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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE

LEONARDO DE FREITAS SERI

O Jogo de Areia (Sandplay) no tratamento do trauma em

adolescente

São Bernardo do Campo

2019
LEONARDO DE FREITAS SERI

O Jogo de Areia (Sandplay) no tratamento do trauma em

adolescente

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em


Psicologia da Saúde, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Saúde.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Hilda Rosa Capelão Avoglia.

São Bernardo do Campo

2019
FICHA CATALOGRÁFICA

Se67j Seri, Leonardo de Freitas


O jogo de areia (Sandplay) no tratamento do trauma em adolescente
/ Leonardo de Freitas Seri. 2019.
77 p.

Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) --Diretoria de Pós-


Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2019.
Orientação de: Hilda Rosa Capelão Avoglia.

1. Trauma psíquico 2. Abuso sexual – Crianças e adolescentes 3.


Intervenção psicológica 4. Jogo de areia – Uso terapêutico I. Título

CDD 157.9
A dissertação de mestrado sob o título O JOGO DE AREIA (SANDPLAY) NO
TRATAMENTO DO TRAUMA EM ADOLESCENTE, elaborada por Leonardo de Freitas Seri
foi apresentada em 1 de abril de 2019, perante banca examinadora composta por Profa. Dra.
Hilda Rosa Capelão Avoglia (Presidente/UMESP); Profa. Dra. Miria Benincasa Gomes
(Titular/UMESP) e Profa. Dra. Helena Rinaldi Rosa (Titular/USP).

_______________________________________

Profa. Dra. Hilda Rosa Capelão Avoglia


Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

_______________________________________

Profa Dra Maria do Carmo Fernandes Martins


Coordenadora do Programa de Pós Graduação

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Saúde

Área de concentração: Psicologia da Saúde

Linha de Pesquisa: Saúde, Violência e Adaptação Humana

São Bernardo do Campo, 1 de abril de 2019


À minha avó, Ubalda Gaspar de Freitas, pelo exemplo de força e

carinho. Por me ensinar diariamente o sútil balanço entre vida e morte.


AGRADECIMENTOS

Durante o período de construção deste trabalho e até antes de começá-lo, iniciei um movimento
de honrar a instabilidade da vida – foram acontecimentos que ora balançaram as estruturas e
ora impulsionaram meu crescimento - assim como a valorizar os encontros que tive ao longo
deste percurso. Viver é encontro, e estes sem sombra de dúvidas foram me constituindo no ser
humano que sou. Por isso, agradeço a estes encontros, em especial:

A meus pais, Zuleide e Osmar, pelo encontro que me permitiu a vida, que permitiu meu
desenvolvimento e permitiu um espaço de amor para que eu pudesse trilhar meu próprio
caminho;
A minha avó, Ubalda, pelo encontro amoroso, pelo colo que só uma verdadeira vóin saberia
dar e por proporcionar durante muitos momentos da minha vida, o estudo;
A minha orientadora, Prof.ª. Dr.ª. Hilda Rosa Capelão Avoglia, pela disponibilidade em
orientar um trabalho que fugia de sua área de pesquisa, por aceitar o psicólogo e pesquisador
que sou, com minha abordagem e minhas escolhas. Por me incentivar no ensino e na pesquisa,
pelas longas conversas e pelos inúmeros momentos de carinho;
A Prof.ª. Dr.ª. Aicil Franco, pelo encontro que transcende o Jogo de Areia, pelo carinho
direcionado a mim, pela disponibilidade em me receber em Salvador, por incentivar meu
caminho profissional. Minha gratidão é imensa também, por aceitar, frente a tantas
diversidades, contribuir maravilhosamente no exame de qualificação deste estudo;
As Professoras Dr.ª. Miria Benincasa e Dr.ª. Helena Rinaldi Rosa, por aceitarem o convite e
contribuírem no exame de qualificação. E por todo carinho direcionado a mim ao longo destes
anos;
A Prof.ª. Dr.ª. Ivete Pellegrino Rosa, pelo encontro que me permitiu ser muito do que sou hoje.
Como uma vez me disse, minha mãe intelectual, grande incentivadora do caminho profissional.
Pelo colo constante, pelas nossas conversar semanais e por proporcionar um espaço para que
eu cresça, sempre. Nosso encontro ultrapassou a relação aluno-professor de graduação e serei
eternamente grato por isso;
A Psicóloga e amiga, Juliana Kessar Cordoni, por acreditar no meu potencial e incentivar que
este estudo fosse realizado no ambulatório que é coordenadora. Pela torcida e pela troca de
afeto;
A minha psicoterapeuta, Patricia Sabadin, pelos longos anos que estivemos juntos, por
proporcionar um espaço que leva ao amadurecimento, por me incentivar a viver e pelos nossos
encontros terapêuticos que me levaram de encontro comigo mesmo;
A Daniela Pupo Bianchi, por um dia ter me apresentado a caixa de areia, por ter me
acompanhado como supervisora, pela torcida e por compartilharmos paixões semelhantes;
A Virgínia Sant’Anna, por me acompanhar pelas areias do sandplay, pelo vaso alquímico que
proporciona inúmeras transformações.
A Maria Eliane Silva, amiga e psicóloga que admiro muito, pelos inúmeros encontros, por
proporcionar cafés e almoços que me nutriram e me fizeram mais forte. Pela amizade que hoje
faz toda diferença, pelo incentivo constante e pelas nossas trocas que só nós entendemos;
Ao Lucas Valente, amigo e psicólogo, pelo campo que nos rodeia, que nutre pelo afeto, pela
parceria que temos e por inúmeras vezes, me emprestar seu lado valente para que eu continue
buscando o novo;
A Natália Agostini, amiga e psicóloga, pelo encontro que não sei explicar, parece que são anos
de convivência, pelas trocas afetivas, pelo incentivo do meu trabalho e pela amizade de vai
além da psicologia;
As amigas, Emmanuelle Arsuf, Eloisa Antonietto, Lígia Caravieri e Ana Nazário, pela
torcida, pelos papos, pelos cafés compartilhados nos intervalos das aulas e pelas parcerias
estabelecidas durante o mestrado;
A Margarida, participante deste estudo, garota que transformou minha vida profissional, por
permitir que eu mergulhasse com ela na areia;
A CAPES, pela bolsa concedida.
Nunca pare de sonhar – Gonzaguinha

Ontem um menino que brincava me falou


Que hoje é semente do amanhã
Para não ter medo que este tempo vai passar
Não se desespere
Não pare de sonhar
nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será
RESUMO

O crescente número de notificações a respeito de crianças e adolescentes em situação de


violência indica a necessidade de se pensar acerca de como é possível acolher e intervir junto a
esse público. O presente estudo parte da ideia de trauma para apontar as manifestações
psicossomáticas decorrentes da vivência do indivíduo que passou por situação de violência. A
revisão da literatura aponta a utilização da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) como a
forma com mais evidências científicas para intervir no caso de adolescentes traumatizados,
considerando ainda a escassez de pesquisas nessa área com as abordagens psicodinâmicas.
Dessa maneira, o objetivo desse estudo foi investigar a eficácia do Sandplay no tratamento do
trauma por abuso sexual em adolescentes. A partir da investigação da eficácia do instrumento,
buscou-se discutir as vivencias traumáticas considerando-se os conceitos teóricos e técnicos do
Sandplay, assim como, verificar os parâmetros diagnósticos e prognóstico do cenário inicial.
Os instrumentos utilizados foram: Instrumento de Rastreio de Sintomas de Estresse Pós-
Traumático (IRSEPT) e materiais específicos para realização do Sandplay, duas caixas de areia
e um kit com miniaturas que reproduzissem o cotidiano de uma pessoa. Tratou-se de um estudo
de caso único realizado em doze sessões, partindo de uma medida pré-experimental para
verificar a eficácia do Sandplay, definido como um método expressivo com origem na
Psicologia Analítica para tratamento do trauma por abuso sexual em uma adolescente. Os
resultados sugeriram diminuição da sintomatologia traumática e, a partir da utilização do
método clínico junguiano, ou seja, da amplificação simbólica dos cenários produzidos durante
o Sandplay, foi possível verificar a psicodinâmica da adolescente traumatizada, assim como
observar a flexibilização das defesas e as elaborações do trauma no decorrer das sessões. Desta
maneira, configurou-se a necessidade de aumentar o estudo com um número maior de
participantes, ampliar os enquadres para a aplicação do Sandplay com o intuito de
redimensionar a técnica considerando sua aplicabilidade em contextos sócio institucionais e
públicos.

Palavras chave: Trauma; Abuso sexual; Intervenção Psicológica; Jogo de Areia.


ABSTRACT

The growing number of notifications regarding children and adolescents in situations of


violence indicates the importance of looking at psychology in this context, pointing out the need
to think about how it is possible to receive and intervene with this public. Thus, the present
study starts from the idea of trauma to indicate the psychosomatic manifestations resulting from
the experience of the individual who has experienced violence. The review of the literature
indicates the use of Behavioral Cognitive Therapy (CBT) as the way with the most scientific
evidence to intervene in the case of traumatized adolescents, considering also the lack of
research in this area with the psychodynamic approaches. The objective of this study was to
investigate the efficacy of Sandplay in the treatment of sexual abuse trauma in adolescents.
From the investigation of the effectiveness of the instrument, we sought to discuss the traumatic
experiences considering the theoretical and technical concepts of Sandplay, as well as to verify
the diagnostic parameters and prognosis of the initial scenario. The instruments used were:
Screen for Posttraumatic Stress Symptoms (SPTSS) and specific Sandplay materials, two
sandboxes and a kit with miniatures that reproduced the daily life of a person. This was a single
case study conducted in twelve sessions, starting from a pre-experimental measure to verify the
effectiveness of Sandplay, defined as an expressive method originating in analytical psychology
for the treatment of sexual abuse trauma in an adolescent. The results suggested a decrease in
the traumatic symptomatology and, using the Jungian clinical method, in other words, the
symbolic amplification of the Sandplay scenarios, it was possible to verify the psychodynamics
of the traumatized adolescent, as well as to observe the breakdown of the defenses and the
elaborations during the sessions. In this way, it was necessary to expand the study with a larger
number of participants, to broaden the framework for the application of Sandplay in order to
resize the technique considering its applicability in socio-institutional and public contexts.

Keywords: Trauma; Sexual abuse; Psychological Intervention; Sandplay.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Primeiro cenário de Margarida ............................................................................................. 34


Figura 2 - Segundo cenário de Margarida ............................................................................................. 37
Figura 3 - Terceiro cenário de Margarida ............................................................................................. 40
Figura 4 - Quarto cenário de Margarida................................................................................................ 43
Figura 5 - Quinto cenário de Margarida ................................................................................................ 45
Figura 6 - Sexto cenário de Margarida .................................................................................................. 46
Figura 7 - Sétimo cenário de Margarida................................................................................................ 47
Figura 8 - Oitavo cenário de Margarida ................................................................................................ 49
Figura 9 - Nono cenário de Margarida .................................................................................................. 51
Figura 10 - Décimo cenário de Margarida ............................................................................................ 52
Figura 11 - Décimo primeiro cenário de Margarida.............................................................................. 53
Figura 12 - Décimo segundo cenário de Margarida .............................................................................. 55
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 9
ABSTRACT ............................................................................................................................ 10
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................. 11
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
1.1 O TRATAMENTO PSICOTERÁPICO ...................................................................................... 14
1.2 TERAPIA DO SANDPLAY ..................................................................................................... 16
1.3 TRAUMA NA PSICOLOGIA ANALÍTICA E NA TERAPIA DO SANDPLAY .................................. 23
2. MÉTODO......................................................................................................................... 27
2.1 PARTICIPANTES ................................................................................................................ 27
2.2 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .................................................................................................. 28
2.3 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ................................................................................................. 28
2.4 LOCAL.............................................................................................................................. 28
2.5 INSTRUMENTOS ................................................................................................................ 29
2.5.1 Instrumento de Rastreio para Sintomas de Estresse Pós-traumático (IRSEPT) ..... 29
2.5.2 Sandplay ................................................................................................................... 29
2.6 PROCEDIMENTOS .............................................................................................................. 30
2.6.1 Procedimento para coleta de dados ....................................................................... 30
2.6.2 Procedimento para análise de dados ..................................................................... 31
2.7 RISCOS E BENEFÍCIOS ...................................................................................................... 31
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 32
3.1 CASO CLÍNICO: MARGARIDA ............................................................................................ 32
3.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS CENÁROS..............................................................................35

3.2.1 Primeira sessão ........................................................................................................ 34


3.2.2. Segunda sessão........................................................................................................ 37
3.2.3. Terceira sessão........................................................................................................ 40
3.2.4. Quarta sessão .......................................................................................................... 43
3.2.5. Quinta sessão .......................................................................................................... 45
3.2.6. Sexta sessão ............................................................................................................. 46
3.2.7. Sétima sessão........................................................................................................... 47
3.2.8 Oitava sessão............................................................................................................ 49
3.2.9. Nona sessão ............................................................................................................. 50
3.2.10. Décima sessão ..................................................................................................... 503
3.2.11. Décima primeira sessão ........................................................................................ 53
3.2.12. Décima segunda sessão - última sessão................................................................ 54
3.3 SÍNTESE DO CASO MARGARIDA ........................................................................................ 57
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 60
5 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 62
ANEXOS ................................................................................................................................. 66
ANEXO A – INSTRUMENTO DE RASTREIO PARA SINTOMAS DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO 67
ANEXO B – LISTA DE MINIATURAS ....................................................................................... 68
ANEXO C – PARACER CONSUBSTANCIADO DO CEP ............................................................... 69
ANEXO D – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........................................ 71
ANEXO E – TERMO DE ASSENTIMENTO ................................................................................ 73
ANEXO F – QUADRO DE REFERÊNCIAS ................................................................................. 75
13

1. INTRODUÇÃO

Pesquisas epidemiológicas têm sido realizadas e sinalizam que um número significativo


de crianças e adolescentes tem sofrido algum tipo de trauma (Morina, Koerssen & Pollet, 2016).
O trauma pode ser compreendido enquanto uma experiência estressora ou exposição contínua
a um evento que causam danos no desenvolvimento saudável desses indivíduos. Situações
como: abuso sexual, violência física, maus-tratos, roubo/sequestro e desastres naturais estão na
lista de eventos traumáticos (Van Der Kolk, 2005).

O Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de


Segurança Pública (FBSP), realizaram um estudo acerca da violência no Brasil. Em 2015, no
Brasil foram registradas 59.080 queixas, taxa de 28,5 para 100 mil habitantes. Fazendo uma
comparação com o ano de 2016 o aumento foi significativo: 62.517, taxa de 30,3 para 100 mil
habitantes (Cerqueira, 2018).

Cerqueira (2018) por meio do Atlas da violência divulgou o número de abusos cometido
no mesmo período, que também mostrou um aumento considerável, se pensar que os dados
obtidos foram os registrados apenas em delegacias. Em 2015, foram notificados 20 mil abusos
sexuais no território brasileiro. No ano seguinte o aumento foi duas vezes maior 49.497
registros. Ainda muitos não são registrados, por muitos motivos como: localidade, idade,
escolaridade e medo ou até mesmo vergonha de ser vítima.

Situações como essas geram o que a literatura chama de “trauma”, interrompendo o


fluxo natural do desenvolvimento biopsicossocial e trazendo consigo psicopatologias que,
muitas vezes, impedem os adolescentes de minimamente adaptarem-se à sociedade.

O trauma é um assunto antigo, porém só recentemente ganhou atenção dos profissionais


da área “psi”. Na década de 70, houve uma tentativa por parte da psiquiatra Sarah Haley de
construir tendo como base a literatura disponível, uma análise compreensiva de determinados
conjuntos de sintomas. Após isso, síndrome do sequestro, síndrome da mulher maltratada,
síndrome dos veteranos do Vietnam e a síndrome da criança abusada passaram a ser descritas
a partir do conceito de evento traumático (Van Der Kolk, Weisaeth & Van Der Hart, 1996). O
trabalho da referida psiquiatra foi a semente que desencadeou no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – 3ª edição (DSM-III), em 1980, a inclusão da categoria de
“Transtorno do Estresse Pós-traumático” (Schestatsky; Shansis; Ceitlin; Abreu & Hauck,
2003).
14

Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição


DSM-V (2014) apresenta uma categoria mais abrangente, a saber, “Transtornos relacionados a
trauma e estressores” e, nesse caso, engloba qualquer sofrimento psicológico causado por uma
exposição, seja como vítima ou espectador, de um evento traumático.

