seguinte hipótese: a fase de devolução
apresenta grandes dificuldades, que tradicionalmente são analisadas em
termos de motivação do aluno; as soluções preconizadas são, então, de
natureza psicológica,,psicoafetiva ou pedagógica. Sabemos gue o conhe-
cimento com significado e a situação proposta para a sua aquisição são
fundamentais no processo de ensino e aprendizagem; a didática propõe
meios específicos para que esse objetivo seja alcançado.
O autor sugere um método para alcançar esses meios: modelar, sob
a forma de "jogos" formais, as condições de funcionamento, de produção
e da gênese do conhecimento escolhido de antemão ou cuja manifestação
foi observada. O objetivo dessa modelagem pode ser a construção de
uma engenharia didática ou, ainda, a explicação ou previsão dos com-
portamentos dos protagonistas da relação didática.

96

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VI -Avaliação e contrato didático

Uma das grandes preocupações, atualmente, do sistema educativo é


como e por que avaliar o processo de ensino e aprendizagem. A avaliação
é, também, uma das preocupações do professor, por ser um dos principais
atores desse processo. Em vista dessa necessidade, nosso estudo tem
como objetivo discutir as diferentes concepções e funções da avaliação,
além das relações que existem entre a avaliação e o contrato didático.

1. O que é avaliar?

Nosso intuito é discutir as diferentes concepções de avaliação e


nos posicionar em relação a essas concepções, destacando a importância
reservada à aquisição de conhecimentos e saberes por parte do aluno.

1.1 Avaliação - juízo de valor


Para Barbier (1985), avaliar é um ato deliberado e socialmente
organizado que tem como resultado um juízo de valor. Em situações de /-'--- ·
ensino e aprendizagem, essa definição não considera o aluno e os co-
nhecimentos, sendo por isso descartada pelos pesquisadores em didática
da matemática.

1.2 Avaliação - medida


Avaliar é tido, de modo geral, como "fazer" um juízo de valor sobre
o resultado de uma medida e dar uma significação a esse resultado em re-
lação a um quadro de referência, um critério ou ~ma escala de valores.
Podemos observar, nessa definição, que a avaliação é associada a
uma medida que depende, de fato, do instrumento utilizado. Essa con-
cepção de avaliação nos leva a perguntar: sobre qual grandeza estamos
medindo, quando uma nota é colocada em um trabalho do aluno? Tal
grandeza pode ser somada a uma outra? O saber ou o conhecimento

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SAooo Aa ALMOULouo

do aluno pode ser avaliado por um número reduzido de questões que


envolvem esse saber ou esse conhecimento?
Estas questões constituem uma pequena parte do conjunto de
fatores que interferem no processo de avaliação de estudantes, mas são
suficientes para evidenciar a sua complexidade. Nosso ponto de vista é
que uma avaliação de estudantes deve considerar dois aspectos impor-
tantes, a saber:
• a avaliação quantitativa do desempenho dos alunos ancorada
em pressupostos éticos, epistemológicos e metodológicos que
forneçam a fundamentação filosófica para a teoria de aprendi-
zagem comportamentalista;
• a avaliação qualitativa, que é um processo de avaliação contínuo
relacionado ao processo educativo, como atitude do aluno, sua
participação em tarefas propostas, seu interesse, seu espírito
crítico, sua autonomia intelectual e seus níveis de _cooperação
com colegas (CAMPOS et ai., 2003). Concordamos com os
autores quando afirmam que: •

Um processo de avaliação requer um planejamento, em que


se deve identificar o que se pretende atingir ( os objetivos de
aprendizagem), concebe o processo de chegar até lá (os métodos,
meios e materiais) e, finalmente, a maneira de saber se conseguiu,
ou não, o pretendido (tipos e instrumentos de avaliação)
(CAMPOS et ai., 2003, p. 119-120).

1.3 Avaliação -finalidade


De acordo com Campos et ai. (2003, p. 115), a avaliação é:

um conjunto de ações organizadas com a finalidade de obter


informações sobre o que foi assimilado pelo estudante, de que
forma e em quais condições. Para tanto, é preciso elaborar um
conjunto de procedimentos investigativos que possibilitem o ajus-
te e a orientação adequada. A avaliação deve funcionar, por um
lado, como um instrumento que possibilite ao avaliador analisar
criticamente a sua prática; e, por outro, como instrumento que
apresente ao avaliado a possibilidade de saber sobre seus avanços,
dificuldades e possibilidades.

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Os autores acrescentam ainda que:

A avaliação, portanto, não é um fim em si mesma, mas um indi-


cador do que foi aprendido e do que falta aprender.
A avaliação é uma parte importante do processo de ensino-apren-
dizagem que consiste em determinar em que medida os objetivos
educacionais estão sendo realmente alcançados (CAMPOS et ai.,
2003, p. 116).

Dessa forma, concordamos com estes autores quando afirmam


ainda que:

Em um bom processo de ensino-aprendizagem, os professores e os


alunos estão sempre avaliando, e não há necessidade de ensinar para
a avaliação, pois ela é onipresente, ou seja, a avaliação está dentro
de todo o processo educacional (CAMPOS et ai., 2003, p. 116).

2.-Avaliação e objetivos pedagógicos


O sistema educativo fixa, geralmente, uma lista de objetivos relativos
à aquisição de conhecimentos, à capacidade de compreensão do saber envol-
vido nas aplicações, à qualidade de análise e de síntese ou ao comportamento
e à adaptação dos aprendizes. Esses objetivos institucionalizados tomam-se
o suporte da avaliação, em termos de objetivos atingidos ou não.
Esse tipo de avaliação, apoiado na pedagogia por objetivos, apre-
senta alguns problemas levantados por pesquisadores da área de educação,
como a partição da tarefa, a dificuldade de tomar coerentes as aprendiza-
gens e fazer pouco trabalho a respeito de conceitos fundamentais.
No intuito de evidenciar alguns dos problemas ligados à prática,
pelos professores, de recomendações de propostas, parâmetros curricula-
res ou planos de ensino elaborados pela escola, apresentaremos, a seguir,
alguns exemplos de avaliação apoiada em pedagogia por objetivos.

2.1 A operacionalização dos objetivos pode


favorecer o condicionamento
.O s objetivos descrevem, em geral, um "saber-fazer" que pode, ou
não, ser associado a um saber cientificamente pretendido.
Exemplo de objetivo: "ser capaz de resolver uma equação do
tipo: ax + b = ex + d".

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SAooo Ao ALMOULouo

Bodin ( 1989) e seu núcleo de pesquisa observaram alunos que


acertaram a seguinte questão: resolver a equação 7x - 3 = 13x + 15, mas
os mesmos alunos não foram capazes de responder à questão seguinte:
o número 1Oé uma solução da equação 7x - 3 = 13x + 15?
Esse resultado nos mostra que uma centralização exclusiva em
objetivos pode fortalecer automatismos e, desse modo, constituir um
empecilho à compreensão dos conceitos.

2.2 A operacionalização dos objetivos pode esconder a


realidade do saber do aluno
Exemplo de objetivo: "No final do ano, tendo um triângulo
desenhado numa folha de papel, o aluno deve ser capaz de fazer o le-
vantamento das medidas necessárias e calcular um valor aproximado
da área desse triângulo".
Exemplo de exercício

Sucesso = 46%
Sucesso .,, 20o/o

FIGURA 11 - FONTE: BODIN, 1988, p. 199

Nesse exercício, o reconhecimento do saber do aluno vai depender,


para a maioria, da operacionalização escolhida. Podemos nos perguntar:
quem alcançou o objetivo pretendi4o?
Outro exemplo de objetivo: "Saber construir o simétrico de um
segmento em relação a uma reta".
Segundo a posição do segmento, da reta (eixo de simetria) e a
inclusão eventual do segmento numa figura mais complexa, observa-se,
no final da quinta série na França, um porcentual de sucesso variando
entre 16% e 76%.

100

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,....
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Construa o simétrico do triângulo em Construa o simétrico do segmento


relação à reta D. AB relação à reta D.
Al7 S=41%

A
FIGURA 12 -FONTE: BODIN, 1988, p. 200

Tarefa: Construção do simétrico de uma figura em relação à reta D.

e
D

~ AppB14
Sucesso = 68%

Sucesso = 69%

H A
App16
Sucesso= 76%

FIGURA 13 - FONTE: BODIN, 1988, p. 200

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SAooo Aa ALMOULouo

E _ _ _ _ __. Construa o simétrico do triângulo em


relação à reta D.
D 1 D13 1 S= 16 %
[eis Is= 39% 1
Construa a imagem do segmento
· EF pela simetria ortogonal de eixo D

FIGURA 14 - FONTE: BODIN, 1988, p. 200

Percebemos que, nesta última tarefa, os resultados contrariam o


que poderia ser previsto por uma análise a priori. A figura ipais complexa
(com eixo vertical) obteve maior taxa de acertos.

2.3 A operacionalização pode esconder


a significação do saber
No caso do cálculo da área de um triângulo, não podemos afirmar
com certeza que um aluno que conseguiu calcular a área seja capaz de
medir um terreno retangular e de calcular sua área. Um saber-fazer é
reconhecido, geralmente, quando é mobilizado na resolução de uma
detenninada situação, o que não garante que o aluno seja capaz de mo-
bilizar este saber-fazer no cumprimento de outras tarefas.
Exemplo relativo à capacidade de o aluno traçar a bissetriz de um
ângulo no final de quarta e sexta séries na França:

Construa a bissetriz do ângulo XOY Construa a bissetriz do ângulo BAC


l A18 1 S = 69% 1 X 1 C4 1 s = 2s% 1
1
c

o"---------- Y A.....__ _ _ _ _ _ ___.B

FIGURA 15 - FONTE: BODIN, 1988, p. 201

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Para fazer o exercício seguinte, você precisa saber que a soma das medidas
dos ângulos de um triângulo A r----------------,
é sempre igual a 180°. 8

ABCD é um retângulo.
l) Construa as bissetrizes 1 AppD6 1 S = 35%
dos ângulos BAD e ABC. (pelo menos uma bissetriz)
o,.._____________ _,C l

(Não apagar os traços de construção)

Traços de construção corretos para 30% dos alunos

FIGURA 16 - FONTE: BODIN, 1988, p. 202

A aplicação de uma só dessas situações, seria suficiente para res-


pondermos à seguinte questão: "Quais alunos atingiram o objetivo?"

2.4 Infidelidade da avaliação do saber


O que é infiel na avaliação de um saber é o julgamento que podemos
fazer dos saberes do aluno a partir de uma ou várias provas particula-
res, pois uma prova pode ser considerada como uma operacionalização
possível dos objetivos de ensino. No entanto, o comportamento dos
alunos está fortemente ligado às variáveis da situação e uma situação
de avaliação pode influenciar muito os comportamentos desses alunos,
sem que o professor esteja a par desse fenômeno.

2.5 Quando os professores avaliam, geralmente o saber


não é sua preocupação essencial
Quando avaliam os alunos, os professores, geralmente, não levam
em conta o saber matemático que deve ser ensinado/aprendido, porque
o objetivo implícito da avaliação está mais relacionado ao desempenho
desses alunos em uma parte das características do assunto estudado.
Como formador, o saber e seu desenvolvimento nos alunos são as pre-
ocupações principais do professor; como avaliador, o professor atende,
em primeiro lugar, a um pedido social que não está muito relacionado
ao saber. De fato, as razões profundas da avaliação, que, às vezes, não
estão sob o controle do professor, não se reduzem unicamente à neces-
sidade de conhecer o nível de conhecimento e saber dos alunos, embora
a preocupação maior do professor devesse ser a avaliação que considera
o saber e a evolução do aluno em termos de aprendizagem.

103

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SAooo Aa ALMOULOUD

3. Avaliação e decisão .

Considerando que o impacto da avaliação (por seu papel e seu


desenvolvimento) sobre as aprendizagens não é desprezível, os pes-
quisadores em didática da matemática lhe dão bastante importância e
consideram que, para a avaliação ser um meio de estudo dos fenômenos
de ensino e de aprendizagem, não pode dispensar o aluno e seus erros.
Para De Ketele ( 1986), avaliar consiste em recolher um conjunto
de informações pertinentes, válidas e fiéis para examinar a adequa-
ção entre esse conjunto de informações e um conjunto de critérios
pertinentes na escolha, válidas em relação aos objetivos, fiéis na sua
Ou seja, a avaliação é o conjunto de procedimentos e de processos de
coleta, de tratamento e de comunicação de informações feitos para
tomar decisões (BODIN, 1989).

Tratamento

1 Informação 1 ......._ 1 Decisão


1
/1 1
/
"'
Domínio da avaliação
'
ESQUEMA 11 - FONTE: BODIN, 1989, p. 1 •

A decisão: trata-se de tomar ou de preparar decisões. A natureza


dessas decisões depende da estrutura ou da pessoa que decide sobre a
avaliação. (Quem avalia?)
A informação: o tipo de informação a ser recolhida, por sua vez,
depende das decisões que se devem tomar, pois essa informação deve
ser pertinente.
Por exemplo: o número de operações que foram acertadas pelo
aluno numa prova de cálculo e a atribuição de uma nota permitirão, sem
dúvida, situá-lo em relação a seus colegas, mas essa avaliação não permi-
tirá necessariamente ao professor lhe propor situações de aprendizagem
suscetíveis de auxiliá-lo na melhoria de seus resultados.
Os procedimentos de coleta da informação: estes devem ser pen-
sados considerando as informações que desejamos recolher. De acordo com
o caso, a avaliação pode ser individual ou coletiva, anônima ou não.

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

O tratamento da informação: este deve ser organizado de modo


a maximizar a informação que será explorada, a fim de permitir tomadas
de decisão. Toda a produção do aluno contém, potencialmente, uma
quantidade enorme de informações que, no entanto, é diminuída pelo
tratamento em que, particularmente, a conversão a uma única nota deixa
transparecer uma informação muito reduzida.

4. Funções da avaliação

Distinguem-se três grandes funções da avaliação, relativas à prá-


tica da classe: formativa, somativa e predicativa, que são encontradas
em outros contextos, como: diagnóstica, normativa e com critérios, que
não discutiremos neste texto.

4.1 Avaliação formativa


Este tipo de avaliação consiste em identificar as aquisições dos
· alunos, no momento da aprendizagem, para adequá-las à própria farma-
ção. A tabela apresentada por Cardinet (1986) explicita a distinção entre
a avaliação formativa e a avaliação somativa.
Fala-se de avaliação formativa quando as informações recolhidas
são utilizadas para alterar o nível do sistema educativo. Por exemplo, o
professor pode recolher informações a respeito da maneira pela qual um
novo saber foi adquirido pelo aluno. Assim, o professor poderá identificar
os conhecimentos já adquiridos, os processos e as estratégias dos alunos,
além dos erros cometidos e sua significação. A intenção do professor,
com essa avaliação, é ajudar o aluno a superar as dificuldades e perceber,
quando for o caso, por que suas estratégias falharam.
Tendo em vista que a avaliação formativa focaliza, principalmente,
o professor e o aluno, ela se toma fortemente individualizada para poder
acompanhar os progressos de cada aluno. Em uma pedagogia por obje-
tivos, tal avaliação toma forma de uma lista de objetivos atingidos ou
não. No entanto, ela pode, também, ser feita para monitorar a evolução
do comportamento dos alunos em situação de resolução de questões
matemáticas. Ela intervém nas aprendizagens por meio da modificação
das situações didáticas, dos contratos didáticos, dos objetivos e da pró-
pria construção das atividades matemáticas, visto que os processos de
avaliação fazem parte das variáveis didáticas.

105

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SADoo Aa ALMOULouo

Lembrando que o contrato didático pode ser estabelecido relacio-


nado a um conjunto de situações, de certo nível de ensino, ele pode se
tomar um meio para gerenciar o tempo didático em sala de aula. Ele fixa
o papel convencional do conhecimento, da aprendizagem e da memória,
transmitindo uma espécie de "teoria" do conhecimento, que tem como
função permitir a "comunicação didática". Assim, é por meio do contrato
didático que se busca, também, o que impede ou favorece o acesso dos
alunos ao conhecimento, ou o que bloqueia a entrada de certas crianças
no processo da aprendizagem. Nesse sentido, concordamos com Ricardo,
Slongo e Pietrocola (2003, p. 3) quando afirmam que:

... o aluno que adquire a percepção dos assuntos exigidos nas


avaliações, ou seja, aquele que joga o jogo, também corre riscos.
Ao mesmo tempo em que ele se sai bem na relação didática e
livra-se bem das avaliações, pode estar engessado em um processo
padronizado e fechado para qualquer tipo de inovação. Qualquer
pequena mudança nesse jogo pode colocar, também, esse aluno
para fora da relação didática. Aliado a isso, não há garantias de
aprendizagem nesse aluno, pois ele pode muito bem estar seguindo
duas lógicas: aquela da sala de aula, ou seja, em dar as respostas
que o professor quer, e aquela lógica de fora da escola, na qual
se mantêm suas concepções alternativas sobre a leitura que faz
da "realidade". Esse engessamento dificulta essa relação didática,
que não acontece àpenas entre professor e aluno, mas, também,
entre os saberes.

Considerando o exposto, acreditamos que a avaliação formativa


deve autorizar a produção de erros e permitir que as concepções, es-
pontâneas ou não, sejam explicitadas e tenham um espaço privilegiado
nesse processo. O contrato didático relacionado com a avaliação for-
mativa deve valorizar o saber esperado e favorecer um comportamento
ativo, ressaltando, para os alunos, a importância das conjecturas e das
questões pertinentes, tendo em vista as aprendizagens desejadas. Assim,
a avaliação formativa:
• indica ao professor o momento da aprendizagem dos alunos, seus
avanços e suas dificuldades, dando possibilidade de intervenção
no sentido da superação de tais dificuldades;
• permite que o aluno tome-se consciente de seu processo de
aprendizagem, perceba seus avanços e suas dificuldades e possa,
em conjunto com o professor, buscar modos com o objetivo de

106

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r---

AVALIAR: AVALIAÇÃO FORMATIVA AVALIAÇÃO SOMATIVA


-
0

PORQUÊ'? Certificarosresultadosdeuma
Melhorar as condições de aprendizagem
aprendizagem

Antes Durante o ensino-aprendizagem Depois do ensino-aprendizagem Após a formação


QUANOO
AVALIAR? A.F. 11 Inicial
A. F. interativa A. F. diagnóstica A. F. pontual A. F. de etapa A. S. interna A. S. externa

Condições pessoais Aquisição dos Aquisição de pré-


Conhecimento, saber- Aquisição de saber-
<
u fazer, atitudes, condições
Compreensio da tan:fa.
Motivação pessoal e do grupo.
(aptidões, bloqueios
Resultado de uma
sequência de ensino.
comportamentos requisitos para in-
fuer socialmente
1= O QUE AVALIAR? afetivos); terminais, visados formaçio ulterior
significativo ( em
necessárias para abordar Método de trabalho (erros, Análise dos principais (conteúdos
1 o estudo. dificuldades, progresso).
familiais, sociais (contexto
cultural); saúde.
subobjetivos.
prioritariamente pelo
professor. curriculares).
situaçlo real).

i
ê§ COMO
Estratégias:
não instrumentadas
{observação, entrevistas)
Estratégias, sobretudo nlo
instrumentadas (análise dos
Estratégias, sobretudo
instrumentadas (prova,
Utilização dos meios de
infonnação disponíveis
Estratégias, sobretudo
Instrumentos
preparando amostras
Instrumentos
relativos a esses
erros, observação do
OBSERVAR? ou instrumentadas (teste testes, questionários,
(exercíoíos, fichas,
instrumentadas (provas
dos objetivos do objetivos terminais
comportamento global,
(Í (MEDIDA) de conhecimento, grade
multiplicação das fontes da
escalas de avaliação,
trabalhos escritos).
coletivas).
programa. daintegraçlo.
de observação, de
~e
grades de observação).
autoavaliação etc.). infonnação, autoavaliação)

Estabelecimento du
e COMO ANALISAR exlgêociu; Interpretação Intuitiva da Interpretação da Análise de modelo de Referência criterial
Refen!ncia,
<
e O QUE FOI procura de estnitiglu estratigla da aprendizagem. dificuldade, apoiando-se resultados por aluno e
C6kulo de escores
ou normativa para
sobretudo criterial,
de sustentação; &lobais de sucesso; para saber se o
V) OBSERVADO? Formulação de hipóteses de nas informações mais ou por questlo, saber se o objetivo
estimação da escolha de !l!!!!'.!.Q. objetivo é atingido
trabalho a testar imediatamente menos objetivas. simultaneamente. foi atingido.

1
Julgamento possibilidade de abordar ou nlo.
um estudo.
- fazer a seq uêncla - reexplicar um conceito, - dar continuidade
am método - propor uma estratégia de ao ensino; - dar apoio aos alunos
COMO UTILIZARA prevista;
~
- modificar a - procurar aumentar aprendizagem utilizando - prescrever exercícios que nlo atingiram o - atnl>uir ( ou nlo) - certificar (ou não)
INFORMAÇÃO? plaoificsçAo; a motivação; as maiores capacidades de consolidação; objetivo; o diploma. a competência.
i:.. (DECISÃO) - identificar as - pedir para o alUDo ajudar dos alunos. - modificar a - informar os pais.
remediações. outro etc. planificação.

QUADRO 4 - ESTRATÉGIAS DAAVALIAÇÃO


11 A.F. = Avaliação Formativa e A. S. Avaliação Somativa.

~
SADDO Ao .ALMOULOUD

superar as dificuldades;
• indica ao professor a necessidade de rever seu planejamento e
fazer ajustes na sua prática educacional. Neste sentido, a avalia-
ção é contínua e exige uma observação sistemática dos alunos,
não apenas em relação ao domínio de conceitos de conteúdos
específicos, mas também em relação ao desenvolvimento de
competências e habilidades (CAMPOS et ai., 2003, p. 117).
Além disso, concordamos com Ricardo, Slongo e Pietrocola (2003,
p. 7) quando afirmam que o contrato didático é um instrumento de análise
da relação professor-saber-aluno em sala de aula, além da presença de
fatores históricos e sociais nessa relação. Ao admitir essa hipótese, os
autores argumentam:

... estamos aceitando o professor como mediador indispensável


entre o saber, submetido à Transposição Didática, e o aluno, com
sua estrutura cognitiva particular. Tal mediação ocorre em um
contexto sociocultural e histórico. Isso implica orientar a visão
de ensino das Ciências a partir do entendimento de que a escola
passa a ter grande compromisso com a aprendizagem, pois tem
papel essencial nas relações sociais do educando. Desse modo, não
se pode imputar a responsabilidade do bom ou mau desempenho
escolar do aluno às determinações da natureza humana, mas sim
às determinações socioculturais. Nessa perspectiva, todos são •
perfeitamente capazes de aprender, ainda que com tempos de
aprendizagem próprios.

4.2 Avaliação somativa


A avaliação somativa descreve os conhecimentos adquiridos,
dominados e disponíveis, além de estabelecer balanços e precisar a
maneira pela qual os objetivos fixados são atingidos ou não. Ela tem
por objetivo a identificação das etapas da aprendizagem. Em princípio,
esse tipo de avaliação não conduz às decisões pedagógicas de retomar
um ou outro ensino, mas a tomar decisões globais de "volta ao ponto
de partida" (a repetência, por exemplo). Do ponto de vista do aluno,
não se trata de dizer como aprendeu, o que conseguiu fazer em um ou
outro momento, que esforços ele empregou, ou não, mas em dizer, com
bastante precisão, quais são, realmente, suas capacidades no domínio1
avaliado, no momento da avaliação.
Tradicionalmente, a avaliação tem como suporte provas ou exames

108

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,...
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

que se apoiam em um conjunto de conhecimentos a avaliar, levantados nas


propostas curriculares e que conduzem, no caso da avaliação somativa,
a alguns efeitos perversos. Por causa dos problemas relacionados com
o número de alunos, a avaliação se apoia em algumas provas escritas e/
ou entrevistas; além disso, as provas propostas não permitem fazer um
balanço de todos os conhecimentos que podem ser mobilizados por um
aluno. O contrato didático é um valioso instrumento, nas pesquisas, para
a elucidação do fracasso escolar, pois permite levantar questionamentos
sobre a complexidade das relações didáticas entre o saber e os sujeitos
envolvidos no processo. Pesquisar situações que permitam a devolução
aos alunos da responsabilidade matemática sobre suas produções e da
tomada de decisão durante a resolução de um problema tem evidenciado
a importância da autonomia determinada ao aluno pelo contrato didático.
Mas o contrato didático relacionado com a avaliação somativa não tem se
preocupado, em geral, com a complexidade dos processos de ensino e de
aprendizagem, nem com o desenvolvimento da autonomia do aluno. Estes
aspectos constituem um dos objetivos primordiais da teoria de situações
didáticas (BROUSSEAU, 1986), cuja intenção é proporcionar ao aluno
condições de construir um sentido para os objetos matemáticos. Nessa
teoria, para que tal objetivo seja atingido, é necessário que o aluno esteja
presente e atuante, em favor de sua aprendizagem, além de o professor
permitir, incentivar e promover situações para que o aluno atue, por
meio de jogos ou resolução de problemas, utilizando-se de ferramentas
de que ele já dispõe, de aprendizagens anteriores. Salientamos que é o
tipo de contrato didático estabelecido que pode garantir a possibilidade
de o aluno dar sentido ao objeto de aprendizagem.
Para esse fim, o papel da avaliação somativa é importantíssimo e
não pode ser abandonado. As consequências didáticas desse abandono
não são desprezíveis, tanto pela importância das estratégias do ensino
escolhidas pelo professor quanto pela importância do trabalho de síntese
e de reorganização dos conhecimentos solicitados aos alunos.

109

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VII -A teoria antropológica do didático

Neste capítulo estudaremos a teoria antropológica do didático,


desenvolvida por Chevallard (1992), focando mais especificamente suas
noções fundamentais e como pode ser um instrumento poderoso para
análise, por exemplo, de práticas docentes. Discutiremos o modelo pro-
posto, as noções de organizações praxeológicas (organizações matemática
e didática), de objeto ostensivo e não ostensivo, entre outros.
Esta teoria é uina contribuição importante para a didática da ma-
temática, pois, além de ser uma evolução do conceito de transposição
didática, inserindo a didática no campo da antropologia, focaliza o estudo
das organizações praxeológicas didáticas pensadas para o ensino e a
aprendizagem de organizações matemáticas. A teoria antropológica do
didático (TAD) estuda as condições de possibilidade e funcionamento
de sistemas didáticos, entendidos como relações sujeito-instituição-
saber (em referência ao sistema didático tratado por Brousseau, aluno-
professor-saber). ·
Segundo Ferreira (1986), Novo Dicionário da Língua Portuguesa,
o termo antropologia designa a

ciência que reúne várias disciplinas cujas finalidades comuns


são descrever o homem e analisá-lo com base nas características
biológicas (antropologia tisica) e culturais (antropologia social)
dos grupos em que se distribui, dando ênfase, através das épocas,
às diferenças e variações entre estes grupos.

A teoria antropologia do didático, segundo Chevallard, estuda o


homem perante o saber matemático, e mais especificamente, perante
situações matemáticas. Uma razão para a utilização do termo "antropo-
lógico" é que a TAD situa a atividade matemática e, em consequência,
o estudo da matemática dentro do conjunto de atividades humanas e de
instituições sociais (CHEVALLARD, 1999, p. 1).
Sabemos que a teoria das situações didáticas (TSD),já estudada no
Capítulo II, foi desenvolvida no intuito de modelar o processo de ensino e

111

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SADoo AG ALMOULOUD

aprendizagem dos conceitos matemáticos e provocou, no campo da educa-


ção matemática, pelo menos três rupturas de natureza epistemológica:
• a primeira, quando considera a matemática como a essência dos
fenômenos didáticos;
• o desejo de elaborar uma ciência da educação desses fenômenos
constitui a segunda ruptura e levou a explicitar os modelos
teóricos utilizados e submetê-los a um esquema experimental
para verificar sua viabilidade e confiabilidade;
• em relação à visão clássica a respeito do saber matemático, a
·teoria das situações traz a terceira ruptura epistemológica fun-
damental e supõe que os conhecimentos matemáticos só podem
ser compreendidos e apreendidos por meio de atividades e
problemas que podem ser resolvidos pela mobilização desses
conhecimentos. Amatemática é, antes de tudo, uma atividade
que se desenvolve em situação que pode ser modelada por um
jogo cujo oponente é um meio antagônico. Trata-se de uma ati-
vidade estruturada, na qual se destacam diferentes fases: ação,
formulação e validação, que têm o aluno como ator principal, e
as fases de devolução e institucionalização, que acontecem sob
responsabilidade do professor. •
Levando em consideração o modelo proposto pela TAD, pode-se
interpretar a transposição didática como uma noção que desenvolve,
segundo Chevallard (1999), a tripla ruptura epistemológica provocada
pela teoria das situações, pois a noção de transposição didática mostra
que o saber matemático (saber científico, ensinado ou a ensinar) está no
centro de toda problematização didática. Em consequência, esse saber
jamais pode ser considerado como algo inquestionável.

