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O produtor FAURO

LORETO DA ROCHA,
de Santa Bárbara do Sul (RS):
adubação orgânica e
integração lavoura-pecuária

OLHO NO CÉU, MÃO NA TERRA


OS EXTREMOS CLIMÁTICOS ESTÃO MAIS FREQUENTES. SAIBA O QUE FAZEM OS
PRODUTORES QUE TÊM CONSEGUIDO BOA RENTABILIDADE NO CAMPO

N OV E M B R O 2 0 2 3 I N º 4 5 2 I R $ 2 5 , 0 0

SUCESSÃO OS DESAFIOS DE DUAS FAMÍLIAS NA TRANSIÇÃO DE GERAÇÕES

CONECTIVIDADE COMO É A ‘JORNADA DOS DADOS’ NAS LAVOURAS CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL APROXIMADA 4,65%
Acesse gov.br/
planosafra
e saiba mais
CONHEÇA OS INCENTIVOS
QUE DÃO FORÇA PARA O
PRODUTOR E FAZEM O
BRASIL CRESCER COM
SUSTENTABILIDADE.
Mais recursos de custeio para o
médio produtor.
Investimento em máquinas com taxa
de juros de 10,5% a.a. (Pronamp).
Renovagro: financiamento para
recuperação de áreas naturais.
Redução nas taxas de juros para quem
tem práticas sustentáveis.
Mais investimentos para a construção
e ampliação de armazéns.

MINISTÉRIO DA
A G R I C U LT U R A E
PECUÁRIA
SUMÁRIO Capa_FREDY VIEIRA

NOVEMBRO_ 2023

34
AGROPECUÁRIA
As boas práticas e os

FOTO HENRY MILLEO


extremos do clima

6 CARTA AO LEITOR 48 CONECTIVIDADE 72 TEMPO

12 ENTREVISTA 54 SUCESSÃO FAMILIAR 74 MAPA DA SAFRA

18 IDEIAS 60 BIOINSUMOS 76 COMO PLANTAR

20 CLIMA 64 O AGRO É DELAS 78 COMO CRIAR

34 AGROPECUÁRIA 68 ANÁLISE 80 GRU RESPONDE

46 FAZENDA SUSTENTÁVEL 71 FUTURO 82 #TÔNAGR

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CARTA DO EDITOR

safra de inverno se unisse o cultivo de grãos com


o pastejo de alguns animais. Além disso, passou a
adotar um mix de produtos biológicos com
químicos e, com o resultado além do esperado, foi
aprimorando e ampliando o esquema de rotação
de cultivos e integrando o gado à lavoura aos
poucos. Quando os vizinhos colheram uma média
de 40 a 45 sacas de grãos por hectare, Rocha
colheu 55 sacas de média. Na última temporada,
quando o estado sofreu sua terceira quebra de
safra e as propriedades de Santa Bárbara do Sul
renderam no máximo 24 sacas por hectare, na
fazenda do nosso entrevistado a média também
foi de 10 sacas maior que a da região.
Além da adoção de novas tecnologias, da
Problema e solução vontade e interesse em um manejo diferente,
A cada ano, os eventos climáticos nos sustentável e rentável, é importante destacar
surpreendem com fatos inéditos e geralmente outras ferramentas tão importantes quanto as
acompanhados de notícias terríveis. Com a seca técnicas, como o seguro. Apesar do avanço de
histórica na Amazônia, milhares de pessoas contratação desse mecanismo no Brasil nos
ficaram sem trabalho e renda, sem transporte, últimos anos – e por razões óbvias –, os
sem alimento e sem um pedaço da sua produtores ainda carecem de novas opções de
biodiversidade. No Rio Grande do Sul, um ciclone proteção a perdas nas lavouras e sobretudo à
extratropical arrasa cidades, pessoas morrem, renda nas propriedades, como ocorre nos
outras milhares ficam sem moradia. Esses são Estados Unidos, onde esse tipo de política está
apenas dois exemplos recentes e que bastante consolidada entre os produtores. A
aconteceram em nosso território, mas há muitos combinação de técnica e ferramentas financeiras
em outras partes do mundo com saldos é essencial não só à manutenção dos negócios
igualmente ou até mais tristes ao que assistimos no campo, mas também à segurança alimentar
no Brasil. São sintomas de um clima em constante do país e do planeta.
mudança, e a única coisa que sabemos é que os
fenômenos extremos serão cada vez mais Boa leitura!
frequentes. Nesta edição, além de revelar os
Cassiano Ribeiro
impactos do clima na produção agropecuária
Editor executivo
brasileira, mostramos que é possível tornar o
cassianor@edglobo.com.br
campo mais resiliente. E o exemplo que
encontramos está justamente no Estado mais
prejudicado pelas intempéries climáticas nos
últimos anos. O produtor Fauro Loreto da Rocha,
CBN Agro, com Cassiano Ribeiro. Às terças, às 13h20, no
um dos nossos entrevistados, descobriu em um RÁDIO CBN CBN Brasil, apresentado por Carlos Alberto Sardenberg, e
treinamento oferecido pela Organização das diariamente às 5h50 no CBN Primeiras Notícias.

Cooperativas Brasileiras (OCB) e pela Empresa


Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Programa Globo Rural: aos domingos, às 8h
TV GLOBO (reapresentação na Globo News, aos domingos, às 9h05)
que era possível ao menos pagar os custos da

6 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


EXPEDIENTE

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APRESENTADO POR
R

Solução contra pragas


na produção de algodão
A Syngenta apresenta ao mercado Sponta, um inseticida que integra
um grupo de defensivos de alta performance para eliminar o problema

SYNGENTA
cada nova safra, os agricul-
tores brasileiros presenciam
um incremento da produção
nacional de grãos baseado no aumento
da produtividade, no uso intensivo de
tecnologia e nas boas práticas de plan-
tio. Além de culturas como soja, milho
e trigo, o algodão também desponta
com enorme destaque nas lavouras
do país. Nos últimos dez anos, a produ-
ção de algodão saiu de 2,01 milhões de
toneladas para 4,52 milhões, ou seja,
mais do que dobrou no período. Muito
desse resultado se deve ao avanço da
produtividade, que era de 2,2 tonela-
das por hectare na safra 2012/2013 e
alcançou 2,7 toneladas por hectare A principal praga da cotonicultura ataca a planta na sua base reprodutiva
na safra 2022/2023.
Para continuar com esse trabalho defensivos de alta performance. “O de pragas na cotonicultura passa
de excelência e evitar a proliferação de nosso objetivo é projetar um produto por diversas características, que,
pragas como o bicudo-do-algodoeiro, capaz de atender às necessidades juntas, proporcionam três diferen-
ácaros como o ácaro-rajado, tripes e do cotonicultor no que tange supe- ciais: controle ou novo patamar de
percevejos, o produtor rural precisa rar os desafios de manejar as prin- controle do bicudo-do-algodoeiro;
utilizar técnicas de aplicação de cipais pragas do algodão”, afirma o espectro ou alta eficácia no combate
defensivos presentes no manejo inte- gerente de Inovações em Inseticidas a ácaros e tripes; e conveniência ou
grado de pragas (MIP). Entretanto, com da Syngenta, Marcos Queiroz. aplicação aérea e terrestre, por meio
as constantes mudanças climáticas De acordo com pesquisadores da de baixa dosagem e sem causar fito-
que prejudicam o plantio e o uso recor- Empresa Brasileira de Pesquisa Agro- toxidade na área.
rente do solo, somente essas estraté- pecuária (Embrapa), o bicudo, que é Outro ponto importante é que
gias não são suficientes para evitar considerado a principal praga da coto- a nova solução é capaz, também,
novas doenças e reduzir os riscos de nicultura, ataca a planta na sua ba- de lidar com a resistência cruzada
perda da produção. É preciso contar se reprodutiva, perfurando os botões – quando os insetos presentes na
com produtos eficientes e reconheci- florais com o objetivo de se alimentar propriedade apresentam mecanis-
dos pelo mercado. ou de ovipositar. Como consequência, mos de resistência contra produtos
A Syngenta, uma das maiores há uma queda de flores e botões florais. aplicados anteriormente. “É um novo
empresas de proteção de cultivos Na fase final da colheita, o bicudo cos- modo de ação, um grupo químico
e biotecnologia do mundo, traba- tuma se deslocar para áreas que ser- inédito e único. O Sponta foi projetado
lhou durante mais de dez anos entre virão de refúgio na entressafra, onde com Resistance-Breaker, ou seja,
pesquisa e desenvolvimento para reduz o metabolismo e se alimenta de combate as pragas mais resistentes
apresentar ao mercado o Sponta, um diversas espécies de vegetais. e mais difíceis de serem controladas,
inseticida à base de Plinazolin, molé- Assi m, o conceito do Sponta sem nenhum caso de resistência
cula empregada em um grupo de como item essencial para o manejo cruzada no campo”, conclui.

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S E G U R A N Ç A A L I M E N T A R I E N T R E V I S T A I José Graziano, ex-diretor da FAO

“A fome no Brasil é diferente da que


existia 20 anos atrás”
EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, JOSÉ GRAZIANO, EX-DIRETOR DA ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA, FALA DOS DESAFIOS DO
PAÍS PARA SAIR, MAIS UMA VEZ, DO MAPA DA FOME

Por CLEYTON VILARINO

D
iretor da Organização das Nações Unidas para a cadas depois é de “fome generalizada”, afligindo cerca de
Alimentação e a Agricultura (FAO) entre 2012 e 70 milhões de pessoas em todo o território, a maioria nas
2019, o engenheiro agrônomo e doutor em eco- grandes cidades. Em um contexto de mudanças climáticas,
nomia pela Unicamp José Graziano avalia os no- ele destaca não ser possível dissociar os dois problemas,
vos desafios que o Brasil enfrenta para sair do Mapa da e alerta: estamos correndo o risco de voltar a ter uma si-
Fome, lista para a qual retornou oito anos depois de ter tuação de incerteza na oferta de alimentos similar ao que
saído. Um dos responsáveis pela implantação do progra- ocorria antes da invenção da agricultura. Confira abaixo os
ma Fome Zero, ele ressalta que a situação do país duas dé- principais trechos da conversa.

GLOBO RURAL_ O senhor foi responsável unicamente na transferência de renda, pagar aluguel. Tem uma série de ou-
pela criação do Fome Zero, programa tem uma série de vazamentos. Quan- tras necessidades que uma popula-
que ajudou a tirar o Brasil do Mapa da do, na época, você dava R$ 50 para a ção metropolitana tem a mais do que
Fome em 2014, mas para o qual país dona de casa, ela comprava R$ 50 de tem uma população rural ou de uma
retornou recentemente. Que lições po- alimentos. Hoje, se você dá o valor do pequena cidade do interior. É isso
demos tirar daquela época e o que pre- Bolsa Família, que às vezes pode che- que faz com que a medida de trans-
cisaria ser feito para enfrentar o atual gar a até R$ 1 mil, essa pessoa tem que ferência de renda não seja tão efi-
quadro de insegurança alimentar? pagar aluguel, tem que comprar gás, ciente. Além do mais, hoje, a dimen-
JOSÉ GRAZIANO_ Com certeza, a situação pagar transporte e o material da esco- são da fome no Brasil é muito maior.
na época do Fome Zero, 20 anos atrás, la dos filhos. Em 2002, nós falamos de 40 milhões
não é a de hoje. Hoje, a fome é muito na população da época. A estimativa
diferente no Brasil. Naquela época, a GR_ Durante o período da pandemia, mais recente da FAO, do fim de 2022,
fome estava concentrada na zona ru- alguns levantamentos sobre a utiliza- apontou que, atualmente, são 70 mi-
ral, nos pequenos municípios, de até ção do auxílio emergencial do governo lhões só no Brasil. Antes, nós estáva-
50 mil habitantes. Hoje, ela está nas apontavam que mais de 70% do bene- mos falando do interior do Nordeste,
grandes cidades, nas regiões metropo- fício ia para a alimentação. Ainda que do semiárido da região. Eram os lo-
litanas, na população de rua, esse é o tenha efeito limitado, a distribuição de cais em que tínhamos mais dificulda-
núcleo duro da fome atualmente. Isso renda parece ser um pilar importante de de promover a produção e aumen-
exige uma estratégia de enfrentamento do combate à fome, certo? tar a oferta de alimentos. Hoje, a fome
muito diferente. A estratégia do Fome GRAZIANO_ Sem dúvida, é uma injeção se espraiou. A Amazônia passou na
Zero era basicamente dar dinheiro às na veia. O cara não tem recurso para frente do Nordeste, com 40% da po-
pessoas para se alimentar. Mas, hoje, comprar alimentação, agora ele tam- pulação em insegurança alimentar.
se você faz um programa de combate à bém não tem recurso para comprar No Nordeste, são 35%. Mesmo os Es-
fome nas grandes metrópoles baseado gás, ele também não tem recurso para tados do Sul, por exemplo, que ti-

12 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


FOTO_ DIVULGAÇÃO

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 13


S E G U R A N Ç A A L I M E N TA R I E N T R E V I S T A

“A agricultura veio
trazer a certeza
de que você tinha
nham uma proporção muito baixa de o que comer. A pacto sobre a produtividade do traba-
gente passando fome, hoje têm uma mudança climática lho das pessoas mal alimentadas. Em
proporção que chega a mais de 15%. um deles, dos anos 1980, na época do
está reintroduzindo auge dos boias-frias, um médico de Ri-
GR_ Isso torna a área rural menos a incerteza” beirão Preto (SP), o doutor Oliveira Du-
suscetível? tra, pesquisou sobre a influência da ali-
GRAZIANO_ Não, pelo contrário. A área mentação dos trabalhadores volantes.
rural continua tendo uma proporção A constatação foi a mesma de Josué de
maior que a urbana de gente passando 30%. Não pode ser que o Brasil tenha Castro: os caras não tinham força para
fome, por incrível que pareça. E o mais 70 milhões de vagabundos. cortar cana. O potencial de dez a 12 to-
assustador: muitos agricultores fami- neladas, mas eles cortavam menos de
liares não conseguem produzir nem GR_ O problema está em nossa estrutu- três ou quatro. Em geral, as estimati-
para subsistência da própria família, ra econômica? vas mostram que os países perdem de
não conseguem retirar uma renda que GRAZIANO_ Tem uma coisa mais es- 5% a 8% do seu produto interno bruto
permita à família ter uma alimentação trutural, que são os baixos salários. A com a fome, seja em virtude do aumen-
adequada. Em termos proporcionais, grande política que tirou o Brasil do to dos custos com saúde, seja por cau-
a fome continua sendo maior nas zo- Mapa da Fome não foi o Bolsa Famí- sa da queda de produtividade. Imagine
nas rurais, mas o volume de gente, a lia. Ele foi um grande atenuador da mi- uma perda de 4% a 5% por ano. Se não
quantidade de pessoas, é muito maior séria. O que tirou o Brasil do Mapa da houvesse a fome, daria para crescer de
nas regiões metropolitanas. Fome foi a geração de emprego e o au- 6% a 6,5%, e não 2% ou 2,5%, como a
mento do salário mínimo. Ele cria uma gente fica discutindo.
GR_ Quais debilidades fazem com que base para as rendas no país. Nós tive-
tenhamos 70 milhões de pessoas em mos, durante os dez primeiros anos GR_ A fome também é uma das conse-
situação de insegurança alimentar da década de 2010, até 2011, 2012, um quências das mudanças climáticas.
no Brasil? programa de valorização do salário Como atacar os dois problemas e como
GRAZIANO_ O Josué de Castro [embai- mínimo. O salário mínimo subiu aci- eles se relacionam?
xador e cientista social, autor de Geo- ma da inflação, e depois disso, no fim GRAZIANO_ A agenda da mudança cli-
grafia da Fome] dizia com todas as do governo Dilma e nos seguintes, isso mática é tão fundamental quanto a da
letras que "a fome é o resultado do deixou de acontecer. Nós temos que ter fome. A FAO divulgou recentemente a
subdesenvolvimento". Ela não é uma no país um salário que seja mínimo e primeira estimativa global do impac-
questão dos indivíduos que passam que garanta as mínimas condições de to dos desastres naturais sobre a pro-
fome, mas fruto de um estágio de sub- vida para a população poder comer, dução de alimentos que é interessante
desenvolvimento. E ele definia esse poder viajar de transporte, poder mo- porque a América do Sul, que é a maior
estágio extremo de fome e miséria rar. Acho que a grande contribuição exportadora de grãos, é uma das que
como a ausência das condições bási- do Josué de Castro foi dizer que a fome sofrem o maior impacto. Ela perde 7%
cas de sobrevivência e de desenvolvi- não é um problema individual. Comer da sua produção com desastres natu-
mento da espécie humana. É isso que não é um ato do indivíduo, é um ato so- rais como seca, inundação e outros. Só
nós estamos falando. As pessoas não cial, de reprodução da espécie. está abaixo da África, que perde quase
passam fome porque não trabalham, 10%. O relatório da FAO destaca tam-
as pessoas não passam fome porque GR_ Ou seja, a fome tem impactos eco- bém outra perda, sobre a qual ainda se
bebem, jogam o dinheiro fora. Não é nômicos. O que o Brasil perde ao não fala pouco: a da qualidade do produto.
isso. Nós estamos falando de 70 mi- conseguir resolver o problema? Os cereais, por exemplo, estão conten-
lhões num país com 200 milhões de GRAZIANO_ Há vários trabalhos sobre do muito mais amido e muito menos
habitantes, estamos chegando aí nos isso, mas os principais apontam um im- proteínas e alguns minerais essenciais.

