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Prefácio
Rivais heroicos

O verão de 1976 costuma ser lembrado pelo calor


elevado, que começou por volta do dia 1º de maio e
prosseguiu até 31 de agosto. Durante quatro meses, em
muitos países da Europa, nenhuma gota de chuva caiu.
Foi a maior onda de calor registrada em décadas. Na
Inglaterra, o asfalto derretia e o sorvete estava em falta.
Mas as condições meteorológicas fora do comum, que
não se repetiram desde então, não eram nada em
comparação com os acontecimentos vistos nas pistas de
corrida naquele verão.
Nenhum dramaturgo seria capaz de criar um cenário
tão hipnótico ou dois de rivais tão heroicos quanto os que
estrelaram a temporada de Fórmula 1 de 1976. Niki
Lauda, campeão reinante, liderou o campeo­nato mundial
da primeira à última prova — quase até a última volta da
competição. A palavra “quase” tornou-se o termo mais
importante no dicionário desse austríaco. Ao longo de
dez meses, ele esteve à frente durante 274 dias — o
equivalente a 6.600 horas ou 395.999 minutos. Apenas
nos últimos minutos daqueles dez meses James Hunt
conseguiu superar Niki, garantindo o título mundial
graças a uma diferença de um único ponto.
Perder o campeonato dessa forma foi arrasador para
Lauda, principalmente diante de tudo o que lhe
aconteceu em 1976. Ninguém está psicologicamente
preparado para manter a liderança durante tanto tempo
e perdê-la bem no final. Lauda jamais poderia prever que
seria superado em tais circunstâncias e, ao decolar de
Tóquio, no final de outubro de 1976, o austríaco estava
destruído.
Nenhum roteirista de Hollywood teria escrito um final
como esse, ou seria capaz de narrar o drama humano de
uma temporada tão tensa. Assim como as condições
meteorológicas daquele verão provavelmente jamais se
repetirão, nunca haverá um campeonato de
automobilismo tão emocionante quanto o de 1976.
Muita gente acredita que o acidente envolvendo Niki
Lauda foi a única causa para tal desfecho, e muitos
acham que James Hunt só conseguiu se sagrar campeão
por causa disso. Êxito e insucesso parecem ter sido
distribuídos de forma equânime naquela temporada.
Uma análise das estatísticas mostra o seguinte: Niki
Lauda teve cinco provas não terminadas, James Hunt
também. Assim, ambos não chegaram a ver a bandeira
quadriculada o mesmo número de vezes, por motivos
diversos.
Portanto, os dois pilotos tiveram o mesmo número de
oportunidades de ir até o fim — momentos em que
poderiam ter marcado pontos: onze cada um, ao todo. No
automobilismo, é isso o que conta.
Ao longo da temporada, Lauda e Hunt tiveram
problemas. Em três ocasiões, o carro de Hunt
praticamente o deixou fora das provas por motivos que
não estavam sob seu controle. Já Lauda teve três
corridas em que seu estado físico o impediu de competir
— a exemplo de Hunt, por motivos que ele não pôde
controlar. E cada um viveu duas provas nas quais outras
circunstâncias os impediram de receber a bandeirada.
Não se deixe enganar: considerando todas as variáveis,
foi uma batalha entre iguais. Na hora de anunciar a
pontuação final, sagrou-se vencedor o melhor naquele
momento.
O ano de 1976 será lembrado enquanto houver pilotos
competindo nas pistas.
Jamais houve, e nem poderá haver, uma temporada
como aquela. Foi um momento único na história.
Prólogo
Meu ano com James e Niki
Obrigado pelas memórias

Na época não parecia tão óbvio. Olhando agora, no


entanto, percebo a sorte que tive ao poder participar da
temporada de Grandes Prêmios de 1976 —
possivelmente um dos anos mais notáveis na história da
Fórmula 1.
Para mim, foi um momento especial, já que a
temporada marcou uma guinada em minha vida: naquele
ano, venci meu primeiro Grande Prêmio e tornei-me
frequentador assíduo das primeiras filas do grid. Quem
jamais fez isso não é capaz de compreender o alívio de
vencer o primeiro Grande Prêmio. É um peso imenso
tirado dos ombros.
James, Niki e eu tínhamos muita coisa em comum: mais
ou menos a mesma idade, fazíamos parte da mesma
geração e estávamos todos galgando os degraus do
automobilismo no mesmo momento. Nós três entramos
para a Fórmula 1 num intervalo de mais ou menos um
ano. Acima de tudo, eu me considerava um sujeito de
sorte por poder ter os dois como amigos.
Meu primeiro encontro com James foi em 1971, quando
ele corria pela equipe de Chris Marshall na Fórmula 3,
tendo o irlandês Brendan McInerney como companheiro
de escuderia. Lembro-me de que meu primeiro contato
com James foi num restaurante em Kings Road, ­Chelsea.
Ele adorava aquele lugar, e estava lá com sua namorada
da época, Taormina Rieck, além de Max Mosley e Robin
Herd. Eu me recordo de ouvir Max dizer que eu deveria
pilotar um March.
O primeiro encontro com Niki foi naquele mesmo ano,
numa corrida de Fórmula 2 no Mallory Park. Na época,
Niki tinha um Porsche 911S — para mim, o melhor
veículo de passeio que se poderia imaginar até então.
Na verdade, fui o último de nós três a entrar para o
mundo dos Grandes Prêmios. Meu primeiro GP foi em
Silverstone, no dia 14 de julho de 1973. James estava na
Hesketh March, e Niki na equipe de fábrica da BRM. Eu
tinha um Brabham-Ford BT37, mais velho, patrocinado
pela concessionária Hexagon of Highgate, mas nem
ligava para isso: eu estava feliz apenas por poder
participar.
Naquele dia, em Silverstone, éramos todos pilotos em
início de carreira, bem longe de ser grandes nomes. Na
época, o desempenho do carro dependia essencialmente
do piloto. Isso ficava evidente pela televisão, já que os
carros se movimentavam muito pela pista e a habilidade
era muito valorizada. James era o mestre da curva
Woodcote, e posso dizer sem medo de errar que ele
passava por ali mais rápido que todos nós.
Consequentemente, ele era extremamente competitivo
em Silver­stone, independentemente do carro que
pilotasse. James foi, de longe, o melhor de nós três
naquele dia, e terminou em quarto lugar. Lembro-me
claramente do momento em que abandonei a prova, na
36ª volta, naquele meu Brabham velho.
Olhando agora, é surpreendente ver como James se
saiu bem na primeira temporada, marcando pontos com
relativa facilidade e impressionando a todos. Eu precisei
de mais um ano para marcar o primeiro ponto num
campeonato: foi em 1974, no circuito de Monte Carlo,
ano em que consegui marcar outros cinco pontos. Em
1975, entretanto, os caprichos da Fórmula 1 ficaram
claros para mim. Niki deu um salto à frente de mim e de
James e disparou rumo ao título mundial; James
conseguiu vencer um GP — e eu passei a temporada
inteira sem marcar um único ponto.
Para mim, 1975 foi um ano doloroso por conta da morte
de Mark Donohue na sua Penske-Ford. Esse
acontecimento me deu a oportu­nidade de correr pela
primeira vez num carro competitivo.
Já no início de 1976, Niki vivia em outro mundo, com
um belo salário pago pela Ferrari e um título mundial no
bolso. A situação de James era totalmente diferente e,
apenas dois meses antes, tudo indicava que ele estaria
fora da Fórmula 1. Mas James deu sorte quando Emerson
Fittipaldi decidiu deixar uma McLaren competitiva para
pilotar um carro da Copersucar, provavelmente
consciente de que o carro não teria bom desempenho.
Foi a decisão mais emotiva e irracional que Emerson
tomou na vida; mas, para James Hunt, a mudança foi o
melhor golpe de sorte que se poderia esperar. A
inexplicável decisão de Emerson empurrou James para
um carro extremamente competitivo.
Nós três testemunhamos os altos e baixos da
caminhada rumo ao topo, bem como o desafio de
permanecer ali. A diferença entre mim e eles, a meu ver,
é que os dois (principalmente James) tiveram a sorte de
estar nas principais equipes de 1976. Minha escuderia
era boa, porém nova, e no início o carro não estava tão
bom quanto a Ferrari ou a McLaren.
O fato de estar na frente do grid naquela temporada
me deu uma visão panorâmica da batalha travada entre
Niki e James pela supremacia do campeonato. Tenho
certeza de que, não fosse pelo acidente que sofreu, Niki
teria sido campeão. Sua Ferrari era de uma confiabilidade
espantosa, e foi um choque vê-lo abandonar a corrida,
uma vez que esse tipo de acontecimento era raríssimo.
E então o acidente de Niki mudou tudo. Cheguei ao
local vinte segundos depois dos carros de Arturo
Merzario, Brett Lunger e Guy Edwards. O carro de Niki
havia pegado fogo no meio da pista, mas, quando
cheguei lá, as chamas já tinham sido apagadas. Arturo
tirara Niki do carro, e eu o vi deitado na beira do asfalto,
numa poça de combustível e óleo. Nós o ajudamos a se
levantar e procuramos um lugar seco e limpo para
colocá-lo. Achei uma área livre. Niki tinha ­queimaduras
graves, mas estava totalmente consciente — ainda que
não entendesse muito bem o que estava acontecendo.
Imagino a dor lancinante que ele deve ter sentido.
Não se sabe como, mas o capacete saíra da cabeça de
Niki. Mesmo assim, ele não morreu — foi um milagre ter
sobrevivido. Fiquei aliviado ao vê-lo consciente e ao falar
com ele. Apoiei sua cabeça em minha coxa e o acomodei
da melhor maneira possível. Ele falava comigo sem
parar, em inglês, e lembro-me que perguntou como
estava seu rosto. Na verdade, a situação não era nada
boa; mas eu disse que estava tudo certo, que ele não se
preocupasse.
Depois de um tempo, que me pareceu uma eternidade,
a ambulância finalmente chegou. Em segundos, Niki foi
colocado numa maca e entrou no carro de resgate. Vesti
o capacete e dirigi até os boxes, supondo que a corrida
iria recomeçar.
Naquele momento, eu estava certo de que Niki
sobreviveria, já que os ferimentos internos não eram
visíveis. Mas parecia evidente que ele teria de se afastar
das pistas por um bom tempo.
Depois do acidente, ajudei-o de maneira indireta: pilotei
com todas as minhas forças contra James nas duas
corridas seguintes. Consegui vencer uma delas, e com
um pouco mais de sorte poderia ter ganho ambas. Niki
pulou de alegria quando derrotei James na Áustria. Na
segunda-feira após a prova, eu e o dirigente da minha
equipe ligamos para Niki, que ainda estava internado. Ele
me agradeceu por ter impedido James de ganhar mais
um GP, e eu disse que faria o possível para repetir o feito
na corrida seguinte, na Holanda. Quase consegui.
Mas quando James estava no clima certo — disposto a
lutar contra o mundo —, ele fazia milagres, e não
consegui vencer uma segunda vez. Depois de uma
batalha titânica pela liderança, minha caixa de câmbio
quebrou e James disparou para a vitória bem no dia do
seu aniversário, a despeito de minhas tentativas de
acabar com a festa.
A exemplo de todos, fiquei pasmo quando Niki
reapareceu em Monza para o Grande Prêmio da Itália.
Aquela volta tão rápida ao cockpit, depois do terrível
acidente na Alemanha, foi o maior ato de heroísmo que
já vi no esporte. Niki tinha uma determinação inabalável,
e ninguém teria conseguido fazer o mesmo. Sua chegada
em quarto lugar no Grande Prêmio da Itália,
considerando que apenas seis semanas antes ele
recebera a extrema-unção, foi um acontecimento fora de
série, que ninguém poderia ter imaginado.
Nem a mente mais criativa teria sido capaz de fantasiar
os mo­mentos finais de tensão no Japão. Niki deve ter
sentido emoções mais intensas do que qualquer outro
ser humano seria capaz de aguentar.
No final das contas, as consequências do acidente
foram responsáveis por enterrar as chances de Niki
ganhar o título mundial. Niki perdeu o controle sobre o
canal lacrimal direito, o que prejudicou sua visão naquele
clima úmido. A chuva era tão forte que formou um lago
no circuito, bem no fim da reta principal. As condições
não poderiam ser piores para Niki, e aquela foi mais uma
variável determinante para o final da temporada. Se o
tempo tivesse ajudado, Niki teria levado o título no Japão.
Naquele dia, os deuses sorriram para James.

John Watson
Oxford, Inglaterra
20 de junho de 2011
1
Niki e James antes de 1976
Anos de batalha pelo sucesso
1947-1975

Para James Hunt, era uma fonte permanente de irritação


o fato de ter sido superado por Niki Lauda ao longo de
doze meses na Fórmula 1, apesar de ser dezoito meses
mais velho do que o austríaco. Hunt ­sempre teve Lauda
como modelo, como principal contemporâneo — e, em
última análise, como maior rival. Tudo o que fazia era
avaliado em comparação a Niki Lauda. Na verdade,
Lauda foi um dos motivos que levaram Hunt a acreditar
na possibilidade de ser bem-sucedido no automobilismo.
Para Hunt, se Lauda conseguia, ele conseguiria também.
A diferença na personalidade dos dois foi a única razão
pela qual Lauda chegou lá primeiro. Teve um começo
mais bem-sucedido e, no final das contas, garantiu uma
carreira mais longa. A diferença foi simplesmente a
determinação. Lauda estava absolutamente resoluto a
vencer; Hunt, não. Hunt pode até ter sido um homem
determinado, mas sempre soube que a vida ia além do
automobilismo — o que acabou por prejudicá-lo. Mesmo
assim, pode-se argumentar que Hunt era dono de um
talento mais natural do que o de Lauda, e seu sucesso
parecia inevitável.
Havia também uma diferença de tempo. Lauda
desejava ser piloto desde os 9 anos e, naquela época, já
batalhava para concretizar essa ambição. Hunt só foi
picado pela mosca do automobilismo depois de fazer 18
anos, e sua jornada começou bem mais tarde.
Naquele tempo, a vida de Lauda se resumia às corridas.
A verdade é que sua sólida determinação se transformou
no motor que conduzia sua vida. Sem ela, Lauda não
teria sido piloto de automobilismo.
Nascido em 22 de fevereiro de 1949, filho de um
vienense rico — dono de uma usina de papel —, Lauda
teve uma infância privilegiada num período em que
grande parte do país ainda vivia a pobreza do pós-
guerra. A riqueza da família fora acumulada pelo avô de
Niki, Hans Lauda, um homem abastado, dono de um
casarão em Viena, de uma propriedade no campo e de
uma casa em St. Moritz.
Desprovido de outros talentos, intelectuais ou
esportivos, o jovem Lauda desenvolveu uma afinidade
com carros praticamente desde o momento em que
nasceu. No dia em que completou 14 anos, ganhou um
dinheiro dos avós e gastou tudo num Fusca conversível,
fabricado em 1949 — para todos os efeitos, uma lata-
velha. Lauda desmontou o carro e fez o motor em
pedaços. Passou os dois anos seguintes reconstruindo
meticulosamente o automóvel. Ao final do processo,
tinha acumulado um belo conhecimento sobre o
funcionamento de um carro. Muito antes de tirar a
carteira de habilitação, ele já gostava de dirigir o Fusca
pelas estradas particulares que ficavam dentro da
propriedade rural do avô.
No entanto, o jovem Lauda acabou se transformando
numa grande decepção para a família. Terminou os
estudos sem qualquer qualificação acadêmica e sem
perspectivas profissionais. Arrumou um emprego de
mecânico numa oficina da cidade, mas nem isso deu
certo: na primeira tarefa que recebeu — uma troca de
óleo de rotina —, quebrou a rosca do cárter do motor do
Volvo de um cliente. O motor teve de ser retirado para
que um novo cárter fosse colocado. Lauda não ­durou
muito naquele emprego, e passou um tempo sem rumo.
Seu único ­interesse aparente era o automobilismo, e as
corridas viraram uma obsessão que consumia todo o seu
tempo.
Quando já tinha idade suficiente para tirar uma carteira
provisória, começou a dirigir em vias públicas, antes
mesmo de passar no teste da autoescola. Depois de sua
aprovação, os pais se recusaram a lhe dar um carro e
impuseram como condição para isso a retomada dos
estudos. Lauda se viu obrigado a voltar para a faculdade,
numa tentativa de acabar os estudos e garantir um
diploma. O pai avisou que só lhe ­daria mais dinheiro se
ele cumprisse esses objetivos, mas as possibilidades
eram remotas: Lauda não nascera para passar em
provas. E assim ele falsificou um diploma, comprovando
uma graduação que jamais ocorrera. O documento
forjado enganou os pais, que passaram a mão na cabeça
do menino e liberaram algum dinheiro. Lauda explicou o
problema que tinha com o mundo acadêmico: “Estudar e
ter uma profissão normal era totalmente alheio ao meu
jeito de pensar”.
A formatura foi importante porque abriu caminho para
uma série de auxílios financeiros vindos da família, e o
rapaz pôde comprar seu primeiro veículo de passeio —
um Fusca mais novo que o anterior, com o qual ele já
podia andar na rua. Lauda começou a procurar também
um carro de corrida.
A exemplo de James Hunt, ele escolheu um Mini como
sua primeira compra. Mas logo bateu o carro, quando
dirigia em alta velocidade numa estrada coberta de gelo.
O automóvel foi consertado, e Lauda participou então de
sua primeira corrida — uma subida de montanha, no dia
15 de abril de 1968. Ele tinha apenas 19 anos.
Lauda descreveu seu comportamento naqueles anos de
juventude: “O importante era ir para a pista, entrar no
carro e me acabar de tanto dirigir”. E acrescentou: “nada
no mundo despertava em mim um décimo do interesse
que eu tinha pelas corridas”.
Ele terminou essa primeira corrida em segundo lugar,
mas seus pais não comemoraram; eram
terminantemente contrários ao automobilismo. Para
impedir que o filho continuasse correndo, cortaram todo
o dinheiro que lhe davam. O pai declarou que só voltaria
a bancá-lo caso ele prometesse solenemente parar de
correr. Lauda prometeu, mas a promessa era impossível
de ser cumprida.
Ele continuou competindo em segredo com seu Mini, e
acabou vencendo a subida de montanha seguinte de que
participou. Porém, dessa vez, havia jornalistas na plateia,
e a vitória foi registrada pela imprensa local — lida
assiduamente pelo pai do jovem piloto.
Lauda sabia que havia sido desmascarado; ao ler sobre
a corrida, o pai teve um acesso de fúria ao perceber que
o filho fora desonesto. Como honestidade e integridade
faziam parte da tradição da família, o jovem foi expulso
de casa. Lauda relembrou: “Foi a gota d’água. Ele
finalmente desistiu de mim”.
A falta de apoio dos pais à sua ambição de competir
atormentava o jovem, e surgiu ali um distanciamento
jamais solucionado. Mas os dias de Lauda na casa dos
pais já estavam acabados de qualquer maneira, e ele
sabia que a saída forçada do seio da família era mesmo
inevitável.
Por sorte, Lauda tinha começado a namorar uma moça
chamada Mariella von Reininghaus. Conhecê-la foi como
tirar a sorte grande: ela não apenas era linda, como
também gozava de uma bela estabilidade financeira. Os
dois se conheceram quando ela estava em Gastein
esquiando com um grupo de amigos de Graz — que,
coincidentemente, incluía outro piloto austríaco, Helmut
Marko.
Lauda levou um tombo feio na neve, e, quando olhou
para cima, deu de cara com Mariella, que o encarava e
perguntava se estava tudo bem. Ele, que não era dado a
rodeios, respondeu perguntando se ela o acompanharia
ao baile de caça em Viena, na semana seguinte.
Pega de surpresa, Mariella aceitou. Uma semana
depois, ela tomou a estrada em Graz e foi ao baile com
ele. Passados dez minutos de baile, os dois já estavam
entediados com tanta “caretice” e foram para um bar. A
partir daquele momento, tornaram-se inseparáveis.
Alugaram um pequeno apartamento no centro de
Salzburgo e deixaram as respectivas casas em Viena e
Graz.
Àquela altura, Lauda estava determinado a tornar-se
um piloto de corridas. Mariella, cujos pais eram
extremamente ricos, sustentava o companheiro no dia a
dia. Lauda relembrou: “Mariella era bonita, inteligente,
sensata e equilibrada. Tinha um jeito ajuizado de encarar
a vida, e seu autocontrole acabou me contagiando
naquele período caó­tico do início da minha carreira”. Ele
acrescentou: “Ela teve uma ­influência profunda sobre
mim. Devo muito a Mariella”.
Mariella o ajudou a recobrar a confiança. Ele foi a um
banco de ­Salzburgo pedir um empréstimo para poder
correr. A fama do avô chegara até lá, e assim o banco
não hesitou em adiantar algum dinheiro para um
integrante da família Lauda.
Assim como aconteceu com James Hunt, poucas
corridas no Mini foram necessárias para que Lauda
percebesse as limitações do carro. Ele logo substituiu o
automóvel por um Porsche 911, financiado por mais
empréstimos no banco e por visitas às avós — visitas
que, sem exagero, podem ser descritas como momentos
em que ele implorou por dinheiro. Lauda participava de
subidas de montanha no Porsche, modalidade popular na
Áustria daquele período.
O comportamento de Lauda poderia parecer
displicente, mas ele sempre pensava antes de pedir
empréstimos. Ainda que quase nunca contasse toda a
verdade, jamais permitia que a obsessão por corridas
turvasse seu raciocínio. “Desde que entrei para o
esporte, mantive sempre uma estratégia sensata e
pragmática: pensava em minha carreira passo a passo,
enfrentava um problema de cada vez, conforme eles iam
surgindo”, recordou Lauda.
Em 1968, ele sofreu um baque com a morte de Jim
Clark, seu herói de infância. A morte de Clark ecoou por
toda a Europa e teve efeitos também sobre a família
Lauda. O acontecimento dificultou ainda mais a obtenção
de dinheiro para seguir a carreira de piloto. Ninguém
queria financiar algo com potencial para matá-lo.
No ano seguinte, Lauda foi para a Fórmula Vee —
equivalente europeu da Fórmula Ford. Em 1970, ele
passou para a Fórmula 3. Àquela altura, ele já estava
endividado até o pescoço em vários bancos. Para
conseguir dinheiro, usava ao máximo o nome e a fama
da família.
A Fórmula 3 foi a porta de entrada para as grandes
diversões do ­automobilismo. Pela primeira vez, Lauda
competia com os grandes jovens talentos da época. Mas,
em sua primeira corrida na categoria — no circuito de
Nogaro, sul da França —, sofreu seu primeiro grande
acidente. O carro se chocou contra as rodas traseiras do
veículo à frente e voou, espatifando-se na aterrissagem.
Lauda teve a imensa sorte de escapar com vida, sem um
arranhão sequer. O episódio não o abateu, e ele decidiu
pagar imediatamente pelo conserto do carro.
Foi o primeiro de três acidentes graves que Lauda
sofreria naquele ano, e ele escaparia de todos. Destruiu
mais um carro em Brands ­Hatch, mas deu um jeito de
continuar correndo. Conforme a temporada avançava,
Lauda se viu competindo mais vezes contra James Hunt
— que, naquele verão, também tentava galgar os
degraus da Fórmula 3 nos circuitos europeus.
A verdade, no entanto, é que nenhum dos dois se
destacava. Ambos estavam longe do sucesso; nenhum
brilhava no esporte. Lauda conti­nuava correndo graças
aos empréstimos e às doações das avós. Hunt contava
com o apoio de seu novo — e rico — patrocinador, Lord
Alexander Hesketh. E, a exemplo de Lauda, não parava
de destruir os veículos nos quais competia.
Quando deu cabo do terceiro carro, Lauda se viu
forçado a repensar a carreira. À semelhança de Hunt, ele
se deu conta de que a Fórmula 3 não o levaria a lugar
nenhum, e concluiu que teria de avançar para a Fórmula
2.
Mas, por algum motivo, bem lá no fundo, ele acreditava
que poderia vencer como piloto de corridas — ainda que
nenhum resultado houvesse comprovado essa tese. Em
1971, ele decidiu arriscar tudo, e pediu um novo
empréstimo, no valor de 25 mil dólares, ao banco Erste
Öesterreichische.
O dinheiro serviu para comprar uma vaga na equipe de
fábrica da March-Ford na Fórmula 2, patrocinada pela
STP, na temporada de 1971. Em troca de um contrato de
patrocínio, o banco concordou ainda em abrir mão dos
juros sobre o empréstimo. Lauda explicou o acordo que
fez com a March: “O jovem Ronnie Peterson era a estrela
número 1 da escuderia, e por isso eles achavam que não
seria necessário ter um bom piloto no segundo carro da
equipe. Estavam dispostos a aceitar alguém como eu —
desde que eu pagasse para entrar, é claro”. Ele admitiu
que conseguir a vaga foi um golpe de sorte, mas
acrescentou que era o “menos pior” em meio ao grupo
de pilotos que cobiçava a vaga. O próprio Lauda
relembrou: “Meu pedigree não era tão ruim assim. Eu era
competente e, provavelmente, seria capaz de defender
minha candidatura com mais firmeza do que a maioria
daqueles jovens de 21 anos, ansiosos para escapar da
Fórmula 3”.
A March era uma montadora nova, e 1971 era o
segundo ano da escuderia na Fórmula 2. Por sorte, o
mais recente modelo March 712, projetado por Robin
Herd, mostrara-se muito competitivo. O carro deu a
Lauda uma oportunidade de ganhar fama no esporte.
Lauda desenvolveu uma estreita relação com Robin
Herd, que encontrou no austríaco um ótimo piloto de
testes. E foi justamente essa habilidade como piloto de
testes que o manteve à tona naqueles primeiros tempos
em que ele não prometia grande coisa nas pistas. Ainda
assim, naquele ano conseguiu fazer o suficiente para
inspirar a confiança necessária para ser promovido à
Fórmula 1 em 1972. Na verdade, essa mudança veio
cedo demais, e Lauda teria se beneficiado de mais um
ano na Fórmula 2. Mas, naquele momento, ele descobriu
pela primeira vez que de fato tinha o instinto de
sobrevivência necessário para sair-se bem. Essa certeza
o fez avançar em situações que certamente teriam
levado outros pilotos a desistir.
Lauda deu um jeito de conseguir mais um gordo
empréstimo e ­garantir um patrocínio pessoal. Foi assim
que ele comprou uma vaga na equipe de Fórmula 1 da
March, em 1972. Max Mosley ofereceu-lhe um pacote
que incluía toda a temporada de Fórmula 1 e Fórmula 2‐­­
por um preço fechado de 100 mil dólares. Lauda
respondeu à oferta dizendo a Mosley: “Sem problemas”.
Na verdade, tratava-se de um grande problema — mas
era um problema que ele sabia resolver.
Lauda fechou um novo acordo com o banco Erste
Öesterreichische, combinando um empréstimo de 100
mil dólares por um espaço de patrocínio que substituiria
o pagamento dos juros. Ele contratou ainda uma apólice
de seguros que garantia pagamento ao banco em caso
de acidentes.
Entretanto, Lauda cometeu um erro básico: anunciou o
contrato com o banco e com a March antes de assiná-lo.
Mas a morte de Jochen Rindt, um ano antes, levou o avô
do piloto a tomar uma iniciativa drástica para acabar
com a carreira do neto nas corridas. E assim Hans Lauda
entrou em cena para impedir o acordo.
O banco não podia se dar ao luxo de ignorar o apelo
daquele homem. Por isso, quando Lauda já tinha
assinado o contrato com Mosley, os diretores do Erste
Öesterreichische votaram contra a concessão do
empréstimo, cedendo à pressão da família Lauda.
Agora, o rapaz estava numa enrascada. Ligou para o
avô, implorando para que ele mudasse de ideia. A
resposta de Hans foi direta: “Os integrantes da família
devem estampar as páginas de economia, e não de
esporte”. Ao ouvir isso, o neto bateu o telefone na cara
do avô e nunca mais falou com ele.
Lauda percorreu todos os outros bancos austríacos que
conhecia, e foi parar no Raiffeisenkasse. Para sua
surpresa, o gerente Karl-Heinz Oertel o levou a sério
quando ele pediu um empréstimo de 100 mil dólares
para investir no automobilismo. Lauda explicou: “Eu me
deparei com um homem que tinha um senso agudo para
identificar o que era ou não factível”.
O Raiffeisenkasse concordou em fechar o mesmo
acordo que havia malogrado com o Erste
Öesterreichische. Dessa vez, Lauda manteve a
negociação em sigilo até ter de fato assinado o contrato,
impedindo uma nova interferência do avô.
Lauda pegou a estrada, foi até a Inglaterra e entregou a
Mosley um cheque na exata quantia combinada. Não
sobrou nada para suas despesas cotidianas, e ele ainda
tinha de quitar dívidas antigas no valor de 50 mil dólares.
Era a cartada final.
Para pagar as contas, Lauda representava proprietários
particulares em competições com sedãs e carros
esportivos. Esses proprietários pagavam grandes somas
para contratar pilotos de Fórmula 1, e, naquele ano,
Lauda garantiu 20 mil dólares com essa atividade —
além de acumular uma experiência valiosa. Ele lembrou:
“Eu nunca tinha pilotado em tantas corridas como
naquele ano de 1972, e jamais voltei a fazê-lo”.
A despeito disso, todas as circunstâncias que haviam
jogado a seu favor em 1971 trabalharam contra ele no
ano seguinte. Robin Herd projetara um carro de Fórmula
1 radicalmente novo, com uma caixa de câmbio
transversal, chamado March 721X.
Quando testou o carro pela primeira vez, Lauda fez um
tempo consideravelmente pior que o de Ronnie Peterson,
seu colega de escuderia. Peterson havia elogiado o carro
depois de testá-lo, mas, desde o princípio, Lauda achou o
carro uma porcaria, e não entendia como o colega podia
pensar diferente. Lauda ficou inseguro pela primeira vez
na vida, e começou a se perguntar se era mesmo um
piloto tão bom.
Era a primeira vez que se sentia assim, e o impacto da
dúvida foi grande. Mariella e ele foram passar alguns dias
de férias em Marbella, e durante a viagem ele ponderou
se deveria continuar correndo: “Eu me senti inseguro
pela primeira vez na vida. Talvez não fosse o piloto
sensacional que acreditava ser”.
Aos poucos, no entanto, Robin Herd foi percebendo que
Peterson era um piloto de testes fraco, sem sensibilidade
mecânica para avaliar o comportamento de um carro. Por
outro lado, o projetista se deu conta de que Lauda tinha
uma ótima intuição — e em breve eles iriam se
arrepender de ter dado ouvidos a Peterson, e não a
Lauda.
Peterson foi esperto o suficiente para evitar o March
721X e, ­duran­­te a temporada de 1972, correu num carro
adaptado, usado originalmente em 1971. Mas Lauda não
teve a mesma sorte. Preso àquele carro lento, numa
escuderia lenta, tudo indicava que sua carreira estava
encerrada. Lauda se referia à máquina como um
“colossal fiasco mecânico”.
“Estava evidente que o carro era um equívoco de alto a
baixo, e não havia redesenho capaz de resolver a
questão. Para mim, foi sem dúvida uma experiência
saudável, porque aprendi a confiar em minha avaliação
técnica”, disse.
O 721X quase levou a March a pique, e emperrou o
avanço de Lauda nas pistas. No final do ano, Peterson
deixou a equipe, e Lauda botou nele a culpa por boa
parte dos contratempos: “Alguns pilotos famosos
preferem domar um carro ruim a explicar ao projetista
quais são as falhas do carro e sugerir possíveis
soluções”.
Lauda se viu sem uma vaga e com dívidas de 80 mil
dólares. Para compensar o estrago, a March lhe ofereceu
um posto na temporada de 1973 da Fórmula 2, mas nada
na Fórmula 1. Ele argumentou que deveria ser‐ ­
reembolsado, já que havia corrido com um carro tão
ruim, e houve um bate-boca acalorado com Max Mosley.
Este disse que não havia nenhum contrato dizendo isso,
e não aceitou o pedido de reembolso. Enfurecido, Lauda
saiu pela última vez da fábrica da March, em Bicester. Foi
o ponto mais baixo de sua vida, e depois ele contou que
decidiu acabar com o sofrimento: “Eu sabia que, alguns
quilômetros adiante, a estrada dava direto num muro.
Era só pisar fundo no acelerador”. Mais tarde, narrou
aquele dia de forma aberta e honesta: ele acelerou o
carro e decidiu pôr fim à própria vida, tamanho se tornou
seu calvário financeiro ao ter a ajuda negada por Mosley.
Mas Lauda conseguiu se recompor nos três quilômetros
que o separavam do muro. Disse: “Botei meu cérebro nos
eixos a tempo”.
Percebeu que não havia alternativa a não ser persistir.
Sabia que levaria vinte anos para pagar as dívidas, e
decidiu fazer sua carreira de piloto dar certo. Mais uma
vez, justificou suas falhas para si e chegou à conclusão
de que a culpa não era sua.
Tinha apenas uma certeza: contrair novos empréstimos
estava fora de cogitação. Lauda estava endividado até o
pescoço.
Foi então que Louis Stanley, chefão da equipe BRM,
patrocinada pela Marlboro, surgiu do nada para salvar
Lauda. Ele convidou o austríaco para testar o novo carro
de Fórmula 1 da BRM no circuito de Paul Ricard, na
França.
Stanley era um tipo meio palhaço, embora fosse capaz
de ser extremamente esperto — ele simplesmente
camuflava a própria astúcia. Ouvira dizer que Lauda era
um excelente piloto de testes, e a BRM precisava
exatamente disso. Calculou que seria mais vantajoso
convidar o austríaco para fazer um teste na equipe, em
vez de pagá-lo para testar o carro. Lauda entrou no jogo.
Nos primeiros dias, Lauda não pilotou o carro por conta
de pequenos problemas, que pareciam acometer a
equipe com alguma frequência. Naquele período inicial, o
volante ficou a cargo dos pilotos titulares da equipe, Clay
Regazzoni e um australiano chamado Vern Schuppan. No
terceiro dia de testes, Lauda dirigiu durante vinte voltas.
Ele sabia que bastaria ser mais rápido que Regazzoni
ou Schuppan para ter seu nome cogitado para o terceiro
carro da BRM. E, naquele terceiro dia de testes, a equipe
fez mais progressos do que em qualquer outro dia
daquele início de temporada. Além disso, Lauda foi
consideravelmente mais rápido que Schuppan.
Louis Stanley ficou impressionado com o que chamou
de “pacote Lauda”. Convocou-o para uma visita à sua
suíte no hotel Dorchester, em Londres, com o objetivo de
discutir o futuro do piloto. Depois de um chá de cadeira
de mais de uma hora, e em meio a muita encenação,
Stanley disse a Lauda que afastaria Schuppan e o
terceiro posto da BRM seria dele mediante algumas
condições. E foi aí que veio a bomba: não haveria salário.
Lauda teria de arcar com as próprias despesas e ainda
seria responsável por conseguir alguns patrocínios.
Lauda, porém, não estava em condições de recusar a
oferta.
Para selar o acordo, o austríaco prometeu sair em
busca de patrocinadores. Ele sabia que contava com pelo
menos três corridas antes de ter de cumprir a promessa.
Antes de assinar o contrato, Stanley queria conhecer os
possíveis patrocinadores. Tomou um avião para Viena e
encontrou-se com Lauda; este, numa tentativa de
impressionar o chefe, trouxera consigo Karl-Heinz Oertel.
Felizmente, Stanley não falava uma palavra de alemão, e
Lauda deu um jeito de convencer Oertel a lhe emprestar
mais 80 mil dólares, aumentando seu crédito para um
total de 160 mil. Stanley achou que o empréstimo fosse
um patrocínio, e concordou que advogados de Viena
fizessem uma minuta de contrato, que ele assinaria
antes de voltar para casa.
Enquanto esperava, Stanley foi visitar a catedral de
Santo Estêvão, a principal de Viena. Ele queria ouvir o
coro de Natal e provar a sobremesa preferida dos
austríacos: castanhas cozidas com creme de leite. Em
seguida, voltou ao aeroporto, assinou o contrato e pegou
um voo para casa.
Lauda havia escapado do precipício, e sua carreira
estava nos eixos novamente.
Mas o próprio piloto descreveu as consequências
financeiras daquele acordo como uma “loucura” e só
conseguiu atravessar aquele período graças à ajuda de
Mariella. Tempos depois, Lauda lembrou que, na época,
decidiu não esquentar a cabeça: “Eu pensava na
fragilidade da minha situação financeira tão pouco
quanto, anos mais tarde, pensaria na imensa quantidade
de dinheiro que viria a ganhar”.
Lauda descobriu que o trabalho com Louis Stanley no
dia a dia era uma experiência hilariante. Tudo o que ele
fazia vinha acompanhado de grandes gestos teatrais,
ensaiados para impressionar. Em meio a toda a
encenação, entretanto, Lauda pôde perceber que a BRM
estava em estado terminal. Ele pagou a primeira
prestação do patrocínio, mas seu saldo bancário ficou no
vermelho. Começou, então, a usar a dívida daquele ano
para pagar as do ano anterior. Morria de medo de que
Stanley pedisse que o contrato assinado fosse traduzido
e de perder vaga na escuderia. Também temia ser
acusado de fraude caso os advogados da BRM
descobrissem que aquele contrato, que eles acreditavam
tratar-se de patrocínio, era na verdade um empréstimo
bancário.
Nas pistas, a temporada de 1973 com a BRM foi um
desastre quase tão retumbante quanto a de 1972, com a
March. O melhor resultado alcançado por um dos três
pilotos da equipe foi um quarto lugar. A melhor colocação
de Lauda foi a quinta posição no GP da Bélgica, onde ele
marcou os primeiros pontos de sua vida num
campeonato mundial.
Sua carreira foi salva única e exclusivamente pelo
desempenho fora de série demonstrado no Grande
Prêmio de Mônaco. Naquele dia, Lauda pilotou com
perfeição e manteve uma soberba terceira colocação,
mas teve de abandonar a prova. Sua apresentação
chamou a atenção de muita gente presente à corrida. A
despeito de todos os seus defeitos, Louis Stanley
subitamente percebeu que Lauda viria a ser uma estrela.
Foi o primeiro a enxergar isso, e decidiu oferecer a Lauda
um contrato de três anos. O acordo previa um salário e
cancelava o esquema de patrocínio assinado
anteriormente. O alívio de Lauda foi imenso, e ele
assinou na hora.
Mas o ano de 1973 seria o último grande momento da
BRM, e as perspectivas da escuderia não eram as
melhores.
Felizmente para Lauda, Enzo Ferrari assistira ao GP de
Mônaco pela televisão — e, a exemplo de Stanley, ficara
profundamente impressionado. Numa atitude que fugia
totalmente a seu comportamento habitual, o italiano
apareceu no treino de classificação do Grande Prêmio da
Holanda, em Zandvoort, com o intuito específico de
conhecer Lauda pessoalmente.
Enzo ficou obcecado com a ideia de assinar um
contrato com Lauda para a temporada de 1974 na
Ferrari. Mas agora Lauda teria de dar um jeito de se livrar
do contrato de longo prazo que assinara com a BRM. Sua
sorte foi ter negociado uma multa em caso de violação
do acordo — e, no final das contas, Lauda acabou usando
parte do salário na Ferrari para se desvencilhar da BRM.
A Ferrari concordou em pagar 50 mil dólares por ano
para que ele pilotasse um carro da equipe, e assim ele
começou a quitar as dívidas. Lauda ia se afastando cada
vez mais da beira do abismo.
Ainda que a princípio ele tenha achado difícil trabalhar
com Enzo Ferrari, era evidente que a equipe italiana
estava ressurgindo depois de um período de dificuldades.
Naquele cenário, a escuderia só poderia melhorar. Mauro
Forghieri, um gênio da engenharia que tinha então 40
anos, havia retomado o posto de diretor técnico da
Ferrari. Lauda mergulhou de cabeça na tarefa de ajudá-lo
a transformar o antigo carro da equipe numa máquina
competitiva, e também a projetar um novo carro para
1975.
Outra boa surpresa que Lauda encontrou na Ferrari foi o
novo dirigente da equipe, Luca di Montezemolo — cujas
relações com a família Agnelli, dona da Fiat e
controladora da Ferrari, eram excelentes. A desvantagem
de Montezemolo era ter apenas 26 anos — portanto, seu
talento ainda não fora comprovado. Mas ele assumiu o
controle da equipe, jogou Enzo Ferrari para escanteio e
restaurou a saúde administrativa da escuderia.
Montezemolo acabou servindo como catalisador para a
reabilitação da Ferrari. De uma hora para outra, ele,
Forghieri e Lauda se viram no lugar certo, na hora certa.
Lauda também se dava bem com Clay Regazzoni, seu
colega de equipe, e os dois logo ficaram muito próximos.
Forghieri rapidamente redesenhou o carro, colocando-o
no mesmo nível do M23 da McLaren. As coisas iam tão
bem que tanto Regazzoni quanto Lauda poderiam ter
faturado o título daquele ano; no auge da carreira,
Regazzoni quase conseguiu. Mas, por muito pouco, a
Ferrari perdeu o campeonato mundial para a McLaren-
Ford de Emerson Fittipaldi.
A vida de Lauda mudou completamente depois que ele
venceu dois GPs — na Espanha e na Bélgica.
Subitamente, ele havia se transformado num verdadeiro
astro da Fórmula 1, e a Ferrari estava novamente
competindo no topo, após anos de ostracismo.
No ano seguinte, 1975, tudo deu certo para Lauda
quando Forghieri apresentou a nova Ferrari 312T. Lauda
se referia a ela como “uma pedra preciosa, um
monumento eterno ao talento de Forghieri”. Naquela
temporada, Lauda ofuscou Regazzoni e venceu os
Grandes Prêmios de Mônaco, Bélgica, Suécia, França e
Estados Unidos. Faturou o título mundial aparentemente
sem esforço, e sem qualquer rival à sua altura. Foi o ano
de Lauda, e de uma hora para outra ele era famoso e
bem-sucedido, depois de anos de batalha. No final de
1975, já havia quitado todas as dívidas, e ainda assim
tinha mais de 250 mil dólares no banco. Foi uma guinada
total, e com essa confiança ele encarou a perspectiva da
temporada de 1976.
Enquanto 1976 se aproximava, James Hunt, por sua
vez, via-se em situação totalmente diferente da de
Lauda. Sua carreira na Fórmula 1 estava no fundo do
poço; para ele, o sucesso vivido pelo austríaco era
apenas um sonho. Mesmo assim, Hunt sabia que era um
piloto tão bom quanto Lauda, e isso impulsionava sua
determinação em prosseguir.
Hunt nasceu em 29 de agosto de 1947, no condado de
Surrey, sul da Inglaterra, filho de um bem-sucedido
corretor da bolsa. Seus pais pertenciam à tradicional
classe média e ganhavam bem o suficiente para que
todos os filhos frequentassem caras escolas tradicionais.
Hunt era dezoito meses mais velho que Lauda, tinha uma
inteligência privilegiada e um grande talento para
esportes. Os pais sonhavam que ele fosse médico.
Pouco antes de completar 18 anos, ele foi com um
amigo assistir a uma corrida em Silverstone e se
apaixonou na hora pelo esporte. Daquele momento em
diante, teve certeza de que queria ser piloto.
Hunt começou com um Mini, e depois passou para a
Fórmula Ford e a Fórmula 3. Logo ganhou fama de piloto
rápido, dono de um estilo agressivo ao volante. Também
ficou conhecido por bater os carros que dirigia, e recebeu
o apelido de “Shunt” [expressão pejorativa que significa
“deixar de lado”, “jogar para escanteio”]. Ele parecia
atrair acidentes espetaculares. Em outubro de 1970,
envolveu-se num acidente de grandes proporções com o
piloto Dave Morgan, na linha de chegada. A corrida
estava sendo transmitida pela televisão, e Hunt prensou
Morgan diante de milhões de telespectadores.
Ele passou quase cinco anos na Fórmula 3, tentando
vencer — e fracassando. Quando já estava quase
desistindo, conheceu um jovem aristocrata inglês
chamado Alexander Hesketh. Lord Hesketh havia her­­-
dado um bom dinheiro quando completara 21 anos e
fundara a própria escuderia. O dirigente da equipe era
Anthony “Bubbles” H­ orsley.
Hesketh, um aficionado por carros, adotou Hunt. Os
dois tinham mais ou menos a mesma idade e se uniram
como se fossem irmãos. Juntos, ficaram brincando de
Fórmula 3 até que Hunt deu perda total nos carros da
equipe, sempre em acidentes espetaculares. Ao contrário
do que se poderia esperar, Hesketh continuou
empolgado: avançou para a Fórmula 2 e comprou um
carro novo para Hunt. Depois, decidiu passar à Fórmula
1. Era a chance que Hunt esperava, e ele a agarrou com
todas as forças.
Lord Hesketh tinha dinheiro suficiente para montar uma
equipe de Fórmula 1 em torno da figura de Hunt, e foi
isso o que fez a partir de 1973: comprou de Max Mosley
um March-Ford 731 novo, que teria Hunt como piloto. Na
temporada seguinte, investiu uma pequena fortuna na
construção do próprio carro, o Hesketh-Ford. Esse
primeiro Hesketh, projetado por Harvey Postlethwaite,
era levemente inspirado no March, só que mais rápido.
Ao longo dos dois anos seguintes, Lord Hesketh apoiou
Hunt sem hesitação. Sua pequena equipe particular
viveu um grande sucesso com a primeira vitória de Hunt
em 1975, na Holanda, onde ele superou Niki Lauda.
Mas, justamente quando conquistou seu maior sucesso,
a Hesketh ficou sem dinheiro, e Hunt se viu sem carro às
vésperas de 1976. O que é pior: ele havia deixado a
equipe tarde demais para conseguir outra vaga.
Na verdade, o próprio Hunt era culpado. A situação da
Hesketh Racing estava evidente desde o fim de 1974,
quando Lord Hesketh parara de investir novos fundos na
escuderia. A equipe sobrevivera à temporada de 1975
graças ao dinheiro que restava na conta bancária, à
venda de alguns bens, à renda advinda do prêmio de
Hunt e ao aluguel do carro extra para pilotos dispostos a
pagar para correr.
O sucesso da Hesketh — principalmente depois de
ganhar o primeiro Grande Prêmio — levou Hunt a
acreditar que seria relativamente fácil assinar um
contrato de patrocínio para a temporada de 1976. Ele
disse: “Não estávamos muito preocupados, achávamos
que a situação era boa por conta do nosso sucesso.
Bubbles estava especialmente interessado em fazer isso,
porque, é claro, representava seu futuro. Ele sabia que
não haveria longo prazo com Alexander. Ele não iria
pagar para sempre”.
Anos mais tarde, Hunt confessou ao jornalista Nigel
Roebuck: “Entre meados e fim de 1974, não havia mais
dinheiro vindo de Alexander. Ele gastara tudo o que tinha
reservado para as corridas”.
Embora os acontecimentos dos dois meses seguintes
tenham parecido uma tragédia, os eventos acabaram se
transformando na grande oportunidade da vida do piloto.
De repente, os ventos sopraram a favor de James Hunt.
2
Fortunas opostas
Lauda triunfante; Hunt na pior
Dezembro de 1975

Niki Lauda faturou seu primeiro campeonato mundial em


5 de outubro de 1975 e ficou animado diante da
perspectiva de uma temporada ainda melhor em 1976.
James Hunt, por sua vez, estava na pior na Fórmula 1.
Sem carro — uma vez que o dinheiro de Lord Hesketh
acabara e a equipe chegara ao fim —, Hunt continuava
extremamente grato a Hesketh e permanecera na
escuderia até a confirmação oficial do fim. O gesto lhe
custou caro: àquela altura, já era tarde demais para
conseguir outro carro competitivo na Fórmula 1.
Já Niki Lauda não poderia estar numa situação melhor.
Estava fir­­me na Ferrari, e o projetista criara em sua
prancheta um carro novinho, a Ferrari 312T2. Lauda
pressentia que o novo carro seria vitorioso. Além disso,
ele havia negociado um contrato que lhe garantia mais
de 300 mil dólares caso vencesse o campeonato
novamente, e conseguira um contrato de patrocínio
pessoal com a Marlboro no valor de 75 mil. Um ano
antes, ele estava lutando para subsistir; agora, era um
jovem rico e tinha o mundo a seus pés. Para completar,
estava apaixonado.
Mas Lauda recebeu um golpe repentino, que ameaçou
derrubá-lo de seu pódio de confiança. Luca di
Montezemolo, o jovem dirigente italiano responsável pelo
renascimento da Ferrari, anunciou sua saída da escuderia
para assumir um cargo de direção na empresa-mãe, a
Fiat. Foi um baque para Lauda, conforme ele mesmo
recorda: “O primeiro sinal de que havia problemas veio
com a saída do meu amigo e aliado Luca Montezemolo,
que queria avançar na própria carreira e não podia se dar
ao luxo de passar um período indefinido nos degraus
mais baixos da escalada, como simples chefe de equipe.
A promoção de Luca deixou-o mais próximo do centro de
poder da dinastia Fiat”. De uma hora para outra, Lauda
percebeu que a coisa mudara de figura, e tudo poderia
acontecer.
A saída de Montezemolo era a oportunidade que James
Hunt precisava — ainda que naquele momento ele não
soubesse disso.
No dia 14 de novembro de 1975, veio a confirmação
final de que a Hesketh estava mesmo fechando as
portas. Hunt não podia acreditar que esse dia realmente
chegara, e ficou pensando em que fazer.
À época, o episódio pode ter parecido o fim do mundo.
Mas aquele acontecimento representaria a salvação de
Hunt. Se a Hesketh tivesse sobrevivido e continuado a
operar, Hunt teria ficado na equipe pelo resto da carreira,
e provavelmente jamais teria vencido um campeonato. O
fim da escuderia serviu como catalisador para Hunt
avançar rumo a um futuro maior e melhor, embora
naqueles dias a situação parecesse bem diferente.
Lord Hesketh ficou cheio de remorso, e declarou: “Sou
profundamente grato a James por ter ficado conosco,
mesmo quando a situação era ruim. O fato de ainda não
ter um carro para o ano que vem se deve à sua crença
num sonho no qual todos nós acreditávamos”.
Mas nem a mais profunda gratidão de Hesketh seria
capaz de assegurar a Hunt um carro para 1976.
Na verdade, havia apenas dois carros disponíveis — e
nenhum deles era desejável. O primeiro era da Lotus, e
estava longe de ser garantido. A escuderia tinha sofrido
os efeitos da crise econômica, e estava sem dinheiro
para pagar os pilotos. Sendo assim, tudo indicava que o
piloto número um da equipe, Ronnie Peterson, estava de
saída. No final de 1975, desesperado por dinheiro, o
dirigente Peter Warr decidira leiloar o contrato de
Peterson na Fórmula 1, em busca da melhor oferta. Mas
ninguém se interessou pelo contrato com Peterson — e
ele, ao descobrir o que Warr vinha fazendo, ficou
profundamente decepcionado com a equipe.
Pressentindo e, acima de tudo, torcendo para que
Peterson saísse da escuderia, Warr começou a negociar
com Hunt nos seguintes termos: ele pilotaria o carro da
equipe em troca de nada, e seria pago por cada ponto
que marcasse no campeonato.
Entretanto, a falta de recursos para desenvolver o carro
significava que seria difícil ter uma Lotus competitiva.
Somava-se ao problema o fato de Hunt não gostar de
Peter Warr e se recusar a trabalhar de graça. Como
resultado, Hunt continuava sem uma vaga para a
temporada. De qualquer modo, logo ficou claro que, no
fundo, Warr não queria o piloto na Lotus, e o teatro de
oferecer-lhe o posto tinha como único obje­tivo limpar a
própria barra. Quando se deu conta de que estava sendo
usado, Hunt chamou Warr de “anão”.
A outra oferta feita a Hunt veio da nova e recriada Wolf-
Williams, equipe que pertencia a Walter Wolf e Frank
Williams. Williams comprara o Hesketh 308C que Hunt
havia pilotado nas três últimas corridas de 1975. Tanto
Wolf quanto Williams estavam interessados em ter Hunt
pilotando seus carros, mas Hunt detestava o 308C, e
decidiu que só aceitaria a vaga na Wolf-Williams caso não
tivesse alternativa.
A única esperança para Hunt era Bernie Ecclestone,
dono da equipe Brabham. A escuderia tinha um contrato
para usar motores Alfa Romeo na temporada de 1976, e
teria as contas pagas pela montadora italiana, além de
contar com um patrocínio da empresa de bebidas Martini
& Rossi. Os carros seriam pilotados pelo brasileiro Carlos
Pace e pelo argentino Carlos Reutemann.
Ecclestone percebeu que Hunt poderia ficar sem carro,
e queria mantê-lo no esporte. Na época, ele havia
começado a vender os direitos de transmissão da
Fórmula 1 para a televisão, e achava que Hunt seria
essencial para essa história — principalmente na Grã-
Bretanha. O instinto de Ecclestone estava certo, e Hunt
foi peça fundamental para impulsionar o verdadeiro
potencial televisivo da Fórmula 1.
Ecclestone colocou sua formidável inteligência a serviço
da tarefa de encontrar uma vaga para Hunt. Propôs a
criação de uma equipe B da Brabham, na qual Hunt
pilotaria o carro do ano anterior, adaptado com um motor
Ford-Cosworth. Mas, ao pedir permissão aos italianos
para que Hunt pudesse correr numa equipe separada,
ouviu uma negativa imediata. A Alfa Romeo não estava
disposta a deixar o dream team da Brabham ser
ofuscado por um playboy britânico num carro do ano
anterior, capaz de vencer a dupla principal de pilotos.
Nem mesmo o poder de persuasão de Ecclestone foi
suficiente para concretizar o acordo.
Hunt percebeu que, para ajudá-lo, Ecclestone se
colocara numa situação difícil — e ficaria extremamente
grato por isso: “Acho que Bernie fez aquilo só para ser
generoso comigo”.
Assim, Hunt estava mais uma vez diante da perspectiva
do desemprego. Aquele poderia ter sido o fim de sua
carreira na Fórmula 1, não fosse por John Hogan, chefe
do departamento de automobilismo da empresa de
cigarros Marlboro — a maior patrocinadora da Fórmula 1.
Em 1975, Hogan era diretor de patrocínios da marca e
tinha a missão de usar o automobilismo para ganhar
terreno para a Marlboro fora da América do Norte. Com
um orçamento anual de 1 milhão de ­dólares para a
Fórmula 1, a Marlboro era a principal patrocinadora da
McLaren, e Hogan também tinha contratos com os dois
maiores pilotos da época: Emerson Fittipaldi e Niki Lauda.
A exemplo de Ecclestone, Hogan queria garantir um
carro para Hunt. Por isso, confiou a ele algumas
informações que ninguém mais conhecia. Hogan contou
a Hunt que, a despeito do contrato de 250 mil dólares
por ano assinado entre Emerson Fittipaldi e a McLaren
para a temporada de 1976 (cujo patrocínio era da
Marlboro), não havia garantia de que o brasileiro honraria
o acordo. Hogan disse que a papelada continha uma
brecha capaz de permitir que Fittipaldi deixasse a
McLaren.
Fittipaldi tinha bons motivos para fazê-lo. Recebera
uma oferta de 1 milhão de dólares por ano, quatro vezes
superior a seu salário na época, para pilotar por uma
equipe brasileira patrocinada pela Copersucar, a maior
cooperativa de refino de açúcar no Brasil. A escuderia
era comandada por seu irmão, Wilson Fittipaldi, o que
representava mais um atrativo. O piloto avaliou as
alternativas. Ele não estava certo de que o carro da
Copersucar seria competitivo, e sabia que o da McLaren
era.
Por outro lado, os 750 mil dólares que seriam
acrescentados por ano à sua renda representavam uma
fortuna em meados dos anos 1970, e ele ficou tentado.
Hogan e Teddy Mayer, dirigente da McLaren, sabiam da
oferta, mas tinham certeza de que Fittipaldi não
aceitaria. Eles estavam confiantes em tê-lo na McLaren, e
achavam que Fittipaldi colocaria as vitórias à frente do
dinheiro.
No entanto, o futuro provaria que eles estavam
equivocados. Hogan ti­­-nha fama de ser infalível quando o
assunto eram contratos na Fór­mula 1, ­e confessou que
jamais poderia ter previsto a deserção de Fittipaldi. Ele
lembrou: “Teddy estava convencido; nós estávamos
convencidos de que ele iria pilotar”.
A situação ficou insustentável na noite do dia 22 de
novembro, um sábado, quando Mayer recebeu um
telefonema de Fittipaldi, que estava em São Paulo,
avisando que acabara de assinar um contrato com a
Copersucar para 1976. Ou seja: ele não correria pela
McLaren. O piloto explicou a Mayer que seu sonho era
correr por uma equipe brasileira.
Mayer não acreditou no que estava ouvindo. Quando
Fittipaldi terminou de falar, o dirigente respondeu
friamente: o brasileiro tinha um contrato para pilotar um
carro Marlboro McLaren, e seria processado se não
cumprisse o acordo. Fittipaldi retrucou com educação,
dizendo que ainda não havia assinado o contrato com a
McLaren e estava certo de que a Marlboro o liberaria
quando soubesse disso. Ele tinha pensado em tudo. Mais
tarde, Mayer refletiu: “Posso dizer apenas que ele se
vendeu em troca de um saco de ouro”.
Mayer era um norte-americano rude, totalmente
desprovido de emo­ções e pouco afeito a remoer o
passado. Mas sabia que a saída de ­Fittipaldi era uma
perda imensa. Em suas duas temporadas pela McLaren,
Fittipaldi terminara os campeonatos em primeiro e
segundo lugar. A verdade é que a notícia de sua ausência
na escuderia em 1976 caiu como um raio na cabeça de
Mayer. Ele tinha consciência de que já era tarde para
assinar com um piloto substituto de primeira linha. Mayer
passou a mão no telefone, ligou para Hogan e perguntou
o que fazer. Sabia que a Marlboro ficaria muito
decepcionada com a notícia.
Era uma noite fria, e Hogan estava com a mulher, Anne,
em sua casa em Reading, Berkshire. Ele relembra que
Mayer não perdeu tempo falando de Fittipaldi: “Teddy me
ligou e disse apenas: ‘Precisamos de um piloto’”.
Mayer pensou em promover o piloto número dois da
McLaren, o alemão Jochen Mass, e procurar um bom
número dois para correr com ele. Mas Hogan, ao
contrário de Mayer, não achava Mass bom o suficiente
para ser o número um da equipe.
Hogan estava ciente de que seria preciso achar uma
estrela, um piloto número um de qualidade. O ideal teria
sido convencer Jackie Stewart — então com 37 anos, e
três vezes campeão mundial — a abandonar a
aposentadoria. Mas o diretor da Marlboro sabia que seria
impossível. Ele admite: por mais que quisesse, não “via
Jackie entrando num cockpit”.
Em vez disso, Hogan relembra: “Eu sabia
imediatamente quem procurar — James”.
Decidiu ir atrás do inglês, mas foi imediatamente
confrontado com a oposição de Mayer e Alastair Caldwell,
chefe da McLaren. Hogan previu que teria de enfrentar
também a objeção de seus superiores na sede da
Marlboro, em Lausanne.
Ele disse: “Eu sabia que teria de vender bem a ideia, já
que a Marlboro e a McLaren teriam ficado igualmente
felizes em contratar Jacky Ickx”. Com efeito, o veterano
belga Ickx tornou-se o preferido dos chefões para pilotar
o carro. Mas Hogan percebia uma coisa que os outros não
conseguiram notar: àquela altura, Ickx já estava em
decadência. E Hogan decidiu impedir que ele ficasse com
a vaga.
Hogan sempre fora um sujeito centrado, e agora
voltava seus esforços para Hunt. O instinto lhe dizia que
não havia um minuto a perder. Ele já vislumbrava Ickx
dentro do avião, rumo a Lausanne, para assinar um
contrato com seu chefe imediato, Pat Duffler, vice-
presidente de marketing da Marlboro na Europa. Essa
imagem terrível o impulsionou a avançar.
Mas, antes, Hogan tinha de achar Hunt. Naquela fria
noite de sábado, no mês de novembro, ele não fazia ideia
de onde encontrar o piloto. Primeiro, telefonou para a
casa de Hunt em Marbella, e a ligação foi atendida por
alguém com voz de bêbado. O bebum em questão disse
a Hogan: “Acho que ele está Londres”. Hogan desligou
irritado e continuou procurando. Acabou encontrando
Hunt na mansão de Lord Hesketh, em Londres.
Descobriu-se então que Hunt já sabia da saída de
Fittipaldi da McLaren; o brasileiro lhe contara tudo, dias
antes. Hunt ficou agradecido e disse: “Do ponto de vista
profissional, o belo gesto de Emerson foi um aviso. Ele
deu tempo para que eu me preparasse”. E acrescentou:
“Eu sabia que iria para a McLaren caso Emerson não
assinasse. Já tinha essa informação desde o início de
setembro”.
Hogan disse: “Vou até aí ver você agora”. Hunt ouviu,
incrédulo, e achou que fosse brincadeira. Mas Hogan
pegou seu Ford Escort e foi de Reading a Londres em alta
velocidade.
A confiança de Hunt, no entanto, não era de todo
justificável. À exceção de Hogan, ninguém mais queria
que ele pilotasse o carro. Sem o lobby de Hogan a seu
favor, a possibilidade de conseguir a vaga era pequena.
Ickx era o candidato preferido. Na verdade, a postura da‐ ­
McLaren era: “Qualquer um, menos Hunt”. Felizmente
para ele, a postura de Hogan era oposta: “Qualquer um,
menos Ickx”. No frigir dos ovos, Hogan teve a palavra
final.
Quando Hogan chegou à casa de Hesketh, uma hora e
meia depois, Hunt estava destruído. Havia fumado
maconha na companhia de uma menina que Hogan não
conhecia, Jane Birbeck. Fora de órbita, o piloto parecia
não perceber a urgência da missão de Hogan, e muito
menos que seu próprio futuro estava em jogo.
Hunt foi arrogante e recusou-se a conversar a sós com
Hogan, insistindo que não escondia nada de Jane —
embora os dois mal se conhecessem. Em qualquer outra
circunstância, talvez Hogan tivesse voltado para casa,
mas ele bajulou Hunt, e, violando o próprio bom senso,
abriu o jogo na frente da moça. Hogan sabia que a
chance de Hunt ir para a McLaren seria enterrada caso os
detalhes do acordo vazassem. Mas o piloto insistia na
presença de Jane, e estava claro que confiava nela.
Então, Hunt surpreendeu Hogan mais uma vez. Tentou
afirmar que tinha outras ofertas e não estava
especialmente interessado na vaga. Disse ainda que
estava prestes a assinar um contrato com a Lotus. Mas
Hogan lembra que não se deixou enganar: “Ele quis me
convencer de que tinha uma oferta da Lotus na mão,
mas eu sabia que isso não era verdade”.
No fundo, Hunt estava assustado com a perspectiva de
um carro da McLaren. Uma de suas grandes tensões era
saber se seria capaz de superar o novo colega de equipe,
Jochen Mass, cuja fama na Fórmula 3 era excelente. Na
época, o temor de Hunt não era tão irracional quanto
pode parecer hoje.
Hogan ignorou a ansiedade de Hunt em relação a Mass
e anunciou a proposta: três contratos; com Marlboro,
McLaren e Texaco, além de um adiantamento de 50 mil
dólares por ano. Hunt tinha uma vaga ideia de quanto
Fittipaldi ganhava, e disse que a oferta era risível. Mas
Hogan estava falando seriíssimo.
Hogan simplesmente lembrou que Hunt não estava em
condições de barganhar; explicou que o adiantamento
seria de 50 mil e haveria ainda bônus por desempenho,
prêmios em dinheiro e cachês adicionais por
participações em eventos promocionais. Completou
dizendo que era pegar ou largar. Ele sabia que Hunt não
poderia se dar ao luxo de largar.
Tempos depois, Hogan contou: “O dinheiro era pouco;
baixei a oferta para o mínimo que ele aceitaria, na minha
avaliação. Percebemos que ele não tinha alternativa e
mantivemos a frieza. Eu estava desesperado para ele
assinar, mas não lhe disse”.
Hunt olhou para o velho amigo e decidiu não bancar a
aposta. Fez que sim com a cabeça. Com isso, Hogan
pegou o carro e voltou para Reading.
Na manhã seguinte, já sóbrio, Hunt ligou para o irmão,
Peter, e contou a novidade. Peter Hunt ficou
animadíssimo e, em seu íntimo, aliviado.
A McLaren era a equipe de Fórmula 1 mais bem-
sucedida daqueles últimos cinco anos. Fundada por
Bruce McLaren, um neozelandês que entrara para a
Fórmula 1 em 1966 e morrera num acidente quando
testava um carro esportivo para a Goodwood, em 1970, a
escuderia sobreviveu à perda de seu fundador e seguiu
adiante pelas mãos de Mayer. A sede ficava numa fábrica
em Colnbrook, perto do aeroporto de ­Hea­throw, em
Londres. Até o final de 1975, a equipe já havia vencido
quinze Grandes Prêmios de Fórmula 1, as 500 Milhas de
Indianápolis e, mais de uma vez, a série Can-Am de
carros esportivos, nos Estados Unidos.
Na segunda-feira, 24 de novembro, Peter Hunt ligou
para Hogan e aceitou a oferta em nome do irmão. Hogan
pôs mãos à obra para preparar os contratos e convencer
os chefes da Marlboro em Lausanne. Ele disse: “Fui
levando a situação, em parte argumentando que renderia
uma boa história — o inglês [Hunt] contra o austríaco
[Lauda]”.
Mas Hogan ainda tinha de convencer a McLaren. O
chefe da equipe, Alastair Caldwell, não queria Hunt em
hipótese alguma. Caldwell — bem como Mayer — poderia
suspender o acordo se assim desejasse.
Por mais que reconhecessem as conquistas de Hunt na
pequena equipe de Hesketh, Mayer e Caldwell não o
tinham em alta conta. Hogan decidiu então convidar
Caldwell para tomar um drinque num hotel da cidade, e
pediu uma garrafa de vodca Absolut. Os dois entornaram
a garrafa, e Caldwell saiu convencido.
Mais tarde, Caldwell disse: “Nós não tínhamos um
piloto, e Hunt não tinha um carro. Ele não tinha
alternativa, e nós também não”.
Mas o chefe da McLaren afirmou que, apesar disso,
continuava não gostando de Hunt. E insistiu: “Para mim,
James era um piloto mediano. Éramos durões, uma
escuderia profissional, e aquela badalação em torno do
menino de ouro da Hesketh não significava grande coisa.
Eles eram todos uns panacas”.
Hogan ignorou Caldwell e disse: “Eu estava convencido
de que ele era o cara certo”.
Em poucos dias, os detalhes do contrato foram
finalizados, e Hogan fechou negócio em tempo recorde.
Do momento em que ficou sabendo da saída de Fittipaldi
até a assinatura do contrato, ele levou treze dias para
obter a canetada de Hunt. Hogan queria que Hunt
assinasse antes que alguém dissesse que ele não poderia
fazê-lo.
O contrato ficou pronto numa sexta-feira, 5 de
dezembro, e Hogan levou a papelada até a casa de Lord
Hesketh para colher a assinatura de Hunt. Com o acordo
finalmente selado, Hunt, Hogan e sua esposa se
arrumaram e foram ao baile anual do British Racing
Drivers Club, no hotel Dorchester de Londres, em Park
Lane. Durante o baile, David Benson sentiu o clima e
percebeu o que havia acontecido.
Benson deu o furo no Sunday Express cerca de três dias
antes do anúncio oficial. Na quarta-feira seguinte, a
McLaren e a Marlboro ­convocaram uma entrevista
coletiva para anunciar Hunt como novo piloto da equipe.
Diante dos jornalistas, Mayer tomou para si todo o
crédito pelo acordo com Hunt: “Quando Emerson
Fittipaldi me ligou dizendo que não estaria conosco nesta
temporada, fiquei profundamente chateado — mais
decepcionado do que eu mesmo gostaria de admitir. Era
um relacionamento pessoal importante, que ficou
abalado de uma hora para outra. Mas essa sensação
durou 27 segundos. Logo pensei em James Hunt, em seu
imenso talento, em sua coragem e em sua habilidade
técnica. Acima de tudo, pensei em sua ambição. A
exemplo dos grandes lutadores de boxe, um piloto
precisa ter algo que o faça ir além dos rivais”.
Tudo não passava de um tremendo disparate, mas John
Hogan era o único que sabia da frase “qualquer um,
menos Hunt”, proferida pelo próprio Mayer dentro da
McLaren. Mesmo assim, Hogan ficou por perto, sorrindo
diante da audácia de Mayer e sem se dar ao trabalho de
corrigi-lo.
Hogan, entretanto, ainda tinha mais um obstáculo a
superar. Era preciso levar o novo piloto a Lausanne para
conhecer os chefes da Marlboro.
Como era de seu feitio, Hunt chegou descalço ao
escritório da ­em­presa. Hogan levou-o até a sala de um
alto executivo, os dois se cumprimentaram com um
aperto de mão, e Hunt imediatamente virou as costas e
saiu. Quando se viu a uma distância segura, fez a
seguinte declaração diante de meia dúzia de executivos
menos graduados da empresa: “Que cara babaca”.
Hogan relembrou: “Todo mundo caiu na gargalhada, e
outro executivo da Marlboro disse: ‘Você tem toda a
razão’”. Anos mais tarde, a cena foi reproduzida no filme
O mentiroso , com Jim Carrey. O episódio foi narrado e
recontado inúmeras vezes, e não surpreende que tenha
se transformado num clássico.
Foi o início de um belo relacionamento, e de um dos
melhores negócios que John Hogan fechou para a
Marlboro: Hunt fazia sua parte e fumava os cigarros da
marca, e as vendas da Marlboro dispararam na Europa.
Bem, na verdade, Hunt não fumava Marlboro — ele
preferia a marca Rothmans. Mas, em respeito ao novo
patrocinador, todas as noites ele transferia os Rothmans
para um maço vermelho e branco da Marlboro.
Embora todas as dificuldades tivessem sido superadas,
Hunt e o irmão Peter não estavam muito eufóricos. A
alegria logo deu lugar ao pânico. Os dois temiam não ser
capazes de cumprir o contrato. Peter Hunt relembrou:
“Ninguém sabia ao certo se James era bom mesmo.
Talvez a Hesketh fosse um supercarro e ele fosse apenas
um piloto mediano”. O próprio Hunt, a despeito da
autoconfiança, falou com surpreendente sinceridade e
realismo sobre suas habilidades à época: “Se for para ser
franco, a verdade é que eu não sabia se a Hesketh era
um carro três segundos mais rápido por volta em
comparação aos outros, enquanto eu pilotava devagar,
ou se era o contrário — o carro era três segundos mais
lento por volta em comparação aos outros, enquanto eu
pilotava mais rápido. Cada um pode ter uma opinião,
mas é impossível saber com certeza”.
Niki Lauda assistia a toda essa movimentação da ilha
de Ibiza, onde ficou enfurnado boa parte do recesso da
temporada, em segredo, ao lado da nova namorada,
Marlene. Ele ficou encantado com o anúncio de que
Emerson Fittipaldi sairia da McLaren, acreditando que seu
rival mais próximo ficara para escanteio. Lauda era da
mesma opinião que Alastair Caldwell em relação a Hunt,
e não o achava grande coisa. Ele não poderia imaginar
que James Hunt acabaria sendo seu maior concorrente
em 1976.
A mais improvável das circunstâncias criara o cenário
para a mais memorável temporada de Fórmula 1 de
todos os tempos. E assim foi.
3
Hunt assombra Lauda e a McLaren
A pole surge do nada
Brasil: 23 a 25 de janeiro de 1976

