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Levadas de Samba para Violão

Aspectos teóricos e práticos

Por Douglas Lora

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Samba
O Samba é um dos ritmos mais característicos e emblemáticos da música brasileira.
Nascido no Rio de Janeiro no início do século XX, resultado de inúmeras influências:
desde a umbigada e o batuque africanos, das danças européias trazidas pela corte
portuguesa, como a Polca; das manifestações urbanas que já aconteciam na cidade,
como o Maxixe.
Um fator decisivo para o seu desenvolvimento foram as lendárias reuniões nas casas
das tias baianas, como a da Tia Ciata, onde se encontravam músicos e artistas vindos
da Bahia, trazendo elementos distintos dos sambas de Roda e da Chula. Foram
muitas e graduais as transformações que, pouco a pouco, delinearam os desenhos
rítmicos que definem o Samba como conhecemos hoje.

Nossa música popular, de origem urbana ou folclórica, é bastante complexa


ritmicamente. Essa complexidade é resultante de vários elementos ou fórmulas
rítmicas que acontecem simultaneamente - geralmente executados por instrumentos
de percussão. O violão nos permite reproduzir essa polirritmia, ao eleger os
elementos mais importantes de cada estilo, sua acentuação e articulação
características, criando assim uma síntese de dois ou mais instrumentos na mão
direita - informalmente conhecida como “levada”.

Talvez a melhor porta de entrada ao vasto universo rítmico brasileiro, o Samba


contém elementos fundamentais que estão presentes na maioria dos ritmos - a
síncopa e a polirritmia entre graves e agudos.

A levada do Samba no violão sintetiza basicamente dois instrumentos: o surdo


(grave) e o tamborim (agudo).

O papel do surdo será executado nas cordas graves pelo polegar ( p ), e o tamborim
nas cordas agudas pelos dedos indicador, médio e anular ( i, m, a ).

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*CONSIDERAÇÕES SOBRE O SURDO

O Samba é um ritmo binário (2/4), sendo o que tempo forte, ou o tempo de apoio, é
sempre o segundo tempo. O primeiro tempo é mais curto e fraco (pele abafada do
surdo) e o segundo tempo mais longo e forte (pele solta do surdo). Faremos a mesma
coisa no violão, tocando o primeiro tempo mais curto e um pouco mais fraco, e o
segundo tempo deixando a nota durar um pouco mais e com mais força. Sempre
com o p. Um artifício muito usado também pelos baixistas, é tocar a tônica do acorde
no primeiro tempo e sua quinta (abaixo da tônica) na segundo. Isso reforça a
acentuação característica dos graves nesse ritmo. Mas veja bem, isso não é uma
regra. Até mesmo porque, em alguns casos, não haverão notas mais graves do que
a tônica, dependendo do acorde e da região em que for tocado no braço do violão.
Nesses casos, pode-se manter a mesma nota (tônica) ou tocar os baixos uma oitava
acima para obter espaço. O importante é fazer essa acentuação e nunca colocar o
peso no primeiro tempo.

*CONSIDERAÇÕES SOBRE O TAMBORIM

A fórmula do tamborim dura dois compassos, ou seja, quatro tempos. A cada dois
compassos o ciclo se fecha e se reinicia. Existem duas maneiras de tocar essa
fórmula, uma começando nas colcheias com as síncopas centralizadas (exemplo 1),
e outra começando na síncopa com as colcheias centralizadas (exemplo 2):

Ex 1

Ex 2

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Na verdade o que diferencia os dois exemplos é apenas o compasso em que se
inicia. O exemplo 2 começa no segundo compasso do exemplo 1.

A fórmula do tamborim a ser escolhida depende da melodia da música. As


acentuações melódicas definem o padrão a ser usado no acompanhamento. Muitas
vezes, quando a melodia começa ou termina num movimento de síncopa ou de
antecipação, o segundo exemplo é o mais apropriado. Mas esse padrão é flexível,
aceitando modificações e variações que naturalmente se encaixam na música.

Por motivos didáticos de clareza e praticidade, vamos desenvolver a levada do


samba utilizando apenas a rítmica do exemplo 1.

Inicialmente, a fórmula do tamborim será executada pelos dedos i, m, a tocados


simultaneamente, como um bloco. Nesse estágio, serão evitados acordes com
cordas soltas nos agudos, para facilitar os staccatos realizados pela mão esquerda.
Usaremos o acorde Cmaj7(9).

