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NOV-DEZ • 2023

Uma revista para pastores e líderes de igreja


Exemplar avulso: R$ 19,40

NOVA
FRONTEIRA
O pastor na era
da inteligência
artificial

Visão, missão e objetivo da mordomia cristã + O cuidado espiritual das novas gerações + Lições do chamado de Jonas
O significado de satan em 1 Crônicas 21:1 + O papel do pastor e do ancião na igreja local
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SUMÁRIO

10 A inteligência artificial e o ministério


Daryl Gungadoo
Perigos e soluções para o trabalho pastoral

14
Contamos o que valorizamos
10 Marcos Bomfim
Visão, missão e objetivo da mordomia cristã

5 Editorial

18
7 Entrelinhas Fé em crescimento
Somalia Fernández
8 Entrevista O cuidado espiritual das novas gerações

28 Ponto a ponto

22
34 Dicas de leitura Fugindo de Deus
 eyssen Cordero Maravi
H
Lições do chamado de Jonas
22 35 Palavra final

25
O censo de Davi
Edcarlos Menezes
O significado de satan em 1 Crônicas 21:1

30
Ministério compartilhado
Osmar Borges
O papel do pastor e do ancião na igreja local
30

Uma publicação da Igreja Adventista do Sétimo Dia Conselho Editorial  SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE
Lucas Alves; Josué Espinoza; Adolfo Suarez; Marcos
Ano 94 – Número 570 – Nov/Dez 2023 Ligue Grátis: 0800 979 06 06
Periódico Bimestral – ISSN 2236-7071 Blanco; Eric Richter; Pavel Goia; Jeffrey Brown; Adrián
Bentancor; Alberto Peña; Álvaro Cáceres; Antonio Funes; Segunda a quinta, das 8h às 20h
Claudiney Candido; Edilson Valiante; Edison Choque; Sexta, das 7h30 às 15h45
Editor Wellington Barbosa Domingo, das 8h30 às 14h
Editor Associado Milton Andrade Edmundo Cevallos; Elieser Vargas; Francisco Abdoval;
Guillermo Delgado; José Wilson; Levino Santos; Milton Site: www.cpb.com.br
Revisoras Rose Santos e Esther Fernandes E-mail: sac@cpb.com.br
Mayo; Otávio Barreto; Raildes Nascimento.
Editor de Arte Thiago Lobo Assinatura: R$ 94,50
Projeto Gráfico Levi Gruber CASA PUBLICADORA BRASILEIRA Exemplar Avulso: R$ 19,40
Programação Visual Fernando De Lima
Capa Arte sobre imagens de Adobe Stock Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia Todos os direitos reservados. Proibida a
Rodovia SP 127 – km 106 reprodução total ou parcial, por quaisquer
Ministério na Internet Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP meios, sejam impressos, eletrônicos,
www.ministeriopastoral.com.br fotográficos ou sonoros, entre outros, sem
www.facebook.com/revistaministerio Diretor-Geral Edson Erthal de Medeiros prévia autorização por escrito da editora.
Twitter: @MinisterioBRA Diretor Financeiro Uilson Garcia
Redação: ministerio@cpb.com.br Gerente Editorial Wellington Barbosa 5972 / 47734

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 3
Orientações
aos escritores
Procuramos contribuições que
representem a diversidade ministerial
da América do Sul. Diante da variedade
de nosso público, utilize palavras,
ilustrações e conceitos que possam ser
compreendidos de maneira ampla.
A Ministério é uma revista peer-review.
Isso significa que os manuscritos, além de
serem avaliados pelos editores, poderão
ser encaminhados a outros especialistas
sobre o tema que seu artigo aborda.

Contribua para a

A revista Ministério é um periódico internacional editado e publicado


bimestralmente pela Casa Publicadora Brasileira, sob supervisão da Associação
Ministerial da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
A publicação é dirigida a pastores e líderes cristãos.

Áreas de interesse Extensão


• Crescimento espiritual do ministro. • Seções de uma página: até 4 mil caracteres • Identifique a versão da Bíblia que você
• Necessidades pessoais do ministro. com espaço. usa e inclua essa informação no texto.
• Ministério em equipe (pastor-esposa) • Artigos de duas páginas: até 7,5 mil De forma geral, recomendamos a versão
e relacionamentos. caracteres com espaço. Nova Almeida Atualizada.
• Necessidades da família pastoral. • Artigos de três páginas: até 12mil • Ao fazer citações bibliográficas, insira notas
• Habilidades e necessidades pastorais, caracteres com espaço. de fim de texto (não notas de rodapé)
como administração do tempo, • Artigos solicitados pela revista poderão ter com referência completa. Use algarismos
pregação, evangelismo, crescimento mais páginas, de acordo com a orientação arábicos (1, 2, 3).
de igreja, treinamento de voluntários, dos editores. • Utilize a fonte Arial, tamanho 12,
aconselhamento, resolução de conflitos, espaço 1,5.
educação contínua, administração da • Informe no cabeçalho: Área do
igreja, cuidado dos membros e assuntos
relacionados.
Estilo e conhecimento teológico (Teologia, Ética,
Exegese, etc.), título do artigo, nome
• Estudos teológicos que exploram temas apresentação completo, graduação e atividade atual.
sob uma perspectiva bíblica, histórica ou • Envie seu texto para: ministerio@cpb.com.br.
sistemática. • Certifique-se de que seu artigo se concentra Não se esqueça de mandar uma foto de
• Liturgia e temas relacionados, como no assunto. Escreva de maneira que o texto perfil em alta resolução para
música, liderança do culto e planejamento. possa ser facilmente lido e entendido, à identificação na matéria.
• A ssuntos atuais relevantes para a igreja. medida que avança para a conclusão.
EDITORIAL

