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COLONIAS E PRISÕES
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NO RIO DA PRATA
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DO INSTITUTO HKSTORICO KOUO-Í
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Colonias e
Prisões
= NO RIO DA PRATA ---••••
Breve Exposição apresentada ao goreruo do Estado
da Bahia, em 5—8 — IÜ16

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* BAHIA
LIVRARIA CATILINA
— DE —
ROMUALDO DOS SANTOS
'LIVREIRO EDITOR
Rua das Princwas, n, 6
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LIVROS PUBLICADOS PELO MESMO AUTOR


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Ntroas—Versos dos primeiros annos. \


Guerra do Paraguay—Narrativahislorica dos pri-
"T**^*** — - —- ~ ■*"" —r-=

sioneiros do *‘Marquez de Olinda,” prefaciado pelo eng.


Arlindo Fragoso. Em preparo a 2.* edição, augmenlada.
Atravez do Brazil—Carias do Norle.
\ zrz. ^ ■ -

Aibnm da Imprensa da Bahia.


I Instrucção Publica—Parecer, na Gamara dos De-
:mrr.—

pulados Estaduaes.
1 j A Scisão—Livro polilico.
( O Divorcio.. ~ e .zszsjmZ.v
a Sociedade Brasileira.
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Portugal de
_* _^mr- *r trv. :
hoje, Portugal
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de li ontem—Co nfe-
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: rencia, no Thealro S. João.


De como se ama...—Conferência, na Associação
--------------------------- --------- •-•••-.*1: ^

dos Empregados no Commercio.


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Do Poder Legislativo—Ligeiro esludo sobre a dou- .1
Irina bicameral. These approvada pela Faculdade de V
Direi lo.
Paginas Yivas—Novella—No Correio da Manhã,
Bahia.
Conferências c Estudos—Prefacio dc Clovis Bevi­
láqua.
Paghus SuFAmericanas-Prefacio de Eslanislau
Zeballos.
As Lições da Historia—Prefacio do dezembargador
Ezequiel Pondé.
A torrente—Novella—N* O Imparcial, Bahia.
?\ 0 anonymato na Imprensa—Rio, 1918.
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CfASeTi,'.

A Lino Meirettes da Silva


Muita saudade

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Aos seus iNusires amigos do Cenlro


Industrial da Bahia, pela intranzi-
-gencia de sua firmesa e pela cons­
tância de sua inalterável confiança,
contagia este trabalho
O autor.

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«Conferenciou, honteni, com o
dr. Governador do Estado, no
Palacio do Governo, á Praça Rio
Branco, o sr. dr. José Gabriel de
Lemos Britio, que fez entrega a
S. Ex. da memória que escre­
veu sobre as instailações peni­
tenciarias nas Republicas Pla­
tinas»— ( Diário Official do Estado
—6—9—916).
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ó o homem que é verdadeiramente util aos seus


^^semelhantes deve considerar-se feliz na sociedade.
Essa utilidade é, comtudo, relativa, e para que seja­
mos dignos de nós mesmos ou possamos bem merecer
v de nosos contemporâneos, mister se faz que levemos
ao monumento da patria o silhar, por mais modesto,
de nossa boa vontade, de nossa inlelligencia, de nosso
esforço, concorrendo para o seu aperfeiçoamento na
medida das forças de que, porventura, disponhamos.
Eis porque, convencido dos bons intuitos do Governo
Estadual, ao tempo do Congresso Pan Americano dei
Nino, e após confabular com os srs. governador do
Estado e chefe da Segurança Publica, acreditei, confi­
ante, que eslava nos dezignios da administração lançar,
solicita, vistas amigas, compenetrada do seu alto dever
social, para o problema da infancia abandonada e da
menoridade culposa ou delinquente. Não vacillei, por
isso, indo ao encontro daquelle anhelo patriótico, em
offerecer-lhes os meus serviços, como observador, na
excursão, que ia emprehender, aos paizes já muito cul­
tos do Prata. Nada se realisou, por infelicidade da Bahia,.
quanto ao importante problema, aqui nestas paginas
estudado. A bòa vontade governamental não passou
do embryão, e permanecemos sem colonia e sem re­
forma penitenciaria.
Eu, de mim, cumpri o dever que ine havia im­
posto. Escrevendo esta despretensiosa Exposição, não
me propuz, aliás, fazer um seguro, minucioso, assen­
tado e reílectido relatorio de tudo quanto vi, indaguei
e logrei reler em a ligeiradas visitas, apesar do desejo,
— 2—
que então me animava, de perquirir, de observar, de
analysar, com cuidado, detida e minuciosaroente,
quanto se me offerecia naquelles cultos centros sobre
o cárcere, a detenção, colonias de menores e institui­
ções de patronato. Arrebatado pelo pegão das grandio­
sas festas centenárias da Argentina, vergado ao peso
de numerosos compromissos, e com as obrigações dc
congressista em quasi permanente labor, só o desejo
de elucidar-me e o vinculo já estabelecido entre o de­
sejo acima revelado ea incumbência daquellas autorida­
des, me permittiriain a opporlunidade de visitar, como,
de faclo visitei, as Penitenciarias de Monlevideu e
Buenos Aires, a secção de menores abandonados e
encarcerados em Palermo, o Carcel de Mujeres, de
B. Aires, e 'a Colonia Educacional de Varones, de
Suaréz, distante trinta kilometros da capital do Uru-
guay. (*)
— Com os nossos hábitos, e o descaso a que, no
Brasil, povo e governos votaram, sempre, as questões
deste genero, deixamo-nos ficar num pé de laslimavel
inferioridade, que forçoso é confessar a verse desta con­
fissão retiramos, á sombra das rudes franquezas, ensina­
mentos preciosos e capazes de uma nova orientação res-
lauradora.—Excepluados os serviços da União, ainda
não perfeitos, e os deS. Paulo, nãoé possível estabelecer
um parallelo entre o que temos realisado e o que
essas republicas realisaram. Todas as tentativas abor­
taram deante não só no nosso espirito rotineiro, que

(*) Decorridos tres annbs da entrega desta Exposição,


que o Governo não publicou, forçoso cra retirar delia o seu
caracter pesscal. Estas duas primeiras paginas soffreram,
por isso, a indispensável modificação, de molde a ser o nosso
objectivo melhor alcançado pelo leitor.
— 3 —
não ádmitte gastos com taes serviços, como das exi­
gência da politica e da pretensão de tantos dos que nos
tèm dirigido, através de todas as vicissitudes republica­
nas, imbuídos do falso preconceito de que o só titulo de
doutor, ou o apparatlo da governança, basta para em­
prestar auctoridade ao administrador em assumptos,
como este, no trato dos quaes se exige uma verdadeira e
reconhecida especialisação de conhecimentos. Dahi o
não mandarmos aos paizes mais adeantados homens de
real mérito estudar as respectivas organizações carcera-
rias ou educativas, aqui apegados á allegação da econo­
mia, ali, á desnecessidade desse estudo, porque todos
sabem mais ou menos o que isto é e como se faz.
O sr. José Ingegnieros, que é, na America do Sul,
uma das maiores auctoridades que lemos na Sciencia
Criminal, já se havia apercebido dessa pretensão de
todo letrado em sentencear sobre tal matéria. São do
sabio criminologo estas palavras, que nos assentam
á justa:
«Pocos temas son más tentadores para
los inconpelentes, y és difícil encontrar,
personas de alguna cultura general que res-
conoscan su inconpetencia en matéria de
organisación carceJaria.
Sin embargo, en todos lós paizes, no hay
matéria que mueslre, en la prática, una au­
sência mayor de critérios generales por parte
de los legisladores y autoridades ejécutivas.»—
(Sistema penitenciário, Buenos Aires, 1919).
Começo, á luz desta verdade, por confessar que
me não reconheço com a indispensável especialisação
de conhecimentos pára dizer, com segurança e som-
—4 —
branceria, sobre os vários syslemas penaes, sobre os
serviços prisionaes e educativos que hoje fazem a
gloria de tantos Estados civilisados. Posto venha de
ha muito estudando, atlenlamenle, estas questões, pro­
curando uma solução para estes problemas, nada mais
fiz, ao correr destas linhas, que me desobrigar de um
compromisso, animado do desejo de ser ulil a minha
terra, expondo com clareza e sinceridade o que vi, pro­
pondo medidas que julgo razoaveis, suggerindo alvilres
que se me afiguram salvadores.
Alguns factos bastarão para evidenciar o interesse
que as instituições reformativas do caracter do preso
despertam nas nações cultas. A França eslava no apo­
geu de sua civilisação, quando ecoou na sua imprensa
o grande adeanlamento observado nos Estados Unidos,
neste particular. Parecería paradoxal que a França
illuminada viesse aprender na America a organisação
penitenciaria, que os sábios de Pariz carecessem das
luzes dos americanos. Mas, o certo é que a França
mandou aos Estados Unidos, para èsse fim, o por­
tentoso vulto que era Tocqueville, e o notável Beau-
moxd, depois autores do celebre tratado—Syslemas
Penitenciários nos Estados Unidos.
Logo a Inglaterra enviou Sm. William Crawford,
a Prússia o dr. Julius, e ainda mais tarde a França
o nomeado Demez, celebrisado com a fundacção da
grandiosa Colonia de Mettray. Todos estes sábios fi- *
xaram-se por largo tempo nos Estados Unidos. Não
lhes repugnava, luminares que eram daseiencia penal,
a observação do que as gentes novas da America ha­
viam concebido e realisavam com assombrosos resul­
tados.

V
—5—

A Hespanha, que deve á notabilissima senhora


C. Arenal a reacção contra os velhos systemas prisio-
naes, lambem quiz ver de perto a obra norte-ameri­
cana, para delia tirar os sazonados fruclos. Em 1910,
partiu: de Madrid o professor Don Fernando Cadalso,
inspector geral das prisões, o qual, após a reunião
do Congresso Internacional Penitenciário, de Washin­
gton, no qual representou sua palria, foi, com os
demais congressistas e por gentileza do governo, vi­
sitar, durante algumas semanas, os estabelecimentos
desse genero no Este e Centro da Republica.
Pois essa visita não bastou ao governo hespanhol,
nem a seu delegado. Este voltou mais tarde aos Es­
tados Unidos, e somente depois de os percorrer de ex­
S tremo a extremo, apresentou o seu estudo, impresso
em Madrid pelo anno de 1913, e que é, nada mais,
nada menos, que um trabalho importantíssimo, por
elle intitulado Inslilnciones Penitenciarias en los Estados
Unidos. (Biblioteca IIispania).
Com esta digressão, quero, apenas, salientar, em
soccorro da exposição que se lhe vae seguir, que
estas paginas escriplas ainda sob as emoções da via­
gem e vicissiludes da lula pela vida, não tèm, nem
poderíam ter, por fim ou intuito, traçar um roteiro,
firmar uma doutrina, erigir um syslema; visam, sim,
e tão só, reproduzir o que observei, e avivar de pas-
' sagem aquelles altos princípios jurídicos que, sendo '
ainda entre nós uma aspiração mal definida, consti-
■ tuem legislação positiva, nos domínios da pratica,
em vários paizes que assim se avanlajaram ao nosso
por este e outros litulos benemeritos.
I

Os novos horisontes penaes

O nosso Godigo Penal lembra um solido edifício,


bem construído e majestoso, em cujo corpo apparecem,
todavia, em confronto com idênticos monumentos da
architectura que o engenho e a constância humana
levantaram em derredor, defeitos que lhe desfiguram a
eslhetica, commodos sem luz, repartimentos que esca­
pam ás regras mais comesinhas da cubagem do ar.
Assim, a pena, no Brazil, ainda não se despiu das
velharias classicas, e mesmo quando se humanisou,
essa humanisação não produziu qualquer effeito, pela
razão muito simples de não lermos, sequer, aquellas
modestas prisões especiaes que elle recoinmendou.
Instituições já consagradas, experimentadas e pro­
vadas como a pena condicional, a liberdade vigiada
e sob palavra, os tribunaes para menores, cujo viço
na ordem social lembra o das nossas florestas no
mundo physico, aqui nfio passam de vagas aspirações,
de tentativas medrosas, de limidos ensaios, e os
que se entregam a sua propaganda são tidos por visio­
nários, tal se as suas idéas estivessem tão longe da
sciencia hodierna quanto as formulas de Gallileu ou
Torricelli estavam das de seu tempo, cabendo,
V

—8-
apenas, a S. Paulo, o ensaio daquellas que o Codigo
medrosaraenle consignou.
Commentando as conclusões do Congresso de
'Wahinglon, em 1910, escrevia o dr. Armando
Claros: f
— « En matéria de legislación, se recomien-
da la sentencia de duración indeterminada, y la
celebración de Ira lados inlernacionales para
intercâmbio de. sentencia, y possibilidad de
calificar Ia reincidência >.
Fique, porém, consignada esla pessagem do escri-
ptor argentino: o Congresso não discutiu a liberdade
condicional. Porque?... Aqui vae a resposta:—
Porque— «ese principio, fruto de la fecunda
iniciativa norte -americana, consagrada em di­
versos Congresos anteriores, se ha aplicado y
generalisado ampliamenle. Hoij forma parle in- -
tegrante de legislación penal de la mago ria de
las naciones adelanladas, habiendolo adoplado
Estados Unidos, Inglaterra, Francia.Ilalia, Bél­
gica, Suiza, Hollauda, Alemania, Áustria, Es­
pana y Japon.» (Nuevas tendências penales en
el Congreso Penitenciário de Washington—(1911)
Sobre o mesmo assumplo' o sr. Rodolpho Riva.
rola escreveu:
— «Se trata, pues, de una inslilución ya ex­
perimentada, ó por Io menos acreditada en
la legislación contemporânea; y la precedente
enumeración revela sus progresos ano por
ano». (La Condena Condicional, B. Aires).
— 9 —
Sendo este trabalho mais expositivoque de doutrina,
são aqui perfunctoriamente tratadas certas questões
que dariam para largo debate nestas paginas. Entre
ellas está a relativa ás sentenças indeterminadas, a que
acima, e de passagem, alludi.
Julgo utii, todavia, insistindo um pouco demorada-
mente no ponto, mostrar como, no que se lhe referem,
chegaram a um accordo as quatro maiores summidades
conhecidas geralmente, no Brazil, em matéria de di­
reito criminal e penal: — Van Hamel, professor da
Universidade de Àmsterdam, Prins, inspector das
prisões na Bélgica, von Liszt, o consagrado mestre
allemão, e Enrico Ferri, a festejada autoridade ita­
liana.
Reconhecia Van IIamel que «o problema é dos
mais vastos, e que elle interessa, do ponto de vista
lheorico, a todas as questões fundamcntaes da crimino-
logia e do direito penal. «Para elle, porém, as sen­
tenças indeterminadas são a consequência inevitável
do systema das penas privativas da liberdade. Como
um corollario das idéas humanitarias e scienliíicas,
entendia o illustre criminologo que a pena indeler-
' minada deve ser considerada como pena de reforma e
como pena de segurança.
Sob o primeiro destes aspectos, ha meio século que
ella tem defensores na Allemanha e na França; teve
sua consagração nos reformalorios americanos. Sob o
segundo delles, defendida mais tarde em vários con­
gressos scientificos, encarnou-se no novo codigo penal
norueguês. Van Iíamel desenvolve uma solida e
larga argumentação em defesa de sua lhese, para logo
affirmar: —«Ora, é certo que a pena prefixa, a pena
2
- 10 —
determinada não basta a preencher, de modo satisfacto- ✓
rio, todas essas funcções. Admiltindo-se, mesmo, que
o juiz se julgue absolulamente esclarecido sobretudo
que entende, não somente com o acto praticado, mas
ainda com a própria personalidade do delinquente, — o
que, de resto, é bastante duvidoso, elle não pode julgar
senão o passado. Tudo que se tem de desdobrar no
futuro, lhe escapa».
O que aleraorisava certa classe de mestres e juizes '
era a absoluta indeterminação da pena. Van Hamel,
porém, iliuminou o caso com esta confissão:—«Eeu
ponho como um dos principios da organisação das sen­
tenças indeterminadas que estas sentenças deverão ser,
em todos os casos, sentenças relativamenle indeter­
minadas, no sentido de que o juiz pronunciará uma
pena minima » — (Exposição ao Congresso de Paris, de
1889)-.. .
Até essa data havia quem tivesse o grande Prins
como adverso a essa these. Elle respondeu ás ponde­
rações do professor hollandès alludindo ao provérbio
de França: «L’ homme absurde est celui qui change
jamais;; —O que, na sua theoria, Van Hamel repu­
tava uma «inconsequencia», Prins confessa não ser
mais do que um passo para a sentença indeterminada.
— «Para mim, concluía elle sua breve exposição ao
Congresso de 99, o essencial não é tanto a duração, mais
ou menos longa, do regime, quanto o proprio regime, que
se deve differenciar da pena propriamente dita».
E Von Liszt accrescenlava, nesse luminoso debate
de summidades: — « Estou convencido, agora, de que
nossa idéa das penas indeterminadas vae abrir caminho
—11 —
no mundo.» E dava como prova o discurso do proprio
mr. Prins.
A divergência deste notável penalogista não affe-
ctava a essencia da questão fundamental; era, tão só,
uma questão de terminologia. M. Prins fala de uma
medida de prevenção, de preservação, que não seria
mais ume pena, no verdadeiro sentido da palavra. Não
quero discutir esta questão de palavras; basta-me per-
feitamente qur na maior parte dos casos para que nós
pedimos as sentenças indeterminadas, mr. Prins nos
haja da^o uma medida de prevenção indeterminada».
A sentença indeterminada existe nos Estado-Unidos
dentro daquelle relativo de van Hamel. E’ assim que
Nova Yor<\, Massachussets, Pensylvania, Minnesota, Il­
linois, Indiana, Ohio, e outros estados americanos o
adoptam, dentro de um máximo e de um minimura,
sem os quaes ella seria realmente absurda, por
entregar, discrecionariamente, ao critério do juiz ou de
um tribunal, de um lado, a segurança publica, de
outro a liberdade individual, que as constituições de
todos os paizes cercam de garantias fundamenlaes.
Feruí é da mesma opinião de van Hamel.
Em synthese, como registava o eminente escriptor
americano Samuel Barrows, o que constitue o prin­
cipio fundamental do novo systema é que a punição
deve adaptar-se ao criminoso, e não ao crime.
Ora, sabido, como é, que o mesmo crime varia in­
finitamente, conforme o individuo que o commette e
conforme as causas que o determinam, a pena fixa
parece estar, de modo definitivo, condemnada. Ella é
incompativel com o espirito de correcção e de reforma
da sciencia moderna, em facc dos delinquentes. Si é
-In­
verdade que o unico conforto do preso é*ver approxi-
mar-se o dia fixo de sua libertação, também o é que
a rigidez da pena lhe tira o interesse de uma re­
adaptação social, ao passo que a certesa de ver pre­
miada, com a liberdade, a sua reforma, leva-o suave­
mente a uma conducta nobilitadora, a um esforço
sincero para a conquista desta sonhada liberdade.
Igual destaque merece a liberdade sob palavra,
(parolc Ictw), a qual, se bem para alguns se confunda
com a liberdade condicional, delia se differencia, na
pratica, còmo é facil de verificai'-se.
Na republica do norte foi adoptada em primeiro
logar pelos Estados, que ali têm, o direito de legislar
sobre a pena, o que aqui se reservou ao Congresso
Federal. Mas, os resultados obtidos foram de tal
sorte animadores, que a União votou a liberdade
sob palavra, prestigiando os Estados, incorporando-a
á sua legislação. Experimentada no Reformatorio
de Elmira, em Nova-York, imitada 'por outros,
passou á União por lei de 25 de Junho de 1910,
conhecida pela denominação de Release on parole.
O mecanismo desta lei é simples: o recluso que
demonstra amor á disciplina, correcção de conducta,
devolamento ao trabalho, pode, uma vez completada
ou cumprida a terça parte da pena, ser posto em li­
berdade, sob palavra.
Assim não praticamos o god time system, im:
plantado na legislação norte americana por acto
de 21 de Julho de 1902, e que se acha adoplãdo
no Uruguay. Essa lei de reducção do tempo da sentença
estabelece para os casos de exemplar procedimento o
desconto de um certo numero de dias por mez,
— 13r —

ou seja, em media, a terça parte da pena. São magní­


ficos os seus resultados, e si bem Tarde, com o seu
incomparável prestigio, declare preferir o arbítrio do
juiz ao do empregado da prisão, ninguém contestará
que essa innovação é de salutares effeitos, pois o con-
demnado, visando diminuir de um terço o tempo da
reclusão, procurará regenerar-se, merecer a estima
dos superiores, fazer-se digno da sociedade. (1) O
dr. Claros, versando sobre o assumpto, disse no seu
citado estudo:

(1) E’ aqui opporluno discutir a declaração de Tarde. Eu


me não conformo com ella, em absoluto: — a) porque o
juiz dispõe da liberdade, e até da vida, do delinquente, ao
passo que o guarda é apenas ura vigia, e acima de suas in­
formações tendenciosas, relativa mente aos penados que es­
time ou aborreça, está a fiscalisação dos outros elementos
de direcção do cárcere, o professor, o mestre da officina, o
chefe do serviço agricola, o director do estabelecimento.
Accresce que, dentro das normas actuaes, não se discu­
tem as sentenças dos juizes; se elles erram, e não ha ins­
tância superior, só cabe ao condemnado soffrer em silen­
cio. O tribunal, pois, collectivo ou singular, joga cora a li­
berdade do indivíduo.
No caso de apurar-se o procedimento do recluso para
a marcação dos pontos de mérito que lhe irão dar a dimi­
nuição do tempo de reclusão, o guarda do cárcere difficil-
mente poderia encobrir-lhe o bom ou mau procedimento.
Nas modernas organisações carcerarias, a fiscalisação é
complexa, e não ha o que temer do odio ou das preferên­
cias dos guardas, que, ao demais, se revezam.
Esta questão do arbitrio dos juizes foi longa e admi­
ravelmente discutida por Conceição Arenal, no ultimo
Congresso Penitenciário Internacional de S. Peters-
burgo. «Cada vez se generalisa mais a opinião, fundada,
a nosso parecer, de que, para a applicação equitativa da
pena, deve dar-sc grande amplitude ao arbitrio do magis­
trado, afim de que elle possa sentenciar conforme os cara­
cterísticos individuaes do accusado, e não o sacrificar á
letra da lei; esse maior poclcr, porém, implica maior amor
ao bem e maior conhecimento ua verdade, para que a liber­
dade não degenere em arbitrariedade; implica um juiz
rauito recto c muito illuslrado ».
Para C. Arenal a verdade é que, com algumas excep-
ções, o juiz, si bem conheça as leis que vaeapplicar, des-
— 14 —
— «•., partiendo de la base de que todo
indivíduo deve ser considerado susceplible de
enmiendn, se estabelece que el método reforma-
torio és incompatible con la condena á cortas
penas, y que requiere el complemento de lá li-
beracion condicional.» (Nuevas tendências pena-
les, etc).

