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Relatório A2

Música improvisada e Cante Alentejano

MICA

Emanuel Rodrigues, l45187

Iniciação à Investigação em Música e Musicologia – Universidade de


Évora

(05/2023)
ii
Resumo

Uma vez verificado um encontro entre o cante alentejano e a música improvisada em


três momentos diferentes, neste trabalho vai ser investigado o surgimento desta nova
prática. Verifica-se este acontecimento em três momentos: num espetáculo em Évora, e
dois outros momentos em que a musica improvisada e o cante alentejano se encontram
para dar origem, um deles a um CD e outro a um arranjo de um outro CD. Sendo que
esta uma união está ainda por se afirmar, é importante fazer-se um estudo sobre as
razões que levam a este acontecimento, uma vez que no seu surgimento podem estar,
características específicas para tal contexto. Terão o cante alentejano e a música
improvisada encontrado uma ponte de ligação onde pode existir uma fusão? Nestes três
momentos verifica-se um hibridismo musical? Poderá este hibridismo dar uma nova
perspetiva ao cante alentejano?

Abstract

Since the verification of a meeting between ‘’cante alentejano’’ and musical


improvisation in three different moments, in this work the I’m going to investigate the
arise of this new practice. This event happens is three moments: in one show that
happen in the city that is called the capital of ‘’alentejo’’, Évora, and two others, where
improvised music and ‘’cante alentejano’’ found each other to originate, one of them a
CD and the other one arrangement for another CD. Being that this union is yet to be
asserted, it is important to carry out a study on the reasons that lead to this event, since
in its appearance there may be specific characteristics for such a context. Could ‘’cante
alentejano’’ and musical improvisation find a connection bridge where a fusion can
exist? Is there a musical fusion or hybridity in these three moments? Could this
hybridity or fusion give a new perspective to the ‘’cante alentejano’’?

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Índice

Resumo e Abstract…………………………………………………………………….iii

Índice de figuras………………………………………………………………………...v

Introdução………………………………………………………………………………1

Capítulo I………………………………………………………………………..………2

1 - O que se entende por cante alentejano………………………….……………………2

2 – A música improvisada……………………………………………………………….5

3 – Hibridismo musical…………………………………………………….……………6

Capítulo II……………………………..………………………………..………………8

1 – Os casos de hibridismo………………………………………………………………8

1.1 – O caso de Ricardo Ribeiro………………………………………...........................8


1.2 – EM CANTE……………………………………………………….........................9
1.3 – O Espetáculo Mar-Planície………………………………………………………11
1.4 – Entrevistas……………………………………………………………………….12

Conclusão……………………………………………………………………………...14

Capítulo III…………………………………………………………………………….15

1.1 - Objetivos, Plano e Métodos……………………………………..…………………15

1.2 – Recursos…………………………………………………………………………..15

Anexo…………………………………………………………………………………..16

Cronograma…………………………………………………………………………….16

Orçamento……………………………………………………………………………...16

Resultados Esperados…………………………………………………………………18

Bibliografia…………………………………………………………………………….19

iv
Índice de figuras

Fig. 1 – Cantadeiras Essência Alentejana (Cova da Piedade)

Fig. 2 – Grupo Coral ‘’Amigos do Cante’’ (Alvito)

Fig. 3 – Grupo de Cantares de Évora

Fig. 4 – CD ‘’Respeitosa Mente’’ de Ricardo Ribeiro

Fig. 5 – CD ‘’EM CANTE’’

Fig. 6 – Grupo de Cantares de Évora no espetáculo

Fig. 7 – Espetáculo ‘’Mar-Planície’’