SOB NOVA DIREÇÃO


Voltarei à posição apenas de

E
u não me lembro do dia, mas sei que foi no leitor, ainda mais apaixonado
ano 2000. Ela estava ali, próximo da mesa pela missão e pelo conteúdo
do assistente que trabalhava no seminário.
Não tenho vergonha de dizer que foi amor à da revista, certo de que coisas
primeira vista. Quando folheei aquela edição, fiquei maiores e melhores ainda virão!
impressionado com a qualidade das informações
e a variedade de temas voltados para a realidade
pastoral. Daquele momento em diante, sempre que Na sequência, expresso meu respeito àqueles
podia, garantia um exemplar para mim. Recém- que compartilharam comigo a responsabilidade de
formado, ficava atento aos envelopes que recebia preparar cada número: pastores Márcio Nastrini
da Associação, porque a cada dois meses, ali estaria (2016-2020); Nerivan Silva (2021-2022) e Milton
minha revista. Desde a faculdade, havia adquirido Andrade (2023), editores associados; Josiéli Nóbrega e
o hábito de lê-la quase que de capa a capa, separando Rose Santos, revisoras; Isabel Camargo, assistente de
os artigos por categorias, fazendo a catalogação e, editoria, e Levi Gruber, designer gráfico. Além desse
por fim, o arquivamento. time, menciono os colegas de nossa editora-irmã na
O tempo passou, e após oito anos de ministério Argentina, os pastores Marcos Blanco e Walter Steger,
como pastor distrital, fui convidado pelo saudoso pastor e a equipe da revista Ministry, desde Derek Morris e
Rubens Lessa para fazer um teste, a fim de trabalhar na Willie Hucks, no início, até Pavel Goia e Jeffrey Brown,
CPB. Uma guinada surpreendente em minha trajetória atualmente. Foi um privilégio ter a companhia de
pastoral. De repente, me vi ao lado dos editores que vocês nessa caminhada!
aprendi a apreciar à distância. Entre eles, o pastor Zinaldo Não poderia deixar de mencionar a importante
Santos, responsável pela minha querida Ministério, e que participação dos secretários ministeriais das 16 Uniões
lamentavelmente faleceu há pouco mais de um mês. de nosso território, do pastor Adolfo Suárez, reitor do
No segundo semestre de 2015, fui informado Salt, e dos professores de nossas oito faculdades
pelo pastor Marcos De Benedicto, nosso editor- de Teologia na América do Sul. A colaboração deles
chefe, de que eu estava sendo indicado para ser o fez com que pudéssemos elaborar uma revista sul-
novo responsável pela revista, substituindo o pastor americana para pastores sul-americanos.
Zinaldo, que em poucos meses se aposentaria. Por último, mas não menos importante, aos nossos
Assim começou a história de oito anos que termina leitores, pastores que não somente incentivaram o
nesta edição. Ao assumir o trabalho, com pouquíssima trabalho, mas também fizeram sugestões, críticas e
experiência editorial, me apeguei aos amigos que enviaram propostas de artigos. Todas as contribuições
foram generosos em transmitir confiança e repartir foram profundamente apreciadas.
o conhecimento necessário para manter relevante Agora, a Ministério seguirá sob nova direção.
a trajetória deste periódico que, no próximo ano, O pastor Milton Andrade assume como novo editor,
completará 70 anos. Embora seja impossível fazer uma e Fernando De Lima será o novo designer gráfico.
lista com todos os nomes neste espaço, gostaria de Uma dupla criativa, experiente e preparada para levar
mencionar alguns deles, em sinal de especial gratidão. adiante, com excelência, o legado deste importante
Em primeiro lugar, aos líderes que confiaram a periódico. Quanto a mim, voltarei à posição apenas
Foto: William de Morais

Ministério às minhas mãos. Da parte da CPB, os pastores de leitor, ainda mais apaixonado pela missão e pelo
WELLINGTON BARBOSA José Carlos de Lima e Marcos De Benedicto; e da Divisão conteúdo da revista, certo de que coisas maiores e
editor da revista Ministério
Sul-Americana, os pastores Carlos Hein e Lucas Alves. melhores ainda virão!

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 5
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ENTRELINHAS