A liberdade condicional, que consiste na sus-


' pensão da setença antes de se a applicar, si o reu
praticou o delicto pela primeira vez, si a pena é dimi­
nuta, etc, ficando, então; sujeito á fiscalisação do juiz
por um praso variavel, em liberdade, podendo, com-
\udo, ser encarcerado si durante esse espaço de
tempo claudicar, continúa a ser para nosoutros uma
lhese posta na tela das discussões, sem esperanças de
próxima inclusão no corpo do nosso direito positivo.
Também nada fizemos no que se refere aos tribu-
naes para menores. Vae por quatro annos que me bato,
aqui, pela necessidade dessa instituição. Enfeixando
em livro os meus estudos, nos quaes o amigo do Di­
reito se confunde com o propagandista convencido, quiz
dar-lhes uma vida duradoura, não pelo que na
realidade valham, meros artigos de propaganda, mas,
porque, assim perpetuados, poderiam despertar, ao fio
do tempo, alguma vontade poderosa, capaz de mais
seguros resultados na sua predica e acção. (C/m pro-

conhece « geralmenlc o homem que as infringe ». Informe


deC. A renal, Madrid, 1890, pag. 44).
A douta criminologisla, abordando a questão do silen­
cio imperativo cm torno das sentenças, condemna-o. « Que
a sentença seja firme; indiscutível, não. Si è injusta, não
— 15 —

blema gravíssimo, Colomas corrccionaes e tribunaes para


menores, Bahia—1916).
Concorrendo ao Congresso Pan-americano da Cri­
ança, levei ao seu estudo uma these jurídica de alta
importância pelo seu contexto, velho, entretanto, para
outros paizes, e cuja synthese se encontra nas conclu­
sões dos trabalhos por mim publicados sob os titulos
de Paginas Sulamericanas e Da prophylaxia da crimi­
nalidade entre os menoies.
Alicerçado em theorias, opiniões auctorisadas de
mestres, e em provas irrecusáveis, o meu humilde
arrazoado, propuz ao Congresso aquellas conclusões,
que mereceram, pela sua evidencia, e pelo exacto co­
nhecimento que ali se tem do assumpto, a honra
de ser approvadas por acclamação.
O eminente presidente do Superior Tribunal deste
Estado, sr. Dezembargador Braulio Xavier da Silva
Pepeira, na carta que me dirigiu a 11 de Junho de
1916, e editada na primeira columna do vespertino
A Tarde, dizia com a sua reconhecida autoridade:
— «Não cogitemos ainda da criação de tri-
bunaes para menores, nem na reforma de
, nossa legislação criminal, tão falha quanto de­
feituosa no assumpto.» (2)

deixará dc ser reprovada, e o prestigio do juiz perde mais


com a murmuração do que coma critica, amurmuração im­
prudente, calumniadora, irresponsável, que raaisdifTama e
refreia menos ».
(2) Foi esta a brilhante missiva do illnstre magistrado:
Caro Cotlega e Amigo Sr. ür. Lemos^Brilto.
O bcllo opusculo que á tarde mc olícrccestes, ao nos
encontrarmos, tão apressados ambos, em uma das ruas
do comraercio desta capital, occupou-mc as horas da
noite, em que o li com a sofreguidão curiosa de quem, er­
rando numa região desconhecida, descobre qualquer cousa
— 16 —

À interpretação a dar a estas palavras não pôde,


não deve ser a de um «ukase» fulminante, partido das
alturas da Justiça, contra o meu ideal de reforma,
Seria absurdo acredital-o.

que lhe indique uma esperança de copiosa recompensa a


qualquer sacrifício a que se aventure.
Nem tudo é arido e esteril, nem esta esterilidade domi­
nante cm nosso meio desvcnturado será lâo duradoura que
possa transpor os limites da vida, ainda que não seja das
mais longas, da actual geração dos homens de responsabi­
lidade. Este 6 o modo de dizer dos que, por seu valor mo­
ral e intellectual, por clle possam influir visando o futuro da
patria.
Affigurou-se-me a vossa obra como uma sccntelha tra­
çando rumo no espaço infinito, a atlrahir os olhares da
multidão que o occupa, numa região escura pela renuncia
geral de direitos, para um destino fixo c illuminado, onde
elles, inteiramente apagados, surgirão novamenle a amparar
cada individuo,dclincando a cstruclura de sua personalidade,
a sua intangibilidade moral e jurídica, como produeto dc
uma civilisação que, entre nós, ainda parece uma incógnita,
e, entretanto, poderá existir, si pela instrucção adquirirmos
outros hábitos que nos ensinem a respeitarmo-nos e a di-
gnificarmo-nos no mesmo meio social em que nos abando­
namos.
Sim, eu tenho a pretenção de conhecer um pouco esta
bòa terra, que vós muito bem chamaes malafortunada, onde
se comprehendeu a liberdade republicana, plantada com
o regimen vigente, na irresponsabilidade dos homens quesc
fortalecem numa aggreraiação que dizem — partido—para
o dominio do Estado, irresponsabilidade correlata á su-
ppressão dos direitos de todos quantos a elle não se fe­
licitem cm pertencer.
Estrangeiro, pois, em rainha terra, eu não posso deixar
de felicital-o pelas esperanças que se encontrara era vossa
obra, sob o titulo «Um Problema Gravíssimo» e que trata
de .colonias correccionaes e tribunaes para menores.
Desde muitos annos, sem o valor necessário a qualquer
commettimento desta natureza, tenho, entretanto, pugnado
pela creação, alias pela implantação de instituições ampa-
radoras da infancia desprotegida.
Em 1895, quando na vara de orpliãos desta capital, não
dispondo dc outro meio, alliei-me ao concgo Manfredo Al­
ves de Lima, então secretario do Arcebispado, cá eximia edu­
cadora e preceptora d. Amélia Rodrigues, para o fim dc
conseguirmos introduzir aqui uma instituição Salesiana. Por
. muitos mezes trabalhamos na propaganda, somente nós tres,
— 17 —

0 que s. ex. preconisa, aconselha, persuade, com a


sua larga experiencia, c que façamos aquillo que mais
se impõe ao nosso brio de Estado culto, á nossa civi-
lisação, o azylo, a colonia de menores, deixando para

que periodicamente nos reuníamos no consistorio da Egreja


de S. Antonio da Mouraria, até que tivemos o auxilio efficaz
do General Dr. Leoncio de Medeiros, José Carcia Pacheco
de Aragão c outros, representantes da benemerita sociedade
S. Vicente de Paulo; podemos então levar avante a aspi­
ração, adquirindo, para este fim, a grande cliacara onde
existe lioje o collegio Salesiano do Salvador, ao largo de
Nazarcth, para o que tivemos, logo em seguida, a bòa von­
tade e a contribuição generosa do commercio em geral e
assignaladamentc dos bancos desta praça, que então pros-
peravara, alguns delles infclizmenle lioje extinctos.
Uma vez aqui, os filhos de D. Bosco, aposlolos do bem
e da caridade, guardas avançadas da civilisaçüo christã c
da moralidade como base estável da familia edo engrande-
cimento social, os seus serviços, embora sempre atrophiados
pelas repelidas crises, são neste assumplo inestimáveis;
elles não apparecem tanto, não são tão perceptíveis quanto
são eífectivamente grandes e beneficos.
Ao cncanccer em minha vida de magistrado, na pre-
occupação que entre nós é felizmente comraum, em minha
classe, de não deixar perimir com os outros, envolvidos
em conveniências quasi sempre partidarias, os sentimentos
de justiça, sempre comprehcndi como a mais imperiosa ne­
cessidade em nosso meio, já que não podemos salvar os
que sc corromperam, amparar os que ainda, sem o discer­
nimento preciso, destituídos dc qualquer freio moral, se enve­
redam fatalmente pelas trilhas abertas c de mais fáceis ac-
ccssos que os conduzem ao ocio, ao desregraraento e ao
crime.
Em nenhuma região mais do que em a nossa, que nos
textos de nossa legislação sc diz um Estado, mas que parti­
cularmente não póde pretender taes fóros, sc fazem da
mais evidente necessidade instituições adequadas ao am­
paro dos que no principio da existência tèm a infelicidade
inegualavcl de se encontrarem no vacuo da orphandade, e
orphãos são também aquelles cujos paes não tèm valor, não
têm capacidade e comprchensão de seus deveres. São tão
communs aqui, que não tenho receio de errar affirmando
que constituem grande maioria na classe do proletariado.
Talvez pareça um contrasenso affirmar-se que era nossa
circumscripção, e pelo faclo dc ter sido tão pródiga c co-
piosamento dotada pela natureza, mais sc accentúa a neces­
sidade de amparb á criança. A vida, no que concerne á
— 18 —
melhores dias o que está ua órbita das attribuições
federaes—a reforma da legislação peual.
Registe-se, porém, e de passagem, que nós mesmos,
os Estados, poderiamos crear os tribunaes para me­
nores.

alimentação, facillima em nossos sertões, mantém normal-


mente a existência de rclativamenle muito grande população
nômada. Sem instrucçüo, ainda que rudimentar, sem os freios
primordiacs da familia organisada, nestes núcleos se criam
verdadeiros bandidos errantes; são os que entre nós se cha­
mam— jagunços—c que infestam, permanentemente, grande
zona, onde tudo perturbam c por isso nada progride. Nos
limites de ligeira carta não me é possível eslendcr-mc sobre
este assurapto, nem mesmo consignar ligeira idea sobre a
população que se perde no interior do nosso Estado.
Por isso sempre preoccupou-mc o espirito o pensa­
mento de poder, algum dia. contribuir para que em minha
terra se comprchcnda esta grande necessidade, a maior dc
todas que as circumstancias lhe impõem.
Cora esta intenção procurei conhecer as escolas correc-
cionaes e institutos disciplinares para menores, em alguns
' paizes da Europa. Vi alguns na Italia, onde merece especial
menção o que é mantido pela municipalidade de Roma, abri­
gando mais de tresentos menores que recebem a instrucçüo
primaria c ao mesmo tempo se applicam ás artes e indus­
trias, conforme a aptidão de cada um, sendo de notar o
primor de seus trabalhos, especialracnte dc esculptura, em
mármore c em madeira.
Em Turim, é igualmcnte notável o collegio Sallcsiano.
Occupando grande extensão da via Catolengo, estende-se
por grande e vasta planice que lhe fica na encosta, onde, em
vastos e simples departamentos, estão construídas as tendas
dc diíTerentes trabalhos. Também admirei ahi a esculptura
cm madeira, mais do que todas as outras artes, aliás muito
cuidadosamente ensinadas
Não menos de doze meticulosas visitas fiz a este estabe­
lecimento modelar, e, isto, por ter ahi encontrado um con­
terrâneo amavcl, que dirigia a officina typographica, além
do carinhoso acolhimento do venerando superior, o padre
Paulo Albera, e do não menos amavel padre Calogero de
Gusmano, que tive a felicidade de conhecer aqui, creio que
cm 1900. Iguacs institutos também vi na Bélgica. Mas não
precisamos recorrer ao cxlrangciro, para termos a melhor
emulação para uma criação dc lal natureza. Em nosso paiz.
o Estado de S. Paulo nos dá o exemplo á altura da mais
aperfeiçoada civilisaçâo. Em um arrabalde de sua bella ca*

i
— 19 —
- Nem uma cousa repelle a outra. E creio que neste
ponto o sr. Braulio Xavier estará accorde, harmonico,
afinado com o meu pensamento. Façamos a colo-
nia e pugnemos pela reforma, quer sob o ponto de
vista do direito substantivo, quer no da organisação
judiciaria.

pitai, proximo ao bairro de Carandirú, em uma planície de


alguns kilometros, cortada em curvas bellissimas do rio
Tietê, onde a natureza imprimiu o mais gracioso e admirá­
vel capricho, existe o «Instituto Disciplinar» organisado em
correccional c escolas proíissionacs, que honra os intuitos
de um povo culto c progressista.
Actualmenle está sob a direcção criteriosa c proficiente
do Dr. Evcrardo de Souza, nome que aqui lembra o de seu
conspicuo c saudoso progenilor, o Conselheiro Pedro Luiz
Pereira de Souza, glorioso político que no regimen extincto
presidiu esta então Província, se bem me recordo, de 1883
a 85. O Dr. Everardo, formado em Direito, mas adeantado e
provecto agricultor, tem revelado, na direcção do estabele­
cimento, a que dedica todas as suas energias, qualidades
excepcionaes de administrador. Economico, disciplinador,
progressista e consciente de seus actos, consegue consubs-
, tanciar no instituto, verdadeira escola do trabalho, de va­
riadas applicações cada qual mais ulil, mais efficaz para a
reforma pliysica e moral de cada um dos recolhidos. A
instrucçüo que ali é ministrada aos menores distribue-se
dislinctamentc por secçôcs, e assim tem: a secção escolar,
a sylvicola, a zoolechnica, a industrial e a de serviços do­
mésticos, de modo que cada menor procura perfeitamente
a applicação para que se sentir com mais aptidão ou na­
tural inclinação, o que é indiscutível vantagem para o
complemento de sua educação.
Sua lotação 6 de duzentos internados, que, com o seu
trabalho, formam ainda um pecúlio para o seu ingresso na
sociedade. O produeto do trabalho é dividido em duas par­
tes: uma conslitueuma renda do Estado e a outra pertence
ao menor, da qual metade é para suas despesas extraordiná­
rias e metade para ser depositada na Caixa Economica—esta
é o seu pecúlio. Ahi tudo se utilisae se aproveita; a madeira
velha tem varias applicações, até a do adubo; o ferro velho
vae refundido em diversas cspecies, até os cartuchos deto­
nados das armas da policia são aproveitados em bellas e
artísticas peças melalicas.
Ha dois mezes apenas visitei este estabelecimento c sc
rccebi a melhor das impressões cm sua organisação, mais '
me admirou sua administração.
— 20 —
Adiar essa questão dos tribunaes para menores é
que me parece contraproducente. Não se trata, já, de
uma instituição sophismada, contestada, combalida,
como, por exemplo, ainda poderiam allegar o que é a
pena indeterminada; e de seu exito, brilhantíssimo,

Dar-lhe vida e engrandecimento era a maior preoccu*


pação do Secretario da Justiça e Segurança Publica, o Dr.
Eloy de Miranda Chaves. Typo raro entre nós, do liomcm
de governo que emprega toda a sua actividade e esforço
aspirando ter sómente como recompensa o beneficio com-
mum, sem prcoccupações pessoaes ou partidarias. Se na
política baniana já se houvesse manifestado a existência
«deste sangue» e tão raro não fosse na política nacional, a
Bahia não estaria hoje no extremo opposto á grandeza de
seus dotes naturacs, e o paiz não se encontraria na emer­
gência actual. Mas, parece que só S. Paulo tem esta ventura.
Só alii se encontram os Rodrigues Alves, os Albuquerque
Lins e tantos que já se foram c tantos que os igualarão
como os Eloy Chaves, Altino Arantes, seu actual presidente,
Washington Luiz e tantos outros.
Não cogitemos ainda na criação de tribunaes para me­
nores, nem na reforma de nossa legislação criminal, tão
falha quanto defeituosa no assurapto. Nós, na Bahia, nada
absolutamente temos a respeito; tratemos, por isso, sómente
agora da criação do instituto disciplinar e profissional, sob
a mesma legislação e os mesmos orgãos de sua autoridade.
Isto nos basta por cmquanto e com elie já conseguire­
mos desviar do caminho ao cárcere ou da penitenciaria,
para o do trabalho e da honra, uma multidão de desampa­
rados que virão engradecer a nossa industria, cultivar as
nossas terras, nosso unico theso.uro e inexgotlavel manancial
do valor de nossos destinos.
Meus parabéns, caro collega, e não desanimeis na santa
cruzada em que vos tendes empenhado; que os poderes
públicos protejam vossos intuitos e o povo os comprehenda
e acompanhe, e, se alguém tentar vos interceptara escabrosa
estrada, arredae-o com pulso forte e passai, porque com-
vosco está um dos mais fortes esteios da redempção e da
grandeza de nossa patria.
Com os votos de felicidades, acceitai, igualraente, os
agradecimentos do
Collega e velho amigo
Braulio Xavier da SilTa Pereira,
Bahia, 11 de Junho de 1916,
— 21 —
fala-nos assim Henrique Zarandieta Mirabent, no
seu recente livro sobre a especie:
—Com o objectivo de evidenciaras vantagens
que se lêm obtido com a implantação dos tri—
bunaes para crianças, publicamos umas notas
colhidas na obra de Griffe, o qual, por sua
vez, as toma de Julhiet.
Sustenta que em Dember, durante os quatro
annos que se seguiram ao estabelecimento do
tribunal especial, 95 % das creanças accusadas
pela primeira vez, foram reenlregues a seus
paes e postas em liberdade vigiada. Graças a
esta medida, a proporção de reincidentes passou
de 50 °/0 a 5 °/0.— «Em Nova York, nos tres
annos de 1903, 1904 e 1905, 3.377 menores
foram submettidos também ao mesmo regimen
de liberdade vigiada, e deste numero 83 °/0
conduziram-se bem.» — «Em 1908, na Ingla­
terra, de 8.023 menores libertados incondicional­
mente, só 565, ou sejam 7 °/0, responderam por
novos delictos. » (La delinquência de los menores
y los tribunales para nifios — Madrid, 1916. Fr.
Beltrand, ed, pags. 151 e 152)
Zarandieta conclue fazendo votos para que na
Hespanha a instituição desses tribunaes, aliás já pra­
ticada ali, se desenvolva e alastre por todo o paiz.
Ahi está, nas linhas desta digressão, a synthese
das novas aspirações do direito penal. Fazendo-a,
visei um fim: mostrar o nosso alrazo naquillo que
apenas depende de bòa vontade, de estudo, de leis, e
tirar dahi a conclusão de que, se neste particular é
tão vivo e visivel o nosso atrazo, nada tendo o paiz
- 22 —
feito alèm de agras e acerbas recriminações, pouco se
ha de esperar daquella parte do programma de re­
forma que depende de capitaes, de coragem, de per­
sistência, e de continuidade na acção.
Opporjunos são, realmente, estes commentarios,
porque as penitenciarias modernas, reformalorios, co­
lônias de adultos e menores, tanto quanto as institui­
ções legaes a que nos vimos de referir, são igual­
mente os produclos e conquistas da criminologia, da
psychologia e’psychiatria criminaes,» criminologia que,
na phrase de Ingegnieros, si viza reparar os da-
mnos causados pelos delinquentes, defender a sociedade
prevenindo ou supprimindo o delicto, também «se
propõe intentar a reforma do indivíduo, procurando
readaptal-o á sociedade e transformai-o em factor de
trabalho util, quando lhe seja possivel.» (La defensa
social — 1911, pag. 18)
Nos paizes mais cultos, a propaganda repercute
sempre com intensidade nas camadas populares, in­
teressa os meios inlellectuaes e o governo. Aqui, ra­
ramente, uma propaganda surte oeffeito desejado. Mas,
eu sinto que, ás reformas que se tem de executar na
Bahia, e noutros Estados doBrazil, teremos a gloria de
juntar a de uma colonia para menores, sem pompas,
é certo, mas, também á altura de uma provincia culta
como é o nosso Estado.
As grandes reformas não se fazem sem sacrifícios.
Nós somos um grande povo de passo lento e tardo, e,
na estrada da civilisação, andar hoje com vagar, vale
por ficar atraz, vencido e humilhado.
Seja o Brasil, senão o laboralorio das novas idéas,

i i !■
— 23 —
ao menos o receptáculo das que passaram ao dominio
das realidades praticas.
Está isto nas mãos dos homens de sciencia e
daquelles que, no poder, têm o desejo de se perpetuar
na memória do povo por actos e serviços desse qui­
late. (3)

(3) Vem muito a proposito citar estas considerações/


do deputado Veríssimo de Mello, que, como membro dí{
commissão de Constituição e Justiça, teve opportunidade
de estudar estas questões:
—«Faz bem A Noite, que presta, incontestavelmente, um re­
levante serviço aos interesses da justiça, proeprando agitara
opinião publica a respeito de uma instituiçãocuja creação tem
dado os mais satisfatórios resultados nos paizes que a adoptam.
A antiga noção da pena não tinha outros princípios sinão a
vingança social e o rigor, c os legistas da antiguidade não
comprehcndiam Santo Agostinho, quando, ha quinze séculos,
ao implorar a clemencia de um magistrado romano era favor
de hereticos accusados da morte de dous padres catholicos,
dizia: «O crime é uma ferida, que temos o dever de curar.
Depende de vós, depende da sociedade, que ella nao seja
contagiosa ou mortal, e que aquelles a quem cila magoa
recobrem a saude da alma, sem espalhar o mal do qual
são atacados. A pena, com a qual a vossa justiça os fere,
não é somente para elles um castigo merecido; deve ser,
lambem, um remedio que os levante e os cure». As pala­
vras do santo bispo de Hippone foram afinal comprehendi-
das, e hoje se reconhece que, quando um ser humano pratica
uma falta, commette um crime, não é bastante fcchal-o em
uma prisão, segregal-o do convívio social; antes, a sociedade
deve preparar o reerguimento moral do delinquente, curar
a ferida, reconduzir o violador da lei penal para a vida util,
reconhecendo, assim, que o primeiro passo do culpado na
expiação seja tainbera o seu primeiro passo para a emenda
e para o rehabilitação.
Fundado pois, sobre o principio proclamado, de que a
pena deve ter, sobretudo, por fim, a emenda do criminoso,
cura dos seus instinctos, a pratica do«sursis» condicional
exerce, evidenlemente, uma acção bastante poderosa na
moralisação dos condemnados. E’ uma applicação do prin­
cipio que substituo a inflicção real do castigo por uma
pena de ordem moral. Não, é porém, um perdão, nem uma
graça concedida ao infractorda lei penal; c uma verdadeira
controvérsia, mas com uma execução condicional da pena;
é o proprio condemnado que se torna obreiro, o artífice,
no aizer expressivo de L. George (Du sursis conditionel)

%\
As penitenciarias

Tínhamos nós uma penitenciaria que mais parecia


um antro, a miúde devastados os reclusos por males
epideraicos, dadas as suas péssimas condições hygi-
enicas. Alguns dos últimos governos mclhoraram-n*a.
Mas, na realidade, ella em nada nos honra os fóros
de terra ondes e formaram os maiores juristas deste
paiz, como Teixeira de Freitas e Ruy Barbosa.
A despeito das reformas a que alludi, a Peniten­
ciaria da Bahia é uma velharia a reclamar, urgente­
mente, uma remodelação.

mais activo de sua regeneração moral, concedendo como


recompensas aos seus esforços, a dispensa de executar a
pena c ameaçando, a clle proprio, em caso de recaida,
de uma severidade maior. O nosso Codigo Penal, que é de
1890, anterior á lei Beranger, que é de 1891, cogita do li­
vramento condicional (artigo 73) que não é a mesma cousa
que a lei do «sursis».
E' a instituição organisada em França, em 1885, por ini­
ciativa do mesmo senador Beranger, para-a qual o coudem-
nado, depois de ter cumprido uma parte da pena, variavel,
segundo os casos, poderá, si tiver conseguido obter, durante
a permanência na prisão, notas sufficicntcmente boas, ser
posto condicionalmente cm liberdade; si, durante o espaço
que vae da liberdade condicional até á data da conclusão
(la pena, o indivíduo se comportar bem, justifica o favor
concedido pela sua conducta exemplar; sua pena será defini­
tivamente purgada; mas voltará elle á prisão, a cumprir o *
resto da pena.
O principio que regula essa instituição, estabelecido no
nosso Codigo Penal, mas que tem sido relegado, infeliz-
mente, para o logar das cousas inúteis, a não ser no Estado
— 25 —
Dada a nossa organisação polilica, é impossível aos
Eslados reclamar da União o seu auxilio em prol destes
serviços. Também nos E. Unidos a União só dispõe
de tres penitenciarias, exclusive as militares, duas
escolas para menores, estabelecidas em Washington,
districto de Columbia, o hospital ou manicomio para
processados e penados dementes, e a prisão preven-

de S. Paulo, que o tem applicado, o principio, diria eu, regu­


lador dessa instituição, é o mesmo da lei do «sursis»: inte­
ressar o condcmnado no seu proprio reerguimento, pelo
temor dc uma punição, ou pelo allractivo de uma recom­
pensa; substituir a execução material do castigo por uma
pena puramente moral. Mas o dispositivo do nosso Codigo
Penal ainda não é sufficicnte. Precisamos caminhar, ir além,
corrigir uma falha da nossa legislação penal. Pois si o pro-
prio Codigo reconhece que é uma crueldade inútil manter-
se em prisão, segregado do convívio dos seus concidadãos, um
indivíduo cuja volta á sociedade não apresenta maisincou-
venienlc algum, maior crueldade existirá si recolhermos á
prisão o criminoso primário, cujo delicto, de curta pena,
não foi sinão um accideute na sua vida!
Sou um convencido das vantagens, c assim respondo *
intcrpellação da A Noite, das vantagens de se introduzir
na nossa legislação, e pelo Congresso Nacional, por se tratar
de matéria de direito substantivo ( artigo 32 paragrapho 23
da Constituição Federal) .a lei do «sursis» condicional, e
si isso fizermos não faremos mais do que cumprir o voto
unanime da Asserabléa da União Internacional dc Direito
Privado, reunida em Bruxcllas em 1889, recommendando,
segundo o relatorio de A. Prins, «aos legisladores de (odos
os paizes, a adopção da conderanação condicional», voto
este, ainda mais tarde, em 1895, reproduzido pelo Congresso
Penitenciário de Paris, nos seguintes termos: «As legislações
que reconhecem aos tribunacs a faculdade de conceder o
«sursis» á execução da pena de delinquentes primários
condemnados a curtas penas de prisão, encerram as melho­
res disposições conhecidas»,
— 26 —
tiva da mesma capital. Os Estados, ao contrario, con­
tam centenas de penitenciarias, colonias, manicômios,
cárceres de mulheres, prisões de toda a especie.
Aos Estados brasileiros está reservada a missão de
imitar os seus irmãos— typos do norte.
Até aqui, que me conste, somente S. Paulo está
construindo uma penitenciaria modelo, e que será, con-
cluida, das mais importantes da America do Sul, occu-
pando uma area de cerca de 15.000 metros quadrados,
dotada de todos os aperfeiçoamentos aconselhados
~ pela sciencia.
Poderia consolar-nos o facto de ser a Penitenciaria
da Bahia J[uma das melhores entre estabelecimentos
congeneres do Brasil. O consolo, porém, seria ridí­
culo, logo que a confrontássemos cora as similares,
modernas, ou modernisadas.
Eu sei que as condições financeiras da Bahia, como
da maioria das províncias nacionaes, lhes não per-
mittem grandes dispendios. Possível seria fazermos,
todavia, em proporção mais modesta, o que S. Paulo
faz: construir aos poucos, por meio de verbas annu-
aes, era dois, Ires ou quatro governos, uma Peniten­
ciaria condigna, adequada a seus altos fins humanitá­
rios e sociaes, em que peze a opinião do grande
Càrlyb, insurgido contra a magestade dos abrigos
que as nações modernas reservam aos criminosos.
i

