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KLAUS WENGST

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Wengst, Klaus.
Pax Romana: pretensão e realidade: experiências e percepções da paz
em Jesus e no cristianismo primitivo / Klaus Wengst; [tradução António
M. da Torre; revisão José Joaquim Sobral, Horiório Dalbosco]. — São
Paulo: Edições Paulinas, 1991. — (Coleção Bíblia e sociologia)

Bibliografia.
ISBN 85-05-01048-5

1. Jesus Cristo — Ensinamentos 2. Paz — Aspectos religiosos —


Cristianismo — Igreja primitiva 3. Paz — Ensino bíblico 4. Roma —
Civilização I. Título.
II. Série: Bíblia e sociologia.
CDD-261.873 PAX ROMANA
- 230.09015
- 232.954
-9 3 7
Pretensão e realidade
89-1128
Experiências e percepções da paz
em Jesus e no cristianismo primitivo
índices para catálogo sistemático:

1. Cristianismo e pqz: Teologia social 261.873


2. Doutrina cristSí fgreja primitiva: História 230.09015
3. Jesus Cristo: Ensinamentos: Cristologia 232.954
4. Paz e cristianismo: Teologia social 261.873
5. Pax Romana: Roma antiga: História 937
6. Roma antiga: Civilização 937

Coleção BÍBLIA E SOCIOLOGIA

1. A s origens cristãs em perspectiva sociológ ica, H. C. Iíee


2. A s Tribos d e Ia h w eh — Uma so ciolo g ia d a religião d e Israel liberto, Norman K. Gottwald
3. Um lar p a ra qu em n ã o tem ca sa — In terp retação so cio ló g ica d a I a C arta d e Pedro, J.
H. Elliott
4. R elig ião e fo rm a çã o d e classes na antiga Ju d éia, Hans G. Kippenberg
5. In trod u ção socioliterária à B íb lia H ebraica, Norman K. Gottwald EDIÇÕES PAULINAS
6. A ju stiça s o c ia l no antigo Oriente M édio e o p o v o d a B íblia, Léon Epsztein
7. P ax rom an a — P reten são e realid ad e, Klaus Wengst
Também Apuleu realça a subomabilidade dos juizes quando, depois da 6. “Quando é que houve tantas cidades...?”
descrição de uma cena de teatro que representa a sentença de Páris, pergunta O aspecto cultural-civilizatório da Pax Romana
imediatamente: “De que vos admirais, portanto, cabeças de vento, antes, ovelhas
no tribunal; não, vós abutres na toga, se hoje em dia todos os juizes vendem as
Com o Império Romano espalhou-se o modo romano de viver. A vida em
suas sentenças por dinheiro?”244 cidades é parte essencial da civilização e da cultura romana. Roma colonizou —
Um lugar especial no sistema de justiça ocupam, como não era de esperar
no sentido mais verdadeiro da palavra; pois a instalação de colônias em todo o
outra coisa, os soldados. Juvenal trata das vantagens comuns a todos os soldados:
império, através de veteranos do exército, era parte integrante da política
“A não menos importante consiste em que nenhum civil ousa bater-te, sim, que
romana.
ele mesmo quando (um soldado) lhe bate, esconde-o e não ousa mostrar diante do pretor
os seus dentes arrancados, a sua face coberta de hematomas castanhos e azuis e inchada a) “Pórticos, banhos e seletos banquetes”
e o olho que, embora ainda lhe reste, mas cuja preservação o médico não pode prometer.
Quando é pedida uma condenação, o presidente da audiência é alguém que calça botas A urbanização da população nas províncias bárbaras serviu de meio,
militares; e no longo banco dos jurados estão sentados os vogais com pernas grossas.. ,”245 utilizado conscientemente, da pacificação no sentido de Roma. É novamente
Tácito quem oferece a prova mais clara disso e o exprime de forma surpreen­
Sobre este fundo soa bastante oco quando Élio Aristides elogia a justiça dentemente clara. Ele escreve sobre a atuação de Agrícola no inverno de 78/79
imperial: “Aqui existe uma englobante e gloriosa igualdade do pequeno com o na Bretanha:
poderoso, do necessitado com o rico, do simples com o nobre”.246
“Para habituar, através de comodidades, à tranqüilidade e a comportamento
pacífico, os homens que viviam espalhados e de uma maneira primitiva e que, em
conseqüência, eram facilmente inclinados para a guerra, encorajava-os pessoalmente e
subsidiava-os com ro eios públicos para construírem templos, praças públicas e casas na
cidade. Elogiava os aplicados e repreendia os morosos; assim, o reconhecimento e o
esforço êmulo substituíam a coação. Além disso, fez educar os filhos dos nobres nas artes
liberais... Assim aconteceu que os homens que ainda há pouco rejeitavam a língua
romana, agora ansiavam por aprender a retórica romana. A partir de então também a nossa
apresentação externa encontrou agrado e a toga era usada freqüentemente. Pouco a pouco
a gente entregava-se à influência amolecedora do vício: pórticos, banhos e seletos
banquetes. E isto chamava-se, para os ingênuos, modo fino de viver (humanitas), quando,
na verdade, era apenas um elemento de escravização”.247