1. Modelagem antropológica da matemática

Nas suas primeiras teorizações, Chevallard desenvolveu a noção


de transposição didática para distinguir os diferentes saberes envolvidos
no processo de ensino e aprendizagem. Segundo Joshua e Dupin (1993),
esse autor apontava a necessidade da existência de uma matemática do
professor, qualitativamente distinta daquela do matemátieo e daquela
do aluno. Uma classe de objetos a ensinar é a consequência de uma
história particular, o resultado de um tratamento didático que obedece a
regras precisas. Estes mecanismos gerais que permitem a passagem de

112

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

um objeto de saber a um objeto de ensino são ·agrupados sob o nome de


transposição didática (CHEVALLARD, 1991).
A teoria da transposição didática tem o propósito de fazer uma análise
epistemológica do saber sob o ponto de vista didático essencialmente em
termos de objetos de saber. Tais objetos podem ser categorizados em:
• paramatemáticos: ferramentas utilizadas para descrever e estudar
outros objetos matemáticos;
• matemáticos: além de instrumentos úteis para estudar outros ob-
jetos matemáticos, tomam-se objetos de estudo em si mesmos.
• protomatemáticos: apresentam propriedades utilizadas para re-
solver alguns problemas, sem contudo adquirir o status de objeto
de estudo ou de ferramenta para o estudo de outros objetos.
A insuficiência dessa classificação foi uma das razões que levaram
Chevallard a desenvolver a teoria antropológica do didático. Nesta, a
antropologia dos saberes como "a antropologia didática da matemática" é
um subcampo da "antropologia da matemática", estudo do homem diante
de situações matemáticas. A problemática ecológica amplia o campo de
análise e permite abordar os problemas que se criam entre os diferentes
objetos do saber a ensinar. Nesta visão, os objetos têm inter-relações
hierárquicas que permitem identificar e analisar as estruturas ecológicas
dos objetos. O autor vai assim buscar apoio na ideia de nicho, hábitat,
cadeia alimentar, ecossistema, para tentar explicar as relações entre os
objetos e no estudo do objeto em si mesmo.
A didática da matemática vista no campo da antropologia do
conhecimento (ou antropologia cognitiva) considera que tudo é objeto,
identificando diferentes tipos de objetos particulares: as instituições,
os indivíduos e as posições que os indivíduos ocupam nas instituições,
tomando os indivíduos como sujeitos das instituições.
O conhecimento - e o saber, considerado como uma certa forma de
organização de conhecimentos - entende que um objeto existe se um sujeito
ou uma instituição o reconhece, se há um conhecimento e um saber reconhe-
cido como forma de organização desse cõnhecimento. Em outras palavras,
a existência de um objeto depende do reconhecimento e do relacionamento
de pelo menos uma pessoa ou instituição com esse objeto.
Para Chevallard, o saber matemático organiza uma forma particular
de conhecimento, produto da ação humana em uma instituição caracte-
rizada por qualquer coisa que se produza, se utiliza e se ensina, além de
poder eventualmente transpor as instituições. Assim, o autor introduz a
noção de hábitat de um objeto matemático como sendo o tipo de instituição

113

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SADoo Aa ALMOULouo

onde se encontra o saber relacionado ao objeto de estudo, que por sua vez
dete1minará a função desse saber, ou seja, determinará seu nicho. Lem-
bremos que, em ecologia, o termo hábitat designa o lugar onde vive uma
espécie, enquanto nicho ecológico é o papel que o organismo desempenha
· no ecossistema. O conhecimento de nicho ecológico permite responder às
seguintes questões: como, onde e à custa de quem a espécie se alimenta,
por quem é comida, como e onde descansa e se reproduz.
O termo "ecologia" foi criado por Haeckel (1834-1919) em 1869,
em seu livro Generelle Morpho/ogie des Organismen, 12 para designar
"o estudo das relações de um organismo com seu ambiente inorgânico
ou orgânico", em particular o estudo das relações do tipo positivo ou
amistoso e do tipo negativo (inimigos) com as plantas e animais com
que se relaciona; aparece pela primeira vez em Pontes de Miranda, 1924,
Introdução à política científica. O conceito original evoluiu até o pre-
sente no sentido de designar uma ciência, parte da biologia, e uma área
·específica do conhecimento humano que trata do estudo das relações dos
organismos uns com os outros e com todos os demais fatores naturais e
sociais que compreendem' seu ambiente.
Na TAD, as noções de (tipo de) tarefa, (tipo de) técnica, techologia
e teoria permitem modelar as práticas sociais em geral e, em particular,
a atividade matemática, baseando-se em três postulados:
1. Toda prática institucional pode ser analisada, sob diferentes
pontos de vista e de diferentes maneiras, em um sistema de
tarefas relativamente bem delineadas.
2. O cumprimento de toda tarefa decorre do desenvolvimento de
uma técnica.
A palavra técnica é aqui utilizada como uma "maneira de fazer"
uma tarefa, mas não necessariamente como um procedimento estruturado
e metódico ou algorítmico.
A relação institucional que se estabelece entre uma instituição I
(aluno, professor... ) e um objeto O depende das posições que ocupam nes-
sa instituição e do conjunto de tarefas que essas pessoas devem cumprir
usando determinadas técnicas. Segundo Chevallard ( 1992, p. 127),

12
Disponível em: <http://ivairr.sites.uol.eom.br/ecologia.html>. Acesso em: 02/12/05.

114

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Um objeto existe a partir do momento em que uma pessoa X ou


uma instituição 1 o reconhece como existente (para ela). Mais
precisamente, podemos dizer que o objeto O existe para X (res-
pectivamente para 1) se existir um objeto, que denotarei por R(X,
O) (respectivamente R1 (O) ), a que chamarei relação pessoal
de X com O (respectivamente relação institucional de 1 com O).
(tradução nossa)

O problema de delimitar tarefas em uma prática institucional va-


ria de acordo com o ponto de vista da instituição na qual se desenvolve
a prática ou de uma instituição externa que observa a atividade para
descrevê-la com um objetivo preciso.
As tarefas são identificadas por um verbo de ação, que sozinho
caracterizaria um gênero de tarefa, por exemplo: calcular, decompor,
resolver, somar, que não definem o conteúdo em estudo. Por outro lado,
resolver uma equação fracionária ou ainda decompor umafração racional
em elementos simples caracterizam tipos de tarefas, em que se encontram
determinadas tarefas, como, por exemplo, resolver a equação 1+1 = 5
ou decompor a.fração 7/9 em.frações mais simples (SILVA, 2005).
Para Chevallard, a necessidade de reconstrução de tarefas, como
construções institucionais, caracteriza um problema a ser resolvido dentro
da própria instituição, que no caso da sala de aula, por ex~mplo, é uma
questão didática.
Para uma determinada tarefa, geralmente, existe uma técnica ou
um número limitado de técnicas reconhecidas na instituição que pro-
blematizou essa tarefa, embora possam existir técnicas alternativas em
outras instituições. A maioria das tarefas institucionais toma-se rotineira
quando deixa de apresentar problemas em sua realização. Isso quer
dizer que para produzir técnicas é necessário que se tenha uma tarefa
efetivamente problemática que estimula o desenvolvimento de pelo
menos uma técnica para responder às questões colocadas pela tarefa.
As técnicas assim produzidas são então organizadas para que funcionem
regularmente na instituição.
Com esses dois postulados citados, obtém-se um bloco prático-
técnico formado por um tipo de tarefas e por uma técnica que pode
ser identificado em linguagem corrente como um saber-fazer (CHE-
VALLARD, 2002, p. 3).
O terceiro postulado a ser enunciado refere-se à ecologia das tarefas:

,115

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SAOoo Aa ALMOULOUD

3. A ecologia das tarefas, quer dizer, as condições e restrições que


permitem sua produção e sua utilização nas instituições.

.. . a ecologia das tarefas e técnicas são as condições e necessidades


que pennitem a produção e utilização destas nas instituições e
supõe-se que, para poder existir em uma instituição, uma técnica
deve ser compreensível, legível e justificada [ ... ] essa necessi-
dade ecológica implica a existência de um discurso descritivo e
justificativo das tarefas e técnicas que chamamos de tecnologia
da técnica. O postulado anunciado implica também que toda
tecnologia tem necessidade de uma justificativa que chamamos
teoria da técnica e que constitui o fundamento último (BOSCH;
CHEVALLARD, 1999, p. 85-86, tradução nossa).

Supõe-se que, para existir em uma instituição, uma técnica deve


ser pelo menos compreensível, legível e justificada, o que seria uma
condição mínima para permitir o seu controle e garantir a eficácia das
tarefas feitas, que são geralmente tarefas supondo a colaboração de
vários atores. Essas condições e restrições ecológicas implicam então a
existência de um discurso descritivo e justificativo das tarefa~ e técni-
cas que Bosch e Chevallard ( 1991) chamam de tecnologia da técnica.
Toda tecnologia precisa também de uma justificação, a que chamaram
a teoria da técnica.
Para Chevallard (2002), um saber-fazer, identificado por uma tarefa
e uma técnica, não é uma entidade isolada porque toda técnica exige,
em princípio, uma justificativa, isto é, um "discurso lógico" (logos) que
lhe dá suporte, chamado de tecnologia. Segundo o autor, a tecnologia
vem de~crever e justificar a técnica como uma maneira de cumprir cor-
retamente uma tarefa.
Assim, qualquer bloco tarefa/técnica vem sempre acompanhado
de algum vestígio de tecnologia. Por exemplo, na aritmética elementar,
às vezes, o discurso tem a função dupla de ser técnica e tecnologia, pois
permite, ao mesmo tempo, encontrar o resultado e justificar que tal re-
sultado está correto. Chevallard (1999, p. 226) cita o seguinte exemplo
de discurso que tem essa dupla função: Se 8 chupetas custam 1Oeuros,
24 chupetas, ou seja, 3 vezes mais chupetas, custarão 3 vezes mais, ou
seja 3 vezes 1Oeuros. '
Pode ocorrer também de a tecnologia modificar a técnica para que
seja mais abrangente ou ainda produzir uma nova técnica mais sofisticada.
No caso das chupetas, por exemplo, a tecnologia que introduz e justifica

116

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

o uso das frações permitiria produzir uma técnica mais complexa: Se


b X
a chupetas custam b euros, então x chupetas custam x · - , ou seja, - · b.
a a
Um conjunto de técnicas, de tecnologias e de teorias organizadas
para um tipo de tarefa forma uma organização praxeológica (ou praxeo-
logia) pontual. A palavra praxeologia é formada por dois termos gregos,
práxis e logos, que significam, respectivamente, prática e razão. Ela repor-
ta-se ao fato de que uma prática humana, no interior de uma instituição,
está sempre acompanhada de um discurso, mais ou menos desenvolvido,
de um logos que a justifica, a acompanha e que lhe dá razão.
Se considerarmos, por exemplo, o ensino da matemática no Ensino
Médio, pode-se falar:
• de uma organização praxeológica pontual no que diz respeito à
resolução de um certo tipo de problema de proporcionalidade -
organização que responderia à seguinte questão: "como resolver
um problema desse tipo?";
• de uma organização local no que diz respeito à resolução de
diferentes tipos de problemas de proporcionalidade;
• de uma organização regional, no que diz respeito, por exemplo,
à noção de função numérica (que corresponde a todo um setor
da matemática ensinada no Ensino Médio).
Um saber diz respeito a uma organização praxeológica particular,
com certa "generalidade" que lhe permite funcionar como uma máquina
de produção de conhecimento. Para Bosch, Fonseca e Gascón (2004,
apud SILVA, 2005, p. 99), a reconstrução institucional de uma teoria ma-
temática requer elaborar uma linguagem comum que permita descrever,
interpretar, relacionar, justificar e produzir as diferentes tecnologias da
Organização Matemática Local (OML) que integram uma Organização
Matemática Regional (OMR).
Para os autores citados, ainda que os processos de construção ( ou
reconstrução escolar) de OML possam ser muito diferentes, a análise con-
junta da dinâmica de seu processo de estudo e de sua estrutura permitem
determinar seu grau de completitude, que dependerá do cumprimento
das seguintes condições:
- uma OML deve responder a questões que não podem serres-
pondidas por nenhuma Organização Matemática Pontual (OMP), que
constitui sua razão de ser.

117

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SADoo Ao ALMOULOUD

Segundo Silva (2005, p. 99):

Por exemplo, o tipo de tarefa: identificar o fracionário que corres-


ponde a uma figura apresentada constitui uma OMP. Quando
várias OMP agrupam-se pelo fato de terem uma tecnologia que
justifica as técnicas mobilizadas para resolver suas tarefas, dire-
mos que temos uma OML.
Assim, para que se construa uma OMLjustificada pela concepção
parte-todo, seria necessário considerar nas tarefas do tipo citado
acima figuras que representem grandezas discretas ou contínuas
que permitam abordar técnicas diferentes, além de outros tipos
de tarefas que tenham suas técnicas justificadas pela concepção
parte-todo para fracionários.

- O processo de reconstrução deve ter momentos exploratórios que


permitam comparar variações das técnicas que aparecem ao abordar
as diferentes tarefas.
Ainda segundo Silva (2005), durante a reconstrução, o tratamento
das diversas figuras permitirá questões a respeito da técnica que propi-
ciam, por exemplo, a percepção da limitação da dupla contagem das
partes e o desenvolvimento de outras técnicas.
-A exploração de uma OML deve incidir em um verdadeiro tra-
balho da técnica, provocando seu desenvolvimento progressivo.
-Na reconstrução de uma OML, devem aparecer novas questões
matemáticas relativas às diferentes técnicas que irão surgindo (ques-
tionamento tecnológico).

Considerando o tipo de tarefa identificar o fracionário que cor-


responde a uma.figura apresentada, a apresentação de figuras de
superficies totalmente divididas em partes congruentes permite a
compreensão da técnica da dupla contagem das partes; no entanto,
há necessidade de fugir desse modelo de figura para que se per-
ceba a limitação dessa técnica e a construção de outras técnicas
possíveis. O trabalho com figuras de diversos tipos permitirá o
desenvolvimento progressivo da técnica, que, por sua vez, provoca
questionamentos tecnológicos (SILVA, 2005, p. 99).

-No processo de reconstrução de uma OML, é necessário institu-


cionalizar os componentes explícitos da organização, não isolados, mas
no conjunto da organização.
Segundo a autora, a institucionalização da OML que se justifica
pela concepção parte-todo deve explicitar a importância das figuras

118

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....
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

na construção de técnicas diferentes e, consequentemente, do discurso


tecnológico-teórico (p. 99).
- É preciso avaliar a qualidade dos componentes da OML cons-
truída. Esta ova/iação mostrará a necessidade de articulá-la com outras
OA1L para constituir uma OMR.
Bosch, Fonseca e Gascón (2004, apud SILVA, 2005, p. 99) con-
cluem que:

o cumprimento de tais condições caracterizará uma OML re-


lativamente completa e apresenta sete indicadores do grau de
completitude de uma OML: 1) integração dos tipos de tarefas,
. 2) diferentes técnicas e critérios para escolher, 3) independência
dos ostensivos que integram as técnicas, 4) existência de tarefas
e técnicas reversíveis, 5) interpretação do resultado de aplicar as
técnicas, 6) existência de tarefas matemáticas abertas, 7) incidên-
cia dos elementos tecnológicos sobre a prática. Esta construção
progressiva dos tipos de tarefa que se estudam é também uma
condição necessária para poder colocar e abordar em uma OML
questões problemáticas cada vez mais abertas.

2. Objetos ostensivos e objetos não ostensivos

O problema da "natureza" dos objetos matemáticos e o de seu


funcionamento na atividade matemática conduziram Bosch e Chevallard
(1999) a estabelecer uma dicotomia fundamental que os distingue em
dois tipos: ostensivos e não ostensivos.
Esses autores falam de objetos ostensivos (em latim: ostendere,
"mostrar, apresentar com insistência") para se referir a todo objeto que,
tendo uma natureza sensível e certa materialidade, tem, para o sujeito,
uma realidade perceptível. Pode-se dizer, dessa forma, que os ostensivos
são os objetos manipuláveis na realização da atividade matemática.
Dessa forma, os objetos não ostensivos são, segundo os autores,
todos os "objetos" que, como as ideias, as instituições ou os conceitos,
existem institucionalmente sem que, no entanto, eles sejam vistos, ditos,
escutados, percebidos ou mostrados por conta própria. Assim, esses obje-
tos só podem ser evocados ou invocados pela manipulação adequada de
certos objetos ostensivos que lhes são associados, tais como uma palavra,
uma frase, um gráfico, uma escrita, um gesto ou todo um discurso.

119

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SADoo AG ALMOULOUD

Por exemplo, a notação P(A) e as palavras probabilidade de um


evento A são objetos ostensivos; já a noção de probabilidade é um
objeto não ostensivo. Sendo A e B eventos mutuamente exclusivos
de um mesmo espaço amostral e C um evento, não nulo, desse
espaço, tem-se:

P[(AUB)IC]= P[(AUB)ncJ = P((AílC)U(BílC)]= P(AílC)+P(BílC) =


P(c) P(c) P(c)
P(Anc) P(nnc) ) )
= P(c) + P(c) = P(A Ie + P(B I e

Pode-se considerar que os objetos ostensivos que aparecem após


a primeira igualdade foram guiados pelo objeto não-ostensivo:
definição de probabilidade condicional; após a segunda, pela
propriedade distributiva da interseção de conjuntos em relação à
união; após a terceira, pelo axioma da probabilidade da união de
dois eventos exclusivos; após a quarta, pela propriedade distributi-
va da multiplicação em relação à adição de números reais; e, após
a quinta, novamente pela definição de probabilidade condicional
(MIGUEL, 2005, p. 350). •

Nesse sentido, Bosch e Chevallard (1999) usam o termo genérico


manipulação para designar os diversos usos possíveis dos objetos os-
tensivos pelo sujeito e para diferenciá-los dos não ostensivos, visto que
os primeiros podem ser manipulados. A notação v e a palavra "vetor",
por exemplo, são objetos ostensivos, enquanto a noção de vetor é um
objeto não ostensivo, pois é impossível manipulá-lo (no sentido acima).
Pode-se torná-lo presente pela manipulação de certos objetos ostensivos
que lhe são associados, como a notação v,
por exemplo.
Em qualquer atividade humana, mais especificamente em toda
atividade matemática, existe a coativação de objetos ostensivos e de
objetos não ostensivos. Na abordagem antropológica, podemos dizer que
o cumprimento de toda tarefa envolve necessariamente a manipulação de
ostensivos regulados pelos não ostensivos, fazendo com que os objetos
ostensivos tomem-se a parte perceptível da atividade.
Na maioria dos casos, considerar que a percepção dos ostensivos é
um fato natural explica o que a teoria das situações evidenciou sob o nome
de estratégias didáticas de ostensão (BROUSSEAU, 1986). Muitas vezes,
o professor adota uma estratégia de ensino na qual ele se limita a mostrar
aos alunos um objeto ostensivo, acreditando que estes alunos têm condições
de perceber espontaneamente uma relação entre esse ostensivo e o objeto
não ostensivo (noções, conceitos, propriedades etc.) associado.

120

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,..
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Na análise da atividade matemática, a dialética ostensivo/não os-


tensivo é, geralmente, concebida em tennos de signos e de significação: os
objetos ostensivos são signos de objetos não ostensivos que constituem o
sentido ou a significação. A função semiótica dos ostensivos, sua capaci-
dade de produzir um sentido ou significado, não pode ser separada de sua
função instrumental, de sua capacidade de integrar-se nas manipulações
técnicas, tecnológicas e teóricas. Queremos dizer que os ostensivos são
ferramentas materiais para a ação nas organizações matemáticas. As duas
funções, semiótica e instrumental, coabitam.
Vários objetos ostensivos aparecem na realização de uma atividade
matemática ~em que possam ser ativados individualmente, porque suas
funções são distintas e dependem da técnica adotada e dos registros
utilizados.

O valor instrumental de um objeto ostensivo depende da situação;


por exemplo, E(X), X, µx representam a média, embora E(X)
seja usado no caso de se tratar de média de variável aleatória, X
no caso de média amostral e µx para o caso de média popula-
cional. O objeto ostensivo E(X) tem valor instrumental superior
quando se pretende trabalhar com as propriedades da média, pois
este ostensivo permite colocar em ação técnicas relacionadas
às funções lineares, como E(X+Y) = E(X) + E(Y) ou E(k.X) =
k.E(X), que não são usuais com os outros ostensivos (MIGUEL,
2005, p. 35).

A citação abaixo expressa bem o que define Chevallard sobre o


valor semiótico de um ostensivo:

O valor semiótico (ou semioticidade) de um objeto ostensivo está


em estreita relação com seu valor instrumental; ele tem seus valo-
res instrumental e semiótico estabilizados localmente na história
da instituição e podem evoluir de acordo com seu engajamento
nas atividades institucionais. Essa evolução não é universal e
uniforme, pois depende da instituição e das condições ecológicas
(BOSCH; CHEVALLARD, 1999, apudMIGUEL, 2005, p.35).

Segundo Bosch e Chevallard (1999), a noção de registro ostensivo,


bem como a importância da articulação dos registros mobilizados no
desenvolvimento de uma praxeologia matemática, deve ser relacionada à
noção de registro de representação semiótica proposta por Duval ( 1995)
em sua abordagem cognitiva da aprendizagem da matemática e do prin-

121

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SADDO Aa .ALMOULOUD

cípio segundo o qual a mobilização de uma pluralidade de registros tem


um papel fundamental em matemática. No entanto, os autores alertam
para a diferença essencial entre a noção de registros de representação
semiótica e a noção de objeto ostensivo.
A abordagem cognitiva de Duval considera como objeto de estudo
o "funcionamento cognitivo que decorre da aquisição de conhecimentos
matemáticos", isto é, o funcionamento do conhecimento é visto como
mecanismos e processos que permitem a construção desse conhecimento
a partir da atividade de um sujeito. Segundo Bosch e Chevallard (1999),
essa visão estabelece, antes de tudo, uma distinção clara entre a descrição
da atividade matemática e a do funcionamento cognitivo dos sujeitos
que realizam essa atividade, questionando essencialmente o estudo das
operações cognitivas necessárias para o desenvolvimento de diferentes
tipos de tarefas matemáticas, por exemplo, um cálculo, um raciocínio ou
a utilização de uma figura numa demonstração geométrica.
Ainda segundo esses autores, no estudo do funcionamento cog-
.
nitivo considera-se' a tarefa como algo dado e evidente, ou seja, como
se as tarefas matemáticas em sifossemjá descritas e bem decompostas
como tarefas matemáticas. As dificuldades evidenciadas no desenvol-
vimento de trabalhos que envolvem registros ostensivos (por exemplo,
apreensão de uma figura, produção de um discurso etc.) ou de trabalhos
de coordenação entre diferentes registros (por exemplo, produção de
um modelo gráfico a partir de uma igualdade entre duas grandezas) são
consideradas dificuldades "cognitivas".
Bosch e Chevallard apontam que as duas teorizações se diferen-
ciam no seguinte:
• O que é apresentado como uma mudança de registros que só
dependeria do funcionamento cognitivo do sujeito é visto na
teorização de Bosch e Chevallard como uma prática cuja reali-
zação efetiva deve ser ligada à existência de uma praxeologia
matemática local, construída em tomo de certo tipo de problema
e cujos erros de execução não podem ser entendidos sem que,
de antemão, se conheçam os elementos dessa praxeologia que
foram disponibilizados aos alunos observados.
• Referir-se unicamente ao funcionamento cognitivo consiste, na
realidade, em uma outra forma de naturalização e de ocultação
da técnica matemática que permitiria realizar a tarefa da pra-
xeologia construída.

122

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

3. Análise de uma organização matemática

A praxeologia associada a um saber é a junção de dois blocos:


saber-fazer (técnico/prático) e saber (tecnológico/teórico), cuja ecologia
refere-se às condições de sua construção e vida nas instituições de ensino
que a produzem, utilizam ou transpõem. Consideram-se aqui as condições
de "sobrevivência" de um saber e de um saber-fazer em analogia a um
estudo ecológico: qual o hábitat? Qual o nicho? Qual o papel deste saber ou
saber-fazer na "cadeia alimentar"? Tais respostas ajudam na compreensão
da organização matemática determinada por uma praxeologia.
Segundo Chevallard (1999), as praxeologias (ou organizações)
associadas a um saber matemático são de duas espécies: matemáticas e
didáticas. As organizações matemáticas referem-se à realidade matemá-
tica que se pode construir para ser desenvolvida em uma sala de aula e as
organizações didáti.cas referem-se à maneira como se faz essa construção;
sendo assim, existé,uma relação entre\os dois tipos de organização que
1
Chevallard (2002) det!_ne como fenô, eno de codeterminação entre as
organizações matemátiêa ~ didática.
Em um processo de formaçãd de saberes/conhecimentos, as
praxeologias envelhecem, pois seus cohiponentes teóricos e tecnológicos
1
perdem seu crédito. Constantemente, em uma determinada instituição
I surgem novas praxeologias que poder'-o ser produzidas ou reproduzi-
das se existem em alguma instituição I'. assagem d~ praxeologia da
instituição I para a instituição ré chamada \or Chevallard (2002) de
transposição, mais especificamente de transposição didática, quando a
instituição de destino é uma instituição 7 ,,ênsm~(escola, classe etc.).
l '~ - -
/ \
lnst~tuição (ensino) de

ESQUEMA 12
1

Este mesmo autor afirma que, quando se trata de um objeto rela-


tivo às práticas de ensino, deve-se em primeiro luga~ observar o objeto,
depois descrevê-lo, analisá-lo e avaliá-lo para,Jin_alínente, desenvolver
atividades que têm por objetivo o ensino e a aprendizagem desse objeto,
categorizado da seguinte forma:

123

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SAooo Ao ALMOULOUD

• a realidade matemática (Organização matemática- OM);


• corno se pode construir essa realidade (Organização didática -
OD).
Para que seja feita urna análise de urna OD é necessário que se conhe-
ça a teoria que sustenta o terna em estudo, visto que, corno toda organização
praxeológica, ela se articula em tipos de tarefas (geralmente cooperativas),
em técnicas, em tecnologias e em teorias. Mas corno descrever tal organi-
zação? Quais são, por exemplo, os principais tipos de tarefas?
A noção de momento foi introduzida por Chevallard (1999) para
descrever uma organização didática e remete, apenas aparentemente,
à estrutura temporal do processo de estudo. O sentido dado à palavra
"momento" é, de início, uma dimensão multidimensional, um fator no
processo rnultifatorial. Os momentos didáticos são, primeiramente, uma
realidade funcional do estudo, antes de ser uma realidade cronológica.
Quando se pretende descrever uma organização didática em tomo de um
objeto matemático, qualquer que seja o caminho desse estudo, certos
tipos de situações, momentos do estudo ou rnomentQs didáticos estão
necessariamente presentes. O autor define seis momentos didáticos,
alertando para o fato de que eles podem ocorrer simultaneamente, pois,
como não existe uma sequência pré-definida para a sua ocorrência, podem
se repetir no decorrer do estudo.
O primeiro momento refere-se ao encontro com a organização
praxeológica por meio de tarefas; esse encontro vai orientar o desen-
volvimento das relações institucionais e pessoais com o objeto. Estas
relações serão construídas ao longo de todo o processo de estudo e têm
papel importante na aprendizagern. 13 Este momento consiste em encontrar
a OM por meio de, pelo menos, um dos tipos de tarefas que a constituem
e que, no entanto, não determina completamente a relação com o objeto,
porque a OM é construída e modificada durante o processo de estudo.
No segundo momento, tem-se a exploração das tarefas e o início da
elaboração de uma técnica para resolver esse tipo de tarefas. É nesse momento
que o professor tem o papel de orientar os alunos para que seja constituída,
pelo menos parcialmente, urna técnica que, a prit;icípio, possa resolver o
problema, que representa uma espécie do tipo de tarefa estudado. Essa
ação deve, posteriormente, possibilitar a emergência de outra técnica mais

13
Para Chevallard, a aprendizagem existe quando a relação pessoal do sujeito com o
objeto é modificada ou criada pela interação com o contrato institucional, ou seja, pela interação
com a relação institucional R1 (O).