O Grande Prêmio do Brasil de 1976 foi realizado no


circuito de Interlagos, na periferia de São Paulo, no
terceiro fim de semana de janeiro. Naquela época, a
temporada começava no início do ano, e James Hunt
pegou um voo para a América do Sul logo depois de
celebrar o Natal em Gstaad, com tempo de sobra para se
adaptar ao calor e à umidade de São Paulo. Ele queria
conhecer a equipe com calma, já que mal sabia quem
eram alguns integrantes da escuderia. Mas Hunt tinha
outros motivos para chegar com antecedência: queria
cair na gandaia. No seu caso, isso incluía beber o
máximo possível, cheirar cocaína e levar para a cama
todas as mulheres que conseguisse. Mesmo assim, por
mais desregrada que tenha sido sua vida naquelas duas
semanas, as excentricidades de Hunt não chegavam aos
pés das dos tempos da Hesketh, nas idas a São Paulo em
1973 e 1974.
Niki Lauda, por sua vez, viajou para São Paulo na
véspera do primeiro dia de treinos e trancou-se num
quarto de hotel. Passou boa parte do tempo vendo
televisão, lendo e se preparando para a corrida. Quando
corria, Lauda evitava bebidas, drogas e mulheres. Em vez
disso, desenvolvera uma obsessão por pilotar aviões,
atividade que considerava tão gratificante quanto dirigir
um carro de corrida. Ficou satisfeito por poder dedicar
tempo à leitura de manuais de aviação.
Hunt era o oposto; mal parava no hotel, e dava mais
importância à esbórnia do que às corridas. Adorava a
vida social de São Paulo, e fizera muitos amigos na
cidade em 1973 e 1974 — anos em que ele e Alexander
Hesketh tinham dinheiro de sobra para gastar.
Sem Alexander por perto, Hunt vivia agora na
companhia de Max Mosley. Aos 36 anos, Mosley dirigia a
equipe de Fórmula 1 da March e tinha um emprego de
meio período como secretário da Associação de
Construtores da Fórmula 1 (FOCA), comandada por
Bernie Eccle­stone. Ele se dava muito bem com Hunt, e a
amizade começara cinco anos antes, quando Hunt corria
pela March. Hunt gostava de Mosley, e ambos gostavam
de mulheres; eles tinham um jeito parecido de encarar a
vida, embora Mosley não usasse drogas.
Mosley narrou uma recepção oferecida pela Marlboro,
principal patrocinadora de Hunt. Os dois decidiram
rachar um carro para ir à festa e saíram juntos por São
Paulo. “James disse: ‘Você se importa se eu passar na
casa de um amigo no caminho?’. E eu respondi: ‘É claro
que não’. Paramos num prédio chique e subimos até a
cobertura. Era um apartamento incrível, com uma vista
maravilhosa, e lá encontramos um homem muito
simpático. Sentamos, o homem simpático pegou um
pedaço de pedra bem polida, e em cima dela distribuiu
três carreirinhas de pó branco. James virou para mim e
disse: ‘Você não vai querer a sua, vai?’. E cheirou as duas
carreiras. Depois, fomos felizes para a festa”. Era um
acontecimento corriqueiro.
Mosley também pôde observar em primeira mão o
notável talento de Hunt com o sexo oposto. Para ele,
Hunt era absolutamente incapaz de ser monogâmico ou
fiel a uma única mulher. Em linguagem moderna, pode-se
dizer que ele considerava o piloto “viciado em sexo”, e
tal apetite era inquestionável. Hunt tinha uma queda por
moças boazinhas, simpáticas. Nas corridas, sempre fazia
sucesso — mas o tipo que preferia nem sempre estava
disposto a ir para a cama com ele. Para convencer
aquelas que tentavam resistir, Hunt tinha uma frase
pronta, que costumava dobrá-las: “Mas pode ser que eu
morra no dia da corrida”.
O piloto tinha uma mulher em cada porto, e sua
principal namorada naquele tempo era a brasileira
Charlene Shorto, uma bem relacio­nada socialite de 19
anos. Os dois ficaram juntos durante boa parte do pe‐­
ríodo que ele passou na América do Sul. Charlene era
irmã da Baronesa Denise Thyssen, casada com o Barão
Henri Thyssen, herdeiro de um império de ferro e aço e
dono da coleção de arte mais valiosa do mundo.
Entretanto, Charlene não era, de maneira nenhuma, a
única a figurar no radar de Hunt no Brasil. Jochen Mass,
seu colega de equipe, relembra uma história que reflete
o comportamento galanteador de Hunt naqueles dias:
“Havia uma menina chamada Mercedes, que trabalhava
para a televisão espanhola. Ela perguntou: ‘Posso te
entrevistar?’. E ele: ‘Claro, sem problemas’. Então
colocaram Hunt na frente da câmera. Quando ela estava
fazendo uma pergunta, ele disse [com a câmera ligada]:
‘Você trepa?’”.
Mass relembra que Hunt não tinha medo de falar sobre
sexo e sobre suas necessidades, mesmo diante de
jornalistas. Ele dizia que o sexo era uma espécie de
relaxamento terapêutico, e referia-se à prática como
“uma forma de comunicação”.
Mosley testemunhou tudo isso em São Paulo, na
semana que antecedeu a corrida. Ele comentou: “James
era um entusiasta das mulheres, sabe?”. Hunt dizia com
grande franqueza o que pensava sobre fazer sexo nos
fins de semana de corrida: “Não costumo transar antes
da corrida, porque estou me concentrando. Para mim, o
sexo vale a pena por ser uma forma de comunicação
entre duas pessoas, e antes das corridas eu não estou
muito comunicativo. Mas digamos que eu tenha uma
horinha de folga antes do jantar na véspera da corrida: aí
eu gosto dessa descarga física. Mas só com quem
entende totalmente a situação”.
Depois de duas semanas de farra incessante, chegou o
fim de semana da corrida. Isso significava que havia
menos tempo disponível para hedonismo.
Tanto Hunt quanto Lauda tinham problemas com a
politicagem dentro de suas equipes. Ambos achavam que
não haviam feito testes suficientes ao longo do inverno, e
acreditavam que suas respectivas escuderias estavam
confiantes demais na própria glória.
Lauda ficou especialmente sem rumo diante do pedido
de demissão de Luca di Montezemolo do posto de
dirigente da Ferrari.
O chefão da Fiat, Gianni Agnelli, havia catapultado
Montezemolo para a Ferrari aos 26 anos, com o objetivo
de jogar o fundador Enzo Ferrari para escanteio e
assumir o controle da escuderia. Até a chegada de
Montezemolo, a equipe estava havia onze anos sem
ganhar um título mundial. Agnelli tinha um profundo
respeito por Enzo Ferrari, e queria um afastamento sutil,
sem constrangimentos ao velho que ele tanto
reverenciava — ainda que Enzo houvesse tido muitos
fracassos.
Montezemolo devia sua ascensão precoce aos valiosos
contatos que tinha com a família Agnelli. Sua família
tinha uma história envolta em mistério. Oficialmente, ele
nascera em Bolonha e era o filho mais jovem de Massimo
Cordero dei Marchesi di Montezemolo, um aristocrata
menor da região do Piemonte cuja família guardava laços
com a realeza italiana. A mãe de Luca era Clotilde Neri,
parente do famoso cirurgião italiano Vincenzo Neri. Mas
boatos davam conta de que seu verdadeiro pai era
Gianni Agnelli, que teria tido um caso com Clotilde. Na
Itália, pouco se fala sobre esse rumor, e a história real
jamais foi revelada.
Qualquer que fosse a verdade, Montezemolo superou
as expectativas ao exercer a responsabilidade que
recebera de Agnelli. Embora fosse absurdamente jovem
para o posto de dirigente da equipe de Fórmula 1 da
Ferrari, ele provou estar à altura da tarefa, e teve um
reinado extremamente bem-sucedido.
Parte do problema era a personalidade irascível do
fundador Enzo Ferrari, à época beirando os 80 anos. Enzo
era esquizofrênico. Num dado momento, podia ser
extremamente autoritário, formal e muito agressivo;
mas, depois que ganhava a discussão (ou pelo menos
quando achava que ganhava), transformava-se
imediatamente num homem charmoso e caloroso.
Nessas horas, era impossível não gostar dele.
Montezemolo conseguira afastar Enzo de forma
brilhante, colocando o fundador da Ferrari numa espécie
de caixa metafórica, na qual ele era inofensivo, mas de
onde ainda poderia tomar para si o crédito pelo
renascimento da equipe.
Montezemolo fez tudo o que lhe pediram e provou ser
um gestor brilhante. Mais importante: demonstrou
excelentes habilidades políticas. Comandou a
recuperação que culminou no título mundial de Lauda em
1975 e foi totalmente responsável pelo ressurgimento da
escuderia após anos fora dos holofotes da Fórmula 1.
Ocorre que ele era um jovem talentoso que tinha
pressa. Por mais glamoroso que fosse chefiar a equipe de
Fórmula 1 da Ferrari, ele considerava essa uma tarefa
pequena, e buscava coisas maiores. Lauda tinha grande
respeito por Montezemolo, e implorou para que ficasse.
Ambicioso, no entanto, o italiano achava a Fórmula 1
parada demais, e sonhava galgar postos mais altos na
hierarquia do Grupo Fiat, que controlava a Ferrari. Logo
que pôde, indicou um novo dirigente para a equipe,
chamado Daniele Audetto, e afastou-se discretamente.
Mas Audetto era uma escolha estranha, e parecia ter sido
eleito mais por sua amizade pessoal com Montezemolo
do que pela capacidade de executar o trabalho.
Audetto tinha história no mundo dos ralis, e já havia
dirigido outras atividades da Fiat dentro do
automobilismo. Montezemolo e ele eram grandes
amigos, e na juventude haviam pilotado carros de rali
juntos. As carreiras de ambos como pilotos chegaram ao
fim quando Audetto saiu gravemente ferido de um
acidente, impulsionando também a aposentadoria de
Montezemolo do esporte. Já recuperado, Audetto formou-
se pela Universidade Bocconi, e Montezemolo ajudou-o a
arrumar um emprego na Fiat.
Seguindo os conselhos de Montezemolo, Lauda
aprovara a indicação de Audetto. Entretanto, embora
fosse quatro anos mais velho que seu antecessor
(Audetto tinha 33 anos), logo ficou claro que o novo
dirigente era jovem e inexperiente, e a impressão
imediata era de que ele tinha dado um passo maior do
que a perna. Audetto começou a pegar no pé de Lauda já
no início da relação, e o piloto disse a um amigo que o
novo chefe tinha uma “personalidade atormentada”.
Mas os problemas só começaram de fato quando os
dois chegaram ao Brasil. Mais tarde, Lauda afirmou que
percebia nitidamente as mudanças na personalidade de
Audetto. Ele deu uma descrição perfeita da situação:
“Aos poucos, Audetto percebeu, principalmente por‐ ­
intermédio da imprensa italiana, que o tratava com
grande respeito, a dimensão que tinha um cargo de
dirigente da Ferrari, e acabou paralisado pela própria
importância”.
Em São Paulo, choviam convites da alta sociedade
brasileira. Audetto adorava essa vida, queria sair todas
as noites e levar Lauda junto — achava que o piloto
trabalhava para ele. O dirigente tratava Lauda como um
troféu, e o austríaco achava aquilo tudo ridículo. Lauda
resistia aos convites e à bajulação, e a cisão não
demorou a aparecer.
A relação piorou rapidamente, à proporção que Audetto
descobria as dificuldades impostas pelo emprego que
aceitara. E havia complicações adicionais. A saída de
Montezemolo deixara um vácuo de poder na equipe — e
Enzo Ferrari, com as energias renovadas, decidiu ocupar
essa lacuna. Audetto não tinha previsto esse movimento,
e não estava preparado para lidar com a situação.
Comparava seu trabalho ao de um juiz encarregado de
manter organizados os feudos internos da Ferrari, que
colocaram as mangas de fora após a saída de
Montezemolo.
O resultado foi um tradicional caos italiano onde até
então reinava a ordem. Com alguma amargura, Lauda
observou: “Para mim, a perda de Luca é um imenso
golpe”.
A preferência de Audetto pelo piloto número dois da
Ferrari, o ­suíço Clay Regazzoni, também parecia evidente
para Lauda. Enquanto Lauda desprezava Audetto e seu
comportamento pomposo, Regazzoni fazia o jogo do
dirigente. Aos 37 anos, Regazzoni guardava um rancor
secreto contra Lauda, que era mais jovem que ele. Esse
rancor remontava a 1973, quando os dois haviam
pilotado juntos pela equipe BRM. Em 1974, quando
ambos foram para a Ferrari, Regazzoni era o número um
da escuderia — mas acabou ficando à sombra de Lauda
em 1975, e viu-se relegado à condição de número dois. A
mágoa foi fermentando, e, quando Audetto entrou em
cena, o suíço viu uma oportunidade para deixar Lauda
em segundo plano.
Regazzoni dedicava-se com afinco à tarefa de
prejudicar o colega de equipe. Lauda dizia que ele
alimentava a vaidade de Audetto, e relembrou: “Audetto
era naturalmente mais próximo de Regazzoni que de
mim, em parte porque os dois falavam o mesmo idioma,
mas também porque Clay compartilhava seu gosto pela
vida social”.
Naquele fim de semana, Lauda atravessou o pântano
da politicagem superando Regazzoni de forma
inquestionável na pista. Seu desempenho resolveu o
problema imediato, mas as verdadeiras dificuldades
viriam à tona alguns meses depois.
James Hunt estava diante de problemas semelhantes
na McLaren. A direção da equipe era dominada por dois
homens, Teddy Mayer e Alastair Caldwell. Ambos eram
talentosos, cada um à sua maneira, mas também eram
dados a extremos. Hunt certa vez disse a um amigo que
eles tinham “uma capacidade equivalente para a
competência e a incompetência”.
A relação entre Caldwell e Mayer era difícil. Não
gostavam um do outro e passavam boa parte do tempo
se desprezando. O desentendimento era uma receita
para o desastre administrativo, mas de alguma maneira
as habilidades complementares dos dois faziam a equipe
funcionar.
Mayer era um advogado qualificado, formado pela
Faculdade de Direito de Cornell, em Nova York. Apesar
disso, ele jamais advogou, e depois de receber o diploma
foi administrar a carreira automobilística de seu irmão,
Timmy, na Austrália e na Nova Zelândia.
Em seguida, no início da década de 1960, conheceu
Bruce McLaren, fundador da escuderia que levava seu
nome. Bruce ficou ­impressionado com a capacidade
analítica de Mayer, e os dois logo se tornaram amigos.
Quando Timmy morreu, na Tasmânia, vítima de um
acidente na pista, Bruce McLaren convidou Mayer para
trabalhar com ele na Inglaterra. Mayer comprou ações da
Bruce McLaren Motor Racing Ltd., e virou diretor da
empresa. Em junho de 1970, quando Bruce morreu,
Mayer comprou novas ações e passou a dividir a
propriedade da escuderia com Patty, viúva do fundador.
Ao longo dos cinco anos seguintes, Mayer transformou a
McLaren na equipe mais bem-sucedida da Fórmula 1.
Ninguém sabia afirmar se esse sucesso deveria ser
atribuído ao acaso, às fundações deixadas por Bruce ou à
habilidade do próprio Mayer. Qualquer que fosse a
resposta correta, Mayer ficou com o crédito.
Durante todo esse período, Alastair Caldwell foi o
número dois da equipe. Ele era um neozelandês durão
que dedicava a vida ao automobilismo. A exemplo de
Mayer, Caldwell chegara à McLaren depois de uma
tragédia: seu irmão Bill morrera em 1967, vítima de um
acidente numa corrida.
Caldwell demonstrou ser um engenheiro talentoso, mas
sua ascensão foi prejudicada pelo relacionamento ruim
com Mayer — que, trocando em miúdos, o desprezava.
Mas, quando Bruce McLaren morreu, Mayer começou a
valorizar a habilidade de Caldwell e tornou-se mais
brando. Quatro anos depois, indicou Caldwell para o
cargo de chefe da equipe de Fórmula 1.
A história diz que a promoção de Caldwell foi um
tremendo sucesso, e ele reuniu um talentoso grupo de
mecânicos — incluindo os lendários Dave Ryan, Steve
Bunn, Lance Gibbs, Ray Grant, Howard Moore e Mark
Scott. Seus críticos, no entanto, argumentam que ele só
conseguiu essa bela imagem graças à habilidade dos
mecânicos.
Essa foi a situação encontrada por James Hunt ao
chegar à equipe em 1976.
O que Hunt ainda não sabia, porém, era que Alastair
Caldwell dissera à equipe que Jochen Mass era o piloto
número um, e os mecânicos deveriam tratá-lo como tal.
Mass tinha o apoio dos dirigentes — e, na avaliação de
Mayer e Caldwell, acabaria provando ser mais rápido que
Hunt. Por isso, embora Hunt tivesse ficado com o carro
número um, todos consideravam Mass o piloto número
um. Em vez de lutar contra Niki Lauda pelo título, a
primeira batalha travada por Hunt foi contra seu colega
de escuderia: seu objetivo era ser o número um dentro
da própria equipe. Mas tanto Mayer quanto Caldwell
acreditavam que Mass deixaria Hunt para trás.
A expectativa dos dirigentes foi um gigantesco erro de
avaliação. Aos 30 anos, Jochen Mass era um piloto
medíocre. Nascido em Munique, era um ano mais velho
que Hunt, apesar de ser menos experiente. Mass tinha
começado a competir aos 21 anos, depois de um período
na marinha mercante alemã.
A questão se complicava ainda mais porque Hunt e
Mass já tinham uma história dos tempos da Fórmula 3,
em 1972. Mass havia assumido o carro de Hunt na
equipe de fábrica da March, e Hunt tinha a sensação de
que a história estava se repetindo. Com efeito, Mass
cultivava contra o recém-chegado Hunt um rancor
equivalente ao que Regazzoni nutria por Lauda.
Era uma situação difícil, principalmente porque Hunt e
Mass logo se tornaram bons amigos. Mass era meio
playboy , e, quando não estava correndo, passava boa
parte do tempo velejando no sul da França. Tempos
depois, ele negou que os dois tivessem qualquer
problema: “A gente se dava bem como colegas de
equipe. Era um grupo feliz”.
Mas a escuderia não foi feliz no Brasil.
Os problemas políticos enfrentados por Hunt e Lauda
na McLaren e na Ferrari vinham sendo alimentados pela
desaceleração econômica que atingia o circuito da
Fórmula 1. A recessão mundial começou com a crise do
petróleo, em 1974, mas só chegou à Fórmula 1 quando
alguns contratos de patrocínio de longo prazo
começaram a vencer — e tiveram de ser renovados com
valores inferiores.
Em 1976, a recessão estava a todo o vapor, e as
equipes de Fórmula 1 acusaram o golpe logo no início da
temporada. O dinheiro era curto, fato que Teddy Mayer
vivia repetindo. Ficou evidente que os dias de fartura da
era Fittipaldi tinham chegado ao fim. Hunt, porém,
achava que Mayer exagerava na economia, e acreditava
que isso prejudicava os resultados da equipe.
A McLaren era conhecida pela excelência de sua
engenharia. Entretanto, Hunt descobriu uma absoluta
falta de preparo logo na primeira corrida. A equipe não
fizera testes pré-temporada, pois Mayer se recusara a
liberar o dinheiro necessário para um efetivo programa
de testes durante o inverno. O dirigente acreditava que
Emerson Fittipaldi já havia feito o carro atingir o melhor
desempenho possível, e a escuderia não achava preciso
realizar um programa formal de testes. Até certo ponto,
isso era verdade: em 1976, a McLaren-Ford M23 era um
carro lindamente desenvolvido. Fittipaldi era um
excelente piloto de testes, e deixara para a equipe uma
máquina com um sistema de suspensão altamente
sofisticado.
A falta de testes durante o inverno incomodava Hunt.
Mas o que ­realmente o intrigava era o fato de a McLaren
não ter construído um novo chassi, que fosse ajustado às
suas características físicas. Em vez disso, deram-lhe o
velho chassi de Fittipaldi, número M23/8/2, construído em
1975 e já bastante surrado. Hunt era um homem alto, ao
passo que Fittipaldi era pequeno. Mayer, no entanto,
usava a justificativa de custos e recusava-se a autorizar a
construção de um novo chassi para Hunt.
No primeiro reconhecimento que fez pela McLaren, no
circuito de Silverstone, Hunt não gostou do carro. Os pés
não ficavam confortáveis nos pedais, os joelhos ficavam
altos demais e os cotovelos não passavam pelas laterais
do cockpit. Também reclamou do volante, que estava
pesado. Ele contou: “O cockpit era todo errado. Eu
literalmente não conseguia pilotar. O desconforto físico
era imenso”.
O carro obviamente era pequeno para Hunt, e o teste
de assento realizado na fábrica passou longe de ser
perfeito. O problema com os testes de assento estava no
fato de serem realizados num veículo parado — e a coisa
era bem diferente com um carro em velocidade de
corrida.
Não havia dúvidas de que seria necessário um novo
chassi para Hunt, que era um piloto mais alto, e o inglês
ficou chocado ao ver que o chassi não tinha sido
construído. A McLaren sempre fora conhecida pela
atenção meticulosa aos detalhes, e Hunt dizia, para
quem quisesse ouvir, que, sob o comando de Mayer, a
equipe era um “navio à deriva”. Ele acrescentava: “A
escuderia estava totalmente sem rumo”.
Somava-se a isso a incerteza em relação ao novo carro
da McLaren, o M26, que ainda esperava nos bastidores.
Hunt surpreendeu-se ao perceber que, em vários
aspectos, a McLaren era inferior à Hesketh, e que
Anthony (Bubbles) Horsley, dirigente da Hesketh, era
superior a Caldwell. O piloto explicou: “Na Hesketh, a
gente passava um tempão estudando a equipe. Bubbles
impunha muita disciplina”.
A verdade é que Hunt criticava duramente a estratégia
da McLaren no que dizia respeito à disciplina dentro da
escuderia. Ele chegara esperando um regime bem mais
severo, e contou: “A McLaren não impõe disciplina
nenhuma. Deixam que eu faça o que quero, e nem
percebem minha existência”.
Ele ficou particularmente aborrecido com a postura
desleixada da equipe em relação às reuniões do grupo:
“Na McLaren, as reuniões não têm nada a ver com as das
outras equipes. A gente só fala daquilo que quer. E
[aqui], quando ninguém quer falar, ninguém fala nada...
Bubbles ficava uma fera quando eu falava com alguém
que não fosse ele logo depois do treino. Antes mesmo de
se sentar, ele arrancava a verdade de mim, e tínhamos
uma discussão interminável”.
Mayer e Caldwell foram forçados a se defender das
acusações de Hunt, e puseram a culpa no
comportamento do próprio piloto. Mayer declarou:
“Talvez os problemas iniciais de James estivessem
ligados à sua dificuldade em tomar decisões. Ele vinha
de uma equipe em que outras pessoas decidiam tudo por
ele, e Bubbles Horsley vivia dizendo o que fazer. Acho
melhor quando um piloto aprende a tomar decisões
sozinho, pois assim ele fica mais bem informado. Nessas
situações, um piloto mais maduro acaba se saindo
melhor”. Caldwell acrescentou: “Na condição de chefe da
equipe, quero contribuir para a escolha do pneu ou das
características do carro. Mas, em última análise, a
palavra final é do piloto, e acho que, no começo, James
esperava que fizéssemos isso por ele”.
Hunt foi reclamar com John Hogan, da Marlboro. Ele
estava tão furioso que comunicou sua intenção de sair da
McLaren e cancelar o contrato. Hogan entendeu, e
também estava irritado com Mayer. O orçamento da
Marlboro era generoso para os padrões da época — o
maior do paddock —, e a marca esperava que o dinheiro
fosse gasto na construção do carro mais competitivo
possível. Hogan não gostava nem um pouco das
mesquinharias que vinha testemunhando.
No entanto, depois de uma reunião com Mayer, Hogan
ficou sabendo que todo o dinheiro da equipe fora
investido no desenvolvimento do novo carro, o M26.
Mayer disse jamais ter esperado que Hunt corresse no
M23, e terminou admitindo que, durante os testes, o
novo M26 se mostrara bem mais lento do que o M23. O
carro precisava ser redesenhado.
Ao saber disso, Hunt ficou apoplético. Ele se dirigiu a
Mayer aos berros, reclamando por não ter sido informado
da situação real. Ficou famoso o episódio em que Hunt
disse a Mayer: “Vou te dizer uma coisa, Teddy, e já disse
isso antes: você não entende porcaria nenhuma de
corridas. Vai comprar uma pasta nova para trabalhar,
vai”.
Logo que percebeu que o novo M26 era uma encrenca,
Caldwell deu início rapidamente a um projeto para
melhorar o M23. Já era tarde demais para construir um
novo chassi, e por isso Caldwell modificou os carros já
existentes. Ele fez três grandes mudanças antes de dar
início à temporada. Conseguiu a impressionante façanha
de diminuir o peso do carro em 40 quilos — graças,
sobretudo, a um redesenho da carroceria, que incorporou
materiais mais modernos. Mexeu também na suspensão
traseira, voltando ao design anterior, mais baixo e em
forma de forquilha, no lugar das barras paralelas. E o
toque de mestre foi a introdução, pela primeira vez na
história da Fórmula 1, de uma versão com seis
velocidades da caixa de câmbio Hewland FGA, que ele
pretendia estrear no novo M26. Além disso, o carro
certamente parecia mais ágil, uma vez que John Hogan
decidira pintar os automóveis de vermelho fosforescente,
para que se destacassem na televisão.
Apesar disso, não havia tempo hábil para testar todas
as mudanças. E assim, quando os treinos classificatórios
começaram, na sexta-feira, dia 23 de janeiro, Hunt
percebeu imediatamente que o volante era pesado
demais e que a nova carroceria o apertava. Ao entrar na
pista pela primeira vez, viu-se digladiando com o volante,
e suas mãos batiam o tempo todo nas laterais do cockpit.
Depois de apenas algumas voltas, ele já estava com
bolhas feias no polegar. Quando voltou para os boxes,
acenou irritado para Mayer, com dedão cheio de bolhas
em riste.
O piloto foi a público na mesma hora falar sobre a falta
de preparo da McLaren, e não mediu palavras nas
declarações aos jornalistas. John Hogan, da Marlboro,
estava por perto, e sugeriu que ele se acalmasse.
Daquele jeito, disse Hogan, Hunt estava se arriscando a
ser mandado embora — e não teria para onde ir caso
fosse rejeitado pela McLaren. Mas já era tarde: o estrago
estava feito.
Como era de se prever, Mayer ficou sabendo das
reclamações de Hunt e os dois tiveram um bate-boca
acalorado. Foi um momento ­decisivo para Hunt: ou ele
saía da equipe logo na primeira corrida, ou Mayer teria
de começar a ouvi-lo. Na noite daquela sexta-feira,
Caldwell interveio e começou a trabalhar para deixar o
volante mais leve, além de alterar a estrutura do cockpit
de acordo com as exigências de Hunt. A despeito dos
problemas, Hunt marcou o sétimo melhor tempo no
primeiro dia de treinos. Mesmo assim, ficou à sombra de
Jochen Mass, seu colega de equipe, que marcou o quarto
melhor tempo.
O primeiro dia de treinos de Niki Lauda foi
completamente diferente. A Ferrari estava
desenvolvendo um carro novo, e ainda seriam
necessários seis meses para completar o projeto. Nesse
meio-tempo, a escuderia teria de contar com o carro que
ganhara o campeonato no ano anterior, o 312T. Embora
mal tivesse passado por testes ou melhorias durante o
inverno, o carro foi rápido desde o início. A única
mudança foi uma suspensão traseira levemente mais
estreita, cujo objetivo era aumentar a velocidade
máxima. Assim, Lauda simplesmente continuou do
mesmo ponto onde havia parado em 1975. Ao fim do
primeiro dia, ele havia sido o piloto mais rápido, e a
supremacia da Ferrari ficou evidente com a segunda
colocação de Regazzoni. Hunt também ficou atrás de
Emerson Fittipaldi, que pilotou o novo carro da
Copersucar-Ford.
Caldwell e a equipe de mecânicos da McLaren
trabalharam a noite toda para modificar o carro de Hunt,
e apresentaram as alterações ao piloto na manhã de
sábado. Havia mudanças importantes no volante e na
carroceria: os mecânicos fizeram o melhor possível,
considerando que estavam a milhares de quilômetros da
fábrica da escuderia.
Mas Hunt estava sem sorte. Conforme o último treino
se aproximava, o motor Ford-Cosworth estourou. Naquela
época, era possível trocar um motor em menos de duas
horas — desde que tudo corresse bem. A troca,
entretanto, não correu conforme o planejado, e a última
hora do treino teve início com o carro de Hunt ainda em
pedaços.
A tensão, como era de esperar, foi aumentando no box
da McLaren. Mayer e Hunt começaram a discutir
novamente. Enquanto esperava, Hunt mandou os
mecânicos fazerem algumas mudanças na configuração
da suspensão. Mayer desautorizou imediatamente as
instruções e disse aos mecânicos que não mexessem na
suspensão. Hunt avançou furioso contra Mayer e deu-lhe
uma cotovelada nas costelas. Gritando com o dirigente,
Hunt mandou que saísse da frente. Mayer bateu o pé e
disse que Hunt teria de pilotar o carro com as mesmas
especificações do final da última sessão de treinos.
Naquela mesma tarde, Hunt relembrou o episódio: “Eu
saí com apenas vinte minutos para o fim, numa pista de
oito quilômetros. Estava falando sobre as configurações
quando Mayer disse: ‘Você não pode fazer isso’. Eu disse
a ele que quem ia pilotar a droga do carro era eu.
Ninguém ia me dizer o que fazer, eu sabia o que queria”.
O bate-boca inflamado e a altercação física ocorreram
diante dos mecânicos da McLaren, que ficaram chocados
ao ver alguém gritar com o chefe. Eles nunca tinham
visto nada assim antes.
Em seguida, Hunt arremessou a pasta de Mayer para o
fundo da garagem, e continuou a ameaçá-lo caso ele se
recusasse a sair de lá. Naquele momento, Mayer recuou,
e os mecânicos fizeram as mudanças na suspensão
solicitadas por Hunt.
No entanto, assim que Mayer saiu, Hunt sabia que tinha
se metido numa enrascada e provavelmente seria
demitido se seu tempo fosse pior que o de Mass. Ao
deixar os boxes a apenas vinte minutos do fim, esse
pensamento era o maior incentivo para sair-se bem.
A análise de Hunt da situação estava mesmo correta.
Em estado de choque, Mayer foi para o fundo do box e
sentou-se num velho barril de óleo. Abriu a pasta e
começou a estudar os detalhes do contrato entre Hunt e
a escuderia. Ele tinha a firme intenção de demitir Hunt
assim que os treinos acabassem, e estudou as letras
miúdas do contrato para avaliar quais seriam as
consequências financeiras.
Quando saiu dos boxes para fazer a volta de
aquecimento, Hunt não tinha qualquer ilusão sobre o que
o aguardava na volta. Percebeu que não poderia tratar
Mayer daquele jeito e achar que ficaria na equipe. Sabia
que seu emprego dependia da conquista da pole
position.
Hunt deu tudo o que pôde, e foi o mais rápido em sua
primeira e voadora volta. Lauda passou para o segundo
lugar do grid, quando faltavam apenas dez minutos para
o fim do treino.
O tempo de Hunt foi dois centésimos de segundo
melhor que o melhor tempo de Lauda. Hunt voltou para
os boxes gesticulando loucamente para Mayer, que
estava sentado boquiaberto atrás do alambrado, sem
saber se acreditava no que acabara de ver.
Lauda sentou-se na mureta do box da Ferrari. Ele não
tinha a intenção de voltar à pista naquele dia, e queria
poupar o motor e os pneus para a corrida. O austríaco
acreditava que já havia feito o suficiente para garantir a
pole. Mas, naquele momento, ele se deu conta de que‐ ­
teria de correr de novo, e fazer mais uma volta muito
mais veloz. Era um acontecimento inconveniente, mas
ele não se preocupou: Lauda sabia que ainda não tinha
levado a Ferrari ao limite naquele fim de semana.
Quando Lauda saiu novamente dos boxes, todos
esperavam que ele roubasse a pole de Hunt — e, quando
ele acelerou o carro, tudo indicava que assim seria. Mas
isso foi apenas até a metade daquela rápida volta.
A sorte de Lauda começou a mudar no pior momento
possível. Ao se aproximar da Curva do Sol, ele se
deparou com a BRM de Ian Ashley à sua frente. Lauda
movimentou o carro para ultrapassar o concorrente mais
lento, mas o motor de 12 cilindros da BRM sofreu uma
explosão espetacular, derramando óleo pela pista e
lambuzando a viseira do capacete de Lauda. Estava
encerrada qualquer possibilidade de fazer uma volta
mais rápida, e o campeão mundial viu-se na segunda
posição do grid de largada depois de ter sido o mais
rápido em quase todos os treinos classificatórios. Lauda
saiu do carro furioso, e arremessou o capacete no chão.
Tirou o macacão e rumou para o box da BRM, cuja equipe
ele culpava por seu infortúnio. A meio caminho, parou e
desistiu, percebendo que se tratava de um incidente que
poderia acontecer com qualquer um.
A pole position de Hunt ficou ainda mais saborosa
graças à humilhação imposta ao bajulador colega de
escuderia, e ao fato de que seu antecessor na McLaren,
Emerson Fittipaldi, ficara de joelhos. Correndo no país de
Fittipaldi, no carro que ele costumava pilotar, Hunt tinha
superado o adversário. Todos os seus carrascos — Mayer,
Niki Lauda, Fittipaldi e Mass — haviam sido derrotados
com um único golpe.
Embora Fittipaldi e Lauda estivessem aborrecidos,
Jochen Mass ficou arrasado com o desempenho de Hunt.
Ele havia acreditado que seria fácil superar o novo colega
e ser coroado piloto número um da equipe.
Enquanto isso, Teddy Mayer estava de volta ao box da
McLaren depois de ter sido expulso, ainda sem acreditar
no que tinha visto. Nunca na vida ele tinha
testemunhado tamanha ousadia ou experimentado
emoções tão conflitantes num intervalo de apenas vinte
minutos. Pronto para demitir Hunt assim que ele botasse
os pés para fora do cockpit, Mayer agora estava
exultante e se esquecera completamente daquelas
intenções. Abraçou Hunt com uma força e uma paixão
que jamais havia demonstrado por outro homem.
Mayer estava animado, sobretudo com a oportunidade
de esfregar a pole na cara de Fittipaldi. Vinha remoendo
havia semanas seu ressentimento com a súbita saída do
brasileiro. Hunt contou: “Diante do público brasileiro,
aquilo quase foi demais para Mayer. A McLaren não
estava acostumada com aquele tipo de coisa nos tempos
de Emerson. Do ponto de vista psicológico, foi
importante porque passamos a nos respeitar”.
Hunt disse: “Foi a primeira pole de minha carreira, e
isso me deixou bastante satisfeito. Além de tudo,
impressionei os caras. Depois disso, virei o número um”.
Caldwell e os mecânicos haviam passado para um súbito
estado de espanto diante do novo piloto. Numa janela de
cinco minutos, Hunt estabelecera a indiscutível posição
de número um e garantira que não seria mais desafiado
por Mass.
A batalha pela pole no último minuto do treino
reacendeu o interesse local pela corrida, e na manhã da
prova milhares de pessoas passaram pelas catracas do
autódromo. O dia amanheceu quente e ensolarado, e os
22 carros se alinharam no grid. Para Niki Lauda,
acostumado à primeira fila, era apenas mais uma corrida.
A única diferença estava no fato de que, agora, ele tinha
um capacete desconhecido a seu lado. Ficar atrás de
Hunt nos treinos fora um aborrecimento menor, e os dois
homens trocaram um olhar ao tomar as posições na
primeira fila do grid.
Para James Hunt, porém, sua primeira pole position
num Grande Prêmio era um acontecimento notável. Ele
se deu conta de que estava muito nervoso. Começou a
tremer e foi até o fundo do box três vezes para vomitar.
Era normal passar mal antes das corridas, mas agora o
enjoo era exacerbado pela quantidade de cocaína, álcool
e nicotina que circulavam no organismo do piloto. Além
da náusea, Hunt estava particularmente preocupado com
a possibilidade de queimar a embreagem na linha de
largada. Ele temia começar mal e deixar Lauda assumir a
liderança.
Os proféticos temores de Hunt acabaram por se
confirmar: foi exatamente isso o que aconteceu no
momento em que Lauda largou à sua frente. Hunt
lembrou: “Errei em nome da segurança; se havia uma
coisa que eu não queria que acontecesse era sair da
prova sem ao menos chegar à primeira curva”.
Entretanto, quem superou os dois pilotos foi Clay
Regazzoni. Ele comandou as voltas iniciais, com Lauda
logo atrás e Hunt em terceiro lugar, depois de ter sido
brevemente desafiado por Fittipaldi — que ficou para trás
na mesma velocidade com que havia aparecido.
Logo ficou evidente que Lauda era bem mais rápido do
que Regazzoni, e o austríaco decidiu ganhar tempo,
seguro de que sua hora chegaria. Depois de sete voltas,
no entanto, Lauda se irritou e de repente começou a
investir contra Regazzoni. Digladiando-se na pista, os
dois pareciam qualquer coisa, menos colegas de
escuderia. Na nona volta, Lauda tomou a dianteira.
Depois disso, abriu uma vantagem de três segundos e
meio em apenas uma volta, demonstrando diante de
Audetto (que estava parado nos boxes com um
cronômetro na mão) sua superioridade como piloto.
Ao ver a facilidade com que Lauda se livrara de
Regazzoni, Hunt aproveitou uma oportunidade e
ultrapassou o suíço na volta seguinte. Regazzoni
esquentara demais os pneus, numa tentativa de manter
a liderança, e logo perdeu o pneu dianteiro, exaurido até
a lona. O pneu deu o suspiro final, e Regazzoni teve de
parar nos boxes.
Tudo sugeria que a corrida seria marcada por uma bela
batalha entre Hunt e Lauda. A luta, porém, acabou logo
depois de começar: o novo motor Cosworth de Hunt
deixou o piloto na mão. Um dos oito bicos injetores de
combustível se soltou, e o cilindro simplesmente parou
de funcionar. Não fosse o bico, que ficou se mexendo e
acabou caindo no buraco do acelerador, o motor poderia
ter aguentado até a linha de chegada.
A partir desse momento, Lauda foi incomodado
brevemente pela Shadow-Ford de Jean-Pierre Jarier —
que veio em alta velocidade e parecia pronto para
ultrapassá-lo. A nove voltas do fim, Jarier fez a volta mais
rápida da prova. Mas foi então que Hunt fez um grande e
involuntário favor a Lauda. O acelerador emperrou
totalmente, arremessando-o a toda velocidade contra a
grade de proteção. Esse tipo de grade, amplamente
utilizado durante aquela era da Fórmula 1, tinha vários
defeitos; naquele dia, entretanto, é provável que a
proteção tenha salvo a vida de Hunt. Somada à
habilidade do piloto em virar o carro, a grade evitou o
que poderia ter sido um grave acidente. Hunt conseguiu
afastar o carro da grade com o motor ainda ligado, e
voltou para a pista. Mas o radiador estava arrebentado, e
deixou uma mancha de óleo na pista no momento em
que Lauda e Jarier se aproximavam. A experiência e a
inteligência de Lauda permitiram-lhe passar pela mancha
sem maiores contratempos. Jarier, porém, não teve o
mesmo desempenho: seus pneus travaram e ele
derrapou contra a barreira de proteção. O carro ficou
amassado, e Lauda ficou livre para singrar rumo à vitória.
Lauda ganhou graças à grande ajuda representada
pelos problemas que acometeram Regazzoni, Hunt e
Jarier. Todos eles poderiam ter vencido naquele dia.
Lauda, entretanto, pensava diferente, e estava exultante
por ter derrotado todos os rivais — incluindo Emerson
Fitti­paldi, que chegou na 13a posição com seu combalido
Copersucar, diante de uma torcida decepcionada. Jochen
Mass terminou a corrida em sexto lugar.
Lauda não estava nem aí para o modo como tinha
vencido; ­acreditava ter enfrentado e derrotado todos os
adversários. Já Hunt foi de uma sinceridade absoluta
sobre o próprio desempenho: “Não fui rápido o
suficiente; quando comecei a ter problemas, eu estava
uns cinco segundos atrás de Niki. Um bico caiu e o motor
começou a engasgar, e não satisfeito com isso o bico
escorregou pelo acelerador, ficando aberto no meio de
uma curva longa. Não fui homem o bastante para
enfrentar a situação, ainda que tenha sido apenas em
sete cilindros”.
Depois das emoções durante os treinos, Hunt foi
magnânimo no momento da derrota. E qualquer
pensamento de Mayer sobre a demissão do piloto
desapareceu por completo. Os dois ficaram aliviados
quando a corrida terminou, e a desavença se
transformou em total harmonia. Ao fim da prova, tudo
era doçura e leveza nas conversas com os jornalistas. Na
verdade, Hunt parecia ter esquecido todo o rancor dos
três dias anteriores: “Felizmente conseguimos resolver
tudo, e acho que todos nós — especialmente Teddy, John
(Hogan) e eu — respiramos aliviados”.
Alastair Caldwell também tinha mudado
completamente o discurso, e agora declarava sua alegria
em ter Hunt na equipe. Ele jamais teria imaginado que
Hunt pudesse ser mais rápido que Jochen Mass. Quando
isso aconteceu, seu espanto foi genuíno. Caldwell deu
uma declaração que ficou famosa: “Um cara
desconhecido chegou aqui e jogou Mass para escanteio.
Não interessa se o sujeito tem o número um escrito na
testa ou tatuado por todo o corpo: se ele é o segundo
mais rápido, vai ser o número dois. E ponto final”.
A mesma situação se manifestava no box da Ferrari,
embora de forma totalmente diferente. Niki Lauda havia
continuado do mesmo ponto em que partira, e Daniele
Audetto vencera sua primeira corrida na condição de
dirigente da Ferrari. Era como se ambos fossem capazes
de operar milagres, e por um momento eles esqueceram
suas diferenças.
Mas havia uma diferença fundamental entre as duas
equipes no momento em que a McLaren e a Ferrari
faziam as malas para voltar para casa. Caldwell, Mayer e
Hunt tinham realmente deixado as desavenças de lado e
apagado o rancor, ao passo que a reaproximação entre
Lauda e Audetto fora apenas temporária. Audetto se
remoía de raiva com a derrota de Regazzoni, e Lauda
declarou a amigos que Audetto era um idiota
pretensioso.
No final das contas, o desfecho do campeonato mundial
de Fórmula 1 de 1976 seria determinado por questões
políticas — e não pelos pilotos, pelos carros ou pelas
escuderias.
4
Niki e seus problemas com as
mulheres
Marlene substitui Mariella
Verão de 1975

A paixão de Niki Lauda por Mariella von Reininghaus, sua


namorada ao longo de oito anos, acabou em algum
momento de 1975. A súbita conclusão de que, no final
das contas, ele não se casaria com ela, levou à erupção
de um vulcão de emoções.
Tão romântico quanto qualquer pessoa, e ao mesmo
tempo desprovido de alguns sentimentos presentes nos
seres humanos normais, Lauda sempre tivera
dificuldades em sua vida amorosa. Sua constituição
metafísica evoluía num ritmo diferente e incoerente
durante períodos longos e indefinidos — e às vezes
mudava sem aviso.
Do ponto de vista emocional, Lauda não tinha
propósitos coerentes. Tal característica com frequência o
levava a tomar decisões repentinas e a fazer desvios que
desafiavam a lógica. Esse traço o acompanhou ao longo
da vida, e em algumas situações garantiu-lhe uma
vantagem que muitas vezes representou a diferença
entre o sucesso e o fracasso. Quando bem utilizado, esse
modo de agir era extremamente eficiente. Do contrário,
a inevitável consequência eram ações que levavam anos
para se desenrolar, uma vez que eram movidas por
ideias e pensamentos de grande complexidade.
Para compreender Niki Lauda, seria necessário
conhecê-lo e obser­vá­­-lo­ durante toda a vida, tal a
excentricidade de sua estrutura emocional. Com o passar
dos anos, gigantes do automobilismo como Enzo Ferrari,
Bernie Ecclestone e Ron Dennis iriam se deparar com
aquele curioso caldeirão de emoções — e levariam a pior.
James Hunt, por outro lado, era um homem simples:
fácil de compreender, fácil de decifrar e,
consequentemente, fácil de prever. Essas características
jamais poderiam ser atribuídas a Lauda.
A discrepância mais evidente na personalidade do
austríaco era a incoerência. Vez ou outra, Lauda
demonstrava os instintos mais dissonantes que poderiam
estar presentes num ser humano. Criticava e condenava
os outros com veemência (às vezes em público, mas
quase sempre na esfera privada), e em seguida
demonstrava ter ele mesmo as fraquezas e falhas que
acabara de apontar.
Talvez baste dizer que a estrutura emocional e
intelectual de Lauda não era das mais comuns, que se
encontram no atacado. E isso se manifestou claramente
no verão de 1975, quando ele virou as costas para a
noiva com quem havia passado oito anos e a trocou por
outra, que conhecera numa festa.
O relacionamento de Lauda e Mariella era praticamente
uma instituição na restrita comunidade da Fórmula 1.
Fora do mundo do esporte, eles eram um dos casais de
celebridades mais conhecidos e queridos da Europa. A
dupla fazia bonito nos principais salões do continente.
Quase todo mundo achava que o relacionamento dos
dois beirava a perfeição. Mariella era uma mulher fora de
série em todos os sentidos: linda e com uma
personalidade cativante. Caso existisse na época um
ranking das melhores mulheres disponíveis na Europa,
Mariella estaria em primeiro lugar.
O fato de ser uma das jovens mais bem relacionadas da
Áustria parecia nem ter tanta importância. Mas some-se
a ele sua condição de filha de um milionário da indústria
cervejeira austríaca e o sobrenome de uma família
riquíssima e Mariella poderia sem dúvida ser considerada
a mulher perfeita, com quem Lauda sempre sonhara — e
que havia encontrado logo cedo na vida.
Se tinha algum defeito, era a sexualidade. Por fora ela
era sensual, mas, na intimidade, era uma mulher
reservada.
Os dois se conheceram ainda na adolescência. Ela foi a
primeira namorada dele; ele, o primeiro namorado dela.
Lauda foi atraído pela beleza suave; Mariella, pelo estilo
de vida confiante. Apesar de viver num constante estado
de falência, ele tinha um Porsche 911S. Ela gostava da
ambição aparentemente sem fim do namorado, do
objetivo de vencer jovem, e apreciava as emoções
oferecidas pelo estilo de vida que levava.
Lauda considerava Mariella uma mulher sem
exigências, disposta a se ajustar à rotina de um jovem
aspirante a piloto. Ela não se incomodava em deixá-lo
assumir os holofotes e ficar à sombra. Do ponto de vista
social, no entanto, quem ficava à sombra era ele; Lauda
não tinha tanto pedigree .
Os dois trabalhavam rumo ao mesmo objetivo: uma
carreira de sucesso para Lauda. Mariella passou anos
apoiando o namorado, durante o período em que ele
batalhava para se tornar um piloto de corridas.
Lauda admitia que a companheira tinha todas as
qualidades que ele buscava e respeitava numa mulher, e
disse isso mais de uma vez: “Mariella era extremamente
disciplinada, tranquila, ponderada e paciente”. Por isso,
não foi surpresa quando ele a pediu em casamento, logo
depois de os dois se conhecerem — embora jamais
tenham marcado a data.
Lauda estava tão determinado quanto ela a se casar, e
dizia que o relacionamento era praticamente um
casamento. Ele declarou: “Eu tinha quase certeza de que
iríamos nos casar”. A personalidade de Mariella
encaixava-se com perfeição à carreira dele, e ele sempre
reconheceu isso. Ele mesmo descreveu: “Durante testes
e treinos, ela passava horas sentada numa pilha de
pneus sem se mexer nem falar; era boa de ioga! Ficava
satisfeita se eu passasse por ali a cada hora para lhe dar
um beijo. Seu autocontrole chegava a ser misterioso”.
Mas Mariella tinha um ponto negativo, do qual Lauda
reclamava: tentava obter controle total sobre a vida dele.
“Ela exercia muita in­fluência sobre mim, e tentava
exercer ainda mais. Durante algum tempo, deixei de bom
grado que isso acontecesse.”
E havia outra questão delicada. Mariella esperava que
Lauda se aposentasse do automobilismo quando
começasse a fazer sucesso, e partisse para uma carreira
mais segura e estável. Lauda foi adiante com isso no
período em que ainda batalhava para vencer. Ele não
conseguia imaginar a própria vida com alguém que não
fosse ela.
Tudo ia bem até que Lauda assinou com a Ferrari, em
1974. Pela primeira vez, eles tinham dinheiro. Usaram
parte dos recursos para comprar um terreno nos
arredores de Salzburgo, onde pretendiam construir a
casa dos seus sonhos, para quando se casassem e
tivessem filhos. Esse desdobramento era tido como certo
no relacionamento deles.
Mariella acreditava piamente que, depois de atingir seu
objetivo de tornar-se campeão mundial, Lauda cumpriria
a promessa feita anos antes: abriria mão daquela
absurda obsessão pelo automobilismo e passaria a se
dedicar a ela e à família. Ela realmente acreditava que
seria assim. Mariella achava que os dois formavam uma
equipe inseparável, e ele pensava o mesmo.
Mas ela não havia imaginado que o sucesso
transformaria Lauda numa pessoa diferente da que era
aos 18 anos, quando lutava para vencer. E é preciso dizer
que a mudança não foi para melhor.
Ao sentir o gosto do sucesso, Lauda começou a querer
cada vez mais. Quando ainda era um fracasso no
automobilismo, era mais fácil pensar em parar, já que
não havia prazer nenhum em perder. Mas o sucesso
mudou tudo, e Mariella não percebeu.
Os pilotos costumam ser pessoas agradáveis quando
estão em início de carreira, ou depois que se aposentam;
nos anos de sucesso, porém, quase sempre se
transformam em monstros ególatras — e Lauda não ficou
imune a essa pressão, ainda que não tenha sido o pior
exemplo da história. A mudança se refletia no modo
como tratava os fãs que vinham lhe pedir autógrafos.
Muita gente se assustava com a frieza com que ele os
dispensava, mesmo quando estes eram crianças.
Mariella não notou as alterações de personalidade, que
aconteceram lentamente. A diferença é que ela colocava
o relacionamento em primeiro lugar, enquanto ele dava
prioridade ao automobilismo. Lauda explicou: “Mariella
começou a fazer planos para que eu abrisse mão das
corridas: eu seria campeão mundial e encerraria a
carreira. Família, um emprego decente — era isso o que
ela queria, e insistia para que fosse assim”.
Mas, após anos engolindo fracassos sucessivos, Lauda
jamais abriria mão de correr depois de provar o sucesso.
Ao ganhar um título mundial, ele queria outro. Lauda
tinha uma compulsão pelo risco, e ela foi incapaz de
enxergar isso. Queria apenas uma família e um marido
que a amasse. O sucesso de Lauda e sua aposentadoria
em favor de uma vida normal eram elementos
fundamentais da ambição e dos planos de vida de
Mariella, e ela faria qualquer sacrifício para conseguir
isso. Lauda, entretanto, admitiu: “Eu não tinha a menor
intenção de me aposentar aos 26 anos. A idade nem era
tão importante assim, mas eu simplesmente não queria”.
No momento em que isso ficou evidente, o
relacionamento passou pelo primeiro momento grave de
discordância. Lauda começou a se irritar com alguns
traços da personalidade de Mariella, algo que ele jamais
sentira em todos aqueles anos juntos. Mas ela não
percebeu.
Lauda sabia que a noiva esperava que ele se
aposentasse no final de 1975, e estava consciente de
que enfrentaria problemas caso isso não ocorresse. Ele
disse: “Eu temia as intermináveis discussões que
aconteceriam caso eu decidisse continuar correndo
depois de ganhar o título mundial. Nós brigávamos cada
vez mais”.
No entanto, o fato de que agora o casal tinha dinheiro
acabou impondo a necessidade de tomar uma decisão:
se quisessem, já podiam construir a casa dos sonhos. A
construção dessa nova casa, o provável lar da futura
família, deu a Mariella um verdadeiro propósito de vida, e
ela abraçou o projeto. Enquanto Lauda conquistava seu
primeiro campeonato mundial, em 1975, ela
acompanhava o arquiteto na construção da casa.
Ao longo daquele ano, eles naturalmente passaram a
se ver cada vez menos, e a separação foi gradual, sem
que nenhum dos dois se desse conta. Lauda diz que a
casa tomou conta da vida de Mariella, da mesma
maneira que o automobilismo tomou conta da vida dele:
“Ela praticamente assumiu tudo o que estava
relacionado à construção da minha casa”. Em 1975,
ambos estavam com a cabeça tão concentrada em
outras coisas que, quando finalmente olharam um para o
outro, já era tarde. A história tinha acabado.
É claro que Lauda temia as consequências de se
separar de Mariella. A despeito do sucesso e da fama,
como ser humano ele não era páreo para a noiva. E,
intimamente, ele sabia disso. Mariella von Reininghaus
era amada pelo círculo social do namorado. Ele sabia que
todos os seus conhecidos — ou pelo menos os que
realmente importavam — tinham grande estima por ela.
Lauda também a estimava profundamente. O único
problema era que, depois de oito anos, ele não estava
mais apaixonado. E foi preciso que outra mulher entrasse
em cena para que ele tomasse uma atitude.
Lauda conheceu Marlene Knaus no verão de 1975. Ela
era meio latina, meio austríaca, e trabalhava no regime
de meio período como atriz e modelo. Sua família não
era rica como a de Mariella, mas eram pessoas
conhecidas. O avô era um ginecologista famoso, e o pai,
um renomado pintor austríaco.
O relacionamento teve início em Salzburgo, na casa de
Curt Jurgens, conhecido ator de Hollywood. Jurgens era
uma das maiores celebridades da Áustria, e no passado
fora uma grande estrela do cinema norte-americano.
Àquela altura, já envelhecendo e tendo deixado para trás
o auge da fama, ainda era frequentemente requisitado
para papéis de coadjuvante em vários filmes — desde
aventuras de James Bond até dramas mais sérios. Ao
longo de 40 anos de carreira, Jurgens faturara pelo
menos 4 milhões de dólares. Além disso, era um notório
galanteador e playboy , anfitrião de festas lendárias nas
diversas casas que possuía.
Na época, Marlene era a namorada titular de Jurgens —
embora ele tivesse uma em cada porto. Mas o
relacionamento não tinha nada de profundo, sério ou
compromissado. O ator tinha o dobro da idade de
Marlene, e ela estava apenas se divertindo.
Certo dia, Lauda e Mariella foram convidados para uma
festa na casa de Jurgens, mas o destino quis que o piloto
fosse sozinho.
Marlene era a anfitriã da festa. Ela e Lauda se viram
pela primeira vez e começaram a conversar
imediatamente. Os dois se isolaram numa conversa
franca, e esqueceram os demais convidados. Jurgens
observava tudo, mas não parecia se incomodar.
Os dois logo perceberam que iriam se ver novamente,
embora Lauda soubesse que Jurgens e Marlene estavam
a par da existência de Mariella. Lauda descreveu aquele
primeiro encontro de forma curta e simples: “Ela veio
falar comigo e uma faísca se acendeu entre nós”.
Depois da festa, eles tiveram dois jantares íntimos.
Porém, Marlene pegou uma pneumonia e ficou muito
doente. Lauda ia visitá-la com frequência no hospital, e
por vezes cruzava com Curt Jurgens no corredor.
Depois de algumas semanas de internação, Marlene foi
melhorando e decidiu se dar alta. Apesar de seu estado
ainda debilitado, entrou num voo para Ibiza e foi se
recuperar na Espanha. Seus pais tinham uma casa de
veraneio na ilha, e Ibiza era seu lugar preferido. Entre
uma corrida e outra, sempre que podia, Lauda pegava
seu jato particular e ia vê-la. Ele justificava sua ausência
contando um monte de mentiras para Mariella.
A verdade é que Lauda mal viu Mariella naquele
período. Ela estava tão absorta na construção da nova
casa que nem percebia a ausência do noivo — ou não se
dava ao trabalho de perguntar aonde ele ia quando não
estava competindo.
A situação continuou assim durante o verão, e até o
início do outono. Mas então Lauda teve de partir para a
América do Norte, para os Grandes Prêmios dos Estados
Unidos e do Canadá. Ele passou três semanas fora, e
percebeu que ficou todo o tempo pensando em Marlene.
Nesse momento, Lauda finalmente se deu conta de que o
relacionamento com Mariella havia chegado ao fim.
Marlene transformou-se no catalisador da mudança, e
Lauda decidiu romper com Mariella. Ele contou: “Eu me
afastei ainda mais no verão de 1975. Precisava mudar”.
No entanto, a relação entre Mariella e Lauda não era
algo momentâneo; era a obra de uma vida inteira, e isso
valia para os dois. Não era nada fácil terminá-la. Só que
Lauda era um sujeito prático. Ele não estava mais
apaixonado por Mariella e havia se apaixonado por
Marlene. Para ele, era preto no branco.
Mesmo com sua fachada de pedra, Lauda dava
importância às opiniões dos outros. Para ele, era
importante sair da relação de uma forma honrada. O
problema é que, ao fazer isso, ele passou por cima dos
sentimentos de Mariella.
Lauda bolou um plano para que a separação parecesse
consensual, e para diminuir a impressão de que havia
outra pessoa envolvida. Ele queria que todos soubessem
que o relacionamento simplesmente chegara ao fim, e
que os dois lados queriam dar o fora. E, evidentemente,
não queria deixar transparecer que estivesse trocando
Mariella por outra. Mariella era uma pessoa muito
querida, e ele temia ser julgado por toda a Europa caso a
existência de Marlene viesse à tona.
Quando saiu de Nova York e voltou a Salzburgo, decidiu
terminar tudo na primeira oportunidade. De acordo com
sua avaliação, essa oportunidade surgiu quando ele
voltou para o apartamento onde ­morava com Mariella.
Lauda entrou pela porta e foi tomado pelo desejo de sair
dali. Tempos depois, ele relembrou: “Pendurei o casaco
no encosto de uma cadeira, olhei para Mariella e pensei:
isso não vai dar certo”. Lauda virou as costas e saiu sem
dizer nada. Naquela mesma noite ele caiu nos braços de
Marlene, e nunca mais voltou. Mariella foi deixada para
trás, totalmente confusa.
Ele pediu Marlene em casamento naquela noite. Disse
que não iria mais ver Mariella, e os dois partiram para
Ibiza na manhã seguinte, no avião dele.
Mariella ficou perdida e confidenciou a amigos que não
fazia ideia do que tinha acontecido. Quando finalmente
voltou de Ibiza para ­Salzburgo, Lauda encontrou Mariella
e contou mais mentiras. Disse que estava estressado e
queria terminar o relacionamento de oito anos. Afirmou
que “não tinha mais tempo para baboseiras emocionais”.
Era uma mentira deslavada. Mariella havia se
transformado num fardo, e ele a dispensou com uma
conversa fria de alguns minutos, depois de quase oito
anos de relacionamento.
Lauda pediu Marlene em casamento e tentou se casar
com ela quase imediatamente. Mas ele queria sigilo, pois
estava apavorado com a ideia de que Mariella e seus
amigos descobrissem que ele tinha outra namorada.
Assim, em novembro de 1975, ele pegou um avião para
a Inglaterra e encontrou-se em segredo com John Hogan.
Antes de qualquer coisa, Hogan era chefe do principal
patrocinador de James Hunt, a Marlboro. Mas era
também um amigo próximo de Lauda. A Marlboro era
patrocinadora pessoal do austríaco, e Lauda era tão
importante para a marca quanto Hunt. Hogan era
provavelmente o melhor amigo e o maior confidente de
Lauda no mundo da Fórmula 1, um homem no qual o
piloto confiava cegamente — a despeito da proximidade
entre Hogan e seu maior rival nas pistas. Hogan era o
sujeito com quem Lauda contava para qualquer
problema, sem reservas, quer o assunto fosse negócio,
quer fosse prazer.
Por isso, Hogan ficou sabendo de tudo praticamente
desde o momento em que Lauda terminou com Mariella e
começou a sair com Marlene. Lauda confiava em Hogan
porque ele não o julgava: era uma espécie de guru, e
entendia muito bem as emoções humanas. Além disso,
era extremamente discreto. Por instinto, Lauda sabia que
podia confiar a ele seu grande segredo, e por isso decidiu
ir à ­Inglaterra.
Lauda chegou sem aviso à casa de Hogan, em Reading.
Passados 36 anos, Hogan ainda se lembra bem, e reconta
a história: “Niki disse: ‘Sabe do que eu sinto falta? De
uma esposa. Onde é que posso me casar aqui na
Inglaterra?’. Foi quase cômico”.
Hogan entrou na brincadeira. Lauda não dissera nada, e
ele supôs que o amigo se referia a um casamento com
Mariella. Mas aí Lauda apresentou Marlene, que estava
esperando no carro.
Atônito por um instante, Hogan conhecia Lauda bem o
suficiente para saber que era melhor não fazer
perguntas. Ele relembra: “Na época eu morava em
Reading, e disse: ‘Vamos tentar o cartório de ­Reading e
ver o que acontece’”.
Lauda disse que não havia tempo a perder. Hogan
entrou no carro do amigo e eles seguiram rumo ao centro
de Reading. Hogan recorda: “Fomos até o cartório: Niki,
eu e Marlene. Um senhor simpático disse: ‘Sinto
muitíssimo. Eu gostaria de ajudar, mas não posso’”.
O tabelião explicou que um casamento celebrado por
ele na Inglaterra não seria considerado legal, e portanto
não havia nada que pudesse fazer. O esforço fora em
vão.
E assim os planos de Lauda foram interrompidos. Ele
teve de desistir da ideia de um casamento imediato e
decidiu ir para Ibiza com Marlene. O casal passou o
inverno na ilha, em sigilo absoluto. Ou melhor: assim foi
ao longo de três meses, após os quais os dois surgiram
em Kyalami.
5
James e seus problemas com as
mulheres
O desenrolar de um casamento impensado
Janeiro de 1976

No início de 1976, o casamento de James Hunt e Suzy


Miller estava morto e enterrado. Mal haviam se passado
dois anos desde que ele repensara a vida e decidira que
precisava de uma esposa — e agora ele já havia
repensado a vida novamente e decidido que não
precisava de esposa nenhuma. Quando viajou para o
Brasil para o primeiro Grande Prêmio da temporada, em
janeiro de 1976, Hunt estava só esperando que Suzy
encontrasse um novo bonitão. Finalmente, para seu
grande alívio, parecia que isso tinha acontecido. O
episódio encerraria uma saga de 24 meses na vida
pessoal de James Hunt, período no qual ele desafiou a
sensatez e qualquer tipo de lógica.
Antes de se casar, Hunt já tinha falado sobre sua visão
do matrimônio e descrito como um “mito burro” a ideia
de que os pilotos precisavam ter um lar estável para
poder enfrentar a tensão e o estresse das corridas.
Diante dessa opinião, parecia pouco provável que ele
fosse sucumbir ao casamento num futuro próximo.
Hunt estava longe de ser um marido ideal. Seu apetite
sexual era gigantesco, e ele procurava alimentá-lo onde
quer que fosse, com a maior frequência possível. Em
termos físicos, Hunt era inigualável. Do ponto de vista
emocional, entretanto, não passava de um amador. De
acordo com amigos, ele costumava dizer que não sabia
muito bem o que era o amor. O biógrafo Gerald
Donaldson confirmou: “O componente emocional dos
relacionamentos era terra virgem para James”.
No entanto, quando o piloto deixou a Inglaterra para
morar na Espanha, no início de 1974, ele mudou de ideia
drástica e repentinamente. Sem motivo aparente, Hunt
decidiu que queria se casar, para “ajudar a carreira e
deixar mais tranquila a vida no exílio”. Ele havia se
mudado para Marbella por questões fiscais, e a escolha
nada tinha a ver com casamento.
Na verdade, a última coisa de que Hunt precisava era
de uma esposa. Ele nunca tinha conseguido encontrar
uma mulher que acompanhasse seu ritmo. Por um breve
momento, porém, deixou esse pensamento de lado.
Hunt conheceu Suzy Miller jogando tênis no clube Lew
Hoad, em Fuengirola, na Espanha. Como ele, Suzy
acabara de se mudar para a Espanha em busca de um
novo estilo de vida, e estava solitária. Era linda e
ganhava a vida como modelo. Após alguns meses e
acontecimentos incomuns, ela se transformou na sra.
James Hunt.
Aos 24 anos recém-completados, Suzy era um ano mais
jovem que Hunt. Passara boa parte da infância na
Rodésia do Sul, com os pais expatriados, a irmã gêmea
Vivienne e o irmão John. Quando menina, teve aulas de
piano, e tornou-se uma boa concertista. Era também
excelente cozinheira. Seu pai, Frederick Miller, havia sido
um oficial de alta patente no exército britânico, e depois
fora advogado nas colônias britânicas. Suzy passara a
infância em vários países; mas fora sob o sol da África,
com o pai trabalhando como juiz no Quênia, que ela se
transformara numa jovem atraente — uma mulher “de
parar o trânsito”, conforme Hunt a descreveria mais
tarde a seus amigos londrinos.
A exemplo de outras mulheres na faixa dos vinte e
poucos anos, Suzy estava desesperada para encontrar
um marido. Quando conheceu Hunt, viu nele um partido
ideal. Ela não dava grande importância ao fato de ele ser
um famoso piloto de Fórmula 1.
Feliz por poder dedicar a vida a um único homem, Suzy
imaginou um parceiro que lhe daria segurança e de
quem, em contrapartida, ela cuidaria com carinho. Por
algum motivo, viu tudo isso em Hunt. Em Marbella, os
dois começaram a se ver com frequência, e a princípio
foram atraídos pelo isolamento em que ambos viviam.
Hunt ainda morava num hotel e tinha apenas uma mala
de roupas. Suzy vivia num apartamento de frente para o
mar. Sem demora, ele saiu da suíte em que estava
hospedado e mudou-se para a casa dela.
Suzy era diferente das namoradas anteriores de Hunt.
Não fazia exigências, era quieta e cuidadosa com os
outros. No início, Hunt tentou dar a ela o mesmo
tratamento que aplicara aos namoros anteriores — um
tratamento informal. Mas ela encurtou a rédea. E, quanto
mais curta a rédea, mais Hunt queria ficar com ela. Suzy
não estava preparada para ser uma namorada casual.
Hunt custou a entender isso. Quando Suzy o expulsou
de casa e ele teve de voltar para o hotel, o piloto tomou
um susto. Pela primeira vez na vida, ele se sentiu
magoado e saudoso. Percebendo que talvez estivesse
realmente apaixonado, declarou: “Consegui convencê-la
a gostar de mim novamente”.
Só que ele não aprendeu a lição. Em pouco tempo, já
estava sendo posto para fora de novo, e teve de voltar
ao hotel pela terceira vez. O relacionamento continuou
com altos e baixos: quanto mais ela o rejeitava, mais ele
a desejava. Era uma armadilha manjada, mas Hunt caiu
direitinho.
Finalmente, em meados de 1974, depois de uma
separação de três semanas, que incluiu o fim de semana
do Grande Prêmio da Inglaterra, no circuito de Brands
Hatch, Hunt se deu conta de que estava morrendo de
saudade de Suzy. Ele passou o fim de semana pensando
nela, em estar com ela na cama — mas os pensamentos
não eram lascivos, e sim amorosos. Durante aqueles três
dias, ele foi ficando cada vez mais obcecado.
Hunt voltou a Marbella na noite de 20 de julho de 1974.
Ele saiu de Londres depois de abandonar a prova na
metade da corrida. Foi direto do aeroporto para a casa de
Suzy, e pediu a moça em casamento. O próprio piloto
relembrou: “Eu sabia que a perspectiva de casar ia
deixar Suzy maluca, por isso voltei para casa e fiz o
pedido”. Era uma medida desesperada, que refletia o
grau de sua paixão. Hunt realmente perdera a cabeça.
Suzy ficou encantada e aceitou na hora. Ligou correndo
para os pais e para a irmã, e contou as boas-novas.
Depois, observou Hunt ligar meio encabulado para os
próprios pais — que ficaram perplexos.
O noivado foi anunciado oficialmente uma semana mais
tarde, e a data do casamento ficou marcada para o fim
da temporada de Fórmula 1, em outubro. A montanha-
russa já estava em movimento, e agora não dava mais
para desistir. A festa de noivado foi realizada no
apartamento do irmão de Hunt, Peter, no centro de
Londres.
Lord Hesketh ficou felicíssimo, e se ofereceu para pagar
o casamento. Ele se autonomeou organizador do evento
e transformou a ocasião numa festa de arromba para si
mesmo e seus amigos. Embora Hunt conhecesse Hesketh
havia pouco mais de um ano e meio, ele foi escolhido
como padrinho.
A perspectiva do casamento começou a atormentar
Hunt no dia da festa de noivado. A ideia não saiu de sua
cabeça durante as últimas corridas da temporada de
1974. Quando o campeonato terminou, Hunt já estava
revendo a sério aquela história de casamento. De acordo
com Gerald Donaldson, o piloto estava desesperado para
romper tudo, sair correndo e livrar-se da situação, mas
tinha medo de fazê-lo. Sem enxergar uma saída, Hunt
apelou para a bebida — muita bebida.
Suzy era católica, o que exigia uma igreja, e Hunt se
converteu ao catolicismo para a cerimônia. O casamento
foi celebrado na Igreja do Imaculado Coração de Maria,
mais conhecida como Oratório Brompton, em Kensington.
O cenário grandioso era adequado para o casamento do
ano na sociedade inglesa. Os convites informavam que o
traje da festa era a casaca. Quase todos os pilotos mais
conhecidos foram convidados, incluindo Graham Hill,
Stirling Moss, Jackie Stewart, John Watson e Ronnie
Peterson. Hesketh contratou uma orquestra para tocar.
Lord Hesketh passou a festa paparicando Hunt. A toda
hora ele ia reafirmar o acerto daquela decisão e fazia
sermões sobre a obrigação de não decepcionar os outros.
Hunt estava bêbado demais para discutir.
E foi assim que James Hunt caminhou para o altar no
dia de seu casamento: num estado desesperado de
embriaguez. Mais tarde, ele mesmo diria: “Não fui capaz
de encarar aquilo, por isso saí e enchi a cara. Passei
quatro dias tomando o mais magnífico porre da minha
vida”.
Tempos depois, Lord Hesketh admitiu: “A verdade é que
James gostaria de ter mudado de ideia quando chegou à
igreja. Ele não teria sido a primeira ou a última pessoa a
fazer isso e sobreviver”. Mas o casamento prosseguiu
conforme o planejado, e Hunt deu um jeito de continuar
de pé — ninguém sabe como.
O próprio noivo admitiria depois que mal se lembrava
da ocasião. Durante a recepção, Hesketh o escorava
quando ele tinha de se levantar. Outros convidados
contam que Hunt não falava coisa com coisa quando se
dirigia aos presentes, e recordam que a situação era
extremamente constrangedora. Suzy limitou-se a sorrir a
noite inteira, convencida de que a partir daquele
momento as coisas seriam diferentes, já que ele era um
homem casado. No entanto, diante da quantidade de
bebida ingerida por ele naquele dia, as perspectivas não
eram as mais auspiciosas.
No dia seguinte, o casal partiu para a lua de mel em
Antígua, no Caribe.
A nova sra. Hunt assistiu a algumas corridas ao longo
de 1975, e fez o que pôde para cumprir o papel de
esposa de piloto. Mas depois confessou que estava
“completamente entediada”, e declarou a amigos: “Eu
me sentia literalmente uma peça de reposição. Minha
única função era aparecer na hora do show”.
Em poucos meses, Suzy percebeu que o casamento não
daria certo, embora estivesse disposta a dar tempo ao
tempo. A rigor, ela tocava a própria vida e Hunt tocava a
dele. As traições do piloto eram rotineiras, e ele não era
particularmente habilidoso para esconder a infidelidade.
Mais tarde, ele lembrou: “O problema era o choque entre
diferentes personalidades e estilos de vida. Sou
completamente ligado às corridas, tenho minha vida,
gosto de viver em alta velocidade. Suzy queria um ritmo
mais lento, uma base sólida e um relacionamento firme.
O mais irônico é que eu decidira me casar com ela
justamente por causa disso”.
O casal passava cada vez mais tempo separado. O
biógrafo Gerald Donaldson classificou o relacionamento
como “incompatível em sua ­essência”.
Mas Hunt tinha um desejo desesperado de agradar
Suzy, e estava evidentemente apaixonado por ela. Ainda
assim, ele mesmo admitiu que isso não bastava:
“Quando ela ficava em casa e eu rodava o mundo, era
chato para ela. Quando ela vinha comigo, não se divertia.
Eu ficava o tempo todo conferindo se ela estava ao meu
lado, e ela tinha de se virar para acompanhar meu ritmo.
Era uma situação difícil para nós dois”.
Hunt sabia que tinha de pular fora do casamento, e
rezava por um milagre. Esse milagre era que ela
simplesmente conhecesse outra pessoa. O marido não
queria deixá-la na mão, e preocupava-se também com a
questão financeira. Em caso de divórcio, Suzy teria
direito a uma bela fatia de seu patrimônio — que ele
havia tentado proteger quando se mudara para a
Espanha. A separação significaria abrir mão de pelo
menos metade de sua fortuna, calculada em 100 mil
libras líquidas, e isso aconteceria justamente quando ele
estava começando a ganhar um bom dinheiro. Hunt não
podia se dar ao luxo de custear as despesas do divórcio.
Suzy tinha pensamentos parecidos. Percebendo que
James não era o homem certo para ela, e que
provavelmente tinha se casado por ­motivos equivocados,
ela também queria terminar a relação. Mesmo assim,
continuou demonstrando apoio e solidariedade aos
sentimentos de Hunt. Essa postura compreensiva só fazia
com que ele se sentisse mais responsável pela esposa.
Ele mesmo declarou: “Eu estava muito, muito
preocupado em não magoá-la. Existem jeitos delicados e
jeitos maldosos de fazer as coisas, e espero jamais ter
sido insensível”.
O casamento poderia ter terminado ali, mas se arrastou
por outros oito meses, enquanto Suzy buscava um novo
companheiro. Finalmente, desesperado diante da
improbabilidade de um milagre, Hunt se ofereceu para
comprar um apartamento decorado para Suzy em
Londres, e para dar a ela uma mesada até que os dois
decidissem se separar, no momento mais adequado. Ele
estava disposto a pagar caro para se livrar da situação,
mas ela não precisava de dinheiro e relutou em oficializar
a decisão. Suzy não queria se separar e voltar a ser
solteira: isso estava fora de cogitação. Assim, os dois
continuaram morando juntos em Marbella, embora, em
julho de 1975, cada um já houvesse tomado o próprio
rumo. Porém, fora do paddock da Fórmula 1, ninguém
suspeitava que as coisas estivessem ruins.
Hunt tentava explicar o que havia dado errado: “Eu
achava que queria me casar, que precisava de um lar
tranquilo e estável, mas na verdade não precisava. O
erro foi meu. Queria ir sozinho para as corridas, e não era
muito divertido para Suzy ficar sentada em casa me
esperando um tempão. Quando ela ia às corridas, a
situação também era complicada: o dia da prova era
possivelmente o momento mais calmo da minha agenda,
mas, no resto do tempo, eu tomava um avião por dia, e
isso piorava as coisas ainda mais. Já é complicado
organizar a vida de uma pessoa que vai tomar esse voo;
organizar a vida de duas é duplamente difícil. A coisa
chegou a um ponto em que era chato para Suzy viajar
comigo e pior ainda ficar em casa. A vida dela estava
péssima, e, como eu me sentia responsável, a minha
vida estava péssima também”.
A essa altura, Hunt já tinha uma nova namorada
informal: uma jovem chamada Jane Birbeck, que ele via
quando estava em Londres. Mas também continuava
tendo muitas mulheres em suas viagens. Tentava ser
discreto, pois não queria ver nos jornais qualquer notícia
que pudesse magoar Suzy, a família da mulher e até
mesmo os próprios parentes.
E assim eles chegaram ao Natal de 1975 e ao período
das festas. O destino quis que Hunt e Suzy fossem para
Gstaad passar o Natal com seus respectivos amigos.
Gstaad era o lugar perfeito para passar o fim de ano: o
vilarejo era mágico durante as festas.
Quis o destino também que Richard Burton e Elizabeth
Taylor escolhessem passar o Natal em Gstaad.
Os problemas matrimoniais de Hunt estavam prestes a
ser solucionados.
6
Lauda dita as regras
Mas agora Hunt é o número um
África do Sul: 4 a 6 de março de 1976

O intervalo entre os GPs do Brasil e da África do Sul


durou cinco semanas; entre uma corrida e outra, a
maioria dos pilotos voltava para a Europa — incluindo
Lauda, para Viena, e Hunt, para Marbella. Hunt chegou
cedo a Johannesburgo, em meados de fevereiro, e pegou
um quarto no hotel Sleepy Hollow. Ele chegou à África do
Sul com antecedência pelo mesmo motivo que chegara
cedo a São Paulo: para se divertir. A exemplo do que
ocorrera no Brasil, Hunt fizera muitos amigos em 1973 e
1974, quando Alexander Hesketh ainda gastava dinheiro
a torto e a direito.
No entanto, ao perceber que uma horda de jornalistas
havia baixado no hotel para fazer perguntas sobre seu
casamento, Hunt saiu do Sleepy Hollow e foi se hospedar
na casa do tenista sul-africano Abe Siegel, seu amigo.
Ao menos cinquenta jornalistas foram a Johannesburgo
com o objetivo de fazer matérias sobre o estremecimento
no casamento de Hunt e Suzy Miller. A crise em si não
rendia muita notícia, mas o affair entre Suzy e o ator
Richard Burton causava furor. Tudo indicava que Burton
havia dispensado Elizabeth Taylor para ficar com Suzy, e
isso era uma bomba.
Quando a notícia da separação finalmente vazou, os
jornalistas começaram a perseguir Hunt por toda parte.
Os repórteres eram incansáveis e queriam saber por que
sua esposa estava em Nova York com Richard Burton, e
não em Kyalami, com ele.
Nenhum outro assunto ganhou tanto destaque na
imprensa durante aquela semana. Alastair Caldwell
recordou: “Com aquela história de que a mulher de
James tinha fugido com Burton, a porcaria da imprensa
mundial caiu na nossa cabeça na África do Sul”. Mais
uma vez, Teddy Mayer surpreendeu-se com as
excentricidades de Hunt e com sua enorme habilidade
em relação ao sexo oposto. Mayer era um tipo reservado,
vivia tranquilamente com a mulher, Sally, e gostava de
ser casado. Para ele, era impossível compreender Hunt.
Quando a notícia da separação de Hunt foi confirmada,
as sul-africanas começaram a se atirar em cima dele.
Primeiro, ele ficou com uma tal de Paddy Norval,
conhecida atriz do cinema sul-africano. Eles passavam as
noites circulando pelas boates de Johannesburgo.
Depois de uma semana na casa de Siegel, Hunt mudou-
se para o Kyalami Ranch — hotel vizinho ao circuito de
Kyalami, onde se hospedavam todos os pilotos de
Fórmula 1. As instalações eram modestas para os
padrões atuais, mas o cenário e o ambiente eram
excelentes. Na época, o hotel era o sonho de um
hedonista: um campo verde com uma piscina imensa,
cercado por construções baixas e informais. Os pilotos
aproveitavam o fato de que havia meninas diferentes a
cada dia, e a regra eram casos rápidos e namoros que
acabavam na manhã seguinte. Lá, eles podiam relaxar e
aproveitar o sol. Além disso, o hotel ficava ao lado do
circuito, e eles iam trabalhar a pé. O Kyalami Ranch era
ponto de encontro do circo da Fórmula 1 nos momentos
em que não havia corrida.
Quando chegou ao hotel, Hunt dispensou Paddy e
começou a ser visto com Carmen Jardin, uma bela
portuguesa que ele conhecera no hotel dias antes.
Carmen acompanhava Hunt ao circuito todos os dias e,
para deleite dos fotógrafos, não perdia uma
oportunidade de se enroscar no piloto.
Niki Lauda chegou no início da semana acompanhado
pela nova noiva, Marlene Knaus. Os dois foram direto
para o Kyalami Ranch. Era a primeira vez que Lauda se
exibia em público ao lado de Marlene. Eles eram
discretos, e pouca gente os via sentados num canto
escuro do bar todas as noites. Quando Lauda estava no
circuito, Marlene ficava no hotel, e quase ninguém sabia
quem ela era. Em outras oca­siões, Lauda circulava pelo
hotel dando beijinhos em Marlene, enquanto Hunt se
esbaldava com Carmen — uma criatura exótica cuja
presença deixava todos excitados.
O contraste entre os comportamentos de Lauda e de
Hunt não poderia ser maior. Lauda era discreto sob todos
os aspectos, e Hunt era exatamente seu oposto.
Enquanto isso, uma novela dramática se desenrolava
na pista. Ronnie Peterson pedira demissão da Lotus, onde
era o piloto número um, e voltara à March, sua velha
equipe. Peterson era o piloto mais bem pago da Fórmula
1, ganhava 250 mil dólares por ano — cinco vezes mais
que Hunt. Ele saiu da Lotus ofendido depois de um atraso
no pagamento do salário, que deveria ter entrado no dia
1o de janeiro. A situação financeira da Lotus era péssima.
O dinheiro era pouco, e a escuderia sobrevivia aos
trancos e barrancos. A recessão mundial atingira em
cheio o grupo Lotus, causando um grave problema de
caixa na empresa.
O contrato de Peterson previa pagamento integral no
dia 1o de janeiro. Em vez disso, Colin Chapman, chefe da
Lotus, havia imposto a Peterson um novo sistema de
pagamento, numa decisão unilateral. Considerando que
havia dezoito corridas marcadas ao longo do ano,
incluindo eventos fora do campeonato, Chapman
começara a pagar Peterson em prestações equivalentes
a 1/18 de seu salário total. Eram parcelas no valor exato
de 13.800 dólares.
Peterson já estava farto de Peter Warr, chefe da equipe,
e não quis nem saber dos problemas da Lotus. Ofendido,
preferiu sair a aceitar os novos termos, e fez um acordo
com Max Mosley para pilotar pela March.
Peterson concluiu que não tinha muito a perder, já que
a nova Lotus 77 não era um carro competitivo e a equipe
não tinha dinheiro para aprimorá-lo. Mario Andretti,
colega de Peterson na escuderia, era contratado por
corrida e recusara o convite para pilotar na África do Sul.
Isso significava que os dois carros da Lotus seriam
pilotados por profissionais sem qualquer chance de
ganhar.
Outra grande mudança no circuito do automobilismo
era o ressurgimento da Hesketh, que agora pertencia ao
ex-dirigente da escuderia, Anthony Horsley. Ele
conseguira ressuscitar a Hesketh com os carros 308,
usados na temporada de 1975, que Alexander Hesketh
lhe dera de presente quando a equipe fechou. Ele criou
um novo negócio, alugando os carros para pilotos
aspirantes à Fórmula 1 dispostos a pagar para dirigi-los.
A operação era apenas uma forma de ganhar dinheiro, e
a nova Hesketh, sob o comando de Horsley, estava
fadada a permanecer no fim do grid. Ele mesmo admitiu:
“Não estávamos mais na frente do grid, tínhamos
perdido o glamour , passado para o fim da fila e caído em
esquecimento. Por outro lado, o saldo de nossa conta
bancária saiu do zero e começou a subir novamente”.
Horsley fora beneficiado por um recente aumento no
fundo reservado para o prêmio em dinheiro e pelo fato
de que parte dos recursos fora alocada em retrospectiva,
tendo como base o desempenho do ano anterior. O
prêmio em dinheiro valia cerca de 70 mil dólares para a
equipe como um todo, e Horsley explorou ao máximo
esse valor. Hunt ficou feliz ao ver Horsley, e a presença
de seu mentor e melhor amigo foi um belo incentivo.
A semana de testes que antecedeu o Grande Prêmio foi
totalmente dominada por Lauda e Hunt, e a Ferrari fez os
melhores tempos todos os dias. Os testes foram uma
prova de força entre os dois homens. No final, Lauda
surgiu como vencedor incontestado.
Mas, quando os testes terminaram e teve início a fase
de classificação, a situação se inverteu; Hunt foi o mais
rápido em todas as quatro sessões classificatórias. Ou a
McLaren tivera uma melhora drástica de desempenho
entre os testes e os treinos classificatórios — o que era
pouco provável —, ou Alastair Caldwell escondera o jogo
durante os testes (e ele conhecia bem essa estratégia).
Havia uma terceira possibilidade: Lauda podia ter
decidido esconder o jogo de Hunt quando os treinos
começaram.
A explicação mais provável era que a McLaren dera a
volta por cima e colhera mais benefícios da fase de
testes. A equipe decidira concentrar-se em Hunt e deixar
Jochen Mass se defender sozinho. Como incontestável
número 1, Hunt passou a receber tratamento de estrela.
Os holofotes da escuderia se voltaram para ele, e os
problemas do passado desapareceram. Com o carro
modificado para se adequar a seu físico, Hunt esqueceu
a decepção. O carro fora totalmente reconstruído para se
ajustar a ele, e o fiasco de Interlagos não se repetiria.
Teddy Mayer chegou a se sentir compelido a pedir
desculpas públicas a Hunt por tê-lo decepcionado no
Brasil.
Hunt se viu então num carro desenvolvido à perfeição,
altamente competitivo, do jeito que Fittipaldi o havia
deixado — e aprimorado pela nova caixa de câmbio com
seis velocidades. Estava claro que o M23 era competitivo
e fora prejudicado por problemas pontuais no Brasil.
Agora, com os problemas finalmente solucionados, o
carro estava muito competitivo, e naquele momento era
exatamente tão veloz quanto a Ferrari de Lauda.
Do ponto de vista pessoal, as coisas também estavam
melhores. Os mecânicos da McLaren já conheciam Hunt e
começaram a gostar de trabalhar para ele, em parte por
conta da imensa quantidade de moças que o piloto
apresentava à turma. Hunt era um ímã que atraía
mulheres para a equipe. Caldwell comentou: “Estávamos
como porcos na sujeira”.
O clima na equipe era totalmente diferente, e estava
claro que a recém-conquistada superioridade da McLaren
na fase de classificação fora impulsionada por duas
importantes mudanças. Em primeiro lugar, havia um
novíssimo sistema de arranque, criado por Caldwell e
colocado no carro exclusivamente para as provas de
classificação. O sistema remoto dava a partida no motor
por energia pneumática, e não a partir da bateria a bordo
do veículo. A redução no peso do carro foi considerável, e
sem dúvida ajudou Hunt na classificação. Em segundo,
saias de plástico foram encaixadas à lateral inferior da
McLaren, melhorando a aerodinâmica do carro. Nenhuma
das duas modificações foi usada na corrida, já que não se
sabia ao certo se eram permitidas.
A Ferrari não sofreu alterações. O carro de Lauda
começou o fim de semana com as mesmas
características que apresentara no Brasil. Durante os
testes, porém, a equipe experimentou um design De
Dion para a suspensão traseira. A mudança reduziu a
velocidade da Ferrari e acabou sendo retirada. O sistema
De Dion tinha sido criado para o novo carro de 1976, o
312T, mas o 312T1 podia ser atualizado facilmente, e a
equipe queria uma vantagem de curto prazo.
Mesmo com todas as modificações feitas no M23,
ninguém duvidava de que a Ferrari seria um carro
superior a longo prazo. Àquela altura, o design do M23 já
tinha quatro anos, e o 312T tinha apenas um. A
superação dessa diferença deixou claras, pela primeira
vez, as qualidades de James Hunt como piloto.
Por isso ninguém se surpreendeu quando Hunt, já
totalmente à vontade com o carro, garantiu a pole
position mais uma vez — e sem grandes esforços —,
tendo Niki Lauda a seu lado na segunda posição. O
desempenho de Jochen Mass foi excelente, e ele ficou em
terceiro no grid; Regazzoni ficou em nono. A surpresa do
treino oficial foi Vittorio Brambilla, no carro da equipe de
fábrica da March. A chegada de Ronnie Peterson à equipe
dera-lhe um empurrão, e sua velocidade nos treinos
reagiu ao incentivo.
No entanto, embora Hunt tivesse sido mais rápido,
Lauda foi a estrela dos treinos classificatórios, graças à
coerência de seus objetivos. A Ferrari era o carro mais
estável do circuito, e enquanto os outros pilotos tinham
de dar duro para marcar bons tempos, Lauda ia com
calma e parecia controlar o volante com o dedo
mindinho. De qualquer modo, Hunt e Lauda eram os
únicos que realmente estavam no páreo, e os demais
não tinham chance. Da mesma maneira, ninguém tinha
dúvidas sobre quem ganharia a corrida.
Mas Lauda estava estranhamente infeliz. Ele disse que
a Ferrari 312T era “uma merda”, e declarou: “Ela
escorrega demais”. Tudo indicava que ele estava
tentando enganar os adversários, e houve quem se
perguntasse se o austríaco não teria deixado Hunt ficar
com a pole de propósito. Hunt estava preocupado com a
largada; suas largadas costumavam ser fracas, enquanto
as de Lauda eram muito fortes. O próprio Hunt disse:
“Ninguém nunca viu Niki fazer uma largada ruim”.
Na manhã da corrida, durante a volta de aquecimento,
Lauda teve problemas com uma falha de ignição que não
tinha conserto. Os mecânicos substituíram o que foi
possível e rezaram para que tudo desse certo.
Seguindo a tradição — Lauda jamais tendo feito uma
largada ruim e Hunt conhecido por largar mal —, os dois
tiveram o comportamento esperado. Lauda deixou Hunt
para trás e saiu voando. A largada de Hunt foi péssima,
garantindo-lhe um mero quarto lugar na primeira volta
(atrás de Lauda, Mass e Brambilla).
Algumas voltas depois, Jochen Mass, que estava em
terceiro, fez sinal para que o líder da escuderia passasse.
Agora restava apenas a March-Ford de Vittorio Brambilla
entre Hunt e Lauda. Na sexta volta, Hunt conseguiu
ultrapassar Brambilla e chegar à segunda posição,
embora permanecesse sete segundos atrás de Lauda.
Aos poucos, ele foi se aproximando, mas em nenhum
momento chegou a ameaçar Lauda de fato. Ao longo da
corrida, a diferença entre os dois variou entre dez e três
segundos.
Na vigésima volta, porém, Lauda começou a ter
problemas. A Ferrari começou a puxar para a esquerda
por causa de um pequeno furo no pneu esquerdo
traseiro. Lauda também sofreu com o ajuste dos freios.
Ele disse: “A cada duas ou três voltas, eu tinha de me
adaptar a um carro totalmente diferente; a cada duas ou
três voltas, eu tinha de definir uma nova estratégia”.
Hunt se aproximou do adversário e percebeu que Lauda
estava com dificuldades. Lauda declarou: “A situação era
o melhor estímulo moral que ele poderia ter, e ele me
perseguiu sem pena”. A apenas duas voltas do fim,
Lauda percebeu que poderia ser alcançado por Hunt. O
destino entrou em cena no momento em que ambos
tiveram de ultrapassar a Penske de John Watson. Lauda
arriscou tudo e acelerou para passar Watson, numa
manobra que pegou Hunt de surpresa. Assim, Hunt
passou a última volta preso atrás do carro de Watson,
que era mais lento, e acabou permitindo que Lauda se
mantivesse em primeiro.
Lauda cruzou a linha de chegada 1,3 segundo à frente
de Hunt. Mass chegou em terceiro, 46 segundos depois.
Lauda impusera mais uma derrota aos adversários, e
agora era franco favorito a um novo título de campeão.
No entanto, a despeito da aparente superioridade de
Lauda, as duas primeiras corridas tinham tocado fogo no
campeonato mundial de 1976, e era evidente que Hunt
não deixaria Lauda fazer o que bem entendesse. No final
da corrida, quando tirou o capacete, Hunt sorria de
orelha a orelha com a segunda colocação.
De uma hora para outra, ele havia se transformado
num concorrente com chances reais ao título, fato que
lhe causou uma estranha surpresa. Hunt dominara os
treinos, mas Lauda dominou a corrida.
7
Os problemas com as mulheres —
e suas soluções
Marlene e Jane
Abril de 1976