Fig. 8 – Quadro de despes

v
Introdução

Neste projeto vai ser investigado a possibilidade de haver um hibridismo musical entre a
música improvisada e o cante alentejano. Com vista a criar um festival em que se
possam encontrar estas duas vertentes, é importante fazer-se um estudo sobre as razões
que levam a este acontecimento, uma vez que no seu surgimento podem estar
características específicas para tais situações. Uma vez que é ainda muito rarefeito as
provas da existência de uma prática que junta música improvisada e cante alentejano, a
abordagem a esta temática terá de ser realizada de várias formas, sendo, por exemplo, a
audição de registos musicais, uma peça fundamental para o trabalho. Serão feitas breves
contextualizações sobre o cante alentejano e a música improvisada, através de:
documentos que expõem uma ideia do que é o jazz ou o cante alentejano e de algumas
teses que exploram o facto de haver um surgimento de elementos da música tradicional
portuguesa em composições e arranjos de músicos que que vêm a sua formação passar
por uma área musical que visa a improvisação. É certo que não existe concretamente a
ideia de uma fusão entre os dois, mas tanto como num tema do CD (Respeitosa Mente)
de Ricardo Ribeiro, As Mondadeiras, como no espetáculo Mar-Planície, integrado no
festival Artes à Rua realizado em Évora a 15 de agosto de 2019, os músicos que
integram estes dois acontecimentos, têm na sua formação ou o cante alentejano, ou a
improvisação. Nos dois casos o pianista convidado a participar João Paulo Esteves da
Silva, nome incontornável do jazz em Portugal. No caso de Amílcar Vasques-Dias,
apesar de não ter formação em improvisação, passou por uma formação que lhe permite
realizar um CD que junta música improvisada e cante alentejano. Com a possibilidade
de se poder fazer uma ponte de ligação entre os dois estilos, surge também a
possibilidade de se poder criar uma música que poderá levar o melhor dos dois mundos
aos ouvidos mais remotos a partir de composições que envolvam os dois.Este trabalho
encontrar-se-á dividido em três capítulos. Um primeiro em que se abordará uma
perspetiva do que se pode encontrar como definições base de música improvisada, cante
alentejano e hibridismo musical. Como forma de fundamentar esta temática, num
segundo capítulo será apresentado a verificação deste cruzamento em três casos. E por
fim um terceiro em que se explorará a possibilidade de fazer acontecer um festival que
possibilite acontecer uma junção destas duas práticas musicais, para a criação de uma
nova abordagem musical.

Palavras-chave: cante alentejano, música improvisada, hibridismo.

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Capítulo I
1- O que se entende por cante alentejano

É certo que não é fácil encontrar uma definição absoluta para uma prática musical tão
enraizada na nossa cultura, já esta, no dia 27 de novembro de 2014, no decurso da nona
reunião do Comité Internacional da UNESCO para a Salvaguarda do Património
Cultural Imaterial, a decorrer em Paris, o Cante Alentejano foi declarado Património
Cultural Imaterial da Humanidade (Simão, 2015). Ainda assim alguns autores procuram
deixar uma que possa dar um entendimento facilitado a esta prática musical. Um deles é
António Marvão, que no seu livro, ESTUDOS SOBRE O CANTE ALENTEJANO, nos
elucida do que se entende por cante alentejano:

(…) é uma polifonia simples, a duas vozes paralelas, à terceira superior. Como
polifonia, situamo-la na época em que esta tinha o principal lugar na música, toda ela
vocal, a que se deu o nome de Milénio vocal, uma polifonia sem instrumentos. O cante
alentejano é composto de modas, nas quais sobressaem, em algumas delas dois sistemas
musicais, inteiramente distintos: sistema modal, (…), e o sistema tonal (…). O sistema
modal grego, adaptado e modificado (…), era composto dos modos Dórico, Frígio,
Lídio, Mixolídio e Eólio. Os modos gregos tinham também sete notas, cujos tons
variavam na escala, ao contrário das nossas escalas, cujas melodias giram em volta da
tónica ou da superdominante, segundo o tom é maior ou menor. Os vestígios dos modos
que nos aparecem nalgumas modas alentejanas são do Mixolídio, (…), do Lídio (…).
Estes restos do sistema modal encontram-se, especialmente, nas frases finais das modas
alentejanas.