124

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

elaborada, geral e completa. Assim, estudar problemas de certo tipo é um


meio permanente de criar e aprimorar uma ou mais técnicas que se tomarão
o meio para resolver de maneira quase rotineira os problemas desse tipo.
O terceiro momento diz respeito à construção do ambiente tec-
nológico/teórico que começa a se constituir desde o primeiro encontro,
tomando-se cada vez mais preciso no decorrer do estudo. Em geral, esse
momento começa por uma relação entre um ambiente tecnológico/teórico
construído anteriormente e o início da criação de um novo ambiente,
que se tornará mais preciso com a emergência da técnica. Em geral, esse
momento está em estreita inter-relação com cada um dos outros momen-
tos, estabelecendo um processo dinâmico e atemporal na evolução do
processo desencadeado pela organização matemática e que é o foco do
estudo da organização didática. Assim, desde o primeiro encontro com
um tipo de tarefa, têm-se inter-relações e/ou conexões com um ambiente
tecnológico-teórico anteriormente elaborado. Vale a pena destacar que,
no ensino tradicional, esse momento constitui a primeira etapa do estudo
e as tarefas aparecem como aplicação do bloco tecnológico/teórico.
No quarto momento ocorre o trabalho com a técnica em diferentes
tarefas, que pode, eventualmente, ser aperfeiçoada pela sua mobilização
relativa a um conjunto de tarefas qualitativamente e quantitativamente
representativas da organização matemática em jogo.
No quinto momento, o da institucionalização, a organização ma-
temática é definida. Elementos que fizeram parte do estudo em fases
anteriores podem ser descartados e outros integrados definitivamente
a partir da explicitação oficial desses elementos pelo professor ou pelo
aluno, tomando-se parte integrante da cultura da instituição ou da classe.
Ou seja, novos elementos podem ser introduzidos pela modificação da
relação institucional vigente ou pela criação de uma nova relação insti-
tucional com esses elementos.
O sexto momento é considerado sob dois aspectos: a avaliação
das relações pessoais e a avaliação da relação institucional, ambas em
relação ao o~jeto construído, da técnica construída, buscando verificar
sua capacidade intelectual.
O momento da avaliação é uma fase importante na TAD porque se
supõe que é aquele no qual o professor toma por objeto de estudo as solu-
ções produzidas por seus alunos. O aluno, por sua vez, observa na realização
de sua solução (em classe ou no livro) determinadas "maneiras de fazer",
analisando-as e avaliando-as para "desenvolver" sua própria solução. De
acordo com Chevallard ( 1999), o esquema proposto pela abordagem antro-

125

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SAooo Ao ALMouLouo

pológica é universal e nele a etapa de avaliação é fundamental e não deve


ser considerada somente a partir da avaliação escolar. Pelo contrário, o ato
de avaliar sempre será necessariamente relativo, pois o valor reconhecido
para um objeto não é intrínseco nem absoluto, porque a atribuição de um
valor se refere sempre, implicitamente ou não, a certo uso social do objeto
avaliado, visto que se avalia sempre sob certo ponto de vista.
No caso de uma avaliação a priori das organizações matemática e
didática, OM e OD, feita por um professor y, Chevallard (1999) define
um conjunto de critérios explícitos que, ao ser analisado, permitirá ao
professor e/ou pesquisador afirmar em qual medida esses critérios são
satisfatórios para avaliar a organização matemática estudada. O autor
apresenta os seguintes critérios para analisar tipos de tarefas: ·
1. Critério de identificação: verifica quais tipos de tarefas são
apresentados de forma clara e bem identificados;
2. Critério das razões de ser: verifica quais razões de ser dos tipos
de tarefas são explicitadas ou, ao contrário, se esses tipos de
tarefas aparecem sem motivos válidos;
3. Critério de pertinência: verifica quais tipos de tarefas conside-
rados são representativos das situações matemáticas frequen-
temente encontradas, bem como se são pertinentes, tendo em
vista as necessidades matemáticas dos alunos.
A avaliação de técnicas apoia-se nos mesmos critérios, devendo-se
buscar respostas para as seguintes indagações:
l .As técnicas propostas são efetivamente elaboradas ou somente
esboçadas?;
2. São de fácil utilização?;
3. São imprescindíveis para o cumprimento do tipo de tarefas proposto?;
4. São fidedi~as e confiáveis, tendo em vista as condições de sua
utilização no cumprimento do tipo de tarefas proposto?
Para avaliar as tecnologias ou a pertinência do bloco tecnológico-teó-
rico utilizado nas justificativas das técnicas empregadas na resolução de um
tipo de tarefas, podemos partir de um conjunto de indagações tais como:
1. Dado um enunciado, o problema de sua justificativa está so-
mente colocado ou é considerado tacitamente como pertinente,
evidente, natural ou ainda bem conhecido?;
2.As formas de justificativas utilizadas são próximas daquelas
matematicamente válidas?;
3. Essas justificativas são adequadas tendo em vista o problema
colocado?;

126

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

4. Os argumentos utilizados são cientificamente válidos?;


5. O resultado tecnológico de uma determinada atividade pode
ser explorado para produzir novas técnicas para resolver novas •
tarefas?
De acordo com Chevallard ( 1999), o modelo dos momentos de
estudo evidencia a importância que o professor deve dar para a elaboração
de uma organização didática que tem por objetivo óensino e a aprendiza-
gem de uma organização matemática. Ou seja, uma organii;ação didática
cujo objetivo é fazer existir uma relação pessoal com a organização
. matemática ou modificar. a relação já existente com essa organização,
por exemplo, pelo acréscimo de novas técnicas relacionadas ao tipo de
tarefa estudado, ou pela ampliação do discurso teórico-tecnológico. Seu
trabalho é complexo porque, além de colocar em ação a organização
didática, ele é seu ator e, muitas vezes, o próprio criador.
O autor ,acrescenta ainda que o modelo dos momentos de estudo
prevê dois grandes tipos de emprego para o professor como instrumento
de análise dos processos didáticos e permite colocar claramente o pro-
blema da realização dos diferentes momentos do estudo. Por exemplo,
como realizar concretamente o primeiro encontro com a orgrui1zação
matemática envolvida? Com que tipo de tarefas? Como conduzir o estudo
exploratório de um tipo de tarefas? Como organizar bem a instituciona-
lização? Como realizar o momento da avaliação?
A fim de elaborar uma praxeologia associada a um saber matemá-
tico, Chevallard (2002) salienta ainda a importância de situar esse saber
em uma escala hierárquica na qual cada nível refere-se a uma realidade
e serve para determinar a ecologia das organizações matemáticas e didá-
ticas relativas a esse saber. Isto é, para determinar os nichos e o hábitat
dessas organizações.

Nfvel-2 Sociedade

Nível -1 Escola
Cada nível refere-se a uma realidade e serve para
Nível O Pedagogia
detenninar a ecologia das organi:zações matemáticas e
Nível 1 Disciplina didáticas relativas a esse saber.

Nível 2 Dominio Em geral, os programm apresentados no primeiro

Nível 3 Setor encontro do ano letivo tratam apenas d03 níveis 1, 2, 3. \


4e 5.
Nível 4 Tema '
Nf\id S Objeto

127

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SAooo Aa ALMOULOUD

Em geral, os programas apresentados no primeiro encontro do ano


letivo tratam apenas dos níveis 1, 2, 3, 4 e 5, não contemplando a fase
transpositiva, relativa à noosfera.
O conjunto de condições e necessidades que possibilita o de-
senvolvimento matemático (ecologia de uma praxeologia matemática)
depende dos objetos ostensivos que compõem as tarefas, técnicas, tec-
nologias e teorias, sendo essa dimensão ostensiva de uma praxeologia
que permite que um saber matemático e os conhecimentos que ele pode
construir se materializem.

128

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VIII - Erros e obstáculos

Guy Brousseau considera que os conhecimentos--eonstruídos pelos


alunos geralmente são locais e podem, eventualmente, constituir fontes
de dificuldades, ou de· erros, na ocasião da aprendizagem de novos co-
nhecimentos. ·
O ·autor, baseando-se em Bachelard ( 193 8), introduz a noção de
obstáculo epistemológico com o intuito de ter um outro olhar sobre os
erros dos alunos, buscando compreender e explicitar o papel do erro no
processo de aprendizagem, suas influências e consequências.
Nosso objetivo, neste capítulo, é o estudo da noção de obstáculo,
segundo o ponto de vista de Brousseau (1983), e de sua importância na
análise de fatores que interferem nos processos de ensino e aprendizagem
da matemática.

1. Papel do erro na aprendizagem

Uma das preocupações dos pesquisadores em ciências humanas


(educação, filosofia, pedagogia, psicologia, didática da matemática) é
compreender em que condições as crianças adquirem conhecimentos e o
processo que facilita a construção desses conhecimentos. Para estudar esta
questão, os pesquisadores em didática da matemática fundamentam-se em
algumas hipóteses das pesquisas psicogenéticas e da psicologia social,
mais especificamente na ideia de que "aprende-se em situação de ação",
além da noção de desequilíbrio de Piaget. De acordo com essa visão,
os conhecimentos saem de um estado de equilíbrio e passam por fases
transitórias, nas quais os conhecimentos anteriores não funcionam bem.
A superação desse momento de desequilíbrio, para um novo estágio de
equilibração, significa que houve uma reorganização dos conhecimentos
em que as novas aquisições foram integradas ao saber antigo.

129

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SADDO AG ALMOULOUD

novo equilíbrio
equilíbrio antigo

Fases de desequilíbrio
ESQUEMA 13

Os pesquisadores em didática da matemática utilizam, também,


as ideias de Bachelard (1938), a respeito da noção de representação
espontânea de fenômenos fisicos, de que qualquer que seja a idade,
o espírito nunca é vazio, e ainda que as representações se constituem
em obstáculos.
Na linha da psicologia social (com estudos que continuam edis-
cutem os resultados Piaget), as pesquisas em didática da matemática se
baseiam, também, na noção de "conflito sociocognitivo" entre sujeitos
que admitem como hipótese o fato de que esse conflito pode facilitar a
aquisição de conhecimentos.
Com relação à aprendizagem de conceitos matemáticos, a maioria
dos pesquisadores em didática da matemática defende a ideia de que um
dos fatores que mais influenciam essa aprendizagem é o tratamento que
o professor dá ao erro do aluno. Tal tratamento está intimamente ligado
à concepção de aprendizagem que tem esse professor. Detalhemos um
pouco mais esse ponto.
Na concepção de "cabeça vazia", considera-se que o erro revela
uma insuficiência de conhecimentos do aluno. Neste caso, o saber ainda
não está suficientemente estável ou não está completamente
.....
construído
e, portanto, não evita o erro por uma ação adequada de validação. Na
concepção de 'tmassa mole", o erro deve ser evitado para que não seja
gravado no espírito do aluno, tomando-se persistente. Trata-se aqui de
um processo de "evitação" desencadeado pelo professor, que não busca
corrigir a raiz do erro, mas sim mostrar ao aluno a "maneira certa". Já na
concepção dos "pequenos passos", o erro também deve ser evitado, mas,
quando produzido, a causa não é a insuficiência de conhecimentos do
aluno ("cabeça vazia" ou "massa mole"), mas a "progressão" proposta,
que não previu que um dos passos necessários para a concretização da
tarefa não era ainda acessível ao aluno.
Enfatizando a importância do processo para a construção de co-
nhecimentos, Brousseau (1983) considera a complexidade e a concepção

130

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FUNDAM ENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTI CA

que o professor tem a respeito do que é aprender. Concordamos com o


autor, quando afirma:
"

Le sens d' une connaissance mathématique se définit - non seu-


lement par la collection des situations ou cette connaissance est
.réalisée en tant que théorie mathématique, [...] - non seulement
par la collection des situations ou le sujet l 'a rencontrée comme
moyen de solution, mais aussi par l'ensemble des conceptions,
des choix antérieurs qu'elle rejette, des erreurs qu'elle evite, les
économies qu'elle procure, les formulations qu'elle reprend, etc.
(BROUSSEAU, 1983, p. 170).

Assim, o que atesta a aquisição de uma noção matemática são


suas condições de utilização, além dos problemas que o sujeito é capaz
de resolver usando essa noção, fazendo as devidas conexões intra e in-
terdisciplinares. É na resolução desses problemas que se vê revelado o
1

significado que o aluno atribuiu a essa noção.


Dessa forma, o erro tem papel fundamental na aprendizagem,
principalmente na concepção construtivista (cf. os trabalhos de BA-
CHELARD e PIAGET), em que o "direito ao erro" é dado aos alunos e,
progressivamente, devem-se buscar situações em que os erros, necessá-
rios à aprendizagem, revelem um saber em constituição.

2. Obstáculos e análise didática do erro

Em diversas pesquisas no campo da didática da matemática, a aná-


lise do erro apoia-se na noção de obstáculos, desenvolvida por Bachelard,
e na teoria de equilibração, devida a Piaget. Esses dois autores inspiraram
Brousseau (1983) a elaborar uma classificação dos obstáculos.
Pará ele, o erro é a expressão, ou a manifestação explícita, de um
conjunto de concepções espontâneas, 14 ou reconstruídas, que, integradas

14 Usamos o tenno "concepção" no sentido de Artigue (1990), que a define sob um ponto
de vista local e relacionada a um dado objeto, caracterizado por:
• situações que lhe servem de ponto de partida: situações ligadas à aparição da concepção,
ou para as quais ela constitui um ponto de vista particulannente bem adequado;
• sistemas de representações mentais, icónicas, simbólicas, propriedades, invariantes,
técnicas de tratamento, métodos específicos (implícitos ou explícitos).
A autora chama também de concepções espontâneas as concepções de uma noção desen-
volvida pelos alunos, antes que ela seja oficialmente objeto de aprendizagem.

131

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SAooo Ao ALMOULouo

em uma rede coerente de representações cognitivas, tomam-se obstáculo


à aquisição e ao domínio de novos conceitos.
Assim, o projeto de ensino visara à superação desses obstáculos
em que o erro é uma passagem obrigatória, pois para Brousseau:

O erro não é somente o efeito da ignorância, da incerteza, do


acaso [... ], mas o efeito de um conhecimento anterior que, por
um tempo, era interessante e conduzia ao sucesso, mas agora se
mostra falso, ou simplesmente inadaptável. Os erros deste tipo não
são erráticos e imprevisíveis, mas se constituem em obstáculos.
Tanto na ação do mestre como na do aluno, o erro é constitutivo
do sentido do conhecimento adquirido (BROUSSEAU, I 983, p.
171, tradução nossa).

Para este autor, os erros cometidos por um mesmo sujeito estão


ligados por uma fonte comum, que pode ser: uma maneira de conhecer,
uma concepção característica (coerente ou pelo menos correta em uma
determinada situação) ou um antigo "conhecimento", que deu certo em
uma determinada área de ações.
Além disso, a constituição do sentido, para o autor, exige uma inte-
ração constante do aluno com situações problemáticas que lhe permitam
mobilizar conhecimentos anteriores, para atualizá-los ou rejeitá-los na
formação de novas concepções.
A didática da matemática aborda essas questões, tendo como
um de seus objetivos principais estudar as condições que devem ser
consideradas nas situações, ou problemas, que se propõem aos alunos,
com o intuito de favorecer a aparição, o funcionamento e a rejeição de
concepções sucessivas. Diferentemente da psicopedagogia geral, o ob-
jeto de estudo da didática da matemática são os processos de aquisição
de conhecimentos específicos da matemática. Nesse sentido, Leonard e
Sackur (1990) destacam a especificidade da didática da matemática em
relação a outras ciências humanas quando afirmam:

Com a noção de contrato didático, a didática da matemática leva


em consideração a situação de ensino na classe e, com a noção
'
de obstáculo, considera os conteúdos ensinados; a psicologia está
presente pelas referências a Piaget, ou por meio de ferramentas
de análise, tais que o conflito sócio-cognitivo (LEONARD; SA-
CKUR, 1990, p. 208).

132

_J
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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Essa ideia é reforçada por Brousseau (1983, p. 172), quando


comenta que a importância didática de um problema vai depender, es-
sencialmente, do que o aluno mobilizará (nesse problema), colocará em
xeque e investirá nas fases de rejeição ou questionamento de estratégias,
ou de conhecimentos julgados ineficazes na resolução do problema
proposto.

3. Caracterização da noção de obstáculo

Os estudos sobre a noção de obstáculo conduziram a uma caracte-


rização formulada por Dutoux (1983), que foi retomada por Brousseau
(1989):

a) um obstáculo é um conhecimento, uma concepção, e não uma


dinculdade, ou uma falta de conhecimento;
b) esse conhecimento produz respostas adequadas em certo con-
téxto frequentemente encontrado;
c) mas ele produz respostas falsas, fora desse contexto. Uma
resposta correta e universal exige um ponto de vista notavelmente
diferente;
d) além disso, esse conhecimento resiste às contradições com
as quais ele é confrontado e ao estabelecimento de um conhe-
cimento novo. Não basta ter um conhecimento novo para que o
precedente desapareça (é o que diferencia o transpor de obstáculos
da acomodação de Piaget); é, então, indispensável identificá-lo e
incorporar a sua rejeição no novo saber;
e) depois da tomada de consciência de sua inexatidão, ~le continua
a manifestar-se de modo intempestivo e obstinadÔ (BROUS-
SEAU, 1989, p. 43, apudPERRIN-GLORIAN, 1995, p. 84,
tradução nossa).

Glaeser ( 1999) reforça essa caracterização quando fala que os obs-


táculos estão relacionados a conhecimentos provisórios, que constituem
entraves à aquisição de conhecimentos posteriores. Esses conhecimentos
se caracterizam por duas propriedades essenciais:

• elles sont effectivement des connaissances, et non des idées


reçuues. Elles rendent encore des services dans le domaine
restreint ou elles sont valables;
• elles sont inefficaces et même nuisible hors de ce domaine dont
entravent ainsi l 'extension (GLAESER, 1999, p. 172).

133

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SAooo Ao ALMOULOUD

No entanto, a caracterização da noção de obstáculo, proposta por


Duroux, está muito próxima da definição de "conhecimento local" dada
por Leonard e Sack:ur ( 1990, p. 209):

Chamamos conhecimento local um conhecimento do aluno que


tem as seguintes propriedades:
é um conhecimento correto com algumas limitações;
o aluno ignora a existência dessas limitações (LEONARD; SA-
CKUR, 1990, p. 209, tradução nossa).

Ainda de acordo com esses autores, os conhecimentos locais dos


alunos:

os conduzem a cometer erros, e neste sentido trata-se de conhe-


cimentos "falsos"; mas qualificá-los de concepção errônea [... ]
é negligenciar os aspectos positivos desses conhecimentos. Os
limites de um conhecimento local, assim como o seu campo de
validade, fornecem ao aluno pontos de apoio para avançar na
direção de conhecimentos menos locais (LEONARD; SACKUR,
1990, p. 21 O, tradução nossa).

A análise do desempenho de alunos, em termos de conhecimentos


locais, pode auxiliar as pesquisas em didática da matemática na com-
preensão da origem desses conhecimentos e de sua estabilidade ( ou
instabilidade). Esses conhecimentos devem ser identificados e analisados
considerando três propriedades essenciais:
• validade: os conhecimentos locais são válidos em um certo campo
da matemática (ou seja, seu domínio de validade é restrito);
• coerência: a noção de conhecimento local responde a uma
necessidade do funcionamento cognitivo, isto é, corresponde
a uma organização, psicologicamente necessária, do material
oferecido ao aluno. Os autores definem "coerência" como sendo
esta organização, que participa da estabilidade psicológica de
um conhecimento local a partir de certo nível de equilíbrio, no
sentido de Piaget; '
• eficácia: um conhecimento local deve permitir ao aluno forne-
cer um número suficiente de respostas corretas no campo de
validade desse conhecimento. Esta eficácia é, muitas vezes,
reforçada pelas escolhas didáticas dos professores (LEONARD;
SACKUR, 1990, p. 213-218).

134

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA ,

Na visão de Brousseau ( 1983 ), os obstáculos se manifestam pela


incapacidade de compreender certos problemas, de resolvê-los com
eficácia, ou pelos erros que, para serem superados, deveriam conduzir à
instalação de um novo conhecimento. Por consequência, o erro é consi-
derado necessário para:
• desencadear o processo da aprendizagem do aluno;
• o professor situar as concepções do aluno e, eventualmente,
compreender os obstáculos subjacentes;
• o professor adaptar a situação didática.
Nessas condiçõ~s, o contrato didático deve ser estabelecido de
o
modo que erro, além de aceito, possa ser provocado, com o objetivo
de ser explorado em situações de ensino e aprendizagem, ou seja, po-
tencializando as condições de aprendizagem para o aluno.
Entendemos, assim como Perrin-Glorian { 1995), que a noção de
obstáculo é uma necessidade, porque:

numa aprendizagem por adaptação, os conhecimentos criados


pelos alunos são às vezes locais e ligados "de modo contingente
e indevido" a outros conhecimentos, também "provisórios e in-
corretos". Além disso, esses conhecimentos são personalizados
porque têm origem na própria ação do aluno e vão, por isso, apre-
sentar uma maior resistência à mudança (PERRIN-GLORIAN,
1995, p. 80). ,

A noção de obstáculo é importantíssima para a didática da ma-


temática, porque trata de um saber em constituição pelo aluno e que
necessariamente passa por conhecimentos provisórios.
Os erros provocados pelos obstáculos são resistentes e podem res-
surgir muito tempo depois de o sujeito ter rejeitado o modelo inadequado
do seu sistema cognitivo consciente, visto que o obstáculo tenta:

adaptar-se localmente, modificar-se com o mínimo de desgaste,


otimizar-se num campo reduzido. Isso explica por que transpor um
obstáculo exige um trabalho de mesma natureza que a implantação
de um conhecimento, quer dizer, interações repetidas e dialéticas
do aluno com o objeto do conhecimento (BROUSSEAU, 1983,
p . 175, tradução nossa).

Assim, a importância da noção de obstáculo se justifica, de um lado,


porque a aprendizagem por adaptação, que pennite dar sentido aos con-
ceitos, em geral pode produzir simultaneamente concepções inadequadas

135

L
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SAooo Aa ALMOuLouo

e conhecimentos locais que devem ser rejeitados ou transformados por um


trabalho cognitivo eficiente; por outro lado, porque esses nós de resistên-·
eia, os obstáculos, necessitam de construção de situações adequadas. Nesse
sentido, a construção de engenharias didáticas toma-se um dos meios
eficazes para permitir a superação desses obstáculos pelos alunos.

4. Utilidade da noção de obstáculos

Para a construção de engenharias didáticas, é imprescindível buscar


respostas às seguintes questões: quais obstáculos podemos (ou devemos)
evitar? Quais obstáculos não devemos (ou não podemos) evitar? Como
superar os obstáculos que não devemos ( ou não podemos) evitar? Uma
resposta parcial a essas questões é dada por Brousseau (1983, p. 179),
quando afirma que:

organizar a superação de um obstáculo consistirá em propor


uma situação suscetível de evoluir e de fazer evoluir o aluno,
segundo uma dialética conveniente. Não se trata de comunicar
as informações que se quer ensinar, mas em encontrar uma si-
tuação em que somente elas satisfaçam ou atinjam a obtenção
de um resultado satisfatório - [...] - no qual o aluno se investiu
(tradução nossa).

A construção de tais situações implica a identificação de variáveis


didáticas que permitam, eventualmente, organizar um salto informa-
cional. A escolha dessas variáveis e os jogos de quadros (no sentido de
Douady) têm um papel importante no desenvolvimento de situações
adidáticas que envolvem um determinado conhecimento. O objetivo
dessas situações é fazer evoluir as concepções inadequadas dos alunos,
além de revelar suas concepções espontâneas diante de problemas em
que certo conceito pode ser mobilizado.
Assim, a noção de obstáculo pode ser utilizada para analisar a
gênese histórica de um conhecimento, como o ensino ou a evolução
espontânea do aluno, sendo cada conhecimento suscetível de tomar-
se um obstáculo para a aquisição de novos. Dessa forma, nos parece
legítimo institucionalizar, mesmo que localmente, conhecimentos que
deverão explicitamente ser modificados posteriormente por uma evolução
natural da construção de conhecimento visado. Tal constatação conduz
Brousseau a questionar:

136

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Deveríamos então pensar que todas as concepções são obstáculos


a aquisições futuras? É claro, porque está na sua natureza, como
já vimos. Mas muito poucos apresentam dificuldades suficiente-
mente importantes e comuns para serem tratadas como tais.
É fácil, todavia, compreender como um superaprendizado
precoce pode aumentar as chances de transformar um saber
necessário em obstáculo intransponível (BROUSSEAU, 1976,
p. 54, tradução nossa).

5. Alguns fatores que podem sêr


produtores de obstáculo

Artigue (1990, p. 261-262) identificou quatro fatores que podem


ser produtores de obstáculo:

5.1 Generalização abusiva


O conjunto dos números naturais, por exemplo, tem o estatuto de
obstáculo epistemológico em relação ao conjunto dos números decimais,
de acordo com Artigue ( 1990).
A autora mostra que esse processo está presente no-desenvolvimento
histórico de vários campos da matemática, por meio da aplicação, mais ou
menos explícita, do princípio de continuidade·enunciado por Leibniz.

5.2 Regularização formal abusiva


De acordo com Artigue (1990) aparece em casos de certos erros
va
resistentes, como (a+ b)2 = a2 + b2, ou, -Va + b = + 'Vb, que, por sua
vez, provavelmente, obedecem a uma lógica semelhante ao processo de
generalização abusiva, além de se situar em~ registro de funcionamento
estritamente formal. ·

5.3 Fixação em uma contextualização


A fixação em uma contextualização ou uma modelagem familiar
é, sem dúvida, segundo a autora, o processo mais visível historicamente,
tendo seu reconhecimento implícito em Bachelard, quando considera que
as matemáticas podem admitir períodos de paralisação.

137

....
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SAooo Ao ALMOULouo

O trabalho de Glaeser ( 1981 ), a respeito da epistemologia dos


números inteiros ( que discutiremos com mais detalhes no próximo
capítulo), apresenta, pelo menos, dois exemplos desse tipo: relacionar,
de modo exclusivo, a noção de quantidade à de grandeza e abordar o
modelo aditivo, a partir de ideias que se baseiam em perdas e ganhos
(em um jogo, por exemplo), evidenciam a resistência em olhar o número
inteiro como um objeto matemático e abstrato, cujas propriedades nem
sempre podem ser estudadas a partir de situações do cotidiano (regra
dos sinais, por exemplo).

5.4 Aderência exclusiva a um único ponto de vista


Tanto no ensino quanto na história, esse fator é, de acordo com Artigue
( 1990), um dos processos-chave para a produção de obstáculos. No entanto,
essa aderência não se manifesta automaticamente por erros, mas pela inca-
pacidade de tratar com eficácia ou dar sentido a alguns problemas.

5.5 Amálgama de noções


O amálgama de noções sobre um suporte dado é causa de erros te-
nazes constatados, por exemplo, no tratamento de problemas envolvendo
comprimentos e áreas que, de acordo com os alunos, devem variar nas
mesmas proporções de acordo com Douady e Perrin-Glorian (1989).
Por trás de alguns processos identificados por Artigue ( 1990), existem
processos fundamentais para o funcionamento matemático, como generali-
zação e busca sistemática de regularidades que, de acordo com a autora:

é bom constatar que, no desenvolvimento de muitos domínios


matemáticos, a generalização abusiva foi eminentemente pro-
dutora, antes de se constituir em obstáculo, por exemplo, todo
o tratamento das funções no século XVIII foi fundamentado na
concepção de funções como polinômios [ ...] via desenvolvimento
de sequências; não se pode negar à fecundidade desse ponto de
vista nessa época (ARTIGUE, 1990, p. 263, tradução nossa).

6. Diferentes tipos de obstáculos

Brousseau distingue origens diversas para os obstáculos iden-


tificados na didática da matemática, que correspondem às diferentes

138

t
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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

maneiras com que são tratados no plano didático, caracterizando-os em


epistemológicos, didáticos, psicológicos e ontogênicos.

6.1 Obstáculos epistemológicos


São aqueles que tiveram um papel importante no desenvolvimento
histórico dos conhecimentos e têm sua rejeição integrada explicitamente
no saber _ensiriado/~prendido. ·
Os obstáculos de origem epistemológica são inerentes ao saber e
podem s.er identificados nas dificuldades que os matemáticos encontraram,
na história, para a compreensão e utilização desses conceitos. Por exemplo,
no desenvolvimento do conceito de probabilidade, o trabalho com quanti-
dades contínuas foi, até o desenvolvimento da teoria das medidas e teoria
da integraçã<;>, com Borel e Lebesgue, um obstáculo na evolução desse
conceito. Puderam ser identificados diversos paradoxos famosos graças a
esse obstáculo, tal como o paradoxo de Bertrand. Hoje, quando se pensa na
transposição didática relativa às probabilidades, devem ser feitas escolhas
tais que permitam ao aluno construir o conceito, minimizando a chance de
que ele venha a consti~ir um obstáculo no estudo dessa teoria. Esse tipo
de' obstáculo é, na realidade, constitutivo do próprio conhecimento e, de
acordo com Brousseau ( 1983 ), "não se pode nem se deve fugir" dele.
As pesquisas em didática, história e epistemologia da matemática
id~ntificam um conjunto de fatores e de concepções que deram origem a
e
obstáculos epistemológicos, sendo a maioria desses fatores concepções,
ainda hoje, observados em nossos alunos. Apresentamos, a seguir, alguns
obstáculos epistemológicos, identificados por pesquisadores:
a) O estatuto de números
- "Deus criou os números, os outros são obras dos homens", declara
Kn:>necker no fim do século XIX, rejeitando a fração como sendo um número.
- No século XVII, por exemplo, Euler enuncia as mesmas pro-
priedades numéricas duas vezes: uma vez para os números (naturais) e
outra vez para as frações.
· - A não aceitação da irracionalidade de ../2 por Pitágoras e a difi-
culdade, ainda explicitada no início do século XIX por Carnot e Stendhal,
em aceitar a existência dos números negativos.
- Os números complexos (os imaginários) foram utilizados como
ferramenta de cálculo algébrico 300 anos antes que Cauchy e Gauss lhes
dessem o estatuto de número.