A urbanização do império é muito elogiada por Élio Aristides; ele propõe


a pergunta retórica: “Quando já houve tantas cidades no interior e na orla

247. Tácito, Agr., 21. Sobre o significado de hu m an itas cf. G élio, noctes Atticae, X I II 17,1, o qual
expõe que ele não corresponde ao termo grego ph ilan trop ia (= amabilidade para com as pessoas),
como, na maioria das vezes, no seu tempo, era compreendido, mas à p a id e ia (= formação). Segundo
o relato de P lutarco já Sertório, como governador na Espanha, procurava conquistaras simpatias dos
“bárbaros” ensinando-lhes o sistema militar romano e ataviava os seus armamentos; então continua:
“Ele ganhou-os para si, sobretudo através do seu procedimento para com os filhos deles. Pois ele
mandou juntar na grande cidade de Osca os rapazes mais nobres das tribos, encomendou para eles
professores de grego e latim e transformou-os, assim, na verdade, em reféns, enquanto apresentava
como motivo mandar educá-los, para que eles, uma vez feitos homens, pudessem participar no
governo e na administração do Estado. Os pais alegravam-se extraordinariamente quando viam seus
244. A puleu, met., X 33,1. Também Ju v en al pressupõe, com toda evidência, a venalidade dos filhos caminhar ordenadamente, em suas vestes orladas de púrpura, para a escola, onde Sertório
juizes (Juvenal, sat., XIII 3s); cf. também Tácito, ann., II 34,1. pagava os professores para eles, freqüentemente os examinava, distribuía prêmios àqueles que se
24-5. Ju venal, sat., XVI 6-14. distinguiam e presenteava-lhes as cápsulas douradas de pendurar que os romanos chamam de b u lia ”
246. A ristides, Romrede, 39; e ainda mais vazio soa quando P flau m afirma: "... as leis eram (Sertorius, 14). Quando, porém, mais tarde, surgiu uma revolta, Sertório manda, “em parte matar, em
sempre interpretadas segundo os mandamentos da humanidade” (384). parte vender como escravos estes reféns” (25).

