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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES


DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA - DEB
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PREG
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA - PARFOR
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FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

CURSO LETRAS PORTUGUÊS

MODALIDADE PRESENCIAL

COORDENADOR JOÃO BENVINDO

EQUIPE DE ELABORAÇÃO DO
CADERNO DE TEXTOS
FRANCISCO DAS CHAGAS COSTA
LETRAS PORTUGUÊS/ESPANHOL – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO TOCANTINS
ESPECIALISTA EM LÍNGUA PORTUGESA E LITERATURA – FLATED
MESTRANDO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE/ NITERÓI – RJ
MARIA DAÍSE DE OLIVEIRA CARDOSO
LETRAS PORTUGUÊS/ ESPECIALISTA/ MESTRE

LEONETE CUNHA FERNANDES


LETRAS INGLÊS/ TRADUTORA/ ESPECIALISTA

LUELDO TEXEIRA BEZERRA


LETRAS PORTUGUÊS – UNIVERSIDADE ESTAUAL DO PIAUÍ
ESPECIALISTA EM LINGUÍSTICA – INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR MÚLTIPLO
MESTRE EM LETRAS – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

DISCIPLINA

LÍNGUA E CULTURA LATINA


CARGA HORÁRIA: 60H.
CRÉDITOS: 4.0

PROFESSOR FORMADOR

MARIA DO REMEDIO DA SILVA CARDOSO


CARVALHO
LETRAS PORTUGUÊS/ ESPECIALISTA
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO PREG
COORDENADORIA DE SELEÇÃO E PROGRAMAS ECIAIS - CSPE
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA - PARFOR

- DEB
- UFPI

ESP–

PLANO DE ENSINO - 2023.1


(Adaptado do modelo do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas - SIGAA)

1. IDENTIFICAÇÃO
CURSO: LETRAS PORTUGUÊS TIPO DE FORMAÇÃO: 1ª LICENCIATURA MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO:
PEDRO II
DISCIPLINA: LÍNGUA E CULTURA LATINA BLOCO:
MODALIDADE: Presencial PERÍODO LETIVO: 2023.1
CARGA HORÁRIA:60H CRÉDITOS:4.0

PROFESSOR(A) FORMADOR(A): MARIA DO REMEDIO DA SILVA CARDOSO CARVALHO

2. EMENTA
A relevância linguístico-cultural do estudo do latim nos cursos de Letras. História e formação da Língua latina.
Literatura latina. Abordagens paradigmáticas e sintagmáticas das línguas analíticas e sintéticas. Gramática básica
latina. Leitura, tradução e análise de textos diversos em latim. Traços latinos em línguas românicas.

3. OBJETIVOS

o Apresentar o panorama e aspectos da história externa e interna da língua latina; o Ler/transcrever palavras
e expressões da língua latina de acordo com a pronúncia reconstituída; o Fornecer uma visão geral das classes de
palavras latinas presentando os casos latinos e as suas respectivas funções sintáticas;
o Mostrar os paradigmas das cinco declinações e como reconhecê-las no dicionário, por meio do genitivo;
Mostrar a presença de elementos da cultura clássica e termos latinos nos dias atuais

4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
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1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA LÍNGUA LATINA


1.1 História do Latim e das línguas latinas
UNIDADE I 1.2 Introdução à fonética do Latim
1.3 Texto: Puella Cantat

2 ESTRUTURA DA LÍNGUA LATINA (1ª PARTE)


2.1 Cavalo de Troia
UNIDADE II 2.2 Nominativo
2.3 Texto: Magistra et discipulae

3 ESTRUTURA DA LÍNGUA LATINA (2ª PARTE)


3.1 Gênero neutro
UNIDADE III 3.2 Teatro de Marcelo
3.3 Estrutura do verbo latino
3.4 Texto: Domina et servae

- DEB
- UFPI

ESP

5. METODOLOGIA E RECURSOS DIDÁTICOS


Aula expositivo-dialogada com foco em orientação aos referentes dos registros históricos sobre a língua latina, além
de leituras e explicações de textos latinos, com apresentação da estrutura da Língua Latina, de seu vocabulário e de
sua gramática (em comparação com a Língua Portuguesa);
Realização de trabalhos tanto de prática da gramática apresentada em sala quanto de prática de tradução de textos em
latim para integralização do conteúdo abordado.
Recuros: compuaor, projetor digital, textos complementares e gramáticas latinas

6. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM


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Os alunos serão avaliados seguindo os critérios: participação em aula, realização das leituras, estudo dirigido,
realização dos exercícios, provas, seminários, escrita e entrega de textos.
O aluno será avaliado de acordo com as Normas de Funcionamento dos Cursos de Graduação da UFPI, aprovadas
através da Resolução 177/12 de 05/11/2012 do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão - CEPEX, e da Resolução
101/2021-CEPEX, de 15.07.2021, levando-se em consideração, principalmente os seguintes pontos:
1. Para efeito de registro no diário de classe, serão consideradas 3 (três) avaliações, expressas em nota,
obedecendo a uma escala de 0 (zero) a 10 (dez).
2. Será aprovado na disciplina, por média, o aluno que obtiver frequência mínima de 75% e média aritmética
igual ou superior a 7 (sete).
3. O aluno que não for aprovado por média poderá submeter-se ao exame final, desde que tenha média aritmética
mínima de 4,0 (quatro) e frequência mínima de 75%.
Apreciação de desempenho se efetivará a partir da observação do envolvimento dos acadêmicos no decorrer das
aulas, sobretudo na produção e refacção satisfatória diante dos registros realizados pelos próprios acadêmicos
durante toda a aula;

o Excercíos complementares + prova individual _ 1ª nota o


Seminários Temáticos _ 2ª nota o SIMPARFOR _ 3ª nota

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BÁSICA
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. – 29. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2000.
CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao latim. Ática, 1993.
GALVÃO, José Raimundo. Fundamentos da Língua Latina. Universidade Federal do Sergipe. São
Cristovão: CESAD, 2007.
LAGARES, Xoán Carlos. Qual Política Linguística? São Paulo: Parábola Editorial, 2018. RÓNAI, Paulo.
Curso Básico de Latim I: Gradus Primus. São Paulo: Editora Cultrix, 1986.

COMPLEMENTAR
RÓNAI, Paulo. Curso Básico de Latim II: Gradus Secundus. São Paulo: Editora Cultrix, 1986.
SOUZA, Douglas Gonçalves de [et al]. Latim Genérico: v. 1 e 2. Rio de Janeiro: CECIERJ, 2014

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CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DE DISCIPLINA - 2023.1


IDENTIFICAÇÃO
TIPO DE FORMAÇÃO: 1ª
CURSO: LETRAS PORTUGUÊS MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO: PEDRO II
LICENCIATURA
DISCIPLINA: LÍNGUA E CULTURA LATINA BLOCO: II

CARGA HORÁRIA: 60 CRÉDITOS:4.0 MODALIDADE: Presencial PERÍODO LETIVO: 2023.1


PROFESSOR(A) FORMADOR(A): MARIA DO REMEDIO DA SILVA CARDOSO
CARVALHO
ATIVIDADES
UNIDADE C/H
CONTEÚDO RECURSOS PERÍODO PERÍODO DE RECURSOS DIDÁTICOS
DIDÁTICA PERÍODO INTENSIVO DATA C/H REFERÊNCIAS C/H REFERÊNCIAS TOTAL1
DIDÁTICOS COMPLEMENTAR REALIZAÇÃO

I História do Aula expositivia 10.07 5 Material Vide plano Seminário 26.08 10 Textos - 60h
Latim apostilado temático complementares
I Introdução à Aula expositivae 10.07 5 Material - SIMPARFOR 18.10 10 Textos -
fonética Latim atividades apostilado complementares
II Nominativo (e Aula expositiva 11.07 10 Material -
as 5 declinaçôes apostilado
III Gêneros neutro Aula expositiva e 12.07 05 Material -
atividades apostilado
III Estrutura do Aula expositiva e 12.07 05 Material -
verbo atividades apostilado
Atividades Realização individual 11 e 10 Texto -
extras 12.07 extra

1 Carga horária total= carga horária do período intensivo + carga horária do período complementar.

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UNIDADE I

História do Latim e das língua latinas

Resumo

História do Latim e das língua latinas

Nesta unidade, estudaremos os conhecimentos


introdutórios acerca da L íngua Lati na, origem,
evolução e fortuna hist órica, hist ória interna e
externa, princ ípios de fon ética e fonologia, como
também a estrutura da l íngua (casos e fun ções
sintáticas).
História do latim e as línguas
neolatinas

O latim era a língua falada na região central da Itália, chamada de Lácio,


durante o primeiro milênio antes de Cristo e que, juntamente com o
Império Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo norte da
África e por diversas regiões da Ásia, até se transformar, através do curso
natural das línguas, em dialetos incompreensíveis entre si, que acabaram
dando origem a línguas como o nosso português, o francês, o catalão, o
espanhol, o italiano, o romeno, o provençal, entre outras.

O latim que aprendemos hoje corresponde à variante literária do


período que, de maneira geral, compreende os séculos I a.C e I d. C. Esse
período é muito importante para a história do Ocidente, pois foi nele que
grandes autores escreveram obras literárias que ajudaram a moldar as
bases culturais, políticas, sociais, filosóficas e religiosas da Europa e,
consequentemente, do mundo ocidental. Dentre esses autores, podemos
destacar o mantuano Públio Virgílio Maro1, que, entre outras obras,
escreveu a Eneida no final do século I a.C. Nessa obra, Virgílio narra, em
doze livros de cerca de 700 a 1 000 versos cada, as origens históricas e
mitológicas da grandiosa Roma governada, no seu tempo, pelo imperador
Augusto2, que, após longas décadas de guerras civis, havia sido declarado
imperador em Roma, e criaria um período de paz e prosperidade para a
capital de um império que, se já vinha se expandindo enormemente ao
longo dos séculos precedentes, avançaria seus domínios para lugares tão
distantes quanto as Ilhas Britânicas, a costa do norte da África (incluindo o
Egito), e vários territórios do atual Oriente Médio, até as bordas do Mar
Negro.

Na Eneida de Virgílio, o surgimento de Roma está ligado às raízes


mitológicas europeias, pois Enéias, o herói do poema, fugindo como um dos
poucos sobreviventes da Guerra de Troia3, recebe a missão de buscar uma
nova terra para fundar uma cidade que viria a ser a capital do mundo.
História do latim e as línguas neolatinas
1 Virgílio nasceu no ano 70 a. C., perto de Mântua, na Gália Cisalpina, e morreu no ano 19 a.C.
2 De nome Gaio Júlio César Otaviano, Augusto recebeu esse título quando se tornou o primeiro imperador de Roma. Nasceu em 63
a.C. e morreu no ano 14 da nossa era. Sob seu império, cessam quase cem anos de guerras civis entre os romanos, em especial, a mais
importante, travada entre seu tio, Júlio César, e Pompeu.

3 Os gregos sitiaram a cidadela de Troia por cerca de dez anos e finalmente a destruíram porque o belo Páris, filho de Príamo, rei
de Troia, raptara a belíssima princesa Helena, esposa do chefe grego Menelau. Dentre os gregos, destacavam-se o engenhoso Odisseu,
protagonista da Odisseia do poeta grego Homero, e o furioso Aquiles, tema do outro poema épico homérico, a Ilíada. Também durante a
Guerra de Troia, encontramos o ardil do cavalo de madeira cheio de soldados, o famoso “presente de grego”.

Os destinos e os deuses então guiam Enéias por terras distantes, até que ele
chega na foz do Rio Tibre, por volta do século VIII a.C., perto das famosas sete
colinas que hoje ficam em Roma. Lá, seu filho Ascânio dá origem a uma linhagem
de reis que misturam sua ascendência com as dos povos locais, que incluíam
etruscos, faliscos, oscos, sabinos, entre outros, e que, com seus descendentes
Rômulo e Remo, fundam a cidade de Roma.

Acompanhemos as palavras que Enéias ouve de seu pai, Anquises, quando


desce aos infernos para encontrar-se com ele e conhecer o futuro glorioso de
Roma:
Outros, é certo, hão de o bronze animado amolgar com a mão destra,
ninguém o nega; do mármore duro arrancar vultos vivos. Nos tribunais
falar bem, apontar com o seu rádio as distâncias na azul abóbada e os
astros marcar quando a leste despontam.
Mas tu, romano, aprimora-te na governança dos povos. Essas
serão tuas artes; e mais: leis impor e costumes, poupar
submissos e a espinha dobrar dos rebeldes e tercos.1

A partir dos relatos míticos da fundação de Roma, as conquistas dos romanos


– um povo belicoso e austero – fizeram grande parte do mundo conhecido tornar-
se falante de latim. Com a fusão do Império Romano com a Igreja, nos primeiros
séculos da era cristã, a religião, a cultura, a literatura, a filosofia e a administração
pública levaram a língua de Roma, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, para
grande parte da Europa.

Assim, se falamos português hoje, é porque a região onde hoje fica Portugal
fez parte desse processo de recepção da cultura dos conquistadores romanos, e a
língua latina lá falada foi aos poucos se diferenciando do latim falado pelas outras
regiões, até que já não fosse a mesma língua. Somos, de certa forma, herdeiros

1 Tradução de Carlos Alberto Nunes para os versos 847 a 853 do Livro VI da Eneida. Em latim: Excudent alii spirantia mollius aera, / credo equidem,
vivos ducent de marmore voltus, / orabunt causas melius, caelique meatus / describent radio, et surgentia sidera dicent: / tu regere imperio populos,
Romane, memento; / hae tibi erunt artes; pacisque imponere morem, / parcere subiectis, et debellare superbos.
12
História do latim e as línguas neolatinas
linguísticos da empreitada do mítico Enéias e, por isso, é muito importante
aprendermos ao menos um pouco dessa língua que constitui um dos pilares
fundamentais da cultura ocidental.