As principais características das modas alentejanas são as seguintes:

a) serem todas em tons maiores;

b) terem, algumas, o soluço eclesiástico, ou pausa para respirar;

c) terem, algumas, o acorde de trítono, (…);

d) não existem modulações;

e) principiarem, muitas delas, pelo acorde de subdominante;

g) serem uma polifonia a duas vozes paralelas, à terceira superior. (p. 412-413)

É cantado tanto por grupos formalmente instituídos frequentemente trajados e com


cerca de 15 a 30 elementos e com um ensaiador ou mestre, como por grupos não-

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formais, mistos, masculinos ou femininos. Requer três papeis - o ponto (solista), que
normalmente inicia o canto; o alto (solista, que entra depois do ponto e canta uma 3ª
acima, fazendo por vezes a quinta, ou a 10ª acima do coro, frequentemente
ornamentando a melodia, e destacando-se deste); e os baixos ou segundas que entram
após o alto (Castelo-Branco 2014; Castelo-Branco 2008).

Enquanto a criação de novos versos acompanha o dinamismo da atualidade, abordando


temáticas relacionadas com acontecimentos e preocupações atuais, a criação de novos
estilos (termo usado para referir as melodias) é menos frequente. No final do século
passado, a etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco assinalava o facto de apesar de
nenhum cancioneiro referir o nome dos criadores de letra e música, estes serem bem
conhecidos e admirados localmente, dando como exemplo o poeta popular Manuel
Castro e o cantador António Luís Fialho, a quem é atribuída a criação de "dezenas de
estilos" (Castelo-Branco 1992, 552).

Fig. 1 – Cantadeiras Essência Alentejana (Cova da Piedade)

3
Fig. 2 – Grupo Coral ‘’Amigos do Cante’’ (Alvito)

Fig. 3 – Grupo de Cantares de Évora

Com esta amostra, é assim possível termos um entendimento sobre o cante alentejano
que nos possibilita a interação com a sua estrutura musical. No espetáculo Mar-Planície
do festival Artes à Rua, no tema As Mondadeiras e no CD de Amílcar Vasques-Dias, é

4
verificado que estas componentes estão presentes. Estando as características principais
do cante alentejano nestes três acontecimentos, podemos afirmar que este cruzamento
de facto existe, não comprometendo a integridade do cante.

2 – A música improvisada

Para se entender este cruzamento, temos de também entender o que é a improvisação.


Embora esta prática já venha a estar presente na música ao longo da era medieval,
renascentista e barroca, a improvisação tem a sua mais profunda presença registada na
era do barroco com a ascensão de solistas virtuosos. (Kyle, 2012). Não deixarei de
passar pela temática do jazz, uma vez que ela será incontornável neste caso, já que no
espetáculo a ser estudado, os instrumentistas participantes, têm na sua formação este
estilo musical. Mas uma perspetiva do que é a improvisação fora do mundo do jazz é
também importante, pois no caso do espetáculo, este cruzamento encontra pontes de
ligação que ultrapassam, ou não passam pela dita ‘’linguagem jazzística’’ com base no
bebop. Segundo Kyle (2012, traduzido), a improvisação pode ser definida em graus em
vez de uma atividade especifica. A improvisação é o grau em que um compositor
transfere o controlo de uma composição musical ao intérprete. (…) é lhe permitido, em
muitos casos alterar mesmo até as notas de uma composição. (…) Em vez de escrever
meticulosamente cada nota de uma peça como faria um compositor, o improvisador
compõe e executa simultaneamente, tornando-o um tipo único de artista e permitindo ao
público uma perspetiva igualmente única na criação da arte. Esta ideia de um
cocompositor é ainda apoiada pelo fato de que as músicas compostas e improvisada são
julgadas pelos mesmos critérios. Para o público, os sons lançados no ar são absolutos. A
fonte da composição é irrelevante na avaliação da música. (p. 27).