Terr (1991), em uma metanálise, aponta que o trauma na infância aparenta ser um fator
etiológico significativo no desenvolvimento de uma série de transtornos ainda na infância, mas
também, a longo prazo, na vida adulta. A autora coloca como respostas a longo prazo,
problemas como: pensamento psicótico, violência/agressividade, dissociação, passividade,
automutilação e transtornos relacionados à ansiedade.

Nesse sentido, Van der Kolk (2005) colabora adicionando o conceito de “trauma
complexo” para apontar múltiplos ou exposição prolongada a eventos estressores. O autor
expõe que há ligações importantes entre experiências infantis de trauma e depressão, ideação
suicida, uso abusivo de drogas e álcool, comportamento altamente sexualizado e obesidade.
Outras alterações podem surgir como: despersonalização, pesadelos/dificuldade para dormir,
problemas escolares e de aprendizagem e regressão dos comportamentos (Terr, 1991).

1.1 O tratamento psicoterápico

Em uma metanálise, Morina et al (2016) apontam a abordagem cognitivo-


comportamental (TCC) e as técnicas cognitivas como intervenções mais utilizadas no trabalho
com crianças e adolescentes com trauma.

Silverman, Ortiz, Viswesvaran, Burns, Kolko, Putnam e Amaya-Jackson (2008)


revisaram quinze anos de estudos a respeito de tratamentos para crianças e adolescentes que
foram expostos a eventos traumáticos. Dos vinte de um estudos incluídos na revisão, grande
parte dizia respeito ao tratamento de abuso sexual, negligencia e abuso físico. Com uma
variação de 1 a 20 sessões de tratamento, os autores verificaram que doze sessões é um número
bastante utilizado para pensar a duração de um tratamento eficaz quando se está intervindo no
trauma. Atribuem a duração das sessões a uma abordagem especifica, dizendo que o manejo
técnico permite a intervenção breve, e por isso, há literatura consagrada da área.

Terapia Cognitiva Comportamental - Focada no trauma (TCC-FT) é provavelmente a


abordagem mais conhecida no tratamento e intervenção com crianças e adolescentes expostos
ao trauma, e de acordo com Lawson e Quinn (2013), é um conjunto de técnicas e procedimentos
15

que esse público em específico apresenta melhor resposta. Os psicoterapeutas que utilizam a
TCC-FT trabalham de inúmeras formas: individualmente com a criança ou adolescente, com os
pais e/ou responsáveis e em conjunto a família.

A TCC-FT emprega o tratamento orientado para a fase do trauma, são oito tipos de
manejos oferecidos: psicoeducação para pais e filhos e desenvolvimento de habilidades;
relaxamento; modulação afetiva; processamento e enfrentamento cognitivo; narrativa do
trauma; lembretes do trauma; sessões conjuntas de pais e filhos e melhora da segurança (Landolt
& Kenardy, 2015).

O modelo de trabalho tem fortes evidências empíricas de seu benefício, porém, há


evidências de que, com crianças em idade escolar, minorias étnicas e diferentes tipos de trauma,
os benefícios ainda são limitados, assim como pesquisas que verifiquem se a melhora dos
sintomas se mantém após seis meses do término do tratamento.

Complementar a isso, Howe (2005) diz que a TCC não deve ser usada logo de início
pois, para o autor, o evento traumático tem pouco a ver com a cognição, uma vez que surge na
parte emocional do cérebro que é responsável pela emissão de mensagens de perigo e angústia.
Assim, a TCC pode proporcionar dessensibilização do trauma, mas não sua integração. Logo,
as técnicas como a integração sensorial e o Sandplay auxiliam a criança na regulação
emocional. Ainda, segundo o autor, a utilização de técnicas e métodos não verbais são bastante
eficazes para o tratamento de crianças e adolescentes traumatizados.

Contudo, Gutermann, Schreiber, Matulis, Schwartzkopff, Deppe e Steil (2016) apontam


que métodos psicoterápicos como os acima citados, apesar de mostrarem eficácia na prática
clínica, são pouco pesquisados tornando imprecisa a comprovação científica de suas eficácias.
A partir desta indagação surgiu o interesse na realização da presente pesquisa.

O Sandplay é um método ou técnica de psicoterapia, de origem na abordagem junguiana


que foi iniciada por Dora Kalff nos anos 50. Incentivada pelo próprio Jung, a pesquisadora
desenvolveu inicialmente um método de análise de crianças, que mais tarde comprovada pela
própria criadora, ser útil também para adolescente e adultos. O Sandplay têm em suas
influências, o World Technique da psiquiatra inglesa Margaret Lowenfeld e as tradições
orientais (Mitchell & Friedman, 1994).

Considerada uma modalidade de ludoterapia que consiste no uso de duas caixas de areia
– uma seca, e outra molhada, os pacientes podem manipular a areia e utilizar as miniaturas que
estiverem à disposição para montar um cenário. Esse pode ser entendido como expressão
16

tridimensional de alguns aspectos da vida psíquica do sujeito. Kalff (1980) diz que ao produzir
um cenário, um conflito se transfere do mundo interior para o exterior e ganha forma. Alguns
terapeutas utilizam o Sandplay como método principal, enquanto outros a integram à análise
verbal e aos demais métodos de psicoterapia (Von Gontard, 2010).

É possível notar que as palavras muitas vezes não alcançam a expressão mais justa e
completa de significado, além de se constituírem na linguagem da consciência, enquanto a
imagem é a maneira que o inconsciente se comunica. Por se tratar de um método não verbal, a
TS pode oferecer uma comunicação universal da psique. Assim como nos sonhos, as imagens
que aparecem na caixa de areia são imagens do inconsciente para que seja possível contemplá-
las e, assim, chegar a uma compreensão (Friedman, 1997).

Von Gontard (2010) aponta que, em sua experiência clínica, o Sandplay tem se mostrado
um método excelente e versátil, principalmente para o tratamento dos transtornos
internalizantes como: depressão, fobias, transtornos ansiosos, entre outros.

Atualmente, o mundo se torna cada dia mais exigente quanto à efetividade de um


tratamento psicoterápico e, assim, o Sandplay apresenta pouquíssimas pesquisas que validem
de maneira significativa a sua profundidade (Friedman, 1997). Há, na revisão bibliográfica,
estudos de casos, dissertações de mestrado e teses de doutorado que têm sido realizadas na
tentativa de apresentar e comprovar a eficácia da TS (Gimenez, 1998; Yoshikawa, 2002;
Spinelli, 2002; Franco, 2003; Matta, 2006; Franco, 2008; Albert, 2008; Bley, 2009; Matta,
2015).

1.2 Terapia do Sandplay

Alguns nomes surgem na revisão da literatura: Terapia do Sandplay, Jogo de Areia,


caixa de areia, entre outros. Por se tratar neste trabalho de uma técnica psicoterápica, preserva-
se ao longo deste trabalho o nome Sandplay, que está presente em toda a literatura mundial
sobre o assunto, apesar de seu uso ampliar os moldes apresentados por Dora Kalff.

O Sandplay tem sido definido como uma modalidade psicoterapêutica, uma terapia não
verbal, onde o sujeito cria cenas tridimensionais utilizando uma caixa com areia e um arranjo
de miniaturas (Weinrib, 1993). O resultado da criação corresponde a um cenário que carrega
várias dimensões da realidade do paciente.
17

A origem do Sandplay nos remete a Margaret Lowenfeld (1890 – 1973), pediatra inglesa
e psiquiatra de crianças, que idealizou o instrumento World Technique (1958), e visava ajudar
a criança a se comunicar durante o tratamento com a médica. O instrumento era utilizado para
fins terapêuticos e diagnósticos, consistia na utilização de materiais simples como uma série de
personagens e objetos em miniatura para a construção de um mundo dentro de uma caixa com
areia. O ano de 1928 foi o marco do surgimento deste instrumento, na “Clínica para crianças
nervosas e difíceis” em Londres (Turner, 2005).

Lowenfeld se inspirou no livro Floor Games (1911/2004) do escritor britânico Hebert


George Wells. Tal livro traz um conjunto de jogos que o autor utilizava com seus filhos, que a
partir de miniaturas colocadas no chão, transformavam-se num mundo fantástico onde
aventuras eram desenvolvidas.

Wells (1911/2004) diz que os jogos mais divertidos são aqueles que podem acontecer
no chão de casa. Utilizava tapetes e papéis para forrar o chão, da cor verde para representar a
vegetação e da cor azul para mar ou oceano. Os corredores de um quarto para outro,
representavam estradas.

Dentre os brinquedos utilizados, encontram-se quatro categorias. A primeira dos soldados e,


com estes, bonecos de marinheiro, ferroviários, civis e animais; a segunda são tijolos e
quaisquer materiais de montar; a terceira de placas e a quarta de engrenagens e trilhos (Wells,
1911/2004). O autor acreditava que usando estes brinquedos as crianças poderiam montar um
mundo só delas, e olhando para este, poder-se-ia descobrir fatos agradáveis e indesejáveis dessa
criança. Alguns jogos foram propostos pelo autor: “O jogo das ilhas maravilhosas”, “O jogo de
construir cidades” e “Jogos de guerra”.

Lowenfeld, a partir da leitura deste livro, intuiu que o conteúdo das brincadeiras
poderiam estimular a expressão imaginativa das crianças. World technique revelou-se muito
versátil e adaptável às diferentes exigências de trabalho na comunicação com a criança
(Sergiampietri, 2013). É mérito de Lowenfeld a importante inovação de associar o uso de
miniaturas com uma caixa de areia. Mas também é das crianças que foram atendidas por ela,
que espontaneamente indicaram suas preferências em utilizar estes materiais.

O espaço delimitado da caixa, a areia e os objetos utilizados, pareciam de fato reforçar


a ação e operavam em modo simultâneo até a produção de um cenário, este por sua vez, era
carregado de ricas indicações situacionais da criança (Lowenfeld, 1979/2005). Assim a caixa
se tornou um lugar onde era mais fácil entrar em contato com a criança.
18

Lowenfeld (1979/2005) sustentava que a expressão das emoções nas cenas durante o
jogo, favorecia as crianças na passagem de uma consciência vivida para uma consciência
reflexa do comportamento verbal. Modificações notórias do intelecto humano auxiliavam a
criança a aprender não só a expressar sua dificuldade, como a verbalizá-la.

O instrumento se mostrou eficiente e estimulou várias pesquisas. As primeiras pesquisas


tiveram como objetivo o uso no diagnóstico, procurando obter respostas uteis através do
instrumento de vários quadros psicopatológicos, como: Bolgar e Fisher em 1940 com o teste
do pequeno mundo, Arthurs em 1947 com o teste de aldeia, mais tarde revisado por Mabille em
1950. Outros trabalhos, com fins mais terapêuticos, encontramos Buhler e Kelley em 1941 com
o teste do mundo e Mucchielli em 1960 com o teste da aldeia imaginária, ambos os testes com
aprovação da própria Margaret Lowenfeld (Aite, 2002). E dentre tantos seguidores do
instrumento, a mais fiel ao original, está Dora Maria Kalff.

Nos anos 50, Dora Kalff, que desejava trabalhar com crianças, esteve em contato com
Lowenfeld em uma conferência internacional realizada em Zurique. Instigada por maior
conhecimento, foi a Londres estudar com Margareth Lowenfeld na mesma época que concluía
sua formação em Psicologia Analítica com Emma e Carl Jung, desenvolvendo assim sua própria
versão do World Technique, a qual chamou de Sandplay.

Martin Kalff (2012), filho da autora e também terapeuta do Sandplay, diz que o vivo
interesse dela pela filosofia oriental unida a seus estudos em psicologia analítica e psiquiatria,
produziram uma visão mais profunda da criação da imagem na areia e da atitude do terapeuta.

Sua intenção desde o início era procurar uma nova forma que permitisse a junção do
tratamento de crianças à psicologia de Jung, pois ele próprio a encorajou a prosseguir seus
estudos nessa direção. Acredita-se que o primeiro terapeuta a descrever os benefícios do brincar
na areia com objetos, tenha sido o próprio Jung, como é visto em sua autobiografia:

Só me abandonei a tais brincadeiras depois de repulsões infinitas, com um


sentimento de extrema resignação e experimentando a dolorosa humilhação
de não poder fazer outra coisa senão brincar. Pus-me, então, a colecionar
pedras, trazendo-as da beira do lago ou de dentro d’água; depois comecei a
construir casinhas, um castelo, uma cidade... Esta conexão despertou em mim
um sentimento de satisfação (Jung, 1986/2006, p. 209).
19

Para Kalff (1980), o método era central, ou seja, revolucionou o setting terapêutico
tradicional, e o processo da terapia acontecia por meio das cenas montadas pelo paciente dentro
da caixa de areia ao longo das sessões. O consultório transformava-se em um lugar vivo e
sugestivo onde se destacavam uma série de objetos coloridos e atraentes que eram dispostos
sobre as prateleiras segundo um estilo pessoal, característico de cada terapeuta. No centro da
sala, deveriam estar dispostas duas caixas de areia, sendo uma seca e uma molhada.

As caixas têm as seguintes medidas: 72 x 50 x 7,5 cm, a areia deve cobrir até a metade
da caixa. A dimensão da caixa é própria para caber no campo de visão do sujeito, deixando-o
confortável para olha-la. O fundo da caixa é pintado de azul para produzir a ideia de infinito, a
cor azul traz a noção de água. A granulação da areia dependerá do terapeuta, mas a espessura
geralmente utilizada é a fina, como a areia de aquário ou até a de praia (Franco & Pinto, 2003).

A areia seca, é leve e escorregadia, traz sensações às mãos de algo macio e carinhoso.
“Brincar com areia seca é benéfico, lembrando não só as brincadeiras da infância, mas talvez
também os toques carinhosos da mãe ou de outra pessoa querida (...)” (Ammann, 2002, p. 51).
A areia molhada possibilita ao sujeito criar formas na areia, adquirindo qualidade de terra, firme
e maleável. Boik e Goodwin (2000) apontam que a areia molhada está associada à pureza e
limpeza, representando o inconsciente.

As expressões do inconsciente através da construção das cenas podem ser feitas em


silêncio, sem a necessidade de verbalização, pois parte-se do pressuposto que para construir um
cenário, o sujeito precisa estar em contato com seus sentimentos (Weinrib, 1993). O sujeito
precisa estar voltado mais para seu interior e diálogos nesses momentos podem atrapalhar,
porém o contrário não está errado, caso o paciente queira falar durante a construção, ele pode.
A postura do psicoterapeuta dependerá de como o paciente o convida para participar de suas
construções (Kalff, 1980).

A coleção das miniaturas deve ser extensa, segundo as indicações de Kalff (1980), deve
poder representar além do mundo exterior e cotidiano do paciente, também o mundo imaginário
e fantástico. De acordo com Cruz e Fialho (1998), dentre as miniaturas devem-se encontrar:
animais, elementos da natureza, meios de transporte, símbolos de guerra, habitações, figuras
humanas, figuras da fantasia, figuras de conteúdo sagrado e objetos vários como decorativos,
ferramentas, sinais de trânsitos, objetos geométricos entre outros.

O indivíduo organiza na caixa as miniaturas de sua escolha, e essa organização a autora


chamou de cenário. O cenário pode ser entendido como expressão tridimensional de alguns
20

aspectos da vida psíquica do sujeito. Kalff (1980) diz que ao produzir um cenário, um conflito
se transfere do mundo interior para o exterior e ganha forma, esta dinâmica influencia no
funcionamento do inconsciente, que consecutivamente faz ressonância na psique.

Complementar a isso, Franco e Pinto (2003) discutem que o Sandplay com característica
de um jogo simbólico ou de um instrumento de investigação clínica, pode ser considerado uma
técnica ou procedimento poderoso pelas suas qualidades projetivas, que possibilita a
visualização, interpretação e quem sabe, conscientização de conteúdos que ainda não puderam
ser expressos por meio de palavras.

Weinrib (1993) expõe que é essa dinâmica de transferência do interior para o exterior
do inconsciente, ativará a tendência autônoma da psique para que ela busque sempre a
totalidade, ou seja, a maneira de manter o fluxo do processo de individuação. Sendo assim, um
dos postulados básicos do Sandplay é o de processo criativo que acontece espontaneamente ao
longo das sessões no brincar na caixa com as miniaturas.