139

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SAooo Ao ALMOULouo

b) O zero
A associação de zero com "nada" desloca esse obstáculo epistemo-
lógico para um aspecto psicológico e é causa de numerosos erros.

c) O infinito
Causa de grande dificuldade em seus fundamentos, a história do
infinito é rica de ressaltos, desde os paradoxos de Zenon até os paradoxos
de Cantor e Russel.
A partir de uma análise histórica e da observação de alunos, Sier-
pinska (1985, apudPERRIN-GLORIAN, 1995, p. 93) identificou certo
número de obstáculos relativos à noção de limite, que classificou em vá-
rias categorias. Agrupa sob o título "Horror infinito" toda uma família de
obstáculos, que resultam da recusa dos co~juntos infinitos e se traduzem
pela utilização de um leque de meios destinados a evitá-los e ainda da
recusa de dar o estatuto de operação matemática ao limite.

d) O conceito de função
A conceituação de função, tal como a conhecemos, demorou 2000
anos para se consolidar. Sierpinska (1985, apud PERRIN-GLORIAN,
1995, p. 93) identifica, no seu estudo, três categorias de obstáculos li-
gadas a esse conceito:
• uma categoria refere-se aos obstáculos ligados à noção de fun-
ção: ela aparece exclusivamente como uma atribuição de valor
numérico à variável independente; neste caso, o foco está mais
na expressão algébrica que representa a função estudada que
no domínio;
• o obstáculo geométrico que consiste em olhar diretamente o
limite de uma função sobre objetos geométricos e não sobre os
números que os medem ( quando se considera o círculo como
o limite de polígonos regulares, por-exemplo, em que a forma
dos polígonos se aproxima da forma do círculo). A intuição
geométrica relativa ao conceito de limite estaria mais próxima
da noção de supremo do que de aderência.
• obstáculos lógicos, ligados ao uso de quantificadores; por exem-
plo, além do obstáculo à criação de um símbolo para a passagem
ao limite (tradução nossa).

140

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

e) O conceito de probabilidade
O conceito _de probabilidade, sobre o qual os primeiros trabalhos
foram publicados ainda no século XV e que foi "formalmente" identificado
na famosa correspondência estabelecida entre Pascal e Fermat (1654),
foi objeto de contradições dialéticas entre as abordagens geométricas e
frequentistas, entre as concepções subjetivas e objetivas e entre a determi-
nação a_priori e a_posteriori. De acordo como Coutinho (1994, p. 27),

O difícil caráter subjetivo da probabilidade, definido por Bayes,


vem, muitas vezes, reforçJlf a concepção errônea de que a probabi-
lidade de um evento depende das informações sobre esse evento,
ou seja, das informações obtidas pelo observador (observações
diferentes geram probabilidades para um mesmo evento).

Tal concepção é encontrada ainda hoje nos alunos e é resistente à


aprendizagem, pois muitas vezes são produzidas estratégias e soluções
corretas imediatamente após a aprendizagem e, numa verificação após
algum tempo decorrido desta aprendizagem, os obstáculos podem ser
novamente identificados nas estratégias propostas pelos sujeitos.
Ainda segundo 8()utinho (1994), da evolução histórica do conceito
de probabilidade tiramos o processo seguinte: o enfoque de Pascal e Fer-
mat (1654) é limitado às situações de equiprobabilidade (jogos de azar).
Este é criticado por Jacob Bernoulli (1713), que propõe uma estimação a
posteriori da probabilidade de eventos complexos e naturais. Bayes, em
1763, introduziu a ideia de uma apreciação subjetiva de probabilidade
a priori, controlada pelos efeitos observados durante a experimentação.
Podemos ainda descrever todo um desenvolvimento, uma evolução até
a axiomática proposta por Kolmogorov (1933), que ajuda a identificar
e compreender vários obstáculos que podemos classificar como episte-
mológicos referentes ao conceito de probabilidade.

6.2 Obstáculos didáticos


Os obstáculos de origem didática são aqueles que parecem depender
apenas de uma escolha ou de um projeto do sistema educativo (BROUS-
SEAU, 1983, p. 176, tradução nossa) e provocados por uma transposição
didática, que o professor dificilmente pode renegociar no quadro restrito
da classe. Eles nascem da escolha de estratégias de ensino que permitem
a construção, no momento da aprendizagem, de conhecimentos cujo do-

141

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SADDO AG ALMOULOUD

mínio de validade é questionável ou incompletos que, mais tarde, revelar-


se-ão como obstáculos ao desenvolvimento da conceituação.
Os obstáculos desse tipo são, em sua maior parte, inevitáveis e ine-
rentes à necessidade da transposição didática, embora seu reconhecimento
permita ao professor rever a introdução escolhida para um determinado con-
ceito para explicitar a dificuldade vivida pelo aluno. A seguir, apresentamos
alguns exemplos de situações, fiutos de obstáculos de origem didática.

a) Concepção dos decimais


Os processos de ensino e de aprendizagem dos números decimais fo-
ram bastante estudados por vários pesquisadores em didática da matemática,
mais especificamente por Brousseau (1980). Esses estudos mostraram que
os alW1os, quando submetidos a um processo de aprendizagem de números
decimais, podem desenvolver um conjunto de concepções sobre esses ob-
jetos matemáticos que se tornam obstáculos oriundos de escolhas didáticas.

a.1 Decimal considerado como número natural com vírgula


As regras "todo número natural tem sucessor e, se ele é não nulo,
um predecessor" e "o produto de dois números naturais não nulos é maior
ou igual a cada um deles" são utilizadas, pelos alW1os, no momento da
extensão do campo dos números naturais para o conjW1to dos números
decimais e provocam os seguintes erros:
• Erros relativos à densidade e/ou ao discreto
As questões seguintes foram propostas a 130 alunos de primeira série
do Ensino Médio em uma escola da rede pública do Estado de São Paulo:
Pode-se encontrar um número entre 7,2 e 7 ,3?
Um número misterioso está entre 8 e 9. Se esse número for mul-
tiplicado por 10, obtém-se 87. Qual é esse número?
Existe um número decimal entre 3,746 e 3,747?
Obtivemos resultados que confirmam os obtidos por Brousseau
(1983), Grisvard e Léonard (1983) e Coulibaly (1987): 37% dos 130
alunos responderam que é impossível encontrar um número entre os
números propostos no enunciado.
Notamos ainda a utilização de regras não ensinadas, como, por
exemplo, o teorema seguinte, válido no conjunto dos números racionais:
"entre dois números (quaisquer?) existem uma infinidade de números
decimais". Podemos deduzir que, para o aluno que utilizou esta regra, o
conjunto dos números decimais não é denso, uma vez que não leva em
conta os números irracionais. Identificamos também:

142

J
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FUNDAM ENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

• Erros relativos a operações como a multiplicação por 1O


A regra da multiplicação de um inteiro por 1Oé aplicada aos nú-
meros decimais sem considerar a vírgula, ou seja, sem considerar o valor
posicional dos algarismos. Encontram-se alunos que escrevem
10 X (5,13) = 5,130.
• Erros gerados pela utilização da seguinte regra: "a multiplica-
ção aumenta e a divisão diminui", válida para o conjunto dos números
inteiros; o que detei:mina em um primeiro momento seu domínio de
validade. No entanto, essa regra toma-se um obstáculo quando o aluno
tenta estender esse domínio para o conjunto dos números racionais. Por
exemplo, é frequente encontrar alunos que produzem os seguintes re-
sultados: 16 x 0,4 > 16 + 0,4 e O, 16 x 0,4 >'o, 16 + 0,4.

a.2 O trabalho desenvolvido em sala de aula sobre os números


decimais pode provocar no aluno a concepção de que "os decimais são
dois números inteiros separados por uma vírgula", que, ao ser utilizada,
gera os seguintes tipos de erros:
• Erro relativo à ordem: A utilização de regra implícita na com-
paração dos decimais:
* Regra 1: "o número maior é aquele cuja parte decimal é maior".
Por exemplo, muitos pesquisadores na área puderam identificar
produções como: -
12,8 < 12,17 "pois" 8 < 17
12,4 < 12,113 "pois" 4 < 113
Os alunos pensam que a parte decimal representa um número
"diferente" tendo, também, dezenas, unidades (problemas no trabalho
com o valor posicional dos algarismos).
* Regra 2: "o número cuja parte decimal tem um número maior
de decimais é o menor".
Por exemplo:
12,289 < 12, 18
4,249 < 4,06

a.3 Erro nas operações


Às vezes, os alunos fazem, separadamente, a soma das partes
inteiras e a soma das partes decimais, o que mostra o número decimal
sendo visto como um par de números inteiros separados por uma vírgula,
provavelmente uma consequência da aprendizagem dos números deci-
mais a partir de medidas de grandezas, que provocam erros tais como:
4,6 + 23,8 = 27,14 ou o sucessor de 4,9 é 5.

143

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SAooo Aa ALMouLouo

b) Entre tantos, outros exemplos de obstáculos didáticos poC,em


ser apresentados
- a descoberta das frações a partir da partição de figuras (ou bolas)
deixa a ideia de que uma fração é sempre uma parte da unidade (uma
parte de um todo).
- na escola primária, um quadrado não é um retângulo;
- a introdução dos números negativos a partir de uma escala de
temperaturas (positiva e negativa), extrato de contas bancárias ou jogo
(ganhar e perder) permite ensinar a adição, mas constitui um obstáculo
para o uso correto da regra dos sinais para a multiplicação;
- o estudo gráfico de funções do primeiro grau unicamente na
sétima e/ou oitava série constitui um obstáculo didático suplementar à
aquisição do conceito de função na primeira série do Ensino Médio;
- em probabilidade, a abordagem pascaliana tem sua fundamenta-
ção no cálculo combinatório e subentende o pressuposto da equiprobabi-
1. d d , . d ff casos favoráveis . d
1 a e, necessana para o uso a ormu1a casos possíveis , enuncia a por

Laplace em 1825, em sua obra Essai philosophique sur /es probabi/ités,


e se transforma na igualdade de chances em todos eventos, indepen-
dentemente de sua proporção na composição do conjunto de resultados
possíveis de uma experiência aleatória. Essa abordagem, limitando-se
a um trabalho didático apenas nas situações de equiprobabilidade, é
sugerida pelos PCN-EF e é fonte de obstáculos que são ao mesmo tem-
po um exemplo de obstáculo didático e de obstáculo epistemológico
(COUTINHO, 2001).

6.3 Os obstáculos psicológicos


Esses obstáculos aparecem quando a aprendizagem contradiz as
representações profundas do sujeito, ou quando induz uma desestabili-
zação inaceitável, como, por exemplo:
• a lógica matemática não é a lógica da vida do dia a dia;
• o zero causa obstáculos psicológicos pelo medo do "nada" e
sobretudo que "não é bom" dividir por zero;
• as condições psicológicas nas quais um aluno aborda uma nova
noção determinarão a utilização dessa noção na resolução de
problemas;
• na probabilidade, a crença ou rejeição do acaso como deter-

144

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

minante nos resultados de um experimento aleatório simples, tal


como o lançamento de um dado (a crença de que uma de suas
faces-é-mais dificil de ocorrer do que outra).

6.4 Os obstáculos ontogênicos


De acordo como Brousseau (1983, p. 177), os obstáculos de origem
ontogênica apar~cém pelas limitações (neurofisiológicas entre outras) do
sujeito em certo momento de seu desenvolvimento. A teoria de Piaget
indi~a a impossibilidade de desenvolver um cálculo formal quando o
indivíduo se encontra no estágio das operações concretas. A exigência
do uso correto da linguagem e dos símbolos matemáticos pode, também,
criar es~e tipo de obstáculo.
Por outro lado, os obstáculos culturais podem corresponder a certas
maneiras de pensar, como no caso da etnomatemática, e também corres-
ponder a conhecimentos necessários ao ensino da matemática, mas não a
um saber cientificamente reconhecido. Os exemplos da enumeração para
o ensino dos números, de conhecimentos sobre o espaço para a geometria
e da lógica natural para o raciocínio são citados por Brousseau (1983).
Maggy Schneider (1995) dá, a respeito das medidas, o exemplo:

os aparelhos de medida se tomaram caixas pretas para as crian-


ças, a tal ponto que se poderia quase fàlar de obstáculo cultural.
Pensem nas balanças digitais que fomece_m diretamente não o
peso, mas o preço do pedaço de carne colocado em cima. Nesta
civilização do numérico, não se tem mais acesso às grandezas
diretamente: estas são vistas unicamente através dos números -
medidas (SCHNEIDER, 1995, apudPERRIN-GLORIAN, 1995,
p. 85-86, tradução nossa).

Os obstáculos técnicos que se apresentam, também, como causa de


erros ou da incapacidade de compreender certos problemas surgem quando
a complexidade da tarefa está acima dà capacidade de atenção do aluno.

7. Como estudar os obstáculos·

Vimos que existem várias origens possíveis para os obstáculos


e a importância de encontrar aqueles que são de origem epistemológi-
ca, visto que são constitutivos do conhecimento e provavelmente têm

145

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SAooo Aa ALMOuLouo

vestígios na história. Poderemos, então, procurá-los por meio de uma


análise histórica, ou uma análise de dificuldades resistentes, com os
alunos, identificadas pela mobilização estável de concepções fora. de
seu domínio de validade. É o que resume Brousseau (1989, p. 42, apud
PERRIN-GLORIAN, 1995, p. 88).
Trata-se então, em primeiro lugar, para os pesquisadores, de:
a) achar erros recorrentes e mostrar que se agrupam em tomo de
concepções;
b) encontrar obstáculos na história da matemática;
c) confrontar os obstáculos históricos com os obstáculos de apren-
dizado para estabelecer o seu caráter epistemológico.
É importante tomar cuidado para não considerar como um obstá-
culo qualquer dificuldade encontrada na história. Há todo um trabalho
a ser feito para qualificar algo como obstáculo, no sentido utilizado por
Brousseau. É preciso observar se essas dificuldades estão organizadas ao
redor de uma concepção coerente, que tem suas vantagens e seu domínio
de validade e eficácia. É o que Brousseau (1983) exprime, a respeito do
trabalho de Glaeser ( 1981 ), sobre os negativos, e que identifica como
obstáculos, principalmente, "a inaptidão em manipular quantidades
negativas isoladas", "a dificuldade de unificar a reta numérica", "a am-
biguidade dos dois zeros" (zero absoluto designando a ausência de uma
quantidade e zero origem) e "o desejo de um modelo unificador":

Esta fonnulação mostra o que faltou a Diophante ou a Stevin,


sob o ponto de vista da nossa época e dentro de nosso sistema
atual [...] para dar a solução "certa" ou a fonnulação adequada.
Mas esta fonnulação oculta a necessidade de entender por quais
meios eram abordados os problemas que necessitaram a manipu-
lação de quantidades negativas isoladas. Estes problemas eram
levantados? Como eram resolvidos?[ ...] Por que este "estado de
conhecimentos" parecia suficiente e sobre que conjunto de ques-
tões era ele razoavelmente eficaz? Quais vantagens trazia uma
"recusa" em manipular quantidades negativas isoladas, ou quais
inconvenientes ela permitia evitar? Este estado era estável? Por
que as tentativas de modificá-lo cm renová-lo eram condenadas
ao fracasso naquele momento? Talvez até que novas condições
apareçam e que um trabalho paralelo seja efetuado, mas qual?
(BROUSSEAU, 1983, p. 190-191, tradução nossa)

Para estudar os obstáculos a partir da história é necessário, de


acordo com Brousseau ( 1989):

146

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
'

1. descrever este conhecimento e de entender sua utilização;


II. explicar quais as vantagens que esta utilização trazia em relação
1
às anteriores, a quais práticas sociais estavam ligadas, a quais
técnicas e, se possível, a quais concepções matemáticas;
-III. reconhecer essas concepções em relação a outras possíveis e,
principalmente, àquelas que lhes sucederam, para compreender as
limitações, as dificuldades, as causas de fracasso dessa concepção
e, ao mesmo tempo, as razões de um equilíbrio que parece ter
durado um tempo suficientemente longo;
IV. identificar o momento e os motivos da ruptura desse equilí-
brio e examinar os vestígios de uma resistência à sua rejeição,
explicando-a, se possível, por sobrevivências de práticas, de
linguagem e de concepções;
V. procurar possíveis ressurgimentos ou voltas inesperadas, senão
sob a forma inicial, ao menos ~ob formas vizinhas, procurando os
motivos (BROUSSEAU, 1989, p. 45, apud PERRIN-GLORIAN,
1995, p. 89, tradução nossa).

O estudo dos obstáculos passa, também, pela análise de erros resis-


tentes dos alunos. Tal análise apresenta como dificuldade a identificação
da concepção que corresponde a esses erros, que permite aproximar
alguns ou distinguir outros. Para Brousseau, isso constitui apenas um
meio para o estudo.das situações, as rupturas podem ser previstas por
estudos diretos das situações (estudo das variáveis didáticas, noção de
salto informacional) e dos conhecimentos, e não só por estudos indiretos
de comportamento de alunos.
De acordo com Perrin-Glorian ( 1995),

Seja do lado dos alunos ou da história, trata-se de procurar os


"fracassos característicos de certo saber". Mas, "não basta iden-
tificar dificuldades e fracassos do conhecimento-obstáculo, mas,
sobretudo, seus sucessos e, consequentemente, voltar na história,
aos obstáculos precedentes".
A história pode, então, ser um guia para encontrar os obstáculos
e as concepções fundamentais para o aprendizado e, deste modo,
também para a engenharia didática, mas está fora de questão repro-
duzir, no ensino, todos os meandros da história; apenas produzir
efeitos similares por outros meios (PERRIN-GLORIAN, 1995,
p. 89, tradução nossa).

Brousseau considera dois pontos de partida para a pesquisa dos


obstáculos epistemológicos ou dos candidatos a obstáculos: a história

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SAooo Aa ALMOULOUD

ou os erros dos alunos. Perrin-Glorian (1995) salienta que não há, obri-
gatoriamente, coincidência:

- há obstáculos históricos que não têm mais razão de ser para os


alunos atuais; por exemplo, a medição heterogênea como obstá-
culo à instituição de um sistema decimal generalizado.
- há obstáculos para os alunos atuais que não têm, forçosamente,
vestígios na história, já que o contexto cultural mudou (PERRIN-
GLORIAN, 1995, p. 95, tradução nossa).

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IX - Epistemologia e didática
da matemática

Neste capítulo queremos destacar a importância de uma análise


epistemológica em didática da matemática, relembrando que a episte-
mologÍa é o estudo da constituição dos conhecimentos científicos tanto
na sua gênese histórica, na sua reconstrução mental em cada sujeito,
como nas su~s articulações numa dada etapa do desenvolvimento do
saber científico.
A didática da matemática estuda as situações para a aquisição de
certos conhecimentos pelos alunos, estudantes ou adultos em formação,
tanto do ponto de vista das características dessas situações como das
características da aprendizagem que elas possibilitam. Por esse fato,
a didática da matemática congrega conceitos de diversas disciplinas:
matemática, epistemologia, linguística, psicologia, sociologia, ciência
da educação etc. A particularidade da didática em relação a essas disci-
plinas se encontra na dimensão epistemológica de suàproblemática, que
considera a especificidade dos conhecimentos em jogo. ,
É importante, para o pesquisador em didática da matemática, levar
em conta as relações entre epistemologia e didática, ou seja, as neces-
sidades formuláveis em termos de conhecimento dos processos pelos
quais os conceitos matemáticos se formam e se desenvolvem, e, mais
geralmente, de conhecimento das características da atividade matemática
(ARTIGUE, 1990).

1. Epistemologia - Objetos do saber científico -


Objetos de ensinamento

De acordo com os resultados de vários pesquisadores em didáti-


ca da matemática, incluindo a publicação de Artigue (1990), a análise
epistemológica pode auxiliar o pesquisador a ter uma atitude crítica a
respeito das concepções que um indivíduo possa construir a partir de

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SAooo Aa ALMOULouo

sua convivência e de sua vivência com a matemática e suas ferramentas.


Uma análise epistemológica dos saberes matemáticos pode constituir
um instrumento muito eficaz na compreensão dos elementos históricos
constitutivos desses saberes, destacando a compreensão sobre:
• os conceitos matemáticos que o ensino tradicional apresenta
geralmente sob forma dogmática;
• as noções "matemáticas", como, por exemplo, o rigor matemático.
A respeito do rigor matemático, vários estudos epistemológicos e
didáticos mostram a evolução do significado dessa noção na história, de
acordo com o meio social em que se desenvolve. Por exemplo, a análise
epistemológica feita por Barbin ( 1988) sobre a demonstração evidencia
a evolução da noção de rigor, sua dependência com os domínios mate-
máticos visados e com o nível de elaboração dos objetos manipulados,
em diferentes épocas.
No seu estudo histórico, Arsac ( 1988) destaca três grandes etapas
que marcaram a evolução histórica da demonstração.
1. Gênese, na antiguidade grega: a demonstração aparece como
um ato social que tem por objetivo convencer. Para os gregos,
a ciência era o conhecimento verdadeiro e certo. Uma pro-
priedade é conhecida cientificamente quando sabemos que ela
é, mas, sobretudo, por que ela é e que ela não pode ser outra.
A demonstração é, então, da ordem da convicção num debate
contraditório.
2. No século XVII, a significação da demonstração evoluiu: seu
.objetivo passou a ser esclarecer e não mais convencer. A von-
tade de inventar e de esclarecer deveu-se à importância dada
à elaboração e explicação de novos conhecimentos. Tal fato
explica a importância dos métodos de descoberta. A palavra
"esclarecer" parece significar "fazer compreender o motivo
pelo qual um enunciado é certo" e, para isso, é necessário fazer
coincidir demonstração e método de descoberta.
Ilustramos esta parte com um exemplo dado por Rouche (1989)
sobre a congruência de triângulos: ,

Primeiro caso de congruência de triângulos: Dois triângulos são


congruentes se eles têm um âl)gulo igual entre lados iguais cada
uma cada um.
A demonstração de Euclides consiste em considerar dois triãn-
gulos particulares (ABC e DEF) supondo A= " B/\ e, AB = DE
eAC = DF.

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FlJNOAMENTí)S IJA IJll)ÁTI 'A DA MATI.MÁTICA

Transporta-se ei1lão o primeiro triângulo sobre o segundo de modo


que A coincida com o ponto D e que AB tome a direção de DE.
Constata-se, então, sucessivamente, graças às hipóteses, que B
coincide com E, que AC toma a direção de DF e, enfim, que C
coincide com F, o que termina a demonstração (ROUCHE, 1989,
p. 11, tradução nossa).

A D

B E

e F
FIGURA 17

A demonstração de Euclides permite convencer, mas, a nosso ver,


ela não permite esclarecer.
A análise histórica permitiu que Barbin ( 1988) chegasse a conclu-
sões epistemológicas e didáticas, como a da existência de demonstrações
que só comprovam e de outras que, além de comprovar, explicam.
3. Evidencia a "volta", no século XIX, do rigor e a aparição do
formalismo, ou seja, de uma nova concepção dos objetos
matemáticos. Essa visão da demonstração se apoia sobre um
formalismo muito diferente do pensamento grego, porque os ob-
jetos matemáticos definidos pela axiomática não têm existência
objetiva porque devem satisfazer o princípio da não contradição
à matemática.
Para Barbin ( 1988), o ato de demonstrar pode ter várias signifi-
cações. Em consequência, toda abordagem didática da demonstração
necessita de uma reflexão epistemológica que passa por duas questões:
qual é essa significação para o aluno? Qual é essa significação para o
professor? A autora acredita que se a demonstração tem por significação
esclarecer, tornar evidente e certo, então o método de resolução pode
valer como demonstração. Assim, o aluno que adota um método para
resolver um problema pode ficar satisfeito e não dar nenhuma explicação
sobre a sua estratégia de resolução. Pelo contrário, se o professor entende
que a demonstração tem por significação convencer, ele esperará dos
alunos uma outra postura. ~ importante que os professores saibam que
a noção de demonstração não tem um significado absoluto.

151

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SAooo Ao ALMOULouo

Por outro lado, a análise epistemológica permite perceber que os


problemas de fundamento não são sempre os primeiros a ser estudados
em matemática. Por exemplo: os fundamentos teóricos da análise foram
estudados depois de séculos de utilização dos conceitos como ferramentas
para a resolução de problemas.
Um dos pontos importantes de uma análise epistemológica é, ainda,
permitir ao pesquisador em educação matemática perceber a diferença
entre o saber "científico" e o saber "ensinado", pois esta análise lhe per-
mite compreender a gênese da evolução do conhecimento científico.

2. Epistemologia e a teoria das situações didáticas


Como pesquisador da aquisição dos conhecimentos matemáticos, o
pesquisador em didática enfrenta o problema ligado à análise ou à elabora-
ção da gênese do conhecimento, ponto importante de uma análise didática
quando se trata de estudar um processo de ensino e aprendizagem.
Um exemplo da importância do estudo epistemológico é destacado
por Artigue (1990): a análise epistemológica levanta algumas questões
globais e fundamentais para guiar a produção de engenharias didáticas, bem
como a análise do ensino usual. As reflexões do pesquisador em didática da
matemática que se utiliza da metodologia da engenharia didática permitem
responder às seguintes questões, por meio do estudo epistemológico:
• O que devemos transpor no ensino dos saberes científicos e de
suas inter-relações?
• Há uma transposição mínima ou um conjunto de transposições
mínimas a respeitar para não descaracterizar o significado desses
saberes?
• É possível fazer essa transposição e sob quais condições?
• Em que as transposições podem ou devem depender dos públicos
visados pelo ensino?
• Quais são as condições e os entraves ligados às transposições
clássicas? Quais são seus efeitos?
As respostas para essas questões podem ser encontradas nos
estudos didáticos feitos para fundamentar às decisões e análises, com
ferramentas pertencentes à teoria das situações (BROUSSEAU, 1986),
aos conceitos de dialética ferramenta-objeto e de jogos de quadros (DOU-
ADY, 1992), às mudanças de pontos de vista (ROGALSKY, 1999 15), aos
registros de representação semiótica (DUVAL, 1995) etc.
15
Baseado em notas de curso ministrado na PUC/SP em 1999.

152

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'
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

3. Epistemologia e .obstáculos
A análise epistemológica é de suma importância para o pesquisador
em didática da matemática, pois a identificação dos obstáculos que ela
propicia facilita a distinção entre as dificuldades geralmente encontradas
no processo de ensino e/ou de aprendizagem de noções matemáticas
daquelas que são realmente inevitáveis porque são constitutivas do de-
senvolvimento do conhecimento.
_ Assim, para a construção de engenharias didáticas, por exemplo,
a análise epistemológica nos dá uma resposta (parcial ou total) às se-
guintes questões: quais obstáculos podemos (ou devemos) evitar? Quais
obstáculos não devemos evitar? Como então superá-los? (BROUSSEAU,
1986) ·
Em seu estudo, Artigue ( 1990) salienta que as análises histórica e
epistemológica evidenciam, também, que uma concepção errônea para
o matemático atual pode ter sua origem e, sobretudo, ter-se revelado
profundamente produtora, num dado momento da evolução histórica.
Podemos fazer a hipótese de que tal concepção era, para essa determinada
época, a mais produtora possível, levando em conta o nível de elaboração
conceituai dos objetos matemáticos em jogo. O que podemos transpor
dessa realidade.histórica, mais geralmente, no ensino e por quê?