Portanto, a música improvisada não é obrigatoriamente jazz, mas sim uma complexa
destreza de composição em tempo real realizada pelo executante.

Visto que em dois dos casos os músicos integrantes dos projectos são músicos de jazz, é
importante termos uma breve definição do que se entende por música improvisada em
contexto jazzístico. Uma vez que o próprio jazz não existe sem improvisação, a parte
que toca a mesma, fica definida em cima, passando apenas a uma ideia do quse pode
chamar jazz. Ao nível do jazz, a improvisação não se distancia em muito do texto acima
referido, mas tem, obviamente, as suas diferenças. Para Clark (2001), não existe bem
uma definição de jazz. Mas é certo que cinco característica não podem faltar:

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1. O jazz tem certas peculiaridades (e.g. “blue” e escalas maiores comuns). (…) 2. O
Jazz apoia-se fortemente e provavelmente fundamentalmente num outro elemento, o
ritmo (e.g. “beat” e sincopação) (…) essencial para o jazz (…) o elemento organizador
da música (…). 3. Jazz emprega cores instrumentais e vocais peculiares (ou “tom” e
“vozes”). (…) 4. Jazz desenvolveu certas formas musicais e reportório específico (e0.g.
blues e ‘’ballad’’). (…) 5. Jazz é a música de um músico (e.g. improvisação individual e
coletiva) (Clark 2001: 19).

Encontramos assim uma forma de poder ligar a improvisação aos outros estilos
musicais, possibilitando assim uma nova música, com uma prespectiva mais abrangente
do que uma estando escrita, permitindo ao seu executante, colocar a sua própria marca
naquilo que estão a fazer, pensar, tocar, não colocando a composição em si em causa.

3 – Hibridismo musical

Esta contemporânea ideia de um surgimento de um hibridismo musical, está


diretamente conectada com a hibridização cultural que se verifica nos países, com o
fenómeno da globalização. A Arte é um elemento expressivo de cada cultura de um
continente, país ou região, fundamental pois com ela é transportada os valores
significados de grupos sociais que apresentam traços característicos de determinado
momento histórico. Com o crescimento humano e por sua vez com a globalização, o ser
humano veio a tornar-se mais próximo mesmo a nível cultural. A música não ficou de
parte neste acontecimento e levou a que certas práticas fossem levadas aos quatro cantos
da terra. Isto permitiu que as várias praticas musicais se pudessem encontrar e conhecer-
se e até encontrar pontes de ligação. (Arazimo, Limongi de Melo e Montenegro, 2020).
Também Néstor Garcia Canclini, na sua obra ‘’ Culturas Híbridas: Estratégias para
entrar e sair da modernidade’’ caracteriza o hibridismo cultural como sendo um
processo em que das culturas antes distintas se misturam, integrando aspesctos culturais,
económicos e políticos, fazendo com que uma nova configuração cultural seja gerada.

Os países latino-americanos são atualmente resultado da sedimentação, justaposição e


entrecruzamento de tradições indígenas (...) o hispanismo colonial católico e das ações
políticas educativas e comunicacionais modernas. Apesar das tentativas de dar a cultura
de elite um perfil moderno, encarcerando o indígena e o colonial em setores populares,
uma mestiçagem interclassista gerou formações híbridas em todos os estratos sociais
(CANCLINI, 2008, p. 216-217).

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Esta observação feita pelo autor podemos verificar que na configuração cultural do
México, acontece uma mistura de indígenas, colonizadores europeus, crioulo,
mexicanos nativos e mexicanos emigrantes, que convivem interagindo as suas formas
culturais e como consequência concede ao México características culturais únicas e
híbridas. (Cassão, Ferreira e Prandi).