O processo curativo, segundo Ammann (2002), acontece com pessoas que apresentam
distúrbios ou feridas na psique, impossibilitando que estes indivíduos desenvolvam-se de
maneira saudável.

A energia psíquica retorna ao núcleo saudável da alma (termo equivalente à psique).


Essas imagens e forças de totalidade imperturbadas são revitalizadas e passam a atuar
novamente através do jogo de areia, levando à formação de uma base sadia sobre a
qual a reconstrução da personalidade é possível (Ammann, 2002, p. 25).

Outro processo que é apresentado pela autora é o processo de transformação, que


acontece de maneira diferente. Neste processo, os sujeitos possuem uma base de vida saudável,
porém uma visão de mundo e de si mesmo empobrecida. Desta maneira o jogo simbólico
permite que o indivíduo amplie a consciência de si e de si no mundo, fazendo com que essa
visão fique mais enriquecida e consecutivamente evitando paralisações no desenvolvimento.

No processo terapêutico utilizando Sandplay, o sujeito será confrontado com sua


sombra, ou seja, com a parte desconhecida de sua personalidade; transformação da noção de
anima nos homens e de animus na mulher e um encontro com o si mesmo. Estas transformações
alteram significativamente a visão de mundo da pessoa, auxiliando no processo de individuação
desse ser humano (Ammann, 2002).
21

Para Weinrib (1993), o paciente quando entra em contato com a sua sombra, e a aceita
como parte constituinte de sua personalidade, integra as características de anima ou animus, e
encontra-se consigo mesmo em suas manifestações, passa a encarar a vida com outros olhos,
auxiliando assim em seu processo de individuação. Jung (1928/1984) compreende que o
processo de individuação é um processo de tornar-se único, "tornar-se quem se é", não se trata
de um ponto de chegada na vida e sim um movimento que vai acontecendo ao longo da vida.

Além dos postulados, um dos objetivos de Dora Kalff no Sandplay é proporcionar ao


paciente um espaço livre e protegido que seja muito semelhante ao relacionamento materno
primário. “A caixa de areia promove uma regressão temporária que se encontra ao serviço da
renovação psicológica” (Cruz & Fialho, 1998, p. 232). A condição proporcionada por esta
regressão temporária, neste espaço livre e protegido, permite um período incubatório, onde o
sujeito tem a possibilidade de ressignificar a imagem materna (Weinrib, 1993).

Todo processo de desenvolvimento saudável é resultante de um ambiente facilitador,


por isso é de extrema importância que a mãe seja responsável por todos os cuidados físicos e
afetivos, necessários para preencher todas as necessidades do bebê.

No caso de um ego fraco ou neurótico, assumo com certeza que o self deixou
de manifestar-se. Isso pode acontecer porque a proteção maternal necessária
não foi dada, ou porque a manifestação do Self foi gravemente perturbada por
influências externas, tais como guerra, doença ou falta de compreensão do
ambiente durante o desenvolvimento inicial da criança (Kalff, 1980, p. 19).

A ideia de Kalff se assemelha a de Winnicott (1983), no que se refere à postura do


terapeuta, proporcionando ao paciente um ambiente semelhante ao do acolhimento materno,
permitindo ao paciente sentimento de segurança incondicional. Como aponta Weinrib (1993,
p. 53) “a caixa de areia pode servir como um objeto transicional”. O processo com Sandplay
seria então a ponte para a unidade mãe-filho, até o momento em que o ego inicialmente frágil,
amadureça e o indivíduo revitalize-o, tornando-o forte, podendo reexperienciar seus cenários
sempre que necessário.

Os cenários produzidos na caixa de areia, de acordo com Franco e Pinto (2003), seriam
produto da relação terapêutica, por estarem inseridos numa relação analítica dual e
22

transferencial. Desta maneira o cenário carrega em si conteúdos conscientes e inconscientes,


sentimentos, avaliações e intervenções do paciente e do terapeuta.

A interpretação e a análise dos cenários na caixa de areia variam de situação a situação.


De qualquer forma, a interpretação nunca deverá ser feita logo após a construção do cenário,
ou seja, ela sempre será a posteriori, se necessário, ou como aponta Ammann (2002),
dependendo do processo do paciente, a interpretação só atrapalharia.

É necessário levar em consideração as colocações de Franco e Pinto (2003), onde torna


importante diferenciar a interpretação que atrapalha o processo das interpretações que
possibilitariam elaborações. Para as autoras, interpretação pode ser investigação por parte do
terapeuta da linguagem simbólica, e tais movimentos possibilitariam conscientização do
material expresso pelo paciente.

Portanto, a interpretação dependerá inicialmente de como o paciente simboliza sua cena,


e também da base teórica e do conhecimento do psicoterapeuta. O importante então é
compreender os processos de cura e transformação que ocorrem nos cenários, e só assim o
psicoterapeuta poderá ampliar e auxiliar o paciente neste caminho.

É muito importante que, ao oferecermos nossa própria interpretação,


deixemos espaço suficiente para outras sugestões e insights. Porque com a
caixa de areia lidamos com uma experiência viva, e seria presunçoso achar
que é possível descrevê-la exaustivamente num nível conceitual (Kalff, 1993,
p. 15).

Bradway e McCoard (1997) completam dizendo que cada terapeuta terá sua forma
singular de compreender os cenários na areia. Baseadas em suas experiências, as autoras
orientam suas compreensões buscando inicialmente identificar níveis, estágios, sequências e
temas dos cenários. As autoras fazem um alerta, afirmam que símbolos são os guias universais
do Sandplay, porém deve-se estar atento, pois símbolos são dinâmicos e seu significado
dependerá do contexto e como for usado.

Assim como coloca Gimenez (2016), o terapeuta que utiliza Sandplay precisa exercitar
os “olhos brincalhões”, o terapeuta precisa trabalhar analiticamente para conquistar um olhar
amplo e que não se limita, como por exemplo, a interpretação reducionista do conteúdo
23

simbólico. Paralelo a isso, a autora coloca que quando estamos pensando no Sandplay, cada
terapeuta deve achar sua forma de utilizá-lo, e só assim estará utilizando autenticamente.

Friedman (2018) coloca que devemos achar nosso próprio modo de fazer Sandplay e
utilizar essa modalidade de trabalho analítico. Para isso é necessário o estudo aprofundado de
sua base para descobrir sua maneira e não ficar preso ao estilo original.

1.3 Trauma na Psicologia Analítica e na Terapia do Sandplay

As crianças vítimas de violência concentram suas energias simplesmente em sobreviver


a inescapável dor psicológica de suas experiências através de estratégias de enfrentamento que
são moldadas pela negação. Há assim comprometimento ao funcionamento da realidade que
acompanhará essa criança até a vida adulta (Affeld-Niemeyer & Marlow, 1995).

A noção de trauma para a Psicologia Analítica inicialmente, assim como na Psicanálise,


está ligada à neurose traumática. Jung (1928/2012) coloca que o trauma é mais do que um
evento que desencadeia acontecimentos, para o autor seria a origem, no sentido de causa,
cabendo olhar como ele aponta, para o ambiente em que está inserido como fator importante.

O apontamento de Jung (1928/2012) coloca trauma enquanto um complexo de ideias e


emoções que poderia ser comparado com uma ferida psíquica. Assim, tudo o que “esbarrar”
neste complexo, desencadeará uma reação extraordinariamente violenta, como uma explosão
emocional.

Portanto, o complexo enquanto aglomeração de ideias e temas ao redor de um núcleo,


nesta situação, o trauma, poderia ser representado como um complexo de intensa carga
emocional. Como toda psicodinâmica, o autor aponta que é compreensível que este complexo
se defenda e complementa dizendo que a terapia para esses casos terá que possibilitar uma
descarga completa.

Jung (1928/2012) coloca que muitas vezes a ab-reação – repetição da situação


traumática, recapitulação sob hipnose – pode ter poder curativo, porém quando a vivência é
expressa em palavras pode ter uma intensidade que pode ser prejudicial. O autor diz que não é
o aspecto emocional o principal fator a ser observado e sim a dissociação da psique.

O analista junguiano, Donald Kalsched (2013) diz que o trauma causa uma
fragmentação da consciência, em que uma parte da personalidade regride a um estado infantil
24

enquanto a outra parte progride a uma adaptação falsa e onipotente. A parte infantil da
personalidade é normalmente representada como uma criança inocente e vulnerável ou também
como um animal, já a parte que progrediu pode aparecer nos sonhos como um poderoso ser
humano do bem ou malévolo que tem como função proteger ou perseguir o lado infantil.

Kalsched (2013) chama esse movimento da psique de processo arquetípico, pois parece
envolver um ataque de um polo do arquétipo ao outro, assim ele exemplifica dizendo que se
trata de um ataque do espirito sobre o instinto ou da mente sobre o Self. O resultado disso é essa
imagem interior benevolente ou malévola, a qual chamou de figura daimônica – autorretrato da
psique de suas próprias experiências e defesas.

A noção apresentada por Affeld-Niemeyer e Marlow (1995) corrobora as ideias acima


apresentadas. As autoras dizem que em vítimas de incesto, há uma regressão severa e um
bloqueio em certos aspectos da personalidade em um estágio particular, o de identificação
inconsciente primitiva, logo causando reações instintuais.

Neste estágio primordial da psique, o centro da consciência ainda não se formou e o ego
não se diferenciou do Self e o ponto importante é que se trata de uma fase de não diferenciação.
Assim há a possibilidade de que outro, ainda não reconhecido como externo, possa se apropriar
da identidade de uma maneira negativa, tornando a experiência destrutiva (Affeld-Niemeyer &
Marlow, 1995). A criança traumatizada pode perder sua identidade, a capacidade de percepção
da realidade e do processo de significação.

De modo semelhante, Kalsched (2013), parecem sugerir o aparecimento de uma espécie


de imagem espiritual, que serviria como um movimento da psique para se proteger da
experiência de morte. Dizem que essa imagem permite o ato psíquico de dividir o objeto em
dois, como assassino e salvador, logo, a coexistência ambígua dos opostos fica em conflito.

A respeito desta parte infantil que aparece em decorrência do trauma, Jung (1928/2012)
expõe que quando a psique enfrenta um obstáculo insuportável, dá origem a modos mais
infantis de funcionamento e suas respectivas defesas primitivas. Ele reconhece que esse
movimento regressivo mobiliza uma espécie de proteção psíquica, surgindo assim, fantasias de
caráter grandioso.

Entre as defesas primitivas ativadas pela situação traumática, encontra-se a onipotência


grandiosa, expressa muitas vezes por figuras terríveis que possuem a função de proteção que
podem assumir também a função de atacar o próprio mundo interior vulnerável (Kalsched,
25

2013). Não se trata de um estado inato da psique, mas sim uma ativação do desenvolvimento
precoce e as imagens que o acompanham, como coloca Knox (2003).

Knox (2003) situa que as defesas servem para fragmentar os significados dolorosos das
experiências, tornando-as menos insuportáveis através de processos de dissociação e
compartimentalização. Por outro lado, as defesas também são tentativas de reparação, pois
permitem a construção de novos significados simbólicos e menos angustiantes. Assim, o trauma
se transforma em algo menos ameaçador para o sujeito.

O trauma para a autora é obrigado a distorcer a formação do desenvolvimento psíquico.


Knox (2003), ampliando a noção de defesas arquetípicas, diz existirem dois modelos de defesa:

1. Defesa enquanto trabalho interno, na qual emerge uma fantasia que oferece algum tipo
de ligação entre a experiência e o lado obscuro e caótico da situação traumática;

2. Defesa enquanto ativação de imagens bipolares, contendo uma imagem de Self ora
onipotente e ora desamparado.

Corroborando estes modelos, Kalsched (2013) coloca que as fantasias de onipotência da


criança traumatizada procuram constantemente realizar uma conexão entre a experiência e seus
efeitos, porém o trauma e o processo de dissociação criam fragmentos deixando a experiência
em partes, de modo a dificultar a conexão.

Assim uma falha no desenvolvimento ou um trauma, como coloca Fordham


(1947/1985), impede que o processo de desintegração e reintegração seja consistente. A defesa
arcaica rompe com o funcionamento integrado do arquétipo, deixando as experiências sem
sentido.

Torna-se necessário em um processo psicoterápico a ativação da experiência simbólica,


ou seja, da função transcendente, e não da ab-reação – reconstrução redutora da situação
traumática, como já apontava Jung (1928/2012). A experiência simbólica, logo criativa,
possibilita a dinâmica das imagens arquetípicas até então cindidas entre afeto e experiência.

Através das tensões dos opostos, uma diferenciação é configurada, de um lado a


imaginação que reflete o estado emocional e do outro a realidade construída a partir das
experiências passadas. A função transcendente, enquanto instância mediadora entre as
incompatibilidades da consciência e do inconsciente, fornece por meio da experiência simbólica
o processo de diálogo entre as partes, possibilitando a integração (Jung, 1957/2011).
26

Atribui-se a algumas técnicas e métodos que se podem trazer conteúdos para a


consciência, como: associação de palavras, sonhos, imaginação ativa, desenhos, pinturas e
Sandplay. Assim, a ponte que se cria entre o inconsciente e o ego permite a ampliação da
consciência necessária para que o trabalho do trauma aconteça (Kalff, 1980).

Freedle, Altschul e Freedle (2015) frisam que tratamentos eficazes em situação de


trauma devem enfatizar os processos inconscientes, oferecendo maneiras de acessar simbolica
e sensorialmente para reprocessar a experiência dentro de um contexto livre e relacional.

As autoras dizem que o Sandplay, assim como a arteterapia e outros trabalhos como a
Experiência Somática, são trabalhos psicoterápicos expressivos que têm sido identificados
como a melhor prática de trabalhar o trauma em crianças e adolescentes. Freedle (2012) expõe
que o Sandplay no tratamento do trauma oferece quatro aspectos importantes, são eles:
segurança relacional, processamento multissensorial, expressão simbólica da narrativa do
trauma e facilita a resposta do Self.

Combinando com as colocações de Knox (2003) e Kalsched (2013), Adams (2007)


verifica em sua prática clínica que o Sandplay é uma via de expressão poderosa e que os
cenários iniciais do processo de crianças traumatizadas carregam um estágio primitivo do
desenvolvimento, pois os temas envolvidos são de escuridão e destruição, ao mesmo tempo que
apresentam fecundidade e potencial criativo.

Matta (2015) realizou uma pesquisa com 60 crianças abrigadas por situações de
violências múltiplas e a Terapia do Sandplay. A pesquisadora verificou que este método
proporcionou fortalecimento do ego das crianças, assim como possibilitou a transdução
(tradução dos conteúdos psíquicos) dos complexos. Verificou que os temas relacionados à
ferida psíquica diminuíram após dez sessões ao mesmo tempo em que os temas de cura
aumentaram. A conclusão da autora foi que o processo psicoterapêutico, por meio da
experiência simbólica e a expressão dos sofrimentos, acrescido dos sentimentos transferenciais
e contratransferências da relação terapêutica, foram fatores determinantes para o sucesso do
estudo.

A presente pesquisa teve como objetivo investigar a eficácia do Sandplay no tratamento


do trauma por abuso sexual em uma adolescente. A partir da investigação da eficácia do
instrumento, discutir as vivências traumáticas a partir dos conceitos teóricos e técnicos do
Sandplay, assim como, verificar os parâmetros diagnósticos e prognóstico do cenário inicial.
27

2. MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa que utilizou o método clínico de abordagem junguiana


coligada ao método pré-experimental. A combinação de métodos, segundo Creswell (2010)
permite que cada um revele aspectos da realidade possibilitando uma observação mais ampla
de um determinado contexto e, consequentemente, obtendo resultados mais seguros.

O método clínico, que é uma derivação dos métodos naturalistas, diz respeito a
debruçar-se sobre um fenômeno e de início, observar e descrever (Vizzotto, 2003). A autora
coloca que neste método, o pesquisador não apenas observa e registra detalhadamente os
acontecimentos mas também indagações, uma vez que intervém no fenômeno observado.

Franco e Pinto (2003) colocam o Sandplay como um procedimento qualitativo por


excelência. As autoras colocam que por meio deste método, as características psíquicas podem
ser vistas e descritas de maneira singular e sujeito de transferibilidade. As autoras, citando Silva
(1998), dizem que o conceito de transferibilidade dos resultados diz respeito à possibilidade de
replicação em contextos semelhantes dos procedimentos e resultados obtidos em pesquisa
inicial.