À IMAGEM DE QUEM?
Como pastores, precisamos

A
Inteligência Artificial está na moda e tem
sido utilizada em quase todos os âmbitos
depender do Espírito Santo,
da atividade humana, inclusive no contexto não de algoritmos.
religioso. Um exemplo disso ocorreu
recentemente em Fürth, na Alemanha, onde foi desdobramentos poderão surgir, fruto de nossos
realizado o primeiro culto luterano gerado quase pensamentos e ações maculados pelo pecado?
integralmente por Inteligência Artificial. Um chatbot É indubitável que a IA oferece oportunidades e vantagens
“pregou” o sermão e quatro avatares dirigiram os importantes. Porém, parece prudente nos aproximarmos
louvores e as orações. Mais de 300 pessoas estiveram dela com o cuidado adequado. A tecnologia não
presentes, atraídas pela novidade. Terminados os pode substituir nossa experiência com Deus, nosso
serviços que duraram cerca de 40 minutos, alguns preparo intelectual e nossa comunhão com as pessoas.
participantes opinaram que as vozes dos oficiantes Assim, devemos escolher entre utilizar as ferramentas
foram um pouco monótonas. Outros sentiram falta tecnológicas de forma inteligente e equilibrada ou permitir
da emoção humana. No entanto, os participantes que elas se transformem numa influência secularizante,
reconheceram que esses aspectos poderiam ser artificial e limitadora para a religião.
melhorados para cultos futuros. Geralmente, a tecnologia tem sido aliada da
A IA é uma tecnologia criada para imitar a inteligência igreja, especialmente no cumprimento da missão.
humana por meio de softwares e algoritmos. Em seus Os recursos tecnológicos utilizados com um propósito
quase 70 anos de avanço, ela ainda não imita todas as evangelizador e aplicados com uma ética cristã
dimensões da mente humana, porém pode processar coerente podem ser uma grande bênção. A IA oferece
grandes quantidades de informação e realizar tarefas um mundo de oportunidades para inovar com
de maneira eficiente e precisa. Os motores de busca de estratégias que podem atingir pessoas que, de outra
internet, por exemplo, causaram uma revolução na busca forma, seriam impossíveis de alcançar. Porém, como
de dados. De igual modo, as aplicações da IA nas áreas de todas as demais invenções, essa tecnologia integra
medicina, finanças, educação, comunicações e transporte inevitavelmente as limitações humanas. Devemos
também experimentaram avanços espetaculares, ponderar se essa ferramenta pode beneficiar a relação
facilitando processos e resolvendo problemas. do ser humano com Deus ou desvirtuá-la.
No entanto, existem riscos e desafios os quais Assim como Deus é real, a comunhão, a adoração
não podemos ignorar. A IA não tem verdadeira e a pregação também devem ser experiências reais.
racionalidade, vontade, emoção ou espiritualidade. O mesmo Deus que achou por bem não convidar anjos
Ela não tem crenças próprias nem uma consciência para pregar o evangelho, “mas seres humanos com
moral. Além disso – como alguns propõem –, a IA paixões idênticas às daqueles a quem buscam salvar”
pode ser uma máquina de desinformação, enganando (Ellen G. White, Atos dos Apóstolos [CPB, 2021], p. 86),
massivamente a população por meio da internet. deseja que a mensagem seja propagada por pessoas,
Outro risco é que o uso de sistemas robóticos poderá não por chatbots. Como pastores, precisamos
causar a perda de postos de trabalho em nível depender do Espírito Santo, não de algoritmos.
mundial, promovendo um impacto desmedido tanto E ainda que estejamos limitados por causa do pecado,
em termos econômicos quanto sociais. Deus nos dá o privilégio de nos aproximarmos
JOSUÉ ESPINOZA
Foto: Divulgação DSA

Assim como o homem foi criado à imagem e diretamente do trono da graça e nos conectarmos de
secretário ministerial
associado para a Igreja semelhança de Deus, a IA está sendo desenvolvida maneira real e direta com nosso Criador e com aqueles
Adventista na América do Sul à imagem e semelhança do homem. Que tipo de que estão ao nosso redor.

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ENTREVISTA

MINISTÉRIO
ABRANGENTE
Por Sérgio Festa

Após 50 anos de ministério pastoral e 40 anos à “Por que quase ninguém se levantou?”, pensei. Então,
frente da igreja adventista Pioneer Memorial, na Uni- ouvi uma voz em minha mente: “Por que você não está
versidade Andrews, o pastor Dwight Nelson anun- de pé?” A partir desse momento, eu sabia que Deus que-
ciou sua aposentadoria em junho deste ano. Além de ria que eu fosse um pastor. Naquela hora de convicção,
pregador habilidoso, Nelson é escritor, apresentador eu não vi nenhuma luz. Não recebi a capa de ninguém.
de TV, evangelista, professor de Teologia e mestre Mas eu ouvi uma voz em minha mente dizendo que de-
e doutor em Ministério pela Universidade Andrews. veria ser um pastor. Sim, Deus usa maneiras diferentes
Casado com a enfermeira Karen Nelson, eles têm um para chamar pessoas diferentes.
casal de filhos: Kirk e Kristin.
Você teve dúvidas e desafios no início do ministério?
Como foi seu chamado para o ministério? Sim, com certeza! Quando eu ainda estava no segun-
Eu sou um pregador de quarta geração e adventista do ano da faculdade de Teologia, comecei a pensar: “Eu
de quinta geração. Filho de missionários, nasci no Japão não sei se quero fazer isso. Talvez eu devesse ser um ad-
e fiquei lá até meus 14 anos. Meu plano era ser médico- vogado. Os advogados falam muito, certo?” Um dia, eu
cirurgião. Eu tinha até meu próprio microscópio para fa- estava sozinho no dormitório. Eu não sabia mais o que
zer experimentos! Mas no meu primeiro ano do ensino fazer. De repente, vi um livro na minha pequena biblio-
médio em Cingapura, um visitante da Associação Geral teca, escrito por Carlyle B. Haines, cujo assunto era dire-
passou por lá e fez uma palestra para todos os filhos de cionado aos jovens ministros. Comecei a lê-lo e era como
missionários. Eu não lembro quem era nem o que ele se Deus estivesse falando comigo. As palavras eram mais
disse, mas recordo apenas o momento do a­ pelo. Ele fa- ou menos assim: “Você se lembra de que Eu o chamei?
lou: “Todos vocês que vão para o ministério, quero que Vou levá-lo aonde preciso de você, não importa o que
se levantem!” Eu sabia que não precisava ficar em pé, você faça. Só aprenda a confiar em Mim e depender de
pois eu queria ser médico. Então, olhei em volta e vi Mim.” Eu acreditei nisso e assim tem sido a minha vida.
poucas pessoas em pé. Fiquei atordoado com aquilo.
Como você vê a igreja atual comparada à igreja de quan-
do você começou?
A vida se tornou tão complicada e isso é absolutamen-
Se você não tem uma vida de oração, você te inacreditável. Quando eu olho a 50 anos atrás, eu era