4. Epistemologia e concepções

4.1 A noção de concepção


A palavra concepção foi utilizada por muitos anos nas pesquisas
sobre a aprendizagem e o ensino da matemática, mas nem sempre foi
claramente definida. Neste trabalho, o termo concepção será usado no
sentido de Artigue (1990).
Segundo a autora, a noção de concepção na didática da matemática
atende às seguintes necessidades:
• evidenciar a pluralidade ·dos pontos de vista possíveis num
mesmo objeto matemático, diferenciar as representações e os
modos de tratamento que lhe são associados, evidenciar sua
adequação à resolução de problemas;
• auxiliar o pesquisador em didática da matemática a questionar a
suposta clareza da comunicação didática proposta pelos modelos
empiristas da aprendizagem, permitindo-lhe diferenciar o saber

163

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SAooo Ao ALMOULOUD

que o ensino quer transmitir e os conhecimentos efetivamente


construídos pelos alunos.
Segundo essa autora, na didática da matemática temos dois tipos
diferentes de "concepções":
• as concepções matemáticas a priori, possíveis para uma dada
noção;
• as concepções desenvolvidas pelos alunos no seu ambiente
cultural ou no quadro de um processo de aprendizagem.
Chama concepções espontâneas as concepções de uma noção
desenvolvidas pelos alunos antes que ela seja oficialmente objeto de
aprendizagem.
Artigue define uma concepção como um ponto de vista local sobre
um dado objeto, caracterizado por:
• situações que lhe servem de ponto de partida: situações ligadas
à aparição da concepção ou para as quais ela constitui um ponto
de vista particularmente bem adequado;
• sistemas de representações mentais, icônicas, simbólicas;
• propriedades, invariantes, técnicas de tratamento, métodos es-
pecíficos (implícitos ou explícitos).
De fato, as concepções são modelos construídos pelo pesquisador
para analisar as situações do ensino e os comportamentos cognitivos dos
alunos. Elas permitem interpretações, previsões, construção de mode-
los, mas a pretensão desses modelos é somente descrever uma parte do
funcionamento mental do aluno.
Tomemos, como exemplo, uma pesquisa desenvolvida por Artigue
e Robinet (1982). A pesquisa tinha por objetivo analisar as concepções
de circunferência que crianças de 7 a 1O anos mobilizavam diante de
situações envolvendo tal objeto matemático. A problemática da pesquisa
se apoiou essencialmente nas seguintes questões:
• Quais são as concepções de circunferência mobilizáveis em
crianças de 7 a 1O anos? '
• Como essas concepções funcionam umas em relação às outras
segundo as situações? Qual é o grau de mobilidade delas?
• O que devemos esperar de uma aprendizagem neste domínio,
para crianças desta idade?
No quadro da problemática definida, e com intuito de analisar as
concepções dos alunos, as autoras propuseram situações-problema que
tinham características suficientemente variadas para favorecer a aparição
de diferentes concepções de circunferência.

154

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FUNDA MENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Artigue e Robinet ( 1982) procuraram diferentes caracterizações de


circunferên~ia e tentaram evidenciar para cada uma delas os elementos
geométricos e as relações privilegiadas entre seus elementos. Assim, as
autoras exibiram 11 definições (de D I a D 11 , cf. anexo) e associaram, a
cada uma delas, uma concepção de circunferência. O quadro teórico assim
definido é utilizado em seguida para analisar as observações.
_ Para desenvolver o processo da pesquisa, Artigue e Robinet ( 1982)
fizeram uma e~perimentação cujos objetivos eram:
• construir uma sequência que permitisse produzir dados inter-
pretáveis em termos de concepções de circunferência, com ou
sem os processos de resolução do aluno; e
• construir situações nas quais uma análise a priori fizesse apare-
cer a possibilidade teórica da aparição de várias concepções.
· As situações propostas têm as seguintes características:
• três situações privilegiando a propriedade da circunferência de
ser uma figura de "curvatura" constante;
• uma situação de trajetória circular;
• uma situação de traçado geométrico e de formulação.
As definições ( cf. anexo) propostas são todas logicamente equi-
valentes e se referem ao mesmo objeto matemático, mas correspondem
a distintas maneiras de definir uma circunferência, de utilizar suas pro-
priedades e evidenciam elementos geométricos e relações diferenciadas
entre tais elementos.
A partir da análise dessas definições, as autoras fizeram a seguinte
classificação em termos de concepção:
• Nas definições D 1, D 7 e DIO' a circunferência é apresentado como
um conjunto de pontos e nas demais, como uma curva. Obser-
vam-se dois pontos de vista diferentes: uma concepção pontual
(no primeiro caso) e uma concepção global (no segundo caso).
• Além dessa distinção pontual-global, temos uma distinção entre as
definições estáticas e as definições nas quais intervém a ideia de
movimento que Artigue e Robinet classificam como dinâmicas.
Por exemplo, a definição D 10 é a única que pode ser classificada
como dinâmica; a conservação por isometria, que aparece em D 3, é
apresentada de modo estático.
É importantíssimo observar a distinção entre o objeto matemático,
que é único, e as concepções variadas que se podem associar a ele.
A diferenciação entre as concepções apoia-se no critério pontua/-
global, estático-dinâmico e, também, na análise dos elementos geométri-

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SADDO AG A.LMOULOUD

cos de suas propriedades, além das relações privilegiadas entre elementos


em cada definição.
Ainda segundo as autoras, a uniformidade das definições e dos
exercícios nos livros escolares esconde, de fato, a riqueza e a comple-
xidade das concepções que podem ser associadas a esses objetos. Ela
tende a impor, no ensino, um ponto de vista único, estático e pontual,
privilegiando o centro e o raio (como medida) sem levar em conta os
conhecimentos mais ou menos elaborados que a criança possui quando
se defronta com esse ensino. .
A pesquisa mostrou que, diante das situações adequadas, as crian-
ças dessa idade eram capazes ·q.e trabalhar com diversas concepções da
circunferência:
• circunferência como figura, tendo mesma "medida" em todas as
direções do plano (situação de reconhecimento de formas);
• circunferência como trajetória de ponto rigidamente ligada a um
ponto fixo (trajetória da extremidade de uma porta);
• circunferência como conjunto de pontos equidistantes de um
dado ponto (construção geométrica);
• circunferência como figura de curvatura constante;
• circunferência como figura invariante por rotação centrada no
seu centro;
• circunferência como figura invariante por deslocamento nela
mesma.

4.2 A análise epistemológica


A análi_se epistemológica apoia-se no desenvolvimento histórico
do conceito. Assim, permite identificar as diferentes concepções sobre
um determinado objeto, como também permite agrupá-las em classes
pertinentes para que se possa fazer uma análise didática.
'
Este tipo de análise pode auxiliar o pesquisador em didática da
matemática a entender melhor as relações entre os objetos matemáticos
e controlar as variáveis didáticas relacionadas com o processo de ensino
e aprendizagem de tais objetos.
Nas pesquisas em didática da matemática, a análise feita apoia-
se, geralmente, nas "concepções matemáticas" a priori possíveis e nas
concepções desenvolvidas pelos alunos no seu ambiente cultural ou no
quadro de um processo de ensino e de aprendizagem. A identificação das
principais concepções matemáticas relativas a um dado objeto, apoiando-

156

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

se, às vezes, no estudo histórico-epistemológico, constitui um quadro de


referência para a análise das concepções dos alunos.
Concluímos com Artigue (1990) para salientar que, mesmo que
a noção de concepção seja uma ferramenta útil e eficaz para estudar o
comportamento cognitivo dos al_unos, o aprendiz não é redutível a esse
tipo de análise cognitiva. As relações que o sujeito mantém com os
objetos matemáticos dependem das representações que o aluno forjou
globalmente a partir da atividade matemática, da ou das maneiras de
aprender a matemática, de sua posição em relação à matemática e, mais
globalmente ainda, de seu status de aluno. A_s interpretações em termos de
concepções que podemos fazer das observações dos alunos não são, então,
'-
necessariamente as únicas pertinentes, nem mesmo as mais pertinentes.
É necessário con~ebê-las como interpretações possíveis suscetíveis de
co~petir com outras na análise de fenômenos didáticos.

5. Exemplos de análise epistemológica


sobre os números negativos
Apresentamos, na sequência, dois exemplos de análise epistemoló-
gica de um conceito matemático, geralmente considerado por professores
de Ensino Fundamental como de fácil compreensão pelos alunos desse
nível-de ensino. A análise diz respeito ao conceito de números inteiros
negativos e à regra dos sinais. -

5.1 Estudo de Glaeser (1981)


Os estudos realizados por Glaeser (1981) e Schubring; (1986)
mostram que antes da conceituação dos números negativos houve muitas
divergências sobre sua existência. Percebeu-se que, na evolução do status
dos números negativos, sua própria existência consistia um problema
tanto na matemática quanto na didática da matemática.
O nome números relativos, escolhido para designar o conjunto dos
números inteiros positivos e negativos, vem de Carnot ( 1753-1823) e de
sua refutação do estatuto matemático dos números negativos.

Exemplo 1: A régra dos sinais (Glaeser, 1981)


O exemplo que apresentamos vem de uma pesquisa de G. Gla-
eser sobre os números negativos, mais especificamente sobre a "regra
dos sinais".

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SADoo AG ALMouw uo

Por meio do estudo histórico do desenvolvimento dos números


negativos, este autor identificou uma dezena de obstáculos que criaram
dificuldades na compreensão dos números negativos.

Lista dos obstáculos ou dificuldades identificados (segundo Glaeser)


1. Inabilidade para manipular quantias negativas isoladas;
2. Dificuldade para dar um sentido a quantias negativas isoladas;
3. A unificação da reta numérica;
4.Ambiguidade dos dois zeros;
5.A estagnação ao estágio das operações concretas (por oposição ao
estágio das operações formais) como sendo a dificuldade de se
descartar de um sentido "concreto" dado aos seres numéricos;
6. Busca de um modelo unificador: encontrar um "bom" modelo
aditivo, válido para o modelo multiplicativo.
A origem da regra dos sinais é geralmente atribuída a Diophante
de Alexandria (final do século III), que não faz referência alguma aos
números negativos. No entanto, no Livro I de Aritmética ele escreve:
o que falta, multiplicado pelo que falta, dá o que é positivo; mas o que
falta multiplicado pelo que é positivo, dá o que falta (apud GLAESER,
1981, p. 311 ). No quadro abaixo encontramos os nomes de matemáticos
famosos que superaram os diferentes obstáculos identificados na história
desta evolução (o sinal + significa que o autor superou os obstáculos e
o sinal - significa a não superação).

Obstáculos
1 2 3 4 5 6
Autores
Dioohante -
Simon Stevin + - - - - -
Réné Descartes + ? - ?
Colin MacLaurin + + - - + +
Leonardo Euler + + + ?. - -
Jean D'Alembert + - - - - -
LaurtCamot + - - - - -
Pierre de Laplace + + + ? - ?
Au2UStin Cauchy + + - - + ?
Herman Hankel + + + + + +
QUADRO 5 - MATEMÁTICOS FAMOSOS QUE SUPERARAM OBSTÁCULOS
FONTE: GLAESER, 1981, p. 309

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

A designação números negativos não aparece no trabalho de Dio-


phante. A regra (-)x(-) = (+) foi utilizada como procedimento transitório
antes de obter um resultado aceitável em que se possa notar a superação
do obstáculo ( 1). Também na matemática indiana observa-se que este
povo não se preocupou em explicar por que "negativo multiplicado por
negativo dá positivo".
Para Simon Stevin ( 1540-1620), número é o que pelo qual se
explica a quantia de cada coisa (GLAESER, 1981, p. 312). Contudo, o
número negativo isolado falta na lista de St~vin, que não questiona sua
existência. Ele não tem dificuldade em provar que os números decimais,
fracionários, irracionais etc. intervêm efetivamente como símbolo de
medida, e considera 1 como número, utilizando os números negativos
como "artificio de·cálculo", embora apresente dificuldade para interpre-
tar as·soluções negativas de uma equação. Considera ainda as soluções
negativas das equações como soluções positivas da transformada de -x
(ou seja, ao encontrar -2 como solução de uma equação de tipo x 2 + px
= q, isso significa que +2 é uma solução da equação x2 -px = q).
Glaeser ( 1981) chama esse fenômeno de sintoma de evitação,
pois se trata de imaginar um procedimento que permite evitar o uso dos
números negativos. Outro exemplo desse sintoma: no Dicionário ma-
temático, de Jacques Ozanan (1691), distingue-se, na parte de sua obra
intitulada "raiz", a raiz verdadeira, falsa, ou imaginária: a ra.iz falsa é
o valor rejeitado da incógnita da equação.
No século XVII, nota-se a aparição natural dos números negativos
em razão de sua eficiência na resolução de problemas, mas detecta-se um
mal-estar na elaboração de livros didáticos. Sob o efeito dos obstáculos
(3) e (4 ), a compreensão da regra dos sinais não pode ser bem assimilada.
Ozanan mostra reconhecer, ainda que implicitamente, a não legitimidade
de se considerar o zero - absoluto, sendo, porém, perfeitamente legítimo
considerar o zero - origem.
Percebe-se com MacLaurin ( 1698-1746) um progresso espetacular
na direção de uma compreensão dos números negativos. Mas, não tendo
superado os obstáculos (3) e (4), não conseguiu apresentar uma teoria
de números inteiros com a facilidade esperada.
Euler declara que qm "número negativo" é representado por uma
letra precedida do sinal"-", o que indica uma visão "simplista" do que
hoje em dia designa o oposto de x. Pode-se inferir na estratégia de Euler
uma recusa de pensar sobre os números negativos sob a ótica de suas
propriedades, comparativamente com os números positivos.

159

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SADDO AG ALMOULOUD

D' Alembert ( 1717-17 83) e Carnot também participaram do progres-


so matemático no domínio dos números relativos, por meio das questões
que colocavam sempre que surgia uma utilização dos números negati-
vos que lhes parecia estranha. Sob a influência dessas questões, Mõbius
( 1790-1868) e Chasles ( 1793-1880) elaboraram a geometria orientada,
utilizando, em particular, todo um eixo para representar a reta numérica
(ao contrário de Descartes (1596-1650) ou de Cramer (1704-1752), que
desenvolveram um raciocínio sobre duas semirretas opostas).
Para poder formular e fazer funcionar as fórmulas de Chasles
precisou-se, segundo Glaeser, operar uma mudança de ponto de vista.
O pré-requisito era a superação do obstáculo (3), q,ue deveria permitir a
identificação de um ponto sobre uma reta, não por uma distância a partir
da origem, mas sim por sua coordenada, tal como utilizado atualmente.
Os primeiros problemas de natureza epistemológica se situavam no
fato de o número positivo ser considerado como representação de um objeto
concreto, enquanto as quantias negativas seriam ficções. Nessa ótica, po-
demos observar que o zero não foi o obstáculo mais dificil a ser superado.
Para Euclides (~325 a.c.-~265 a.C.), por exemplo, os números serviam
para demonstrar magnitudes, mas 1 não era considerado um número.
Mas a passagem para os números negativos era ainda o obstáculo
mais temível, por causa das duas significações do zero, identificadas no
discurso dos diversos autores, sem que se faça uma discussão levando
às distinções necessárias.
Em meados do século XIX, os números negativos conquistaram
um status igual ao dos números positivos, período que se caracterizou
por uma compreensão satisfatória das propriedades aditivas. No entan-
to, uma importância predominante dos obstáculos ( 5) e (6) obrigava a
um esforço para a descoberta de uma justificativa para a existência dos
números inteiros isolados, ou seja, o número como objeto matemático,
e, portanto, coino entidade abstrata.
A esse respeito, Duhamel ( 1866) comenta o curso de Laplace
(1749-1827) (apudGLAESER, p. 333): Toda demonstração de regras
sobre as quantias negativas isoladas é unicamente uma ilusão, porque
não faz sentido fazer operações aritméticas sobre coisas que não são
números e que não têm nenhuma existência real.
Em 1821, Auguste Cauchy (1789-1857), no seu curso destinado
aos estudantes da Escola Politécnica, faz uma distinção clara entre os
números (reais positivos) e quantias (números relativos), que ele apre-
senta de uma maneira uni.ficada. O sinal é assimilado como um estado

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

que simboliza um adjetivo. Assim aparecem indícios de uma confusão


entre (+ ou -) os sinais operatórios e os sinais predicativos, em que os
primeiros designam uma ação (acrescentar, diminuir) e os segundos
qualificam um estado (positivo ou negativo).
Na seguinte definição de Cauchy, percebe-se que ele faz a mesma
confusão entre sinais operatórios e predicativos:

A respeito dessas convenções, se apresentamos por A seja um


número, seja uma quantia qualquer e cons1deramos:
a= +A' b = -A teremos +a= +A' +b =-A ' -a= -A' -b = +A.
Se, n~s quatro últimas equações, substituinnos a e b por seus
valores entre parênteses, obteremos as seguintes fónnulas:
(1) +(+A)= +A, +(-A)= -A
-(+A)=-A, -(-A)=+A
Em cada uma dessas fónnulas, o sinal do segundo membro é o
que se chama o produto dos dois sinais do primeiro. Multiplicar
dois sinais um pelo outro é fonnar seu produto. A inspeção das
equações ( 1) basta para estabelecer a regra dos sinais, logo o
teorema que eu vou enunciar:
Teorema: O produto de dois sinais semelhantes é _sempre +, e
o produto de dois sinais opostos é sempre - (apud GLAESER,
1981, p. 335).

Em 1867 aparece a obra de Hermann Hankel (1839-1873), Teoria


dos números complexos, na qual todos os obstáculos a respeito da teoria
dos números são superados. Assim, segundo Glaeser, apareceu um outro
problema que se manifestou logo no início: o obstáculo da dificuldade
despercebida. O problema da explicação da regra dos sinais foi sempre
uma questão desprezada.
A revolução realizada por Hankel, segundo Glaeser, consiste em
abordar o problema com outra perspectiva: os números inteiros não são
mais descobertos, mas inventados, imaginados.
Conhecendo as propriedades dos números reais e da multiplicação
dos números reais positivos, Hankel propôs explicitamente prolongar
a multiplicação de R+ a R, -respeitando o princípio de permanência: a
estrutura algébrica procurada deve ter boas propriedades, e a existência
e a unicidade do prolongamento resultam do seguinte teorema:

Teorema: A única multiplicação sobre R que prolonga a multi-


plicação usual sobre R+ respeitando a propriedade distributiva (à
esquerda e à direita) é conforme a regra dos sinais.

161

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SAooo Aa ALMOULouo

Demonstração:
O= a x O= a x (b + opp b) = ab + a x (opp b)
O= O x ( opp b) = (opp a) x ( opp b) + a x (opp b)
Logo (opp a) x (opp b) = ab (apud GLAESER, 1981, p. 338,
tradução nossa).

A mudança proposta por Hankel inscreve-se na ruptura de uma


ideologia que impregnou o pensamento matemático até o final do século
XIX, apoiando-se inconscientemente nas relações que a matemática teria
com a realidade fisica.

5.2 Exemplo 2: o estatuto matemático dos


números negativos (SCHUBRING, 1986)
Para Schubring, as controvérsias sobre a existência dos números
negativos se explicam, sobretudo, pelo obstáculo que decorre da passa-
gem da noção de grandeza, que é de natureza substancial, à noção de
número, que é essencialmente teórica.
A rejeição dos números negativos teve consequências importantes no
desenvolvimento da matemática em geral. A importância dada à geometria
pura, sem mistura com a álgebra, fez nascer um novo tipo de geometria:
a "geometria sintética" estabelecida por Carnot, Poncelet (1788-1867) e
Steiner (1796-1863), que impulsionou de forma singular a aparição de uma
nova disciplina matemática: a geometria vetorial. Nessas novas geometrias
se evitava a regra dos sinais. Pensando que isso era uma diminuição para
a álgebra, Mourey buscou um meio de minimizar essa diminuição, o que
o levou a descobrir uma nova geometria: a geometria dos caminhos.
Segundo Schubring (1986), as causas principais da contestação do
estatuto matemático dos números negativos são de três cat-egorias:

5.2.1 Os obstáculos "internos à matemática


O problema central consiste em diferenciar o conceito de quantia
e estabelecer o de número como um novo conceito fundamental e inde-
pendente; pois se trata da aparição dos conceitos: quantia - grandeza
- número, nos quais:
• quantia é, historicamente, o conceito básico para toda a ma-
temática, embora hoje ela não represente mais um conceito
concreto;
• grandeza empresta parte das significações originais de "quan-
tia", por exemplo, aquela de número concreto ou de "números

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

complexos" (como 5 km ou 2 reais) e é utilizada nos programas


escolares como uma noção a partir da qual são desenvolvidos,
por abstração, os "números abstratos", como 5 ou 2;
• número é o conceito central de uma das partes da matemática:
a aritmética.
A ausência de diferenciação entre esses três conceitos constitui
obstáculo à compreensão dos conceitos de variável, de função, de quantia
e da aceitação destes como conceitos básicos da álgebra e-da análise. Um
obstáculo particular foi a d;iferenciação entre módulo de um número e o
sinal da operação sobre o·s números.

5.2.2 Os obstáculos epistemológicos


Para o autor, a epistemologia é o conjunto das concepções man-
tidas sobre as condições de "existência" de objetos matemáticos. Essas
epistemologias são as seguintes:
• uma epistemologia substancialista, segundo a qual os números
são considerados como seres que têm uma existência como
aquela do mundo físico;
• uma epistemologia sistêmica, na qual a existência é justifica~a
pela coerência do campo conceituai; os conceitos só deverão
satisfazer as condições internas à matemática.

5.2.3 A arquitetura da matemática


Para o autor, a "arquitetura da matemática" é também uma categoria
das origens dos obstáculos aos quais vêm se misturar e interagir causas
internas ao desenvolvimento matemático e causas de natureza epistemo-
lógica. Trata-se, particularmente, de concepções sobre a importância da
álgebra e da geometria em relação aos fundamentos da matemática.
Os dois exemplos apresentados contribuem para a compreensão
dos fatores que interferem no processo de ensino e aprendizagem dos
números inteiros e, sobretudo, da regra dos sinais, além de contribuir
para a compreensão das concepções dos professores sobre como se deve
ensinar/aprender a regra dos sinais.
Como as práticas docentes estão intimamente ligadas às suas
concepções sobre a matemática e o ensino desenvolvido no momento
de sua fonnação, essas concepções estão, provavelmente, ligadas às
experiências pessoais, ao ambiente sociocultural presente e passado, ao
período de seus estudos (A. ROBERT; J. ROBINET, 1989) e a outras

163

1
~
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SADDO AG ALMOULOUD

características ainda mais pessoais. A estabilidade das concepções de um


indivíduo apresenta, algumas vezes, resistências à mudança em razão de
equilíbrio pessoal, mas também porque uma parte de suas concepções
corresponde algumas vezes às convicções (eventualmente implícitas, não
percebidas como respostas às questões, mas admitidas, de preferência,
sem que tivéssemos consciência do fenômeno ou sem que pudéssemos
argumentar a respeito). Acreditamos que uma formação de professores
( continuada ou inicial) deve integrar, entre outros aspectos, um trabalho
envolvendo uma análise histórica e epistemológica dos objetos mate-
máticos, que pode ser um fator que provoque nesses professores um
olhar mais crítico de suas práticas docentes. Empregamos as expressões
"práticas docentes" e "práticas em classe" segundo Robert:

Reservamos a expressão práticas docentes ao conjunto das


atividades do professor que norteiam suas práticas pedagógicas
em sala de aula. As práticas em classe designam tudo o que o
professor fala e faz em classe, levando em consideração a con-
sistência de sua preparação, suas concepções e conhecimentos
em matemática, além de suas decisões instantâneas (ROBERT,
2001 , p. 66, tradução nossa).

Anexo: Definição da circunferência

D 1: A circunferência de centro O e de raio Ré, no plano, o conjunto


dos pontos situados a uma distância R de O.
D 2 : Chama-se circunferência toda curva plana, fechada, de classe
C , de curvatura algébrica constante.
2

'
D3 : Chama-se circunferência toda curva homogênea por isometria.
D 4 : Chama-se cir.cunferência toda curva plana, tendo uma infini-
dade de eixos de simetria.
D 5 : Seja ruma curva fechada, plana, convexa (quer dizer, borda
de uma parte convexa G do plano) tendo, em todo ponto, uma tangente.
Para toda direção d, designa-se por ado limite superior dos comprimentos
dos segmentos de direção d contidos no G. r é uma circunferência se,
e somente se:
• para cada direção d, ad é o comprimento de um segmento único
Dd de direção d de G;
• todos os segmentos de D d têm mesmo comprimento; e

164

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F UNDAMENTOS D:\ DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

• todos os segmentos de Dd se interceptam.


D6 : Uma curva plana í é uma circunferência se, e somente se,
existe um ponto O do plano e um real positivo d tais que:
• í determina sobre toda reta passando por O um segmento de
comprimento d; e
• O é o ponto médio desse segmento.
Uma curva é definida por uma aplicação contínua cp do segmento
[O, 1] no plano "quase-injetora": a única exceção admitida- à injetivida-
de é cp(O) = cp( 1). Ela é de classe C2 se ela é duas vezes continuamente
derivável. Ela é homogêne~ por isometria se, e somente se:
v'xer v'yeC3f (fisométrica e f(r) = r e f(x) = y).
D7: A circunferência é o conjunto dos pontos M tais que AM/BM,
A e B sendo dois pontos fixos, seja constante.
D8 : A circunferência é a curva fechada que, para um comprimento
dado, contém a área máxima.
As três definições seguintes são, respectivamente, de Euclides,
Leibniz e Legendre:
D9 : Uma circunferência é uma figura plana contida numa linha só,
chamada circunferência e tal que todas as retas que ligam essa circunfe- '
rência e um dos pontos interiores a essa figura sejam iguais entre elas.
D 10 : Uma linha em movimento colocada de modo que dois de seus
pontos A e B sejam imóveis e um outro ponto qualquer, C, dessa linha
descreva uma circunferência.
D 11 : Uma circunferência é uma linha curva em que todos os pontos
são equidistantes de um ponto interior chamado centro da circunferência.

165

....
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X - Metodologia da engenharia didática

Neste capítulo discursaremos sobre a engenharia didática, uma das


metodologias mais utilizadas nas pesquisas em didática da matemática.
Discutiremos seus fundamentos e buscaremos identificar e caracterizar
as etapas dessa metodologia, tecendo comentários sobre pesquisas que
empregam seus princípios. Mas, antes de tudo, definiremos o que enten-
demos por pesquisa, questão e hipóteses de pesquisa.

1. Definindo ·alguns conceitos


Concordamos com Chizzotti ( 1991) quando afirma que o pro-
cesso de pesquisa é um conjunto de operações sucessivas e distintas,
mas interdependentes, realizadas por um ou mais pesquisadores, a fim ;
de coletar sistematicamente informações válidas sobre um fenômeno
observável para explicá-lo ou compreendê-lo. É um trabalho complexo
que desenvolve a organização pessoal, além de reunir diferentes compe-
tências, tais como escrever, sistematizar, analisar, e domínio de técnicas
especializadas como documentação, instrumentos de pesquisas etc.
(CHIZZOTTI, 1991, p. 35).
As pesquisas em didática da matemática (escola francesa) são ge-
ralmente de tipo experimental e submetem o fenômeno à experimentação
e a uma intervenção a partir da organização sistemática dos fenômenos
observados. Para Chizzotti ( 1991, p. 26),

A experimentação significa que se recorre à experiência, ou seja,


os fatos e acontecimentos são apreendidos em um contexto de
normas constantes e, por isso, podem ser sistematicamente obser-
vados, deliberadamente organizados e sujeitos a uma intervenção
planificada para permitir inferências e previsões sobre os fatos
que se dêem nas mesmas condições.

O mesmo autor propôs uma organização de uma pesquisa em


quatro fases:

167

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SAooo Ao ALMouLouo

1.ª Fase 2.• Fase

A determinação do problema A organização da pesquisa


• Selecionar o assunto; • Descrever o objeto (ou problema da pesquisa em relação a
um referencial teórico);
• Definir e formular o problema da
pesquisa; • Formular as hipóteses de trabalho;
• Reunir e selecionar a documen- • Determinar a fórmula de experimentação ou descrever os
tação sobre o assunto-problema a métodos escolhidos para coletar ou completar os dados;
ser pesquisado;
• Construir os instrumentos necessários à coleta de dados;
• Elaborar a revisão da literatura
sobre o problema da pesquisa. • Definir a população da pesqujsa ou da experimentação;
• Planificar a coleta de dados.
3.1 Fase 4.ª Fase

Execuçtlo da pesquisa de campo Redação do texto


• Estabelecer um programa de • Redigir o texto preliminar, explicando o fenômeno
trabalho; observado;
• Coletar os dados; • Redigir o texto definitivo, incorporando, no texto,
indicações e criticas pertinentes.
• Analisar os resultados.

QUADRO 6 - PROCESSO DE PESQUISA


FONTE: CHIZZOTTI, 1991, p. 36

Segundo Lakatos e Marconi ( 1991, p. 126), o tema de uma pesquisa


é o assunto que se deseja provar ou desenvolver, uma dificuldade, ainda
sem solução, que é mister determinar com precisão, para intentar, em
seguida, seu exame, avaliação crítica e solução. Segundo os autores, a
formulação de um problema indica exatamente qual a dificuldade que
se pretende resolver. Acrescentam, ainda:

Formular um problema consiste em dizer, de maneira explícita,


clara, compreensível e operacional, qual a dificuldade com a qual
nos defrontamos e que pretendemos resolver, lhnitando o seu cam-
po e apresentando suas características. Desta forma, o objetivo da
formulação do problema da pesquisa é tomá-lo individualizado,
específico, inconfundível (RUDIO, 1978, p. 75, apudLAKATOS;
MARCONI, 1991, p. 126).