A hipótese do indo-europeu
Ao longo principalmente do século XVIII, estudiosos europeus interessados em
várias línguas e culturas começaram a perceber similaridades muito claras entre
palavras de línguas que já se sabia serem aparentadas, como o grego e o latim, e
línguas de regiões muito afastadas da Europa Ocidental, como o sânscrito, língua
sagrada da antiga civilização dos vedas, da Índia. Perplexos, os pesquisadores
começaram a perceber relações entre essas línguas e a maioria das línguas faladas
na Europa, e foram mapeando semelhanças que levaram à hipótese de que todas
essas línguas teriam derivado de algum ancestral comum. Em 1786, sir William
Jones, magistrado do Império Britânico que fora enviado para a Índia, pronunciou
em um discurso na Sociedade Asiática aquilo que seria o pontapé inicial da ciência
linguística que viria a se desenvolver ao longo do século XIX: a linguística histórico-
comparativa. Eis o famoso trecho do discurso:
O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais
perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos.
Mantém, todavia, com essas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto
nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. É tão forte essa
afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de
acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica,
embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o
sânscrito. (ROBINS, 1983, p. 107)

Essa nova ciência buscava compreender a sistematicidade das relações


históricas entre as línguas, que passaram a ser chamadas de indo-europeias. Elas
foram assim chamadas porque os pesquisadores acreditavam que não só o latim,
o grego e o sânscrito, mas também a maioria das línguas europeias e muitas
asiáticas, como o inglês, o alemão, o russo, o persa, o hindi, o francês, e tantas
outras, derivavam de uma mesma língua-mãe, o protoindo-europeu.
Essa protolíngua2 da Europa e de grande parte da Ásia teria sido falada há cerca
de sete mil anos por um povo de origem ainda relativamente misteriosa, que, em
virtude da necessidade de migrações em massa, levou sua língua e costumes
(como seus hábitos agrícolas, o uso de cavalos e de instrumentos de guerra, e sua

2 Chamam-se protolínguas as línguas originárias de todo um ramo de uma família linguística ou da família inteira. Assim, a família das línguas indo-

europeias tem a sua protolíngua, o indo-europeu, enquanto que dentro dessa família várias outras são protolínguas, como o protogermânico, o
protoeslavo e assim por diante.
13
História do latim e as línguas neolatinas
sociedade patriarcal) por diversas regiões em ondas migratórias que deixaram o
grupo original fragmentado em grupos menores, sem contato uns com os outros.
Assim, as regiões que, em períodos e locais diferentes, receberam grupos de
nômades indo-europeus, desenvolveram seus dialetos de maneiras diferentes,
gerando ramos dialetais que foram se diferenciando e formando línguas distintas.
Dessa forma, temos o ramo indo-iraniano, do qual fazem parte línguas como o
persa, o sânscrito e o bengalês; o ramo eslávico, do qual fazem parte línguas como
o russo, o búlgaro, o servo-croata, o polonês; o ramo germânico, do qual fazem
parte línguas como o alemão, o inglês, o islandês, o norueguês, o holandês; o ramo
helênico, do qual fazem parte, entre outras, o grego antigo e o grego moderno; o
ramo céltico, do qual fazem parte línguas como o gaulês, o gaélico escocês e
irlandês, o galês, entre outras; o ramo anatólico, do qual fazem parte línguas de
locais bastante distantes da Europa, como o tocário, falado numa região da Ásia
Central, hoje pertencente à China, e, por fim, o ramo itálico, do qual fazem parte
o latim, o osco e o umbro, por exemplo.

Ê -E Ê Ê

Ger

Assim como nos outros ramos, línguas mais antigas deram origens a línguas
mais novas com base em processos de dialetação semelhantes aos que levaram o
protoindo-europeu a vários lugares diferentes e que o transformaram em várias
línguas diferentes. Do mesmo modo que do gótico antigo nós temos hoje o
alemão e o inglês modernos, do latim antigo nós temos hoje um sub-ramo,
14
História do latim e as línguas neolatinas
chamado de ramo das línguas neolatinas ou românicas, composto por línguas
como o português, o francês, o italiano, o espanhol, entre outras.

Vejamos um quadro com algumas palavras em várias línguas indo-europeias:


Português pai mãe irmão lobo

Latim pater mater frater lupus

Grego pater meter phrater lykos

Sânscrito pitar matar bhratar vrkas

Espanhol padre madre hermano lobo

Francês père mère frère loup

Inglês moderno father mother brother wolf

Inglês antigo faeder modor brothor wulf

Alemão Vater Mutter Bruder Wolf

Fases e variedades da língua


latina
Estudamos o latim por meio de seus registros escritos, que são dos mais
variados, como inscrições em muros, monumentos fúnebres, documentos
transcritos e copiados em várias épocas, citações de textos mais antigos em textos
de autores mais recentes, entre outras fontes. Assim, há documentos de vários
períodos, e há, obviamente, escassez maior de registros escritos de estágios mais
antigos da língua. A história do latim que faremos aqui é, portanto, bastante
resumida e de caráter didático.

Latim arcaico
Supõe-se que o latim tenha sido falado na região do Lácio por volta do século
XI a.C., mas os primeiros registros da língua escrita encontrados datam do século
VII ou VI a.C. Mais tarde, por volta do século III a.C., começam a ser produzidos

15
História do latim e as línguas neolatinas
textos literários em latim, em grande parte por meio de um processo de
assimilação da cultura e literatura gregas do período.

Roma, já uma potência, conquistava territórios de vários fundos culturais


diferentes e, em pouco tempo, por volta do século II a.C., o Mar Mediterrâneo já
era praticamente dominado pelos romanos.

O ambiente cultural efervescente, constituído pelo contato de várias culturas,


produziu em Roma o início de uma literatura que, de certa forma, surgiu como
adaptação, para o público falante de latim, de textos épicos e dramáticos da
tradição grega. É desse período, por exemplo, a suposta primeira obra da
literatura latina, uma tradução da Odisseia de Homero feita pelo escravo grego
Lívio Andrônico para propósitos educacionais. Lívio, capaz de ler e escrever em
grego, trazido para Roma como escravo, tornou-se responsável pela educação dos
filhos de seu senhor e, pela escassez de material, traduz o poema homérico para
poder ensinar as letras às crianças em Roma. Assim surge a literatura latina. Nesse
período, ainda, outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da
tradição grega, como as comédias de Plauto e Terêncio, de gosto popular, que
seguem a tradição da Comédia Nova 3 grega e as tragédias (em grande parte
perdidas) de Névio e Ênio, por exemplo. Névio e Ênio, seguindo o caminho aberto
por Lívio, também escrevem os primeiros textos épicos em latim, dos quais,
infelizmente, restaram apenas fragmentos.

Latim clássico
Convencionou-se chamar de latim clássico o estilo literário da língua ao longo
do primeiro século a.C. até o início do primeiro século da era cristã. São desse
período a prosa elaborada do político, filósofo e orador Cícero, a poesia lírica e a
épica nacional de Virgílio, com As Bucólicas e a sua Eneida, e a lírica amorosa de
Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio e Ovídio. Em geral, o latim que ensinamos hoje
em dia é a língua literária desse período, tanto por causa da beleza do estilo
cuidadosamente trabalhado desses autores quanto pelo fato de que grande parte
do corpus mais substancial dos textos clássicos é literário, o que nos deixou sem
muito acesso aos outros registros linguísticos do período.

3 A Comédia Nova grega surge no período da virada do século IV para o III a.C., e baseia-se em tramas familiares, convencionais, com personagens

caricaturais, como o velho imbecil, seu filho sem responsabilidades e, em geral, apaixonado por uma moça que não pode se casar com ele, o escravo
sagaz do velho que ajuda o filho em suas desventuras etc. O principal autor grego dessa tradição é Menandro.
16
História do latim e as línguas neolatinas

Latim culto
O latim culto era a variedade falada pela classe culta de Roma. Esse dialeto era
a base do latim clássico, a variante literária. O latim culto deveria ser muito mais
rígido quanto às normas gramaticais que estudamos hoje como sendo a gramática
do latim, mas certamente muito menos estilizado que a língua literária, o
chamado latim clássico. Documentos escritos nessa variedade linguística são
menos comuns, mas é possível encontrar esse tipo de registro, por exemplo, em
cartas de autores antigos, como as de Cícero para seu irmão ou as de Sêneca para
sua mãe, nas quais a estilização e o trabalho estético consciente com a linguagem
são menos intensos, ainda que presentes.

Latim vulgar
A variedade do latim chamada de latim vulgar é a língua das massas, dos
analfabetos, do povo em geral. Os registros dessa língua são mais difíceis de se
encontrar, mas dão testemunhos muito interessantes da evolução do latim. As
inscrições encontradas em muros, em banheiros públicos, e até mesmo em obras
literárias que tentavam retratar a variedade linguística (como o romance chamado
Satyricon, de Petrônio, autor do século I d.C., que apresenta longas passagens que
tentam representar a língua do povo de Roma) nos mostram uma língua viva,
muito frequentemente aberta às mudanças que ocorrem naturalmente nas
línguas.

Um texto extremamente interessante é o chamado Appendix Probi, anônimo,


provavelmente datado do século III a.C., que se constitui simplesmente de uma
lista na forma de “X non Y”, que funcionaria para que as pessoas dissessem ou
escrevessem X ao invés da forma realmente usada, Y. Nessa lista, temos, por
exemplo, a seguinte linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre
como as pessoas falavam e sobre como a língua seguia seu curso de mudança
natural. A forma auris, em latim culto, que significa “orelha”, na fala popular,
possivelmente recebia o sufixo diminutivo -cula, resultando em auricula 4 –
“orelhinha”. Daí para a forma oricla, que deveria ser evitada, temos a mudança do
ditongo au para simplesmente o, e a queda da vogal u entre c e l. Ao estudarmos

4 De onde vem, por exemplo, “auricular” em português? Essa é uma palavra que foi emprestada do latim muito tempo depois de a forma “orelha” já
estar em uso pelos falantes de português. Esse tipo de empréstimo é considerado “erudito”, pois os falantes voltam ao latim para recuperar formas
que, quando depois acolhidas pela língua, vivem lado a lado com as formas populares que já existiam. Os exemplos são muitos, como a forma popular
“maduro” e a forma erudita “maturidade”, vindos do latim maturus, a forma popular “pai” e as formas eruditas como “patronímico”, ambos do latim
pater, patris.
17
História do latim e as línguas neolatinas
a passagem do latim para o português, vemos que é sistemática e regular essa
mesma mudança de ditongos a vogais plenas, essas quedas de vogais, e, além
disso, vemos que frequentemente formas como -cla resultam em “-lha” e que
vogais como i podem se “transformar” em e. Assim, “orelha” em português
descende diretamente de auris ou de oricla? Parece claro que, ao menos nesse
caso, a instrução do Appendix não funcionou, pois, mais de 20 séculos depois,
sobrevive a forma “errada”! Curiosamente, como vimos, oricla já era uma forma
diminutiva, então, etimologicamente, quando dizemos “orelha”, remetemo-nos
historicamente ao jeito de dizer “orelhinha” em latim.

Latim tardio
Após o período do latim clássico, o latim continuou sendo usado como língua
do Império Romano, que cresceu cada vez mais e, posteriormente, o latim tornou-
se a língua oficial da Igreja Católica ocidental. Assim, ao longo de muitos séculos,
o latim foi usado como língua universal para relações internacionais, para
administração do Império e da Igreja e, ao longo da Antiguidade e da Idade Média,
tudo que fosse importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades
foram desenvolvendo seus dialetos de forma que se afastassem mais e mais do
latim, dando origem a línguas diferentes. Mas a língua escrita continuava a seguir,
na medida do possível, os padrões do latim culto, de forma que temos muito
material escrito em latim “culto” por falantes nativos de outras línguas ou de
outras variedades do latim. Como exemplo, temos desde a tradução latina dos
textos bíblicos, a Vulgata, vertida por São Jerônimo para o latim nos fins do século
IV, até os documentos portugueses de administração e legislação do século XI,
passando pela filosofia medieval e renascentista. Encontramos, escritas em latim,
até mesmo teses e monografias de universidades no século XX, como a
monografia de Karl Marx sobre a filosofia do grego Epicuro.

É evidente que o latim, ao longo de tantos séculos de usos tão variados, foi
sofrendo alterações substanciais, de forma que as variedades linguísticas
resultantes foram se tornando incompreensíveis entre si, resultando, no curso dos
séculos, em línguas diferentes, as chamadas línguas românicas.

18
História do latim e as línguas neolatinas

A passagem do latim para as


línguas românicas modernas
Como vimos anteriormente, o latim é a língua da qual surgem as chamadas
línguas românicas, grupo que inclui não só o nosso português, mas também
línguas importantes como o francês, o espanhol, o italiano, e línguas menores e
menos conhecidas como o galego (falado na região da Galícia), na Espanha, o
provençal (idioma quase extinto falado em algumas regiões de fronteira da Itália
com a França), o catalão (língua oficial de Andorra e falado na Catalunha na
Espanha), o romeno (língua oficial da Romênia), entre outras.

Como sabemos, além do latim, que foi a língua de um dos maiores impérios
que o mundo já viu durante tantos séculos e da administração religiosa, da
produção científica e filosófica de grande parte da Europa por tanto tempo, as
línguas diretamente derivadas dele também encontraram seu caminho ao redor
do mundo. O português, como sabemos, é falado não só no Brasil e em Portugal,
mas também em Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor
Leste, São Tomé e Príncipe, entre outros países asiáticos e africanos pelos quais
os portugueses passaram nos séculos XV e XVI, quando navegaram ao redor do
mundo. Os espanhóis, de modo similar, levaram seu idioma a grande parte das
Américas, o que explica o nome América Latina. O francês, também falado no
Canadá, Suíça, Luxemburgo, Congo, Haiti, Senegal e em vários outros países, ajuda
a dar uma ideia da importância das línguas românicas ou neolatinas ao redor do
globo.

Além disso, mas não somente por esse fato, grande parte do vocabulário do
inglês (que, embora seja uma língua indo-europeia, faz parte de outro ramo, o das
línguas germânicas) é de origem latina, via empréstimos do francês, ocorridos
durante o período em que a Inglaterra foi dominada pelos Normandos, por volta
dos séculos XI e XII. Assim, a expansão de um vocabulário de origem latina ao
longo das línguas mais importantes do mundo na atualidade faz com que grande
parte do núcleo comum dessas línguas seja aparentado, facilitando a nós, falantes
de uma língua latina, o reconhecimento de muitas palavras das outras línguas
europeias importantes.

19
História do latim e as línguas neolatinas

A latinização
Tendo sido exposta a importância das línguas neolatinas no contexto mundial,
passemos ao estudo de como o latim veio a se transformar nessas outras línguas.

Durante o período em que o Império Romano mantinha uma administração


política centralizada, as conquistas de territórios significavam a instalação de um
governo local, que deveria utilizar-se do latim para fins gerenciais. Não só isso,
mas também os povos dominados, por motivos diversos, acabavam falantes do
latim, ou como língua materna ou como segunda língua. As línguas locais, mais ou
menos aparentadas do latim, acabavam influenciando a língua latina usada na
região e, com o passar do tempo, conforme os dialetos latinos das províncias iam
se consolidando, eles iam tomando características individualizadas, e aos poucos
esses dialetos se constituíam como línguas autônomas. A seguinte passagem
explica esse processo chamado latinização:
Latinização ou romanização é a assimilação cultural e linguística dos povos incorporados ao
universo da civilização latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem
adotado a língua e, pelo menos em parte, a civilização dos vencedores é um fenômeno único na
história da humanidade. Essa aceitação, porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas
romanas tinham caráter político e econômico; não houve por parte de Roma pretensão de impor
aos conquistados sua língua ou sua religião; ao contrário, considerava o uso da língua latina como
uma honra. Se os drúidas foram perseguidos na Gália, isso aconteceu porque a utilização de
vítimas humanas nos sacrifícios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e
importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas,
religiosas ou jurídicas, obviamente desde que não conflitantes, dos povos incorporados: o povo
judeu manteve a religião, o sinédrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus; a casa real de
Herodes continuou a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da
segurança e ao governador romano era reservada a palavra final em questões jurídicas
específicas, como no caso da condenação à morte. (BASSETO, 2005, p. 103)

Esse processo não é nada simples. Por exemplo, embora o latim tenha sido
usado nas Ilhas Britânicas, uma das últimas províncias a serem conquistadas (o
que se deu por volta do século I d.C.) ao longo do período de queda do Império
Romano5, as províncias mais afastadas e aquelas onde havia menor centralização
do poder e unidade cultural não mantiveram o latim como língua “oficial”. Isso
explica porque territórios mais próximos de Roma, como as terras onde hoje
temos França, Espanha, Portugal e Itália, mantiveram-se falando latim, enquanto
províncias como a Bretanha acabaram por continuar a falar as línguas locais, e isso
aconteceu em grande parte do resto da Europa e das outras regiões ao redor do

5 A queda do Império Romano atinge seu ápice quando o Império Romano Ocidental deixa de ter um centro político no século V, em virtude das invasões

bárbaras.
20
História do latim e as línguas neolatinas
Mar Mediterrâneo, da Ásia Menor, entre outros. Por isso, os ingleses, os egípcios,
os escandinavos e tantos outros hoje em dia não falam uma língua neolatina.