A Penitenciaria de Buenos Aires


A Penitenciaria da capitai argentina é, como se
vae ver, uma das maiores e adeantadas do continente
sul-americano. E’ certo que não se encontra no mesmo
pé, quanto ao brilho e a coustrucção, em que se acham ou­
tras instituições da mesma republica, enIrequaes a Coio-
nia de Retardados Menlaes, de Torres, eo asylo de Open-
dorf. Não foi construida de um golpe. Tem sido melhorada
eaugmentada. Seu todo é, todavia, imponente, e não se
podería dizer que esta Penitenciaria deixe de cor­
responder ã civilisação surprehendcnte de Buenos
Aires.
Quando a visitei, um dos pavilhões, o da typo-
graphia, estava em cavernas; violento incêndio, pro­
duzido pelas inslallações eléctricas, devorara o pavi­
mento superior do pavilhão, e todo o material caríssi­
mo, misturára-sa aos escombros. A direcção fizera
passar em peneiras toda a argilla queimada, como se
passa o cascalho diamantifero dos nossos sertões nas
« baleias». E de novo se fundira, em pequenos tijollos,
todo aquelle chumbo, que eu vi então amontoado á
espera de ser utilisado nos linotypos e outros ser­
viços da vasta officina.
Este facto, que se me deu a observar logo aos pri­
meiros passos de minha visita, foi como uma photo-
graphia da severidade da Direcção em matéria dc
zelo pelos interesses do Estado e pela economia do es­
tabelecimento.
— 28 —
Devo confessar que não tive, aliás, quanto á parle
material, e ao aspecto geral, ali, a mesma impressão
que me dominou o espirito ao transpor os humbraes
da Penitenciaria de Montevidéu, talvez por ser esta
uma construcção recente, e mais desafogada.
O dr. Sunico, medico e escriptor argentino, que
teve a gentileza de me offerecer o seu importante tra­
balho sobre Hijgiene Escolar, falando daquella peni­
tenciaria, ainda era 1914, no Congresso Penitenciário
Nacional, e depois de sustentar, — tão exigentes são os
especialistas argentinos! • - que em Buenos Aires não
ha um só estabelecimento penal de accordo com as
doutrinas modernas, pronunciou estas palavras:

— «Para ser breve y no rozar susceptibili­


dades, me bastará citar la Penitenciaria Na­
V. cional, — de cuyo personal, como és sabido,
formo parte, cuyos prestígios han traspasado
nuestras fronteras, y que, a pesar dc la volun-
tad, consagración y competência de los hombres
dc su Dirección, no ha podido, ni puede llegar,
cficazmcnle, los fines moralisadores para que
han sido creadas instiluciones dc su natura-
leza.» (Trabajos y Adas dei Congreso Peniten­
ciário Nacional, Buenos Aires, 4 a 11 de Maio
de 1914, pag. 233.)
E tocou na ferida:

—«Efcctivamente, la pobiacion penal de la


Penitenciaria és una amalgama heterogênea de
delincuentes de todo gênero y edades. Alli se
encuentra, confundidos, por insuficiência dei

i
— 29 --
medio, ei caído bajo, ei império dc las leyes
por imprudência u occasión, con cl homicida
alevoso, con el delincucnte profesional, jovenes
que apenas traspasaran los 18 afios, con hom-
bres maduros y de toda condición». (Op. cif).
Si á luz dos últimos progressos em matéria penal,
a Penitenciaria de Buenos Aires justificava em 1914
a severa accusação do sr. F. Suníco, hoje está posi-
livamenle melhorada, e delia disse o illustre crimi-
nologo sr. Euzebio Gomez que é

— «um alto exemplo de energia, de virtudes


administrativas e acendrado patriotismo.» (Me­
mória Descriptiua cie la Penitenciaria Nacional
de B. Aires—Pag. 31)

Situada no « boulevard » de Las Heras, o corpo de


edifícios que a formam occupa uma area de 122.000
metros quadrados, e se estende pelas ruas daquelle
nome, Coronel-Diaz, Bulnes e Juncal.
Um bello pavilhão, de residência do Director, en­
cobre e disfarça para o publico a verdadeira Peniten­
ciaria, construída por iniciativa do governador da Pro­
víncia de Buenos Aires, don Emílio Castro, e seu
ministro dr. àntonio E. Malaner, tendo sido o de­
creto de sua fundação datado de 1869.
Além de outras dependencias, e dos pavilhões 6 e 7,
dominam-se, de uma rotunda octogonal, os demais pa­
vilhões. Essa rotunda, posta no centro do edifício,
permitte a fiscalisação, facil e efíicaz, de todos os pa­
vilhões de presos, com um numero muito reduzido
de guardas.
— 30 —
À guarda militar do cárcere, destinada aos casos
extraordinários, de levantes, rebelliões ou amotina-
mentos, permanece fora da Penitenciaria, em pavilhão
especial, e só em caso urgente, requisitada pela Di­
recção, penetra neila.
Compõem-n’a oitenta soldados.
Toda a Penitenciaria é defendida por uma larga
muralha de circumvalaçâo, de sete metros de altura.
Outros edifícios, contíguos aos primeiros, são occu-
pados pelo Hospital e pelas oífícinas, (talleres) de ferra­
ria, mecanica, latoaria, carpinteria e fundição. Fóra
delle,fica o Hospital para reclusos atacados de moléstias
infecciosas.
Numerosas dependencias são consagradas ás lypo-
graphia, sapataria, etc. As escolas são muito bem cui­
dadas, e funccionam das 6 ás 8 da noite, únicas horas
que não prejudicariam os regulamentos internos, os
mistéres induslriaes.
Nellas, os bancos e carteiras vieram das próprias
offícinas do estabelecimento, que além disto fornecem
os moveis indispensáveis ás delegacias e outras repar­
tições do governo.
Os estudos distribuem-se por quatro annos de
curso, nos quaes se leccionam respectivamente estas
matérias:
I—Leitura e escripta, idioma nacional, moral e
historia.
II — Àriihmelica, geographia, sciencias physicas e
naluraes.
III — Caügraphia, desenho artístico e industrial,
jardineria, horticultura, escripta a machina e conta­
bilidade.
- 31 —
A proposito do ensino da Moral e da Historia, aos
penados, escreve o dr. Gomez, na sua interessante
monographia:
—«Seguindo los preceptos dei decreto que
creára, com nuevos rumbos, esta dependencia
lan importante de la Penitenciaria, el personal
docente de la Escuela, se preocupa de dictar
Ia moral en sentido individual, correctivo
y economico, dando la inayor extension a
Ia moral civica, para los alunnos argentinos,
fundada en los princípios de la Constitu-
ción Nacional. La enseiíanza de Ia Historia
se vincula con la Moral privada v publica ; y
la de todas las matérias se cifte a métodos
didáticos, que tienen cn cuenla, no solo la
instruceión, sino tambien ia educación dei pe­
nado». (O/?, d/., pag. 86)
A Penitenciaria adopta o systema de prelecções e
conferências com projecções luminosas, e o Director,
falando delle, disse que «os efteilos beneficos, imme-
diatos e medialos, deste grande meio educativo, são
evidentes e se observam seus resultados nos presos em
todas as dependencias do estabelecimento».
Assim, o cinematographo, bem orientado, é um
poderoso auxiliar da formação do caracter, e quando
mal orientado se transforma no mais terrível factor
da corrupção humana.
Frequentam as classes cerca de 800 reclusos, pois
o ensino é obrigatorio, e desses 1 °/0 não mereceu cas­
tigos ou penitencias.
.« Possue a Penitenciaria 704 cellas distribuídas pelos
/

— 32 —
vários pavilhões a que alludi, cellas muito ventiladas,
medindo 4 melros de fundo por2e vinte centímetros
de largo e 3 e 18 cs. de altura, com o teclo abobadado.
São caiadas de branco.
Visitando varias dellas, tive oplima impressão, pelo
asseio e medidas hygienicas adoptadas.
Todas têm uma janella que deita para um paleo
muito amplo, além da poria que mede 1 metro e 94 cs.
de altura por 0,82 de largo, em meio da qual hajnna
pequena abertura por onde o preso se communiea com 'mi
cr
o exterior ou recebe os alimentos.
Consta o mobiliário de cada cella de uma tarimba \
de madeira e ferro, mesa, tamborete, prateleira, não
i
contando os objectos indispensáveis ao asseio do roslo
e da cella. l

As dependencias sanilarias estão à altura do mo­ ■

numental cárcere. 7

Direi, todavia, que ha nos editicios da Peniten­


ciaria e suas dependencias 116 latrinas, 97 mictorios,
151 torneiras de chuva para banho, 352 lavatórios e |
96 pias de varias dimensões. ;
A illuminação é perfeita. Cada cella tem a sua
i
lampada electrica; mas a ligação é externa. Só os
presos de exemplar procedimento dispõem de meia hora
de luz para leitura, podendo retirar livros na biblio-
theca especial dos penados, que hoje conta perto dc
3.000 volumes.
Todo o vasto corpo de pavilhões pode ser, em caso
de alarme, ílluminado de vez, ou por pavilhões se"
parados. O guarda de vigilância, não só ahi, como nas
officinas, permanece isolado por fortes gradis de ferro*

- 33 —
de sorte que, quando se penetra nas officinas, a im­
pressão recebida é a de achar-se o guarda prisioneiro
dentro de sua jaula, e libertos os presos.
Todo o commando dos reclusos faz-se por meio do
apito, em toques ajustados, aos quaes obedecem au­
tomaticamente.
Vejamos, com algumas minúcias, o que é, de faclo,
a grande Penitenciaria. Comecemos pelas officinas.
São estas: — Imprensa, encadernação, lythographia,
pholographia e phologravura, sapataria, colchoaria,
correiaria, alfaiataria, carpinteria, vernizaria, ferraria,
electricidade, machinas, fundição, chumbaria, lato-
eiria, escovaria c olaria, além das secções de fabrico
de massas, lavanderia, etc.
Chamo, aqui, a atlenção do leitor para o seguinte:
—a renda destas officinas, descontados o custo do ma­
terial e as porcentagens devidas aos reclusos, é tal, que
custeia todos os serviços penitenciários e muita vez
ainda revertem sobras em beneficio do Estado. Poderá
. parecer absurdo ou exaggero o que estou avançando.
.
Nas próprias penitenciarias norte-americanas regista-se
o «déficit». Assim, e de relance, lembro:
Na Carolina do Norte:
Despesa em 1910. 220:000 dollares
Receita............... 119:837 »
Déficit................. 110:163 »
. Na Geórgia:
Despesa em 1912. 124:995 dollares
Receita............... 28:678 *
Déficit............... . 96:317 J>
5
— 34 —
Não écommum que deixem saldo, como acontece
No Mississipi ?
Despesa de 1909 a 1911 184:964 doliares
Receita....-........... ....... 286:390 »
Saldo TÕP926 »
Pois a Penitenciaria Nacional Argentina deixa, não
raro, grandes saldos.
Consultando as eslalislicas de 1913, anteriores,
portanto, á grande guerra, encontro o seguinte quadro:
Receita. 1.422:261 pesos, papel
Despesa 817:635
Saldo... 605:226
O «peso» argentino está valendo, ao cambio actual,
1$900, o que dá, em moéda brasileira, o saldo que nos
parecerá fabuloso de
1,149:9308000.
Assim, uma direcção competente, activa, honesta
e capaz, realisa verdadeiros milagres.
Passando ao regime, devo lembrar que a Consti­
tuição argentina determinou, cm um dos seus artigos,
que o caracter das prisões, no território nacional, fosse
o mais humano possível. A lei penal obedeceu, como lhe
cumpria, ao preceito constitucional. Não só as condi­
ções de conforto, como as do trabalho e inslrucção mi­
nistrada aos reclusos, provam este acerto. Elles têm
até sua banda de musica, sua bibliotheca, seus paleos
de jogos physicos.
Foi banido o regime ausburniano absoluto e adop-
tado o cellular mixto, sein prohibição de falar, salvo
nos casos especificados no regulamento.
— 35 -
Quando o penado entra, a Direcção procura infor*
mar-se do que ello foi e do que cllp c, para lhe dar
trato e destino especiacs, cabendo aos reincidentes um
pavilhão á parle. 0_ Instituto de Criminologia da Peni­
tenciaria formula o boletim mcdico-psychologico do
criminoso, de accordo com a Classificação geral que
o sr. Ingegnieros estabeleceu e delimitou neste
quadro:
Psychopathologia dos delinquentes
ANOMALIAS MORAES
(Disiimias)
Congênitas — Delinquentes natos ou loucos mo­
raes.
Adquiridas— Delinquentes habituaes ou pervertidos
moraes.
i Transitórias— Delinquentes de occasião.
ANOMALIAS 1XTELLECTUAES
Disgnosias
Congênitas— Delinquentes por loucuras constilu-
cionaes, etc.
Adquiridas — Delinquentes por loucuras adquiri­
das, obcessões criminosas, etc.
Transitórias— Embriaguez, loucuras tóxicas, etc.
ANOMALIAS VOLITIVAS

i Disleniias
Congênitas— Degenerados, impulsivos natos, delin­
quentes epilépticos, etc.
Adquiridas — Delinquentes alcoolalas, chronicos,
impulsivos, etc.
Transitórias — Impulsivos passionaes, delinquen­
tes emotivos, etc.
- 36 —
TYPOS COMBINADOS
Affectivos intellectuaes: delinquen tes csthelicos.
Intellectuaes volilivos: obcessões volitivas.
Affectivos impulsivos: Impulsivos passionaes.
Affectivos intellectuaes: Degeneração completa de
caracter.
Esta classificação do delinquente não é feita de afo­
gadilho. Os especialistas encarregados do serviço re­
compõem, com dados qae lhes vêm da policia e da
justiça, o crime; os antecedentes do recluso são pos­
tos em observação, quer os moraes, intellectuaes e
affectivos, quer os de sangue, remontando-se aos seus
antepassados.
Depois, fica elle submettido a um Tribunal de
Conducta, formado pelo subdirector do Cárcere, que o
preside, o director da Escola e o chefe da Secção
Penal, cujas reuniões são trimensaes. Tomando em
consideração o procedimento e o aproveitamento do
recluso, durante os tres mezes decorridos, em todos
os departamentos da Penitenciaria, suas tendências
reveladas, moralidade, etc., o tribunal faz-lhe a clas­
sificação para o fim dos prêmios ou castigos, de con­
formidade com as notas desta labella:
* Conducta exemplar
<c muito bôa
« boa
« regular
« má
« péssima
Destas notas, como disse, resultam prêmios ou cas­
tigos, destinados a avivar as responsabilidades do pe­
nado.

l
— 37 -
Os castigos são os seguintes:
Adraoeslação
Reclusão na própria ceila, de 1 a 15 dias.
Prohibição de receber as visitas regulamentares.
Reclusão na ceila de penitencia, de 1 a 15 dias.
Penitencia rigorosa, a pão e agua. de 1 a 15 dias.
Não ha castigos corporaes.
A Argentina aboliu-os, fiel ao principio da Consti­
tuição. Ha, com tudo, quem ainda pregue o seu uso,
allegando que nos grandes estabelecimentos só elles
pódem manter a disciplina, intimidar os grandes re­
beldes, Era o que um illuslre norte-americano, director,
dos mais celebres, de uma penitenciaria, dizia a Toc-
queville sobre o uso da chibata e do açoite para os
presos.
Eu sou contra o castigo corporal. Mas é preciso
que, abolindo-os, não se faça de tal abolição um so-
phisma, como na Italia, onde o governo poz os senten­
ciados a fazer o saneamento da «campanha romana»,
afogando-os no tremedal, tantas vezes celebrado, en­
venenando-os com os miasmas daquelles paúes secu­
lares.
O Estado tem o direito de requisitar o trabalho dos
presos para obras publicas. Sou partidário disto. A
Argentina e o Uruguay requisitanwTo.
Mas esse trabalho não deve ser humilhante, perni­
cioso á saúde. Si o é, o Estado mentiu aos seus de­
veres, e o governante, que o impoz, merece um stygma
da Historia.
O recluso guarda, em Buenos Aires, uma caderneta
em que se lhe faz o assentamento de taes notas.
5

í
I
- 38 —
Também se lhe faz o registo de seu pecúlio, e nella
são inscriptas cortas «ordens do dia» c artigos de Re­
gulamento que eiles precisam ler sempre vivos e ní­
tidos na mente. \
Xesta Penitenciaria, de faclo elevada á altura de
sua missão, os pavilhões estão assim occupados: os
de ns. 6 e 7 cabem aos indivíduos de 18 a 25 aiínos;
os de n. 1 e 5 aos de 25 a 30 annos; os de n. 2 e 4 \
aos maiores de 30 annos. Deslina-se o n. 3 nos reinci­ i
dentes.
Os sexagenários occupam salões especiaes. com
capacidade, cada qual, para 15 indivíduos.
Para auxiliar o trabalho criminologico, de sua natu­
reza avduo e difficil,encontram-se, ahi, gabinetes radio- i
graphicos e clectrothcrapicos, montados a capricho, e
que constituem a ultima palavra na especic. :
Como se ve, o recluso não é, ahi, a viclima dn vin-
dicta social, destinada a humilhante sofiVimcnlo. A lei !
encarou-o como a um ente que aberrou, mas do qual a t
sociedade não prescinde, e que é passível de regeneração,
i
salvo em casos rarissinios. Respeita-lhe as aptidões, as
crenças, os sentimentos humanos; consente que se
falem, que recebam cartas e visitas, que se communi-
quem com os seus parentes e amigos, respeitadas as
prescripções legaes.
Por isso as cerimônias do culto chrislão tem na
Penitenciaria grande brilho, mas n Direcção respeita
as crenças de cada qual.
Também se não abandona o preso, uma vez cum­
prida a pena. O patronato c uma realidade, e de-113
egressos que abandonaram o cárcere, num anno, GO
receberam collocação por interferência do Eslabeleci-
— 39 —
mento, 29 dispensaram o auxilio c 24 voltaram ao
campo.
O patronato é bem o complemento da Peniten­
ciaria. Abandonar o preso á liberdade de que se dcs-
habituou, após largos annosde segregação da sociedade,
quando se sabe que todos se retraem deite, o evitam
e o apontam, é não ler em conta o que é o homem,
o que é a sociedade, e quanto custa a manutenção des­
tas pesadas machinas que a lei armou em beneficio
dc todos os cidadãos.
Assim, a lei creou o patronato dos egressados, c este
ampara, á porta da Penitenciaria, os que, após 10, 20
e 30 aimos, voltam a gosar do maior bem humano,
que é a liberdade.
Antes de dar por terminada esta dissertação em
torno da Penitenciaria Nacional Argentina, devo cha­
mar a allenção dos que me leem para o

Instituto de Criminologia.
do Cárcere, annexo áPenitenciaria, e a que me referi,
instituto este que foi creado por decreto dc 0 de
Junho de 1907.
Disse o sr. E. Gomez que. neste gcucro, o Instituto
de Buenos Aires foi o primeiro que, cm caracter
official, funccionou em lodo o mundo. Elle estuda
«o delicio e suas causas, o deliquenle e suas moda­
lidades. » — Tres são as secções em que se repartem
seus trabalhos:
Etiologia criminal
Clinica criminologiea
Terapêutica criminal*
— 40 ~
Como é sabido, oecupa-se a primeira das investi­
gações de mesologia criminal, isto é, de sociologia e
metereologia criminal, das de antropologia criminal,
(psychologia e morphologia) e de todos os estudos
que lhes são concernentes, indispensáveis á determi- j
nação das causas do delicio.
À segunda estuda a criminalidade nas varias for- ;
mas por que se manifesta, faz a clinica individual dos )
delinquentes, tratando de estabelecer o «grau de ina­ í
-1
daptação social e de temibilidade» dos mesmos. \
Tem por fim a terceira estudar as medidas de
prophylaxia e repressão da criminalidade, fazendo i
obra não tanto apreciável no presente, como em pro-
ximo futuro, no sentido de orientar as instituições {
preventivas, reformas penaes e systemas peniten­ s
ciários. V
;
Este Instituto edita a notável Revista de Crimino- \
logia, Psijchiatria e Medicina Legal o Boletim Medico 5
Psgchologico do penado, compostos e impressos nas \
ofEcinas penitenciárias, sendo que neste ultimo se faz l
:
o registo continuado das anomalias dos delinquentes, *
i
suas tatuagens, etc, :
A gloria de sua fundação cabe ao notável sr. José
Ingegnieros, a mais conhecida auctoridade que nós,
os sulamericanos, temos na matéria. Sua direcção
está a cargo do illustre psychiatra, sr. Helvio Fer­
nandes.
Não dei aqui, convem repelil-o, senão os traços
geraes da grande Penitenciaria Argentina. O que se
acaba de ler, não passa de uma synthese aligeirada,
especie de instantâneo dessa notável construção des­
tinada a servir de reformalorio dos que alli delinquem.
- 41 —
Não desci a grandes minúcias. Passei de relance
sobre os assumptos principaes. Não tratei da alimen­
tação do preso, parle de que me occuparei em
descrevendo a Penitenciaria de Montevidéu, e que é
oplima, dosada segundo as regras scientificas. Não me
occuparei do vestuário, que é de bôa qualidade, ha­
vendo a distribuição dos trajes de algodão para o
verão, e de lã para o inverno. Limitei-me a dar uma
impressão de conjunclo, ainda assim imperfeita.

Tres factos impressionaram-me sobretudo nas


republicas do Prata: um, íoi a sinceridade com que
a mocidade alli se apresta para a deíesa da patria, ar­
dente, enthusiasta e convencida, fazendo da Argentina
e do Uruguay duas nações cheias de vitalidade; outro
foi a preponderância que vão tendo, alli, os moços, nas
classes armadas, no governo, no magistério e na im­
prensa que orienta a nação; o terceivo, emfim, a su­
perioridade com que os governos confiam os cargos
importantes, que exigem cuidados e capacidade es-
peciaes, a homens de valor, sejam correligionários,
extranhos ou hostis aos partidos dominantes.