Para que o método clínico fosse utilizado, um estudo de caso se justifica, pois, como
coloca Yin (2015), permite estudar um fenômeno do mundo real, por se tratar de uma
investigação empírica que investiga um caso em profundidade.

Em projetos de pesquisa pré-experimentais, o pesquisador estuda um único indivíduo


ou um único grupo aplicando uma intervenção durante o experimento. Esse modelo de pesquisa,
quando comparado ao método experimental, diferencia-se por não utilizar grupo controle para
comparação como uma pesquisa. Portanto, essa pesquisa faz uso de uma medida de pré-teste,
seguida de um tratamento e, posteriormente, um pós-teste para um único indivíduo/grupo
(Creswell, 2010).

2.1 Participantes

A amostra por conveniência foi composta por um caso único de um adolescente: a) que
tivesse vivido experiências traumáticas por violência física, psicológica ou sexual, negligência
e abandono; b) com idade entre 10 a 12 anos; c) encaminhado ao serviço de Psicologia do
28

Instituto de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC e que se encontrava em lista de espera,


aguardando atendimento.

2.2 Critérios de inclusão

Foi incluída na amostra, adolescente vítima de trauma por violência (física, psicológica
e/ou sexual), negligência e abandono, que atendeu aos critérios estabelecidos no item anterior
relativo aos participantes.

2.3 Critérios de exclusão

Foram excluídos da amostra os adolescentes que não foram compatíveis com os critérios
estabelecidos, participantes que não assinaram ao Termo de Assentimento, além deste aspecto,
também foram excluídos aqueles que estavam em atendimento psiquiátrico e/ou fazendo uso
de medicamentos psiquiátricos. Outro critério que foi considerado diz respeito às faltas durante
a coleta de dados, ou seja, no processo de atendimento foi considerado excluídos após três faltas
consecutivas sem justificativa prévia.

2.4 Local

O estudo foi realizado no Centro de Referência Adolescente Cidadão Esperança, do


Instituto de Hebiatria, do Campus da Faculdade de Medicina do ABC, localizada na cidade de
Santo André no estado de São Paulo. O instituto possui equipe multidisciplinar, contando com
profissionais das áreas de Medicina, Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional,
Fisioterapia e Assistência Social. Tem funcionamento de segunda a sexta-feira e abrange grande
região de Santo André.

O Instituto que também é conhecido como Centro de Referência Adolescente-Cidadão


Esperança, tem a pretensão de ser um centro que ofereça atendimento completo a adolescentes
de 10 a 20 anos, segundo a concepção da Organização Mundial de Saúde (OMS). Outra
finalidade do espaço é também ser um centro de estudos e diretrizes na saúde do adolescente.
29

A pesquisa foi realizada na sala pertencente à equipe de Psicologia, pois se trata de uma
sala ampla, arejada e com espaço para movimento e colocação do material referente à Terapia
de Sandplay.

2.5 Instrumentos

2.5.1 Instrumento de Rastreio para Sintomas de Estresse Pós-traumático


(IRSEPT)

O instrumento foi criado com o objetivo de ser uma triagem breve e de auto relato em
que o indivíduo responde a 17 itens que dizem respeito a sintomas referentes ao transtorno do
estresse pós-traumático. Não é um instrumento de diagnóstico, serve para rastreio e
identificação de sintomatologia traumática a partir do próprio paciente, sendo considerados três
fatores: evitação, revivência e excitabilidade (Kristensen, 2005). Logo, o adolescente tem que
dar uma pontuação de 0 a 10 para as 17 frases, sendo 0 nunca e 10 sempre, o score igual ou
maior que 50 é indicativo de presença de sintomas. O instrumento leva aproximadamente 10
minutos para ser respondido (Anexo A). A validação para a população brasileira foi realizada
por Kristensen (2005).

2.5.2 Sandplay

Os materiais técnicos para realização do Sandplay serão: duas caixas de areia com
tamanho especial de 60 X 40 X 8. O tamanho da caixa foi adaptado à realidade institucional,
neste caso, ambulatorial. Amatruda e Simpson (1997) colocam que as dimensões das caixas
podem e devem ser revistas levando em consideração ao ambiente onde o Sandplay está sendo
aplicado.

Miniaturas agrupadas por categorias conforme apresenta Matta (2015), sendo: pessoas,
habitações, transportes, pedras, natureza (árvores, flores, plantas), objetos desestruturados
(palitos, blocos de madeira, fitas). A participante teve à disposição o mesmo número de
miniaturas descritas no Anexo B.
30

2.6 Procedimentos

2.6.1 Procedimento para coleta de dados

A pesquisa teve início após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da


Universidade Metodista de São Paulo (CEP-Metodista), obtendo parecer no 2.446.474 em 18
de dezembro de 2017 (Anexo C).

Antes do início da pesquisa, houve um levantamento e seleção inicial dos adolescentes


a partir dos prontuários do Instituto de Hebiatria. Foram observados os encaminhamentos feitos
para o Setor de Psicologia com os indicadores de violência, negligência ou abandono. Os
prontuários foram consultados na própria instituição e não foram retirados do local, nem mesmo
reprografados e nem fotografados, garantindo-se assim o sigilo do conteúdo.

Foi feito o convite à adolescente que atendou ao critério de inclusão na amostra.


Entrevista introdutória para conhecimento do pesquisador e do participante a respeito da
pesquisa. Foi apresentado o objetivo e o método da pesquisa para o participante e seu
responsável, assim como foram solicitadas as assinaturas do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo D) e do Termo de Assentimento (Anexo E).

Os dados foram coletados em três fases, sendo:

1ª fase – Pré-teste: Aplicação do IRSEPT no adolescente. A aplicação teve como tempo cerca
de 20 minutos.

2ª fase: O momento do tratamento consistiu em 12 sessões individuais, com frequência


semanal, sendo que cada sessão teve duração média de 40 a 50 minutos. Na primeira sessão
iniciou-se com a apresentação do Sandplay, sendo dito à adolescente: “Aqui você encontra
várias miniaturas e duas caixas de areia, uma com areia seca e uma molhada. Você pode
utilizar com essas miniaturas que estão na sala, para fazer um cenário na caixa que escolher”.
Foi registrado por escrito a expressão verbal e não-verbal da participante. A sessão terminou
quando a adolescente finalizou o cenário, o pesquisados informou sobre o registro fotográfico
do cenário. Após sua saída da sala, o pesquisador/psicólogo fotografou o cenário,
comprometendo-se a assegurar o sigilo da imagem.

3ª fase – Pós-teste: Após as 12 sessões, houve um terceiro no qual foi reaplicado o IRSEPT na
adolescente.
31

2.6.2 Procedimento para análise de dados

O IRSEPT é instrumento que possui normas padronizadas de correção (Kristensen,


2005), assim foi analisado segundo as orientações contidas no artigo de divulgação do
instrumento, seguindo o raciocínio de seu respectivo autor. Os dados obtidos neste instrumento
foram analisados descritivamente na síntese individual do caso constituinte da amostra.

A segunda fase foi uma análise qualitativa e exploratória das representações simbólicas
contidas nos cenários produzidos durante o uso do Sandplay. Cada sessão realizada teve sua
compreensão pautada nas representações simbólicas e no Quadro de referências de Mitchell e
Friedman (2003) (Anexo F), assim como o caso atendido apresenta-se uma síntese final do caso
atendido, que engloba as doze sessões realizadas, neste momento foi possível observar a
psicodinâmica da vivência traumática a partir de dados verbais e aspectos
expressivos/projetivos.

2.7 Riscos e Benefícios

A participante e sua responsável leram e assinaram, consecutivamente o Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo D) e o Termo de Assentimento (Anexo E), que
descrevia a pesquisa e explicava seus objetivos, informava sobre seus benefícios, e esclarecia
o risco oferecido. Também foi informado a participante que ela poderia encerrar sua
participação da pesquisa em qualquer momento que desejasse, ou seja, os aspectos relativos a
pesquisas com seres humanos, de acordo com as Resoluções 466/2012 e 510/2016, ambas do
Conselho Nacional de Saúde, foram adotados. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, parecer no 2.446.474 em 18 de
dezembro de 2017 (Anexo C).
32

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados aqui apresentados estão separados e analisados respeitando o ocorrido em cada


uma das sessões realizadas com a participante. Cada sessão contém uma figura ilustrativa
correspondente do brincar na caixa de areia, que será chamado de cenário, acrescido das
verbalizações da paciente. A análise consistiu em amplificações simbólicas e observações dos
movimentos do brincar. Apresentou-se ao final das doze sessões, a síntese qualitativa e
conclusiva do caso.

3.1 Caso clínico: Margarida1

Margarida, nome fictício dado à paciente para que possamos referencia-la por meio de
um símbolo. Neste caso, o nome atribuído vem do latim margarita, cujo significado é “pérola”.
Pesquisando outras histórias a respeito da margarida flor, nota-se que o nome dado a ela seria
por conta do movimento que faz ao longo do dia, a flor se fecha durante a noite e abre-se quando
o sol nasce. É apontada pelos botânicos como uma flor frágil, mas com capacidade de se adaptar
a diferentes tipos de solo (Pereira & Putzke, 2010; Chevalier & Gheerbrant, 2015).

Em seus aspectos históricos, a flor era utilizada como presente às donzelas, e até hoje
simboliza juventude, simplicidade e inocência. Acrescentando a isso, a flor nos remete a uma
brincadeira na infância, “bem-me-quer, mal-me-quer”. Assim, a participante foi se
apresentando no processo psicoterapêutico, Margarida, garota de aparência frágil, porém com
um potencial a ser desenvolvido.

Margarida, na ocasião da primeira sessão tinha 10 anos de idade e, ao longo das demais
sessões, fez aniversário. Compareceu encaminhada pelo médico hebiatra, sendo que em seu
prontuário constava o “Histórico de violência sexual com repercussão emocional”. A impressão
do pesquisador sobre a paciente em seu primeiro encontro foi a de uma menina frágil, de choro
fácil e introvertida. Observou-se que manteve pouco contato visual e quase não falou.

Por ocasião dos atendimentos, residia com os avós maternos, um irmão mais novo (três
anos), sua mãe e uma tia. Afirmou que gostava de todos eles, que não conheceu o pai e disse
não sentir sua falta. Conviveu por quatro anos com o padrasto, pai de seu irmão e comenta sentir

1
Nome fictício para preservar a identidade da participante, conforme exigência ética.
33

sua falta, apesar dele, neste momento, estar recluso pelo envolvimento na situação de abuso da
paciente.

Alguns aspectos históricos merecem destaque para compreensão do caso. Margarida


não conheceu o pai, diz que morreu quando estava na barriga de sua mãe, porém a mãe, em um
momento propício, relatou ao pesquisador que, na verdade, o pai está vivo, mas nunca desejou
saber a respeito da existência de Margarida. Morou desde pequena, até seus cinco anos, com os
avós maternos, após isso, foi morar com a mãe e seu novo padrasto em outro Estado, ficaram
lá por três anos aproximadamente, passaram necessidades e foi nesse contexto que a situação
de abuso aconteceu.

Começou a apresentar alguns “comportamentos estranhos” (sic) e a mãe relatou que


Margarida não queria ficar perto do padrasto, foi quando a paciente contou à mãe que ele “mexia
com ela e com sua prima”, após os trâmites legais a respeito da violência sofrida, retornaram a
morar na casa dos avós maternos, onde estão até o momento da realização deste estudo.

A mãe sofre de depressão e estava desempregada na ocasião dos atendimentos, realizava


alguns serviços esporádicos quando apareciam. Margarida contou ao pesquisador que, às vezes,
acordava triste e desanimada, com raiva, “dormindo para a vida” (termo que ela usou para
definir - dormir para sempre), disse que eram poucos os momentos que acordava feliz.

Além da situação de abuso sexual, o médico hebiatra, em seu encaminhamento, apontou


outras duas questões ligadas à saúde de Margarida, registrando que ela apresentava dermatite
atópica e bronquite grave. Segundo Dahlke (2000), a dermatite é uma inflamação da pele, na
busca de uma relação simbólica, a pele diz respeito à fronteira de contato, da relação eu - não
eu, o que emerge da situação de abuso parece ficar evidente pela manifestação do conflito na
pele, houve uma invasão na fronteira e o sintoma apareceu enquanto símbolo dessa ocorrência.

Ainda de acordo com o referido autor, a bronquite, como descrita pelo hebiatra é
também de uma inflamação, neste caso, na mucosa e nos brônquios. Diz respeito a conflitos
nas vias de contato, obstrução no sentido de comunicação, relações estas que também podemos
relacionar com a situação de abuso (Dahlke, 2000).

Olhar os sintomas apresentados por Margarida remete à ideia apresentada por Ramos
(2006) de como o corpo carrega os símbolos produzidos pela psique. A autora, em seus estudos
em psicossomática, diz que se houver a possibilidade de compreender os sintomas enquanto
símbolo, isso permitirá verificar a expressão do fenômeno psique-corpo, assim, o símbolo
apontará sempre para uma disfunção que precisa de atenção.
34

Os sintomas apresentados por Margarida, não são vias de regra e nem mesmo indicativos
diretos de abuso sexual, entretanto, refletindo as consequências de uma situação traumática,
podemos afirmar que foi por meio destes que a paciente pode comunicar suas experiências
dolorosas.

3.2 Descrição e Análise dos Cenários

A sala de atendimento continha duas caixas de areia ao centro, sendo uma com areia
molhada e outra com areia seca, disponíveis para que a paciente escolhesse qual utilizar. As
miniaturas oferecidas se encontravam em pequenas bandejas de fácil visualização. Os cenários
aqui apresentados surgiram após o término de cada sessão. A figura apresentada permite
visualizar a fotografia retratando a imagem final do cenário, elaborado conforme a escolha da
paciente.

3.2.1 Primeira sessão

Figura 1 - Primeiro cenário de Margarida

O material foi apresentado a Margarida, que permaneceu quieta e observou todos os


elementos dispostos na sala. Olhou a caixa com areia molhada, contudo, voltou-se para a caixa
de areia seca e colocou uma das mãos na areia, mostrando-se ainda tímida, deixando somente
35

um dedo encostar no material. Ao seu lado estavam as miniaturas e, então, iniciou a montagem
de seu primeiro cenário (Fig. 1).

Escolheu as miniaturas uma a uma e foi colocando-as cuidadosamente na areia, esse


movimento pode ser notado pelas inúmeras marcas deixadas na areia. Para o pesquisador, a
sensação de estar calma e entretida com a atividade foi contundente, tendo permanecido em
silêncio durante toda sessão. Após finalizar seu cenário, mostra-se contemplativa com o
resultado e sinaliza que terminou.

Margarida deu ao cenário o nome de “A fazenda”, dizendo que estava pensando em


fazer uma, pois é um lugar para relaxar e descansar, diz também que é um lugar para cuidar das
plantas e dos animais. Colocou em seu cenário: seis pessoas, vinte e uma árvores e plantas,
cercas, uma poltrona, cinco pedras, três pássaros, um galo, uma vaca, um burro, dois cavalos,
uma casa, três blocos e uma bola. Pode-se destacar que as pessoas estão sem movimento,
sentadas, dentro das cercas ou encostadas na lateral da caixa. Identifica-se também que há falta
de interação entre as figuras humanas.

Trata-se de um cenário com pouco movimento, apesar da configuração colorida e com


presença dos quatro elementos (mineral, vegetal, animal e humano), dados esses que apontam,
segundo Turner (2005), um bom prognóstico. A autora diz que um bom prognóstico no cenário
inicial é a presença mínima de possibilidade de movimento e presença de vegetação, assim o
espaço livre da caixa oferece a ideia de ação, deslocamento e locomoção dos objetos.

Ainda assim, a presença de cercas delimitando um campo onde pessoas e animais


permanecem juntos, pode ser indicador de trauma psíquico, pois, de uma maneira geral, a
presença de animais em imagens de pessoas que vivenciaram situações traumáticas, aponta
Jung (1957/2011), pode representar aspectos não humanos da psique, com isso, o autor quer
dizer que animais sob um ponto de vista simbólico representam aspectos instintuais e primitivos
da personalidade.