Nos locais em que a língua latina foi falada por mais tempo, mesmo com o
enfraquecimento e posterior queda do domínio do império, os dialetos foram se
diferenciando cada vez mais dos dialetos das outras regiões falantes do latim. Aos
poucos, falantes do latim da Ibéria já não conseguiam entender plenamente
falantes da península Itálica, por exemplo.

Como vimos anteriormente, havia uma diferença substancial entre o dialeto da


classe urbana culta de Roma, base da língua literária que conhecemos como latim
clássico, e o chamado latim vulgar, língua falada pelas classes mais baixas, em
geral analfabetas. Esse latim vulgar, provavelmente muito diferente de região
para região, por ser a língua viva que fervilhava nos mercados, que era falada pelos
estrangeiros, pelos escravos de outros lugares, pelos trabalhadores, pelos
soldados de baixa patente em tantos lugares diferentes, deve ter sofrido
mudanças mais rapidamente que o dialeto urbano culto de Roma. Com o passar
dos séculos, esse latim vivo das províncias foi o que serviu de base para as
transformações posteriores que resultaram nas línguas neolatinas.

Vejamos alguns exemplos de semelhanças nos vocabulários das línguas


românicas ou neolatinas:

Nomes de algumas cores


Português Francês Espanhol Italiano Latim

branco blanc blanco bianco album

negro noir negro nero niger, nigra, nigrum

verde vert verde verde viridis

Nomes dos números de um a dez


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Latim unus duo tres quattuor quinque sex septem octo novem decem

Espanhol uno dos tres cuatro cinco seis siete ocho nueve diez

Catalão un dos tres quatre cinc sis set vuit nou deu

Galego un dous tres catro cinco seis sete oito nove dez

21
História do latim e as línguas neolatinas

Português um dois três quatro cinco seis sete oito nove dez

Francês un deux trois quatre cinq six sept huit neuf dix

Italiano uno due tre quattro cinque sei sette otto nove dieci

Romeno unu doi trei patru cinci şase şapte opt noua˘ zece

Texto complementar
O seguinte texto corresponde a um trecho da Eneida de Virgílio, na tradução
do paraense Carlos Alberto Nunes. O trecho conta o início da história do Cavalo
de Troia, e consiste no início do Canto II do poema. Nele, o protagonista Enéias
narra à sua amante, Dido, a rainha de Cartago, como foi esse episódio da Guerra
de Troia, na qual ele lutou e da qual ele saiu como sobrevivente e com a missão
de encontrar a terra prometida, a Nova Troia, que viria a ser Roma.
Prontos à escuta calaram-se todos, dispostos a ouvi-lo.
O pai Enéias, então, exordiou do seu leito elevado: Mandas,
rainha, contar-te o sofrer indizível dos nossos, como os
aquivos1 a grande potência dos teucros2 destruíram,
reino infeliz, espantosa catástrofe que eu vi de perto, e de que
fui grande parte. Quem fora capaz de conter-se sem chorar
muito, mirmídone ou dólope ou cabo de Aquiles? A úmida noite
do céu já descamba, e as estrelas, caindo devagarinho no
poente, os mortais ao repouso convidam. Mas, se realmente
desejas ouvir esses tristes eventos, breve relato do lance
postremo3 da Guerra de Troia, bem que a lembrança de tantos
horrores me deixe angustiado, principiarei. – Pela guerra
alquebrados, dos Fados4 repulsos em tantos anos corridos, os
cabos de guerra da Grécia com a ajuda da arte de Palas5
construíram na praia um cavalo alto como uma montanha, de
bojo com tábuas de abeto.

1 Gregos.

2 Troianos.

3 Último.

4 Os Fados são os destinos, os desígnios que fogem até mesmo à vontade dos deuses.

5 A deusa da sabedoria, Palas Atena.

22
História do latim e as línguas neolatinas

Voto de pronto regresso era a máquina, todos diziam.


Nessa medonha caverna, tirados por sorte, os guerreiros de
mais valor ingressaram, num ápice enchendo as entranhas
daquele monstro, com armas e gente escolhida de guerra.
Tênedo, ilha famosa se encontra defronte de Troia, rica no
tempo em que o império de Príamo ainda existia, ora uma
enseada de pouco valor ou nenhum para as naves.
Prestes mudaram-se os dânaos; na praia deserta se ocultam.
Nós os supúnhamos longe, a caminho da rica Micenas.
Com isso a Têucria respira mais leve no luto penoso.
Abrem-se as portas; alegram-se os troas de ver mais de
espaço o acampamento dos dórios, as praias desertas agora:
O ponto era este dos dólopes; eis onde Aquiles se achava;
surtos na terra, os navios; o campo em que as hostes
lutavam. Muitos pasmavam de ver o presente ominoso da
deusa, a imensidão do cavalo. Timetes, primeiro de todos,
aconselhou derrubarmos o muro e direto o postarmos na
cidadela, ou por dolo isso fosse ou dos Fados previsto. Cápis,
porém, e outros mais de melhor parecer insistiam para que
ao mar atirássemos logo a armadilha dos dânaos, fogo
deitássemos nela ou que ao menos o ventre do monstro
fosse explorado ou sondadas as vísceras sem mais reservas.
Assim, o vulgo inconstante oscilava entre vários alvitres.
Nisso, Laocoonte ardoroso, seguido de enorme cortejo, da
sobranceira almeidina desceu para a praia, e de longe
mesmo gritou: – Cidadãos infelizes, que insânia vos cega?
Imaginais porventura que os gregos já foram de volta, ou
que seus dons sejam limpos? A Ulisses, então, a tal ponto
desconheceis? Ou esconde esta máquina muitos guerreiros,
ou fabricada ela foi para dano de nossas
muralhas, e devassar nossas casas ou do alto cair
na cidade.
Qualquer insídia contém. Não confieis no cavalo, troianos!
Seja o que for, temo os dânaos, até quando trazem
presentes. Disse, e arrojou com pujança viril um venábulo dos
grandes contra os costados e o ventre abaulado do monstro
da praia, no qual se encrava, a tremer; sacudida com o baque,
a caverna solta um gemido, abaladas no fundo as entranhas
23
História do latim e as línguas neolatinas
do monstro. Oh! Se não fosse a vontade dos deuses e a nossa
cegueira,

24
História do latim e as línguas neolatinas
com o ferro, então, deixaríamos frustra a malícia dos
gregos, e em pé, ó Troia, estarias, o paço luxuoso de
Príamo.
(Eneida, II, 1-56)

Dicas de estudo
Sugerimos dois filmes e uma série que tratam da cultura romana e que nos
ajudam a visualizar a vida cotidiana dos povos antigos, além de nos dar
informações importantes sobre os costumes das pessoas daquela época:

Gladiador, dirigido por Ridley Scott.

A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson.

Roma, de John Milius, William Macdonald e Bruno Heller.

Atividades
1. Analise as indicações do Appendix Probi abaixo e discuta em que medida ainda
hoje cometemos os mesmos “erros” e por quê. a) umbilicus non imbilicus.

b) uiridis non uirdis.

c) formica non furmica.

25
História do latim e as línguas neolatinas

26
Introdução à fonética do latim
Como não há mais falantes nativos de latim na atualidade, grande parte do
conhecimento que temos sobre a fonética latina se deve ao que
nos deixaram os antigos gramáticos e a estudos baseados em
textos tais como inscrições populares, comédias e poemas.

Por se tratar de uma introdução acerca do assunto,


procuraremos aqui relatar brevemente a origem do alfabeto
latino, apresentar as pronúncias existentes e explicar questões
sobre acentuação e quantidade silábica, com o objetivo de
alcançar uma pronúncia padronizada no decorrer do curso.
Lembramos, no entanto, que todas as questões que envolvem
pronúncia do latim, bem como a quantidade de vogais e sílabas,
são controversas e razão de longos debates e estudos. Assim,
tudo o que será explicado aqui é apenas uma convenção, para
fins didáticos. O professor que assim desejar poderá substituir
estas regras por aquelas que melhor convierem à sua sala de
aula.

Origem do alfabeto latino


A escrita nasceu da necessidade de se representar ideias,
registrar e difundir informações. Tanto na Mesopotâmia como
no Egito, ela foi, em um primeiro momento, pictográfica e
ideográfica. Mais tarde, por volta de 3000 a.C., a escrita
cuneiforme, realizada sobre uma placa de argila, fez com que o
desenho perdesse, progressivamente, seu valor ideográfico e
passasse a adquirir um valor fonético. Apesar de a invenção da
escrita ser atribuída aos sumérios (4000 a.C. a 1900 a.C.), a
sistematização do alfabeto é um legado fenício.

Do alfabeto fenício, composto por 22 sinais, os gregos criaram


seu próprio alfabeto. Como no alfabeto fenício os sinais
representavam somente sons consonantais, os gregos tiveram
de introduzir sons vocálicos e atribuir valores diferentes para
alguns grafes. Outra importante alteração efetuada por eles diz
respeito à inversão da direção da escrita, que, para os semíticos,
23
era feita da direita para a esquerda. Primitivamente, porém, os gregos
começaram adotando o sentido da escrita fenícia e, depois, passaram a
traçar cada linha com uma direção diferente: a primeira da direita para a
esquerda, a segunda da esquerda para a direita. Por conta desse movimento,
que se assemelha ao movimento do boi ao arar um campo – ao chegar ao
fim, ele dá meia volta e regressa na direção contrária –, a escrita grega ficou
conhecida como bustrofedônica, de boustrophedon, a “volta do boi”, em
grego.

O latim, embora derivado de línguas arcaicas da região do Lácio, como o


osco, o umbro e o etrusco, deve a origem de seu alfabeto à influência grega.
Alguns estudiosos divergem, porém, se a assimilação do alfabeto grego se
deu diretamente ou por intermédio dos etruscos.

Por volta do século VIII a. C., o alfabeto latino primitivo contava com 21
letras, semelhantes às maiúsculas em português A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L,
M, N, O, P, Q, R, S, T, V e X. As letras Y e Z foram incorporadas ao alfabeto no
período clássico, a fim de facilitar as transcrições de nomes estrangeiros,
principalmente gregos.

As letras J e U, chamadas letras ramistas, foram agregadas ao latim


recentemente – aponta-se o século XVI como momento em que esta
mudança ocorreu –, provavelmente por influência já das línguas neolatinas.
As modernas edições críticas de textos latinos não costumam grafar J e U,
mas sim I e V consonantais – como de fato ocorria no período clássico:
“ianua” e não “janua”, por exemplo. No entanto, como tradicionalmente
usava-se grafar J e U, e assim ainda fazem muitos dicionários e edições de
textos latinos, este material apresentará a grafia tradicional, usando I e J, U
e V, para que o aluno crie familiaridade com esse uso.

Acentuação e quantidade silábica


Antes de entrarmos na questão da acentuação e da quantidade silábica,
convém explicarmos como é formada uma sílaba em latim. Assim como em
outras línguas, a sílaba latina é constituída pelo conjunto de fonemas
pronunciados em uma emissão de voz. Pode ser uma única vogal (a-mo), um
ditongo (ae-ter-nus), uma ou duas consoantes com vogal ou ditongo (cae-
lus) ou um conjunto terminado por consoante (por-ta).
As sílabas latinas possuem duas características: a primeira é o que
chamamos, em português, de acentuação, isto é, a maior ou menor
intensidade que utilizamos ao pronunciar uma sílaba, que, no caso, se chama
tônica ou átona. As sílabas latinas são, portanto, tônicas ou átonas, como
acontece em português.

A segunda característica da sílaba em latim não tem equivalente em


português: a quantidade silábica. Em latim, uma sílaba pode ser longa ou
breve, dependendo do tempo gasto em sua pronunciação. A quantidade
silábica está estreitamente ligada à quantidade da vogal: toda vogal latina
pode ser longa ou breve. A vogal breve é pronunciada de forma mais curta,
enquanto a vogal longa é pronunciada como uma vogal dupla. Assim, por
exemplo, na palavra AMARE, o primeiro A é breve e o segundo é longo, e a
palavra deve ser pronunciada “amaare”.

Como auxílio didático, usam-se dois sinais gráficos para indicar a quantidade
vocálica/silábica: a braquia ( ˘ ) e o mácron ( ˉ ). A braquia indica que a vogal
é breve, enquanto o mácron indica que a vogal é longa. Essas marcas gráficas
não existiam no período clássico e nem são usadas normalmente na escrita
da língua latina. Elas são usadas tão somente em dicionários, gramáticas e
livros didáticos, ou em estudos em que a marcação da quantidade das sílabas
é essencial.

No entanto, mais importante para nós do que pronúncia das vogais longas e
breves é a tonicidade da sílaba, isto é, ler as palavras latinas com a
acentuação correta. Para tanto, observe as seguintes regras:

a) Em latim não existem palavras oxítonas. Logo, nenhuma palavra


latina será lida com a tonicidade na última sílaba;

b) Como não há oxítonas, a tonicidade de palavras dissílabas não


apresenta mistério: toda palavra dissílaba latina é paroxítona, ou seja,
tem o acento sobre a primeira sílaba. Por exemplo, a palavra latina
amor não poderá jamais soar como a palavra portuguesa “amor”, uma
vez que a sílaba tônica em latim tem necessariamente que ser a
primeira, e a leitura deve ser, portanto, “ámor”;

c) No caso das palavras de três ou mais sílabas, é necessário saber se a


palavra é paroxítona ou proparoxítona. A braquia ( ˘ ) e o mácron ( ˉ ),

25
que, como vimos, marcam graficamente a quantidade silábica, são
recursos facilitadores para sabermos se o acento recai sobre a
penúltima ou antepenúltima sílaba. Se a vogal da penúltima sílaba é
breve, o acento recai na sílaba anterior. Se a vogal da penúltima sílaba
apresentar um mácron ( ˉ ), significa que aquela vogal é a longa e,
portanto, estando na penúltima sílaba, faz com que essa seja a tônica.

Por exemplo, na palavra agricŏla, a segunda sílaba é breve (como a braquia


em cima do o indica), e, portanto, o acento deve recair sobre a sílaba anterior
gri – pronunciaremos “agrícola”. Em aetērnus, o mácron na vogal e indica
que a sílaba ter é a longa e que, portanto, se deve pronunciar “aetérnus”.