Este conceito musical implica uma junção de dois ou mais contextos diferentes, em que
se juntam para formar um novo contexto, sem que nenhum dos núcleos de cada prática
das partes seja posta em questão (Piedade, A). Segundo este autor, podemos identificar
dois tipos de hibridismo: um que pressupõe uma real fusão entre os ‘’dois corpos’’, ou
seja, ‘’A’’ e ‘’B’’ deixam de ser enquanto tais, e passa a ser um novo corpo estável
‘’C’’, o híbrido. Chama a este, hibridismo homeostático. Num outro caso, pode
acontecer um hibridismo contrastivo, que leva a que ‘’A’’ e ‘’B’’ não se fundam, não
criando um corpo ‘’C’’, mas um ‘’AB’’.

Em AB, é importante que A se mostre como A e que B se mostre como B. Mais


propriamente, A necessariamente se afirma enquanto A perante B e vice-versa. A é
contrastivo em relação a B no corpo AB, cujo cerne é justamente esta dualidade. Se este
corpo AB, no qual a identidade de A e B se apresentam conjunta e contrastivamente
(…)

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Capítulo II
1 – Os casos de hibridismo

Os três momentos estudados para este trabalho, são casos diferentes. Sendo dois em
contexto de gravação de CD e um outro em contexto de espetáculo. Nestes casos é
verificado um hibridismo musical algo incomum e pouco praticado até hoje. Surge
através destes momentos uma nova música que junta o cante alentejano com a música
improvisada.

1.1– O caso de Ricardo Ribeiro

Este aclamado cantor de fado nascido em lisboa a 19 de agosto de 1981, começou a


cantar desde muito novo. Desde os 12 anos que Ricardo canta para o público
começando no bairro da Ajuda, onde nasceu. Inúmeras são as condecorações e
concertos ao longo da sua carreira, conhecendo vários nomes da música. Um deles é
Rabih Abou-Khalid (nome incontornável do jazz mundial), que lhe dá ferramentas para
abrir os horizontes da sua música. Em 2016 Ricardo Ribeiro edita ‘’Hoje é assim,
amanhã não sei’’, no qual grava como que uma moda alentejana em modo fado, da
autoria de Paulo de Carvalho, que se chama ‘’ Fadinho Alentejano’’ com o grupo de
cante alentejano – Os Ganhões – de Castro Verde. Mais tarde, a 26 de abril de 2019, iria
lançarr novamente uma moda alentejana, ‘’as mondadeiras’’ num novo CD,
‘’Respeitosamente’’ juntamente com João Paulo Esteves da Silva (pianista de jazz
português) e com o percussionista norte-americano Jarrod Cagwin, especializado em
ritmos orientais, tendo feito grande parte dos seus estudos focado nas percussões
asiáticas e o qual foi aluno de Rabih-Abou-Khalid. (ricardoribeiro.pt, n.d.).

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Fig. 4 – CD ‘’Respeitosa Mente’’ de Ricardo Ribeiro, nº10 (tema em questão)

Neste caso, podemos verificar já a música improvisada de João Paulo Esteves da Silva e
Jarrod Cagwin e a voz de Ricardo Ribeiro serem fundidas de uma forma em que a moda
alentejana não perde as suas características, e a música improvisada torna-se presente de
uma forma bastante presente. Estes dois músicos de jazz não conseguem deixar passar a
oportunidade de deixar a sua marca neste tema, originando assim um hibridismo
homeostático em que nenhum dos dois perde o seu núcleo, e conseguem assim uma
ponte de entendimento para que os dois, coexistindo, deem surgimento a um novo
produto, neste caso inovador, dando uma nova perspetiva à música portuguesa.

1.2– EM CANTE

Nascido em Badim, Monção, efetuou estudos superiores de Piano e de Composição nos


Conservatórios de Música do Porto e de Braga. Foi bolseiro da Fundação Calouste
Gulbenkian e da Secretaria de Estado da Cultura para o Curso Superior de Composição
Instrumental e Eletroacústica no Conservatório Real de Haia, na Holanda. Com este
percurso, permitiu a este pianista conhecer os caminhos da música improvisada. Através
deste percurso, em 2016, juntamente com Joaquim Soares e Pedro Calado, duas vozes
do grupo Cantares de Évora, recriam a interpretação do cancioneiro tradicional
alentejano (meloteca.com, n.d.).