não terá uma vida de pastor.


Foto: Gentileza do entrevistado

um garoto de 21 anos saindo da faculdade. Eu me casei


quando tinha 22 anos. Quando saí da faculdade, o que era
a igreja? Era maravilhosa! E eu me tornei um pastor auxi-
liar de um pastor sênior chamado Phil. Ele me acolheu e

8 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
me levou sob suas asas! Então, ele me disse: “Dwight, fi-
que comigo. Apenas me acompanhe.” E foi a melhor coi-
sa que eu tive no começo do ministério. E para todos os Bons sermões de sábado não surgem na
pastores experientes que estão lendo isso agora, eu digo:
Vocês estão sendo observados pelos mais jovens. Eles es-
sexta-feira à noite. Você tem que trabalhar
tão aprendendo o que devem e o que não devem fazer. o conteúdo ao longo da semana.
Certamente a igreja era mais “descomplicada”. Mas a
mídia mudou tudo. Temos agora a Geração Z, os “filhos”
das redes sociais. Eles são uma espécie de produto. Pos- Agora, quanto à escrita, meus livros saíram exclusi-
suem os maiores índices de problemas de saúde mental vamente dos meus sermões. Eu passo horas semanais
do que qualquer outra geração. Sabe por quê? Porque escrevendo um sermão. Então, quando você termi-
o celular isolou essa geração inteira. Eles estão em seu nar de escrever um sermão, não jogue fora. Mante-
próprio mundo. Eles têm 500 amigos, mas nunca encon- nha o que você escreveu. Se pregar uma série de dez
traram nenhum deles. Recentemente, veio a pandemia. sermões, você terá dez capítulos de um livro. E, você
Agora, temos um novo mundo. A pandemia isolou ain- sabe, são 128 páginas facilmente. Então, escreva, sal-
da mais todos nós. A Igreja Adventista não retornou ve e guarde. ­Escreva para a revista Ministério. Escreva
ao que era antes da pandemia. Eu tenho membros que para a ­Revista ­Adventista. Escreva um livro! Quando
não estão mais na igreja. Eu até sei que alguns estão as- você prega um sermão, as pessoas na igreja são aben-
sistindo aos cultos, mas estão em um novo ritmo. Pre- çoadas por ele. Mas quando você publica um artigo ou
ferem ficar com seus pijamas e suas bebidas quentes livro, pessoas de lugares inimagináveis são alcançadas
enquanto “adoram” com os aparelhos nas mãos. Nos- pelo seu conteúdo.
sa igreja está voltando lentamente, apenas lentamente. Com relação às séries de sermões que faço em mi-
Os pastores de hoje são muito independentes. Isso nha igreja, eu gasto tempo apenas pensando e orando,
representa um novo desafio para os administradores. e tomando notas de ideias. Se você não planejar, tomar
Os alunos são diferentes. Os professores também. Todo notas e se preparar com antecedência, nada acontece-
mundo mudou! Hoje você tem que cortejar, tem que rá. Coloque tudo em um arquivo. Seja disciplinado. Bons
convencer, tem que convidar. Caso contrário, as pes- sermões de sábado não surgem na sexta-feira à noite.
soas vão embora. Então, não podemos mais comandar. Você tem que trabalhar o conteúdo ao longo da sema-
Os tempos mudaram. Mas, graças a Deus, “Jesus Cris- na. Tenho certeza de que Deus fará grandes coisas em
to é o mesmo ontem, hoje e para sempre” (Hb 13:8). Ele você e por você, mas é preciso se preparar intelictual-
diz: “Eu, o Senhor, não mudo” (Ml 3:6). mente e espiritualmente.

Como é sua rotina de leitura e escrita? Qual é a importância da vida de oração?


Eu digo aos meus alunos do seminário que existem Para aqueles que estão começando o ministério ago-
três regras para a pregação fresca e criativa. A regra nú- ra, comecem imediatamente a desenvolver uma vida
mero um é leitura. A regra número dois é leitura. E a regra de oração. Não há vida sem oração. Se você não tem
número três é leitura. Leia, leia, leia! Se você não gos- uma vida de oração, você não terá uma vida de pas-
ta de ler, não entre no ministério. Leia o máximo que pu- tor. A oração é a coisa mais importante que você faz.
der. Ponha diante dos seus olhos boa literatura. Algumas Eu digo aos meus pregadores: “Nenhuma oração no es-
pessoas dizem: “Eu não leio nada além da Bíblia e ­Ellen critório, nenhum poder no púlpito.” Sim, eu quero po-
White.” Não, isso não é bom. Ellen White era uma boa der no púlpito. Eu preciso de poder. Não posso trazer
leitora. Lia teologia, biografia, filosofia e ciências. ­Então, o meu próprio poder. Sou totalmente dependente do
leia! Leia histórias, notícias, biografias. João B
­ atista cos- poder vindo de fora de mim. A oração é absolutamen-
tumava ir à cidade apenas para observar as pessoas. te a essência da obra pastoral. Precisamos passar pelo
Por que ele fazia isso? Apenas para observar a raça hu- menos uma hora com Jesus todos os dias. Pouca ora-
mana a quem ele pregava. Essas também são as pes- ção, pouco poder. Alguma oração, algum poder. Muita
soas que eu tenho que alcançar com a minha mensagem. oração, muito poder. É assim que funciona.