No entanto, de maneira geral os textos em latim não trazem a marcação


gráfica. Como saber então qual é a pronúncia correta? Em muitos casos,
outras regras também devem ser observadas para uma leitura correta
quando não há o auxílio dos marcadores gráficos:

a) São longas as sílabas que contêm ditongo – ae, au, ei, eu, oe, ui;

b) São longas as sílabas com vogal seguida de duas consoantes, desde


que a segunda não seja vibrante (/r/) ou lateral (/l/). Por exemplo,
na palavra timendi, a vogal e está antes de duas consoantes e, por
isso, aquela sílaba é longa, e a palavra deve ser lida “timéndi”;

c) São breves as sílabas em que a vogal é seguida por duas consoantes,


sendo a segunda consoante vibrante (/r/) ou lateral (/l/). Por
exemplo, tenebras tem a penúltima sílaba breve, porque a vogal e
está antes de duas consoantes, mas a segunda é vibrante. Logo, a
palavra deve ser lida “ténebras”;

d) São breves as sílabas em que a vogal antecede outra vogal. Por


exemplo, na palavra gaudeo, a sílaba de é breve, pois a vogal e está
antes de outra vogal, o assim, deve-se ler “gáudeo”.

Em muitos casos, porém, é necessário simplesmente conhecer a palavra para


saber se a penúltima sílaba é longa ou breve. Nesse caso, uma breve consulta
ao dicionário será suficiente para esclarecer qualquer dúvida que surja, uma
vez que a maioria dos dicionários costuma trazer algum tipo de marcação.
Durante o nosso curso, e de acordo com a tradição, marcaremos todas as
palavras em que, não havendo uma das situações explicadas acima, a
penúltima sílaba for longa, ou seja, todas as palavras paroxítonas. Se a
palavra não tiver o mácron sobre a penúltima sílaba, nem se encaixar em
uma das regras acima, ela será proparoxítona. Vejamos alguns exemplos:

senātus – a palavra é paroxítona, pois a penúltima sílaba é longa, como


indicado pelo mácron. Deve-se ler “senátus”

serpentem – a palavra é paroxítona. Sabemos que a penúltima sílaba é longa


porque a vogal antecede duas consoantes “nt”. Deve-se ler “serpéntem”.

praedium – a palavra é proparoxítona, pois a penúltima sílaba é breve –


sabemos disso porque a vogal i está antes de outra vogal, u. Logo, a sílaba
tônica é a anterior: “práedium”.

lacrima – a palavra é proparoxítona, pois a vogal i é breve não está posta


antes de duas consoantes. Para fins deste material, quando a penúltima
sílaba for longa ela será marcada com o mácron ( ¯ ). Não havendo marcação,
a vogal é breve. Deve-se ler “lácrima”.

Pronúncias
A questão da pronúncia do latim é sempre marcada por muitas variações e
debates. Para fins de simplificação, explicaremos aqui apenas três
pronúncias do latim: a tradicional portuguesa, a eclesiástica ou italiana e a
reconstituída ou clássica.

A pronúncia tradicional é a adaptada à língua de cada nação, o que, no nosso


caso, corresponde à pronúncia “aportuguesada”. Era utilizada no Brasil,
sobretudo até a década de 50, quando o latim ainda era obrigatório nas
escolas secundaristas. Como é pautada pelo idioma materno da comunidade
em que é utilizada, não é uma pronúncia homogênea, capaz de ser utilizada
em todas as partes do mundo. Ainda é a pronúncia que ouvimos
normalmente no direito ou em palavras latinas usadas cotidianamente no
português, como “deficit” ou “curriculum”.

27
A pronúncia eclesiástica romana é a adotada pela Igreja Católica, por
recomendação do papa Pio X (In liturgico castu). Nasceu da necessidade de
haver uma pronúncia única para ser utilizada na evangelização e nas
comunicações da igreja. Nela, o latim é lido com várias características
comuns à da pronúncia do italiano.

A pronúncia reconstituída, também chamada clássica ou científica, é a


pronúncia cientificamente reconstruída, numa tentativa de recuperar o
latim como era falado no século I a.C. É adotada, para mútua compreensão,
nos congressos internacionais e em quase todas as universidades. Está
sujeita a mudanças porque, por se tratar de uma restauração, é um trabalho
de longo prazo, mas vem se estabelecendo desde meados do século XX, e
procura estabelecer o latim conforme um dia pronunciado por seus falantes
nativos. É importante ressaltar que não cabe a nós julgar uma como sendo
correta e outra como errada, mas entender que cada uma existe
historicamente e que possui um campo específico de aplicação. Este
material de estudo utilizará a pronúncia reconstituída; em outros meios,
porém, certamente o aluno encontrará as outras pronúncias.

Comecemos observando o quadro abaixo, que oferece uma representação


da pronúncia reconstituída com base nos fonemas do português:
LETRAS PRONÚNCIA
a /a/
b /b/
c /k/
d /d/ (dental)
e /e/
f /f/
g /gu/
h /r/ (aspirado)
i /i/
j /i/
k /k/
l /l/ (velar)
m /m/
n /n/
o /o/
p /p/
q /k/
r /r/ (vibrante)
s /s/(sibilante)
t /t/ (dental)
u /u/
v /u/
x /ks/
y /ü/ (u francês)
z /dz/
Uma característica singular da pronúncia reconstituída é a de se fazer ouvir
todas as letras. Cada letra tem um som, e apenas um som; não há dígrafos
ou letras mudas, e uma letra nunca representa sons diferentes em diferentes
ambientes fonéticos, como acontece em português.

Seguem-se algumas observações importantes sobre a pronúncia


reconstituída do latim:

• As consoantes B, F, e P são
pronunciadas como em português.

• As consoantes T e D, quando
acompanhadas da vogal I, não são
pronunciadas /ci/ ou /tchi/ e /dji/, mas /ti/ e /di/, dentais;
quando acompanhadas das outras vogais, soam como em
português.

• Em latim, a consoante L não adquire o


som de /u/ quando no final de
palavra ou sílaba.

• Tanto a letra R quanto a letra S só


possuem uma pronúncia cada: o R
pronuncia-se como em “caro” e o S como em “sapo”. Assim, a
palavra latina rosa é pronunciada “róssa”, com o r inicial vibrante,
“na ponta da língua”, e o S sempre sibilante.

29
• As letras M e N não anasalam a
vogal precedente, mas articulam-se
distintamente. A palavra rosam, por exemplo, lê-se “rossa-
m”. Esta é uma característica que a língua italiana manteve: a não
nasalação das vogais.

• A letra H nos encontros consonantais CH,


PH, RH e TH indica uma aspiração.
Assim, soam como /kh/, /ph/, /rh/ e /th/. O PH não tem som de F, e
sim de P seguido de aspiração.

• Todas as vogais são pronunciadas; a vogal U,


quando acompanha as consoantes Q e G, deve
sempre soar independentemente: não há dígrafo QU ou GU em
latim. A palavra latina quem, por exemplo, não soa como “quem”
em português; o U deve ser lido, como no português “cinquenta”.

• Os ditongos AE e OE soam como AI


e OI.

• Ainda sobre as vogais, note que, na nossa


língua, reduzimos as finais “e” e “o” para “i” e
“u”, respectivamente: dizemos “mininu” por “menino”.

Isso jamais ocorre em latim, e as vogais em posição final devem ser


sempre bem pronunciadas.

• A mesma regra de não redução deve ser


observada com as vogais e consoantes
dobradas, tais como nas palavras familiis (em que ambos os ii devem
ser lidos) ou puella (em que o L deve ser pronunciado de forma mais
longa).

Sugestão de atividade:
Em pares, os alunos leem os pequenos diálogos abaixo, com bastante
atenção à pronúncia. Depois, leem-se os diálogos em voz alta, para toda a
turma. Por fim, os alunos devem criar seus próprios diálogos, acrescentando
suas próprias informações:

Julia, Livia

A – Salve, Julia! Quid agis?


B – Salve, Livia! Bene, et tu?
A – Haud male, gratias! Et frater tuus, quid agit?
B – Optime! Est nunc in schola Latīna!
A – Et nunc abeundum est mihi. Vale! B
– Vale, Livia!

Petrus, Marcus

A – Hui, Petre!
B – Salve, Marce! Quid novi?
A – Nihil novi. Ut vales?
B – Bene valeo! Et familia tua?
A – Omnes bene se habent, gratias!
B – Quo agis?
A – Ad bibliothēcam! Vale!
B – Bene valeas!

31
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Bellum Troiānum

Entre a história e o mito, a Guerra de Troia, contada nos poemas épicos de Homero – Ilíada
e Odisseia –, foi por muito tempo vista pelos gregos como um fato histórico, mas referida
como lenda por historiadores até o século XIX. Porém descobertas arqueológicas começaram
a suscitar discussões entre estudiosos sobre a historicidade da guerra.

Mitologicamente a história é contada assim: durante a


comemoração do casamento da ninfa Tétis com o mortal
Peleu, Éris, a deusa da discórdia, que não fora convidada para a festa,
vingou-se ao jogar entre as convidadas um pomo de ouro com a inscrição
“à mais bela”. Três deusas iniciaram uma disputa pelo pomo de ouro: Hera,
Afrodite e Atena.

Por determinação de Zeus, coube ao jovem Páris, príncipe de


Troia e filho do rei Príamo, escolher a deusa mais bela. Cada deusa fez uma
proposta ao príncipe troiano para ganhar em troca o pomo de ouro. Páris
concedeu-o a Afrodite, que lhe ofertou o amor da mais bela mulher do
mundo, rejeitando o poder, que Hera lhe oferecera, e a sabedoria,
proposta por Atena.

Helena, a mais bela mulher do mundo, mas também esposa do rei de


Esparta, Menelau, conheceu Páris, por ele se apaixonou e com ele
fugiu para Troia. Menelau reuniu príncipes e reis gregos e organizou uma
expedição a Troia com o objetivo de reaver sua esposa. Mais de mil navios
gregos partiram pelo mar Egeu em direção a Troia, mas, quando lá
chegaram, encontraram uma aparentemente intransponível muralha,
construída pelos deuses, que cercava a cidade troiana. Depois de anos
guerreando, sem conseguir transpassar as muralhas, os gregos, fingindo
terem desistido da batalha, mandaram um grande cavalo de
madeira aos portões de Troia.

Ao levarem o cavalo para dentro da cidade, considerando-o como presente


dos gregos, os troianos se depararam com uma ingrata surpresa: soldados,
escondidos dentro do cavalo, prontos para destruir a cidade.
35

Lectio Prima
EQUUS TROIĀNUS
Priamus rex Troiānus est. Paris princeps Troiānus est. Paris Helĕnam, Graecam regīnam,
surripuit. Itaque Troiāni et Graeci pugnant. Tum Graeci insidias parant. Graeci equum
aedificant et relinquunt ad Troiae portas. Troiāni gaudent quia Graeci discēdunt.

GLOSSARIUM
ad Troiae portas – junto aos portões de Troia
aedifico, ās, āre, āvi, ātum* – construir, edificar, criar
discēdo, is, ere, cessi, cessum* – afastar-se, retirar-se, sair, partir
equus, equi* m. – cavalo et* – conj. e
gaudeo, ēs, ēre, gavīsus sum* – alegrar-se, ficar feliz, comemorar
Graecus, a, um* – adj. grego, grega
Hĕlĕna, Hĕlĕnae f. – Helena insidia, insidiae f. – laço,
emboscada, armadilha, ardil, perfídia, traição
itaque* – conj. por isso, assim (ideia de
consequência); assim, por exemplo
paro, as , āre, āvi, ātum* – preparar, fazer preparativos, arranjar,
aparelhar, dispor, alcançar, aprontar Paris, Paridis m. –
Páris
Priamus, Priami m. – Príamo princeps,
principis* m. – príncipe
pugno, as, āre, āvi, ātum* – lutar, batalhar, guerrear, fazer a guerra
quia* – conj. porque
regīna, regīnae* f. – rainha
relīnquo, is, ere, līqui, līctum* – deixar para trás, abandonar, esquecer,
deixar
rex, rēgis* m. – rei
sum, es, esse, fui* – ser, estar, haver, existir (est – é)
surripio, is, ere, ripui, rēptum* – furtar, roubar, raptar
(surripuit – raptou)
timeo, ēs, ēre, timui* – temer, ter medo de Troiānus, a,
um* – adj. troiano, troiana tum* – adv. então, naquele
tempo (ideia de
tempo); além disso, então
36
Bellum Troiānum

Respōnde Latīne

1. Quis est rex Troiānus?


2. Quis est Paris?
3. Quis est Helena?
4. Qui pugnant?
5. Qui insidias parant?
6. Qui equum aedificant?
7. Qui gaudent?
8. Qui discedunt?

Respōnde Lusitānice

1. Por que os gregos atacaram os troianos?


2. O que os gregos fizeram para terminar com a guerra?
3. Qual foi a reação dos troianos?

Exercitia:
Complete as frases:

1. Helena est...
2. Priamus est...
3. Paris est...
4. Equus est...
5. Troiāni sunt...
6. Graeci sunt...
7. Princeps est...
8. Rex est...
9. Regina est...
10. Ego sum...
11. Tu es...
12. Nos sumus...

37
Bellum Troiānum

PARA SABER MAIS:

ODISSEIA E ILÍADA:
A EPOPEIA E O INÍCIO DA LITERATURA OCIDENTAL

Parte dos eventos da Guerra de Troia é contada na Ilíada, de Homero. Sua outra obra poética,
a Odisseia, conta o retorno do guerreiro Ulisses (em grego, Odisseu) e seus soldados à ilha
de Ítaca.

Muitos consideram que a tradição literária ocidental começou com essas duas epopeias,
atribuídas a Homero, que teria vivido por volta do século VIII a.C., na Jônia. Mais
recentemente, entretanto, acredita-se no caráter lendário de Homero e que ele, em
verdade, seria uma figura representante de vários poetas que foram construindo os textos
oralmente, até a posterior fixação dos mesmos, no século VI a.C. Seja como for, as duas obras
são os documentos literários gregos mais antigos de que se tem notícia e o marco fundador
da literatura ocidental.

O CAVALO DE TROIA

O cavalo de madeira responsável pelo fim da disputa entre gregos e troianos, segundo a obra
poética de Homero, foi uma invenção de Ulisses executada por Epeu. Os gregos fingem
preparativos para abandonar a região periférica de Troia, onde há dez anos fazem um cerco.
Constroem, então, um imenso cavalo em madeira e, fingindo ser um sacrifício oferecido a
Minerva, abandonam-no às portas da cidada troiana. Os troianos, acreditando na partida
definitiva do povo grego, abrem as portas da cidade e encontram o cavalo. Depois de muito
especularem a respeito do inusitado presente, levam-no para o interior de Troia. O fim da
cidade se dá à noite, quando os gregos saem do cavalo, abrem as portas para os seus
companheiros entrarem, atacam e incendeiam Troia.