Os fruetos dessa política elevada ahi estão: a


Peuitenaiaria, com 800 reclusos, e todos os seus ser­
viços admiravelmente montados, dando um saldo
fabuloso como esse de 1913, cujas cifras transcreví,
surpreso e admirado.

Não quero com isto dizer que o só merecimento da


Direcção possa realisar destes milagres; a organisação
é de grande importância e do valor das officinas
muito depende a producção.
6 V
— 42 —
Sem direcção, porem, :i altura de uma organisa-
ção perfeita dos serviços penitenciários, as melhores
officinas não produzirão o bastante para o proprio
custeio!
/

-
i
:
I
l5
I

N

A Penitenciaria Nacional do Uruguay

Ha homens que são predestinados a certas missões


históricas. John Howard foi um destes. De 1775 a
1790, quinze anuos, portanto, o phylosopho inglez pas­
sou a percorrer e visitar as prisões de todos os paizes.
E quando, exhausto, lançou á publicidade seu li­
vro State of prisons, descarnando a chaga das prisões
do seu tempo, dentro das quaes passeiavam o seu
império a tortura e as enfermidades, o mundo inteiro
impressionou-se, e resolveu olhar para o interior dos
seus cárceres, onde a Justiça se fizera mais vil que o
proprio crime.
Vale a pena relér estas palavras de A. Prins, o
notável professor da Universidade de Bruxellas, des­
crevendo uma dessas prisões visitadas por Howard :

— «Os detidos são amontoados a trouxe-


mouxe numa revoltante promiscuidade. São
submetlidos ao mais duro regime, softrem penas
disciplinares corporaes, são obrigados a penosos
trabalhos. Só recebem um minimo de alimen­
tação, (pão e agua); carregam-n'os, por vezes,
de cadeias, e a falta de ar, de alimentação e
dos cuidados elementares de limpeza é tal, que,
dentro das prisões, se desenvolvem febres infe­
cciosas, que dizimam a população ahi recolhida,
se propagam fóra do cárcere e assolam a

V
- 44 —
população livre.» — (Sciencia Penal e Direito
Positivo, § 719)

Eis a razão por que, ao penetrarmos nos grandes


estabelecimentos modernos destinados aos delinquentes,
nos vem á mente o nome de Howàrd, como os de
tantos outros que, depois delle, lutaram contra as
hostilidades da rotina e do velho espirito conservan-
tista.
Ha quem levante uma seria objecção aos reformis­
tas:—porque hão-de os criminosos, ou os que matam,
roubam, deshonram, viver nesses ambientes confor­
táveis, nesses enormes palacios, com roupa farta para
o frio, bom alimento para o estomago, cama e luz
electrica, jogos e bibliothecas, á custa das classes ho­
nestas, emquanto estas porfiam desesperadamente pela
vida, e nas classes pobres tanta vez a fome faz com
que os lares transbordem de desespero?
Responde-se:—não seria com a importância despen­
dida com a manutenção de taes serviços que o Estado
acabaria com a penúria e a fome.
O preso concorre cora grande parte da despesa
relativa a seu custeio. E os benefícios são tão gran­
des que nenhum dinheiro os podería pagar.
Raramente, hoje, os que saem dos cárceres rein­
cidem. A Penitenciaria é uma escola de trabalho. A
acção dos patronatos completa-a.
Demais disto, as leis procuram suavisar o peso
desses enormes apparelhos de reforma no orçamento,
e as'instituições a que alludi no capitulo Novos hori~
sontcs penaes, si de um lado consultam aos interesses

'
i
— 45 S
sociaes, de outro alliviam as Penitenciarias de numero­
sos reclusos.
A organisação dos estabelecimentos penitenciários
e demais prisões deve estar de accordo com a clas^
sificação legal das penas. Parece que o governo do
Uruguay teve sempre em mira a celebre maxima ju­
rídica, assim definida por Igegnieros:
— «Todos los estabelecimientos destinados a j
la reforma y secuestración de los delincuentes,
deben convertir-se en verdaderas clinicas crimi- ::
nologicas, donde se estudie á los recluidos y no
se omitan esfuerzos para favorecer la readapta- !
ción social de los sujetos reformables.»
tema penitenciário, pag. 11.)
i
Toda a organisação prisional uruguava obedece
aos princípios jurídicos da escola positiva.
Sua Penitenciaria póde servir de modelo.
Occupando uma area de muitos mil metros qua­
drados, em todo caso inferior á de Buenos Aires, nada
tem a invejar desta ultima, no que toca á belleza da :
construcção, ao systema dos pavilhões, ao regime
adoptado e á hygiene.
E’ um monumento ao mesmo tempo elegante, ma-
gestoso e. sobrio.
Quando se abica a Montevidéu, descobre-se à dis­ !
tancia, na zona denominada Punta Carrêta, o vulto
6: da Penitenciaria cercada da altíssima muralha de cir»
circumvalação, que tem, em media, 12 metros de
altura.
Ha em Montevidéu a antiga e a nova Penitenciaria,
A antiga, hoje condemnada, era muito superior á

?
i
,— '46 —
nossa. De suas condições hygienicas escreveu o dr. Al­
fredo Gembamh:

— «Na hvgicne geral clesle estabelecimento


existem defeitos que de boa fé mostrarei; mas ha ^
lambem nelle vantagens que, bem aproveitadas,
como o lèm sido, têm elevado seu valor sani­
tário e repercutido beneficamente na hygiene
privada do preso.» (FA regimen penitenciário en
Montevifjeo— 1910)
Pode considerar-se a penitenciaria em questão divi­
dida em dois corpos. Ao primeiro correspondem tres
ordens de edifícios destinados aos gabinetes da Di­
reciona, Pharmacia, Enfermaria e residência do Di-
reclor. Tempos depbis de ultimada esta conslrucção,
levantaram mais dous pavilhões:, num estava locali-
sada a guarda militar, no outro o gabinete de Identi­
ficação Antropometrica.
q citado dr. Geribaldí, após descrever minuciosa­
mente a antiga penitenciaria, lançou este periodo que
transcrevo para mostrar o que era essa conslrucção
que os uruguavos despresaram em nome cln sua cul­
tura :

— « Este aspecto de conjuncto debe en ver-


dad sourrir al que, por primera vez, visite la
Penitenciaria y tienc neccsariamcnte en parle
el trabajo de la mente que piensa que detrás
de aquellas puertas, que dentro dc aqucllos es-
pezos muros, reducida su libcrlad al minimuu
possible y conpatible con la vida, hav hombres,
iguales á nosotros, dc aspecto exterior unifor-
- 17 -
mado al nueslro, ai menos por cl habito que
clA la disciplina v de habito uniforme por la
lev...» (()p, cil.)
Uma das causas que impopularisavam aos olhos
da sciencia a velha penitenciaria era o pavimento sub­
terrâneo, no qual havia cellas de reclusos, insisto
neste ponto para evidenciar quão condemnavel é, nes­
tes edifícios, o aproveitamento das cavas, mesiuo
quando a mão do homem, como ali, as revestiu de
lodo o conforto e tornou impermeáveis. Cotejem-se
estes algarismos, relativos a 1901:
Para o pavimento superior 116 penados
« lerreo.. 115
« subterrâneo---- 95
Agora, a media dos enfermos:
Para o pavimento superior.............. 9.88
lerreo, 10.29
/
—1■* * « subterrâneo......... 11.52 »

Deve-se allender, ainda, ao faclode achar-se muito


attenuada esta percentagem. Porque no subterrâneo
i
não entravam os enfermos que mais concorriam para
elevar a cifra da mortalidade nos outros pavimentos:
os tuberculosos, os rheumaticos, os asthmaticos; os
velhos pela mesma forma. Só os moços e fortes eram
recolhidos ás cellas subterrneas.
Dahí a cerlesa, para aproveitar, de ser conde-
mnavel qualquer inslallação para penados abaixo do
-
= ■

sólo. • Este, na antiga Penitenciaria do üruguav, era


pantanoso, como o é o da nossa, tão próxima da vaza
lamacenta do fundo da enseada de Itapagipe, *

\

;
— 48 —
As cellas, entretanto, eram espaçosas, medindo
4 metros de fundo por 2 ms. 32 de largo e 3 ms. 38
de alto. Às paredes tinham, a externa — 60 cs. de es­
pessura, a interna — 51 cs., as lateraes 35 cs.
Fazendo-se a necessária operação, encontra-se, para
cada cella, a cubagem de cerca de 31 metros de ar. A
ventilação fazia-se, nellas, não só pela abertura das
portas, destinada á communicação dos presos com os
guardas, como por uma janella gradeada,
O surto prodigioso da bella cidade platina, cujos
serviços públicos estão todos mstallados em palacios,
é que não podia tolerar uma penitenciaria para a qual
os competentes, nacionaes e extrangeiros, tinham pa­
lavras de censura e de reprovação, e contra a qual
falavam os dados estatísticos. Apezar de augmentado,
melhoràdoe transformado, o enorme cárcere estava des­
locado em meio dos grandiosos edifícios e sobevbos
serviços da capital.
O presidente Báttle y Ordonez subira ao poder.
Homem illustre, de vistas largas, iniciou a constru-
cção da Nova Penitenciaria, cujo projecto foi orga-
nisado pelo architecto Sanguinetti, sendo as obras
concluídas, no governo Williman, pelo engenheiro mi­
litar Emílio Conforto.
E’ um verdadeiro monumento.
Nelle, o systema de pavilhões de raios concêntricos
foi abandonado, adoptando-se o systema rectangular,
que ali alguns justificam por ser mais econo-
mico e de possível desenvolvimento, ao passo que,
não se podendo estender, demasiadamente, por
anti-hygienicos, os pavilhões em raios, seria preciso
UJL

— 49 —
construir nova penitenciaria quando o augmento da
criminalidade exigisse novas cellas.
Sob o ponto de vista da lopographia, tanto as con­
dições planiometricas, quanto as altimetricas, sãoexcel-
lentes. O edifício está proximo do mar, ou melhor,
das aguas do Rio da Prata.
Recebe de través o violento pampeiro de sudo-
es!.e, fazendo-se em optimas condições a ventilação e
renovamento do ar em todos os pavilhões.
Como aconteceu com o capitulo relativo ao gran­
de cárcere argentino, eu não farei, aqui, minuciosa
descripção desta penitenciaria. Darei, todavia, uma
ideia approximada do que ella é, e de certos aperfei­
s
çoamentos, que se me afiguram aproveitáveis, no caso
í de reformas parciaes a tentar nos nossos absoletos e
condemnados edifícios de detenção, bem como nos
' systemas repressivos.
O pavilhão de presos conta 384 cellas, medindo
cada qual 4 ms. de fundo por 2 ms. 5 de largo e 3
ms. 20 de alto, o que lhes dá uma excellente cubagem
de ar. Estas cellas correspondem a um pavimento
terreo e a tres andares altos, separados, em suas duas
fachadas internas, por amplos corredores de 6 metros
de largura, sendo que nos andares superiores correm,
marginando as cellas, terraços gradeados, com um
r
largo espaço de permeio, e ligados por passadiços de
ferro. A illuminação é feita por meio de clarabóia.
Dão accesso a esses pavimentos algumas esca­
darias de mármore e ferro, além de dous elevadores.
^Nq centro do pavilhão, defendidos por fortes gradis

2
— 50 —
de ferro, estão os postos dc vigilância, as habitações
dos vigilantes de guarda, os serviços de agua, luz e
bombas contra incêndios.
Correspondem aos presos duas secções de 50 ba­
nhos, sendo aproveitada a agua do Rio da Prata, su­
gada e elevada por uma bomba centrifuga, movida a
electricidade.
Pateos e dependencias outras completam o pavi­
lhão dos penados.
A nova Penitenciaria havia custado, até 1910,
660.000 pezos, ou seja, raoéda brasileira, ao cambio
actual, cerca de 2.900 contos de réis.
/
Durante a visita que íiz, ao passar por um dos
pateos, observei que em algumas janellas havia certos
signaes circulares, pintados de vermelho. Tive logo a
explicação dos mesmos. Nenhum preso pode abrir a
veneziana, e se o faz, a sentinella, que vive a cruzar
no alto das muralhas de circumvalação, dá o grito
de alarma.
Os doentes, convaleccntes ou penados que obtêm
esta mercê, ou carecem de mais luz, recebem auctori-
sação para as abrir, e enlüo aquelle signal vermelho
previne a sentinella para que não chame ás armas.
Nessa penitenciaria, como em todas as que tal
nome merecera, as construcções oíferecem toda a se­
gurança contra a fuga dos reclusos.
Mas o amor á liberdade duplica a argúcia e aviva
a intelligencia dos encarcerados.
Quando cheguei a Buenos Aires, os jornaes, noti­
ciavam a fuga de numerosos presos de um cárcere do
interior da Republica. E o director da Penitenciaria i
:
de Montevidéu, emquanto percorríamos a parte supe-
1
í
(

'

/
J
- 51 —
rior da muralha de circumvalação, narrava-me o se­
guinte, que deverá figurar como prova de que a pri­
vação da liberdfid* é de grande effeito para o penado,
tanto que empregam esforços estupendos para a logra­
rem de novo, fugindo:
—Um dos ângulos do pavilhão de presos dista
sete metros da muralha, que tem na base tres melros
de largura, sobre muitos de alicerce e doze de al­
tura.
Üm grupo de reclusos, condeinnados a largas penas,
architectou o plano^de fuga. Só uma ancia irresistivel
de libertar-se daria coragem e encoiraçaria o animo
desses penados para a terrível em preza, que deverá ter
custado annos de penosissimo trabalho:—abrir uma
galeria que desceu beirando o alicerce do pavilhão,
pelo lado de dentro, o atravessou pela base, seguiu
em direitura da grande muralha, vencendo os sete
metros do paleo, mergulhou ainda mais, venceu os
tres melros relativos á largura do alicerce, e buscou
a superfície!...
Era gigantesco!
Não se pode avaliar o tempo gasto nesse trabalho,
não pela obra de excavação propriamente dita, mas
pela impossibilidade de conduzir a terra que iam re­
tirando, é transportavam, desfarçadamente, em porções
imperceptíveis, aos punhados, uma vez por dia, ati-
rando-as nos \v. c. e nos lavalorios.
Também espanta que ali tivessem podido trabalhar,
não só sem serem percebidos, como por ser irrespi­
rável o ambiente no fundo da galeria, onde, mais
tarde, não se conseguiu manter qualquer chamraa.
0 resultado dessa obra sobrehumana foi, entre-
— 52 —
tanto, nullo. Tudo fracassou devido a um desvio da
linha que partia do cárcere para o muro.
Quando vieram á superfície, os encarcerados viram
que estavam precisamente junto á grande muralha,
mas... pela parte interna!
Surprehendidos, foram presos, e em vez da pla-
nicie illimitada tiveram a cella de penitencia, a pão
e agua, além da perda das vantagens da lei para a
diminuição da pena.
Voltemos ás cellas.
Como na de Buenos Aires, o serviço de illumi-
nação,aqui, é completo. Póde-se illuminar ou reduzir
à treva todo o estabelecimento, de um jacto, ou os
pavilhões e cellas separadamente. A lampadado preso
tem sua ligação no exterior, eco vigilante que lhe dá
ou tira a luz.
Ha nas pequenas aberturas das portas, que são de
madeira chapeada, um vidro vermelho que permitte
ao vigilante observar o preso sem ser presentido.
. O que, ahi, muito diífere da Penitenciaria de
Buenos Aires, é a collocação ®de um w. c em cada.
cella. A construcção e modelo desses apparelhos são
tão perfeitos que não ha o menor perigo para a saude
dos penados, nem se sente qualquer exalação desagra­
dável.
Também diífere da de Buenos Aires o syslema dos.
leitos. Nesta, os leitos são tarimbas aperfeiçoadas. Na
que estamos descrevendo, não. De cadajado da cella,
ao fundo, ha duas argolas de ferro fortemente embuti­
das na parede. A cama, de lona, com travessas de ma­
deira ás cabeceiras, c atada por meio de correias ás ar­
golas, de modo a ficar perfeita mente estirada. Pela
I «JUJL

- 58—
manhã, dado o toque de despertar, o preso levanta-se e
enrola a lona com os lençoes, deixando-as pendentes de
duas das referidas argolas. Istoas segara a vantagem de
conservar desempedido e arejado, durante o dia, todo
o cubículo.
Cada recluso dispõe de banca, tamborete, e prate­
leira para livros e objeclos de seu uso: escova, sa­
bão, etc.
Penitenciaria modelo, mesmo em confronto com
as similares extrangeiras, esta possue uma bibliolheca
que os penados frequentam dentro das determinações
do Regulamento.
As classes escolares funccionam á noite, e o pro-
gramma é idêntico ao de Buenos Aires, havendo
grande empenho em desenvolver os sentimentos cívicos
fe do encarcerado, pelo estudo ameno da historia palria.
Tanto aqui quanto na Argentina, esse estudo só é obri-
í; gatorio para os nacionaes, o que é logico.
: As classes são organisadas como nas escolas pu­
I
blicas.
iI Ha uma sala para conferências, com projecções
i cinematographicas. Ahi, ao lado de mappas, retratos
dos pro-homens do Uruguay, quadros de batalhas, etc., '
veem-se pelas paredes telas curiosas, desenhos inte­
ressantes, da aucloria dos reclusos.
No gabinete do Direclor, que é eslimadissimo de
.•
todos elles, vi um desenho, ou aquarella, dedicado a
. esse alto funccionario da Justiça: é um portico majes­
toso, encimado pela deusa da equidade, e pelos capi­
í
teis, remates e coruchéos, pilastras e columnas; abaixo
da expressiva dedicadoria, espalham-se centenas dc
assignaturas dos penados.

s
1
- 54 —
Quanto ás officinas, ficam aquem das argentinas,
no que se refere a tamanho, número e machinismos.
Não quero com isto dizer que sejam officinas de
segunda ordem; o que lhes falta é a grandesa e sum-
ptuosidade daquellas.
São estas as officinas que actualmente funccio-
nam: — ferraria, carpintaria, alfaiataria, escovaria,
sapataria, lytographia, typographia e encadernação.
Entre outros, merecem destaque os trabalhos de
modelagem e torneamento de aço e ferro. Vi, fabri­
cados nellas, ferrôlhos, fechaduras de aço, applicadas
ás portas das cellas; são admiráveis pelo engenho e
resistência que offerecem, podendo, com a mesma se­
gurança, fechar hermeticamente a porta ou deixal-a
com uma larga frincha de cinco a seis pollegadas.
Sob o ponto de vista financeiro, a Penitenciaria de
Montevidéu lambem dá grandes resultados; notei,
porém, que, devido á crise, havia pouco trabalho nas
officinas. 0 governo uruguayo costuma aproveitar o
trabalho dos presos nas obras publicas, o que, de certo
modo, compensa a diminuição do labor nos talleres *
penitenciários. •
As revistas criminaes são impressas ali; as leis, .
regulamentos do Estado e os annaes do Congresso
saem igualmente das officinas penitenciarias.
0 regimen é o do silencio nas officinas e cellas. -
Ninguém póde falar alto ou cantar, e como ha especia-
lisação de trabalho, um penado não tem que dizer ou
perguntar ao visinho. Às ferramentas são distribuídas
ao começar a faina, e recolhidas em armarios, ao fim
do dia. Si falta alguma dellas, o pessoal não sae
antes que appareça,

2
L II HIL ~ZZ.; "■ *

— 55 —
0 recluso obedece, não discute, seja qual fòr a
ordem. Mas, nos recreios, aos domingos e dias santi­
ficados, permitle-se-lhes que falem, por grupos.
Ha duas solilarias para castigos dos presos insub­
missos. Raros, porém, vão ler a esses cubículos, aliás
espaçosos, e nos quaes a frialdade vale por um ap-
parelho de tortura, apezar de asseiados. O chão das
cellas de penitencia é, como o dc toda a penitenciaria,
ladrilhado.
À legislação da Republica Orientai é adrairavel uo
/particular de provocar a regeneração ou readaptação
social dos delinquentes. O penado que procede de
modo exemplar na Penitenciaria terá descontado até
um terço da sua pena.
Está, pois, nas suas próprias mãos, reduzir enorme*
* mente o captiveiro, o que faz com que o numero dos
que não se aproveitam do beneficio legal seja diminuto,
e insignificante o de reincidentes.
Adoçada a indole do delinquente pelo trabalho,
pelas lições dos mestres e praticas religiosas, deixa-se
que elle se corresponda com os seus, e receber visitas,
com as quaes conversam no compartimento apropriado.
— Não devendo passar adeante sem occupar-me
da organisação e do pessoal que ali concorrem para
esse perfeito funccionamento, direi que, no Uru-
guay, a Penitenciaria não está subordinada á vontade
ou direcção do chefe de Policia, e sim do Conselho
Penitenciário, nos termos da lei de 4 de Abril de
1891.
Depende do Executivo apenas no que se refere aos
regulamentos e administração, e do Judiciário nos ter­
mos dos Codigos Penal e de Instrucção Criminal.
- 56 —
0 pessoal completo dc Ioda a vasta penitenciaria
è o seguinte:
Um direclor
Um sub direclor
Um intendente
Um secretario
Um prosecrelario
Um auxiliar
Um mestre de oíficinas
Tres vigilantes de l.a classe.
Vinte e cinco vigilantes de 2.* classe.
Um medico, que é ao mesmo tempo direclor do
gabinete de Anlhropologia Criminal.
3
Dous praticantes de Medicina, ou internos. .
Um pharmaceutico. r
j
Um padre.
Um professor. I
Seis serventes.
Um electricisla e gazisla.
:
Ao iodo 48 pessoas, abrangendo todos os serviços, :
do Direclor ao servente.
-
Deste pessoal, todavia, não s^o effectivos, mas í
simplesmente contraclados, o Intendente, os vigilantes, i
os subalternos, o que vale dizer:—dessas 48 pessoas \
apenas 14 são funccionarios públicos.
:;
Os empregados effectivos lem por si as garantias
constitucionaes; o Conselho Penitenciário, comtudo, ■:

i'
pódc suspendel-os dos cargos ou prival-os dos venci-
menlos, em casos previstos pelo regulamento. Os con- I
Iractados são demissiveis pelo Conselho, por proposta
do Direclor, convindo frizar que o empregado demit- i
\
!
:
:
t
*
i

:
i
i

> ■

i
i
:•
iUIL

— 57 —
tido não póde voltar a occupar cargo no estabeleci­
mento.
No que respeita ás vagas, serão estas preenchidas
pelo Executivo, por proposta do Conselho, de accordo
com o Director.
Existindo na legislação penal uruguaya a liberda­
de sob palavra e condicional, cabe ao Director da
Penitenciaria informar annualmente, e com provas,
para juizo do Tribunal Superior, quaes são os reclusos
que a merecem.
O penado, uma vez recolhido ao Cárcere Peniten­
ciário, é inscripto no livro do Registo, e acompanhado,
estudado, observado em todos os seus passos, antece­
dentes, hábitos, moléstias, etc., pelo medico, de sorte
que, a qualquer momento, o visitante ou a auctoridade
póde ter toda a historia reconstituída e os caracteres
anthropologicos do delinquente A ou B.
A lei segrega o Estabelecimento á visita de estra­
nhos, salvo concessão especial cio Conselho Peniten­
ciário.
1 Não carecem de licença especial: — o Presidente
da Republica, os Ministros de Estado, os Juizes, Se­
nadores, Deputados, o Arcebispo, os Membros do Con­
selho Penitenciário, o Presidente da Junta Economico-
Adininislrativa da Capital, o Presidente da Commissão
• Nacional de Caridade, com séde em Montevidéu, o
Chefe Político e de Policia, os membros das socieda­
des de Patronato reconhecidas pelo Governo.
Quando o recluso é auctorisado a receber as visi­
tas regulamentares, de seus parentes e amigos, os visi­
tantes ficam numa pequena sala, onde ha bancos de
espera, e o preso, sob as vistas dos guardas, fica num
— 58 —
dos corredores laleraes, conversando através das
grades.
Como se observa em Iodas as penitenciarias que
obedecem a uma classificação scientifica das penas,
aqui ha prêmios e castigos para os reclusos.
As recompensas variam deste modo, de accordo
com o art. 109 do Regulamento Geral do Cárcere Pe­
nitenciário, publicado a 21 de Maio de 1910:
a) Elogio pelo Director, deante dos empregados.
6) Permissão para retirar livros da bibliotheca.
c) Permissão para obter luz na cella, por mais
tempo que o especificado no Regulamento.
d) Prolongação do tempo de recreio ou des- S
\
canso.
e) Prolongação do tempo para receber suas vi-
í
sitas. .
f) Auctorisação para receber seus parentes em ?
sala reservada.
g) Recomraendação especial do Conselho Peni­ i

tenciário. i
:
Os castigos, constantes do artigo 89 do Regula­ :
mento, são estes:
:
a) Reprehensão particular pelo Director. í
b) Reprehensão publica.
c) Cella ordinaria, de 1 a 20 dias, com privação
i
S*
:
de leitura e Communicação, e com annotação de !
um ponto diário de demerito.
d) Cella ordinaria a pão e agua, de 1 a 8 dias,
sem leitura nem communicação, e annotação de dous ?
;
pontos de demerito, diariamente. »
e) Cella a meia ração, de 10 a 20 dias, sem lei- l
\
:
{