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marítima?” Em relação a dominadores anteriores, ele salienta o mérito dos roma­ Como um aspecto importante da vida citadina devem ser mencionados
nos, dizendo “que aqueles eram como que reis de terra deserta e castelos fortificados, ainda os jogos. Eles eram de importância não só para Roma, mas ocupam lugar
ao passo que somente vós sois senhores de cidades”.248O domínio romano cuidava de muita importância nas cidades das províncias.254Segundo Plutarco, já Lúculo
de dotar as cidades de instalações públicas. A troca de correspondência entre o usara a organização de jogos como instrumento político para assegurar a paz
imperador Trajano e Plínio, durante o período do seu governo na Bitínia-Ponto, romana na terceira guerra contra Mitridates. Ele escreve: “Depois de Lúculo ter
refere-se freqüentemente ao assunto. Aí trata-se da construção de banhos e adutoras estabelecido a paz e a ordem legal em toda a parte da Ásia Menor, não deixou
de água, de teatros e ginásios, da cobertura de um córrego-cloaca malcheiroso ao também de cuidar da alegria e boa disposição, mas conquistou as simpatias das
longo de um belo passeio.249Assim, realça também Aristides: “Em toda parte há cidades, enquanto residia em Efeso, mediante cortejos solenes, grandiosas festas
ginásios, fontes, pórticos, templos, oficinas e escolas”.230E ele não esquece de elogiar de vitória, lutas de atletas e gladiadores”.255A realização de jogos nas cidades das
os romanos como autores deste florescimento citadino: “Nunca cessa a corrente dos províncias servia, não em último lugar, para assegurar o domínio das camadas
presentes que flui da vossa parte para estas (i. é, estas cidades)”.251 Que esta “cor­ superiores autóctones. Assim Apuleu conta de um homem em Corinto que
rente” tem como seu pressuposto e condição uma corrente muito maior em sentido
“percorrera os degraus dos cargos públicos” e, finalmente, “fora nomeado para
contrário, naturalmente Aristides o ignora. a administração principal por cinco anos”. Isto serviu-lhe de ocasião para
Reis aliados, que deviam seus tronos às graças de Roma, também
realizar lutas de gladiadores durante três dias, para as quais mandou trazer
fomentavam, por iniciativa própria, a romanização em seus territórios. Assim,
animais e gladiadores também da Tessália.256Ápuleu relata já antes jogos de
Josefo relata de Herodes, o Grande, que:
gladiadores previstos para Platéia, que certo Demócares queria realizar:
“Ele, em virtude do seu gosto pela pompa e do zelo com que procurava atrair as
boas graças de César e dos poderosos de Roma, foi levado à apostasia dos costumes pátrios “Este era homem de ascendentes com raça, com muito dinheiro e mecenas de
e ao desrespeito das leis; pois, por causa da sua ambição, construiu cidades e erigiu classe, que costumava organizar brilhantes diversões populares à altura de sua riqueza...
templos; não na Judéia, pois os judeus, aos quais é proibido venerar, ao modo dos gregos, Aqui gladiadores de habilidade afamada, ali toureiros garantidamente lestos, criminosos
colunas esculpidas e imagens, não o teriam tolerado, mas noutras regiões e cidades”.252 fora da lei, que com seu apetite forneciam a ração de feras selvagens... Além disso, que
quantidade e que espécie de animais selvagens! Tinha tomado de modo especial a peito
Do florescimento das cidades são parte também conquistas civiliza- mandar vir, até de fora, aqueles sarcófagos maravilhosos para pessoas que tinham sua
cabeça a prêmio”.257
tórias que, segundo Sêneca,
Até que ponto a pobreza da população simples está em contraste com
“surgiram somente nos nossos dias, como p. ex., janelas, que deixam entrar a luz
este luxo, ressalta da exposição seguinte:
do dia através de fatias transparentes ou, como nas instalações balneárias, os pisos ocos
e a rede de canos embutidos, que distribui o calor e aquece de modo igual tetos e
pavimentos. Para não falar das superfícies de mármore que fazem brilhar templos e casas, “Os animais foram atacados por uma peste repentina e caíram quase para o número
das enormes colunas de pedra, redondas, polidas, que nós fazemos suportar átrios e tetos, zero. Em toda a parte se podiam ver deitadas nas estradas carcaças de animais semimortos.
Então o povo simples, que na sua miséria tem que procurar refeições que não custam nada
nos quais há lugar para populações; dos sinais de taquigrafia, que podem captar um
e coisas nada apetitosas para encher seus ventres emagrecidos, sen) ser esquisita na comida,
discurso proferido rapidamente, que dão à nossa mão a velocidade da língua”.253
atirava-se para cima dos assados festivos que jaziam por toda a parte”.258