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Fig. 5 – CD ‘’EM CANTE’’

Neste caso, este pianista aborda o Piano de uma forma mais livre, permitindo a música
ter o seu espaço para falar através da improvisação. As duas vozes seguem à risca a
forma de cantar do cante alentejano, não deixando a sua identidade para trás. O mesmo
acontece com o piano de Amílcar, apenas a harmonia é coincidente par que a
dissonância não seja tão predominante nos nossos ouvidos. Mas o que é certo é que a
abordagem ao piano é completamente improvisada, não interligando assim de uma
forma direta como as vozes. Como podemos ver na sua entrevista, o pianista faz por
encontrar uma abordagem pianística que se assemelhe de melhor forma à ‘’paisagem
musical’’ que se está a ouvir. Estamos perante um cado de música híbrida, não há
dúvida. Mas neste caso o melhor hibridismo para o definir seria o contrativo. Com a
opinião já referida em cima, mas voltando a citar, podemos verificar que:

Em AB, é importante que A se mostre como A e que B se mostre como B. Mais


propriamente, A necessariamente se afirma enquanto A perante B e vice-versa.
A é contrastivo em relação a B no corpo AB, cujo cerne é justamente esta
dualidade. Se este corpo AB, no qual a identidade de A e B se apresentam
conjunta e contrastivamente (…) (Piedade, A., 2011)

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1.3– O Espetáculo Mar-Planície

Este espetáculo, integrado no festival ‘’Artes à Rua’’ juntou de forma pioneira, a música
improvisada e o cante alentejano a 15 de agosto de 2019 em Évora. “Mar-Planície” é
um espetáculo que “junta pela primeira vez de forma sustentada o cante alentejano”,
classificado como Património Imaterial pela UNESCO (Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura), “e a música improvisada, criando uma nova
abordagem conjunta para a qual foi escrita música original”, segundo o comunicado que
divulga o projeto. Para esta “mistura de diferentes sonoridades”, o saxofonista e
compositor Carlos Martins, ligado à área do jazz, convidou os músicos João Paulo
Esteves da Silva, Carlos Barretto, Mário Delgado, Alexandre Frazão, Manuel Linhares,
Joana Guerra e José Conde, além do Grupo Cantares de Évora. (ptjornal.com). Na
entrevista feita pelo ‘’Artes à Rua’’ a Carlos Martins, afirma que: ‘’pude contar com Zé
Luís Peixoto, que fez umas modinhas simples também… ou seja, fizemos uma coisa os
dois que foi respeitar a tradição e criar contemporâneo a partir da tradição (…) o grupo
de cantares de Évora foi dizendo que sim e não… e isso, não há nada melhor para um
artista do que ter alguém que lhe vá dizendo que sim e não. Ou seja, para mim, não há
nada melhor (…) dá a sensação de que a limitação, qualquer que seja, é uma grande
fonte de inspiração’’. Já uma individua portuguesa, de idade mais avançada,
entrevistada durante o espetáculo afirmou que: ‘’ o que tenho visto tenho gostado, e
hoje estava curiosa de ver como é que o cante alentejano se metia com o jazz e vice-
versa, e gostei muito da participação do grupo de cantares com o jazz’’.

Infelizmente para este acontecimento, não existe registo vídeo ou áudio para poder
fundamentar o acontecimento. Mas através de variadas notícias em vários sites, jornais e
com esta reportagem do ‘’Artes à Rua’’, pode-se confirmar este acontecimento. Não
conseguimos de facto entender bem qual será o tipo de hibridismo aqui realizado, mas
podemos ter mais uma prova de que esta nova perspetiva de que o cante alentejano e a
música improvisada estão a ir de mão dadas a novos acontecimentos, com público a
querer conhecer esta nova abordagem.