Kõche (2000) esclarece que a delimitação do problema define


os limites da dúvida, explicitando quais variáveis estão envolvidas na
investigação e como elas se relacionam. Argumenta que:

O problema é, portanto, um enunciado interrogativo que questiona


sobre a possfvel relação que possa haver entre (no mínimo) duas
variáveis, pertinentes ao objeto de estudo investigado e passível

168

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FUNDAM ENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

de testagem ou observação empírica (KÕCHE, 2000, p. 108,


tradução nossa).

Segundo Robert (1992):

as pesquisas em didática da matemática são frequentemente


articuladas em torno de uma questão que nós colocamos sobre
uma aprendizagem ou sobre um problema de ensino, ou ainda,
sobre uma hipótese que procuramos confirmàr (particularmente
a existência de uma regularidade entre um certo tipo de ensino
e um cer~o tipo de aprendizagem, para uma maioria de alunos)
(ROBERT, 1992, p. 38, tradução nossa).

Para nós, a problemática de uma pesquisa é o conjunto de ques-


tões coordenadas que se coloca num determinado quadro teórico para
esclarecer o problema levantado e os objetivos do estudo. Ela introduz
a metodologia da pesquisa e apresenta as conclusões esperadas sob a
forma de questões abertas, induzidas pelo quadro teórico escolhido.
Ainda segundo Robert ( 1992):

trata-se de inscrever o questionamento em um conjunto teárico


mais amplo, coerente, no qual as noções utilizadas têm uma
conotação precisa e, ao mesmo tempo, passar das questões mais
ou menos gerais para questões ou hipóteses acessíveis em uma
pesquisa no quadro de referência escolhido (ROBERT, 1992,
p. 38-39, tradução nossa).

Dessa forma, o objetivo da pesquisa é confirmar ou refutar con-


tribuições teóricas a partir de uma argumentação que.se apoia em uma
experimentação. A problemática refere-se aos artigos e obras atestados ou
trabalhos que tratam do assunto em um processo de validação-refutação,
propondo as etapas da pesquisa e da experimentação, além de definir
como esse plano corresponde aos objetivos.
Quanto à hipótese de pesquisa, concordamos com Lakatos e
Marconi ( 1991) quando definem que a hipótese de uma peiquisa é um
enunciado geral de relações entre variáveis (fatos, fenômenos):

• formulado como solução provisória para um determinado


problema;
• apresentando caráter ou explicativo ou preditivo;

169

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SADDO AG ALMOULOUD

• compatível com o conhecimento científico (coerência externa)


e revelando consistência lógica (coerência interna);
• sendo passível de verificação empírica em suas consequências
(LAKATOS; MARCONI, 1991, p. 125).

As pesquisas em ciências humanas são classificadas segundo os


objetivos e o planejamento de investigação. Existem (no mínimo) quatro
tipos de pesquisas que levam em conta o procedimento geral que é utili-
zado para investigar o problema, segundo Kõche (2000, p. 122-126):
• Pesquisa bibliográfica: desenvolve-se tentando explicar um
problema.
• Pesquisa experimental: o investigador analisa o problema,
constrói suas hipóteses e trabalha manipulando os possíveis
fatores, as variáveis, que se referem ao fenômeno observado,
para avaliar as relações preditas pelas hipóteses.
• Pesquisa descritiva, não-experimental, ou ex post facto: estuda
as relações entre duas ou mais variáveis de um dado fenôme-
no, sem manipulá-las. Nessa pesquisa não há a manipulação a
priori das variáveis. É feita a constatação de sua manifestação
a posteriori.
• Pesquisa exploratória: esse tipo de pesquisa tem grande utiliza-
ção, principalmente nas ciências sociais. Nessa pesquisa não se
trabalha com a relação entre variáveis, mas com o levantamento
da presença das variáveis e da sua caracterização quantitativa
ou qualitativa.
A maioria das pesquisas em didática da matemática é de tipo expe-
rimental. Uma das características estratégicas em tais pesquisas (escola
francesa) é o duplo movimento de teorização e de provas experimentais.
Nesse processo.é importante buscar respostas, pelo menos, às seguintes
indagações:
• O que é variável?
• O que se considera como fixo?
• O que se estuda e qual tipo de resultado se quer obter, com os
meios disponíveis?
• Onde se situa o assunto abordado no sistema do ensino?
• Quais são as variáveis potenciais?
A identificação das variáveis potenciais pode, minimamente, garan-
tir uma certa generalidade das explicações dos fenômenos observados.

170

Scanned by CamScanner
,....

FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Se as variáveis didáticas potenciais não forem cuidadosamente


identificadas, nada garante a generalidade das explicações dos
fatos observados e os efeitos do artefato utilizado podem ocorrer,
independentemente do controle do experimentador (ROBERT,
1992, p. 40, tradução nossa).

Enfim, é no quadro da problemática definida acima que interpreta-


mos os resultados obtidos, porque escolhemos as 'variáveis (as dimensões,
os fatores que têm influência sobre o que estamos estudando), o ponto
de vista e a participação da realidade.

2. Engenharia didática: uma


metodologia de pesquisa
A noção de engenharia didática emergiu na didática da matemática
(enfoque da'didática francesa) no início dos anos 1980. SegundoArtigue
(1988), é uma forma de trabalho didático comparável ao trabalho do
engenheiro que, para realizar um projeto, se apoia em conhecimentos
científicos da área, aceita se submeter a um controle de tipo científico,
mas, ao mesmo tempo, é obrigado a trabalhar objetos mais complexos
que os objetos depurados da ciência.
A engenharia didática, vista como metodologia de pesquisa, é
caracterizada, em primeiro lugar, por um esquema experimental com
base em "realizações didáticas" em sala de aula, isto é, na construção,
realização, observação e análise de sessões de ensino. Caracteriza-se
também como pesquisa experimental pelo registro em que se situa e
pelos modos de validação que lhe são associados: a comparação entre
análise a priori e análise a posteriori. 16 Tal tipo de validação é uma das
singularidades dessa metodologia, por ser feita internamente, sem a
necessidade de aplicação de um pré-teste ou de um pós-teste.
A engenharia didática pode ser utilizada em pesquisas que estudam
os processos de ensino e aprendizagem de um dado objeto matemático e,
em particular, a elaboração de gêneses artificiais para um 9ado conceito.
Esse tipo de pesquisa difere daqueles que são transversais aos conteúdos,
mesmo que o suporte seja o ensino de um certo objeto matemático (um
saber ou um saber-fazer).

16 Detalharemos mais adiante as especificidades de uma análise a priori e de uma aná


lise a posteriori.

171

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SAooo Ao ALMOULouo

2.1. As diferentes fases da metodologia da


engenharia didática
2.1.1 As análises prévias
Em uma pesquisa cuja metodologia é fundamentada nos pressu-
postos da engenharia didática, podemos identificar algumas fases de
seu desenvolvimento que tomam como base um quadro teórico geral da
didática. Um dos objetivos das análises prévias é identificar os proble-
mas de ensino e aprendizagem do objeto de estudo e delinear de modo
fundamentado a(s) questão(ões), as hipóteses, os fundamentos teóricos e
metodológicos da pesquisa. A primeira fase é aquela na qual se realizam
as análises preliminares, que pode comportar as seguintes vertentes:

a) Estudo da organização matemática


• estudar a gênese histórica do saber em estudo e suas manifesta-
ções antigas ou contemporâneas, suas funcionalidades na mate-
mática e os obstáculos epistemológicos relativos ao conceito;
• analisar a estrutura matemática do conceito investigado;
• analisar o ensino usual e seus efeitos;
• evidenciar os saberes (matemáticos) e os conhecimentos (matemá-
ticos e/ou culturais ou pessoais) relacionados com o saber visado;
• analisar as condições e fatores de que depende a construção
didática efetiva das situações de ensino;
• considerar os objetivos específicos da pesquisa.

b) Análise da organização didática do objeto matemático escolhido


Neste tópico, deve-se: ,
! .Analisar as diferentes instituições de ensino em que o saber deve ser en-
sinado/aprendido e estudar a evolução do tratamento do conceito;
2. Fazer uma análise das propostas curriculares e dos PCNs;
3.Analisar livros didáticos. É imprescindível fazer uma análise
crítica das estratégias e escolhas feitas pelos autores dos livros
didáticos, enfatizando essencialmente os aspectos seguintes:
• O papel da história e da epistemologia levado em consideração
no estudo do objeto matemático;
• Os obstáculos que podem ser superados ou não, justificando
a resposta dada;
• As concepções possíveis que os alunos podem desenvolver a
partir da abordagem proposta;

172

Scanned by CamScanner
FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

• As variáveis didáticas levadas em consideração nas escolhas


feitas pelo autor do livro; é necessário, também, identificar as
variáveis pertinentes que não foram levadas em consideração;
• Fazer uma análise praxeológica de tipos de tarefas propostos
e seus possíveis efeitos sobre as aprendizagens pensadas
(efeitos do contrato didático e de transposição didática).
4. Estudar as concepções de alunos e/ou de professores a propósito
dos saberes em j~go. Tal aspecto necessita da elaboração e da
aplicação de um instrumento de coleta de dados;
5. Levantar referências bibliográficas sobre os fatores que interfe-
rem nos processos de ensino e de aprendizagem do objeto em
questão (artigos, livros, revistas, dissertações, teses etc.). ·

e) Definição da(s) questão(ões) da pesquisa


Os estudos realizados nos itens a) e b) auxiliam o pesquisador na
definição da(s) questão(ões) e hipóteses da pesquisa. Consequentemente,
é imprescindível, antes de delimitar a(s) questão(ões) da pesquisa, levar
em consideração os seguintes aspectos:
·• fazer ·um resumo dos principais problemas relacionados com:o
ensino e a aprendizagem da noção estudada;
• relatar os principais resultados das pesquisas didáticas sobre o
tema em estudo;
• destacar o(s) problema(s) de ensino e de aprendizagem .
que será(ão) objeto da pesquisa em andamento, e para o(s)
qual(quais) se pretende buscar uma solução;
• definir a(s) questão(ões) da pesquisa e justificar as escolhas feitas;
• apresentar as hipóteses da pesquisa e uma justificativa funda-
mentada das escolhas feitas;
• discutir e definir os fundamentos teóricos e os procedimentos
metodológicos que nortearão a fase experimental e as análises
a priori e a posteriori nesta etapa da pesquisa.
Segundo Artigue ( 1988), cada uma dessas fases é retom~da e apro-
fundada ao longo do trabalho de pesquisa, em função das necessidades
emergentes. Isso significa que a expressão "análises preliminares" não
implica que após o início da fase seguinte não se possa retomá-las, visto
que a temporalidade identificada pelo termo "preliminar" ou "prévia" é
relativa, pois se refere apenas a um primeiro nível de organização. Nà
realidade, deve ser um trabalho concomitante com as demais fases da
pesquisa. Estas análises preliminares devem permitir ao pesquisador a

173

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SAooo Aa ALMOULouo

identificação das variáveis didáticas potenciais que serão explicitadas


e manipuladas nas fases que se seguem: a construção da sequência de
ensino e análise a priori.

2.1.2 Construção das situações e análise a priori


Com a finalidade de responder à(s) questão(ões) ~ validar as hipó-
teses levantadas na fase anterior, o pesquisador deve elaborar e analisar
uma sequência de situações-problema.
Entendemos por situação-problema a escolha de questões abertas
e/ou fechadas numa situação mais ou menos matematizada, envolvendo
um campo de problemas colocados em um ou vários domínios de saber e
de conhecimentos. Sua função principal é a utilização implícita, e depois
explícita, de novos objetos matemáticos, por meio de questões coloca-
das pelos alunos no momento da resolução do problema. A construção
dessas situações deve levar em consideração, pelo menos, as seguintes
características:
• Os alunos entendem facilmente os dados do problema e podem se
engajar na resolução, usando seus conhecimentos disponíveis.
• Essas situações devem colocar em jogo um campo conceitual
que se deseja efetivamente explorar e no qual o conhecimento
está inserido.
• Os conhecimentos antigos dos alunos são insuficientes para a
resolução completa do problema.
• Os conhecimentos, objeto de aprendizagem, são as ferramentas
que devem ser mobilizadas, em última instância, para obter a
solução final. ,
• O problema pode envolver vários domínios de conhecimentos:
álgebra, geometria, domínio numérico, entre outros.
As atividades devem ser concebidas levando-se em consideração
os resultados dos estudos prévios e permitir aos alunos desenvolver certas
competências e habilidades. Elas terão, essencialmente, por objetivos:
• Auxiliar o aluno na construção de conhecimentos e saberes de
uma maneira construtiva e significativa.
• Desenvolver certas habilidades como, por exemplo, saber ler,
interpretar e utilizar as diferentes representações matemáticas,
bem com desenvolver o raciocínio dedutivo.
As situações-problema devem ser concebidas de modo a permitir ao
aluno agir, se expressar, refletir e evoluir por iniciativa própria, adquirindo
assim novos conhecimentos. O papel do professor é o de mediador e orien-

174

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

tador; suas intervenções devem ser feitas de maneira a não prejudicar a


participação do aluno no processo de aprendiz.agem. Nessa visão, a aplicação
de cada atividade deve levar em consideração as seguintes condições:
• Os alunos devem mobilizar os objetos de saber disponíveis como
ferramenta explícita para resolver, pelo menos parcialmente, o
problema. ,
• O professor/aplicador deve provocar um debate de confrontação
dos resultados dos·alunos. Nessa fase, diversas formas de saber
podem aparecer. O objetivo visado é homogeneizar e construir o
saber da classe, assim como promover o progresso, na aquisição
individual dos conhecimentos.
• É importante que o professor/aplicador, após o debate, selecione e
organize as descobertas dos alunos e sistematize os novos conhe-
cimentos e saberes, a fim de promover, para o aluno, uma melhor
compreensão dos novos objetos matemáticos. Além disso, é pre-
ciso fazer a institucionalização dos saberes novos estudados.
• É imprescindível haver uma fase de familiarização, na qual o
professor deve propor outras situações cujo objetivo é consolidar
os novos conhecimentos.
Para garantir, minimamente, o alcanço desses objetivos, o pes-
quisador ou o construtor dessas situações-problema necessita escolher
as variáveis didáticas que podem provocar as mudanças desejadas, no
que diz respeito aos processos de ensino e de aprendizagem do objeto
matemático em jogo.
Artigue (1988) distingue dois tipos de variáveis potenciais mani-
puladas pelo pesquisador: ·
• as variáveis macrodidáticas ou globais relativas à organização
global da engenharia; e
• as variáveis microdidáticas ou locais, relativas à organização local da
engenharia, isto é, a organização de uma sessão ou de uma fase.
Esses dois tipos de variáveis podem ser de ordem geral, ou depen-
dentes do conteúdo matemático estudado, e suas análises variáveis serão
realizadas em três dimensões: a dimensão epistemológica (associada às
características do saber), a dimensão cognitiva (associada às dimensões
cognitivas dos alunos, sujeitos da aprendizagem) e dimensão didática
(associada às características do sistema de ensino no qual os sujeitos
estão inseridos).
O objetivo de uma análise a priori é detenninar como as escolhas
efetuadas (as variáveis que queremos admitir como pertinentes) permitem

175

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SADoo Ao ALMOULouo

controlar os comportamentos dos alunos e explicar seu sentido. Dessa


forma, em uma análise a priori devemos:
• Descrever as escolhas das variáveis locais e as características
da situação adidática a ser desenvolvida.
• Analisar a importância da situação para o aluno e, em particular,
em função das possibilidades de ações, escolhas para a constru-
ção de estratégias, tomadas de decisões, controle e validação que
o aluno terá. As ações do aluno são vistas no funcionamento,
quase isolado, do professor, que, sendo o mediador no processo,
organiza a situação de aprendizagem de forma a tomar o aluno
responsável por sua aprendizagem.
• Prever comportamentos possíveis e tentar mostrar como a análise
feita permite controlá-los, assegurando que os comportamentos
esperados, se e quando eles intervêm, resultem do desenvolvi-
mento do conhecimento visado pela aprendizagem.
A análise a priori é importantíssima, pois de sua qualidade depende
o sucesso da situação-problema; além disso, ela permite, ao professor,
poder controlar a realização das atividades dos alunos, e, também, iden-
tificar e compreender os fatos observados. Assim, as conjecturas que vão
aparecer poderão ser consideradas, e algumas poderão ser objeto de um
debate científico em sala de aula.
Cabe ressaltar que, por análise a priori das situações-problema,
entendemos uma análise matemática e uma análise didática, nas quais
procuramos os seguintes fatos:
l .Análise matemática. Neste estudo, queremos identificar os mé-
todos e/ou as estratégias de resolução de cada situação, eviden-
ciando os-conhecimentos e saberes matemáticos envolvidos.
2.Análise didática: deve ser feita considerando-se, pelo menos,
os seguintes aspectos:
• Analisar a pertinência das situações propostas, em rela-
ção ao saber matemático visado e em relação aos saberes
anteriormente adquiridos.
• Identificar as variáveis de comando da situação e escolher
aquelas necessárias para o estudo.
• Estudar a consistência das situações, isto é, verificar se as variá-
veis escolhidas não possibilitam que os alunos construam conhe-
cimentos incompatíveis, mesmo que de modo provisório.
• Prever e analisar as dificuldades que os alunos podem enfren-
tar na resolução de cada atividade.

176

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

• Identificar os novos conhecimentos e/ou métodos de resolução


que os alunos podem adquirir.
• Prever os saberes/conhecimentos e/ou métodos de resolução
de problemas que devem ser institucionalizados.

2.2 Experimentação, análise a posteriori e validação


A fase da experin:ientação é clássica: é o momento de se colocar
em funcionamento todo o dispositivo construído, corrigindo-o quando
as análises locais do desenvolvimento experimental identificam essa
necessidade, o que implica um retorno à análise a priori, um processo
de complementação. Ela é seguida de uma fase de análise a posteriori
que se apoia no conjunto de dados recolhidos durante a experimentação:
observações realizadas sobre as sessões de ensino e as produções dos
alunos em sala de aula ou fora dela. Esses dados são, às vezes, comple-
mentados por dados obtidos pela utilização de metodologias externas:
ques_tionários~entrevistas individuais ou em pequenos grupos, realizad_as
em diversos momentos do ensino. ·
A análise a posteriori de uma sessão é o conjunto de resultados que
se pode tirar da exploração dos dados recolhidos e que contribui para a
melhoria dos conhecimentos didáticos que se têm sobre as condições da
transmissão do saber em jogo. Ela não é a crônica da classe, mas uma
análise feita à luz da análise a priori, dos fundamentos teóricos, das
hipóteses e da problemática da pesquisa, supondo que:
• a observação foi preparada por uma análise ·a priori conhecida
do observador;
• os objetivos da observação foram delimitados por ferramentas
apropriadas, e estruturados também pela análise a priori.
Assim, a análise a posteriori depende das ferramentas técnicas
(material didático, vídeo) ou teóricas (teoria das situações, contrato di-
dático etc.) utilizadas com as quais se coletam os dados que permitirão a
construção dos protocolos de pesquisa. Esses protocolos serão analisados
profundamente pelo pesquisador e as informações daí resultantes serão
confrontadas com a análise a priori realizada. O objetivo é relacionar as
observações com os objetivos definidos a priori e estimar a reprodutibi-
lidade e a regularidade dos fenômenos didáticos identificados.
Nesta fase da engenharia didática, é imprescindível levar em con-
sideração, discutir e fundamentar, pelo menos, os seguintes aspectos:

177

L Scanned by CamScanner
.,
SAooo Aa ALMOULouo

1. Na fase experimental: apresentação do dispositivo experimental


• Discutir os objetivos e o quadro teórico que sustentam o dispo-
sitivo experimental para o seu encaminhamento.
• Justificar as escolhas feitas.
• Descrever as condições e o contexto da experimentação.
• Justificar o dispositivo experimental em relação à( s) questão(ões)
e às hipóteses da pesquisa.
• Apresentar as situações experimentais (cronograma da experi-
mentação e organograma do trabalho em fases).
• Justificar o encadeamento das fases da experimentação.

2. Na aplicação e análise da sequência deve-se, pelo menos:


• Prever os instrumentos de coleta de dados.
• Organizar e analisar as produções dos alunos, levando em consi-
deração as atividades propostas e as informações coletadas no de-
correr da experimentação. Essa análise deve ser feita considerando
as diferentes interações dos alunos (aluno-situação, aluno-aluno,
aluno-professor) com o milieu (meio) adidático e didático.
• Estudar as modificações possíveis no estudo proposto ( ques-
tão de pesquisa, os fundamentos teóricos e metodológicos, as
situações propostas, as variáveis escolhidas, o esquema expe-
rimental).
• Análise dos principais resultados, em relação à questão da pes-
quisa, às hipóteses, à metodologia adotada e aos resultados de
outras pesquisas sobre o mesmo tema.
• Retomada do problema, com síntese das conclusões e avaliação
das limitações da pesquisa. Em última instância, o pesquisador
deve discutir os principais resultados e as questões levantadas
pela pesquisa, que podem ser objeto de outras pesquisas, e
destacar a importância dos resultados alcançados para a área
da didática da matemática, a instituição escoiar, os alunos, a
formação inicial e continuada de professores.

3. Exemplos de engenharia didática

Nesta parte do texto, mapeamos algumas pesquisas que se utilizam,


de modo explícito ( ou implícito), da engenharia didática como metodo-
logia de pesquisa, ou de seus pressupostos.

178

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fUNDM<IENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Buscamos destacar os objetivos, as questões, as hipóteses, os fun-


damentos teóricos e metodológicos,
...., bem como os principais resultados
alcançados. O quadro a seguir contém a lista dos trabalhos que foram
analisados e seus autores, bem como o ano de publicação:

ANO DE PUBLI-
AUTOR(ES) TITULO DO TRABALHO CAÇÃO
$8(ldo Ag Almouloud, Elizabcth Iniciação à demonstração:
2000
Gervazoni Silva e Mello - PUC-SP aprendendo conceitos geométricos
Probabilidade geomélrica: um
Cileda de Queiroz e Silva Coutinho contexto para a modelização e a
-PUC-SP simulação de situações aleatórias 2002
com Cabri ~

Geometria esférica para a formação


Irene Pataki - PUC/SP de professores: uma proposta 2003
interdisciplinar

QUADRO 7 - TRABALHOS ANALISADOS

3.1 Iniciação à demonstração: aprendendo conceitos


geométricos. Almouloud e Mello - PUC-SP
O texto apresentado por Almouloud e Mello (2000) indica que
a pesquisa faz parte de um projeto maior que estuda os fenômenos de
ensino e aprendizagem de conceitos geométricos, elaborado a partir da
constatação da dificuldade que os alunos enfrentam para compreender
esses conceitos. Um de seus objetivos foi provocar uma reflexão sobre os
problemas de formação de conceitos geométricos nos alunos, bem como
sobre a formação de professores dos 3.º e 4.º ciclos da Escola Básica para
o ensino de geometria. No quadro da problemática desta pesquisa, os
autores indicam ainda o objetivo de investigar o problema da demons-
tração, buscando alternativas e respostas para os desafios colocados ao
ensino de geometria nessa fase de escolaridade. Uma das preocupações
da pesquisa é buscar respostas para a seguinte questão: Quais fatores
exercem mais influência no ensino e no desenvolvimento de habilidades
geométricas no que diz respeito à demonstração?
Os estudos feitos sobre o ensino-aprendizagem da demonstração
e os estudos preliminares realizados mostraram as dificuldades que os
alunos encontram na aquisição de conceitos geométricos. Um dos pro-
blemas que encaminham ao fraco desempenho de alguns alunos, no que
diz respeito aos conceitos e habilidades geométricas, ocorre por causa
da prática e das escolhas didáticas dos professores quando ensinam
geometria.

179

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SAooo Ao ALMOULouo

Os alunos de quinta a oitava séries do Ensino Fundamental não pa-


recem beneficiar-se de um ensino que lhes proporcione condições para:
• compreender a mudança do estatuto da figura (objeto, represen-
tação), os estatutos da definição e dos teoremas geométricos, das
hipóteses (dados do problema) e conclusão (ou tese);
• saber utilizar as mudanças de registros de representações;
• apropriar-se do raciocínio lógico-dedutivo. .
Para minimizar esses problemas, os autores apontam a necessi-
dade de construir situações de ensino-aprendizagem que contemplem
os seguintes aspectos:
• figuras geométricas que tenham um papel heurístico e levem
em conta suas diferentes apreensões: perceptiva, discursiva,
operatória e sequencial;
• demonstração, como parte integrante do processo de ensino
e aprendizagem, dos conceitos/habilidades geométricas e do
raciocínio lógico-dedutivo;
• a importância dos registros de representação (desenho/figura
geométrica, linguagem natural, linguagem matemática).
Os autores consideram o estudo da demonstração uma ferramenta
eficaz para a compreensão de conceitos geométricos e para a aquisição
de algumas habilidades em geometria, apoiando-se na teoria de registros
de representação semiótica de Duval (1995) e nas seguintes hipóteses:
1 - O processo de aquisição dos conhecimentos, em particular dos
conhecimentos em geometria, considera os seguintes aspectos:
• observação de provas associadas a tomadas de decisão;
• a atividade de resolução de problemas geométricos;
• atividade de formulação;
• entendimento e redação da solução de problemas.
2 - A resolução de problemas de geometria e a entrada na fonna de
raciocínio que essa resolução exige estão associadas à distinção das apreen-
sões da figura (apreensão sequencial, perceptiv~ discursiva e operatória).
3 - As representações semióticas não são somente necessárias
para fins de comunicação, mas também essenciais para as atividades
cognitivas do pensamento. A atividade exigida em geometria, no Ensino
Fundamental, mobiliza três registros e sua coordenação: o registro da
língua natural, o registro das figuras e o registro matemático (ou das
escritas algébricas).
4 - A construção de situações para a sala de aula nas quais a ini-
ciação à demonstração tem um papel importante conduz alunos de 5.ª

180

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F UNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEM ÁTI CA

a 8.ª série a uma melhor compreensão dos conceitos geométricos e à


aquisição de habilidades geométricas.
5 -A técnica da demonstração está mais associada a uma hierarquia
de tarefas do que a uma hierarquia de conteúdos.
Considerando as dificuldades levantadas por Duval ( 1995), entre
outros, e pelos dados obtidos nos estudos preliminares, os autores desen-
volveram uma sequência didática (parte da engenharia didática elabo-
rada) para validar suas hipóteses, tendo em vista os aspectos teóricos e
os processos que favorecem a construção dos conceitos geométricos. As
situações construídas consideram ainda a significação da demonstração
que, de acordo com Balacheff (1987; 1988), distingue explicação, prova
e demonstração. A análise a posteriori, indicada pelos autores, mostra
que as atividades se desenvolveram, no decorrer do desenvolvimento da
sequência didática, em um processo de aprendizagem por meio de dis-
cussões, distinção entre definição e propriedade, associação dos registros
de representação e estabelecimento de um conceito por uma definição
ou uma propriedade geométrica.
O texto evidencia também o processo de validação interna da
engenharia. Os autores se depararam com algumas dificuldades relacio-
nadas à administração das atividades desenvolvidas e aos processos de
aquisição de certos conhecimentos. Uma delas é a coordenação de todos
os subproblemas envolvidos em uma determinada tarefa que os levou à
necessidade de desenvolver outras atividades com o objetivo de propiciar
aos alunos a organização de esquemas de demonstração e a coordenação
de diferentes registros de representação semiótica ligados ao tratamento
dos conhecimentos em jogo.

3.2 Probabilidade geométrica: um contexto para a


modelagem e a simulação de situações aleatórias com
Cabri. Coutinho - PUC-SP
Apresentamos um recorte do trabalho de tese da autora (COUTI-
NHO, 2001) que trata· de um estudo sobre a introdução ao conceito de
probabilidade para alunos do Ensino Fundamental, procurando trabalhar
com a familiarização de situações aleatórias em ambiente escolar.
Trata-se de centrar o estudo no ensino de probabilidades e seu im-
pacto sobre a aprendizagem. A autora tinha como preocupação essencial
buscar resposta à seguinte questão de pesquisa:

181

.....
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SADDO AG ALMOULOUD

Em quais condições didáticas os alunos podem se familiarizar com


situações aleatórias em um contexto escolar e se engajar em uma
apreensão de natureza probabilística e em termos de modelo de
tais situações desde o colegial (COUTINHO, 2001 , p. 89).