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APRESENTADO POR

Pulverizadores Valtra Série R


alavancam o agronegócio brasileiro
Versáteis e potentes, eles podem aumentar a produtividade em
4,5 sacas por hectare e reduzir os custos da operação

© DIVULGAÇÃO
agronegócio é um dos
pilares da economia
brasileira, responsá-
vel por cerca de um quarto do
PIB nacional, de acordo com a
Confederação de Agricultura e
Pecuária do Brasil. Diante da alta
demanda de produção, é funda-
mental que os agricultores e
empresários possam contar com
maquinário adequado e eficiente
para otimizar as tarefas.
Quem busca soluções em alta
tecnologia de pulverização po-
de contar com toda a qualidade
e versatilidade dos produtos
Valtra, que são capazes de en-
carar variadas condições de to-
pografia e diferentes culturas
(como grãos, algodão ou cana).
“Seu chassi parafusado, além de
mais robusto, tem maior capa-
cidade de tração, pois, em con-
junto com os eixos independen-
Pulverizador
tes, mantém os pneus sempre Nele, o sistema de agitação atua permitindo assim a identificação Valtra Série R
em contato com o solo”, explica de acordo com o volume – o que e solução imediata de imprevis- conta com
Rafael Peruchi, coordenador de é possível graças à régua eletrô- tos, como um bico entupido. A es- chassi
parafusado,
Marketing de Produto da Valtra. nica inteligente, que mede o vo- tação meteorológica pode gerar que, além de
Além da versatilidade, os lume preciso dentro do tanque, alarmes e fornecer mapas das mais robusto,
pulverizadores Valtra da Série em tempo real. condições de aplicações. tem maior
capacidade de
R podem adicionar até 4,5 sc/ha A rede de concessioná- tração, pois
à sua safra. O maior vão livre do Eficiência a diesel rios possui ampla cobertu- mantém os
mercado (1,65m) permite uma O motor AGCO Power de seis ci- ra e atendimento em campo. pneus sempre
em contato
aplicação mais limpa e o abas- lindros e 200 cv com transmissão “Disponibilizamos peças genuí- com o solo.
tecimento frontal com engate inteligente 4x4 tem controle ele- nas para qualquer concessionária
rápido. Já a fixação do sistema trônicoindependente,permitindo do Brasil em até 24 horas”, expli-
de barras na parte superior do uma capacidade de rampa de 36%. ca Ivan Santos, gerente Sênior de
chassi o mantém isolado da mo- A posição frontal ajuda a ampliar a Marketing Pós-venda da Valtra.
vimentação dos eixos, garantin- sua longevidade e facilita o aces- Os produtores ainda contam com
do aplicação uniforme e precisa. so na hora da manutenção. o app Valtra na Mão para agendar
Mas o destaque tecnológico é A Série R conta com sistema de e acompanhar a manutenção e o
o Liquid Logic, sistema de geren- telemetria para monitoramen- Portal do Valtreiro, primeiro pro-
ciamento inteligente de calda. to avançado e duas câmeras, grama de fidelidade do segmento.

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O trigo, por exemplo, chega a perder GRAZIANO_ Um país que tem menos de situação em que o mundo produz mais
20% de proteína em função do aumen- 5% da população em insegurança ali- do que o suficiente para alimentar to-
to de temperatura. Esse impacto sobre mentar é considerado fora do Mapa da dos de maneira adequada.
a qualidade do produto é um efeito da Fome. Obviamente que 5% em 200 mi-
mudança climática que vai ter cada vez lhões é muita gente. São dez milhões GR_ Qual é o centro do problema, então?
mais reflexos no futuro. Nós estamos de pessoas. Mas é possível, sim. Nós GRAZIANO_ É um problema de distri-
correndo o risco de voltar a ter uma si- temos países com estatísticas zero de buição. Hoje, quase não temos algo
tuação de incerteza na disponibilidade fome. Os nórdicos, por exemplo, que que torne impossível a produção, e
de alimentos similar à que ocorria an- criaram programas específicos de pro- isso ajuda muito. Nós temos o quê?
tes da invenção da agricultura, quando curar as pessoas em situação de maior Temos problemas políticos, temos
se ficava ao sabor de recoletar os pro- vulnerabilidade - e muitas vezes, como conflitos. Agora mesmo nós estamos
dutos. A agricultura veio trazer a cer- eu disse, essas pessoas estão escondi- vendo um conflito no Oriente Médio,
teza de que você tinha o que comer, das. A fome não é visível. Eu já estive e o resultado está sendo uma situa-
FOTO_ ROBERTO JAYME/VALOR ECONÔMICO

mas a mudança climática está reintro- em pelo menos 150 países do mundo, ção assustadora, são milhões de pes-
duzindo a incerteza. Você planta, vem e nunca encontrei um sindicato de fa- soas que estão, de repente, condena-
uma seca ou uma inundação, e você mintos ou uma associação de pessoas das à fome. Mas isso não tem nada a
não sabe se você vai colher ou não. com fome. Então, encontrá-los é uma ver com a capacidade de produção de
coisa difícil, mas é possível, e uma so- alimentos, tem a ver com um conflito
GR_ Parece um caminho cada vez mais ciedade pode estar atenta a isso. Eu, basicamente político e local. Então, se
difícil. É possível chegarmos a uma si- particularmente, acho que nós esta- nós conseguirmos superar esses pro-
tuação em que não haja fome ou ela mos numa situação muito favorável blemas, eu acho que temos o espaço
sempre será um fantasma? hoje para erradicar a fome, que é uma aberto para erradicar a fome.

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OPINIÃO I IDEIAS I Luiz Josahkian

Economia de baixo carbono


O ATUAL MODELO TEM SINAIS INEQUÍVOCOS DE INSUSTENTABILIDADE E
RECEBERÁ, CADA VEZ MENOS, FINANCIAMENTO E APOIO SOCIAL

O
ano de 2023, segundo especia- moção do equivalente a 1 tonelada de O Acordo de Paris, em 2015, fren-
listas, deverá ser o mais quen- carbono, o que permitiu, finalmente, te ao compromisso de limitar o aque-
te já registrado na história. A as operações de mercado. cimento global até o final do século
concentração de gases de efeito estufa O Protocolo de Quioto fortaleceu o em 2°C acima dos valores pré-indus-
(GEE) na atmosfera cresceu 149% des- comércio de emissões com a criação de triais, teve êxito ao estabelecer as
de a Revolução Industrial, em 1750, um sistema global de compra e venda Contribuições Nacionais Determina-
ocasionando mudanças climáticas, al- de emissões de carbono, transforman- das, permitindo aos países designa-
gumas já consideradas irreversíveis. do-o em uma commodity. rem sua quota individual de redução.
Para mitigar esses efeitos, gover- No início, os países signatários se O Brasil se comprometeu em reduzir
nos e a pesquisa buscam alternativas dividiram em dois grupos: o primei- suas emissões em 37%, em 2025, e em
para limitar as emissões de GEE. Nes- ro, formado pelos que usufruíram do 43% em 2030, comparativamente aos
se contexto é que surge o ainda con- níveis de 2005.
troverso mercado de carbono, cujo Paralelo a esse mercado oficial, sur-
conceito foi estabelecido pelo econo- giu um mercado de redução voluntária
mista americano Thomas Crocker, em de emissões, formado por empresas
1966, quando postulou a possibilida- comprometidas com o meio ambiente
de de que uma atividade poluente po- e que viram nisso uma oportunidade
deria compensar sua emissão de GEE de fortalecimento de imagem.
adquirindo créditos de outra empresa Atualmente, não obstante per-
que se abstivesse de poluir. sistam discordâncias políticas so-
Essa diferença de taxas de emissão bre o mercado de carbono e ques-
de poluentes viria a ser os créditos de tionamentos sobre a eficiência e
carbono. No meio século que se se- transparência do sistema de comer-
guiu, um mercado real de créditos de cialização, é um fato que ele irá se
carbono flutuou de uma abstração ao concretizar, pois cresce, em escala
impraticável, por ser intangível e ain- mundial, a percepção da sociedade
da sem uma métrica estabelecida. crescimento proporcionado pela Re- de que teremos que caminhar para
Contudo, agendas globais avança- volução Industrial, sobre os quais re- uma economia de baixa emissão de
ram no estabelecimento de um arca- caíam as maiores responsabilidades; o carbono, porque o atual modelo tem
bouço de regras e mecanismos que, segundo – no qual o Brasil foi incluído sinais inequívocos de insustentabili-
além de atuarem na redução dos ris- – formado por aqueles que só apresen- dade e receberá, cada vez menos, fi-
cos ambientais, estimularam oportu- taram crescimento econômico após a nanciamento e apoio social.
nidades e mercados. Segunda Guerra Mundial, com com-
Após a RIO-92, estabeleceram-se promissos mais brandos. Essa divisão
protocolos e instituiu-se a unidade fez com que Estados Unidos e Canadá Luiz Josahkian é zootecnista,
professor de melhoramento genético e
de comércio "crédito de carbono", a 1 não aderissem ao protocolo, dificul- superintendente técnico da Associação
tCO2, que representa a redução ou re- tando o avanço do processo. Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)

18 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


CENÁRIOS | CLIMA

TEMPO DE

CHEIA E ESTIAGEM
De maneira quase simultânea, o Rio
Grande do Sul sofreu com o excesso de
chuvas e o Amazonas com a falta delas

20 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


EXTREMOS
MUDANÇAS CLIMÁTICAS AUMENTAM A OCORRÊNCIA DE FENÔMENOS
COMO SECAS E INUNDAÇÕES. O AGRO É UM DOS SETORES MAIS
AFETADOS – E UM DOS QUE MAIS PODEM AJUDAR A OFERECER SAÍDAS

por RAFAEL WALENDORFF, MARCOS FANTIN, IZABEL GIMENEZ, MARCELO


BELEDELI e YAN BOECHAT, de Brasília, Manaus, Porto Alegre e São Paulo
FOTO GETTYIMAGES

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 21


CENÁRIOS | CLIMA

22 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


A
CASA DE MADEIRA DO AGRICULTOR Delmar Ro-
drigues, nas vizinhanças de Manaus, des-
cansa sobre palafitas, que, no início de ou-
tubro, pareciam ter pouca serventia. O
liso do Solimões fica logo à porta em época
de cheia do rio, mas, naquele momento, o
quadro deu para estarrecer toda a gente: como as chu-
vas sumiram a partir de agosto, Delmar tinha de ven-
cer mais de 150 metros de barro e lama para encontrar
a água que costuma ser quintal. “Estamos acostumados
com as cheias, com a vazante, acontece todo ano. Mas
dessa vez foi diferente”, disse ele à GLOBO RURAL. O mi-
lho cresceu pouco, as cebolas estavam pequenas e a la-
voura de melancia foi abandonada antes de as plantas
darem frutos. “Foi rápido. E foi forte.” Eis a força em
números: em setembro, a superfície de água dos muni-
cípios amazonenses era de 3,5 milhões de hectares, uma
área quase 30% menor que a de um ano antes.
A estranheza dessa verdade contrastava com o que se
viu semanas antes no outro extremo do país. No início
de setembro, a formação de um novo ciclone extratropi-
cal – um fenômeno relativamente comum, com ventos
que muitas vezes nem sequer chegam à costa – desenca-
deou uma enchente no Rio Grande do Sul que destruiu
casas e lavouras e causou a morte de mais de 50 pesso-
as. Os prejuízos para o agro passaram de R$ 1 bilhão, se-
gundo a Confederação Nacional dos Municípios (CMN).
“Não foi uma enchente, foi uma catástrofe”, descreveu
Milton Stahl dos Santos, diretor da Granja Avícola Bom
Frango, em Venâncio Aires, a 130 quilômetros de Por-
to Alegre. Dentro do frigorífico, contou o empresário, as
águas chegaram a 1,20 metro acima do nível do solo.
Seca na Amazônia e ciclone no Sul não são fenômenos
inéditos. O que diferencia o quadro atual do que se via no
passado, entretanto, é que esses problemas são cada vez
mais frequentes e intensos. Uma onda de frio, ou mesmo
uma série delas, não prova a inexistência do aquecimen-
to global. Na verdade, uma das consequências do au-
mento da temperatura do planeta é a intensificação dos
extremos climáticos: ora o castigo chega com uma seca
prolongada e severa, ora com chuvas que não estiam. 'SERTÃO' AMAZÔNICO
FOTO GETTYIMAGES

Dito de outra forma, o clima “normal” é, hoje, arti- As chuvas começaram a rarear no
Amazonas a partir de agosto. A estiagem
go cada vez mais raro. “Isso significa que a atividade transformou em rota de pedestres alguns
agropecuária está sempre sob efeito adverso, o que é dos rios mais caudalosos do mundo
bastante desafiador para os produtores”, afirma Natá-

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 23


CENÁRIOS | CLIMA

“No Sul, já há casos de plantio de


soja que ocorre em áreas de alto
risco climático. As perdas dos
últimos anos demonstram isso”

LEILA HARFUCH,
sócia da consultoria Agroicone

24 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


ESTRAGOS QUE VÊM DO CÉU
Inundação no município de Rio do Sul,
em Santa Catarina: em anos sob a
influência do El Niño, o volume de chuvas
costuma aumentar no Sul do país

lia Fernandes, coordenadora do Núcleo de Inteligência


de Mercado da Confederação da Agricultura e Pecuá-
ria do Brasil (CNA). Na declaração, a especialista fez
menção específica ao El Niño e ao La Niña, fenômenos
naturais que também têm agido com recorrência inédi-
ta. Nos últimos tempos, o intervalo mais longo sem in-
fluência de um dos dois foi o que se estendeu de 2012 a
2014. Depois disso, um sucedeu ao outro praticamen-
te sem interrupções. No momento, o El Niño está em
ação, depois de três anos consecutivos de La Niña.
Em anos de El Niño, as temperaturas do Oceano Pa-
cífico sobem 0,5°C, em média, o que muda as condições
climáticas em diferentes partes do mundo. No Brasil,
a região Sul costuma ter mais chuvas nessas ocasiões.
No atual estágio da temporada 2023/2024, o excesso
de umidade no Sul tem afetado as lavouras de trigo e o
plantio do arroz. Ele pode, além disso, prejudicar a sa-
fra de soja em diversas regiões do Rio Grande do Sul
e de Santa Catarina. “Algumas áreas de milho do Rio
Grande do Sul têm tido períodos de sol, que favorecem
as lavouras, mas em algumas áreas pode ser necessá-
rio reaplicar a adubação”, afirma Desirée Brandt, me-
teorologista da Nottus. As chuvas também caíram com
força no Paraná, ainda que de maneira mais espaçada,
o que permite o avanço da soja e do milho.
A primavera sob influência do El Niño mantém chuvas
mal distribuídas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do
país. Agora, a expectativa é que a chuva enfim volte a dar
as caras, mas de forma localizada. “Isso exige do produ-
tor um avanço com cautela, plantando conforme a chu-
va acontece”, alerta a especialista. Já nas regiões Norte e
Nordeste, as chuvas devem chegar em algum momento
ao Pará e à área conhecida como Matopiba (Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia). Ainda assim, em volume infe-
rior à média histórica, ressalva a meteorologista.
Em anos em que o fenômeno é de intensidade forte ou
muito forte, os baixos níveis de umidade afetam a produ-
tividade de soja e milho no Matopiba. Foi o que ocorreu
no “super El Niño” que ocorreu entre 2015 e 2016, quan-
do as temperaturas do Pacífico chegaram a subir 3°C – e
o rendimento das lavouras da região caiu mais de 30%.
FOTO GETTYIMAGES

O levantamento da CNA mostra, em linhas gerais,


que tanto o volume de produção quanto o rendimen-
to caem quando o El Niño age. E isso não se restringe à
agricultura. No caso da pecuária leiteira, as altas tem-

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 25


CENÁRIOS | CLIMA

AVALANCHE DE PERDAS
COMO OS EXTREMOS DO CLIMA AFETAM O AGRO

PERDAS NO AGRO
CAUSADAS POR EXTREMOS CLIMÁTICOS
(DE 2013 A 2022)

R$ 287 BILHÕES
EXCESSO
ESTIAGEM DE CHUVAS
ÁREA AFETADA EM HECTARES

6,8 MILHÕES 87
R$ 251,1
13
R$ 35,9
BILHÕES BILHÕES
PERDAS EM 2023 (JANEIRO A SETEMBRO)
AGRICULTURA PECUÁRIA

R$ 24,6 BI R$ 9,1 BI
PERDAS POR REGIÃO PREJUÍZOS COM ESTIAGENS (R$ BILHÕES)
PREJUÍZOS COM EXCESSO DE CHUVAS
(R$ BILHÕES) TOTAL GERAL

NORDESTE NORTE 0,014


2013 0,000

3,3 102,7 2014


0,014
0,008
0,003
0,012
15,3
2015 3,0
18,4
24,7
2016 2,3
27,1
23,5
2017 2,0
25,5
27,6
2018 1,6
29,3
14,3
2019 1,7
16,0
39,6
2020 1,2
40,8
CENTRO-OESTE SUDESTE

31,3 55,3
31,0
2021 13,5
44,6
74,7
2022 10,2
85,0

SUL 251,1
TOTAL 35,9

94,2
287,0

Fonte: Confederação Nacional dos Municípios

26 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


SEGURO RURAL 5,08
VALORES DAS INDENIZAÇÕES NO PROGRAMA
DE SUBVENÇÃO ÀS APÓLICES

0,002 0,042 0,219 0,210 0,157 0,440 0,210 0,591 0,719 0,318 0,476 0,218 0,962 0,854 1,2
2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2017

2018

2019
2014

2015

2016

2020

2021
VALORES ACUMULADOS POR TIPO DE EVENTO
EVENTO INDENIZAÇÕES (R$ BILHÕES) Fonte: Ministério da Agricultura

Seca 7,6
Granizo 1,7
Geada 1,4
Chuva excessiva 0,654
Inundação 0,130
Ventos fortes 0,059
Incêndio 0,055
Var. excessiva de temperatura 0,029
Morte 0,016
Demais causas 0,009
Raio 0,001
Queda de parreiral 0,001
Variação de preço 0,001
Perda de qualidade 0,003
Replantio 0,001

AGRICULTURA FAMILIAR 8,7


VALORES DAS INDENIZAÇÕES DO PROAGRO (EM R$ BILHÕES)