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CAPA

A
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL MINISTÉRIO
EO

Perigos e soluções para


o trabalho pastoral

Daryl Gungadoo

E
m 1953, o renomado autor de livros você a conhecer a tecnologia e a várias fer- Diferenciação dos humanos
infantis Roald Dahl escreveu um con- ramentas que ela fornece para a nossa igreja. Mesmo que a IA possa se tornar muito
to intitulado The Great ­Automatic inteligente em certas áreas, ela jamais po-
Grammatizator (O Grande Gramati- Definição derá substituir a inteligência humana criada
zador Automático). Espantosamente, sua Para resumir, a IA é um software de por Deus pois, francamente, nem nós com-
narrativa parecia prever o surgimento da computador que tenta simular o pensa- preendemos totalmente a inteligência hu-
inteligência artificial (IA), que se tornou um mento humano. Mas, em vez de apenas mana. Então, como poderemos replicá-la?
dos aplicativos que teve um dos maiores executar uma lista de instruções, esse Deus nos criou com uma ou duas in-
crescimentos de consumo da história até software trabalha com um propósito. teligências predominantes destes nove
aqui. O conto de Dahl captura a ansiedade Para funcionar, ele precisa ingerir gran- tipos de inteligência humana e três esti-
gerada pela crescente prevalência da IA e des quantidades de dados rotulados de los de aprendizagem:1 inteligência visual-
pela diminuição do valor do trabalho cria- treinamento e, em seguida, analisá-los espacial, inteligência musical, inteligência
tivo humano. em busca de correlações e padrões, que, cinestésico-corporal, inteligência linguísti-
Na tentativa de desmistificar onde esta- por sua vez, ajudam nas previsões ou to- ca, inteligência interpessoal, inteligência ló-
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mos e para onde vamos com a IA, convido madas de decisões. gico-matemática, inteligência intrapessoal