I
i
i

I
I
•-
'
- ►
— 59 -
tura, objectos de trabalho ou communicação, e anno-
tação de tres pontos de demerito.
/*) Cella escnrn. a pão e agua e meia ração, alter­
nando a juizo do Dhcclor, de 5 a 15 dias, com annota-
ção de 5 pontos de demerito.
g) Reclusão em cella de 1 a 3 mezes, e classifica­
ção de incorrigível.
Os penados são classificados em tres graus. Podem
ganhar por mezaléCO pontos de mérito por trabalho,
e 40 por bòaconducla. Os pontos de demerito destróem
na mesma proporção em que são dados os de mérito,
anleriormenle adquiridos.
Os penados incorrigíveis são privados da escola.
Todos os demais são obrigados a ella.
Os reclusos incluídos na Classe de Mérito não po­
dem ser requisitados para as obras publicas, fora do ~
estabelecimento.
— Occupemo-nos, já aqui, da alimentação. Ella é,
sem lisonja, muito bòa. O Director leve a preoccupa-
ção de mostrar-me o deposito de generos, a carne
verde, a agua. Tudo de primeira qualidade. O pão,
principalmente, que experimentei, rivalisa com as
melhores marcas do mercado, e é fabricado nos fornos
da Penitenciaria. Em nada, sob este ponto de vista, a
de Buenos Aires excede a sua congenere oriental.
Como geralmente se sabe, e é ponto incontroverso,
«é induvitavelqueno tratamento da criminalidade deve
conceder-se um logar de relevo ao regimen alimentar,
porque, segundo alguém disse, o caracter póde estar
strictamenle ligado com a modificação dos tecidos, e
os tecidos podem modificar-se artificialmente submi-
nislrando-se aos indivíduos, e em doses regulares, nos
— 60-—
alimentos, muito oxygenio, muito carbono, muito hy-
drogenio ou muito nitrogênio». (Gomez, op. cit.f pag.
51) Dahi o estar de accordo com a nova escola penal
fornecer aos reclusos boa alimentação. Em Buenos-
Aires, é esta a ração diaria de um preso, segundo pude
observar e se verifica das estalisticas penitenciarias:
Carne gorda, com ossos, na media de 33 °/0 de
ossos, pesando 401 grammas, ou seja liquido:
282 grammas de carne produzindo 0922 calorias
600 » » pão » 1818 I
296,80 * » batatas 0290 » ?
62,00 » » arroz 0223
115,76 » » macarrão 0318
36.00 » :
» assucar » 0143 » :■

261,00 * » leite 0183 i


85.00 » » feijão 0281 » í
:
21.00 » « milho 0078
19,00 » » f. de trigo » 0052 i-
4,00 » • toucinho 0035 ír
. 6,70 »* » azeite 0069 » i

0,75 » » queijo » 0002 ;


Total
r •
Peso dos alimentos 1.790.01 {

Calorias.............. 4.414 *
A distribuição destes alimentos faz-se de accordo ‘
com um cardapio que varia todos os dias da semana.
:
Na Penitenciaria de Montevidéu a differença não é
de molde a provocar uma dissertação. I •
O Dr. Geribàldi, entretanto, fundamentando lar- ■

gainente sua opinião, propõe modificações na ração [


dos encarcerados-, conforme a classificação respectiva, i
deste modo:
t •
1.1 u

- 61 —
1.° Os presos, recolhidos por effeito de condemna-
ção ou por castigo, deverão ser racionados com o
estrictamenlo necessário á sua subsistência.
2.° Para os presos destinados a trabalhos públicos
ou nas oflicinas, urge instituir a ração de trabalho.
3.° O regimen excessivamente carnivoro, tal como
hoje se pratica na maioria das penitenciarias da Ame­
rica do Sul, é physiologicamente improprio; deve ser
temperado pelo uso proporcional dos hydro-carburados,
na confecção do rancho. v
4.° Sob o ponto de vista hygienico e economico,
o café é improprio como complemento da alimenta­
ção do preso.
A observação ultima só me parece rasoavel quanto
á parle economica, uma vez que o Uruguay não produz
calé. Em que será o café prejudicial á hygiene do
recluso ? No inverno, principalmente, sendo o café
um poderoso estimulante, nada o condemna para uso
dos presos.
Aqui está, o que me ficou da rapida visita que fiz
ás duas grandes penitenciarias do Rio da Prata.
Como já por vezes repeti, não se trata de uma
informação exacta, impossivel de dar por quem não
teve por missão esse estudo, e só o fez pelo que lhe
valem a vontade e os altos intuitos que presidem a
essa vontade.
Não serão, ambas as penitenciarias, a ultima pa­
lavra no assumplo, uma vez que os paizes novos, que
muito têm a fazer, não podem, por escassez de re­
cursos, empregar sommas excessivas num só serviço,
quando outros estão a reclamar a acção do Estado.
— 62 —
Mas, em ■verdade, e com justiça, honram as duas ca-
pitaese a civilização sul-americana.
E aqui aproveito a opportunidade, não porque
os Governos as possam desconhecer, mas pelo que se
possa aproveitar da sua propaganda,para chamar par­
ticularmente a attenção para os princípios norteado-
res do regimen penitenciário, votados pelo Congresso
Internacional de Washington, em 1910.
Além dessa justificai iva, encontro, para a revive-
scència de taes conclusões, a do alheiamento de nosso
publico e de numerosos intellecluaes a esta questão
carceraria, imbuídos, quasi todos, da falsa idéa de
que o criminoso não merece cuidados especiaes, tendo
apenas, com o direito à vida, a obrigação de trabalhar
para diminuir ao Estado o peso de seu sustento.
O Congresso Penitenciário Internacional de Wa­
shington resolveu:
A—I — Nenhum indivíduo, quaesquer que sejam
sua idade ou antecedentes, deve ser considerado in­
capaz de emenda.
II—E’ de interesse publico, não só impor uma
condemnação que tenha caracter retribuitivo e um
certo effeito intimidativo, como também envidar sérios
esforços para emendar e corrigir os delinquentes.
III —Esta emenda poderá effectuar-se melhor sob
a influencia de uma instrucção religiosa e moral, de
uma educação intellectuai e phYsica, e de um tra­
balho apropriado para assegurar ao detido a possi­
bilidade de ganhar a vida no futuro.
IV — O systema reformativo é incompatível coim
a applicação de penas de curta duração; e um período
relativa mente demorado de tratamento reformativo é

I
I ill l_______

•— 63 —

muito mais beniíico que as repelidas condemnações


a breve termo, ainda que debaixo das mais sevéras
condições.
V—O tratamento reforma ti vo deve ser combinado
com um systema de libertação condicional, sob pa­
tronato e vigilância, e a juizo de uma commissão
' apropriada, instituída para esse fim.
B -E’ de desejar, vivamente, que se adopte um
systema de tratamento especial para os delinquentes,
sejam ou não reincidentes.
C — Os tribunaes deveríam ter a faculdade de
poder condemnar applicando um systema especial que:
a) Seja suíficientemente amplo para permi-
tlir a acção completa de todos os meios refor-
mativos possiveis.
b) Aclmitta o direito á libertação condicio­
nal, nas condições já mencionadas.

=
:
1

T
Os systemas prisionaes

Não vae ainda muito tempo, considerava-se um


bom meio de repressão, além dos processos peniten­
ciários, a cadeia publica ou prisão temporária, onde o
indivíduo accusado aguardava a palavra da justiça. A
nova sciencia penal não havia forçado as muralhas
chinezas do clacissismo; o criminoso não passava do
typo abjecto, temivel, que ousara ferir a sociedade nos
seus mais puros sentimentos, e de quem a sociedade
se vingava, matando-o, ou arremessando-o aos cár­
ceres sombrios, entre cujos typos celebrados pelos
horrores de que foram theatro, a famosa Bastilha não
logrou ser, por certo, a mais infame.
Com a evolução das sociedades, e o grande avanço
da criminologia, as legislações penaes dos paizes adi­
antados não se satisfazem com esses especimens de
prisões, e levantam numerosos edifícios, baseados na
classificação dos delinquentes e das penas.
Ainda se não chegou, na maioria dessas nações, aos
typos propostos por Igegnieros e outros scientistas,
(Systema penitenciário) que desejam, além das peni­
tenciarias, a prisão para os indivíduos auctores de
leves delictos, ou incriminados pela primeira vez, e
o presidio para os auctores de delictos graves, rein­
cidentes ou irreformaveis.
O grande dispendio que acarreta para os Estados
IIH

— 65 —
esse desdobramento das penitenciarias, afastará por
largo tempo a salutar reforma que taes sábios acon­
selham, satisfazendo os pavilhões especiaes nura só
estabelecimento. Em compensação, porém, já se vão
definindo os institutos de caracter”especial que nós, a
Bahia, a maioria dos Estados, infelizmente, apenas
conhecemos na theoria, atra vez das paginas de Ferri,
Garofalo, Garraud, e outros cujas obras são o farto
manancial de que se abebera a mtelle.ctualidade bra­
sileira.
São estes os typos modernos de prisões:
—- Os asylos de confraventores, cujas variantes po­
deríam ser os asylos para ebrios, vagabundos e men­
digos, para auxiliares do delicio, etc., destinados es­
pecialmente á prophylaxia e tratamento dos indiví­
duos antisociaes que ainda não tenham delinquido,
dos de má vida, etc.
— Os asylos de menores, cuja eonducta antisocial
faça indispensável uma pedagogia correctiva e uma
sequestração provisória, antes de serem legalmente
delinquentes.
— As prisões de processados, que a lei presume in-
nocentes, e que não convem misturar com delinquen­
tes já condemnados ou provadamente criminosos,
— Os manicômios criminaes, para aquelles delin­
quentes que soffram de alienação mental e requeiram
um regime ou tratamento clinico, regime que não é
possível dar-se-lhes nos estabelecimentos penitenciários.
— Os cárceres de mulheres, organisados de accordo

* com as indicações especiaes determinadas por seu
3
sexo.
— 66 —
No trato do assunipto, que nos vae agora preoccu-
par. e pela impossibilidade de alongarmos ainda mais
esta Exposição, occupar-meei somente dos typos que
a Republica Oriental adoptou.
Direi que, excepção dos manicômios criminaes, o
Uruguay legislou sobre Iodos os demais typos prisio-
naes adoptados pelas nações cultas, Elle possue o Car-
cele de Mujeres, e dispõe de logares especiaes para os
processados, tendo construído grande e bello edifício
para o Carcele Correcional y Preventivo.
Aqui, a Casa de Correcção, onde se internam as
mulheres condemnadas, é uma verdadeira affronta á
civilisação. O facto de achar-se entregue â municipa­
lidade da capital, cuja missão não se compadece
muito com a de guarda de penados, além das próprias
condições do edifício, sordido, hediondo, repugnante,
faz com que a referida prisão, onde de cambulhada
com indivíduos do oulro sexo, criminosos ou não, se
atiram as mulheres, entre as quaes muitas na me-
noridade. mereça a critica mais severa, tal a que se
contém nas paginas do meu obscuro livro — Um pro-
blema gravíssimo.
O Cárcere Correcional e Preventivo, de Monlevideu,
onde se internam os que ainda não são legalmenle
delinquentes, ou os que se fizeram passíveis de pe­
nas correcionaes, é modelar. Inslallado num bello
edifício, de construçç^o recente, attesta o zelo do go­
verno dessa republica pela sorte dos transviados, par­
tindo do principio de que todo indivíduo deve e pode
ser util a seu paiz, á humanidade, sendo obrigação do
Estado envidar todos os esforços para readaptar os
que se incompatibilisaram com o ambiente social.
— 67 —
Ser-me-ia facil descrever essas instituições de ca­
racter repressivo; deixo de o fazer por aquellc impe­
rioso motivo que alleguei logo ás primeiras linhas
deste capitulo.
O problema em loco para o governo é, penso eu,
além da reforma penitenciaria, eda prisão de mulheres,
o da Colonia de Menores. Eu não conheço tarefa mais
digna, e brilhante, e capaz de assegurar a gloria de um
governo, neste Estado, como em qualquer outro, que
a de levantar esse monumento ao futuro, na salvação
das crianças e dos jovens que por ahi andam, a en­
cher as ruas, viciados, abandonados, immundos, ver­
dadeiros desprotegidos dos paes e das leis, consti­
tuindo a vanguarda do crime.
Deixo, pois, o Cárcere Preventivo e o Cárcere de
Mulheres, este constituindo uma necessidade palpitante
para a Bahia, e passo á descripção, succinln, do que
vi, relativamenle a menores, no Uruguav.
Para melhor comprehensão do problema, e por
uma questão de. melhodo, dividirei tal estudo em qua­
tro partes dislinctas:
As colonias de menores e sua historia na America.
A Colonia Educacional de Varones, de Snaréz, nos
► arredores de Montevidéu.—Descripção.
A Colonia E. de Varones.—Leis e regulamentos.
O que deve ser a nossa Colonia.— Conclusão.

I
L
Às colonias de menores —Sua historia
na America
Cabe aos Estados Unidos a gloria de haver sido o
paiz onde se exercitou a protecção mais efficaz aos
menores delinquentes ou abandonados.
Desde os tempos coloniaes que este problema do­
mina o espirito de muitos de seus homens. Em 1660,
no Massachusetts mandava-se recolher a estabeleci­
mentos especiaes os orphãos e os desamparados. Este
regimen redundou, infelizmente, mau grado os bons e
generosos intuitos que presidiram a sua creação, numa
verdadeira exploração dos menores ali recolhidos.
Veio depois o Asylo das Ursalinas, em Nova Or-
leans, e mais de cem annos decorridos, o de Char-
leston, na Carolina do Sul, mantido pelas rendas pu­
blicas desde 1729.
Nova York fundou em 1824 uma casa de refugio,
e ainda ahi se levantava outro estabelecimento, sob os
auspícios da Sociedade Protectora das Crianças, em
1853.
A semente, arrebatada pelas refegas da propaganda,
e cuidada pelos processos mais aperfeiçoados, ger­
minava célere em todo o paiz.
Em 1395 estava organisada a Republica de Jovens,
The George Junior Republic, em Treville. Era a ul­
tima palavra no assumpto: o governo da colonia pelos
proprios menores!

;
.

i
í
I
II IHBlUtU.

— 69 —
0 espirito arrojado dos yankees teria ido longe de
mais na sua ansia de innovação e de reforma? Não.
E tanto isto é a verdade que logo Redigton, na
Pensylvania, Annapolis, Junclion, no Maryland, Leit-
chfield, no Conneticut, Clino, na Califórnia, e Fle-
mington Junclion, em New Jersey, a imitaram com
successo.
Essa proliferação dos reformatorios de menores
por todo o paiz tocou o brio do Massachussetts.
Elle havia tido a iniciativa dessa protecção; tem
hoje, ali, o primeiro logar, quer quanto ao numero de
colonias, quer quanto ás excellencias destas. O refor-
matorio de Westboro é a ultima palavra no as-
sumpto.
Não é de mister pormenorisar todos os estabe­
lecimentos desse genero, nos Estados Unidos da Ame­
rica do Norte. Direi, apenas, quanto a estas colonias,
que para a Bahia e para quasi lodo o Brazil constituem
doirada e fugidia aspiração, acharem-se de tal sorte
diffundidas na portentosa republica, que vários Esta­
dos as possuem nos principaes condados e municípios
de seu território.
k
O systema predominante, nestas construcções, nos
E. Unidos, é o dos pavilhões separados, posto seja
muito mais dispendiosa a respectiva construcção que
a dos edifícios de um só corpo para contingentes*
elevados.
Falando delle, escreveu Fernando Cadalso, na
sua obra intitulada—Institnciones penitenciarias cn tos
i
Estados Unidos:
1
— «Constilue um grau intermediário entre o
regimen collectivo e o de collocação em fami?
J
i

I
— 70 -
lias, e por elle se inclinam as pessoas de maior
auctoridade na matéria. A reforma adoptada
pelo Estado, (Ohio) para seus menores, fez-se
extensiva aos condados, estabelecendo escolas
desta classe nos mais importantes centros de
população, já nas cidades, já no campo, dentro
da respectiva jurisdicção. Os hospícios que além
dos desamparados albergam os delinquentes,
têm poucos partidários, e existe uma corrente
favoravel para os substituir pelos referidos pa­
vilhões e a collocção em familia.»
Também a União construira os seus reforinatorios
de menores em Washington, não só para os do sexo
masculino como para as raparigas.
Em 1913, existiam nos E. Unidos 93 destes estabe­
lecimentos, com uma população de 23.034 reclusos, de
6 a 21 annos. dos quaes 13.177 do sexo masculino c
4.857 do sexo feminino.
O desenvolvimento desses estabelecimentos educa­
tivos não se limitou ás exlerioridades dos edifícios ma-
gestosos, muitos dos quaes notáveis pela sua sum-
pluosidade.
Veja-se a que extremos dê perfeição chegou a or-
ganisação da Gcnrge Junior Republic, no Estado de
Nova York.
Constituída por 12 pavilhões isolados, além dos
que se destinam a capelia, escola e officinas, a George
Republic constituo verdadeira cidade, assentada numa
area de 500 acres, cultivados pelos menores, que além
da lavoura se entregam a criação do gado e de aves
domesticas,

i
I i|l WJI1I..

— 71 -
Seus jovens habitantes tratam-se por cidadãos
e são conhecidos pelo nome de republicanos.
Acompanho, aqui, a descripção magistral de Ca-
ualso:

. —«Em sua essencia, é uma escola de edu­


cação, diz elle. Nella tèm entrado, comtudo, os
discolos e rebeldes á aucloridade paterna, aban­
donados, e delinquentes de ambos os sexos, de
14 até 21 annos; mas, em seus costumes, é
uma cidade em miniatura.» (Op. cil.)
São os menores que, auscultando as ueoessidades
!
da republica, ditam as leis destinadas a salisfazel-as,
a reger a sua democracia sui-sgencris, e as applicam.
Orgauisam o governo, com o seu presidente, ministros
c chefe de segurança, que responde pela ordem, dis­
ciplina e moralidade republicanas. Insiallam os tri-
bunaes, calcados nos seus congeneres da União, e com
elles dirimem as suas pendências. Têm uma Consti­
tuição cuja divisa è—Nada sem trabalho, e, realmente,
rapazes e raparigas trabalham sempre, salvo casos de.
* moléstia ou motivo superior.
O interessante é que os reclusos sâo quem paga
o proprio trabalho, o alimento, a roupa, os alugueis
do alojamento que occupam.
The Gcorge Juiàor Republic é uma copia, um ar­
remedo da poderosa federação norte-americana. Bas­
tará dizer que ella possue, tal qual estão no pacto
1 fundamental do paiz, poderes legislativo, executivo e
judicial.
Leis curiosas combatem a vagabundagem.
- 72 -
0 executivo, como disse, encarna-se num presidente
e num ministério, este composto de cinco pastas occu-
padas pelos menores. Ha também um vice-presi­
dente.
O poder Judicial consta, além do Tribunal Superiort
de um Juiz Superior. do Chefe do Policia e dos juizes de
paz nomeados pelo presidente, e seus julgados podem
ter recurso para o Superior Tribunal.
O Legislativo descansa na mesma base democrá­
tica, sendo eleitos pelo pouo, os representantes.
Às leis deste parlamento não se applicam indis-
tinctamente. Dellas, quando nocivas ou absurdas, in­
teira-se o Director do Estabelecimento, que dispõe do
direito de veto, raramente utilisado, tal o critério de­
monstrado pelos jovens legisladores.
Para que seja perfeito o «simile», The G. Junior
Republic tem o seu Banco de credito, sua moeda, suas
escolas elementar 1f superior, sua prisão, officinas,
etc. A escola elementar prepara a maioria dos reclusos,
fornecendo-lhes conhecimentos uteis e práticos. A
Superior dedica-se especialmenle aos menores reco­
lhidos a pedido dos paes, e que pretendem matri-
cular-se nasÀcademias c Universidades.
Do Memorial da Direcloria, em 1912, (Leventeanth
Annual Reporl of th e George Junior Republic) apura-se
que tiveram ingresso em diversos estabelecimentos de
ensino, entre rapazes e raparigas, cento e vinte quatro
desses internados.
Os jogos, as diversões, os exercícios, as palestras
literárias, as prendas, têm o seu logar distincto nesta
republica original.

f
!
í
I - >

— 73 —

Quanto ao custeio, aqui transcrevo o balanço de


1912 :
Dollares
Despesa 95.123,86
Receita, 75.259,23
Déficit. 19.864.63

Será, pelos algarismos reproduzidos, excessivo o


dispendio do Estado? Dezenove a vinte mil dollares
para a salvação annual de uma centena de meno­
res?. ..
E quanto despendería o governo, mais adeante, para
reprimir e punir esses cento e muitos criminosos,
vagabundos, desordeiros, que o seriam, por certo,
4
como outros tantos, sem esse amparo, sem esse au­
xilio ?
Emquanto se deverá estimar o trabalho util e o
capital humano que esses menores representam?
Reflectindo bem, e multiplicando cem menores
pelas noventa e tres colonias norte-americanas exis­
tentes até 1912, teremos que, em media, os governos

dos Estados salvam alli, tansformando-os em mulhe­
' res dignas e homens validos, physica e moralmente,
3
cerca de nove mil indivíduos, annualmente.
Haverá despesa excessiva em confronto com esta
abuiidancia de benefícios?
Este systema não nos serve, todavia; não nos po-
1 deria servir. Elle presume esse ambiente de ordem
de que nos fala o sabio Dicey, e a extincção do
analphabetismo. Entre nós, pois, dada a casta de
gente que teria de constituir maioria fatal na colonia,
isto seria impraticável,
10
— 74 —
Outro typo interessante é o da Escola Agrícola e
Industrial, no mesmo estado de New York.
Está edificado no condado de Monrõe, em Rush,
a 12 milhas de Rochester e a 390 da cidade de New
York, á margem da Erie Railroad. «A instituição
offerece ao visitante o tríplice aspecto de villa agri'
cola, centro fabril e collegio.» Está dividida em nada
menos de 32 pavilhões separados, e destes-—20 desti- "
nam-se aos menores, 9 ás diversas industrias, 2
à abservação dos menores que entram e 1 á corre-
cção disciplinar.
Respeitando meticulosamente as crenças e direitos
de cada qual, o que faz a gloria de sua democracia,
os E. Unidos levam esse respeito ao ponto de, como
se vê neste Estabelecimento, construir nelle duas
igrejas, uma para o culto catholico, outra para o
protestante.
Seguem-se aos pavilhões mencionados a Escola, a
Enfermaria, Casa da Administração e outras depen­
dências.
A area occupada pelas múltiplas lavouras mede
1.432 acres de terrenos diversos.
Pelo que toca á administração, cumpre salientar
que ella não é unipessoal; recaindo, na parte directiva,
numa commissão de 7 membros, que se repartem a
auctoridade e agem em harmonia com ura simile de
governo collegial. Subordinados á Commissão directi­
va ha-vários empregados, entre os quaes um, de ele­
vadas funcções, o inspector para os «liberados» sob
palavra.
Os pavilhões distam largo espaço uns os outros,
- 75 —
são independentes na sua direcção particular, sendo
cada qual delles occupado por 25 menores apenas.
Como a denominação da Colonia em questão deixa
perceber, da primeira visada, ella possue uma secção
agricola. Nos pavilhões que a esta correspondem fi­
cam aquelles reclusos que inspiram confiança, uma
vez que a vigilância nos campos não póde ser per­
feita.
Os rebeldes, os insubmissos, estes têm o seu pa­
vilhão á parte. E’ de mister que o vicio e as más
qualidades desses aberrados não contagie os demais.
O trabalho distribue-se gradativamente, de modo
equilativo. Os serviços pesados reservam-se para os
de peior procedimento; os mais leves para os de bôa
conducta. Mas o que nas colonias americanas merece
especial menção é o facto de só se entregar a direcção
dos pavilhões a casàes de nobres sentimentos, hones­
v
tos, o marido como inspector, a esposa como vigilante,
agindo ambos como si os reclusos fossem seus pró­
I prios filhos.
A secção industrial conta 9 pavilhões. Nelles o
rapazio movimenta-se como nas fabricas particulares,
:

debaixo de uma admiravel disciplina.