Cercas podem ser utilizadas para espaços que ainda precisam ser integrados, de acordo
com McNally (2012), o que indicaria que Margarida ainda não apresenta força egoica suficiente
para integrar tal material, sendo assim, as cercas podem funcionar como defesa. Animais e
pessoas, instintos e aspectos cotidianos, ainda não interagem e, como coloca Dundas (1978),
são aspectos ameaçadores do inconsciente que ainda não podem ser enfrentados ou assimilados;
exatamente por estes aspectos estarem cercados, demonstram ser fragmentos da história da
paciente que não estão disponíveis para o trabalho psíquico.
36

Outras figuras humanas, em especial as duas figuras femininas, que podem ser
observadas na Figura 1, encontram-se em posições passivas, uma de costas para o restante do
cenário, enquanto a outra está sentada. Figuras que passam a ideia de estarem negando o que se
passa no cenário, assim sugerindo não ter o movimento necessário para transitar de maneira
saudável pelo espaço da caixa.

A presença de aves se constitui outro destaque desse cenário (Fig.1) e a presença do


galo, que aparentemente funciona como guarda das cercas. Segundo Chevalier e Gheerbrant
(2015), o galo é um símbolo solar, pois seu canto anuncia o nascimento do sol, mas carrega em
si outros aspectos relevantes, como símbolo de tempo, de origem histórica como encarnação
dos aspectos interiores e psíquicos. Kalsched (2013) coloca que em situações de trauma a psique
normalmente se protege com o aparecimento de uma figura daimônica, neste sentido, o galo
pode ter aparecido como um símbolo que avisa a respeito do perigo de entrar em contato com
os elementos traumáticos inconscientes da psique.

Ademais, os outros pássaros presentes no cenário apontam para aspectos transcendentes


de bondade e alegria, podem personificar aspectos bons e maus, segundo os referenciais de
análise apresentados por McNally (2012). Na vivência do trauma, uma das defesas mais
utilizadas de acordo com Knox (2003) é a cisão do afeto, assim como os pássaros carregam em
si os polos bom e mau.

Observando a utilização do espaço delimitado da caixa, nota-se que o centro está vazio
(Fig. 1). Ammann (2002) expõe que em sua experiência na utilização do Sandplay, o centro da
caixa está ligado ao Self, Ego e personalidade, noção essa que, no caso de Margarida, aparece
empobrecida. Levando em consideração os lados da caixa, a citada autora discute que o lado
direito da caixa é representativo da consciência, indicando fragmentos, necessidade de cuidado
e pouco espaço para que a energia psíquica atue.

Segundo o Quadro de Referência de Mitchell e Friedman (2003), os temas que sugerem


feridas psíquicas expressos no cenário são: separação, confinamento e ameaça. Já o tema de
cura presente é: energia.
37

3.2.2. Segunda sessão

Figura 2 - Segundo cenário de Margarida

Na segunda sessão Margarida se mostrava familiarizada com o material, começou a


montar um cenário diferente da figura 1. Inicialmente, colocou uma ponte ao centro do cenário,
miniatura essa que poderia indicar uma conexão, ou ao menos, uma possível conexão, ligação
dos pólos já apresentados no primeiro cenário (Fig. 1), nos ambientes separados pelas cercas,
como apontam Bradway e McCoard (1997). Após observar seu próprio cenário, Margarida
retirou a ponte e começou a montar o que seria seu cenário representado na figura acima (Fig.
2).

A retirada da ponte pode indicar que a integração ainda é prematura. Deste modo,
Margarida por enquanto, não parece estar pronta para fazer conexões. É importante observar as
construções dos cenários de uma maneira geral, os movimentos de “por e tirar”, pois, podem
funcionar como atos falhos da consciência, como neste cenário específico (Amatruda &
Simpson, 1997). Este dado mostra que, apesar da paciente ainda não estar pronta para fazer
conexões, internamente identifica-se um potencial para realizá-la, assim apresentando, mais
uma vez, a ideia de um bom prognóstico.

Ao montar seu cenário, Margarida trabalhou intensamente no lado esquerdo da caixa.


Escondeu todas as pedras cuidadosamente e, a medida que contava uma história, ia revelando
essas pedras. A respeito deste movimento de esconder e mostrar, Amatruda e Simpson (1997)
38

dizem que crianças, ao fazerem esse movimento, normalmente querem nos mostrar que algum
conteúdo inconsciente precisa vir à superfície.

Complementar a isso, Raftopoulos (2015) escreve um artigo sobre o uso de pedras e


joias, sugerindo que pedras são formações que surgem da colisão da terra, paralelo que se pode
fazer com a tensão dos opostos, que pode oferecer crescimento psicológico. Assim, são
consideradas partes inconscientes que a pessoa considera preciosas. Com relação ao trauma,
autora expõe que pedra escondida em cenários iniciais, podem simbolizar inocência,
integralidade, o corpo e senso de segurança, ideias que, no caso de Margarida, ficam
comprometidas pela situação traumática. Temas esses que estavam, até então, enterrados e
puderam começar a emergir no espaço livre e protegido representado pelo Sandplay. Logo,
podendo representar o potencial inconsciente de cura sendo mobilizado.

Ao finalizar o cenário, Margarida conta a seguinte história:

“Era uma vez uma família que era muito pobre, eles tinham
bastante doces, pois a mãe vendia bolo para arrecadar dinheiro.
Um dia o menino (filho) foi jogar bola e descobriu pedras
preciosas no quintal e correu para contar para sua mãe”.

Relacionando o cenário com a história contada, observa-se que a divisão (cisão do afeto,
causado pelo trauma) parece mais evidente e exacerbada, assim a dualidade parece ficar clara,
não apenas pelo fato do cenário estar divido em dois ambientes, mas também pelas
verbalizações feitas apresentarem duas histórias que não se conectam. Os lados do cenário
podem ser compreendidos como inconsciente X consciente, levando em consideração as
proposições de Ammann (2002) e Furth (2004).

O lado esquerdo do cenário apresenta: duas figuras adultas, uma criança, alimentos
espalhados, um sofá e uma poltrona e à frente deles, uma televisão (Fig.2). Configuração que
poderia indicar uma família nutritiva e com boa interação, porém chama a atenção que a criança
olha para a figura masculina e está de costas para a figura feminina. Novamente, como no
primeiro cenário (Fig.1), a mesma miniatura de mulher é colocada como se não estivesse
interessada no que está acontecendo no restante do cenário, pode-se inferir aqui o quanto existe
na vida de Margarida uma imagem feminina que não se importa ou nega os fatos que vão
acontecendo.

No outro lado do cenário, temos quatro figuras masculinas, pedras, dois coqueiros e um
dado. O arranjo dos “meninos”, todos de costas, em frente a uma bola, mesmo que na história
39

apareça apenas um menino jogando bola. Ammann (2002) chama a atenção a respeito dos
símbolos duplicados, neste caso, o número quatro é o que se destaca.

Turner (2005) diz que este número traz ordem ao caos, o mundo material é ordenado
pelos quatro pontos cardeais, o tempo é ordenado pelas quatro estações e traz a forma do
quadrado, que oferece o sentido de base. Ideia essa que corrobora os aspectos simbólicos da
pedra, já explorados acima, de que já há o movimento que Weinrib (1993) chama de regressão
criativa, a energia psíquica se dirige para o inconsciente para depois emergir de forma
transformada.

A figura masculina, evidente neste cenário, se relaciona com o processo simbólico a ser
realizado, ora visto como perigo e ora como figura de apego. A dualidade de sentimentos a
respeito desta figura é notória, é aquele que além do acolhimento paterno, oferece regra,
princípios e organização, em outro momento se quer interage. Resultando em ligações mais
conscientes como: a figura masculina é a que abusa, mas também é a que cuida.

Paralelo a essa questão do masculino, com o processo terapêutico, no qual o terapeuta


(no caso, o pesquisador) é uma figura masculina, é possível que Margarida vivencie algo
diferente já que dentro de um processo terapêutico se pode oferecer constância, favorecendo,
através desse universo simbólico, a solução para a dualidade apresentada.

Nesta sessão, Margarida pede para contar um sonho. Para Kalff (1980), os sonhos e os
cenários na caixa de areia são praticamente as maneiras mais eficazes de acessar o inconsciente
do paciente, e como o brincar simbólico no Sandplay, pode favorecer o sonhar por se tratar
também de imagens, o sonho da paciente se constituiu em um importante recurso para
compreensão do processo que está sendo vivido.

“Estava indo na casa da minha madrinha que é do outro lado da


rua, quando cheguei lá, ela tinha uma irmã gêmea. Do nada
minha avó apareceu e também tinha uma irmã gêmea. Do nada
elas viraram zumbis, as quatro e vieram para cima de mim. Eu
sai correndo e acordei quando comecei a bater na porte de casa”.

O pesquisador questiona o que sente a respeito de sua madrinha e sua avó, sendo que
Margarida diz que são as pessoas que mais confia. O primeiro indicativo do sonho, então, diz
o quanto perigoso é confiar nas pessoas mais próximas, confiabilidade é uma das coisas mais
comprometidas nas situações traumáticas. É possível fazer um paralelo com a maneira se
comporta atualmente, enxergando as situações sempre como perigosas, sentindo que sempre
40

está sendo perseguida e comportando-se de forme que foge das situações que “podem” repetir
o trauma.

Jung (1928/2012) diz que sonhos traumáticos estão sempre acompanhados por figuras
de animais perigosos ou monstros, zumbis, mortos vivos, símbolos de um espírito maligno que
anda vagando e assustando pessoas. Relação essa com a figura daimônica de Kalsched (2013),
que aterroriza o mundo interno da pessoa ao mesmo tempo em que a protege de contatar
situações que reproduzam o trauma.

Além da duplicação das pessoas durante o sonho, chama a atenção novamente o número
quatro, citado inclusive pela paciente. O sonho, enquanto linguagem universal do inconsciente,
parece também comunicar que a ordenação do caos está em processo/ em andamento, trazendo
os conteúdos da psique que já estão “mortos” mas ainda parecem exercer alguma influência em
seu funcionamento.

Levando em consideração o cenário e o sonho, de acordo com o Quadro de Referência


de Mitchell e Friedman (2003), os temas de ferida psíquica são: divisão, caos, ameaça e
ocultamento, enquanto os temas de cura são: união, energização e aprofundamento.

3.2.3. Terceira sessão

Figura 3 - Terceiro cenário de Margarida

Na terceira sessão, Margarida faz um cenário e o intitula de “O parque”. Conta ao


pesquisador que ficou pensando no que ia montar durante a semana (referindo-se ao cenário na
41

caixa de areia). A adolescente, que até então se mostrava excessivamente apática a qualquer
estimulação do ambiente, nesta sessão demonstra ao contrário. Até a segunda sessão,
independente da temperatura do ambiente, vinha vestida com um blusão cor de rosa com capuz,
entretanto, neste encontro, compareceu sem o blusão e pareceu mais disposta a conversar e
interagir durante a sessão.

Neste cenário utilizou nove figuras femininas, sete figuras masculinas, três pássaros e
três tartarugas, um pato, plantas, uma bola e pedras azuis (Fig. 3). No centro do cenário tem um
lago, Bradway (2001) coloca que o simbolismo do lago está ligado ao oculto e misterioso, sendo
que o lago está estritamente ligado à psique do ser humano. Diz respeito a tudo que está em um
nível espacialmente mais baixo, o que se pode compreender como o inconsciente. Um ponto
importante que se relaciona com a história de Margarida é que a superfície do lago funciona
como um espelho, no sentido de autocontemplação, consciência e revelação.

O lago, enquanto possibilidade de desvelar conteúdos, complementa com a


representação simbólica do pato e das tartarugas que estão saindo do lago. As tartarugas
apareceram na década de 90 como animais capazes de auxiliar no salvamento de pessoas que
estavam se afogando. Assim, Kalff (1980) coloca que o animal carrega em si o símbolo de união
dos opostos, a imagem do masculino (cabeça) e do feminino (o casco, no sentido de continência,
útero). Já Bradway e McCoard (1997) apontam a tartaruga como uma imagem de ajuda.

As autoras analisam as tartarugas do ponto de vista biológico e discorrem a respeito


desse animal ser o único que sobrevive sem ao menos ter visto a mãe, pois a mãe abandona seus
ovos antes de nascerem os filhotes. Assim, para as autoras, pode ser também símbolo de
abandono materno. Mas, além desse símbolo, as tartarugas, em tempos de perigo, podem
simplesmente se guardarem dentro de seu próprio casco, portanto, também pode ser símbolo de
proteção. Ambos os aspectos podem ser articulados a história de Margarida.

O abandono materno não é um tema tão claro, porém pode-se pensar que uma mãe
depressiva, conforme informado, não pode oferecer os cuidados básicos que Margarida possa
precisar e, além disso, os elementos de suporte para enfrentar a situação de violência também
podem vir no ambiente familiar, assim a figura materna não parece estar disponível para
executar tais funções. Frente a essa questão de abandono, o movimento que uma tartaruga faz
de fechar-se no casco para se proteger, parece ser o movimento que Margarida faz para se
proteger de seus próprios conteúdo.
42

O pato, uma ave que muitas vezes está associada à tolice e ao engano, porém na cultura
americana, era utilizado como um guia seguro, pois estava à vontade tanto na água quanto no
céu (Chevalier & Gheerbrant, 2015). Assim, os movimentos que vem acontecendo nos outros
cenários analisados (Fig. 1 e Fig. 2) indicavam a mobilização de energia do inconsciente, que
parecem vir à consciência com a revelação desses animais de guia e proteção, que podem
mostrar o caminho para a possibilidade de cura.

O número três aparece em dois agrupamentos, os pássaros e as tartarugas. Segundo


Turner (2005), é um número que abarca passado, presente e futuro, diz respeito ao movimento
e ao dinamismo, hipótese esta que vai sendo confirmada ao olhar as configurações dos cenários
(Fig. 1, 2 e 3), as cercas e os seres humanos começam a ganhar movimentos e ocuparem espaços
diferentes.

Os polos continuam a aparecer, não só nas imagens acima exploradas, mas também na
configuração dos dois grupos de pessoas, as meninas no piquenique e os meninos jogando
futebol. Apesar das polaridades, os grupos entre si já denotam boa interação, elas comem e eles
jogam. Mas, ainda não existe uma integração da figura masculina e da feminina.

Margarida conta a seguinte história sobre seu cenário:

“Hoje eu fiz um parque. Tem meninas fazendo piquenique


enquanto os meninos estão jogando futebol. Tem um lago, usei as
pedras azuis como água e deste lago, saem três tartarugas e
pássaros perto das árvores porque sem isso não é parque. Tentei
fazer igual uma redação que eu escrevi no terceiro ano do
fundamental”.

Aproveitar o parque, se divertir já parece como uma possibilidade viável.

Novamente traz um sonho:

“Tinha um menino na rua, seu cachorro se transformou em


lobisomem, o menino saiu correndo e entrou em um açougue, aí
apareceu um lobisomem bom e matou o cachorro mal e ficou tudo
bem”.

Diz que lobisomem é perigoso, novamente o sonho reensaia uma situação traumática.
A figura monstruosa que personifica o trauma, como coloca Jung (1928/2012), continua a
aparecer. Porém, de uma forma diferente, o desfecho da história muda quando um “lobisomem
43

do bem” aparece e resolve a situação. O surgimento do outro polo coincide com a mudança de
postura a respeito do trauma e da vida de uma maneira em geral, como compartilhado no início
quando do relato sobre a percepção do pesquisador sobre a paciente.

Como sugere o Quadro de Referências (Mitchell & Friedman, 2003), o tema de ferida
psíquica presente é o de divisão, sendo os temas de cura: viagem, energização, aprofundamento
e centralização.

3.2.4. Quarta sessão

Figura 4 - Quarto cenário de Margarida

Nesta sessão, Margarida foi direto trabalhar na caixa de areia, não quis conversar e
permaneceu praticamente todo o tempo da sessão montando e remontando o cenário. Informa
ao pesquisador que montou algo que ficou imaginando na noite anterior, gostaria de ter montado
uma cidade, mas olhando as miniaturas, decidiu fazer um zoológico. Atribuiu ao cenário o título
de “O zoológico”.

No Sandplay, a expressão acontece através de imagens, há silêncio, mas há uma relação


visual. Existe a relação com as figuras que aparecem na areia e há a relação visual entre o
terapeuta e o paciente, o que cria outro tipo de relação terapêutica. O terapeuta de Sandplay não
44

está ausente, estar presente dessa maneira requer mais do que apenas falar (Bradway, Chambers,
& Chiaia, 2005).