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Fig. 6 – Grupo de Cantares de Évora no espetáculo

Fig. 7 – Espetáculo ‘’Mar-Planície’’

1.4– Entrevistas

A este ponto seriam acrescentadas entrevistas a alguns dos participantes destes


acontecimentos, para poder melhor examinar este hibridismo musical. Claro está que
aconteceriam apenas consoante a disponibilidade de cada um. Os indivíduos que se

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pretende entrevistar seriam: Ricardo Ribeiro; Amílcar Vasques-Dias, Joaquim Soares e
Pedro Calado; João Paulo Esteves da Silva e Carlos Martins.

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Conclusão
Com este trabalho pode-se concluir que existe de fato uma ponte de ligação entre o
cante alentejano e a música improvisada. Estes três momentos justificam esta ideia de
um hibridismo possível entre estas duas práticas musicais. É importante que se faça
mais investigação sobre este tema, já que ele está por se afirmar.

O facto de uma prática musical, dita como tradicional, está sempre em constante
mudança e propicia a encontrar-se com novas ideias. Estes acontecimentos são prova de
que se pode criar algo sem comprometer as tradições de uma musicalidade, dando
origem a uma nova perspetiva do que é a música tradicional e do que é a música
propriamente em si. Deixando nos levar por esta imensa mescla de música, podemos
concluir que a música ultrapassa barreira que muitas vezes são impostas pela sociedade.
Nunca se calhar pensariam os meus antepassados que poderia uma vertente musical
oriunda do Alentejo vir a juntar-se com uma prática que surge num contexto
completamente diferente e com a qual não se lhe acharia grande parecença. É verdade
que a improvisação tem um papel fundamental, já que a partir daí as regras impostas são
bastante mais abrangentes.

O caminho que estes três acontecimentos abriram foi enorme para o cante alentejano,
possibilitando assim uma abertura maior à sua prática, por diferentes perspetivas
musicais, sempre com vista à sua preservação.

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Capítulo III

1.1 – Objetivos, Plano e Métodos


A finalidade deste projeto é criar um festival em Évora (capital da cultura de 2027),
onde possam acontecer vários ‘’workshops’’ dos dois estilos musicais, culminando num
concerto final que integre este hibridismo. Possibilitar também o acontecimento de
‘’Jam Sessions’’ para que os indivíduos participantes, possam ter um contacto mais
empírico com a realidade da improvisação. Um acontecimento que terá a duração de
três dias, dos quais dois deles integrariam oficinas de aprendizagem sobe o cante
alentejano e música improvisada, com incidência no jazz. Este festival estará aberto a
todos os músicos que queiram participar, limitado a uma capacidade máxima que ainda
está por explorar. O nível dos músicos não será avaliado pois o cante alentejano é uma
prática muito comum em músicos amadores no Alentejo.

1.2 – Recursos

Os recursos humanos estarão ligados diretamente à quantidade possível de participantes.


Incluídos estarão docentes e praticantes das duas vertentes para fazer as oficinas.
Especula-se que, pelo menos, serão necessários dois de cada vertente para realizar as
oficinas. Consoante os músicos participantes poderão ser necessários mais para a
realização do concerto. Serão necessárias estruturas físicas, que possibilitem tais
acontecimentos (Oficinas; Concerto final), como. Existem várias possibilidades na
cidade de Évora tais como: Sociedade Harmonia Eborense; Jardim público
(recomendado, caso seja possível realizar numa estação mais amena); Jardim das
laranjeiras; Largo do Conde de Vila Flor; Sociedade Operária de Instrução e Recreio
‘’Joaquim António d’Aguiar’’; Espaço Celeiros; etc.

Desta componente, seriam necessários ainda alojamento e alimentação, para poder


albergar os ‘’instrutores’’ das oficinas, caso não sejam residentes em Évora.
Implicitamente um pagamento aos mesmo. Uma necessidade também de uma entidade
de segurança como Grupo 8 ou Empresa 2045, duas empresas de segurança que atuam
na cidade em questão.