Também merece umas linhas de destaque a cria­
' ção do gado e aves domesticas, feita de accordo com
as prescripções zootechnicas. A criação do gado, prin­
I cipalmente, evoluiu tanto que nas grandes exposições
americanas de animaes para açougue e reproduclores,
os especimens apresentados pela colonia mi:; Ia de
Industry têm-obtido grandes prêmios, o que dá aos
f menores um certo apuro e brio nessa profissão.
—*70 —
Em Outubro de 1912 havia 728 jovens na Co-
lonia.
A despesa total do estabelecimento ascendia á ele­
vada somma de 184.366 dollares, dando 247.53 por
internado.
Passemos, emfim, ao ultimo lypo caracterisado das
colonias norte americanas e educativas de menores: o
typo da Escola Industrial de Lancáster, no Ohio, cal­
cado na organisação e disciplina militares, e que al-
cançára o numero de 750 réclusos no anno de 1913.
Sua população divide-se em 4 batalhões, formando
2 regimentos e 16 companhias, sujeitos aos mesmos
exercidos da tropa regular, inclusive paradas e ma­
nobras de campo, (military field day); ha paradas
todos os domingos.
O systema ahi adoptado, quanto á distribuição dos
menores pelos pavilhões, é o de famílias, como no
ultimo typo, famílias ou categorias, classes ou que me­
lhor nome tenha.
Nem por ser industrial e funccionarem toda a
semana as suas officinas, turmas de reclusos deixam
de cultivar o campo da colonia, o qual mede 1.230
acres.
As estatísticas publicadas sobre a origem dos in­
ternados são curiosas.
Dos 745 menores.!.
2 tinham paes loucos.
35 não conheciam os paes.
8 ignoravam quem eram suas mães.
124 eram filhos de casaesqiie se haviam separado
ou divorciado.
99 tinham padrastos e não paes.
?
I
'

$
;

\
II I 111 IMU.

— 77 —
50 tinham madrastas e não mães.
110 descendiam de paes intemperantes.
13 descendiam de mães intemperantes.
20 de paes e mães entregues á embriaguez.
418 vinham de paes cuja linguagem era licen-
ciosa.
219 de paes truões.
Este quadro deve impressionar vivamente os ho­
mens de Estado. O alcoolismo, a má educação e o
abandono são os principaes factores da criminalidade
infantil.
Quanto á idade, os 745 reclusos estavam assim
distribuídos:
De 7 a 10 annos 23
De 10 a 15 » 339
De 15 a 18 » 359
De 18 a 19 » . 24
Delles, como se verificará do primeiro quadro,
eram orphãos 288
E’ uma situação lastimável para os povos esta que,
dados os meios de corrupção moderna, a cuja frente
*
está o cinemalographo, mais tende a aggravar-se.
No Brazil o quadro não é outro. Temos crianças
que ferem e que matam; dezenas de crianças que rou­
: bam; centenas que furtam; milhares que enchem as
ruas entregues a toda sorte de vicios.
- O dr. Cândido Motta registou este phenomeno
quanto a S. Paulo; e S. Paulo mostrou que sua colonia
de menores, hoje está á altura das boas instituições
deste genero. (O menor delinquente e seu tratamento no
Estado de S. Paulo),
— 78 —
0 dr. Evaristo de Moraes, por sua vez, mostra
como no Rio de Janeiro e demais cidades do Brazil
a situação não varia. (Criminalidade da Infancia e da
Adolescência—1916).
/ Em Buenos Aires, dizia o dr. F. Sunico ao Con- „
gresso Penitenciário Nacional, ha cerca de 40.00Ü
menores desoccupados, que fornecem uma dolorosa
porcentagem ás estatitisticas do crime e da vagabun­
dagem. (Actas e Trabajos dei Congreso P, Nacional—
1910).
Si a Bahia tivesse uma colonia, por maior que ella
fosse, não seria grande de mais. O espectáculo das
nossas ruas é pouco edificante. Nellas, como ás
portas das vendas e tavernas, ou á sombra das arvo­
res, no interior, se está formando uma juventude
frouxa, inerte, incapaz, e que, pelo caminho que o
destino lhe reserva, não fugirá á lei que diz: o indi­
víduo é um producto do meio, da educação e dos
factores ancestraes.
Os dados que acima transcreví têm, pois, uma
expressão vivíssima para os homens de consciência.
Por elles vemos que a idade mais perigosa é a que vae
dos 10 aos 18 annos, precisamente nessa em que os
paes costumam abandonar os filhos e em que na alma
humana se dá o mais violento embate dos instinctos,
assim que Henry Joly escreveu:—*Quand un ado-
lescenl se jette dans le crime, il ne sy jette à moitié.»
E esse quadro da colonia do Ohio é de um valor
tal na prova de que os governos devem amparar as
crianças e adolescentes abandonados, em vez de as
punir, que eu me abstenho de commental-o mais
desenvolvidamente; limito-me a dizer que o disposto
— 79 —

no Codigo Civil, relativamente aos paes incapazes ou


perversos, carece de sancção mais pratica e positiva.
Os maus paes são os principaes autores do infor­
túnio dos filhos e os causadores desta terrível pro­
pagação do mal que vae ulcerando e está corrom­
pendo o organismo da sociedade contemporânea.
Limitar-se o Estado a asylar os que cairam no
sorvedoiro, é muito pouco. Penetrar nos lares perni­
ciosos e punir os paes indignos, eis o complemento
indispensável á obra que eu tenho fé em ver breve­
mente iniciada em todos os Estados do Brasil.
E, para fechar este capitulo, vão aqui estas pala­
vras de Ellen Key, pedagoga sueca, no seu livro tão
cheio de fé e de coragem:

— «Na Inglaterra ha sociedades cujos mem­
> bros penetram nas famílias para proteger as
crianças contra a crueldade dos paes; suas denun­
cias fazem com que se castiguem as mães des-
naturadas e obriguem os paes ao pagamento da
pensão de seus filhos quando, em caso de re­
incidência, lhes foram arrancados das mãos

f Na Allemanha também as leis permittem
separar os filhos daquelles paes que, seja por
manifesto abuso de seu poder, seja com o
exemplo dc seus maus hábitos, os prejudicam
physicamente e os corrompem moralmente
— «A maior amplitude que cada dia se dá a es­
tas providencias é para a sociedade um meio
importantissimo de defesa, comparável ás leis
destinadas a impedir a diffusão das enfermidades
. contagiosas.»
!

na i a
— 80 —
(O século das crianças, trad. deM. Mir. vol. II,
pags. 114 e 115. )
No Brazil, só o Districto Federal fez alguma cousa
no que respeila ao palpitante problema; e S. Paulo
resolveu-o com a galhardia que o caracterisa no amplo
seio da federação brasileira.
Relativamente á Bahia, por certo deveis saber o
que temos feito em tantos annos de republica:—uma j
lastimai
Aos ensaios succedeu a apathia. Aos projectos em ,
chusma, animados do desejo de acertar, sobrepuzeram- ■

se outros, alguns dignos de estudo, alguns disparata­


dos, sem noção do assumpto, e todos sem sancção
pratica, sem execução. i
Relembrarei aqui, todavia, ao fazer esta Expo­ -
:
sição, quanto escrevi e publiquei ao ter de partir para
a Republica Argentina, no opusculo—Um Problema i
gravíssimo:
«As colonias correcionaes têm a sua historia na i
:
Bahia. Não constituem idéa nova, nem de todo banida
ao esquecimento. Pelo contrario, espíritos alevantados
e cultos dedicaram-lhe carinhosa allenção e tudo fize­
i
r
l
ram em beneficio da sua victoria. i
Em 1895, na sessão de 25 de Abril, o deputado ' t
Lellis Piedade perguntava da tribuna: «Que se faz í
entre nós com os menores criminosos ou vagabundos?
Manda-se-os para a Casa de Correcção; para a convi­
t
í
vência de outros criminosos, numa promiscuidade
deprimente, de sorte que a prisão não os pune, antes
I
!•
proporciona-lhes o ocio e a audição de historias revol­ h
tantes que lhes vão envenenar ainda mais o espirito, !:
;
II.

- 81 —
levando-as para a imitação a que se referiu Tarde ou
para a admiração de que tratou Iíropotchine em celebre
relatorio...»
E o saudoso jornalista, que foi na sua terra um
generoso apostolo do bem, apresentou á Gamara o Pro-
jecto n. 160, infelizmenle longe de corresponder, pelo
evidente receio da impossibilidade de conseguir mais,
âs exigências do direito, aliás, a esse tempo, não tanto
evoluido como agóra. (10)

(10) Foi este o projecto:


A Asscmbléa Geral Legislativa decreta:
Art. 1.® Fica auctorisado o governo do Estado a crear
duas colonias correccionaes para adultos e meninos.
§ l.° Constituirão a primeira os indivíduos sem occu-
pação e reincidentes de crimes passíveis de penas ligeiras.
§ 2.o Constituirão a segunda os menores criminosos,
vagabundos, orphãos, ou miseráveis entregues pelos seus
proprios paes.
Art. 2.° Nessas colonias conservar-se-ão o ensino agrí­
cola, nas estações próprias, e o ensino de artes raechanicas
e officios, nas estações invernosas.
Art. 3.° Em cada uma dessas colonias haverá uma ca­
deira de ensino primário e de rudimentos de sciencias
naluraes e outros conhecimentos, para os estudantes que
forem concluindo os primeiros estudos.
Art. 4.o Para as officinas que se forem creando, o go­
verno conctratará profissiònaes habilitados, mesmo dentro
da colonia.
Art. 5.o Cada colonia será dirigida por um director,
que terá como auxiliares um escripturario, ura amanuense,
um servente e um pequeno corpo de vigilância, que poderá
ser organisado coml os proprios colonos que derem provas
de obediência e amor ao trabalho, todos com vencimentos,
conforme a tabclla annexa.
Art. 6.o Será contractado com qualquer clinico da visi-
nhança das colonias um serviço de ,visitas e soccorros
médicos.
u
— 82 —
Graças aos esforços do sr. Asclepiades Jambeiro,
installou-se no Porto do Bomfim a primeira Escola
Correccional da Bahia. Era isto em 1900. Mas, no
acanhado de seus recursos e do seu plano, não corres- ^
pondia a seus fins.
Dous annos'antes, sendo chefe de policia o sr.
dr. Felix Gaspar de Barros e Almeida, o governa?
dor Luiz Vianna sanccionâra a lei n. 268, creando
um Colonia correccional agrícola, e auctorisando o
Estado a crear também uma Colonia agrícola educa­
dora.
Ainda em 1901 a idéa estava no papel.
O sr. Ràmiro de Azevedo, a 31 de Maio, attes-
tando a existência «de uma multidão de creanças I
!
que, em abandono, vagueiam'pelas ruas, em desbra- Vs
gada vadiagem e na pratica de vicios de toda a ordem,»
apresentou ura projecto auctorisando o governo a
í
abrir o credito necessário para reforma da Escola do
Porto do Bomfim.
Seguiram-se outras tentativas, mais ou menos ir
viáveis, sem que, no entanto, o poder executivo, pre­ :
mido pela falta de recursos financeiros, ousasse con­
struir a sonhada colonia correcional. C-
liV
O sr. Aurelino Leal, actual chefe de policia na
r
Capital Federal, e outros alumiadosespiritos, pregaram
e aconselharam a util instituição.
i
i
Art. 7.o Um regulamento especial regerá esses estabe­ !■

lecimentos, que ficarão constituídos de modo a ser futuras }


fontes de receita para o Estado. i:
Art. 8.o Rcvogam-se as disposições em contrario.
S. R. Caraara dos Desputados, em 25 de abril de 1895. :
—Lellis Piedade.—Landulpho Medrado.—Miguel Ribeiro. !
í

:
V
li
fj


LU._ ..~v- .

- 83 —
Era chefe da segurança publica o sr. dr. JoÂo
Santos. Alarmado com o estado da Colonia que então
possuíamos, um simples arremedo que a boa vontade
debuxára visando a sua reforma immediala, para elle
«vazada em moldes condemnados, erroneos, inconveni­
entes», submetteu á consideração da Assembléa es­
tadual um bello projecto, que infelizmente não se fez
lei.
Era synthese:
Todas as tentativas abortaram.
A Colonia Correccional não se fez. Os governos,
todos elles, passaram aligeiradamente sobre a idéa,
sem coragem dea praticar.
Os menores, de qualquer idade, presos ou conde­
mnados, são ainda enviados para a Penitenciaria ou
Casa de Correcção. E as menores, uma vez que a Pe­
nitenciaria é só para homens, vão de roldão com os
demais criminosos para a outra das nossas prisões
que eu appellidei, parodiando Dostoiewsky, de Casa
dos Mortos.
A Bahia, culta, generosa, que mantém hospitaes,
que tem a Maternidade modelo, que levantou o seu
Instituto de Protecção á Infancia, que instituiu a Gota
de leite e vae fundar o Hospital para creanças, a Bahia
não deu um passo quanto aos menores culpados ou
abandonados. (11) *

(11) A condemnada Maria Vicencia da Conçeição der. en­


trada, com 14 annos, na Casa de Correcção, era 1893, con­
demnada a 30 annos de prisão. Ha vinte e quatro annos vive
soterrada num cubículo nauseabundo.

\
— 84 —
Nossa situação, neste particular, póde resumir-se
neste facto: — A menor Maria da G1 ori a, _ condemnada
era Cachoeira, e que obteve habeas-corpus no sentido
de não ir bater ás porias da Casa de Correcção, não
teve uma casa pia, uma instituição beneficente, um
azylo official, a que se recolhesse. O sr. dr. Álvaro
Cova, Chefe da Segurança Publica, não encontrando
onde a internar, acabou por collocal-a sob a protecção
de sua familia, recebendo-a no seu proprio lar!
Si estes factos e exemplos não bastam para se co­
nhecer da necessidade de construirmos a colonia para
menores, que falem outros, os mais convincentes e
eruditos, que eu ficarei para applaudir, do rez do chão
de minha humildade, a victoria das suas predicas!
Já houve quem dissesse que a creação de colonias
correccionaes para menores era, nos Estados, incon­
stitucional. Os que assim murmuram desconhecem,
por certo, o decreto legislativo federal, n. 145 de 12
de Junho de 1893, que, no artigo 9, estatuiu: — «Os I
Estados poderão fundar, a sua custa, colonias cor­
reccionaes agricolas, na conformidade das disposições
desta lei, correndo somente as despesas por conta da
União, quando nas leis annuaes se votar verba espe­
cial para ellas».
Foi assim que S. Paulo creou o sèu reformatorio,
hoje remodelado, honrando sua cultura e desenvol­
vimento. (12) s

A rapidez com que tive de compor estes últimos I


capitulos, ao tempo em que os primeiros eram im-
i
.
(12) Ler Os menores delinquentes em S. Paulo, pelo Dr. ;
Cândido Motta.
*
i
í
;
\
I

I:

:
(
I,v

I
1 ü liLilL

—■' 85 -

pressas, de par com as duas communicações desti­


nadas ao Congresso Americano da Criança, rapidez
determinada pela honrosa missão de que me incum­
biu o governo para a representação da Bahia nesse
grande Congresso, não me permitliu desenvolver me­
lhor a historia das Golonias correccionaes, nesse Es­
tado. Outros, mais de espaço, e sem precipitação,
preencherão os claros que eu sou o primeiro a reco­
nhecer neste, trabalho. (13)
Também é possível que, dos textos da legislação
estrangeira que compulsei, alguns se tenham trans­
formado. Não tive, todavia, sciencia de laes trans­
formações.
E eis ahi está porque, encerrando estes modestos
commenlarios, ouso insistir junto aos poderes públicos
de minha terra, para que vão ao encontro dessa for­
mosa aspiração social. Oxalá que se não possa repe­
tir, dentro de breve tempo, a phrase de Viveíros de
Castro, de que «com um egoísmo feroz, alma fe­
chada á piedade e á sympathia, nós ficamos indiffe-
!
rentes e frios á sorte da infancia desvalida quando
delia não nos aproveitamos para uma exploração
I baixa, ignóbil e torpe.» (14)
Talvez se me queira accusar de haver sido vehe-
mente, e quiçá rude, no expor a nossa penosa situação,
no que toca aos systemas prisionaes; justificar-me-ei,
porém, neste particular, com a expressão do mesmo

(13) Ultimamente o Congresso estadual tomou conheci­


mento de dous projectos sobre o assupmto. Eram, porem, ab­
solutamente incompletos.
(14) Nova Escola Penal, pag. 327.
- 86 —
\
eminente criminologista brazileiro, que tomei para
divisa: — « Periculum dicendi non recuso. E’ preciso
dizer a verdade, clara e franca, sem phrases amanei-
radas, sem arabescos de estylo, que attenuem as côres
escuras e sombrias do quadro.»

>.

-
:
4

l
fill I UlLi
__

A Colonia Educacional de Yarones—Suarez—


Montevidéu
Chegando a Montevidéu, logo no dia immediato
procurei o sr. Chefe Político e de Policia da Capital,
dr.V. Sampagnaro, no edifício da Chefatura.
Encaminhada a palestra para assumptos de ordem
publica e penalogicos, mostrei á illustre auctoridade
oriental, a cujas maneiras educadas e elevado espirito
rendo aqui um preito de admiração, o desejo de vi- •
sitar a Colonia Educacional de Varones, cuja fama
havia chegado a meus ouvidos.
No dia immediato ao desta visita, procurou-me o
distincto sr. Xavier Mendivil, Deputado Nacional e
membro da Sociedade das Prisões, o qual, numa inesque­
cível prova de interesse muito vivo por aquella visita,
ia pôr os seus serviços, bem como o automovel da Che­
fatura, ao meu dispor, durante os dias de minha per­
s
manência na encantadora capital,
Foi com este precioso guia que me dirigi á Colonia
de Menores, devendo ainda registar, por comprobatorio
do interesse a que alludi, a visita a mim feita no
mesmo dia pelo dr. E. Borro, director da Colonia e
grande conhecedor do problema da criminalidade in­
fantil.
A Colonia dista trinta kilometros da capital. Com-
munica-se com a cidade de Montevidéu por esplen­
dida estrada de rodagem, macadamisada, ao longo

i
1

-
=
— 88 —
da qual circulam os coches, os automóveis, e, até ao
sitio denominado Parada, os bondes eléctricos.
Chegamos ás 10 horas a Suaréz, debaixo de um
frio cortante e denso nevoeiro, que alli, no immensu-
ravel descampado, lembrando os nossos taboleiros,
mais flagicía os viajantes.
A Colonia começou a funccionar a 26 de Outubro
de 1912, tendo, portanto, apenas 4 annos.
Sua capacidade era, então, de 62 menores.
.Quando, atravessada uma alameda, saltei do auto­
móvel, tive uma impressão singular, proveniente da
paisagem morta, das arvores sem folhas, do solo secco,
numa apparencia de absoluta esterilidade.
Turmas de menores, de dolman e gòrro, lavravam
a terra. As veredas do parque e do jardim, tão certas =
e lisas, pareciam de asphalto.
O Director, um «genlleman», que me apparecera
na vespera, solemne e de cartola, ali estava de brim
kaki, chapéu de amplas abas, cothurnos amarellos;
era o homem do trabalho, entregue á sua missão com
verdadeiro tino e alta intuição do complexo serviço.
Vive na Colonia e para a Colonia. Fiscaliza os cam­
pos, surge inesperadamente nas officinas, perlustra os
livros da intendencia, e, quando a noite chega, estuda
os problemas criminaes, as questões carcerarias, a
psychologia infantil. O que não o prohibe de, á noite,
sorpreender os vigilantes nos vários pavilhões, pu­
nindo, sevéro, os que dormem ou desertam do posto.
Após os cumprimentos do estylo, começamos a
percorrer a Colonia*
Em primeiro Iogar, as hortas e os jardins, que
— 89 —
occupam uma enorme extensão. Tudo lembrava nos­
sos campos após a devastação das «queimadas».
Extensa sebe viva, de cipós retorcidos, com a qual
haviam cingido a horta, seria, dentro em breve, com
a primavéra, um dos . mais bellos roseiraes do Uru-
guay! Tudo aquillo não demoraria em reflorir, em
tomar um viço e côres magníficos.
Sobre a sombria paysagem, o sol, que eu, debalde,
nesse dia, buscava, recomeçaria a sua obra divina de
renovação.
A impressão para meu espirito de brasileiro, ha­
bituado ao eterno encanto da natureza, é que não
podia ser outra. Aquella desolação e aquella planura
sem limite abafavam-me.
Os drs. Bôrro e Mendivil explicavam-me a orga-
nisação dos serviços, emquanto caminhavamos. Os
menores, no campo, distribuem-se por turmas, nem
sempre predominando o critério da idade, mas o das
classes a que pertencem, sob o ponto de vista das
causas que determinaram sua inclusão no Estabele­
cimento.
<• Todos elles de apparencia magnífica, e, na quasi
i totalidade, de côr branca; em raros advinhejmaus ins-
tinctos nas linhas physionomicas ou no turvo olhar
mysterioso.
Cada turma tem o seu vigilante, que zela pela or­
dem e moralidade, ao mesmo tempo que instrue os
reclusos.
Passamos á Escola do primitivo estabelecimento;
má impressão. O edificio, velho, acaçapado, era escassa­
mente illuminado. O dr. Bôrro, comprehendendo-me,
fazia notar que eram dependencias antigas, condemna-
ís
- 90 —
das, que se tratava de abandonar por completo; mas,
infelizmente, fôra impossivel, até então, arrazal-as, por
não se achar concluída a edificação de todos os novos
pavilhões.
Deixando estes compartimentos, onde, além disto,
vi um refeitório e um dormitorio arejados, mas igual­
mente de mau aspecto, volvemos ao automóvel, e por
largos caminhos chegamos á verdadeira Colonia de
Suarez.
Estava-me reservada uma surpresa, no contraste
que agóra se me offerecia, entre os obsoletos pavilhões
visitados e aquelles que se erguiam ante os meus
olhos. A impressão, que ahi recebi, só teria de ser
excedida nessa excursão pela Colonia de Retardados
Mentaes de Torres, na Argentina.
Vários pavilhões, verdadeiros palacetes, de estylo
norte americano, largos, altos, de dous andares, além
do rez do chão, occupado pelas secções de forneci­
mento, secretaria, etc., alli estavam, junto a um pe­
queno bosque de eucalyptus, sem symetria, um tanto
afastados uns dos outros.
Logo adiante lobriguei um outro pavilhão inaca­
bado: seria a nova cosinha. Além, os alicerces de outro,
as officinas eléctricas, onde serão montados os moto­
res, provisoriamente installados em acanhado com­
partimento, e que dão luz a toda a Colonia e fornecem
energia ás officinas.
Um grupo de menores entregava-se a jogos numa
area contígua ao lindo «chalet» do director; e como
fosse dia util, e não estivessemos em momento
de folga, extranhei o facto. Logo colhi que se tra­
tava de convalescentes, em ferias forçadas por deter-
I