248. Aristides, Romrede, 93; cf. 94. Modo romano de viver como meio eficaz da política romana de paz —
249. P línio, epist., X 37-42. 70s. 98s. espíritos revoltosos, que ainda não estavam romanizados reconhecem-no. Deste
250. Aristides, Romrede, 97. modo, segundo a narração de Tácito, durante a revolta dos batavos sob Civilis,
251. Ib., 98.
252. Jo sefo , ant. Iud., XV 328-330; cf. também 331-341, onde é descrita a construção de Cesaréia
à margem do mar, assim como 268, de acordo com o que Herodes organizava em Cesaréia jogos de
cinco em cinco anos, mandou construir um teatro em Jerusalém e um anfiteatro na planície. 254. Fuchs chama os anfiteatros e banhos “sinais visíveis da romanização” (Widerstand, 49).
253. Sêneca, epist., 90,25. Então ele menciona ainda “um soprador de vidro que com o seu sopro 255. Plutarco, Lucullus, 23. A respeito dós jogos na Ásia Menor durante a era imperial, cf.
dá ao vidro as formas variadas que mal podem ser imitadas mesmo por uma mão artista" (31). Mas
Franke, 24-27; também as imagens de moedas correspondentes.
ele não o diz como expressão de entusiasmo, mas antes como expressão de cansaço da civilização;
em lugar disso ele está entusiasmado pelo tempo anterior, e menciona entre outras coisas: “ar puro 256. A puleu, met., X 18,ls. Em X 29,4-32,4; 34,1-3 A puleu descreve a parte'inicial de um
e vento que sopra sobre os campos, sombra suave que um rochedo ou uma árvore oferecem, fontes programa no anfiteatro de Corinto: ballet grego, representação do julgamento de Páris, execuções por
e riachos transparentes e não desfigurados, que seguem o seu percurso natural sem serem deturpados animais selvagens.
nem por canalizações nem por regularizações dos leitos dos rios, prados não cuidados, mas de 257. A puleu, met., IV 13,2.4.6.
aspecto maravilhoso” (43). 258. Ib., 14,2.

