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As dimensões escondidas do Universo

Carlos Augusto Romero Filho

Até o aparecimento da teoria da relatividade, parecia fora de cogitação que o


Universo em que vivemos tivesse mais de três dimensões. É plausível que essa
concepção de tridimensionalidade tenha origem no simples fato de que os objetos
físicos que encontramos no nosso cotidiano possuem, de acordo com nossa
experiência sensorial, comprimento, largura e altura. Além disso, em nosso
primeiro contato com a geometria plana ou espacial, na escola, temos a tendência
natural de atribuir aos teoremas o status de fatos geométricos, como se eles
tivessem uma existência real, transcendendo à natureza puramente abstrata e
axiomática da Matemática. Aliás, a esse respeito não nos esqueçamos de que o
famoso teorema de Pitágoras, o mais importante da geometria euclidiana, foi
“descoberto” empiricamente pelos agricultores egípcios, e só posteriormente foi
depurado do seu conteúdo empírico pelos geômetras gregos.

A identificação da geometria euclidiana como sendo a própria geometria do


mundo se constituiu historicamente num dos maiores entraves ao
desenvolvimento da geometria moderna. Imaginar a existência de um outro tipo
de geometria seria não só uma atitude fútil como herética. Assim, foi necessário
esperar pela genialidade e coragem de Nikolai Lobachevsky (1793-1856) e Janos
Bolyai (1802-1860) para que a geometria finalmente se libertasse do jugo
euclidiano. Também a arraigada crença de que a geometria do mundo teria de ser
necessariamente euclidiana, esta seria brilhantemente contestada pela
perspicácia não de um físico, como seria de se esperar, mas de um matemático,
Bernhard Riemann (1826-1866), sucessor de Carl Gauss (1777-1855) na
Universidade de Göttingen.

O movimento dialético que opôs a geometria euclidiana às chamadas geometrias


não-euclidianas, teve na Física, um paralelo bastante expressivo. De fato, a
teoria da relatividade especial, proposta por Albert Einstein (1879-1955), em
1905, e aprimorada por Hermann Minkowski (1864-1909), pouco depois, começa
diferindo da física Newtoniana em termos de geometria e dimensionalidade do
mundo. Na visão relativista, o velho espaço de três dimensões tem de ser
substituído por um novo espaço-tempo, de quatro dimensões. Além disso, a
geometria desse espaço-tempo não e´euclidiana, e sim minkowskiana. O tempo
passava assim a ser concebido como uma quarta dimensão, o que foi
absolutamente fundamental e necessário para a construção da teoria da
relatividade geral e a subseqüente revolução científica promovida por ela. Na
relatividade geral, considerada por muitos como a maior realização intelectual
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humana, a geometria deixava de ser minkowskiana para ser riemanniana. E a
gravitação entre os corpos deixava de ser vista como uma força física para ser
considerada uma propriedade geométrica do espaço-tempo.

Apesar da grande beleza de suas equações, que descreviam parte da física (a


gravitação), como sendo pura geometria, a teoria da relatividade, concluída em
1916, não satisfazia plenamente o senso estético de seu criador. Na realidade,
Einstein ainda sonhava geometrizar o eletromagnetismo, obtendo, assim, uma
teoria unificada das interações da física. Foi então que no início da década de
vinte, do século passado, dois físicos teóricos, Theodor Kaluza (1885-1954) e
Oscar Klein (1894-1977) formularam uma hipótese estranha, mas que conduzia a
resultados interessantes. A teoria de Kaluza-Klein, como ficou conhecida
posteriormente, demonstrou que se o espaço-tempo postulado por Einstein e
Minkowski for acrescido de uma quinta dimensão, então, usando-se as próprias
equações da teoria da relatividade, mostra-se que os fenômenos
eletromagnéticos podem ser interpretados como tendo origem geométrica. Em
outras palavras, o campo eletromagnético, à semelhança do campo gravitacional,
também é geometrizável.

Durante toda a vida, a reação de Einstein à teoria de Kaluza-Klein oscilou entre a


aceitação entusiástica e o ceticismo total. O grande problema, para ele e para
muitos, era aceitar a existência de uma dimensão que não se via, que não se
detectava experimentalmente. A quinta dimensão era uma dimensão “escondida”,
por assim dizer.

A teoria de Kaluza-Klein original não considerava, por se desconhecerem na época


em que foi formulada, as chamadas interações nucleares. No entanto, o modelo
matemático em que se baseava a teoria serviu de inspiração para novas
tentativas de unificação entre as forças da natureza. Foi assim que nos anos
setenta e oitenta, do século XX, surgiram a teoria de supercordas e a teoria de
supergravidade. Ambas buscavam um esquema de unificação à la Kaluza-Klein,
mas com um postulado ainda mais exótico: nosso Universo teria dez ou onze
dimensões!