10 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
(aprendizagem individual), inteligência na- de deduzir as intenções humanas e prever o É importante garantir que os sistemas de IA
turalista (uso da natureza nas explicações), comportamento, uma habilidade necessária não representem uma ameaça à nossa se-
inteligência existencial e estilo de aprendi- para que os sistemas de IA se tornem mem- gurança ou liberdade (isso para o bem de
zagem visual, cinestésico ou auditivo. bros integrais do m­ undo humano.”4 Até o “muitos”).
Apesar de um computador conseguir si- momento, esse tipo de IA não existe.
mular alguns dos tipos de aprendizagem e Autoconsciência. Essa funcionalidade é Vantagens e desvantagens
processos de raciocínio que Deus criou, a IA capaz de guardar memórias do passado e Veremos, em primeiro lugar, algumas
também busca emular habilidades cogniti- fazer previsões, aprender e se tornar mais vantagens da IA:
vas, como o raciocínio, o aprendizado e a inteligente, baseando-se em suas próprias • Se for programada adequadamente,
autocorreção, obtendo diferentes graus de experiências. A IA da ficção científica se en- a IA pode eliminar erros humanos (de or-
sucesso. Ela é melhor em alguns estilos quadra nessa categoria, que também não tografia, por exemplo), aproveitando sua
de aprendizagem (como a lógico-matemáti- existe ainda. precisão programada e sua ­capacidade de
ca), é moderadamente boa em outras (como tomar decisões embasadas em informa-
a visual-espacial) e vai muito mal em outras Questões éticas ções coletadas e padrões abrangentes.
(como a intrapessoal e a interpessoal). Preconceito, discriminação e uso indevi- • Os robôs de IA podem substituir os
Embora Deus tenha colocado na huma- do. Como são os seres humanos que treinam humanos em cenários perigosos, como de-
nidade o desejo de criar e inventar, pare- os sistemas de IA com conjuntos de dados sarmar bombas e explorar o espaço ou as
ce (até agora) que replicar o processo de que eles mesmos criaram, o que for produ- profundezas do mar.
pensamento de um cérebro humano não é zido pelos programas pode refletir os vieses • A IA não é afetada pelo cansaço, por
possível, o que me faz ficar ainda mais ma- e preconceitos de seus criadores. Conside- distrações ou pelo tédio e não precisa de in-
ravilhado com o poder, o conhecimento e re os resultados com cautela e lembre-se de tervalos para descanso. Ela é particularmen-
a criatividade de Deus. que o resultado será parecido com o conjun- te boa em tarefas monótonas e repetitivas.
to de dados onde foi treinado, sem falar em • Embora as atitudes e emoções sub-
Categorias de IA outros fatores, como o viés algorítmico, por jetivas influenciem as tomadas de decisão
Podemos classificar a inteligência arti- exemplo. Outra questão importante é que do ser humano, a IA se baseia em informa-
ficial por funcionalidade, conforme sugeri- um criminoso cibernético poderia desenvol- ções factuais como fundamento para seu
do por Arend Hintze:2 ver um “vírus” que distorcesse os dados que processo de tomada de decisão (se progra-
Máquinas reativas. Uma máquina reati- estão sendo treinados em um sistema de IA, mada adequadamente).
va não tem memória, mas é utilizada espe- usando informações erradas para obter um Por outro lado, a IA também apresenta
cificamente para um determinado tipo de resultado prejudicial. algumas desvantagens:
tarefa. Ela geralmente é projetada para fins Privacidade. Os sistemas de IA cole- • O desenvolvimento da IA exige
específicos e não pode ser facilmente usada tam e processam grandes quantidades h
­ ardwares e softwares sofisticados, além
em outras situações. Um exemplo disso se- de dados sobre nós. Dependendo das re- de um investimento significativo de tem-
ria um aplicativo de jogo de xadrez que não gulamentações do país, os dados podem po. Os dispositivos de IA exigem atuali-
pode usar jogadas do passado para informar incluir informações pessoais, como loca- zações e manutenção regulares, o que os
os jogos futuros, em vez disso, ele analisa os lização, histórico de navegação e de ati- torna um empreendimento caro.
movimentos possíveis e escolhe quais são vidade nas mídias sociais. Portanto, é • A IA é excelente na ­execução de ta-
os mais estratégicos. imperativo que tais dados sejam utiliza- refas programadas, mas não tem a ca-
Memória limitada. Esses sistemas de IA dos de forma responsável. pacidade de pensar de forma criativa
usam experiências passadas para moldar Falta de transparência e responsabili- ou de se desviar de seus parâmetros
decisões futuras. Um bom exemplo disso dade. Os sistemas de IA geralmente são predeterminados.
é um carro autônomo: “As observações in- vistos como complexos e obscuros, o que • O desemprego é uma grande preocupa­
formam ações que ocorrerão em um futuro dificulta o entendimento de como eles to- ção em relação à IA, pois os robôs movidos
não tão distante, como um carro mudando mam decisões e também torna difícil saber a IA já substituíram os humanos em várias
de faixa.”3 No entanto, essas observações como corrigir o processo. Isso pode levar à funções nas áreas da indústria e da pesquisa.
não são armazenadas permanentemente. desconfiança e ao medo da IA. • Como a IA assume uma parte substan-
Teoria da mente. “Quando aplicada à IA, [a Controle. Os sistemas de IA estão se tor- cial das responsabilidades do funcionário, os
teoria da mente] significa que o sistema te- nando cada vez mais autônomos, pois to- trabalhadores podem se tornar negligentes
ria inteligência social o suficiente para enten- mam decisões sem o envolvimento humano. e acabar confiando demais na IA para geren-
der as emoções. Esse tipo de IA seria capaz Esses sistemas precisam ser monitorados. ciar detalhes críticos da sua função.