— 91 —
minação medica, dentro da letra do Regulamento
Interno.
Aqui, como no campo, os rapazes e crianças esta­
vam em labuta, uns trabalhando de pedreiros, outros
de ajudantes.
Também as ofíicinas se encontravam em activi-
dade.
As que ainda não dispõem de novos pavilhões,
estão alojadas em galpões cobertos de zinco, sem la­
drilho no solo. E ainda, da mesma sórte que no campo
e nas construcçÕes, os menores porafivam, debruçados
sobre os motores, sobre os tornos, guiavam metaes e
pranchas que as serras cortavam, iam e vinham, por
entre a agitação das correias, o rodar dos volantes,
% o chispar da electricidade.
As ofíicinas são diversas, mas as que mais me
impressionaram foram as de ferraria, carpintaria e
laloeiria.
Uma das verbas mais volumosas da receita da
Colonia está na que resulta da fabricação de objectos
de estanho, feitos de latas de petroleo, gazolina,
leite condensado, que ella adquire depois de esvasia-
das, no mercado, aproveitando-as com arte, ou que
lhe são generosamente enviadas. Esses objectos, pro­
duzidos aos milhares, são pintados a esmalte e sobre
elles gravam figuras pelo processo da adherencia.
\ A carpintaria prepara moveis, alguns dos quaes
muito artísticos, secretárias, estantes, bancos, cartei­
ras, etc. Nem tudo, porém, se faz por meio de machi-
nismos. E a razão é para altender e meditar:—como
os menores, voltando aos campos ou ás cidades, não
puderão dispôr de apparelhos, ter-se-ia que em nada
i

i iffiTni
- 92 —
lhes seria utiTa aprendizagem feita na Colonia. Assim,
não.
Os que saem pódem mesmo levar os seus instru­
mentos, comprando-os com o dinheiro de seu pecúlio.
A ferraria fabrica as peças de aço e ferro mais
delicadas, complicadas e difficeis, engrenagens de
machinas, instrumentos agrarios, etc. Para isto dis­
põe de tudo quanto era necessário importar, tornos,
serras, plainas, polidores, uma collecçao de machinas
modernas que se movem céleres, á electridade, em-
quanto os metaes chispam e pelo chão se acumulam
as piçarras e razuras.
Estas officinas dão bons resultados; mas é prová­
vel que a agricultura venha a produzir mais que a
secção industrial.
Não ha creação de gado, propriamente dita, na Co­
lonia de Suarez; os menores cuidam, porém, do gado
destinado á engorda para matança, dos bois de carro
e arado, e das vaccas estabuladas para producção de
leite.
A instrucção profissional visa preparar em cada
qual delles um homem apto para o trabalho, conhe­
cendo todos os manejos destinados a ganhar a vida,
e especialmente o officio de sua predilecção, compa­
tível com a vida que irá ter, lógo que se lhe abram
as portas da Colonia e reconquiste a liberdade.
Entremos nos pavilhões'.
Elles têm, como disse, dous andares.
Nos pavimentos baixos estão os banheiros, lavabos,
latrinas, mictorios, numa secção especial de cada edifí­
cio, e noutra os refeitórios. Nestes refeitórios os me-
IIIB

9£ —
nores são obrigados a obedecer ás regras do bom ton,
e cada semana uma turma cuida da mesa e serve aos
companheiros.
Em cima, estão os dormilorios, àmplos, arejados. De
ferro, pintados a esmalte branco, são os leitos. A prin­
cipio tinham a forma de berço, ou cima, com gradil aos
lados. Como, porém, esses gradis difficultassem a vi­
gilância nocturna, o director mandou retiral-os, e estava
aproveital-os no ajardinamento da praça que fica
entre a sua residência e o primeiro pavilhão.
Ahi, como em todas as modernas construcções de
seu genero, não ha soalhos; tudo é de ladrilho, sys-
tema norte americano. O asseio é muito mais facil.
Mais segura a hygiene. Pelo inverno, porém, tem o
inconveniente de resfriar tanto que atormenta e insen-
sibilisa os pés, logo que se deixe de os ter em movi-
vimento.
Na Escola ministra-se instrucção elementar suffici-
ente, com alguns cursos de applicação pratica, como
agricultura, pomicultura, electricidade, zootechnia.
A historia patria e a educação civica têm o seu
7* logar muito distincto neste programma, bem como os
exercidos de gymnasticas sueca e militar.
Em 25 de Janeiro de 1913 ampliou-se a primitiva
Colonia, dando-se-lhe capacidade para 87 menores. Era,
porém, muito pouco, e o governo resolveu levantar a
soberba colonia actual, que constitue motivo de orgulho
para a prospera nacionalidade.
Assim, em 14 de Fevereiro de 1915, inauguraram-se
os novos pavilhões, e hoje póde comportar 300 me­
nores, lotação provisória, pois, conforme verifiquei do
— 94 —
Plano Geral da Colonia, esta, com os annos, se tornará
igual á de Torres, pelo numero de pavilhões.
O plano geral está sendo alterado, apezar de ser
obra de mestres. A pratica vae suggerindo modifica­
ções no primitivo traçado.
Fazendo um pouco de estatitisca, direi que de sua
fundação até esta data entraram no grande estabeleci­
mento de Suarez 508 menores, egressando 221. Dos
que ficaram, 4 estão recolhidos ao Manicomio de Vi-
lardebé, 1 falleceu, 8 são reincidentes, 19 evadiram-se,
13 foram remettidos por incorrigiveis á Colonia Cor-
reccional, existindo, á data de minha visita, 242.
Dos 19 evadidos, observou-me o dr. Bôrro, 15
foram recapturados, e dos reincidentes apenas 6
haviam deixado a Colonia.
A Colonia Educacional de Yarones rege-se pelo
systema mixto,istoé—agricola-industrial, sob o ponto ;
de vista do ensino profissional. i
t Além das officinas em que se applica a parle indus­
trial do programma, dos refeitórios, dormitorios, e
outros departamentos já mencionados, visitei alli a
pharmacia, o salão-hospital, o almoxarifado, a secre­
taria, etc. Tudo revelava methodo e ordem.
O mais curioso é que a Colonia não tem mura­
lhas de resguardo nem tapumes intransponíveis, ou
vallados. E’ aberta. O menor, uo campo, está em
liberdade. Si não foge é porque ou se afeiçoou ao tra­
balho, ou teme fugir. A força que o detem é a moral,
a energia serena da direcção. As turmas numerosas
têm no campo um vigilante. Apezar disto, em todo
o tempo transcorrido, somente 19 se evadiram.
— 95 —
Antes de deixar o estabelecimento, quiz ver o ser­
viço do campo.
As turmas entregavam-se a diversos misteres.
Vi menores conduzindo carros tirados a bois,
outros guiando arados, outros movendo descaro-
çadores da terra, outros lavrando o chão a enxada,
tudo sob frio cortante, a que não estavam acostuma­
dos, tanto que, a começar pelo Director, todos alli
tinham as mãos e braços rôxos e escoriados, como se
fora o tegumento de morpheticos.
Em Suarez não ha soldados, ha apenas guardas
e vigilantes.
Este anno, pelas festas do Carnaval em Montevi­
déu, o Director quiz experimentar o systema, numa
prova decisiva. E deu alta aos menores para irem á
capital e volverem a hora aprazada, no dia immediato.
E’ de imaginar-se com que anciedade esperou o dr.
Borro pela hora do regresso, quando nenhuma oppor-
tunidade seria melhor para a fuga que a do Carnaval,
em meio a compacta multidão de mascarados,
Pois no dia e hora determinados lá estavam todos,
sem falta de um só.
O systema estava sufficientemente garantido.
Nessas colonias o exemplo dos empregados, a dis­
ciplina do trabalho c os zelos da Direcção é que fazem
o milagre.
Quanto ao aproveitamento, é sorprendente.
As officinas eléctricas já estão a cargo de 10 me­
nores, sob a inspecção de um mecânico.
Os mais peritos no campo e nas officinas passam
a contramestres.

:
!

i
r
— 96 —
Aquillo move-se naturalmente, cada empregado
cumpre os seus deveres com interesse, ou então sáe.
Como observei, ha maior numero de avisos aos
empregados que aos menores.
O silencio é obrigatorio nos refeitórios e dormi to­
nos, por necessidade de ordem, não por castigo. Nos
recreios falam-se, palestram, bem como aos domingos,
Por isso mesmo que se trata de eclacação e não
de correcção, os menores podem receber visitas aucto-
risadas, ler na Bibliotheca.
Sua distribuição é por classe, uma vez que ali se =
w
recolhem: "
—Menores delinquentes,
—Menores abandonados, moral e materialmente, í

— Vagabundos,
—Insubordinados á Assistência Publica,
—Menores rebeldes entregues pelos paes. V
Esta ultima classe não está na Lei; mas a lei í
deve ser interpretrada, sempre, com elasticidade, toda
v
vez que essa interpretração possa augmentar o circulo
dos benefícios que ella procura distribuir. Foi o que se 3
:
*
fez alli. A lei não fala na acceitação de taes menores,
mas a direcção, de accordo com os poderes públicos !
;
e a Sociedade das Prisões, recebe-os.
!
Não tem este programma de instrucção fantasias :
de reclame; está de accordo cora o ministrada nas
escolas primarias, com o accrescimo do ensino pro­ :■

:•
fissional. I
Dizendo, como disse, que na Colonia Educacional !
í
são recolhidos menores delinquentes, devo esclarecer que
especie de delinquentes é a que se costuma internar.
Pela lei, só se admittem alli os menores que ainda
r*
;

n Ilt
&

— 97 —
não completaram 16 annos, si perpetraram delicto
que merecesse pena de penitenciaria, e até 18, si delidos
passiveis de penas de prisão e multa; os reincidentes,
os que infringem as posturas municipaes e de policia,
quando essas infracções caem sob a jurisdicção dos

juizes; e, emfira, os menores accusados de faltas pre­ :


vistas no Codigo Penal.
Tal é, numa synthese imprecisa, a notável Colo-
nia que o governo uruguayo vae construindo, com
;■

as vistas fixas no futuro da raça e da nação, e que só­


i
mente dentro de uns dez annos deverá estar inteira­
mente prompta.
Hoje,constitue um titulo de orgulho para oUruguay,
e ainda está levantando o seu perfil na planicie leve­
mente ondulada que circunda Montevidéu; amanhã,
terminada, rivalisará com as melhores dos Estados
Unidos e da Europa.


!

13
A Colonia E. de Yarones—Montevidéu—Leis
e Regulamentos
Parece-me supérfluo accentuar que a legislação da
Republica Oriental do Uruguay é das mais adeanta-
das da America do Sul. Não ha exaggero nisto. s
Nós, os brasileiros, ainda desconhecemos o peque­
no grande-povo que habita a região outrora provín­ f
L
cia do Brasil; e, entretanto, está alli, em absoluto viço, h
uma das mais formosas civilisações contemporâneas. t
Compulsemol-a,no que se prende aos menores, e,
especialmente, à Colonia de Suarez. r
.
— O Codigo Penal, promulgado em 1889, no Uru­ !
guay, diz, no artigo 17, que: ;
L
:
— São isentos de responsabilidade: :
N. 2—O menor de 10 anno3; *
5
N. 3 — O maior de 10 annos e menor de 14, a
não ser que conste haver obrado com discernimento. *
E accrescenta: \
«O juiz fará declaração expressa sobre este :;
ponto, para lhe impôr a pena ou declaral-o
irresponsável. Neste ultimo caso, o juiz poderá
ordenar que o menor seja collocado numa casa :
de educação ou correcção de menores, por es­ :
paço de tempo não superior a dois annos, ou
que seja entregue a seus pais ou responsáveis, :

com a obrigação de vigiarem sua conducta sob i
— 99 —

pena, em caso de negligencia ou desidia, de


multa de 500 pesos ou prisão equivalente.*
No mesmo artigo e números 4 e 5, diz:
— « O surdo-mudo, que não haja completado
quatorze annos; o surdo-mudo, maior de qua­
torze annos, que não saiba ler nem escrever, a
não ser que tenha obrado com discernimento.
E’ applicavei ao surdo-mudo, neste caso, o dis­
= posto na parte final do n. 13.»
Na sessão terceira, encontra-se, (artigo 18) como
circunstancia atlenuante da responsabilidade criminal,
—«ser o culpado menor de 18 annos, ou surdo-mudo
i que não saiba ler nem escrever. » (iV. 2).
Era bastante o que ahi ficou dito para o seu tem­
po, 1889; era pouco para a renascença uruguya.
A reacção começou pela própria administração. A
11 de Novembro de 1908, o ministro do Interior baixava
uma circular aos funccionarios policiaes, sobre a prisão
de menores do sexo feminino, cercando-os de garan-
tios especiaes. %
Logo despertou a actividade parlamentar. A Lei
de 2k de Fevereiro de 1911 estatuiu definitivamente
sobre a protecção aos menores.
Relativamente aos menores delinquentes, prescreve:
—Ari. 33. — Os menores de 18 annos e maio­
res de 10, que incorram em delictos castigados
pelo Codigo Penal com pena de multa ou prisão,
dentro dos limites estabelecidos no art. 36 do
dito Codigo, ficarão sob a guarda da auctoridade ;
publica e sob a dependencia immediata do *

.
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1
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- ;í f.S.V“
v.^- \-2
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..• . ' ■; \t—*
- 100 —
J •- cV i'5 j«=»
•^V'' jcS Conselho de Protecção de Menores, pelo tempo
£3yque os regulamentos estabeleçam e até a maiori­
dade, devendo ser submettidos a um tratamento
educativo em estabelecimentos públicos ou fóra
delles, na forma prescripta nesta lei.
Art. 34-. — Os menores de 16 annos que in­
corram em delictos castigados com penas de
Penitenciaria (art, 36 do Codigo Penal), ficarão
igualmente sob a guarda da auctoridade publica
até a maioridade, seguindo-se, quanto a elles, e
emquanto fòr efficaz, 0 mesmo regimen indicado
no artigo precedente,
Art. 35—Os que, tendo menores debaixo de
seu poder, ou sob custodia ou vigilância, lhes
ordenem, incitem, estimulem ou permittam que
implorem a caridade publica, ou tolerem que
outros se utilisem delles para esse fim, serão
castigados com multa de 50 a 500 pesos, ou
prisão equivalente.
Os menores ficarão sob a guarda da auctori­
dade publica pelo tempo que os regulamentos
determinem, sem prejuiso do estabelecido pelo
art. 2.°, 2 e 3, e 0 que acerca da tutella se
dispõe no Capitulo II do Titulo I desta lei.
Art. 36. — Os menores reincidentes em in-
fracções municipaes e de policia, que caiam
sob a jurisdicção dos juizes, e os que iucorram
em faltas previstas pelo Codigo Penal, ficarão
também sob a guarda da auctoridade publica
até a idade igualmente estabelecida nos Regu­
lamentos.
Para comprovar as reincidências, conservar-
— 101 —

: se-ãonos Coinmissariados de Policia as respecti­


! vas filiações (assentos) que serão tomadas pelo
\
r'
gabinete antropométrico.
' Não obstante o exposto no presente artigo
e no anterior, os juizes poderão diminuir ou
:

augnientar até chegar á maioridade, a pe­
i
dido dos paes ou tutores, ou do Conselho de
Protecção de Menores, o tempo que deva durar
o processo educativo ou correctivo, altendendo
sempre á maior ou menor gravidade das faltas
i praticadas e ás garantias que possam offerecer
S sob a conducta ulterior do menor.
) Si os paes offerecem, por sua situação e con-
dicções, garantias sufficientes de moralidade,
> poderão os Juizes dispor igualmente, desde logo,
que os menores lhes sejam entregues sob a
vigilância do Conselho de Protecção aos Me­
nores e Sociedades de Patronato.
Art. 37. — Fica prohibido aos menores de 16
annos todo trabalho ou exercício acrobático
perigoso, de força ou dislocação.
-i*
Os directores de companhias, paes ou tutores
dos menores, ou qualquer indivíduo que con-
travenha esta disposição, será reprimido com
multa de cincoenta (50) a quinhentos (500)
pesos, ou prisão equivalente.
— A auctoridade correspondente negará per­
missão para espectáculos em que figurem me­
nores de 16 annos, em condições perigosas
á sua moralidade ou saúde.
Os demais dispositivos da lei jogam com os outros

V -
— 102 —
problemas que interessam á infancia e aos adoles­
centes.
Como se vc Jos artigos tvanscriptos, a lei uruguaya
está muito adiantada. Não põe fóra do Codigo o me­
nor até os 16 annos, mas tem por elle carinhos espe-
ciaes, e quando sujeito a penas de penitenciaria manda
que se lhes dê, até quando fòr efficaz, o tratamento
• educativo.
Registo, satisfeito, o adiantamento da legislação
oriental neste particular, mas, em que peze ao meu
desvalor, opino pela formula constante da these que
apresentei ao Congresso Pan Americano da Criança,
que acabo de recordar: os menores até os 16 annos
não devem estar sujeitos a penas, sim a reforma,
A proposito, lê-se na recente obra do sr. Evàrísto
de Moraes, tão rica em citação dos principaes aucto-
res do novo Direito Criminal:
— «Naturalmente pensando na grande parte
da responsabilidade social que todo crime in­
fantil ou juvenil envolve, o magistrado italiano
Canonico proclama abertamente, perante o Con­
f-
gresso Internacional de Paris (1895): —
*Pour moi, un mineur nest jamais un criminel.
Por isso Canonico viu um abysmo entre a pena
e a educação, parecendo-lhe ser necessário tirar
do espirito da criança transviada a idéa de pena,
que envilece e degrada.
Era o magistrado italiano acompanhado, no _
mesmo Congresso, pelo seu collega russo Drill,
que bradava:—Nada de prisões, nem de outras
penalidades; é preciso, apenas, completar ou
- 103 —
a-
refazer a educação. » (Criminalidade da Infancia
= . e da Adolescência, Rio, 1916, pag. 93 e segs).
3
- Estes princípios foram discutidos esustentados victo-
riosamente no Congresso Penitenciário de Buenos Aires.
Elles vão dominando as legislações cultas.
-
- Volvamos, porém, ao Uruguay, que eu aqui sou
= apenas um expositor, e não um escriplor, ou o com-
: ;
= mentador dominado pela idéa de fazer proselytos.
A Lei de 2k de Fevereiro não se limitava a crear o j

Conselho de Protecção de Menores, na Capital; creou


os departamentos, com as mesmas prerogativas re­
lativas ao centro, em, Montevidéu. Assim os menores
do interior do paiz passaram a ter quem velasse pelos
seus destinos.
As prisões deparlamenlaes é que não estavam pre­
paradas para a pratica da nova lei; os menores con­
tinuavam, mesmo os não criminosos, a encher as pri­
sões de cainbulhada com os adultos, penados, o que
derrocava pela base a sabia jnstituição.
O Conselho de Protecção bateu, então, ás portas
do governo, e o presidente da Republica, após uma
serie de «considerandos», decretou que nas prisões do
interior fossem destinados locaes especiaes, separados
de todo o contacto com os adultos, para os menores
não condemnados, sobre os quaes a Corporação de
Protecção de Menores, departamental, deveria exercer
a vigilância a que está auctorisada por lei. E con­
cluía determinando que em todos os projectos de cár­
ceres departamentaes «setivesse em vista o resolvido,
afim de que» feios planos conprendam un radio aparte
para los menores delincuenles.»
— 104 —
Completando essa legislação e medidas do Execu­
tivo, foram tomadas outras providencias e installada
a Colonia Educacional. Faltava, apenas, legislar, sobre
os tribunaes para menores, á feição das jiweniles courts
americanas.
Quando eslive-no Druguay, em Junho, discutia-se
na Camara dos Deputados um projecto de lei relativa
a esses tribunaes.
Na Argentina, os menores têm por si, hoje, uma
boa legislação, mas, ao que penso, ainda não insti­
tuiu os tribunaes para crianças e adolescentes.
Si são estas as leis que presidem a protecção dos
menores abandonados ou condemnados, no Uruguay,
também merecem uma referencia os regulamentos in­
ternos da Colonia de Varones, tal como é conhecida.
Entre outros, têm ella:
— O regulamento de pecúlio.
— O regulamento das reuniões diarias.
— O regulamento de cantina.
— Os regulamentos dos serviços.
Trata o primeiro da remuneração do trabalho dos
reclusos; o segundo das sessões que, todos os dias,
se realisam com a presença dos funccionarios, que
ahi informam o Director de todo o movimento da
Colonia, inclusive o campo, a escola e a intendencia;
o terceiro estabelece as condições pelas quaes os me­
nores podem ter direito á cantina, onde se vendem
pelo custo — doces, caramellos, chocolate, fumo, etc,
aos domingos e dias de festa; os últimos prescrevem
as normas dos múltiplos serviços industriaes e agrí­
colas, obrigações do pessoal e dos menores, horários,

..i. .■umiinii nr nu i r nlni


— 105 —
condições em que se Fazem as observações medico-
!
i
psychologicas, ele.
[
A proposito destas observações, julgo opporluno
passar para esle esludo os lermos em que são redi­
gidos os Boletins, não só a respeito dos antecedentes
dos menores como dos seus progenitores.
Eil-os:
Boletim de antecedentes relativos aos pacs
1.° Nome, appellido e profissão do pae;
2.° Domicilio do pae;
3.° Em caso de haver esse Fallecido, tempo approxi-
mado de sua morte.
4.° Nome, appellido e profissão da mãe;
5.° Domicilio da mãe;
6.° Em caso de haver essa fallecido, tempo appro-
ximado de sua morte;.
7.° Os paes são casados, divorciados, separados
de faclo, casados em segundas núpcias, vivem em
concubinato ?
8.° Em caso de não ler paes, tem tutor o menor?
Em caso negativo, com quem vivia?
'~&r
9.° Qual a conducla dos paes, parentes, tutor ou
pessoa com quem vivia ?
10.° Tem sido condemnado? Porque delidos?
11.° Tem inclinação para a embriaguez, a liberti­
nagem, a vida desordenada?
12.° Cumpriam, á respeito do menor, os deveres de
'
educação e manutenção, amparavam-n’o ou abandona­
va m-n o ?
13.° Quaes seus empregos e seus recursos? Pode
pagar uma pensão, e quanto, mensalmente? í
14

1
:

;

;
i
!.'V
V >
'

— 100 —
14.° O menor, além de seus paes,* tem parentes e
pessoas que possam velar ou interessar-se por elle? '
lõ.° Póde suppòr-se ou acreditar-se que o menor
lenha sido arrastado ao delicio ou ao vicio por seus
paes, parentes ou pessoas que exerciam sua auctori-
dade sobre elle?
Boletim de antecedentes do menor
1.° Nome e appellido do menor.,
2.° Logar e data do nascimento.
3.° No caso dc ignorar a datado nascimento, idade
approximada.
4.° Vivia com os paes? Em caso negativo, com
quem vivia; desde quando e onde está domiciliada
esta pessoa.
5.° E’ filho legitimo,legitimado,filho natural reconhe­
cido ou não reconhecido, filho de paes desconhecidos. !
6.° Si aprendeu algum officio; em caso contrario,
em que se occupava. ;
7.° Qual é o seu estado de saude: si padece de 1

alguma enfermidade,— está atacado de alguma molés­


tia physica ou mental que inttúa sobre seu discerni­
mento.
8.° Quaes seus antecedentes sob o ponto de vista
de seu caracter e que inclinações tem.
9.° Não ia a escola; desde quando.
10.° Si se entregava á vagabundagem, á mendici-
dade, a embriaguez, ao jogo. -I
11.° Era rebelde á aucloridade dos paes, parentes
ou pessoas com quem vivia? Fugia de casa?
12.° Si era maltratado.
13.° Ha que tempo está preso.
í

— 107 —
; 14.° Que"delicto ou faltá motivou sua prisão; em
caso negativo, porque se o pòe sob a guarda do Con­
selho?
15.° Si foi anleriormente preso ou condemnado,
porque motivos, quantas vezes? Dar explicação suscinta
dos factos.
16.° Subministrar outras datas a respeito do pas­
sado do menor, susceptíveis de ler importância sob o
ponto de vista de sua educação e correcção.
Deixo de minuciar aqui os demais regulamentos
para evitar que esta Exposição mais se amplie e alar­
gue. No caso de se levar por diante a idéa da creação
da nossa Colonia, eu poderei prestar ao Governo, da
melhor boa vontade, os esclarecimentos que se façam
mister e estejam ao meu alcance.
í Uma lei não posso, ainda, esquecer, comple­
mento das demais a que me referi: é a lei da vaga­
bundagem, de uma inílexibilade digna de nota.
Não se poderá dizer que essa lei, que foi publica­
da a 15 de Julho de 1882, exlinguisse os vagabundos
em Monlevideu e no lerritorio uruguayo. Nenhuma
lei tem caracter absoluto, e si assim fosse a crimina­
lidade estaria varrida da superfície da terra. Appli-
cada, como é, no entanto, poupa as ruas da capital
ao espectáculo que as nossas offerecem, de centenas .
de menores maltrapilhos, viciados e perigosos.
O artigo 14, de tal lei, prescreve:
«Os menores presos por vagabundos ou de­ íí

clarados laes por Juiz competente, sendo-recla­


mados por seus pacs ou tutores, se os entregará
,
pela primeira vez.