Fonte: Banco Central 6,1

0,550 0,908 1,7 0,419 1,08 1,3 1,9 2,0


2013

2014

2015

2016

2017

2019
2018

2020

2021

2022

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 27


CENÁRIOS | CLIMA

peraturas e a umidade afetam as vacas em lactação, o


que pode causar perda de produção de até 20% em ani-
mais com média produtiva de 30 litros de leite por dia.
O resultado disso, nos cálculos da entidade, é uma que-
da de quase 25% da margem líquida da atividade. Em
contrapartida, a água mais quente tende a favorecer a
piscicultura, e a produtividade da cana-de-açúcar cos-
tuma crescer. Desde 2013, os problemas climáticos já
causaram prejuízos de mais de R$ 300 bilhões à agro-
pecuária brasileira, segundo a Confederação Nacional
dos Municípios. Nos primeiros nove meses deste ano,
as perdas somaram R$ 24,6 bilhões na agricultura e R$
9,1 bilhões na pecuária.
Os extremos climáticos não afetam somente a atividade
rural, é claro, nem são exclusividade brasileira. Segundo
um estudo publicado em setembro pela revista científica
Nature, os 185 eventos meteorológicos extremos que estão
na base de dados da Organização Meteorológica Mundial
afetaram 1,4 bilhão de pessoas no mundo. As perdas as-
sociadas diretamente às alterações climáticas, continua
o estudo, chegam a US$ 143 bilhões anuais em média –
o equivalente, hoje, a mais de R$ 700 bilhões, ou R$ 80
milhões por hora. Entram na conta as perdas materiais,
chamadas no estudo de “danos monetários diretos”, e as
mortes decorrentes desses episódios. Elas representam
63% do valor total, estimado com base em um conceito
conhecido como Valor Estatístico de uma Vida (ou, em
inglês, “Value of a Statistical Life”).
Se maior o intervalo da análise, o número de mortes
fica ainda mais evidente. A Organização Meteorológi-
ca Mundial, agência que integra a Organização das Na-
ções Unidas (ONU), informa que, no mundo, as perdas
causadas por desastres ambientais aumentaram sete ve-
zes desde 1970. “Embora parte dessa alta deva-se ao au-
mento das notificações de danos provocados por catás-
trofes, ao crescimento populacional e aos movimentos
migratórios em direção a áreas urbanas e costeiras mais
expostas [aos eventos climáticos], pode-se atribuir às
mudanças do clima uma parcela do aumento [das per-
das]”, escreveram os autores do estudo publicado na
Nature, que cita o levantamento da agência.
ENCALHE Nessa era de extremos, o que se pode fazer pelo agro?
Barcos parados por falta de condições para “A crise climática nos coloca em um momento crítico,
navegação no Amazonas: em setembro,
superfície de água nos municípios do estado em que precisamos muito de pesquisa agropecuária com
era quase 30% menor que a de um ano antes recursos públicos. Existem vazios que a pesquisa priva-

28 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


“Estamos acostumados com
as cheias, com a vazante,
acontece todo ano. Mas dessa
vez foi rápido. E foi forte”

DELMAR RODRIGUES,
agricultor
FOTO YAN BOECHAT

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CENÁRIOS | CLIMA

“A crise climática nos coloca


em um momento crítico. É
preciso investimento público
em pesquisa agropecuária”

PEDRO DE CAMARGO NETO,


produtor rural e doutor em engenharia

30 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


da não está ocupando”, pontuou o agropecuarista Pedro
de Camargo Neto, doutor em engenharia, ex-presidente
de entidades de classe e ex-secretário de Produção e Co-
mércio do Ministério da Agricultura (2001-2022). “Pre-
cisamos de novas variedades, mais resistentes a seca e
calor. A pesquisa privada atua com soja e milho, mas,
para gramíneas, por exemplo, que ocupam a maior par-
te da área de plantio no Brasil, se não for a Embrapa,
com pesquisa, edição gênica, não teremos novas varie-
dades.” Esses apontamentos estão no relatório que Ca-
margo Neto e um grupo de notáveis formularam para
orientar a linha de trabalho da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária nos próximos 50 anos.
Projeções da estatal sugerem que, até 2040, as mu-
danças no clima devem forçar o deslocamento de cul-
turas e reduzir áreas aptas ao plantio de alguns pro-
dutos. Soja, milho, arroz e trigo, por exemplo, que são
originários de países de clima temperado, podem fa-
zer parte dessa redistribuição. “Na região Sul, pode-
-se dizer que já há casos de plantio de soja em áreas
que são de alto risco climático. As perdas dos últimos
anos demonstram isso”, afirma Leila Harfuch, sócia
da Agroicone. A consultoria tem um modelo econô-
mico para o setor agropecuário com o qual ela cruza
os dados da Embrapa. Os resultados dessa operação
indicam que o aumento do risco agroclimático deve
ter impactos mais relevantes sobre as lavouras do Sul,
mas também sobre as do Sudeste e do Nordeste.
As perspectivas talvez soem um tanto desalentado-
ras, mas o agro brasileiro já colheu esperança mes-
mo do meio do fel do desespero – ou da necessidade.
A bem-sucedida adaptação da soja, uma cultura origi-
nalmente de clima temperado, ao tempo quente e seco
do Centro-Oeste é possivelmente o exemplo mais em-
blemático. O feito deveu-se não à crise climática, é ver-
dade, mas sim à diretriz da expansão demográfica para
essa região que vigorou a partir da década de 1970.
Seja como for, ainda que o estopim tenha sido outro, co-
lheu-se revolução com esse feito. “Não se desenvolveu a
soja para o Centro-Oeste com o olhar das mudanças cli-
máticas, mas essa é uma forma de adaptação que serve de
FOTO GETTYIMAGES

modelo para o momento atual”, diz Giampaolo Pellegri- SUL DAS ÁGUAS
no, coordenador do Comitê de Mudanças Climáticas da Inundação forma ondas em rua de
Porto Alegre; eventos que ocorreram
Embrapa. O esquenta e esfria do clima embrulhou tudo. em setembro causaram prejuízos de mais de
O que se precisa agora é, também, coragem. R$ 1 bilhão ao agro do Rio Grande do Sul

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 31


CENÁRIOS | CLIMA

O NOVO ANORMAL
COMO AGEM OS FENÔMENOS EL NIÑO E LA NIÑA, CADA VEZ MAIS RECORRENTES

ANO NORMAL
COSTA DA VENTOS ALÍSIOS COSTA DA
INDONÉSIA AMÉRICA DO SUL

OCEANO PACÍFICO

ÁGUA AQUECIDA

ÁGUA FRIA SOBE ("RESSURGÊNCIA")

ANO COM EL NIÑO


COSTA DA VENTOS ALÍSIOS COSTA DA
MAIS FRACOS
INDONÉSIA AMÉRICA DO SUL

OCEANO PACÍFICO

ÁGUA AQUECIDA

ÁGUA FRIA

ANO COM LA NIÑA


VENTOS ALÍSIOS
COSTA DA FORTES CHUVAS
MAIS FORTES COSTA DA
INDONÉSIA AMÉRICA DO SUL

OCEANO PACÍFICO

ÁGUA AQUECIDA

FORTE RESSURGÊNCIA DA ÁGUA FRIA

Fonte: Nottus meteorologia

32 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


TERMÔMETROS DOS MARES
OSCILAÇÃO DA TEMPERATURA DA SUPERFÍCIE DO OCEANO PACÍFICO EM RELAÇÃO ÀS MÉDIAS HISTÓRICAS (EM ºC)

15-16
Muito forte 97-98
72-73 82-83
2,0 57-58
Forte SET/23
1,5
EL NIÑO Moderado
1,0
Fraco
0,5

-0,5
Fraco
-1,0
LA NIÑA Moderado
-1,5
Forte
-2,0
Muito forte

2000
1950

1960

1970

1980

1990

2010

2020
Fonte: NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional)

MAPA DAS PRECIPITAÇÕES


OS EFEITOS DOS DOIS FENÔMENOS SOBRE O REGIME DE CHUVAS E COMO ELES AFETAM O AGRO

Mais quente Mais chuva Mais seco Não há correlação clara

EL NIÑO LA NIÑA

Irregularidade da chuva no Sudeste e Centro-Oeste Inverno mais longo, com mais ondas de frio e potenciais geadas tardias
Risco de fim precoce da chuva no verão (dificuldades para a safrinha) Risco de seca prolongada no Sul, sobretudo no Rio Grande do Sul
Chuva abaixo da média no "Matopiba" Risco de invernada para Sudeste, Centro-Oeste e parte do Norte, o que
dificulta os tratos fitossanitários, colheita e escoamento da safra de verão
Primavera com muita chuva no Sul
Excesso de umidade eleva número de doenças causadas por fungos
Surgimento de pragas e doenças

Fonte: Nottus meteorologia

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AGROPECUÁRIA | CLIMA

ALIANÇA
COM O
SOLO
NÃO SE PODE CONTROLAR AS
OSCILAÇÕES DO CLIMA, MAS O
PRODUTOR PODE ATENUAR
SEUS EFEITOS COM BOAS
PRÁTICAS DE MANEJO, QUE
MELHORAM A RESISTÊNCIA DAS
PLANTAS E DO MEIO AMBIENTE

por CAROLINA MAINARDES e CARLOS VILLELA,


de Carambeí (PR) e Santa Bárbara do Sul (RS)
fotos FREDY VIEIRA e HENRY MILLEO

34 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


BOI E GRÃO
Diversificação produtiva inclui integração
lavoura-pecuária em propriedade
de Santa Bárbara do Sul (RS)

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AGROPECUÁRIA | CLIMA

CURVA DE ALTA
Luis Teodoro Noviski,
de Carambeí (PR),
comemora aumento
de produtividade
com técnicas
como o plantio em
curvas de nível

36 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


N
O ÚLTIMO VERÃO,o Rio Grande do Sul en- “O mato não descansa
frentou uma das piores estiagens de sua
história – e foi o terceiro ano seguido de
nunca. O que a gente vem
seca. Mais de dois terços dos municípios fazendo é olhar para ele
do estado decretaram situação de emer-
gência em virtude da falta de chuvas, e a
para tentar trazer o máximo
nova quebra de safra pesou sobre a economia. Segun- para a nossa realidade”
do o Departamento de Economia e Estatística do go-
verno estadual, a seca foi a responsável pela queda de
45,6% da produção agropecuária. Como resultado, o FAURO LORETO DA ROCHA,
Produto Interno Bruto do estado teve uma retração de produtor de Santa Bárbara do Sul (RS)
5,1% em 2022.
Em um quadro de estiagens cada vez mais frequen-
tes, quem estiver adaptado a eventos climáticos extre-
mos como esse consegue mitigar seus efeitos a ponto de
ser, em muitos casos, uma literal salvação da lavoura.
No norte do Rio Grande do Sul, produtores encontra-
ram no solo um aliado vivo: a adoção de práticas inova-
doras de cultivo e manejo tem dado a eles resultados su-
periores à média ano após ano. Com isso, ele conseguiu dois anos positivos antes da es-
Em Santa Bárbara do Sul, cidade de menos de 10 mil tiagem de 2020/2021. Quando ela chegou, os resultados
habitantes que fica a cerca de 350 quilômetros de Porto do produtor foram superiores aos de outras proprieda-
Alegre, o produtor Fauro Loreto da Rocha começou a in- des da região. No primeiro ano, ele colheu 55 sacas por
vestir em diversificação de cultivos, ampliação da aduba- hectare – a média nas proximidades ficou entre 40 e 45.
ção orgânica e na integração lavoura-pecuária em 2018. Em 2021/2022, Rocha colheu 25 sacas de soja por hecta-
re, enquanto propriedades vizinhas conseguiram de 12 a
15 sacas. Já na de 2022/2023, quando a média na região fi-
cou entre 22 e 24 sacas por hectare, o produtor colheu 35
sacas com pouco mais de 200 milímetros de chuva.
A virada de chave ocorreu quando Rocha buscava re-
solver o problema da falta de lucro na lavoura de trigo.
Em um treinamento que Organização das Cooperati-
vas Brasileiras (OCB) e Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) ofereceram em conjunto, o pro-
dutor conheceu exemplos que uniam o pastejo ao cultivo
e enxergou nessas iniciativas um caminho para ao menos
pagar os custos da safra de inverno.
No esquema de rotação trienal que ele adota hoje, o gado
pasteja em cada terço da propriedade por um ano. O reba-
nho bovino, que começou com 20 cabeças, hoje tem 280.
Nas áreas que em que o gado passou em pastejo, o volume
da raiz do trigo de duplo propósito foi quase 40% maior
que o das áreas de palhada. “Cada vez que o gado pasteja,
ele corta a planta, e ela enraíza um pouco mais”, diz. Nes-

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 37


AGROPECUÁRIA | CLIMA

se método, raízes de trigo e aveia já atingiram até 1,5 me-


tro de profundidade. Esse é o diferencial que dá, no verão,
mais resistência à soja. “A raiz da soja é muito preguiço-
sa. Se tu não tiver uma raiz morta ali na terra, a soja não
vai ter força para penetrar no chão”, justifica o produtor.
No inverno, metade da área é ocupada por trigo regular e
de duplo propósito e a outra por aveia, centeio, ervilhaca e
triticale. No cultivo de verão, a soja cobre aproximadamen-
te 90% do espaço cultivado, e capim-sudão e rebanho ocu-
pam o restante. Nos anos de seca, a área de pastagem teve
uma lotação média de 6,5 cabeças por hectare. “Em ano
bom, a gente pretende fazer dez cabeças por hectare nesse
sistema”, conta. O novo projeto do produtor é o consórcio
de culturas. O capim-sudão que começou a nascer no iní-
cio de outubro foi semeado junto com braquiária. Para a
próxima safra de inverno, o plano é plantar ervilhaca junto
ao trigo para incentivar a ciclagem de nitrogênio.
O respeito às características do solo foi o que garantiu o
resultado satisfatório do produtor e empresário Evandro
Martins em Passo Fundo (RS). A redução na safra decor-
rente da última estiagem foi de menos de 15%, enquanto
as perdas de produtores vizinhos passaram de 40%.
A média de soja de 90 sacas por hectare em período sem até 25% no cultivo devido a doenças como a giberela, que
estiagem caiu para 70 sacas. No milho, perdeu-se 20% do se desenvolvem em condições de alta umidade. Contudo,
total, distante dos 70% nos casos mais graves na região. o produtor encara o revés com naturalidade e observa
As lavouras são cultivadas com manejo conservacionista que o equilíbrio nutricional também é uma forma de re-
apoiado pela Embrapa Trigo, com rotação de culturas, pa- sistência às adversidades do clima.
lhada e uso de plantas de cobertura no vazio outonal. A garantia de nutrição do solo e de sobrevida da colhei-
Martins trabalha com esse manejo desde 2005, ano ta mesmo com o clima hostil passa pelo uso inteligente de
de estiagem violenta no Rio Grande do Sul. Em 2012, em fertilizantes. Ele faz adubação de sistema, e o resultado
meio a outro período sem chuvas, ele implantou o sistema aparece no custo de produção. O uso de fertilizantes mi-
Terraço for Windows, conciliado com o plantio perpendi- crogranulados reduziu em dez vezes a quantidade neces-
cular. O método desenvolvido pela Universidade Federal sária por hectare, limitou o uso de fertilizantes químicos e
de Viçosa (UFV) consiste na abertura de terraços horizon- permitiu que a terra ficasse livre para o suporte nutricio-
tais e verticais e favorece a retenção de água da chuva en- nal. “Como o solo está equilibrado, ele renova automatica-
quanto reduz a erosão do solo. “É o que nos dá segurança mente os teores de matéria orgânica”, argumenta.
de reter cinco vezes mais a água da chuva do que no siste- Martins é diretor-executivo da Associação Parque
ma morro acima e morro abaixo”, conta Martins. Também Tecnológico do Agronegócio (TecnoAgro), centro de
se vê o benefício do sistema na temporada chuvosa. “A pa- inovação e pesquisa da Universidade de Passo Fundo
lhada funciona como um telhado, e o sistema de terracea- (UPF), e presidente da FertiSystem, desenvolvedora de
mento funciona como uma parede”, ilustra. dosadores de adubos para máquinas. Hoje, faz dos seus
Na safra de inverno deste ano, com o excesso de chu- 140 hectares produtivos um palco para experimentação
vas, as perdas foram inevitáveis. Na lavoura de trigo, a e inovação, guiado pelo respeito ao meio ambiente e ao
queda de produtividade deve ser de 10%, com perda de solo. “Tudo que existe de tecnologia não sobressai à im-

38 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


TÉCNICA SINUOSA
Com as curvas de nível,
o objetivo é preservar os
recursos hídricos, reduzir
danos ao solo e evitar a
erosão e a perda de nutrientes
em casos de enxurrada