PRESENTE DE GREGO

43
Uma terceira epopeia, essa escrita por volta do ano 20 a.C., conta parte da história da Guerra
de Troia, mas sob outro ponto de vista. Na Eneida, escrita pelo romano Vergílio, conta-se
como um grupo de troianos, liderados pelo
Lectio Prima

príncipe Eneias, conseguiu fugir da destruição de Troia e partiu por mar, em busca de uma
nova terra, onde seria fundada uma nova cidade, tão bela e imponente quanto Troia. Após
uma série de aventuras, no mar e em locais em que eles aportam, os troianos chegam à
Itália, onde os descendentes de Eneias fundarão Roma, a nova Troia.

No Canto II, quando Eneias conta à rainha Dido os tristes momentos de sua partida de Troia,
ele narra o episódio do cavalo e como Laocoonte fora o único a desconfiar do estratagema
grego. Eis o trecho, em tradução poética de Odorico Mendes e em tradução mais recente,
porém em prosa, de Tassilo Orpheu Spalding:

Enquanto incerto e vário alterca o vulgo,


Ardendo Laocoon da cidadela Corre com basto
séquito, e de longe:
“Míseros cidadãos, que tanta insânia!
De volta os Gregos ou de engano isentos
Seus dons julgais? Desconheceis Ulisses?
Ou este lenho é couto de inimigos,
Ou máquina que, armada contra os muros, Vem cimeira espiar
e acometer-nos.
Teucros, seja o que for, há danos ocultos;
No bruto não fieis. Mesmo em seus brindes Temo os Dânaos.(...)”

(Eneida, II, 44-54, trad. Odorico Mendes)

Neste momento, à testa de numerosa multidão que o escoltava, Laocoonte, furioso, acorreu
do alto da cidadela e de longe grita: “Ó infelizes cidadãos, que loucura é a vossa? Acreditais
que o inimigo se retirou? Ou julgais que os presentes dos dânaos carecem de enganos? É
assim que conheceis Ulisses? Ou os aqueus se ocultam encerrados neste madeiro, ou esta
máquina foi fabricada contra as nossas muralhas para observar nossas habitações e investir
contra a cidade; ou alguma outra traição nele está oculta; ó teucros, não confieis no cavalo!
Bellum Troiānum
Seja o que for, temo os dânaos, mesmo quando nos trazem presentes.” (Eneida. trad.
Tassilo Orpheu Spalding)

Desse episódio nasceu a expressão “presente de grego”, que usamos até hoje.
44

treiNaNdo a ProNÚNCia

MENAECHMI

Os Menecmos é uma peça de teatro escrita nos fins do século II a.C. Ela é simples,
engenhosa e, principalmente, engraçada, como todas as peças de Plauto. Simples em sua
trama; engenhosa em seus efeitos; engraçada, porque desenvolve de maneira superior
tema propício ao riso fácil, mais do que explorado por aqueles que desejam fazer rir, em
todas as épocas e em vários meios: a presença de duas personagens absolutamente
idênticas em um mesmo lugar. No capítulo 7 encontraremos com mais vagar o autor desta
peça; mas, até lá, leremos uma cena a cada lição, como forma de treinar nossa pronúncia
do latim.

DRAMATIS PERSONAE

PENICVLVS parasītus Menaechmi (Vassourinha, parasito de Menecmo)


MENAECHMVS incola Epidamno (morador de Epidamno)
MENAECHMVS SOSICLES gemēllus Menaechmi (irmão gêmeo de Menecmo)
EROTIVM meretrix (Erócia, prostituta)
CYLINDRVS cocus meretrīcis (Cilindro, cozinheiro da prostituta)
MESSENIO seruus Menaechmi Sosicles (Messênio, escravo de Menecmo Sósicles)
ANCILLA MERETRīCIS (escrava da prostituta)
MATRŌNA MENAECHMI (esposa de Menecmo)
SENEX socer Menaechmi (velho, sogro de Menecmo)
MEDICVS (médico)
LORARII SENIS (escravos do velho)

Um mercador de Siracusa, cidade da Sicília, tinha dois filhos, gêmeos idênticos. Quando as
crianças tinham sete anos de idade, o pai levou um deles, chamado Menecmo, em uma
viagem de negócios a Tarento. No entanto, durante a viagem, o menino se perdeu num
45
grande mercado na cidade. Um comerciante de Epidano que por lá se achava adotou-o e o
fez herdeiro de sua fortuna. O pai, desesperado com a perda do filho, acabou adoecendo e
morreu. Quando a notícia chegou ao ouvido do avô, em Siracusa, este

Lectio Prima

resolveu trocar o nome do neto que restara. Como gostava muito do neto que havia se
perdido, deu ao que ficou em casa, chamado Sósicles, o nome de Menecmo, que era o nome
do outro e, por sinal, o seu também.

Já adulto, Menecmo, morador de Epidano, casou-se com uma mulher muito rica e herdou a
fortuna de seu pai adotivo depois de sua morte. Enquanto isso, Menecmo Sósicles, junto de
seu escravo Messênio, por obra do destino chega a Epidano, depois de muito viajar em busca
de seu irmão.

ATO I – CENA III

Após mais uma briga com sua esposa, Menecmo resolve sair e ir à casa da prostituta Erócia.
Leva consigo Vassourinha, seu parasito (indivíduo que não trabalha, habituado a viver à custa
alheia), e a mantilha de sua mulher para dar de presente à amante.

EROTIVM Anime mi, Menaechme, salve! Olá, Menecmo, meu


amor!

PENICVLVS Quid ego?


E eu?

EROTIVM Extra numerum es mihi!


Você, para mim, não conta!

MENAECHMVS Ego istic mihi hodie adparāri iussi apud te convivium. Hoje eu quero que
prepare um banquete para mim aí na sua casa.

EROTIVM Hodie id fiet.


Bellum Troiānum
Assim será feito.

MENAECHMVS Ut ego uxōrem, mea volūptas, ubi te aspicio, odi male. Quando te vejo, minha
querida, como odeio a minha esposa!

EROTIVM Interim nequis quin eius aliquid indūtus sies. Quid hoc est? Mesmo assim você não
consegue se livrar do que pertence a ela. O que é isso?

46

MENAECHMVS Induviae tuae atque uxōris exuviae, rosa.


Isso, minha flor, é indumentária para você e ex-dumentária para a minha esposa. […]

MENAECHMVS Cape tibi hanc, quando una vivis meis morigera moribus. Pegue-a para você,
porque é a única que dá atenção ao meu prazer.

EROTIVM Hoc animo decet animātos esse amatōres probos. Desta maneira devem
pensar os amantes honestos.

PENICVLVS Qui quidem ad mendicitātem se properent detrudere. E os que querem se


arruinar até virarem mendigos.

MENAECHMVS Quattuor minis ego emi istanc anno uxōri meae.


Eu mesmo comprei isso no ano passado para a minha esposa por quatro moedas.

PENICVLVS Quattuor minae periērunt plane, ut ratio redditur. Na minha opinião,


quatro moedas jogadas fora.

MENAECHMVS Iube igitur tribus nobis apud te prandium accurarier. Nos prodimus ad forum.
Iam hic nos erimus: dum coquētur, interim potabimus.
Enfim, manda que preparem um jantar para nós três na sua casa. Nós dois vamos à praça, mas já
voltamos. Enquanto vocês cozinham, nós vamos beber.

EROTIVM Quando vis veni, parāta res erit. Venha quando quiser,
tudo estará pronto.

47
MENAECHMVS (ad Peniculum) Sequere tu.
Você, me siga.

PENICVLVS Ego hercle vero te et servābo et te sequar, neque hodie ut te perdam, meream
deōrum divitias mihi.
Por Hércules, com certeza hoje eu vou te seguir e te servir, e nem por todas as riquezas dos deuses eu
vou te perder de vista!
6
Latim Genérico | Descobrindo o gênero neutro

INTRODUÇÃO "Fugit irreparabile tempus" (Virgílio).


Foge o irreparável tempo.
NÚMERO
CASO
GEÓRGICAS SINGULAR PLURAL
Consistem em um NOMINATIVO mors mortes
poema, escrito pelo
poeta latino Virgílio VOCATIVO mors mortes
entre 37 e 30 a.C. O
poema está dividido ACUSATIVO mortem mortes
em quatro livros, ou
ABLATIVO morte mortibus
cantos, que tratam das
atividades que o GENITIVO mortis mortium
universo rural envolve,
quais sejam: o cultivo DATIVO morti mortibus
da terra e dos vegetais
e a criação dos animais O verso que você acabou de ler foi extraído da obra
e das abelhas. É uma
GEÓRGICAS, escrita pelo poeta latino Virgílio (século I a.C.).
obra que incentiva a EPICURISMO
restauração da Tal obra enaltece a vida rural e, desse modo, retrata a
É o nome dado à
agricultura romana
doutrina desenvolvida
numa época em que
pelo fi lósofo grego relação do homem romano com a Natureza. Ao observar
tal atividade estava
Epicuro (341270 a.C.).
em acentuada o ciclo natural da vida, o romano entende a necessidade
A ética epicurista
decadência.
postulava como de viver o presente, de aproveitar o dia (carpe diem), pois
princípio básico a
felicidade (eudaimonia) o tempo passa depressa, foge irreparavelmente. Esse
e, para isso, valorizava
pensamento está o prazer advindo da associado à doutrina fi losófi ca EPICURISTA. Você deve ter
realização dos desejos
observado que duas palavras estão em destaque no verso acima: irreparabile
naturais, próprios do
e tempus, ser. Epicuro reunia-se respectivamente um adjetivo e um substantivo.
com seus discípulos em
Tal SINTAGMA nominal um jardim, nome pelo está no caso nominativo singular. Curiosamente, o
qual sua escola fi cou
substantivo tempus conhecida na apresenta uma terminação idêntica à dos nomes de 2ª
Antiguidade (Os Jardins
declinação, como vimos nas aulas anteriores. Contudo, embora haja essa
de Epicuro).
coincidência, a referida palavra pertence à 3ª declinação, e podemos fazer essa afi
rmação com base no
genitivo singular do SINTAGMA
O termo “sintagma” diz respeito a uma combinação de palavras que obedece a um
vocábulo, pois este se padrão defi nido pelo sistema linguístico. Por outro lado, o termo “paradigma” está
constrói da mesma forma relacionado a uma série, isto é, a um conjunto de elementos linguísticos que poderiam fi
gurar em um mesmo ponto do enunciado. A expressão paradigma fl exional – bastante
que qualquer palavra da utilizada aqui – refere-se, portanto, a um modelo de conjunto cujos elementos
apresentam as mesmas características morfológicas.
referida declinação.

Vamos relembrar:

108 CEDERJ
Quadro 6.1: Paradigma da 3ª declinação
Agora, compare:

Quadro 6.2: Paradigma da 3ª declinação


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO tempus tempora

VOCATIVO tempus tempora

ACUSATIVO tempus tempora

ABLATIVO tempore temporibus

GENITIVO temporis temporum

DATIVO tempori temporibus

Por apresentar uma terminação diferente para cada declinação, o genitivo singular é tradicionalmente
utilizado para estabelecer a distinção entre os temas nominais. Como você pode observar, tanto a palavra
mortis quanto a palavra temporis apresentam a terminação -is, própria de palavras da terceira declinação.
Contudo, tal terminação de genitivo singular não é a mesma para todas as declinações: 1ª declinação: -ae;
2ª declinação: -i; 4ª declinação: -us; 5ª declinação: -ei.
Quanto à palavra irreparabile, trata-se de um adjetivo biforme de 2ª classe, já estudado em aulas
anteriores. Este tipo de adjetivo apresenta uma forma correspondente ao masculino e ao feminino e outra
forma correspondente ao neutro. No vocabulário, este adjetivo em nominativo singular aparece da
seguinte maneira:

irreparabilis, -e
(masc./fem.) (neutro)

No verso virgiliano, as duas palavras em destaque pertencem ao gênero neutro do latim. De um modo
geral, uma palavra de gênero neutro se comporta da mesma forma que as outras palavras do mesmo
paradigma fl exional. Deve-se atentar, no entanto, para algumas especifi cidades morfológicas
características dessas palavras. Continuando o estudo sobre a categoria gramatical de gênero no sistema
morfológico latino, nesta aula você vai estudar o gênero neutro e, por conseguinte, vai sistematizar o
quadro dos adjetivos latinos.
O GÊNERO NEUTRO: ASPECTOS CONCEITUAIS E MORFOLÓGICOS

A divisão dos substantivos latinos em três gêneros (masculino, feminino e neutro) não está
relacionada ao que chamamos gênero natural ou biológico, isto é, sexo masculino ou feminino.
Quando abordamos assuntos linguísticos, tratamos de gênero gramatical: algo conceitualmente
arbitrário, e, portanto, imotivado, pautado numa concepção específi ca de mundo. Tomemos como
exemplo a palavra mar: em latim, a palavra mare pertence ao gênero neutro; em francês mer é uma

CEDERJ 109
Latim Genérico | Descobrindo o gênero neutro

palavra feminina; e em português, mar é um substantivo masculino. Desse modo, podemos dizer que
cada língua é constituída por elementos culturais que a particularizam em relação a outras.

Para Saussure, a arbitrariedade do signo linguístico diz respeito ao fato de o signo não ser motivado, isto é, não
haver nenhuma justifi cativa a priori para que um signifi cante (a palavra em si) se una a um signifi cado (o
conteúdo da palavra). Não há uma relação necessária entre ambos.

Podemos dizer que a própria divisão, em latim, nos três gêneros, masculino, feminino e neutro,
confi gura um estado secundário, pois que resulta do desenvolvimento de um estágio inicial, quando
a categoria gramatical de gênero, ainda no indo-europeu, constituía-se com base na oposição entre
os seres animados e os seres inanimados ou coisas. De acordo com Faria (1995):

Assim, a primitiva divisão dos gêneros teria sido esta: os substantivos que designavam os seres
vivos, bem como os adjetivos ou pronomes que a eles se referissem, pertenciam ao gênero
animado, enquanto que os substantivos que designassem coisas, ou os adjetivos ou pronomes
que a eles se referissem, pertenciam ao gênero inanimado. Deste modo, o gênero animado
compreendia sem distinção o masculino e o feminino, enquanto que o inanimado, o neutro (p.
65-66).
É importante que você saiba que o gênero inanimado ou neutro, no latim, não engloba apenas
os nomes de coisas ou de objetos, engloba também alguns nomes de seres vivos: neste caso, o uso
do inanimado privaria estes seres animados de qualquer autonomia jurídica, ou seja, são seres que
não são reconhecidos pela personalidade ativa. Podemos afi rmar, que, de um modo geral, o
inanimado é utilizado para despersonalizar um ser vivo. São exemplos disto o nome do escravo
(mancipium) e o nome da cortesã (scortum).

A palavra latina mancipium é formada pelo substantivo da 4ª declinação manus (mão), seguida do verbo latino
capio (infi nitivo: capere – tomar, apanhar). Como você pode notar, por meio de estudos da fi losofi a da
linguagem, tal palavra demonstra um componente sociocultural do povo romano: escravo era aquele que tinha
as suas mãos tomadas por alguém. Metaforicamente, não ter as mãos signifi ca não ter poder nenhum, não ter
autonomia, ser, portanto, propriedade de alguém.