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3.
veio para Colônia um germano da margem direita do Reno e incentivava os seus interessa exatamente pela arte e pela ciência. No entanto, ele não o lamenta. Põe
concidadãos: “Fora com os prazeres, com os quais Roma alcança mais junto aos as seguintes palavras na boca de Anquises, no inferno:
subjugados do que por suas armas!”259Mas os germanos de Colônia não queriam
mais privar-se das vantagens do modo romano de viver e apontam, além disso, “Um dia outros, assim o creio, de respiração mais suave, farão surgir imagens do
para as relações de parentesco com os colonizadores romanos.260 bronze e formarão traços vivos no mármore; falarão mais eloqüentemente no tribunal,
desenharão exatamente as órbitas do céu com o bastão e anunciarão as estrelas que
b) "... uma vez que a cobiça do dinheiro sobem”.264
atacou os corações como ferrugem”
Mas então faz seguir, cheio de autoconsciência, aquele texto que fala do
Harald Fuchs cita repetidamente um texto no qual Plínio, o Velho, se domínio sobre o mundo e de uma ordem universal de paz, como dom e tarefa do
admira de que ao grande desenvolvimento político para uma região anexada ao romano.265
Império não corresponde progresso na cultura e na ciência, mas, pelo contrário,
se deva constatar retrocesso.261 De modo substancialmente análogo a Plínio, o Excurso
Velho, manifesta-se Petrônio. Ele faz o seu poeta Eumolpo apresentar a cobiça “A mim, porém, que o meu destino me conduza pela vida modestamente e em
como causa para a decadência da arte e da ciência: paz...”
“Onde está a dialética? Onde a astronomia? Onde o alto caminho para o último
conhecimento? Quem é que já entrou num templo e fez um voto para o caso de alcançar Perante esta política bélica, que levou à posição de potência mundial e a
a eloqüência? Quem fez um voto para o caso de tocar nas fontes da filosofia? Quando se conservava, e ao luxo urbano, que nela se fundava, também se ouviam outros tons em
fazem promessas não se reza pedindo inteligência ou boa saúde, mas, imediatamente, Roma e nas suas redondezas imediatas, concretamente nas elegias de Propércio e Tíbulo,
sobretudo no último. Eles são algo assim como dissidentes e recusam-se, com isto, de fato
antes de tocar a soleira (do Capitólio) um promete um presente se puder levar para o
ao sistema dominante, embora não possam ser compreendidos, de modo algum, como
túmulo um parente rico; outro, se encontrar um tesouro; um terceiro, para o caso de poder inimigos por princípio da política romana de poder. Por um lado, sobretudo Propércio
chegar com saúde a trinta milhões... Não te admires, portanto, se a pintura decair, pois pode dar expressão, despreocupadamente, à esperança geral da conquista dos países mais
todos, no céu e na terra, consideram uma pepita de ouro mais perfeita na forma do que tudo distantes.266 Ele faz a mulher do legionário romano, que tem saudades do marido,
o que Apeles e Fídias, estes idiotas da Grécia, criaram”.?62 expressar finalmente o desejo: “Possas tu vencer os filhos da terra dos partos e, em honra
disso, seguir no cortejo triunfal o cavalo à distância de uma lança!”267Por outro lado, no
Já Horácio se queixava, de modo não diverso, que “os gregos tinham entanto, ele pode opor, criticamente, o “caminho correto” às conquistas que se expandem:
recebido da musa o talento criativo, o fluxo mágico do discurso”, ao passo que “Mas agora o vento empurra-nos para a vastidão do mar e procuram-se inimigos
a juventude de Roma aprendia a “dividir em cem” o asse, esta pequena moeda de artificialmente e só se faz seguir uma guerra à outra”.268Ele vê a causa disso na ânsia de
cobre. Em vista deste espírito de merceeiro ele pergunta: “Que podemos esperar, riqueza, da qual ele próprio se sabe livre: “O meu coração, porém, não é atormentado pelo
uma vez que a sede de dinheiro atacou os corações como ferrugem? Talvez o elã odiado ouro... sou pobre. Por isso, Corinto, não compro os bronzes que tu perdeste”.269
para poesias que, protegidas por óleo de cedro, seriam dignas de continuar no liso E àquele que vai para a guerra em vista de espólio rico, ele aponta a inutilidade desté
empreendimento em consideração à morte. “E, no entanto, ó tolo, não levas nenhum
armário de ciprestes?”263Também Virgílio vê esta situação de que Roma não se
tesouro para as ondas de Aqueronte; um dia entrarás nu na barca do inferno. E lá as
sombras unificam vencidos e vencedores”.270 Diante disso ele aposta em passar noites
259. Tácito, hist., IV 64,3.
260. Ib., 65,2. 264. Virgílio, Aen., VI 847-850.
261. Friedensgedanke, 198s; Widerstand, 18.47-49. Trata-se de P línio, nat., XIV 1,2-6. Fuchs 265. Cf. supra, p. 26, com a nota 51.
escreve a esse respeito: “Ocupando-se com a herança das forças culturais gregas, Plínio aprendeu a 266. Cf. apenas Propércio, II 10,10-20.
captar e compreender quanto o mundo perdera pelo desaparecimento de uma forma anterior e
267. Propércio, IV 4,67s. Esta linha é realçada unilateralmente por Meyer. Ele encontra “em
variada da vida dos povos” (Friedensgedanke, 199). Cf. também o juízo de E hrhárdt que “as cidades
gregas (perderam) cada vez mais a sua individualidade sob a dominação romana, que nivelava e Propércio as mesmas idéias, desejos e expectativas em relação à política externa deAugusto (...) que
centralizava tudo” (I 240). Também H ein ze constata que “a ciência... permaneceu sempre o ponto em Virgílio e Horácio; apenas pensadas de modo mais ingênuo e expressas de modo menos velado”
mais fraco da cultura romana” (76; cf. todo o trecho 76-90). (301). No entanto, nesta interpretação, ele não deixa manifestar-se as passagens a mencionar
262. P etrônio, satyrícon, 88,7s. 10. imediatamente. As afirmações de P ropércio não estão livres de contradições, porque sua existência
263. H orácio, ars, 325-332. O progresso técnico que este espírito, sem dúvida, produziu e que é contraditória: ele vive do sistema dominante e distancia-se, ao mesmo tempo — ao menos
levou a todas as comodidades, como S ên eca as descreveu na citação reproduzida acima, p. 64 e às parcialmente — dele.
quais ele, com certeza, não quer renunciar, não é louvado, no entanto, por ele. Ele não atribui estas 268. Propércio, III 5,10-20.
invenções à sabedoria: “invenções são, com certeza, mas invenções de humildes escravos" (S ên eca, 269. Ib., 3.6.
epist., 90,25.) 270. Ib., 13-15.