A hipótese colocada é que os alunos já convivem com a aleatorie-


dade e têm contato com vários tipos de geradores de acaso em sua vida
extra-escolar. O objetivo do trabalho é discutir uma tal introdução em
ambiente escolar, por meio de um contexto de probabilidade geométrica,
que propõe aos alunos a identificação do modelo que melhor representa o
jogo de Franc-Carreau. A autora se propõe ainda a discutir uma sequência
didática, cujo objetivo é familiarizar o aluno com situações aleatórias
por um ponto de vista experimental, para obter um processo de ensino
e de aprendizagem por meio de situações-problema que envolvem a
modelagem de experimentos simples.
Podem-se identificar no texto as análises preliminares feitas para
a elaboração da engenharia didática que é proposta pela autora. Tal
análise aparece, no texto, de forma articulada com a análise a priori da
situação proposta, o jogo do Franc Carreau, e descreve as etapas do
jogo com suas implicações didáticas e as variáveis que foram utilizadas
na construção das atividades e na organização da engenharia. A análise
preliminar mostra um estudo didático e matemático do conceito de pro-
babilidade, enquanto a análise a priori evidencia as etapas da atividade
e o estudo do ambiente computacional utilizado, o Cabri-géometre II,
indicando as vantagens do trabalho com a probabilidade geométrica e
com Cabri II como ferramenta para simulação da experiência aleatória
que representou o jogo proposto.
A validação da engenharia pode ser identificada na conclusão do
texto, na qual a autora faz a articulação entre os estudos preliminares e
a análise a priori, com as constatações feitas na análise a posteriori ( que
não foi apresentada no texto).

3.3 Geometria esférica para a formação de professores:


uma proposta interdisciplinar. Pataki - PUC/SP
O trabalho de Pataki (2003) tem por objetivo propor uma reflexão
acerca da articulação entre a geometria esférica e a geografia, apresen-
tando os principais resultados de uma sequência didática elaborada a
partir de uma situação-problema que procurou mostrar a relação entre
esses domínios do conhecimento.

182

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

A proposta se desenvolveu em diversas fases, (segundo os princí-


pios da engenharia didática) nas quais, primeiramente, a autora procurou
analisar o ponto de vista filosófico gerador de uma posição unicista do
pensamento matemático - a filosofia de Kant - e as implicações no
progresso desse pensamento; consultou os Parâmetros Curriculares Na-
cionais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio a respeito do ensino
de matemática, em especial de geometria, e sobre o recurso da interdis-
ciplinaridade; realizou ainda estudos a respeito do ensino, por meio de
publicações em torno da geometria riemanniana ou esférica, e explorou
as concepções de professores acerca dessa geometria do ponto de vista
da teoria e da prática pedagógica.
Alicerçada pelos estudos preliminares, a autora apontou as seguin-
tes hipóteses de pesquisa:
• O conhecimento geométrico possibilita a compreensão/descri-
ção/representação de forma organizada do nosso mundo.
• A apreensão dos conteúdos constituintes da geometria esférica
poderá nos conduzir a arguições/reflexões/transformações/
conscientização da nossa posição como docente, diante da ação
pedagógica.
• A utilização dos recursos da interdisciplinaridade e da contextua-
lização promoverá conexões/encadeamentos/solidez de saberes
inerentes à geometria esférica e a outros campos de conheci-
mento.
A elaboração e a experimentação da sequência de ensino contendo
uma situação-problema e mais oito atividades fundamentaram-se na teoria
das situações didáticas (BROUSSEAU, 1986), que permeia o processo
de ensino e aprendizagem com situações de ação, de formulação, de va-
lidação e da institucionalização do conhecimento. Uma das finalidades
das situações desenvolvidas é fazer emergir outras geometrias e, portan-
to, novos conhecimentos que permitam solucionar problemas em que a
geometria euclidiana não é suficiente. Foram colocados à disposição dos
docentes envolvidos na formação bolas de isopor de diferentes diâmetros,
um globo terrestre grande e vários globos pequenos.
As realizações didáticas foram direcionadas pela metodologia
da engenharia didática, que possibilitou o controle desse processo por
se basear na concepção, realização, observação e análise (a priori e a
posteriori) da situação-problema e de cada uma das atividades. Na fase
de análise a priori, a autora fez previsões sobre os possíveis métodos/
estratégias de resolução de cada situação e os conhecimentos mobiliza-

183

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SADDO A G AL \ IOULOUD

dos; identificou as possíveis dificuldades que podem surgir na resolução


de cada situação e os novos conhecimentos/saberes que poderão ser
adquiridos e institucionalizados.
A análise a posteriori apoiou-se nos dados obtidos na experi-
mentação, por meio de observações, das produções dos professores e
das discussões ocorridas durantes os encontros. A confrontação dessas
análises possibilitou a validação das hipóteses de pesquisa.
A autora percebeu algumas mudanças de atitude e valores por
parte dos professores envolvidos no projeto, no momento da troca de
experiências individuais, pois, para solucionar o problem~ precisaram
se integrar às discussões, deliberando suas conclusões com segurança
e determinação. A contextualização da situação proposta permitiu que
diversos conhecimentos fossem utilizados para resolvê-1~ inter-relacio-
nando saberes de matemática e de geografia.
Os resultados alcançados permitiram aos autores inferir que a
sequência de ensino proposta a partir de uma situação-problema parece
consistente e coerente, porque sua construção, tal como o trabalho de um
engenheiro, apoiou-se em alicerces firmes, previamente estabelecidos
edificou-se por meio da relação entre teoria/experimentação e finalizou
com sua validação/institucionalização.
Lembramos que o objetivo deste capítulo é discutir os fundamentos
da metodologia de engenharia didática e apresentar exemplos de pesqui-
sas que se utilizam deste instrumento metodológico. Esta metodologia é
geralmente utilizada nas pesquisas cujo propósito é identificar os fatores
que interferem nos processos de ensino e aprendizagem de um dado con-
ceito matemático e a construção de uma sequência didática cujo intuito é
proporcionar ao aluno condições favoráveis à aquisição e compreensão
desse conceito. A construção, a análise e a experimentação das situações-
problema propostas são geralmente precedidas por estudos prévios.
Um dos pontos importantes da fase de elaboração da sequencia
didática e de organização da experimentação é a escolha das , ariáveis
potenciais. A análise dessas variáveis deve considerar os resultados das
outras fases da engenharia didática e explicitar de modo claro as três di-
mensões exigidas pelas pressupostas de uma engenharia didáti~ a saber: a
dimensão epistemológica, a dimensão cognitiva e a dimensão didática.
A análise a posieriori das sequências didáticas deve ser feita de
forma articulada com a análise a priori, os fundamentos teóricos e as
hipóteses das pesquisas, apontando indícios da validação da engenharia
didática e questionamento sobre sua possível reprodutibilidade.

184

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATE\,{ ,\ n o .

Observamos que os trabalhos apresentados tinham um objetivo


comum: o estudo do processo de ensino e aprendizagem de um dado
conceito e a construção de uma sequência didática com o intuito de
proporcionar ao aluno condições favoráveis à construção e compre-
ensão desse conceito. A elaboração, a análise e a experimentação das
situações-problema propostas são geralmente precedidas por estudos
prévios, como preconizado pelos princípios da engenharia didática.
No entanto, percebemos que as escolhas das variáveis potenciais nem
sempre foram explicitadas e analisadas considerando os resultados das
outras fases dessa metodologià. As análises dessas variáveis, quando
feitas, não explicitam de modo claro as três dimensões exigidas pelos
pressupostos de uma engenharia didática, a saber: a epistemológica, a
cognitiva e a didática.
A análise a posteriori das sequências didáticas aparece de forma
articulada (para a maioria dos trabalhos) com a análise a priori, os fun-
damentos teóricos e as hípóteses das pesquisas. Indícios de validação
da engenharia didática podem ser identificados nas conclusões dos
textos analisados, mas não percebemos em todos os trabalhos de modo
nítido a estimativa de reprodutibilidade e de regularidade dos fenômenos
didáticos identificados.

185

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XI - Estudo da articulação entre
abordagens teóricas 17

Neste capítulo, propomos um estudo comparativo das principais


abordagens teóricas que foram discutidas neste livro. Inspiramo-nos no
trabalho de Perrin-Glorian (1999) intitulado Problemes d'articulation
de cadre théoriques: ! 'exemple du concept de milieu, cujo objetivo foi
estudar os domínios de validade das diferentes abordagens em didática
da matemática, mais especificamente a teoria das situações didáticas
(TSD), de Guy Brouss~eau, a dialética ferramenta-objeto (DFO), de
Régine Douady, e a teoria antropológica do didático (TAD), de Yves
Chevallard. Como pode ser constatado nos diversos estudos que propo-
mos, essas teorias são importantes ferramentas para descrever e modelar
os processos de ensino e de aprendizagem de conceitos matemáticos.
Queremos comparar essas três teorias da didática da matemática
da escola francesa, destacando as semelhanças~ diferenças em relação
aos aspectos conceituais e ao papel do professor, do aluno e também ao
estatuto do saber. Serão ainda tecidos comentários sobre a relação da
teoria de registros de representação semiótica (TRRS), de Duval ( 1995),
com as três outras teorias citadas.
Para situar essas teorias, inicialmente traçamos um perfil delas em
um contexto mais geral, que é a didática da matemática; serão realizadas
considerações e comparações bilaterais para, ao final, apresentarmos um
quadro resumido.
Mas, antes de tudo, vamos lembrar alguns fatos já abordados sobre
essas teorias. A partir dos estudos de Brousseau ( 1986), a didática da mate-

11 As reflexões desenvolvidas neste capitulo basearam-se em nossa longa experiência na


disciplina de Fundamentos da Didática da Matemática e no trabalho desenvolvido pelos alunos
Cláudia Cristina Soares de Carvalho e Wagner Marcelo Pommer, do Mestrado Acadêmico do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC/SP, no 2.º semestre
de 2005.

187

....
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SAooo Aa A LMOULouo

mática passa a centrar o foco de estudo no objeto matemático a ensinar, linha


seguida por outros teóricos, como Douady ( 1987) e Chevallard ( 1992).
A partir do construtivismo piagetiano, com os estudos de Brousseau
surge uma nova linha de pesquisa, tendo como seus pilares de aprendiza-
gem a ação, adaptação e equilibração do sujeito epistêmico a um milieu.
Mas essa linha coloca que a atenção deve ser dada à forma de apresen-
tação dos objetos matemáticos ao aluno. Assim, a teoria das situações
didáticas (TSD), de Brousseau, e a teoria da dialética ferramenta-objeto
(DFO), de Douady, enquadram-se em um modelo teórico da concepção
francesa de construtivismo didático, uma proposta alternativa dentro da
psicologia cognitiva. Essas teorias partem do princípio de que o conheci-
mento ocorre em função da efetivação de propostas de ensino adequadas,
em que a intensa participação do aluno é vital.
Lembramos ainda que uma das preocupações essenciais da didática
da matemática é a caracterização dos conhecimentos e saberes, além de
sua evolução, mais especificamente aquela que ocorre no aluno. Perrin-
Glorian ( 1999) identifica, pelo menos, quatro tipos de abordagem nas
pesquisas francesas:
• A análise dos saberes e de situações que os envolvem, funda-
mentada na epistemologia da matemática e em uma metodolo-
gia apoiada nos princípios da engenharia didática. A teoria das
situações didáticas e a dialética ferramenta-objeto se enquadram
nesta vertente;
• O estudo das instituições em que vivem os saberes, fundamen-
tado na psicologia, ecologia e em um método que consiste na
análise das exigências institucionais e nas condições de vida
do saber em uma instituição (estudo do ecossistema didático).
A teoria antropológica do didático se enquadra nesta vertente
de pesquisa;
• O estudo do aluno, seu desenvolvimento e suas concepções, que
tem como referência teórica a psicologia cognitiva; a coleta de
dados é essencialmente baseada em testes;
• Um estudo, a que Perrin-Glorian (1999) chama empírico, que
consis'te em decompor a realidade observada a partir de questões
escolhidas a priori e, daí, construir categorias que permitam iden-
tificar regularidades por meio de observação da contingência.

188

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

1. Comparação entre a teoria das situações


didáticas (TSD), de Brousseau, e da dialética
ferramenta-objeto (DFO), de Douady

Observamos que a teoria das situações didáticas (TSD) foi desen-


volvida com o intuito de modelar os processos de ensino e aprendizagem
da matemática pelo estudo das interações do aluno com o milieu orga-
nizado em uma situação adidática. Ela fundamentou os pressupostos da
engenharia didática. Neste sentido, a busca de situações fundamentais
e a estruturação do milieu têm por objetivo identificar as condições que
devem ser consideradas no desen~olvimento de situações (contrato,
milieu, situações-problema etc.) a fim de propiciar uma aprendizagem
significativa. Para alcançar este objetivo, é preciso organizar e desenvol-
ver situações adidáticas e estabelecer um contrato didático que promove
a devolução destas, oferecendo assim condições ao aluno para participar
ativamente no processo de produção de seus próprios conhecimentos.
Douady (1987), partindo de uma perspectiva epistemológica, in-
troduziu a dialética ferramenta-objeto (DFO), enfatizando os aspectos
de "ferramenta" e de "objeto" dos conceitos matemáticos e as noções de
jogos de quadros e de mudanças de quadros. A teorização da autora foi
desenvolvida, também, na perspectiva de organização e desenvolvimento
de situações adidáticas, modelo que buscou a eficácia do processo de
ensino e aprendizagem. Como vimos no Capítulo III, a autora identificou
etapas no processo com base na seguinte hipótese, aqui enunciada por
Perrin-Glorian:

... para uma aprendizagem significativa, o conhecimento funciona,


antes de tudo, como ferramenta implícita antes de ser explicitado
e institucionalizado localmente, o que contribui para lhe dar um
primeiro estatuto de objeto; ele é, então, reinvestido em outros
contextos, institucionalizado em outro nível, antes de vir a ser
um objeto e uma ferramenta explícita ... (PERRIN-GLORIAN,
1999, p. 307, tradução nossa).

1.1 As semelhanças
De início, procuraremos descrever o que a TSD e a DFO têm em
comum.

189

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SADDO AG ALMOULOUD

Analisando essas teorias, observamos que elas aparecem imbri-


cadas em aplicações de situações didáticas e adidáticas, construídas na
maior parte segundo os pressupostos de uma engenharia didática.
De Piaget, ambas aceitam a importância da interação entre o sujeito
e o objeto, em que a construção do conhecimento ocorre por meio de
situações de desequilíbrio que promovem a adaptação e a acomodação,
ocorrendo novo equilíbrio. Concordamos com Perrin-Glorian (1999, p.
308) quando afirma:

Para Douady, bem como para Brousseau, uma noção matemática


toma-se significativa por meio de problemas que ela pennite
resolver e as teorias apóiam-se no modelo de aprendizagem por
adaptação, em referência às teorias de Piaget, o aluno recons-
truindo seus conhecimentos em uma gênese artificial do saber
(tradução nossa).

Para promover aprendizagem, é necessário que o professor colo-


que o aluno diante de situações em que ocorre o desequilíbrio, ou seja,
situações que seus esquemas cognitivos inicialmente não são capazes de
resolver, mas que se articulam com o milieu a fim de favorecer a aprendi-
z.agem. Ambas as teorias rejeitam a ideia de Piaget de estudar a aquisição
do conhecimento com base em estruturas gerais do pensamento. Douady e
Brousseau afirmam que a aquisição de conhecimentos matemáticos deve
ser estudada em termos de como se processa o conhecimento dos objetos
matemáticos e de que forma eles devem ser apresentados aos alunos, res-
saltando como o social é inserido na construção do conhecimento. Perrin-
Glorian ( 1999, p. 308) reforça essas reflexões quando afinna que:

Tanto na teoria das situações como na dialética ferramenta-objeto,


o aluno não está sozinho: a situação foi organiz.ada pelo profes-
sor para permitir a elaboração da técnica visada, mas o modelo
é construído sob a hipótese da existência de uma fase adidática
organizada pelo professor que, em princípio, não intervém sobre
o saber na fase de pesquisa do aluno.
/

Um objetivo primordial em ambas as teorias é a int enção de


construir um sentido para o aluno na aprendiz.agem dos objetos mate-
máticos por meio de sítuações características do saber em jogo. Para
taL é necessário que o aluno esteja presente e atuante em favor de sua
aprendiz.ag~ e que o professor permita, incentive e promova situações

190

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

em que o aluno atue, por meio de jogos ou resolução de problemas, uti-


lizando ferramentas de que ele já dispõe de aprendizagens anteriores. A
interação do professor com o aluno, em ambas as teorias, é caracterizada
e descrita pelo contrato didático estabelecido.
Para Brousseau, o contrato didático é a ferramenta que regula as
ações do professor e do aluno nas situações didáticas. O contrato didático
estabelece as regras do jogo, explicitando (ou deixando mesmo implícitos,
mas, de qualquer forma, regulando) os comportamentos do professor e
dos alunos: ao primeiro compete prover explicações e situações para os
alunos aprenderem, e aos demais cabe o empenho em resolver as situações
propostas, buscando a aprendizagem dos conteúdos matemáticos.
Quanto ao objeto de estudo, ambos utilizam os princípios das
situações adidáticas com a finalidade de introduzir o novo objeto que o
professor escolheu para aprendizagem; o objeto não será utilizado expli-
citamente para resolver a sitµação, mas será decorrência das interações na
fase adidática. As duas teorias incorporam, também, o sistema didático
stricto sensu, no qual os três polos estão presentes: saber, professor e
aluno. A transposição didática é utilizada como ferramenta geradora de
situações adidáticas adequadas, que explicam a maneira pela qual o saber
deverá ser apresentado ao aluno.

1.2 As diferenças
A TSD e a DFO diferem ligeiramente em grau em alguns aspectos que
dizem respeito aos papéis do aluno, do professor e ao estatuto do saber.
A TSD é referenciada por diversos autores que comentam seus
pressupostos. No texto Fundamentos e métodos da didática da mate-
mática, Brousseau faz menção ao jogo que modela a situação adidática
e como o insere dentro da sua teoria. O autor coloca como os atores dos
processos de ensino e de aprendizagem (aluno, milieu e professor)jogam,
e as regras do jogo constituem o contrato didático vigente.
O jogo didático deve ser composto de duas partes: o sistema educa-
tivo na pessoa do professor, que propõe o jogo didático na fase adidática
ao transmitir (emitir) infonnações, e o aluno, que recebe e recodifica as in-
fonnações com base em seus conhecimentos prévios e do milieu, criando
novos elementos. O professor, ator do processo de ensino, deve preparar
situações didáticas e saber atuar dentro da fase adidática da situação de
modo a deixar o aluno atuar, intervindo apenas quando necessário. Na
fase didática, o professor deverá fazer a institucionalização.

191

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SAooo Ao ALMouLouo

Outra face do jogo acontece na fase adidática, no relacionamento


entre o aluno e o milieu. O milieu é fonte de dificuldades na busca de
soluções e é desprovido de intenções didáticas. Assim sendo, o aluno é
convidado a buscar informações necessárias no próprio milieu, ou seja,
no próprio problema, nos seus conhecimentos anteriores já estabiliza-
dos, nos conhecimentos disponibilizados pelos colegas e na intervenção
mediadora do professor, a fim de elaborar estratégias vencedoras. Vale
ressaltar que, neste jogo com o milieu, o aluno na fase adidática intera-
ge principalmente com os colegas e com o problema, numa espécie de
conversa, sendo mínima a intervenção do professor.
Este jogo didático é fonte de angústia para o aluno em sua busca
de soluções durante a fase adidática, por causa da incerteza natural
proveniente desta etapa (desequilíbrio), embora acabe gerando prazer
com a descoberta da solução, que é um conhecimento novo para o aluno
(reequilíbrio), um ato de criação para o aprendiz.
Estas características são típicas de jogos. O jogo é entendido como
atividade livre gratuita, fisica e mental, que busca o prazer sem nenhu-
ma finalidade específica, assim como considera-se como um sistema de
regras que definem o êxito ou fracasso de uma atividade. Neste jogo do
professor com o aluno e o milieu, o contrato didático medeia as regras
e estratégias de base necessárias. O conhecimento que é utilizado como
ferramenta implícita proporcionará elementos para resolver o jogo, cuja
etapa de institucionalização, feita pelo professor, propiciará condições
para se abordar e formalizar um novo conhecimento. Notamos aqui outra
diferença entre a teoria das situações e a dialética ferramenta-objeto. Na
primeira, o saber requerido para se resolver jogos está mais relacionado
a procedimentos baseados em lógica do que em conteúdos anteriores,
enquanto na outra cada conhecimento anterior já estabilizado toma-se
ferramenta para a construção de novos conhecimentos.
Entendemos que a TSD é mais direcionada para a resolução de
situações-problema em que, na fase adidática, o aluno "utiliza seus conhe-
cimentos antigos como ferramenta para iniciar a resolução do problema,
evidenciando a necessidade do novo objeto que se quer introduzir.

1.3 Estudo das aproximações e divergências ,


A partir deste ponto, nos direcionaremos no sentido de ilustrar as
aproximações e divergências nas tipologias das fases da TSD e da DFO.

192

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

As fases constantes da tipologia que comparamos estão explicadas e


sintetizadas no Quadro 8, apresentado mais adiante.
Primeiramente, apontamos um item trivial, que é a diferença no
número de etapas: quatro (4) na TSD e seis (6) na DFO, indicando assim
uma óbvia correspondência não unívoca.
A l .ª fase da TSD (fase de ação) e o antigo na DFO marcam a ação
do aluno na busca de uma resolução para a atividade proposta. Na TSD,
a ação do aluno é mais livre do que na teorização de Douady: a ação está
relacionada a conhecimentos já incorporados pelos alunos, mas também
nas estratégias de tentativa e erro, por exemplo, enquanto na DFO a ação
remete o aluno a conhecimentos anteriores.
Na DFO, o jogo de quadros (ou interação entre domínios) é um
conceito-chave. O quadro se caracteriza pelo conjunto de conhecimen-
tos (ou parte deles) que pertencem a um domínio de conhecimentos da
matemática que dá sentido aos objetos. Douady explicita que deve haver,
no mínimo, dois quadros e retroações constantes entre eles durante as
diversas etapas. Para Brous.seau, o jogo pode evoluir dentro de um mes-
mo quadro. A "corrida ao vinte" 18 é um exemplo disso. Se um professor
utiliza a "corrida ao vinte" para introduzir o conceito de divisão, estará
trabalhando apenas no quadro numérico.

11 A Corrida ao 20 é um jogo proposto por Brousseau para crianças de séries iniciais,


com o objetivo de introduzir o conceito de divisão eticlidiana. Além da conceituação da divisão,
o autor quer mostrar como funcionam as diferentes dialéticas da TSD neste jogo. As regras do
jogo são as seguintes:
1) O jogo: o jogo deve ser realizado por dois jogadores, A e B. Cada jogador deve escolher
o número l ou 2 e somar ao número escolhido pelo outro elemento da dupla. Por exemplo, se A
escolheu o número 2, B pode somar l ou 2 ao número escolhido por A. O resultado nesta etapa
pode ser (2 + 1 = 3) ou (2 + 2 = 4), conforme a escolha de B. Se o resultado desta jogada for 3,
por exemplo, o jogador A pode somar a este resultado I ou 2, e o resultado nesta etapa pode ser
4 ou 5. Assim sucessivamente. Ganha quem obtiver 20 em primeiro lugar.
2) A discussão: discutir na dupla, e depois coletivamente, qual a melhor estratégia para
ganhar esse jogo.
3) A validação: testar a estratégia para uma corrida ao 35, escolhendo apenas entre os
números l, 2 ou 3.
4) O debate:
a) Qual o saber visado por esse jogo?
b) Existe uma intenção didática nesse jogo? Qual? .
c) Se existe uma intenção didática, ela fica clara (explícita) para o aluno?
d) Que conhecimentos o aluno mobiliza para desenvolver uma estratégia para ganhar
esse jogo?
e) Quais elementos do milieu no qual o aluno está inserido interagem com ele nessa busca
da melhor estratégia?
5) A institucionalização: conceituação da divisão euclidiana e, do ponto de vista da TSD,
discutir as noções de situação didática, situação adidática e situação fundamental.

193

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SADDO AG ALMOULOUD

Percebemos que não é somente entre os domínios de conhecimento


da matemática que acontecem as retroações. Elas também ocorrem entre
o professor e o aluno nas seis fases da DFO. Há uma interação e retro-
ação entre aluno/professor constantes nas fases propostas por Douady.
Na 3.ª fase da DFO (explicitação - institucionalização local), o profes-
sor deve incentivar os alunos a explicitar conceitos, selecionar alguns e
recusar outros conceitos dos alunos, pois podem ocorrer bloqueios e/ou
utilizações de regras (conceitos, teoremas, métodos de resolução etc.)
equivocadas na resolução do problema proposto.
Nas fases correspondentes propostas por Brousseau (formulação e
validação), a intervenção do professor deve ser feita de modo a incentivar os
alunos a explicitar suas estratégias, soluções e justificativas, e o aluno deve
formular as resoluções e as interações que ocorrem com o mi/ieu, ou seja, com
os colegas, com o próprio problema e com os próprios conhecimentos.
Na 4.ª fase proposta por Douady (institucionalização local, estatuto
de objeto), o professor propicia, se necessário, novas situações em que
o próprio aluno validará suas ideias por meio de novas interações com o
problema. A 3.ª fase (validação) da TSD é feita por meio da comunicação
entre aluno, alunos e professor e das interações e retroações do mi/ieu.
Na TSD e DFO, o professor institucionaliza os novos conheci-
mentos na 4.ª etapa (dialética da institucionalização) e reitera aqueles
socialmente importantes 19•
As diferenças entre as abordagens de Brousseau e Douady se reve-
lam no grau de participação do professor, aluno e saber, mas são diferenças
que são compatíveis nas aplicações da engenharia didática. Elas permitem
ao professor possibilidades distintas na abordagem de temas diferenciados
em sua complexidade, tomando mais rica a compreensão da dimensão
didática necessária e disponível para as transposições didáticas.
Uma diferença entre a TSD e a DFO é a noção de milieu antagô-
nico ao aluno que não está explicito na teorização de Douady, mas que
parece presente, implicitamente, nas condições de funcionamento da
DFO. Lembramos que na TSD o milieu é o sistema antagônico ao sujei-
to, sem intenções didáticas, exterior ao sujeito, mas, por suas retroações
às ações do sujeito, permite uma reflexão sobre a ação e adaptação. O
mi/ieu de uma situação fundamental é um milieu para a aprendizagem
do saber em jogo.

19
Para facilitar a leitura e a comparação das teorias, apresentamos vários quadros, cujos
conteúdos serão retomados várias vezes.