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 11
• O desenvolvimento moral, que é en- Oferecer atendimento. A IA pode ser
raizado nos seres humanos desde a pri- usada para fornecer aconselhamento (em-
meira infância, não existe nas máquinas bora eu prefira um ser humano real com
de IA (a menos que sejam explicitamente empatia fazendo essa tarefa), registrar pe-
programadas para isso). Elas só possuem didos de oração ou outras informações re-
conhecimento, reconhecimento e habilida- ferentes aos membros da igreja.
des de utilização baseados em parâmetros Chatbots. Os programas de computa-
programados. dor podem simular conversas com seres
humanos. Os chatbots podem ser usa-
Mitos dos para responder perguntas, interagir
A inteligência artificial retratada na fic- com os visitantes como se fosse um diá-
ção é real. Alguns filmes de ficção, como cono virtual ou fornecer orientação e aju-
Matrix, Exterminador do Futuro e M3GAN, da. (Embora a novidade de ser abordado
geralmente exageram nos tipos de IA au- por um robô como visitante possa ser di-
toconscientes. Esses tipos de IA não exis- vertida para alguns, os seres humanos bus-
tem e não existirão tão cedo. Se existissem, cam, por natureza, conexões com outros
seriam um divisor de águas absoluto. Um A IA se desenvolverá por conta própria e seres humanos. Sugiro que os chatbots se-
computador com inteligência artificial ge- irá se rebelar contra a humanidade. Embo- jam restritos ao suporte on-line.)
ral poderia devorar todo o conhecimento ra a IA esteja superando os seres humanos Evangelismo personalizado. Os varia-
do mundo (coletado da internet) para re- em tarefas repetitivas complexas, ela per- dos chatbots podem conduzir estudos
solver alguns dos problemas globais, ou até manece limitada em seu escopo e carece bíblicos. (Pessoalmente, prefiro que um
mesmo lidar com eles antes que surgissem. de criatividade. Como criacionista, acredito estudo bíblico seja conduzido por um ser
Os sistemas de IA são injustos. A IA é que somente Deus transmite a consciên- humano capaz de empatia. Tenho essa
mais utilizada para decisões relacionadas cia e que simplesmente não é possível que mesma sensação quando “converso” com
a empregos, empréstimos bancários e alo- uma IA desenvolva consciência e sensibili- o chatbot do meu banco.)
cação de crédito e portanto, pode pare- dade por conta própria. Assistentes virtuais. Os assistentes vir-
cer injusta para com os grupos vulneráveis. tuais são como os chatbots, mas podem fa-
É preciso lembrar que a IA é treinada para O uso da IA na igreja zer mais. Eles podem agendar compromissos,
imitar o comportamento de seres huma- Perguntei a dois dos sistemas de IA mais fazer reservas e até mesmo ajudar em tarefas
nos na tomada de decisão e que ela irá re- populares, o Google Bard (baseado no Mo- como lavar roupa e fazer compras no super-
fletir os seus vieses. delo de Linguagem para Aplicativos de mercado. (Suponho que um pastor experien-
A IA é tão boa quanto os dados com os Diálogo) e o ChatGPT (baseado em transfor- te possa tirar proveito dessa ferramenta.)
quais é treinada. Nenhum conjunto de da- madores generativos pré-treinados), como Ferramenta para sermões. A IA pode
dos do mundo real é perfeito. No entanto, é eles veem a IA ajudando as igrejas hoje e em auxiliar pastores e outros líderes forne-
possível resolver os problemas usando téc- um futuro próximo. Aqui estão algumas das cendo acesso a referências bíblicas rele-
nicas como a formulação cuidadosa do pro- sugestões geradas por eles (meus comen- vantes, ao contexto histórico e a outros
blema, uma amostragem direcionada, uso tários estão entre parênteses): recursos. (Por exemplo, no ChatGPT, você
de dados sintéticos ou a criação de restri- Melhoria de operações. A IA pode ser pode perguntar: “Quais são alguns versos
ções nos modelos. usada para automatizar tarefas como bíblicos que apoiam a ideia X?”)
A IA vai tirar nossos empregos. A maio- agendamento, orçamento e entrada de da- Análise de dados. A IA pode ser u ­ sada
ria das mudanças de paradigma na tecno- dos. Isso liberará o tempo da equipe para para analisar dados de cultos, páginas da
logia enfrentou o medo do desemprego se concentrar em tarefas mais importan- web e mídias sociais da igreja. Esses d
­ ados
em massa, desde o carro até a calculadora tes, como ministrar à congregação. permitirão que você saiba mais sobre os
e ao computador pessoal. No longo pra- Melhorar estratégias evangelísticas. membros da igreja, os membros em poten-
zo, alguns empregos desaparecerão de A IA pode ser usada para criar conteúdo cial e a comunidade em geral.
fato, mas novos empregos e novos seto- personalizado para membros da igreja e Tradução de idiomas. A tradução feita
res surgirão, juntamente com padrões de membros em potencial. Quando as estra- com a tecnologia da IA pode ajudar as igre-
vida mais elevados. Eu acredito que a IA tégias são adaptadas aos interesses e às jas a alcançar falantes de outras línguas,
será usada como uma ferramenta para au- necessidades de cada pessoa, é mais pro- superando assim as barreiras linguísticas
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mentar os empregos existentes. vável que seja aceita e haja engajamento. existentes.

12 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
Eventos virtuais. A IA pode criar even- Um final diferente Referências

tos virtuais em que pessoas do mundo in- Alguns filósofos da tecnologia acham Veja A Teoria das Múltiplas Inteligências de Howard
1

Gardner em Howard Gardner, Inteligências Múltiplas:


teiro podem participar. Isso pode ajudar as que pode ocorrer uma crise se os objeti- A Teoria na Prática (Porto Alegre: Penso Editora, 1995).
igrejas a atingir um público mais amplo e vos de uma IA não forem os mesmos da K. Sarwar, “Types of Artificial Intelligence”, disponível
2

a se conectar com aqueles que talvez não humanidade, fazendo com que a IA ultra- em <link.cpb.com.br/e09e57>, acesso em 19/5/2023.

possam participar pessoalmente. passe as barreiras humanas e “domine o Sarwar, “Types of Artificial Intelligence”.
3

Segurança. Os sistemas de segurança mundo”. No entanto, uma leitura escato- “What Is Artificial Intelligence? How Does It Work?”,
4

Zegashop, disponível em <link.cpb.com.br/928483>,


com a tecnologia da IA podem ajudar as lógica da Bíblia sugere um fim do mun-
acesso em 2/3/2022.
igrejas a proteger suas propriedades e evi- do bem diferente, no qual “Ele [Jesus] vem
tar crimes, por meio da detecção e respos- com a nuvens e todo olho O verá” (Ap 1:7).
ta a possíveis ameaças. Estou ansioso por esse final glorioso e por
esse novo começo. DARYL GUNGADOO
diretor do laboratório de
mídia da Adventist Review

PERIGOS DA IA
1 Apela
s ferramentas e fontes consultadas
IA são confiáveis? A busca parece
sermões impessoais, sem o perfil do
pregador, algo pior do que um “sermão
Em vez de prepararmos sermões ins-
tantâneos, precisamos nos valer de
ser sem critério, pois utiliza apenas as enlatado”, pois, ao menos, o sermão en- sermões preparados em bibliotecas co-
informações que estão disponíveis em latado vinha de um pastor ou teólo­ muns, pesquisados com conteúdo sólido
seu banco de dados. Ficarão de fora, go experiente e confiável. Com a IA, e rico, feito por pessoas reais e não por
por exemplo, livros, dicionários, léxicos o sermão virá de “alguém” que nunca máquinas. Portanto, pastores e ­líderes
e comentários de autores e editoras que pregou um sermão sequer e não se pre- de igreja precisam consultar livros físi-
dialogam adequadamente com a n ­ ossa parou espiritualmente para isso. Pasto- cos, livros digitais, aplicativos confiáveis
teologia. res começarão a pregar sermões feitos (como o Logos, por exemplo) e, sobre-
por máquinas e dirigidos a pessoas, ou tudo, a Bíblia.