Considerando-se tais apontamentos, a quarta sessão foi pautada pelo silêncio, pouca
verbalização foi feita durante o tempo no qual estavam juntos, terapeuta e paciente. Trata-se de
um cenário que trouxe um movimento regressivo importante (Fig. 4). Para Jung (1928/2002),
a regressão seria o movimento da energia psíquica em direção ao inconsciente para atender as
demandas internas, ou seja, talvez para colocar ordem ao caos. Por energia psíquica, entende-
se que, além da libido freudiana, encontra-se a necessidade de autopreservação, fome e inserção
social, como combustíveis dessa energia (Jung 1928/2013).

Assim, nos deparamos com animais e pessoas juntas novamente, porém, de maneira
diferente, os humanos agora observam os animais, mas não estão aprisionados com eles. Os
instintos aparecem de maneira mais organizada, cercados e estão os humanos no controle.

Alguns aspectos estão conservados e se mantém de um cenário a outro. Ainda há um


grupo de meninas no piquenique (Fig. 3) e o lago com o pato e as tartarugas (Fig. 3). Dois
elementos novos aparecem na caixa de areia, as conchas e os carros.

As conchas presentes no cenário, são formações primitivas, têm em sua composição


uma mistura orgânica e funciona como carapaças protetoras dos moluscos. Logo, as conchas
tem o aspecto protetivo, assim como as tartarugas. Porém, oferecem um aspecto do feminino
significativo que, segundo Chevalier e Bheerbrant (2015) diz respeito ao simbolismo da
fecundidade, pois trazem a lenda do nascimento de Afrodite – deusa do amor, da beleza e da
sexualidade, na religião grega – saída de uma concha, confirmando o simbolismo.

Igualmente, morte e prosperidade também são significados que a concha abarca. Assim,
o conteúdo que a concha protege a pérola, traz prosperidade, mas é da morte de seu ocupante
primitivo que se forma o conteúdo. Desse modo, o elemento feminino da concha e os símbolos
do lago, pato e tartarugas, podem demonstrar as potencialidades de Margarida.

Os carros funcionam como impulsos que precisam do controle do ego, como lembra
Bradway (2001) não são equivalentes ao ego. Logo, os carros, arrumados em fileira, não
impedidos de andar, parecem estar organizados e controlados. Em uma visão complementar a
esta, McNully (2012) afirma que os carros oferecem mobilidade e poder e podem ser vistos
como indicadores da força do Ego. Há um fortalecimento egoico de Margarida, os impulsos
estão contidos e disponíveis para utilização a serviço da cura psicológica.
45

Segundo o Quadro de Referências (Mitchell & Friedman, 2003), os temas de ferida


psíquica são: caos e divisão, ao mesmo tempo em que os temas de cura são: viagem, energização
e aprofundamento.

3.2.5. Quinta sessão

Figura 5 - Quinto cenário de Margarida

Demonstrando bom humor, a participante paciente começa a montar o cenário, coloca


ao redor da caixa os coqueiros, quatro pedras nos quatro cantos e organiza o que seria seu jogo
de futebol (Fig. 5). Conta que pensou no dia anterior o que ia montar e veio com o desejo de
montar o jogo. O nome atribuído ao seu cenário é “O grande jogo”.

Novamente o número quatro pode ser destacado, as pedras, os aspectos preciosos da


paciente, agora aparecem nos quatro cantos e ocupam função de estruturante, trazendo ordem
ao caos, como por exemplo, o cenário anterior (Fig. 4).

O mundo masculino se apresenta explícito agora, pois, o masculino, ou animus, é


responsável pela direção, discriminação, adaptação do indivíduo à sociedade, ao
desenvolvimento. Por isso, está associado ao raciocínio lógico e à praticidade. Logos é princípio
que busca o diferente, movido pelo anseio de descobrir o novo e a criação (Jung, 1928/2012).
46

Forças racionais são mobilizadas por Margarida para lidar com o trauma, sendo que,
para isso, há necessidade desse mundo ser aumentado e potente para que possa se nutrir destes
aspectos.

A posição das miniaturas, nove figuras masculinas viradas para a direita, pode indicar
um movimento de inconsciente para o consciente, sinalizando que a energia psíquica que ora
precisou regredir para mobilizar conteúdos, agora pode ir em direção à consciência, oferecendo
o que é necessário para o enfrentamento (Turner, 2005).

Segundo o Quadro de Referências de Mitchell e Friedman (2003), neste cenário não há


indicativos de ferida psíquica neste cenário. Os temas de cura presentes são: energização e
integração.

3.2.6. Sexta sessão

Figura 6 - Sexto cenário de Margarida

Margarida optou por usar a caixa de areia molhada, sendo que trabalhou ao longo da
sessão mantendo-se em silêncio. Afasta a areia da lateral direita e bate na areia para uniformizá-
la. Coloca as plantas e foi completando o cenário tranquilamente. Diz que não quer contar
nenhuma história, e coloca o nome do cenário de “A praia”.
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Turner (2005) atenta para que se olhe as interações entre as figuras humanas, em
especial a interação masculino e feminino. Neste cenário, pela primeira vez homens e mulheres
convivem de maneira integrada. Anteriormente havia o grupo das meninas e dos meninos (Fig.
2), sem comunicação alguma, agora já é possível olhar o masculino e aproximar os dois
mundos. É possível que seja um encontro, em um espaço livre e protegido, em que possa haver
uma comunicação entre as figuras e, assim, reparar o lado negativo, até então, carregado a
respeito da figura masculina.

As três aves, as três tartarugas, pessoas e conchas dão a impressão que estruturam uma
forma mandálica. Weinrib (1993) coloca que é uma imagem universal arquetípica, que entre as
formas, tem-se um círculo. É um símbolo do Self, que traz ordem e integração. Normalmente
aparece em produções de pacientes em períodos de reorientação psíquica.

De acordo com o Quadro de Referências de Mitchell e Friedman (2003), não há temas


que indicam feridas psíquicas, e os temas de cura que estão presentes no cenário são:
energização, centralização e integração.

3.2.7. Sétima sessão

Figura 7 - Sétimo cenário de Margarida


48

A participante elaborou esse cenário de uma maneira determinada, como se já soubesse


o que queria fazer, apesar de ter contado ao pesquisador que não sabia o que fazer. Chama o
cenário de “Um dia na escola”. E conta a seguinte história:

Minha escola não é assim, lá tem uns quarenta alunos. Não tinha
nada para colocar em cima da mesa, então coloquei umas
comidinhas. No fundo fiz um espaço de recreação sabe, tem a
bola e uns brinquedos. Gostaria que a escola desse comida.

A escola, instituição que pode oferecer educação formal e aprendizagem, também é um


lugar de convívio social, convívio com pessoas da mesma idade, sob supervisão de um adulto.
Existe uma questão de cuidado envolvida na escola, de assistência e de nutrição – não de
alimento, mas de saber e conhecimento. Neste contexto, podemos inferir que a escola é
simbólico da terapia e o cuidado da escola é o papel executado pelo terapeuta.

O alimento ou comida pode simbolizar a necessidade da criança de cuidado emocional,


ou ainda, a necessidade de sobrevivência. Observa-se, então, a confirmação da escola enquanto
um local que possa oferecer os cuidados necessários nesse momento de Margarida. Além da
escola, também o setting terapêutico intermediado pelo Sandplay, oferece ambiente para que
essa nutrição aconteça.

O baú, os brinquedos e as pedras podem simbolizar a possibilidade de recuperar a


infância, de voltar a ser criança e poder brincar, possibilidade de juntar os brinquedos e as
pedras preciosas e ainda assim levar um baú com as experiências passadas.

A necessidade de aprender e se desenvolver aparecem, neste cenário, extremamente


saudável nesta etapa do processo.

Identifica-se um tema de cura do Quadro de Referência de Mitchell e Friedman (2003),


qual seja, a integração.
49

3.2.8 Oitava sessão

Figura 8 - Oitavo cenário de Margarida

De uma maneira descontraída, enquanto montava o cenário, Margarida conta ao


pesquisador como já não planeja o cenário um dia antes, como vinha fazendo até então. O
comportamento de Margarida ao fazer o cenário, de fato, mostra-se diferente. Ficou por muito
tempo olhando as miniaturas, até que começa a dar forma ao seu cenário, diferente das outras
sessões, nas quais enquanto trabalhava na caixa de areia, conversava o tempo todo.

Conta como gosta da escola, apesar de estar sem alguns professores e ter muitas aulas
vagas. Diz como se organiza para fazer os trabalhos em grupo, seu trabalho preferido é fazer
maquete, conta com detalhes a última que fez e como o grupo agiu. Fala que a família é bastante
unida, mas com pouca interação, não conversam sobre a novela e tem um vizinho chato que
desce às vezes para brincar com ela e seu irmão. Fica em silêncio por um tempo, pois estava
montando a parte inferior esquerda do cenário, olha para o pesquisador e diz: “Já não choro
mais como antes, na verdade já não acontece há algum tempo”.

Apesar de conversar muito durante a sessão, opta por não contar nenhuma história sobre
o cenário, mas chama-o de “O grande castelo”. McNally (2012) aponta o castelo como um
símbolo para o Self, por estar ligado à força e vontade do Ego. O símbolo parece trazer o lado
masculino de realização, autoridade, poder, soberania e respeito.

O lar de reis e rainhas, que inclusive no cenário aparecem à frente do castelo (Fig. 8),
representa segundo Bradway (2001) ordem governamental arcaica ou autoridade parental que
precisa ser derrubada pelo indivíduo para que se estabeleça sua própria autoridade, trata-se
então do processo de separação e individuação.
50

O castelo, de acordo com McNally (2012), serve de proteção contra invasores e é


caracterizado por fortes defesas. O trauma é uma situação que mobiliza as defesas e ordens mais
arcaicas da personalidade do indivíduo, exatamente para que haja a sobrevivência psíquica,
porém o processo de individuação fica travado até que a pessoa tenha capacidade de flexibilizá-
las e retomar o fluxo de criatividade que impulsiona a energia psíquica à totalidade.

Margarida trabalhou praticamente no lado esquerdo da caixa, deu forma a dois


ambientes, sendo que em um deles novamente há uma família na frente da televisão, assim
como conta de sua família e da interação entre eles durante a novela (Fig. 8). Diferente da outra
família retratada no segundo cenário, essa parece ter seus membros voltados para o mesmo foco
e rodeados de pedras, ou seja, coisas boas.

Considerando-se o espaço da caixa de areia, no quadrante esquerdo inferior, Ammann


(2002) o coloca como local onde os impulsos da natureza criativa podem aparecer, local de
surgimento dos novos impulsos, que pode-se entender como o “por vir”, tem um bebê no berço,
uma pessoa adulta em posição de cuidadora e bastante alimento ao lado.

Acredita-se que alguns aspectos estão relacionados ao acolhimento e a nutrição da


relação terapêutica, pois, testemunhar é estar presente e sem julgamento com o paciente para
que seja criado um ambiente seguro. Observar o cenário através dos olhos do paciente, sentar-
se perto, mas não em frente, seguir seu silêncio, silenciando o pesquisador. Espelhar estabelece
uma relação inconsciente, a pessoa que é espelhada é conhecida, vista e aceita. Estar
empaticamente com Margarida, testemunha-la é curativo por si só, função da relação
transferencial, e isso como colocam Amatruda e Simpson (1997), é o coração do Sandplay.

Weinrib (1993) diz que um dos objetivos deste método é reconstruir a imagem materna.
Para a autora, quando não ocorre contato suficiente com os pais, a imagem da mãe fica
comprometida e acaba não desempenhando a função protetora e nutridora, a imagem interna
danificada impedindo que haja um desenvolvimento da personalidade. Assim, o Sandplay,
como mostra esse cenário (Fig. 9) permitiu a reconstrução metafórica da unidade mãe-filho,
facilitando a restauração do funcionamento normal do sistema psíquico.

Segundo Mitchell e Friedman (2003), o Quadro de Referências indica o tema de ferida


psíquica (divisão) e os temas de cura são energização e nascimento.

3.2.9. Nona sessão


51

Figura 9 - Nono cenário de Margarida

Margarida manteve-se vinte minutos em silêncio, como um movimento introspectivo,


parecendo refletir a respeito de suas experiências, um momento ainda mais íntimo de contato
consigo própria. Enquanto montava o cenário, falava sobre suas férias e sobre como gosta de
brincar com sua prima e seu irmão, crianças mais novas.

Chama seu cenário de “A fazenda 2”. Seria um reensaio do primeiro cenário (Fig.1),
porém, acrescido de alguns outros conteúdos. O contado do humano com o animal já não parece
mais aprisionado como ocorria nos cenários anteriores, as cercas se abrem. A cerca enquanto
simbologia de defesa, se flexibiliza, denotando sinais de uma ideia de cura, de convivência mais
presente.

As figuras masculinas e femininas podem transitar pelo cenário em harmonia, não há


ameaça. As crianças agora contam com um adulto, podendo representar a ideia de um cuidador,
que lhes oferece proteção e segurança. Há uma possibilidade lúdica no cenário, o menino com
bola pode brincar, enquanto as outras crianças podem visitar os animais e mesmo assim,
sentirem-se seguras.

O galo, que antes guardava nas cercas, aparece agora mais observando do que
impedindo a passagem. Os pássaros continuam espalhados, o lago continua trazendo vida e
movimento para o cenário.

Relacionando-se o cenário construído por Margarida às reflexões apresentadas por


Bradway e McCoard (1997), é possível observar que, após cinco a dez cenários, os movimentos
52

apresentados pela psique já são notórios. A Terapia do Sandplay permite a reconstrução de


eventos passados através do brincar, a pessoa muda seu senso de perda, restaura a ferida e
conquista uma força egoica maior.

Os temas presentes neste cenário de acordo com Mitchell e Friedman (2003) são:
voltando-se para o interior; nutrição e integração.

3.2.10. Décima sessão

Figura 10 - Décimo cenário de Margarida

A Figura 10 denota um cenário duplicado que, neste caso, Margarida denomina de “O


zoológico”, como elaborou no quarto cenário (Fig. 4). Diferente de outros cenários montados
pela participante, este está mais organizado, não só os animais maiores estão em espaços
delimitados, mas também os pássaros tem seu espaço, assim como as tartarugas e o lago.

Os animais, representações instintivas, estão ordenados em seus devidos


compartimentos. O contexto geral do cenário indica que é possível que os humanos estejam
com os animais sem ameaça. O uso da cerca, neste caso, já não é o de divisão, mas sim de
container. Amatruda e Simpson (1997) colocam que o uso de objetos que podem dar a ideia de
continência serve para indicar a habilidade do indivíduo de suportar o processo de
transformação.

Tornar-se, então, um local onde se podem colocar as forças boas e as ruins, mantendo-
as organizadas e disponíveis para uso. A imagem de que as experiências traumáticas e curativas
podem ficar juntas sem oferecer perigo ou prejuízo ao funcionamento saudável de Margarida.
53

Alguns aspectos simbólicos chamam a atenção neste cenário. Há oito figuras masculinas
e oito femininas, sendo que Turner (2005) coloca o número oito, como duas vezes o número
quatro, com isso, a autora interpreta como sendo a ordem por excelência, pois o quatro está
envolvido com a estruturação da consciência, logo, o oito e a ideia de container se apoiam para
apontar uma maturação no desenvolvimento de Margarida.

Há dois agrupamentos com relação ao número sete, as meninas no piquenique estão em


sete e ao lado há sete carros (Fig. 10). Carro, enquanto possibilidade de movimento, energia
psíquica e força de Ego e o sete, para Turner (2005), é um número sagrado, pois junta a
pluralidade do três e a ordem do quatro, sendo assim, agrupamentos numéricos que sugerem
um trabalho psíquico de crescimento, tendo movimento nas situações que, até então,
paralisavam.

Segundo o Quadro de Referências de Mitchell e Friedman (2003), os temas presentes


no cenário são: energização e integração, indicativos de cura.

3.2.11. Décima primeira sessão

Figura 11 - Décimo primeiro cenário de Margarida

Nesta sessão, com bom humor, a paciente participante relata que não gosta de areia e,
por isso, não gosta de ir à praia, mas é bastante tranquilo para ela colocar a mão na caixa, diz
54

ainda que não sofreu para fazer os cenários. Deu o nome de “O dia do piquenique” ao cenário
(Fig. 11). Conta que:

É uma sala de aula. Estão tendo aula com a professora de


geografia. Não sei quem é esse na frente com a professora.
Depois da aula iam fazer um piquenique.

Turner (2005) comenta que quando aparecem cenas que agradam os olhos e retratam
situações do cotidiano, é que se aproxima a conclusão do processo. Ao falar de geografia,
disciplina que estuda a relação entre fenômenos físicos, biológicos e humanos e o impacto
destes na Terra, Margarida metaforicamente está nos contando o quanto através de uma
professora (o terapeuta) está ensinando sobre geografia (ela), o processo de individuação/
processo de desenvolvimento.