O Grande Prêmio da África do Sul de 1976 marcou uma


virada nas vidas pessoais de Niki Lauda e James Hunt.
Lauda apresentou sua noiva — em breve, esposa —
Marlene Knaus. E finalmente ficou claro que o casamento
de James Hunt e Suzy Miller tinha terminado, quando ela
apareceu em público nos braços do ator Richard Burton,
em Nova York.
Solucionar esses problemas pessoais foi um imenso
alívio para os dois homens — principalmente para Niki
Lauda, que se agoniara até conseguir dispensar Mariella
von Reininghaus, sua noiva durante oito anos, e trocá-la
por Marlene Knaus, seu novo amor. Da mesma maneira,
Hunt estava ansioso para que Suzy seguisse o próprio
rumo.
O alívio de Lauda pareceu ainda mais palpável na África
do Sul. Marlene Knaus tinha uma sensualidade meio
etérea; era bonita, mas não linda, e exalava sex appeal .
Alguma coisa nela atraía os homens, por mais que ela
sempre aparecesse com o cabelo preso num coque
austero no alto da cabeça. O penteado lhe conferia a
aparência de uma pessoa com bem mais que seus 24
anos.
Na África do Sul, Lauda e Marlene podiam ser vistos
todas as noites num canto tranquilo do bar do Kyalami
Ranch. Estava claro que eles gostavam de ficar juntos, e
não paravam de trocar olhares cúmplices enquanto
curiosos passavam para cumprimentá-los.
Os dois estavam nervosos. Embora fosse segredo na
Inglaterra, a vida amorosa de Lauda tinha alimentado
boatos na Europa continental ao longo daqueles últimos
meses. Entretanto, diante da falta de evidências ou de
declarações dos principais envolvidos, tudo o que os
jornais diziam não passava de chutes. Mas, em Kyalami,
ficou evidente que Lauda estava com Marlene Knaus.
A notícia não tardou a causar marolas nos círculos
sociais europeus. Durante os oito anos anteriores, Lauda
e Mariella haviam sido um dos casais mais importantes
da Europa. Ele estava receoso de que parecesse que
havia trocado Mariella por Marlene, e foi favorecido pelo
fato de que a nova namorada não chamava muita
atenção. Lauda concluiu que poderia aproveitar para
sentir o clima durante a estadia na África do Sul, onde
estaria longe dos holofotes da imprensa europeia.
Mas ele não havia calculado que a questão Hunt-
Burton-Taylor fosse esvaziar completamente o interesse
por sua história. O falatório em torno de James Hunt era
tamanho que quase ninguém percebeu a nova namorada
de Lauda.
Os jornais só queriam saber da mulher de Hunt,
responsável pelo fim do casamento entre Richard Burton
e Elizabeth Taylor. A situação era perfeita para que Lauda
fizesse uma apresentação discreta de Marlene.
Para aqueles que notavam a novidade, Lauda introduzia
a noiva dizendo apenas: “Esta é a minha garota”.
Curiosamente, o súbito desaparecimento da
companheira de oito anos, da mulher com quem ele
pretendia casar, parecia não exigir qualquer outra
explicação. Lauda vinha saindo com Marlene por pelo
menos seis meses desde o final da temporada anterior, e
Mariella já estava fora de sua vida. Sendo assim, ele
tinha esquecido completamente a noiva, e não fazia a
menor questão de discutir o assunto. Para ele, a
transição foi suave.
Entretanto, longe dos olhos e ouvidos do piloto, a fofoca
e a polêmica corriam soltas. Na verdade, ninguém estava
interessado em Marlene; todos queriam saber o que
acontecera com Mariella.
Quando o rumor se espalhou, Lauda teve de enfrentar
uma reação silenciosa e hostil a Marlene por parte de
outras esposas e namoradas presentes. Diante da
ausência de Mariella, essas mulheres criaram uma frente
de apoio à ex-noiva do austríaco. Elas ficaram
horrorizadas com o comportamento de Lauda e
começaram a tramar para que o antigo casal reatasse.
As mulheres não acreditavam que Lauda tivesse
trocado a linda Mariella por Marlene — uma moça sem
dúvida atraente, mas cuja beleza não chegava aos pés
da de Mariella. John Watson, à época um observador
desinteressado, chegou a descrever Mariella como uma
“porcelana de Dresden”.
O jornalista David Benson, editor de automobilismo do
Daily Express , estava por dentro das novidades e
também criticou a postura de Lauda em relação a
Mariella: “Lauda estava com um parafuso a menos no
circuito emocional do cérebro”. Benson enviou essa
matéria ao jornal, mas descobriu que seu chefe não tinha
qualquer interesse no assunto.
Lauda estava sob fogo de todos os lados, incluindo
críticos que ele jamais imaginara. Um dos mais ferozes
foi o arquiteto responsável pela construção da casa onde
o piloto iria morar. Ao saber que Lauda se separara de
Mariella, ele se recusou a continuar o trabalho. O
arquiteto disse a Lauda: “Que golpe sujo. Eu queria
construir uma casa para você e para Fraulein
Reininghaus”. Ele completou informando que não
terminaria a casa em protesto contra a forma como
Lauda tratara a noiva. A opinião do arquiteto refletia a de
muita gente: todos tomaram o partido de Mariella, e
alguns foram muito hostis em relação a Marlene.
Entretanto, as pessoas passaram a gostar de Marlene à
medida que a conheciam. Foi o caso de David Benson,
que disse: “Quando o circuito da Fórmula 1 ainda tratava
Marlene com desdém, acreditando que ela não passava
de uma garota qualquer que Lauda encontrara por aí,
criei um relacionamento amigável com ela”. Benson
percebeu que Marlene era mais do que um caso
passageiro, embora naquele momento ainda não
suspeitasse da seriedade da relação do casal.
Mesmo tendo saído de cena em silêncio, Mariella era
extremamente querida no mundo da Fórmula 1, e
algumas pessoas estavam determinadas a salvar o
noivado. Na verdade, muita gente fazia esforços para
que isso acontecesse. As mulheres e namoradas
trabalharam com afinco nos bastidores para despachar
Marlene e recolocar Mariella ao lado de Lauda. Elas
acreditavam que, caso Lauda se sentisse pressionado e
percebesse a reação das pessoas diante da notícia da
separação, ele se daria conta do erro que cometera.
Durante algumas semanas, houve uma boataria
inflamada sobre uma possível reaproximação entre
Lauda e Mariella.
Nina Rindt, viúva de Jochen Rindt, foi mais direta:
convidou as pessoas para uma festa na qual esperava
unir o casal novamente. O evento foi realizado na casa
de Nina, com vista para o lago Genebra. Helen Stewart,
mulher de Jackie Stewart, ofereceu-se para falar tanto
com Mariella quanto com Lauda, num esforço para curar
as feridas. Helen foi eleita pelas demais para fazer uma
intervenção direta. Mas havia um problema: todas elas
estavam trabalhando com a ideia de que Lauda e
Marlene haviam acabado de se conhecer. Não tinham
ideia do que acontecera no ano anterior, em Reading. E
também não contavam com a reação de Lauda ao plano.
No dia seguinte, quando ficou sabendo da cúpula
feminina e da festa no lago Genebra, Lauda decidiu agir.
Ele não queria chamar a atenção da imprensa, e sabia
que os jornalistas da Áustria e da Alemanha ficariam ao
lado de Mariella e contra ele. Assim, foi com a máxima
discrição que ele se dirigiu a um cartório em Vienna-
Neustadt e casou-se com Marlene. O tabelião concordou
em realizar uma cerimônia especial fora do horário de
expediente. Por mais surpreendente que possa parecer, o
enlace permaneceu secreto durante quase um mês.
Quando os jornalistas finalmente descobriram, a notícia
já era fato consumado, e tornou desnecessário qualquer
novo boato.
Diante disso, a ideia da reaproximação acabou e
Mariella foi esquecida. James Hunt continuou dominando
as manchetes, numa situação perfeita para Lauda.
E as manchetes continuavam a surgir, já que a história
de Hunt era bem mais apetitosa que qualquer coisa que
Lauda fizesse entre quatro paredes.
A presença de Richard Burton e sua mulher, a atriz
Elizabeth Taylor, em Gstaad naquela virada de ano entre
1975 e 1976, no mesmo período em que lá estavam
James Hunt e Suzy Miller, fora pura coincidência.
Embora o casal Hunt tivesse concordado em passar
junto as festas de fim de ano, a rigor o casamento estava
terminado desde meados daquele ano. Hunt passara boa
parte do verão com Jane Birbeck, em Londres, enquanto
Suzy circulava por Marbella decidindo o que fazer da
vida.
Quando chegaram a Gstaad, Suzy e Hunt foram cada
um para o seu lado e mal se viam. Hunt estava treinando
a sério para a temporada de 1976, e passava o dia
inteiro na academia ou correndo. À noite, ele não bebia
e, consequentemente, não se socializava. Hunt era
diferente sem álcool. Mas Suzy sabia que ele se
encontrava sorrateiramente com moças locais durante o
dia, e ficou deprimida pela primeira vez. Ela passava as
horas caminhando sozinha por Gstaad. Hunt ficava infeliz
por vê-la infeliz, e torcia para que a situação se
resolvesse. Num impulso, Suzy decidiu permanecer em
Gstaad após o marido haver tomado um avião para a
América do Sul no início de janeiro, para correr no
Grande Prêmio do Brasil. Gstaad era divertida em janeiro,
e Suzy estava precisando de um pouco de diversão.
Ela sabia muito bem que Burton e Elizabeth também
estavam lá — todo mundo sabia. Eles eram o par mais
famoso do mundo, e em outubro de 1975 haviam se
casado pela segunda vez. Mas Suzy tinha ouvido boatos
de que a reaproximação dos dois não estava indo bem.
Ela sempre achara Richard Burton atraente, e tinha uma
conexão ­distante com ele, por intermédio de seu amigo
Brook Williams, o assessor mais próximo de Burton, e ela
acreditava que um dia poderia ser apresentada ao ator.
Mas Suzy jamais poderia esperar o que estava por vir.
Ela viu Burton pela primeira vez ao cruzar com ele num
teleférico, em uma pista de esqui, quando cada um ia
para um lado. Os dois trocaram um olhar, e ela sorriu.
Burton respondeu com aquele sorriso que era sua marca
registrada, e a atração foi instantânea. Ele reconheceu os
sinais, e ela lhe causou uma forte impressão. Depois que
Suzy passou, Burton se virou para Williams e perguntou:
“Quem é aquela miragem que acaba de passar por
aqui?”.
Burton ficou vidrado, conforme ele mesmo admitiu mais
tarde: “Virei para o lado e vi uma criatura belíssima,
muito alta. Ela era de parar o trânsito.” Burton pediu
para ser apresentado a ela, e encarregou Brook Williams
de cuidar disso. O assessor disse que providenciaria um
encontro.
Burton e Elizabeth estavam hospedados na casa dela
em Gstaad, o Chalé Arial. Williams logo armou um novo
encontro, e convidou Suzy para uma festa no château .
Suzy foi rápida: descobriu que o casal estava
praticamente separado e que a reaproximação não tinha
dado certo. Eles dormiam em quartos separados, em
lados opostos da mansão.
O caso entre Burton e Suzy começou quase
imediatamente. Desde o dia em que foram apresentados,
eles se tornaram praticamente inseparáveis. Ele tinha 50
anos; ela, 26. Burton relembrou: “Ela começou a vir à
nossa casa duas, depois três e quatro vezes por
semana”.
Num certo momento, Elizabeth Taylor reparou na
inglesinha que aparecia todos os dias. Ela percebeu na
hora o que estava acontecendo, e disse a Suzy: “Você
não dura mais de seis meses com Richard”. Ao que Suzy
respondeu: “Pode ser, mas esses seis meses vão valer a
pena”. Diante disso, Liz saiu e arrumou um novo
namorado na boate da cidade, abrindo caminho para que
Suzy e Burton ficassem desimpedidos.
Burton convidou Suzy para ir a Nova York, onde ele
participaria da montagem da peça Equus , de Peter
Shaffer, na Broadway. Ela aceitou, mas disse que teria de
pedir permissão ao marido.
O namoro avançava, e Suzy mantinha James Hunt a par
da situa­ção, nos telefonemas que fazia para o Brasil.
Dizer que Hunt ficou feliz com a notícia não faria jus à
reação do piloto ao saber da novidade. Na verdade,
quando ela disse ao marido que havia sido convidada por
Burton para ir a Nova York, ele respondeu: “Que ótimo,
divirta-se”. Burton recebeu críticas entusiasmadas pela
atuação em Equus , e só se falava dele em Nova York.
Mas, como era de se esperar, os jornalistas começaram a
fazer perguntas sobre a loira que circulava com ele para
cima e para baixo. A imprensa não sabia quem ela era, e
os jornais de Nova York publicavam fotos sem legendas
de identificação.
Ao sair do Brasil e voltar para casa, Hunt encontrou
tudo vazio. Àquela altura, Suzy passava boa parte do
tempo com Burton em Nova York. Algumas semanas
depois, Hunt foi para a África do Sul, aonde chegou bem
antes do Grande Prêmio. E logo já estava desfilando por
Johannesburgo na companhia de várias mulheres. Tudo
isso acontecia enquanto o resto do mundo ainda achava
que Hunt e Suzy eram um casal feliz.
A certa altura, a imprensa nova-iorquina descobriu que
a bela loira era esposa do piloto James Hunt, e que fora
ela a responsável pelo fim do casamento de Burton e
Elizabeth Taylor. A notícia monopolizou a imprensa
durante a última semana de fevereiro de 1976.
O fato tornou-se público, e Suzy e Burton deixaram de
ser segredo. Mas Hunt estava prestes a ser pego de
surpresa na África do Sul. De uma hora para outra, ele
começou a ser perseguido por jornalistas que chegaram
ao país com o único objetivo de fazer matérias sobre o
assunto. O hotel ficou sitiado por uma horda de
repórteres e fotógrafos ansiosos, nenhum dos quais
estava interessado na corrida. Alastair Caldwell relembra:
“O interesse da imprensa explodiu de repente. Estavam
lá o Sydney Morning Herald e o Punjabi Times , todos os
jornais diários do mundo, até do México. Eles queriam
nos entrevistar e falar com James. Chegavam às pencas
nos aviões”. A coisa ficou tão feia que Hunt teve de
mudar de hotel.
David Benson saiu na frente mais uma vez, e deu o
maior furo da história do caderno de entretenimento do
Daily Express . Escreveu um texto que estampou a
primeira página do jornal no dia 26 de fevereiro de 1976.
A manchete dizia: “Suzy vai casar com Burton”. E, em
seguida: “Suzy Hunt, mulher do piloto britânico de
automobilismo James Hunt, está tentando um processo
rápido de divórcio nos Estados Unidos para poder se
casar com Richard Burton. O episódio ocorre após o
recente rompimento do ator com Liz Taylor, com quem
Burton foi casado duas vezes. Suzy tem 27 anos, e ela e
o ator estão hospedados no mesmo hotel em Nova York.
Burton também tem pressa para se divorciar”.
O artigo concretizou e oficializou a notícia. James Hunt
finalmente se livrara do casamento e estava oficialmente
solteiro de novo. Para comemorar, foi à academia para
uma das sessões de ginástica mais prazerosas de sua
vida. Passados exatos dezesseis meses do dia em que se
casara com Suzy, em Londres, ele estava livre.
Richard Burton ligou para Hunt em Kyalami, com a clara
intenção de pedir desculpas pelo ocorrido. Hunt contou
que Burton parecia constrangido e sem palavras ao
telefone, e achou aquilo estranho. O piloto garantiu que
não estava chateado — ao contrário, estava encantado
com a situação.
Burton não acreditou na calma com que Hunt falou
sobre a separação. Ele havia esperado que o piloto fosse
tratá-lo com amargura, e que ficaria arrasado. Mas Hunt
disse apenas: “Relaxa, Richard. Você me fez um grande
favor ao assumir a conta mais cara do país”. Confuso e
um tanto aliviado, Burton colocou o telefone no gancho,
virou-se para Suzy e sorriu. Ela disse: “Eu te falei que o
James levaria isso numa boa”.
Quando a novidade se espalhou, Hunt conversou com
os jornalistas num tom leve: “Fiquei aliviado ao saber que
ela estava com Burton. Na verdade, isso diminui o
número de problemas que tenho de enfrentar fora das
pistas. Minha principal preocupação é que todos saiam
dessa história felizes e tranquilos”. Com efeito, era
impossível disfarçar o alívio de Hunt com o episódio, e
ele confessou: “Prefiro estar sozinho nas corridas. Sabe,
cuidar de mim mesmo já dá muito trabalho. Mal dou
conta de me controlar num dia de corrida, imaginem
então quando preciso cuidar de outra pessoa, com mais
preocupações e responsabilidades. Quando quero dormir
cedo antes da corrida, ou se preciso de algumas horas
para relaxar e me distrair antes do jantar, não há nada
melhor que ler um livro ou ouvir música. Por isso é
melhor estar sozinho”. Decidido a não ceder novamente
à tentação do casamento, ele declarou: “Ao mesmo
tempo, existe um lado bom em ainda estar oficialmente
casado. É uma válvula de segurança que me impede de
fazer besteira novamente”.
Hunt voltou de Johannesburgo direto para a casa dos
pais, em Londres. Havia se comprometido a participar da
Race of Champions, uma corrida amistosa que seria
realizada no circuito de Brands Hatch. Naqueles dias,
decidiu que precisava encontrar Burton e definir os
termos do divórcio. Hunt estava ansioso para que tudo
desse certo e Suzy não voltasse a ser responsabilidade
sua. Também queria resolver a parte financeira da
separação e descobrir quanto o divórcio lhe custaria.
Depois da corrida, pegou um helicóptero direto de
Brands Hatch para o aeroporto de Heathrow, em Londres.
Tomou um voo para Nova York, com o objetivo de acertar
pessoalmente os detalhes com Burton. Chegando aos
Estados Unidos, Hunt se viu cercado mais uma vez por
fotógrafos e jornalistas que faziam perguntas sobre
Burton e sua mulher, e ficou nervoso com a situação.
Durante o encontro, Burton agradeceu a Hunt por tê-lo
deixado ficar com Suzy. Para surpresa do piloto, o ator
disse que pagaria pelo divórcio e daria a Suzy a quantia
que cabia a Hunt pagar pela separação. O ator calculou
que ela teria direito a 500 mil dólares, e pagou esse valor
a Suzy, em nome de Hunt. O piloto não gastou um
centavo com o divórcio, e ficou impressionado com a
sensibilidade de Burton. Simpatizou com o ator e disse
que esperava revê-lo em breve.
Pouco depois, Suzy voltou a Londres e foi entrevistada
por David Benson: “O que eu mais quero agora é
encerrar a separação com toda a dignidade e amizade
possíveis. James e eu ainda somos amigos, e espero que
continuemos assim. Ele fez tudo o que pôde para não me
magoar. ­Felizmente, tudo correu da melhor maneira para
todos nós. James está feliz, e eu estou feliz. Pode parecer
piegas, mas escreva isso, David: ‘Ele [Richard] é uma
pessoa muito especial, e estamos muito, muito felizes
juntos’”.
A novela terminou em junho de 1976, em Porto
Príncipe, capital do Haiti. Burton conseguiu oficializar os
dois divórcios no mesmo dia: entre ele e Elizabeth Taylor,
e entre Hunt e Suzy. A lei haitiana permitia que
estrangeiros se divorciassem em um único dia.
No dia 21 de agosto, um sábado, Suzy e Burton se
casaram em Arlington, na Virginia. A Virginia era um dos
três estados norte-americanos que reconheciam os
divórcios realizados no Haiti. No exato momento do
casamento, Hunt descansava na Escócia, jogando golfe
em Gleneagles. Para deixar registrado, ele declarou a um
jornalista local: “Richard Burton apareceu e resolveu
tudo. Aprendi muito sobre mim mesmo e sobre a vida, e
acho que Suzy também aprendeu. No final das contas,
estamos todos felizes, e não se pode dizer o mesmo de
muitos casamentos por aí”. Foi a libertação final de Hunt.
Depois, ele disse: “Pela primeira vez, estou satisfeito com
minha vida pessoal. Suzy é a grande responsável por
isso”.
Susan Hunt, mãe de James, deu a palavra final. Deixou
claro que estava totalmente do lado de Suzy. Susan sabia
muito bem quem era culpado pelo fracasso do
casamento e admitiu: “Suzy é linda, a maioria das
mulheres de James é linda. Mas entendo que para ele
seja impossível ser casado. Não cabe na vida que ele
leva. Eu o amo muito, mas sei que seria péssimo tê-lo
como marido”.
O casamento de Burton e Suzy abriu caminho para que
James apresentasse Jane Birbeck como sua nova
namorada.
Na verdade, Hunt e Jane estavam juntos havia mais de
seis meses. Mas, por respeito a Suzy, ele decidira manter
a discrição.
Os dois haviam se conhecido um ano antes. Na época,
Jane estava tendo um caso com o norte-americano Mark
McCormack, de 45 anos, presidente do International
Management Group (IMG), a maior empresa mundial de
patrocínio e agenciamento esportivo. O IMG cuidava de
alguns negócios de Hunt, e ele viu Jane pela primeira vez
a distância, no escritório da empresa em Londres,
quando ela ainda estava com McCormack.
O empresário era uma lenda do esporte, tido como o
homem mais poderoso do setor. Era responsável pelas
principais estrelas do golfe e do tênis mundial, e
escrevera o best-seller O que ainda não se ensina na
Harvard Business School . O livro, que vendeu milhões de
exemplares, ensinava a negociar contratos e acordos.
Mas McCormack era casado com Nancy Breckenridge,
com quem tinha três filhos pequenos, que moravam em
Cleveland. Nancy era dona de casa, cuidava das crianças
e nunca acompanhava as viagens do marido. McCormack
era discreto, e ela nunca perguntou — nem nunca lhe
contaram — o que ele fazia.
McCormack e Jane haviam se conhecido no escritório
do IMG em Londres. Mas o relacionamento entre eles não
era sério, a exemplo do caso entre Curt Jurgens e
Marlene. Tudo indicava que McCormack tinha uma
namorada em cada porto, e Jane era sua garota em
Londres. Quando ela começou a se aproximar de Hunt,
McCormack não impediu, da mesma maneira que Jurgens
não impedira a união de Marlene e Lauda. A despeito da
fama que tinha no mundo dos negócios, McCormack era
um cavalheiro e um sujeito muito sensato, e percebia
que Jane não se sentia à vontade saindo com um homem
casado, com três filhos. Por isso, saiu de cena.
O primeiro encontro entre Hunt e Jane foi num torneio
de gamão no Clube Marbella, na Espanha. Ele se sentiu
atraído por ela já ­naquele dia. Na saída do clube, Jane
disse a James que voltaria para Londres com McCormack
no dia seguinte, mas pediu que ele a procurasse quando
estivesse na Inglaterra.
Ao voltar para Londres, Hunt de fato a procurou; e
assim teve início um relacionamento que acabaria
durando mais de meia década. Tudo começou devagar,
como deve ser — o que era raro em Hunt. Seis meses se
passaram entre o primeiro encontro com Jane e o dia em
que eles foram para a cama. Hunt queria ter certeza de
que McCormack estava realmente fora do jogo, e só
avançou quando soube disso.
Ao relembrar a demora de Hunt em tomar uma atitude,
Jane contou: “Ele custou tanto a dar em cima de mim
que tive certeza de que ele era gay. Foi uma conquista
meio bizarra. Tínhamos muito assunto, mas só
conversávamos. Ele gostava de falar, e passávamos
horas ao telefone. Quando nos encontrávamos, saíamos
para jantar e ficávamos conversando até de madrugada.
Não havia pressa para entrar num relacionamento
permanente, principalmente por parte dele”.
Na época, Jane tinha 24 anos e era linda. Sua beleza
costumava ficar escondida, porque ela se vestia como
um garoto. Mas, quando se arrumava, era uma mulher
impressionante. John Richardson, amigo de Hunt, disse
que ela era “muito fria, muito inglesa, uma jovem feita
de gelo”. Hunt logo lhe sapecou um apelido: “Ventre
Quente”, mais tarde abreviado para “Quentinha”. O
apelido pegou na imprensa britânica, e Jane nunca
conseguiu se livrar dele. Richardson relembra: “O apelido
pegou, e a imprensa começou a usá-lo também”. Gerald
Donaldson descreveu-a como “aventureira e divertida...
dona de um charme feminino muito evidente”.
Jane era filha de um militar — brigadeiro — chamado
Nigel Birbeck. A família tinha uma situação confortável, e
ela estudou num colégio interno em Kent. O pai ficara
conhecido na época em que fora vice-comandante da
fortaleza de Gibraltar, onde a família viveu por muitos
anos. Jane passou a infância na Costa del Sol, e, quando
a família voltou para a Grã-Bretanha, ela foi morar em
Buckinghamshire. Na época, começou a passar bastante
tempo em Londres. Trabalhou durante um período como
au pair , e depois foi fazer um curso de secretariado.
Hunt e Jane começaram a se ver regularmente a partir
do fim de 1975, sempre que ele estava em Londres. Ela
evitava ir à Espanha, uma vez que Hunt ainda era
oficialmente casado com Suzy Miller e o casal vivia junto
na casa de Marbella. Jane tinha pavor de ser vista como a
mulher que acabara com o casamento de Hunt.
No entanto, o sigilo tornou-se desnecessário no início
de 1976, quando o relacionamento entre Suzy e Richard
Burton veio a público. Hunt e Jane viraram um casal, e
começaram a ser fotografados juntos. A princípio,
ninguém sabia quem ela era, e Hunt não tinha pressa de
informar os paparazzi .
Mas o relacionamento foi ficando mais sério e
apaixonado. Ela tinha uma personalidade furiosamente
independente, e Hunt adorava esse antídoto à carência
de Suzy. Ele sempre achou que seu casamento fracassara
por culpa de sua incapacidade em atender à constante
demanda de Suzy por atenção. Jane Birbeck não fazia
esse tipo de exigência, e era completamente diferente de
Suzy. Embora não tivesse o garbo ou a presença etérea
da antecessora, ela tinha um estilo boêmio e inegável
sex appeal , e Hunt gostava disso. Ele disse: “Jane tem
personalidade forte — a mais forte que já vi, e a única
capaz de fazer frente à minha força. Por isso, nosso
equilíbrio é tão bom. Nunca quis fazer gato e sapato das
mulheres, mas é impossível não ser dominador quando
se tem uma personalidade forte. O problema é que o
relacionamento acaba quando isso acontece. Não quero
ninguém vivendo em função de mim”.
E assim os dois pilotos, felizes por motivos
completamente diferentes, puderam se concentrar na
grave questão da luta pelo título mundial de Fórmula 1 —
agora ao lado de novas companheiras e com a vida
amorosa resolvida.
8
A Ferrari fatura três seguidas
Um homem nervoso perde as estribeiras
Long Beach: 26 a 28 de março de 1976

James Hunt pegou um voo de Johannesburgo para


Londres, para participar da Race of Champions, uma
corrida amistosa em Brands Hatch, na Inglaterra. Ele foi
do aeroporto de Heathrow direto para a casa dos pais, no
condado de Surrey, não muito longe do circuito.
A casa dos pais era um porto seguro onde Hunt podia
se proteger dos jornalistas, ávidos por notícias sobre o
casamento que se despedaçava.
Lauda e Hunt mediram forças em Brands Hatch, e os
dois queriam usar a corrida como teste para o Grande
Prêmio da Inglaterra, marcado para meados do ano
naquele mesmo circuito.
Para surpresa geral, nem Hunt nem Lauda dominaram
os treinos classificatórios, e Jody Scheckter venceu, a
bordo de seu Tyrrell-Ford. Lauda teve de se contentar
com a segunda posição, e Hunt ficou em quinto. Durante
a corrida, entretanto, os dois dominaram; Hunt superou
Lauda sem deixar margem para dúvidas, numa luta que
pela primeira vez foi justa — embora Lauda tenha
abandonado a prova depois de dezessete voltas, por
causa de problemas nos freios.
Após a corrida, Hunt pegou um helicóptero direto para
o aeroporto de Heathrow, em Londres, e foi para Nova
York discutir os termos do divórcio com Suzy. Foi nessa
ocasião que encontrou Richard Burton pela primeira vez.
De Nova York, ele tomou um voo para Los Angeles. Um
micro-ônibus da Marlboro foi buscá-lo no aeroporto
internacional e levou-o direto à cidade de Long Beach,
onde seria realizada a primeira edição do Grande Prêmio
de Long Beach, num circuito de rua.
O voo entre Nova York e Los Angeles foi ruim, e Hunt
havia tomado um monte de analgésicos para combater
uma dor de cabeça — causada, provavelmente, por uma
pesada sessão de bebedeira com Burton antes do
embarque. Hunt estava com uma forte dor de estômago,
e chegou ao hotel de Long Beach em péssima forma.
Felizmente, ele ainda teria alguns dias para se recuperar.
O Grande Prêmio de Long Beach era um evento novo.
Seria a segunda corrida realizada nos Estados Unidos,
num circuito de rua em Long Beach, subúrbio pouco
conhecido de Los Angeles. Long Beach era vista como a
versão norte-americana do Grande Prêmio de Mônaco.
Mas a proximidade com o mar era a única semelhança
entre os dois lugares. O porto de Long Beach era
asqueroso, e os prédios da região estavam decrépitos. O
centro da cidade consistia em hotéis decadentes,
edifícios residenciais sujos e armazéns antigos — alguns
convertidos em cinemas pornô. O circuito era feito de
asfalto gasto, rodeado por muros de concreto e grades
de proteção verticais. Em última análise, Long Beach era
uma cidade praiana, decadente e barata, e não tinha
nada a ver com Mônaco. O local era conhecido como
porto de aposentadoria do transatlântico Queen Mary ,
da linha de cruzeiros Cunard, que fora convertido em
hotel.
Realizar uma corrida ali havia sido um sonho
improvável de um personagem improvável chamado
Chris Pook, um inglês expatriado e um oportunista de
barba grisalha. Ele nunca tinha dinheiro, mas dera um
jeito de arrecadar recursos com as autoridades locais de
Long Beach para pagar 500 mil dólares à FOCA de Bernie
Ecclestone e receber o evento. Assim, Pook transformou
em realidade o sonho de ter um Grande Prêmio do
Campeonato Mundial realizado nas ruas de Long Beach.
A prefeitura local estava interessada em promover o
turismo, e tinha usado como teste uma corrida menor,
organizada por Pook no ano anterior.
Entretanto, a despeito dos esforços de Pook, a poucas
horas do fim de semana ainda havia dúvidas sobre a
viabilidade de garantir condições mínimas de segurança
ao longo dos 3,2 quilômetros da pista. Mas esse era um
desafio que se aplicava a todos os circuitos de rua.
Niki Lauda e a equipe da Ferrari tinham grandes
expectativas para Long Beach. O chassi do 312T, com
uma distância menor entre os eixos, era ideal para os
estreitos circuitos de rua, e Lauda costumava compro­-var
sua habilidade ao volante nas pistas mais apertadas. Por
outro lado, James Hunt e a equipe da McLaren não
contavam com um bom desempenho na pista estreita e
sinuosa de Long Beach, com seus guardrails a poucos
centímetros dos carros em movimento. A McLaren-Ford
M23 não era adequada para pistas lentas e curvilíneas:
com uma distância maior entre os eixos, ela fora
projetada sobretudo para as pistas rápidas da Europa.
Além disso, Hunt detestava circuitos de rua, e mesmo já
tendo feito três tentativas, nunca havia terminado o
Grande Prêmio de Mônaco.
Por isso, quando os treinos de classificação chegaram
ao fim, Hunt ficou surpreso com seu terceiro lugar, atrás
da Ferrari de Regazzoni e do Tyrrell-Ford de Patrick
Depailler. Algo era ainda mais surpreendente: seu tempo
fora melhor que o de Lauda.
Lauda teve dificuldades durante toda a fase de
classificação. Foi a primeira vez em muitas corridas que
ele não emergiu como uma grande potência, e teve de
aceitar um lugar ao lado de Hunt, na segunda fila do grid.
No final, a diferença entre os três primeiros carros era de
apenas três décimos de segundo. Hunt contou: “Foi um
daqueles treinos em que todo mundo estava cada vez
mais rápido, e um era tão bom quanto o outro. Nós
quatro tínhamos sido rápidos, com tempos que variaram,
e não era possível escolher um piloto melhor”. Lauda
disse apenas: “Eu tive muitos problemas”.
Lauda estava sob tremenda pressão em Long Beach.
Com seu jeito tranquilo, os fãs californianos esperavam
mais dos pilotos naquela corrida do que em qualquer
outra. Lauda se recusou a participar de sessões oficiais
de autógrafos, o que aborreceu Chris Pook. Ele pediu um
dinheirão para comparecer, e Pook se recusou a pagar. O
austríaco declarou: “Para comparecer a uma sessão de
autógrafos, eu tenho de me obrigar. É um trabalho
penoso, e confesso que pedi um preço alto”. E
acrescentou: “Trata-se de uma regra básica do mundo
dos negócios: conheça seu valor de mercado. Afinal de
contas, as pessoas não me pagariam tanto dinheiro se eu
não valesse a pena”.
Mas a Ferrari estava atravessando questões políticas
mais complexas que sessões de autógrafos. Numa
atitude inesperada, Daniele Audetto chamou Lauda num
canto, quando os dois estavam na Califórnia, para dizer
ao austríaco que ele já tinha “ganhado corridas
suficientes” e que agora era a “vez” de o colega de
equipe Clay Regazzoni receber a bandeira quadriculada.
Audetto declarou que Regazzoni também “tinha o direito
de ganhar”.
Pasmo, Lauda respondeu: “Você pirou? Preciso desses
pontos para ganhar o campeonato”.
Audetto partia do pressuposto de que o título mundial
estava ganho. Mas Lauda pediu que ele esquecesse essa
ideia, e insistiu que o dirigente não compreendia as
sutilezas da Fórmula 1.
Lauda se recusou a deixar Regazzoni vencer, e
despediu-se de Audetto num clima de animosidade. A
situação continuava mal resolvida. Entretanto, o desejo
de Audetto acabou se realizando por acaso: Clay
Regazzoni dominou os treinos oficiais e garantiu a pole
position sem dificuldade.
Livre da pressão, James Hunt teve uma largada melhor
que o habitual. Regazzoni saiu na frente, seguido por
Patrick Depailler e Hunt — Lauda, na quarta posição.
Hunt ultrapassou o Tyrrell-Ford de Depailler logo de
saída e foi atrás de Regazzoni. No entanto, uma bolha de
vapor se formou no sistema de combustível, e o motor
Ford Cosworth começou a ratear. Depailler aproveitou
para ultrapassar Hunt novamente. O motor voltou a
funcionar, mas os esforços de Hunt foram interrompidos
na terceira volta: no momento em que ele tentava mais
uma vez passar à frente do Tyrrell de Depailler, o francês
deu uma guinada súbita, após aparentemente atingir
uma barreira de proteção, e empurrou sem querer a
McLaren para fora da pista. O carro de Hunt foi
arremessado contra o muro, com o bico virado para a
frente. Como estava em baixa velocidade, não houve
grandes estragos. Todos esperavam que Hunt sacudisse
a poeira e continuasse a prova, mas ele não se mexeu. O
que a plateia não sabia era que Hunt fora tomado por um
acesso de raiva, e decidira ficar parado, remoendo-se no
cockpit. Parecia que ele havia decidido bancar a vítima, e
por alguns momentos perdeu a capacidade de raciocinar.
Finalmente, ele soltou o cinto de segurança com um
gesto furioso e saltou para fora do carro. Foi até o meio
da pista e ficou ali, parado, mais ou menos na “linha de
tiro” dos carros. Depois começou a fazer movimentos
irados e a xingar Depailler. Hunt ficou ali durante três
voltas, mas acabou arrastado para fora da pista por
brutamontes da polícia norte-americana. A ridícula
demonstração de truculência foi observada pelos outros
pilotos, incluindo Lauda — que sorria com desprezo por
trás do visor do capacete, constatando a burrice
cometida pelo rival.
Lauda herdou a segunda posição e nela ficou pelo resto
da corrida, atrás de Regazzoni. Ele até poderia ter
tentado pressionar o suíço para ultrapassá-lo, mas, a
quinze voltas do fim da prova, a caixa de câmbio de sua
Ferrari começou a fazer barulhos estranhos, e Lauda
achou melhor não forçar a barra. Reduziu em até três
segundos o tempo de suas voltas, e Regazzoni afastou-se
ainda mais.
No final, Regazzoni e Lauda cruzaram a linha de
chegada rumo à vitória, garantindo as duas primeiras
posições para a Ferrari. Depailler, que continuou firme,
ficou em terceiro. Lauda admitiu a própria sorte e
declarou: “Eu tive de me segurar para terminar a prova”.
Mas as maiores emoções ainda estavam por vir.
Enquanto Lauda e Regazzoni comemoravam a primeira
dobradinha da Ferrari no ano, Daniele Audetto circulava
pelos boxes fazendo pose ao lado da mulher, a elegante
Delphine. Lauda caçoou: “É claro que ele não cabia em si
de tanta felicidade, e caminhava mais exibido do que
nunca”.
Hunt, por sua vez, não conseguira se acalmar naquele
intervalo de duas horas. Na verdade, tinha ficado ainda
mais furioso. Após a corrida, ele se livrou dos seguranças
e invadiu a entrevista coletiva. Diante de jornalistas do
mundo inteiro, ele pegou Patrick Depailler de surpresa,
segurou-o pelo colarinho e perguntou que raios ele
achava que tinha feito. A reação de Depailler só fez
aumentar o ódio de Hunt, que berrava: “Que burrice
descomunal. Eu estava do seu lado, você me viu e
simplesmente jogou o carro. Você me empurrou para
fora, fez uma tremenda lambança. Quando a gente faz
uma lambança, a primeira coisa que deve fazer é olhar
onde estão os outros. Antes de mais nada, você precisa
aprender a pilotar aquela merda de carro”. Depailler
respondeu: “Olha, James, estou muito chateado com o
que aconteceu. Sinto muito”. E saiu da sala. Do lado de
fora, Hunt disse aos jornalistas que Depailler era um
“pilotinho maluco” que havia lhe roubado um segundo
lugar garantido.
A maioria das pessoas tomou o partido de Depailler, e,
na semana seguinte, a imprensa publicou comentários
extremamente negativos sobre James Hunt. Até Jody
Scheckter, amigo de Hunt, teria dito que o ataque foi
uma “tremenda bobeira”.
A estocada final veio da própria McLaren. Quando os
mecânicos da escuderia trouxeram o carro do piloto de
volta para o box, viram que o único estrago havia sido
um amassado no bico, e disseram a Alastair Caldwell que
o carro estava em perfeitas condições de competir. Era
evidente que Hunt poderia ter continuado a prova —
bastava não ter tido aquele ataque de fúria e de
petulância, que acabou privando-o da capacidade de
raciocinar.
Já era quase noite e Hunt continuava reclamando para
os jornalistas. Num certo momento, ele acabou
admitindo que cometera um erro ao tentar ultrapassar
Depailler naquela curva. Mesmo assim, ainda culpava o
francês pelo acidente.
Alastair Caldwell e Teddy Mayer, porém, estavam
furiosos com Hunt pelo abandono prematuro da prova.
Toda a boa vontade da direção da equipe que ele havia
conquistado se desfez com aquele episódio.
As esperanças de conquistar o título mundial também
se desfizeram: Lauda deixou os Estados Unidos com 24
pontos, enquanto Hunt somava apenas seis. Hunt não
estava nem na segunda ou na terceira posição da tabela
de classificação do campeonato mundial — não era nem
o quarto colocado. Era uma situação claramente
desesperadora, e àquela altura ele já estava aflito para
conquistar uma vitória para a McLaren. Hunt declarou:
“Preciso vencer para dar um susto em Niki, e preciso
vencer para saber que posso fazê-lo”.
James Hunt ainda estava fulo da vida ao voltar para a
Grã-Bretanha, onde iria participar do International Trophy
Formula One, uma corrida amistosa no circuito de
Silverstone. Niki Lauda não compareceu, e a Ferrari
mandou apenas um carro com um piloto reserva. Livre de
qualquer pressão, Hunt venceu com louvor. Numa
perfeita demonstração de sua habilidade como piloto, ele
dominou a prova de ponta a ponta, diante de 75 mil
torcedores que gritavam enlouquecidos.
O International Trophy tinha sido rebatizado como
Graham Hill Trophy, em homenagem ao falecido
campeão. O troféu foi entregue a Hunt por Bette Hill, e
tempos mais tarde ela contou que, no pódio, o piloto
sussurrou em seu ouvido: “Se eu conseguir conquistar
uma pequena parte do que Graham fez na vida, serei um
homem feliz”. Já o jornalista Ian Phillips, da revista
Autosport , escreveu: “Hunt demonstrou um estilo
impecável, dentro e fora da pista, o que deve calar de
uma vez por todas as críticas infantis da imprensa”.
David Benson, editor de automobilismo do Daily
Express , também testemunhou tudo e disse: “James deu
uma das mais impressionantes demonstrações de
destreza em alta velocidade que já vi na Fórmula 1.
Desde o momento em que entrou na pista para o
primeiro treino de sábado, ele foi inquestionavelmente
mais rápido. Exibiu um controle inigualável. Pilotou de
forma suave, limpa, sem qualquer sinal de autoexibição”.
Depois de Silverstone, Hunt estava na crista da onda.
Passara da condição de piloto playboy desconhecido a
estrela internacional — em parte graças ao caso entre
sua mulher e Richard Burton. Agora na genuína condição
de candidato ao título mundial, era reconhecido onde
quer que fosse, e estava adorando a bajulação. Quando a
coisa saía de controle, ele se escondia em Marbella, e lá
ficava em paz. Além disso, tendo se livrado da esposa,
podia fumar toda a maconha e beber toda a cerveja que
quisesse; podia também levar para a cama todas as
meninas que desejasse — muitas vezes eram duas ou
três de uma vez só, se ele assim quisesse.
Enquanto isso, Niki Lauda se esgueirava para casar
com Marlene longe dos holofotes públicos.
9
A Ferrari dá um tiro no pé
Enzo Ferrari declara guerra contra Lauda
Maranello: abril de 1976

Depois de voltar da Califórnia, no final da sequência de


corridas fora da Europa que deu início à temporada, Niki
Lauda estava confiante para o início da temporada
europeia de provas. A perda de Luca di Montezemolo
como dirigente da Ferrari não fora tão catastrófica
quanto ele imaginara. Havia algum tempo que Lauda
sabia que a partida de Montezemolo era inevitável, e
tentara postergá-la ao máximo. Agora que o fato havia se
consumado, as consequências não tinham sido tão ruins
quanto ele previra.
Na verdade, as coisas pareciam estar muito bem na
Ferrari. Afinal de contas, a equipe vencera com
segurança as três primeiras corridas do ano. Por mais
que Lauda fosse realista e conhecesse todos os podres
dos bastidores daquelas três provas, ele estava aliviado e
declarou: “Ganhei as duas primeiras corridas e Regazzoni
venceu a terceira; olhando em retrospecto, percebo que
as coisas estavam indo bem até demais”.
A verdade é que Lauda não gostava nem um pouco de
Daniele Audetto, o substituto de Montezemolo, e
considerava Enzo Ferrari um bobão ultrapassado. Pior
ainda: embora o início da temporada tivesse sido bom,
ele temia que o comando da dupla à frente da escuderia
pudesse lhe custar a chance de conquistar o título
mundial.
Mas esses pensamentos estavam distantes quando
Lauda voltou para casa, na Áustria. Naquele momento,
ele se via diante de um futuro feliz na condição de
homem casado. Niki e Marlene Lauda haviam se mudado
para a nova casa do piloto, perto de Salzburgo. Ele
construíra a casa no terreno que havia comprado com a
ex-namorada, Mariella von Reininghaus.
A nova casa ficava em Salzburgerland, no vilarejo de
Hof, entre ­Fuschlsee e Thalgau. A localização era
perfeita, a apenas dez minutos do aeroporto de
Salzburgo, de onde Lauda partia e chegava a bordo de
seu avião bimotor Cessna Golden Eagle particular.
A construção da casa foi marcada por dificuldades, e
Lauda se desentendeu com o arquiteto quando descobriu
que seu Range Rover não cabia na garagem — o teto era
baixo demais. Ele escolheu o irmão de Mariella, que era
pintor, para terminar a obra.
Apesar de se conhecerem havia menos de um ano,
Lauda e Marlene estavam perdidamente apaixonados,
ansiosos para concretizar todo aquele amor com filhos,
que deveriam vir o mais rápido possível. A nova casa era
perfeita para receber a grande família com que o casal
sonhava. Uma das melhorias que Lauda esperava
implantar em breve era uma piscina. Na verdade, essa
era a prioridade número um, já que o verão se
aproximava. Lauda decidiu então fazer ele mesmo uma
parte da obra. Essa decisão seria um grande equívoco.
Lauda subiu numa escavadeira hidráulica para cavar a
terra e abrir o buraco onde ficaria a piscina. Mas, como
não estava habituado à dinâmica de uma máquina
dessas carregada de peso, perdeu o controle e capotou.
A escavadeira virou de cabeça para baixo quando a
caçamba estava lá no alto, lotada de terra. Lauda
explicou: “Eu estava tentando tirar um monte de terra do
terreno em frente à casa, e acabei fazendo a escavadeira
capotar em cima de mim”.
A escavadeira tombou para a frente, e Lauda foi parar
entre o assento e a transmissão do veículo. Durante
alguns segundos, tudo ficou parado, e Lauda não se
mexeu. Ele estava coberto por uma montanha de terra, e
os operários correram para ajudar, temendo pelo que
poderia ter acontecido. Mas Lauda conseguiu sair, os
olhos e a boca cobertos de terra. O piloto estava
assustado e sentia dores fortes: tinha sofrido uma fratura
exposta nas costelas. Havia sangue por toda parte,
porque as pontas das costelas tinham perfurado a pele.
Mais tarde, Lauda relembrou: “Se as costelas tivessem se
mexido um ou dois centímetros a mais a coisa teria sido
muito pior. Como fiquei pressionado contra o chão,
acabei com apenas duas costelas quebradas. Se a gente
pensar bem, não foi tão grave, principalmente
considerando que o trator pesava quase duas toneladas”.
Lauda falou também da sorte de não ter morrido: “Se
eu estivesse sentado do modo normal, teria morrido. Por
sorte caí entre as duas esteiras, e o peso não ficou todo
em cima de mim. Além disso, a terra era relativamente
fofa, de modo que minha cabeça ficou enterrada numa
espécie de almofada”.
A verdade é que Lauda foi extremamente feliz ao
escapar com apenas duas fraturas de costela. Um
médico o imobilizou imediatamente e deu-lhe injeções de
analgésicos. Tempos depois, Lauda se referiu ao acidente
como “aquele episódio ridículo do trator”. Mas o
incidente estava longe de ser ridículo. E, embora o
ferimento em si não fosse tão sério, ele sentia dores
terríveis e precisou ficar de cama. Na época, confessou a
amigos: “A dor era excruciante. Havia sangue por toda
parte, e agora não consigo mais levantar sem ajuda”.
O acidente deixou o piloto debilitado, e tudo indicava
que Lauda teria de ficar fora das pistas por pelo menos
um mês. De acordo com os médicos, as costelas
cicatrizariam em duas semanas, mas ele teria de ficar
imobilizado por um mês e meio. A esperança de que
pilotasse a Ferrari no Grande Prêmio da Espanha,
marcado para dali a duas semanas, era mínima.
Os italianos ficaram inquietos ao saber da gravidade da
situação. Começou ali uma série de acontecimentos que
desestabilizou a Ferrari. A escuderia, que já estava
atravessando dificuldades internas, agora se via tomada
por fofocas.
O acidente foi uma fagulha que deu início a um
incêndio.
A crise de ciúme gerada na equipe pelo sucesso de
Lauda não demorou a aparecer. Dentro da própria
escuderia, detratores do austríaco queriam que um piloto
italiano vencesse no carro italiano. Comandada por Enzo
Ferrari, essa turma estava à solta desde que
Montezemolo saíra da equipe. Eles acreditavam que o
êxito de Lauda era mérito do carro, e não do piloto.
Mesmo diante das vitórias, eles queriam Lauda fora da
equipe — e viram no incidente do trator uma
oportunidade para que isso acontecesse. Lauda
relembrou: “A imprensa italiana adorou aquela história.
Que culpa tinham os jornalistas? Um piloto de Fórmula 1
esmagado por uma escavadeira rende mesmo boas
manchetes”.
Enquanto Lauda estava de cama na Áustria, Audetto se
atirou nas intrigas do dia a dia na fábrica de Maranello.
Pôs lenha na fogueira, e foi apontado por Lauda como
responsável pelas notícias vazadas diariamente para a
colérica imprensa italiana. Audetto adorava ser o centro
das atenções e da bajulação dos jornalistas. Lauda
acredita que o impulso de falar era mais forte que
Audetto, e diz ter sido criticado rotineiramente pelo
dirigente naquele período. O resultado foi o início de uma
campanha por parte da imprensa italiana em favor da
demissão de Lauda e de sua substituição por um piloto
nativo. Os jornalistas afirmavam que Lauda era
supervalorizado e que um italiano faria ainda melhor
naquele carro. Lauda disse: “Todas as corridas que venci
pela Ferrari não foram suficientes para calar uma parte
específica da imprensa italiana que vivia pedindo um
piloto local”.
Os jornalistas, aparentemente teleguiados por Audetto,
já tinham um substituto à mão: o jovem piloto italiano
Maurizio Flammini, que tinha 26 anos e havia ganhado
algumas corridas na Fórmula 2 italiana. A campanha para
colocá-lo no carro de Lauda era comandada pelo editor
da Autosprint , revista italiana especializada em
automobilismo. A publicação pedia que os italianos “se
unissem”.
Lauda relembrou: “Quando as notícias do acidente
começaram a vazar, eles viram uma oportunidade de
colocar um italiano no cockpit. E havia um jovem
chamado Flammini, que tivera bons resultados na
Fórmula 2. Foi uma escolha automática”. Mas Lauda
sabia que tudo aquilo era ridículo: “Que ideia idiota,
contratar um piloto sem qualquer experiência na Fórmula
1 bem no meio da temporada. Mas nenhum piloto
italiano parecia inexperiente ou ruim o suficiente para
não ser sugerido como alternativa”.
Lauda foi ficando mais irritado com a situação. Era
como se seu título mundial e sua superioridade naquele
início de temporada não representassem nada: “Minha
liderança rumo ao título era folgada: eu tinha 24 pontos
depois de três corridas, e o segundo colocado tinha dez
pontos. Mas havia bolsões de pânico na Ferrari, e eu
sentia a pressão”. Ele acrescentou: “A situação era
fascinante — ontem eu era um herói; mas, assim que caí
de cama, fui parar no fundo do poço. Um dos principais
motivos para esse caos e essa confusão era o fato de o
velho [Enzo Ferrari] e o pessoal dele levarem muito a
sério tudo o que sai nos jornais”.
Era óbvio que alguém estava manipulando a imprensa
italiana, já que todos os veículos repetiam a mesma
história e os mesmos assuntos: o carro era bom e o piloto
era medíocre; quem vencera as corridas fora o carro, não
o piloto. Lauda sabia que aquilo era bobagem (e Clay
Regazzoni também), mas ficou em silêncio enquanto a
polêmica aumentava. A relação entre Regazzoni e Lauda,
que em 1975 estava na melhor situação que se poderia
esperar, foi posta à prova. Lauda disse: “Estava todo
mundo nervoso, e, no calor dos acontecimentos, eu mal
prestava atenção ao que ele dizia”.
A sensação geral era de que, se Lauda não estava em
condições de pilotar na Espanha, a Ferrari deveria
substituí-lo — provavelmente de uma vez por todas.
Àquela altura, Lauda já estava farto da politicagem
dentro da escuderia, e a princípio não dava a mínima
para o que saía na imprensa. Por isso ignorava tudo
aquilo.
Mas ele acabou se dando conta de que não poderia
fazer vista grossa a tudo o que vinha sendo publicado.
Ele sentia a pressão até quando estava em casa, já que
alguns jornais italianos haviam enviado correspondentes
à Áustria. Quatro jornalistas se hospedaram numa
estalagem da cidade e começaram a telefonar para a
casa de Lauda de hora em hora, em busca de novidades
e implorando por entrevistas. Além disso, havia
fotógrafos com teleobjetivas no alto de um morro perto
da casa do piloto.
Em certo momento, Lauda não conseguiu mais se
conter. Foi durante uma entrevista a um jornalista da
Gazzetta dello Sport , principal jornal de esportes da
Itália. Ele mesmo contou: “Eu disse algumas pérolas, e
basicamente disse que [Enzo] Ferrari tinha mais é que
desaparecer da face da terra. A Gazzetta dello Sport
publicou isso em letras garrafais na manchete”. Indagado
sobre a possibilidade de que Flammini viesse a substituí-
lo, respondeu: “Os italianos só servem para dirigir em
volta da igreja”.
Lauda fez o circo pegar fogo. “A Itália declarou guerra
contra mim”, lembrou. Animado com a entrada naquela
batalha de acusações, Lauda ficou tão furioso com a
repercussão negativa de suas declarações que resolveu
mandar a cautela às favas e lançar um desafio público a
Enzo Ferrari. Pelos jornais, ele deu um ultimato ao
fundador da escuderia. Afirmou que correria na Espanha
e completou: “Mas só se, e quando, a Ferrari pedir que
eu participe”.
Enzo Ferrari levou um susto com a declaração de
Lauda, e se deu conta de que poderia perder o piloto. A
afirmação de que Lauda estaria pronto para o Grande
Prêmio da Espanha trouxe uma nova dinâmica à questão.
Enzo percebeu que, se substituísse Lauda por Flammini
— e se Flammini fosse mais lento —, viraria motivo de
piada na Itália. No fundo, o dirigente sabia que o
desfecho provavelmente seria esse.
Aquela frase de Lauda causou o efeito desejado:
provocou calafrios em Enzo Ferrari. O comportamento do
italiano mudou ­completamente, e ele entrou em pânico.
Mandou Audetto tomar uma atitude e despachou Sante
Ghedini, executivo da área de relações públicas da
Ferrari, para se encontrar com Lauda. Ghedini tinha a
missão de voltar com um relatório em primeira mão
sobre a situação na Áustria. Ele era próximo de Lauda, e
por isso foi escolhido.
Ghedini saiu imediatamente da fábrica da Ferrari e
passou a noite dirigindo entre Maranello e Salzburgo.
Chegou à casa de Lauda na manhã seguinte, logo cedo.
Seu objetivo era estabelecer uma linha de comunicação
com Lauda e fornecer boletins regulares sobre a situação
médica do piloto. Ghedini viu os jornalistas e fotógrafos
acampados do lado de fora do portão. Espalhafatoso,
agarrou uma vassoura no jardim e avançou contra o
grupo, dispersando os repórteres. Eles recolheram as
tralhas e foram embora.
Lauda e Ghedini começaram a tramar juntos, conforme
o austríaco relatou: “Havia algumas pessoas apavoradas
na Ferrari, e eu estava decidido a fazer o possível para
participar da corrida seguinte”. Ghedini conversava com
Audetto diariamente e fazia relatórios sobre a saúde de
Lauda. Mas não contava toda a verdade.
Se tivesse contado, Lauda teria sido substituído
imediatamente para o Grande Prêmio da Espanha, já que
a situação não era das melhores. O piloto estava de
cama, sofrendo com as graves fraturas nas costelas.
Parecia impossível que ele participasse da corrida na
Espanha, mas Ghedini foi instruído por Lauda a fingir que
estava tudo bem. Lauda relembrou a verdadeira
situação: “Eu ficava o dia inteiro deitado e mal conseguia
me mexer, a dor era forte demais”.
Pilotar na Espanha parecia impossível até que um
homem chamado Willi Dungl apareceu ao lado da cama
de Lauda. Dungl era um massagista mundialmente
conhecido e tinha ganhado fama por sua duradoura e
bem-sucedida ligação com a delegação austríaca dos
Jogos Olímpicos de Inverno. Ele foi apresentado a Lauda
por um amigo ­jornalista que era repórter de rádio. Lauda
contou: “Eu nunca tinha visto Dungl, mas ouvira falar
muito dele: massagista, guru, nutricionista, curandeiro e
operador de milagres”.
Contudo, o primeiro encontro entre os dois não foi dos
mais auspiciosos. Lauda estava com um humor do cão, e
não foi com a cara de Dungl. O piloto lembrou: “Dungl
estava malvestido e era ranheta”. Este, por sua vez,
disse a Lauda: “Não posso ajudar em nada. Se quiser que
eu tente, vai ter de ir para Viena”. Depois, virou as costas
e saiu. Lauda conta que pensou: “Esse deve ser o cara
mais chato do mundo”.
Mas Lauda se deu conta de que não tinha a menor
chance de correr na Espanha. Conversou com Ghedini e
Marlene e decidiu ir para Viena entregar-se às mãos de
Dungl. Era sua última cartada. Contratou uma
ambulância particular e fez uma viagem difícil. Mesmo
assim, Dungl impôs mais condições antes de consentir
em ajudar. Disse a Lauda que, até então, ele o via como
um “esportista arrogante que negligenciava o próprio
corpo”. Afirmou que ajudaria apenas se Lauda “estivesse
disposto a trabalhar pelo próprio bem-estar físico dali em
diante”. Lauda, como não tinha alternativa, concordou.
Dungl procurou um cirurgião austríaco com quem já
havia trabalhado em alguns acidentes, e os dois puseram
mãos à obra. Lauda percebeu na hora que tinha ido ao
lugar certo. Ele contou: “Dungl me ajudou a redescobrir
meu corpo, me convenceu a mudar meus hábitos
alimentares e sempre me explicava os motivos de uma
maneira que eu fosse capaz de compreender e aceitar”.
Apesar disso, Lauda descobriu que Dungl era mesmo
um sujeito de pavio curto: “Willi é um dos caras mais
mal-humorados do mundo. É praticamente impossível
falar com ele pelo telefone. Ele é tão antipático que dá
vontade de desligar depois de dois segundos de
conversa”.
A despeito de todos os problemas do primeiro encontro,
Dungl passou a viver ao lado de Lauda. Ele foi
responsável pelo excelente condicionamento físico do
piloto ao longo do resto de sua carreira. Na autobiografia
To Hell and Back , Lauda escreveu: “Willi Dungl foi uma
das pessoas mais importantes na minha carreira e na
minha vida. Ninguém chega aos pés dele; é um gênio.
Seu conhecimento, sua ­sensibilidade, seu toque e seus
métodos — não consigo imaginar que exista no mundo
outra pessoa como ele”.
Com a ajuda do cirurgião austríaco, Dungl colocou
Lauda de volta no grid duas semanas depois do acidente.
Lauda resumiu: “Após duas semanas longas e dolorosas,
muitos truques de Dungl e muita irritação, eu fui para a
Espanha”.
E assim o problema acabou pouco depois de começar.
Dois italianos humilhados — Enzo Ferrari e Daniele
Audetto — saíram de cena afirmando aos compatriotas
que tudo não passara de um erro. Mas aqueles
acontecimentos viraram uma novela italiana que de fato
desestabilizou a equipe.
Quanto a Enzo Ferrari, o episódio foi mais uma
escaramuça numa carreira repleta de batalhas
semelhantes. Ele mesmo declarou certa vez: “Quando
olho no espelho de manhã, nem eu me entendo. Algumas
coisas na vida são inexplicáveis”. Sua reação ao acidente
envolvendo Lauda foi sem dúvida um dos
acontecimentos mais inexplicáveis de sua vida.
10
Hunt ganha, mas não leva
Caldwell faz besteira na Espanha
Espanha: 30 de abril a 2 de maio de 1976

Realizado no primeiro fim de semana de maio, o Grande


Prêmio da Espanha era a primeira corrida da nova
temporada europeia. A prova era realizada no circuito de
Jarama, nos arredores de Madri. Na quarta etapa do
campeonato mundial de 1976, James Hunt já era
conhecido de todos e estava no centro das atenções do
paddock. Na condição de favorito, ele atraía bem mais
atenção do que o atual campeão mundial, tido cada vez
mais como um sujeito ranzinza. E, sem dúvida, Hunt era
responsável por parte dessa fama.
Embora Lauda e Hunt fossem bons amigos, Lauda se
ressentia por ser desafiado nas pistas. Diante do
desempenho de Hunt nos treinos de classificação, muitos
jornalistas o viam como o piloto mais rápido, e isso
deixava Lauda mais abalado do que ele gostaria de
confessar.
Além da batalha pessoal entre os dois, tanto Hunt
quanto Lauda se viam diante de problemas recorrentes
com seus companheiros de escuderia.
Jochen Mass queria se reafirmar na Espanha. Ele
vencera aquela prova no ano anterior, e acreditava ser
um especialista no circuito. Aquele seria também o
aniversário de sua primeira (e única) vitória num Grande
Prêmio, e ele estava decidido a vencer a corrida para
recobrar seu espaço na equipe. A disputa ficava ainda
mais acirrada considerando que Mass estava à frente de
Hunt no campeonato; ele ocupava a quarta colocação,
com sete pontos, enquanto Hunt estava em quinto, com
seis. Ainda que Hunt tivesse garantido pole positions e
chegado entre os primeiros nas corridas iniciais da
temporada, Mass acumulara mais pontos: havia sido o
sexto colocado no Brasil, o terceiro na África do Sul e o
quinto em Long Beach.
Diante de tudo isso, Mass estava confiante em sua
capacidade de superar Hunt em Jarama. Um clima de
tensão sem precedentes surgiu entre os colegas de
equipe, principalmente por conta da decisão previamente
estabelecida segundo a qual quem tivesse mais pontos
no início da temporada seria considerado piloto número
um — com direito a contar com o apoio do outro piloto na
luta pelo título mundial. Hunt, embora fosse
indiscutivelmente mais rápido que o colega, temia que
Mass pedisse o cumprimento dessa determinação. A
caminho de Madri, estava claro que Mass via na corrida
uma oportunidade de reconquistar a liderança da
escuderia com uma vitória.
Mass digladiava com o próprio ego e com seus
demônios pessoais. Vivia paranoico e era incapaz de
compreender como Hunt poderia ser mais rápido que ele
se os dois corriam em carros iguais. Concluiu que o
problema deveria estar em seu carro, a McLaren-Ford
M23 com chassi número 6. Assim, Mass disse a Alastair
Caldwell que gostaria de passar a ter o carro reserva da
equipe, o M23 com chassi número 9, como seu carro
oficial nas corridas. Caldwell relutou, mas acabou
concordando. Fez as alterações necessárias para que o
carro se ajustasse a Mass — o que exigiu um trabalho
consideravelmente complexo de adaptação do antigo
carro de Mass às exigências impostas por Hunt para o
carro reserva.
Hunt observava essa movimentação com ar travesso, e
estava decidido a usar a prova de Jarama para dar uma
inesquecível lição em Mass; seu projeto era acabar de
uma vez por todas com a rivalidade interna na equipe.
Os problemas de Lauda com seus colegas eram
estranhamente parecidos. Turbinado pela vitória no
circuito de Long Beach, Regazzoni se exibia pelos boxes
com o peito estufado, tal qual um pavão —
aparentemente apoiado e incentivado por Daniele
Audetto, que a essa altura já demonstrava abertamente
sua preferência pelo piloto suíço e suas reservas em
relação ao comportamento de Lauda.
Lauda também acreditava que Audetto fizera
comentários negativos a seu respeito para a imprensa
italiana na época do acidente com a escavadeira. Tudo
sugeria que o dirigente confessara aos jornalistas a
expectativa de uma vitória de Regazzoni sobre Lauda em
Jarama. Sem ter em mãos qualquer evidência concreta,
Lauda achava que Audetto tinha envenenado Enzo
Ferrari contra ele.
O austríaco não escondia o desprezo que sentia por
Audetto e seu jeito prepotente. Lauda não gostava da
presunção que o dirigente exibia dentro da equipe, nem
de seu indisfarçável desprezo pelo piloto número um da
escuderia. Acreditava que Audetto considerava-o
socialmente inferior, e tratava-o como tal. Além disso,
Lauda também não gostava muito de Delphine, a rica,
bonita e longilínea esposa de Audetto. Ele se perguntava
por que raios ela ia às corridas, e achava que ela distraía
o marido quando ele deveria estar trabalhando.
O Grande Prêmio da Espanha de 1976 era uma prova
extremamente importante para a Ferrari, uma vez que
marcaria a estreia do novíssimo 312T2, projetado pelo
designer Mauro Forghieri. Aquele era o segundo de uma
série de carros 312T, que perdurou por cinco bem-
sucedidas temporadas.
Com muitos testes na bagagem, Lauda logo fez o novo
carro funcionar a contento. Curiosamente, o carro foi
apresentado sem a suspensão De Dion para a qual fora
projetado. Lauda fez todos os testes e concluiu que o
modelo não era nem mais lento nem mais rápido — e
assim o carro foi abandonado a despeito de todo o
dinheiro que a Ferrari ­investira em seu desenvolvimento.
Indagado sobre o episódio, Lauda deu de ombros: “O De
Dion era bom, mas não era melhor”. Com o tempo
correndo a favor, a Ferrari chegou com novos modelos
tanto para Lauda quanto para Regazzoni. Mas não havia
carro reserva.
O Grande Prêmio da Espanha foi também o momento
escolhido para uma séria de mudanças no regulamento,
marcadas para entrar em vigor numa data bizarra,
depois de transcorridos dois terços do fim da semana da
prova, no dia 1º de maio. As novas regras alteravam as
dimensões permitidas para radiadores de óleo e tanques,
terminais da asa traseira e entradas de ar, e também
ficavam mais severas em relação ao santantônio. Os
carros existentes seriam válidos para os treinos de
classificação, mas não para a corrida.
A nova Ferrari fora construída de acordo com as
mudanças nas regras, e sua estreia foi marcada
deliberadamente para a data da prova. Os dois carros da
McLaren, com chassis 8 e 9, teriam de ser modificados
para se adaptar. Mas o carro reserva, de chassi 5, seria
mantido de acordo com as especificações antigas, já que
poderia ser usado nos dois dias de treino.
Além de alterar os carros para que se adaptassem ao
novo regulamento, o projetista da McLaren — Gordon
Coppuck — também estava fazendo experiências com a
distância entre os eixos: ele acrescentou até cinco
centímetros, mas o comprimento total do carro
permaneceu o mesmo. O objetivo, aparentemente, era
aumentar o fluxo de ar sobre a asa traseira.
A grande polêmica, no entanto, ficaria por conta das
novas regras aplicadas ao comprimento e à largura
máxima dos carros. O regulamento fora alterado no início
da temporada, mas não vinha sendo cobrado das
equipes até aquele momento. No começo de 1976, a CSI,
sigla em inglês para Comissão Deportiva Internacional da
FIA,— organização que gere o esporte — tinha
manifestado preocupação com o fato de os carros
estarem ficando mais compridos e largos, mais rápidos e
com mais pressão aerodinâmica. Consequentemente, as
máquinas ­estavam mais perigosas. Para solucionar a
questão, chegou-se a um acordo sobre um conjunto
revisado de regras relativas às medidas dos carros, cujo
objetivo era mantê-los dentro de limites definidos e
simplificar as especificações técnicas.
Para determinar a largura máxima permitida, as
autoridades da CSI mediram o carro mais largo — a
McLaren-Ford M23 — e declararam que aquele era o
limite. Da mesma maneira, mediu-se o carro mais
comprido, e aquele foi o comprimento máximo
determinado para todos os demais. Alastair Caldwell
relembra o episódio com clareza: “Nosso carro tinha sido
oficialmente declarado o mais largo em 1975, em
Nürburgring. Os representantes da CSI disseram: ‘Bem,
então essa vai ser a largura máxima permitida em 1976’.
E nós respondemos: ‘Ah, por favor, deixem a gente
colocar mais um centímetro’. E eles: ‘Tudo bem. O carro
mede 2,90, então a regra vai ser 2,10’. Em 1976, a regra
começou a valer”.
A nova Ferrari foi construída dentro desses limites, mas
a McLaren não se deu ao trabalho de mudar ou mesmo
de medir o carro. Argumentou que, por ter sido tomado
como “régua” para o novo regulamento, o carro não
poderia ser considerado ilegal. O que Alastair Caldwell
não percebeu — ou talvez não tenha parado para pensar
no assunto — foi que os novos pneus da Goodyear
saltavam mais para fora do carro do que antes. Do ponto
de vista técnico, esse volume adicional deixava as
McLarens na ilegalidade, mas ninguém na equipe se deu
conta disso.
As autoridades do departamento esportivo da CSI
fizeram uma inspeção rigorosa nos carros em Jarama. A
entidade mandou para a Espanha três dos mais
qualificados especialistas. Eram eles Jabby Crombac, da
França; Kirt Schildt, da Suíça; e Baron de Knyff, da
Holanda.
Os três tinham muito trabalho pela frente, uma vez que
o Grande Prêmio da Espanha marcava a introdução do
primeiro carro de seis rodas na Fórmula 1. O novo
modelo da Tyrrell-Ford seria pilotado por Patrick
Depailler, e fora especificamente projetado com as novas
regras em mente.
Quando os treinos começaram, Niki Lauda sentiu um
imenso desconforto dentro do carro por conta das
costelas quebradas, e teve um desempenho bem pior
que o habitual. Apesar disso, pensar em Regazzoni e
Audetto era sempre um incentivo para continuar.
Acompanhado de perto pelo fisioterapeuta Willi Dungl,
Lauda não queria dar o braço a torcer diante do dirigente
e do colega de escuderia e fingia que estava tudo bem:
“É claro que isso é um problema. Não sinto dores no
lugar da fratura porque os médicos cortaram o nervo,
mas dói um pouquinho em cima e embaixo do local. Dói
mais quando estou derrapando o carro, ou quando paro
de derrapar. A lateral do corpo é empurrada contra a
lateral do assento. Além disso, sinto as pontas das
costelas fraturadas roçando umas nas outras.
Provavelmente isso me deixa mais lento, mas não sei o
quanto”.
A situação de James Hunt era totalmente diferente.
Para ele, o fim de semana começou bem, e logo de cara
ele foi o mais rápido. O tempo passava e ele e Lauda se
revezavam no primeiro lugar da classificação. Mais
importante para os dois foi o fato de que, em todos os
treinos do fim de semana, Lauda superou Regazzoni e
Hunt ficou à frente de Mass.
As novas regras tinham cumprido o objetivo de deixar
os carros mais lentos. Nenhum piloto chegou perto do
tempo que havia feito no ano anterior e, no final, o
tempo da pole de Hunt ficou abaixo do recorde marcado
em treinos, registrado dois anos antes. A volta que
garantiu a pole a Hunt — sua terceira em quatro corridas
— foi três décimos de segundo mais rápida que a de
Lauda, na Ferrari a seu lado. Mass ficou em terceiro, de
modo que as duas McLarens formaram um sanduíche no
grid de largada, cujo recheio era a Ferrari do austríaco.
O dia da corrida amanheceu claro e ensolarado, típico
do início de maio na Espanha. A largada foi atrasada para
esperar pelo Rei Juan Carlos, grande fã de Fórmula 1, que
chegou de helicóptero com a família.
Tenso com a embreagem do carro, Hunt teve uma
largada lenta. Já Lauda, dopado por analgésicos, disparou
na liderança durante as 31 primeiras voltas, deixando
Hunt para trás mais uma vez.
Lauda, porém, sentia o atrito das pontas das costelas
quebradas, afetadas pelos efeitos da força G nas curvas
mais fechadas. Conforme o efeito dos analgésicos
passava, a dificuldade em controlar o carro ia
aumentando. Hunt não se incomodava em esperar,
ciente de que as costelas de Lauda não lhe permitiriam
manter aquele ritmo durante toda a corrida. Mais tarde,
Hunt disse: “Niki pilotou com força no início e consegui
me manter confortável ali atrás. Eu não podia ultrapassá-
lo; era apenas uma questão de esperar até que as
costelas começassem a doer e aí eu tomaria a dianteira”.
E assim foi: Hunt tomou a frente na 32ª volta, seguido
por Mass algumas voltas depois. A algumas voltas do fim
da corrida, o motor de Mass falhou, e Hunt cruzou a linha
de chegada naquela que foi sua primeira vitória num
Grande Prêmio pela McLaren. Lauda, se arrastando,
chegou em segundo lugar, 31 segundos depois, sofrendo
profundamente.
Hunt ficou exultante ao derrotar Lauda e o próprio
colega de equipe. Depois, no entanto, acusou a exaustão
de controlar a McLaren durante 75 voltas no difícil
circuito de Jarama. A caminho do pódio, deu um soco
num espectador por pura irritação.
Mas as inspeções depois da prova trariam problemas
bem mais graves do que um torcedor malcomportado.
Peter Jowitt, um cientista que vivia em Farnborough,
havia sido contratado como consultor técnico pela FOCA.
Ele trabalhava para as escuderias e tinha a tarefa de
conferir as dimensões dos carros, investigar causas de
acidentes e sugerir modificações para garantir a
segurança. Jowitt não era um fiscal e não tinha qualquer
autoridade oficial. Mas, ao medir a McLaren-Ford de Hunt,
percebeu que o carro estava 1,8 centímetro mais largo
que o permitido na altura das rodas traseiras. Bem-
intencionado, ele chamou a atenção dos fiscais
espanhóis para o problema, acreditando que eles iriam
apenas informar o erro à McLaren e solicitar uma
correção. De acordo com testemunhas, Jowitt ficou
horrorizado quando os fiscais desclassificaram o carro
com base no que ele descobrira.
A comemoração de Hunt no trailer da Marlboro no
paddock espanhol foi interrompida pouco depois das oito
da noite, quando o editor de automobilismo do Daily
Express , David Benson, chegou com a má notícia. Hunt
estava descansando, vestia apenas calça jeans e
conversava com o colega de equipe, algumas mulheres e
a tradicional comitiva de puxa-sacos. Ao ouvir a notícia,
ele se apavorou, pegou uma camisa, deu um grito para
Teddy Mayer e disparou para a sala do comissário, na
torre de controle do circuito.
Não se sabe como, Benson pressentira um problema e
decidira ir ao box dos comissários. Àquela altura, a sala
de imprensa tinha acabado de ouvir o anúncio de que o
carro de Hunt fora considerado ilegal pelos comissários, e
portanto ele estava desclassificado. Os fiscais tinham
descoberto que os pneus traseiros do M23 de Hunt
excediam em 1,8 centímetro o limite máximo permitido
pela nova regra. Depois de medições e mais medições, a
distância entre as duas rodas traseiras da McLaren-Ford
M23 foi considerada inquestionavelmente superior ao
limite. Os comissários anunciaram Lauda como novo
vencedor da corrida. Era a primeira vez que os carros
passavam por uma verificação tão rigorosa dentro das
novas regras, e a CSI pedira aos fiscais que conferissem
cuidadosamente as dimensões de cada um.
Em vão, Teddy Mayer tentou argumentar com os
comissários. Disse que uma diferença tão pequena não
poderia ter oferecido qualquer tipo de vantagem à
McLaren de Hunt, e afirmou que a regra era
“excessivamente rigorosa e injustificável”.
Hunt estava inconsolável, e chegou a ficar com os olhos
marejados. Ele declarou: “É uma bobagem. Isso não
afeta o desempenho do carro e não o deixa mais rápido.
Nem a Ferrari protestou, e eles eram os que mais tinham
a ganhar”.
Niki Lauda já havia deixado o circuito a bordo de um
helicóptero. Estava a caminho do aeroporto, para voltar
para à Áustria e continuar o tratamento para as costelas.
Quando seu jatinho aterrissou no aeroporto de Salzburgo,
os controladores de tráfego aéreo informaram que ele
tinha sido declarado o vencedor da corrida. Sua reação
foi seca: “Regra é regra. A McLaren estava ilegal e foi
desclassificada. Lamento pelo James; ele pilotou muito
bem, mas o carro não estava em condições legais. Se o
mesmo tivesse acontecido com a minha Ferrari, eu teria
acatado a decisão”.
Furioso com os comissários, Teddy Mayer registrou uma
reclamação oficial e balbuciou algumas palavras para os
jornalistas sobre uma conspiração da Ferrari. Na verdade,
o carro de Hunt fora medido duas vezes nas inspeções
anteriores à corrida, e tinha sido considerado legal. Mas
não havia dúvidas de que a culpa era da McLaren,
conforme Caldwell admitiu sem rodeios: “Nós achamos
que não teríamos de nos preocupar, porque o carro era
exatamente o mesmo. Fomos idiotas, não nos demos ao
trabalho de medir — foi minha culpa. Do meu ponto de
vista, o carro já tinha sido medido e a regra se baseara
nele. Mas, durante o inverno, a Goodyear desenvolveu os
pneus e fez laterais mais largas. Não me dei conta de
que os pneus estavam tão maiores. Fomos pegos no
pulo”.
Mayer se viu numa situação extremamente delicada e
divulgou um release para a imprensa. “Toda a equipe da
McLaren estende sua solidariedade a James Hunt”. Ele
declarava que iria recorrer contra a excessiva rigidez da
sentença, e não contra a correção da decisão, e dizia
ainda que o evento equivalia a mandar alguém para a
forca por estacionar em local proibido. Mayer sustentava
que um deslize minúsculo como aquele não poderia ter
dado nenhuma vantagem a Hunt, e acrescentava que ele
deveria ao menos ter o direito de manter os pontos
conquistados na prova.
Passada a decepção inicial, Hunt adotou uma atitude
otimista em relação ao episódio — embora tenha dito
que a incapacidade da equipe de garantir a largura
correta do carro foi “um comportamento totalmente
desleixado”. Anos depois, ele declarou: “A questão é que,
na época, eles haviam tomado como base o carro que
era então o mais largo e mais comprido, já que não
queriam que os carros ficassem ainda mais largos. Era
como se alguém de repente tivesse se dado conta de que
um carro duas vezes mais largo seria duas vezes mais
aderente à pista, e a mesma coisa se fosse dois metros
mais comprido. A McLaren era o carro mais largo da
Fórmula 1 naquele tempo. Mas a equipe não se deu ao
trabalho de conferir a largura do carro, porque ele tinha
sido tomado como padrão no ano anterior, quando tudo
fora verificado. O problema é que estávamos com pneus
levemente diferentes, com volume maior. E aquele é o
ponto mais largo do carro. Na verdade, o carro estava 1,8
centímetro mais largo que o permitido, só por causa
desse volume”.
No dia 13 de maio, um tribunal espanhol confirmou a
desclassificação. Mas Teddy Mayer disse que o processo
havia sido uma pantomima da justiça, já que não lhe fora
permitido levar à audiência o advogado da McLaren que
falava espanhol. Depois, Mayer descreveu da seguinte
maneira o tom das audiências no tribunal: “Os juízes
disseram: ‘O senhor conhece a regra relativa à largura do
carro?’. Eu disse: ‘Sim’. Eles disseram: ‘E o senhor sabe
que o carro estava mais largo?’. E novamente eu disse
‘sim’. E eles disseram: ‘Certo, muito obrigado, senhor
Mayer’”. Mayer foi a única pessoa intimada a prestar
esclarecimentos. Ele lançou mais um recurso à FIA, em
Paris, contestando a decisão do tribunal.
Alastair Caldwell limitou-se a aceitar a culpa, e admitiu
não haver dúvidas de que o carro estava excessivamente
largo. Ele não havia levado em consideração o novo
desenho dos pneus Goodyear.
11
A Ferrari avança; a McLaren
mergulha no caos
A quinta vitória consecutiva da Ferrari
Bélgica: 14 a 16 de maio de 1976