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 39


XG
A X XR XOXP E| CCU
L IÁMRAI A | C L I M A

40 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


portância que damos ao solo. A máquina termina o ser- “Tudo que existe de tecnologia
viço, o insumo vai embora, a colheita acontece, os ani-
mais crescem e se reproduzem, mas o solo fica".
não sobressai à importância
Qualificar a adubação para reduzir o desgaste do solo que damos ao solo. A máquina
foi a primeira iniciativa do produtor Fauro Rocha quan-
do ele passou a adotar as técnicas atuais de manejo na
termina o serviço, o insumo vai
propriedade em Santa Bárbara do Sul. Hoje, ele divide a embora, a colheita acontece,
aplicação meio a meio entre química e biológica. São cin-
co toneladas de adubo biológico por hectare - uma mis-
os animais crescem e se
tura de três toneladas de cama de aviário, uma de cal- reproduzem, mas o solo fica”
cário e uma de pó de rocha rico em silício e cloreto de
potássio. O método, que substitui 150 kg de fosfato dia-
mônico (DAP) e 150 kg de cloreto químico, permite uma EVANDRO MARTINS,
economia de aproximadamente R$ 500 por hectare. produtor de Passo Fundo (RS)
O trabalho é pesado, mas a economia compensa: após
uma chuva, o produtor encontra minhoca em qualquer
lugar da lavoura - e, mais recentemente, cogumelos. “No
meu ponto de vista, cogumelo é o ápice”, diz Rocha, oti-
mista com as possibilidades que se abrem com as micorri-
zas, estruturas finas que associam os fungos à raiz cultiva- natureza. “O mato não descansa nunca”, raciocina ele.
da e favorecem crescimento mútuo via troca de nutrientes. "O que a gente vem fazendo é olhar para o mato tentando
Ele acredita que o único caminho viável para elevar trazer o máximo para a nossa realidade”.
sua produção de soja a uma média próxima a 100 sacas Na fazenda do produtor Luis Teodoro Noviski, em Ca-
por hectare é por meio de um solo biologicamente rico e rambeí (PR), a atividade se concentra na produção de
que, para atingir isso, é preciso aprender com o ritmo da grãos - soja, milho e, eventualmente, feijão - e leite. São
100 hectares para a lavoura e produção de 3 mil litros de
leite por dia. Lidar com a instabilidade climática faz par-
te do negócio, mas os esforços para enfrentar esse quadro
têm ajudado a elevar a rentabilidade. “Em anos mais se-
cos ou muito chuvosos, a gente deixava de produzir e dava
graças a Deus de conseguir pagar as contas. As práticas
que adotamos amenizam bastante os prejuízos”, afirma.
Há cinco anos, Noviski implantou na propriedade o
plantio em curvas de nível. Hoje, ele celebra os resultados.
“Além de conservar o terreno, a técnica melhora a produ-
tividade”, diz. O sistema está instalado em 33% da área de
plantio, com prioridade para localidades mais íngremes.
O plantio em curvas de nível é uma técnica agrícola mi-
ATENÇÃO AOS lenar. Com elas, o objetivo é preservar os recursos hídri-
FOTO YAN BOECHATVALOR

INSUMOS cos, reduzir danos ao solo e evitar a erosão e a perda de


Fauro Rocha
conseguiu reduzir nutrientes em casos de enxurradas. Por isso, o sistema é
custos ao equilibrar indicado para terrenos com declives a partir de 5º de des-
a adubação nível. O pesquisador da Embrapa Soja Alvadi Balbinot
entre biológicos
e químicos explica que o sistema ajuda bastante em um cenário com

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 41


AGROPECUÁRIA | CLIMA

eventos extremos, de muita chuva ou de falta dela, sen-


do fundamental para minimizar os efeitos do estresse hí-
drico. “Associada a outras práticas, como plantio direto,
palhada e diversidade de espécies de plantas, a prática é
cada vez mais importante”, sustenta.
Nesse sistema, o plantio segue os níveis do terreno.
Cada linha da plantação serve de empecilho para reduzir
a velocidade da enxurrada, e, com a ajuda da abertura de
terraços na lavoura, a água consegue se infiltrar na terra.
A queda do rendimento operacional é uma das dificulda-
des, uma vez que as máquinas precisam seguir o nível da
plantação, o que exige mais tempo e cuidado para evitar o
amassamento de planta com as manobras. “Muitos agri-
cultores optam pela plantação em desnível para obter um
rendimento operacional maior, mas os impactos positi-
vos da técnica são muito superiores”, reforça Balbinot.
Segundo Noviski, o investimento compensa, e o re-
torno é quase que imediato. Por isso, ele tem planos de
estender a técnica a 100% da área de plantio. Para ele,
o método garantiu o aumento na produtividade das la-
vouras nos últimos anos. Na soja, a colheita passou de
3,5 toneladas para 4,3 toneladas por hectare, em média,
chegando a 5 mil em algumas áreas. Os números são su-
periores à média do rendimento da soja no Paraná, que 45 a 50 sacas de soja por hectare na safra 2015/2016, mas
ficou em 3,845 toneladas por hectare em 2022/2023, se- conseguiu colher apenas 27 sacas por hectare.
gundo o Departamento de Economia Rural (Deral). De lá para cá, a correção do perfil de solo, com aplicação
Enquanto o El Niño faz com que o volume de chuvas de calcário e de gesso, e a adoção da palhada - cobertura de
aumente no Sul, em Tocantins, na área central do país, solo com braquiárias -, ajudaram a elevar a produtividade
as precipitações irregulares costumam se acentuar com para uma média de 60 a 63 sacas por hectare, chegando a
o fenômeno. Além disso, o solo é de classificação mista - 75 sacas por hectare em áreas mais antigas. Atualmente,
que reúne características como argiloso, arenoso e com o plantio na fazenda ocupa 1,2 mil hectares, e a produção
presença de pedras -, o que exige assessoramento téc- concentra-se em grãos: soja, milho, gergelim e sorgo.
nico de especialistas para dar estabilidade à produção. O engenheiro agrônomo Glayson de Oliveira, que atua
Em Nova Rosalândia, Igor Muth adotou duas técnicas no departamento técnico da cooperativa Frísia em Tocan-
de manejo na lavoura de sua propriedade para garantir tins e faz assessoramento na propriedade, diz que o tra-
boa produtividade e dar equilíbrio à produção em um ce- balho visa a construir o solo em profundidade para, com
nário de instabilidades do clima: a construção do perfil isso, corrigir a acidez e buscar o equilíbrio de nutrientes.
de solo e a palhada. Igor chegou à região em 2015 - ano “A construção do perfil de solo e a palhada dão mais segu-
de ocorrência daquele ficou conhecido com o “super El rança ao produtor no momento do início do plantio. As-
Niño”. Ele lembra que, na época, as áreas ainda estavam sim, os impactos ambientais são menos severos”, resume.
sendo abertas para a plantação. Além disso, não havia A correção de solo é o primeiro passo e, em seguida vem
estrutura ou correção de solo. “Foi bastante difícil. Além a palhada, que antecede o plantio direto. Usada como co-
das condições do terreno, foi um ano com chuvas muito bertura, a palhada ajuda na proteção do terreno, ajuda a
irregulares, o que causou grandes problemas na cultu- manter a umidade e a reduzir a evapotranspiração, o que
ra”, lembra o produtor. Ele esperava um rendimento de assegura uma temperatura agradável para a planta.

42 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


BOM RETORNO
Pastejo do gado ajudou a
aumentar o volume de raiz
das plantas em fazenda
no Rio Grande do Sul

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 43


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V
em aí a oitava edição do Prêmio Fazenda Sustentável. Em breve, produtores de todas
as regiões do país poderão se inscrever na premiação realizada há oito anos pela GLO-
BO RURAL e que reconhece a adoção de boas práticas de sustentabilidade ambiental,
econômica e social no campo. Na sétima edição, a disputa entre as concorrentes foi a
mais acirrada em toda a história do prêmio. A comissão julgadora avaliou informa-
ções e resultados de 44 fazendas. Desse total, 15 chegaram à última etapa. Cinco propriedades
ficaram entre as finalistas em cada uma das três categorias – pequenas, médias e grandes pro-
priedades rurais. As mais bem avaliadas receberam troféus de primeiro, segundo e terceiro lu-
gar em cada categoria, e as demais classificadas, além do reconhecimento na cerimônia de entre-
ga do prêmio, realizada no fim de julho, em São Paulo, receberam relatórios em que os parceiros
de metodologia de avaliação apontaram aspectos positivos de suas práticas sustentáveis e indi-
caram melhorias que consideram necessárias.
Os produtores inscritos participam de diferentes etapas de seleção. Na primeira fase, eles apre-
sentam informações como dados sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a situação trabalhista
dos funcionários e técnicas de manejo de baixo impacto ambiental.
Na segunda etapa, os parceiros que atuam na avaliação partem para uma análise mais detalha-
da sobre as propriedades, como a informação sobre a quantidade exata de insumos que elas utili-
zam em cada cultivo. Em seguida, as propriedades que se classificam passam por uma análise de
crédito que avalia especificamente sua situação financeira. As visitas técnicas às fazendas ocorrem
na terceira etapa, um trabalho que atesta a veracidade das informações. Esses dados servem de
base para a produção de relatórios a serem analisados por uma comissão julgadora independente.
Acompanhe as novidades sobre a oitava edição do Prêmio Fazenda Sustentável no site globo-
rural.com.br e nas redes sociais da GLOBO RURAL.

RE ALIZ AÇÃO PATROCÍNIO


CONECTIVIDADE | TECNOLOGIA

SOLUÇÕES
NA JORNADA
INICIATIVAS QUE FACILITAM O COMPARTILHAMENTO
DE DADOS QUE CHEGAM DO CAMPO MELHORAM
A INCLUSÃO DIGITAL DE PRODUTORES

por NÍCOLAS DAMAZIO

E
M UM PAÍS COM NOTÓRIA desigualdade econô- “Eles [os grandes do agro] têm capacidade de levar co-
mica e social e de enorme território como o nectividade ao campo e comprar os equipamentos que co-
Brasil, as dificuldades de acesso à internet letarão as informações e que depois as encaminharão a
ficam ainda mais evidentes no meio rural. uma central de processamento. Lá, é possível trabalhar
“Para o grande produtor, a jornada dos da- com os dados ainda mais no detalhe, o que permite fazer
dos é uma; para pequenos e médios, é outra", com que a organização da produção tenha a maior efici-
afirma a pesquisadora Luciana Alvim Romani, da Em- ência e o maior rendimento possíveis”, diz Luciana.
brapa Agricultura Digital, de Campinas (SP). No entanto, a realidade para os pequenos e médios
Em um mundo ideal, com pleno acesso à conectivida- produtores ainda é bem diferente. Para boa parte des-
de em todos os lugares, o processo ocorre em três etapas: se universo de agricultores, a limitação da conectividade
coleta, interpretação e aplicação das informações. Na fase impede o funcionamento pleno de aplicativos triviais e
da coleta, maquinários, implementos e ferramentas equi- (quase) imprescindíveis no dia a dia, como o WhatsApp.
pados com sensores mapeiam os diferentes elementos que Nesse contexto, tratores e colheitadeiras conectados po-
compõem as lavouras e agem sobre elas, como índice de dem soar como elementos de ficção científica.
umidade, condições meteorológicas, sanidade das plan- No Brasil, 13 milhões de pessoas que vivem em áreas
tas e características nutricionais do solo. Essa costuma ser rurais não têm acesso à internet de qualidade, informa
a realidade de grandes propriedades, que têm recursos levantamento do Instituto Interamericano de Coope-
para investir na infraestrutura necessária para a adoção ração para a Agricultura (IICA), realizado em parceria
das tecnologias. Para quem pode investir, em pouco tem- com Banco Mundial, Bayer, Banco de Desenvolvimen-
po, essas ferramentas acabam se pagando. to da América Latina, Microsoft e Syngenta. Uma das

Realização Patrocínio Parceria

48 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


DINÂMICA NO CAMPO
Coleta, interpretação e
aplicação dos dados são
as etapas da jornada
FOTO_ GETTY IMAGES

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 49


CONECTIVIDADE | TECNOLOGIA

EDUCAÇÃO É A CHAVE
Para Luciana Romani
(acima) e Deise DallaNora,
o bom uso dos dados
exige, também, investir na
qualificação dos produtores
FOTOS DIVULGAÇÃO

50 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


de mapear toda a área agrícola do mundo, identificando
“A conectividade diferencia a cada talhão com um QR code único, batizado de Global
Field ID. A Varda diz já ter mapeado 90% das lavouras
jornada dos dados de grandes brasileiras e que espera concluir o processo até o fim do
e pequenos produtores” ano. A Yara investiu R$ 50 milhões para custear o desen-
volvimento da plataforma do Global Field ID.
Deise DallaNora é a executiva responsável por lide-
LUCIANA ALVIM ROMANI, rar a Varda no Brasil e na América Latina. Ela afirma
pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital que, por um lado, o ciclo produtivo da agricultura gera
uma quantidade enorme de dados, mas, por outro, a
"fragmentação" da cadeia de captura e compartilha-
mento dessas informações acaba fechando-as em "si-
los", o que restringe o acesso a elas.
Com cada talhão devidamente identificado, a star-
tup vai ofertar o serviço a desenvolvedores por meio de
uma API (sigla em inglês para interface de programação
de aplicativos), um conjunto de padrões de programação
que torna possível a comunicação entre diferentes plata-
formas. Uma API permite, por exemplo, que um usuário
de um aplicativo tenha acesso a dados que estão em ou-
tro sistema. Assim, as informações podem ser veiculadas
de maneira automatizada, por meio de uma conexão en-
tre diferentes sites, aplicativos, plataformas ou softwares.
A oferta de APIs foi também a solução a que a Embra-
iniciativas lançadas no país para tentar reduzir a de- pa Agricultura Digital recorreu para disseminar novas
sigualdade de acesso à internet é a associação Conec- ferramentas e aumentar as possibilidades de aplicação
tarAGRO, que reúne empresas de telecomunicações e dos dados no campo. A plataforma AgroAPI dispõe de
companhias do agronegócio interessadas em expan- códigos de uso exclusivo da estatal de pesquisa agrope-
dir as fronteiras do 4G e, assim, democratizar o acesso cuária e de outros que podem ser licenciados. O sistema
à rede. Atualmente, AGCO, AWS, Climate FieldView, oferece informações e modelos agropecuários que po-
CNH Industrial, Nokia, Solinftec, TIM, Trimble, Vivo e dem ser utilizados por empresas, instituições públicas e
Yara Fertilizantes integram a plataforma. Segundo da- privadas e startups para a criação de softwares, sistemas
dos que as associadas coletaram, uma fazenda conec- web e aplicativos móveis. Uma dessas soluções é a Agri-
tada pode ter redução de custo entre 3% e 15% ao mês. tec, que reúne informações sobre época ideal de plantio,
Desenvolvido pela ConectarAGRO em parceria com a adubação e correção de solo, previsão de produtividade
Universidade Federal de Viçosa (UFV), o Indicador de e condições climáticas, entre outras.
Conectividade Rural pretende apresentar um retrato Luciana Romani e Deise DallaNora concordam em que,
mais preciso do status de conexão aos dados móveis não para a maioria dos agricultores brasileiros, a jornada dos
apenas em domicílios rurais e sedes de fazendas, mas dados começa antes ainda da captura das informações.
também em toda a extensão das propriedades. A previ- Na opinião das especialistas, é preciso esforço de entes
são é de que o estudo seja divulgado no início de 2024. públicos e privados para a formação e treinamento digi-
Uma das integrantes da ConectarAGRO, a Yara trou- tal. Só então, avaliam, o produtor poderá enxergar os be-
xe ao Brasil neste ano a Varda, startup fundada e subsi- nefícios de "digitalizar" a lavoura, o que o levará à jornada
diada pela multinacional norueguesa que tem a ambição de coleta, interpretação e aplicação dos dados.

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SUCESSÃO
INTELIGENTE
DOIS CASOS DE TRANSIÇÃO DE GERAÇÕES NO AGRO REFORÇAM A
IMPORTÂNCIA DE SE PLANEJAR ESSE PROCESSO COM ANTECEDÊNCIA

por ELIANE SILVA e MARIA EMÍLIA ZAMPIERI

“N
ão sigam o meu exemplo.” Embora inu- grande produtora de sementes e grãos de soja, milho,
sitada, essa é a principal recomendação trigo e aveia. Sérgio Ross, o pai, morreu em decorrência
do produtor rural Lorenzo Ross, que de um câncer, aos 57 anos. No complicado processo de
também dá palestras sobre sucessão fa- transferência da liderança dos negócios, Lorenzo teve
miliar e engaja milhares de seguidores a ajuda da irmã Camila, três anos mais velha que ele, e
em suas redes sociais. Engenheiro agrô- da mãe, Tiana.
nomo, representante da terceira geração da família, ele “Foi triste e inesperado. Meu pai cuidava da pro-
fala sobre a sua trajetória a estudantes de cursos de dução, e tudo estava no nome dele. Desde criança, eu
agronomia e administração no Sul do país. acompanhava as atividades da fazenda, mas na época
Ao perder o pai, de maneira repetina, cinco anos estava na faculdade. Naquele tempo, minha preocupa-
atrás, Lorenzo, então com 21 anos, assumiu a fazen- ção era obter boas notas para me formar e poder voltar
da Sementes Lucia Ross, de Não-Me-Toque (RS), uma para casa para ajudar meu pai no negócio”, relata.
FOTOS DIVULGAÇÃO

54 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


TRANSIÇÃO INESPERADA_ Lorenzo Ross precisou assumir o comando da Sementes
Lucia Ross há cinco anos, quando perdeu o pai repentinamente

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G E S TÃ O | S U C E S S Ã O F A M I L I A R

PLANO DE VOO_ no Grupo Morena, de Campo Novo do Parecis (MT), Dulce e Romeu Ciochetta, os fundadores, já preparam a sucessão