110 CEDERJ
O gênero neutro, morfologicamente, caracteriza-se pela ausência de desinência para o
nominativo-vocativo singular na 2ª declinação e para o nominativo-vocativo-acusativo singular nas 3ª
e 4ª declinações. Esse fato está estritamente ligado à noção de que os seres do gênero neutro não
têm autonomia, não podem ser agentes. Ora, o nominativo é o caso funcional próprio do agente, em
oposição ao acusativo, que é o caso funcional característico do paciente. Assim, nós temos o esquema:

Nominativo + Verbo de Ação + Acusativo


(Sujeito Agente) (Objeto Paciente)
No desenvolvimento das estruturas linguísticas, a desinência de acusativo singular, no gênero
neutro, foi estendida ao nominativovocativo singular na 2ª declinação, o que resultou em terminações
idênticas para ambos os casos. Vale dizer ainda que, nos outros casos morfossintáticos do latim, as
palavras seguem o paradigma fl exional ao qual pertencem. Os casos nominativo, vocativo e acusativo
plural, no gênero neutro, apresentam uma marca morfológica específi ca, a desinência -a. É
interessante lembrar ainda que a 1ª e a 5ª declinações não possuem nomes neutros.
Vejamos os quadros:

A 2ª declinação

– templum, -i:

Quadro 6.3: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO templum templa

VOCATIVO templum templa

ACUSATIVO templum templa

ABLATIVO templo templis

GENITIVO templi templorum

DATIVO templo templis

A 3ª declinação

a) Os sonânticos: – mare, -is:

Quadro 6.4: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

CEDERJ 111
Latim Genérico | Descobrindo o gênero neutro

NOMINATIVO mare maria

VOCATIVO mare maria

ACUSATIVO mare maria

ABLATIVO mari maribus

GENITIVO maris marium

DATIVO mari maribus

– animal, -is:

Quadro 6.5: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO animal animalia

VOCATIVO animal animalia

ACUSATIVO animal animalia

ABLATIVO animali animalibus

GENITIVO animalis animalium

DATIVO animali animalibus

– calcar, -is:

Quadro 6.6: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO calcar calcaria

VOCATIVO calcar calcaria

ACUSATIVO calcar calcaria

ABLATIVO calcari calcaribus

GENITIVO calcaris calcarium

DATIVO calcari calcaribus

Observação:
Os neutros sonânticos têm o tema terminado em -i, como os masculinos e os femininos já
estudados na Aula 4. Apresentam, no nominativo-vocativo-acusativo singular, a desinência zero.
Contudo este -i, em fi nal de palavra, evolve para -e, por isso a forma mare. Quando precedida, porém,
de -l ou de -r, como nos sufi xos -ali- ou -ari-, costumava sofrer apócope, isto é, desaparecia, donde
as formas animal e calcar. Note-se que o -i se mantém no nominativo-vocativo-acusativo plural antes
da desinência -a.

112 CEDERJ
b) Os consonânticos: – caput, -pitis:

Quadro 6.7: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO caput capita

VOCATIVO caput capita

ACUSATIVO caput capita

ABLATIVO capite capitibus

GENITIVO capitis capitum

DATIVO capiti capitibus

– nomen, -inis:

Quadro 6.8: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO nomen nomina

VOCATIVO nomen nomina

ACUSATIVO nomen nomina

ABLATIVO nomine nominibus

GENITIVO nominis nominum

DATIVO nomini nominibus

– corpus, -oris:

Quadro 6.9: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO corpus corpora

VOCATIVO corpus corpora

ACUSATIVO corpus corpora

ABLATIVO corpore corporibus

GENITIVO corporis corporum

DATIVO corpori corporibus

– cor, cordis:

Quadro 6.10: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

CEDERJ 113
Latim Genérico | Descobrindo o gênero neutro

NOMINATIVO cor corda

VOCATIVO cor corda

ACUSATIVO cor corda

ABLATIVO corde cordibus

GENITIVO cordis cordum

DATIVO cordi cordibus

Observação:
Os neutros de tema consonântico do tipo caput e nomen apresentam, nos casos ablativo,
genitivo e dativo, a apofonia (mudança de timbre) da vogal breve do tema: -u > -i; -e > -i.

A 4ª declinação

– genu, -us:

Quadro 6.11: Paradigma fl exional do neutro


NÚMERO
CASO
SINGULAR PLURAL

NOMINATIVO genu genua

VOCATIVO genu genua

ACUSATIVO genu genua

ABLATIVO genu genibus

GENITIVO genus genuum

DATIVO genui genibus

114 CEDERJ
Fatos da Língua | Lectio Quarta - Reges Romāni

Lectio Quarta
Reges Romani
Fatos da língua I:
O GêNERO NEUTRO

Como mencionamos anteriormente, os nomes latinos possuem a categoria de gênero. Até


aqui, vimos apenas nomes masculinos e femininos. O latim tem, porém, o gênero neutro. Do
ponto de vista formal, o neutro tem duas características que o diferenciam dos masculinos
e femininos e são de extrema importância:

1 – Os nomes neutros sempre têm o nominativo e o acusativo iguais, seja no singular,


seja no plural. Observe:

Romani bellum gerunt. Bellum populum necāvit.


Os romanos fazem guerra. A guerra exterminou o povo.

2 – Os nomes neutros sempre fazem o nominativo e o acusativo plural com desinência


casual –A. Observe:

Tullus Hostilius bella gerit. Bella populum necavērunt.


Tulo Hostílio faz as guerras. As guerras exterminaram o povo.

Não há, em latim, nomes neutros de tema -A; ou seja, não há nomes neutros com
nominativo singular em -A, acusativo em -AM, ablativo em -Ā. Não há, portanto, como
confundir um nome neutro com um de primeira declinação.
Há, contudo, vários nomes neutros de tema -O e que fazem o nominativo e o acusativo
singular em -UM e o ablativo em -Ō, como bellum; há ainda nomes neutros do terceiro grupo,
de tema -I ou atemáticos. Todos esses terão

227

Fatos da Língua | Lectio Quarta - Reges Romāni

as características gerais dos neutros: nominativo e acusativo iguais, nominativo e acusativo


plural em -A.

Exemplos:
SINGULAR PLURAL
Nom Acus Abl Nom Acus Abl
bellum bellum bellō bella bella bellīs
oppidum oppidum oppidō oppida oppida oppidīs
fulmen fulmen fulminĕ fulmina fulmina fulminibus
animal animal animali animalia animalia animalibus
Há, todavia, uma diferença no ablativo singular, apenas nos nomes neutros de tema em -i,
como você pode observar no quadro acima.

Até aqui, tínhamos visto que há na terceira declinação palavras de tema -I e palavras
atemáticas ou consonantais. Não havíamos, porém, aprendido a diferenciá-las, porque o
tema da palavra não implicava diferença na desinência casual. No entanto, há uma diferença
na desinência casual de ablativo singular entre as palavras neutras de tema em -i e as
atemáticas.

Os neutros de tema -I têm desinência de ablativo singular -I, como na palavra animal no
quadro acima.

Os neutros atemáticos têm desinência de ablativo singular -E, como na palavra fulmen no
quadro acima.
Como, entretanto, saber se uma palavra neutra de terceira declinação é de tema -i ou
atemática, se o genitivo singular de ambas será o mesmo? É fácil. Os neutros temáticos (ou
seja, de vogal temática -I) sempre têm nominativo singular terminado em -AR, -E ou -AL.
Assim, por exemplo, a palavra calcar, calcaris – substantivo neutro é certamente uma palavra
temática. Já a palavra corpus, corporis – substantivo neutro

228

Fatos da Língua | Lectio Quarta - Reges Romāni

é um neutro atemático, pois seu nominativo não termina em -AR, -E ou -AL e, portanto, faz
o ablativo singular em -E, como todos os demais substantivos de terceira declinação.

Identifique a que tema pertencem os seguintes substantivos


neutros; depois decline-os:

templum, templi –
sacrum, sacri –
incendium, incendii –
imperium, imperii –
nomen, nominis –
flumen, fluminis –
mare, maris –
verbum, verbi –

Observe, porém, que vimos aqui a distinção entre temáticos e atemáticos de terceira
declinação apenas no que tange às palavras neutras. Falaremos dos masculinos e femininos
em ocasião futura.

Fatos da língua II:


CONCORDâNCIA DOS ADjETIVOS
Como esperado, os adjetivos têm, além das formas masculina e feminina que estudamos
anteriormente, também formas neutras. Agora que já conhecemos os três gêneros dos
nomes em latim, podemos sistematizar melhor os adjetivos.

adJetivos de Primeira CLasse

Os adjetivos de primeira classe sempre têm o masculino terminado em -US ou -ER, o


feminino em -A e o neutro em -UM, como laetus, a, um.

229
Deus an dei
São Jerônimo
No século IV da nossa era, o grego, língua em que estavam escritos vários textos
fundamentais para a religião cristã, era dificilmente compreendido pelos adeptos da nova
religião, a não ser para uma minoria culta. Consciente dessa dificuldade da maioria dos
cristãos frente aos escritos sagrados da religião, o Papa Dâmaso delegou a São Jerônimo
(347-420) a tarefa de traduzir satisfatoriamente para o latim, a partir do hebraico, do
aramaico e do grego, todo o Antigo e o Novo Testamento, empresa que durou mais de quinze
anos. Não foi essa a primeira tentativa de tradução dos textos sagrados cristãos: por cerca
de duzentos e cinquenta anos, outras versões, realizadas por diversas pessoas e
coletivamente chamadas de bíblia latina ou ítala, mas a tradução de Jerônimo passou a ser
a versão oficial.

A denominação Vulgata, de vulgata editio, vulgata versio e vulgata lectio, consolidou-se na


primeira metade do século XVI, sobretudo a partir da edição da Bíblia
de 1532, tendo sido definitivamente consagrada pelo Concílio de
Trento, em 1546. O Concílio estabeleceu um texto que foi oficializado
como a Bíblia da Igreja e ficou conhecido como Vulgata Clementina.
Leremos a seguir um trecho do Evangelho segundo Mateus, da Vulgata.
Lectio Septima Decima

SECUNDUM MATTHAEUM

Videns autem turbas, ascendit in montem; et aperiens os suum


docebat eos dicens:

“Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum caelorum.


Beati, qui lugent, quoniam ipsi consolabuntur. Beati mites, quoniam
ipsi possidebunt terram. Beati, qui esuriunt et sitiunt iustitiam,
quoniam ipsi saturabuntur. Beati pacifici, quoniam filii Dei vocabuntur.
Beati estis cum maledixerint vobis et persecuti vos fuerint et dixerint
omne malum adversum vos, mentientes, propter me. Gaudete et
exsultate, quoniam merces vestra copiosa est in caelis; sic enim
persecuti sunt prophetas, qui fuerunt ante vos. Vos estis sal terrae;
quod si sal evanuerit, in quo salietur? Vos estis lux mundi. Nolite putare
quoniam veni solvere Legem aut Prophetas; non veni solvere, sed
adimplere.”
(Vulgata, Evangelium Secundum Matthaeum, 5, 1-17)

145
GLOSSARIUM
adimpleo, es, ere, evi, etum – encher, aumentar, satisfazer aperio,
is, ire, ui, ertum* – abrir, descobrir, oferecer, dar beatus, a, um*
– adj. feliz, ditoso, bem-aventurado
consolo, as, are, avi, atum – consolar copiosus, a, um* – adj.
abundante, numeroso, copioso, eloquente
esurio, is, ire, iui ou ii, itum* – ter fome, ter apetite, cobiçar euanesco,
is, ere, uanui* – desaparecer, dissipar-se, desvanecer-se exulto, as,
are, avi, atum – exultar, ensoberbecer-se iustitia, iustitiae* f. –
justiça
lugeo, es, ere, luxi, luctum – chorar, lamentar-se, estar de luto lux,
lucis* f. – luz, brilho, claridade
maledico, is, ere, xi, ctum – amaldiçoar, dizer mal de, injuriar
mentior, iris, iri, itus sum – mentir, fingir, enganar, inventar
merces, mercedis f. – graça, mercê, salário, paga mitis, e
– adj. tenro, doce, brando, maduro
os, oris* n. – boca, palavra, voz; rosto, face, feição
pacificus, a, um – adj. pacífico pauper,
eris* – adj. pobre

146

persequor, eris, qui, secutus sum* – perseguir, percorrer, prosseguir


propheta, prophetae m. – profeta [no texto, prophetas por
prophetae] quoniam – conj. pois que, visto que
salio, is, ire, salsi, salsum – salgar
saturo, as, are, avi, atum – saciar, satisfazer, saturar
sitio, is, ire, ivi ou ii, itum – ter sede, desejar ardentemente spiritus,
spiritus* m. – espírito, sopro

1. Quid evangelium secundum Matthaeum docet?


2. Cur sunt felices qui lugent?
3. Possidebuntne terram qui mites non fuerint?
4. Qui filii Dei vocabuntur?
5. Ubi merces copiosa filiis Dei erit?
Deus an dei
6. Qui sunt sal terrae?
7. Quis rogat Iesus?
8. Venitne Iesus solvere Legem antiquam?Fac simile:

Qui consolabuntur? – Consolabuntur qui luxerint.


Qui habebunt regnum caelorum?
Qui saturabuntur?
Qui vocabuntur filii Dei?
Qui habebunt copiosam mercedem in caelis?

PERVIGILIUM VENERIS

A vigília de Vênus é um poema latino anônimo, cuja datação é controversa. Há estudiosos


que o situam nos séculos III, IV e, por vezes, até no século V d.C., mas certamente pertence
ao que chamamos Antiguidade Tardia. A vigília foi composta para celebrar o festival de
Vênus, que era realizado durante os três primeiros dias de abril. Supostamente escrito na
véspera do festival, o poema elogia Vênus (muitas vezes chamando-a de Dione) como a força
Lectio Septima Decima

vivificante do universo, a deusa da fertilidade e a responsável por dar a cada criatura seu par.
No poema, todos são convidados a entregarem-se ao amor pelo refrão que se repete em
intervalos ao longo do poema: cras amet qui numquam amavit, quique amavit cras amet.

Não é fácil classificar a que gênero de poesia A vigília de Vênus pertence. Em primeiro lugar,
é claramente poesia acentuada, isto é, não obedece ao esquema de sílabas longas e breves
da poesia latina clássica, mas a um padrão de acentuação regular. Em segundo lugar, sua
temática é leve, natural e destoa dos motivos recorrentes na poesia clássica. No entanto, é
um poema interessante e agradável, representativo do ambiente de mudanças do período
em que foi escrito.

147
Cras amet qui numquam amavit quique amavit cras amet.

Ipsa Nymphas diva luco iussit ire myrteo: It


puer comes puellis: nec tamen credi potest
Esse amōrem feriātum, si sagīttas vexerit.
Ite, Nymphae, posuit arma, feriātus est Amor:
Iussus est inermis ire, nudus ire iussus est,
Neu quid arcu, neu sagītta, neu quid igne laederet.
Sed tamen, Nymphae, cavēte, quod Cupīdo pulcher est: Totus
est in armis idem quando nudus est Amor.

Cras amet qui numquam amavit quique amavit cras amet.