:
u

— 108 —
Em caso de'reincidência, os ditos menores
serão entregues á Escola de Artes e Officios.»
Tendo sido conslruida a Colonia Educacional,
este dispositivo teve na pratica suas modificações,
mas a Escola Nacional de Aries y Officios merece que
eu a relembre, accenluando suas organisações.
Actualmente está passando por uma reforma.
Dirige-a o dr. Pedro Figari, phylosopho e crimi-
nalisla, auctor de varias obras notáveis.
Os menores, que alli são recolhidos, entregam-se
ao estudo profissional, mantendo o estabelecimento
esplendidas officinas, inclusive de ceramica, obras de
talha, esculptura, gravura e pintura.
Os menores fazem exercidos militares.
Quando alcançam a liberdade, o patronato de me­
nores recebe-os, collocando-os.
E assim esta Escola, que tinha um aspecto de
cárcere e vae tomando novo aspecto encantador, como
tive opporlunidade de verificar, completa o mecanismo
educacional-correctivo dos menores abandonados, vici­
osos e delinquentes no Uruguay.

s
0 que deve ser a nossa Colonia—Conclusão

E’ chegado o momento de concluir.


Traçar, baseado no que observei, as modificações
a fazer no organismo penitenciário de nosso Estado,
ser-me-ia fácil, mas supérfluo. Nem eu aconselharia,
com as responsabilidades deste trabalho, e após o que
venho de descrever, alterações de nonada, melhorias
inúteis que não alterariam a feição de conjunclo do
antiquado carcere-penitenciario, a exigir remedio
heroico.
Dahi o abordar directamente o problema que nos
interessa, aquelle pelo qual me bato, a organisação da
Colonia de Menores, que já se me afigura a erguer-se
na Bahia, como em outros Estados, onde se preoc-
cupem os governos com estes problemas capitaes.
A questão da fundação de uma colonia, na Bahia,
4
tem que ser abordada pelas seguintes faces:
Queremos fundar uma Colonia correccional, simples-
i
mente, ou educativa?
A Colonia deverá ser agrícola, industrial ou mixta?
O pessoal.
A Colonia será para menores delinquentes, viciosos e
\ abandonados, ou abrangerá os vagabundos adultos?
O local para a Colonia,
í Conclusão.

!
.

----
I

- 110 —

COLONIA SIMPLESMENTE CORRECCIONAL, OU EDUCATIVA?

Quando, aqui, e no meu citado opusculo, falo


em «colonias correccionaes,» não me refiro ás «prisões
correccionacs », hoje absolutamente desmoralisadas. O
juiz Magnaud definiu-as bem—escolas de preparation á
des crimes ou delits ulterieursy) (H. Leyret—Les juge-
ments du Pr. Magnaud, apud. E. Moraes).
Assim, pois, entendo que devemos installar uma
colonia educativa para correcção e readaptação dos
menores.
Delia, porém, deverá o governo banir a deno­
minação de Correccional, apezar de ter este ca­
racter.
E’ preciso que o menor não tenha a noção de quo
í.
está numa prisão, que se lhe não dê a idéa de cri mi:
noso sujeito á acção das penas.
Depois de uma serie vasta de eruditas citações, es­
creveu, em seu recente livro, o sr. Evaristo de Moraes"
— «Os elementos, até agóra reunidos, nos
habilitam a responder, com segurança, á anciosa
pergunta que vem sendo feita desde o Congresso
de Londres: quaes os melhores meihodos de
preservação, de educação e de correcção, appli-
caveis aos menores abandonados, precocemenle
pervertidos ou criminosos?
A summa das opiniões é contraria a Ioda
medida de caracter penitenciário, mesmo quan­
to aos últimos, não se distinguindo, hoje, a
situação moral de um adolescente, ja abando­
nado á corrupção das ruas, da situação de outro
que lenha commetlido qualquer crime.
I

- 111 —
0 crilerio da defesa social poz de parle,
era relação aos menores, (até 18 annos, pelo
menos) a consideração, mera mente objectiva,
dos actos por elles praticados.» (Op. cit.
pag. 91).
Sobre esta questão não ha duas opiniões accei-
laveis.
Eu opino pela Colonia Educacional. A Casa de
Correcção, que François Coppée sligmatisou nos seus
romances, seria uma tentativa inglória, valendo por
uma involução.
Quanto á denominação a dar-se a uma instituição
desse genero, parecerá, do primeiro lance, que se trata
de um faclo secundário, devendo, por isso mesmo,
ficar para a ultima demão do Executivo.
Os que assim pensam, porventura, enganam-se.
O faclo é relevante, e, no Congresso que se reuniu
no Chile, o dr. Cândido Motta, delegado de S. Paulo,
disse, applaudido por todos os congressistas, que a
denominação inílúe extraordinariamente no exilo des­
sas colonias.
Para readaptar-se, reformar-se, o menor carece de
não ser humilhado, quando se podería facilmente
rebellar, frustando todos os meios empregados para
salval-o.
Penetrando numa dessas Colonias, elle deve ter a
impressão de que vae para a escola e a officina. Si,
porem, no alto da portada, descobre a palavra Correc­
ção ou Corrcccional, levará a certeza de que transpõe
os humbraes de um cárcere, o que, na opinião dos
psychologos, será de funestos effeitos.
— 112 —
Por outro lado o publico, assimilando a idéa de
Colonia Correccional á de Casa de Correcção, verá
sempre nos que dalli sahirem, mesmo que não sejam
delinquentes, lypos repudiaveis, dos quaes se retran-
zirá, no seu eterno egoismo. Aos que se interessem por
este problema, recommendo por isso, as palavras
do sr. Cândido Motta. (O menor delinquente e seu
tratamento no E. de S. Paulo), p-

À Colonia deverá ser agrícola, industrial, ou i


:
MIXTA? O PESSOAL fL
i
h
Quando, no historico das colonias de menores 11a |
America do Norte, descreví com algumas minuden-
:
cias os tres typos caracleristicos dos vários systemas =
\
adoptados, foi visando tirar disso as conclusões indis­
t
pensáveis ao fim que collimaraos. 1

As colonias industriaes, dignas de tal denominação, 1


custam sommas extraordinárias. Não seria com vinte
;
ou cincoenta contos de réis que um governo podería
montar officinas completas, dispondo de machinas
modernas, hoje por preço elevadissimo. :
1
Ora, devemos visar a questão pelo lado pratico. í
Não desejemos a perfeição, impossível de realisar .
com os escassos recursos das nossas verbas, em mo­ !
mento afilictivo para as finanças estaduaes e nacionaes, ?;

nem caiamos no extremo opposto, de cruzar os bra­ í


ços, assombrados pelas perspectivas sombrias da crise i
financeira, esquecidos de que só sahiremos delia P
quando eliminarmos da massa de nossa população
:
essas centenas de milhares de indivíduos que não :

t
;

i
I
- 113 —
produzem trabalho, que não contribuem para o des­
envolvimento das riquezas, e estão precisamenle na
classificação do economista M, A. D’ Ambrosio, que
os denomina de economicamente passivos. Manlio An­
dréa D’Aambrosio—La passivitá economica —1902).
" Abstrahindo, aliás, do ponto de vista financeiro,
duas outras razões imperiosas militam em pról de
/
uma organisação que não seja meramente industrial:
á) as necessidades agrícolas do Estado.
b) a índole e origem dc grande numero dos me­
nores que alli lerão de ser recolhidos.
As industrias, aqui, não possuem ainda o desen­
volvimento que era para desejar. As fabricas que possuí­
mos, merecedoras desse titulo, são as de assucar e
as de tecidos.
E’ obvio que não poderiamos preparar, numa co-
lonia, operários para as fabricas de fiação e tecidos,
sinão montando uma officina completa, o que seria
fantasmagórico e ridículo.
As usinas de assucar jogain, excepção de meia duzia
de lechnicos, com o pessoal da lavoura, a gente dos
campos.
Não seria rasoavel queprclendessemos preparar ar­
tistas ou artífices que, ao deixar a Colonia, ficassem
sem ter em que applicar a sua especialidade.
O que se impõe ao governo é, alem do mais, a con­
dição, a origem dos reclusos.
Donde vem essa casta de gente que enche as ruas
da capitai e de nossas villas e cidades do interior?
Vem dos campos, dos arredores dellas, ou são
filhos de operários pobres ou incapazes, de paes sem
profissão, de mães ignorantes ou desnaturadas, por-
16
-- 114 -
que, em verdade, o pauperismo ainda não póde ser
invocado como faclor de abandono da prole pelos
paes, no Brazil.
O Eslado, recolhendo os menores abandonados ou
condemnados, ha de indagar dessa origem e do des- v
tinò que o menor terá ao sahir da Colonia.
Especiliasará tanto quanto possível as funcções de
\
cada qual. Assim, dos menores da cidade, fará jardi­
neiros, horlaleiros, pedreiros, carpinteiros, marcinei-
ros, sapateiros, alfaiates e lypographos. Aos dos cam­
pos, dará uma instrucção profissional agricola, de
accordo com as suas possíveis necessidades, islo é, re-
lativamenle á cultura da canna, do algodão, do fumo,
do cacau, etc. São todas aquellas officinas de facil
montagem, não só pela possível acquisição de ma­
terial barato, como pelos proveitos, medialos e im-
mediatos, a tirar dellas.
E’ assim que, abatendo gado necessário á ma­
nutenção do pessoal e reclusos, a Colonia aproveitará,
como na do Uruguay se faz, os couros para os tra­
balhos da sapalaria, que poderá conter uma secção
especial, de grande utilidade para o Estado, destinada
á confecção de correame para a cavalhada policial.
O Eslado compraria o producto pelos preços do
mercado, e ahi, como nas outras officinas, os saldos
reverteríam para a verba—custeio da Colonia.
Merece umas linhas á parle a ofíicina lypographica,
por mim indicada como essencial.
O Eslado faria delia, uma vez habilitados os meno­
res, uma especie de secção annexa á Imprensa Of/icial.
N'Os menores typographos trabalhariam, alli, para a
ofíicina official, e receberíam seus salarios por folha,
- 115 —
como os typographos contractados, todas as semanas.
Descontada a verba do pecúlio de cada qual, as so­ i
:
bras passariam áquella verba, custeio, auxiliando po­
derosamente a manutenção do serviço.
Confio tanto nesse mecanismo que seria capaz
de garantir-lhe o exilo após um anno de funcciona- A
'
mento, quando a receita da Colonia andaria próxima
da despesa respectiva.
Tudo isto dependerá, exclusivamenle, da Directoria/
do pessoal, da montagem das offlcinas e do local em
que se a estabeleça.
Uma Direcção modelar é condição sine-qua para
o bom exilo de uma Colonia dessa especie. Na escolha
do Director deve ser banida qualquer preoccupação
de ordem partidaria.
Não se afigure que estou a insinuar uma orienta­
ção nova ao governo, com descabida impertinência.
Não! Si o assumplo é versado nesta Exposição é
porque elle sahiu já do trato da imprensa, para cahir
no dominio da sciencia, dos livros, dos Congressos,
tão graves males podem resultar para a sociedade e
"n
para o governo de uma direcção inepta, incapaz, e
i
sobretudo sem dedicação, nessses estabelecimentos.
Todos sabem que os partidos fazem pressão aos j

governos para essas e outras nomeações, e que a moral


_
= dos partidos não se preoccupa, nunca, com as respon­
sabilidades dos governantes.
Bem se vê que falo cm these, citando, por exemplo
máximo, a celebre rotação dos empregos, transformada i
1
em principio polilico nos Eslados-Unidos da America M
do Norte, de que nos inteiram todos os tratadislas s
do direito publico americano. ■!
*

5
1
i

I
116 —
Esta verdade preoccupou tanto os sábios, que foi
levada aos congressos scienlificos, approvando o 4.°
Congresso S. Pan Americano, reunido em Santiago
do Chile, em 1909, a seguinte conclusão:

— «N. 8 —Aconselha, finalmente, que a di­


recção de laes estabelecimentos deve ser con­
fiada a homens de sciencia e de coração, banida
qualquer inlerferencia da política na escolha
do pessoal».
Si a direcção deve merecer tacs cuidados, o pessoal
não o deve menos.
E’ um, erro grave introduzir nestes estabelecimentos
cabos e sargentos de policia, como guardas ou vigi­
lantes. Esses policiaes não têm cultura, raramenle ma­
neiras brandas. Habituados a lidar com a ralé das
prisões, são rudes no trato dos menores, e aos mesmos
communicam essa irritabilidadeeasperesa de maneiras.
Sua ignorância não lhes permitte distinguir entre o
criminoso adulto e a criança ou adolescente. Já um
criminologo dissera dos adultos:
— «O criminoso é um homem, e é preciso
lratal-o como tal. Tratal-o como a um bruto,
será de bruto».
Quanto aos menores, este argumento sóbe de preço.
Aquella interrogativa de Carpenter— «.Quem vo-
liciará a policia?...» (Policia, prisões e castigos) posta I
no terreno das indagações scientificas, teve uma alta
significação.
Não quer isto dizer que baste não ser da policia
:
para ser bom empregado. Vêm a pello estas palavras
—- Ü7 -
do dr. Eleodoro Gimenez, ditas no Congresso Peni­
tenciário Nacional Argentino, em 1914:
—«Cuántas veces se han producido movi-
mieutos de insubordinación en los cárceles,
motivados por la falta de um critério, no digo
elevado, de mediána calidad siquiera, de esos
empleados, muchos de ellos hasta de dudosa
moralidad, puesto que san reclutados de entre
los cesantes de agentes de policia, o de servien-
tes eliminados de casas de familia.* (Actas y
Trabajos dei Congresso P. Nacional, pag. 198).

Por isto se vê que o problema estava alli insolú­


vel até 1914. O Congresso, porém, resolveu-o, appro-
vando por unanimidade a proposta de creação de
escolas para guardas e vigilantes, num dos estabe­
: lecimentos penaes da capital argentina, o que já se fez,
com os melhores resultados.
Nos Estados Unidos, esta questão da escolha do
pessoal preoccúpa igualmente os homens públicos.
Cadàlso, que observou por muito tempo o funccio-
namento das prisões e colonias americanas, registou
que uma das maiores preoccupações nesse paiz era
a de
*sublrahil-o (esse pessoal) á acção dos partidos
politicosy>f
e no que se refere á competência, diz que na Ame-
. rica admittem.o principio dos concursos para preen­
chimento de taes cargos, o que todas as grandes cida­
des vão adoptando.
Só os Directores dos estabelecimentos são nomea-

:
I
;
!
• 1
\ — 118 —
dos, em regra, polos governadores, nos Estados, ou pelo
presidente da Republica, na união. (Op. cit. pag.
368).
A Colonia ha de dispor, aliás, de uma secção para
os menores, sem o que seria defeituosa, incompleta.
Nesta, com os trabalhos da lavoura, poder-se-ia
estabelecer uma lavanderia, além de uma officina que
poderiadar resultados práticos,de accôrdo como meio:
a de costurar roupas chamadas de carregação, «roupas
feitas», que o commercio dá a preparar a uma infini­
dade de mulheres. De facil montagem, esta secção não
carecería de matéria prima própria. Bastariam as 1
machinas.
São conceitos meus, nascidos da observação e bem i
póde ser que desautorisados; mas eu cinto que, em
se procurando montar uma colonia de caracter pratico,
e modesto, elles não são para despresar.
Pelo que succinlámenle expuz, entendo que a nossa
Colonia deve ser íiiixta; e, quanto ao pessoal,—que,
excepção do Direclor, os principaes cargos deverão
ser preenchidos por concurso, convindo accrescenlar
que o systema de casaes, adoptado nos E. Unidos,
para os guardas e vigilantes, desafia ser imitado.
Nessas obras de educação de menores a mulher
afigura-se-me elemento indispensável, principalmente
as mães de familia. }
*
A Colonia será apenas para menores delinquen­
tes, VICIOSOS E abandonados, ou abrangerá os vaga­ :
bundos, DESORDEIROS, etC.V !
v
A resposta não pode deixar de ser negativa, quanto
á ultima parle deste enunciado. ;
;
— J19 —
A promiscuidade de menores e adultos nos estabe­
lecí menios disciplinares é hoje condemnada pela una^
nimidade dos críticos.
Todos os criminalistas verberam semelhante mis­
tura de crianças ou jovens com adultos já conhece­
dores da vida, e em cujas almas está muita vez asylada
a maior das perversidades.
Eu podería estudar, aqui, dezenas de opiniões rela-
livamenle aos perigos da promiscuidade. Mas o assum-
pto está de tal sorte exgotado que julgo dispensável
fazei-o.
Não se allegue, como se fez nos últimos projectos
apresentados á Assembléa Estadual, que os maiores
leriam uma secção á parte. Fora mister construir um
pavilhão ou pavilhões .especiaes, o que valeria por outra
Colonia, e então seria melhor construil-a fóra do
raio da primeira. Dado o caracter de «educação e
readaptação», da Colonia, esse asylamento de desor­
deiros, ebrios, capoeiras e mendigos válidoí, além
dos 18 ou, mesmo, dos 21 annos, teria por consequên­
cia inutilisar os esforços empregados para o fim prin­
cipal, nobilissimo fim de prevenir a criminalidade.
Transformar-se-ia numa casa de correcção, com
lodo o seu cortejo de males, e o publico depressa :
$
começaria a descrer da efficiencia de um serviço tão
longamenle acariciado, assim desvirtuado, por mes­
quinharia financeira, nos seus altos intuitos. 1j
Si, na opinião auclorisada de sir Charlton Lewis»
presidente, desde os vinte annos de idade, da Associação !
das Prisões dos Estados Unidos, « a experiencia mos­ ■?

tra que o encarceramento dos jovens delinquentes por


penas leves não é senão um gigantesco processo de
i
.

1

J
— 120 —
fabricar criminosos», (Apnd Carpenter, pag. 49)que
esperar desse oulro processo que visa confundir na
mesma colonia o menor abandonado com o bebedo de
profissão, o delinquente impulsivo de 16 ou 18 annos
com o vagabundo profissional?
O que eu penso c que, estabelecida a Colonia, o
governo poderá, á requisição do Director da mesma,
enviar-lhe sempre que preciso seja, e sob guarda poli­
cial, as turmas de vagabundos, mendigos validos, ca­
poeiras e desordeiros que atulham as prisões, para os
serviços de campo e construcção nella realisados.
Só isto.
Colonia para menores e. adultos, não é aconse-
1 havei. *
1-
O LOCAL E O EDIFÍCIO l

Carecerá o governo da Bahia de gastar duzentos


ou Iresenlos contos de reis para a installação da * !
colonia de que cogitamos?
|
Absolutamente não. Ser-lhe-á muito facil encontrar,
proximo da capital, um local apropriado para essa
installação sein pezado onus para o Estado,
Tres requisitos devemos exigir para uma bóa loca-
lisação do projectado abrigo de menores:
n) que não fique distante da cidade, nem dentro
delia.
c) que disponha de largas terras cultivaveis e nas
quaes se possa estabelecer uma pequena criação de
gado.
b) que já se encontre um edifício bastante vasto
para accemmodar até 20G menores.
./

- 121 —

Os terrenos de areia ou saibro, incapazes de cultu-


ra, ou os baixos e alagadiços, fócos de paludismo e
febres outras de caracter infeccioso, sem agua suffici-
ente, seriam contraindicados.

Conclusão

Assim, pois, concluo :


í.° E\ como todos reconhecem, imprescindivei
e inadiavel a creação de uma Colonia de Menores.
Eila terá caracter educativo.
2.° Essa Colonia deverá ser mixta, isto é, indus­
trial e agrícola.
3.°Dever-se-á destinar uma secção para os menores
%
V* abandonados ou delinquentes.
k.° A Colonia não deve azylar adultos.
5.° Sua localisação não será dentro da cidade, nem
J
lowge delia. %
6.° Os guardas e vigilantes não serão policiaes,
preferindo-se para esse serviço casaes honestos e de
4 boas maneiras.
7.° Não haverá castigos corporaes. •í
8.° 0 governo aproveitará o trabalho dos vagabun­
dos, etc., nos serviços externos da colonia. '
I

9.° Dar-se-á instrucção militar aos recolhidos.


10. O programma de ensino será o das escolas :
primarias, salvo sob o ponto de vista profissional. í
Não se prescindirá dos exercícios physicos. >
11.° À Colonia terá pastos de creação para o gado
dc seu consumo. 4
i
Ití ’
!
*
:

:
Jf
I

- 122 —
12.° À lei de auctorisação para a installação da
colonia apenas deverá determinar quaes os menores
que ahi serão recolhidos, em que condições, e tornar
imperativos os princípios acima exarados. O mais, por
muito complexo, será matéria regulamentar, obrigado
' o governo a fezel-o dentro da legislação congenere dos
;
povos cultos.
v
í.

*
•P >

IXTXDIQE

Pgs.

Introducção......................................................... 1
Os novos Iiorisoulcs pcnaes............................ 8
As penitenciarias................................................ 24
A penitenciaria de Huenos Aires..................... 27
A penitenciaria Nacional do Uruguay........... 43
r Os svslemas prisionacs...................................... 0-1
As colonias de menores — Sua historia na
America........................................................... 08
À colonia Educacional dc Varoncs, Montevidéu 87
O'que deve ser nossa colonia.......................... 107


i
:
A
••
1;

í
I
i
Impõe-se-nos uma corrigenda.
Dentre os senões inevitáveis da revisão, alguns, por
contrariarem o original e alterarem o sentido, exigem que
os apontemos ao leitor.
Pagina 11—As aspas da linha 5.a veem depois da pala­
vra terminologia, e não antes.
Pagina 20—Onde se lê—allegar o que é, leia-se—allegar
que o c.
Pagina 28—5.a linha—leia-se—irmãos—typo. Penúltima

linha—E’ Carlyle, e não Carlyb.
Pagina 31—Antepenúltima linha, leia*se—e desses, nem
1 % mereceu.
Pagina 70—Leia-se: á 3.» linha—sociologia e melereologia
criminaes, e á I3.a, quanto e/n, em vez de como em.
Pagina 55—e receba visitas, em vez de—e receber visitas.
Pagina 62—5.a linha—em vez de para chamar é cha-
mando.
Pagina 68—Onde se lê—mais de cem annos decorridos,
leia-se—mais de sessenta annos decorridos—e onde está 1395
é 1895.
Pagina 72—Em vez de—Leventeanth leia-se—Sevcnleenlh.
Pagina 75—Em vez de—Não contagie, é não contagiem.

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