A verdade é que não se pode dizer, neste início do século XXI, se a teoria de
supercordas ou de supergravidade são viáveis ou não como teorias da física.
Ambas lidam com um aparato matemático extremamente complicado, o que faz
com que muitos físicos as considerem com certa desconfiança. Afinal, as leis da
Natureza, como acreditava o físico inglês Paul Dirac (1902-1984), deveriam ser
descritas por uma matemática simples e elegante.... Além disso, dez ou onze são
muito mais dimensões para digerir do que as cinco da teoria de Kaluza-Klein.
Qualquer tentativa de explicar por que existem tantas dimensões escondidas,

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não observáveis diretamente, sempre pode parecer um tanto artificial, ou, pelo
menos, ad hoc, do ponto de vista epistemológico.

Para tentar explicar o fato de que até agora não se observou nenhuma dimensão
além das quatro do espaço-tempo tem-se postulado que as dimensões extras, isto
é, as dimensões escondidas do Universo, são minúsculas e se curvam sobre si
mesmas. Na terminologia matemática, diz-se que essas dimensões são compactas.
Recentemente, uma nova versão não-compacta da teoria de Kaluza-Klein foi
sugerida pelo físico inglês Paul Wesson, da Universidade de Waterloo, no Canadá.
Nos modelos cosmológicos propostos por Wesson o Universo em que vivemos tem
cinco dimensões, sendo que a quinta dimensão, não-compacta, é a responsável pela
existência da matéria. Em outras palavras, o que chamamos de matéria seria, em
última instância, meramente geometria, a qual se manifesta como substância
quando observada por seres que vivem numa hipersuperficie de quatro dimensões.
Teorias que postulam a existência de tais hipersuperfícies são conhecidas pelos
matemáticos pelo nome de teorias de imersão. O nome é sugestivo, pois a idéia é
que o universo que observamos fisicamente estaria imerso num Universo maior,
de cinco dimensões.

Uma outra teoria de imersão que surgiu no apagar das luzes do século XX deve-
se aos físicos Lisa Randall, da Universidade de Princeton, e Raman Sundrum, da
Universidade de Boston. Conhecida simplesmente como o modelo de Randall-
Sundrum, essa teoria também considera que vivemos sobre uma hipersuperfície
de um espaço-tempo maior, de cinco dimensões. O interessante é notar que tanto
Wesson como Randall-Sundrum se utilizam de todo o formalismo matemático
desenvolvido por Einstein, em sua teoria da relatividade geral, mudando apenas a
dimensionalidade, que passa a ser cinco.

Desde o momento em que a física “virou” geometria, os físicos passaram a ter que
pagar um tributo aos geômetras. Por exemplo, não é permitido ao físico construir
uma teoria baseada num modelo geométrico sem antes saber se esse modelo é
consistente com os teoremas fundamentais da geometria. Vejamos então o que
sucede com as chamadas teorias de imersão. Quando Wesson publicou sua teoria,
que pretendia geometrizar a matéria, o mecanismo matemático pelo qual se fazia
a imersão em cinco dimensões era apenas uma conjectura, não estava garantido
por um teorema conhecido. Para felicidade de Wesson, todavia, descobriu-se que
o teorema necessário para garantir a consistência de suas idéias já havia sido
demonstrado por um obscuro matemático inglês, Campbell, em 1926, e publicado
postumamente num pequeno livro de geometria diferencial.

O teorema que garante a consistência matemática da teoria de Wesson não se


aplica ao modelo de Randall-Sundrum. Eis aí uma situação em que a física estimula
a pesquisa matemática. Para prosseguir com teorias de imersão mais gerais que a
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de Wesson, para explorar novas possibilidades teóricas, o teorema de Campbell
não seria mais suficiente. Seria preciso generalizá-lo. E a busca de níveis
crescentes de generalização de teoremas e teorias parece ser historicamente o
movimento mais natural da pesquisa matemática. A generalização do teorema de
Campbell foi demonstrada este ano por Fábio Dahia, um ex-aluno do curso de
doutorado em física da Universidade Federal da Paraíba. Na verdade, Dahia
conseguiu demonstrar não apenas um, mais três tipos diferentes de
generalização do teorema, um dos quais se aplica ao modelo de Randall-Sundrum.

Por outro lado, a resposta à questão se existem ou não dimensões escondidas no


Universo parece ainda bastante elusiva. Alguns físicos contemporâneos
entrevêem nas dimensões extras a solução de vários problemas ainda insolúveis
da física moderna, entre eles a quantização do campo gravitacional. Stephen
Hawking, eminente cosmólogo inglês, é um desses. Em recente entrevista sobre
seu livro “O Universo numa casca de noz” Hawking declara abertamente sua
crença num universo de várias dimensões extras. Porém, caso cheguemos à
conclusão de que dimensões extras realmente existem, uma série de outras
questões inevitavelmente se seguirá. Por exemplo, o que acontece com essas
dimensões à medida que o Universo se expande? Podem as dimensões extras
serem da mesma natureza que o tempo, implicando com isso na existência de
diferentes tempos cósmicos?

Já se disse certa vez que a física primeiro se inventa e depois se descobre. As


dimensões escondidas já foram inventadas. Falta só serem descobertas.

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