194

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Tipologia - Brousseau Estatuto do saber Tipologia - Dm1ady (6 fases) Estatuto do saber


(4 danas)
Antigo: o enunciado do problema
dlalitlca da açlo tem sentido para os alunos. Eles ferramenta
ferramenta impllcila;
tentativas/ escolhas/ decisões / podem mobilizar objetos conhecidos
impllcita; o saber é o saber é
pode haver trocas de informações do saber como fcrrumentns explicitas
contextualizado e: contextualizado e
entre alunos e milieu para engajar um procedimento de
personalizado personalizado
resolução ou resolver efetivwncnle
uma carte do problema.
dlalitlca da formulaçlo
formulações da escolha/ Pesquisa - novo implícito:
utilização de linguagem não ferramenta reconhecimento de que falta algo ferramenta
matemática / trocas de implleita; novo para resolver o problema. o impllcitu;
informações e busca de o saber é problema não pode ser resolvido o saber é
informação no milieu / debates contextualizado, totalmente pelos conhecimentos contextualizado e
entre alunos / despersonalizado e antigos. O objeto do ensino é a personalizado
comunicação linguistice não socializado ferramenta adequada para resolver o
formalizada problema.
lnstitucionali7.açlo local:
confrontação da.~ produções e
dialitica da validaçlo justificação das declarações. Certos ferramenta
ferramenta
o aluno (emissor) utiliza elementos que tiveram um papel impllcita;
impllcita;
linguagem matemática para o saber é importante na elapo ll11lcrior serio o saber é
validar suas ideias / receptor contextuali7..ado, formulados, seja em lermos de contextualizado,
(outros alunos) julga a veracidade objeto, seja em termos de prática
despersonalizado e despersonalizado e
das afirmações
com sua condição de emprego dà
socializado socializado
momento. A despersonalização está
engajada, mas não a
descontextualizacão.
dialitica da institucionalizaçlo
lnstitucionalizaçlo: novos
O professor entra em ação: novos objeto de estudo; objeto de estudo;
conhecimentos/objetos de saber / articulação com conhecimentos / objetos de saber / articulação com
integra o saber às rotinas da classe/
integra o saber às rotinas da outros objetos outros objetos
matemáticos; o professor ressalta o que é matemáticos;
classe/ o professor ressalta o que
importante; seleciona e explicita os
é importante; seleciona e o saber é o saber é
conceitos culturalmente aceitos e
explicita os conceitos descontextualizado, descontextualizado,
vélidos, o mestre di um estatuto de
culturaJmenle aceitos e válidos / despersonalizado e despersonalizado e
objeto a alguns dos conhecimentos
estatuto de objeto socializado sociulizado
explicitados.
nova ferrwnenta
Familiarizaçlo - reutilizaçlo: explicita;
excrclcios usando como ferramenta o o saber é
saber institucionalizado. contextualizado e
re=onalizado
Complulíicaçlo da tareia oa novo nova ferramenta
problema: diversos excrclcios / explicita;
conhecimentos novos como o saber é
ferramentas, novas tarefas mais contextualizado e
com"lexas. rcocrsonal izado

QUADRO 8 - COMPARAÇÃO - SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE


AS TIPOLOGIAS DAS DUAS TEORIAS

195

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---------q
SADDO AG ALMOULOUD

Tipologia
Papel do aluno Papel do prores~or Estatuto do saber
(6 etap11)

Antigo Atuante nas tentativas e Conhecimentos antigos


procura dar sentido ao Intervenção quando necessária. atuam como
enunciado . ferramentas
Pesquisa- Reconhecimento de que falta
algo novo para resolver o O professor pode reconhecer os
novo impllcito Conhecimentos
problema. O aluno está cm conhecimentos novos
impllcitos
situação de investigador. produzidos pelos alunos.
Alunos explicitam o que Pode explicitar ou introduzir
Explkitaçlo Estatuto de objeto aos
conseguem. Debate entre os conceitos para evitar bloqueios.
ia1titucionali- conhecimentos locais
alunos para comunicar e Controla a validade
zaçlo local dos alunos para
validar as estratégias usadas e epistemológica das produções
homogeneizar
as solu"""41 encontradas. dos alunos.
Institucionaliza os obj cios Objeto culturalmente
Validação de conceitos matemáticos novos envolvidos reconhecido pela
1nstitucioaali- elaborados pelos alunos. Os na situação proposta. Fixa comunidade cientifica
zaçlo alunos estão em situação convencionalmente e deve integrar o
didática (situação de aprendiz}. explicitamente o estatuto patrimônio matemático
comitiva do saber. do aluno
Pode propiciar situações nas
Famlllarizaçlo - Apropriar-se do saber como quais o próprio aluno utilizará Estatuto de objeto:
reutilizaçlo os novos conhecimentos como novos conhecimentos /
objeto de estudo.
ferramenta de resolução de objetos de saber
problema.
Conhecimentos novos
Complexift- Reaplicar os conceitos Propiciar novas tarefas ou
como ferramentas
CIÇIO da tarefa adquiridos em novas situações. tarefas mais complexas.
imollcitas
QUADRO 9 - PAPÉIS DO PROFESSOR, ALUNO E SABER SEGUNDO A
DFO DE RÉGINE DOUADY

2. Comparação entre a teoria antropológica


do didático (TAD) e a teoria das situações
didáticas (TSD)

Chevallard ( 1996) discute a relação entre a teoria antropológica do


didático (TAD) e a teoria das situações didáticas (TSD). A primeira utili-
za os sistemas didáticos e amplia a noção de contrato didático proposta
por Brousseau, inserindo-a em uma relação institucional. Além disso,
estabelece que não há contradições entre ambas, pois são coerentes e
se complementam: a teoria das situações didáticas (TSD) se apresenta
como um complemento da teoria antropológica do didático (TAD). O
autor afirma, ainda, que:
O discurso de Guy Brousseau parece tão complexo por causa das
interferências de objetos e de relações, não sendo-possível explicá-
lo completamente por meio da teoria "oficial", isto é, explícita,
das -situações didáticas. Para explicá-lo, é necessário reconhecer
que o sistema gerador de análises didáticas do qual ele procede
considera de forma mais abrangente a dimensão antropológica
do nosso objeto, captado na sua plenitude, ainda que de forma

196

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

incompletamente desenvolvida e teorizada (CHEVALLARD,


1992, p. I 02-103, tradução nossa).

Menciona, ainda, que a teoria antropológica do didático (TAD)


poderia estabelecer uma possível teoria das situações institucionais.
O mesmo autor aponta também uma diferença entre ambas no
nível das teorizações, quando explicita que a teoria das situações didá-
ticas (TSD) estaria inserida em uma filosofia, sob o ponto de vista da
economia, centralizada nas condições de funcionamento adequado dos
sistemas didáticos, enquanto a teoria antropológica do didático (TAD)
estaria preocupada com tais condições de funcionamento adequado (ou
menos adequado), mas numa perspectiva ecológica.
A teoria antropológica do didático (TAD) tem como foco o saber
e como ele percorre as instituições, ou seja, concebe o saber como certa
forma de organização de conhecimentos. Considera que o saber deve
necessariamente estar associado (deve existir) a uma instituição e para
se obter conhecimento é necessário que uma pessoa ou uma instituição
tenha uma relação com o objeto: a relação de conhecimento é pessoal e
a relação de saber é pública.
Além disso, a TAD considera uma ampliação da noção de epistemo-
logia das outras concepções teóricas, pois inclui as etapas de produção e
utilização, bem como explica a manipulação da transposição referente
ao ensino. Para Chevallard ( 1992), a transposição didática (stricto sen-
su) é a passagem de um saber científico para sua versão didática em
uma instituição escolar. Nesse sentido, o saber poderá ser manipulado
em duas etapas ainda no que chamamos de transposição stricto sensu:
primeiramente, transformando o objeto do saber em objeto a ensinar e,
em seguida, transformando-o em objeto de ensino.
É nesta segunda etapa que a teoria das situações didáticas (TSD)
faz uma interface com a transposição didática, quando o professor que
deve organizar uma situação de aprendizagem adequada toma conheci-
mento dos seus resultados para elaborar seu projeto. Brousseau ( 1986)
considera que a construção do conhecimento pelo aluno é função da
forma de organização do ensino pelo professor. O saber para a TSD se
refere à questão de utilidade de uma noção matemática dentro das etapas
de organização de situações didáticas, e o conhecimento está associa-
do à etapa de ação e o saber está associado à etapa de validação deste
conhecimento. De certo modo, tanto a TAD como a TSD consideram o
conhecimento segundo um princípio de funcionalidade.

197

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SADDO AG ALMOULOUD

Segundo Brun ( 1996, p. 31 ), as etapas de ação, formulação, va-


lidação e institucionalização descrevem o processo de aprendizagem
individual, ou seja, o modo que o saber evolui como fonte de objetividade
para atingir os conhecimentos do indivíduo. Essas fontes de objetividade
tanto podem ser o contrato didático como as interações sociais entre alu-
nos durante as etapas referidas. A institucionalização é colocada como
fechamento do processo de objetivação entre relação de conhecimento,
relação de saber e relação institucional.
No que diz respeito aos papéis dos professores e alunos, existe uma
diferença essencial entre a teoria antropológica do didático (TAD) e a
teoria das situações didáticas (TSD). Enquanto na teoria das situações
didáticas (TSD) os papéis dos alunos e professores são bem definidos e
marcam a relação destes com o saber por meio do sistema didático stricto
sensu, a teoria antropológica do didático (TAD) não faz menção a eles. A
TAD analisa o papel do saber matemático em relação à instituição escolar
por meio de organizações praxeológicas. A praxeologia ou organização do
saber matemático, para Chevallard, ocorre em quatro categorias: tarefa,
técnica, tecnologia e teoria, que modelam toda a atividade matemática.
Deste modo, as duas teorias se entrelaçam e se complementam, uma
estudando as relações aluno-professor com o saber e a outra dissecando
o saber dentro de várias instituições, incluindo a instituição escolar.
Uma das noções enfatizadas nas duas teorias é a noção de mi/ieu,
mas sob perspectivas diferentes. Para Chevallard ( 1989), o mi/ieu é o
conjunto de objetos transparentes para os atores da instituição. De acordo
com Perrin-Glorian (1999, p. 288), "um objeto passa a constar no milieu
de uma instituição quando está naturalizado, não é mais um objeto sen-
sível, o rapport institucional com este objeto é estável...". Chevallard
(1989) reforça esta ideia quando afirma:

Tais subsistemas vão assumir, para os atores da instituição, uma


função de milieu, dotado de uma objetividade que escapa ao
controle e à intencionalidade da instituição: poderemos dizer,
então, que o milieu é "a-institucional". O "jogo" do ator com esses
objetos lhe parecerá, então, como um jogo a um jogador, um jogo
"contra a natureza", que depende unicamente das propriedades
intrínsecas da "natureza" e de suas próprias escolhas (e não de
tal ou tal convenção particular a propósito da natureza) (apud
PERRIN-GLORIAN, 1999, p. 288, tradução nossa).

198

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

Na realidade, a TAD não fala de modo explícito de aprendizagem,


mas de momentos de estudo que descrevem as condições institucionais
que auxiliam no estudo das organizações praxeológicas, distinguindo
etapas que não garantem necessariamente a construção de conhecimen-
tos matemáticos pelos alunos. Um dos objetivos da TSD é identificar as
condições que devem ser consideradas no desenvolvimento de situações
(com fases adidáticas e didáticas) para propiciar uma aprendizagem sig-
nificativa. Concordamos com Perrin-Glorian ( 1999) quando afirma que
a noção de situação adidática permite refletir sobre o papel do aluno no
processo de aprendizagem e do professor que deve controlar a construção
de conhecimentos pelo aluno.

Brousseau (TSD) Chevallard (TAD)

Estuda a relação ai uno-professor-saber Estuda a evolução e os diversos pontos de


por meio de situações didáticas e vista do saber, focan~o a relação instituição-
&didáticas que medeiam a relação sujeito- aluno-saber, o processo de ensino e
saber. aprendizagem no sistema escolar; a
teorização é feita numa perspectiva mais
geral para o estudo de uma obra matemática

Seu objetivo é modelar situações de Seu objetivo é mostrar como o saber se


ensino-aprendizagem de matemática ade- insere nas diversas instituições. Na
quadas para que a ação do aluno viabilize instituição escolar, esta modelagem da
a construção do conhecimento. atividade matemática é feita por meio das
praxeologias. Não faz nenhuma hipótese
sobre a aprendizagem específica do aluno e
propõe uma modelagem de todos os tipos de
estudos - consequentemente, todos os tipos
de ensino.

As etapas da fase adidática descrevem o Coloca a relação do conhecimento como


processo de transformação do conheci- privada e do saber como pública, em face do
mento em saber. objeto de ensino. Identifica momentos de
estudo das praxeologias.

QUADRO 1O - COMPARATIVO ENTRE OS FOCOS DA TSD E TAO

Para realizar a modelagem do saber, a teoria antropológica do di-


dático (TAD) se utiliza dos seis momentos didáticos, enquanto a teoria
das situações didáticas (TSD) utiliza a dialética da devolução, aliada às
quatro dialéticas: ação, formulação, validação, institucionalização.

199

L
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SADDO A o ALMOULOUD

Tioolos!ia Brousseau (5 etapas) Momentos - Chevallard (6 etapas)


1° momento de estudo:
Estabelece-se o rapport institucional, primeiro
Dialitica da devolução encontro do aluno com as tarefas da
É uma estratégia básica do professor, em que ocorre o organização, sem oçllo efetivo do uluno.
aceite do aluno em participar do jogo com o milieu A obra ou II organização praxeológica passa a
adidático. existir para o aluno, mais frequentemente pela
emergência de um campo de problemas, de um
tipo de tareías.
Dialética da açlo
O enunciado do problema tem sentido para os alunos.
Eles podem mobilizar objetos conhecidos do saber
2º momento de estudo:
como ferramentas explicitas para engajar um
O aluno esboça e conjectura soluções procuran-
procedimento de resolução ou resolver efetivwnente
do elaborar um embriilo de técnica, relativa a
uma parte do problema.
Ocorrem tentativas espontâneas, um jogar livre, um tipo de tarefa.
podendo haver trocas de informações e interações
entre alunos e os diferentes milieux.
Dialética da formulaçlo
Jº momento de estudo:
Há a formulação das escolhas com utilização de
Ocorre a constituição do ambiente tecnológico-
linguagem não matemática. Ocorrem trocas de
teórico para explicar a técnica. É a validação da
informações e busca de informação no milieu, a
técnica.
comunicação linguística não é formalizada.
Este momento está em inter-relação estreita com
A comunicação é necessária para a ação sobre o meio
cada um dos outros momentos.
para ~anhar o jogo.
Dialética da valldaçlo 4° momento de estudo:
O aluno (emissor) utiliza linguagem matemática para A técnica desenvolvida anteriormente pode se
validar suas ideias. O receptor (outros alunos) julga a tomar mais eficaz por meio de mudança ou
veracidade das afinnacões. evolução.
Dialética da institucionalizaçlo 5° momento de estudo:
O professor entra em ação: novos conhecimentos / É o momento em que ocorre a instituciona-
objetos de saber / integram o saber às rotinas da classe. lização, integrando os elementos que entrarão de
O professor ressalta o que é importante; seleciona e maneira definitiva na organização matemática
explicita os conceitos culturalmente aceitos e válidos / visada, ou seja, explicitando exatamente o que é
status de obieto. a 0!'2anizaclo matemática elaborada.
6° momento de estudo:
É o momento da avaliação, integrada ao
momento da institucionali1.acllo.

QUADRO 11 - COMPARAÇÃO DA TIPOLOGIA DE BROUSSEAU E OS


MOMENTOS DE CHEVALLARD

2.1 Dialética da devolução versus 1.º momento de estudo


Na fase de devolução, o professor tem por estratégia dar ao aluno
a responsabilidade da fase adidática da situação didática, de modo que
aceite esta incumbência regulada pelo contrato didático; o aluno está
ciente de que o professor lhe repassa uma atividade que tem por objetivo
a construção de algum conhecimento. Neste início de jogo se definem
os papéis do~ atores para as próximas fases das situações adidáticas e
didáticas. Em contrapartida, o 1.º momento de Chevallard marca somente
o encontro do aluno com a tarefa, sem definições de papéis para o aluno,
o professor e saber.

200

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

A dialética da devolução (TSD) e o l .º momento (TAO) se asse-


melham no sentido de ser este o momento em que os alunos entram em
contato com a situação proposta.

2.2 Dialética da ação e da formulação versus


2.º momento de estudo
Na organização das fases propostas por Brousseau há uma sepa-
ração das etapas da ação livre e da formulação de soluções.
Na fase de ação na TSD, o aluno interage com a situação adidática
de maneira espontânea, iniciando uma elaboração de estratégias, escolhas
e decisões necessárias para resolver o problema proposto. É um jogo livre
para o aluno, que procura as estratégias que lhe permitem ganhar. O profes-
sor tem o papel de mediador/observador, podendo intervir minimamente
(professor como mediador) com o único propósito de incentivar e orientar
o aluno na busca de soluções, respeitando as regras do jogo.
A dialética de·formulação proposta por Brousseau é específica dos
registros de ideias e concepções matemáticas mais ou menos formais,
com possíveis diálogos e conversas com o milieu.
No 2. 0 momento da TAD, ocorre a exploração de um tipo de tarefa
e elaboração de uma técnica matemática que resolva a tarefa, etapa que
demanda uma tentativa de formulação e cumprimento da tarefa. Não há
explicitação dos papéis do aluno e do professor.
A fase de ação da teoria de Brousseau e o 2. 0 momento proposto
por Chevallard têm em comum as tentativas de solucionar o problema
ou tarefa. Contudo, para Brousseau o aluno é visto como um jogador
sem uma preocupação de explicitar alguma técnica ou discurso teórico-
tecnológico que justifique a técnica. O aluno manipula conhecimentos
anteriores ou do problema sem ainda estruturar uma estratégia. É uma
fase de exploração. Já para Chevallard, esta etapa da atividade é mais
estruturada, ocorrendo, simultaneamente, a ação do aluno e a elaboração
de uma técnica no cumprimento da tarefa, sem preocupação de formular
um discurso justificativo da estratégia empregada.

2.3 Dialética da validação versus 3.º momento e 4.º momento


Na TSD, podemos perceber que na fase de validação há a preocu-
pação de utiliz.ar uma linguagem matemática mais rigorosa, a fim de se
julgar a veracidade das afirmações. Este tipo de fase é contemplado no

201

L
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SADDO A a ALMOULOUD

3.0 momento didático da TAD, em que os alunos tentarão construir um


bloco tecnológico-teórico para validar localmente a técnica utilizada na
realização da tarefa.
No 4. 0 momento da TAD há a procura de uma melhora na técni-
ca; este momento corresponde a uma outra tentativa de [ re ]formulação
e validação simultâneas na mesma fase. Para Brousseau, as etapas de
formulação e validação são separadas e ocorrem somente uma vez.

2.4 Dialética da institucionalização versus


5. º e 6.º momentos
Nas organizações propostas por Brousseau e Chevallard há uma fase
de institucionalização. Isso mostra que os teóricos consideram importante
o momento em que o professor faz observações a respeito da situação
proposta e evidencia o conhecimento nela existente, que será retido.
Na institucionalização de Brousseau, o papel explícito do profes-
sor é retomado mais uma vez desde a etapa de devolução. O professor
atua no sentido de validar ou não as mensagens elaboradas pelos alunos,
dando o estatuto de objeto ao conhecimento.
A institucionalização é vista como a convergência das relações do
conhecimento, saber e institucional na TAD. Sobre o 5. 0 e 6. 0 momentos
propostos por Chevallard, percebemos que eles contemplam uma fase de
institucionalização e avaliação do processo de ensino e aprendizagem,
o que não está explicitamente presente na TSD.

3. Comparação entre a TAD e a DFO

Uma diferença básica ao se comparar a TAD e a DFO se refere


aos papéis dos atores.
Como já havíamos citado anteriormente, a TAD não distingue
os papéis do aluno e do professor dentro dos seus momentos didáticos,
mas somente o papel do saber. A DFO já explicita os papéis do aluno, do
professor e o estatuto do saber nas diversas fases de sua tipologia.
'

202

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SAUI)() A<l AI.M()lll.(JIJI)

No 2.º momento (TAO), os alunos devem explorar um tipo de tareia


e elaborar uma técnica que resolva esta tarefa, mas não há nccessariwncnlc
construção de novos conhecimentos; consequcntcmcnlc, os bloqueios que
podem ocorrer não são necessariamente por ausência de conhecimentos
novos envolvidos no cumprimento da tarefa, mas, muitas vezes, de conhe-
cimentos do contrato didático anteriormente estabelecido.

3.3 Institucionalização local versus 3.º momento


Na 3ª fase da DFO, como já havíamos observado, ocorrem a for-
mulação e validação de ideias engajadas pelos alunos na resolução da
situação; o professor tem o papel de articulador e controlador, do ponto
de vista epistemológico dessas ideias.
No 3. 0 momento didático, os alunos tentam construir um bloco
tecnológico-teórico para validar localmente a técnica utilizada na reali-
zação da tarefa. Como este 3. 0 momento não ocorre separadamente do
2.º momento, podemos dizer que no 3.º momento temos a formulação e
validação também simultâneas.

3.4 Familiarização (5.ª fase) versus 4. 0 momento -


institucionalização
Percebemos que a fase de familiarização (5. 11 fase) proposta por
Douady e o 4.º momento proposto por Chevallard assemelham-se pelo
fato de serem fases em que o aluno trabalha com um conceito mate-
mático como ferramenta, mesmo que implicitamente, com a finalidade
de fixá-lo. Contudo, para Douady, esta fase deve vir depois da fase de
institucionalização e, para Chevallard, ela deve vir antes.
Notamos algumas diferenças nas organizações propostas por estes
teóricos. Douady considera que após esta fase de institucionalização deve
haver fases de familiarização e complexificação da tarefa. Chevallard
propõe algo semelhante em seu 4.º momento, mas antes da institucio-
nalização. Entretanto, no caso da TAD, podem ser institucionalizados
técnicas e elementos tecnológicos já estudados, mas que, no momento
do cumprimento da tarefa (por exemplo), se revelaram não dominados
suficienteme~te pelos alunos.
Ainda sobre os momentos de Chevallard, percebemos que con-
templam uma fase de avaliação do processo de ensino e aprendizagem

204

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-
FUNDAM ENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

associada à institucionalização, o que os outros dois teóricos não pro-


põem explicitamente.

4. Considerações a respeito das comparações


realizadas

Podemos concluir enfatizando algumas das reflexões feitas na


comparação das três teorias. Concordamos com Perrin-Glorian ( 1999)
quando afirma que, na teoria antropológica do didático, o 1. º momento
tem por objetivo simplesmente marcar um momento, da maneira mais
neutra possível, para a emergência de um rapport pessoal. Na dialética
ferramenta-objeto, trata-se justamente de identificar e definir condições
sobre o problema, e são essas condições que devem permitir a devolu-
ção do problema. Por essa razão levaram-se em consideração na TSO,
ao mesmo tempo, condições relativas ao problema (existência de uma
estratégia básica) e ao papel do professor na devolução.
Pode-se, também, observar que a TSO distingue formulação e va-
lidação, mas a OFO e a TAO as englobam na mesma fase ou no mesmo
momento.
Na TAD, a técnica é acompanhada de uma tecnologia que a valida;
as tecnologias são justificadas pelas teorias, que não fazem necessariamente
parte da organização praxeológica reconstituída para os alunos. Pode-se, en-
tão, dizer que os elementos tecnológicos (TAD) correspondem às validações
(TSO) sob um ponto de vista diferente. Por outro lado, o objeto matemático
envolvido na técnica toma verdadeiramente o estatuto de objeto, no sentido
proposto por Oouady, no nível da teoria (institucionalização).
Na TAO, o processo de ensino e aprendizagem para na institucio-
nalização, enquanto a OFO prevê uma fase de familiarização depois da
institucionalização; já a TAO prevê um momento de trabalho da técnica
antes da institucionalização. Além disso, a TAO identifica a avaliação
como um momento à parte, mas ligado à institucionalização.
A TSD estabelece, de um lado, características das situações que
detenninam as relações do aluno com o saber e, por outro, características
sobre o nível dos conhecimentos dos alunos. A ação do professor está
explícita nas fases de devolução e de institucionalização. Na DFO, as di-
ferentes fases correspondem às ações distintas do professor, às atividades
diferentes do aluno no processo de construção de novos conhecimentos
pelo sujeito em situação de aprendiz. Na TAO, os papéis do professor

205

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SAooo Ao ALMOULouo

e do aluno, nos diferentes momentos, não são bem evidenciados; eles


estão presentes na teorização proposta por Chevallard, mas suas posições
institucionais correspondem a rapports diferentes com o saber.

5. Relação entre TAD, TSD e a teoria de registros de


representação semiótica (TRRS)
Na teoria antropológica do didático (TAO), a natureza e função dos
objetos matemáticos levaram Chevallard a fazer uma distinção entre:
• os que têm uma natureza sensível ou material e perceptível pelo
sujeito, que chamou de objetos ostensivos; e
• os referentes às ideias, às instituições ou aos conceitos, cuja existên-
cia é reconhecida institucionalmente, mas não são perceptíveis por
sua própria natureza, que denominou de objetos não ostensivos.
Na praxeologia, o desenvolvimento de uma tarefa associada a uma
técnica ocorre pela manipulação de objetos ostensivos, que constituem
a parte perceptível da atividade. Mas estes objetos são regulados pelos
não ostensivos, que dão sentido à atividade matemática. Não é possível
manipular os objetos ostensivos sem a evocação dos não ostensivos,
pois, nesse caso, reduziríamos o ensino da técnica pela técnica, sem dar
sentido aos objetos de estudo.
Brousseau ( 1986) discute o problema da percepção dos objetos
ostensivos e a necessidade dos objetos não ostensivos. Muitas vezes,
os processos de ensino e de aprendizagem apoiam-se em estratégias
chamadas por Brousseau de estratégias didáticas de ostensão, nas quais
o professor acredita que, mostrando o uso de determinada estratégia ou
a aplicação de determinado conceito, sem, contudo, justificar de forma
acessível ao aluno, este pode aprender a utilizar esta estratégia ou aplicar
este conceito da mesma maneira que aquela ilustrada pelo professor.
A teoria antropológica do didático (TAD) utiliza-se de elementos
da teoria dos registros de representação semiótica de Duval (TRRS), mas
de uma maneira mais ampla - como já destacamos no capítulo sobre a TAD
-, para refletir sobre a importância dos objetos osteQsivos nas organiza-
ções matemáticas e didáticas. Esses objetos têm uma função semiótica
de produzir um sentido, por meio dos signos, e um caráter instrumental,
por sua capacidade de integrar as diversas etapas da praxeologia.
Em contrapartida, existe uma diferença de ordem fundamental
entre a corrente do construtivismo didático representado pela TSD/DFO e

206

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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

a teoria dos registros de representação semiótica de Duval. Tanto a DFO


como a TSD, situadas nesta corrente, postulam que a aprendizagem do
'sujeito ocorre graças à adaptação deste às situações didáticas apropriadas,
por meio de um confronto com uma situação problemática.
Para Chevallard ( 1999), as dificuldades de aprendizagem devem
ser analisadas com base nas organizações praxeológicas e as relações das
diferentes instituições. Já segundo Brousseau e Douady, a aprendizagem
decorre da apresentação de uma situação didática adequada que mobilize
o aluno a buscar recursos no milieu, para que assim o conhecimento seja
adquirido. Estes autores não investigam o pensamento cognitivo do aluno,
ou seja, eles se interessam em como o aluno e professor devem agir diante
de um saber para tomá-lo objeto de conhecimento do aluno.
Contrariamente, Duval ( 1995) postula que para o sujeito aprender
é necessário considerar seu modo de funcionamento cognitivo por meio
da coordenação de registros de representação semiótica, e deve ser efetu-
ada pelo menos uina conversão de dois registros de um objeto. Para este
autor, se num nível cognitivo o aluno conseguir realizar as mudanças de
registros as mais variadas possíveis para um determinado objeto mate-
mático, então aprenderá a matemática. As dificuldades de aprendizagem
dos alunos seriam de ordem cognitiva, isto é, não seriam decorrentes do
fato de como é apresentado o objeto matemático.
Apesar de cada teoria analisar e modelar o processo de ensino
e aprendizagem de conceitos matemáticos de maneiras diferentes, a
articulação entre elas promove condições de desenvolver e analisar si-
tuações que favorecem um ensino e uma aprendizagem significativos. A
articúlação dessas teorias permite empreender uma reflexão aprofundada
sobre os fatores que interferem no ensino e na aprendizagem de conceitos
matemáticos e desenvolver situações (contratos e milieux) que permitem
ao aprendiz ganhar o jogo, ou seja, aprender a aprender.
Além disso, esta articulação colabora na constituição da didática
da matemática como área de investigação que tem suas especificidades
no que diz respeito aos objetos de investigação. A complexidade das
questões estudadas nesta área exige, além da articulação das teorias
desenvolvidas nesta área de investigação, a ·interlocução com outras
áreas de conhecimento, como a matemática, a psicologia, a sociologia,
a história da matemática, a linguística, a epistemologia, a filosofia, a
informática aplicada à educação etc.

207

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SADDO AG ALMOULOUD

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f DA -IENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

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SADDO AG ALMOULOUD

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f UNDAMDffOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

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_ _ _. Les pratiques de l' enseignant. Une étude de didactique des mathé-
matiques: recherche de syntheses et perspectives. ln: BAILLEUL, Marc
(Ed.). Actes de la Xe Eco/e d 'Été de Didactique des Mathématiques. Caen:
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ROBERT, A. Les recherches sur les pratiques des enseignants et contraintes
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ROGALSKI, Marc. Problemes épistémologiques et didactiques liés aux
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Xerox de transparências de seminários feitos no Centro das Ciências Exatas
e Tecnologia da PUC-SP, em agosto de 1995 .

- - -. Dialectique outil-objet e jeux de cadres - Contribution de Marc


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des Mathémátique. Editions coordonnée par Robert Noirfalise-IREM de
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FUNDAMENTOS DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA

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ROUSSET-BERT, S. Stratégie de prise en compte de l'erreur par des en-
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SCHNEIDER, Maggy. Un obstacle épistémologique soulevé par des
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des Mathématiques. Grenoble: La Pensée Sauvage-Éditions, v. 11.2.3, p.
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SCHUB~G, Gert. Ruptures dans le statut mathématique des nombres
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SIERPINSKA, Ana. Sur un programme de recherche lié à la notion
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SILVA, Maria José Ferreira da. Investigando saberes de professores de
Ensino Fundamental com enfoque em números fracionários para quinta
série. Tese (Doutorado)- Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Matemática, PUC-SP, São Paulo, 2005.
VERGNAUD, Gérard. La théorie des champs conceptuels. Recherches en
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. Le rôle de I'enseignant à la lumiere des concepts de schemes et de
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champ conceptuels. ln: ARTI GUE, M. et ai. (Orgs.). Vingt ans de didactique
des mathématiques en France. Recherches en Didactique des Mathématiques.
Grenoble: La Pensée Sauvage-Éditions, 1994. p. 177-191.

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~u,._
Este livro foi composto em Times New Roman,
corpos 8, 9, 1O, 11,5 e 18, impresso em off-set, em
papel off-set 75 g/m2 para o miolo e papel cartão
supremo 250g/m2 para a capa, com tiragem de
500 exemplares, pela ICQ Editora Gráfica, para
a Editora UFPR, em outubro de 2014.

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