Depois do Grande Prêmio da Espanha, a Ferrari estava


exultante, e a McLaren, desesperada. Alastair Caldwell,
chefe da equipe, fora pego de surpresa e caíra do cavalo,
e admitiu que jamais passara por um momento tão difícil
na vida. Não apenas a situação da escuderia era muito
delicada: sua credibilidade pessoal estava em jogo.
Em geral tão eficiente, Caldwell viu-se intimidado pela
guinada nos acontecimentos e pela desclassificação de
James Hunt do Grande Prêmio da Espanha. O
desequilíbrio emocional afetava sua capacidade de tomar
decisões, e em vez de pensar com calma em como reagir
à situação e sobre qual o melhor rumo a tomar, ele
pecou pelo excesso de cautela e deu início a um
programa relâmpago para garantir que o carro estivesse
totalmente de acordo com as regras, sem nenhum
atalho.
O exagero de Caldwell teria consequências graves para
a equipe e para as chances de Hunt conquistar o título
mundial. Esquecendo-se de que todos os carros de
Fórmula 1 são rápidos justamente por ficar no limite da
legalidade e pressionar as regras o máximo possível, ele
tomou decisões que custariam ainda mais à McLaren e a
Hunt do que os pontos perdidos na Espanha.
Na fábrica da McLaren, em Colnbrook, o arrependido
Caldwell teve um acesso de rigor para garantir que o
carro ficasse inquestionavelmente dentro das regras. Ele
já tinha uma personalidade levemente obcecada, mas
agora a ideia de legalizar o carro se transformara em
compulsão. Suas ordens não tinham nenhuma
racionalidade. Ficou absolutamente determinado a
cumprir rigorosamente todas as exigências. Primeiro
declarou que uma mudança feita por ele mesmo no
radiador de óleo no início da temporada poderia ser
considerada ilegal. Os radiadores tinham sido
transferidos para a parte traseira do carro, e Caldwell
ordenou que voltassem à posição original, mais à frente.
Também mandou que a asa traseira fosse rebaixada e
trazida mais para a frente, em nome da cautela. Em
seguida, reduziu a largura do carro em dois centímetros,
e justificou as decisões: “Tivemos uma pequena reunião
e dissemos: ‘Bom, na próxima corrida temos de estar
100% seguros de que não seremos pegos novamente.
Vamos deixar o carro mais estreito, baixar a asa
exatamente para o limite e colocar os radiadores de óleo
na posição original, na parte traseira do carro’”.
Caldwell conseguiu ficar 100% dentro das regras, mas o
preço pago pela equipe e pelo principal piloto da
escuderia foi altíssimo. As mudanças deixaram o carro
sem condições de competir com os demais. Ao avaliar as
alterações, Hunt afirmou estar “completamente sem
esperança” após a revisão do carro — e o grau dessa
desesperança ficaria patente no Grande Prêmio da
Bélgica, que viria a seguir.
Naquele ano, o GP da Bélgica foi realizado em Zolder,
no dia 16 de maio. O circuito tinha 4,1 quilômetros, era
apertado, artificial, sem graça e oferecia poucas
oportunidades de ultrapassagem. Era o tipo de pista que
Hunt costumava desprezar, com uma personalidade‐ ­
totalmente diferente do rápido circuito de Spa-
Francorchamps — onde tradicionalmente ocorria o
Grande Prêmio da Bélgica, mas que estava impedido de
receber corridas, por claros motivos de segurança.1
Enquanto a McLaren enfrentava problemas técnicos, as
dificuldades na Ferrari se resumiam à situação física de
Niki Lauda. Ele ainda sentia muita dor por conta da
fratura nas costelas, e a recuperação fora seriamente
prejudicada por sua participação no GP da Espanha. As
duas semanas que separaram uma prova da outra não
haviam trazido qualquer alívio. Para o Grande Prêmio da
Bélgica, Lauda recebera uma injeção de analgésicos
cujos efeitos deveriam durar quatro dias. Não duraram, e
ele chamou um médico que lhe aplicou um tratamento
com eletrochoque, pondo fim às dores. O piloto
confessou que a dor era tão forte que, sem o tratamento,
não teria sido capaz de dirigir o carro naquele fim de
semana.
A Ferrari ainda estava com o antigo modelo 312T como
carro ­reserva, e contava com a sorte para que ele fosse
aceito. Porém, Lauda teve de usar aquele carro durante
parte dos treinos de classificação, depois de perder um
motor do carro principal. Num acontecimento bizarro, a
grade de metal que cobria um dos bicos injetores de
combustível entrou no motor em funcionamento e
estraçalhou suas entranhas.
Surpreendentemente, a despeito da péssima forma do
carro, Hunt conseguiu ficar no topo da classificação no
primeiro dia de treinos, à frente da Ferrari de Clay
Regazzoni e do Tyrrell-Ford de Jody Scheckter. Mas havia
bons motivos para que isso acontecesse: Caldwell não
tivera tempo de completar todas as modificações na
fábrica, e planejava transferir os radiadores de óleo na
tarde de sexta, durante o primeiro dia de treinos. A
fábrica simplesmente não tivera tempo de mudar a
posição dos radiadores, e ficou acertado que os ajustes
seriam feitos na pista.
Então, entre o treino da manhã e o da tarde, os
mecânicos puseram os radiadores de óleo na posição
anterior, abaixo da asa traseira. Hunt contou: “Nós
literalmente os colocamos de volta onde eles já estavam,
debaixo da asa, mas, como a asa tinha sido empurrada
para a frente, os radiadores ficaram a uns dois
centímetros da posição antiga”.
Combinada aos efeitos dos outros ajustes pedidos por
Caldwell, essa alteração mudou completamente a
configuração aerodinâmica do carro. Hunt relembrou:
“Para deixar o carro mais estreito, eles fizeram uma
mudança desnecessária na posição dos radiadores e
outras coisas do tipo. Só que não conferiram tudo, e
acabaram com o desempenho da asa traseira. O
resultado é que, no geral, a aerodinâmica do carro estava
péssima”. As mudanças finais haviam transformado a
McLaren-Ford M23 num brutamontes difícil de controlar.
Um jornalista que estava na pista descreveu o carro
alterado como um “touro de rodeio”.
Tanto ele tinha razão que, na segunda sessão de
treinos, Hunt ficou na nona colocação, e, na última
sessão, ficou na décima primeira. Mas o tempo que havia
marcado no primeiro treino, antes da mudança na
posição dos radiadores, garantiu-lhe uma vaga na
segunda fila do grid.
Mais tarde, Caldwell tentou defender as mudanças
radicais: “Havia várias coisas consideravelmente
incorretas no carro. Não era permitido ter peças de óleo
acima de uma determinada largura a partir do centro do
carro, digamos que uns 80 centímetros; isso significa que
os radiadores na frente das rodas traseiras poderiam —
poderiam — ser apontados como ilegais”.
Hunt ficou deprimido com suas possibilidades na
corrida. O único consolo era que seu principal rival
também não estava numa situação muito boa; porém, no
caso de Niki Lauda, a definição de “situação não muito
boa” incluía uma sonora pole position ao lado de seu
colega de equipe, Clay Regazzoni, ambos alinhados na
primeira fila do grid.
Pela primeira vez, Hunt fez uma boa largada ao receber
a bandeirada inicial. Ele deu um jeito de se infiltrar à
frente de Regazzoni e ficar na segunda posição, atrás da
Ferrari de Lauda. Mas Lauda logo abriu uma liderança
folgada, e a cada volta se afastava um segundo e meio
de Hunt. O inglês impedia a passagem dos demais
carros, todos em fila atrás dele. Aos poucos, foi sendo
ultrapassado: por Regazzoni, Jacques Laffite, da Ligier,
Patrick Depailler e Scheckter. Hunt estava em sexto lugar
quando sua caixa de câmbio parou de funcionar e ele
abandonou a prova na metade da competição.
Para Niki Lauda, aquela foi uma tarde de acasos. Por
razões desconhecidas, ele logo se viu na liderança,
dominando o cenário. Lauda não fazia ideia de como
conseguia manter a primeira posição. Mas, a vinte voltas
do final, ele sofreu um choque de realidade quando sua
Ferrari 312T2 novinha começou a derrapar de traseira,
sem nenhum motivo evidente. Ele relembrou: “Eu estava
bem à frente quando de repente o carro começou
derrapar de traseira, a vinte voltas do final”.
Com Hunt fora da prova, Lauda sabia que tinha tempo
para parar nos boxes e voltar para a corrida ainda na
liderança, já que o inglês tinha segurado todos os
adversários para trás. Mas, pouco antes de ir para o pit
stop, ele decidiu tentar mais uma volta, e o carro não
deu nenhum sinal de piora. Lauda contou: “Imaginei que
os pneus ou a suspensão estivessem nas últimas, e já
estava quase indo para os boxes quando decidi continuar
com cuidado por mais algumas voltas”. Lauda percebeu
que o desempenho do carro se manteve e optou por
prosseguir. Tomou mais um susto nas voltas finais,
quando um carro não identificado derramou óleo ao
longo de três curvas.
Lauda obteve uma vitória tranquila sobre Regazzoni,
em mais uma dobradinha da Ferrari. Jacques Laffite
chegou em terceiro lugar, e Scheckter, em quarto.
No pódio, Lauda não escondia a surpresa com a vitória.
Ele não entendia como aquilo tinha acontecido e
declarou: “No final das contas, cheguei em primeiro”.
Depois da corrida, atacado por todos os lados pelos
pilotos que havia segurado com a lentidão da McLaren,
Hunt foi forçado a reavaliar sua estratégia. Muitos
colegas ficaram irritados com as manobras ­duvidosas
que ele fez durante a prova para não ser ultrapassado.
Em vários momentos, o Tyrrell-Ford de Jody Scheckter
quase foi arremessado para fora da pista, e a Ligier de
Jacques Laffite foi atingida pela roda dianteira de Hunt
numa tentativa de ultrapassagem. Foi a vez de Patrick
Depailler se aborrecer com Hunt: “Ele dirigiu de maneira
selvagem e segurou todo mundo lá atrás. Se Hunt diz
todas aquelas coisas sobre os pilotos franceses malucos,
não tem o direito de pilotar desse jeito”. Os outros pilotos
também tinham bons argumentos contra Hunt, e mais
uma vez ele passou por um momento que não foi dos
melhores na Fórmula 1.
Mas essa não era, nem de longe, sua maior
preocupação. Àquela altura, Lauda já tinha conquistado
42 pontos no campeonato, seguido pelo colega de
equipe, Regazzoni, com quinze pontos. Hunt estava em
sétimo lugar na classificação geral, com seis pontos,
atrás inclusive de Jochen Mass, que estava na quarta
colocação e contava oito pontos. A verdade é que Lauda
parecia estar com as mãos no título, e não havia
ninguém no paddock disposto a apostar que Hunt
chegaria nem entre os três primeiros.
Havia também muita polêmica sobre a predominância
dos motores de doze cilindros na Fórmula 1. Até então,
esse tipo de motor tinha vencido todas as provas
disputadas em 1976. Na Bélgica, os motores de doze
cilindros haviam dominado, e o Tyrrell-Ford de Jody
Scheckter — que chegara em quarto lugar — era o único
carro da prova que não pertencia a essa categoria. As
pessoas achavam que a era do Ford-Cosworth V8 havia
terminado — elas estavam certas disso.

1 . As características do circuito o tornavam muito perigoso, causando


muitas mortes. Por esse motivo, o circuito ficou fechado por
aproximadamente dez anos para reforma. [N. E.]
12
A mágica de Lauda em Monte
Carlo
O austríaco domina novamente
Mônaco: 27 a 30 de maio de 1976

O Grande Prêmio de Mônaco foi realizado no fim de


semana de 26 a 30 de maio. Mônaco é a corrida preferida
por todos, e a cada ano todos os envolvidos na Fórmula 1
esperam por essa prova — dos mecânicos aos pilotos.
Trata-se da única corrida em que a vida social é mais
importante que a prova em si, e todo mundo se diverte à
beça.
Nessa época do ano, o principado recebe cerca de
duzentos iates, os mais grandiosos do mundo, que ficam
ancorados à beira-mar. Conforme a noite cai, ricos,
famosos e descolados da Europa pulam de barco em
barco numa grande festa que começa às seis da tarde e
acaba às quatro da manhã, quando todos finalmente vão
dormir.
Niki Lauda tinha pavor disso tudo: ele detestava o falso
glamour de Mônaco. James Hunt, por outro lado, mal
continha a ansiedade para chegar lá.
A festa no iate da Marlboro era tudo o que a McLaren
tinha para oferecer em 1976. Mesmo antes do primeiro
ronco de motor, a equipe já sabia que o carro não estava
competitivo. Pior: ninguém sabia por quê. Alastair
Caldwell não fazia ideia da causa da repentina lentidão
do carro na Bélgica. A escuderia estava completamente
perdida, e, na fábrica da McLaren, em Colnbrook,
Inglaterra, Caldwell e a equipe pareciam baratas tontas.
Caldwell tinha se preocupado tanto em deixar o carro
dentro das regras — e não em deixá-lo mais rápido —
que por um momento se esqueceu da essência da
Fórmula 1.
Enquanto isso, Hunt enfrentava problemas pessoais. Ele
estava descontente com seu empresário Mark
McCormack, e queria rescindir o contrato. Hunt queria
que seu irmão, Peter, assumisse o posto. Embora aquela
fosse uma questão menor, Hunt ficou remoendo o
problema ao longo do fim de semana, e isso se somou às
demais dificuldades da equipe.
Caldwell estava de mau humor, mas Hunt se preparava
para dias de diversão no porto de Mônaco, e literalmente
ignorava os compromissos com a escuderia. Depois de
três anos de noitadas com Alexander Hesketh, Hunt era
um especialista no cenário social da Riviera. Ele
encontrou o piloto Johnny Servoz-Gavin, que se
aposentara da Fórmula 1 em 1970 e agora morava num
iate no porto de Monte Carlo. Os dois eram amigos havia
anos, e, em 1976, contaram com a companhia de
Philippe Gurdjian, uma influente figura na sociedade
francesa. Gurdjian relembra: “Os dois eram muito
próximos, e eu era muito próximo de James”.
Juntos, os três fizeram uma grande farra em Monte
Carlo na noite de quarta-feira. Na noite seguinte,
ofereceram uma grande festa no iate, que terminou com
vários convidados nus.
Gurdjian lembra como se fosse hoje: “A festa acabou às
quatro da manhã, na véspera do GP. Mas, no dia
seguinte, estava todo mundo na pista, sem o menor
problema. Hoje as coisas são diferentes; uma noitada
dessas seria inimaginável”.
Naquela noite, Hunt prometeu dar seu capacete a
Gurdjian no final da prova. O francês guarda a relíquia
até hoje, como valioso tesouro do ano em que Hunt
conquistou o campeonato mundial. Ele fala do amigo
com carinho: “James era muito simpático, honesto, e é
uma pena que não exista mais gente assim”.
No entanto, quando o assunto ficava sério e o tema era
a corrida, o carro de Hunt continuava com as mesmas
especificações e configurações que apresentara no
circuito de Zolder. Por motivos que só ele conhecia,
Caldwell não mudara nada, embora estivesse consciente
dos problemas que ele mesmo havia criado. O chefe da
McLaren entrou em estado de negação, e não estava
disposto a ouvir a opinião de ninguém sobre possíveis
problemas — principalmente a de seu principal piloto. A
McLaren-Ford M23, tão rápida no início da temporada,
tinha se transformado num estorvo. E ninguém era capaz
de apontar o motivo.
Mônaco era o pior lugar possível para correr com um
carro ruim. Naquela corrida, a classificação nos treinos
era fundamental. À exceção das situações em que havia
abandono de prova, os pilotos costumavam terminar o
Grande Prêmio na mesma posição em que largavam no
grid, já que as ultrapassagens eram praticamente
impossíveis.
A Ferrari estava em ótima forma para Mônaco, e
finalmente contava com um chassi 312T2 reserva. O
novo carro tinha um monocoque bastante modificado,
construído sem armação interna, considerada
desnecessária — o que representava uma redução
considerável de peso. Clay Regazzoni foi rápido; escolheu
aquele novo carro (chassi número 27) para correr, e seu
carro antigo passou a ser o reserva. Niki Lauda não
gostou nada disso, mas aceitou a situação: ele sabia que
seria capaz de vencer Regazzoni até no modelo anterior
da Ferrari. Às vezes, Lauda chegava a se negar a falar
com Daniele Audetto sobre o assunto. Àquela altura, ele
já não tinha tempo para perder com o italiano.
Mesmo sem considerar Hunt em seus cálculos, Lauda
enfrentaria um desafio considerável nos treinos,
representado pelos carros de seis rodas da Tyrrell. Esses
carros haviam se adaptado muito bem a Mônaco, tanto
no caso de Jody Scheckter quanto no de Patrick Depailler.
Mas, na quinta-feira, Lauda foi o mais rápido, e no
sábado ficou à frente novamente, com uma vantagem
considerável. Lá pela metade do treino de sábado, à
tarde, ele encostou nos boxes, saiu do carro e tirou o
macacão: era uma demonstração de total confiança no
fato de que ninguém faria um tempo próximo ao seu.
Estava fácil demais.
Durante os treinos, Lauda recebera notícias ruins de
Viena. Sua mulher, Marlene, grávida de poucos meses,
fora levada ao hospital às pressas por conta de
complicações, e acabara sofrendo um aborto. Lauda
queria abandonar a prova e voltar para casa, mas sabia
que não podia fazê-lo. Chegou a pensar em ir num dia e
voltar no outro, mas desistiu da ideia ao perceber que
passaria uma noite sem dormir. Decidiu então sair de
Mônaco o mais rápido possível no domingo, e reservou
um helicóptero que o levaria ao aeroporto de Nice logo
após a bandeirada final da prova.
Hunt não tinha esse tipo de preocupação, e a única
decisão que precisava tomar era com quem passaria a
noite. Na pista, porém, a situação era péssima.
Acostumado a disputar a pole durante todo aquele início
de temporada, ele não estava no páreo nem para a
primeira metade do grid. Intimamente, duvidava até de
que conseguiria se classificar. A equipe decidiu inventar
uma moda especial para Mônaco, e mexeu na asa
traseira para aumentar a pressão aerodinâmica — mas
não houve diferença. Além de todos os problemas que já
afligiam o carro, o mecanismo de engate da caixa de
câmbio vivia travando, causando momentos de tensão
na pista.
No final das contas, Hunt terminou em 13º lugar e ficou
na sétima fileira do grid, num circuito em que a posição
de largada era de importância vital. Sobre o carro, o
piloto declarou: “Não está nada bom”, e ainda
acrescentou: “O pior é que eu estava no fim do grid,
onde seria inviável ultrapassar, já que em Mônaco não
existe um ponto onde é possível ultrapassar sem se
arriscar ou fazer algum tipo de burrice. É um tipo de
corrida bem idiota”.
Alastair Caldwell, apavorado na manhã da prova,
ordenou a retirada do duto de entrada de ar do motor.
Descobriu na hora que a medida melhorava o fluxo de ar
e o desempenho da asa traseira. Caldwell passara a noite
buscando soluções para os problemas do carro, e a
retirada do duto foi a última medida desesperada.
Mas a solução deixou a McLaren com um ar amador, e
os diretores técnicos acompanhavam aquela
movimentação incrédulos, circulando pelos boxes
improvisados do circuito. Curiosamente, Colin Chapman,
da Lotus, acreditava saber exatamente qual era o
problema da McLaren. Mas não tinha o menor interesse
em contar para Caldwell.
Justiça seja feita, é preciso dizer que a McLaren não era
a única a enfrentar intrincadas dificuldades técnicas. A
Brabham também estava com problemas. Bernie
Ecclestone, dono da escuderia, cometera um grande erro
ao escolher os motores Alfa Romeo para a temporada de
1976. Os carros tinham de começar as provas com dez
galões a mais de combustível que a Ferrari, a Matra e os
carros com motor Ford. Isso representava uma carga
extra de 65 quilos na largada. Mesmo com o combustível
adicional, era comum os carros chegarem ao final da
prova com o tanque vazio. Como resultado, o piloto
número um da equipe, Carlos Reutemann, já pensava em
sair da escuderia.
A exemplo de Reutemann, que também ficou no fim do
grid de largada, Hunt estava numa situação
desesperançada, e, antes mesmo de a corrida começar,
sabia que perderia. Sua única vantagem era que seu
carro se saía melhor com o tanque cheio, o que lhe dava
alguma chance na primeira etapa da corrida.
A corrida teve início e Lauda disparou, rumando para a
vitória. Ele deixou para trás os demais pilotos, que se
engalfinhavam. Hunt ficou empacado no 12º lugar —
ainda que, com o tanque cheio, seu carro fosse o mais
rápido na pista. Ele lembrou: “Eu fazia cada volta dois
segundos mais devagar do que queria, porque
simplesmente não havia como ultrapassar”. Hunt logo
perdeu a concentração e acabou rodando, mas
conseguiu evitar o choque contra o muro de proteção:
“Confesso que rodei por falta de interesse, por pura
decepção”. Depois de se recuperar, ele recomeçou a
corrida em último lugar, sem qualquer possibilidade de
melhora. No entanto, num certo momento, ele se viu
sem nenhum carro à frente, e começou a fazer as voltas
tão ­rápido quanto Lauda — que liderava com facilidade.
Na 24ª volta, Hunt finalmente teve um motivo para se
alegrar: seu motor Ford-Cosworth estourou e espalhou
óleo na pista. Não foi a primeira vez na temporada que
Lauda enxergou o óleo antes dos outros, e conseguiu
desviar das manchas. Mas Ronnie Peterson, que estava
na segunda posição, passou direto por cima do óleo e
rodou, batendo no muro e abandonando a prova na hora.
O óleo também fez com que Clay Regazzoni, o terceiro
colocado, batesse e saísse da corrida.
Lauda descreveu sua técnica para enfrentar o óleo na
pista: “Pensei no óleo na primeira volta e, na volta
seguinte — onde o carro estava naquele momento —,
imaginei que haveria mais óleo. Dei um jeito de fazer o
carro passar e olhei pelo retrovisor: Peterson não estava
mais lá, que bela surpresa”.
Assim que saiu do carro, Hunt deu um soco no ar e agiu
como se tivesse ganhado a corrida. Ele estava radiante
por ter saído da prova, e foi logo para o porto dar início
às celebrações daquele fim de semana infeliz.
A corrida acabou se transformando numa procissão,
uma das provas mais sonolentas já realizadas nas ruas
de Monte Carlo. É quase desnecessário dizer que Lauda
venceu, seguido pelos Tyrrell-Ford de ­Scheckter e
Depailler. Curiosamente, apenas os Tyrrells estavam na
mesma volta que Lauda ao final do Grande Prêmio. O
líder deixara para trás todos os outros doze pilotos que
terminaram a prova.
Lauda não tinha muita coisa a dizer depois da chegada,
mas declarou que a vitória foi fruto de “trabalho árduo” e
que exigiu “imensa concentração”. Na verdade, ele havia
feito um tremendo esforço para ficar acordado. O piloto
admitiu que tinha passado por um momento difícil a
quinze voltas do final, quando colocou o carro em
segunda marcha, e não em terceira. Dentro do cockpit,
Lauda ficou furioso com a própria falha, e admitiu que
quase cochilou de tédio. Mas ele mesmo contou que o
episódio serviu para acordá-lo: “Meu corpo tomou um
susto. A raiva que senti de mim me deu forças para
superar a exaustão”.
No cômputo geral dos acontecimentos, aquele foi um
pequeno deslize sem maiores consequências. No
entanto, se Peterson ainda estivesse na corrida, ele
provavelmente teria ultrapassado Lauda. Mais tarde, o
austríaco admitiu: “Foi uma vitória meio entediante —
‘mais uma vez, uma liderança de ponta a ponta’,
segundo as reportagens”.
Lauda foi tomado por uma onda de adrenalina
enquanto dava a volta da vitória. Por dentro, entretanto,
ele estava exausto é só pensava em ir embora de Monte
Carlo. Queria estar junto da mulher, Marlene, que àquela
altura já recebera alta. O piloto contou: “Aquilo tudo me
deixou atordoado; o barulho, as pessoas, os empurrões e
tapinhas nas costas”.
Mas o desconforto trouxe boas recompensas. Agora
Lauda tinha 51 pontos, contra seis de Hunt. Estava
descartada qualquer possibilidade de que o inglês
pudesse vencer o campeonato. Ninguém jamais havia
ganhado o título estando nessa posição depois de seis
corridas.
Mais tarde naquela noite, corriam soltos no paddock os
palpites para justificar o sucesso de Lauda. Muitos
achavam que ele não passava de um piloto de sorte. Mas
essa não era a opinião de Walter Hayes, diretor da
divisão mundial de automobilismo da Ford Motor
Company e responsável pelo motor Ford-Cosworth.
Hayes estava estupefato com o desempenho de Lauda:
“As pessoas não consideram a carga de trabalho brutal
que Lauda realiza pela equipe. Sem ele, a Ferrari
provavel­mente teria desmoronado. Lauda constrói a
própria sorte graças a seu esforço. A maioria dos pilotos
de hoje quer acima de tudo enriquecer, e só depois se
preocupa em vencer. Lauda quer vencer”. As palavras de
Hayes — um dos nomes mais respeitados do
automobilismo — foram estampadas pelo Daily Express ,
para desgosto de Daniele Audetto.
Àquela altura, Lauda mal conversava com o dirigente
da Ferrari. Em Zolder, e depois também em Mônaco,
Audetto tinha mandado Lauda deixar Regazzoni vencer,
argumentando que as vitórias e glórias deveriam ser
igualmente compartilhadas pelos colegas de equipe.
Lauda disse a Audetto que o raciocínio “não fazia o
menor sentido e era uma enganação ao público”. O
italiano ignorou o piloto e ordenou: “Você tem que ficar
em segundo”. Ele ainda disse para Lauda que mostraria
placas nos boxes, ao longo da corrida, para lhe dar
instruções. A resposta exata de Lauda a esse comentário
não foi gravada, mas depois o piloto afirmou ter dito o
seguinte diante das instruções de Audetto: “Falei que ele
podia mostrar a placa que quisesse — amarela, verde,
vermelha, com sinais de mais e de menos e duas vezes
menos: eu não ia nem olhar. E foi o que fiz”. Lauda não
sabia explicar o comportamento do dirigente, e disse:
“Audetto tinha um certo complexo de novato, mas se
achava um grande dirigente, com uma grande
estratégia”.
Ao final do Grande Prêmio de Mônaco, Lauda — já
completamente farto de Audetto — declarou: “Um de nós
dois terá de sair no fim da temporada; isso está claro”.
Finalmente o piloto conseguiu fugir de Mônaco, depois
da volta da vitória. a farra de Hunt não fazia seu gênero.
Ele pegou um helicóptero no heliporto do circuito e foi
direto para o aeroporto de Nice, onde tomou seu jato
particular para Viena. “Não havia hipótese de estar feliz
com a vitória. Marlene precisava de mim, e eu dela, e foi
muito bom acordar em casa no dia seguinte.”
13
Um dia ruim para Lauda
Alastair Caldwell em estado de negação
Suécia: 11 a 13 de junho de 1976

Quando o circo da Fórmula 1 se reuniu novamente no


circuito de Anderstorp para o Grande Prêmio da Suécia,
no dia 13 de junho, uma única opinião prevalecia no
paddock: Niki Lauda já era praticamente campeão
mundial, e James Hunt era carta fora do baralho. Naquele
momento, não parecia haver outro desfecho possível
para o campeonato. Hunt estava em sétimo lugar na
classificação, com seis pontos, e Lauda estava em
primeiro, com 51 pontos após seis corridas.
Até Jochen Mass, colega de equipe de Hunt, pensava
assim, e adotava um tom derrotista em suas conversas
com os jornalistas. Ele dizia: “Para vencer Niki, é preciso
ter sorte e alcançá-lo num dia ruim. Mas nada parece
capaz de detê-lo nos dias de hoje — só um pneu furado
ou uma falha mecânica”.
Lauda e a equipe da Ferrari exibiam aquilo que, à
época, o Daily Express chamou com eloquência de “o
carisma da superioridade”.
A história, porém, determinou que o desempenho mais
decepcionante da Ferrari naquele ano seria na Suécia —
e o mesmo aconteceria com a McLaren: o fim de semana
da corrida foi uma batalha entre a Lotus, que
demonstrava sua recuperação, e a Tyrrell. Essa estranha
guinada nos acontecimentos ficou clara quando Chris
Amon, em seu Ensign-Ford, classificou-se com um tempo
inferior ao de Lauda e Hunt.
Ainda assim, na sexta-feira (o primeiro dia de treinos de
classificação), tudo parecia igual. Lauda já tinha
garantido a pole, pelo menos até aquele momento. Hunt,
por outro lado, passava por uma péssima fase, e seu
carro rodou na pista seis vezes durante os treinos e a
fase de classificação. Quase não havia aderência
traseira, e ele ficou em 14º lugar na primeira sessão, 11º
na segunda e 8º na sessão final, amargando uma posição
na quarta fileira do grid de largada.
Lauda começou a despencar no segundo dia de treinos,
quando as condições da pista ficaram consideravelmente
mais rápidas.
Ele colocou a culpa no desempenho do carro, que
chamou de “comprometedor”. Por algum motivo, a
Ferrari não se adequava à pista quando o circuito estava
nas melhores condições. Lauda explicou: “Será como
tiver de ser. [O carro] sai da traseira ou dianteira, como
todos os outros. Mas é isso o que se espera aqui. É
preciso abrir mão de alguma coisa e simplesmente
pilotar”. Para não deixar dúvidas, acrescentou: “Estou
fazendo o máximo possível”. Esse esforço garantiu-lhe
apenas a quinta posição no grid, e a confiança da Ferrari
subitamente desapareceu. Foi um alerta nítido, que
provavelmente salvou o resto da temporada da
escuderia: Daniele Audetto percebeu que a Fórmula 1
não era uma rua de mão única, sempre a favor da
Ferrari. Ele viu que as coisas podiam mudar muito rápido
— e, com frequência, mudavam.
O Tyrrell-Ford de seis rodas de Jody Scheckter ficou na
pole, tendo a seu lado a Lotus-Ford de Mario Andretti.
Alastair Caldwell ainda estava em estado de negação
no que dizia respeito aos graves problemas técnicos da
McLaren. Segundo Hunt, Caldwell estava tão imerso na
situação que era incapaz de enxergá-la com clareza. Mas,
entre o segundo treino e a sessão final de classificação,
no sábado, ele finalmente se deu conta de que os
problemas do carro poderiam estar ligados às mudanças
feitas após o GP da Espanha. Assim, na manhã da
corrida, Caldwell acordou os mecânicos e mandou que
voltassem o carro às especificações e configurações
anteriores — com exceção dos radiadores de óleo, que
não podiam ser alterados na pista. Hunt relembrou:
“Desesperados, decidimos deixar o carro exatamente
como estava na Espanha, mas não fez diferença
nenhuma”. A McLaren só escapou de uma humilhação
completa porque a Ferrari também estava com
problemas.
Na manhã da corrida, a temperatura estava
consideravelmente mais baixa, deixando a situação da
Ferrari ainda pior. Mas isso não fazia diferença para a
McLaren: o carro estava tão ruim que nem se notava a
mudança. Nas voltas de aquecimento, Lauda enfrentou
sérios problemas com a temperatura dos pneus; eles
estavam 20 graus abaixo da temperatura em que
deveriam estar. O carro saía demais ora de dianteira, ora
de traseira, uma oscilação preocupante.
Mario Andretti foi o piloto do dia. Ele disparou na
liderança, mas perdeu um minuto como punição por ter
queimado a largada. Depois disso, Jody Scheckter
comandou a prova. Andretti tentou ultrapassá-lo
desesperadamente, mas, na 45ª volta, forçou demais o
motor Ford-Cosworth, que acabou estourando. Com isso,
Scheckter e Patrick Depailler, seu companheiro de
escuderia, garantiram uma dobradinha da Tyrrell-Ford em
primeiro e segundo lugar. Lauda ficou em terceiro, e
Hunt, em quinto.
Lauda pilotou com heroísmo para garantir a terceira
posição, e saiu do cockpit com um ar de otimismo,
consciente do que era capaz de fazer mesmo quando
tudo jogava contra ele. Hunt também estava animado, e
pensava como Lauda. Ele declarou: “Foi a melhor prova
que fiz no ano; terminei quilômetros atrás, pilotando um
carro totalmente sem condições”. Ele passou a prova
lutando contra o carro no circuito de Anderstorp, e
garantiu dois suados pontos — que seriam vitais meses
mais tarde. Depois, diante dos jornalistas, Hunt se
esforçou para deixar clara a péssima situação do carro.
Acreditava que essa era a única maneira de pressionar
Alastair Caldwell a resolver os problemas, àquela altura
inquestionavelmente relacionados à posição dos
radiadores de óleo.
A corrida terminou com Lauda 47 pontos à frente de
Hunt na classificação. Tudo indicava que Jody Scheckter
seria o rival de Lauda na luta pelo título mundial. Hunt
não tinha qualquer chance de ganhar o campeonato.
14
Sangue nos boxes
Caldwell e Hunt acertam as contas
Paul Ricard: junho de 1976

Depois de três fracassos consecutivos, Alastair Caldwell


atravessava uma crise pessoal. Alguma coisa acontecera
à McLaren M23 para que ela deixasse de ser o carro mais
competitivo do grid e se transformasse numa tartaruga.
Passados os Grandes Prêmios da Bélgica, de Mônaco e da
Suécia — e com apenas dois pontos acumulados num
total possível de 27 —, a falta de competitividade
ameaçava jogar por terra a temporada de James Hunt.
Pior ainda era saber que Lauda tinha marcado 22 pontos
ao longo das últimas três corridas. A possibilidade de
Hunt vencer o campeonato não podia ser menor.
Na fábrica da McLaren, na Inglaterra, Caldwell e os
mecânicos estavam em pânico depois do Grande Prêmio
da Suécia. Era como se Caldwell fosse a última pessoa
que pudesse ter alguma ideia de qual era o problema, e
os mecânicos perderam a confiança no chefe da equipe.
Furioso, Teddy Mayer exercia uma pressão insuportável
para que Caldwell resolvesse a situação. Caldwell
confessou a amigos que temia perder o emprego caso
não conseguisse encontrar uma solução para o carro, e
sua preocupação tinha fundamento. Mayer estava tão
decepcionado que cogitava assumir ele mesmo o
comando da escuderia. Naquele cenário, o dirigente
confidenciou a Hunt que pensava em promover um dos
mecânicos ao posto de chefe da equipe. Hunt tomou o
partido de Mayer: àquela altura da temporada, o piloto
teria ficado feliz ao ver Caldwell pelas costas, uma vez
que o considerava pessoalmente culpado pela s ­ ituação.
Na verdade, Hunt tinha certeza de que sabia qual era o
problema. Ele pedira várias vezes a Caldwell que o carro
voltasse às especificações anteriores à desclassificação
no Grande Prêmio da Espanha. Hunt achava que Caldwell
tinha sido excessivamente zeloso na tentativa de cumprir
absolutamente todas as regras.
Mas Caldwell não dava ouvidos ao que Hunt — ou
qualquer outra pessoa — dizia. Só que Teddy Mayer
começou a ouvir. Hunt relembrou: “Aquele era um dos
problemas que eu tinha com a McLaren: era difícil
convencê-los a fazer o que quer que fosse. Logo de cara,
eu disse que aqueles 3/8 de polegada na traseira
estavam acabando com o carro. Alguma coisa essencial
tinha mudado, então por que não colocamos tudo de
volta no exato lugar onde estava na Espanha, só que
dentro do limite de largura?”.
O apoio de Mayer forçou Caldwell a escutar Hunt. Os
mecânicos já haviam deixado o carro na mesma
configuração do GP da Espanha — à exceção dos
radiadores de óleo. Mas Caldwell tinha certeza de que a
posição dos radiadores não era o problema;
aparentemente, nada sugeria que fosse. Hunt relembrou:
“Em relação à asa, a movimentação da posição antiga
havia sido tão sutil que não podíamos acreditar que fosse
aquilo”.
Diante da incansável pressão de Hunt e Mayer, Caldwell
acabou forçado a colocar os radiadores de óleo na
posição antiga. Com isso, Teddy Mayer autorizou uma
sessão de testes relâmpago no circuito de Paul Ricard, no
sul da França, para experimentar o carro com as‐ ­
configurações revisadas. Faltavam alguns dias para que a
equipe pudesse fazer os testes permitidos pelas regras,
antes do Grande Prêmio da França propriamente dito.
Caldwell relembrou: “Fomos até lá só com o carro e com
James”.
Segundo Caldwell, no momento em que a equipe
colocou o carro alterado na pista, algumas voltas foram
suficientes para mostrar que o problema havia sido
resolvido. Caldwell disse: “Corremos com os radiadores
mais atrás, e James no volante. Quando colocamos os
radiadores na lateral, James melhorou o tempo em um
segundo e meio”.
Mas Hunt não ficou imediatamente convencido,
conforme o relato de Caldwell. O piloto acreditava que as
constantes mudanças nas condições da pista afetavam
seu tempo. Caldwell disse que Hunt afirmou: “Não, não.
O problema não é o carro, sou eu. A pista está ficando
limpa, os pneus estão trabalhando melhor”. E Caldwell
respondeu: “Bom, só para conferir vamos colocar [os
radiadores] atrás de novo”. De acordo com Caldwell,
Hunt teria dito: “Não, não precisa fazer isso”. Caldwell
retrucou: “Tudo bem, vamos tentar de qualquer jeito”. Os
mecânicos recuaram os radiadores, e Hunt voltou para a
pista. Ao voltar, Hunt perguntou: “E aí, o que
aconteceu?”. Caldwell respondeu: “Você foi dois
segundos mais lento de novo”. Caldwell lembra que Hunt
conti­nuava sem entender, e dizia: “A pista está pior. Não
são os radiadores, eles não fazem diferença nenhuma”. E
Caldwell disse: “Tudo bem, vamos mudá-los de novo”.
Hunt estava cada vez mais irritado, e disse: “Não vou
pilotar o carro”. Ao que Caldwell respondeu: “Ah, vai”. Os
mecânicos mudaram a posição dos radiadores, e
Caldwell recorda: “James diminuiu o tempo em um
segundo e meio, talvez até 1,8 segundo. Aí tivemos
certeza”.
Essa, no entanto, é a versão de Alastair Caldwell para
os acontecimentos. Há quem não concorde. Algumas
pessoas presentes naquele dia de testes dizem que
Caldwell reescreveu a história e fez valer sua versão. Na
realidade, essas pessoas narram exatamente o oposto:
Caldwell não queria fazer as mudanças, e Hunt forçou-o a
fazê-las.
Os comentários de Caldwell foram feitos para o escritor
Christopher Hilton quando Hunt já estava morto — e,
portanto, incapaz de contar a história real. Antes de
morrer, porém, Hunt sempre contou abertamente sua
versão dos acontecimentos. “Estávamos brigando sem
parar até que finalmente eu os convenci [a fazer as
mudanças].”
Hunt revelou que os mecânicos da McLaren perceberam
que mudar a posição dos radiadores em menos de dois
centímetros já seria suficiente para prejudicar a área de
pressão extremamente sensível abaixo da asa traseira e
atrapalhar o fluxo de ar. Pouco depois, a McLaren-Ford
M23 já voltava a mostrar seu potencial para vencer
corridas, e Hunt sentia isso. Foi uma aula de
aerodinâmica que a equipe jamais esqueceria.
Essa, e não a de Alastair Caldwell, é a versão na qual a
maioria das pessoas acredita.
Com a questão resolvida, a sensação de alívio foi geral.
Houve uma espécie de reaproximação entre Hunt e
Caldwell, já que ambos estavam felizes com o fim do
problema. Mas, no fundo, era evidente que ­Caldwell
ficaria ressentido com Hunt dali em diante. Ele vivia
criticando as habilidades do inglês como piloto de testes:
“James não era um bom piloto de testes; preguiçoso,
desinteressado, e oferecia resultados duvidosos”.
Caldwell acrescentou: “Ele tentava ser profissional, mas
sempre foi preguiçoso. Deveríamos ter contratado um
piloto de testes mais competente, para garantir que o
carro ficasse mais rápido. Desse modo, bastaria levar
James pela coleira no dia da corrida, prendê-lo dentro do
carro e deixá-lo correr feito um cachorro louco”.
Peter Collins, ex-diretor da Lotus e mais tarde grande
amigo de Hunt, discordava totalmente dessa opinião, e
afirmava: “James era uma pessoa extremamente
inteligente, pensava na ciência do automobilismo. Pelo
que me lembro, ele foi extremamente eloquente em
relação aos problemas ocorridos depois da Espanha, e
queria apenas que o carro voltasse às especificações
anteriores”.
Tendo trabalhado com Hunt na Hesketh entre 1973 e
1975, Harvey Postlethwaite também discordava
diametralmente dos comentários de Caldwell: “James era
capaz de conversar sobre carros de corrida, pilotagem,
carros que saíam demais de traseira ou de dianteira,
qualquer coisa. Era ótimo trabalhar com ele; muito
inglês, muito pragmático, inteligente. Percebia-se que ele
tinha excelentes conhecimentos técnicos. Ele entendia
de carros e não engolia nenhuma baboseira. Para mim,
foi um sopro de renovação”.
Qualquer que seja a versão correta, era impossível
esconder que, num intervalo de seis semanas, a McLaren
tinha quase acabado com a possibilidade de ganhar o
campeonato mundial — graças aos próprios erros. Tanto
isso era verdade que Hunt não se achava mais em
condições de competir pelo título, conforme ele mesmo
declarou: “Por causa de todos esses problemas, nós
perdemos na Bélgica, em Monte Carlo e na Suécia. Eram
corridas fundamentais para o campeonato. Nosso
desempenho não estava nem um pouco competitivo”.
E o pior: a equipe tinha nas mãos um problema de
relações públicas. Caldwell e Mayer haviam declarado
para o mundo e para a FIA que os dois centímetros a
mais na largura do carro não tinham feito qualquer
diferença no desempenho do carro. No entanto, desde
que a largura fora reduzida, o carro de fato ficara mais
lento. Essa discrepância não melhorava em nada a
chance de a equipe ganhar o recurso apresentado contra
a desqualificação, que seria julgado em breve. Entre as
corridas da Suécia e da França, dezenas de artigos foram
publicados sobre o assunto, e a maioria condenava a
McLaren.
Mas, pelo menos, o carro voltara a ser competitivo. E
James Hunt comprovaria isso de forma retumbante
dentro de alguns dias, no Grande Prêmio da França.
15
Pela primeira vez, Hunt vence
para valer
A Ferrari sofre com o mal do motor
França: 2 a 4 de julho de 1976

Houve um intervalo de três semanas entre o Grande


Prêmio da Suécia e o da França, marcado para o dia 4 de
julho. A corrida seria realizada nos 5,7 quilômetros do
circuito de Paul Ricard, em Le Castellet, e James Hunt
passou um bom tempo testando e resolvendo os
problemas de sua McLaren. Ao final das sessões pré-
corrida em Paul Ricard, os carros tinham sido examinados
em todos os detalhes, e haviam voltado às
especificações anteriores ao Grande Prêmio da Espanha.
A Ferrari cometeu um erro tático ao não fazer testes em
Paul Ricard, optando por reservar sessões de teste em
Österreichring, na Áustria, e Nürburgring, na Alemanha,
com a Goodyear.
Ao ver que Lauda não havia chegado para os testes,
Hunt percebeu na hora o equívoco do adversário, e ficou
felicíssimo com a ausência da Ferrari nas sessões. Ele
sabia que isso lhe dava uma vantagem, e ­pretendia usá-
la ao máximo. É preciso dizer, em benefício de Daniele
Audetto, que ele queria ir a Paul Ricard fazer testes junto
com Hunt. Mas o chefe da Goodyear, Bert Baldwin,
convenceu-o de que isso era desnecessário. Para acalmar
Audetto, Baldwin apostou 20 dólares que Lauda
conseguiria a pole na França, e disse que não havia
motivo para preocupação.
Depois da fase de testes, durante os dias que
antecederam a corrida, Hunt saiu em busca de diversão.
Instalou-se no hotel Île Rousse, com vista para uma bela
praia repleta de banhistas praticando topless . Foram
cinco dias de puro hedonismo, e ele se sentia em casa:
de dia, inspecionava os possíveis alvos em seu radar,
sem a inconveniência de ver as moças cobertas por
roupa; à noite, levava-as para a cama. Assim foi ao longo
de todo o fim de semana. Mas Hunt exagerou no foie
gras , e acabou passando mal no fim de semana da
prova.
Niki Lauda também tinha preocupações de saúde.
Havia passado o intervalo entre as duas corridas em
casa, com Marlene, que ainda se recuperava do aborto.
Suas costelas já estavam cicatrizadas e era a primeira
vez em dois meses que não sentia dores. Mas o problema
das costelas foi substituído por uma gripe fortíssima, e
ele fungou o fim de semana inteiro.
A exemplo do que ocorreu na McLaren, a fábrica da
Ferrari em Maranello, na Itália, trabalhou pesado naquele
intervalo de três semanas. Ferida pelos humilhantes
revezes sofridos na Suécia, a escuderia apresentou um
amplo redesenho no motor boxer de 12 cilindros, que
ficou significativamente mais potente — embora já fosse
o mais poderoso do grid. Os mecânicos também
trouxeram de volta a suspensão De Dion, que foi
encaixada no carro reserva para ser testada no período
de treinos. Algumas mudanças na suspensão dianteira
foram consideradas ilegais por Jabby Crombac, o oficial
que representava a CSI. Crombac disse a Audetto que as
alterações infringiam o regulamento relativo a peças
móveis de aerodinâmica.
James Hunt iniciou os treinos de classificação com um
humor confiante. Na primeira sessão, foi o segundo mais
rápido, perdendo apenas para a Brabham-Alfa Romeo de
Carlos Pace. Na segunda, ficou em primeiro lugar, à
frente da Ferrari de Niki Lauda. Os tempos registrados no
primeiro dia foram os mais rápidos da etapa de
classificação, e a sessão final, no sábado, foi mais lenta.
Por isso, Hunt acabou ficando na pole position. Estava
claro que a McLaren voltara à velha forma, e o alívio
sentido pela equipe naquela tarde na França era quase
palpável.
Niki Lauda, por sua vez, não se divertia tanto. Os
técnicos de motor da Ferrari demonstravam cautela em
relação à introdução do novo motor. Os engenheiros
impuseram um limite de rotações por minuto —
gradualmente aumentado ao longo do fim de semana,
conforme os técnicos ganhavam confiança. Mas esses
limites prejudicavam os esforços de Lauda para garantir
uma boa posição no grid, principalmente diante dos
rápidos tempos registrados no primeiro dia de treinos.
Não fossem as restrições ao motor e os tempos
desclassificados, Lauda e Regazzoni sem dúvida teriam
dividido a primeira fila do grid. Provavelmente também
teriam notado antes os problemas que no dia seguinte
enfrentariam nos motores.
Lauda passou o período de treinos insatisfeito com o
carro. Ventava muito em Paul Ricard, e as condições
meteorológicas mudavam de uma hora para outra — o
que, mais uma vez, era inconveniente para a Ferrari, que
prosperava em condições estáveis de pista. Lauda não
parava de resmungar: “Um dia faz calor, e o carro se
comporta de um jeito. No dia seguinte está frio, e o carro
muda. Aí eles fazem mais umas corridas imbecis e
enchem a pista de óleo. Desse jeito, o cara que entender
melhor o próprio carro... vai ganhar a corrida”.
Tendo resolvido todos os problemas técnicos da
McLaren, Alastair Caldwell voltou com tudo ao comando
da escuderia — e toda a sua perspicácia veio à tona.
Conforme os treinos de classificação avançavam, seu
olhar aguçado notou que os pneus Goodyear usados por
Hunt apresentavam um comportamento estranho: depois
de algumas voltas rodando, eles ficavam mais rápidos e
com desempenho mais estável. Caldwell observou
também que os pneus eram inconstantes quando ainda
estavam novos e frios.
O chefe reuniu a equipe e disse que eles iriam correr
um risco: começariam a prova com um conjunto de
pneus parcialmente usados. Assim, ele acreditava, o
desempenho seria constante ao longo da corrida. Hunt
pensou na sugestão e concordou com a análise de
Caldwell, assentindo em começar a corrida com pneus
usados. Ele disse: “Poderíamos confiar num
comportamento mais estável durante toda a corrida”.
Infelizmente para a Ferrari, Daniele Audetto não teve a
mesma esperteza. Como sempre, Lauda largou com um
conjunto de pneus novos. Na verdade, caminhando pelo
grid, Audetto ficou surpreso ao ver que Hunt e Mass
começariam com pneus usados. Lauda estava com pneus
novinhos, que haviam sido amaciados de leve pouco
antes, nas voltas de aquecimento.
Pneus novos eram a melhor escolha para a largada,
fato comprovado por Lauda ao tomar uma bela distância
logo de início. Ele deixou Hunt para trás sem qualquer
dificuldade, e a cada volta aumentava a vantagem em
um segundo. Mas Hunt não demorou a perceber que o
motor de Lauda estava com problemas. Havia um rastro
de vapor saindo pelo escapamento — sinal de que algo
estava errado. Diante disso, Hunt decidiu ganhar tempo
e manter a segunda posição. Depois de sete voltas, Hunt
via com clareza que o motor de Lauda perdia óleo e água
pela parte traseira, e sabia que seria uma questão de
tempo até que estourasse.
No início da nona volta, o motor de Lauda cedeu. O
piloto conseguiu afundar a embreagem rapidamente,
antes que fosse cuspido para fora da pista. Ele chamou a
experiência de “aterrorizante”, e disse: “Aconteceu de
repente, bem no meio da reta Mistral: um silêncio
repentino e as rodas traseiras travaram. A Ferrari rodou,
ficou fora de controle e atravessou a pista. Nunca pisei
na embreagem tão rápido na vida”.
Lauda encostou e parou, com o eixo do virabrequim
quebrado. Sentou no cockpit sem acreditar no que havia
acabado de acontecer. Ele nem lembrava mais da
sensação de abandonar uma prova e não marcar pontos.
Aquele motor quebrado marcou o fim de uma série de
dezessete Grandes Prêmios seguidos sem abandono de
prova. A última vez em que havia sofrido uma falha
mecânica fora no Grande Prêmio de Mônaco de 1975.
Clay Regazzoni, colega de Lauda na Ferrari, recebeu
instruções dos boxes para partir para cima de Hunt.
Assumiu a liderança usando toda a potência do motor
Ferrari revisado, e aproveitou as longas retas de Paul
Ricard para aumentar a vantagem sobre a McLaren de
Hunt. Onze voltas depois, no entanto, a Ferrari de
Regazzoni também sofreu uma falha no virabrequim, e o
motor não aguentou. O problema é que Regazzoni não
era tão hábil quanto Lauda, e não pisou na em­breagem a
tempo. Ele rodou feito um louco pela pista, e tudo
apontava para um acidente grave. Mas a velocidade
acabou diminuindo, o carro foi contido pela grade de
proteção e parou em segurança. Os mecânicos da Ferrari
ficaram desolados com o abandono dos dois carros. Os
engenheiros haviam feito tudo errado. Depois da
decepção na Suécia, tinham introduzido rápido demais os
novos motores, exageraram na cautela durante os
treinos e agora pagavam o preço, com as duas Ferraris
fora da corrida. Era um tremendo gol contra. Lauda
declarou apenas: “Percebemos que a tentativa de
espremer mais alguns cavalos de potência dos motores
tinha sido um exagero naquele momento”.
Depois disso, Hunt liderou a prova com facilidade. Ficou
à frente do Tyrrell-Ford de seis rodas de Patrick Depailler
até a 40ª volta, quando sentiu enjoo e vomitou dentro do
capacete. O fato de que não teve de fazer praticamente
nada durante os dois terços finais da prova não ajudou, e
Hunt mal conseguiu receber a bandeirada quadriculada,
seguido por Depailler, que chegou doze segundos depois.
John Watson ficou em terceiro, e Carlos Pace, em quarto.
A despeito da vitória confortável, Hunt sabia que tivera
sorte, e disse: “As primeiras voltas foram meio
deprimentes por causa dos motores especiais da Ferrari.
Elas ­simplesmente sumiram à minha frente, e não pude
fazer nada. Elas deslizavam pelas retas e ganhavam na
base da potência, e de fato abriram uma grande
vantagem. Mas é preciso dar crédito ao controle de
qualidade deles, já que me entregaram a corrida de
bandeja — e eu precisava muito dessa vitória”.
Passada a comemoração no pódio, houve um susto com
a desclassificação de John Watson: sua asa traseira foi
considerada alta demais. Os comissários também
afirmaram ter dúvidas quanto à legalidade da asa
traseira de Hunt. As duas horas seguintes foram tensas
para o piloto da McLaren, que ficou à espera do
veredicto. A decisão final acabou livrando-o das suspeitas
de irregularidade. Quando os comissários anunciaram a
decisão, os mecânicos da escuderia comemoraram
enlouquecidamente, enquanto preparavam os carros
para deixar o circuito.
A história da França foi a história do retorno da
McLaren. A vitória no Grande Prêmio da Espanha foi
recuperada, bem como os nove pontos que fizeram Hunt
saltar para o alto da classificação do campeonato,
assumindo o segundo lugar, a apenas 26 pontos de
Lauda. O resultado teve um efeito duplo: Hunt ganhou
nove pontos e Lauda perdeu três; a rigor, isso significava
que, no total, Hunt havia ganhado doze pontos.
16
A FIA devolve os pontos de Hunt
Uma guinada em Paris
Paris: julho de 1976

Depois do Grande Prêmio da França, James Hunt voltou


para o hotel com os mecânicos da McLaren para
comemorar com as meninas da praia. Mas a farra não foi
até tão tarde quanto ele gostaria, uma vez que ele e
Teddy Mayer tinham de pegar um voo para Paris. A
audiência que julgaria o recurso apresentado pela
McLaren contra a desclassificação no Grande Prêmio da
Espanha estava marcada para a manhã do dia seguinte.
Mayer apresentara o recurso logo depois da
desclassificação na Espanha, e tinha um objetivo claro:
fazer com que a vitória de Hunt fosse reconhecida, e a
punição reduzida a uma pequena multa. O dirigente
declarou: “Do ponto de vista técnico, não nego que o
carro estivesse infringindo as regras; mas todos os carros
no grid da Espanha poderiam ter sido desclassificados
por alguma pequena violação das normas. Só queremos
que a punição imposta a James seja reduzida”. Era uma
estratégia extremamente inteligente, pois evitava
qualquer polêmica ou julgamento sobre a infração —
colocando em questão apenas a punição.
Na madrugada do dia seguinte, Hunt, Mayer e Colin
Chapman, o chefão da Lotus, subiram no jatinho de
Chapman e foram para Paris. Chapman teve a
generosidade de depor a favor da McLaren sobre as
questões técnicas que haviam levado à desclassificação
de Hunt. Dean Delamont, secretário do Real Automóvel
Clube de Londres, também seria testemunha.
A audiência foi realizada na sede da FIA, na Place de la
Concorde, diante de cinco juízes indicados pela
federação. Chapman e Delamont foram as celebridades
que serviram como testemunhas, e sustentaram que a
punição havia sido excessivamente severa. Ao final,
Mayer — ele mesmo um advogado de renome — resumiu
o caso com uma mensagem eloquente, simples e direta:
“A punição não estava de acordo com o crime”. Mayer
pediu que os juízes substituíssem a desclassificação por
uma multa, e sentiu que suas palavras haviam causado
efeito no tribunal. Mayer deixou o local animado com a
imparcialidade dos juízes. Mais tarde, ele declarou: “Era
óbvio que não havia um prejulgamento da questão”.
Os cinco juízes se reuniram para deliberar ao longo de
24 horas.
Na manhã de terça-feira, Jean-Jacques Freville,
secretário-geral da FIA, foi até a porta da Federação e
disse aos jornalistas de plantão que a McLaren de Hunt
estava “apenas minimamente fora das regras”. Sua
declaração foi a seguinte: “A exclusão sofrida pelo carro
da McLaren pilotado por James Hunt, que havia vencido a
prova, está anulada, e essa decisão abrange todas as
consequências relacionadas ao episódio”. Os pontos de
Hunt no campeonato foram devolvidos — e, no lugar da
punição anterior, a equipe recebeu uma multa de três mil
dólares. De acordo com Caldwell, a vitória na França
(com o carro já de volta às especificações pré-Espanha)
sustentara o sucesso do recurso apresentado pela
equipe. Ele disse: “Tenho certeza de que a vantagem
psicológica obtida com a vitória da véspera foi
determinante. Se não tivéssemos vencido a corrida, a
Ferrari teria ganhado a parada. Eles teriam dito: ‘Olha aí,
esses safados perderam a competitividade porque
deixaram o carro mais estreito; isso significa que
contaram com uma vantagem injusta na Espanha,
quando o carro estava mais largo. Eles não devem
receber os pontos de volta’. Ao vencer com o carro mais
estreito, provamos que isso não fazia diferença, e a
audiência no tribunal disse: ‘É isso mesmo’”.
Mal acreditando na guinada nos acontecimentos, James
Hunt disse apenas: “Foi uma surpresa agradável ser
reclassificado na prova da ­Espanha”.
Somados aos pontos conquistados na França, os pontos
devolvidos pela FIA representavam dezoito pontos a mais
para Hunt — sendo que Lauda perdera três. Num
intervalo de apenas dois dias, Hunt havia reduzido em 21
pontos a distância que o separava de Lauda. O austríaco
contava agora com 52 pontos, e Hunt subira para 26.
Com meia temporada pela frente, conquistar o título
mundial não parecia mais tão impossível quanto se
imaginava 48 horas antes.
17
Fiasco em casa
Uma inesquecível tarde de domingo
Brands Hatch: 16 a 18 de julho de 1976

Depois da corrida na França, James Hunt estava a apenas


26 pontos de Niki Lauda na classificação. Faltando oito
corridas para o fim do campeonato, e com 72 pontos em
jogo, o páreo seria duro.
A vitória de Hunt na França deu o tom do Grande
Prêmio da Inglaterra, no circuito de Brands Hatch: Hunt e
Lauda iriam medir forças, assim como a Ferrari e a
McLaren.
Os jornais britânicos estavam tomados pelos inevitáveis
palpites sobre as possibilidades de Hunt vencer o GP da
Inglaterra. O último piloto inglês a vencer aquela prova
fora o falecido Peter Collins, em 1958, dezoito anos
antes, pilotando uma Ferrari.
A imprensa italiana também estava inquieta,
alimentando uma campanha de ódio contra Hunt entre
os italianos. Uma declaração de Enzo Ferrari dera início
àquele fim de semana raivoso: aos jornalistas italianos,
ele dissera que a decisão de devolver os resultados do
GP da Espanha a Hunt era um “veredicto perverso”, e
que a melhor vingança seria ver seus carros humilhando
a McLaren quando a escuderia corresse em casa.
Niki Lauda ficou enfurnado em casa, em Salzburgo,
aproveitando o longo e quente verão de 1976 à beira da
piscina recém-inaugurada. Ele planejava ficar à toa até a
corrida, fazendo apenas um dia de testes na pista
particular da Ferrari, em Fiorano.
James Hunt, por outro lado, foi de Nice direto para
Londres, e viveu dez dias intensos antes da corrida.
Naqueles últimos meses, ele se tornara uma celebridade
na Grã-Bretanha, e seus principais patrocinadores —
Texaco, Vauxhall e Marlboro — aproveitavam a situação,
preparando uma agenda repleta de compromissos para o
piloto.
Hunt estrelou um grande evento no Royal Albert Hall de
Londres, com direito a transmissão pela televisão,
batizado de “Noite do Grande Prêmio com as Estrelas”.
Os camarotes estavam repletos de celebridades em
trajes de gala, dispostas a desembolsar quinhentas
libras, impulsionadas pelo objetivo principal de dar uma
olhada no novo herói nacional. Hunt fez valer o preço do
ingresso e tocou trompete no palco.
Já no Texaco Tour of Britain, um rali com pilotos famosos
— profissionais e amadores —, Hunt pilotou um Vauxhall.
Seu copiloto foi Noel Edmonds, apresentador de um
programa de rádio da BBC. Os jornais acompanharam
todos os dias do evento, marcados por incidentes, e
publicaram manchetes exageradas sobre Hunt e
Edmonds. Mas a dupla sofreu tantos revezes que o
Vauxhall ficou para trás, e acabou abandonando a prova
antes do fim.
O público britânico se identificava com Hunt mais do
que com os compatriotas que o antecederam. Ele era
amado porque era diferente; era diferente porque usava
camiseta e calça jeans, andava descalço, acendia um
cigarro no outro e bebia litros de cerveja. Sua
apresentação tocando trompete, transmitida pela
televisão, também causou enorme impacto.
Depois do rali, Hunt foi descansar na casa dos pais, em
Surrey. Ele explicou: “Percebi que estava no limite,
completamente exausto. Aquele clima de paz e
tranquilidade foi uma espécie de casulo aconchegante.
Eu precisava ficar sozinho e relaxar completamente
antes de entrar no ritmo frenético que é essencial para
obter um bom resultado nas corridas”.
Niki Lauda estava tenso antes da prova. Por mais
confortável que fosse sua posição no alto da tabela do
campeonato, ele percebia que Hunt estava numa maré
de vitórias. Lauda também tinha consciência dos
prejuízos causados pela política interna de sua escuderia;
ele achava que havia algum desastre prestes a
acontecer. O piloto sabia que poderia perder o título por
causa da equipe, mesmo que desconsiderasse a
concorrência com Hunt. Ele achava ainda que as
autoridades britânicas poderiam tentar favorecer Hunt e
a McLaren, prejudicando a Ferrari e ele próprio. Lauda
tinha certeza de que o mesmo aconteceria com as
autoridades italianas — que trabalhariam a seu favor
quando chegasse a hora do Grande Prêmio da Itália.
Para se prevenir, Lauda telefonou para Luca di
Montezemolo, ex-dirigente da Ferrari, que estava em
Turim. Ele implorou para que o italiano fosse à Grã-
Bretanha ajudá-lo durante o fim de semana da prova.
Numa reação surpreendente, Montezemolo concordou,
desde que Lauda fosse à Itália buscá-lo em seu avião
particular para levá-lo a Brands Hatch. Lauda foi.
O circuito estava lotado desde a quinta-feira anterior ao
Grande Prêmio. A lotação máxima era de cerca de 80 mil
pessoas, e havia muitos anos que a corrida não atraía
tantos espectadores.
O fato de a corrida ser realizada na sinuosa pista de
Brands Hatch, e não em Silverstone, era positivo para
Lauda. Brands Hatch não era o tipo de pista preferido por
Hunt, tampouco o mais adequado para a distância mais
ampla entre os eixos, característica da McLaren.
A Ferrari preparou-se ao máximo para a corrida. A
equipe construiu um carro novo para Lauda, decidiu usar
um chassi número 28 e amaciou o carro numa sessão de
testes em Fiorano. O novo modelo era mais leve, já que
não tinha a estrutura interna que endurecia o chassi do
carro anterior de Lauda (a rigidez do modelo antigo havia
se mostrado desnecessária). Lauda passou a primeira
manhã de treinos amaciando o novo carro.
A presença de Montezemolo fez com que Lauda
abandonasse a postura letárgica dos últimos dias e
adotasse uma atitude mais relaxada e atrevida.
Montezemolo botou fogo na polêmica, e declarou aos
jornalistas que o objetivo de sua presença era “proteger
os interesses da Ferrari das autoridades locais”.
Em nenhum momento houve qualquer dúvida de que a
batalha pela pole seria travada entre os dois homens. Os
outros pilotos não tinham a menor chance. Lauda
experimentou vários carros, e chegou a achar que o
motor estava prestes a estourar. Mas acabou mudando
de ideia, e decidiu ficar com o carro novo. Hunt se
concentrou no carro de sempre, e melhorava o próprio
tempo a cada volta.
No primeiro dia, Hunt superou Lauda e fez o melhor
tempo, ficando à frente de Ronnie Peterson. No sábado,
entretanto, quando Lauda finalmente se entendeu com o
novo chassi, ninguém se surpreendeu quando o austríaco
assumiu a pole e deixou Hunt na segunda posição. O
tempo do inglês foi seis centésimos de segundo mais
lento naquela pista de 4,2 quilômetros.
Em Brands Hatch, porém, a pole de Lauda não
representava uma vantagem tão grande, já que ele
estava do lado errado da primeira fila. Isso significava
entrar na primeira curva por dentro — uma curva à
direita, cujo traçado empurrava os carros para fora. A
pista era levemente inclinada na altura da linha de
largada, e havia a possibilidade de deslizar para a
beirada do declive caso os pneus derrapassem na saída.
Na verdade, o segundo lugar no grid era a melhor
posição para largar. Lauda sabia disso, e, como tinha
direito a escolher, decidiu largar pelo lado esquerdo — o
lado mais elevado —, para garantir um ângulo maior
antes de entrar na Curva Paddock.
Dessa forma, para todos os efeitos, Hunt estava na
pole, mesmo tendo feito o segundo melhor tempo.
Alguns observadores acreditavam que Hunt fizera corpo
mole durante os treinos, pois era justamente isso o que
queria; ele estaria escondendo o jogo de Lauda, que teria
tentado adivinhar a posição preferida por Hunt. A Ferrari
de Regazzoni ficou em terceiro, atrás de Hunt, e a Lotus
de Mario Andretti ficou em quarto. Com 26 carros, o grid
estava extremamente concorrido, e os pilotos estavam
separados por diferenças de no máximo três segundos.
O circuito de Brands Hatch fica num anfiteatro natural,
e tem um astral incomparável, todo especial. Naquele
dia, entretanto, havia um clima jamais visto na Grã-
Bretanha — e que jamais se voltou a ver. Na manhã da
corrida, a multidão que tentava chegar ao local para ver
o ídolo deixou todas as estradas engarrafadas, e a
ansiedade atingia níveis elevados conforme os fãs
apareciam para aguardar o início da batalha entre Hunt e
Lauda.
Quando os carros se alinharam no grid, o ar parecia
carregado de eletricidade. Hunt acenou para a multidão.
Ninguém se surpreendeu quando ele fez uma largada
ruim, como de costume. Clay Regazzoni, porém, disparou
da segunda fila e acertou em cheio o carro de seu
companheiro de equipe. Hunt descreveu a cena: “Clay
fez uma largada excelente — ele realmente saiu voando.
Passou pela minha esquerda, alinhou-se à frente do meu
carro e mergulhou no lado interno de Niki, vindo lá de
trás. Foi bem ridículo. Niki já estava entrando na curva
quando Clay apareceu e acertou o carro dele”.
Por um breve segundo, Hunt ficou eufórico: parecia que
Lauda estava fora, graças ao próprio companheiro de
escuderia. Ele relembrou: “Acho que deu para aproveitar
aquela sensação por meio segundo; para mim, foi
maravilhoso e muito divertido ver os dois pilotos da
Ferrari saírem da pista por sua própria culpa. Mas logo
ficou claro que eu me daria mal também. Pisei no freio,
porque não havia por onde passar, e me acertaram por
trás. Aí foi o caos. Eu bati no carro de Regazzoni, que
estava escorregando para trás, e minha roda traseira
subiu na dele. Não deu nem tempo de sentir medo ou
perceber que eu poderia ter sido esmagado”. O acidente
foi espetacular, e Hunt descreveu a manobra de
Regazzoni como “um grave ataque de apagão cerebral”.
Embora a McLaren de Hunt tenha sido arremessada
pelos ares, ela caiu no chão exatamente com as rodas
para baixo. O motor continuou rodando, Hunt engatou a
marcha e soltou a embreagem. O carro chegou a se
mexer, mas era evidente que o volante e a suspensão
dianteira haviam sofrido sérios danos.
Na verdade, o carro de Hunt foi muito danificado,
conforme ele relatou: “O carro voou pelos ares, e, quando
aterrissou, a suspensão dianteira quebrou. Tive de sair
me arrastando pelos fundos do circuito”.
Enquanto rastejava pela parte da pista conhecida como
curva Druids, Hunt viu a bandeira vermelha; a corrida
fora interrompida, e haveria uma nova largada. Ele
relembrou: “Gritei de alegria. Era como se eu tivesse
ganhado presentes por todos os meus aniversários, de
uma vez só. Um segundo antes eu estava desesperado
com minha falta de sorte, mas agora tudo ia começar de
novo. Entrei na pista lateral, rumo aos boxes, porque o
volante do carro não estava obedecendo direito.
Abandonei o carro, corri pela reta dos boxes e fui chamar
os caras para resolver”. Enquanto Hunt caminhava, um
jornalista lhe perguntou o que havia acontecido. Ele
respondeu: “Deixa pra lá. Será que você tem um cigarro
aí, meu velho?”.
A brincadeira de Hunt escondia a leve dor que ele
estava sentindo; seu polegar direito havia sido atingido
pelo volante, que girou enlouquecido quando o carro saiu
voando. Hunt, porém, descobriria em breve que esse era
o menor dos problemas.
Para surpresa geral, os outros pilotos tinham
conseguido contornar com segurança o local do acidente,
que estava cheio de destroços. Os oficiais de prova
correram para lá, e a pista foi liberada um minuto e meio
depois. Logo ficou evidente que a decisão dos
comissários de interromper a corrida fora prematura, já
que os carros envolvidos e os destroços foram
rapidamente retirados. Com a pista livre, não havia
necessidade de ter parado a prova.
Ao ver o ocorrido, Daniele Audetto correu até a torre de
controle e teve um ataque. Disse que os comissários
britânicos tinham ­interrompido a corrida com a intenção
deliberada de dar uma nova largada à M ­ cLaren de Hunt.
Alan Henry, um conhecido jornalista, assistiu a toda a
movimentação de um ponto de vista privilegiado. Ele não
conseguia acreditar que Hunt continuava correndo
quando a bandeira vermelha foi mostrada. Henry conta:
“Acho que James tinha total consciência de que estava
fora da prova, de que tinha parado. Não deveriam ter
deixado que ele largasse novamente, e acho que foi o
poder de Teddy Mayer em particular, e a pressão que ele
exerceu sobre os comissários, que garantiram o retorno
de Hunt à corrida”.
Hunt não pensava assim, e realmente não sabia que
era contra as regras fazer uma nova largada. A princípio,
sua ideia era usar o carro reserva para recomeçar. Mas
ninguém estava totalmente certo de que a primeira
corrida havia sido completamente abortada.
Cada um tinha a própria opinião sobre o que iria
acontecer a seguir. Quase todos os dirigentes de equipe
e oficiais de prova estavam reunidos na torre de controle
de Brands Hatch, que ficava logo acima da linha de
largada.
As regras não explicavam com clareza o que deveria
ser feito quando a primeira volta de uma corrida não
tivesse sido completada.
Uma vez que a largada poderia ter sido declarada
abortada, Alastair Caldwell decidiu trabalhar com várias
alternativas. Os mecânicos de Hunt foram consertar o
carro do piloto, enquanto Caldwell mandou outros
mecânicos prepararem o carro reserva. Hunt contou:
“Eles não sabiam ao certo com qual carro poderíamos
largar de novo”. Na verdade, enquanto se resolvia a
polêmica sobre qual carro poderia ser usado, os
mecânicos da McLaren levaram o carro reserva até o grid
e o colocaram em posição de largada.
Hunt relembrou: “Os comissários não conseguiam
decidir o que ­fazer, porque as regras não eram claras. E
é claro que, diante dessa situação, vários dirigentes de
equipe começaram a dar palpites sobre o assunto. Os
comissários estavam confusos, as regras eram confusas,
e o caos tomou conta de tudo”.
As regras diziam o seguinte: “Quando a bandeira
vermelha é mostrada, a corrida deve ser interrompida
imediatamente, e, caso a prova seja reiniciada, todas as
pessoas que estiverem competindo naquele momento
podem fazer uma nova largada”.
Caldwell e Mayer sabiam exatamente o que tinham de
fazer: adiar a nova largada o máximo possível. Sendo
assim, os dois decidiram tocar fogo na discussão que se
desenrolava na torre de controle, para dar aos mecânicos
da McLaren minutos que seriam valiosos no conserto do
carro de Hunt. De quinze em quinze minutos, Caldwell
circulava entre os boxes e a torre, dando relatórios a
Mayer sobre a situação do conserto.
As justificativas para impedir Hunt de largar novamente
eram complexas, mas sustentavam-se no argumento de
que ele não havia completado uma volta inteira no
momento do acidente. Além disso, ele entrara nos boxes
pelo lado errado — mas, no calor dos acontecimentos,
ninguém iria desclassificá-lo por causa disso.
Hunt argumentava que tinha visto a bandeira vermelha
e obedecido às instruções, parando de correr
imediatamente. Os dirigentes das equipes rivais
afirmavam que um piloto que não tivesse completado
uma volta não poderia competir. Defendiam a
desclassificação de Hunt por ter entrado nos boxes pelo
lado errado — já que em nenhum momento um carro
pode ser deliberadamente pilotado na contramão
durante uma corrida. Quanto a isso, a regra era clara.
Caldwell e Mayer sustentavam que a solução mais
óbvia era considerar a primeira corrida nula e inválida.
Não se tinha notícia na história da Fórmula 1 de uma
corrida interrompida depois de apenas 140 metros de
prova. Mas os comissários decidiram que a prova fora
mais longa que isso, já que Lauda tinha avançado um
pouco mais e conseguira retirar o carro da cena do
acidente depois do choque com Regazzoni. Os
comissários disseram ainda que, no momento em que a
bandeira vermelha apareceu, Lauda liderava a corrida.
Três carros — a McLaren de Hunt, a Ferrari de Regazzoni
e a Ligier de Jacques Laffite — haviam saído danificados
do acidente. Por isso, trinta minutos depois, quando os
carros foram chamados novamente para se alinhar no
grid, esses três pilotos surgiram em carros reservas. A
corrida estava prestes a recomeçar, e os alto-falantes do
circuito anunciaram oficialmente que a prova seria
reiniciada como se a primeira volta não tivesse
acontecido. Mas esse comunicado foi seguido por outro,
dando conta de que os carros que não tivessem
completado a primeira volta da prova anterior não
poderiam largar novamente. Ficara decidido que Hunt,
Regazzoni e Lafitte estavam fora da nova largada.
Na plateia, a multidão de torcedores britânicos assistia
a tudo e escutava em silêncio. A princípio, pareciam
estoicos, prontos a aceitar a decisão de que Hunt seria
excluído.
Naquele dia, porém, um encrenqueiro estava na
arquibancada; um homem determinado a garantir uma
nova largada para James Hunt.
O nome dele era Andrew Frankl, um editor de origem
húngara que estava trabalhando como fotógrafo no fim
de semana da corrida. Frankl era o fundador da Car
Magazine , e fotografava a prova voluntariamente, uma
vez que a tarefa garantia uma cobiçada credencial, com
direito a acesso livre a todos os lugares do circuito. Ele
era fanático por carros, e durante o fim de semana
circulou por Brands Hatch com o objetivo de se divertir e
conversar com as meninas bonitas da plateia. Ele tinha
seu charme, e levava jeito com as mulheres.
Mas Frankl tinha também um passado mais sério.
Quando jovem, havia participado do levante húngaro
contra os russos, em 1956. Seu envolvimento naqueles
acontecimentos acabou fazendo com que ele saísse da
Hungria e fugisse para a Inglaterra. O resultado da
experiência em seu país natal eram bons conhecimentos
sobre como inflamar o público.
No momento do incidente, Frankl estava na parte
interna do circuito, perto da pista dos boxes. Ao ouvir que
Hunt seria excluído, ele ficou revoltado e decidiu tomar
uma atitude. Encostou na grade diante da área reservada
para o público e gritou para alguns torcedores, num sinal
para que se aproximassem. Surpreendentemente, o
grupo obedeceu. O húngaro tinha uma liderança natural,
e as pessoas fizeram exatamente o que ele disse. Frankl
ordenou que os torcedores começassem a gritar:
“Queremos James”. Minutos depois, já havia cerca de
trinta fãs repetindo essas palavras, e Frankl regia todos
como um maestro, usando um graveto encontrado no
chão. Anthony Marsh, comentarista do circuito, ajudou
Frankl a angariar mais gente, e começou ele mesmo a
cantar pelos cento e poucos alto-falantes espalhados
pela pista.
Diante daquele canto, os outros 80 mil torcedores se
juntaram ao coro, e em pouco tempo as palavras
“queremos James” já estavam ­ecoando de forma
ensurdecedora por Brands Hatch.
O urro de 80 mil fãs gritando em perfeito uníssono era
um espetáculo à parte. Os comissários britânicos mal
conseguiam se ouvir na torre de controle. Passados cerca
de dez minutos, Frankl pediu a seu grupo que começasse
a bater palmas devagar. Aos poucos, a multidão foi
aderindo, e começou a bater palmas no mesmo ritmo
lento. Frankl afirma que foi a primeira vez que 80 mil
pessoas bateram palmas lentamente ao ar livre na
história da Grã-Bretanha, e o efeito foi sensacional.
A manifestação, contudo, não foi totalmente pacífica.
Os fãs começaram a ficar irritados e a arremessar
garrafas e latas na pista. A multidão que lotava a
arquibancada principal, no lado oposto dos boxes,
parecia prestes a invadir o asfalto, numa batalha para
interromper a passagem dos carros e impedir uma nova
largada sem Hunt. Projéteis de todo tipo se abatiam
sobre os comissários de pista, e eles temiam o que
poderia acontecer.
Àquela altura, Hunt já havia aceitado a própria sorte.
Mas a reação dos torcedores despertou seus instintos
mais primitivos. Ele ficou emocionado com o apoio da
multidão, e sua determinação de reiniciar a prova
aumentou ainda mais.
Na ausência de Mayer e Caldwell, que estavam na torre
ocupados com suas estratégias para atrasar a nova
largada, Hunt assumiu o comando. A despeito da ordem
dada pelos comissários, ele mandou os mecânicos
deixarem o carro reserva no grid e disse que não
deveriam tocar na McLaren. Hunt declarou aos
mecânicos que nada nem ninguém o impediria de largar
novamente — mesmo que ele fosse desclassificado
depois. Os mecânicos da Ferrari e da Ligier seguiram o
exemplo de Hunt, e fizeram o mesmo.
Hunt sabia que contava com o apoio de 80 mil pessoas.
Os comissários que estavam no grid temiam o que
poderia acontecer caso Hunt não corresse, e estavam
atentos aos esforços alucinados para consertar o carro do
piloto. No final das contas, eles quase participaram da
conspiração para atrasar o reinício. Hunt contou: “Foi
uma sensação maravilhosa sentar no carro sabendo que
eu contava com todo aquele apoio. Foi realmente
incrível”.
Percebendo o que poderia acontecer, Daniele Audetto
correu para a torre de controle e mostrou-se inflexível: se
Hunt largasse com o carro reserva, Regazzoni faria o
mesmo. Alastair Caldwell resolveu discutir, só para
prolongar o debate — embora já estivesse claro que
todos seriam desclassificados.
Caldwell, no entanto, não estava interessado em correr
com o carro reserva; sua intenção era apenas desviar a
atenção. Ele sabia que Hunt receberia uma bandeirada
preta caso largasse no carro reserva. Mas se o carro
titular fosse consertado a tempo, isso mudaria tudo, já
que provavelmente seria aceito na pista.
Hunt explicou: “Percebemos que o carro reserva estava
fora de questão. Por isso tentamos prolongar a polêmica,
enquanto eles consertavam meu carro às pressas no
box”.
Nesse meio-tempo, John Webb — o diretor que
representava os proprietários do circuito e, em última
análise, era responsável pela segurança do público —
admitiu que Hunt teria de receber permissão para
continuar. Seguindo os conselhos da polícia local, Webb
pediu aos comissários que deixassem Hunt largar
novamente.
Webb relembra: “Na época, eles não acharam aquilo
tão grave, porque o público britânico que frequenta
corridas não costuma sair de controle. O problema se
resumia ao fator James Hunt”. Hunt disse: “Os
organizadores, e não os comissários, decidiram que a
prova só recomeçaria comigo, não importava o que
acontecesse, porque [a multidão] estava jogando latas
de cerveja na pista”.
Na torre de controle, os comissários consultavam o
manual de normas da FIA. Os dirigentes de equipe
assistiam a tudo, cada um com uma opinião diferente
sobre o que deveria acontecer, já que as regras
simplesmente não previam aquele tipo de situação.
Os demais dirigentes tinham percebido a estratégia de
Caldwell e sua evidente tentativa de ganhar tempo.
Àquela altura, porém, já estavam todos ao lado de
Caldwell, porque a multidão se mostrava cada vez mais
nervosa. Hunt relembrou: “A plateia virou um bando de
hooligans . Nunca vi nada parecido. Eles estavam de
saco cheio das regras, não queriam mais enrolação.
Queriam assistir à corrida”.
Depois de uma hora de idas e vindas, o carro de Hunt
finalmente foi empurrado de volta ao grid, e o carro
reserva saiu da pista. Os mecânicos haviam trocado a
coluna de direção e a suspensão dianteira.
Com o carro de Hunt já consertado, Caldwell voltou
para a torre de controle e tentou excluir Regazzoni da
largada. Daniele Audetto olhou incrédulo para Caldwell
quando o representante da McLaren questionou a
permissão de largada para carros reservas. Audetto deu
um berro diante dos comissários, que acabaram
permitindo a Regazzoni e Laffite largar com carros
reservas.
Sendo assim, depois de 90 minutos, a largada da
segunda prova finalmente estava pronta. Os carros
deram uma nova volta de aquecimento, e Hunt achou
que seu carro estava em bom estado. Ele disse: “Os
caras não tiveram tempo de testar o carro na pista, mas
demos umas ajeitadinhas depois da volta de
aquecimento. A princípio ele não estava tão bom, mas
depois começou a ir muito bem”.
Niki Lauda aproveitou a nova largada para sair à frente
de Hunt e Regazzoni. Reconstruído às pressas e com o
tanque cheio, o carro de Hunt não foi nem de longe tão
rápido quanto o de seu concorrente. Entretanto,
conforme o peso do combustível diminuía, Hunt percebia
que era capaz de brincar com o carro e ir mais rápido.
Lauda liderava a meia distância, mas Hunt se
aproximava. O inglês relembrou: “Eu ia me aproximando
de Lauda de forma constante, mas não era o suficiente.
Depois fui ajudado por alguns retardatários, que abriram
caminho. Lauda levou a pior, e cinco voltas depois
comecei a cutucá-lo por trás”.
Ao ver Hunt tentando ultrapassar a Ferrari, a torcida
começou a gritar. Os urros eram tão altos que o piloto
conseguia ouvir, mesmo com o barulho do motor. Na 45ª
volta, Hunt finalmente passou por dentro de Lauda e
tomou a dianteira na subida de Druids Hill. Os fãs foram
à loucura, e as emoções estavam à flor da pele. Hunt
disse: “Eu sabia que tinha pego Lauda. Sabia que estava
no comando, e nossas voltas eram cada vez mais
rápidas. Foi sensacional. Corremos a cerca de 1 minuto e
19 segundos por volta, quase o mesmo tempo com o
qual Niki e eu tínhamos nos classificado, com cargas bem
menores de combustível”.
Naquele cenário, fez sentido que o homem responsável
pela nova largada de Hunt — Andrew Frankl — estivesse
no lugar certo, na hora certa. Frankl conseguiu fazer a
única foto da manobra de ultrapassagem de Hunt.
Depois de ultrapassado, Lauda não tentou reaver a
primeira posição, e consolou-se com o segundo lugar.
Regazzoni e Laffite abandonaram a prova por problemas
mecânicos nos carros reservas, e pouparam aos
comissários o trabalho de desclassificá-los.
Ao cruzar a linha de chegada e ver a bandeira
quadriculada, Hunt ergueu os dois braços no ar e acenou
para a torcida, que estava em êxtase. Ele declarou:
“Brands é um circuito intimista, a gente sente a vibração
da plateia mais do que em qualquer outra pista. Dá para
perceber a emoção e a movimentação o tempo todo,
mesmo que você não esteja olhando para a plateia. Ela
está lá, e você reage”.
Do ponto de vista de Hunt, ele havia vencido o Grande
Prêmio da Inglaterra dentro das regras e com toda a
correção. Entretanto, nem todo mundo pensava assim —
e esse certamente era o caso de Daniele Audetto. A
princípio, Ferrari, Tyrrell e Copersucar apresentaram‐ ­
reclamações oficiais contra a vitória de Hunt. Essas três
escuderias ganhariam pontos caso o piloto da McLaren
fosse desclassificado. No final das contas, Tyrrell e
Copersucar retiraram as reclamações, e os comissários
rejeitaram os argumentos da Ferrari. Esta declarou que
apresentaria um recurso ao tribunal da FIA, em Paris,
mas ninguém levou a ameaça a sério. Considerando que
pouco antes Audetto havia defendido ferrenhamente a
nova largada de Regazzoni no carro reserva, Caldwell
perguntou como ele esperava recorrer contra a largada
de Hunt em seu carro titular. A hipocrisia de Caldwell
deixou Audetto sem palavras: bastou o carro de Hunt ser
consertado para que Caldwell voltasse atrás em seu
argumento a favor de uma nova largada no carro
reserva. Audetto limitou-se a olhar para Caldwell e dizer:
“Sou pago para fazer isso”. Virou as costas e foi embora.
Com a vitória, Hunt ganhou nove pontos e elevou seu
total para 35 pontos, contra os 58 de Lauda. Ele agora
estava a apenas 23 pontos do líder do campeonato.
18
Enzo Ferrari faz a corte a Lauda
Um novo contrato é assinado
Julho de 1976