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felizes com a amada. “Pois uma única noite pode transformar cada um em deus. Ah, se arrombam portas e se começa com prazer a briga com rivais”.282Outros que vão para a
todos quisessem passar assim a sua vida e descansar em paz, pesados do vinho abundante! guerra! Tibulo não quer participar dela, mas ter a sua sobrevivência comodamente.
Então não haveria a cruel espada e não haveria navio de guerra algum”.271Assim ele declara “Bandeiras, trombetas, fora com vocês! Causai feridas aos homens que anseiam por elas!
o deus do amor o deus da paz. “Amor é deus da paz; nós amantes honramos a paz. Para Trazei-lhes tesouros! No entanto eu gostaria de caçoar dos ricos, tranqüilo na minha
mim é suficiente a luta dolorosa com a amada”.272Uma vez que seja velho demais para isso, propriedade, mas de caçoar também ao mesmo tempo da fome”.283
quer-se dedicar à ciência.?73No final desta quinta elegia do terceiro livro, expressamente Tibulo e Propércio estão diante da poderosa Páx Romana em atitude mais do que
crítica para com Roma que, ambiciosa, conquista o mundo, ressoa, no entanto, o tom da distanciada. Eles ignoram o conceito de paz da Pax Romana, que determina tudo quando,
esperança bélico-nacionalista, embora de modo característico: “No entanto vós, que sem a mínima referência à mesma, compreendem a Pax como a deusa do amor e, com isso
preferis as armas, trazei-nos agora para casa a águia do exército de Crasso!”274Propércio se recusam a seguir a ideologia oficial. O seu ideal de paz284permanece privado e a sua
participa do desejo da recuperação da insígnias militares, mas a guerra para essa situação modesta não é tão modesta assim que eles não se pudessem dedicar a cuidar dele.
finalidade, outros que a façam. Para a sua pessoa decidiu-se de outro modo, a saber: pelo Numa; transformação ativa da ordem de paz existente não estão interessados. Mas como
amor e — mais tarde! — pela ciência. “dissidentes”, que se subtraem ao menos parcialmente ao Império, poderiam ser consi­
A alternativa para com a Pax Romana manifesta-se mais fortemente em Tibulo derados precursores isolados daquilo em que Werner Raith vê a causa essencial para a
do que em Propércio. Realmente ele ainda gostaria “de elogiar o Messalino quando ele, “derrocada” do Império Romano, a saber, que “os povos deste império mundial, inclusive
um dia, apresentar diante do carro as cidades que ele venceu, coroado com a coroa de do seu país central, a Itália, procuravam em larga escala, de maneira consciente e
louro, com o corpo envolvido em loureiro campestre; então o guerreiro canta: hurra!, proposital, alternativas para o Imperium, uma das quais (e, como se devia mostrar, aquela
exclama: triunfo! de modo retumbante”.275Analogamente ele faz a Sibila predizer a Enéias que teve maiores conseqüências) era a volta para a terra e para o cultivo da terra”.285
o futuro domínio de Roma sobre o m undo.276 Mas ele insere esta tradição num contexto
que põe outros acentos. Ao lado da Roma beligerante e que assim se tom ara poderosa, ele
põe a “Roma dos pastores”.277Isto não é recordação romântica dos “bons velhos tempos”.
Ele próprio se dedicou muito mais à simplicidade e ao trabalho da vida de agricultor. “A
mim, porém, que o meu destino me conduza pela vida modestamente e em paz, desde que
o fogo chameje para mim na minha própria lareira. Eu gostaria, quando for o tempo certo,
plantar como agricultor, plantar as tenras videiras com mãos cuidadosas, colher maçãs;
que apenas então não me engane a esperança de que os frutos se amontoam e que os barris
estejam sempre cheios de mosto oleoso!"278Ele aceita viver numa situação modesta;279e
por isso também não quer ir para a guerra. Pois, como Propércio, ele vê a causa da guerra
na ambição da riqueza. “Culpa tem-na o precioso ouro. Não havia guerra quando o copo
que se usava na refeição era simplesmente de madeira de faia”.280Assim ele contrapõe à
“loucura de buscar para si morte sombria na guerra” como digno de elogio aquele “de
quem se aproxima tranqüila uma velhice pacata em sua casa modesta entre os filhos”.281
E antes de chegar a velhice, “trata-se de seguir o amor volúvel, enquanto sem pejo se