Algo muito importante que acontece na levada do tamborim é a antecipação de


acordes. Como sabemos, o ciclo dessa fórmula dura dois compassos.
Provavelmente, numa música, tocaremos um acorde ou mais por compasso. Nesse
caso, onde ocorrer a antecipação rítmica, devemos tocar o “corpo” do acorde antes,
seguido pelo baixo desse acorde no próximo tempo.

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A seguir, uma sequência típica de quatro acordes nos dois tipos de levada para
praticar.
.

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A partir de agora, começaremos a adicionar notas na levada, para o seu
enriquecimento rítmico e um preenchimento da sonoridade. Voltaremos a praticar
apenas no acorde Cmaj7(9). Primeiramente, adicionaremos uma nota no último
tempo do segundo compasso, desmembrando o bloco i,m,a em dois: tocaremos o
dedo i, seguido dos dedos m,a (variação 1). Depois, adicionaremos uma nota no
primeiro tempo do primeiro compasso, desta vez invertendo o movimento: primeiro
os dedos m,a seguido do dedo i (variação 2).

Variação 1

Variação 2

A levada agora já fica bem mais preenchida e essas variações podem ser utilizadas
de acordo com a própria criatividade do intérprete. Praticaremos agora um pouco
nos dois tipos de levada com a sequência de acordes anterior para nos
familiarizarmos com as notas adicionadas em ambas situações. É importante
observar os deslocamentos das antecipações dos acordes nos dois casos, assim
como os momentos onde as notas adicionadas entram:

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Levada 1

Levada 2

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Os exemplos seguintes lidam com uma cadência bem recorrente no repertório de
samba e choro, os chamados turn around – que aparecem nos finais das partes para
a resolução das mesmas. Desta vez, utilizaremos dois acordes por compasso,
criando assim uma nova situação de movimentos harmônicos em relação ao
movimento rítmico. Faremos também nos dois tipos de levada:

Levada 1

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Levada 2

Observações: a adição/subtração da nona (9) em alguns acordes foi efetuada


somente para facilitar a digitação. Não há mudança de função dos acordes devido à
isso. Essa cadência clássica também pode acontecer com o acorde de Fá sustenido
diminuto (F#○) no lugar do Fá menor com sexta (Fm6). Outras substituições são
possíveis como o Dó maior (C) no lugar no Mi menor com sétima (Em7), e o Lá maior
com sétima menor (A7) no lugar do Dó sustenido diminuto (C#○).

A seguir, compartilho um efeito do qual me utilizo para fazer levadas ainda mais
enriquecidas. Trata-se de um curto e sutil rasgueado - utilizando os dedos i,m,a
sempre no sentido descendente, sobre as cordas “mutadas” pela mão esquerda
(ghost notes). Esse efeito será representado por uma flecha, e será adicionado pouco
a pouco na levada - começando pelo último tempo do segundo compasso até o início
do ciclo - preenchendo todos os “buracos” de semi-colcheias restantes, resultando
numa condução bastante percussiva do samba.

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1.

2.

4.

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Os rasgueados percussivos não devem ser acentuados, pois o desenho natural do
samba já está sendo evidenciado pelos acordes. Ainda existe a possibilidade de
adicionar acordes na “cabeça” dos tempos onde ocorrem as síncopas – mais
conveniente quando o andamento é mais lento:

De maneira geral, a levada do samba deve ser realizada de forma intuitiva e


espontânea. As variações e transformações são parte de sua natureza, e as
ferramentas aqui descritas podem ser usadas livremente, servindo totalmente ao
gosto do intérprete. Não existe uma fórmula fixa e cristalizada, mas sim, elementos
que compõem um conjunto infinito de variações dentro de si. Algo fundamental para
adquirir vocabulário e conhecer os sotaques dos vários tipos de samba é a audição!
Apenas depois de conhecer os fundamentos e o repertório dos grandes mestres,
como Baden Powell, João Gilberto, Rafael Rabello e tantos outros, é possível
desenvolver uma personalidade própria ao executar os ritmos da nossa vasta cultura.
O intuito deste trabalho é de prover elementos básicos do samba através da rítmica
dos instrumentos de percussão, assim como descobertas pessoais que desenvolvi
ao longo dos anos, para que o violonista possa construir sua própria levada, e levar
a riqueza do nosso samba em seu caminho.

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Exemplos de outras variações rítmicas
Levadas de Samba-Choro, explorando o uso de semicolcheias:

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Ainda no universo do Choro, explorando o uso de síncopas:

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2.

3.

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Explorando o uso de notas repetidas:
Obs: A ausência de alguns baixos faz menção ao samba de “Partido Alto”. A
digitação da mão direita nas notas repetidas será sempre a mesma ( i, p, ima )

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