56 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


“Respondi que nunca tinha feito palestra na vida. O
“A transição de gerações não pessoal, então, me sugeriu falar sobre como foi o pro-
cesso de sucessão rural na nossa fazenda. Aceitei o de-
é simples, não existe uma safio, contei a minha história para 150 estudantes. Ob-
receita de bolo para ela. Para servei que a maioria estava prestando bastante atenção,
e muitos interagiram comigo. Na verdade, ainda se
dar certo, a sucessão tem fala pouco sobre esse tema. As pessoas precisam saber
que ser um exercício diário” quanto é importante planejar a sucessão com antece-
dência”, diz Lorenzo, que já fez sua palestra em 30 di-
ferentes ocasiões.
Na fazenda, ele cuida da parte operacional, gestão
DULCE CIOCHETTA,
diretora administrativa do Grupo Morena técnica e das pessoas, enquanto a irmã se encarrega da
parte administrativa e financeira. Os dois e a mãe deles
criaram uma holding familiar. “Se um de nós falecer, os
outros dois não terão que pagar o inventário novamen-
te”, explica.
Nas palestras, Lorenzo diz que tenta conscientizar
os jovens a fazer a sucessão em vida, o que torna o pro-
cesso menos oneroso e reduz a chance de conflitos. Ele
sugere a contratação de uma empresa especialista em
sucessão para identificar as necessidades e particula-
ridades de cada família e tornar o processo mais fácil
e amigável. Outra recomendação é a de se diferenciar
o herdeiro do sucessor. O primeiro é aquele que sim-
plesmente herda a propriedade e o negócio e, geral-
mente, gasta tudo. O sucessor é aquele que dá segui-
mento às operações.
Ele lembra que, na maioria dos casos, o filho sai da
fazenda para cursar uma universidade, mas quer vol-
tar e trabalhar com o pai para desenvolver o negócio da
família. “Os filhos saem da faculdade cheios de ener-
O primeiro desafio foi tratar do inventário. “Foi um gia e com vontade de mudar tudo. Já o pai não aceita
pesadelo. Tive o suporte da minha irmã, que é advoga- muito as novas ideias, e é nessas horas que surgem os
da, mas os custos e a burocracia são enormes. E meu conflitos. Um amigo foi trabalhar com o pai na fazen-
pai já tinha passado a mesma dificuldade quando meu da, que não escutava nada do que ele falava. Meu amigo
avô faleceu”, relata o jovem produtor rural. desistiu e foi trabalhar em uma multinacional do agro.
Lorenzo conta que passou a dar palestras sobre pla- Quando esse amigo foi promovido, o pai o chamou de
nejamento sucessório no agro por acaso. Por ser in- volta. Para dar certo, é fundamental juntar a experi-
fluenciador digital – no momento, cerca de 180 mil se- ência e o conhecimento do pai com a energia e novas
guidores o acompanham no Instagram, no qual mostra ideias do filho”, acredita.
seu dia a dia no campo –, ele foi convidado para mediar Um grande atrativo para o jovem voltar para o cam-
uma semana acadêmica que tinha como tema a conser- po, diz, é a inovação tecnológica. “Tem um ditado que
vação do solo. Na sequência, veio o convite para falar diz que, no passado, se a pessoa não estudasse, teria
ao público. que trabalhar na roça. Hoje, tem que estudar para tra-

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G E S TÃ O | S U C E S S Ã O F A M I L I A R

SETE PASSOS PARA A SUCESSÃO NO AGRO

Diálogo em família e alinhamento Profissionalizar os três Implantar regras e acordos para


de expectativas: é preciso elementos da equação: profissionalizar o negócio e dar
saber se há intenção coletiva família, propriedade e gestão eficiência à gestão. Afinal, a
de continuidade no futuro continuidade depende de um
(horizonte de 20 a 30 anos) bom desempenho no presente

Capacitar a família e o negócio. Incluir pessoas no negócio Não ter pressa para
Uma grande dificuldade nas trocas por competência, e não concluir o processo
de gerações é a família crescer somente por parentesco
mais do que a empresa e todos
dependerem exclusivamente
do negócio para sobreviver

balhar no campo. Não basta apenas saber dirigir o tra- Ciochetta e sua esposa, Dulce, nasceu a partir do ar-
tor, tem que saber usar a tecnologia das máquinas, rendamento de 200 hectares da Fazenda Morena para
usar agricultura digital, ter conhecimentos de gestão plantio de grãos e hoje cultiva 10 mil hectares de soja e
e muito mais”, salienta. milho, entre área própria e de arrendamento. Ela atua
Lorenzo acha que não há uma idade certa para uma ainda com pecuária, silvicultura e unidade de benefi-
pessoa começar a se envolver com o planejamento da ciamento e armazenamento. Luís Otávio, de 27 anos, fi-
sucessão de um negócio familiar. Ele sugere, no entan- lho do casal, é o gestor comercial. Ele vem sendo pre-
to, que o processo deve ter início assim que o herdeiro parado desde o ano passado para assumir no futuro o
(ou herdeira) estiver estabelecido. lugar de Romeu, que está com 61 anos e ainda não tem
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e planos de se aposentar.
Estatística (IBGE), apenas 30% das empresas familia- A mais velha, Paula Vitória, de 28 anos, preferiu se-
res chegam à segunda geração e só 5% conseguem resis- guir carreira em outra área. Já Luís sempre gostou do
tir até a terceira. Especialistas em sucessão concordam trabalho no campo e passou por uma mentoria para ver
que, para ser bem-sucedido, o processo de sucessão tem se realmente queria cuidar do negócio. “Sabemos que o
que ser feito com planejamento antecipado, sem pressa e número de empresas que morrem na segunda geração
com participação de todos os membros da família, mes- é muito expressivo. Por isso, se a gente quiser que a em-
mo os que não querem trabalhar no negócio. presa continue com nosso sobrenome, precisamos nos
No Grupo Morena, de Campo Novo do Parecis (MT), preparar quanto antes para a sucessão. Já está defini-
que entrou em operação em 1989, o planejamento da do na nossa governança o que vai acontecer: Paula será
sucessão já começou – e já se sabe quem vai liderar o herdeira e Luís será o sucessor. Ele ainda é muito jovem,
negócio no futuro. A empresa, fundada por Romeu José mas já participa da gestão e do conselho”, declara a mãe.

58 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


Dulce, uma ex-professora que se tornou diretora ad-
ministrativa do Grupo Morena, diz que, depois de criar
a holding, estruturar a empresa e estabelecer as políti-
cas de ESG (sigla em inglês que faz referência às prá-
ticas voltadas à sustentabilidade ambiental, social e de
boa governança) na fazenda, o primeiro passo da suces-
são foi definir qual filho assumiria o negócio no futuro.
Integrante da diretoria do Movimento Agroligadas
(a iniciativa une mulheres de diferentes elos da ca-
deia do agronegócio em várias partes do país e promo-
Construir a estrutura do negócio ve ações educativas e de comunicação sobre a ativida-
com base em processos, e não de rural), ela diz que, com a profissionalização do agro,
em pessoas. Elas podem sempre criam-se oportunidades para as famílias prepararem
entrar ou sair do negócio com antecedência os sucessores e também os patriar-
cas. Estes, mesmo que se aposentem – e, com isso, aca-
bem se afastando das atividades do dia a dia –, podem
seguir dando sua contribuição aos sucessores. Afinal,
a expectativa de vida dos brasileiros é cada vez maior.
“Em muitos casos, a resistência do patriarca é enor-
me, o que gera conflitos tão grandes que a família aca-
ba se destruindo. A nova geração também chega com
vontade de mudar tudo rapidamente. A transição não é
simples, não existe receita de bolo para ela. A empresa
pode ter governança, conselho, políticas, regulamen-
tos, mas a sucessão é um exercício diário em virtude,
principalmente, das diferenças geracionais”, diz a mãe.
O processo de transição no grupo conta com a aju-
da da empresa de Mariely Biff, uma paranaense filha
e neta de produtores rurais que trabalha há mais de
12 anos como consultora e é palestrante em sucessão
familiar e governança no agro. Segundo ela, é sempre
bom ressaltar que sucessão não é substituição, e sim
continuidade da gestão e do legado. “Os maiores desa-
fios estão relacionados a uma postura por vezes conser-
vadora e à resistência de fundadores, titulares ou ges-
tores que se sentem ameaçados, têm medo de perder
o poder e a utilidade. Nessa situação, conversas sobre
sucessão e governança são desconfortáveis. Para mui-
tas famílias, o assunto remete à morte e a mau agouro.
“As diferentes gerações Com isso, o que acontece é que se evita falar sobre ele.”
Entram na lista de desafios também o desprepa-
precisam ouvir umas às outras ro dos possíveis sucessores, a falta de profissionali-
para que possam alinhar zação do negócio e de capacitação da família para o
processo e o conflito de gerações. “Há dificuldade em
expectativas. É importante que alinhar expectativas, em ouvir e entender que gera-
cada um entenda seu papel ções podem caminhar lado a lado, ser complementa-
res, uma com experiência em crises e muita bagagem
na família e no negócio” e a outra com um olhar mais inovador, que vislumbra
formas mais rápidas e baratas de se fazer as ativida-
des. Para alinhar, é importante que cada um entenda
MARIELY BIFF, seu papel dentro da família e do negócio e respeite a
consultora hierarquia”, ressalta.

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 59


BIOINSUMOS I NUTRIÇÃO DO SOLO

PATRIMÔNIO DE
BIODIVERSIDADE
OS SOLOS BRASILEIROS GUARDAM UM TESOURO DE
MOLÉCULAS QUE AUXILIAM NA REGENERAÇÃO, NA
OFERTA DE BIOINSUMOS E NA RESILIÊNCIA CLIMÁTICA

por ISADORA CAMARGO

"E
u sou a fonte original de toda vida. A mina pecialista, há um potencial desperdiçado nos solos bra-
constante de teu poço. Sou a espiga generosa sileiros, consequência de uma negligência velada nos úl-
de teu gado e certeza tranquila ao teu esfor- timos anos.
ço.” Os versos da poetisa goiana Cora Corali- No entanto, o processo não significa um descaso por
na entoam a conexão profunda entre homem parte dos produtores. Mapear e analisar solos custa caro
e terra, mas também evidenciam a urgência dos cuida- e pode levar semanas, assim como recuperar áreas de-
dos com o solo em um cenário de extremos climáticos gradadas depende de investimentos robustos. No caso
cada vez mais frequentes. do Brasil, a dificuldade aumenta, pois não há uma pa-
Prática em expansão na agropecuária brasileira, a ado- dronização de solos. De acordo com o professor, é possí-
ção de biológicos requer, primeiramente, atenção às ca- vel citar, ao menos, 50 tipos gerais de terrenos agricultá-
racterísticas e demandas do solo, condição essencial para veis que requerem manejos singulares.
o sucesso de determinada técnica ou tecnologia. As especificidades impõem o desafio de extrair da na-
Há muito a ser explorado, avalia o pesquisador Fer- tureza moléculas aderentes a cada tipo de solo para que
nando Andreote, da Escola Superior de Agricultura os bioinsumos auxiliem, por exemplo, na maior absorção
Luiz de Queiroz (Esalq/USP), ao mencionar que “menos de água, de nutrientes e de carbono. Andreote cita que na
de 10% dos microrganismos presentes no solo foram estrutura dos solos há uma biodiversidade muito maior
aproveitados pela indústria de bioinsumos”. Para o es- do que se tem registro, de aproximadamente 5.000 orga-

60 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


FOTO_ GETTY IMAGES

BIOFERTILIZANTES_ Produtos ajudam a transformar solos – inclusive pastagens


degradadas – em áreas mais resistentes a condições adversas

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 61


BIOINSUMOS I NUTRIÇÃO DO SOLO

SEARA DE DESCOBERTAS

Não se sabe o potencial No Brasil, a indústria O futuro dos produtos


biológico dos solos de 80% de bioinsumos não biológicos está na
das áreas produtivas do Brasil explorou nem 10% dos "geografia" dos solos
microrganismos dos solos

Laser e inteligência artificial Regeneração dos solos


são tecnologias "limpas" é uma das formas de
capazes de controlar a reduzir os impactos das
fertilidade do solo mudanças climáticas

Vida na terra: os microrganismos presentes no solo, como fungos, bactérias e


vírus, além de micro e macronutrientes, formam a chamada microbiota do solo

nismos. É um tesouro que, em poucos anos, pode fazer do condidos nos solos brasileiros, basta entendê-los e ex-
Brasil líder mundial na produção de insumos biológicos. plorá-los, pois são elementares para controlar os efeitos
É o que o pesquisador chama de microbiota do solo, dos extremos climáticos no campo”, destaca.
definida pelo conjunto de bactérias, fungos e outros or- A preocupação com solos também faz parte da agen-
ganismos. O professor salienta que conhecer essa com- da de entidades internacionais, como a Organização das
posição ajuda, cada vez mais, a ter insumos biológicos Nações Unidas (ONU), que, em 2015, instituiu o ano in-
potentes para conservar o solo. Mas, nessa jornada, os ternacional do solo. O objetivo foi alertar a sociedade so-
produtores precisam de assistência técnica para moni- bre os perigos da degradação. Na época, o órgão apon-
torar a composição e aderir a outras práticas sustentá- tou que a quantidade de solo fértil no mundo cairia pela
veis, que também representam maneiras de moldar a metade até 2050.
biodiversidade. “Há uma infinidade de bioinsumos es- Entre os biológicos, um segmento que tem ajudado

62 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


ses abióticos, como restrição hídrica por períodos cur-
tos, salinidade e altas temperaturas. Podem se somar a
outras tantas boas práticas agrícolas que busquem uma
agricultura com abordagem regenerativa”, descreve o
coordenador do Laboratório de Biofertilizantes da Uni-
versidade Federal do Paraná (UFPR), Átila Mógor.
Uma das funções do produto é nutrir o solo para ali-
mentar a microbiota. Por isso, potencializa o efeito de
proteção contra problemas causados, principalmente,
“Há uma infinidade de bioinsumos pelas mudanças climáticas. De acordo com o professor,
escondidos nos solos brasileiros, os compostos vão exercer na planta uma atividade de si-
nalização, que a faz detectar novas moléculas e dar uma
basta entendê-los e explorá- resposta metabólica específica.
los, pois são elementares O Brasil é o país que mais adota biofertilizantes no mun-
do, aponta uma pesquisa global da consultoria McKinsey.
para controlar os efeitos dos Os dados divulgados neste ano mostram que 36% dos bra-
extremos climáticos no campo” sileiros já utilizam esse tipo de produto, seguidos de pro-
dutores dos países da União Europeia, com 25%; dos Esta-
dos Unidos, com 12%; e da Argentina, com 6%.
FERNANDO ANDREOTE, Aderir a biofertilizantes também pode ajudar o país a
pesquisador da Esalq/USP reduzir a dependência internacional de adubos quími-
cos, além de ser uma alternativa mais rentável em mé-
dio prazo. “Biofertilizante é um passo a frente na bus-
ca por uma agricultura de baixo carbono e se soma ao
desenvolvimento de uma agricultura regenerativa, com
um olhar mais completo para o solo, que deve ser visto
como um ativo de investimentos de longo prazo”, enfa-
tiza Bruno Fonseca, analista de mercado do Rabobank.
Há alguns anos, a instituição financeira acompanha o
desenvolvimento desse mercado para indicar aos clien-
tes a adoção de metodologias sustentáveis para o campo
na contenção dos estresses abióticos, isto é, que não são e para o bolso. Um dos focos principais é estimular os
causados por pragas e doenças, são os biofertilizantes. cultivos de baixo carbono ou carbono zero.
Diferentemente do que se pensa, são produtos à base de De acordo com um estudo recente da Organização
moléculas extraídas da natureza, como as algas. Como das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultu-
adubos não sintéticos, ajudam a transformar solos – in- ra (FAO), aproximadamente 25% das emissões globais
clusive pastagens degradadas - em áreas mais resisten- de gases de efeito estufa estão relacionadas à degrada-
tes a condições adversas. ção do solo e a práticas pouco sustentáveis. Diante do
FOTO_ GETTY IMAGES

Entretanto, os efeitos dos bioinsumos podem não ser cenário, a união entre cuidados com o solo e a aplica-
instantâneos a depender da situação da lavoura. “O uso ção de bioinsumos se torna crucial para combater es-
de biofertilizantes pode estimular o sistema antioxidan- ses riscos, fugir dos estresses climáticos e ainda garan-
te das plantas, melhorando a sua adaptação aos estres- tir segurança alimentar.

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 63


O AGRO É DEL AS I TR ABALHO

ONDE ESTÃO ELAS?