Meses antes, a intenção de Enzo Ferrari era demitir Niki


Lauda do posto de líder da escuderia e substituí-lo pelo
jovem e inexperiente italiano Maurizio Flammini. Mas,
agora, o fundador da Ferrari já tinha mudado
completamente de ideia, e seu desejo era estender o
contrato de Lauda. A princípio, Enzo pediu que Daniele
Audetto cuidasse da questão.
Audetto foi então conversar com Lauda, e fez uma
oferta informal de 300 mil dólares para que o austríaco
continuasse na escuderia em 1977. Lauda, entretanto,
disse que não tinha interesse em negociar com Audetto e
estava fechado para qualquer negociação importante.
Lauda evitava ao máximo falar com Audetto, e queria
continuar assim. Não havia hipótese de negociar o
contrato com ele.
A recusa de Lauda deixou Enzo enfurecido.
A justificativa para a urgência em estender o contrato
era simples: Lauda liderava o campeonato mundial, com
61 pontos, e acabara de conquistar duas vitórias, na
Bélgica e em Mônaco, além do segundo lugar na Espanha
e na Inglaterra. Ele estava 36 pontos à frente de Hunt,
numa liderança aparentemente insuperável, e tudo
sugeria que seria campeão pelo segundo ano
consecutivo. Lauda também havia vencido o colega de
equipe Clay Regazzoni, que ficara com uma imagem
consideravelmente inferiorizada em comparação à do
austríaco.
A Ferrari também sabia que Lauda estava sendo
cortejado pelo dirigente da Brabham, Bernie Ecclestone,
que queria levá-lo para sua escuderia em 1977.
Considerando que a Brabham usava motores italianos
Alfa Romeo, a mudança teria sido uma tragédia em
termos de relações públicas.
A situação de Enzo, porém, era difícil. Ele sabia que
perdera o respeito de Lauda com o fracassado episódio
de Flammini. Isso era um incômodo, já que Enzo prezava
o relacionamento com os pilotos da Ferrari e gostava de
controlar a situação. Com Lauda, no entanto, a situação
não era bem assim.
Lauda e Enzo Ferrari se conheceram em 1973, quando
o italiano tinha 75 anos. Enzo exalava dignidade — e, a
exemplo de Louis Stanley, chefe anterior de Lauda na
BRM, era craque em fazer aparições públicas. Quando
entrava numa sala, parecia ter ensaiado antes. Certa
vez, Lauda visitou Ferrari no jardim de sua casa. O piloto
ficou esperando ao ar livre, enquanto Enzo se
emplumava todo. O italiano passou por todo o perímetro
da casa antes de chegar à presença de Lauda, no
gramado. Já no primeiro encontro entre os dois, um
assessor da Ferrari preveniu Lauda: “Ele é uma espécie
de rainha da Inglaterra; é a estrela do filme. É a vida em
pessoa”.
No entanto, conforme a pompa e a circunstância foram
desaparecendo, Lauda não o achou tão impressionante
assim: “Ele tinha umas manias estranhas; se coçava em
lugares bizarros, pigarreava e cuspia longamente e com
prazer num lenço enorme, do tamanho de uma
bandeira”. Mesmo assim, Lauda o respeitava: “Ele tinha
uma ironia refinada, fazia comentários perspicazes e
divertidos. Era dono de um senso de humor suave e
refinado”.
Lauda, porém, tinha dificuldade em levar Enzo a sério.
Quando perguntou ao italiano o que ele achava que
aconteceria com a Ferrari depois que ele morresse, a
resposta foi: “A perspectiva do que pode acontecer
quando eu me for não me anima muito”.
A lenda em torno de Enzo Ferrari sempre foi
embelezada por sua recusa em assistir às corridas ou
viajar para qualquer lugar distante de sua casa. Ele
jamais saía da região de Modena, na Itália, salvo em
raras ocasiões. A única exceção era quando assistia aos
treinos de classificação na sexta-feira que antecedia o
Grande Prêmio da Itália, em Monza — e nem isso era
garantido.
Essa aversão a viagens, e o consequente isolamento,
eram os principais responsáveis pela maioria de seus
problemas.
Enzo vivia num mundo próprio, e dependia totalmente
de outras pessoas e daquilo que lia nos jornais para
formar uma opinião pessoal. Lauda disse: “Ele se
mantinha informado por intermédio de lacaios”.
Em julho, quando Lauda já havia deixado de ser um
zero à esquerda e passara à condição de herói, os
mesmos jornalistas italianos que haviam defendido sua
substituição começaram a pedir uma extensão no
contrato do piloto, para impedir uma transferência para a
Brabham. Como sempre, Enzo Ferrari reagiu ao que leu
no jornal e chamou Lauda para uma conversa.
Enzo morria de medo de perder Lauda — ele sabia que
o piloto estava infeliz desde a saída de Luca di
Montezemolo. O fundador da escuderia temia também os
boatos de que a Brabham de Ecclestone estaria
oferecendo um dinheirão a Lauda. E, como a Brabham
usava motores italianos, essa ideia se tornava
completamente inaceitável.
Mas a grande preocupação eram as desavenças entre
Lauda e Daniele Audetto. Por tudo isso, Enzo estava
desesperado para que Lauda assinasse logo um contrato
para 1977.
Renegociar contratos no meio da temporada era uma
iniciativa completamente avessa às práticas correntes na
Ferrari. O estilo tradicional de Enzo não era assim; ele
gostava de manter os pilotos esperando até que não
houvesse mais vagas disponíveis em outras escuderias,‐ ­
limitando o poder de barganha dos profissionais e
baixando o valor da cláusula de permanência.
Enzo acreditava ser um estrategista extremamente
sagaz no que dizia respeito ao contrato de seus pilotos.
Agora, entretanto, ele estava perdendo o jogo de cintura.
Diante da recusa de Lauda em negociar com Audetto,
Ferrari pediu que seu filho, Piero, participasse da reunião
para ajudar.
Assim, no final de junho, Lauda sentou-se para negociar
com Enzo e Piero, numa sala nos fundos do restaurante
Cavallino, em frente à fábrica da Ferrari, em Maranello. A
principal função do filho na reunião seria servir de
intérprete para traduzir tudo o que o pai dissesse em
italiano. Lauda falava italiano muito bem, mas Enzo
jurava que não falava inglês. Por isso, a presença de um
intérprete parecia fundamental naquele teatro de
negociações.
A conversa com Enzo — à época, com 78 anos — e seu
filho Piero foi uma espécie de pantomima. Não era à toa
que Enzo tinha a alcunha de “Il Commendatore ”, e ele
adorava interpretar esse papel durante as negociações.
Logo de cara, Lauda disse a Enzo que parte do contrato
deveria garantir um limite de dois pilotos e dois carros na
escuderia. Enzo concordou, mas rejeitou a tentativa de
Lauda de manter Clay Regazzoni como colega de equipe
em 1977. O italiano afirmou sem rodeios que Regazzoni
seria demitido ao final da temporada. A notícia não
deixou Lauda de todo triste, considerando as tramoias
entre Regazzoni e Audetto em Long Beach, e o austríaco
acabou cedendo nesse ponto.
Enzo perguntou então quanto Lauda queria, e Lauda
respondeu com um valor em xelins austríacos. Na
autobiografia To Hell and Back , Lauda relembrou: “[Enzo]
não disse nada, mas se levantou, foi até o telefone, ligou
para o contador, o Signor Della Casa, e perguntou o que
tantos milhões de xelins representavam em liras
italianas. Esperou a resposta, colocou o telefone no
gancho, atravessou a sala e se sentou novamente à
minha frente”.
Lauda contou que Enzo ficou em silêncio por alguns
minutos. Depois de uma pausa, deu um grito em italiano
e disse a plenos pulmões: “Seu nojento insolente! Como
ousa? Você enlouqueceu? Essa conversa está encerrada!
A partir deste minuto nós não trabalhamos mais juntos”.
Ou algo do gênero. O filho traduziu rapidamente a
sequência de impropérios, e mais tarde Lauda relatou
que, de certa forma, a presença do intérprete deu um
tom mais abstrato às ofensas. O piloto admitiu que o
espetáculo de ver um senhor de 78 anos — uma lenda do
automobilismo e um herói nacional italiano — investir
contra ele aos berros foi desconcertante. E era
justamente esse o plano de Enzo. Mas Lauda estava
preparado. Manteve a calma e respondeu em inglês,
dirigindo-se a Piero: “Por favor, diga a ele que, se não
trabalhamos mais juntos, vou pegar um voo de volta
para casa imediatamente”. Percebendo que Lauda não
estava de brincadeira, Piero declarou por conta própria:
“Fique sentado onde está”.
Lauda ficou, mas o bate-boca prosseguiu até o
momento em que o austríaco convidou Enzo a fazer uma
contraproposta. Àquela altura, o italiano já tinha
percebido que suas táticas de intimidação não estavam
funcionando, e tentou uma nova estratégia — mais
conciliadora e razoável. Respondeu que não podia fazer
uma contraproposta; disse que queria apenas que os
pilotos da escuderia fossem felizes, e qualquer
contraproposta que ele apresentasse deixaria Lauda
infeliz. Ao que Lauda declarou: “Nesse caso, é melhor
mesmo eu voltar para casa, porque isso aqui não faz
sentido. O senhor não aceita minha oferta e não
apresenta uma contraproposta”.
Após um longo silêncio, Enzo finalmente ofereceu um
contrato com uma cláusula de permanência 25% inferior
ao valor pedido por Lauda — que girava em torno de 300
mil dólares. Foi a vez de o austríaco se irritar. Lauda disse
que Daniele Audetto já havia oferecido muito mais do
que aquilo nas conversas informais entre os dois, e
acrescentou: “O senhor quer me fazer de bobo?”. Ele
afirmou que a proposta era desrespeitosa, e completou:
“Se o senhor quer adquirir meus serviços, esse é o
custo”. Achando que Lauda estava blefando, Enzo
começou a ­gritar novamente. “O que é que você está
falando do Audetto?” Depois, levantou-se e telefonou
para o dirigente. Mandou que ele fosse até o Cavallino se
explicar. Enzo estava pagando para ver o blefe de Lauda.
Quando o pobre Audetto chegou ao restaurante,
confirmou que já tinha oferecido informalmente aquela
soma a Lauda. Enzo passou um pito em Audetto, mas
estava com um brilho nos olhos. Ele olhou para Lauda e
disse: “Bom, se um funcionário meu comete a loucura de
oferecer esse tanto de dinheiro, tenho de aceitar. É
minha oferta final”.
Lauda ainda não estava satisfeito, e fez mais uma
contraproposta. Enzo chamou-o de “incorrigível”.
Lembrou-o de que era hipertenso e perguntou se Lauda
estava tentando matá-lo com aquelas exigências
insensatas. Lauda disse a Piero: “Diga a ele que vocês
jamais teriam sido campeões mundiais sem mim”. O filho
recusou-se a traduzir, ciente de que o pai teria mais um
acesso de fúria. Tempos depois, Lauda contou que o
ataque seguinte de Enzo, ouvido por todo o restaurante,
durou pelo menos meia hora.
Quando a poeira baixou, houve mais meia hora de
negociações em tom razoável. Finalmente, Enzo disse:
“Quanto você quer?”. Lauda baixou o preço original em
4%, e encerrou: “É minha oferta final”.
Enzo respondeu: “Está bem, seu judeuzinho”.
E assim a pantomima foi encerrada.
Lauda não se ofendeu com o comentário final de Enzo,
e apertou a mão do italiano. Na taxa de câmbio da
época, o novo acerto valia pouco menos de 345 mil
dólares. Assim que o acordo foi fechado, Ferrari deu um
abraço caloroso e franco em Lauda, como se os dois
tivessem acabado de ter um almoço agradável entre
amigos. Lauda relembrou: “Não demorou um minuto
para ele se transformar num velho charmoso, na
companhia mais agradável que se pode imaginar”.
Enzo Ferrari, porém, acabaria se arrependendo de ter
assinado o contrato. O acordo incluía outras exigências
de Lauda, que mais tarde salvariam a carreira do piloto
após os graves ferimentos que ele viria a sofrer. Sem
aquelas cláusulas, é quase certo que Lauda teria sido
demitido e substituído por Carlos Reutemann, e James
Hunt teria se sagrado campeão mundial muito antes da
última corrida, no Japão.
O novo contrato, assinado na véspera do Grande
Prêmio da Alemanha, em Nürburgring, salvaria a carreira
de Lauda.
19
Hunt tira proveito de uma grande
vantagem
O austríaco bate, e o inglês vence
Nürburgring, 30 de julho a 1º de agosto de 1976

No meio da manhã da terça-feira, 29 de julho de 1976,


Niki Lauda estava preso num congestionamento do lado
de fora do famoso circuito de Nürburgring, na Alemanha.
Sentado ali, parado no carro com a janela aberta, Lauda
foi abordado por um fã que se aproximou e mostrou uma
fotografia do túmulo de Jochen Rindt. O fã encarou o
piloto, provavelmente à espera de alguma reação.
Espantado, Lauda observou a foto; ele se perguntava
qual o objetivo daquilo. Como reagir? Satisfeito consigo
mesmo, o fã se afastou, mas o encontro ficou na cabeça
de Lauda. Rindt também era austríaco, e foi campeão
mundial em 1970. Mas morreu naquele mesmo ano, no
Grande Prêmio da Itália, em Monza — dois anos antes de
Lauda entrar para a Fórmula 1. Lauda detestava maus
agouros, e começou a pensar se aquele episódio não
seria um mau sinal.
O incidente marcou o início do fim de semana mais
difícil da vida de Lauda. Ele era terminantemente
contrário às competições em ­Nürburgring, alegando
problemas de segurança, e queria que o circuito fosse
fechado. Lauda considerava a pista excessivamente
perigosa, e já havia expressado suas preocupações em
público. Suas opiniões haviam lhe rendido duras críticas
por parte da imprensa. Por isso, ele se perguntava o que
esperar daquela corrida em Nürburgring, e que tipo de
acolhida iria receber.
Num documentário de televisão, exibido pouco tempo
antes da prova, torcedores alemães apareciam acusando
Lauda de ser “mole” e “covarde”, por conta de suas
declarações sobre o circuito que eles tanto amavam. Um
dos torcedores dizia que, se Lauda tinha tanto medo
assim da pista, deveria abandonar a Fórmula 1. Lauda
assistiu ao programa na Alemanha, sozinho num quarto
de hotel. Enfurecido com o que viu, ele declarou: “Fiquei
lívido, completamente enfurecido com a impossibilidade
de me defender”.
O Grande Prêmio da Alemanha estava marcado para o
dia 1º de agosto de 1976. Naquela época, a pista estava
muito diferente. O velho circuito tinha 22,8 quilômetros,
e era diferente de todas as pistas do mundo. Localizado
nas montanhas Eiffel, em meio a uma densa floresta a
oeste de Koblenz, aquele poderia ser considerado o lugar
mais inadequado para um Grande Prêmio moderno de
Fórmula 1. O circuito fora inaugurado em 1920, e vivia
coberto por neblina e nevoeiros — além de estar
frequentemente úmido, com diferentes condições
climáticas em cada ponta da pista. Os 22,8 quilômetros
abrigavam o impressionante total de 177 curvas.
Era, sem sombra de dúvida, o circuito mais perigoso do
mundo. Até 1976, mais de 140 pilotos já haviam morrido
ali em 56 anos de história — uma média que chegava a
quase três por ano. Só em 1974, depois de uma
campanha comandada por Jackie Stewart, o tema da
segurança começou a ser enfrentado. Vários quilômetros
de cercas de segurança e guardrails de aço foram
instalados na pista, finalmente impedindo que os carros
saíssem voando e atingissem as árvores.
Lauda visitou Nürburgring pela primeira vez em 1969,
quando ainda era um jovem piloto de 20 anos correndo
pela Fórmula Vee (equivalente alemão à Fórmula Ford da
Grã-Bretanha). Naquele tempo, sua opinião sobre o
circuito era bem diferente, conforme ele mesmo recorda:
“A gente não achava que o circuito era ruim, e sim
emocionante”. Na verdade, durante muito tempo, Lauda
tinha sido um grande fã do circuito, e uma de suas metas
era ser capaz de pilotar à perfeição ali. Para ele, a pista
representava um desafio sem igual. Em 1973, Lauda fez
todo o circuito em oito minutos e 17,4 segundos, numa
BMW sedã. Na época, foi um recorde para esse tipo de
carro.
Naquele mesmo ano, e depois novamente em 1974,
Lauda se envolveu em vários incidentes no circuito. Foi
um período em que as mortes de pilotos nas pistas eram
frequentes. As voltas eram cada vez mais rápidas, mas
nada se fazia para aumentar a segurança. O fator de
risco foi se elevando cada vez mais rápido,
principalmente depois da aposentadoria de Jackie
Stewart, em 1973. Lauda relembra: “Não fazíamos nada
para garantir a segurança das pistas, e colocávamos em
risco não apenas a própria vida, mas o automobilismo
como um todo”.
A despeito da instalação das cercas de segurança e das
barreiras, Nürburgring tinha problemas evidentes. Era
impossível tornar seguro um circuito tão longo,
principalmente considerando que boa parte do percurso
ficava rodeada por árvores. Mesmo diante das melhorias,
a FIA ameaçava constantemente suspender a licença do
local para abrigar corridas. Finalmente, em 1974, foi
lançado um programa de três anos para concretizar
novas medidas de segurança.
O ano de 1975 registrou a primeira volta na história de
Nürburgring a ser realizada em menos de sete minutos —
Lauda se referiu ao feito como “a maior loucura de todos
os tempos”. É quase doloroso pensar que o tempo foi
marcado pelo próprio Lauda, e a marca não foi superada
até hoje. Ele declarou: “Aquilo só aconteceu porque eu
estava num humor especial naquele dia, disposto a
qualquer coisa. Cheguei a um ponto que nunca tinha me
permitido antes. Passei voando pelos boxes, olhei pelo
retrovisor e vi os mecânicos acenando, com os braços
para cima. Percebi na hora que eu havia superado a
barreira dos sete minutos. Para ser mais preciso, meu
novo recorde em uma volta na Fórmula 1 foi de seis
minutos e 58,6 segundos. E assim é até hoje — ninguém
nunca correu tão rápido ali”.
O tempo foi 60 segundos menor do que o da volta de
Jackie Stewart em seu Matra-Ford, realizada sete anos
antes, em 1968. Lauda prossegue: “Meu cérebro ficava
me dizendo que aquilo era uma tremenda burrice. Eu
tinha consciência de que todos aqueles pilotos estavam
colocando em jogo a própria vida, num grau de
temeridade que beirava o ridículo”.
Jackie Stewart venceu em Nürburgring três vezes, a
mais famosa delas num dia úmido de 1968. Ele
concordou com Lauda: “Sempre tive medo. Toda vez que
eu saía de casa para correr o Grande Prêmio da
Alemanha, parava antes de ir e dava uma olhadinha para
trás. Eu nunca sabia se iria voltar”.
O grau de perigo era tal que, durante um encontro de
pilotos no início de 1976, Lauda propôs que o Grande
Prêmio da Alemanha fosse transferido de Nürburgring,
alegando falta de segurança. Ele esperava conclamar um
boicote dos pilotos, com efeito imediato, mas foi voto
vencido diante da quantia considerável de dinheiro que
já havia sido investida em medidas de segurança.
Aquela votação mudou a vida de Lauda — e, é claro, a
história da Fórmula 1. Se as coisas tivessem sido
diferentes, James Hunt jamais teria se sagrado campeão
mundial, e Lauda seria o maior piloto já visto no esporte.
Lauda foi duramente criticado após seu voto, e o
episódio levou à filmagem do documentário.
Antes de chegar a Nürburgring, Lauda estava na crista
da onda: confortável na liderança do campeonato, diante
de uma conquista que parecia certa para o título de
1976. Caso tivesse de fato sido campeão, o austríaco
teria se transformado num dos poucos homens a vencer
de ponta a ponta e a defender o título de forma bem-
sucedida. Àquela altura, ele já havia garantido 58 pontos,
enquanto James Hunt somava pouco mais de metade
disso — 35 pontos.
Lauda tinha outros motivos para estar feliz: o comando
da Ferrari não havia desmoronado, conforme ele previa
depois da saída de Luca di Montezemolo e da chegada de
Daniele Audetto. O dirigente italiano ia melhorando aos
poucos, à proporção que aprendia, na marra, as lições da
Fórmula 1. Lauda estava mais animado com a situação, e
acabara de assinar um contrato novinho e altamente
lucrativo. O valor do acordo era seis vezes superior à
quantia que seu principal rival, James Hunt, ganhava da
Marlboro-McLaren.
Somando a isso outros contratos pessoais, Lauda
ganharia mais de meio milhão de dólares em 1977.
Não é de estranhar, portanto, que ele tenha começado
a pensar mais a fundo sobre o perigo de correr em
Nürburgring. Lauda já tinha bem mais a perder do que
quando era um jovem pé-rapado de 19 anos. Pela
primeira vez, admitiu que estava com medo de correr no
circuito: “Fico feliz a cada nova volta, quando enxergo a
linha de chegada. Tenho medo, sim, não me envergonho
de dizer”. No entanto, acrescentou: “A questão é que ou
você segue em frente com esse negócio de ser piloto, ou
então é melhor nem aparecer. Por isso eu sigo em frente,
e mais uma vez estou na pole”. Mas dessa vez não foi
bem assim.
Apesar de todo o medo e hesitação, Lauda era piloto —
e, como bom piloto, bem no fundo ele achava que
acidentes só aconteciam com os outros. Assim, os treinos
seguiram normalmente, como sempre, a despeito do
risco. Mas estava claro que Lauda não era tão rápido
quanto poderia, já que a questão da segurança não lhe
saía da cabeça.
Afora isso, a classificação para o grid veio conforme o
esperado, com a já conhecida configuração incluindo os
carros de Hunt e Lauda na primeira fila. Ao final dos dois
dias de treino, na tarde de sábado, James Hunt estava na
pole. Lauda ficou em segundo lugar, apenas um segundo
mais lento que Hunt. Considerando-se que a volta durava
sete minutos, a diferença era minúscula. Mais tarde,
Lauda resumiu a ­situação: “Na minha opinião, o circuito
de Nürburgring é perigoso demais para ser usado
atualmente”.
Atrás dos dois líderes, havia um bando de pilotos
misturados, num reflexo do rumo que a temporada
estava tomando: de um lado, Lauda e Hunt; do outro, o
resto. À exceção dos retardatários de sempre, era como
se todos os outros estivessem no páreo em algum
momento da temporada. Naquele fim de semana foi a
vez de Hans Stuck brilhar, e, com sua March-Ford, ele
ficou em quarto lugar no grid.
Na manhã da corrida, o tempo parecia imprevisível.
Lauda havia recebido uma notícia triste sobre seu país,
dada pelo amigo e jornalista Helmut Zwickl. Logo cedo
naquele dia, a Reichsbrücke, a maior ponte da Áustria,
havia despencado no Danúbio, matando uma pessoa.
Fosse em qualquer outra hora do dia, o acidente teria
vitimado centenas de pessoas. Lauda ficou chocado e
começou a se perguntar se não se tratava de mais um
presságio. Ele detestava presságios.
A corrida teria apenas quatorze voltas, já que o circuito
era muito longo, e calculava-se que a velocidade média
fosse ficar em torno de 193 quilômetros por hora.
Começou a chover no grid de largada. À exceção de
Jochen Mass, todos os pilotos decidiram usar pneus de
chuva, com ranhuras. O alemão Mass conhecia bem as
condições meteorológicas do circuito, e acreditava que a
pista logo estaria seca. Seu instinto estava certo: poucos
minutos depois, um vento forte soprou no circuito e
secou o asfalto.
Mass, que largara na quinta fila, entrou na briga pela
liderança logo no início da corrida, enquanto Lauda e
Hunt se afastavam da linha de largada. Lauda começou
mal, e parecia estar correndo em marcha a ré: com
pneus inadequados para a situação, ele chegou a cair
para a vigésima posição.
Ao final da primeira volta, Mass já estava na ponta,
seguido por Hunt e pela March-Ford de Ronnie Peterson.
Todos os pilotos pararam nos boxes na segunda volta
para trocar os pneus.
Ou melhor: todos, à exceção de Peterson, que foi
enganado por Hunt. Ele achou que o piloto da McLaren
faria mais uma volta com os pneus de chuva, e decidiu
fazer o mesmo. Hunt desacelerou e deixou o sueco
passar, para depois virar rumo aos boxes.
Trocados os pneus, a McLaren-Ford de Hunt voltou na
segunda colocação, mas mesmo assim ele já estava 45
segundos atrás de Mass.
Foi então que Lauda sofreu o acidente que interrompeu
a corrida. Àquela altura, a bandeira vermelha já havia
sido mostrada para o resto do circuito, e os alto-falantes
anunciavam nos boxes que um acidente grave estava
bloqueando a pista na curva Bergwerk, ao norte. Os
carros que estavam na liderança foram estacionando na
frente dos boxes, à espera de uma nova largada.
Os sete pilotos que testemunharam o acidente e
acompanharam os minutos seguintes eram os únicos que
faziam ideia da extensão dos ferimentos de Lauda. O
acidente ocorreu cerca de 1,6 quilômetro atrás do
pelotão de frente, e aqueles pilotos estavam atrás do
austríaco antes da batida. Embora os dois últimos
colocados, Guy Edwards e Arturo Merzario, tivessem
testemunhado o terrível acidente, eles voltaram para a
linha de largada a tempo de sair junto com os outros, e
não fizeram qualquer comentário para os demais pilotos.
John Watson, Emerson Fittipaldi e Hans Stuck tampouco
falaram sobre o assunto.
A única notícia que chegou aos boxes dava conta de
que Lauda fora visto caminhando na pista depois do
acidente. Quando voltou para o carro para a segunda
largada, James Hunt ainda achava que Lauda tinha
escapado de ferimentos graves. Ele declarou: “Niki foi
levado para o hospital, e é claro que não voltaria a correr
naquele dia. Mas nós achamos que ele faria curativos nas
queimaduras e voltaria na corrida seguinte, na Áustria.
Naquele momento, era isso o que pensávamos; não
tínhamos ouvido nenhuma história terrível, e por isso
todos voltaram para os carros e correram sem qualquer
incerteza”.
Todos, menos Chris Amon. O veterano piloto de 33 anos
chegou ao local do acidente logo depois da batida.
Quando parou seu Ensign-Ford e viu Lauda deitado na
beira da pista, ficou horrorizado. Ele disse ter duvidado
que o austríaco sobreviveria. Amon voltou para os boxes
e ameaçou se aposentar imediatamente. Disse que sua
carreira na Fórmula 1 estava encerrada. Ele foi
testemunha da lentidão com que as equipes de resgate
reagiram ao acidente de Lauda. Amon não conversou
com ninguém, e abandonou o circuito.
Na nova largada, o grande perdedor foi Jochen Mass. Na
primeira parte da prova, ele havia escolhido os pneus
certos, estava à frente dos outros e tinha quase certeza
de que ganharia a corrida. Tudo em vão, conforme
contou Hunt: “O destino interveio e acabou com as
esperanças dele”.
James Hunt tirou da cabeça tudo o que não estava
relacionado à sua missão, e garantiu uma liderança que
não foi ameaçada pelo resto da corrida. Segundo ele,
aquela primeira volta “provavelmente foi o trecho de
corrida mais agressivo que fiz no ano. Eu estava
determinado a garantir a maior vantagem possível na
primeira posição, e deu certo”.
A pista estava seca, e não havia mais dúvida sobre
quais pneus usar. Ao final da primeira volta depois da
nova largada, Hunt já estava dez segundos à frente do
segundo colocado. Ele relembrou: “Fiz uma primeira volta
enlouquecida, ao passo que os outros derrapavam para
todos os lados. Isso me ajudou, e a rigor a corrida já
estava ganha ao final daquela primeira volta. Era só uma
questão de manter o controle lá na frente”.
Hunt cruzou a linha de chegada seguido pelo Tyrrell-
Ford de Jody Scheckter; seu colega na McLaren, Jochen
Mass, chegou em terceiro. Hunt encerrou a prova meio
minuto à frente de Scheckter. Mais tarde, ele diria que foi
uma das vitórias que mais satisfação lhe deu na carreira.
Mas a memória que permaneceu com Hunt foi a reação
de Teddy Mayer: “A McLaren nunca tinha vencido naquele
circuito, e foi muito gratificante vê-lo tão feliz”.
Sem a concorrência de Lauda, a vitória alçou Hunt a
uma diferença de apenas quatorze pontos do rival. Foi
uma virada emocionante para alguém que, apenas
algumas semanas antes, não tinha qualquer esperança
de vencer.
20
Uma experiência de quase morte
Niki Lauda escapa por pouco
Agosto de 1976

Niki Lauda começou a primeira volta do Grande Prêmio


da Alemanha na primeira fila do grid. A exemplo dos
demais pilotos, estava com pneus para pista molhada.
Sua largada foi fraca, o que lhe era incomum. Tempos
depois, Lauda contou que, por conta da chuva, decidiu
deixar a linha de largada em segunda marcha, e não em
primeira. Mas ele cometeu um erro de cálculo: havia
mais tração e a pista estava mais seca do que ele
imaginara. E foi assim que oito carros passaram à sua
frente. Ele relembrou: “Acelerei demais, e as rodas
giraram muito rápido. Isso é ainda pior em segunda
marcha. Quando a marcha é mais alta, você fica
praticamente parado se os pneus começam a derrapar.
Foi isso que aconteceu”.
A pista secou rapidamente, e Lauda foi trocar seus
pneus por modelos slick, como fizeram todos os pilotos.
Ele explicou: “A pista foi ficando seca, e me dirigi para os
boxes para trocar os pneus — uma mudança rápida”.
Lauda trocou os pneus com nervuras por pneus slick,
lisos, para pista seca, e saiu dos boxes. Então acelerou e
tentou recuperar o tempo perdido numa pista que já
estava quase seca, mas ainda tinha alguns trechos
úmidos. Pouco depois de voltar, porém, calculou mal as
condições. A Ferrari subiu com a roda dianteira esquerda
na borda da pista, e o choque causado pelo impacto se
espalhou pelo carro, soltando um braço da suspensão.
Lauda não percebeu o que tinha acontecido, e não deu
atenção ao incidente. Porém, a Ferrari já tivera
problemas com falhas nos braços da suspensão; esse era
um dos pontos fracos do carro, e não havia sido
solucionado.
Chegando à curva Bergwerk, o braço de magnésio (um
dos componentes que prendia a suspensão ao bloco do
motor) se quebrou totalmente, e soltou-se do motor. A
estrutura das rodas traseiras despencou na hora, e o
carro deu uma guinada para a direita. Lauda estava a
210 quilômetros por hora no momento em que a peça se
soltou.
A Ferrari derrapou de lado até atingir a grade de
proteção logo antes da Bergwerk, na parte de fora da
curva, mas quase não perdeu velocidade. A grade não foi
suficiente para deter o carro, que se chocou contra um
barranco atrás da proteção e foi lançado pelos ares.
Depois, caiu outra vez na pista, com Lauda
completamente impotente ao volante. O carro atingiu o
asfalto com violência, o tanque de combustível se soltou,
saiu ­voando e espalhou combustível em chamas pela
pista. Lauda ficou sem ação, parado no meio da curva,
olhando em volta numa tentativa de adivinhar o que
aconteceria a seguir. A situação era perigosa demais
para se mexer. Atrás dele vinha a Hesketh-Ford de Guy
Edwards, que conseguiu desviar-se da Ferrari. Edwards
parou um pouco à frente ao ver o combustível em
chamas e perceber que Lauda ainda estava no carro. Em
seguida veio a Surtees-Ford de Brett Lunger. A visão de
Lunger estava completamente obstruída, e ele bateu em
cheio na Ferrari, com Lauda ainda lá dentro. A Ferrari
começou a arder em chamas, e a força do impacto
arrastou os dois carros ao longo de pelo menos 90
metros de pista. Para completar, a Hesketh-Ford de
Harald Ertl engavetou-se nos destroços dos dois carros.
Para surpresa geral, Lunger e Ertl saíram ilesos. Os dois
saíram correndo de seus respectivos carros, em direção a
Lauda, numa tentativa de ajudar o piloto — que, àquela
altura, já estava gravemente ferido, depois de três
impactos. A Ferrari havia se transformado numa bola de
fogo, e Lauda balançava os braços à frente do capacete
para afastar as chamas do rosto. O capacete estava
torto, e fora parcialmente arrancado da cabeça do
austríaco pela força do acidente.
Agora todos os carros que vinham atrás de Lauda já
estavam parando. Como a pista era muito comprida, os
bombeiros ainda estavam longe, e o resgate ficou a
cargo dos pilotos.
Arturo Merzario, que pilotava uma Williams-Ford, foi o
último a parar. Naquele momento, alguns bombeiros já
estavam no local, mas não vestiam roupas antichamas.
Edwards, Lunger e Ertl faziam tudo o que podiam, mas
não conseguiam tirar Lauda do fogo. Merzario correu pela
pista, e sem parar para pensar mergulhou nas labaredas
vestindo apenas o macacão e a balaclava antichamas.
Num momento de bravura imprudente, o italiano agiu
sem pensar na própria proteção. Rápido como um raio,
soltou o cinto de segurança do piloto da Ferrari, mas, ao
fazer isso, o capacete saiu da cabeça de Lauda — e as
chamas lamberam o rosto do austríaco.
Enquanto isso, Harald Ertl encontrou um extintor de
incêndio, e a única saída para apagar o fogo foi apontá-lo
para Lauda. Nesse momento, o piloto inspirou fumaça
tóxica. Com as chamas temporariamente sob controle,
Lunger subiu no carro e ergueu Lauda para fora. Foi uma
cena impressionante: Lauda ficou de pé, sozinho,
adernando com a dor excruciante. Na mesma hora, John
Watson, Emerson Fittipaldi e Hans Stuck, que vinham
atrás, pararam os carros e correram para ajudar. Watson
encontrou Lauda deitado no asfalto, e carregou-o até
uma área seca ao lado da pista.
Watson percebeu na hora que Lauda havia sofrido
queimaduras graves na cabeça e no rosto. Mas o fato de
o capacete ter saído e o piloto ter sobrevivido era
inexplicável. Mais tarde, descobriu-se que Lauda estava
usando um capacete AGV especialmente modificado,
com uma camada adicional de espuma para aumentar o
conforto. Diante da pressão exercida, a espuma fora
comprimida e o capacete saíra com facilidade da cabeça
do piloto depois do acidente. Aquele modelo alterado,
que muito provavelmente ia contra as regras, deixou o
rosto de Lauda exposto às chamas.
Quando se tornou presidente da FIA, Max Mosley
reprimiu essa prática, e até hoje está convencido de que
os pilotos são seus próprios algozes quando o assunto é
segurança: “Quando o acidente ocorreu, o capacete
simplesmente saiu da cabeça de Lauda. As coisas eram
assim naquela época”.
O comentário de David Benson no Daily Express foi um
dos mais bizarros: “Com a força do impacto, a cabeça de
Lauda encolheu momentaneamente, enquanto o
capacete se expandiu”.
Era uma maneira de explicar as coisas, mas é claro que
não fazia o menor sentido. É provável que Benson fizesse
parte de um esquema para esconder o que havia
realmente acontecido. A verdade é que Lauda jamais
deveria ter recebido permissão para correr com aquele
capacete — e, em grande parte, ele mesmo era o
responsável pelos ferimentos que sofreu no momento em
que o capacete saiu de sua cabeça.
Enquanto Lauda jazia estendido ao lado da pista, todos
os pilotos que vinham atrás pararam e se reuniram para
ajudar. Watson sentou-se no chão apoiou a cabeça de
Lauda nas coxas. Os outros tiraram com cuidado a
balaclava antichamas, e viram a gravidade das
queimaduras. Embora ainda estivesse consciente, Lauda
não se lembrava do acidente. Ele continuava falando —
em italiano com Merzario e em inglês com Watson. O
austríaco perguntou a Watson como estava seu rosto, e o
colega deu uma resposta qualquer para não se
comprometer. Aquele não era o momento certo de dizer
a verdade.
Em menos de três minutos, uma ambulância apareceu,
e Lauda foi levado da pista. Por sorte, havia uma
ambulância estacionada na ponte Adenau, próxima ao
local do acidente.
Ao chegar ao posto de atendimento médico, Lauda
falou com Daniele Audetto e deu uma descrição
detalhada do local onde havia ­estacionado seu carro
particular. Ele pediu que Audetto ligasse para sua
mulher, dissesse que estava tudo bem e pedisse que ela
encontrasse um bom hospital. Audetto disse a Lauda que
ele iria para o Hospital Ludwigshafen, que ficava a 45
minutos do circuito, onde havia uma unidade
especializada em queimados. Audetto foi de grande
competência naquele episódio, e soube exatamente
como proceder.
Passados menos de 40 minutos do acidente, Lauda foi
transferido para o helicóptero do circuito e retirado do
local. Ao ver a extensão dos ferimentos, os médicos
decidiram anestesiá-lo já no helicóptero, e o piloto foi
ficando inconsciente. Lauda tinha aguentado a dor com
inacreditável bravura, e permanecera totalmente
consciente por mais de 45 minutos. Antes de apagar, a
última lembrança que ficou foi o barulho da hélice do
helicóptero na hora da decolagem. Ele relembrou: “A
primeira coisa de que me lembro é do som do motor do
helicóptero sendo ligado. Perguntei ao piloto onde
estávamos e para onde estávamos indo”.
Hans Klemitinger, piloto do avião particular de Lauda,
viu o helicóptero decolar e lembrou-se de como temia um
dia assistir àquela cena. Há tempos, ele vinha ensaiando
na própria cabeça o que faria caso o chefe se
machucasse e fosse levado para o hospital. Klemitinger
sabia que seu dever imediato era ficar ao lado de
Marlene Lauda. E assim, antecipando-se aos
acontecimentos, decidiu voar para Salzburgo logo depois
de o helicóptero decolar. O piloto de Lauda partiu o mais
rápido que pôde no Cessna Golden Eagle. Ele sabia que o
desejo de Marlene seria estar ao lado do marido o mais
rápido possível.
Marlene ainda estava se recuperando do aborto sofrido
em maio, e agora estava com problemas de pressão
baixa. Mesmo assim, deixou tudo isso de lado quando
ficou sabendo do acidente. Prevendo a reação de
Klemitinger, ela entrou no carro e dirigiu dez quilômetros
até o aeroporto de Salzburgo, para esperar o avião.
Portanto, Marlene já estava à espera do piloto quando o
Cessna aterrissou, e os dois chegaram ao hospital quatro
horas depois de Lauda. Mais tarde, ela declarou:
“Naquele momento eu ainda não fazia ideia da gravidade
dos ferimentos. Eles me disseram que Niki estava bem,
mas que havia sido internado. Só me dei conta do
choque quando conversei com os médicos e tive
permissão para vê-lo”.
Quando o helicóptero pousou em Ludwigshafen, a sorte
de Lauda começou a virar. Ele explicou: “A partir dali, o
azar se transformou em sorte. Fui enviado para o melhor
hospital da Alemanha. Embora fosse uma tarde de
domingo, cheguei à unidade de queimados justamente
no momento em que o chefe do setor estava lá. Ele me
examinou rapidamente e declarou no ato que as
queimaduras no rosto eram menos graves que as do
pulmão. Mandou então que eu fosse transferido para a
UTI, em Manheim. Lá, a sorte continuou ao meu lado. O
mais jovem professor doutor da Alemanha também
estava de plantão naquele domingo. Ele se chama Peter,
e devo-lhe minha vida. Ele fez tudo absolutamente certo,
não errou um passo sequer”. A decisão mais acertada
tomada pelo professor foi a de não dar oxigênio a Lauda,
conforme o piloto declarou semanas depois durante uma
emocionada conversa com David Benson, editor de
automobilismo do Daily Express : “É preciso entender
que os conhecimentos médicos sobre tratamentos para o
pulmão não são tão profundos quanto em outras áreas.
Por exemplo: se eu tivesse recebido oxigênio — uma
medida que pode parecer lógica para alguém que sofreu
lesões pulmonares —, teria morrido na hora”.
Uma equipe de seis médicos e 34 enfermeiros
dedicava-se a Lauda. Os ferimentos foram
diagnosticados como queimaduras de primeiro a terceiro
graus na cabeça e nos pulsos, além de várias costelas,
uma clavícula e um zigoma quebrados. Mas a fumaça
venenosa e os gases tóxicos que ele havia respirado
eram bem mais preocupantes, conforme já ­haviam
observado os médicos de Ludwigshafen. A traqueia e os
pulmões haviam sofrido queimaduras, e o subsequente
acúmulo de líquido nos pulmões ameaçava a
sobrevivência do piloto.
Naquela noite, enquanto lutavam para drenar o líquido
dos pulmões de Lauda, os médicos chegaram a acreditar
que ele morreria nas primeiras 24 horas após o acidente.
Por mais que não houvesse um ferimento isolado de
grandes proporções, as lesões pulmonares e os danos à
circulação sanguínea eram graves — resultados da
intoxicação sofrida ao respirar a fumaça do extintor de
incêndio, do fogo e também o vapor do combustível. As
queimaduras no rosto, na cabeça e nas mãos também
eram sérias, embora não fossem críticas. O mais
importante, porém, era o fato de a capacidade mental de
Lauda haver sido preservada.
Tempos depois, Lauda relembrou aquela primeira noite
e a batalha pela sobrevivência: “Na noite de domingo,
eles colocaram em minha garganta um tubo que descia
até o pulmão, e conectaram o aparelho a uma bomba de
sucção para drenar o líquido e as infecções. Foi uma
medida delicada, pois a bomba poderia destruir meus
pulmões se usada em excesso. A partir daquela noite de
domingo, meu cérebro não parou de funcionar por um só
minuto, mas eu tinha a sensação de que meu corpo
havia desistido. Eu ouvia vozes distantes, fora de
alcance, e me concentrei nessas vozes para não cair num
estado de inconsciência total”.
Na manhã de segunda-feira, o mundo acordou com as
reportagens sobre a luta do campeão mundial de
Fórmula 1 pela vida, e sobre a descrença dos médicos na
possibilidade de que ele sobrevivesse.
Naquela manhã, James Hunt ficou arrasado ao saber
que Lauda estava entre a vida e a morte. Embora fossem
rivais e essa rivalidade tivesse prejudicado a amizade
entre os dois, Hunt declarou: “A sobrevivência de Niki
Lauda passou a ser fundamental para mim, de uma hora
para outra, sem que eu nem me desse conta disso. A
impossibilidade de ajudar me deixou péssimo. Lá estava
eu, sentado, em minha casa, curtindo a vida meio sem
vontade; no fundo, minha vontade era ir até lá, ajudar,
fazer alguma coisa. Mas eu não podia”.
O estado dos pulmões de Lauda era péssimo, e um raio
X realizado na terça-feira mostrou que a situação havia
piorado. A contagem de oxigênio no sangue — que já
estava abaixo do número oito, que garante a
sobrevivência — chegou a 6,8, um nível extremamente
perigoso.
Marlene Lauda estava totalmente despreparada para
aquela provação, mas nunca falou publicamente sobre o
momento em que soube que o marido provavelmente iria
morrer. Lauda relembra: “Os médicos disseram a ela que
não havia esperança”.
Durante quatro dias e noites intermináveis, Marlene
Lauda viu o marido se agarrar à vida por um fio. Ela se
mudou para um hotel próximo ao hospital, e fazia visitas
que duravam sempre uma hora. Cada chegada sua ao
hospital era acompanhada por uma saraivada de flashes
e por um bando de jornalistas em busca de respostas
para suas perguntas, na expectativa de registrar a
angústia da esposa do piloto. Ela disse: “Fiquei
profundamente abalada com o acidente, mas aquela foi a
primeira vez em que consegui de fato entender o
automobilismo. Até então, eu não tinha ideia do perigo
representado por uma corrida. Antes do acidente, eu
fumava um ou dois cigarros por dia, mas depois me
transformei numa fumante compulsiva. Sei que não faz
bem, mas me ajuda nos momentos de tensão”.
Lauda falou sobre aqueles dias: “Eu ouvia o que os
médicos diziam e tentava colaborar o máximo possível,
mesmo que estivesse sentindo muita dor. Por exemplo:
eles só podiam usar a bomba nos meus pulmões por até
uma hora a cada sessão. Mas, quando eu sentia os‐ ­
pulmões se encherem novamente, eu chamava e pedia
que ligassem de novo, embora a dor fosse indescritível.
Os médicos disseram que foi a primeira vez que viram
alguém pedir para ligar a bomba. Mas eu sabia que só
sobreviveria se seguisse todas as instruções deles”.
Ele lembrou ainda: “Minha mulher, Marlene, foi
maravilhosa. Foi um baque para ela, mas em nenhum
momento deixou transparecer sofrimento enquanto
estava comigo no hospital. Ela segurava minha mão e
me dizia que eu ia melhorar. Deve ter ficado apavorada
ao ver meu rosto, mas fazia com que eu me sentisse um
homem forte e me dava disposição para melhorar. Outras
mulheres teriam chorado ou ficado histéricas. Naquele
momento, percebi que Marlene era muito mais profunda
do que eu havia imaginado”.
Na quarta-feira, quando Lauda piorou ainda mais, um
padre foi levado ao quarto para lhe dar a extrema-unção.
Lauda oscilava entre os estados de consciência e
inconsciência, e seu desagrado com a intervenção do
religioso ficou evidente. Ele mesmo admitiu: “Num certo
momento, me perguntaram se eu gostaria de receber um
padre. Eu disse: ‘Tudo bem’. Ele veio, me deu a extrema-
unção, fez o sinal da cruz nos meus ombros e disse:
‘Adeus, amigo’. Quase tive um troço! Eu queria alguém
que me ajudasse a viver neste mundo, e não a passar
para o outro. Por isso me agarrei às vozes, à força da
minha mulher. Eu não queria cair na inconsciência,
porque tinha medo de morrer. Queria que minha mente
continuasse alerta, capaz de fazer o corpo voltar a
trabalhar. Eu sabia que se minha cabeça desistisse eu
acabaria morrendo. Acho também que consegui
sobreviver porque estava em excelente forma física
antes do acidente. Nunca fumei na vida, e talvez meus
pulmões tivessem uma capacidade maior. Isso me ajudou
a vencer a infecção”.
Lauda sobreviveu por pura força de vontade, embora
haja quem sugira que a extrema-unção foi um truque do
austríaco para despistar Hunt sobre a extensão dos
ferimentos. Lauda confessou: “Não tenho um Deus
pessoal, mas acho que existe algo além desta vida aqui.
Vivo de acordo com as regras. A força para viver depois
do acidente veio disso, da minha própria cabeça. E da
minha mulher”.
Depois de apenas quatro dias de UTI, surgiu uma
esperança de que ele escapasse — embora ninguém
pudesse imaginar isso ao ler as notícias nos jornais.
Lauda se lembra bem desse momento: “Três dias depois
do acidente, meus pulmões começaram a melhorar.
Ainda assim, a contagem sanguínea continuava ruim,
com o oxigênio em 6,8. Esse nível permaneceu o mesmo
por uma semana.
“Ninguém sabia se o meu organismo voltaria a
funcionar e produziria oxigênio suficiente para o sangue.
Se o corpo não pegasse no tranco novamente, eles
poderiam fazer transfusões regulares de sangue, mas,
nesse caso, sabiam que eu teria apenas mais dois ou três
anos de vida. Por isso, fizeram uma transfusão e
esperaram minha reação. Quatro dias depois, a situação
começou a melhorar lentamente, e eles trocaram o
sangue mais uma vez. Só que agora meu organismo já
estava funcionando e eu estava voltando ao normal, com
o nível correto de oxigênio no sangue. Não precisei de
mais transfusões.”
Imediatamente após o acidente, os jornais —
principalmente os da Alemanha — começaram a fazer
especulações de mau gosto sobre a gravidade das
queimaduras faciais de Lauda, partindo de informações
duvidosas vazadas por funcionários do hospital. Os
jornalistas do tabloide alemão Bild eram os mais
descarados. Numa reportagem sob o título “Meu Deus,
onde está o rosto dele?”, um repórter escreveu: “Niki
Lauda, o piloto mais rápido do mundo, não tem mais
rosto. Ele não passa de carne exposta com os olhos
saltando para fora. Niki Lauda sobreviveu... mas como
pode um homem viver sem um rosto?”. A matéria
prosseguia fazendo uma previsão sobre a vida de Lauda:
“Por mais terrível que possa parecer, ele não deve se
aventurar em público por pelo menos seis meses, mesmo
que o corpo se recupere totalmente. Só em 1979 será
possível receber um novo rosto. Até lá, nariz, pálpebras e
lábios terão sido refeitos. Mas o novo rosto não terá
qualquer semelhança com o que ele tinha antes. O piloto
de automobilismo Niki Lauda só será reconhecido pelos
amigos graças à voz e aos gestos”.
Com efeito, quando Lauda recebeu um espelho pela
primeira vez para ver a extensão dos ferimentos em sua
face, ele se encolheu de horror. O próprio piloto
descreveu com precisão: “Me deixaram ver meu rosto no
espelho. Olhei e não consegui acreditar, eu parecia um
bicho grotesco. Toda a minha cabeça e meu pescoço
estavam inchados e tinham três vezes o tamanho
normal. Era impossível acreditar que eu era um ser
humano. Explicaram que eu havia sido exposto a uma‐ ­
temperatura de 800 graus na hora do incêndio, e por isso
o corpo havia bombeado um excesso de líquido para as
áreas queimadas. Eu me olhava no espelho e ia inchando
ainda mais, até que meus olhos fecharam e fiquei cego
por cinco dias. Virou tudo uma grande massa de coisa
nenhuma”.
Embora os relatos dos jornais não passassem de boatos
sem sentido obtidos com fontes de terceira mão, as
matérias venderam muito naquela semana. Como
sempre, Enzo Ferrari acreditava em tudo o que lia. Foi o
segundo grande acidente envolvendo seu piloto naquele
ano, e agora os jornalistas italianos não eram os únicos a
dizer que a carreira de Lauda estava encerrada. Enzo deu
início a uma negociação desesperada com seu desafeto
Carlos Reutemann, piloto da Brabham, para que ele
substituísse Lauda imediatamente. Dias depois, porém,
Lauda já estava em condições de ser transferido de avião
para o Hospital Salzburg, mais próximo de sua casa. Lá,
ele daria início a uma recuperação inacreditavelmente
rápida, que o colocaria rumo à linha de largada em
Monza.
21
Watson não cede a Hunt
Lauda assiste de um leito de hospital
Áustria: 13 a 15 de agosto de 1976

O acidente de Niki Lauda e a ausência da escuderia


Ferrari do Grande Prêmio da Áustria em 1976 eram as
piores notícias que os organizadores e promotores da
corrida poderiam esperar. Lauda e a equipe da Ferrari
eram o grande chamariz da prova, e a ausência de
ambas as atrações custou aos patrocinadores centenas
de milhares de dólares em ingressos não vendidos.
Italianos entusiasmados, que costumavam cruzar a
fronteira para apoiar a Ferrari, não apareceram daquela
vez.
Os organizadores foram pegos totalmente de surpresa
quando ­Daniele Audetto retirou toda a equipe da Ferrari
da prova; eles contavam ao menos com um piloto
substituto no carro de Lauda. O estrago foi multiplicado
pela perda de Clay Regazzoni, fato que também dizimou
o contingente de fãs suíços que costumavam viajar à
Áustria para ver o conterrâneo correr. Dezenas de
milhares de torcedores habituados a invadir a fronteira
não compareceram.
Nos dias após o acidente de Lauda, Audetto
argumentou com veemência que o Grande Prêmio em
Österreichring deveria ser ­simplesmente cancelado, em
respeito a Niki Lauda. Isso teria sido perfeito para a
Ferrari. Mas a campanha em favor do cancelamento da
prova irritou os organizadores, e o pedido foi recebido
com ceticismo por quem já estava acostumado à fama
da Ferrari de manipular situações em benefício da
escuderia. Não havia motivo que justificasse o
cancelamento da corrida, e Audetto sabia disso. Mas a
tentativa fazia parte de seu trabalho.
Com essa porta fechada, e contrariando os conselhos
de Audetto, Enzo Ferrari retirou os carros da prova
austríaca, num aparente gesto de respeito a Lauda. Mas
a decisão demonstrou que, aos 78 anos, ele parecia ter
perdido a capacidade de tomar decisões racionais.
Mesmo assim, não restavam mais dúvidas de que agora
ele estava no comando novamente, dando as cartas
depois da saída de Luca di Montezemolo.
Enzo declarou que se sentira traído pelos
acontecimentos ocorridos no tribunal em Paris e no
circuito de Brands Hatch durante o Grande Prêmio da
Inglaterra. Ele ameaçou boicotar a Fórmula 1 até que “as
regras fossem cumpridas e a justiça prevalecesse”.
Estranhamente, também culpou Lauda pessoalmente
pelo acidente em Nürburgring — absolvendo, assim, os
engenheiros da equipe de qualquer responsabilidade
pela notória falha mecânica que causara o choque. James
Hunt lamentava por Lauda, e lastimava tudo o que
estava acontecendo em sua ausência. Numa conversa
com jornalistas, ele se referiu a Enzo Ferrari como “um
velho que se comporta como uma criança”.
Lauda certamente não queria que a corrida fosse
cancelada, ou que a Ferrari se retirasse da prova. Ele
disse aos repórteres que seu maior desejo naquele
momento era sentir “continuidade e confiança”, e se
disse “confuso” diante das declarações de Audetto. Mas
isso não era nada em comparação com a raiva que
sentiu quando soube que Audetto anunciara a retirada de
todas as Ferraris da prova. O piloto percebeu na hora que
a decisão ameaçava seriamente suas possibilidades de
ganhar o título mundial, e representava uma grande
ajuda a Hunt. Lauda telefonou para Luca di Montezemolo,
numa tentativa de reverter a decisão. Mas Montezemolo
sentiu-se impotente para intervir depois de descobrir que
a ordem partira diretamente de Enzo Ferrari.
A retirada da Ferrari foi motivo de comemoração na
fábrica da McLaren, em Colnbrook. A McLaren tivera o
cuidado de não expressar opiniões ou fazer comentários
sobre o acidente de Lauda, mas a ausência da escuderia
italiana de uma prova tão importante, num momento
crucial do campeonato, era um presente dos deuses para
a equipe britânica.
A McLaren estava no auge de seu poder no início
daquele mês de agosto. Depois da vitória de Hunt na
Alemanha, a equipe tinha chances reais de lutar pelo
campeonato mundial, e James Hunt aproveitava o
embalo de ter se tornado um forte candidato ao título.
Vencera os três últimos Grandes Prêmios — quatro, se
considerada a vitória na corrida na Espanha, que lhe fora
restituída. Agora Hunt estava firme na segunda posição
do ranking, com 47 pontos, a uma distância de onze
pontos dos 58 marcados por Lauda. Se apenas quatro
semanas antes uma aposta na vitória parecia impossível,
agora essa hipótese parecia altamente plausível.
Ao longo do processo, Hunt havia se transformado em
um dos atletas mais famosos do mundo. Seu casamento,
o divórcio e a sucessão de namoradas, combinados ao
extraordinário sucesso nas pistas, tinham transformado o
piloto num herói nacional britânico. O cenário ­ganhava
tintas ainda mais fortes porque ele havia enfrentado e
vencido o inimigo “alemão” — embora Lauda fosse
austríaco. Mesmo tendo terminado 31 anos antes, a
Segunda Guerra Mundial ainda estava viva na memória
de muitos homens de cinquenta e poucos anos que
haviam lutado no conflito. Eles torciam por Hunt com a
mesma vibração que demonstrariam se a guerra
estivesse em curso novamente. Sem dúvida, Hunt era
mais famoso que qualquer outro piloto na história da
Fórmula 1.
Além disso, havia um espírito renovado de harmonia na
equipe da McLaren. Todos se respeitavam, e agora Hunt
se entendia bem com os dirigentes da escuderia. O
comportamento de Teddy Mayer e Alastair Caldwell tinha
mudado completamente. Eles adoravam Hunt, e‐ ­
divulgaram um comunicado à imprensa declarando essa
admiração; Hunt estava felicíssimo por finalmente ser
aceito pelos dois.
Numa nota aos jornalistas, Caldwell afirmou: “Acredito
que a Grã-Bretanha tem hoje, com James Hunt, uma
situação semelhante à de Jimmy Clark. Ele é um
superpiloto”. Hunt ficou lisonjeado com a comparação.
Teddy Mayer foi ainda mais efusivo em relação a Hunt.
Ele tinha fama de jamais elogiar pilotos — nem mesmo
Fittipaldi —, mas chegou a dizer que Hunt era o melhor
que já correra pela equipe: “De todos os pilotos que já
tivemos, James é de longe o mais talentoso. Talvez ele
cometa mais erros que Emerson Fittipaldi, mas sem
dúvida é mais rápido do que foi Emerson quando pilotava
pela McLaren. Acho que James é o piloto mais rápido que
já vi na vida”.
Mayer disse mais, e prosseguiu comparando Hunt a
outro ídolo do piloto: “Posso comparar o talento dele ao
de Jackie Stewart, no que diz respeito à capacidade de
vencer com um carro que, a meu ver, é mais ou menos
igual aos outros. Pilotos como Jimmy Clark venciam
porque tinham carros superiores. O carro de James é
bom, mas não acho que seja melhor do que muitos
outros por aí. Talvez seja mais confiável, mas o carro é
rápido porque James é rápido”.
O cenário para o Grande Prêmio da Áustria seria o
circuito de Österreichring, com seus 5,9 quilômetros de
extensão — um belíssimo local a cerca de 100
quilômetros de Graz, construído no sopé dos Alpes, no
belo interior do país. A pista de Österreichring era
possivelmente uma das mais bonitas do calendário da
Fórmula 1.
A corrida foi precedida por uma semana de testes
fechados no circuito, com a Goodyear. Hunt dominou os
testes, encerrados antes da hora por causa das pancadas
de chuva. Curiosamente, o resto da Europa atravessou
naquele verão uma onda de calor sem precedentes, com
direito a mais de 60 dias ininterruptos de sol desde o fim
de maio. O único lugar onde chovia era a Áustria.
Para aquele Grande Prêmio, a McLaren contava com o
novo carro McLaren-Ford M26, mas ele foi mantido
debaixo de uma cobertura de lona. Havia sido usado por
Hunt nos testes fechados, mas foi meio segundo mais
lento. O projetista do modelo, Gordon Coppuck, declarou:
“É difícil testar um carro novo quando o antigo está indo
tão bem”.
O novo M26 tinha um design avançado, com chassi de
alumínio e fibra nomex com trama em formato de
colmeia. Havia uma estrutura de células de papel-
alumínio, prensada entre os painéis de alumínio, e o
projeto se inspirava na indústria da aviação. Porém, o
carro tinha problemas, principalmente no sistema de
combustível — incapaz de aproveitar os últimos galões
armazenados no tanque. Era uma falha de design difícil
de ser corrigida.
Coppuck foi o primeiro em uma nova linhagem de
jovens projetistas, e tinha um pedigree inigualável.
Entrou para a McLaren depois de passar pelo National
Gas Turbine Establishment. Em 1968, foi promovido a
projetista-chefe. Além do M23 e do M26, havia projetado
a lendária série M8 de carros McLaren Can-Am —
possivelmente o modelo mais bem-sucedido da história
do automobilismo. O M8 dominou as corridas norte-
americanas ao longo de mais de cinco anos, e venceu
praticamente todas as provas realizadas no período. O
segredo era manter o carro no limite mínimo de peso
durante toda a vida útil, além da aerodinâmica
inteligente sob o piso, que criava uma pressão
aerodinâmica adicional.
O M26 foi o primeiro fracasso de Coppuck, embora
ninguém duvidasse de que, com o tempo, ele seria capaz
de transformar o carro num campeão das pistas. O
sucesso duradouro do M23 deu a Coppuck o tempo de
que ele precisava.
Hunt chegou à Áustria para a 11ª corrida do
campeonato mundial de Fórmula 1 de 1976 na maior
animação que se poderia imaginar — mesmo diante da
decepção com os testes no M26. Naquele fim de semana
dourado em meados de agosto, ele não precisou de
drogas ou bebidas para manter o astral. Parecia que o sol
estava brilhando para ele. E mais: ele estava prestes a
correr no território de Lauda, na ausência do rival.
Lauda havia sido nocauteado no campeonato, e àquela
altura ninguém imaginava que ele seria capaz de voltar
antes do fim da temporada. Por isso, com seis corridas
pela frente e a possibilidade de vencer, o título do
campeonato mundial de 1976 parecia reservado a James
Hunt.
Naquele fim de semana, a alegria de Hunt foi
multiplicada pela certeza de que Lauda havia sobrevivido
ao acidente e estava fora de perigo.
A notícia de que um padre tinha dado a extrema-unção
a Lauda trouxe dúvidas sobre a real gravidade dos
ferimentos do piloto. Quem estava por dentro do circuito
da Fórmula 1 suspeitou da informação, já que Lauda era
sabidamente ateu. Ninguém nunca tinha ouvido falar de
alguma ocasião em que o piloto pisara numa igreja por
livre e espontânea vontade: ele só o fazia quando era
obrigado pela mulher, Marlene, a participar de rituais
como batizados, casamentos e enterros.
Os que o conheciam aventaram a hipótese de que ele
poderia estar tentando enganar Hunt. A ideia seria fazer
o rival acreditar que ele não retornaria à temporada, e
convencer as pessoas de que a situação era mais grave
do que a realidade. Embora as queimaduras externas
fossem terríveis e tivessem desfigurado o rosto do piloto,
de fato elas não o ameaçavam de morte. Sendo assim,
duas semanas depois do acidente, quando surgiram
informações de que Lauda estava sentado na cama do
hospital, distribuindo autógrafos para as enfermeiras e
assistindo ao Grande Prêmio da Áustria pela televisão,
algo pareceu não se encaixar com o episódio da extrema-
unção, noticiado apenas alguns dias antes.
Hunt, entretanto, deixou esses pensamentos de lado e
concentrou-se apenas numa questão mais séria: vencer a
corrida. Caso isso não ocorresse, ele teria de marcar o
máximo de pontos possível enquanto Lauda estivesse
fora de combate. A despeito das temperaturas elevadas
no resto da Europa, o circuito passou os dois dias de
treinos de classificação debaixo de chuva. Como o solo
estava extremamente seco por causa da onda de calor, a
água desceu pelas montanhas e acumulou-se em poças
atrás do circuito. Porém, nada disso atrapalhou Hunt: na
ausência da Ferrari, ele podia se dar ao luxo de correr
sem pressão. Seu tempo nos treinos lhe garantiu a pole
position mais fácil de toda a sua carreira. Aquele circuito
rápido combinava à perfeição com seu estilo e seu carro.
Mais tarde, ele marcaria um novo tempo recorde para
uma volta, com velocidade média de 221,81 quilômetros
por hora.
Sem Lauda por perto, Hunt olhou em volta e viu um
rosto barbudo e desconhecido ao seu lado, na primeira
fila. John Watson, nascido na Irlanda do Norte, tinha
garantido uma posição para seu Penske-Ford à frente do
grid. Foi o melhor momento em uma carreira cheia de
interrupções, durante a qual Watson passou por cinco
escuderias num intervalo de apenas três anos — sempre
sem qualquer sucesso digno de nota (embora seu talento
para pilotar com rapidez fosse evidente). Ao longo dos
três anos anteriores, ele marcara pontos em apenas duas
ocasiões, num total de trinta corridas. O mais notável foi
o quarto lugar que conseguiu na Áustria, em 1974,
dirigindo uma Brabham.
Em 1976, no entanto, ele estava indo bem, e conseguiu
um contrato para ser o piloto número um da Penske.
Desde então, chegara ao pódio duas vezes. A Penske era
uma equipe organizada, comandada pelo empreendedor
norte-americano Roger Penske, egresso da indústria
automobilística, e administrada por Heinz Hofer, um
suíço-alemão extremamente preciso. Aquele Grande
Prêmio era uma ocasião comovente para a escuderia: um
ano antes, o sócio e principal piloto da Penske, Mark
Donohue, havia sofrido um acidente na manhã da prova.
Vítima de uma falha nos pneus, ele ficou gravemente
ferido e morreu no mesmo dia, no hospital.
Watson substituiu Donohue, e aquela foi a grande
chance de sua carreira. No entanto, mesmo estando na
primeira fila, ele deve ter se decepcionado com seu
tempo — um segundo mais lento que o de Hunt. Hunt
tentou justificar a diferença: “Eu sabia que Watson
poderia ser tão rápido quanto eu. A questão é que eu
tinha me organizado, estava com um jogo novo de
pneus, e disparei na frente antes mesmo que ele
ganhasse velocidade”.
Para surpresa geral, a chuva ameaçou cair mais uma
vez no dia da prova, e atrasou o início da corrida em
alguns minutos. Mas o céu cinza logo ficou azul, e os
carros se alinharam no grid. Temerosos das
consequências de uma corrida na chuva, os
organizadores informaram aos pilotos que a prova seria
interrompida caso começasse a chover de repente.
Aquele era um circuito de alta velocidade, perigoso
demais caso os carros estivessem com pneus slick, para
pista seca, num asfalto molhado.
Ao contrário do que costumava acontecer, Hunt saiu na
frente na largada, e deixou Watson em segundo lugar.
Mas a liderança durou pouco: Watson logo o ultrapassou,
e os carros desceram a longa reta que começava no alto
de uma colina.
Durante duas voltas, Watson, Hunt, Ronnie Peterson
(em seu March-Ford) e Jody Scheckter (na Tyrrell-Ford)
disputaram a primeira posição. Foi a prova mais acirrada
da Fórmula 1 em muitos anos. S­checkter chegou a ficar
na dianteira durante uma volta, até que um pelotão
formado por Watson, Peterson e pela Lotus-Ford do sueco
Gunnar Nilsson passou à frente dele e de Hunt.
Logo ficou claro que a McLaren de Hunt estava com
problemas. Ela saía muito de dianteira, mesmo com o
tanque cheio. Hunt relembrou: “Tive muita dificuldade
para manter o carro na pista”. E então ­Scheckter sofreu
um grave acidente no alto da colina, na 14a volta,
quando a suspensão dianteira de seu carro quebrou. A
Tyrrell-Ford se espatifou completamente, mas,
felizmente, o piloto saiu ileso. Hunt abaixou a cabeça e
avançou, numa tentativa de tirar o máximo de seu carro
capenga. Ele marcou sua volta mais rápida na corrida,
comprovando que estava realmente fazendo o possível.
O problema na McLaren de Hunt devia-se a uma falha
na asa dianteira, e o piloto não conseguiu impedir que
John Watson ­ganhasse o primeiro Grande Prêmio de sua
carreira. Hunt ficou em quarto lugar, atrás de Laffite e
Nilsson.
Mas o momento de maior emoção se deu logo após a
cerimônia do pódio. Para pagar uma aposta, Watson
livrou-se em público de sua imensa barba, revelando a
cara limpa que manteria dali em diante.
Hunt não ficou nada satisfeito com a quarta colocação.
Mas relatos deram conta de que Niki Lauda soltou gritos
e urros de alegria no hospital ao ver a bandeira
quadriculada tremular. Ele calculou a pontuação: Lauda,
58; Hunt, 47. Mais tarde, naquela mesma semana, Lauda
conversou com John Watson por telefone e agradeceu
pessoalmente ao irlandês pela vitória sobre Hunt. Ele
disse: “Vale tudo para impedir que Hunt ganhe pontos”.
22
Hunt mostra que não está de
brincadeira
A diferença de pontos despenca
Holanda: 27 a 29 de agosto de 1976