(Pervigilium Veneris, vv. 26-35)

GLOSSARIUM
arcus, arcūs m. – arco; objeto em forma de arco; arco-íris;
abóbada
caveō, ēs, ēre, cāvī, cautum* – tomar cuidado, precaver-se, acautelar-se;
velar por, cuidar de

148
Deus an dei

comes, comitis m. e f. – o que vai com alguém, companheiro ou


companheira (de viagem) crās* – adv. amanhã
Cupīdō, Cupidinis* m. – Cupido, deus do amor dīva,
dīvae f. – deusa
fēriātus, a, um – part. pass. de fērior.; adj. que está em festa,
feriado; ocioso, tranquilo
inērmis, e – adj. sem armas, inerme; sem exército;
inofensivo
laedō, is, ere, laesī, laesum* – bater, ferir; fazer mal a, prejudicar,
danificar, injuriar, ultrajar
myrteus (murt-), a, um – adj. de murta, feito de murta lucus,
luci* m. – bosque
neu – adv. nem; e não
nūdus, a, um – adj. nu, despido; descoberto, posto à
mosta, vazio
nympha, nymphae* f. – ninfa, divindade que habita os bosques, o
mar, as fontes
pervigilium, pervigiliī n. – vigília prolongada; culto noturno, vigília
religiosa
pōnō, is, ere, posuī, positum* – pôr de lado, depor, afastar; pôr, colocar,
pousar, pôr na mesa, servir
sagītta, sagīttae* f. – seta, flecha tōtus, a,
um* – pron. adj. todo, inteiro
vehō, is, ere, vexī, vectum* – transportar por terra ou por mar, por
meio de qualquer veículo, a cavalo, em
navio, levar às costas
Venerius, a, um – adj. de Vênus, relativo a Vênus

Respōnde Latīne:

1. Quo nymphae eunt?


2. Quis iubet nymphas hoc agere?
3. Quis Cupido est?
4. Quōmodo diva nymphas de Cupidine monet?

149
Plautus

PARA SABER MAIS:

O TEATRO LATINO E A COMÉDIA NOVA GREGA

Inicialmente, o teatro romano era parte das atividades religiosas e recebia grande influência
dos etruscos, mas, após o contato com a cultura helênica, passou a utilizar as formas gregas:
a tragédia e a comédia.

A comédia nova é uma modalidade teatral que se desenvolveu na Grécia, cujos principais
representantes eram Menandro, Filemon e Dífilo, e que também inspirou muitos autores
romanos na criação de suas peças. Os assuntos mais comuns desse tipo de comédia eram os
fatos corriqueiros, e as personagens eram dos mais variados tipos: velhos, jovens, escravos,
soldados, prostitutas, deuses.

Dentre os autores romanos que se inspiravam nas obras gregas para escrever suas peças,
destacam-se os comediógrafos Plauto – que você conheceu durante esta Unidade – e
Terêncio. Embora ambos se inspirassem na comédia nova grega. Diferenciavam-se
significativamente no que diz respeito ao estilo: Plauto se destacava pelas cenas exageradas
e engraçadas, pela utilização de expressões burlescas e injuriosas, dando nomes estranhos
e engraçados às personagens e se valendo de trocadilhos maliciosos, muitas vezes
intraduzíveis. Já Terêncio se caracterizava por utilizar uma linguagem mais refinada, de tom
contido, sarcástico, polido e elegante, dando preferência às ações mais tranquilas, em
oposição à exagerada movimentação que se pode facilmente observar em Plauto.

A comédia latina é a origem tanto da farsa como da comédia de costumes; os assuntos, os


jogos de palavras, o clima enfim das peças plautinas nos parecem familiares, porque delas
derivam a nossa própria tradição cômica.

PLAUTO NA POSTERIDADE

Assim como os romanos se inspiraram na comédia nova grega, escritores de outras épocas
recorreram ao teatro e à comédia latina para criarem suas obras. A obra Amphitruo
influenciou diversos autores da posteridade como
153
Lectio Septima

Camões (Auto dos Enfatriões), Molière (Anfitrião), Guilherme Figueiredo (Um deus dormiu lá
em casa) e também Antonio José da Silva, que escreveu a peça Anfitrião ou Júpiter e
Alcmena, uma obra do barroco português. Ariano Suassuna inspirou-se na Aululária para
escrever O Santo e a Porca. Shakespeare inspirou-se na peça Os Menecmos, que vem sendo
usada na seção Treinando a pronúncia, para sua Comédia dos Erros.

Abaixo, um trecho da peça de Camões em que Mercúrio conta seu plano a Júpiter:

JÚPITER – Oh! Grande e alto destino! Oh! Potência tão


profana!
Que a seta de um menino
Faça que meu ser divino Se perca por coisa
humana!
Que me aproveitam os Céus
Onde minha essência mora
Com tanto poder, se agora
A quem me adora por Deus, Sirvo eu como
senhora?

Oh! que estranha afeição!


Quem em baixa coisa vai pôr
A vontade e o coração, Sabe tão pouco de
Amor, Quão pouco Amor da razão.
Mas que remédio hei de ter Contra mulher
tão terrível, Que se não pode vencer?

MERCÚRIO – Alto Senhor, teu poder


O difícil faz possível!

JÚPITER – Tu não vês que esta mulher Se preza de


virtuosa?

MERCÚRIO – Senhor, tudo pode ser. Que para quem


muito quer,
Sempre a afeição é manhosa.
Plautus
Seu marido está ausente,

154

Na guerra, longe daqui;


Tu, que és Júpiter potente, Tomarás sua forma em
ti,
Que o farás mui facilmente.
E eu me transformarei
Na de Sósia, criado seu;
E ao arraial me irei,
Onde logo saberei Como se a batalha
deu. E assim poderás entrar,
Em lugar de seu marido.
E para que sejas crido,
Poderás também contar
Quanto eu la tiver sabido.

JÚPITER – Quem arde em tamanho fogo


Tira-lhe a virtude a cor
De sutil e sabedor; E quem está fora do
jogo Enxerga o lance melhor.
Mas tu, que dos sabedores
Tanto avante sempre estás,
Se Deus é dos mercadores, Se-lo-ás dos amadores,
Pois tal remédio me dás.

SÓSIA E ANFITRIÃO

Muitas palavras que utilizamos atualmente foram retiradas de obras literárias ou mitos. Os
escritores e contadores de história estão sempre criando novas expressões que enriquecem
o nosso vocabulário. Também nomes de personagens e lugares podem originar palavras
novas. As palavras anfitrião, que hoje usamos para designar aquele que recebe os visitantes
em sua casa, e sósia, o duplo de outrem, ganharam esse significado por causa do mito de
Anfitrião, tema da peça Amphitruo, de Plauto, que você conheceu no início dessa unidade.

155
Muitos outros escritores foram responsáveis pela criação de inúmeras outras expressões e
palavras,como por estupendo, crepitante e lácteo, que apa-
Lectio Septima

receram pela primeira vez na obra do escritor português Camões. No Brasil, João Guimarães
Rosa, que escreveu o romance Grande Sertão: Veredas, se destaca como criador de muitos
neologismos.

treiNaNdo a ProNÚNCia

Após outra discussão entre Menecmo e a mulher, esta resolve chamar o pai e um médico,
pois crê que o marido tenha ficado louco.

Conversa entre o médico e o sogro de Menecmo:

ATO V, CENA V

MEDICVS Quid esse illi morbi, dixeras? Narra, senex. Num larvatust aut cerritus? Fac sciam.
Num eum veternus aut aqua intercus tenet?
Que doença você tinha dito que ele tem? Conta, velho. Está possuído ou enfeitiçado? Faz com que eu

saiba. Acaso ele tem letargia, ou inchaço? SENEX Quin ea te causa duco, ut id dicas mihi atque

illum ut sanum facias. Mas por esta razão fui te buscar,para que me digas isso e para que o cure.

MEDICVS Perfacile id quidem est. Sanum futūrum, mea ego id promitto fide.
Mas isto é muito fácil. Ele ficará são, dou minha palavra.

SENEX Magna cum cura ego illum curāri volo. Quero que ele seja
cuidado com muito cuidado.

MEDICVS Quin suspirābo plus sescenta in diē: ita ego eum cum curā magnā curābo tibi.
Plautus
Pois eu suspirarei por ele mais de seiscentas vezes por dia, tamanho será o cuidado com que cuidarei
dele para ti.

156

SENEX Atque eccum ipsum hominem. Observēmus, quam rem agat. Mas aí vem o homem em
pessoa: observemos o que vai fazer.

157
A estrutura do verbo latino
A estrutura do verbo latino

Nesta aula serão estudadas as categorias gramaticais relacionadas aos


verbos em latim, ou seja, o número, a pessoa, a voz, o modo, o tempo e o
aspecto. Veremos quais são essas categorias e como se realizam. Além
disso, iniciaremos o estudo das conjugações verbais como paradigmas aos
quais os verbos pertencem, dependendo da estrutura do seu radical.

Características
morfológicas dos verbos
em latim
Os verbos em latim funcionam de maneira bastante parecida com os
verbos em português. Há uma base temática (radical e, às vezes, vogal
temática, como ama- do verbo “amar” em português) que carrega o
significado básico do verbo, a que se seguem uma eventual vogal de ligação,
infixos específicos de tempo, aspecto, modo e voz (como o infixo -va do
imperfeito no português) e as desinências número-pessoais, que carregam
a informação de pessoa (primeira, o locutor, segunda, o interlocutor, ou
terceira, aquele de quem se fala) e de número (singular ou plural); exemplos
de desinências número-pessoais em português seriam -s para a segunda do
singular (“amas”) e -mos para a primeira do plural (“amamos”).

Conheceremos as formas dos verbos latinos aos poucos, tentando dar


conta da maior parte do sistema verbal que caiba nos limites realistas de
tempo, espaço e profundidade que precisamos impor a este material.

As conjugações
Assim como os nomes latinos sofrem o mecanismo de flexão
morfológica que chamamos de declinação, conjugação é o mecanismo de
flexão morfológica dos verbos, responsável por nos dizer, de cada forma
verbal, a qual número, pessoa, modo, voz, tempo e aspecto o verbo faz
referência. Conheceremos essas categorias gramaticais aos poucos.
Comecemos pela

110
A estrutura do verbo latino

questão mais básica de como os verbos se classificam em paradigmas diferentes de


acordo com a conjugação.

Os gramáticos latinos estabeleceram basicamente quatro paradigmas de


conjugação verbal, com base nas diferenças entre os temas dos verbos em latim. Em
português, as conjugações são três: em -a-, em -e- e em -i-, ou seja, a de verbos como
“amar”, “comer” e “dormir”. Essas três conjugações estavam presentes em latim, mas
havia ainda uma outra, a conjugação dos verbos com tema em consoante.

A tradição também estabeleceu uma subconjugação derivada da conjugação


consonantal, mas que tem muitas formas parecidas com as da conjugação de temas
em -i-, que chamaremos aqui de conjugação mista.

Vejamos uma listagem das conjugações com o verbo básico que usaremos de
exemplo:

Primeira conjugação – temas em -a-: am-o, ama-s, amau-i, amat-um, amāre6


“amar”.

Segunda conjugação – temas em -e-: habe-o, habe-s, habu-i, habit-um, habē-re


“ter”.

Terceira conjugação – temas consonantais: dic-o, dic-i-s7, dix-i, dict-um, dicĕ-re


“dizer”.

Quarta conjugação – temas em -i-: audi-o, audi-s, audiu-i, audit-um, audīre


“ouvir”.

Conjugação mista – temas consonantais: capi-o, capi-s, cep-i, capt-um, capĕre


“pegar, capturar”.

Dessas informações, facilmente encontráveis nos dicionários para qualquer verbo


latino, o que deve ser aprendido antes de qualquer coisa é o modo de identificar a
conjugação de um verbo. Os verbos em latim são enunciados pela primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e não pelo infinitivo, como em português. No
entanto, as primeiras pessoas singulares do presente do indicativo são construídas

6 Daremos aqui a entrada do verbo nas seguintes formas: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, segunda pessoa do singular do presente
do indicativo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo, supino/particípio perfeito e infinitivo presente. Com essas formas, como veremos
adiante, seremos capazes de derivar todas as outras formas possíveis dos verbos latinos. Em geral, os dicionários apresentam os verbos com essas formas
listadas, nessa ordem (eventualmente sem a segunda do singular). Os hífens servem apenas para fins didáticos, eles não são parte das palavras latinas.

7 O -i- aqui é uma vogal breve que serve apenas para ligar o tema consonantal à desinência que o segue.

111
A estrutura do verbo latino
com uma desinência -o que às vezes mascara algumas características dos verbos e,
para conhecermos com toda a certeza a conjugação a que o verbo pertence,
precisaremos conhecer também o infinitivo do referido verbo. Com esses dois
elementos, não restarão dúvidas quanto a que conjugação um verbo pertence.
Vejamos o quadro a seguir, que contém apenas a primeira pessoa do singular do
presente do indicativo e o infinitivo presente dos verbos das cinco conjugações.
Primeira conjugação amo amāre amar

Segunda conjugação habeo habēre ter

Terceira conjugação dico dicĕre dizer

Quarta conjugação audio audīre ouvir

Conjugação mista capio capĕre capturar

As sílabas em negrito no infinitivo são as sílabas que recebem o acento principal.


Como se pode perceber, o acento na penúltima é motivado pela vogal longa. Olhando
com atenção, podemos perceber que a vogal longa aparece nas conjugações
vocálicas, ou seja, na primeira, segunda e quarta. As vogais breves -ĕ- dos infinitivos
da terceira conjugação e da conjugação mista são vogais de ligação entre o tema e a
desinência -re, o que causa o deslocamento do acento principal para a antepenúltima.
Assim, há uma separação clara entre conjugações vocálicas e consonantais, que
percebemos no infinitivo. Isso também nos mostra claramente que, embora muitas
formas da quarta conjugação e da conjugação mista pareçam iguais, isso acontece
apenas por uma anomalia no sistema verbal, pois, na verdade, a conjugação mista é
como uma parte da terceira conjugação, o que, mais uma vez, fica claro ao olharmos
para o seu infinitivo. Outra questão, a princípio problemática, que se resolve no
cruzamento do infinitivo com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo,
é a aparente igualdade de construção dos verbos da primeira e da terceira
conjugação, que têm primeira pessoa em -o, sem vogal temática (am-o e dic-o, contra
habe-o e audi-o). Com o infinitivo, torna-se claro que amā-re e dicĕ-re fazem parte de
conjugações diferentes. Portanto, o estudo cuidadoso do quadro anterior nos
capacitará a aprender inequivocamente a conjugação de qualquer verbo em latim.