MULHERES NEGRAS AINDA SÃO MINORIA NO AGRONEGÓCIO,
MAS TÊM CONQUISTADO NOVOS ESPAÇOS

por NAYARA FIGUEIREDO

S
e para mulheres brancas a busca por mais A mineira já tem 13 anos de formada. Por ser uma das
espaço no agronegócio já é uma tarefa ár- poucas mulheres negras do agro em sua rede de traba-
dua, para as negras a luta é ainda maior. lho, ela percebeu, com o tempo, que essa realidade tam-
Apesar de serem quase um quarto da po- bém passou a fazer dela uma referência. Isso a levou
pulação brasileira, no campo elas são mino- a estudar mais sobre letramento racial, diversidade e
ria. Mas existem, e estão prontas para abrir caminho às sobre a importância de ocupar espaços como o que ela
próximas que virão, seja por meio de ações de inclusão hoje ocupa, ainda formado majoritariamente por ho-
nas empresas do setor ou contribuindo para que a cate- mens brancos. "Ser a única em um ambiente profissio-
goria tenha mais representatividade. nal muitas vezes foi difícil, mas também percebi que eu
É o caso da agrônoma Samilla Candida, gerente téc- tinha que me posicionar. Assim, outras mulheres não
nica da Nutrien. Mulher preta e de origem humilde, na- precisam passar pela trajetória que eu passei", afirma.
tural de Uberlândia (MG), ela começou a se interessar
pelo meio rural ainda jovem, quando seu tio foi casei- Ela trabalha na Nutrien há pouco mais de dois anos.
ro em uma fazenda. "Quando falei para minha família Na empresa, conta, a agrônoma tem oportunidades para
que ia fazer agronomia, foi um susto. Na época, há qua- tratar sobre o tema da diversidade racial, quando divide
se 20 anos, não tinha muitas mulheres na área", conta. com os demais funcionários a mensagem sobre a impor-
Em seus tempos de universitária, ela foi uma das únicas tância da pluralidade. Por cerca de um ano, Samilla ocu-
negras na Universidade Estadual de Goiás, em Ipameri. pou a posição de líder de um projeto de diversidade, raças e
Difícil mesmo foi o acesso ao mercado de trabalho. Com etnias dentro da companhia, papel no qual desenvolvia de-
os processos de sucessão familiar no horizonte, parte dos bates, lives de conscientização sobre a questão racial.
estudantes de agronomia do Centro-Oeste do país é com- Ela diz que, no campo, o número de negros é hoje
posta de filhos de produtores rurais ou pessoas que já têm maior do que quando ela ingressou na carreira, ain-
alguma relação com profissionais do setor, o que ajuda os da que continue muito inferior ao de pessoas brancas.
recém-formados na criação de uma rede de relaciona- Além disso, continua, entre os profissionais negros, os
mentos profissionais – e na conquista de empregos. homens compõem maioria em proporção até maior do
que no caso dos trabalhadores brancos.
Samilla, que não tinha histórico nem parentes no agro, No mês em que se celebra o Dia da Consciência Ne-
precisou voltar para Uberlândia quando concluiu a gra- gra no Brasil, a ascensão profissional de pessoas como
duação. Ela estava desempregada, e assim permaneceu Samilla mostra que a redução das desigualdades passa
por alguns meses. Para se manter na ativa, a agrônoma necessariamente pela abertura de oportunidades. En-
partiu para um mestrado na área agrícola e, em paralelo, tre os produtores rurais, menos de 9% se declaram pre-
trabalhava com revenda de roupas, que buscava em São tos, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasi-
Paulo. "Depois de nove meses desempregada e fazendo leiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017 – não há
mestrado, conheci uma mulher para quem fui vender rou- dados específicos sobre mulheres negras na pesquisa.
pas. Ela perguntou o que eu fazia, eu respondi, e ela me Outros 44,5% identificam-se como pardos.
disse que o marido também era agrônomo. Ela pegou meu
contato e passou para ele. A partir dessa conversa, acabei Niellen Santos, de 33 anos, coordenadora de gover-
entrando em um processo seletivo. Foi como consegui mi- nança e processos para proteção de cultivos da Bayer,
nha primeira vaga em uma empresa do setor", relata. teve uma trajetória um pouco diferente. Paulista da ci-

64 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


FOTO_DANIEL CUSTÓDIO / ED. GLOBO

MESTRE DO CAMPO_Sem emprego após a faculdade, Samilla Candida entrou no mestrado enquanto buscava oportunidades

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O AGRO É DEL AS I TR ABALHO

FOTO_ DIVULGAÇÃO

PROCESSO AFIRMATIVO_Niellen Santos migrou para cargo de liderança na Bayer após participar de programa interno da empresa

66 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


estão em posições de liderança corporativa, ajudem
a abrir espaços para que outras mulheres também os
ocupem. Na companhia alemã, o Programa Liderança
Negra Bayer – pelo qual Niellen foi contratada – surgiu
em 2020 para se dedicar à atração de trainees negros
para a unidade da empresa no Brasil. Na primeira tur-
ma do programa, as mulheres ocuparam 84% das 19
vagas que foram preenchidas; já na turma de 2022, que
ainda está com atividades em andamento, 70% das 33
vagas foram destinadas às mulheres.
A empresa tem ainda um programa interno de men-
toria para negros. Com duração de três meses, a inicia-
tiva atua no desenvolvimento de estagiários e profissio-
nais juniores, que recebem treinamentos e consultorias
de profissionais mais experientes escolhidos por eles –
e o recorte étnico-racial é um fator central.
Entre o fim de 2020 e a primeira metade de 2021, em ou-
tra ação de integração, a Bayer organizou um Programa de
Mentoria Reversa, para promover a interação e aprendiza-
dade de Americana e formada em administração, ela do entre profissionais de diferentes gerações. Durante seis
lembra que trabalhou por muito tempo na área de ser- meses, 46 colaboradores passaram pelo programa, em que
viços e encontrava dificuldade para migrar da posição pessoas mais experientes foram treinadas por colegas com
de analista para cargos de liderança. idade média de 25 anos. Niellen foi uma das mentoras.
Então surgiu a oportunidade de participar do processo
seletivo para vagas afirmativas para negros no programa Com o foco específico em mulheres, a Bayer conta
de trainee da multinacional alemã, onde está desde 2021. com o programa chamado B.Afro Delas, que tem como
"Fiquei no programa de trainee por um ano e meio, estive objetivo conectar mulheres pretas e pardas a seus anseios
com o time comercial na soja e depois vim para a oportu- e auxiliar na estruturação do plano de desenvolvimento
nidade na área de governança. Temos ações fortes dentro individual de carreira. A iniciativa nasceu a partir do ma-
da empresa para estimular e fortalecer pessoas negras peamento da população negra dentro da companhia, que
que estão em formação de carreira", declara. tem alta concentração em cargos iniciais. A multinacio-
Segundo a executiva, os programas de inclusão de nal considerou também dados do Conte Comigo, iniciati-
empresas da área têm ajudado a ampliar o contingen- va que reúne serviços em apoio ao equilíbrio emocional,
te de mulheres negras na agropecuária. Ela ressalva, bem-estar e gerenciamento do estresse das pessoas.
porém, que a disparidade em relação a mulheres e ho- A primeira edição do programa B.Afro Delas, lançada
mens brancos ainda é muito grande. "Meu sonho é que em 2021, dedicou-se ao desenvolvimento e à aceleração
um dia programas como esse não sejam necessários, da carreira de 45 colaboradoras autodeclaradas negras
quando a própria sociedade tenha estrutura educacio- (pretas e pardas) que revelaram o desejo de dar um passo
nal igualitária, para todos, desde a base", diz. de evolução em suas carreiras. “Porque não basta apenas
incluir o negro no contexto corporativo. É preciso dar su-
Enquanto isso não acontece, ela acredita ser im- porte para que aquela profissional, que veio de uma base
portante que as mulheres pretas, especialmente as que diferente, possa se desenvolver”, completa Niellen.

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M E R C A D O I A N Á L I S E I Scot Consultoria

MILHO: tendência é de estabilidade a alta

E
m Campinas (SP), até 16/10, o preço médio do milho subiu 6,6% frente à mé- SUÍNO / DEMANDA AUMENTA
dia em setembro. Segundo levantamento da Scot Consultoria, a referência fi- O preço do suíno vivo, em São
cou em R$ 58,90/saca 60 kg. Mas, em doze meses, a cotação caiu 33%. Paulo, subiu 1,5% em outubro
A cotação do dólar, o bom ritmo da exportação e a expectativa de menor área se- (até 16/10), puxado pela maior
meada na primeira safra brasileira sustentaram as cotações no país, apesar da co- demanda interna. Até a segunda
lheita norte-americana. semana do mês foram exporta-
Para a primeira safra, em semeadura, espera-se queda de 4,4% na produção, es- das 4,41 mil toneladas de carne
timada em 26,1 milhões de toneladas, apesar da expectativa de maior produtividade suína in natura por dia, desempe-
(2,4%). A área com a cultura deverá cair para 4,1 milhões. nho 6,9% menor ante outubro/22.
No Brasil, o plantio da primeira safra está avançando bem. Os trabalhos estão
Ago. 117,7 Set. 124,5 Out.* 126,3
mais adiantados no Paraná (82,0%), com aumento de 15 pontos percentuais na
PREÇO MÉDIO DO SUÍNO TERMINADO,
comparação anual. No Rio Grande do Sul (65,0%), o clima tem atrasado a semeadu- EM SAO PAULO, EM R$/ARROBA *ATÉ O DIA 16/10

ra, que está 5 pontos percentuais menor ante 2022 (Conab).


A exportação está firme. De janeiro a setembro, 34 milhões de toneladas foram FRANGO / MAIOR EXPORTAÇÃO
exportadas. Em outubro, até a segunda semana, 443,28 mil toneladas foram em- Em São Paulo, na comparação fei-
barcadas por dia, volume 24,1% maior que a média em out/22. ta mês a mês, o preço do frango
Nos Estados Unidos, a colheita do milho está avançada. Até 15/10, cerca de 45% vivo ficou estável em outubro (até
das lavouras foram colhidas, em linha com a situação no mesmo período em 16/10), cotado em R$ 5,00/kg. Na
2022/2023. A produtividade foi revisada para baixo e a produção norte-americana primeira quinzena de outubro, o
caiu, de 384,4 milhões de toneladas em setembro, para 382,6 milhões em outubro. Brasil exportou 20,9 mil toneladas
No curto e médio prazos, no Brasil, o mercado deverá trabalhar com preços entre de carne de aves por dia, volume
estabilidade à alta. A menor produção nos Estados Unidos, a expectativa de menor 9,4% maior que em setembro do
área semeada no Brasil na primeira safra, o câmbio firme e a exportação acelerada ano passado.
colaboram com essa perspectiva.
Ago. 4,97 Set. 5,00 Out.* 5,00

> COTAÇÃO MÉDIA DO MILHO PREÇOS MÉDIOS MENSAIS DO FRANGO VIVO


NAS GRANJAS EM SÃO PAULO EM R$/KG *ATÉ 16/10

GRÃO EM CAMPINAS (SP)


(EM R$/SACA DE 60 KG) ETANOL / PREÇOS ESTÁVEIS
89,90
88,80

88,52

87,67
87,28

•2022 •2023 Apesar do maior consumo, a boa


disponibilidade manteve o preço
76,86

do etanol próximo da estabilidade.


Em São Paulo, até 15/10, o eta-
nol hidratado estava cotado em
R$2,17/litro, queda de R$ 0,02
58,95

58,90
56,88

na comparação mensal. Os pre-


55,21

55,25
53,74

ços seguem pressionados, mas


chuvas podem atrapalhar colheita.
NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT*
Ago. 2,10 Set. 2,19 Set.* 2,17
*ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA *ATÉ O DIA 16/10 PREÇO MÉDIO MENSAL DO ETANOL HIDRATADO EM SÃO PAULO, NA
USINA, EM R$/LITRO, SEM FRETE E IMPOSTOS. *ATÉ 15/10

68 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


SOJA: exportação supera recorde de 2021

ALGODÃO / LEVE ALTA


> PREÇO MÉDIO DA SOJA
EM PARANAGUÁ (PR) Apesar da colheita finalizada no
(EM R$/SACA DE 60 KG) Brasil e da demanda externa en-
187,83

185,76

•2022 •2023 fraquecida, a cotação da pluma,


178,73

em outubro, subiu 0,8% frente a


173,36

setembro. Os efeitos do El Niño


163,07

nas lavouras e o dólar firme, expli-


cam o quadro. A expectativa é de
148,61

estabilidade no curto prazo.


146,89

146,68
145,93

144,35
137,93

Ago. 126,92 Set. 125,82 Out.* 126,77


136,17

COTAÇÃO MÉDIA MENSAL* DO ALGODÃO EM PLUMA


EM R$/ARROBA *ATÉ O DIA 16/10

NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT*
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ATÉ O DIA 16/10
ARROZ / MAIOR PRODUÇÃO
Com expectativa de aumento em

S egundo levantamento da Scot Consultoria, o preço médio, até 16/10, esteve em


R$ 144,35/saca/60kg em Paranaguá (PR). Em trinta dias, a cotação caiu 1,6%.
Em um ano, queda de 22,1%.
área e em produtividade, a pro-
dução nacional deverá crescer
7,7% em 2023/2024. Em outu-
O USDA estimou a produção local na safra 2023/2024 para 111,7 milhões de to- bro, sustentado pela menor pro-
neladas. A colheita nos EUA está em bom ritmo, até 15/10, 62% da área estimada dução na safra passada, pela en-
foi colhida, semelhante à safra 2022/2023. tressafra e pela boa demanda
No Brasil e na Argentina, as perspectivas seguem mantidas. Mas, com o início interna e externa, o preço subiu
da semeadura e o clima na América do Sul pesando em algumas regiões, ajustes 2,0% na comparação mensal.
poderão ocorrer.
Ago. 89,54 Set. 100,90 Out.* 103,00
A safra brasileira está estimada em 162 milhões de toneladas e, se confirmada,
será recorde. A semeadura está em andamento, mas, o ritmo está compassado em MÉDIAS MENSAIS DO INDICADOR DIÁRIO ARROZ EM CASCA
CEPEA/ESALQ/BM&FBOVESPA POR SACA DE 50 KG, POSTO
INDÚSTRIA/RS *ATÉ O DIA 13/10
relação à safra 2022/2023. O clima tem impactado os trabalhos no Centro-Norte.
Em MT, até 7/10, os trabalhos de semeadura atingiram 19,1% da área prevista, CAFÉ / OFERTA PRESSIONA
atraso de 3,2 pontos percentuais ante o ano passado. PR é onde a semeadura mais A colheita finalizou e o preço do
avançou, com um aumento de 5 pp na comparação anual (20% da área semeada). café arábica caiu 1% até meados
A exportação até set/23 (87,2 milhões de toneladas) já superou o recorde anual de outubro, frente a setembro. A
registrado em 2021 (86,1 milhões). Na primeira quinzena de outubro, foram expor- queda foi limitada pela exporta-
tadas 2,3 milhões de toneladas (261,4 mil toneladas/dia), incremento de 30,8% na ção, que melhorou em setembro,
média diária ante set/22 (199,9 mil toneladas). e pelo dólar acima de R$ 5,00. No
No curto prazo, a colheita da safra norte-americana deve manter pressionado curto prazo, os preços devem se-
para baixo os preços. Contudo, a demanda pela soja brasileira firme e o dólar aci- guir pressionados para baixo em
ma de R$5,00, podem limitar o viés de baixa. função da boa oferta no país.
ANA PAULA OLIVEIRA, MÉDICA-VETERINÁRIA E ZOOTECNISTA – CAFÉ; EDUARDO ABE, ZOOTECNISTA - ARROZ, FRANGO E SUÍNO; FELIPE FAB-
Ago. 826,89 Set. 810,91 Out.* 803,07
BRI, ZOOTECNISTA – SOJA E MILHO; JULIANA PILA, ZOOTECNISTA – LEITE; NICOLE SANTOS, TECNÓLOGA EM BIOCOMBUSTÍVEIS – BOI GORDO E
ETANOL; MARIANA GUIMARÃES, MÉDICA-VETERINÁRIA – ALGODÃO; COORDENAÇÃO: ALCIDES TORRES – SCOTCONSULTORIA.COM.BR, TEL. INDICADOR CEPEA/ESALQ MERCADO FÍSICO CAFÉ ARÁBICA
(17) 3343-5111 EM R$ POR SACA DE 60 KG LÍQUIDO *ATÉ 16/10

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 69


M E R C A D O I A N Á L I S E I Scot Consultoria

BOI GORDO: mercado em recuperação

D
esde o início de setembro a cotação da arroba do boi gordo
está em recuperação e, em outubro, até meados do mês,
>PREÇOS DO BOI GORDO
foi assim. EM ARAÇATUBA (SP)
A cotação média da arroba, em São Paulo, até 15/10, foi de R$ (EM R$/ARROBA, A PRAZO)
227,61/@, alta de 11,1%. •2022 •2023
Essa firmeza advém da redução na oferta de bovinos devido à

277,71
entressafra, do melhor desempenho da exportação, da melhora no

275,50

275,50

272,39
270,90

269,09
consumo doméstico e do dólar acima de R$ 5,00.

253,55
Em setembro, 195 mil toneladas de carne bovina in natura foram

239,40

239,55
exportadas, segundo melhor desempenho para setembro na histó-

227,61
ria. Em outubro, na primeira quinzena, a média diária exportada foi

212,63

204,85
de 10,2 mil toneladas, 2,3% maior comparado à média em out/22.
O preço pago por tonelada e o faturamento, porém, caíram 21,1%
e 19,4%, respectivamente, na mesma comparação.
O consumo doméstico e a exportação tendem a melhorar e a NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT
oferta de boiadas, em novembro, deve ser menor. Assim, no curto
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA *ATÉ O DIA 15/10
prazo, os preços devem seguir firmes.

LEITE: preço ao produtor segue em queda

O
s preços do leite pago ao produtor tiveram mais um mês
>PREÇO DO LEITE PAGO de queda. Este foi o quarto mês consecutivo de recuo
AO PRODUTOR nas cotações. No pagamento de setembro, que remune-
(EM R$/LITRO)
ra a produção entregue em agosto, o recuo foi 3,4% no mês.
•2022 •2023 Considerando a média nacional ponderada nos estados pes-
quisados, o litro de leite ficou cotado em R$ 2,274. Desde o início
2,560
2,539

das quedas, o preço está 12,6% menor. Em relação a igual perío-


2,510
2,471
2,450

2,440
2,427

do do ano passado, a redução foi de 18,6%.


2,389

2,385

2,355

O aumento na disponibilidade interna, tanto pela captação


2,274

como pelo incremento nas importações, é o motivo dessa desva-


lorização. O índice de captação deverá crescer 2,6% em setem-
bro/23 em relação ao de agosto/23, segundo dados parciais.
Para o pagamento a ser realizado em outubro/23, referen-
te à produção entregue em setembro/23, a expectativa é de que
o movimento de baixa continue e ganhe força. Segundo levan-
NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET*
tamento da Scot Consultoria, 79,0% dos laticínios pesquisados
FONTE: SCOT CONSULTORIA LTDA. *ESTIMATIVA MÉDIA NACIONAL PONDERADA
apontam para queda nos preços e 21,0% falam em estabilidade.