Em Viena, Niki Lauda recuperava-se dos ferimentos num


ritmo ­sur­­pre­endente. Ainda no hospital, ligou para James
Hunt e desejou-lhe feliz aniversário — a data seria
comemorada no domingo seguinte. Hunt faria 29 anos
em 29 de agosto, domingo no qual seria realizado o
Grande Prêmio da Holanda. Os pilotos conversaram por
um bom tempo.
Ao saber do telefonema, o pessoal que circulava pelo
paddock ficou surpreso. Todos começaram a supor que
Lauda, ardiloso, estava armando um truque para cima de
Hunt — e provavelmente estava mesmo. Mas a suposição
irritou Hunt. Ele saiu dizendo que não era nada disso;
que, a despeito da rivalidade, sentia um laço emocional
cada vez mais forte com o austríaco e com sua luta para
recobrar a saúde. Esse ­sentimento, no entanto, não
impediu que Hunt tirasse o maior proveito possível da
vantagem representada pela ausência de Lauda, com o
objetivo de diminuir a diferença de pontos na tabela do
campeonato mundial.
A família Hunt — incluindo o irmão, Peter, a mãe, Sue, e
o irmão caçula, David — viajou para a Holanda para
comemorar o aniversário do piloto. Sentados nas
arquibancadas, eles assistiram aos três dias de treinos e
à corrida.
Um ano antes, todos haviam estado naquele mesmo
lugar, ­Zandvoort. Pilotando pela Hesketh, Hunt vencera
seu primeiro Grande Prêmio, num desempenho
magistral, com o qual superara a perseguição implacável
de Lauda — à época já a caminho de vencer o mundial
de Fórmula 1 pela Ferrari.
A corrida do ano anterior marcara o amadurecimento
profissional de Hunt no automobilismo. Naquele tempo,
vencer era algo novo para ele no mundo da Fórmula 1, e
aos poucos ganhou confiança na possibilidade de liderar
e ganhar um Grande Prêmio, mesmo sob pressão. Agora,
um ano depois, a situação era diferente: já se esperava
que Hunt vencesse.
Na ausência de Lauda, contudo, Hunt se via diante de
um novo rival a cada corrida. Na Holanda, essa pessoa
era Ronnie Peterson, que ressurgia e finalmente
alcançava boa forma no carro da equipe de fábrica da
March-Ford. Muitos observadores ainda apontavam
Peterson como o homem mais rápido da Fórmula 1, e
mantinham essa opinião desde a aposentadoria de Jackie
Stewart, em 1973.
Depois de sair da Lotus, Peterson havia levado algum
tempo para ganhar velocidade na March. O Grande
Prêmio da Holanda seria a primeira prova na qual ele
voltaria a se apresentar como sério concorrente ao pódio.
Peterson e Hunt eram velhos amigos, e aproveitaram a
oportunidade para circular juntos pela Holanda. Peterson
contou a Hunt os problemas que tivera com a Lotus no
início do ano, e o inglês ficou feliz por não ter assinado
com a escuderia para a temporada de 1976 — algo que
ele poderia facilmente ter feito.
Naquele Grande Prêmio, a Ferrari retornou à Fórmula 1,
após uma corrida. A escuderia seria representada apenas
pelo carro de Clay ­Regazzoni. Lauda ficou chocado por
não ter sido substituído, para que a Ferrari pudesse
correr com dois carros e impedisse Hunt de marcar mais
pontos. Para ele, tratava-se de mais uma decisão burra
tomada por Enzo Ferrari. A equipe havia comprado dois
carros para Regazzoni. Pior: ­Regazzoni estava com dores
por conta de uma costela que fora quebrada durante um
jogo de tênis dias antes, e passou aquele fim de semana
fora de forma — embora contasse com a evidente
superioridade do chassi 312T2 da Ferrari. O suíço
contava ainda com outra vantagem: a Ferrari tinha
trazido pneus Goodyear de Nürburgring, mais macios que
os pneus fornecidos pela mesma empresa às demais
escuderias.
Peterson mostrou que estava em excelente forma, e
seu favoritismo à pole position não foi desafiado em
nenhum momento. No final das contas, o March-Ford foi
oito centésimos de segundo mais rápida que a McLaren-
Ford de Hunt, a segunda colocada. Hunt enfrentou
problemas de direção nos treinos de classificação,
incluindo uma grave falta de tração e um carro que saía
excessivamente de frente por conta de uma falha nos
pneus. Mas esses problemas eram pequenos em
comparação aos de Jochen Mass, seu colega de equipe,
que passou por momentos infelizes. Mass foi obrigado a
pilotar o novo M26, que se mostrou uma bela porcaria.
Acabou amargando a 15ª posição, garantindo um lugar
na oitava fila do grid.
Tom Pryce foi a sensação dos treinos, e ficou em
terceiro lugar com seu Shadow-Ford. John Watson ficou
em quarto, e Clay Regazzoni e Mario Andretti ficaram em
quinto e sexto, respectivamente.
Na tarde de sábado, após os treinos, uma cena bizarra
se ­desenrolou nos boxes. Houve um bate-boca acalorado
entre Jody Scheckter, grande amigo de Hunt, e Ken
Tyrrell, dirigente da equipe de Scheckter. Hunt tentou
acalmar os dois. A Marlboro, patrocinadora do inglês,
havia organizado uma competição de pit stop, na qual
dois carros entravam numa área simulada de boxes,
enchiam os quatro pneus e saíam para uma volta no
circuito. O vencedor levaria 500 dólares, desde que a
volta fosse feita com uma diferença de no máximo 10%
do tempo mais ­rápido marcado nos treinos de
classificação.
Tudo indicava que Scheckter sairia vencedor. Mas a
pista diante dos boxes estava cheia de gente, ele teve de
desacelerar e não conseguiu completar a volta dentro do
limite de 10%. Mesmo tendo feito o ­melhor tempo
enquanto estava na pista, Scheckter perdeu os 500
dólares. Tyrrell disse que o piloto deveria ter ignorado as
pessoas que estavam na reta e completado a volta
dentro do tempo. A gritaria nos boxes foi feia. Hunt
interveio para apartar os dois. Ele tomou o partido de
Scheckter e ficou chocado com a reação de Tyrrell. Uma
rusga pessoal entre Hunt e Ken Tyrrell surgiu naquele
momento, e duraria até a morte do piloto. Mas a
discussão também teve consequências imediatas. Na
manhã da corrida, Scheckter chamou Hunt num canto e
confidenciou que deixaria a Tyrrell no final da temporada.
Ao olhar para o lado na primeira fila do grid da Holanda,
Hunt viu o conhecido capacete azul e amarelo de
Peterson, e teve uma leve sensação de segurança; ele
nunca se sentia assim ao lado de Lauda. Quando a
corrida começou, Hunt desperdiçou a largada, como de
costume: suas rodas giraram em falso e Peterson
arrancou na frente. Para piorar, John Watson surgiu da
segunda fila e ultrapassou Hunt no final da reta dos
boxes, bem diante da plateia.
Hunt decidiu ganhar tempo e deixou Peterson e Watson
disputarem a liderança. A McLaren continuava saindo
muito de dianteira, já que um duto de ar do freio estava
frouxo. Ainda assim, Hunt conseguiu ultrapassar Watson
na sétima volta e Peterson na 12ª. Mais tarde, ele diria
que simplesmente tirou proveito dos erros cometidos
pelos adversários.
Hunt afirmou: “Na verdade, não passei ninguém
durante a corrida, mas acabei na liderança. Era o melhor
lugar possível, considerando que o carro estava
realmente saindo muito de dianteira. Isso significou que
o fardo da ultrapassagem passou para as costas de
Watson, e ele teria de tomar a dianteira. Se tivesse
conseguido, acho que teria me deixado para trás”.
A verdade é que Hunt teve de pilotar como nunca para
impedir que Watson o ultrapassasse. O irlandês era sem
dúvida mais rápido quando se analisava o domínio do
carro, mas a habilidade de Hunt para impedir a
ultrapassagem foi maior que a de Watson para passar. No
final, isso nem teve importância: Watson parou na 47ª
volta por causa de uma caixa de câmbio quebrada. Foi
um sinal para que Clay Regazzoni, em sua Ferrari
solitária naquela prova, assumisse a perseguição. Hunt
entrou em pânico, achando que Regazzoni tinha recebido
ordens para tirá-lo da prova caso não conseguisse
ultrapassar. O inglês relembrou: “Cara, eu me apavorei.
Estava uns dez segundos à frente de Clay e não queria
que ele me alcançasse”.
Mas Regazzoni revelou sua incapacidade de se
aproximar. Hunt venceu com pouco mais de um carro de
diferença da Ferrari, numa proximidade que o manteve
tenso durante toda a prova. Ele ficou em êxtase com o
primeiro lugar, ergueu os braços da mesma maneira que
fizera um ano antes e quase deixou o carro se chocar
contra a barreira de proteção. Diante dos boxes, na
arquibancada, o nervosismo dos parentes do piloto deu
lugar a alívio e alegria, embora tenham demorado um
pouco a perceber que ele havia vencido.
John Watson relembra o episódio como uma corrida
clássica: “meu carro foi mais rápido durante uma volta
inteira, mas o carro dele era mais rápido quando
descíamos a reta, porque nossa pressão aerodinâmica
era diferente. Ele defendeu sua posição com muita
firmeza. Foi um clássico duelo entre dois britânicos na
Fórmula 1”.
A vitória de Hunt foi um desastre para Lauda; era o fim
dos gritos e urros de comemoração, ou dos telefonemas
de felicitação. O fracasso de Regazzoni em ultrapassar
Hunt dizia muito sobre a habilidade do suíço — e o que
se disse, à época, foi que naquele momento Enzo Ferrari
decidiu botar Regazzoni no olho da rua assim que
encontrasse um substituto. Agora, o placar do
campeonato mundial marcava: Lauda, 58; Hunt, 56.
Além do duelo no automobilismo, outra novela se
desenrolava na Holanda, fora da pista e depois da
corrida.
Hunt estava cada vez mais próximo de Lauda na tabela,
e vinha conquistando vitórias regulares. Achava,
portanto, que merecia um ­aumento. Ele ganhava uma
espécie de “piso”, um salário quase irrisório de 50 mil
dólares por ano. O valor equivalia a apenas um quarto do
que a maioria dos bons pilotos ganhava, e a irritação de
Hunt com o pagamento que recebia da McLaren foi
crescendo. Na verdade, ele ganhava menos do que nos
tempos da Hesketh, em 1975 — isso num período em
que a equipe estava na pior. Pela Hesketh, ele recebia
pagamentos adicionais dos patrocinadores para cada dia
de evento promocional do qual participava. Na McLaren,
porém, essas participações já estavam incluídas na
cláusula de permanência na escuderia. Em 1975, ele
havia juntado cerca de 70 mil dólares aparecendo nesse
tipo de evento, mas, em 1976, não tinha faturado quase
nada. Contando a parte que receberia do prêmio, tudo
indicava que ele encerraria o ano com 100 mil dólares no
bolso — exatamente a mesma quantia que recebera na
Hesketh em 1975.
Antes da corrida, Hunt havia nomeado seu irmão, Peter,
como seu novo empresário. Até então, os negócios do
piloto vinham sendo administrados por uma parceria
entre a agência norte-americana IMG, de Mark
McCormack, e a operação britânica CSS, de Barrie Gill e
Andrew Marriott. A IMG e a CSS dividiam o trabalho, e,
para Hunt, esse arranjo significava pagar comissões
dobradas em muitos dos contratos que fechava. John
Hogan, da Marlboro, relembra: “A mudança de comando
representou a libertação de James do ambiente de alta
pressão dos empresários norte-americanos, e trouxe um
clima de trabalho mais tranquilo, ao lado do irmão”.
A IMG e a CSS concordaram em sair de cena aos
poucos para deixar Peter assumir. Só que o irmão não
queria ser empresário de Hunt em tempo integral, tarefa
que o obrigaria a abandonar seu escritório de
contabilidade. Hogan conta: “No final, os irmãos
chegaram a um meio-termo; Peter continuaria com sua
empresa em Londres, e de lá administraria os negócios
de James”.
Com a nova configuração, Hunt sentiu-se confiante
para ter uma conversa com Teddy Mayer logo após a
comemoração no pódio. Os dois tiveram um bate-boca
rápido e furioso — Mayer chegou a mandar Hunt “se
foder”, e Hunt respondeu: “Talvez eu faça isso mesmo”.
Nenhum dos dois estava falando sério, é claro, mas
Mayer estava apenas seguindo o contrato. Alastair
Caldwell lembrou o episódio: “James e Teddy viviam
discutindo por causa de dinheiro. A coisa chegou a um
ponto em que James achou que não estava ganhando o
suficiente, embora no início do ano tivesse concordado
de bom grado em ser nosso piloto em troca de nada.
Mas, àquela altura, é claro que ele já tinha decidido que
era um astro e merecia um dinheirão. E isso virou uma
fonte permanente de tensão”.
Após a rusga com Mayer, Hunt saiu louco da vida dos
boxes. Juntou-se aos amigos e à família, que o
esperavam do lado de fora para comemorar seu
aniversário. Eles acenderam uma grande fogueira nas
dunas de Zandvoort e festejaram noite adentro. No final,
caíram todos desmaiados na areia, de tanto beber. A
furiosa necessidade de comemorar o seu aniversário, de
celebrar a vitória do dia, e também o primeiro aniversário
de sua primeira vitória, teve um preço. John Hugenholz,
diretor do circuito de Zandvoort, ofereceu a Hunt um
imenso bolo com o formato da pista. Ele queria marcar o
aniversário do piloto e a celebração de um ano da vitória
de 1975, mas o bolo acabou se transformando num
símbolo ainda mais adequado e pungente de todas as
conquistas do inglês.
23
Lauda retorna ao mundo dos vivos
A volta a Monza deixa Hunt atônito
Itália: 10 a 12 de setembro de 1976

A quinzena que separou o Grande Prêmio da Holanda do


GP da Itália foi tão movimentada para James Hunt quanto
para Niki Lauda. Corriam ­boatos sobre o que os italianos
fariam para passar a perna no piloto britânico quando ele
corresse no país de origem da Ferrari. Não faltavam
incentivos para isso: os italianos estavam certos de que
tinham levado uma rasteira em Brands Hatch, e
pareciam decididos a retribuir a gentileza.
Tudo começou no início de setembro; os jornais
italianos publicaram notas sugerindo que o combustível
Texaco usado pela McLaren era ilegal. As reportagens
não tinham qualquer fundamento, mas os engenheiros
da Texaco leram as notícias e tomaram providências
imediatas para provar que o combustível estava
totalmente dentro das regras.
A diferença estaria relacionada à octanagem — na
melhor das hipóteses, um tema nebuloso e aberto a
interpretações altamente ­subjetivas. A octanagem
máxima permitida era de 102, mas as regras eram
imprecisas e permitiam que as equipes usassem o índice
de octanagem do melhor combustível disponível em seus
respectivos países, mais uma octana. Na Grã-Bretanha, o
melhor combustível disponível tinha índice de 101
octanas, o que significava que o máximo permitido seria
102. Já a Ferrari estava sujeita às medidas prevalecentes
na Itália, e a Ligier, às da França. Nesses dois países, a
octanagem máxima permitida era de 100, e portanto o
limite da Ferrari era de 101 octanas. A variação nas
regras não tinha importância, já que, em circunstâncias
normais, uma octanagem mais alta não causava impacto
no desempenho do carro.
James Hunt, no entanto, percebeu que passaria por
maus bocados, e decidiu sair de cena. Ele concordou em
ficar uma semana entre o Canadá e os Estados Unidos,
depois de receber uma oferta de 10 mil dólares para
correr na Fórmula Atlantic — equivalente norte-
americano à Fórmula 2. Três colegas da Fórmula 1 —
Patrick Depailler, Vittorio Brambilla e Alan Jones —
também foram participar da corrida, que seria realizada
na exótica cidade de Trois-Rivières, perto de Quebec, no
Canadá. Foi lá que Hunt conheceu o jovem piloto
canadense Gilles Villeneuve. Villeneuve venceu a prova e
Hunt ficou em terceiro, terminando a corrida muito
impressionado com a habilidade do jovem canadense.
Tanto que, depois da prova, ele ligou para Teddy Mayer e
John Hogan, na Inglaterra, e recomendou que assinassem
um contrato com Villeneuve antes que outra escuderia o
fizesse.
Depois da experiência na Fórmula Atlantic, Hunt rumou
para o sul, em direção ao Michigan International
Speedway. Lá, ele participaria de uma corrida da IROC,
com carros sedãs, numa pista oval. Essa segunda
apresentação lhe valeu mais 10 mil dólares.
A série de corridas da IROC usava carros Chevrolet
Camaro modificados, porém idênticos entre si, pilotados
por grandes nomes do automobilismo norte-americano —
era uma espécie de circuito de celebridades. Hunt
conseguiu colocar seu Camaro na pole, marcando uma
velocidade média de quase 241 quilômetros por hora. Foi
a primeira vez que ele correu numa pista oval, e achou
que poderia levar jeito para aquilo.
Entretanto, correr naquele tipo de circuito era uma
experiência completamente diferente, e Hunt não se
adaptou. Num esforço excessivo para vencer, ele bateu
num muro de concreto a uma velocidade de 240
quilômetros por hora. Uma peça do guardrail de metal
entrou pelo cockpit do carro, e Hunt escapou por pouco
de ferimentos gravíssimos. Ele ficou abalado com a
própria incapacidade de pilotar outros tipos de carro em
circuito oval, e disse: “Entrei na corrida sem ter ideia do
que fazer diante de todos aqueles carros alinhados e em
alta velocidade. Eu me senti como um peixe fora d’água.
Para falar a verdade, quase me borrei de medo”. Depois
de passar um sermão sobre segurança nos organizadores
da IROC, sentiu um certo alívio ao entrar num avião e
voltar para a Europa.
Enquanto isso, Niki Lauda preparava sua volta ao
mundo dos vivos. Depois de três semanas de internação,
ele recebeu alta e foi se recuperar em Ibiza. Levou Willi
Dungl, o fisioterapeuta com quem havia se tratado das
fraturas nas costelas. Sob a orientação de Dungl, Lauda
começou a fazer exercícios doze horas por dia. Ele queria
retornar à Fórmula 1 assim que conseguisse segurar o
volante, e achava que ficar de cama pensando no que
havia acontecido era contraproducente. Disse: “Meu
desejo era voltar a trabalhar assim que possível”. Para
Dungl, o segredo para que ele tivesse uma recuperação
rápida era fazer o máximo de exercícios que pudesse
aguentar. A exemplo do que fizera quando o piloto havia
quebrado as costelas, o fisioterapeuta estava disposto a
realizar um milagre para garantir a volta de Lauda às
corridas. Se a recuperação de uma grave fratura nas
costelas havia sido reduzida de seis para duas semanas,
agora o objetivo era encurtar um processo de
recuperação que deveria durar um ano para um intervalo
de apenas seis semanas.
Dungl ficava 24 horas por dia com Lauda. Quando não
estavam fazendo exercícios, o fisioterapeuta aplicava
massagens no piloto. Lauda contratou também um
médico da equipe de Dungl para cuidar de detalhes de
sua rotina — horários de descanso, alimentação e,
principalmente, para determinar o máximo de exercícios
que ele poderia tolerar. Os dois profissionais logo
atestaram que os pulmões e a forma física do piloto
haviam voltado ao normal.
O regime de tratamento foi tão bem-sucedido que
Lauda declarou: “Meu programa de treinamento depende
totalmente de mim e de minha força de vontade. Hoje
me sinto melhor do que me sentia antes. Por isso decidi
ir a Monza”.
Naquele ínterim, Lauda parecia ter reavaliado seus
conceitos sobre o automobilismo. Ele mesmo explicou: “o
problema que enfrentei desde o acidente foi saber se eu
teria prazer em correr novamente, e que efeito isso teria
em mim. Ninguém pode saber disso se não passar pelo
que eu passei. Descobri que amo as corridas. Então, por
que deveria desistir?”.
No dia 6 de setembro, exatamente 38 dias após o
acidente, Lauda compareceu à fábrica da Ferrari, em
Maranello, e disse a Daniele Audetto que já estava em
forma e poderia competir em Monza.
Ao ver Lauda, Audetto e Enzo Ferrari levaram um
tremendo susto. Eles achavam que o piloto não
conseguiria voltar em 1976, e acreditavam que Lauda
não correria mais pela escuderia. Durante a ausência do‐ ­
austríaco, os dois haviam contratado Carlos Reutemann
para substituí-lo. Reutemann se desentendera com
Bernie Ecclestone e saíra repentinamente da Brabham —
provavelmente depois de perceber que poderia conseguir
uma vaga mais competitiva na Ferrari após o acidente de
Lauda.
A notícia da contratação de Reutemann foi justamente
o que inspirou Lauda a voltar rápido. Ele não gostava de
Reutemann, conforme confessou: “A gente nunca foi com
a cara um do outro. Em vez de aliviar a pressão, a
contratação de Carlos Reutemann só aumentou o meu
estresse”.
A assinatura prematura com Reutemann havia sido
impulsionada pela histeria na imprensa italiana. A
contratação veio na hora errada, e foi um tremendo
equívoco — uma decisão que acabou trazendo problemas
imediatos para a escuderia.
Audetto não acreditava que Lauda estivesse mesmo em
boas condições para dirigir, e mandou-o testar a Ferrari
ali perto, na pista de Fiorano. Sua intenção era ver se o
austríaco conseguiria de fato pilotar de forma
competitiva. Lauda foi rápido como nunca. Diante disso,
os termos do contrato deixaram Audetto sem escolha:
ele foi obrigado a colocar um carro à disposição de Lauda
e a inscrever outro carro na prova, para que Reutemann
pudesse correr em Monza.
Mas as coisas não foram tão fáceis para Audetto.
Inscrever um terceiro carro era uma violação do novo
contrato com Lauda, e o dirigente teve de pedir que o
piloto abrisse mão daquela cláusula no Grande Prêmio de
Monza. Lauda concordou, mas apenas por uma corrida, e
pensou que em breve veria Reutemann pelas costas. Por
dentro, ele estava furioso com Enzo Ferrari e Audetto,
conforme revelou mais tarde: “Para todos os efeitos,
Enzo Ferrari e companhia estavam ao lado do campeão
mundial da equipe, um piloto levemente chamuscado.
Mas, internamente, era possível perceber a patética
insegurança que sentiam. Questões táticas se tornaram
mais importantes do que a confiança. Para o mundo, a
Ferrari declarava que estava firme ao meu lado, mas, na
verdade, eles estavam totalmente perdidos”.
Era evidente que a Ferrari não queria Lauda de volta.
Seus dirigentes achavam que a carreira do piloto estava
encerrada, e preferiam que ele sumisse do mapa. Lauda
relembrou: “Eles não sabiam o que fazer com um
campeão decidido a voltar, com o rosto desfigurado, e
que continuava trabalhando como se nada tivesse
acontecido”.
O contrato assinado por Lauda antes do acidente para a
temporada de 1977 deixava o piloto numa situação bem
mais vantajosa do que poderia ter sido. Ele admitiu:
“Sem o contrato, eles poderiam ter feito um massacre
mental e me deixado encostado. Minha sorte foi contar
com a ansiedade de [Enzo] Ferrari, que quis fechar o
contrato para a temporada seguinte”.
Lauda fez o teste e deixou Maranello no mesmo dia.
Voltou para a Áustria, deixando para trás os
aparvalhados Daniele Audetto e Enzo Ferrari. Naquela
noite, assim que seus planos se confirmaram, Lauda
ligou para David Benson, amigo de confiança e editor de
automobilismo do Daily Express . Disse ao jornalista que
tinha uma notícia exclusiva para ele. E que notícia.
Na quarta-feira, dia 8 de setembro, Benson aterrissou
no aeroporto de Salzburgo para um encontro com Lauda.
De lá, tomou um voo no avião particular de Lauda e foi
direto para o aeroporto de Milão, seguindo então para o
circuito de Monza, onde seria realizado o Grande Prêmio
da Itália. Willi Dungl e Marlene estavam no avião com o
jornalista e o piloto.
Lauda escolheu Benson para contar sua história ao
mundo. O jornalista fez uma entrevista exclusiva com o
piloto durante o voo, e o Daily Express deu um tremendo
furo no resto da imprensa mundial: seria a primeira e
última vez que Lauda contaria em detalhes o acidente e
o processo de recuperação.
Durante a viagem, Lauda declarou: “Muita gente acha
maluquice eu voltar a correr tão cedo. Dizem que um
homem cujo rosto não parece o de um ser humano, e sim
o crânio de um cadáver, deveria desistir imediatamente.
Quem pensa assim provavelmente ficaria feliz em a‐­
doecer e ficar em casa, sem trabalhar. Não vejo a vida
desse jeito.
“Não consigo aproveitar a vida se não estiver ativo, se
não tiver alguma coisa para fazer ou algo que me
incentive a continuar. Preciso trabalhar. Quando sofrer
um acidente no trabalho, meu objetivo será me
recuperar o mais rápido possível, usando toda a ajuda da
medicina moderna. Depois que decidi continuar, percebi
que eu tinha de voltar o mais rápido possível. É por isso
que estou aqui em Monza.
“Não corro há mais de um mês, e quando entrar no
carro a pressão será enorme. Estamos na Itália, e aqui a
Ferrari é a ‘rainha’; temos três carros inscritos na corrida.
Mas não vou me deixar abalar pela pressão. Pode ser que
eu termine em 15º lugar, mas sei que estou num estágio
avançado do programa de recuperação. Quando formos
para o Canadá e para a América do Norte, estarei em
condições de vencer e manter o título mundial.”
A entrevista foi publicada praticamente na íntegra na
edição de 10 de setembro do Daily Express , mesmo dia
em que Niki Lauda ressurgiu no circuito de Monza.
Haviam se passado menos de seis semanas desde o
acidente no Grande Prêmio da Alemanha e da internação
do piloto num hospital. Sua volta ao paddock de Monza
ocorreu apenas 41 dias depois do acidente. Lauda
perdera duas corridas e cedera a Hunt 21 pontos de sua
liderança no campeonato.
Do ponto de vista estatístico, agora os rivais estavam
empatados, já que ambos haviam completado o mesmo
número de provas na temporada. Lauda e Hunt tinham
uma diferença de dois pontos na tabela.
A chegada de Lauda a Monza foi acolhida com total
espanto pela comunidade da Fórmula 1. James Hunt ficou
tão boquiaberto quanto os outros diante do rápido
retorno de Lauda às corridas. Ao analisar os fatos, ele
considerou a história da recuperação muito estranha, e
declarou: “Conheço aquele merdinha. Só mesmo Niki
seria capaz de receber a extrema-unção e voltar para o
Grande Prêmio da Itália”. John Hogan, que patrocinava
Hunt e Lauda e era amigo próximo dos dois, concordou:
“Niki nunca tinha entrado numa igreja na vida, e
certamente nem fazia ideia do que é a extrema-unção”.
Hoje em dia, Hogan acredita que Lauda exagerou no
relato dos ferimentos sofridos, com o objetivo de obter
uma vantagem psicológica sobre Hunt e dar ao
concorrente uma falsa sensação de segurança. Ninguém
nunca vai saber a verdade, mas o fato é que Lauda
estava ali e iria correr na prova.
Quando finalmente apareceu, ficou evidente que estava
fazendo um imenso esforço. Sua fragilidade e fraqueza
eram patentes, e parecia óbvio que ele não deveria estar
ali. No rigor do ambiente médico atual, Lauda jamais
teria recebido permissão para competir. Embora o rosto e
a cabeça permanecessem escondidos pelos curativos, a
desfiguração era visível. Ele nunca tirava o boné, mas
esse disfarce não era suficiente para dissipar as dúvidas
sobre suas condições para correr — expressas até
mesmo dentro da equipe. Hogan declarou: “Ele estava
com uma cara horrível: havia sangue e pus por toda
parte”.
Lauda certamente imaginou que vestir um capacete tão
cedo depois do acidente acabaria piorando as cicatrizes
do rosto, deixando-as ainda mais visíveis pelo resto da
vida. Ele confessou: “A frieza em retomar minha carreira
tão rápido, logo que me autorizassem, foi
desconcertante. Alguns achavam que meu
comportamento era falta de amor-próprio, outros
simplesmente achavam nojento”.
Marlene, esposa de Lauda, cuidava do rosto do marido
nos boxes e acariciava o piloto para confortá-lo. Ela
carregava um kit de costura, e vivia fazendo ajustes na
nova balaclava antichamas. Marlene queria garantir que
não houvesse desconforto à pele nova e sensível
enxertada na região ao redor dos olhos. Todos ficaram
impressionados com sua dedicação. Na edição de sábado
do Daily Express , David Benson escreveu: “A coragem
dela me conquistou. Eis uma mulher verdadeiramente
digna de um grande atleta”. E acrescentou: “Marlene é
uma pessoa extremamente agradável e calorosa. Tem
um aperto de mão firme, um olhar forte e confiante. São
os olhos de uma mulher capaz de inspirar um homem a
atingir grandes feitos”.
E foi exatamente isso o que ela fez naquele fim de
semana.
Além da tensão com a volta de Lauda, a McLaren tinha
motivos internos para se preocupar. Em Monza, a
escuderia enfrentaria não apenas a Ferrari pelo título
mundial, mas também travaria uma batalha contra toda
a nação italiana. Numa luta em pé de igualdade, não
havia dúvidas de que Hunt era capaz de vencer Lauda.
Mas Teddy Mayer sabia que o Grande Prêmio da Itália não
seria uma luta justa, e estava ciente de que os italianos
tentariam passar a perna em sua equipe. As matérias
alarmistas da imprensa sobre a octanagem do
combustível foram o primeiro sinal disso.
A coisa começou quase imediatamente. Quando os
caminhões da McLaren chegaram à fronteira com a Itália,
os guardas decidiram assinar a papelada da alfândega
com toda a calma do mundo. Não havia nada errado com
os documentos ou os caminhões, mas os veículos
ficaram detidos por um dia e meio. O tempo perdido na
fronteira poderia ter sido gasto na pista, preparando os
carros.
Quando os caminhões finalmente estacionaram no
paddock de Monza, a recepção foi hostil. Ao entrar no
parque do circuito, eles ­avistaram torcedores brandindo
cartazes com os dizeres “Basta con la mafia inglese ”. A
tradução: “Fora com a máfia inglesa”. James Hunt era
recebido com uma sonora vaia toda vez que aparecia em
público.
Mas isso não foi nada em comparação ao que
aconteceria nas vistorias, ritual que não passava de uma
indisfarçável tramoia italiana. Os delegados da CSI
presentes ao circuito pareciam impotentes, e não
intervinham enquanto os fiscais italianos se debruçavam
sobre o carro de Hunt. Tudo indicava que eles já estavam
determinados a prejudicá-lo. Mas nem os próprios fiscais
faziam ideia da eficácia que seu trabalho ganharia
quando a chuva começasse a cair, num desdobramento
muito conveniente para a Ferrari.
A primeira sessão de treinos de classificação, na sexta-
feira, foi ­realizada com a pista molhada. Hunt derrapou e
danificou o bico do carro. Ele voltou para os boxes
caminhando, diante de torcedores italianos que
irromperam em palmas de alegria nas arquibancadas e
chegaram a cuspir no inglês. Hunt precisou colocar o
capacete para não levar um banho de saliva.
Enquanto isso, Niki Lauda — com o apoio da torcida
italiana — entrou num carro pela primeira vez depois do
acidente. Na sexta-feira, ele usou suas tradicionais
estratégias de preparação psicológica, que incluíam uma
revisão objetiva das próprias emoções, para garantir um
“bom equilíbrio” mental antes de dar início à disputa pela
classificação.
Mas o próprio Lauda relembrou o momento em que
tudo mudou: “Quando entrei no cockpit em Monza, veio
um medo tão grande que ­todas as teorias de
automotivação foram para o espaço”. Lauda fez voltas
com tempos ruins, e mais tarde confessou ter mentido
aos jornalistas sobre sua situação psicológica — inclusive
para David Benson, cuja entrevista fora publicada na
manhã daquele dia. Na verdade, ele estava “paralisado
de medo” durante os treinos, e a chuva foi
especialmente “apavorante”.
Tempos depois, Lauda explicou: “Tive de bancar o herói
para ganhar tempo e resolver as coisas. A verdade é que
às vezes a gente precisa dar uma de durão, quer se sinta
durão ou não. É um jogo de esconde-­-esconde mental;
ninguém perdoaria um arroubo de sinceridade na hora
errada. Seria o fim da linha”.
Naquela noite, sozinho no silêncio de um quarto de
hotel, Lauda repensou o próprio desempenho e tentou
identificar o que tinha dado errado. Ele havia tentado
pilotar do mesmo jeito que fazia antes do acidente, e a
estratégia não estava funcionando. Inseguro, ele disse:
“Me meti numa confusão idiota”.
De acordo com o próprio piloto, aquela reflexão noturna
o ajudou a “reprogramar o cérebro para o dia seguinte” e
eliminar toda a pressão. Lauda encontrou uma forma de
reprimir a tensão, e disse a si mesmo para “ir mais
devagar”. Mais tarde, ele contou: “Foi o que fiz. Comecei
devagar e fui ganhando velocidade, até que de repente
eu já era o mais rápido entre as três Ferraris — mais
rápido que Regazzoni e o recém-chegado Reutemann.
Comprovei na prática o que sabia na teoria: eu podia
pilotar tão bem quanto antes do acidente”.
No final da sessão de treinos, Lauda tinha sido o quinto
mais veloz. Por algum motivo, as outras Ferraris e as
McLarens estavam lentas, e o austríaco foi o mais rápido
desses cinco carros. Ele superou os dois colegas de
equipe, numa situação bastante constrangedora para
Reutemann e Regazzoni; isso sem falar em James Hunt,
que teve de se contentar com a nona posição no grid.
Hunt não tinha desculpa: Monza era um circuito rápido,
adequado às características do seu carro. O desempenho
de Lauda em seu retorno às pistas deixou todos‐ ­
boquiabertos. Foi um tremendo golpe psicológico contra
os adversários — incluindo os pilotos de sua equipe.
Jacques Laffite colocou a Ligier na pole, seguido pela
Tyrrell-Ford de Jody Scheckter, pela Brabham-Alfa Romeo
de Carlos Pace e pela Tyrrell-Ford de Patrick Depailler.
No treino de sábado, os fiscais foram aos boxes
verificar o combustível usado pelos carros. Ciente do que
a esperava, a Texaco garantiu que o combustível da
McLaren estivesse dentro das regras, marcando 101,2
octanas. Naquela noite, entretanto, os comissários
italianos analisaram o combustível da escuderia e
afirmaram que a octanagem era de 101,6, e não 101,2.
De qualquer modo, os comissários pareceram confirmar
que o valor estava dentro do limite permitido. Em
seguida, numa falsa ignorância em relação às regras, os
italianos enviaram um telex à CSI — a divisão esportiva
da FIA, sediada em Paris — e pediram que o órgão
esclarecesse a decisão. A mensagem era
propositalmente vaga, e a resposta foi mais vaga ainda.
O secretário da CSI respondeu que o máximo permitido
era 101.
Assim, na manhã de domingo, os comissários italianos
anunciaram que o combustível de Hunt e de seu colega
Jochen Mass era ilegal, e declararam que os tempos
marcados pelos dois no treino de sábado seriam
desconsiderados. Valeriam apenas os tempos registrados
na sexta-feira, dia em que os pilotos correram na pista
molhada. Os carros foram despachados para o fim do
grid. Foram desconsiderados também os tempos
marcados no sábado pela Penske de John Watson. A
Penske não tinha argumentos contra a decisão, já que
provavelmente o combustível usado pela equipe estava
mesmo acima do permitido. A escuderia havia importado
um combustível especial dos Estados Unidos, e tinha
ultrapassado os limites impostos pelas regras.
A evidente intenção dos organizadores era tirar os
carros da McLaren da corrida, derrubando Hunt. A rigor, a
desclassificação dos tempos de treino significava que
Hunt, Mass e Watson não poderiam largar; os tempos
abaixo de dois minutos marcados na sexta-feira, debaixo
de chuva, não eram suficientes para garantir a entrada
dos pilotos na prova.
Mas, mesmo antes de tudo isso acontecer, houve um
incidente ainda mais bizarro: policiais italianos foram aos
boxes da McLaren e levaram Alastair Caldwell. Disseram
que ele estava preso sob acusação de importar
combustível ilegal para a Itália. Era uma acusação
armada, e, segundo Caldwell, a intenção da Ferrari era
deixá-lo fora de circulação no momento em que os
comissários anunciassem a decisão sobre o combustível.
Caldwell acreditava que Enzo Ferrari tinha mexido alguns
pauzinhos e ligado para um amigo na delegacia da
região. Ele explicou: “Estava na cara que [Enzo] Ferrari
havia dito: ‘Precisamos nos livrar do Caldwell, porque ele
vai enlouquecer. É com ele que devemos nos preocupar.
O que podemos fazer? Vamos fingir que o combustível foi
importado ilegalmente e botá-lo na cadeia’. Nosso
combustível era Texaco e havia sido trazido da Bélgica,
de caminhão, importado de forma indiscutivelmente
correta e com toda a documentação necessária. Mas isso
não vinha ao caso. Eles arrumaram uma desculpa para
me botar atrás das grades”.
Caldwell foi colocado numa cela da delegacia de Monza
e ficou incomunicável por mais de duas horas, até que
um técnico da Texaco trouxesse a papelada da
alfândega, comprovando a importação legal do
combustível. Ao sair da cadeia, Caldwell foi surpreendido
pela notícia de que Hunt estava fora da prova.
Na ausência de Caldwell, Mayer tinha ido ao escritório
dos comissários munido da análise da Texaco, exigindo
informações sobre a situação. Para justificar a decisão, os
italianos apresentaram o telex enviado pela CSI, de Paris
— mas mostraram apenas a resposta recebida, e não a
mensagem original enviada. Era uma tramoia, já que os
fiscais sempre souberam o que diziam as regras. Caso
não soubessem, Teddy Mayer estava bem ali, com toda a
sua articulação, para lembrá-los. Cheio de confiança e
brandindo o telex da CSI, o chefe dos fiscais italianos
despachou Mayer da sala. O problema é que ele era um
sujeito desonesto, e pela primeira vez Mayer havia feito
as perguntas erradas, com seus parcos conhecimentos
de italiano. O dirigente acabou sendo convencido por
aquele teatro de gestos e falsa indignação. Mayer não
tinha o conhecimento técnico de Caldwell, e foi incapaz
de argumentar. Ele não entendeu o que significava a
papelada que lhe foi apresentada — coisa que Caldwell
teria sabido fazer. A estratégia de tirar Caldwell de cena
foi uma demonstração de esperteza de Enzo Ferrari.
Enquanto isso, Hunt — que também não contava com a
orientação ou os conhecimentos técnicos de Caldwell
sobre química de combustíveis — aceitava indignado a
situação, praticamente convencido de que o combustível
era, de fato, ilegal. O serviço dos italianos fora tão bem
feito que eles persuadiram Hunt. Ele estava furioso com
John Goosens, que comandava as operações de
automobilismo da Texaco na Europa. Goosens insistia em
dizer que a Texaco fizera todo o possível, mas Hunt não
queria nem saber.
Hunt ficou paralisado, menos por ter sido excluído da
prova, mas principalmente pela afirmação dos fiscais de
que ele estava trapa­ceando. A acusação das autoridades
sugeria que a equipe não havia competido de forma
limpa ao longo de 1976. Quando ficou sabendo dos fatos,
Hunt lembrou mais tarde: “A sugestão de que estávamos
trapaceando me incomodou profundamente. Nós não
estávamos trapaceando, e, além disso, correr com um
combustível de alta octanagem não ajudaria — a não ser
que tivéssemos aumentado a taxa de compressão do
motor para se adequar à octanagem mais elevada. É
preciso mudar o motor de acordo com o combustível, e
nós sem dúvida não havíamos feito isso. Poderíamos ter
rodado com um combustível com 150 octanas, e o motor
não teria um cavalo a mais de potência. O combustível
estava inteiramente dentro das regras, e passamos
muito sufoco antes da corrida para garantir isso. Mas
fazer o público leigo compreender a situação já era pedir
demais. Aí eles atiraram lama em nós, e alguma sujeira
ficou grudada”.
Enquanto isso, Mayer não saía do telefone com Paris,
perguntando aos oficiais da CSI o que estava
acontecendo. Ele queria saber por que o combustível,
exatamente igual ao usado durante toda a temporada,
não fora declarado ilegal antes. Ninguém sabia
responder. Os representantes da CSI estavam tão
perdidos quanto Mayer em relação aos acontecimentos
na Itália. Os italianos haviam pregado uma bela peça em
todo mundo. Niki Lauda e Daniele Audetto — que, a
despeito de seus inúmeros defeitos, era um sujeito
honrado — perceberam o que estava acontecendo e
ficaram constrangidos. Mas não tinham como intervir.
Finalmente, Mayer e Hunt perceberam o que estava
ocorrendo, mas viram-se impotentes para agir.
Recorreram imediatamente da decisão — o que acabou
sendo um erro, já que os comissários passaram a
considerar a questão sub judice e recusaram-se a
continuar discutindo. Hunt relembrou: “Uma vez que
recorremos, não podíamos mais discutir o assunto, e por
isso fui expulso da prova. Não dá para correr um Grande
Prêmio um mês depois, e, ao me colocar no final do grid,
a discussão só poderia ser resolvida depois”.
Essa foi a grande sacada da estratégia italiana. Uma
coisa era recorrer dos resultados depois do
acontecimento. Mas um “não resultado”, causado por
trapaça, não podia ser revertido.
Tempos depois, a história do combustível foi esclarecida
e corrigida numa declaração da CSI. Mas então já era
tarde demais, o estrago já estava feito. Ao ver a
declaração, Hunt riu e disse: “Fiquei ainda mais
decepcionado quando a CSI divulgou um comunicado
afirmando que estava tudo certo, que a McLaren não
estava trapaceando”.
A imprensa italiana somou aquele episódio ao que
havia ocorrido na Espanha e na Grã-Bretanha, e
estampou manchetes em letras garrafais: “McLaren
trapaceia”. A cobertura foi lida em todo o mundo. Mayer
disse: “Acho que a Ferrari começou a acreditar que Hunt
só poderia vencê-los se estivesse roubando; e aí eles
foram atrás de desculpas”.
Mais tarde, descobriu-se que as verificações de
combustível na Itália haviam sido interpretadas
incorretamente pelos comissários, num equívoco que
quase custou o título mundial a James Hunt. Na época,
ele disse: “As regras são muito complicadas, difíceis de
entender. Mas elas permitem usar a octanagem mais alta
de combustível disponível comercialmente no país de
origem da escuderia, com uma tolerância de uma octana
a mais”.
Naquele momento, os italianos achavam que Hunt,
Mass e Watson estavam fora. Mas aí foi a vez de outro
episódio estranho acontecer. Antes das exclusões, três
carros não haviam se classificado para a corrida: o da
equipe de fábrica da Surtees, de Brett Lunger; a Williams
de Arturo Merzario; e a Tyrrell particular de Otto
Stuppacher. Aos poucos, esses três pilotos foram saindo
de cena, e deram lugar aos outros desclassificados. Para
desgosto dos italianos, Hunt, Mass e Watson estavam de
volta à prova.
Mesmo assim, Hunt largaria na penúltima fila no
Grande Prêmio da Itália. Ele estava com tanta raiva que
até pensou em abandonar a prova. Mas percebeu que
seria um protesto inútil, e concentrou-se na tentativa de
marcar alguns pontos — embora soubesse que não
poderia vencer.
O problema é que ele não estava concentrado na
corrida. Na 11ª volta, Hunt colidiu com a Shadow de Tom
Pryce, quando estava na 12ª posição, e saiu da pista. A
McLaren-Ford entrou na areia e encalhou com as rodas
traseiras girando sem parar. A areia, que aos poucos
estava substituindo as grades de proteção, era eficaz na
desaceleração dos carros e reduziu a velocidade da
McLaren, de modo que o carro parou logo em frente à
barreira. Hunt saiu e deu uma volta na McLaren,
procurando algum estrago. Ao ver que ela estava intacta,
empurrou o carro para fora do buraco cavado pelas
rodas. Mas então os delegados italianos o impediram de
voltar para a pista — e, dessa vez, estavam cumprindo
as regras, por mais desagradáveis que fossem para Hunt.
Mas, quanto mais o tempo passava, menos isso
importava. Hunt declarou: “Não me deixaram voltar,
ficaram me criticando. Mas não valia a pena comprar
briga: em primeiro lugar, o carro estava atolado na areia;
em segundo, agora eu já estava totalmente fora da
prova, mesmo que pudesse recomeçar. Do meu ponto de
vista, era inútil tentar marcar pontos àquela altura”.
Tudo isso acontecia tendo como pano de fundo as vaias
e assobios dos italianos. O espetáculo mais parecia a
hora de alimentar as feras num zoológico, e não uma
prova de automobilismo. Como Hunt estava longe
demais para ser alcançado pelas cusparadas, a plateia
passou a arremessar o conteúdo das cestas de
piquenique que havia levado para o autódromo. Com ar
blasé , Hunt demonstrou seu desprezo ao recolher uma
maçã que o atingiria, e dar umas mordidas na fruta. Ele
se virou para trás e deu um tchauzinho relaxado, com um
agradecimento, enfurecendo os italianos da
arquibancada.
Mas a verdade é que Hunt começou a longa caminhada
de volta à reta dos boxes rijo de indignação, pronto para
enfrentar o país inteiro. Enquanto andava, decidiu que o
acidente havia sido causado por Tom Pryce, e resolveu
acertar as contas com o jovem galês depois da corrida.
Essa mania de buscar culpados e querer vingança era
uma regressão a seus dias de escola, e mostrava o que
havia de pior em sua personalidade. Na realidade, ele se
distraíra ao entrar na curva, e demorara muito para frear.
A batida foi inevitável.
Mesmo assim, Hunt estava convencido de que Pryce
tinha impedido sua passagem. Depois da corrida, correu
em direção ao piloto e berrou: “seu imbecil desmiolado”.
Para garantir, acrescentou que ele era “completamente
desmiolado”. Pouco depois, enquanto se acalmava no
trailer da equipe, percebeu que estava errado, procurou
Pryce e pediu desculpas. Mais tarde, Hunt disse: “Cometi
um erro, só isso”. Seu estado emocional depois da
corrida havia piorado durante a caminhada de volta aos
boxes. Ele chamou os torcedores de “animais” e
explicou: “Estavam cuspindo e vaiando. Quis partir para
cima, mas pensei bem”. No final, Hunt admitiu:
“Confesso que fiquei feliz ao sair dali ileso. A campanha
da imprensa italiana contra mim foi um espanto, uma
coisa pesada. A Itália me odiava de fato, de um jeito que
parecia inacreditável. Eu não duvidaria se as pessoas
acreditassem que eu havia causado o acidente de Niki”.
Mas Lauda nem ficou sabendo daquela novela. Fez uma
corrida constante e conseguiu terminar em quarto lugar.
Foi o desempenho mais corajoso de toda a história da
Fórmula 1 — até aquele momento, e também desde
então. Quando tirou o capacete depois da corrida, sua
balaclava antichamas estava ensopada de sangue; as
feridas no rosto e na cabeça tinham sido abertas
novamente. O impacto da prova nas cicatrizes em seu
rosto foi imenso. Mas ele fez o que tinha ido fazer:
aumentou sua liderança no campeonato. O fato de Hunt
não ter terminado a prova foi um tremendo bônus. O
bravo retorno de Lauda havia superado todas as
expectativas, principalmente as de seu rival inglês.
Lauda disse: “Fiz o que pude. Na última volta, a pressão
do óleo caiu e tive de tirar um pouco o pé do acelerador,
porque queria terminar a prova a qualquer custo. Diante
das circunstâncias, terminar em quarto lugar não foi
nada mau”.
Hunt era só elogios, e qualquer ressentimento em
relação a Lauda foi deixado de lado. Os dois tornaram-se
amigos novamente durante um período, e começaram a
se falar diariamente por telefone. Hunt contou: “O feito
de praticamente sair do túmulo e chegar em quarto lugar
num Grande Prêmio apenas seis semanas depois é
realmente impressionante”. E acrescentou: “Niki fez uma
corrida típica de Niki; contida e com respeito a suas
novas limitações”.
Ronnie Peterson venceu a prova em seu March-Ford. Foi
a primeira vitória da March em quase cinco anos, e a
primeira de Peterson depois de sua saída da Lotus.
Regazzoni ficou em segundo e Jacques Laffite, em
terceiro, com a Ligier. Os três pontos que Lauda faturou
na Itália deram a ele uma vantagem de cinco pontos em
relação a Hunt: Lauda estava com 61; Hunt, com 56.
No final da prova, Daniele Audetto, dirigente da Ferrari,
mostrou-se extremamente constrangido com os
acontecimentos do dia. Por mais autoritário que fosse,
ele era honesto e acreditava em seguir as regras do jogo
— e Audetto sabia que seus compatriotas não haviam
seguido as regras. Confessou sua admiração por Hunt e
disse que o ódio da multidão não fora dirigido a ele
pessoalmente, e sim à McLaren.
Depois de tirar esse peso dos ombros, Audetto se pôs a
fazer previsões estranhas e inesperadas sobre as três
últimas corridas. Previu que Hunt ganharia o Grande
Prêmio dos Estados Unidos no circuito de Watkins Glen,
terminaria em segundo lugar no Canadá e em terceiro no
Japão. Lauda, ainda de acordo com ele, venceria o
Grande Prêmio do Canadá, ficaria em segundo lugar no
Japão e não marcaria ponto em Watkins Glen. Ninguém
sabia de onde ele estava tirando aquelas previsões, mas
elas foram publicadas em todo o mundo e levadas a sério
por muita gente, incluindo a imprensa italiana.
Audetto também elogiou o colega de equipe de Lauda,
Regazzoni. Disse que ele chegaria em terceiro, segundo e
primeiro lugar nas três corridas remanescentes. Mais
uma vez, ninguém sabia o que ele queria dizer com
aquilo, ou como podia fazer previsões tão detalhadas.
Mas ­essas declarações também foram amplamente
divulgadas pelos jornalistas da Itália. Tudo não passava,
porém, da típica falsa bajulação italiana: após o Grande
Prêmio de Monza, Enzo Ferrari já estava decidido a
demitir Regazzoni e substituí-lo por Reutemann.
A última profecia de Audetto dava conta de que Lauda
conquistaria o título mundial por uma diferença de um
ponto em relação a Hunt: 76 a 75. Curiosamente, a
previsão não levava em conta o resultado do recurso da
Ferrari contra o Grande Prêmio da Inglaterra, nem a
montanha que Hunt ainda tinha de galgar para ser
campeão.
Para Hunt, as coisas só podiam melhorar. Mas, antes,
ficariam bem piores.
24
Hunt perde a vitória na Inglaterra
A McLaren se atrapalha na audiência
Paris: 24 de setembro de 1976

Conforme o burburinho de Monza diminuía, James Hunt


tomou a importante decisão de não comparecer à
audiência em Paris que confirmaria ou cancelaria sua
vitória no Grande Prêmio da Inglaterra. O Tribunal de
Recursos da FIA se reuniu na capital francesa para
avaliar o protesto apresentado pela Ferrari, cujo objetivo
era decidir se a McLaren-Ford de Hunt deveria ser
desclassificada do Grande Prêmio. A Ferrari havia
recorrido do resultado da prova, mas James Hunt achava
que ela ia perder a parada. Em vez de colocar na agenda
uma viagem para ir à audiência, ele escolheu uma
agenda alternativa para o intervalo de três semanas
entre a Itália e o Canadá, optando por um programa que
combinava torrar dinheiro e se divertir. Hunt ignorou
Paris e deixou tudo nas mãos do chefe da escuderia,
Teddy Mayer.
Para surpresa geral, Mayer disse a Hunt que daria conta
do recado sozinho. Mas não daria.
A McLaren achava que conseguiria derrubar o recurso,
e Hunt ficou com preguiça de ir, numa demonstração de
excesso de confiança. Ele disse: “Eu não conseguia
imaginar como poderiam nos desclassificar, já que o caso
era muito simples do ponto de vista jurídico”. Mas,
depois, admitiu: “Eu estava meio nervoso em relação ao
resultado”.
Boa parte da culpa pela ausência de Hunt na audiência
recaía sobre Teddy Mayer. Formado em Direito, ele
provavelmente sabia da importância do depoimento de
Hunt. Mesmo assim, foi incapaz de exercer autoridade
sobre o piloto e fazê-lo comparecer. Hunt era a principal
testemunha — provavelmente, a única que realmente
importava. Sua ausência era inexplicável, e seria fatal
para a defesa da McLaren.
Assim, logo depois do término do Grande Prêmio da
Itália, na noite daquele mesmo domingo, Hunt correu
para o aeroporto de Heathrow, em Londres, e tomou um
avião para Nova York. No fim de semana seguinte, ele
participaria de uma corrida da IROC com carros sedãs,
que lhe valeria um cachê de 10 mil dólares. Depois disso,
foi direto para Toronto, no Canadá, e fez uma sessão de
testes em Mosport, circuito onde seria realizado o Grande
Prêmio daquele país.
Hunt chegou ao Canadá ansioso por um período de
diversão, que incluiria todas as atrações locais. Tudo
indicava que sua libido estava em alta, já que a cada
noite ele aparecia com uma mulher diferente nos braços
— e, sempre que possível, curtia a vida até de dia.
Houve um momento constrangedor durante os testes
na pista de Mosport: Hunt seduziu a esposa do diretor do
circuito, enquanto o marido da moça estava ali perto.
Hunt, que estava se entendendo muito bem com ela, viu
uma ambulância vazia perto dos boxes, com as portas
destravadas. Convidou-a para entrar enquanto o marido
circulava até os boxes da McLaren para bater um papo
com Alastair Caldwell. A conversa entre os dois homens
ocorreu no exato momento em que a parte traseira da
ambulância sacolejava, castigando os amortecedores. Já
à noite, quando voltava para o hotel, Hunt não perdeu
tempo e logo seduziu a cantora da banda que tocava no
lobby.
Depois de alguns dias de testes repletos de
acontecimentos, Hunt voltou para Londres e de lá seguiu
para sua casa em Málaga. Passou alguns dias tomando
sol e pegou um avião para Toronto, no dia 23 de
setembro, com o objetivo de se preparar para a corrida
que estava marcada para 3 de outubro no circuito de
Mosport. Essa agenda atribulada era movida pelo desejo
de Hunt de faturar um dinheiro extra e passar alguns
dias em paz, em casa, antes do fim do verão e da tensão
das corridas decisivas.
Mas Hunt não deveria estar no Canadá. Ir para lá com
tanta antecedência e deixar de comparecer diante do
Tribunal da FIA em Paris foi um trágico erro de avaliação,
que lhe custaria muito caro.
A audiência da FIA em Paris teve início no dia 26 de
setembro. A questão em jogo era simples: a Ferrari havia
recorrido da vitória de Hunt no Grande Prêmio da
Inglaterra, argumentando que ele deveria ter sido
desclassificado depois do reinício da corrida. A
expectativa da Ferrari era derrubar a decisão dos
comissários, que haviam declarado Hunt o vencedor da
prova.
A audiência ocorreu diante de um painel composto por
seis juízes, entre delegados da FIA vindos da França,
Alemanha, Espanha, Brasil, Suíça e Estados Unidos.
A argumentação da Ferrari foi apresentada pelo
dirigente da equipe, Daniele Audetto, que estava
acompanhado por dois advogados. Audetto afirmou que,
depois do acidente no início da corrida, o carro de Hunt
havia sido abandonado pelo piloto e empurrado por
mecânicos da McLaren com a corrida ainda em
andamento, e que por isso Hunt não havia terminado a
primeira volta.
A defesa da McLaren, apresentada por Teddy Mayer e
por um advogado representando o Real Automóvel Clube
Britânico, afirmava que Hunt havia parado apenas ao ver
a bandeira vermelha, e que o carro fora empurrado
somente depois da interrupção oficial da corrida. Eles
sustentavam que Hunt poderia e teria completado a
volta se tivesse achado necessário.
Teddy Mayer levou ao tribunal um aparelho de
videocassete e uma gravação da corrida. Ele achava que
as imagens não deixavam dúvida em relação aos
argumentos da McLaren. Caldwell concordou: “Tínhamos
evidências claras que mostravam Hunt pilotando o carro.
O vídeo foi levado a Paris e um produtor da CSS jurou
que a gravação não havia sido manipulada”.
No entanto, sem Hunt no tribunal, grande parte das
evidências apresentadas pela McLaren não passavam de
provas indiretas, e a escuderia não tinha uma
argumentação sólida para apresentar. A ausência de
Hunt irritou profundamente os juízes; aquilo cheirava a
arrogância.
A Ferrari, por outro lado, não cometeu o mesmo erro, e
jamais houve dúvida sobre a presença de Niki Lauda na
audiência, com o objetivo de fornecer provas. Embora
Lauda não estivesse diretamente envolvido, ele havia
testemunhado o episódio e estava na audiência para
oferecer todas as evidências que pudesse. Sua presença
garantiu à Ferrari uma tremenda vantagem estratégica,
que a equipe explorou ao máximo.
Mayer não acreditou quando viu Lauda entrar: o
dirigente percebeu na hora que a McLaren havia
cometido um erro ao não exigir a presença de Hunt no
tribunal. Ele torceu para que o equívoco não fosse fatal
— mas, a partir daquele momento, temeu que seria.
Lauda havia tomado um avião de Salzburgo até Paris
para participar da audiência, e chegou à sede da FIA com
a cabeça coberta por um curativo empapado de sangue.
Como seus ferimentos já estavam cicatrizados àquela
altura, muita gente achou que tudo não passava de um
teatro italiano para conquistar a piedade do tribunal. A
aparição de Lauda foi um momento de grande emoção, e
os juízes ficaram visivelmente tocados ao vê-lo entrar na
sala. Todos se sentiram honrados pelo piloto ter se dado
ao trabalho de comparecer.
Eles ouviram com atenção cada palavra dita por Lauda,
e pareceram considerá-lo uma testemunha independente
e imparcial, tal era seu poder de convencimento.
Lauda estava em boa forma e foi extremamente
persuasivo. Seu efeito sobre os juízes ficou evidente.
Alastair Caldwell relembrou: “Niki era uma espécie de
santo vivo, e o coitado do ingênuo responsável por tomar
uma decisão aceitou que tudo aquilo era muito injusto
com o pobrezinho do Niki”.
Além disso, os advogados da Ferrari foram muito hábeis
na hora de apresentar Lauda como uma vítima da
situação. Se tivesse estado lá, Hunt poderia ter rebatido
esse argumento. Mas ele não estava.
A audiência durou onze horas e foi encerrada em uma
sessão. No dia seguinte, o secretário da FIA anunciou o
veredicto. Foi tudo muito simples: Hunt estava
desclassificado do Grande Prêmio da Inglaterra, e
perderia nove pontos. Para piorar, Lauda foi promovido a
vencedor da prova, e ganhou três pontos.
A rigor, Hunt havia perdido doze pontos ao todo. O
placar agora marcava 64 para Lauda e 47 para Hunt,
numa diferença de dezessete pontos. Tudo culpa do
próprio piloto inglês.
Na tarde do dia 28 de setembro, uma terça-feira, Hunt
estava jogando squash em Toronto quando ficou sabendo
da decisão do tribunal. Um jornalista canadense
conseguiu telefonar para o clube onde o piloto estava, e
um funcionário entregou a Hunt um recado escrito num
pedaço de papel: “Me ligue, e prepare-se para más
notícias”.
Hunt sabia exatamente o que aquilo significava. Ele
contou: “As notícias são boas ou ruins, e a decisão teria
de ser preto no branco”. Por isso, ele já sabia qual tinha
sido o resultado, e não ligou de volta imediatamente.
Seguindo o estilo de Sir Francis Drake, Hunt decidiu
terminar a partida de squash , conforme relatou: “Eu
queria pensar um pouco, por isso passei no vestiário e
segui direto para a quadra. Do ponto de vista
profissional, sou bem durão, e é difícil eu me abalar.
Treinei para ser durão — não vejo vantagem em me
deixar abater. Mas, cara, a verdade é que eu não
conseguia acertar a bola, e não me concentrei nem um
pouco no jogo”.
Quando a partida terminou, a notícia já havia se
espalhado, e uma horda de jornalistas estava no clube
com mais informações sobre o caso. Hunt estava
extremamente chateado, mas mesmo assim falou à
imprensa. Ele disse que o impacto da decisão era “bem
pesado”.
Hunt jamais ficou sabendo da verdadeira razão de sua
exclusão do Grande Prêmio. Ele disse: “Nunca explicaram
por quê. Em recursos anteriores, eles sempre haviam
explicado as conclusões do tribunal e as razões por trás
da decisão, mas naquele caso simplesmente
comunicaram o resultado da audiência”.
Na cabeça do piloto, havia apenas uma justificativa
possível: a FIA optara por desacreditar as testemunhas,
incluindo o funcionário da pista e os delegados. Hunt
jamais acreditou que sua ausência pudesse ser o motivo
real da decisão: “O fato é que meu carro estava correndo
e não havia abandonado a prova, e não vejo como
alguém pode fazer afirmações sobre as intenções de um
piloto se nem eu mesmo sabia, naquele momento, se
abandonaria a prova ou não. Era totalmente irrelevante”.
Mas ele não estava presente para dizer isso — e agora, a
5.600 quilômetros de distância, já era tarde demais.
Tempos depois, Hunt admitiu que, ao saber do
resultado, pensou que talvez tivesse sido um erro não
comparecer à audiência.
Anos mais tarde, tentou reescrever a história e afirmou
que a au­diência havia ocorrido uma semana depois do
que de fato aconteceu: “Eu já estava no Canadá
esperando, pronto para a corrida. Foi um imenso choque
receber a notícia de Paris dois dias antes do início dos
treinos para o Grande Prêmio do Canadá”. Mas a
presença de Lauda em Paris derrubava esse argumento.
Depois, Hunt botou a culpa na Ferrari por ter
apresentado um recurso tão desnecessário. “Eu era o
cara que estava vencendo a grande máquina da Ferrari,
e eles não estavam gostando nem um pouco. Eles se
deram ao trabalho de garantir que eu me desse mal,
começando com a história do combustível em Monza e
depois com isso. A soma dessa notícia ao fracasso na
Itália me deu uma sensação de traição — isso mesmo,
traição. Após dez anos de esforços eu finalmente estava
em condições de ganhar o campeonato mundial, e agora
sofria um assassinato político, traído por acontecimentos
sobre os quais não tinha qualquer controle. Era injusto, e
eu não podia fazer nada.”
Mais tarde, Teddy Mayer ficou escandalizado com a
decisão: “James foi o vencedor incontestável da corrida;
isso era inquestionável, não havia como argumentar que
o carro estava ilegal”.
Hunt admitiria depois que parte da culpa cabia a ele e à
escuderia, por não terem se preparado o bastante para a
audiência: “Para ser sincero, nem eu nem a McLaren
levamos aquela história muito a sério. Não havia nada
nas regras, nenhuma argumentação, que pudesse
sugerir minha desclassificação ou algum problema
naquela situação. Como resultado, acho que a McLaren e
o Teddy Mayer chegaram a Paris em setembro sem ter
preparado uma defesa adequada”.
Alastair Caldwell resumiu: “A McLaren nunca foi boa de
política. Eles acabaram com a gente”.
Niki Lauda, por sua vez, estava eufórico. Os jornais
divulgaram amplamente a declaração de que ele estava
“feliz com o resultado” — “felicíssimo”. Aos repórteres
que o procuraram em sua casa, na Áustria, ele disse que
o tribunal da FIA havia sido “correto”, e que finalmente
fora “tomada uma decisão positiva”.
Lauda caprichou nas declarações para a imprensa, e
Hunt ficou aborrecido ao ler as notícias.
O piloto inglês aproveitou todas as entrevistas que deu
à televisão para atacar Lauda e a Ferrari, e Lauda
devolveu na mesma moeda. Hunt disse: “Todo mundo
tem um teto de vidro, e não entendo a pretensa
superioridade da Ferrari ao afirmar que nunca burlou
qualquer regra. Não vejo problema em dizer isso, mas
acreditar que é verdade é outra história. Essa
demonstração de presunção me parece infantil”.
Lauda achou que Hunt estava exagerando e sendo
maldoso: “Quan­­do me roubaram o Grande Prêmio da
Espanha, James não falou comigo nem disse que a
decisão havia sido errada. Por que eu deveria falar com
ele sobre a decisão de Brands Hatch? É claro que fiquei
surpreso; eu não achava que a FIA fosse cancelar a
vitória dele na Inglaterra. Mas eles analisaram as provas
e o fizeram. É muita falta de sorte para James; ele fez
uma bela corrida naquele dia. Mas a decisão foi tomada,
e temos de aceitá-la. Chega de ficar reclamando em
público”.
Muitos anos depois, Hunt tentou explicar por que não
havia ido para Paris. Disse que o motivo era simples: não
queria que nada negativo tirasse sua concentração das
duas últimas corridas na América do Norte. Ele estava
extremamente confiante, totalmente concentrado no
campeonato mundial. Hunt não sabia se poderia vencer
Lauda na luta pelo título, mas achava que a decisão seria
disputada.
Conforme os outros iam chegando ao Canadá, Lauda e
a equipe da Ferrari não se cansavam de demonstrar sua
felicidade com o resultado do recurso. Era inevitável que
se vangloriassem pelos jornais. O episódio criou um
imenso ressentimento entre Hunt e Lauda, e qualquer
resquício de amizade desapareceu depois do Grande
Prêmio da Itália. Hunt, no entanto, estava pronto para a
briga das três últimas corridas. “Eu estava pronto para
tentar, me sentia elétrico, queria correr, e o único lugar
onde podia ficar sozinho e fazer meu trabalho era o
cockpit do carro. Por isso, aproveitei como nunca meus
momentos ali dentro: era um alívio pilotar. Eu estava
odiando todo o resto.”
25
Um fio de possibilidade para Hunt
Só a vitória salva
Canadá: 1 a 3 de outubro de 1976

Conforme seria de se esperar, Niki Lauda ficou


extremamente atento a questões de segurança depois do
acidente. E, logo que chegou ao Canadá, entrou em
guerra com os organizadores do Grande Prêmio, que
seria realizado no primeiro fim de semana de outubro.
O circuito de Mosport tem 3,3 quilômetros de extensão
e fica num cenário idílico e mágico, em meio a lagos e
rodeado por florestas que ganham uma linda cor
marrom-avermelhada no início do outono. A pista, porém,
sofria por ficar debaixo de neve durante quase todo o
inverno, o que causava estragos consideráveis —
exacerbados pela manutenção do autódromo, que
deixava a desejar.
O estado da pista era péssimo, e representava um sério
problema de segurança. Estava armado, portanto, o
cenário para o embate, e as equipes já estavam
chegando ao Flying Dutchmen Motel, perto de‐ ­
Bowmanville, a 72 quilômetros de Toronto. James Hunt
disse que a tensão estava “no ponto máximo”: “Aquela
situação me deixou tão deprimido que me tranquei no
quarto na noite de quinta-feira e fiquei à espera do treino
de sexta. Seria minha chance de voltar à sanidade do
cockpit. Dentro do carro, toda a dificuldade e a pressão
desapareceram e eu me concentrei na corrida. Foi lindo”.
O comitê de segurança da Associação de Pilotos de
Grandes Prêmios, comandado por Lauda, reclamou das
condições da pista para os organizadores. Sem chegar a
um acordo, foi marcada uma reunião para discutir o
assunto. Lauda pediu que Hunt participasse e, segundo
testemunhas, a resposta veio aos berros: “Dane-se a
segurança. Eu só quero correr”.
Era a última coisa que Hunt queria dizer a Lauda, ainda
coberto por ferimentos. A reação, no entanto, era um
reflexo do recurso apresentado contra o Grande Prêmio
da Inglaterra e do que acontecera em Monza. Lauda
compreendeu, e filosofou sobre o episódio: “Já fomos
amigos, mas James burlou as regras na Inglaterra.
Quando alguém desrespeita as regras, está fora. Não
tem discussão. Agora ele vem gritar comigo. Não está
certo. Ele deveria me respeitar como piloto. Temos de
trabalhar, e o ressentimento só piora as coisas”.
Hunt inventou uma desculpa e não apareceu na reunião
oficial do comitê de segurança. Sua ausência
enfraqueceu a posição dos pilotos. Os outros integrantes
ficaram furiosos, e alguns questionaram a atitude de
Hunt. Havia um risco real de a corrida ser cancelada, e
isso não seria interessante para o piloto da McLaren. Com
uma corrida a menos, ele não teria possibilidade de
vencer o campeonato. É provável que Alastair Caldwell
tenha aconselhado o piloto a não comparecer, mas Hunt
jamais admitiria isso. Pilotos sempre dizem que a
segurança é o mais importante. Naquela ocasião, porém,
não era — pelo menos do ponto de vista de James Hunt.
O comportamento de Hunt terminou de abalar a
harmonia criada entre os dois pilotos depois de Monza.
Mais tarde, Hunt confessou: por motivos estratégicos,
estava mais interessado em tocar fogo na situação do
que em apagar o incêndio. “Eu queria que Niki
acreditasse que eu tinha enlouquecido com todos
aqueles acontecimentos, para que ele mantivesse
distância na hora da corrida. Foi uma jogada puramente
profissional. Quando você impõe pressão psicológica e
assusta o outro piloto, é mais fácil ultrapassá-lo. É claro
que eu não iria empurrá-lo para fora da pista, mas queria
que ele acreditasse que eu seria capaz disso.”
Jogando a ética para o alto, os jornalistas também
começaram a alimentar a raiva entre os dois. Hunt
achava que Lauda já tinha tentado assustá-lo aquele ano,
quando divulgou a notícia de que recebera a extrema-
unção. Ele decidiu retaliar. Percebendo que poderia
intimidar Lauda a ponto de que este se deixasse
ultrapassar — em vez de arriscar um confronto que
poderia tirar ambos da prova —, Hunt acrescentou:
“Cultivei em Niki a ideia de que eu estava com raiva.
Jamais disse isso, mas consegui fazê-lo acreditar”.
A rixa era intensa, e todos sabiam o que estava
acontecendo. John Hogan, cuja marca de cigarros
Marlboro patrocinava ambos, estava particularmente
preocupado com a situação. Ele relatou um incidente
ocorrido logo que chegou ao Canadá: “Saí do avião em
Toronto e fui direto para o refeitório de Mosport. Niki
estava sentado de um lado, junto com três caras da
Ferrari, e James estava do outro lado, com o pessoal da
McLaren. Entrei no salão e Niki disse: ‘Hogan, senta aqui
com a gente.’ Aí James gritou: ‘Hogie, vem pra cá’.
Comecei pela McLaren e depois fui para a Ferrari”. Hogan
era próximo dos dois pilotos e tinha uma visão imparcial.
Ele culpava sobretudo Lauda e dizia que o austríaco
havia se aproveitado dos ferimentos para ganhar
vantagem. Segundo Hogan, a rivalidade não havia sido
criada por Hunt: “Niki estava dando uma de austríaco
mimado. Ao longo do ano, James tivera um
relacionamento de pavio curto com Niki”.
Hunt circulava pelo hotel num mau humor dos diabos.
Na noite seguinte, teve um bate-boca violento com
Daniele Audetto no restaurante. Teddy Mayer ficou
olhando enquanto os dois trocavam ofensas. Tudo
começou quando Audetto — um homem educado —
tentou lamentar a perda do recurso de Hunt. O inglês
respondeu com duas palavras: “Some daqui”. Pelo
menos, foi isso o que disseram os jornais canadenses.
Audetto afirmou que estava apenas fazendo seu
trabalho. O clima pegou fogo, e o pessoal da Ferrari e da
McLaren entrou na briga, até o momento em que Hunt se
cansou e foi dormir. No dia seguinte, ele disse: “Achei
meio nojento o pedido de desculpas de Audetto. Ele não
precisava ter se desculpado, porque, para começo de
conversa, não deveria nem ter contestado minha vitória
em Brands Hatch. Por isso expliquei num tom curto e
grosso que não estava interessado em desculpas”.
Agora era a vez de a Ferrari ficar em desvantagem. No
dia seguinte, Audetto tomou um susto quando os fiscais
canadenses disseram que o radiador de óleo do câmbio
da Ferrari estava numa posição ilegal, e tudo indicava
que tinha sido a mesma desde o Grande Prêmio da
Espanha. Quando os fiscais indicaram o problema, não
havia como discutir. Audetto viu que a posição ia contra
as regras.
A Ferrari não estava trapaceando, já que o problema
não representava uma vantagem de desempenho. De
qualquer modo, havia um erro que só foi identificado no
Canadá. A equipe simplesmente não havia entendido
muito bem as regras — da mesma maneira que oito
grupos de fiscais anteriores também não as haviam
entendido.
Audetto ficou extremamente constrangido, e os
mecânicos mudaram imediatamente a posição dos
radiadores. Teddy Mayer e Alastair Caldwell tinham uma
decisão importante a tomar: recorrer ou não de
resultados conquistados com um carro em situação
indiscutivelmente ilegal. Depois de muito debate,
decidiram não protestar. Se o tivessem feito, a Ferrari
poderia ter sido desclassificada de todas as corridas
desde a Espanha.
Quando essa novela acabou, teve início a
movimentação na pista.
A Ferrari havia levado chassis 312T2 de números 26 e
27 para Lauda e Regazzoni, bem como um chassi número
28 reserva, novinho em folha, que ficou escondido. O
carro tinha sido construído para Carlos Reutemann, mas
Lauda havia exigido o cumprimento de seu contrato e
Reutemann ficara de fora. Audetto e Enzo Ferrari queriam
substituir Regazzoni por Reutemann, mas Lauda também
impedira que isso acontecesse. Ele simplesmente não ia
com a cara do sujeito. O design do novo motor da Ferrari
já estava resolvido, e a vantagem em potência,
principalmente em baixa, era evidente.
A maioria das diferenças entre os pilotos foi esquecida
logo no início do fim de semana da corrida. Pela primeira
vez, os estragos causados pelas queimaduras no rosto de
Lauda ficaram aparentes. Hunt lamentava
profundamente a desfiguração do rival, que causava
aflição em todos os presentes no paddock. Hunt sabia
que a vida do austríaco tinha mudado para sempre, e era
inevitável pensar na própria mortalidade ao se deparar
diariamente com as cicatrizes de Lauda. Todos pareciam
incomodados, menos Lauda. Ele não dava nenhum sinal
de estar abalado com as mudanças em sua aparência. E,
se estivesse, jamais admitiria. Lauda ficava
desconfortável com o incômodo dos outros, mas sabia
que não havia nada a fazer. Ele seguia em frente,
aceitando a sorte que lhe coubera.
A McLaren havia desistido do novo M26 e, até o final de
1976, Jochen Mass não teria mais de pilotar aquele carro.
Oficialmente, ­Caldwell explicava que a equipe não queria
levar dois conjuntos de carros reservas para as corridas
fora da Europa. O trio de M23 era suficiente, e Hunt teve
de usar o carro reserva quando o motor do modelo titular
estourou no primeiro dia de treinos. Durante os dois dias,
Hunt foi o mais rápido com alguma facilidade, sem
jamais ser desafiado por Lauda ou Regazzoni, a despeito
dos potentes motores da Ferrari. A classificação foi
disputada entre Hunt e o March-Ford de Peterson, que
estava de volta ao páreo. Peterson voltara à boa forma,
mas não foi rápido o suficiente para tirar a pole position
de Hunt, conquistada com uma diferença de quatro
décimos de segundo. Vittorio Bambrilla, que também
pilotava um March-Ford, ficou na segunda fila, ao lado da
Tyrrell-Ford de Patrick Depailler. Lauda foi o sexto mais
rápido, e ficou ao lado de Mario Andretti — que
apresentava resultados cada vez melhores em sua Lotus-
Ford. Ninguém conseguia explicar a lentidão de Lauda,
mas a classificação de Regazzoni na 12ª posição fez
todos acreditarem que o carro não se adequava às
características do circuito.
Foi a pior classificação geral da Ferrari no ano, e Lauda
não tinha chance de vencer a prova. Se Regazzoni não
tivesse sido tão lento, seria possível botar a culpa no
estado físico de Lauda. Mas o austríaco tinha uma
explicação técnica: “O tempo frio trazia à tona uma das
fraquezas da Ferrari. Quando a inclinação da roda muda
muito, nos momentos em que ela sobe ou desce na
suspensão, os pneus esquentam; a temperatura ideal
para um pneu de carro de corrida é de pouco mais de
100 graus centígrados. A maioria das equipes tem carros
cuja suspensão faz boa parte do trabalho, mas, nos
nossos carros, essa ação é quase nula. Por isso,
estávamos em vantagem nos dias quentes. Mas em
Mosport essa característica jogou contra”.
Num acontecimento que Hunt já esperava com alguma
tristeza, ele fez uma largada ruim e ficou para trás,
cedendo a dianteira a Ronnie Peterson. Durante oito
voltas, ele perseguiu o sueco, até conseguir ultrapassá-
lo, graças à sua velocidade superior. Algumas voltas
depois, Depailler se infiltrou na segunda posição com sua
Tyrrell de seis rodas, e foi se aproximando da McLaren.
Hunt costurou com maestria entre os retardatários,
conforme ele mesmo narrou: “Eles abriam caminho para
mim, lindamente”. O objetivo de sua estratégia era
intimidar Lauda, mas ele atingiu esse efeito também
sobre os demais pilotos.
O Grande Prêmio foi marcado pelo duelo entre Hunt e
Depailler, um concorrente muito forte. Nas últimas
voltas, entretanto, Depailler foi ficando para trás sem
explicação, e cruzou a linha de chegada seis segundos
depois de Hunt — o primeiro a receber a bandeira
quadriculada. Mario Andretti ficou em terceiro. Niki
Lauda, que largou mal e nem marcou pontos, terminou
em oitavo lugar: foi, sem dúvida, sua pior prova do ano.
Mais tarde, ele se desculpou: “Uma peça da suspensão
traseira quebrou e me deixou para trás”. No final, seu
colega de equipe, Regazzoni, chegou melhor, e marcou
um ponto. Regazzoni não conseguiu sair da frente para
dar o ponto a Lauda porque a ­Brabham-Alfa Romeo de
Carlos Pace estava no meio do caminho entre os dois.
Lauda simplesmente não conseguiu ultrapassá-lo. Ele
passou a corrida lutando contra um carro em condições
difíceis, com um problema na suspensão traseira, e não
marcou um ponto sequer: uma tragédia para ele.
Depois da prova, os mecânicos da Ferrari descobriram
uma falha no suporte da suspensão traseira. Na época,
Lauda disse: “Mais ou menos na metade da corrida, o
carro começou a sair muito de traseira. Não sei por quê”.
Patrick Depailler subiu ao pódio ainda meio tonto; ele
achava que poderia ter vencido a corrida. Mas descobriu-
se que havia fumaça de combustível vazando para
dentro do cockpit da Tyrrell, e o piloto ficou intoxicado
nas últimas voltas. Ele disse que a sensação era a
mesma de ter entornado uma garrafa inteira de uísque.
Quando tirou o capacete, o forro protetor estava molhado
de combustível. Depailler havia se tornado um
especialista na segunda posição: em 1976, ele chegou
cinco vezes em segundo lugar.
Hunt admitiu que a vitória não tinha sido mera
formalidade: “Depailler realmente dificultou minha vida e
manteve a pressão. Se tivesse ultrapassado,
provavelmente teria corrido um pouco mais rápido que
eu. Mas ele não foi rápido o suficiente para me atacar. No
Canadá, minha principal preocupação foram os
retardatários no caminho. Se você comete um erro nessa
hora, o cara que está te perseguindo passa à frente. Se o
retardatário se move para o lado errado, na hora errada,
você tem de frear, e aí abre um buraco do outro lado da
pista. Tomei muito cuidado para que isso não
acontecesse. Comecei a jogar os retardatários contra
Depailler. Fiquei costurando, por assim dizer, entre os
grupos de retardatários, porque era óbvio que eu não
conseguiria me afastar dele. Por isso, eu não tinha
pressa. Quando nos aproximávamos dos últimos
colocados, eu dava uma boa arrancada, para abrir o
máximo de espaço entre nossos carros e ganhar alguma
margem de ­manobra. Comecei a cronometrar minha
chegada junto aos retardatários para poder ultrapassá-
los na parte certa do circuito. Pensei muito no que estava
fazendo, e me saí melhor do que ele. Mas também é
preciso um pouquinho de sorte”.
Hunt ficou exultante ao cruzar a linha de chegada. Ele
havia cumprido o que tinha ido fazer ali. Os pensamentos
sobre a desclassificação de Brands Hatch sumiram de
sua cabeça. Depois da corrida, Hunt e Lauda se
encontraram para resolver as diferenças. É possível que
Hunt estivesse se aproveitando da rixa entre os dois,
mas, em qualquer confronto psicológico, há um momento
em que fica difícil separar a verdade da estratégia. Hunt
percebeu que essa hora havia chegado e que a rivalidade
precisava ser deixada de lado de uma vez por todas.
Hunt estava cansado depois de todos os
acontecimentos na Itália e no Canadá. Ele queria que o
campeonato terminasse com uma luta justa, num clima
saudável de espírito esportivo. O inglês realmente não
queria vencer num ambiente gladiatório, de confronto
com Lauda — principalmente após o acidente em
Nürburgring.
Depois do Canadá, a duas corridas do fim do
campeonato, a diferença havia caído para oito pontos.
26
O destino intervém em Nova York
Hunt vence e deixa a decisão para o último minuto
Watkins Glen: 8 a 10 de outubro de 1976