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Anexo

Cronograma

5/23 6/23 7/23 8/23 9/23 10/23 11/23 12/23 1/24 2/24 3/24 4/24
a)
b)
c) * * * * *
d) * * * *
e)
f)
g)
h)

a) Leitura de documentos e redação de texto;


b) Audição de exemplos musicais;
c) Entrevistas*;
d) Relatório de entrevistas*;
e) Revisão do trabalho;
f) Apresentação do projeto a entidade financiadora (Ex.: Câmara Municipal de
Évora);
g) Contratação de pessoal; planificação e organização de toda a logística do
festival;
h) Realização de festival;

*estas alíneas estão dependentes da disponibilidade dos entrevistados

Orçamento

Como neste momento o meu entendimento sobre a planificação de um festival desta


dimensão ainda não suficiente, mais tarde recorrerei a um diretor artístico para poder
obter ajuda em todas as questões de organização, sendo uma delas o orçamento. Não
tendo a certeza de um orçamento em concreto, em baixo poderá observar-se um quadro

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que identifica um orçamento para um evento de três dias, realizado pela associação
‘’PédeXumbo’’ em 2021.

ENCONTRO DE TOCADORES

O Encontro de Tocadores consiste num evento de três dias que pretende juntar
tocadores de instrumentos tradicionais de gerações distintas.

• 5 oficinas de instrumentos tradicionais portugueses e galegos, dinamizadas por


um mínimo de dois tocadores cada, sendo um deles português e o outro galego.
• 1 oficina de danças tradicionais dedicada a danças regionais que diferem de ano
para ano
• 6 intervenções de oradores, entre palestras e apresentações de edições como CDs
ou livros, que complementam as oficinas com informações teóricas
• 1 feira de construtores de instrumentos musicais e de pequenas editoras
discográficas, com o objetivo de promover ambos os setores
• 3 concertos ao ar livre e um baile de música e dança tradicional, dedicados à
música tradicional galega e portuguesa e versando em um ou mais dos
instrumentos abordados nas oficinas
• 1 sessão de apresentação dos trabalhos realizados nas oficinas

Fig. 8 – Quadro de Despesas

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Resultados esperados

Estima-se que a aderência ao festival irá ser bastante elevado. Sendo que Évora é uma
cidade bastante central na zona sul de Portugal, está perto de várias metrópoles
portuguesas e até espanholas com uma grande abrangência musical das duas práticas. O
interesse pelo cante alentejano tem vindo a subir a cada ano que passa desde a sua
entrada para a UNESCO, pelo que este seria mais um ponto de atração para vários
artistas desta área. Do lado da improvisação, os músicos sempre buscam novas vertentes
que proporcionem a abertura de novos horizontes para explorar. Como se pode verificar
pelos casos anteriormente descritos, a aderência a esta atividade será de alta
participação!

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Bibliografia
Anónimo (s.d.-p), "Diary - Eric Hobsbawm", http://www.lrb.co.uk/v32/n10/eric-
hobsbawm/diary, acedido em 05/2023.

Anónimo (n.d.), ‘’Grupos de cante alentejano’’


https://anossamusica.web.ua.pt/subtipologias.php?subtipologia=211 , acedido em
05/2023.

Anónimo (n.d.), ‘’Ricardo Ribeiro’’, https://ricardoribeiro.pt/pt/bio

Anónimo (n.d.), AMÍLCAR VASQUES-DIAS, Composição . Piano,


https://www.meloteca.com/portfolio-item/amilcar-vasques-dias/

Agência Lusa. (2019). Projeto ‘’ Mar-Planície’’ junta cante alentejano e música


improvisada em Évora. Observador.pt. https://observador.pt/2019/08/15/projeto-mar-
planicie-junta-cante-alentejano-e-musica-improvisada-em-evora-2/ (03/2023)

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