70 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


OPINIÃO I FUTURO I Maurício Antônio Lopes

O design na agricultura
A CRIATIVIDADE E A INOVAÇÃO SÃO ESSENCIAIS PARA CRIAR SOLUÇÕES QUE OTIMIZEM O
ARMAZENAMENTO, A EMBALAGEM E A DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS

O
design é uma ferramenta po- criando alimentos culturalmente di- útil dos alimentos, o layout de lojas
derosa que muitas vezes asso- versos e enriquecendo a relação entre para influenciar o comportamento
ciamos a produtos estilosos e alimento, tradição, cultura, gastrono- do consumidor e aplicativos que faci-
criações visuais sofisticadas, mas sua mia – e até o turismo. litem a doação de alimentos exceden-
influência se estende muito além do Já vemos também emergir um novo tes. Além disso, o design pode ajudar
mundo da moda e da estética. O design paradigma para o sistema alimentar na comunicação e conscientização
desempenha um papel crucial também global, que reconhece questões como dos consumidores.
na agricultura e na alimentação, mol- impacto ambiental, segurança ali- O design pode também desempe-
dando não apenas a aparência dos ali- mentar, estabilidade dos mercados e nhar um papel crucial na redução do
mentos que chegam às nossas mesas, a interligação entre alimento, nature- desperdício de alimentos. Estima-se
mas também sua funcionalidade e a za, saúde e clima. que, globalmente, um terço de todos
maneira como são cultivados, colhidos, os alimentos produzidos são desper-
processados e distribuídos. diçados: um custo de cerca de US$ 1
Imagine uma embalagem de ali- trilhão por ano. A criatividade e a ino-
mentos que seja mais fácil de reciclar vação do design são essenciais para
e que reduza o desperdício de alimen- criar soluções que otimizem o arma-
tos. Imagine um sistema de irrigação zenamento, a embalagem e a distri-
que seja mais eficiente e que economi- buição de alimentos, prolongando sua
ze água. Imagine uma máquina agrí- vida útil e reduzindo perdas ao longo
cola que seja multifuncional, segura e da cadeia de suprimentos.
reduza a poluição. A criatividade e inovação do de-
O design será, cada vez mais, uma sign são fundamentais para melhorar
força motriz por trás da inovação na a imagem da agricultura no Brasil e a
agricultura e na alimentação, espe- reputação internacional do país. Ao
cialmente pelo papel que pode cum- aplicar a criatividade em prol da sus-
prir na produção de alimentos segu- tentabilidade, eficiência econômica e
ros, saudáveis e diversos. Por isso a tendência é que o design conformidade regulatória, a agricul-
A urbanização, o envelhecimento se torne uma espécie de “copiloto” que tura brasileira se torna mais atrativa a
da população, a crescente preocupa- oriente o desenvolvimento de produ- investidores, gera empregos e se des-
ção com o meio ambiente e o aumen- tos alimentares com foco em requisi- taca em mercados globais exigentes
to da demanda por alimentos em um tos técnicos, econômicos, ambientais, em termos de responsabilidade am-
ILUSTRAÇÃO_ GETTY IMAGES

cenário de recursos limitados são de- sociais e culturais. biental e qualidade dos produtos.
safios que estão moldando os sistemas Desde a fase de produção até o
alimentares globais. consumo, o design poderá criar sis-
Nesse contexto, o design desempe- temas mais eficientes e conscientes. Maurício Antônio Lopes é
engenheiro agrônomo e pesquisador
nha um papel importante, ao explo- Isso inclui o planejamento agrícola, da Empresa Brasileira de Pesquisa
rar novas experiências alimentares, embalagens para prolongar a vida Agropecuária (Embrapa)

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 71


A N Á L I S E I T E M P O I Nadiara Pereira/Climatempo

Chuvas devem ser irregulares no Centro-Norte

A
s chuvas e temperaturas previstas para o mês de novembro seguem Mundo
sob os efeitos do fenômeno climático El Niño, que está em vigência e
já atingiu forte intensidade. Com isso, as precipitações tendem a conti- ARGENTINA_ A Argentina voltou a ter
nuar mais intensas e acima da média sobre o Sul do país, enquanto o Centro- a projeção de produção de trigo re-
Norte deve continuar enfrentando irregularidade e calor acima da média. duzida pela Bolsa de Cereais de
Buenos Aires no mês de outubro.
Apesar das chuvas fortes que atin-
Sul_ Para o Sul do país, a tendência é de chuvas acima da média nos três es- gem áreas do Sul do Brasil, as ins-
tados da região, mas as tempestades não devem ser tão frequentes e intensas tabilidades não têm chegado com a
como nos meses de setembro e outubro. Ainda assim, o risco para transtor- mesma intensidade e frequência so-
nos e enchentes continuará elevado, já que o solo vai continuar muito enchar- bre o país vizinho, que foi impacta-
cado e os rios cheios, devido aos altos volumes de precipitação registrados do neste último mês por baixas tem-
nos meses anteriores. As temperaturas, de uma forma geral, vão continuar peraturas, que provocaram prejuízos
acima da média. em lavouras de trigo na fase final de
desenvolvimento e lavouras de mi-
Sudeste_ No Sudeste são esperadas condições mais úmidas sobre áreas lho que estão emergindo. Apesar da
entre São Paulo, o extremo sul de Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Nessas situação adversa, as condições ain-
áreas, as chuvas mais regulares devem contribuir para a instalação e o de- da são melhores em relação à última
senvolvimento dos cultivos de verão. Enquanto a maior parte de Minas Ge- safra e a tendência a partir de agora
rais, incluindo as áreas do Cerrado e o Espírito Santo, devem enfrentar con- é para a ocorrência de chuvas mais
dições mais secas do que o normal. regulares e com volumes entre a mé-
dia ou até mesmo acima da média, o
Centro-Oeste_ As chuvas devem ser mais frequentes e com maiores vo- que deve garantir condições favorá-
lumes entre o leste de Mato Groso do Sul e o sul de Goiás. A maior parte da veis para a safra de verão.
região deve enfrentar condições mais secas e quentes do que o normal. A
chuva deve aumentar gradualmente de frequência no decorrer do mês, po- EUA_ As condições climáticas têm
rém os episódios devem ocorrer na forma de pancadas isoladas e com volu- sido favoráveis às atividades de
mes baixos, por isso se esperam desvios mensais negativos de precipitação. colheita de milho e soja nos Es-
tados Unidos, que tem avançado
Norte_ No Norte, a chuva costuma aumentar sobre o interior da região em ritmo acelerado em relação à
durante novembro e, neste ano, são esperados volumes abaixo da média, última safra. Porém as condições
de forma mais acentuada entre Pará e Tocantins. Nessas áreas, o atraso no das lavouras ainda têm oscilado,
retorno regular das chuvas tende a prejudicar a instalação das culturas de devido principalmente aos perío-
verão. No Amazonas, apesar de as chuvas aumentarem gradualmente ao dos prolongados de tempo seco e
longo do mês, trazendo um alívio para as queimadas, ainda terão volumes com calor excessivo na fase final
abaixo da média e insuficientes para recuperar os rios da seca. de desenvolvimento. Até meados
de outubro, a colheita do milho
Nordeste_ No Nordeste, espera-se uma condição mais seca do que o nor- avançava 5 pontos percentuais
mal entre a Bahia, o sul do Piauí e o sul do Maranhão, áreas que costumam frente ao ano passado e 3 pontos
receber mais chuvas nesta época para o início da safra de verão. Neste ano, à frente da média, enquanto a co-
é esperada bastante irregularidade no início do período chuvoso – e, inclu- lheita da soja avançavam 2 em re-
sive, atraso no retorno da chuva, o que tende a dificultar principalmente o lação ao ano passado e 6 pontos
plantio da soja. O calor vai continuar acima da média. frente à média.

72 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


ANOMALIA DE CHUVAS EM NOVEMBRO
NO MAPA, AS ÁREAS EM AZUL INDICAM PRECIPITAÇÕES
ACIMA DA MÉDIA, ENQUANTO AS QUE ESTÃO EM LARANJA
APONTAM CLIMA MAIS SECO QUE O NORMAL
AS INFORMAÇÕES SÃO DA CLIMATEMPO CONSULTORIA@CLIMATEMPO.COM.BR / WWW.CLIMATEMPO.COM.BR

-500 -300 -200 -100 -50 -25 0 25 50 100 200 300 500

El Niño atinge ápice entre novembro e janeiro


As temperaturas da superfície do mar (TSM) no 2024), com uma probabilidade de 80%. O El
Oceano Pacífico equatorial se mantiveram aci- Niño tende a continuar forte e deve atingir seu
ma da média, embora as anomalias positivas ápice entre novembro e janeiro (≥ 1,5°C para
tenham enfraquecido na faixa leste do oceano. a média sazonal em Niño-3,4). Há uma proba-
A região central do Pacífico continua com um bilidade de 3 em 10 de um evento “historica-
desvio positivo de 1,5°C, indicando que um El mente forte” que se compare com 2015-2016
Niño de forte intensidade está configurado. A e 1997-1998 (média sazonal ≥ 2°C). A previsão
previsão probabilística da Agência Americana probabilística, atualizada em outubro, come-
mostra que o El Niño vai continuar até duran- çou a indicar o fim do El Niño para o trimestre
te o outono de 2024 (entre março e maio de maio-julho-julho de 2024.

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 73


ANÁLISE I MAPA DA SAFR A

Valor da produção do agro atinge R$ 1,150 trilhão


PELOS CÁLCULOS DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, A RENDA NO CAMPO DEVE
CRESCER 2,7%. A PREVISÃO É DE AUMENTO DE 4,8% NAS LAVOURAS, PARA R$ 812
BILHÕES, E DE QUEDA DE 2,2%, PARA R$ 337,8 BILHÕES, NA PECUÁRIA

por VENILSON FERREIRA

Algodão Milho Amendoim Sorgo


Em função da conquista Devido à baixa A implantação de A colheita seguia lenta
de novos clientes e rentabilidade do cereal, uma unidade de em Minas Gerais no fim
mercado, a Conab prevê com custos de produção processamento em de setembro. O atraso
que as exportações altos e preços reduzidos, Bataguassu tem levado nas operações deve-
na safra 2023/2024 alguns municípios de muitos produtores se à demanda fraca
devem atingir 2,47 Goiás devem suprimir paulistas a Mato Grosso dos compradores, que
milhões de toneladas, o plantio do milho Sul. Eles buscam estão bem abastecidos,
representando um primeira safra. A área arrendamentos de e à dificuldade de
novo recorde. deve encolher 8,5%. terra mais baratos. armazenar o produto.

Açúcar Trigo Mandioca Café


As exportações, que Os preços do A demanda por raiz Com a queda dos
remuneram mais que farelo subiram no seguia baixa em meados preços e a alta dos
o mercado interno, mercado brasileiro. de outubro, quando custos de produção,
seguem em alta. No Analistas do Cepea se registrou a décima os cafeicultores
intervalo entre janeiro afirmam que a alta semana consecutiva ouvidos pelo Cepea
FOTOS_ GETTY IMAGES

e setembro, o volume deve-se ao aumento da de queda. Segundo o têm optado por vender
dos embarques do demanda pelo derivado, Cepea, o esmagamento lotes apenas para
produto cresceu 13%, sobretudo por parte está fraco devido aos cumprir compromissos
e a receita, 38%. de fábricas de ração. estoques elevados. de curto prazo.

74 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


AS INFORMAÇÕES SÃO DA CLIMATEMPO CONSULTORIA@CLIMATEMPO.COM.BR / WWW.CLIMATEMPO.COM.BR

0 1 25 50 100 150 200 250 300 350 400 500 600

CHUVAS EM NOVEMBRO
NO MAPA E NA PALETA, AS CORES INDICAM A PREVISÃO DE VOLUME
DAS PRECIPITAÇÕES (EM MILÍMETROS) AO LONGO DO MÊS

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 75


C O M O P L A N TA R I L A V A N D A I J o ã o M a t h i a s

Perfume que dá gosto

P
resente em muitos produtos de pétalas sem os grãos de pólen amargos Destilado das flores, caules e folhas,
uso diário, o aroma de lavanda podem ser aproveitadas para dar sabor o óleo essencial, por sua vez, é utiliza-
é um dos mais apreciados em a sorvetes, biscoitos, pães, bolos e ou- do para perfumar diversas mercado-
itens de higiene e limpeza e cosméti- tros alimentos, incluindo pratos com rias devido à presença de linalol e ace-
cos vendidos no varejo. A fragrância carnes e ensopados por ser da mesma tato de linalila, entre outros compostos.
que agrada a maior parte dos consu- família do alecrim. Também é usado na aromaterapia e na
midores, contudo, não é o único apelo Há muitos séculos, ao mesmo tempo fabricação de antissépticos. Como erva,
comercial da planta chamada alfazema que usavam a lavanda para lavar roupa a lavanda tem um de seus principais
pelos portugueses. De plantio em jar- e tomar banho, os romanos já sabiam pontos de venda o mercado Ver-o-Peso
dins, campos e vasos a versão seca em dos benefícios do efeito calmante da em Belém (PA), onde é ingrediente típi-
arranjos decorativos, as flores púrpu- planta no controle de insônia, estres- co da infusão “banho de cheiro” de uso
ras e ornamentais da cultura oferecem se e ansiedade. Anti-inflamatória, ci- tradicional em comemorações locais,
ainda diferentes possibilidades de fon- catrizante, analgésica, antidepressiva, seguindo um ritual existente desde o
te de renda ao produtor que se dedica antirreumática e antiespasmódica são século XIX para atrair amor, felicidade
ao seu cultivo. as demais propriedades terapêuticas e prosperidade.
Além de contar com néctar para a atribuídas à cultura pela medicina po- Do gênero Lavandula e da família
obtenção de mel de alta qualidade, as pular. O chá elaborado com as flores é Lamiaceae, a lavanda é um arbusto pe-
flores dentro de saquinhos de tecido considerado um aliado no tratamento queno, perene e anual nativo das Ilhas
FOTO_PEXELS

costurados são aromatizadoras de am- de problemas digestivos, náuseas, do- Canárias, do norte e oeste da África, sul
bientes e, em gavetas, ajudam a afastar res pelo corpo, problemas respiratórios da Europa e áreas montanhosas do Me-
traças das vestimentas. Na culinária, as e melhoria da pele. diterrâneo, além da Índia e região da

76 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


Arábia. Porém, os países maiores pro- graças às modernas técnicas de melho- quando secas e da folhagem na prima-
dutores são Bulgária, França, Grã-Bre- ramento genético que, inclusive, possi- vera proporcionam um visual bonito à
tanha, Austrália e Rússia. bilitou o surgimento de flores brancas e planta que, se mantiver exposta sob sol
Embora prefira temperaturas mais azuladas, ampliando as alternativas de por períodos longos, tende a ser mais
frias, a lavanda é resistente e possui va- cores para além das clássicas violetas vigorosa e perfumada e a produzir
riedades adaptadas ao clima tropical e roxas. A aplicação de poda nas flores mais óleo essencial.

MÃOS À OBRA

INÍCIO_ Como existem clima frio e tolerantes PLANTIO_ No caso de


SOLO_ fértil, alcalino,
várias espécies de lavanda, às geadas, enquanto transplante para o canteiro drenado e leve
é preciso ter atenção outras às temperaturas ou vaso, realiza-se quando
na hora de escolher as mais elevadas e as mudas estiverem CLIMA_ prefere dias
ensolarados para
primeiras mudas que irão períodos de seca. grandes, plantando-as em
se desenvolver
formar a plantação na solo corrigido com calcário,
propriedade, de acordo PROPAGAÇÃO_ Pode ser por adubado, bem drenado, ÁREA MÍNIMA_ pode
com a finalidade de meio de sementes, que leve, moderadamente ser plantada em vaso
produção pretendida. Para antes devem passar pela fértil e com pH entre 6,5
COLHEITA_ a partir do
ornamentação e cultivo quebra de dormência para e 7,5. Regue as lavandas
segundo ano do plantio
de ervas, a conhecida garantir uma germinação diariamente sem deixá-
como lavanda inglesa é uniforme e rápida. las encharcadas, pois CUSTO_ os preços das
a mais usada, enquanto Acomodadas em um saco são sensíveis ao excesso sementes variam de
acordo com a região de
a francesa se destaca plástico, deixe-as sobre de água. A umidade alta venda e a quantidade
pelas propriedades um papel umedecido também deixa a planta nas embalagens, que
terapêuticas, aroma dentro da geladeira com mais vulnerável ao ataque possuem diferentes
tamanhos
mais forte e é adequada temperatura de 3 ºC a 5 de doenças e pragas.
ao clima brasileiro. ºC. Após três semanas O plantio em vaso vai
O híbrido lavandin é, de armazenamento, faça precisar do preenchimento do verão ou no início da
atualmente, o mais uma semeadura superficial de substratos, que primavera, elimine as flores
cultivado para a produção em local definitivo ou em podem ser comprados secas e as hastes florais.
de óleo essencial. bandejas, cobrindo as em casas agropecuárias.
sementes com uma fina No mesmo local, adquira PRODUÇÃO_ No primeiro ano
AMBIENTE_ Deve ser camada de terra peneirada os recipientes com 30 de plantio já há flores, mas
bastante iluminado, pois e sem pressionar. Se a a 40 centímetros de para colher recomenda-
a lavanda gosta de ficar opção for multiplicação diâmetro, 25 centímetros se esperar o segundo ano,
sob o sol direto por várias por estacas, corte em de profundidade e furos na quando o florescimento
horas, condição que bisel de 10 centímetros base para a drenagem. é mais abundante e
contribui para aumentar a de comprimento das vigoroso. Pelo território
produção de óleo essencial pontas dos ramos mais ESPAÇAMENTO_ No campo, nacional, a lavanda floresce
e se tornar mais aromática. fortes. Plante-as em copos mantenha cada lavanda o ano inteiro, por mais
Além de ser uma espécie plásticos e aguarde por com 30 a 90 centímetros de uma década e pode
resistente, algumas quatro a seis semanas de distância em relação a atingir de 30 centímetros
são mais adaptadas ao para o enraizamento. outra. Com podas no fim a 2 metros de altura.