Uma semana depois de ir ao Canadá e não marcar


nenhum ponto, Niki Lauda fez uma rápida viagem a Nova
York com a firme esperança de faturar o título mundial na
corrida seguinte. Ele havia marcado para aquela semana
subsequente uma cirurgia de reconstituição total da face,
e não tinha a intenção de ir ao Japão para a última
corrida da temporada. Lauda estava ciente de que Carlos
Reutemann, àquela altura já aceito como seu novo
companheiro de equipe para 1977, poderia substituí-lo.
Esses planos, contudo, seriam alterados em breve: o
destino entraria em cena em Watkins Glen.
Watkins Glen é uma pequena cidade turística à beira
dos lagos Seneca, no estado de Nova York, a cerca de
190 quilômetros da fronteira com o Canadá. Ninguém
conheceria aquele lugar se ele não fosse o circuito onde
o Grande Prêmio dos Estados Unidos era realizado desde
a inauguração do local, em 1961. O centro do circo da
Fórmula 1 costumava ser o pequeno hotel Glen Motor
Inn. Quase todos os pilotos se hospedavam ali, e os
mecânicos ficavam no Seneca Lodge, bem perto.
Naquela época, o Glen Motor Inn era administrado pela
família Franzese, que conhecia todos os pilotos. Os
anfitriões davam um clima familiar à corrida, e os pilotos
adoravam. Portanto, o hotel era o lugar ideal para uma
reaproximação entre Niki Lauda e James Hunt —
reaproximação desesperadamente necessária depois das
amargas desavenças no Canadá, disparadas pelo recurso
da Ferrari contra os resultados de Brands Hatch e pelos
problemas de segurança no circuito de Mosport.
Cercados pelas imensas janelas debruçadas sobre os
lagos, os dois se sentaram para jantar num canto
tranquilo do restaurante do hotel para acertar as
diferenças. O cenário não poderia ser mais
tranquilizante. A qualquer hora do dia, era possível
encontrar pessoal da Fórmula 1 sentado para comer por
ali. Os rivais perceberam que seria melhor falar sobre os
desentendimentos antes que a coisa saísse de controle.
Lauda afirmou com veemência que jamais havia dado as
declarações atribuídas a ele pelos jornais depois do
anúncio da decisão em Paris, e disse ainda que os
comentários desrespeitosos feitos em Mosport sobre
Hunt eram um caso de “exagero flagrante” de um
“jornalista maldoso”.
Hunt também negou ter dado as declarações sobre
Lauda que haviam sido atribuídas a ele. O inglês garantiu
que os comentários contrários a Lauda tinham sido
invenções ou declarações fora de contexto. Depois da
conversa, os dois trocaram um aperto de mãos, e a
desavença foi enterrada para sempre. O jantar quebrou o
gelo, e os dois passaram um bom tempo resolvendo as
diferenças e renovando a amizade — temporariamente
rompida pelos acontecimentos ocorridos no Canadá.
Mais tarde, Hunt disse: “A imprensa nos amolava sem
trégua, e fomos ficando os dois meio irritados. Nos
odiamos por algumas horas, mas depois resolvemos as
coisas e continuamos com o bom relacionamento que
tínhamos”.
Passado o encontro, os pilotos combinaram de se
mudar para quartos vizinhos no hotel. Lauda e Hunt
mantinham as portas abertas, e frequentavam-se sempre
que possível. Naquela época, a série Fawlty Towers era o
programa de humor mais popular da televisão britânica,
e Lauda costumava acordar Hunt de manhã pregando
peças no colega e fazendo imitações hilariantes de John
Cleese.
Entretanto, há quem não se lembre de uma relação tão
amigável assim. É o caso de John Hogan, que trabalhava
nos bastidores para fazer Lauda sair da Ferrari e ir para a
McLaren, com o objetivo de criar um dream team para
1977. Hogan enxergara essa possibilidade depois do
acidente de Lauda e da contratação de Reutemann pela
Ferrari. Hunt era totalmente a favor do projeto, mas
Hogan diz que Lauda estacou diante da ideia de ser
colega de escuderia do inglês. Hogan relembrou: “James
não via problema algum. Referindo-se às manhas do
jogo, ele disse: ‘Você tem que pensar o seguinte: os
rivais têm de estar em algum lugar, então talvez seja
melhor que estejam no mesmo carro’. Mas Niki disse:
‘Não sei, não’”.
Na pista, os treinos classificatórios transcorreram sem
solavancos ao longo dos 5,3 quilômetros do circuito —
salvo pelas intempéries climáticas, que interferiram o
tempo todo. A primeira metade da sexta-feira foi
prejudicada pela chuva torrencial, mas à tarde o céu
ficou limpo. Houve um incidente feio: o cilindro de ar
usado para dar a partida pneumática no carro caiu da
McLaren de Hunt e foi atropelado pelos carros de Patrick
Depailler e Emerson Fittipaldi. A Tyrrell-Ford de Depailler
sofreu estragos sérios, e o Copersucar de Fittipaldi
também ficou danificado. Foi um momento de grande
preocupação.
A tarde de sexta-feira seria o único período sem chuva
daqueles dois dias de treinos, e foi ali que os pilotos
marcaram os tempos mais rápidos.
Para Hunt, o clima parecia ser uma irritação menor. Ele
ficou com a pole position pela oitava vez no ano. Dessa
vez, Jody Scheckter estava a seu lado, com a Tyrrell-Ford
de seis rodas que vinha dando repetidas demonstrações
de eficiência em sua temporada de estreia. Scheckter
melhorava a cada corrida, mas não tinha futuro na Tyrrell
depois do incidente em Zandvoort. Foi anunciado que ele
deixaria a equipe para competir pela escuderia de Walter
Wolf, que pagara 250 mil dólares ao piloto só pela
assinatura do contrato, com o objetivo de convencê-lo a
trocar de equipe.
Mas a velocidade cada vez mais alta de Scheckter não
era o problema de Hunt; o problema era Lauda. Ele
percebeu que o austríaco tinha grandes chances de
manter as mãos no título, e disse: “Só não desisti
completamente porque sempre há uma esperança. A
única possibilidade era fazer o melhor que eu podia,
pensar numa prova de cada vez e tentar ganhar. Se não
pudesse ganhar, tinha de terminar na melhor posição
possível”.
Hunt foi ajudado por mais um desempenho medíocre
de Lauda nos treinos, e o austríaco ficou em quinto lugar.
Os críticos teriam caído em cima do austríaco, não fosse
o fato de seu colega de equipe, Regazzoni, ter ficado na
14ª posição — atrás até mesmo do novato Larry Perkins,
que pilotava o segundo carro da Brabham-Alfa Romeo.
Alguma coisa estava acontecendo com a velocidade das
Ferraris num momento crucial da temporada, mas
ninguém sabia o que era. Lauda insistia que o problema
era o frio, mas Mauro Forghieri não entendia assim.
Os treinos de sábado foram gravemente prejudicados
pela chuva que caiu durante praticamente todo o dia.
Num certo momento, o circuito chegou a ficar alagado,
ameaçando a realização da corrida.
Durante os treinos, a inflamação que Hunt apresentava
num nervo do cotovelo esquerdo piorou, e a dor se
agravou durante a noite. Um médico foi chamado para
lhe dar uma injeção de analgésicos antes que entrasse
no carro.
No dia da corrida, o tempo amanheceu claro e
ensolarado, sem qualquer ameaça de chuva. Mesmo
tendo garantido a pole oito vezes em 1976, Hunt só
havia liderado a primeira volta em uma ocasião, e aquele
dia não seria exceção.
Hunt fez uma boa largada — insuficiente, porém, para
impedir que Jody Scheckter assumisse a liderança. Essa
situação se manteve durante várias voltas: Hunt sempre
com cerca de três segundos de desvantagem em relação
ao primeiro colocado. Niki Lauda vinha atrás deles, na
terceira posição, com cinco segundos de diferença. Hunt,
no entanto, sabia que tinha de ganhar, e concentrou-se
totalmente no ato físico de pilotar o carro. Mais tarde,
confessou que não fazia isso com grande frequência.
Para ele, pilotar era algo tão natural que muitas vezes o
talento lhe bastava. Mas aquele dia foi diferente. Sua
McLaren-Ford saía muito de traseira nas inúmeras curvas
de Watkins Glen. O piloto contou que tinha passado vinte
voltas concentrado, tentando descobrir uma técnica para
ir mais rápido. Foi o que Hunt chamou de “uma aula de
pilotagem autoministrada”.
Mais tarde, admitiu que o exercício lhe trouxe imensa
satisfação pessoal: “Consegui parar para pensar. Na vida,
independentemente da situação, é importante perceber
quando se está fazendo algo malfeito e ter a capacidade
de melhorar”. Hunt fez exatamente isso naquele dia.
Cerrou os dentes, segurou com força o volante da
McLaren e concentrou toda a atenção em Scheckter — o
único obstáculo entre seu carro e a vitória. Estava
decidido a ultrapassá-lo, e fazia cálculos enquanto se
aproximava do líder e deixava Lauda para trás, buscando
pontos favoráveis à ultrapassagem e oportunidades de
superar Scheckter.
Na 36ª volta, Scheckter teve de reduzir a velocidade
por causa de outro carro, que freou numa curva fechada.
Hunt colou a McLaren na asa traseira da Tyrrell. Na hora
de acelerar na reta, Hunt saiu da trajetória de Scheckter
e assumiu a liderança.
No entanto, quatro voltas depois, Scheckter tomou a
frente novamente, num momento em que os dois
ultrapassavam retardatários. Hunt ficou furioso com a
própria falha: perder a liderança depois de tanto esforço.
Ele contou: “Jody disparou na minha frente na reta. Achei
que eu tinha colocado tudo a perder”.
A adrenalina de Hunt corria solta. Voltou a pressionar,
decidido a vencer. Mas o excesso de adrenalina sempre
foi um problema para Hunt, conforme relembrou Alastair
Caldwell: “Ele era um piloto extremamente esforçado, e
tinha os níveis de adrenalina mais altos do que qualquer
piloto que conheci. Antes do início das corridas, ficava
tão excitado no cockpit que uma pessoa sentada na
lateral do carro poderia achar que o motor estava
ligado”.
Uma vantagem para Hunt era o fato de que Niki Lauda
havia caído algumas posições. Ele não estava sequer na
briga por um lugar no pódio, e a batalha se concentrava
na frente, entre Scheckter e Hunt.
Após o intervalo de uma volta, Hunt conseguiu mais
uma vez chegar a uma distância que lhe permitia dar o
bote. Esperou várias voltas para atacar, enquanto
testava as reações de Scheckter, mexendo o carro para a
esquerda e para a direita, atrás do líder. Finalmente, a
doze voltas do fim da prova, Hunt forçou a passagem
pelo lado da Tyrrell, na entrada de uma curva mais lenta.
Os dois carros fizeram a curva lado a lado, e Hunt
conseguiu passar quando chegou à reta. Ele decidiu
então pilotar como um completo maluco, para abrir mais
distância do carro de Scheckter: Hunt já havia percebido
que o adversário era craque em tirar vantagem dos
retardatários mais lentos.
Hunt marcou uma sequência de voltas rápidas, e
acabou batendo um recorde numa volta impressionante,
um segundo mais rápida do que a que lhe garantira a
pole. Aquele era um feito raro na Fórmula 1, e a plateia
testemunhou uma aula de pilotagem em alta velocidade.
Ele cruzou a linha de chegada oito segundos à frente de
Scheckter, e Lauda terminou a prova em terceiro lugar,
um minuto depois. O inglês saiu do carro ensopado de
suor, exausto pelo esforço atrás do volante. Havia
reduzido a diferença entre ele e Lauda para três pontos,
e restava apenas uma corrida no campeonato. No pódio,
em vez da tradicional champanhe, Hunt entornou uma
garrafa de cerveja Miller gelada.
Lá de cima, ele declarou aos jornalistas: “Foi a corrida
mais difícil da minha vida. Nas primeiras voltas, eu dirigi
feito uma vovozinha, não conseguia me adaptar ao carro.
Jody e eu cometemos erros naquelas primeiras voltas.
Mas depois me concentrei, persegui Jody e ultrapassei
com relativa facilidade. Em seguida, perdi uma mudança
de marcha e sofri com um monte de escapadas de
marchas. Quando finalmente engatei, Jody já tinha
passado de novo. Mas, na reta, fui mais rápido e o
enquadrei”.
A vitória levou o circuito à loucura. Todos perceberam
que se tratava de um momento histórico, e começaram a
pensar no confronto final no Japão. Na sala de imprensa,
jornalistas que costumavam ser frios receberam Hunt
com efusão. Ele saiu da sala acompanhado por David
Benson, e os dois foram cercados pela torcida enquanto
caminhavam para o lounge da Goodyear — onde haveria
uma festa regada a champanhe após a corrida. Benson
relembra: “Foi um momento inebriante, cheio de alegria.
Naquele instante eu realmente achei que James
finalmente venceria o campeonato. Eu queria que ele
vencesse. Meu coração dizia que ele merecia”.
Entre um gole de champanhe e outro, Hunt declarou:
“Foi a corrida mais importante da minha vida. Eu tinha de
vencer. Graças a Deus, Jody ficou em segundo. Estarei a
apenas três pontos de Niki no Japão. Se eu ganhar lá e
ele chegar em segundo, ainda posso ser campeão
mundial. Teríamos a mesma quantidade de pontos, mas
eu teria mais vitórias nos Grandes Prêmios”.
Niki Lauda estava decepcionado; ele tinha a
expectativa de garantir o título mundial em Watkins Glen,
mas voltou para casa de mãos abanando — à exceção
dos quatro pontos conquistados por conta da terceira
colocação na prova. Sobre a corrida, ele disse: “O
começo foi bom. Eu estava com 44 galões de
combustível, o que representava uma carga adicional
sobre os pneus. Porém, quanto mais leve o carro ficava,
pior era a aderência dos pneus. Eles simplesmente não
atingiam a temperatura ideal de trabalho. Tive de me
satisfazer com o terceiro lugar”.
Depois da corrida, ele pegou um helicóptero no circuito
e foi direto para o aeroporto, e de lá voou para
Salzburgo. Ao chegar à sua casa, discutiu com os
cirurgiões a possibilidade de postergar a cirurgia ­plástica
que faria no rosto. Os enxertos de pele colocados ao
redor da testa e das bochechas estavam tão esticados
que ele mal conseguia fechar o olho direito, e o resultado
era um princípio de inflamação. Era preciso fazer uma
cirurgia no olho imediatamente, mas Lauda insistia em
ser operado depois do Grande Prêmio do Japão. A única
escolha era ir para Tóquio sem operar. O destino tinha
decidido a sorte de Niki Lauda.
Hunt não sofria com esse tipo de preocupação. Naquela
noite, ele fez uma farra sem precedentes no Glen Motor
Inn. Na volta ao hotel, ao passar por um canteiro de
obras, ele roubou o capacete amarelo de um operário,
daqueles com uma luz piscante cor de laranja.
No bar — capacete preso à cabeça, cigarro pendurado
na boca e uma cerveja na mão —, Hunt circulou com
todas as belas meninas que passavam por ali. Caldwell,
Mayer e John Hogan também estavam na festa. E foi ali,
naquele bar, que os três conversaram, tramaram e
criaram um plano que faria de James Hunt o campeão
mundial. O plano seria decisivo ao longo das duas
semanas seguintes.
Antes do Grande Prêmio do Canadá, Hunt estava a
apenas cinco pontos de Lauda. Isso significava que, para
ser campeão, ele precisaria garantir apenas seis pontos
nas três últimas corridas, sem que Lauda marcasse
nenhum. Mas a desclassificação de Brands Hatch
aumentara esse déficit para dezessete pontos. Agora
Hunt havia diminuído essa diferença para três pontos, e a
tabela marcava Lauda com 68 e Hunt com 65 — a
apenas uma corrida do final do campeonato.
A matemática era relativamente simples: para ser
campeão, Hunt tinha de terminar em primeiro de forma
incontestável, e nesse caso levaria o título, qualquer que
fosse o resultado de Lauda. Caso ficasse em segundo
lugar, Lauda teria de terminar no máximo em quarto
para que Hunt vencesse o campeonato. E, se Hunt
ficasse em terceiro, Lauda teria de terminar a corrida da
sexta posição para baixo. Terminando na quarta posição
ou em qualquer outra pior, Hunt deixaria o título com
Lauda.
Mas Lauda não era o único com problemas de saúde.
No dia seguinte à corrida, Hunt foi ao médico examinar o
braço esquerdo. Ele estava com uma inflamação no
ligamento, e havia tomado injeções de cortisona no início
da semana. Era essencial curar a inflamação antes de
chegar a Tóquio.
A decisão ficaria para o Japão, na pista de Monte Fuji.
27
Caldwell passa a perna em
Audetto
Doze voltas vitais para Hunt
Tóquio: 11 a 16 de outubro

De acordo com todas as previsões, Niki Lauda deveria ter


sido coroado campeão mundial na América do Norte.
Nesse caso, a Ferrari teria ido ao Japão e inscrito apenas
os carros de Carlos Reutemann e Clay ­Regazzoni. Lauda
não tinha intenção de ir ao Japão, nem precisaria fazê-lo.
Mas as coisas não foram bem assim. Daniele Audetto
aceitou a situação e a Ferrari preparou os carros como
sempre fazia, deixando-os prontos para embarcar no voo
fretado da Fórmula 1 para o Japão, num Boeing 747.
Audetto ligou para Reutemann, que estava na Itália, e
disse que seus serviços não seriam mais necessários até
o ano seguinte. O sangue-frio do dirigente era
impressionante — e, a despeito da completa derrota em
Watkins Glen, a complacência da Ferrari depois do fim da
corrida parecia inexplicável. Audetto não tentou mudar
os planos ou fazer qualquer preparativo especial para a
prova final, essencial para o título mundial da equipe.
Teddy Mayer, Alastair Caldwell e John Hogan, por outro
lado, estavam calmamente sentados no lobby do Glen
Motor Inn na noite de 10 de outubro de 1976, pensando
em qual seria a próxima cartada. ­Caldwell e Hogan
ficariam nos Estados Unidos e iriam de lá diretamente
para o Japão; Mayer voltaria para Londres.
Antes disso, os três tiveram uma conversa séria.
Estavam numa situação que jamais poderiam ter
previsto. A apenas uma corrida do fim da temporada, a
McLaren tinha uma possibilidade real de ganhar o
campeonato. A vitória de Hunt naquele dia e a terceira
colocação de Lauda significavam que a diferença entre
os dois era de apenas três pontos. De uma hora para
outra, a decisão final sobre quem ficaria com o título
tinha ficado para o Japão. Com seu conhecido poder de
síntese, John Hogan resumiu o cenário: “James sabia que
o título estava a seu alcance, e colocou a corda no
pescoço de Niki”.
Era o tipo de situação em que Alastair Caldwell se saía
bem. Competitivo como era, seu cérebro tinha um
funcionamento diferente do cérebro da maioria das
pessoas. Às vezes, ele era teimoso e inflexível; em outras
ocasiões, genial e insuperável. Em algumas ocasiões,
Caldwell era brilhante, e, em outras, era exatamente o
oposto. Mas quando estava certo, estava muito certo. Por
isso, Bruce McLaren havia gostado tanto dele, e também
por isso Teddy Mayer tolerava suas idiossincrasias. Hogan
concordava com essa análise e disse: “James sempre
afirmou que quem ganhou aquele campeonato foi
Caldwell, e não ele”.
Caldwell tinha um plano genial para aquele momento —
embora Mayer não pensasse assim. Mas, com efeito, os
acontecimentos que se seguiram provavelmente foram
os responsáveis pelo resultado final do campeonato.
Desde que a bandeira quadriculada acenara a vitória de
Hunt em Watkins Glen, Caldwell vinha remoendo a tarefa
que tinha pela frente. Estava tentando descobrir o ponto
que poderia dar à McLaren uma vantagem sobre a
Ferrari. Depois de muito pensar, ele se virou para Mayer
e rugiu uma ordem para o chefe: “Teddy, ligue para o
pessoal de Monte Fuji e diga que queremos fazer testes
lá na segunda-feira — ou seja, amanhã”. E acrescentou:
“Vamos colocar o carro num avião e ir para lá amanhã de
manhã”.
Mayer olhou para Caldwell como se este tivesse
enlouquecido; os carros e o equipamento já estavam
embalados, prontos para ser transportados até o
aeroporto e tomar o voo fretado da Fórmula 1. Mayer
também ficou preocupado com o custo da operação, e
tentou dissuadir Caldwell. O voo já estava pago, bem
como as passagens do pessoal da escuderia. A proposta
de Caldwell custaria no mínimo 15 mil dólares a mais, e
não estava prevista no orçamento. Mayer também não
tinha certeza se o circuito estaria disponível, se os carros
passariam pela alfândega ou se haveria carros reservas
disponíveis caso o carro principal quebrasse. E era
preciso considerar também um detalhe: as equipes
haviam feito um acordo por questões financeiras: não
haveria testes antecipados no circuito de Monte Fuji.
Caldwell, no entanto, sabia que se tratava de um acordo
informal, sem exigências obrigatórias — e, portanto,
facilmente contornável.
Mayer achava aquela ideia uma tremenda burrada, e
pediu a ­Caldwell que esquecesse o assunto: “De jeito
nenhum, não vamos fazer testes no Japão. Não é
factível”. E deu a conversa por encerrada. Ele não
imaginava que Caldwell desafiaria uma ordem direta do
próprio chefe.
Mas Caldwell se irritou com o comportamento de Mayer.
Pediu licença e foi direto telefonar para uma agência de
transporte aéreo de cargas em Nova York. O atendente
que estava de plantão à noite informou que havia um
voo partindo para Tóquio no final do dia seguinte. Seria
importante pegar aquele voo, uma vez que seria o único
com aquele destino naquela semana e com portas largas
o suficiente para receber um carro de Fórmula 1 num
contêiner. Caldwell disse que ligaria de volta para
confirmar a reserva. Na sua cabeça, porém, a reserva já
estava confirmada.
Assim que desligou, telefonou para o circuito de
Watkins Glen, onde os mecânicos da McLaren tinham
acabado de empacotar todo o equipamento da
escuderia. Informou os novos planos e pediu que o carro
reserva fosse embalado separadamente, num contêiner
que incluísse ferramentas e um kit para dois dias de
testes. O carro teria de estar pronto para ser levado ao
aeroporto na manhã de segunda-feira, e os mecânicos
começaram a trabalhar imediatamente. A pergunta
essencial que fizeram a Caldwell foi: quantos carros
reservas deveriam preparar? Caldwell se lembrou do
alerta de Mayer sobre custos e respondeu: “O mínimo
possível”. Ele voltou para o lobby do hotel sem dizer uma
palavra sobre os telefonemas que havia feito. E Mayer
continuou sem saber de nada.
Enquanto isso, no circuito, os mecânicos da Ferrari
viram o pessoal da McLaren tirar um dos carros da
embalagem e perceberam na hora o que estava
acontecendo. Ermanno Cuoghi, mecânico-chefe da
escuderia italiana, ligou para Daniele Audetto no hotel e
relatou o fato. Audetto telefonou imediatamente para a
fábrica da Ferrari em Maranello, e pediu permissão para
fazer o mesmo que a McLaren. Se Caldwell ia fazer
testes, ele faria também. Mas havia uma diferença
fundamental na personalidade dos dois homens. Ao
contrário de Caldwell, Audetto não estava disposto a
assumir sozinho a responsabilidade pelo custo extra da
medida.
Caldwell, por sua vez, deixou Teddy Mayer no heliporto
local, de onde iria para o aeroporto JFK, em Nova York,
pegar um voo para Londres naquela mesma noite.
Durante o trajeto, Mayer percebeu que Caldwell parecia
excessivamente satisfeito, e ficou com a pulga atrás da
orelha. Quando as hélices do helicóptero já estavam
ligadas, as últimas palavras ditas pelo chefe foram: “Não
mande o carro para o Japão; seria uma perda de tempo e
de dinheiro”. O helicóptero já estava decolando rumo a
Nova York quando Caldwell gritou: “Que se dane”.
O comentário de Mayer serviu apenas para tocar fogo
em Caldwell: ele ficou ainda mais decidido a ir em frente.
Assim que voltou para o hotel, ligou para a agência de
transporte de cargas e informou que o contêiner com o
carro estaria pronto pela manhã bem cedo. A agência
estava ansiosa para prestar os melhores serviços
possíveis ao famoso piloto James Hunt, e foi com prazer
que a empresa mandou um caminhão de Nova York a
Watkins Glen para buscar o carro.
Enquanto tudo isso se desenrolava, Ermanno Cuoghi
havia telefonado para a mesma agência, perguntando se
a Ferrari poderia colocar outro carro naquele voo. Os
funcionários responderam que já havia um caminhão
dirigindo-se ao circuito para buscar a McLaren, e a Ferrari
poderia usar o mesmo veículo. Cuoghi, a exemplo de
Audetto, não teve coragem de autorizar o gasto por sua
conta. Procurou Audetto e apresentou-lhe a proposta.
Audetto respondeu que precisaria da permissão de Enzo
Ferrari para gastar os 15 mil dólares. Quando finalmente
conseguiu falar com Maranello, Audetto ouviu a
promessa de que eles conseguiriam por lá a autorização
de Enzo. Mas o dono da escuderia só seria consultado na
manhã de segunda-feira, e a diferença de fuso horário
deixaria uma janela extremamente apertada para que
pudessem aproveitar o caminhão e embarcar o carro.
Sem parar para pensar, a agência de transportes
telefonou para Cald­well no Glenn Motor Inn e avisou que
a Ferrari viajaria no mesmo voo e estavam esperando
apenas uma autorização da Itália.
Na manhã de segunda-feira, Enzo Ferrari deu sua
bênção ao projeto, e a sua secretária ligou para o circuito
para informar a Audetto que o envio do carro estava
aprovado. Estranhamente, ela não conseguiu falar com
ele.
Na verdade, não havia nada de estranho. Àquela altura,
o astuto Caldwell já havia percebido a movimentação em
torno do telefone que ficava nos boxes do circuito. Seus
conhecimentos de italiano eram bons o bastante para
que percebesse o que estava acontecendo, e então
decidiu interceptar o telefonema para criar um impasse
na Ferrari. Ele sabia que Audetto e Cuoghi não se
arriscariam a mandar os carros caso não obtivessem
permissão para gastar o dinheiro.
Naquele tempo, os boxes contavam com um único
telefone, e o aparelho ficava exatamente ao lado do boxe
da McLaren. As chamadas costumavam ser atendidas por
um segurança que ficava ali perto. Cuoghi informou ao
sujeito que a Ferrari estava esperando um telefonema, e
pediu para ser avisado assim que o chamassem. Caldwell
ouviu a conversa e mandou que o inocente segurança
falasse com ele primeiro caso alguém ligasse, alegando
que também esperava um telefonema.
Anos depois, Caldwell narrou o episódio para o escritor
Christopher Hilton: “O cara atendia e gritava: ‘Alastair,
telefone pra você’. Eu ia lá e atendia: ‘Alô’. Uma voz
italiana dizia: ‘Aqui é da Itália, sou da Ferrari e quero falar
com o dirigente da equipe’. E eu respondia: ‘Um
minutinho só, vou procurá-lo’”.
Caldwell podia ver Audetto e Cuoghi nos boxes da
Ferrari. Mas, em vez de chamá-los, ele esperava alguns
minutos, voltava para o telefone e dizia: “Ele não está,
foi jogar golfe”. A voz italiana dizia: “Você sabe onde?”,
ao que ele respondia: “No campo de golfe Watkins Glen.
Espera aí que já te passo o número”.
Caldwell ditava o telefone do campo de golfe e em
seguida desligava. Dez minutos depois, o telefone tocava
novamente, e a cena se repetia: o segurança passava o
aparelho para Caldwell e a voz italiana dizia: “Aqui é da
Itália, sou da Ferrari, não consigo achar nosso dirigente
no campo de golfe”. Caldwell respondia: “Talvez ele
esteja no hotel Seneca Lodge. Espere um minutinho que
vou te passar o número”. A coisa prosseguiu assim por
toda a manhã, e Caldwell conseguiu evitar que o pessoal
de Maranello falasse com Audetto. O dirigente italiano,
por sua vez, acreditava que o pessoal da fábrica não
estava encontrando Enzo para obter a autorização — o
que era de se imaginar, uma vez que Ferrari estava velho
e tinha o hábito de dormir até tarde. Sendo assim, só a
McLaren foi carregada para dentro do caminhão quando
o veículo da transportadora chegou. Caldwell, Hunt e dois
mecânicos seguiram para Tóquio num voo na manhã
seguinte.
Quando finalmente conseguiu falar com Maranello,
Audetto percebeu que tudo tinha sido uma armação de
Caldwell — mas então já era tarde demais. Os carros da
Ferrari haviam sido colocados no caminhão do voo
fretado e tinham partido para o aeroporto.
Chegando ao Japão, entretanto, Caldwell se deu conta
de que o feitiço poderia se virar contra o feiticeiro. Por
um momento, ele chegou a acreditar que Mayer tinha
razão ao dizer que tudo seria uma perda de tempo. O
carro passou uma semana preso na alfândega japonesa,
numa grande decepção para a McLaren. O serviço
aduaneiro do Japão era notório pela burocracia, e a
política de importação do país era especialmente difícil e
rigorosa. Tratava-se de um problema, porque as regras
da CSI eram claras: as equipes não podiam realizar
testes num circuito na mesma semana em que a corrida
seria realizada. Caldwell relembra: “Por causa dessa
proibição para a semana da prova, tínhamos de resolver
tudo até sábado”.
No final das contas, o carro foi liberado na tarde de
sexta e seguiu direto para o circuito de Monte Fuji.
Entretanto, a caixa de câmbio parou de funcionar depois
de umas dez voltas na pista. A montagem na Inglaterra
havia sido incorreta, e não havia uma caixa de câmbio
reserva no contêiner. Mesmo assim, as poucas voltas
realizadas pelo carro acabaram sendo fundamentais: elas
ajudaram Hunt a conhecer a pista e a se aclimatar ao
Japão. Depois que o carro falhou, Hunt vestiu sua roupa
de jogging e deu algumas voltas pela pista, observando
as curvas e características do circuito. Era a primeira vez
que Monte Fuji recebia o Grande Prêmio do Japão, e
agora isso seria uma vantagem para Hunt.
29
Confronto no Japão
Decisão por um ponto
Monte Fuji: 22 a 24 de outubro

Com seus 3.776 metros de altura, o Monte Fuji é um


vulcão que entrou em erupção pela última vez em 1707.
Em dias de céu claro, a montanha mais alta do Japão —
bem como seu cume eternamente coberto por neve —
pode ser vista com facilidade de muitos quartos de hotel
nos arranha-céus de Tóquio. O circuito de Monte Fuji, com
4,3 quilômetros de extensão, foi construído à sombra da
montanha, na província de Shizuoka, cerca de 100
quilômetros a oeste de Tóquio — distância que pode ser
percorrida em uma hora e meia, de carro, a partir da
capital japonesa.
A pista foi construída no início da década de 1960,
originalmente para receber corridas de Stock Car. Daí a
longa reta principal, de 1,5 quilômetro. Essa longa reta
determinava o desenho da pista, e resultava num circuito
desprovido de qualquer personalidade, que jamais
representaria um desafio especial para os pilotos.
Graças aos esforços de Alastair Caldwell, James Hunt foi
o primeiro a dirigir um carro de Fórmula 1 no circuito.
Hunt não compartilhava da opinião geral: logo de cara,
ele gostou da pista, argumentando que se adequava a
seu estilo.
Assim, James Hunt pilotou cheio de confiança no
primeiro dia de treinos de classificação, num reflexo claro
de como a temporada havia sido especial. Niki Lauda e
ele haviam dominado o campeonato, vencendo onze dos
quinze Grandes Prêmios realizados até então. Mas aquele
era o momento do confronto final, no qual duas horas
decidiriam o desfecho do campeonato mundial de
Fórmula 1 de 1976. Naturalmente, vencer e sagrar-se
campeão tinha um significado mais importante para Hunt
do que para Lauda. O austríaco já tinha sido campeão
uma vez e sentira o gosto do sucesso. O caso de Hunt
era diferente: ele havia batalhado para sair do anonimato
num intervalo de poucos anos. Lutara para ir de uma
desvantagem de cinquenta pontos para a condição de
nome do momento na Fórmula 1: era ele o homem que
desafiaria Niki Lauda até o último segundo na guerra
pelo título mundial. O austríaco havia superado os
trágicos ferimentos sofridos no acidente em Nürburgring,
voltara a correr de forma heroica, marcara pontos e
agora agarrava-se por um fio à liderança do campeonato.
A decisão tinha ficado para o finalzinho e, embora
Lauda contasse com uma vantagem matemática,
qualquer um dos dois poderia tornar-se campeão no
domingo à noite.
Contudo, Niki Lauda sabia muito bem que o resultado
seria determinado mais pelos carros e pelas equipes do
que pelos próprios pilotos. Àquela altura, o austríaco
estava ciente de que sua Ferrari não se saía bem no frio.
As três corridas finais da temporada eram em climas
mais frios, e as fraquezas da Ferrari 312T2 já estavam
patentes. A previsão do tempo indicava que as condições
da pista no Grande Prêmio do Japão não seriam as
melhores.
Mesmo assim, Lauda achava que poderia se sair bem
se o tempo ficasse firme. “A pista era especialmente
adequada à Ferrari, e as voltas de treino foram
animadoras”, disse.
Além da questão do carro, Lauda percebeu também
que o comando da McLaren — Teddy Mayer e Alastair
Caldwell — era bem superior à combinação de Enzo
Ferrari e Daniele Audetto. Lauda não tinha grande
respeito por nenhum desses dois dirigentes. Embora não
gostasse de Caldwell, o austríaco sabia que o dirigente
da McLaren podia ser extremamente eficiente na “hora
do vamos ver”. Naquele fim de semana, Lauda chegou a
desejar que Caldwell estivesse na Ferrari, e não na
McLaren. Caldwell estava decidido a vencer, e não
pensava em outra coisa. Para ele, a batalha contra a
Ferrari era uma competição sem regras. Esse
comportamento era completamente diferente do de
Audetto, que parecia tratar a prova de Monte Fuji como
uma corrida qualquer. Caldwell, porém, sabia que aquele
seria o maior embate de sua vida. A diferença na postura
dos dois homens era brutal.
Como sempre, a leitura de Lauda estava correta, e
Caldwell desferiu dois golpes logo de início: o primeiro
foram os testes particulares; o segundo, um truque que
ele havia armado antes mesmo do início dos treinos
classificatórios. Caldwell achava que seria capaz de
passar a perna na Ferrari mais uma vez, e decidiu vazar
informações conflitantes sobre a estratégia da McLaren
para a corrida. Ele era o único dirigente que tinha visto a
pista em condições de corrida, e sabia que as pessoas
acreditariam no que ele dissesse. Para alguns jornalistas,
Caldwell declarou que a superfície do asfalto era frágil e
poderia rachar quando os carros entrassem na pista na
sexta-feira. Chegou a pegar pesado em algumas
conversas. Hunt entrou no jogo e enganou até jornalistas
que eram seus velhos amigos — caso de David Benson,
para quem declarou: “Fiz apenas sete voltas aqui, e
mesmo num dia úmido alguns trechos da pista
começaram a rachar. A coisa pode se transformar num
pesadelo no domingo”.
Benson e seus colegas espalharam a notícia. Diante das
expressões de preocupação nos boxes, Caldwell instruiu
os mecânicos da McLaren a fazer falsas telas de metal
para todas as entradas de ar do carro reserva. Depois,
pediu que os dutos de freio, radiadores e entradas de ar
fossem protegidos pelas telas. O carro ficou coberto por
uma grande lona, e passou a ser vigiado por seguranças
que se revezavam dia e noite. A ­movimentação atraiu o
interesse de Audetto — e, mais importante, deixou Lauda
intrigado ao chegar aos boxes da McLaren para
cumprimentar Hunt. A visita de Lauda, no entanto, não
era mero acaso. Audetto havia enviado o piloto com a
missão de descobrir o máximo que pudesse, e Caldwell
fez questão de garantir que a tarefa fosse bem-sucedida.
Ao ver Lauda nos boxes da McLaren na manhã de
sexta, Caldwell baixou a lona como quem não queria
nada, fingindo que não tinha notado a presença do
austríaco. Diante do trabalho dos mecânicos no carro,
Lauda também fingiu que não tinha percebido nada. Mas
voltou correndo para os boxes da Ferrari para dar a
notícia. Na mesma hora, Audetto deu início a um
programa de emergência para fazer adaptações
semelhantes nas três Ferraris que estavam na garagem.
A manhã de sexta foi integralmente dedicada às
mudanças, e todos os orifícios das Ferraris foram
cobertos por telas de malha fina.
Pouco antes dos treinos de classificação, Caldwell
retirou as telas da McLaren reserva e subiu a lona,
exibindo o carro para quem quisesse ver. Lauda e
Audetto perceberam que haviam sido enganados, mas o
estrago estava feito: Audetto havia desperdiçado o
precioso tempo de preparação da equipe reagindo a uma
armação.
Os dois dias de treino transcorreram sem qualquer
acontecimento importante — e sem que nem a Ferrari
nem a McLaren dominassem. A Lotus comprovou que era
a escuderia que mais melhorara durante o ano. Mario
Andretti ficou na pole e Hunt conseguiu o segundo
melhor tempo, ficando ao lado do norte-americano no
grid. Lauda ficou em terceiro, e os dois protagonistas da
prova se viram separados por uma diferença de apenas
28 centésimos de segundos. A emoção das sessões de
classificação ficou por conta da luta daqueles três
homens para deixar o carro mais rápido. Andretti deixou
a asa traseira bem plana. Funcionou.
Hunt teve diversos problemas com os pneus, e seu
carro saía muito de frente. Na essência, entretanto, a
McLaren se adequava bem ao ­circuito de Fuji, de modo
que todos esses problemas eram relativos.
Curiosamente, Lauda parecia enfrentar os mesmos
problemas que Hunt, e disse: “lutar contra um carro que
saía de traseira, trocar os pneus, lutar contra um carro
que saía de frente — quanto mais voltas, mais dianteiro...
Decidi parar”. Lauda pediu que o motor fosse trocado
antes da corrida, argumentando que o seu estava
esgotado. Admitiu que também estava cansado, sentia o
impacto de tanto esforço. Psicologicamente, Lauda
estava frágil. A um jornalista, ele confessou que estava
“cansado; cansado e confuso”. Esse tipo de declaração
era surpreendente vindo de um piloto de automobilismo.
A Penske-Ford de John Watson estava ao lado de Lauda
na segunda fila do grid. A Tyrrell-Ford de Jody Scheckter
ficou na quinta posição e Carlos Pace, na sexta. Aquele
foi um dos melhores desempenhos de Pace durante a
temporada — num ano que, de maneira geral, havia sido
um desastre para a Brabham, com seu motor beberrão
da Alfa Romeo. Clay Regazzoni ficou em sétimo, naquela
que seria sua última prova pela Ferrari.
Todas as equipes tiveram um breve desentendimento
por causa dos pneus, quando perceberam que Hunt e
Lauda haviam recebido tratamento prioritário e
contavam com pneus superaderentes. O clima só esfriou
depois que um porta-voz da Goodyear declarou: “Tenho
de dar os pneus para os caras que, na minha opinião, vão
fazer o melhor trabalho. É simples”.
No final de sábado houve mais tensão quando a
boataria espalhada por Alastair Caldwell se transformou
numa profecia real: o asfalto começou a rachar de
verdade em alguns pontos. Grandes pedaços da faixa na
borda da pista, que tinha 15 centímetros de largura,
também estavam se soltando. Lauda disse que o circuito
estava “tão gasto quanto a média das rodovias na
Alemanha”. Audetto deve ter xingado os mecânicos por
terem jogado fora as telas de metal. Esperto como
sempre, Caldwell havia guardado as suas, e considerou
reinstalá-las no carro de Hunt. No final, descobriu-se que
o problema estava num trecho específico do circuito, e os
organizadores resolveram a situação chamando
especialistas em autopistas, que viraram a noite
eliminando o defeito.
Daniele Audetto passou o fim de semana furioso com a
falsidade de Caldwell, e pediu oficialmente que o período
de treinos fosse prolongado no sábado. Ele argumentou
que os testes realizados por Hunt na semana anterior
tinham sido injustos, e disse que as outras equipes
deveriam ter direito a mais tempo para compensar.
Audetto afirmou: “Obviamente, é injusto que Hunt tenha
feito testes na semana passada. Fizemos um acordo em
Mosport, segundo o qual ninguém realizaria testes
antecipados no Japão. Mas a McLaren rompeu o trato”.
Os organizadores recusaram o pedido, já que não
estavam cientes do acordo.
A pole de Mario Andretti era boa para a Ferrari. Nascido
na Itália e naturalizado norte-americano, Andretti
gostava de dizer aos jornalistas que, a despeito de suas
origens, tinha uma postura imparcial e nada faria para
influenciar o resultado para qualquer um dos lados. Mas
ele também afirmou: “Hunt tem tudo para perder. Não é
preciso ser matemático para perceber isso. Para Lauda,
basta vencer Hunt; mas Hunt tem de vencer Lauda e
todos nós também. Ele precisa vencer”. Esses
comentários, no entanto, eram o menor problema de
Hunt. A previsão de tempo ruim para domingo estava se
tornando sua grande ­preocupação.
Até aquele momento, o tempo havia estado
relativamente bom, e a única tensão tinha sido causada
pelo número de jornalistas presentes, da imprensa
escrita e da televisão, que solicitavam entrevistas. O
interesse pelo confronto Hunt x Lauda era tal que o
contingente de repórteres era oito vezes superior ao
normal. Quase mil representantes da imprensa se
espremiam em Monte Fuji, e todos queriam falar com
Lauda e Hunt. Não tinham nenhum interesse pelos outros
pilotos.
Conforme previsto, no dia da corrida o tempo
amanheceu totalmente diferente. Havia chovido sem
parar durante a noite. Os pilotos olhavam pela janela do
quarto do hotel em Tóquio e não conseguiam imaginar
uma tempestade pior. O céu estava fechado, e o Monte
Fuji estava totalmente encoberto pelas nuvens baixas. Os
campos ao redor do circuito estavam mergulhados na
neblina grossa.
Niki Lauda sabia que seu carro não se sairia bem
naquelas condições, e percebeu que a natureza havia
dado uma grande vantagem a James Hunt.
Os organizadores reagiram às intempéries contratando
dezenas de trabalhadores com capas de chuva e grandes
rodos. Os homens começaram a tirar a água de toda a
extensão da pista. Entretanto, conforme a neblina
avançava, ninguém conseguia mais enxergar os
trabalhadores, escondidos sob as capas acinzentadas.
Pela manhã, na sessão de aquecimento, vários carros
bateram e um deles aquaplanou para fora da reta
principal. Quando saiu com a Ferrari, Lauda soube na
hora que estava metido numa encrenca. O carro era
inútil naquelas condições, e ele ainda se preocupava com
os olhos naquele clima úmido — cuja consequência era
uma visibilidade reduzida. Lauda contou: “Havia rios
escorrendo pelo circuito. Não conseguíamos passar de 32
quilômetros por hora nas voltas de aquecimento, e nas
curvas éramos arrastados para longe, porque os pneus
não davam conta do volume de água”. Para ele, a chuva
era um desastre, e Lauda sabia que a situação
provavelmente lhe custaria o título: “Com tempo úmido,
é preciso contar com reservas adicionais de estímulo e
resistência. Não tenho essas reservas. Estou exausto. A
chuva acabou comigo”.
Mas havia uma possibilidade de cancelamento ou
adiamento da prova até o dia seguinte, ou para quando o
tempo melhorasse. A exemplo de Lauda, Hunt fazia parte
do comitê de segurança dos pilotos, e os dois uniram
forças para dizer aos organizadores que o Grande Prêmio
do Japão não deveria ser realizado, já que a situação era
perigosa demais. À exceção de Brambilla e Regazzoni,
todos os pilotos votaram contra a corrida.
O comportamento de Hunt irritou Alastair Caldwell. Ele
estava inflexível, decidira que Hunt deveria correr, e
disse ao piloto: “Não seja burro, James. Você só vai
vencer o campeonato se a corrida acontecer”. James
retrucou dizendo que a segurança era mais importante, e
que ele e Lauda não correriam. Jochen Mass concordou.
Depois do Canadá, Hunt se aproximara de Lauda a
ponto de tomar o partido do austríaco em relação à
segurança. Na verdade, ele estava tão decidido a não
correr que chegou a declarar: “Prefiro dar o título a Lauda
do que correr nessas condições”.
De maneira geral, os dirigentes das escuderias não se
preocupavam muito com os pilotos. Naquele momento,
entretanto, eles ficaram preocupados. Em circunstâncias
normais, considerando as péssimas condições climáticas,
é quase certo que a prova teria sido cancelada. Mas
aquelas não eram circunstâncias normais. Os
organizadores tinham gasto mais de um milhão de
dólares para realizar o evento, e teriam de reembolsar
espectadores que haviam pago caro pelos ingressos. O
circuito estava tomado por equipes de televisão de todo
o mundo, que haviam desembolsado grandes somas
para comprar o tempo de satélite necessário para
transmitir a corrida ao vivo. Do ponto de vista financeiro,
a corrida tinha de acontecer. Quase 80 mil pessoas
estavam presentes no circuito, e era preciso decidir o
campeonato mundial. Nunca houve tanta pressão para
que um evento esportivo acontecesse na data marcada.
Mas o dia foi avançando — e a corrida não foi
cancelada. Hunt disse a Lauda que, nesse caso, eles
deveriam tentar adiar a prova. Os organizadores, porém,
não pareciam muito dispostos a considerar essa
alternativa. Aos poucos, o clima entre os pilotos foi
mudando: Ronnie Peterson, Tom Pryce, Vittorio Brambilla,
Clay Regazzoni, Alan Jones e Hans Stuck decidiram tentar
a sorte na pista úmida e fazer a coisa avançar. Ao saber
disso, Hunt percebeu que sua causa estava perdida;
quando alguns pilotos se alinham no grid, outros sempre
os seguem — principalmente diante das ameaças dos
dirigentes, que acenavam com uma possível demissão
para aqueles que não corressem.
Enquanto a realização da corrida não era decidia, Hunt
apresentava um comportamento estranho. Num certo
momento, ele apareceu, pulou a mureta da reta dos
boxes, baixou o macacão até os tornozelos e urinou em
plena vista da arquibancada principal. Os espectadores,
muitos deles providos de binóculos, voltaram-se para o
piloto e aplaudiram quando ele terminou. Hunt acenou
de volta.
Com os carros parados, cobertos por lonas diante dos
boxes, os dirigentes das escuderias se reuniram com os
organizadores e fiscais de prova no primeiro andar da
torre de controle. Era óbvio para todos que correr seria
perigoso demais. A hora marcada para o início da prova
foi passando, e a pressão das equipes de televisão era
incansável.
Havia ainda a imensa carga sobre os organizadores.
Eles ouviram a opinião de Hunt e Lauda, e perguntaram
se os dois queriam correr. Lauda disse que não. Àquela
altura, Hunt já estava indeciso, embora continuasse
concordando com Lauda. Ele deixou a decisão na mão do
colega, e disse a Lauda que o ideal seria esperar e correr
no dia seguinte. Mesmo assim, Hunt disse ao austríaco
que, caso a prova fosse realizada, ele participaria: “Todos
estavam discutindo e dando palpites. Eu era contra a
corrida, achava melhor fazer a prova outro dia ou algo
assim. Mas quando algumas pessoas mais fracas furam a
greve, todo mundo acaba caindo fora”.
Depois de mais debate, Hunt mudou de ideia
novamente e disse a Alastair Caldwell que ele e Lauda
iriam se retirar da prova, qualquer que fosse a decisão
dos organizadores.
Bernie Ecclestone estava exaltado em meio a todos os
acontecimentos. Ele tinha vendido os direitos de
transmissão por um dinheirão; se a corrida não fosse
realizada, teria de encarar a possibilidade de devolver
tudo. ­Ecclestone não sabia se seria conveniente adiar a
prova para segunda-feira.
As arquibancadas corriam por toda a extensão da reta
principal do circuito, e estavam repletas de torcedores
sentados, quietos, debaixo de um mar de guarda-chuvas.
A multidão estava imóvel, em silêncio absoluto, numa
perfeita demonstração do recato japonês. Não havia o
caos de Brands Hatch; aquele mundo era diferente.
Caldwell achou que o público estava calado demais.
Lembrou de Brands Hatch e decidiu agitar a multidão.
Pediu que Lance Gibbs, um dos mecânicos da McLaren,
ficasse diante da plateia e apitasse para animar os
espectadores. Caldwell sabia que os japoneses
costumavam levar apitos. A ideia funcionou, cada um
pegou seu apito e começou a fazer barulho para
pressionar os organizadores. Incentivados por Gibbs, eles
começaram também a gritar.
A audiência foi ficando cada vez mais elétrica, e os
organizadores, mais nervosos. Bernie Ecclestone também
assustou a organização, dizendo que eles poderiam
enfrentar um motim se a corrida fosse cancelada. Ele
estava alterado de preocupação, e disse: “Vocês têm de
realizar a prova. Eles vão se revoltar e pôr as
arquibancadas abaixo”.
Caldwell achava que a crescente agitação dos
torcedores, assumidamente alimentada por ele, seria um
fator importante para garantir o início da corrida.
Lauda relembrou: “Todos nos recusamos a correr
naquela situação. Sentamos no trailer do diretor de prova
e dissemos que a largada não estava autorizada.
Naquele momento, a organização já tinha decidido que
não haveria corrida. Mas Bernie Ecclestone e outras
pessoas impediam que eles fizessem o anúncio oficial”.
Em Monte Fuji, o anoitecer começa por volta das quatro
da tarde. Ecclestone disse: “A corrida precisa começar”.
Caldwell observou o comportamento de Lauda, e
percebeu que a umidade poderia ser um problema para
seus olhos. Ele sabia: era agora ou nunca. Se a corrida
fosse cancelada ou abandonada, a McLaren poderia
perder a prova decisiva por W.O. Caldwell literalmente
agarrou Hunt pela gola do macacão e afirmou que ele iria
participar se a corrida fosse realizada. Catatônico, Hunt
concordou. Lauda se viu numa situação difícil. Sobre isso,
declarou: “Não dava para acreditar. Àquela altura, chovia
mais do que nunca”.
A corrida já deveria ter começado havia uma hora e
meia, e dali a duas ou três horas o circuito estaria no
escuro. Finalmente, a decisão foi tomada e anunciada
pelos alto-falantes: o Grande Prêmio do Japão teria início
dentro de cinco minutos. Vittorio Brambilla liderou a ida
dos pilotos para os carros.
Mas faltava James Hunt. De acordo com Patrick Head,
diretor técnico da escuderia Walter Wolf, Hunt estava em
outro lugar no exato momento em que a largada foi
confirmada. Head tinha entrado por acaso num dos
boxes vazios — e aquele box não estava tão vazio assim.
Lá dentro ele se surpreendeu ao encontrar Hunt com o
macacão arriado pelas canelas e uma jovem japonesa
ajoelhada diante dele, com seu pênis na boca. Ao ver
Head, Hunt começou a rir. Head ficou sem rumo e saiu
dali tonto, sem acreditar no que acabara de ver. Ele ficou
visivelmente constrangido ao testemunhar uma cena tão
bizarra envolvendo um participante tão importante da
prova, a poucos minutos da largada de uma corrida
decisiva. Mais tarde, em Tóquio, quando Head narrou o
episódio na hora do jantar, ninguém se espantou: todos
disseram que já tinham visto Hunt fazer pior antes das
corridas.
Hunt saiu do box e correu para entrar no carro. Lauda,
Emerson Fittipaldi e Carlos Pace estavam decididos a não
participar, e fariam apenas algumas voltas para agradar
os donos de suas escuderias. Lauda afirmou: “Nos
alinhamos no grid apenas para que as equipes pudessem
ficar com o dinheiro garantido pela largada. Mas depois
sairíamos da prova, porque nada havia mudado. A
situação estava tão perigosa quanto antes, e o fato de
estar anoitecendo não ajudava nem um pouco”.
Os pilotos saíram para algumas voltas de
reconhecimento, e em seguida retornaram para mais
uma votação. Nessa nova reunião, a grande maioria
opinou que o circuito estava excessivamente perigoso,
mas os organizadores passaram por cima da decisão e
optaram por manter a corrida. A preocupação passara a
ser a falta de luz natural e a visibilidade cada vez pior.
Os boxes foram abertos. Um a um, os carros foram
tomando suas posições no grid. Hunt repetiu a Caldwell
que não iria pilotar — e ­Caldwell repetiu que ele iria
correr, sim. Hunt disse: “Que se foda, Alastair. Estou
fora”. Caldwell rebateu: “Se você sair desse carro eu
quebro a porra da sua cara”. John Hogan testemunhou a
cena, e relembra: “James respondeu: ‘Tá bom, eu vou’. E
assunto encerrado”. Caldwell, porém, não era totalmente
imprudente, e reconheceu o risco. Ele disse que se Hunt
ficasse insatisfeito depois da volta de aquecimento,
poderia voltar para os boxes e abandonar a prova sem
consequências. Mas alertou: as chances de ganhar o
campeonato estariam enterradas.
Foi assim que os oficiais de prova tiraram a decisão das
mãos dos pilotos, e o confronto finalmente teve início no
Japão. Niki Lauda decidira largar e ver como estava a
situação. Ele disse: “A princípio, a sensação era
absolutamente insuportável. Fiquei ali, sentado, tomado
pelo pânico, ensopado de chuva e sem enxergar nada.
Estava encolhido no cockpit, o pescoço duro de tensão,
esperando que alguém batesse em mim”.
Na penumbra, os carros foram empurrados para a linha
de largada. Lance Gibbs abriu alguns buracos na viseira
do capacete de Hunt, para evitar que embaçasse, e
colocou uma tábua sobre o asfalto para que o piloto
pudesse chegar ao carro sem molhar as sapatilhas.
Dentro do cockpit, Hunt sentiu a umidade e tirou a água
que se acumulava no volante. Os pilotos fizeram uma
volta de aquecimento. Logo depois, Lauda tomou um
susto quando a Penske-Ford de John Watson saiu de
controle e rodou bem a seu lado, escorregando para a
grama na lateral da pista e deixando a Ferrari ilesa por
muito pouco.
Hunt começou como favorito a vencer a prova, pois era
um piloto em boa forma e estava em boa posição no grid.
Ele assumiu a liderança logo no início e, com a pista livre
à sua frente, acelerou e abriu boa distância. Foi a melhor
largada de sua vida, e a água levantada pela McLaren
obstruía a vista dos que vinham depois. Os outros pilotos
tiveram de enfrentar o borrifo das poças, e acabaram
ficando para trás. Uma vez que Hunt era o único capaz
de enxergar para onde estava indo e os outros 24 pilotos
dirigiam às cegas, o inglês aproveitou ao máximo essa
vantagem.
Lauda perdia posições a cada volta, e era evidente que
estava com algum problema. Conforme Caldwell
suspeitava, seus olhos não estavam em condições de
enfrentar a prova. Havia tanta água sobre a pista que
Lauda mal conseguia controlar a Ferrari; ele
simplesmente não enxergava por causa dos ferimentos
nas pálpebras. Mesmo que quisesse, não poderia ter
continuado: “Estava todo mundo patinando e rodando;
era uma loucura. O mais sensato seria mesmo voltar
para os boxes e desistir”.
Depois de duas voltas, Lauda parou. Ele não conseguia
enxergar e era incapaz de piscar, o que o deixava
literalmente sem foco. Seria perigoso demais continuar.
Quando parou, os quatro mecânicos protegeram o
cockpit, e ele disse que tinha decidido abandonar a
prova. Cuoghi afirmou que poderiam alegar uma falha
nos motores, mas Lauda não queria nem saber: ele iria
dizer a verdade a quem quer que perguntasse. Mas, é
claro, não seria toda a verdade. Sem inventar desculpas
ou dar explicações, pois não queria que seu problema
nos olhos o impedisse de correr no futuro, Lauda disse:
“A chuva acabou comigo”. E acrescentou: “A meu ver, os
homens que permitiram a realização da corrida no Japão
são completamente loucos”.
A verdade é que Lauda jamais deveria ter voltado a
correr naquela temporada. O olho direito estava em
péssimo estado, e ele não tinha condições mentais para
competir. Mas Lauda jamais admitiria sua incapacidade
de lidar com as condições no início da última corrida.
Mais tarde, quando a pista secou, ele começou a mudar
de ideia — mas já era tarde demais.
Lauda sentou-se na mureta dos boxes ao lado de
Audetto, com as pernas cruzadas, observando o
desenrolar dos acontecimentos. Tempos depois, ele
relembrou: “Foi um milagre: a chuva parou após doze
horas de temporal incessante. Já havia se passado cerca
de um quarto da corrida. Se eu tivesse aguentado até lá,
dirigindo devagar e evitando ser atingido, não teria
problema nenhum em pisar no acelerador, o que seria
necessário para ficar com o título. No final das contas,
bastaria ter terminado em quinto lugar. Infelizmente,
aguentar e ter paciência foi mais do que eu pude tolerar
naquele dia”.
Outros três pilotos — Emerson Fittipaldi, Carlos Pace e
Larry Perkins — também abandonaram a prova depois de
algumas voltas.
Na terceira volta, quando passou pela linha de
chegada, Hunt viu o quadro da McLaren com as palavras:
“Niki está fora”. Ele sinceramente entendia o motivo,
mas o fracasso do rival não lhe deu prazer. O
comportamento de Lauda durante a temporada havia
conquistado seu respeito.
Hunt manteve a liderança e, para surpresa geral,
Vittorio Brambilla assumiu a segunda posição em sua
March-Ford. Na 22ª volta, Brambilla chegou a tentar uma
manobra de ultrapassagem, mas perdeu o controle do
carro quando avançou para ficar ao lado de Hunt. Por
poucos milímetros, ele não atingiu a McLaren. Brambilla
saiu do circuito tomando um banho de lama.
Com o segundo colocado fora da prova, as condições
foram melhorando a cada volta. Na 23ª, as duas
McLaren-Ford lideravam, com Mass aferrado à segunda
posição, protegendo o flanco de Hunt. As nuvens
estavam se dissipando, levando embora a chuva, e uma
brisa forte secava a pista. A velocidade dos carros
aumentou proporcionalmente e a distância entre os
pilotos diminuiu bastante.
Lauda estava nos boxes quando a chuva parou e ficou
impressionado com a rapidez na mudança do tempo. Ele
disse: “Não fico me martirizando, foi a decisão certa. O
fato de ter parado de chover era imprevisível, e foi uma
falta de sorte minha. Acho que não tive sorte, e não que
cometi um erro”. Acreditava que os organizadores
haviam se equivocado tremendamente ao iniciar a
corrida: “As primeiras voltas poderiam ter sido fatais,
com mortos, feridos e o cancelamento da prova. A
possibilidade de uma catástrofe era imensa”.
Lauda sabia que perderia o título caso Hunt terminasse
em quarto lugar ou numa posição ainda melhor. Mas a
batalha não estava ­encerrada.
Com a pista seca, os pneus para pista molhada não
eram mais adequados às novas condições, e começaram
a superaquecer. Conforme o asfalto secava, Caldwell
mantinha à vista uma placa com os dizeres “esfriar
pneus”. Ele queria que Hunt passasse por cima das
poças para garantir que os pneus aguentariam o tranco.
Jochen Mass entendeu o recado, e começou a procurar
poças por onde pudesse passar.
Hunt estava tão concentrado e preocupado em vencer
o Grande Prêmio que não parou para pensar no estado
dos pneus. Ou ele ignorou o cartaz, ou não entendeu.
Christopher Hilton, biógrafo de Hunt, ouviu de Caldwell
uma declaração de notável franqueza: “James não lidou
bem com aquela corrida. Ele desobedeceu a instruções
claras. Já tínhamos passado pelo mesmo problema em
corridas anteriores: a pista molhada ficava seca, e os
pneus superaqueciam. Pneus para pista molhada são
feitos com uma quantidade muito maior de borracha;
quando rodam na pista seca, a borracha ferve e começa
a rasgar. A placa era para que os pilotos passassem por
cima das poças quando estivessem nas retas. Isso
manteria a temperatura mais baixa — e, embora a
aderência fosse menor, os pneus sem dúvida
aguentariam mais.
“Mostramos a placa para James e Jochen, que vinham
alinhados, um à frente do outro. Jochen viu e
imediatamente virou para a direita, quase batendo na
mureta dos boxes em meio a uma nuvem de gotículas. A
cada volta, os dois vinham juntos pela reta: James
correndo livre na pista seca e Jochen na parte molhada.
No final, estávamos chacoalhando a placa por cima da
mureta dos boxes.”
Mass buscava o tempo todo as partes úmidas do
asfalto, para baixar a temperatura dos pneus. O ritmo da
corrida aumentava drasticamente, e mesmo assim seus
pneus continuavam em bom estado. Mario Andretti
também procurava as poças.
Enquanto tudo isso acontecia, Niki Lauda decidiu não
esperar pelo resultado da corrida. Ele deixou o circuito
rumo ao aeroporto. Vencendo ou perdendo o
campeonato, não queria se envolver na balbúrdia pós-
prova, conforme costumava dizer. Lauda disse para
Marlene que queria pegar um voo antes do programado.
Mauro Forghieri viu o que o austríaco estava fazendo e
disse que iria junto. Enquanto caminhava em direção ao
micro-ônibus que o levaria embora, Lauda mantinha os
olhos vidrados na pista. Mas, quando o ônibus deixou o
circuito, ele colocou aqueles pensamentos para
escanteio, fechou os olhos e sonhou que estava em casa.
Pelo rádio, escutaram o comentarista japonês até o
momento em que chegaram ao terminal. Lauda contou:
“Quinze minutos depois, o resultado da corrida foi
anunciado, mas naquele exato momento o ônibus entrou
numa passagem subterrânea próxima ao aeroporto, e
não conseguimos ouvir”.
Enquanto isso, Jochen Mass estava ficando
decepcionado. Ele tinha conseguido preservar os pneus,
havia alcançado Hunt e poderia até tê-lo ultrapassado
com facilidade e vencido a prova. Mas sabia que, diante
de tudo o que estava em jogo, não poderia vencer o
campeonato mundial — embora Hunt pudesse ser
campeão mesmo se terminasse em segundo lugar. No
final das contas, isso não fez diferença: Mass perdeu a
concentração e, na 35ª volta, bateu de leve numa
barreira. A suspensão dianteira do carro vergou-se com o
impacto e ele se viu forçado a abandonar a prova.
Assim, faltando apenas um terço da corrida, Hunt ainda
estava na confortável posição de líder. O estado de seus
pneus, porém, piorava rapidamente, e ele perdia
velocidade. A Tyrrell-Ford de Patrick Depailler foi se
aproximando, com suas seis rodas. Enquanto a situação
dos pneus de Hunt se deteriorava, os seis pneus do
adversário enfrentavam bem a prova. Depailler acabou
ultrapassando Hunt, e Andretti fez o mesmo.
Os pneus de Andretti estavam em excelente estado, já
que o norte-americano os mantinha resfriados passando
por cima das poças d’água. A exemplo de Hunt, Depailler
não havia passado por cima das poças, e, com o passar
do tempo, seus pneus também foram se deteriorando.
Depois de mais duas voltas, a Tyrrell-Ford teve de parar
nos boxes para trocar todos os pneus, e Andretti assumiu
a liderança.
Era preciso tomar uma decisão difícil, e a McLaren
decidiu deixar Hunt escolher se pararia ou não para
trocar os pneus. Com a parada de Depailler, Hunt ficara
em segundo lugar, atrás de Andretti — o que tornava a
decisão ainda mais complexa. Caldwell relembrou:
“Tínhamos duas placas que usávamos para chamar os
pilotos para os boxes. A primeira dizia ‘entrar’, e era
obrigatório. A segunda era uma seta oferecendo a
possibilidade de ir para os boxes, caso o piloto quisesse
fazê-lo. Ambas eram facilmente identificáveis, James
conhecia as duas, e por isso não havia dúvida sobre o
que estávamos fazendo”.
A seta estava sendo mostrada desde a 25ª volta, por
conta da mudança nas condições do tempo, e os
mecânicos aguardavam em estado de alerta — com
quatro pneus e os macacos prontos para erguer o carro.
Mayer disse: “Só James poderia avaliar a situação real
dos pneus. Nós não tínhamos como saber”.
Embora Caldwell e Mayer achassem que Hunt deveria
decidir quando parar, Hunt não pensava assim. Ele
começou a gesticular furiosamente todas as vezes que
passava na frente dos boxes da McLaren.
Inevitavelmente, a lona do pneu esquerdo dianteiro de
Hunt gastou-se a ponto de deixar o ar escapar, e o pneu
foi murchando aos poucos. Mesmo assim, Hunt
prosseguiu. Uma parada nos boxes teria lhe custado no
mínimo 35 segundos, e, se ele terminasse a prova em
quarto lugar ou pior, Lauda ficaria com o título mundial.
A equipe nos boxes poderia ter pedido uma parada
para troca de pneus bem antes, mas agora era tarde
demais.
Tratava-se de uma situação complexa para o dirigente,
Mayer, e para o chefe de equipe, Caldwell. Qualquer
decisão poderia ser um equívoco. O mais prudente
parecia ser não desafiar o destino, e por isso eles
optaram por não tomar decisão nenhuma.
Mais tarde, Hunt disse: “A equipe tinha todas as
informações sobre a taxa de desgaste dos pneus. Eles
haviam visto o que acontecia com outros carros e
deveriam ter me dito o que fazer. Em vez disso,
responderam aos meus pedidos desesperados com
aquela seta, que para mim mais parecia uma porcaria de
um ponto de interrogação”.
Naquele dia, contudo, o destino seria gentil com James
Hunt, embora ele não tenha percebido isso de imediato.
Na 68ª volta, quando saiu da última curva, a borracha do
pneu dianteiro esquerdo estourou, tendo finalmente se
desgastado por completo. Era a posição perfeita para
que aquilo acontecesse, e Hunt simplesmente virou o
carro para os boxes, controlando o volante com maestria.
O destino decidira por eles. Depois de passar várias
voltas esperando ansiosamente, os mecânicos da
McLaren estavam a postos. Quando Hunt parou, Caldwell
e um deles nem se deram ao trabalho de usar o macaco
— ergueram o carro nos braços para a troca do pneu.‐ ­
Caldwell preferiu a segurança de colocar quatro pneus
novos para pista molhada, em vez de quatro slicks. Os
pneus foram trocados em 27 segundos, Hunt pisou fundo
no acelerador e retornou à corrida. Quando ele passou
pela reta dos boxes, os mecânicos da Ferrari foram à
loucura, acreditando que o rival perdera a corrida.
Ergueram os braços e comemoraram sem vergonha
nenhuma.
No momento da parada, Clay Regazzoni ultrapassou
Hunt e ficou em segundo lugar, Alan Jones assumiu a
terceira posição e Depailler passou para quarto. Mas
Regazzoni e Jones estavam com pneus velhos e gastos, e
logo foram ultrapassados por Depailler, que ficou em
segundo.
Hunt sabia que seu pit stop tinha demorado, e
acreditava ter perdido o campeonato. Seria preciso um
milagre para conseguir a terceira posição de que ele
necessitava. Mas Hunt parecia tomado por uma força
sobrenatural: com pneus novos e sem nada a perder, ele
pilotou como se daquilo dependesse sua sobrevivência.
Hunt deixou de ser um homem que queria cruzar a linha
de chegada e passou a ser um homem em busca da
vitória. Ele deu o máximo: “Entrei bem no meio de
campo, mas cada um estava numa volta diferente. Foi
uma corrida confusa. Saí voando pela pista, como seria
de se esperar; afinal de contas, eu estava com pneus
novinhos para pista molhada, e os outros estavam com
pneus carecas. Como a pista estava seca, os pilotos que
haviam parado nos boxes algumas voltas antes já
estavam mais lentos, porque os pneus estavam
superaquecendo novamente. A única coisa que eu podia
fazer era fechar os olhos e pisar no acelerador para
ultrapassar todos os carros que conseguisse”.
Por dentro do capacete, Hunt xingava em silêncio os
pneus, a equipe, a sorte em geral e, acima de tudo, as
condições do tempo.
O cartaz exibido pela McLaren informou que ele havia
retomado a prova em sexto lugar. Hunt teria de ganhar
três posições em oito voltas. Ele mandou a cautela às
favas e ultrapassou sem dificuldade a Ferrari de
Regazzoni e a Surtees-Ford de Jones.
Nenhum desses pilotos havia trocado os pneus, e por
isso eram presas fáceis para Hunt — como haviam sido
para Depailler. Hunt desceu voando a pequena colina
atrás dos boxes, e passou por fora dos dois adversários
numa curva fechada à esquerda — a única curva lenta do
circuito. Agora ele acreditava estar em quarto lugar, mas
não tinha percebido um erro cometido pelos
responsáveis pela contagem de voltas na McLaren: Hunt
tinha voltado à prova na quinta posição, e não na sexta.
Ou seja: agora ele estava em terceiro lugar, embora não
soubesse disso. Hunt partiu no encalço de Depailler o
mais rápido que pôde.
A tensão foi aumentando nos boxes, já que as outras
equipes sabiam muito bem que Hunt estava em terceiro.
Para eles, parecia impossível que Hunt tivesse trocado os
pneus e voltado a tempo de competir pelo título. A
McLaren finalmente percebeu o equívoco e, na penúltima
volta, os mecânicos ergueram por cima da mureta dos
boxes um cartaz que dizia “P3”. A última volta foi de uma
tensão absoluta para Mayer e Caldwell. Quando a
bandeira quadriculada tremulou, Mayer tinha certeza de
que Hunt havia terminado em terceiro lugar e era o novo
campeão mundial, mas Caldwell não estava tão certo
disso. Dentro do cockpit, Hunt não fazia ideia da
situação.
Três carros passaram voando diante da bandeira
quadriculada: Andretti, Depailler e Hunt. Depailler e Hunt
haviam ficado uma volta para trás ao parar nos boxes,
mas isso conferiu mais emoção à prova: no final, Hunt
estava a cem metros da Tyrrell-Ford do francês. Não
havia dúvidas sobre o vencedor. Andretti ganhara a
corrida usando um único jogo de pneus; ele os preservou
à perfeição, e provou ser um excelente piloto.
Hunt recebeu a bandeirada e deu mais uma volta pela
pista, lívido, enquanto o carro desacelerava. Ele achava
que tinha terminado em quarto lugar e perdido o título
mundial por apenas um ponto. Hunt estava furioso com
Mayer e Caldwell por não terem pedido uma parada nos
boxes mais cedo. O piloto considerava os dois
inteiramente responsáveis pela perda do campeonato.
Hunt entrou nos boxes reduzindo furiosamente a
marcha, pronto para descarregar a raiva. Saiu do carro
preparado para agarrar Mayer pelo pescoço e aplicar-lhe
um soco por sua burrice.
Caldwell percebeu que Hunt estava nervoso e
desapareceu nos fundos do box. Àquela altura ele estava
exausto pela tensão, de saco cheio de Hunt, e pensou:
“Não vou ficar aqui aguentando essa merda. Por que eu
deveria me deixar agredir?”. Na verdade, Caldwell não
tinha certeza se Hunt terminara em terceiro ou quarto
lugar, e não foi capaz de suportar a pressão. Preferiu
esperar que outras pessoas esclarecessem a situação.
Na falta de Caldwell, Hunt descontou em Mayer. Ele
podia ouvir o que o piloto dizia, mas Hunt ainda estava
de capacete, e não o escutava. Mayer percebeu a
situação, ergueu três dedos na frente do rosto de Hunt e
sorriu. Confuso diante de um dirigente que não parecia
ter acabado de perder o campeonato mundial, Hunt
subitamente se deu conta de que talvez tivesse ganhado
o título. Mayer ficou parado, gritando sem parar: “Você é
campeão mundial”.
Atrás dele, Colin Chapman e os mecânicos da Lotus
pulavam a mureta e iam até a pista dar os parabéns a
Andretti, que assumira a liderança a dez voltas do final e
vencera a prova depois de largar na pole position. Foi a
primeira e única vitória da equipe na temporada.
Atordoado, Hunt conteve as comemorações até se dar
conta de que tinha, de fato, terminado em terceiro lugar
e era o novo campeão mundial. Quando Mayer lhe
contou o que havia acontecido, ele disse: “Quero
provas”. Hunt não queria acreditar antes de ver o
registro das voltas e obter a confirmação dos diretores de
prova de que ninguém havia protestado contra o
resultado.
Àquela altura, Hunt já estava engolido por um monte de
pessoas que vinham parabenizá-lo, e era impossível ver
o piloto ou o carro em meio ao tumulto da comemoração.
Mas ele continuava querendo uma confirmação oficial de
que havia chegado em terceiro lugar, e gritava: “Quero
provas, quero provas”. Os fãs ergueram Hunt nos braços
e, na confusão, o deixaram cair. Enquanto se levantava,
ele pediu uma bebida, e encarou Mayer enquanto bebia.
Depois de tantas decepções, recursos, mudanças e
desclassificações ao longo da temporada, Hunt estava
morto de preocupação. Mais tarde, ele disse: “Eu tinha
decidido que não acreditaria que era campeão para
depois me decepcionar. Havia trezentos motivos
plausíveis para que algo tivesse dado errado. Só quando
conferi a contagem de voltas e os organizadores me
disseram que eu tinha mesmo chegado em terceiro — e
vi que não havia nenhum protesto no ar — comecei a
acreditar mais ou menos”.
Na verdade, ao se lembrar mais tarde do momento em
que subiu ao pódio com Andretti, Hunt contou: “Eu ainda
não estava totalmente confiante quando me puseram em
terceiro lugar lá em cima, achava que poderia ser
retirado dali no último minuto. Por isso só fui acreditando
na vitória aos poucos”.
Muito tempo depois, falando sobre esse momento
numa conversa com o jornalista Nigel Roebuck, Hunt
afirmou: “O problema é que os cartazes que me
mostravam dos boxes não eram coerentes. De repente
aparecia quarto lugar, o que não fazia sentido, porque eu
tinha ultrapassado alguém para ficar em terceiro. Mas,
diante do histórico deles em momentos de crise e pânico,
eu não conseguia acreditar. Eu tinha tido muitas
decepções aquele ano com episódios que ocorreram
depois das corridas. Por isso, no fundo eu não aceitava o
fato de que era campeão, uma vez que tudo aconteceu
tão rápido”.
Hunt desceu do pódio e foi para a sala de imprensa
falar com os jornalistas das publicações impressas. Mais
tarde, quando anoiteceu, ele disse: “Saí da sala de
imprensa e estava tudo escuro, todo mundo já tinha ido
embora — os organizadores e tudo o mais. Estavam
todos cansados. Quando vi que eles tinham ido embora,
percebi que ninguém tiraria o título de mim, porque não
tinha mais ninguém lá, ninguém queria mais saber. Só aí
acreditei. Pensei: ‘Acho que sou campeão mundial’”.
Niki Lauda não sabia do resultado até o momento em
que viu um monitor de televisão no aeroporto, enquanto
esperava o voo de volta para casa. As imagens
confirmavam que ele havia perdido o campeonato.
Diante do resultado, Forghieri correu para um orelhão e
telefonou para a fábrica da Ferrari, em Maranello. A
ligação foi transferida para Enzo Ferrari, que pediu para
falar com Lauda. Os dois trocaram algumas palavras e
Lauda disse que teria sido “loucura continuar”. Segundo
o piloto, a reação de Enzo foi “insensível”. Lauda contou
que o italiano nem perguntou como ele estava. Lauda
desligou, pegou sua mulher e dirigiu-se para o avião.
Do ponto de vista de Alastair Caldwell, aquele foi um
final feliz para uma temporada magnífica — porém com
um sabor amargo. Ele estava furioso com Hunt pelo que
acontecera nas últimas voltas. Caldwell tinha certeza de
que aquilo não teria ocorrido se o piloto tivesse seguido
as instruções. Ele não entendia como um piloto com a
inteligência de Hunt tinha sido capaz de desobedecê-lo
em detrimento de si mesmo. Na época, Caldwell não
discutiu o assunto com Hunt — poderia ser grosseiro,
considerando a vitória no campeonato. Dez anos mais
tarde, os dois tiveram uma breve conversa, na qual Hunt
descartou aquelas preocupações.
Tempos depois, Caldwell desabafou com Christopher
Hilton, um jornalista paciente que gostava de escutar, e
com quem ele tinha uma boa relação. O chefe da equipe
disse: “Fiquei irritado. Para a imprensa e para os livros,
James disse que nós não o chamamos para trocar os
pneus, e que deveríamos tê-lo feito; ele disse que
éramos idiotas e incapazes de cuidar do carro da
maneira certa — que vivíamos mostrando placas erradas
nos boxes e coisas do tipo. Mas a verdade é que
passamos a informação correta o tempo todo. Jamais
poderíamos ter parado o carro para uma troca de pneus
e ganhado o campeonato. Por isso, a decisão cabia a ele.
Foi o que dissemos o tempo todo.
“Na minha opinião, encaramos a corrida com perfeição.
Não havia nada mais que pudéssemos fazer.
“Regazzoni e Jones fizeram a mesma coisa que ele, e
continuaram correndo. Ambos gastaram totalmente os
pneus. Por isso acabaram feito tartarugas, e James
conseguiu ultrapassá-los.”
Mais tarde, Hunt discordou completamente de Caldwell:
“Antes da metade da corrida, eu já sabia muito bem que
os pneus seriam um problema mais adiante, e comecei a
perguntar ao pessoal dos boxes da McLaren da melhor
forma que pude, sem o auxílio do rádio. Eu via um monte
de gente entrar e sair dos boxes para trocar pneus, e
eles tinham todas as informações. Numa situação como
aquela, é preciso ficar de olho nos outros carros para ver
como eles se saem com a borracha nova. Eles sabiam de
tudo isso, e eu não sabia de nada. No final das contas, a
resposta deles para meus gestos desesperados, que eles
entenderam muito bem, foi me mostrar um imenso ponto
de interrogação e dizer: ‘O que devemos fazer?’. A única
alternativa era continuar, e isso quase me custou o
campeonato: quando finalmente parei, o pneu dianteiro
já estava estourado, e havia ainda uma perfuração lenta.
Eles não conseguiam colocar os macacos debaixo do
carro. Trocar aqueles pneus foi um desespero”.
Depois de tudo, isso não fazia mais diferença. De algum
modo, depois de tanta tensão, Hunt tinha vencido o
campeonato, e agora queria voltar para o Hilton de
Tóquio e comemorar para valer. No entanto, nas ruas
estreitas ao redor de Monte Fuji, a cerca de 100
quilômetros de Tóquio, havia um imenso engarrafamento
por conta da saída da corrida. Os trezentos e poucos
integrantes do circo da Fórmula 1 ficaram presos no
circuito, e as comemorações de Hunt tiveram início numa
sala alugada pela Marlboro.
John Hogan estava exausto depois de tudo aquilo. Ele
não conseguia acreditar que o sujeito que havia
conhecido cinco anos antes tinha se tornado o novo
campeão mundial. Finalmente a avaliação de Hogan
sobre Hunt fora comprovada.
A vitória de Hunt trouxe mais exposição para a
Marlboro do que a marca jamais sonhara. Foi a
campanha de marketing mais bem-sucedida da empresa,
e o mérito era todo de Hunt. Os chefes da Marlboro
ligaram de Lausanne, na Suíça, para parabenizar o piloto,
e disseram a Hogan que não economizasse na festa.
Hogan pagaria a conta de todas as comemorações, que
começaram naquela noite, no Monte Fuji, e continuaram
em Tóquio.
Mas Hogan não celebrou com a disposição que poderia
ter tido. Ele só estava feliz porque tudo tinha terminado.
A primeira temporada com Hunt fora difícil, conforme ele
mesmo admitiu depois: “É mais ou menos como comprar
um cachorro: quando você acha que adestrou o bicho e
ele finalmente está se comportando, ele vai lá e faz cocô
no tapete da sala da casa de outra pessoa. Hunt fazia
isso o tempo todo. Cada corrida era uma nova encrenca”.
No fim, porém, tudo deu certo.
30
Um novo campeão britânico
Dois meses de comemorações
Novembro a dezembro de 1976