Os tempos
O verbo latino flexiona-se em tempo (presente, passado e futuro) e em aspecto
(eventos concluídos ou pontuais, ou seja, perfectivos, e não concluídos ou durativos,
ou seja, imperfectivos). Há uma separação entre formas verbais de aspectos

112
A estrutura do verbo latino
imperfectivos e perfectivos, que resulta em um sistema verbal com os seguintes
tempos principais:
Tempos principais da voz ativa – Tempos principais da voz ativa –
infectum perfectum
Presente amo, amat, amo, ama, (pretérito) amaui, amei,
amamus... amamos Perfeito amauisti... amaste

(pretérito) amabam, amava, (pretérito) amaueram, amara, tinha


Imperfeito amabas,... amavas Mais-que- amaueras... amado
-perfeito
Futuro do amabo, amarei, Futuro do amauero, terei amado,
presente amabit... amará pretérito amaueris... terás amado

Os três tempos do lado esquerdo do quadro são os chamados tempos do sistema


verbal infectum em latim, pois são imperfectivos quanto ao aspecto e se formam com
o radical verbal chamado radical do presente (ama-, habe-, dic(ĕ)-, audi- e cap(ĕ)-),
que conseguimos ao subtrair o -re do infinitivo presente. Os tempos da metade direita
do quadro são os chamados tempos do perfectum, pois são perfectivos quanto ao
aspecto e são formados a partir do radical do perfeito (amau-, habu-, dix-, audiu- e
cep-). O radical do perfeito é idiossincrático8, ou seja, cada verbo apresenta o seu
radical de perfeito, a princípio, sem regras predeterminadas para sua formação. Por
isso o dicionário apresenta também o radical de perfeito na entrada de cada verbo.
Todos os verbos possuem dois radicais diferentes, um de infectum e um de
perfectum, além de um terceiro, aquele que forma os particípios e alguns tempos
verbais analíticos (formados por particípio + verbo auxiliar), que é chamado de radical
de supino (que também pode ser conseguido na entrada lexical dos verbos nos
dicionários).

Agora, para podermos prosseguir é necessário falar das desinências número-


pessoais. Além dos três radicais básicos dos verbos, para podermos construir
qualquer forma de qualquer tempo, voz ou modo verbal, é preciso conhecer os
possíveis conjuntos de desinências número-pessoais. O quadro a seguir sistematiza
as desinências número-pessoais:

Número e pessoa Tempos do indicativo e Tempos do indicativo e Perfeito do


subjuntivo na voz ativa subjuntivo na voz indicativo
passiva ativo
1.ª pessoa do singular -o ou -m -or ou -r -i

8 Individual e particular de cada verbo, imprevisível segundo regras gerais.

113
A estrutura do verbo latino
2.ª pessoa do singular -s -ris -isti

3.ª pessoa do singular -t -tur -it

1.ª pessoa do plural -mus -mur -imus

2.ª pessoa do plural -tis -mini -istis

3.ª pessoa do plural -nt -ntur -ērunt ou -ēre

Esse quadro resume praticamente todas as possibilidades de desinências número-


pessoais dos verbos latinos. Há algumas formas de tempos passivos no perfectum que
são construídas com o particípio perfeito ou futuro com um verbo “ser” flexionado
como auxiliar. Veremos essas formas oportunamente. Tirando essas últimas, todos
os tempos, vozes e modos latinos podem ser construídos, bastando que saibamos
qual radical deve ser usado (presente/infectum, perfeito/perfectum ou
supino/particípio), qual dos três conjuntos de desinências número-pessoais deve ser
usado, e que infixo modo-temporal deve ser colocado entre o radical e a desinência
número-pessoal.

Quando os quadros das conjugações forem apresentados, preste atenção a esses


três fatores da construção de cada tempo em cada modo e em cada voz, e você verá
facilmente os mecanismos regulares de construção verbal atuando.

As vozes
Diferentemente do português, que constrói a voz passiva sempre com formas
analíticas (particípio mais verbo auxiliar), o latim, em vários tempos, constrói a voz
passiva sinteticamente, ou seja: através de desinências número-pessoais específicas
de voz passiva. Falaremos mais sobre a voz passiva adiante, mas, aproveitando o
quadro de desinências número-pessoais apresentado anteriormente, já é possível
identificar, por exemplo, como seriam construídas as vozes passivas dos tempos
principais:
Tempos principais da voz ativa – Tempos principais da voz passiva –
infectum infectum

114
A estrutura do verbo latino
Presente amo, amo, Presente amor, sou amado, é
ativo amat, ama, passivo amatur, amado, somos
amamus... amamos amamur... amados

(pretérito) amabam, amava, (pretérito) amabar, era amado,


Imperfeito amabas,... amavas Imperfeito amabaris... eras amado
ativo ativo
Futuro do amabo, amarei, Futuro do amabor, serei amado,
presente amabit... amará presente amabitur... será amado
ativo passivo
Como se pode perceber pelas desinências em negrito, a voz passiva é formada
basicamente pela mudança da desinência número-pessoal. Esse tipo de flexão de voz
passiva se perdeu em português.

Os modos
Há em latim quatro modos: o indicativo, ligado à denotação de eventos tidos como
factuais, “reais”; o subjuntivo, que carrega os significados básicos de irrealidade,
hipótese, desejo; o imperativo, modo responsável pelas ordens; e o infinitivo, a forma
verbal sem tempo nem pessoa. Não haverá espaço para tratarmos dos modos
individualmente, mas na apresentação das conjugações, que iniciaremos a seguir,
haverá a indicação das formas de todos os modos.

Primeira conjugação verbal


Na apresentação das conjugações verbais, veremos os tempos principais no
indicativo e no subjuntivo, além das formas de infinitivo e imperativo, todos na voz
ativa.

Exemplo de primeira conjugação na voz ativa: amo, amas, amāre, amaui, amatum
“amar”.
Presente do Presente do Perfeito do
Perfeito do
indicativo: subjuntivo: subjuntivo9:
indicativo: “amei,
“amo, amas...” amaste...” “ame, ames...” “tenha amado”

9 O perfeito do subjuntivo é um tempo que não apresenta correlação direta com nenhum tempo específico do português, e que, em latim, é usado ou com
um sentido de subjuntivo jussivo/desiderativo aoristo, ou seja, com um tempo indeterminado (algo como: amauerim = “que eu ame!”) ou como tempo
relativo em estruturas de subordinação, como a maioria dos casos de subjuntivo.
115
A estrutura do verbo latino

1.ª pessoa do
singular amo amāui amem amauĕrim

2.ª pessoa do
singular amas amauisti ames amauĕris

3.ª pessoa do
singular amat amāuit amet amauĕrit

1.ª pessoa do
plural amāmus amauĭmus amēmus amauerĭmus

2.ª pessoa do
plural amātis amauistis amētis amauerĭtis

3.ª pessoa do amauērunt /


plural amant amauēre ament amauĕrint

Mais-
queperfeito
Imperfeito do Mais-que-perfeito Imperfeito do
do
indicativo: do indicativo: subjuntivo:
subjuntivo:
“amava, “tinha amado, “amasse, “tivesse
amavas...” amara...” amaria...” amado, teria
amado...”
1.ª pessoa do
singular amābam amauĕram amārem amauissem

2.ª pessoa do
singular amābas amauĕras amāres amauisses

3.ª pessoa do
singular amābat amauĕrat amāret amauisset

Mais-
Imperfeito do Mais-que-perfeito Imperfeito do queperfeito do
indicativo: do indicativo: subjuntivo: subjuntivo:
“amava, ama- “tinha amado, “amasse, ama- “tivesse
ria...” amado,
vas...” amara...”
teria amado...”

1.ª pessoa do
amabāmus amauerāmus amarēmus amauissēmus
plural

2.ª pessoa do
amabātis amauerātis amarētis amauissētis
plural

116
A estrutura do verbo latino

3.ª pessoa do
amābant amauĕrant amārent amauissent
plural
Futuro do Futuro perfeito do Infinitivo
indicativo: indicativo: “te- presente: Imperativo
“amarei, ama- rei amado, terás amāre presente
rás...” amado...” “amar”
Infinitivo ama “ama tu”
1.ª pessoa do perfeito: amāte “amai vós”
amābo amauĕro
singular amauisse “ter
amado”
Infinitivo futuro: Particípio
amaturus, a, um perfeito: amatus,
2.ª pessoa do esse “estar por
amābis amauĕris a, um “amado,
singular amar” aquele que foi
amado”
Particípio
Gerúndio10
3.ª pessoa do presente: amans,
amābit amauĕrit (acusativo):
singular amantis “o que
amandum
ama, amante”
Particípio futuro:
Gerúndio amaturus, a, um
1.ª pessoa do
amabĭmus amauerĭmus (genitivo): “o que está por
plural amandi amar”
Gerundivo:
Gerúndio
2.ª pessoa do amandus, a, um
amabĭtis amauerĭtis (dativo): amando
plural “para ser amado,
“para amar”
a ser amado”
Gerúndio Supino: amatum
3.ª pessoa do (ablativo): “para amar”
amābunt amauĕrint
plural amando “por
amar”

Segue uma lista de verbos comuns da primeira conjugação:

ambulo “atravessar, andar” celo “esconder, esconder-

se” clamo ”gritar” cogito “pensar, considerar” do, dāre,

dedi, datus “dar” dono “doar” dubito “duvidar, hesitar”

habito “habitar, morar” iuuo, iuuāre, iuui, iutus ”ajudar”

10 O gerúndio nada mais é, em latim, que a forma flexionada do infinitivo nos outros casos (o infinitivo é a forma de “nominativo”, ou seja, é o sujeito de
uma nominalização verbal), por isso a tradução vai depender fortemente do contexto.
117
A estrutura do verbo latino
laboro “trabalhar” loco “colocar, pôr” monstro

“mostrar, demonstrar” muto “mudar” neco “matar”

nego “negar, dizer (que) não” nuntio ”anunciar” opto

“escolher, desejar, optar” oro “implorar, orar” paro

“preparar” porto “carregar, transportar” pugno “lutar”

sto, stare, steti, staturus “estar em pé” voco “chamar, convocar”

Segunda conjugação verbal


Exemplo de segunda conjugação na voz ativa: habeo, habes, habēre, habui,
habitus “ter”

118
A estrutura do verbo latino

3.ª pessoa do
habēbat habuĕrat habēret habuisset
singular

119
A estrutura do verbo latino
Mais-que-per- Mais-
feito do queperfeito
Imperfeito do Imperfeito do
indicativo: do
indicativo: subjuntivo:
“tinha tido, subjuntivo:
“tinha, tinhas...” “tivesse, teria...” “tivesse tido,
tivera...”
teria tido...”

1.ª pessoa do
habebāmus habuerāmus haberēmus habuissēmus
plural

2.ª pessoa do
habebātis habuerātis haberētis habuissētis
plural

3.ª pessoa do
habēbant habuĕrant habērent habuissent
plural

Futuro perfeito
Futuro do do indicativo: Infinitivo
Imperativo
indicativo: “terei tido, terás presente: habēre
presente
“terei, terás...” tido...” “ter”

habe “tem tu”


1.ª pessoa do Infinitivo perfeito: habēte
habēbo habuĕro
singular habuisse “ter tido” “tenhai vós”

Particípio
Infinitivo futuro: perfeito:
2.ª pessoa do
habēbis habuĕris habiturus, a, um habitus, a, um
singular esse “estar por ter” “tido, aquele
que foi tido”
Particípio
Gerúndio presente:
3.ª pessoa do
habēbit habuĕrit (acusativo): habens,
singular habendum “ter” habentis “o que
tem”
Particípio
futuro:
1.ª pessoa do Gerúndio (genitivo):
habebĭmus habuerĭmus habiturus, a, um
plural habendi “de ter”
“o que está por
ter”
Gerundivo:
2.ª pessoa do Gerúndio (dativo): habendus, a, um
habebĭtis habuerĭtis
plural habendo “para ter” “para ser tido, a
ser tido”
Supino: habitum
3.ª pessoa do Gerúndio (ablativo): “para ter”
habēbunt habuĕrint
plural habendo “por ter”

120
A estrutura do verbo latino
Segue uma lista de verbos comuns da segunda conjugação:

appareo, apparere, apparui, apparitus “aparecer”

careo, carere, carui, caritus “carecer, estar sem, faltar”

debeo, debere, debui, debitus “dever” fleo, flere, flexi,

fletus “chorar”

maneo, manere, mansi, mansus “permanecer” moneo,

monere, monui, monitus “aconselhar, avisar” moueo,

mouere, moui, motus “mover” pareo, parere, parui,

paritus “obedecer”

placeo, placere, placui, placitus “aprazer a, ser agradável” a (+ dativo)

respondeo, respondere, respondi, responsus “responder” sedeo, sedere,

sedi, sessus “sentar-se” taceo, tacere, tacui, tacitus “calar-se”

teneo, tenere, tenui, tentus “ter (em mãos), segurar, manter”

terreo, terrere, terrui, territus “aterrorizar-se” timeo, timere,

timui, –, “temer, ter medo de” uideo, uidere, uidi, uisus “ver”

Texto complementar
No Canto IV da Eneida de Virgílio, do qual tiramos o trecho a seguir,
conhecemos a história trágica do amor entre Dido, rainha de Cartago, e Enéias,
sobrevivente troiano que deverá fundar Roma. Dido e Enéias, ambos viúvos, veem-
se reféns de um amor motivado pelos deuses, e o amor de Dido. Ela,

121
A estrutura do verbo latino

cada vez mais incapaz de controlar seus sentimentos, é retratada no trecho a


seguir como enlouquecida de amor.

Ó ciência vã dos agouros! Quê somam delubros e votos para os


delírios do amor? Enquanto isso, a medula enlanguesce e no imo
peito a ferida se alastra sem ser pressentida. Arde a Rainha infeliz,
vaga insana por toda a cidade, sem rumo certo, tal como veadinha
nos bosques de Creta que o caçador transfixou com uma flecha,
sem que ele consciência então tivesse do fato. O volátil caniço ali
fica; corre a coitada, vencendo florestas do Dicte e arvoredos, mas
sempre ao lado encravada sentindo a fatal mensageira. Ora
percorre as muralhas com o cabo de guerra troiano, mostra-lhe o
burgo nascente, a famosa opulência dos tírios, ora começa a falar e
interrompe no meio o discurso; novos banquetes lhe apresta no fim
da jornada, à noitinha. No seu delírio, outra vez quer ouvir os
desastres de Troia; pende da boca outra vez do orador eloquente e
bem posto. Pouco depois, separados no ponto em que a lua nos
priva do claro lume e ao repouso as cadentes estrelas convidam,
geme por ver-se sozinha na sala; no leito se deita
que ele ocupara; na ausência do amado ainda o vê, ainda o escuta,
retém a Ascânio no colo, na imagem paterna se embebe, por esse
modo pensando iludir a paixão absorvente. Inacabadas, as torres
pararam; não mais se exercitam moços esbeltos nos jogos da
guerra, na faina dos portos; interrompidas as obras, o céu das
ameaças descansa; por acabar as ameias, merlões, toda a fábrica
altiva.
(Eneida, IV, 65-90)

Dica de estudo
Consulte em diferentes gramáticas as explicações que os autores dão para o
sistema verbal latino.

122
A estrutura do verbo latino

Atividades
1. Descreva todas as informações possíveis dos verbos a seguir, conforme o exemplo:

monstrabant: terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo do


verbo monstro: “eles/elas mostravam”.

a) celaremus:

b) locat:

c) respondi:

d) uidebimus:

e) seduit:

f) mansissem:

123
A estrutura do verbo latino
g) flexeratis:

124

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