A partir desta consideração, pode-se dizer que a conclusão do processo está próximo,
mas há o sentimento de que este estágio do processo está perto de se tornar um material
integrado à história de Margarida.

No cenário da Figura 11, os alunos olham para a professora, o movimento do olhar


reproduz o movimento do inconsciente para a consciência. Existe um rei e uma rainha, forças
arcaicas que agora orientam e não mais defendem, assim como é possível observar-se essa
orientação vindo de uma figura feminina que a paciente reconhece como professora e de uma
figura masculina que não sabe quem é, mas se encontra presente no cenário.

As forças infantis agora vão em direção ao cuidado saindo, assim, do primitivismo do


berço – como no oitavo cenário (Fig. 8) – para o mais amadurecido que já frequenta a escola.
O lado inconsciente da caixa se mostra repleto de alimentos e vegetações, ou seja, aspectos
instintuais e nutritivos habitam essa instância psíquica.

O único tema presente neste cenário, segundo Mitchell e Friedman (2003) é de cura,
simbolizando a integração.

3.2.12. Décima segunda sessão - última sessão


55

Figura 12 - Décimo segundo cenário de Margarida

Margarida permanece trabalhando no cenário durante toda a sessão, nota-se pelas


marcas de seus movimentos com as miniaturas na areia até encontrar a melhor forma de
posicioná-las. Ao acabar o cenário se sentou e ficou observando por um tempo, quando o
pesquisador lhe perguntou se está tudo bem e respondeu que sim.

Chamou seu cenário de “O zoológico” e contou:

“fiz um zoológico, tinha alguns animais. Estava tendo um


piquenique, amigas fazendo um encontro das meninas e tinham
alguns visitantes observando os animais. É um cenário
harmonioso, que diferente dos outros, me trouxe a sensação de
realmente estar tudo em seu devido lugar”.

A configuração do cenário se encontra mais organizada e adequada, os animais estão


em espaços grandes com possibilidade de movimentarem-se. Os humanos já não estão juntos
aos animais e agora podem observá-los e o espaço dos humanos é maior que dos animais, assim
os aspectos mais cotidianos tem maior mobilidade (Fig. 12).
56

O cenário não oferece nenhum perigo, exatamente por suscitar a impressão de ser uma
imagem do cotidiano, mantendo a ideia de Turner (2005) que tais imagens indicam a conclusão
de uma etapa no processo.

Os espaços na caixa, como apresenta Ammann (2002), não devem ser utilizados de
maneira rígida, mas tornam-se úteis para observar os temas. No lado que representa logos,
imagem paterna, observa-se um lago, ou seja, possibilidade de mergulho em outras questões,
pois, até então, tem-se observado a imagem materna.

No espaço do “vir a ser”, onde estão as novas possibilidades e os instintos da natureza


criativa, tem-se um piquenique. Para Matta (2015) a celebração é um tema que indica a
possibilidade de melhora do trauma, a festa ou piquenique vem acontecendo ao longo dos
cenários (Fig. 3, 4 e 10), mas, neste, em específico, o espaço é maior, como se tivesse ganhado
mais energia.

Dentre as miniaturas utilizadas, chama a atenção o uso de dinossauros, sendo que


Montecchi (1999) afirma que esse tipo de miniatura sugere simbolizar conteúdos devastadores
e primitivos da vida inconsciente. Mas não apenas isso, os dinossauros também podem
funcionar como forças históricas, possibilitando um mergulho para olhar o trauma de uma
forma mais racional.

O piquenique também se encontra em uma forma mandálica, que, combinada com a


ideia de celebração, fecha o processo com o sentimento de um bom prognóstico para Margarida
que parece contar com as forças necessárias para que seu desenvolvimento aconteça.

O cenário apresenta os temas de cura: energização, aprofundamento, centralização e


integração (Mitchell & Friedman, 2003).
57

3.3 Síntese do caso Margarida

Margarida iniciou o processo psicoterapêutico após indicação do médico hebiatra, pois,


este notou certa apatia em sua maneira de agir durante a consulta, dos relatos apresentados pela
família, além do choro fácil. A menina carrega em sua história situações traumáticas, diante das
quais foi exposta pelo padrasto a experiências sexuais forçadas.

No momento pré-teste, conforme estabelecido no método, Margarida obteve um score


de 63 pontos no IRSEPT, indicando a presença de sintomatologia traumática. Após as 12
sessões utilizando o Sandplay, na ocasião do pós-teste, obteve score de 39 pontos. Portanto,
após a utilização do Sandplay é possível observar a diminuição do score, indicando possível
melhora dos sintomas.

O indicativo de melhora da sintomatologia pelo IRSEPT nos mostra, inicialmente, como


foi possível flexibilizar as defesas psíquicas causadas pela situação traumática que
interromperam o desenvolvimento de Margarida. Os cenários iniciais (Fig. 1, 2, 3 e 4) indicaram
como a menina vivenciava as situações, ora em perigo, ora excluída, sem cuidado e pouca
interação, estes então, serviram como espelho da psique da adolescente (Kalff, 1980).

Já nos cenários intermediários do processo terapêutico (Fig. 5, 6, 7 e 8) vemos as


elaborações das situações conflituosas, nos quais as imagens do cotidiano surgem como
possibilidade de reparação e reinserção da adolescente no que Kalff (1980) chama de adaptação
ao coletivo, desta forma, as imagens simbolicamente representadas pelas situações do cotidiano
possibilitaram que Margarida mobilizasse energia necessária para a retomada de seu processo
de individuação.

As transformações que ocorreram ao longo do processo podem ser vistas nos cenários
finais (Fig. 9, 10, 11 e 12), pois tratam-se de cenários que já foram feitos anteriormente mas
que agora contam com uma nova configuração, ora mais organizada, ora mais nutritiva e
interativa. A retomada do processo de individuação, antes interrompido pelo trauma, parece
fluir de uma forma onde a adolescente agora pode brincar mais com as situações que vão lhe
apresentando.

Desta forma, o Sandplay surge como uma possibilidade de intervenção em situações


traumáticas, pois a paciente apresentava dificuldade de se expressar verbalmente, apesar de
inúmeras vezes sinalizar, por meio do choro, o quanto não estava bem.
58

Esta dificuldade foi notada desde o início dos cenários, porém, à medida que o processo
se desenvolvia, a expressão verbal de Margarida foi sendo enriquecida e seu processo de
comunicação, não apenas no setting terapêutico, mas, em sua vida em geral, foi melhorando.

Adams (2007) reflete sobre este método como uma via de expressão poderosa diante de
situações traumáticas, assim sendo, através do espelhamento do pesquisador psicoterapeuta,
Margarida pôde desenvolver recursos internos, entrar em contato com a situação traumática e
mobilizar as energias necessárias para caminhar em direção ao desenvolvimento psíquico.

A transformação da natureza traumática ocorreu durante o processo criativo


desencadeado pelo Sandplay, os cenários pareceram fluir de um para outro, expressados pela
repetição de miniaturas, como pode ser observado nas figuras 1 e 9 (cenários que retrataram
fazenda) ou de temas que apontavam para o conflito, com nos cenários representados nas
figuras 3 e 12, também para suas possíveis soluções.

O Quadro de Referências de Temas Expressos no processo em Sandplay proposto por


Mitchell e Friedman (2003) nos permitiu verificar a presença nos cenários iniciais de temas que
sugerem feridas psíquicas e o surgimento ao longo do processo dos temas que sugerem
movimento em direção a cura. Desta forma, os cenários iniciais (Fig. 1, 2, 3 e 4) possuem temas
mais indicativos de ferida psíquica do que os demais cenários, sendo: caos, divisão e separação,
os mais presentes. Enquanto observamos que a partir do meio do processo (partindo da Fig. 5
até o último cenário) o aumento significativo dos temas que sugerem cura.

Assim, considerando estes referenciais apresentados por Mitchell e Friedman (2003),


notou-se a predominância de dois temas expressos na totalidade dos cenários: divisão e
energização. Divisão, tema caro ao trauma, como coloca Kalsched (2013), na fragmentação do
Ego a serviço da sobrevivência foi aparecendo ao longo dos cenários e teve suas configurações
alteradas na medida em que alguns conteúdos começaram a ser flexibilizados e integrados.
Outro tema, a energização, esteve presente desde o primeiro cenário (Fig. 1) demonstrando a
potencialidade da paciente em encontrar o caminho da totalidade.

Portanto, a expressão não apenas relativas aos temas, mas também aos conflitos, oferece
a percepção de um bom prognóstico para Margarida, mostrando que, quando ela brinca na caixa
de areia, libera conteúdos reprimidos da consciência em direção à resolução, todo movimento
acontecendo dentro do espaço livre e protegido, como bem coloca Kalff (1980).

Os sintomas físicos apresentados por Margarida no início do processo, como a dermatite


atópica e a bronquite grave, não se manifestaram até o final do processo. Tendo a adolescente
59

sido liberada do acompanhamento do médico alergista, por ter entendido que não está mais em
crise alérgica manifestada através da dermatite. Também pelo relato da responsável, não teve
nenhuma crise de bronquite neste período.

A não manifestação dos sintomas físicos corrobora as colocações de Ramos (2006) que
também utilizou Sandplay como parte do tratamento dos sintomas psicossomáticos de seus
pacientes. Os sintomas acharam uma via de expressão, comunicaram de maneira mais eficaz
através dos símbolos nos cenários e permitiram que a adolescente pudesse ressignificar essas
experiências.
60

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi investigar a eficácia do Sandplay no tratamento do trauma


em adolescentes e, assim, ao observar os resultados analisados, consideramos eficaz a utilização
da técnica na intervenção psicológica em situações traumáticas. O estudo de caso apresentado
e discutido permitiu não apenas verificar a eficácia da estratégia, mas também de elucidar sua
utilização, a maneira de analisar os cenários e a importância de um processo, constituinte do
brincar simbólico na caixa de areia, intermediado a partir de uma relação terapêutica.

O Sandplay, neste estudo, serviu como uma ferramenta importante, pois permitiu a
liberação de conteúdos reprimidos, a visualização das situações conflituosas, ressignificação de
situações dolorosas e a possibilidade da retomada do processo de individuação. Questões estas
prejudicadas e/ou causadas pela vivência traumática.

A partir do uso do Sandplay foi possível ter uma compreensão de como o trauma pode
ser abordado durante o processo psicoterapêutico, fazendo uso de um recurso lúdico e com
cuidado de não re-traumatizar o paciente. Podemos notar que no estudo de caso apresentado, o
processo terapêutico contribuiu para que as estruturas defensivas fossem deixadas de lado e a
psique pudesse se expressar, liberando o fluxo de energia psíquica até que os mecanismos de
elaboração fossem acionados e começassem a atuar.

O brincar na areia se tornou uma maneira de se comunicar, uma forma de se expressar,


uma forma de se colocar no mundo e o Sandplay permitiu, talvez um pouco mais leve, que
assuntos traumáticos e difíceis viessem à consciência. Fazendo uso das miniaturas que lhe
foram oferecidas, a paciente pôde olhar de uma maneira tridimensional seu mundo interno,
como propõe o Sandplay, facilitando o que a psicoterapia junguiana mais preza, ou seja, a
ampliação da consciência, ampliação essa que se dá por meio da criatividade, acolhendo e
elaborando os símbolos expressos pela psique.

Muito se preza para mantermos a ortodoxia ao Sandplay como propôs Dora Kalff, como
por exemplo o tamanho das caixas de areia utilizadas, neste estudo, por questões institucionais,
não foi possível ter uma sala exclusiva para o Sandplay, onde o material ficaria exposto em
prateleiras e as caixas no meio da sala, assim como não foi possível manter o tamanho e material
da caixa quando comparado com a referência da autora. Alterou-se e diminuiu-se o tamanho da
caixa em 10 cm, tanto na largura quanto no comprimento, assim como a caixa utilizada era
construída de material plástico e não de madeira. Tais alterações, conforme demonstrado ao
61

longo da análise do caso, não causaram prejuízos nem interferiram, ainda que minimamente, ao
processo terapêutico de Sandplay, apenas se constituíram de alterações necessárias à
adaptação do uso da técnica em um contexto público diferenciado, como o serviço de hebiatria
de uma escola de Medicina.

Tais mudanças permitirão futuramente que outros estudos sejam realizados no âmbito
das instituições, ampliando-se a estratégia para além dos consultórios particulares. Para tanto,
flexibilizaram-se as regras do jogo simbólico para que o instrumento fosse inserido em diversas
aplicações, porém sempre mantendo-se o rigor científico que deve perseguir a atuação do
psicólogo.

O número de sessões utilizadas neste estudo, configuram-se no que chamamos de


“intervenção breve” e, apesar do estudo de caso aqui apresentado, sugere-se que pesquisas
futuras repliquem os procedimentos utilizados acrescentando, por exemplo, comparação a um
grupo controle, assim como a reavaliação após seis meses do término do tratamento. Pesquisas
e atitudes científicas auxiliarão ainda mais a inserção do Sandplay como uma ferramenta de
investigação e intervenção frente as diferentes sintomatologias e aos mais diversificados
contextos.
62

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Van Der Kolk, B. (2005). Developmental trauma disorder: Towards a rational diagnosis for
children with complex trauma histories. Psychiatric Annals. v. 35, n. 5, p. 401-408.
Van Der Kolk, B; McFarlane, A; Van Der Hart, O. (1996). History of Trauma in Psychiatry.
In: _____________; _____________. (org.). Traumatic Stress. New York: Guildford Press.
Vizzotto, M. (2003). O método clínico e as intervenções na saúde psicológica da comunidade.
In: Oliveira, V. B; Yamamoto, K. Psicologia da Saúde: Temas de reflexão e prática. São
Bernardo do Campo: UMESP.
Von Gontard, A. (2010). Sandplay therapy study: A prospective outcome study of Sandplay
therapy with children and adolescentes. Journal of Sandplay Therapy. v. 19, n. 2, p. 131-140.
Weinrib, E. (1993). Imagens do self. São Paulo: Summus.
Wells, H. G. (1911). Floor games. New York: Paul & Co pub consor.
Winnicott, D. W. [1983 (1965)]. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a
teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas.
Yin, R. K. (2015). Estudo de caso. Planejamento e Métodos. 5ª edição. Porto Alegre:
Bookman.
Yoshikawa, M. L. (2002). Cenários femininos: Um estudo psicossomático de mulheres com
Síndrome do Ovário Policístico através da Terapia do Sandplay. Dissertação (Mestrado em
Psicologia Clínica), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo.
66

ANEXOS
67

ANEXO A
Instrumento de Rastreio para Sintomas de Estresse Pós-Traumático (IRSEPT)

Idade: anos e meses Sexo: ( )masc ( )fem


No espaço em branco antes de cada pergunta, coloque um número para dizer o quanto cada coisa tem
acontecido com você durante as últimas duas semanas. Use a escala abaixo para decidir qual número
colocar no espaço em branco. Coloque 0 se você nunca teve a experiência durante as últimas duas
semanas, e coloque 10 se isto estava sempre acontecendo com você ou se aconteceu todos os dias
durante as últimas duas semanas. Se aconteceu algumas vezes, mas não todos os dias, coloque um dos
números entre 0 e 10 para mostrar o quanto.

(nunca)0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10(sempre)
1. Eu não tenho vontade de fazer coisas que eu gostava de fazer.
2. Eu não consigo lembrar muito de coisas ruins que aconteceram comigo.
3. Eu me sinto afastado e isolado de outras pessoas.
4. Eu tento não pensar sobre coisas que me lembram de algo ruim que aconteceu comigo.
5. Eu me sinto entorpecido. Eu não sinto emoções tão fortemente quanto costumava sentir.
6. Eu tenho dificuldades em me concentrar sobre coisas ou prestar atenção em algo por um longo
período de tempo.
7. Eu tenho dificuldade em pensar sobre o futuro e em acreditar que viverei até uma idade
avançada.
8. Eu me sinto muito irritável e perco o meu controle.
9. Eu evito fazer coisas ou estar em situações que possam me lembrar de algo terrível que
aconteceu comigo no passado.
10. Eu estou muito alerta ao ambiente que me cerca e nervoso sobre o que está acontecendo ao
meu redor.
11. Eu me encontro repetidamente lembrando de coisas ruins que me aconteceram, mesmo
quando não quero pensar sobre elas.
12. Eu fico sobressaltado ou surpreso muito facilmente e pulo quando eu ouço um som
repentino.
13. Eu tenho sonhos ruins sobre coisas terríveis que me aconteceram.