271. Propércio, II 15,40-43.


272. P ropércio, III 5,ls.
273. Ib., 23-46.
274. Ib., 46s. Tem-se em mente as insígnias perdidas para os partos na batalha de Carras no ano
53 a.C.
275. Tibulo, II 5,115-118.
276. Ib., 39-64. 282. Tibulo, I l,73s. T ibulo prefere ater-se “às batalhas de Vênus” (1 10,53). Cf. também o seu
277. Cf. a esse respeito W immel, passim, especialmente 236-252. Que em Tib. I I 5 haja “reco­ desejo em II 5,105s: “Pela paz, ó Febo, desapareçam os arcos e as flechas; que apenas o Amor
nhecimento e confirmação do imperialismo romano” e pensar esse reconhecimento e confirmação desarmado percorra os países”.
tão unidòs àquele “estado feliz” de paz “esperado pelo poeta”, como é o caso em H orácio, segundo 283. T ibulo, 1 1,75-78. Anteriormente, 53-55, dissera: “A ti, Messala, pertence combater na terra
o qual “o império universal romano (...) forma o pressuposto fundamental para a existência pacífica e no mar, para que a tua casa mostre como ornamento o espólio inimigo. A mim, no entanto, uma
e segura dos romanos” (assim W ifstrand-Schiebe, 58s) é algo que não se pode provar com base nos moça amável tem-me aprisionado”. Cf. também 1 10,25-32.
próprios textos de Tibulo. 284. Cf. ainda a exposição da paz abençoada em Tib. 1 10,45-68, Colocar a Pax, invocada no fim,
278. Tibulo, I 1,5-10. 67s, em conexão com o programa de paz de Augusto (assim W ifstrand-Schiebe) é algo que não se
279. As posses herdadas dos pais tinham sido reduzidas pelo confisco; mas “um pedaço de terra pode fazer, visto que no contexto aparecem duas vezes caracteres militares como contradição à paz
é suficiente” (T ibulo, 1 1,43). e não como seu pressuposto (49s, 65s). Sobre a “falta de relações concretas para com o mundo
280. Tibulo, 1 10,7s. Cf. sobre a elegia 1 10 Schzoarz, passim. romano” em Tib., 1 10 cf. também L aage, 120-125 (a citação na p. 125).
281. Ib., 33.39s. 285. R aith, 12.

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