Niki Lauda antecipou o voo de volta de Tóquio para a


Europa, e ficou feliz por tê-lo feito: depois que a bandeira
quadriculada tremulou, todas as atenções se voltaram
para James Hunt. Ao terminar a prova em terceiro lugar,
Hunt venceu o campeonato mundial por uma diferença
de apenas um ponto.
Tendo liderado o campeonato durante toda a
temporada, até a última corrida, Niki Lauda saiu de
Tóquio com as mãos vazias. À sua frente estavam
algumas cirurgias delicadas e meses de recuperação.
Seu objetivo era passar por todos os procedimentos
necessários e descansar o máximo, para estar em forma
para o ano de 1977.
Para James Hunt, no entanto, o cenário era
completamente diferente. A exemplo de qualquer novo
campeão mundial, ele foi arremessado para um caldeirão
de comemorações e tapinhas nas costas por parte dos
patrocinadores. Agora que era campeão, parecia que
todo mundo queria estar perto dele.
Naquele dia, o outro vencedor foi John Hogan, diretor
de automobilismo da Marlboro. A vitória no campeonato
conferia imenso valor à marca. Hogan teria saído
vencedor qualquer que fosse o resultado em Monte Fuji.
Mas, evidentemente, preferia que Hunt e a equipe da
McLaren, patrocinada pela Marlboro, vencessem. Caso
isso não ocorresse, não seria um desastre completo. Niki
Lauda também era patrocinado pela Marlboro.
Graças ao sucesso de Hunt, as vendas dos cigarros
Marlboro decolaram em toda a Europa e no resto do
mundo. Finalmente ficou comprovado que assinar um
contrato com Hunt havia sido um golpe de mestre de
Hogan, determinante para sua carreira.
O patrocínio foi extremamente bem-sucedido; depois
de vencer, Hunt imediatamente acendeu um Marlboro
nos boxes. Era difícil imaginar uma situação melhor —
principalmente para um sujeito de marketing como
Hogan. Por um breve instante, Hunt foi o homem
Marlboro: o exemplo perfeito do que o cigarro pode
trazer para uma pessoa.
Circulando pelos boxes naquela tarde no Japão, Hogan
sabia que a vida real seria esquecida durante alguns
dias. Primeiro vieram as festas. Hunt comandava as
comemorações na linha de frente, e Hogan pagava as
contas. Quanto mais festas e mais publicidade, melhor
seria.
Barry Sheene, campeão mundial de motovelocidade,
também entrou em cena. Juntos, os dois vencedores
celebraram como nunca. As mulheres caíam a seus pés,
e teve início um período de 48 horas mágicas para os
dois — sensatos o suficiente para deixar em casa as
respectivas namoradas.
Tudo começou ao cair da tarde, no Fuji Lodge, um hotel
vizinho ao circuito. Hogan havia reservado o maior salão
para a festa. Embora as comemorações fossem
principalmente para a equipe da McLaren e para os
convidados da Marlboro, todo o paddock foi chamado. A
bebida corria solta, e Hogan garantiu a fartura da mesa.
A festa avançou noite adentro, e depois Hogan
organizou um comboio de carros para que todos
voltassem ao Hilton — onde ele havia ­reservado outro
salão imenso, para mais uma festa imensa. Hunt dormiu
durante quatro horas, mas ao longo das oito horas
seguintes as pessoas entraram e saíram e comemoraram
até a segunda-feira. Por volta das cinco da tarde do
domingo, Hunt e os executivos da Marlboro e da McLaren
partiram rumo à embaixada britânica. Hunt mal
conseguia ficar de pé, e Hogan rezava para que ele
aguentasse até o fim. O piloto não estava
adequadamente vestido para ser cumprimentado pelo
embaixador, mas o protocolo foi deixado de lado para o
novo campeão mundial britânico.
Depois, todos voltaram para outra sala do Hilton, para
uma festa formal da Marlboro à qual compareceram os
altos executivos da empresa e os funcionários das
subsidiárias asiáticas da marca. Todo mundo queria
cumprimentar o campeão, que estava com cara de quem
acabou de passar um longo dia na praia. Passados 36
anos, Hogan ainda lembra: “Ficamos dois dias bebendo
sem parar”. As recordações param por aí.
No final da manhã de segunda-feira, o grupo embarcou
no voo 421 da Japan Airlines de Tóquio para Londres. A
festa continuou no avião, embora todos estivessem
exaustos e desesperados por uma boa noite de sono.
A passagem de Hunt era de classe econômica, mas a
companhia aérea lhe ofereceu um upgrade para a
primeira classe, e ele encontrou seu chefe Teddy Mayer
na sala de embarque. Mayer fez pouco caso ao ver o
piloto, e deu a impressão de que não gostava muito de
viajar ao lado do “baixo clero”. Mayer tampouco se
impressionou com a comoção causada por Hunt na sala
de embarque da primeira classe.
Hunt estava brincando com um gorila de pelúcia que
havia ganhado de Alastair Caldwell em comemoração
pelo título mundial. O nome do gorila era “Smiler”, e o
bicho tinha dois chocalhos nas patas. Hunt não parava de
bater um chocalho no outro.
Mayer começou a se remexer na cadeira quando Hunt
se levantou e deu início a um bate-boca com Pierre
Ugeux, novo presidente da FIA, que também estava na
sala de espera da primeira classe. Ugeux temia que Hunt
não comparecesse à cerimônia anual de premiação da
FIA em Paris para receber o troféu do campeonato
mundial. Hunt disse que não iria mesmo. Ugeux sabia
que o piloto tinha ficado irritado com as decisões da FIA
relativas a Brands Hatch e Monza, mas pediu que Hunt
fosse razoável e esquecesse o rancor. No final da
conversa, Hunt disse que pensaria no assunto. Mayer
ficou aliviado quando a empresa aérea finalmente
anunciou o embarque.
O comandante foi receber Hunt pessoalmente no alto
da escada que dava acesso ao avião, e conduziu o piloto
à cabine da primeira classe. Hunt, entretanto, preferiu
ficar com os amigos e mecânicos, e disse que iria para a
econômica. O comandante afirmou que manteria o
assento de Hunt reservado na primeira classe, e
convidou o piloto a jantar com eles. Naquela época, Hunt
sempre viajava de classe econômica, e não lhe passou
pela cabeça reservar um lugar na primeira classe —
embora, àquela altura, pudesse muito bem pagar a
passagem. Ele costumava passar os voos anestesiado
pelos efeitos do álcool, e por isso não havia muita
necessidade de paparicação. Desde que o fornecimento
de bebida não fosse interrompido — e naquele tempo
havia bebida à vontade na classe econômica —, Hunt
estaria satisfeito. David Benson, editor de automobilismo
do Daily Express , aboletou-se na poltrona ao lado da de
Hunt, na primeira classe.
Quando Hunt entrou no avião, ouviu-se um grande urro
de comemoração. Em poucas horas, o estoque de
bebidas acabou, e Hunt teve de voltar para a primeira
classe para se reabastecer. O comandante mandou a
tripulação deixar o campeão fazer o que bem
entendesse, e os comissários atendiam a todos os
pedidos.
Quando as luzes da cabine foram apagadas, todos
caíram no sono, exauridos pelas horas ininterruptas de
bebedeira — que, àquela altura, somavam dois dias
inteiros de festa. Hunt voltou para a primeira classe e
sentou-se na poltrona reservada para seu jantar.
O piloto ficou ao lado de Benson. Durante 1976, e em
todos os momentos dramáticos, o jornalista havia
mostrado ser o profissional mais qualificado da época, e
suas reportagens eram reproduzidas por jornais de todo
o mundo. Naquela noite, ele conseguiu mais uma
entrevista exclusiva.
O comandante apareceu na cabine para conversar
sobre a corrida, e a tripulação serviu um jantar especial a
Hunt: camarões de entrada, seguidos de frango
ensopado e batatas duquesa. Hunt alternava goles de
cerveja e vinho tinto enquanto as aeromoças deslizavam
pelo corredor para manter os copos constantemente
cheios.
Naquela época, o Boeing 747 100 não tinha autonomia
suficiente para ir da Ásia à Europa sem escalas, por isso
era necessário fazer uma parada no meio do voo. Depois
do banquete, Hunt se levantou e começou a fazer
palhaçadas diante de Benson e dos demais passageiros
da primeira classe, no momento em que o Boeing descia
para reabastecer no aeroporto de Anchorage. O
comandante deixou Hunt anunciar o início da descida, e
Hunt falou com o melhor sotaque japonês que foi capaz
de reproduzir.
Quando o avião decolou novamente, Hunt foi para os
fundos conversar com Max Mosley. Os dois procuraram
poltronas vazias onde pudessem esticar as pernas.
Depois, Hunt voltou para sua poltrona na classe
econômica, onde foi fotografado por David Phipps
enquanto dormia ao lado do amigo Chris Jones, de
Alastair Caldwell e John Hogan. A fotografia de Phipps
mexeu com a imaginação do público e foi reproduzida
por jornais do mundo todo.
Barry Sheene não dormiu, e passou o voo tentando
convencer as mulheres a bordo sobre os benefícios da
prática sexual nas alturas. Tudo indica que ele obteve
algum sucesso.
John Hogan resumiu a história: “Não foi um voo
enlouquecido. As pessoas só estavam muito, muito
felizes mesmo”.
Quando o avião iniciou a descida rumo a Heathrow,
Hunt acordou com a pior ressaca de sua vida — mas sem
se arrepender de nada do que tinha feito (embora não se
lembrasse exatamente de tudo o que fizera).
A aeronave pousou por volta das nove da manhã, e
Hunt saiu pela porta do Boeing 747 esfregando os olhos,
com o gorila de pelúcia nas mãos. Uma turba de
fotógrafos havia preparado uma emboscada ao pé da
escada do avião, mas os funcionários do aeroporto
resgataram o piloto e afastaram todos até a área VIP de
desembarque.
Do lado de fora da sala de imigração, havia uma
multidão de fãs, e Hunt foi recebido por mais de duas mil
pessoas que aguardavam para receber o campeão. Entre
os fãs, estavam os pais do piloto, Wallis e Sue. Eles
haviam assistido à corrida ao vivo, no estúdio de um
canal de televisão. Hunt não sabia que os dois estariam
no aeroporto, e ficou surpreso ao abraçá-los em público.
Os três ficaram constrangidos com o disparo dos flashes .
Depois de abraçar a mãe, ele abraçou Jane Birbeck —
agora já considerada como sua namorada oficial. Hunt
relembrou aquela experiência surreal: “Eu não esperava
ver minha família ali, e foi estranho falar com eles na
frente de toda aquela gente. Fiquei completamente
tonto”.
Os abraços e beijos de Sue Hunt no filho foram
transmitidos pela televisão. Ela declarou aos jornalistas:
“Ele conseguiu, ele conseguiu. Estou nas nuvens,
completamente nas nuvens. É maravilhoso”. E
acrescentou: “Ele pode ser campeão mundial, mas não
mudou. Ainda é o meu James travesso”.
Conhecida por ser reservada e cautelosa, a família Hunt
mandou a discrição às favas e decorou a fachada da
casa, em Belmont, com bandeiras do Reino Unido e
outros enfeites patrióticos chamativos. Os pais do piloto
não resistiram e se deixaram levar pela comoção gerada
pelos acontecimentos.
Houve uma entrevista coletiva e os pais de Hunt
sentaram-se ao lado do campeão diante de dezenas de
jornalistas que disparavam perguntas e flashes . Mais
tarde, Hunt disse que tudo parecia um sonho: “Na
maioria das vezes, sinto que controlo a situação, mas,
quando a coisa sai do controle, eu não sei se estou
fazendo e dizendo as coisas certas — não tanto pelo que
as pessoas querem ouvir, é mais pela dificuldade de
transmitir o que quero dizer”.
Passada a confusão no aeroporto, Hunt entrou num
carro e foi ao apartamento de Jane Birbeck no centro de
Londres. Quando finalmente chegaram, tudo o que Hunt
queria era um pouco de calma e tranquilidade. Ele estava
exausto, e só tinha ficado acordado porque a adrenalina
o impedia de dormir. Mas, na porta do prédio, havia mais
repórteres e fotógrafos — alguns haviam seguido o piloto
desde o aeroporto. Quando conseguiu entrar e deixar o
caos do lado de fora, Hunt ainda não tinha se dado conta
do tamanho de sua vitória. Ele queria apenas sentar-se,
tomar um drinque e fumar um cigarro ao lado dos amigos
e da família.
A família Hunt tomou café da manhã enquanto o piloto
contava os detalhes do fim de semana. Lá pela hora do
almoço, ele e Jane foram para o quarto, e os outros
saíram para deixar o casal em paz. Wallis e Sue Hunt
voltaram para Belmont e foram comemorar com amigos
e vizinhos, e o filho do casal dormiu por oito horas
seguidas. Quando acordou, Hunt saiu com a namorada
para um jantar tranquilo.
Na manhã de quarta-feira, Hunt foi ao escritório do
irmão discutir todas as ofertas financeiras que haviam
chegado à mesa do empresário nos poucos dias
passados desde que o piloto vencera o campeonato. À
tarde, John Hogan convocou Hunt para uma rodada de
entrevistas com alguns jornalistas e repórteres de
televisão especiais.
Encerrados esses compromissos, Hunt ficou livre para
voltar à Espanha e desfrutar de um fim de semana
prolongado. Fez uma reserva no voo das nove da noite
de quinta-feira e, como sempre, chegou atrasado. Mesmo
assim, a companhia aérea espanhola Iberia decidiu
segurar o avião para esperar pelo novo campeão
mundial. Hunt descobriu que tudo era diferente na
condição de campeão mundial. O DC9 McDonnell-
Douglas estava praticamente vazio: a bordo, apenas
Hunt, dois jornalistas e mais três passageiros, numa
aeronave com capacidade para 250 pessoas.
A chegada do voo estava prevista para a uma da
madrugada no aeroporto de Málaga. A despeito do
horário, parecia que todos os ­imigrantes britânicos
tinham decidido receber o piloto. Uma multidão
comandada pelos vizinhos de Hunt foi buscá-lo com
champanhe na saí­da da imigração, e houve uma festa
improvisada ali mesmo, no saguão. O trajeto até a casa
de Hunt levou uma hora e, quando ele chegou, havia
mais vizinhos e imigrantes desconhecidos lá dentro, com
mais uma festa à sua espera. Àquela altura, ele já estava
descansado e bem acordado, e adorou a recepção. Só foi
dormir às oito da noite de sexta-feira.
Alguns amigos chegaram da Inglaterra para continuar
as comemorações no fim de semana. E aí ele finalmente
voltou ao trabalho.
James Hunt descobriu que agora pertencia ao público —
ou, pelo menos, à Marlboro. A empresa lhe pagava um
adicional de 3.500 dólares por dia de trabalho
promocional, e Hunt estava disposto a trabalhar todos os
dias que a marca pudesse pagar.
Hogan relembra: “Partimos num tour relâmpago pela
Europa. Naquela época, era comum haver feiras com os
carros depois da temporada. Passamos por todas elas. Eu
estava impressionado. Organizamos um monte de
eventos, e James passou um mês inteiro flutuando pelo
ar. O comportamento dele foi impecável, ele foi um bom
menino”.
O mês seguinte foi programado por Hogan para tirar
proveito da imprensa internacional. Aqueles meses
tiveram um valor incalculável para a marca de cigarros. A
publicidade global garantida pela Marlboro
provavelmente valia cerca de 100 milhões de dólares —
quantia muito superior à investida pela empresa na
temporada de Fórmula 1.
O primeiro compromisso oficial de Hunt foi no Salão do
Automóvel de Londres, em Earls Court, onde ele foi
cercado pelos fãs britânicos. Depois, pegou um voo para
Colônia, onde participou de mais um salão, e em seguida
voltou à Inglaterra para um encontro com torcedores em
Brands Hatch.
No circuito, Hogan e o gerente da pista, John Webb,
organizaram um banquete comemorativo para os fãs,
que Webb chamou de dia de “Homenagens a James”.
Mais de 15 mil pessoas compareceram para celebrar ao
lado do campeão mundial. Hogan convidou Niki Lauda. O
encontro dos dois rivais, agora em condições amigáveis,
gerou quilômetros de cobertura em jornais de todo o
mundo e horas de transmissão na televisão —
principalmente na Europa continental.
Em seguida, Hunt foi homenageado pela prefeitura de
Londres. Graças aos contatos do pai do piloto, ele foi
condecorado como “Cidadão Honorário da Cidade de
Londres”. Recebeu a honraria e a chave da cidade diante
de um Wallis Hunt completamente embevecido. Hunt
seguiu então para a sede europeia da Marlboro, em
Lausanne, onde os executivos da empresa não cansaram
de lhe agradecer por sua contribuição para os lucros da
marca. Além disso, também foi homenageado na Suíça
pelas autoridades oficiais de Lausanne.
Na noite seguinte, ele voltou a Londres, e Hogan
organizou uma festa fechada para os funcionários da
McLaren. A viúva de Bruce McLaren, Patty, foi a
convidada de honra.
Hunt visitou a gigantesca fábrica da General Motors em
Luton, ­Bedfordshire. A imensa instalação fabricava carros
Vauxhall e caminhões Bedford, e tinha milhares de
operários. Hunt deu uma volta de comemoração pelo
local, a bordo de um caminhão Bedford com carroceria
plana, como se tivesse acabado de ganhar uma corrida.
Depois, anunciou oficialmente uma campanha
publicitária feita sob medida para ele, cujo slogan era:
“Vá por mim: faça um test-drive num Vauxhall”. O
resultado da campanha foi um aumento considerável na
venda de Vauxhalls no último trimestre de 1976.
Enquanto Hunt estava em Londres, a Marlboro
organizou uma festa para comemorar o quinto
aniversário de abertura do cassino Ladbroke Club, no
bairro de Mayfair. Richard Burton era sócio do clube, e foi
à festa com Suzy. Àquela altura, ator e piloto haviam se
tornado bons amigos — mas, a despeito da presença de
duas das pessoas mais famosas do mundo, quem atraiu
a atenção da imprensa e distribuiu mais autógrafos foi
Suzy. Os dois homens não se surpreenderam com isso, e
trocaram olhares cúmplices: estavam acostumados a
ficar à sombra daquela mulher deslumbrante.
Hunt seguiu para Linz, na Áustria, a pedido de Bernie
Ecclestone, para a abertura do Salão do Automóvel
Jochen Rindt, com carros de corrida. Hunt queria retribuir
o favor que Ecclestone lhe fizera no início da temporada,
quando ele estava sem escuderia. Hogan não se
incomodou, já que a viagem serviu como desculpa para
uma grande rodada de eventos promocionais na Áustria
— terra natal de Lauda. Uma multidão se aglomerava
permanentemente do lado de fora dos eventos, e quase
não havia outras notícias nos jornais locais além da visita
de Hunt ao país. Lauda estava em casa, recuperando-se
da cirurgia nos olhos, e não achou muito agradável ler
aquela vasta cobertura sobre seu rival nos jornais
austríacos.
Da Áustria, Hunt tomou um voo para Genebra, na
Suíça, para algumas festas e recepções organizadas pela
Marlboro.
Em seguida, voltou para Londres, via Munique, e foi ser
jurado do concurso de Miss Mundo. Naquela época, o
concurso tinha grande importância e marcava recordes
de audiência no canal ITV. Os jurados eram grandes
celebridades, e o convite do organizador Eric Morley para
que Hunt participasse foi visto como uma grande honra.
Hunt se divertiu naquela noite, e estava sempre com um
sorriso no rosto. Quase todos os jornais do hemisfério
ocidental publicaram fotos do piloto ao lado da nova Miss
Mundo.
Ele seguiu então para Dublin, Essen e Viena. A viagem
a Viena ­tinha o objetivo de participar da abertura do
Salão do Automóvel Niki Lauda, também de carros de
corrida, e o convite partira do próprio Lauda. A presença
dos dois pilotos gerou publicidade por toda parte. Nos
anos 1970, exposições de carros de corrida eram um
negócio extremamente lucrativo e, entre os meses de
novembro e dezembro, mais dez eventos do tipo eram
realizados em diferentes pontos da Europa. Naquele ano,
Hunt esteve em quase todos. O público continuou
comparecendo até as feiras perderem popularidade, na
década de 1980.
De Viena, Hunt partiu para Zurique. Boa parte de sua
agenda era tomada por prêmios que gente de todo tipo
desejava lhe entregar. Hunt seguia o ritmo e organizava
sua agenda de acordo com essas cerimônias. Estava
disposto a receber todas as homenagens, principalmente
enquanto a Marlboro continuasse pagando o cachê diário
de 3.500 dólares. Ele ia a todos os eventos possíveis, e
às vezes os organizadores das festas lhe pagavam mais
5 mil dólares, além do valor que a Marlboro já
desembolsava. Em um desses dias, Hunt recebeu cachês
de três empresas diferentes para comparecer ao mesmo
evento promocional. Mais uma vez, John Hogan não
pareceu se importar: a Marlboro colhia benefícios
publicitários em todas essas aparições públicas.
De volta a Londres, Hunt foi ao almoço de entrega dos
prêmios do Real Automóvel Clube (RAC). Em condições
normais, o evento teria passado praticamente
despercebido. Mas Hunt decidiu dar uma demonstração
pública de desprezo pelo RAC, por conta de deslizes
passados. Compareceu à cerimônia de calça jeans,
camiseta e chinelo. Ninguém — nem um mero vendedor
— podia entrar no RAC sem paletó e gravata. Hunt
estava decidido a ir embora imediatamente caso fosse
barrado, deixando para os diretores do clube a tarefa de
explicar sua ausência à festa. Mas os diretores foram
mais espertos: prevendo um possível confronto, eles
deixaram Hunt entrar como se nada estivesse errado
com seus trajes e instruíram os porteiros a não reagir.
Seria difícil impedir que ele entrasse, uma vez que era o
homenageado do dia. Hunt calculou sua vantagem e
desfrutou da vingança, embora tenha ficado surpreso
com a facilidade com que o clube cedeu.
Já o baile anual do Clube Britânico de Pilotos de
Automobilismo (BRDC), realizado no hotel Dorchester, foi
completamente diferente. O hotel não exigia um traje
específico, por isso não havia dúvida de que Hunt seria
admitido. Ele não tinha nada contra o BRDC — mas,
como havia sido liberado no RAC, decidiu mais uma vez
aparecer de calça jeans e camisa com o colarinho aberto,
para testar a determinação do BRDC. Gerald Lascelles,
primo da rainha e presidente do Clube, achou que aquilo
já era demais e disse a Hunt tudo o que pensava sobre
ele. Àquela altura, porém, Hunt já estava bêbado e nem
sabia quem era Lascelles. Ele foi bebendo cada vez mais
e, quando recebeu o prêmio BRDC das mãos do Duque
de Kent, não tinha mais a menor ideia do que estava
acontecendo.
De Londres, ele partiu para uma apresentação em
Bolonha. Em seguida, abriu a feira de motociclismo de
Giacomo Agostini. Em todos os eventos de que participou
na Itália, Hunt precisou de pelo menos vinte policiais
para controlar a multidão. Ficou maravilhado com a
diferença entre essa passagem e sua visita anterior ao
país, durante o Grande Prêmio da Itália — quando fora
vaiado incontáveis vezes. Ele mesmo disse: “Em Monza
eu era o vilão, mas, quando voltei depois de vencer o
campeonato, parecia que era o maior herói que já havia
visitado a Itália”.
A polícia permitia que ele passasse apenas cinco
minutos em cada evento, tal era o frenesi criado por sua
presença. A reunião entre ele e Agostini, em Bolonha,
criou um pequeno caos, noticiado em todos os jornais da
noite e tratado como acontecimento nacional.
À feira, seguiu-se uma rodada de entrevistas em Milão,
onde Hunt compareceu à premiação anual da revista
Autosprint . O piloto ficou ex-tremamente irritado com a
hipocrisia da imprensa italiana e disse: “Para eles, o
automobilismo é uma religião, um assunto apaixonado, e
a imprensa local alimenta o público com um monte de
bobagens”.
Hunt se declarou exausto com aquele ritmo frenético:
“Me sinto como se fosse uma porcaria de uma bola de
pingue-pongue, quicando de um lado para o outro. Ficam
me puxando de todos os lados, tenho a sensação de que
o mundo enlouqueceu”. A agenda frenética significava
que por vezes Hunt conversava com dez jornalistas num
só dia, e era atirado de lá para cá pela assessoria de
imprensa da Marlboro. Os profissionais de comunicação
da empresa sabiam que a marca estava no auge e que
aquele era o momento de colher os benefícios da
situação. Consequentemente, várias entrevistas
exclusivas com James Hunt começaram a aparecer em
todo o mundo, e sua imagem estampou inúmeras capas
de revista.
Mas o grande acontecimento ainda estava por vir. O
único prêmio que Hunt realmente desejava ganhar era o
de Personalidade Esportiva do Ano da BBC. Jackie
Stewart e Graham Hill tinham sido agraciados antes e ele
queria o troféu desesperadamente. Nesse caso, não
havia hipótese de aparecer de jeans e camiseta, e ele
usou um elegante paletó de seda roxa e uma camisa
branca de gola rulê, numa combinação que estava na
moda à época.
Hunt tomou seu lugar no Centro Televisivo da BBC para
conhecer o resultado, e era sem dúvida o grande herói
britânico e o franco favorito ao prêmio. No entanto, a
exemplo do que aconteceria 34 anos mais tarde com
Lewis Hamilton, ele ficou visivelmente surpreso ao ouvir
quando chamaram o nome do patinador olímpico John
Curry. Mais tarde, Hunt perguntou a Jonathan Martin,
produtor da BBC: “Por que não ganhei? Não entendo”.
Martin respondeu: “James, as mulheres votaram em
Curry — elas gostam dele”. Hunt olhou para Martin e
disse: “E elas não gostam de mim?”. Ele ficou ofendido e
não entendeu como um campeão mundial de Fórmula 1
poderia perder para um patinador.
Sua sorte foi melhor na Associação dos Cronistas
Esportivos, que o elegeu Esportista do Ano do Daily
Express . Hunt foi recebido por trezentas pessoas ao
chegar para a cerimônia de premiação no hotel Savoy.
Todos os presentes à festa lembram de Jane Birbeck
vestida para matar, num deslumbrante longo que
revelava quase tudo.
Àquela altura, Hunt já estava exausto, e suas lendárias
reservas de energia haviam sido esgotadas. Ele disse:
“Trabalhei por tanto tempo para conquistar liberdade
pessoal e agora parece que ela desapareceu. Eu
simplesmente não sou mais dono de mim”.
Em meados de dezembro, ele foi para Paris com John
Hogan, para a premiação da FIA, na qual os troféus do
campeonato eram entregues oficialmente aos pilotos
vencedores. E assim, no dia 17 de dezembro, Hunt
finalmente pôs as mãos no troféu de campeão mundial,
com seu nome gravado numa placa, onde permaneceria
para sempre.
Ele foi o 37º vencedor, e não poderia ter desfrutado
mais da conquista.
31
Postscriptum

James Hunt e Niki Lauda


1976-2011

Para Niki Lauda, a temporada de 1976 não girou em


torno da acirrada batalha contra James Hunt pelo título
mundial, e sim de seu acidente e da recuperação.
No entanto, não havia dúvidas de que ele se
decepcionou quando perdeu para Hunt; Lauda acreditava
que, não fosse pelo acidente, teria sido campeão mundial
novamente.
A Ferrari não divulgou nenhum pronunciamento oficial
sobre as causas do acidente. Ermanno Cuoghi, mecânico-
chefe de Lauda, foi o único que arriscou uma explicação.
Já Lauda declarou: “Não me lembro de nada. Nada
mesmo. Só de um grande buraco negro”.
Depois de receber muitos enxertos, o rosto de Lauda
ficou razoavelmente apresentável, e as pálpebras foram
reconstruídas por cirurgia plástica. Mas algumas
cicatrizes profundas permaneceram, e não se fez
qualquer tentativa de substituir a parte que faltava em
sua orelha direita. Lauda sempre brincou dizendo que a
falha facilitava na hora de falar ao telefone.
O austríaco sempre se disse despreocupado com as
alterações físicas em seu rosto e em seu corpo: “Meu
talento para ignorar minhas ­emoções e manter distância
e objetividade foi de grande valia. Não fazia sentido ficar
complexado por ter perdido meia orelha. Olhe bem para
si mesmo no espelho: é você, é isso o que você é. Se as
pessoas não gostarem de você assim, talvez seja melhor
deixá-las de lado. Não vou fazer cirurgia estética. Desde
que elas funcionem sem problemas, não acho
necessário”.
Tudo indicava que o acidente não tivera impactos
duradouros sobre o piloto, embora ele tenha admitido
não estar tão seguro sobre os efeitos psicológicos. Desde
então, Lauda teve apenas um flashback do episódio: foi
em 1984, quando fumou sem saber um cigarro de
maconha e teve alucinações e memórias das chamas.
Naquele momento, ele viu uma imagem completa e
precisa do que aconteceu depois do acidente, e a cena
se desenrolou novamente em sua cabeça. Ele relembrou:
“De repente, eu vi Nürburgring e a unidade de terapia
intensiva”.
Na temporada de 1977, ele continuou com a Ferrari e
venceu o campeonato mundial novamente — dessa vez
com relativa facilidade. Mas a relação entre Lauda e Enzo
Ferrari foi encerrada no momento em que Carlos
Reutemann foi contratado pela escuderia após o
acidente. Por isso, quando Bernie Ecclestone ofereceu 1
milhão de dólares para que Lauda pilotasse pela
Brabham-Alfa Romeo em 1978, o piloto aceitou na hora.
À exceção de faíscas de brilhantismo e do breve
aparecimento do famoso carro-ventilador da Brabham,
aquele foi um erro na carreira de Lauda que
provavelmente lhe custou mais dois títulos mundiais —
embora ele tenha ficado muito rico. Lauda passou dois
anos na Brabham, cansou de não ganhar e decidiu se
aposentar repentinamente no meio do Grande Prêmio do
Canadá, aos 29 anos. Por ironia do destino, ele deixou a
equipe no momento em que Ecclestone se livrou do
motor Alfa Romeo e passou a usar um Ford Cosworth,
que colocou a Brabham de volta no páreo.
Lauda precisou de cada centavo ganho com a Fórmula
1 para lançar a própria companhia aérea, a Lauda Air. No
dia em que se aposentou, ele pegou um avião para a
Califórnia e começou a negociar a compra de um DC10
McDonnell Douglas novinho.
Lauda expandiu a empresa e encomendou também
Boeings. Em 1982, já tinha gasto tudo o que ganhara na
Fórmula 1 — e um pouco mais.
Aos 33 anos, ele tentou voltar, e encontrou alguns
interessados em recebê-lo — principalmente John Hogan,
da Marlboro, e Ron Dennis. Naquele momento, os dois
haviam comprado de Teddy Mayer a escuderia McLaren.
Acredita-se que Hogan e Dennis tenham desembolsado
2,4 milhões de dólares por ano para que Lauda repetisse
seu papel de piloto principal da equipe, a princípio ao
lado de John Watson, e depois com Alain Prost.
Foi mais um período de sucesso. Embora não estivesse
mais no auge, Lauda ainda era bom o bastante para
vencer mais um campeonato mundial — o terceiro de sua
carreira — em 1984. Continuou correndo até 1985,
quando finalmente aposentou-se definitivamente.
Lauda retomou as atividades da companhia aérea, que
passava por mais uma fase de bonança, e tornou-se
também consultor da Ferrari, à época numa fase de
estagnação. Trabalhou com afinco durante mais de dez
anos para transformar a Lauda Air em uma grande
empresa. No final das contas, a empreitada foi destruída
por escaramuças internas, e Lauda acabou afastado da
própria empresa quando a Austrian Airlines assumiu o
controle do grupo, em 1999. No ano 2000, ele vendeu
todas as suas ações.
Ao longo de todo esse período, Lauda jamais perdeu o
contato com a Fórmula 1, e trabalhou regularmente como
comentarista para a emissora alemã de televisão RTL.
Em 2001, a escuderia de Fórmula 1 Jaguar tomou a
surpreendente decisão de contratá-lo como dirigente,
com um salário de 4 milhões de dólares por ano, num
cargo que Lauda manteve por dois anos até ser
destituído por um “golpe de estado” interno.
Durante todas essas aventuras, Lauda foi se afastando
da esposa Marlene. O casal se separou em 1991, de
maneira similar à separação de Lauda e Mariella, em
1975. Lauda e Marlene tiveram dois filhos, Mathias e
Lukas, mas a paixão foi esmaecendo. O acidente havia
transformado o relacionamento do casal em algo
especial, mas Lauda terminou o casamento com frieza,
como fizera com Mariella.
O piloto falou com franqueza sobre o fim da relação, e
descreveu como tudo havia terminado após uma
estranha conversa com Marlene na casa da família na
Espanha. Ele lembrou: “Chamei-a [Marlene] para
caminhar e disse: ‘Olha, acho melhor a gente se separar’,
e ela respondeu: ‘Acho que é uma boa ideia’”. Lauda
esperava uma reação mais exaltada, e admitiu ter sido
pego de surpresa. Ele reagiu dizendo: “Sério?”, ao que
ela respondeu: “Tenho minha vida”. Então ele disse:
“Tudo bem, diga o que você quer. Dou o que você
quiser”.
Ela fez exigências modestas: “Quero a casa, o jumento,
o gato, o cachorro e as três galinhas”. Àquela altura,
Lauda já estava irritado com a facilidade com que ela
encarava aquilo tudo. Ele tinha esperado uma briga e
apelos escandalosos. O piloto respondeu: “Que se foda,
pegue o que quiser. Estou cagando”.
Tempos depois, Lauda confidenciou a John Hogan — o
mesmo homem em quem confiara para ajudá-lo a se
casar tantos anos antes: “Ah, os cachorros, cavalos,
gatos e o jumento, essa merda toda, isso me deixou
louco. Aí me dei conta de que tinha ficado com duas
casas na Áustria, umas porras de aviões, carros, toda
essa droga que eu nem queria. E ela ficou com tudo o
que eu realmente queria”. Foi uma ­reação surpreendente
ao fim de um relacionamento que, um dia, havia
representado tudo para o piloto. Contudo, o mesmo já
tinha acontecido com Mariella.
Lauda decidiu então seguir a cartilha de James Hunt:
transformou-se num playboy que corria atrás de meninas
em inferninhos da Europa. Lauda passou os quinze anos
seguintes revivendo uma juventude que não havia
desfrutado. Ele também fez planos para lançar uma nova
companhia aérea inspirada no modelo de baixo custo da
Southwestern Airlines.
Em 2003, comprou a falida Aero Lloyd, e mudou o nome
da empresa para FlyNiki. Para financiar a empreitada,
formou uma joint venture com a Air Berlin, e cada uma
das partes possuía metade das ações. A empresa
cresceu rápido: atualmente, oferece voos a partir do
Aeroporto Internacional de Viena, tem uma frota de
quatorze jatos Airbus e sete modelos 190 da Embraer, e
conta com 650 funcionários em tempo integral.
Uma de suas decepções foram os dois filhos, que
tentaram carreiras como pilotos, mas jamais
conseguiram registrar boas velocidades, e acabaram
desistindo.
Os dias de playboy de Niki Lauda chegaram ao fim
quando ele se apaixonou por uma comissária de bordo
de sua empresa, Birgit Wetzinger. Ela doou um rim ao
piloto — órgão de que ele precisava, ainda num reflexo
do acidente. Em 2008, eles tiveram um casal de gêmeos
e se casaram oficialmente em 2009.
Com a vida profissional e pessoal de volta aos eixos,
Lauda sossegou. Hoje, aos 63 anos, tem uma rotina
tranquila e sem incidentes.
Mas não foi assim com James Hunt, que parecia fadado
a não chegar à velhice. Ele venceu o campeonato
mundial e foi como se parte do fogo tivesse se apagado
em suas entranhas.
A temporada de Fórmula 1 de 1977 não foi boa para ele
desde o início. A nova McLaren-Ford M26 nunca se
equiparou ao modelo M23. Foram precisos seis meses
para transformar o M26 num carro vencedor — e, àquela
altura, a briga pelo título já estava decidida. Mesmo
assim, Hunt teve uma vitória memorável em julho, no
Grande Prêmio da Inglaterra, em Silverstone. No final da
temporada, depois de meses de desempenho fraco, ele
havia se restabelecido como o mais rápido das pistas:
venceu duas das três últimas provas nos Estados Unidos
e no Japão, e terminou o campeonato em quinto lugar. Se
a competição tivesse sido decidida com base na segunda
metade da ­temporada, ele teria sido campeão de novo.
No entanto, os acontecimentos se desenrolaram de uma
forma que fez Niki Lauda recobrar a coroa.
Hunt chegou a 1978 com esperanças reais de ser
campeão novamente. Mas não seria assim. Aquele foi o
ano do “efeito solo”: o M26 ficou obsoleto e nunca mais
voltou a vencer. Hunt subiu ao pódio uma única vez, na
França. Ele marcou apenas oito pontos no campeonato.
A última temporada do piloto na McLaren sofreu de
perto o impacto do acidente fatal envolvendo Ronnie
Peterson no Grande Prêmio da Itália, pelo qual Hunt foi
parcialmente responsável. Tempos depois, ele colocou a
culpa pela colisão no jovem piloto italiano Ricardo
Patrese, dando início a uma rusga que duraria o resto da
vida. Mas as imagens registradas em vídeo e reveladas
posteriormente deixaram claro que Hunt era tão culpado
pelo acidente quanto Patrese.
Desiludido com a McLaren, ele recebeu uma oferta de
salário de 1 milhão de dólares e mudou-se para a
escuderia de Walter Wolf em 1979 — a rigor, tratava-se
da antiga equipe da Hesketh. Mas o carro da Wolf,
projetado por Harvey Postlethwaite (ex-designer da
Hesketh), era péssimo. Depois de receber a primeira
metade de seu milhão de dólares, Hunt anunciou uma
repentina aposentadoria no meio da temporada, durante
o Grande Prêmio de Mônaco.
A aposentadoria foi um equívoco. Hunt pensou em
voltar várias vezes, mas jamais retornou de fato às
pistas. Em vez disso, acabou virando comentarista da
BBC, num papel que manteve ao longo de treze anos, até
morrer. Os espectadores gostavam muito de Hunt — e
embora no início a combinação com o narrador Murray
Walker tenha sido complicada, o público acabou
adorando a dupla. Com o tempo, Hunt ficou mais
conhecido como comentarista esportivo do que como
piloto.
Dois anos depois de se aposentar, ele desistiu das
isenções fiscais e voltou a morar na Grã-Bretanha.
Comprou uma casa no verdejante bairro de Wimbledon,
nas cercanias de Londres. Essa aposentadoria teve três
marcas: dinheiro, mulheres e o cachorro Oscar. Hunt‐ ­
estabeleceu um elo muito próximo com o pastor alemão,
e os dois eram presença conhecida nos arredores de
Londres.
A vida pessoal de Hunt foi ficando cada vez mais
conturbada. Embora tenha passado seis anos com Jane
Birbeck, seu nome foi associado a uma sucessão de
beldades, que ele arrastava para incontáveis eventos
sociais. Hunt sempre gostou de comparecer a ocasiões
formais descalço e de jeans. O namoro com Jane durou
seis anos, mas ela sabia que o parceiro era incapaz de
ser fiel. Não raro, ela abria um jornal ou uma revista e
dava de cara com uma foto do namorado abraçado a
uma mulher glamorosa.
Naquele período, Hunt teve vários relacionamentos
comentados — incluindo um com a supermodelo
Valentine Monnier. Valentine foi uma das grandes rivais
de Jane, que demorou para se habituar à infidelidade
crônica do namorado. Hunt tentava esconder dela suas
traições, mas tinha casos demais. Jane nunca falou
abertamente sobre a situação, mas com frequência era
incapaz de disfarçar a decepção: ela aturou humilhações
consideráveis, e muitas vezes públicas.
Com o tempo, os dois acabaram chegando a uma
espécie de felicidade doméstica, prejudicada pelos
frequentes abortos sofridos por ela. A princípio, os
abortos uniram o casal, e muita gente afirma que os anos
ao lado de Jane foram os mais felizes para Hunt. Uma
dessas pessoas é David Gray, grande amigo do piloto.
Gray relembra: “Os dois eram muito divertidos juntos,
muito mesmo. Era tudo divertido, e ele foi extremamente
leal a ela”.
Depois de terminar a relação com Jane, Hunt deu a ela
o apartamento onde moravam e garantiu-lhe uma
situação segura.
Hunt conheceu então uma moça comunicativa
chamada Sarah Lomax, por quem se apaixonou e com
quem se casou. Eles tiveram dois filhos: Freddie e Tom. A
relação, porém, era complicada e turbulenta, envolvia
grandes quantidades de álcool e estava fadada a
terminar em divórcio. Hunt continuou sendo um
consumidor contumaz de bebidas alcoólicas e cigarro,
bem como de cocaína e maconha.
Na época desse segundo divórcio, ele lutou contra a
depressão e o alcoolismo. Também passou por graves
problemas financeiros, já que Sarah ficou com tudo na
separação. Antes disso, Hunt já tinha perdido muito
dinheiro no mercado de seguros do Lloyds.
Entretanto, ele soube encarar com elegância a nova
vida frugal: trocou sua Mercedes por uma perua Austin
A35 e pôs fim à vida social caótica, numa iniciativa que
incluiu parar de beber. Sempre que possível, circulava
pelas ruas de Londres de bicicleta. Àquela altura, já era
um comentarista respeitado e muito bem pago pela BBC.
James Hunt e Murray Walker se transformaram numa
instituição nacional.
No fim da vida, Hunt conheceu Helen Dyson, uma
artista em início de carreira. Ela foi morar com ele e
consta que Hunt a pediu em casamento na véspera de
sua morte.
James Hunt morreu vítima de um infarto, aos 45 anos,
na manhã de 15 de junho de 1993, em sua casa em
Wimbledon. Sua morte, amplamente atribuída a seu
pregresso estilo de vida desregrado, foi destaque em
todos os jornais do dia. Por ironia do destino, Hunt não
bebia mais quando morreu, nem fumava ou usava
drogas. Ele foi cremado em Putney Vale e uma cerimônia
em sua homenagem foi realizada em Londres no final
daquele ano. Durante a cerimônia, chamou a atenção o
número de mulheres de certa idade sentadas nos bancos
da igreja.
Agradecimentos

Um livro como este deve muita coisa a muita gente. No


entanto, como em qualquer livro sobre automobilismo
cuja ação se passa nessa era, minha maior dívida é com
John Hogan. John pôde observar tanto Niki Lauda quanto
James Hunt de um ponto de vista privilegiado ao longo
de 1976; foi mentor, guru, principal patrocinador e
melhor amigo de ambos durante aquela notável
temporada.
Acho que John realmente sabe melhor do que qualquer
outra pessoa viva o que aconteceu em 1976. E fico
extremamente feliz por ele ter confiado a mim detalhes e
acontecimentos emocionantes há tanto tempo
esquecidos.
Posso afirmar também que, sem John, não teria havido
James Hunt. Foi John quem o criou, alimentou,
desenvolveu e salvou de si mesmo quando ele precisou
ser salvo — o que ocorreu com alguma frequência,
conforme pude observar.
Da mesma maneira, Niki sempre pedia ajuda a John
quando tinha problemas, ou quando precisou sair dos
buracos que insistiu em cavar para si em alguns
momentos de 1976.
Os relatos de John sobre aquele ano ajudaram a
derrubar mitos envolvendo James e Niki — e eram
muitos. Os dois pilotos tiveram a sorte de contar com a
sabedoria desse amigo, que estava sempre por perto.
Outro homem com papel importante naquela
temporada foi Bernie Ecclestone. Ele esteve próximo de
ambos os pilotos, ainda que não da mesma maneira que
John Hogan. Bernie queria que James e Niki ­pilotassem
para a escuderia Brabham em 1976, e fez grandes
esforços para que isso ocorresse. Entretanto, apesar de
ser um homem acostumado a conseguir o que queria,
Bernie fracassou duplamente naquela ocasião. Tivesse
ele vencido, a história seria bem diferente — e é preciso
agradecer-lhe por esse fracasso. Caso contrário, é bem
possível que as emoções de 1976 nos tivessem sido
negadas.
Tenho também de agradecer aos autores que me
antecederam, principalmente Gerald Donaldson e o
falecido Christopher Hilton — um grande homem. A
morte de Chris, em 2012, foi uma triste perda para a
comunidade da Fórmula 1. Seus livros Portrait of a
Champion [Retrato de um campeão] e Memories
[Memórias] me ajudaram muito. Este livro deve muito à
contribuição de Chris para a história do automobilismo.
Sou também profundamente grato a Andrew Frankl,
cofundador da Car Magazine . De todas as pessoas que
conheço, Andrew tem as melhores memórias sobre os
acontecimentos do Grande Prêmio da Inglaterra de 1976,
no circuito de Brands Hatch. Suas lembranças daquele
dia extraordinário dão vida a um capítulo da história que,
de outro modo, dependeria de fontes menos confiáveis,
vívidas e visuais.
Da mesma maneira, a visão de Philippe Gurdjian sobre
a personalidade de James e Niki foi imensamente valiosa.
Poucos conhecem a importante contribuição de Philippe
aos bastidores da Fórmula 1 ao longo dos anos. Tenho a
sorte de ser uma dessas pessoas, e James e Niki também
estão entre os que se beneficiaram disso.
Stirling Moss estava no olho do furacão em 1976,
trabalhando para a televisão norte-americana. Ele
também era bem próximo de James Hunt, e foi um prazer
incluir neste livro suas memórias sobre os bastidores
daquela temporada.
Andrew Marriott foi outro que acompanhou Hunt de
perto em 1976. Como sempre, ele testemunhou
episódios que muita gente não viu, e vários deles
ajudaram a tecer a trama deste livro.
John Watson, é claro, foi meu principal guia pelas
carreiras de James e Niki na Fórmula 1, com seu olhar por
dentro dos acontecimentos. Ele estava lá, com a mão na
massa, e suas lembranças têm um valor inestimável.
Além disso, John sabe tudo de automobilismo: conforme
qualquer conhecido seu confirma, ele tem opiniões muito
particulares e diretas — e ai de quem discordar delas.
Felizmente, suas ideias quase sempre coincidiram com as
minhas, o que fez dele um ótimo colaborador. Sua
grande contribuição é o tempo que está disposto a ceder
a jornalistas e escritores, e o esforço que dedica a
responder a nossas perguntas.
Max Mosley também foi muito próximo de James e Niki,
e tem um olhar único sobre aquele período no início dos
anos 1970, quando ambos eram novatos batalhando
para vencer. Max, James e Niki tinham relações fora do
comum; juntos, os três passaram por bons e maus
bocados para galgar os degraus do mundo das corridas.
Hoje, já aposentado de seus pesados deveres, Max pode
contar como as coisas realmente aconteceram, de um
jeito que talvez não fosse possível no passado.
Peter Collins é um admirador das conquistas de James
Hunt e Niki Lauda, e é capaz de analisar como ninguém
as situações da Fórmula 1. Aqueles que me conhecem
sabem como valorizo as opiniões de Peter.
Os leitores dos meus livros anteriores sabem também
que este é o mais curto que escrevi até hoje. Isso ocorre
apenas porque a obra narra a história de um único ano e,
portanto, é bastante concentrada. O livro pode ser curto,
mas os esforços dedicados a ele foram imensos e eu não
poderia encerrar esta seção sem agradecer ao pessoal
que trabalhou comigo.
Ania Grzesik ocupou-se do design , como faz com todos
os meus livros, e Kiran Toor, nossa principal editora
assistente, cuidou das palavras, conforme faz sempre.
Agradeço também a John Blunsden, meu guru, pelos
sábios conselhos editoriais. Com poucas palavras, John é
capaz de garantir uma economia de milhares de libras.
No caso deste livro, decidi trabalhar exclusivamente
com fotografias de Rainer Schlegelmilch. Rainer é o
principal fotógrafo da Fórmula 1 desde que David Phipps
se aposentou. Na verdade, não seria correto descrever
Rainer como um fotógrafo: ele é um artista. Suas fotos se
assemelham a pinturas, tal o cuidado dedicado a cada
uma delas. Qualquer pessoa que tenha observado seu
trabalho é capaz de perceber isso sem que seja
necessário explicar. Agradeço também a Stefano
Luzzatto e Boris Schlegelmilch por cuidarem dos detalhes
práticos do processo fotográfico.
Martin Bilbie fez um exame minucioso dos apêndices, e
retirou qualquer erro que pudesse estar visível — tarefa
pela qual não tenho como agradecer.
Para encerrar, agradeço imensamente a Stephen
Meakins e Vikki Brice, responsáveis pela revisão final — e
também meus vizinhos na pequena cidade de Castle
Ashby. Como sempre, a prova final do livro só chegou às
mãos deles dias antes de ir para a gráfica, e os dois
enfrentaram a delicada tarefa de garantir que o livro
fosse impresso com a menor quantidade de erros
humanamente possível, contando com um prazo
minúsculo para fazê-lo.
Obrigado a todos pelos esforços tão generosos. Mas,
evidentemente, as palavras que aqui seguem —
incluindo eventuais erros ou omissões — são de minha
inteira responsabilidade.

Tom Rubython
Castle Ashby
Northamptonshire
20 de outubro de 2011
APÊNDICE I
Grande Prêmio do Brasil
Interlagos, 25 de janeiro de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

1 Niki Lauda Ferrari 312T/76 40 2º - 2m 32s52

2 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford 007 40 9º - 2m 34s49

12º - 2m
3 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 40
34s84

Hans-Joachim 14º - 2m
4 March-Ford 761 40
Stuck 35s38

13º - 2m
5 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford 007 40
35s02

6 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 40 6º - 2m 33s59

7 Clay Regazzoni Ferrari 312T/76 40 4º - 2m 33s17

20º - 2m
8 Jacky Ickx Wolf Williams-Ford FW05 39
37s62

17º - 2m
9 Renzo Zorzi Wolf Williams-Ford FW04 39
37s07

Martini Brabham-Alfa Romeo 10º - 2m


10 Carlos Pace 39
BT45 34s54

19º - 2m
11 Ingo Hoffman Copersucar Fittipaldi-Ford FD 39
30s25

Martini Brabham-Alfa Romeo 15º - 2m


12 Carlos Reutemann 37
BT45 35s97

13 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 37 5º - 2m 33s33

22º - 2m
14 Lella Lombardi Lavazza March-Ford 761 36
40s95

Aband. Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 33 3º - 2m 32s66

Pole - 2m
Aband. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 32
32s50
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 15 7º - 2m 33s63

11º - 2m
Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 14
34s67

Aband. Ronnie Peterson John Player Special Lotus-Ford 77 10 18º - 2m 3719

16º - 2m
Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 6
36s01

First National City Penske-Ford


Aband. John Watson 2 8º - 2m 33s87
PC3

21º - 2m
Aband. Ian Ashley Stanley BRM P201B 2
40s94
Volta mais rápida: Jean-Pierre Jarier, na 31ª volta: 2m 35s07

Pontuação após a 1ª etapa


1 Niki Lauda 9

2 Patrick Depailler 6

3 Tom Pryce 4

4 Hans-Joachim Stuck 3

5 Jody Scheckter 2

6 Jochen Mass 1
APÊNDICE II
Grande Prêmio da África do Sul
Kyalami, 6 de março de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

1 Niki Lauda Ferrari 312T/76 78 2º - 1m 16s20

Pole - 1m
2 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 78
16s10

3 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 78 4º - 1m 16s45

12º - 1m
4 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P007 78
17s18

5 John Watson First National City Penske-Ford PC3 77 3º - 1m 16s43

13º - 1m
6 Mario Andretti Vel´s Parnelli-Ford VPJ4B 77
17s25

7 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 77 7º - 1m 16s84

8 Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 77 5º - 1m 16s64

9 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford 007 77 6º - 1m 16s77

23º - 1m
10 Bob Evans John Player Special Lotus-Ford 77 77
19s35

20º - 1m
11 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 77
18s36

Hans-Joachim 17º - 1m
12 March-Ford 761 76
Stuck 17s44

22º - 1m
13 Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 76
18s82

John Day Model Cars Ensign-Ford 18º - 1m


14 Chris Amon 76
N174 17s73

24º - 1m
15 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 74
22s11

19º - 1m
16 Jacky Ickx Wolf Williams-Ford FW05 73
18s13
21º - 1m
17 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 70
18s40

Aband. Clay Regazzoni Ferrari 312T/76 52 9º - 1m 16s94

Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 49 8º - 1m 16s88

15º - 1m
Aband. Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 28
17s35

14º - 1m
Aband. Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 22
17s26

25º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 18
22s70

11º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 16
17s09

10º - 1m
Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 15
17s03

16º - 1m
Aband. Ian Scheckter Lexington Tyrrell-Ford 007 0
17s40
Volta mais rápida: Niki Lauda, na 6ª volta: 1m 17s97

Pontuação após a 2ª etapa


1 Niki Lauda 18

2 Patrick Depailler 6

= James Hunt 6

4 Jochen Mass 5

= Jody Scheckter 5

6 Tom Pryce 4

7 Hans-Joachim Stuck 3

8 John Watson 2

9 Mario Andretti 1
APÊNDICE III
Grande Prêmio do Oeste dos Estados Unidos
Long Beach, 28 de março de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 Clay Regazzoni Ferrari 312T/76 80
23s099

4º - 1m
2 Niki Lauda Ferrari 312T/76 80
23s647

2º - 1m
3 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford 007 80
23s292

12º - 1m
4 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 80
24s442

14º - 1m
5 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 80
24s541

Emerson 16º - 1m
6 Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 79
Fittipaldi 24s779

7º - 1m
7 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 79
24s163

17º - 1m
8 Chris Amon Norris Industries Ensign-Ford N174 78
24s803

13º - 1m
9 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 77
24s472

6º - 1m
10 Ronnie Peterson March-Ford 761 77
24s157

19º - 1m
Aband. Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 70
25s214

9º - 1m
Aband. John Watson First National City Penske-Ford PC3 69
24s170

11º - 1m
Aband. Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford 007 34
24s344

Aband. Tom Pryce Shadow-Ford DN5 32 5º - 1m


24s677

American Racing Wheels Vel´s 15º - 1m


Aband. Mario Andretti 15
Parnelli-Ford 24s566

3º - 1m
Aband. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 3
23s420

Hans-Joachim 18º - 1m
Aband. Theodore March-Ford 761 2
Stuck 25s122

20º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 0
25s277

Carlos 10º - 1m
Aband. Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 0
Reutemann 24s265

8º - 1m
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 0
24s168
Volta mais rápida: Clay Regazzoni, na 61ª volta: 1m 23s076
Não se classificaram: Michel Leclere, Ingo Hoffman, Arturo Merzario, Bob Evans,
Jacky Ickx, Harald Ertl, Brett Lunger

Pontuação após a 3ª etapa


1 Niki Lauda 24

2 Patrick Depailler 10

3 Clay Regazzoni 9

4 Jochen Mass 7

5 James Hunt 6

6 Jody Scheckter 5

7 Tom Pryce 4

8 Hans-Joachim Stuck 3

= Jacques Laffite 3

10 John Watson 2

11 Mario Andretti 1

= Emerson Fittipaldi 1
APÊNDICE IV
Grande Prêmio da Espanha
Jarama, 2 de maio de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 75
18s52

2 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 75 2º - 1m 18s84

3 Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 74 7º - 1m 19s35

12º - 1m
4 Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 74
20s12

10º - 1m
5 Chris Amon Ensign-Ford N176 74
19s83

11º - 1m
6 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 74
19s93

21º - 1m
7 Jacky Ickx Wolf Williams-Ford FW05 74
21s13

22º - 1m
8 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 74
21s19

20º - 1m
9 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 74
20s87

23º - 1m
10 Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 73
21s29

11 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 72 5º - 1m 19s15

12 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 72 8º - 1m 19s39

HB Bewaking Boro-Ensign-Ford 24º - 1m


13 Larry Perkins 72
N175 21s52

Aband. Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 65 4º - 1m 19s14

15º - 1m
Aband. Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 61
20s21

Aband. Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford 007 53 14º - 1m


20s19

13º - 1m
Aband. John Watson First National City Penske-Ford PC3 51
20s17

18º - 1m
Aband. Arturo Merzario Ovoro March-Ford 761 36
20s63

Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 34 9º - 1m 19s59

Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 25 3º - 1m 19s11

Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 21 6º - 1m 19s27

Hans-Joachim 17º - 1m
Aband. March-Ford 761 16
Stuck 20s40

16º - 1m
Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 11
20s34
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 3 19º - 1m 20s71

Volta mais rápida: Jochen Mass, na 52ª volta: 1m 20s93


Não se classificaram: Brett Lunger, Loris Kessel, Emilio Zapico, Emilio Villota,
Harald Ertl, Ingo Hoffman

Pontuação após a 4ª etapa


1 Niki Lauda 33

2 Patrick Depailler 10

3 Clay Regazzoni 9

4 Jochen Mass 7

5 James Hunt 6 (9 pontos subtraídos)

6 Jody Scheckter 5

7 Tom Pryce 4

= Gunnar Nilsson 4

9 Carlos Reutemann 3

= Hans-Joachim Stuck 3

= Jacques Laffite 3

12 John Watson 2

= Chris Amon 2

14 Mario Andretti 1
= Emerson Fittipaldi 1

= Carlos Pace 1
APÊNDICE V
Grande Prêmio da Bélgica
Zolder, 16 de maio de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 70
26s55

2 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 70 2º - 1m 26s60

3 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 70 6º - 1m 27s14

4 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 70 7º - 1m 27s19

16º - 1m
5 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 69
28s44

18º - 1m
6 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 69
28s50

17º - 1m
7 John Watson First National City Penske-Ford PC4 69
28s44

HB Bewaking Boro-Ensign-Ford 20º - 1m


8 Larry Perkins 69
N175 28s81

14º - 1m
9 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 69
28s38

13º - 1m
10 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 68
28s37

25º - 1m
11 Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 68
29s46

23º - 1m
12 Loris Kessel Tissot/Thursdays Brabham BT44B 63
29s09

26º - 1m
Aband. Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 62
29s76

Aband. Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 58 9º - 1m 27s66

Aband. Chris Amon Ensign-Ford N176 51 8º - 1m 27s54

Aband. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 35 3º - 1m 26s74


Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford 15º - 1m
Aband. 33
Stuck 761 28s41

24º - 1m
Aband. Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 31
29s40

Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 29 4º - 1m 26s91

11º - 1m
Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 28
27s75

19º - 1m
Aband. Patrick Neve Tissot/ Thursdays Brabham BT44B 24
28s80

21º - 1m
Aband. Arturo Merzario Ovoro March-Ford 761 21
28s84

12º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 17
28s30

10º - 1m
Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 16
27s72

22º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 7
28s99

Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 6 5º - 1m 26s93


Volta mais rápida: Niki Lauda: 1m 25s98
Não se classificaram: Emerson Fittipaldi, Jacky Ickx, Guy Edwards

Pontuação após a 5ª etapa


1 Niki Lauda 42

2 Clay Regazzoni 15

3 Patrick Depailler 10

4 Jochen Mass 8

= Jody Scheckter 8

6 Jacques Laffite 7

7 James Hunt 6 (9 pontos subtraídos)

8 Gunnar Nilsson 4

= Tom Pryce 4

10 Carlos Reutemann 3

= Hans-Joachim Stuck 3
12 Chris Amon 2

= John Watson 2

= Alan Jones 2

15 Carlos Pace 1

= Mario Andretti 1

= Emerson Fittipaldi 1
APÊNDICE VI
Grande Prêmio de Mônaco
Mônaco, 30 de maio de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 78
29s65

2 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 78 5º - 1m 30s55

3 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 78 4º - 1m 30s33

Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford


4 77 6º - 1m 30s60
Stuck 761

11º - 1m
5 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 77
31s67

6 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 77 7º - 1m 31s39

15º - 1m
7 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 77
31s98

8 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 76 9º - 1m 31s65

13º - 1m
9 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 76
31s81

17º - 1m
10 John Watson First National City Penske-Ford PC3 76
31s14

18º - 1m
11 Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 76
32s17

12 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 75 8º - 1m 31s46

12º - 1m
13 Chris Amon F&S Properties Ensign-Ford N176 74
31s75

14 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 73 2º - 1m 29s91

16º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 39
32s10

Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 26 3º - 1m 30s08


Aband. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 24 14º - 1m
31s88

10º - 1m
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 9
31s47

19º - 1m
Aband. Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 1
32s33

20º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 0
32s43
Volta mais rápida: Clay Regazzoni, na 60ª volta: 1m 30s28
Não se classificaram: Jacky Ickx, Henri Pescarolo, Larry Perkins, Harald Ertl,
Arturo Merzario

Pontuação após a 6ª etapa


1 Niki Lauda 51

2 Clay Regazzoni 15

3 Patrick Depailler 14

= Jody Scheckter 14

5 Jochen Mass 10

6 Jacques Laffite 7

7 James Hunt 6 (9 pontos subtraídos)

= Hans-Joachim Stuck 6

9 Tom Pryce 4

= Gunnar Nilsson 4

11 Carlos Reutemann 3

12 Chris Amon 2

= John Watson 2

= Alan Jones 2

= Emerson Fittipaldi 2

16 Carlos Pace 1

= Mario Andretti 1
APÊNDICE VII
Grande Prêmio da Suécia
Anderstorp, 13 de junho de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole -1m
1 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 72
25s659

2 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 72 4º - 1m 26s362

3 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 72 5º - 1m 26s441

4 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 72 7º - 1m 26s773

5 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 72 8º - 1m 26s958

11º - 1m
6 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 72
27s157

7 Ronnie Peterson March-Ford 761 72 9º - 1m 27s040

10º - 1m
8 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 72
27s133

12º - 1m
9 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 71
27s527

15º - 1m
10 Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 71
27s640

13º - 1m
11 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 71
27s568

14º - 1m
12 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 71
27s618

18º - 1m
13 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 71
28s207

19º - 1m
14 Arturo Merzario Ovoro March-Ford 761 70
28s221

24º - 1m
15 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 70
29s343

Aband. Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 54 23º - 1m


29s885

Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford 20º - 1m


Aband. 52
Stuck 761 28s230

Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 45 2º - 1m 26s008

Aband. Chris Amon Ensign-Ford N176 38 3º - 1m 26s163

25º - 1m
Aband. Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 20
29s597

HB Bewaking Boro-Ensign-Ford 22º - 1m


Aband. Larry Perkins 18
N175 28s815

21º - 1m
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 10
28s670

26º - 1m
Aband. Loris Kessel Tissot/Thursdays Brabham BT44B 5
30s020

Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 2 6º - 1m 26s570

16º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 2
27s762

17º - 1m
Aband. John Watson First National City Penske-Ford PC4 0
28s065
Volta mais rápida: Mario Andretti, na 11ª volta: 1m 2s002
Não se classificou: Jac Nelleman

Pontuação após a 7ª etapa


1 Niki Lauda 55

2 Jody Scheckter 23

3 Patrick Depailler 20

4 Clay Regazzoni 16

5 Jochen Mass 10

= Jacques Laffite 10

7 James Hunt 8 (9 pontos subtraídos)

8 Hans-Joachim Stuck 6

9 Gunnar Nilsson 4

= Tom Pryce 4
11 Carlos Reutemann 3

12 Chris Amon 2

= John Watson 2

= Alan Jones 2

= Emerson Fittipaldi 2

16 Carlos Pace 1

= Mario Andretti 1
APÊNDICE VIII
Grande Prêmio da França
Paul Ricard, 4 de julho de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 54
47s89

2 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 54 3º - 1m 48s59

3 John Watson First National City Penske-Ford PC4 54 8º - 1m 49s22

4 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 54 5º - 1m 48s75

5 Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 54 7º - 1m 49s19

6 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 54 9º - 1m 49s63

Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford 17º - 1m


7 54
Stuck 761 50s31

16º - 1m
8 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 54
50s27

20º - 1m
9 Arturo Merzario Ovoro March-Ford 761 54
51s79

10 Jacky Ickx Wolf Williams-Ford FW05 53 19º- 1m 51s41

10º - 1m
11 Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 53
49s79

15º - 1m
12 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 53
50s12

22º - 1m
13 Michel Leclere Wolf Williams-Ford FW05 53
52s29

13º - 1m
14 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 53
50s06

14º - 1m
15 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 53
50s10

23º - 1m
16 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 53
52s41
Penthouse/Rizla Hesketh-Ford 25º - 1m
17 Guy Edwards 53
308D 52s63

26º - 1m
18 Patrick Neve Ensign-Ford N176 53
52s82

19 Ronnie Peterson March-Ford 761 51 6º - 1m 49s07

18º - 1m
Aband. Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 44
51s11

11º - 1m
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 28
49s83

21º - 1m
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 21
52s11

24º - 1m
Aband. Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 19
52s60

Aband. Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 17 4º - 1m 48s69

Aband. Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 8 2º - 1m 48s17

Pole - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 8
49s83

Aband. Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 4 -


Volta mais rápida: Niki Lauda, na 4ª volta: 1m 51s0
Não se classificaram: Damin Magee, Ingo Hoffman, Loris Kessel, Harald Ertl

Pontuação após a 8ª etapa


1 Niki Lauda 55

2 Patrick Depailler 26

3 Jody Scheckter 24

4 James Hunt 17 (9 pontos subtraídos)

5 Clay Regazzoni 16

6 Jochen Mass 10

= Jacques Laffite 10

8 Hans-Joachim Stuck 6

= John Watson 6

10 Gunnar Nilsson 4
= Carlos Pace 4

= Tom Pryce 4

13 Carlos Reutemann 3

= Mario Andretti 3

15 Chris Amon 2

= Alan Jones 2

= Emerson Fittipaldi 2
APÊNDICE IX
Grande Prêmio da Inglaterra
Brands Hatch, 18 de julho de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 76
19s35

2 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 76 8º - 1m 20s31

11º - 1m
3 John Watson First National City Penske-Ford PC4 75
20s41

20º - 1m
4 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 75
21s84

19º - 1m
5 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 75
21s42

21º - 1m
6 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 74
22s06

23º - 1m
7 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 73
22s75

16º - 1m
8 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 73
21s03

24º - 1m
9 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 70
22s72

14º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 67
20s67

Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 60 7º - 1m 20s29

18º - 1m
Aband. Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 55
21s30

Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 47 5º - 1m 20s15

15º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 46
20s99

Aband. Arturo Merzario Ovoro March-Ford 761 39 9º - 1m 20s32


Aband. Bob Evans Tissot/Thursdays Brabham BT44B 24 22º - 1m
22s47

10º - 1m
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 22
20s36

26º - 1m
Aband. Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 16
22s76

Aband. Chris Amon First National Ensign-Ford N176 8 6º - 1m 20s27

Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 4 3º - 1m 19s76

12º - 1m
Aband. Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 1
20s61

Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford 17º - 1m


Aband. 0
Stuck 761 21s20

Penthouse/Rizla Hesketh-Ford 25º - 1m


Aband. Guy Edwards 0
308D 22s76

Desclass. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 76 2º - 1m 19s41

Aband. Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 36 4º - 1m 20s05

13º - 1m
Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 31
20s67
Volta mais rápida: Niki Lauda, na 41ª volta: 1m 19s91
Não se classificaram: Jacky Ickx, Divina Galica, Mike Wilds, Lella Lombardi

Pontuação após a 9ª etapa


1 Niki Lauda 58

2 James Hunt 35

3 Jody Scheckter 30

4 Patrick Depailler 26

5 Clay Regazzoni 16

6 Jochen Mass 10

= Jacques Laffite 10

= John Watson 10

9 Tom Pryce 7

10 Hans-Joachim Stuck 6
11 Carlos Pace 4

= Gunnar Nilsson 4

= Alan Jones 4

14 Mario Andretti 3

= Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

17 Chris Amon 2
APÊNDICE X
Grande Prêmio da Alemanha
Nürburgring, 1º de agosto de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 7m
1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 14
6s5

8º - 7m
2 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 14
12s0

9º - 7m
3 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 14
13s0

Martini Brabham-Alfa Romeo 7º - 7m


4 Carlos Pace 14
BT45 12s0

16º - 7m
5 Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 14
23s0

Martini Brabham-Alfa Romeo 15º - 7m


6 Rolf Stommelen 14
BT45 21s6

First National City Penske-Ford 19º - 7m


7 John Watson 14
PC4 23s5

18º - 7m
8 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 14
23s3

9 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 14 5º - 7m 9s3

14º - 7m
10 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 14
19s9

23º - 7m
11 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 14
30s9

12º - 7m
12 Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 14
16s1

20º - 7m
13 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 14
28s0

Alessandro Pesenti- 26º - 7m


14 Gulf Tyrrell-Ford 007 13
Rossi 48s5
Penthouse / Rizla Hesketh-Ford 25º - 7m
15 Guy Edwards 13
308D 38s6

21º - 7m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 3
28s8

13º - 7m
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 1
17s7

Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 0 3º - 7m 8s8

Martini Brabham-Alfa Romeo 10º - 7m


Aband. Carlos Reutemann 0
BT45 14s9

11º - 7m
Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 0
14s9

Aband. Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 1 2º - 7m 7s4

24º - 7m
Aband. Brett Lunger Campari Surtees-Ford TS19 1
32s7

22º - 7m
Aband. Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 1
30s0

Aband. Hans-Joachim Stuck Jagermeister March-Ford 761 1 4º - 7m 9s1

6º - 7m
Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 1
11s3

17º - 7m
Aband. Chris Amon Ensign-Ford N176 1
23s1
Volta mais rápida: Jody Scheckter, na 13ª volta: 7m 10s8
Não se classificaram: Henri Pescarolo, Lella Lombardi (carro apreendido pela
polícia)

Pontuação após a 10ª etapa


1 Niki Lauda 58

2 James Hunt 44

3 Jody Scheckter 36

4 Patrick Depailler 26

5 Clay Regazzoni 19

6 Jochen Mass 14

7 Jacques Laffite 10
= John Watson 10

9 Carlos Pace 7

= Tom Pryce 7

11 Hans-Joachim Stuck 6

= Gunnar Nilsson 6

13 Alan Jones 4

14 Carlos Reutemann 3

= Mario Andretti 3

= Emerson Fittipaldi 3

17 Chris Amon 2

18 Rolf Stommelen 1
APÊNDICE XI
Grande Prêmio da Áustria
Österreichring, 15 de agosto de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

First National City Penske-Ford


1 John Watson 54 2º - 1m 35s84
PC4

2 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 54 5º - 1m 36s52

John Player Special Lotus-Ford


3 Gunnar Nilsson 54 4º - 1m 36s46
77

Pole - 1m
4 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 54
35s02

John Player Special Lotus-Ford


5 Mario Andretti 54 9º - 1m 36s68
77

6 Ronnie Peterson March-Ford 761 54 3º - 1m 36s34

12º - 1m
7 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 54
37s22

20º - 1m
8 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 53
39s09

22º - 1m
9 Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 52
39s84

16º - 1m
10 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 51
37s62

Alessandro Pesenti- 23º - 1m


11 Gulf Tyrrell-Ford 007 51
Rossi 40s67

24º - 1m
12 Lella Lombardi Lavazza Brabham-Ford BT44B 50
42s25

19º - 1m
Aband. Hans Binder Raiffeisen Ensign-Ford N176 47
38s36

25º - 1m
Aband. Loris Kessel Tissot Brabham-Ford BT44B 44
56s01
Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 43 7º - 1m 36s59

17º - 1m
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 43
37s76

18º - 1m
Aband. Jean-Pierre Jarier Tabatip Shadow-Ford DN5 40
37s88

Martini Brabham-Alfa Romeo


Aband. Carlos Pace 40 8º - 1m 36s66
BT45

15º - 1m
Aband. Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 40
37s60

11º - 1m
Aband. Hans-Joachim Stuck Jagermeister March-Ford 761 26
36s95

13º - 1m
Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 24
37s24

21º - 1m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 17
39s33

Aband. Tom Pryce Tabatip Shadow-Ford DN5 14 6º - 1m 36s56

10º - 1m
Aband. Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 14
36s91

Martini Brabham-Alfa Romeo 14º - 1m


Aband. Carlos Reutemann 0
BT45 37s24
Volta mais rápida: James Hunt: 1m 35s91

Pontuação após a 11ª etapa


1 Niki Lauda 58

2 James Hunt 47

3 Jody Scheckter 36

4 Patrick Depailler 26

5 John Watson 19

6 Clay Regazzoni 16

= Jacques Laffite 16

8 Jochen Mass 14

9 Gunnar Nilsson 10

10 Carlos Pace 7
= Tom Pryce 7

12 Hans-Joachim Stuck 6

13 Mario Andretti 5

14 Alan Jones 4

15 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

17 Chris Amon 2

18 Rolf Stommelen 1

Ronnie Peterson 1
APÊNDICE XII
Grande Prêmio da Holanda
Zandvoort, 29 de agosto de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 75 2º - 1m 21s39

2 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 75 5º - 1m 21s55

3 Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 75 6º - 1m 21s88

4 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 75 3º - 1m 21s55

5 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 75 8º - 1m 21s91

6 Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 75 7º - 1m 21s88

14º - 1m
7 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 75
22s27

16º - 1m
8 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 74
22s51

15º - 1m
9 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 74
22s48

20º - 1m
10 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 74
23s18

22º - 1m
11 Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 74
23s55

Penthouse / Rizla Hesketh-Ford 25º - 1m


12 Rolf Stommelen 72
308D 24s71

11º - 1m
Aband. Jacky Ickx Ensign-Ford N176 66
22s13

21º - 1m
Aband. Bob Hayje F&S Properties Penske-Ford PC3 63
23s26

Aband. Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 53 9º - 1m 22s03

10º - 1m
Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 53
22s06
Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 52 Pole - 1m
21s31

24º - 1m
Aband. Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 49
24s37

Aband. John Watson First National City Penske-Ford PC4 47 4º - 1m 21s62

HB Bewaking Boro-Ensign-Ford 19º - 1m


Aband. Larry Perkins 44
N175 24s37

17º - 1m
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 40
22s55

12º - 1m
Aband. Carlos Reutemann Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 11
22s16

13º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 10
22s16

26º - 1m
Aband. Conny Andersson Chesterfield Surtees-Ford TS19 9
24s74

Hans-Joachim 18º - 1m
Aband. March-Ford 761 9
Stuck 22s59

23º - 1m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 5
24s71
Volta mais rápida: Clay Regazzoni, na 49ª volta: 1m 22s59
Não se classificou: Alessandro Pesenti-Rossi

Pontuação após a 12ª etapa


1 Niki Lauda 58

2 James Hunt 56

3 Jody Scheckter 38

4 Patrick Depailler 26

5 Clay Regazzoni 22

6 John Watson 19

7 Jacques Laffite 16

8 Jochen Mass 14

9 Gunnar Nilsson 10

= Tom Pryce 10
11 Mario Andretti 9

12 Carlos Pace 7

13 Hans-Joachim Stuck 6

14 Alan Jones 4

15 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

17 Chris Amon 2

18 Rolf Stommelen 1

= Ronnie Peterson 1

= Vittorio Brambilla 1
APÊNDICE XIII

Grande Prêmio da Itália


Monza, 12 de setembro de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

First National City March-Ford 8º - 1m


1 Ronnie Peterson 52
761 42s64

9º - 1m
2 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 52
42s96

Pole - 1m
3 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 52
41s35

5º - 1m
4 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 52
42s09

2º - 1m
5 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 52
41s38

4º - 1m
6 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 52
42s06

16º - 1m
7 Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 52
43s94

15º - 1m
8 Tom Pryce Shadow-Ford DN8 52
43s63

7º - 1m
9 Carlos Reutemann Ferrari 312T-2/76 52
42s38

10º - 1m
10 Jacky Ickx Tissot Ensign-Ford N176 52
43s29

First National City Penske-Ford 26º - 1m


11 John Watson 52
PC4 13s95

18º - 1m
12 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 51
44s41
13 Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 51 12º - 1m
43s30

23º - 1m
14 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 50
46s48

20º - 1m
15 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 50
44s57

19º - 1m
16 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 49
44s56

22º - 1m
17 Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 49
45s12

Alessandro Pesenti- 21º - 1m


18 Gulf Tyrrell-Ford 007 49
Rossi 44s62

17º - 1m
19 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 47
44s05

Martini-Brabham-Alfa Romeo 11º - 1m


Aband. Rolf Stommelen 41
BT45 43s29

John Day Model Cars March-Ford 6º - 1m


Aband. Hans-Joachim Stuck 23
761 42s18

14º - 1m
Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 23
43s34

24º - 2m
Aband. James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 11
8s76

HB Bewaking Boro-Ensign-Ford 13º - 1m


Aband. Larry Perkins 8
N175 43s32

Martini Brabham-Alfa Romeo 3º - 1m


Aband. Carlos Pace 4
BT45 41s53

25º - 2m
Aband. Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 2
11s06
Volta mais rápida: Ronnie Peterson, na 50ª volta: 1m 41s3
Não se classificaram: Otto Stuppacher, Guy Edwards, Arturo Merzario

Pontuação após a 13ª etapa


1 Niki Lauda 61

2 James Hunt 56

3 Jody Scheckter 40
4 Clay Regazzoni 28

5 Patrick Depailler 27

6 Jacques Laffite 20

7 John Watson 19

8 Jochen Mass 14

9 Ronnie Peterson 10

= Gunnar Nilsson 10

= Tom Pryce 10

12 Mario Andretti 9

13 Carlos Pace 7

14 Hans-Joachim Stuck 6

15 Alan Jones 4

16 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

18 Chris Amon 2

19 Rolf Stommelen 1

= Vittorio Brambilla 1
APÊNDICE XIV
Grande Prêmio do Canadá
Mosport Park, 3 de outubro de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 80
12s389

2 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 80 4º - 1m 12s837

3 Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 80 5º - 1m 13s028

4 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 80 7º - 1m 13s191

11º - 1m
5 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 80
13s439

12º - 1m
6 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 80
13s500

10º - 1m
7 Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 80
13s438

8 Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 80 6º - 1m 13s060

9 Ronnie Peterson First National City March-Ford 761 79 2º - 1m 12s783

14º - 1m
10 John Watson First National City Penske-Ford PC4 79
13s973

13º - 1m
11 Tom Pryce Shadow-Ford DN5 79
13s665

15º - 1m
12 Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 79
14s397

16º - 1m
13 Jacky Ickx Tissot Ensign-Ford N176 79
14s461

14 Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 79 3º - 1m 12s799

22º - 1m
15 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 78
16s201

16 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 78 20º - 1m


15s652
19º - 1m
17 Larry Perkins Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 78
15s598

18º - 1m
18 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 77
15s113

21º - 1m
19 Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 77
15s846

Penthouse / Rizla Hesketh-Ford 23º - 1m


20 Guy Edwards 75
308D 17s217

Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 43 9º - 1m 13s425

Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 41 17º - 1m 14s47

Hans-Joachim
Aband. John Day Model Cars March 761 36 8º - 1m 13s322
Stuck

24º - 1m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 11
17s288
Volta mais rápida: Patrick Depailler, na 60ª volta: 1m 13s817
Não se classificou: Otto Stuppacher

Pontuação após a 14ª etapa


1 Niki Lauda 64

2 James Hunt 56

3 Jody Scheckter 43

4 Patrick Depailler 33

5 Clay Regazzoni 29

6 Jacques Laffite 20

7 John Watson 19

8 Jochen Mass 16

9 Mario Andretti 13

10 Ronnie Peterson 10

= Gunnar Nilsson 10

= Tom Pryce 10

13 Carlos Pace 7

14 Hans-Joachim Stuck 6
15 Alan Jones 4

16 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

18 Chris Amon 2

19 Rolf Stommelen 1

= Vittorio Brambilla 1
APÊNDICE XV
Grande Prêmio dos Estados Unidos
Watkins Glen, 10 de outubro de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

Pole - 1m
1 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 59
43s622

2 Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 59 2º - 1m 43s870

3 Niki Lauda Ferrari 312T/76 59 5º - 1m 44s257

17º - 1m
4 Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 59
46s067

Hans-Joachim John Day Model Cars March-Ford


5 59 6º - 1m 44s265
Stuck 761

First National City Penske-Ford


6 John Watson 59 8º - 1m 44s791
PC4

14º - 1m
7 Clay Regazzoni Ferrari 312T/76 58
45s534

18º - 1m
8 Alan Jones Durex Surtees-Ford TS19 58
46s402

15º - 1m
9 Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 57
45s646

16º - 1m
10 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 57
45s979

24º - 1m
11 Brett Lunger Chesterfield Surtees-Ford TS19 57
51s373

Penthouse / Rizla Hesketh-Ford 22º - 1m


12 Alex Ribeiro 57
308D 49s669

21º - 1m
13 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 54
49s418

23º - 1m
14 Warwick Brown Wolf Williams-Ford FW05 54
51s124
Aband. Henri Pescarolo Norev Surtees-Ford TS19 48 26º - 2m 5s211

Aband. Tom Pryce Shadow-Ford DN8 45 9º - 1m 45s102

12º - 1m
Aband. Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 34
45s324

Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 34 4º - 1m 44s250

10º - 1m
Aband. Carlos Pace Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 31
45s724

13º - 1m
Aband. Larry Perkins Martini Brabham-Alfa Romeo BT45 30
45s353

11º - 1m
Aband. Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 23
45s311

19º - 1m
Aband. Jacky Ickx Norris Ensign-Ford N176 14
46s605

20º - 1m
Aband. Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 13
46s776

Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 12 3º - 1m 43s941

25º - 1m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 9
44s0932

Aband. Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 7 7º - 1m 44s516


Volta mais rápida: James Hunt, na 11ª volta: 1m 42s851
Não se classificaram: Chris Amon e Otto Stuppacher.

Pontuação após a 15ª etapa


1 Niki Lauda 68

2 James Hunt 65

3 Jody Scheckter 49

4 Patrick Depailler 33

5 Clay Regazzoni 29

6 Jacques Laffite 20

= John Watson 20

8 Jochen Mass 19

9 Mario Andretti 13
10 Ronnie Peterson 10

= Gunnar Nilsson 10

= Tom Pryce 10

13 Hans-Joachim Stuck 8

14 Carlos Pace 7

15 Alan Jones 4

16 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

18 Chris Amon 2

19 Rolf Stommelen 1

Vittorio Brambilla 1
APÊNDICE XVI
Grande Prêmio do Japão
Circuito Internacional de Fuji, 24 de outubro
de 1976

Resultado da corrida
Posição de Posição
Piloto Carro Voltas
chegada no grid

1 Mario Andretti John Player Special Lotus-Ford 77 73 Pole - 1m 1277

13º - 1m
2 Patrick Depailler Elf Tyrrell-Ford P34 72
14s15

3 James Hunt Marlboro McLaren-Ford M23 72 2º - 1m 12s80

20º - 1m
4 Alan Jones McLaren/Durex Surtees-Ford TS19 72
14s60

5 Clay Regazzoni Ferrari 312T-2/76 72 7º - 1m 13s64

16º - 1m
6 Gunnar Nilsson John Player Special Lotus-Ford 77 72
14s35

11º - 1m
7 Jacques Laffite Gitanes Ligier-Matra JS5 72
13s88

22º - 1m
8 Harald Ertl Hesketh-Ford 308D 72
15s26

24º - 1m
9 Noritake Takahara Surtees-Ford TS19 70
15s77

15º - 1m
10 Jean-Pierre Jarier Shadow-Ford DN5 69
14s32

10º - 1m
11 Masahiro Hasemi Kojima-Ford KE007 66
13s88

Aband. Jody Scheckter Elf Tyrrell-Ford P34 58 5º - 1m 13s31

25º - 1m
Aband. Hans Binder Wolf Williams-Ford FW05 49
17s36

14º - 1m
Aband. Tom Pryce Shadow-Ford DN5 46
14s23

Aband. Vittorio Brambilla Beta March-Ford 761 38 8º - 1m 13s72


Hans-Joachim 18º - 1m
Aband. John Day Model Cars March 761 37
Stuck 14s38

12º - 1m
Aband. Jochen Mass Marlboro McLaren-Ford M23 35
14s05

First National City Penske-Ford


Aband. John Watson 33 4º - 1m 13s29
PC4

21º - 1m
Aband. Kazuyoshi Hoshino Uni-Pex Tyrrell-Ford 007 27
14s65

19º - 1m
Aband. Arturo Merzario Wolf Williams-Ford FW05 23
14s41

23º - 1m
Aband. Emerson Fittipaldi Copersucar Fittipaldi-Ford FD04 9
15s20

Martini Brabham-Alfa Romeo


Aband. Carlos Pace 7 6º - 1m 13s43
BT45

Aband. Niki Lauda Ferrari 312T-2/76 2 3º - 1m 13s08

Martini Brabham-Alfa Romeo 17º - 1m


Aband. Larry Perkins 1
BT45 14s38

Aband. Ronnie Peterson March-Ford 761 0 9º - 1m 13s85


Volta mais rápida: James Hunt, na 25ª volta: 1m 18s23
Não se classificaram: Masami Kuwashima, Tony Trimmer

Pontuação após a 16ª etapa


1 James Hunt 69

2 Niki Lauda 68

3 Jody Scheckter 49

4 Patrick Depailler 39

5 Clay Regazzoni 31

6 Mario Andretti 22

7 John Watson 20

= Jacques Laffite 20

9 Jochen Mass 19

10 Gunnar Nilsson 11
11 Ronnie Peterson 10

= Tom Pryce 10

13 Hans-Joachim Stuck 8

14 Carlos Pace 7

= Alan Jones 7

16 Carlos Reutemann 3

= Emerson Fittipaldi 3

18 Chris Amon 2

19 Rolf Stommelen 1

= Vittorio Brambilla 1
Copyright © Tom Rubython | The Myrtle Press 2011
Título original: In the Name of Glory
Gerente editorial: Rogério Eduardo Alves
Editora: Débora Guterman
Editores-assistentes: Johannes C. Bergmann e Paula Carvalho
Assistente editorial: Luiza Del Monaco
Direitos autorais: Renato Abramovicius
Edição de arte: Carlos Renato
Serviços editoriais: Luciana Oliveira
Estagiária: Lara Moreira Félix
Preparação: Leandro Rodrigues
Revisão: Silvio Arruda e Tulio Kawata
Diagramação: Deborah Mattos
Capa adaptada do projeto original: The Myrtle Press
Imagem de capa e miolo: Rainer Schlegelmilch
Conversão para ebook: Deborah Mattos
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R84c
Rubython, Tom
Corrida para a glória: Niki Lauda versus James Hunt: a história do maior duelo
da Fórmula 1 / Tom Rubython; tradução Beatriz Velloso. - 1. ed. - São Paulo:
Benvirá, 2013.
384 p.
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-8240-034-051-7 (recurso eletrônico)
1. Lauda, Niki, 1949- 2. Hunt, James, 1947- 3. Pilotos de corridas de automóveis -
Biografia. I. Título.
13-01414
CDD: 927.9672
CDU: 929:796.71

1a edição, 2013
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia
autorização da Saraiva S/A Livreiros Editores. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na Lei no 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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