14. Eu fico muito perturbado quando algo me lembra de alguma coisa ruim que me aconteceu.
15. Eu tenho dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo.
16. Quando algo me lembra de alguma coisa ruim que me aconteceu, me sinto trêmulo, suado,
nervoso e meu coração bate realmente rápido.
17. De repente eu sinto como se estivesse de volta ao passado, em uma situação ruim na qual já
estive, e é como se isto estivesse acontecendo tudo de novo.

SPTSS versão 1.0 Copyright 1993 por Eve Carlson, Ph.D.


Traduzido e adaptado por Kristensen (2005)
68

ANEXO B

Lista de Miniaturas (Matta, 2015)

Agrupamento Miniaturas
Acessórios Bijuterias (brincos, colares, anéis e pulseiras)
/bolsa marrom/colares dourados e
prateados/sombrinha e chapéu
Anfíbio Tartarugas/sapo com filhote/sapos
Animais domésticos Bois/vacas/burros/jumento/cabras/ovelhas/porco
s/cavalos/cachorros/gatos
Animais marinhos Baleias/golfinhos/peixes/tubarão/caranguejo/con
chas /estrelas do mar
Animais Dinossauros (grandes e pequenos)
Pré-históricos
Animais selvagens Elefante/tigre/leão/onça/hipopótamo/lobo/ursos/j
avali/veado/zebra/
Animal urbano Rato
Arsenal de guerra Soldados
Aves domésticas Ganso/galinha/pato/ninhos com passarinho
Aves selvagens Tucano
Bolas Bolas de vidro coloridas (pequenas)
Bonecas Bonecas de plástico
Cercas/Barreiras Cercas
Comida Comida (tortas, ovo, pastel, arroz, sanduíches)
/balas de vidro
Comida Lata cerveja
Comida Frutas (limão, laranja, uva, coco, pinhas, nozes)
Construção Casas (barro, pedras, plástico), castelo.
Elementos da natureza Flores/folhas secas/grama/árvores
Elementos da natureza Pedras brasileiras, de rio
Elementos de construção Madeiras/palitos/paus/sucatas
Elementos de ligação Ponte
Ferramentas de trabalho Ferramentas de plástico
Figuras religiosas Santos católicos
Insetos/artrópodes Aranha/barata/louva-a-
deus/cigarras/besouros/moscas/escorpião/
borboletas.
69

ANEXO C

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Traumas em adolescentes e o tratamento por meio da Terapia do Sandplay


Pesquisador: LEONARDO DE FREITAS SERI
Área Temática:

Versão: 2
CAAE: 79633717.5.0000.5508
Instituição Proponente: Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 2.446.474


Apresentação do Projeto:

Considerando-se o crescente número de adolescentes vítimas de violência, seja física, psicológica,


sexual, negligência ou abandono, nos deparamos com uma diversidade de estratégias interventivas
destinadas a essa população, entre elas, a Terapia do Sandplay, que se constitui em um recurso
não-verbal, onde são usadas duas caixas com areia, uma seca e outra molhada, miniaturas que
representam o cotidiano do ser humano, o paciente então é convidado a construir um cenário e o
processo terapêutico pode acontecer através desse brincar simbólico, sem a necessidade de
verbalização. A presente pesquisa tem como objetivo investigar a eficácia da Terapia do
Sandplay no tratamento de adolescentes vítimas de trauma. Para tanto, serão descritos e
analisados dez estudos de casos clínicos atendidos em um serviço de referência na saúde do
adolescente, localizado na Região do Grande ABC-SP. O estudo espera contribuir com a prática
clínica interventiva voltada a essa demanda.

Objetivo da Pesquisa:
Investigar a eficácia da Terapia do Sandplay no tratamento do trauma.
Discutir a vivência traumática na população adolescente a partir dos conceitos teóricos e técnicos
da Terapia do Sandplay em uma perspectiva da Gestalt-terapia.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:


70

Avaliação apropriada dos riscos e benefícios.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:


Pesquisa relevante, sobre tema atual e com projeto bem estruturado.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:


Apresenta todos
Recomendações:
Não há.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:


Após leitura e análise do projeto e exame criterioso de todos os itens que compõem os documentos
do Protocolo de Pesquisa, incluindo os itens presentes no Roteiro de Checagem para o parecerista
e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nada foi constatado no processo que fira os
princípios e normas da ética em pesquisa.

Considerações Finais a critério do CEP:


O CEP-UMESP considera o projeto de pesquisa APROVADO, lembrando que a condição de
aprovação da pesquisa propriamente dita exige o que segue:
- Que sejam encaminhados ao CEP-UMESP relatórios anuais sobre o andamento da pesquisa
(parciais e finais);
- Que sejam notificados ao CEP-UMESP eventos adversos que tenham ocorrido no curso da
pesquisa e que sejam significativos do ponto de vista ético e metodológico;
- Que sejam notificadas eventuais emendas e modificações no protocolo de pesquisa.

Situação do Parecer:
Aprovado

Necessita Apreciação da CONEP:

Não

SAO BERNARDO DO CAMPO, 18 de Dezembro de 2017


71

ANEXO D

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Estamos realizando uma pesquisa denominada Traumas na Adolescência e o tratamento por meio da
Terapia do Sandplay para isso necessitamos de sua colaboração. O objetivo da pesquisa é investigar a
eficácia da Terapia do Sandplay no tratamento do trauma e para isso será aplicado o referido método
psicoterapêutico, um inventário de comportamento e um instrumento de rastreio de sintomas de trauma
com a finalidade de obter informações sobre o avaliado que serão relevantes para a pesquisa, uma vez
que variáveis podem interferir nos resultados obtidos.
A aplicação dos instrumentos não tem a finalidade de produzir diagnósticos ou rótulos e, os participantes
poderão vivencias um processo psicoterápico breve em 12 sessões, os resultados do estudo poderão
contribuir para a melhoria na qualidade das intervenções psicológicas e no entendimento da estrutura de
personalidade dos indivíduos que passam por situações traumáticas. As informações obtidas serão
analisadas em conjunto e utilizadas apenas para alcançar o objetivo do trabalho, ou seja, além dos
resultados individuais não serem divulgados, a identidade dos participantes também será mantida em
sigilo.
Durante a aplicação dos instrumentos qualquer risco ou desconforto que o sujeito venha a sentir, devido
o tempo de duração, será sanado pelo responsável pela pesquisa, quanto às sessões de psicoterapia breve
poderão evocar sentimentos positivos e negativos relacionados à história de vida e vivência traumática
do adolescente, caso haja grande mobilização, o pesquisador que também é psicólogo, se compromete
a fazer sessões de acolhimento e se houver necessidade de uma atenção multiprofissional, o pesquisador
fará os encaminhamentos. De qualquer maneira, o sujeito terá o direito de solicitar indenização
legalmente estabelecida, que se restringe ao dano causado.
O sujeito não terá nenhum tipo de despesa pessoal ou compensação por participação da pesquisa, assim,
qualquer despesa necessária será de responsabilidade do pesquisador. Sendo assim, o pesquisador se
compromete a utilizar os dados e o material coletado somente para esta pesquisa, cujos resultados
grupais poderão ser publicados ou apresentados em Congressos Científicos. O participante tem plena
liberdade de recusar-se a participar da pesquisa, sem penalização alguma, ou poderá ainda, a qualquer
momento, retirar sua anuência na continuidade do estudo, caso seja esta sua opção. O participante
também terá acesso a esse registro de consentimento sempre que solicitar. Sua manifestação deverá
ocorrer através do e-mail leonardo.seri@yahoo.com.br. A qualquer momento o sujeito pode entrar em
contato com o pesquisador responsável pelo estudo, Leonardo de Freitas Seri, que pode ser encontrado
pelo telefone (11) 9 74212150 ou pelo e-mail citado acima. Qualquer dúvida sobre a ética da pesquisa,
entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UMESP) – Rua do Sacramento, 230 – Ed.
Capa sala 303 - Telefone: 4366-5814 – E-mail: cometica@metodista.br.”

Acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou que foram lidas para
mim, descrevendo o estudo “Traumas em adolescentes e o tratamento por meio da Terapia do Sandplay”.
Eu ME INFORMEI com o pesquisador Leonardo de Freitas Seri sobre a minha decisão em permitir que
____________________(nome)_________________________, menor sob minha responsabilidade,
participe deste estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos, os procedimentos a serem
realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos
permanentes. Ficou claro também que a participação é isenta de despesas e que tenho garantia do acesso
a tratamento hospitalar quando necessário. Concordo que o menor sob minha responsabilidade
voluntariamente participe deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes
ou durante o mesmo, sem penalidades, prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter
adquirido, ou no atendimento que recebo nesta instituição.
72

Nome completo do responsável: __________________________________________________

Assinatura do responsável:_______________________ Data _____/____/____

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste paciente
ou representante legal para a participação neste estudo. Sendo que uma via deste documento deve ficar
com o participante e outra em posse do pesquisador.

Assinatura do responsável pela pesquisa:________________________ 06/11/2017.


73

ANEXO E

TERMO DE ASSENTIMENTO

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa chamada “TRAUMAS
EM ADOLESCENTES E O TRATAMENTO POR MEIO DA TERAPIA DO
SANDPLAY”. Nessa pesquisa, pretendemos investigar a eficácia da Terapia do Sandplay (Jogo
de Areia) no tratamento do trauma. Em outras palavras, vamos verificar se essa técnica é eficaz
no tratamento de situações traumáticas em adolescentes de 10 a 12 anos.

Para isso vamos pedir que você faça cenários na caixa de areia, utilizando miniaturas
que estarão disponíveis na sala e responda perguntas simples em um questionário onde marcará
as respostas que mais se relacionam ao que você sente e ao que você pensa.

Para que eu, pesquisador, possa fazer esse trabalho é necessário que você e seu
responsável, autorizem sua participação. Para isso, seus pais ou responsáveis assinarão o Termo
de Consentimento e você assinará este Termo de Assentimento.

Participando desta pesquisa você não terá nenhum custo ou ganho financeiro, mas,
estará colaborando com o entendimento sobre a prática psicológica.

Tanto você, quanto seu responsável poderão retirar seu consentimento ou interromper
sua participação nesta pesquisa a qualquer momento. Lembramos que este documento ficará a
sua disposição sempre que você precisar.

A participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade,


ou seja, nenhum problema. Sua identidade, como menor, será tratada com sigilo e dentro dos
padrões da ética profissional da Psicologia. Você não será identificado em nenhuma publicação
e seu nome nunca aparecerá na pesquisa.

Este estudo não apresenta maiores riscos físico para você, a não ser que se canse ao
montar o cenário na caixa de areia ou a responder as perguntas. Quando cansaço emocional que
você tiver, eu estarei à disposição para ajudar e se houver necessidade de ter atenção de outros
profissionais da saúde, eu encaminharei.

Você ficará fazendo essas atividades por um tempo de, no máximo, quarenta minutos
de duração por semana, durante 12 semanas. Mas, lembre-se que poderá desistir a qualquer
momento, sem que nada lhe prejudique.
74

Os resultados desta pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada, caso você
queira saber os resultados.

O seu nome ou do seu pai, mãe ou responsável não irão aparecer, nem mesmo nenhum
material que indique sua identidade será liberado sem a sua permissão. Os dados utilizados na
pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um período de 5 anos, e após
esse tempo serão destruídos.

Este Termo de Assentimento será lido junto com você e impresso em duas vias, sendo
que uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra ficará contigo.

Eu, ____________________________________________________________, fui


informado (a) dos objetivos do presente estudo de maneira clara e detalhada e esclareci minhas
dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar a decisão
do menor sob minha responsabilidade de participar, se assim o desejar.

Recebi uma cópia deste Termo de Assentimento, e confirmo que me foi dada a
oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Em caso de dúvida, o telefone para contato com o pesquisador é (11) 97421 2150, e o
e-mail é leonardo.seri@yahoo.com.br . O Comitê de Ética fica na rua do Sacramento nr. 230,
no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo – SP, no edifício Capa, sala 303. O email
deste comitê é cometica@metodista.br e o telefone (11) 4366-5814.

São Bernardo do Campo, ____ de ______________ de 2017.

_____________________________________
Assinatura do(a) participante

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste paciente
ou representante legal para a participação neste estudo. Sendo que uma via deste documento deve ficar
com o participante e outra em posse do pesquisador.

Assinatura do responsável pela pesquisa:________________________ 06/11/2017.


75

ANEXO F

Quadro de referências de temas expressos no processo em Sandplay


(Mitchell e Friedman, 2003)

Temas que sugerem ferida psíquica

1. CAOS: Arranjo ao acaso, fragmentado ou disforme, por exemplo, objetos arremessados


dentro da caixa, fronteiras ou realidade externa negligenciada, itens cuidadosamente
colocados, mas a aparência global é confusa ou desconectada;
2. VAZIO: Reserva para usar figuras ou sentimento morto com ausência de energia e
curiosidade; por exemplo, uma caixa quase vazia com apenas uma árvore morta
colocada num canto;
3. SEPARAÇÃO (rachadura): Parte da caixa aparece separada ou destacada, por exemplo,
rio, cerca ou elefantes colocados de baixo para cima da caixa parecendo dividi-la;
4. CONFINAMENTO: Figura ou grupos normalmente livres estão presos numa armadilha
ou enjaulados, por exemplo, uma figura agonizante é colocada numa jaula, uma parece
de areia é construída ao redor de uma velha mulher;
5. NEGLIGENCIAMENTO: Figura está isolada de um possível suporte, por exemplo, um
bebê numa cadeira alta enquanto a mãe está dormindo no quarto ao lado;
6. SEGREDOS: Figuras enterradas ou escondidas da visão, por exemplo, um canhão
escondido atrás de uma casa, uma bruxa escondida na areia sob uma árvore;
7. INCLINAÇÃO: Figuras normalmente em pé são intencionalmente colocadas em
posição reclinada ou caída, por exemplo, uma mulher grávida com o rosto voltado para
baixo da areia;
8. FERIMENTO: Figuras feridas ou no processo de serem machucadas, por exemplo, um
homem enfaixado, deitado numa maca, um caubói colocado na boca do dinossauro;
9. AMEAÇA: Acontecimentos ameaçadores ou assustadores e a inabilidade da figura em
perigo, por exemplo, animais agressivos rodeando uma criança;
10. OBSTÁCULO: Possibilidade de novo crescimento e desenvolvimento impedido ou
obstruído, por exemplo, um barco movendo-se em novas águas, logo abaixo será
cercado por um exército.

Temas que sugerem movimento em direção à cura

1. PONTE: Conexão entre elementos, união de opostos, por exemplo, uma escada une a
terra e árvores, uma ponte liga um anjo e o demônio;
2. JORNADA: Movimento em direção a uma trilha ou a redor de um centro, por exemplo,
um cavaleiro segue uma pista, um nativo rema uma canoa correnteza abaixo;
3. ENERGIZAÇÃO: Intensa energia viva, vital, é visível, por exemplo, crescimento
orgânico presente, máquinas de construção trabalham num serviço, aeroplanos partem
de uma pista;
4. VOLTANDO-SE PARA O INTERIOR: Descobrindo uma dimensão profunda, por
exemplo, uma clareira é feita, um tesoura é desenterrado, um baú escavado, um lago
explorado;
76

5. NASCIMENTO: Emergência de novo significado, por exemplo, um bebê nasce, uma


flor se abre, um nascimento de ovos incubados;
6. NUTRIÇÃO: Nutrição ou ajuda são providenciadas para apoiar crescimento e
desenvolvimento;
7. MUDANÇA: Areia e/ou objetos são criativamente mudados ou usados, por exemplo, a
areia é contornada para construir uma ponte no solo;
8. ELEMENTOS ESPIRITUAIS: Símbolos religiosos e espirituais estão presentes, tais
como seres sobrenaturais, figuras veneradas ou objetos luminosos.
9. CENTRAMENTO: No centro da caixa, elementos estão esteticamente balanceados ou
a união de opostos ocorre;
10. INTEGRAÇÃO: Ideia congruente, organizada, abrangendo toda a caixa, unidade de
expressão, por exemplo, um dia no zoológico, jogo de futebol, construção abstrata
unindo toda a caixa.

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