CONSULTORIA_ CICERO DESCHAMPS, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, JARDIM DAS AMÉRICAS, CURITIBA (PR) ONDE COMPRAR_ SEMENTES SÃO VENDIDAS EM CASAS AGROPECU-
ÁRIAS MAIS INFORMAÇÕES_ INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO RURAL DO PARANÁ (IDR-PARANÁ/IAPAR/EMATER), RUA DA BANDEIRA, 500, CABRAL, CEP 80035-270, CURITIBA (PR), TEL. (41) 3250-2100, OU
RODOVIA CELSO GARCIA CID, KM 375, CEP 86047-902, LONDRINA (PR), TEL. 43 3376-2000

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COMO CRIAR I OSTRA I João Mathias

Iguaria litorânea

E
m dias quentes que não faltam artificiais manejados pelo próprio pro- descartadas pelos barcos pesqueiros.
por aqui, ainda mais com as con- dutor no hábitat natural do molusco, lo- Considerada afrodisíaca, nutritiva,
dições climáticas extremas levan- calizado em áreas rasas do mar, baías ou de baixo teor de gordura e bastante
do as temperaturas às alturas, alimen- mangues. Aliás, de manguezais, a ostra proteica, a ostra é composta de vitami-
tos de sabor refrescante são um pedido tem textura mais suave e é levemente nas A, B1, B2, C e D, glicogênio, ferro,
certo, o que garante a venda de produtos doce em comparação à da água salgada. iodo, fósforo e cálcio. Chega a ser in-
como a ostra, uma iguaria que também Para o manejo, investimentos eleva- dicada na medicina popular para au-
tem pouca oferta no mercado, abrindo dos não são exigidos e, no caso da ali- xiliar no tratamento de doenças como
oportunidades para novos empreende- mentação, um dos itens mais caros em osteoporose, tuberculose e anemia. A
dores na atividade de seu cultivo. A os- lidas com animais em confinamento, a abundância em zinco, que contribui
treicultura, ou ostricultura, tem custo ostra nem necessita de ração. Molusco para a produção de sêmen do homem,
baixo e pode ser desenvolvida pelo li- bivalve, porque possui uma concha que é responsável pela fama de a ostra ser
toral brasileiro, sendo uma opção que se divide em duas valvas que o protege, um estimulante sexual.
substitui a pesca artesanal e assegura sua engorda se dá ao mesmo tempo em Com tantos apelos saudáveis, a ostra,
uma fonte de renda para quem não tem que filtra as microalgas (plâncton) sub- que já era comercializada no mercado
muito a investir. mersas na água. nacional na década de 1930, hoje possui
Para iniciar a produção, as sementes Entre os equipamentos para o culti- as mais diversas apresentações, de ver-
utilizadas como matriz podem ser ad- vo de ostra, utiliza-se sistema de traves- sões congeladas até como ingrediente
quiridas por um valor mais em conta em seiro ou lanternas fixas em long-lines, de refeições prontas. A espécie aquática
viveiros de instituições de ensino supe- além de flutuadores para dar apoio. De pertence à família Ostreidae, a mesma
rior, como universidades que têm cur- fácil manuseio e acessíveis, todos os ma- dos mexilhões e das vieiras, que juntos
FOTO_ PEXELS

sos ou projetos ligados ao estudo da es- teriais podem ser comprados em lojas têm os estados do Sul, principalmente
pécie ou do ambiente marinho. Também ou distribuidores de material de pesca. Santa Catarina, como os maiores pro-
podem ser obtidas por meio de coletores Inclusive, é possível reaproveitar cordas dutores no país.

78 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


MÃOS À OBRA CRIAÇÃO MÍNIMA_
400 mil sementes
para produção de 15
mil dúzias por ano
INÍCIO_ As águas pelo litoral coletores artificiais, lines. Ancorado em poitas
CUSTO_ R$ 35 é o preço
brasileiro, onde realiza- telhas ou garrafas PET ou estacas de 2 metros, por
do milheiro, mas de 40%
se o cultivo de ostras, de 2 litros sem fundo. exemplo, usa-se um cabo a 50% das despesas da
pertencem ao governo mestre com diâmetro de 25 atividade referem-se à
mão de obra, enquanto
federal. Portanto, para AMBIENTE_ Embora cultivada milímetros e comprimento
os insumos respondem
a prática da atividade é dentro da água, a ostra de 100 metros, em média. por cerca de 16% e a
necessário obter autorização tem preferência pelas O tamanho, contudo, comercialização, por
próximo de 15%
e licenciamento ambiental. condições climáticas do pode variar de acordo a
Órgãos responsáveis pelo local, como temperaturas disponibilidade de espaço. RETORNO_ a partir de
meio ambiente da região abaixo de 24 ºC são ideais Para sustentar o cabo nove meses de cultivo
podem fornecer detalhes para o desenvolvimento submerso, é preciso de já é possível contar com
as primeiras colheitas
sobre a documentação da japonesa. A espécie, flutuadores, sendo os de
exigida para o manejo no entanto, apresenta sinalização conectados nas REPRODUÇÃO_ as
do molusco. Empresas tolerância até 28 ºC. Para pontas dos long-lines. sementes podem ser
de assistência técnica e a lida com a ostra nativa, coletadas em ambiente
natural ou compradas
extensão rural também regiões de clima quente ALIMENTAÇÃO_ É o próprio em laboratórios
são fontes de consulta. na maior parte do ano plâncton existente no especializados
são as mais adeqwuadas ambiente aquático. Por
ESPÉCIES A japonesa para a engorda. isso, é importante escolher
(Crassostrea gigas) é uma área de cultivo rica Vale ressaltar, contudo, que
a recomendada para o ESTRUTURA_ O sistema de em nutrientes, já que o fluxo regular de vento
cultivo na região Sul do travesseiros é o utilizado são os responsáveis e maré colabora para a
país, porque se desenvolve para cultivar a ostra nativa pela proliferação das renovação da água.
em locais com clima frio. em áreas de mangue. microalgas na água.
Já na faixa litorânea que Instalado no entorno do REPRODUÇÃO_ Ocorre quando
inclui os estados do Norte manguezal, deve ficar CUIDADOS_ São necessários os ovócitos expelidos pela
e Nordeste, a ostra nativa submerso e em mesas de 3 para garantir a qualidade fêmea são fecundados
(Crassostrea rhizophorae) metros x 85 centímetros x da água, que não deve pelos espermatozoides
é a indicada. As sementes, 50 centímetros compostas ser poluída e contar com do macho, surgindo as
que formarão as matrizes por três vergalhões de salinidade e temperaturas células-ovo, nas quais são
da criação, têm as aço sem galvanização adequadas para a desenvolvidas as larvas, que
universidades como uma de 16 milímetros. Além implantação da ostreicultura. mais tarde irão se fixar em
opção de fornecimento, dos travesseiros, a ostra No entorno, instale algum um substrato. Dióicas, as
mas também podem ser japonesa também pode tipo de barreira para evitar ostras podem ser femininas
capturadas no mar ou ser cultivada em baías com correntezas de ar e agitação ou masculinas a partir
manguezais utilizando lanternas fixas em long- de ondas mais intensas. de alterações do sexo.

CONSULTOR_ FÁBIO ROSA SUSSEL É ZOOTECNISTA, DOUTOR E PESQUISADOR CIENTÍFICO DO INSTITUTO DE PESCA DE SÃO PAULO – UPD PIRASSUNUNGA, TEL. (19) 3565-1200, FABIO.PESCA@SP.GOV.
BR ONDE ADQUIRIR_ LABORATÓRIO DE MOLUSCOS MARINHOS DO DEPARTAMENTO DE AQUICULTURA DO CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) – TEL.
(48) 3721 2709 OU PELO E-MAIL LMM.CCA@CONTATO.UFSC.BR MAIS INFORMAÇÕES_ INSTITUTO DE PESCA DE SÃO PAULO, AVENIDA CONSELHEIRO RODRIGUES ALVES, 1252, VILA MARIANA, SÃO PAULO,
CEP 04014-900, TEL. (11) 94147-8525, INSTITUTODEPESCA@SP.GOV.BR; EMPRESA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA E EXTENSÃO RURAL DE SANTA CATARINA (EPAGRI/SC), RODOVIA ADMAR GONZAGA, 1347,
ITACORUBI, FLORIANOPOLIS (SC), CEP 88034-901, TEL. (48) 3665-5000, SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE) DA REGIÃO; E UNIVERSIDADES LITORÂNEAS COM
CURSOS EM OCEANOGRAFIA, BIOLOGIA MARINHA, ENGENHARIA DE PESCA E AQUICULTURA

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 79


V I DA N A FA Z E N DA I G L O B O R U R A L R E S P O N D E I J o ã o M a t h i a s

Pescoço longo
Qual é o nome dessa espécie
de abacate que tenho um pé
plantado em minha casa?

Gabriel
via Facebook

É O ABACATE-DE-PESCOÇO ou abacate-de
pescoço-longo, cujos frutos têm for-
Alternativa mato piriforme (forma de pera) alon- arquipélago Keys da Flórida, nos Es-
gado e podem atingir até 35 centíme- tados Unidos. Devido à polinização
para plantio de tros de comprimento. Possuem casca predominantemente cruzada da cul-

jabuticabeira fina e lisa, polpa cremosa de coloração


amarelo-esverdeada com baixos teo-
tura, frutos com o característico pes-
coço alongado podem surgir em ou-
res de óleo e semente ovalada de tom tros abacateiros por meio do plantio
Como cultivar jabuticaba marrom. As variedades são da mes- de sementes e da condução das plan-
em vaso? ma espécie dos abacates tropicais e tas como pés francos – sem enxertia.
Ronaldo Silva dos avocados (Persea americana). A CONSULTORES_ TADEU GRACIOLLI GUIMARÃES E ÂNGELO A.
via Facebook pura vida foi descoberta em um quin- B. SUSSEL, ENGENHEIROS AGRÔNOMOS E PESQUISADORES
DA EMBRAPA CERRADOS, RODOVIA BR-020, KM 18, CAIXA
tal doméstico na cidade de Rivas, na POSTAL 08223, CEP 73310-970, PLANALTINA (DF), TEL. (61)
EM GERAL, O CULTIVO de jabuticabeira em Nicarágua, e a russell, proveniente do 3388-9816, WWW.EMBRAPA.BR/FALE-CONOSCO/SAC

vasos segue os mesmos princípios do


cultivo a campo, lembrando que a di-
ferença em relação à restrição do volu-
me de terra disponível para exploração
das raízes e fornecimento de nutrientes
e às condições climáticas distintas en-
Limoeiro enxerto (ou copa). É muito comum o
uso do limão-cravo como porta-en-
tre os ambientes influenciam na condu-
ção e no manejo da planta. Há também
com dupla xerto, que pode ocorrer de brotar e
formar uma nova copa junto com a
a necessidade de se adequar o tamanho
do vaso ao aumento do volume radicu-
variedade original. Neste caso, a da variedade
taiti. Por isso, a árvore frutífera con-
Está carregado o pé de limão-
lar e da copa. À medida que a jabutica- ta com limões das duas variedades,
taiti que minha esposa plantou de
beira se desenvolve, deve-se avaliar a permitindo, então, a formação de fru-
uma muda há três anos, mas um
FOTOS PEXELS / DIVULGAÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

necessidade de vaso maior e a realiza- tos de cada uma delas. O taiti é uma
lado é só de cravo. Isso é normal?
ção de podas mais frequentes. O for- lima ácida que possui casca verde lisa
necimento de nutrientes e de água, evi- Valentim Rodrigues ou ligeiramente rugosa. Alaranjado e
tando a falta ou o excesso, e os cuidados via Facebook também conhecido como rosa, china e
fitossanitários precisam ser adequados vinagre, o limão-cravo é muito utiliza-
ao local de cultivo, além de sempre con- EM GERAL, AS MUDAS de plantas cítri- do para temperar saladas. Ambos são
trolar os ataques de pragas e doenças. cas são enxertadas. Portanto, são ori- ricos em vitamina C.
ginadas do processo de enxertia, cujo
CONSULTOR_ JOSÉ EMÍLIO BETTIOL NETO, PESQUISADOR DO CONSULTOR_ DIRCEU DE MATTOS JÚNIOR, PESQUISADOR
INSTITUTO AGRONÔMICO (IAC), DA SECRETARIA DE AGRICUL-
método de propagação necessita de DO INSTITUTO AGRONÔMICO (IAC), DA SECRETARIA DE AGRI-
TURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO um porta-enxerto (ou cavalo) e de um CULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

80 I GLOBO RURAL NOVEMBRO 2023 globorural.globo.com


Romãzeira parte aérea) no nível do solo. Em áre-
as secas, aplique regas com frequên-
gosta de sol cia, mas sem exagero para não possi-
bilitar o aparecimento de fungos ou
Como se planta um pé de romã? outras doenças. Mudas de boa qua-
Felipe Neri Gomes lidade, para garantir a precocidade
via Facebook na produção, podem ser adquiridas
em viveiros idôneos e credenciados.
DE PREFERÊNCIA EM LOCAL ensolara- Embora leve mais tempo para iniciar
do, preencha covas de 40 x 40 x 40 a produção, obter mudas a partir de
centímetros com solo fértil e húmus sementes de uma romã sadia é uma
no momento do plantio da roman- opção para implantação de um po-
zeira, cujo mês ideal para ser reali- mar doméstico. Batata-
zado é setembro, início da estação
mais chuvosa em boa parte do país. CONSULTOR_ PAULO CELSO DE MELLO FARIAS, PROFESSOR DE
FRUTICULTURA DA FACULDADE DE AGRONOMIA ELISEU MACIEL,
do-inferno
A dica é assentar a planta posicio- DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL), CAMPUS CA-
nando o colo (região entre a raiz e a PÃO DO LEÃO, S/N, CAPÃO DO LEÃO (RS), CEP 96010-610
Ganhei essa planta como sendo
flor-do-deserto. Está correto?
Mônica Teixeira
via Facebook

Cuidados SIM, A FLOR-DO-DESERTO também é o


com as aves nome para a espécie Jatropha podagri-
ca, que é mais conhecida como bata-
ta-do-inferno. Muito tóxica, quando
Temos cerca de 100 galinhas
cortada ou na retirada de suas fo-
poedeiras, mas não conseguimos
lhas, secreta um leite que pode causar
uma produção de mais de 15 ovos
queimaduras graves em contato com
por dia. Quais orientações podem
a pele ou mucosas. Por isso, deve-se
nos dar para aumentar a postura?
ter cuidado para cultivá-la, seja isola-
Priscilla Lorenzoni Farah da ou formando conjuntos e renques
Piracaia (SP) para ornamentação de composições
de jardins ou ainda em vasos. A reco-
A QUEDA NA POSTURA das aves pode ocor- mendação, contudo, é escolher um lo-
rer devido à idade avançada, período de cal seguro para manter o arbusto com
troca das penas, falta de higiene, bai- de frutas e de hortaliças cruas. Descarte pequenas flores vermelhas, longe do
xa qualidade da alimentação e pouca a alface, que provoca diarreia. A vermi- alcance de crianças e animais domés-
disponibilidade de água limpa e fres- fugação é recomendada para o controle ticos. Para não haver confusão, vale
ca. Também tendem a produzir pou- da verminose, doença que interfere na ressaltar que a flor-do-deserto e a ro-
cos ovos as aves que são alimentadas postura. Mantenha a limpeza de come- sa-do-deserto são plantas diferentes.
somente a pasto ou com apenas milho, douros, bebedouros, camas e poleiros.
mas o produtor pode acrescentar uma CONSULTOR_ JULCÉIA CAMILLO, DOUTORA EM AGRONO-
parte do grão para duas de ração, caso CONSULTORA_ MARIA VIRGÍNIA F. DA SILVA, MEMBRO DA ASSOCIA- MIA, ESPECIALISTA EM PLANTAS ORNAMENTAIS, SÓCIA DA
ÇÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE AVES DE RAÇAS PURAS (ABC PLANTAS & PLANOS ASSESSORIA E CONSULTORIA EM AGRI-
ache necessário. Não se deve fornecer às AVES); ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: RUA FERRUCIO DU- CULTURA, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE, TEL. (61)
aves restos de comida, a não ser cascas PRÉ, 68, CEP 04776-180, SÃO PAULO, SP, TEL. (11) 5667-3495 98162-3205, JULCEIA@GMAIL.COM

globorural.globo.com NOVEMBRO 2023 GLOBO RURAL I 81


#TÔNAGR -Quem fa z a diferença no campo

Câmera na mão, pé na roça

A
AURORA E RIO DO SUL, EM SANTA CATARINA, com
O CIRCULAR PELOS MUNICÍPIOS DE
uma caminhonete de estampa de vaca leiteira, não dá para negar o DNA do
agro de Aline Leonhardt, de 33 anos. Inclusive, era quase certo que a menina
que tratava galinhas e vacas como bichos de estimação seguiria o caminho
dos pais, pequenos produtores rurais em Aurora.
Mas ela tinha outro sonho: mostrar a rotina da família e a vida no campo no programa
Globo Rural, da TV Globo. A vocação para a comunicação se confirmou mais tarde, quan-
do decidiu seguir a carreira de jornalista. “Sempre sonhei em ser jornalista, porque ado-
rava contar histórias. Mas, quando trabalhei em televisão, percebi que o agro não ‘ven-
dia’. Então, quando estava com 190 mil seguidores no canal Vale Agrícola, decidi investir
mesmo sem ter patrocínio”, relata.
Desde 2018, Aline compartilha a sua rotina no campo e conta histórias de outros pro-
dutores em seu próprio programa. Com transmissão no YouTube e outros canais, a pro-
fissional atraiu quase 650 mil interessados em seu programa rural. O sucesso é tamanho
que o Vale Agrícola venceu o prêmio Os + Admirados do Agronegócio, do Portal dos Jor-
nalistas, na categoria Canal Digital, em 2022.
Se há cinco anos o programa engatinhava, agora são inúmeras as propostas que Aline
recebe para vender o conteúdo que produz. No entanto, a lealdade ao seu propósito fala
mais alto. “Eu vejo que dinheiro não é tudo. Hoje, não quero só informar, quero contar
mais histórias e inspirar mais pessoas, principalmente outras meninas do setor”, diz.
FOTO_ ACERVO PESSOAL

Nos próximos anos, a influenciadora pretende implantar um projeto de turismo rural


na propriedade dos pais. Um dos objetivos, segundo ela, é ajudar a aproximar do campo
seus seguidores que vivem nas cidades.
(por Julia Maciel)

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