2 SAgora
erá um estímulo à preguiça intelectual. seja, quem não tem “cheiro de ovelha”
o pastor nem precisa, ao menos,
escolher as fontes: terá o sermão pron-
fará os sermões de quem ou para quem
cuida das ovelhas – um grande perigo!
5 Oto preparo de um sermão deve ser fei-
com oração e estudo da Bíblia, dos
to, ainda que direcione as perguntas ou livros do Espírito de Profecia e de ou-
até proponha os tópicos. Se alguns pas-  esta era de imediatismo, usar a IA um
4 Ndia tros livros teológicos confiáveis. Isso de-
tores já tinham dificulda­des de fazer ser- antes de pregar parece ser uma ten- manda tempo, esforço e relacionamento
mões novos, agora a preguiça terá ares tação atraente. De fato, estamos imer- com Deus. Quando um pregador depen-
de “inteligência”. No formato “antigo” de sos na cultura do fácil, do descomplicado, de inteiramente da IA para produzir suas
pesquisa, o pastor devia escolher suas do rápido. Assim, sobra mais tempo para mensagens, está suprimindo o traba-
fontes, mesmo em meio a várias fontes se perder em coisas superficiais, como lho do Espírito ­Santo. Observe, portan-
confiáveis – um processo de seleção al- curtir fotos ou assistir a vídeos de entre- to, que essa é uma questão de teologia,
tamente estimulante e educativo. tenimento. No entanto, o ministério pas- ideologia, identidade e escolha.
toral não deve estar refém dessa cultura
ADOLFO SUÁREZ
3  alvez um dos maiores perigos da IA
T
para o ministério seja a produção de
fast-food, alimentando-se de comida
processada, artificial e sem nutrientes.
reitor do SALT e diretor do Espírito de
Profecia da Divisão Sul-Americana

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 13
FIDELIDADE

CONTAMOS O QUE
VALORIZAMOS
Visão, missão e objetivo da mordomia cristã

Marcos Bomfim

Q ual é o objetivo do Ministério de Mordomia Cristã? Qual resultado é mais valorizado nesse importante ministério da igreja? A res-
posta a essas perguntas cruciais dependerá daquilo que entendemos como visão e missão do departamento.

VISÃO
Conta-se que alguém perguntou a Michelangelo o que ele estava esculpindo em um enorme bloco de granito. “Um cavalo”, ele res-
pondeu. “Mas como você pode esculpir um cavalo a partir de um bloco de granito?”, a pessoa questionou com espanto. “É fácil”, disse
Michelangelo. “Minha tarefa é apenas remover o que não é o cavalo.” Curiosamente, o artista foi capaz de visualizar um cavalo dentro
daquele bloco de granito, e foi essa visão que lhe permitiu remover tudo o que não fosse pertinente ao cavalo. Ter uma visão foi, por-
tanto, um ponto crucial para que o escultor estabelecesse sua estratégia de trabalho e definisse a forma do resultado.
No Ministério de Mordomia Cristã também é extremamente importante que tenhamos uma visão clara do que esperamos como
resultado de nosso trabalho. O que realmente queremos? Manter os cofres da igreja cheios de dinheiro ou levar as pessoas a temerem
a Deus e dar-Lhe glória, “pois é chegada a hora em que Ele vai julgar” (Ap 14:7)? A resposta a essa pergunta é o que determinará a es-
tratégia a ser adotada.
Uma visão apropriada para o Ministério de Mordomia Cristã só será desenvolvida quando houver uma compreensão do que é Mor-
domia Cristã. Uma definição interessante diz que “mordomia é o gerenciamento daquilo que pertence ao outro”,1 isto é, o que perten-
ce a Deus, o Dono de todas as coisas (Sl 24:1-3; 1Co 10:26).
Os seres humanos foram designados na criação como mordomos dos bens de Deus (incluindo eles mesmos), e qualquer “pessoa pode
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[escolher] ser um bom ou um mau mordomo”.2 A verdadeira felicidade e o significado da vida só podem ser encontrados por meio do
Foto:

14 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
gerenciamento adequado de si mesmo e dos Igreja Adventista criou muitos ministérios, ou as pessoas sempre doem “segundo [tive-
ambientes sociais e materiais, de acordo com departamentos, tais como Educação, Escola rem] proposto em seu coração”?
as especificações de Deus. Mas como gerir a Sabatina, Ministério Pessoal, Saúde, Ministé- Embora o coração possa ser impressio-
própria vida e tudo o que a rodeia? rio da Família e Ministério da Mulher – só para nado por Deus em muitas circunstâncias,
Jesus declarou um princípio-chave de mencionar alguns –, todos fazendo sua parte as impressões, por si só, não devem ser o
gestão (ou mordomia) que, se pratica- para estimular as pessoas a adotarem princí- único critério para fazer escolhas. Aqueles
do, colocará tudo na perspectiva correta. pios gerais de mordomia ou gestão. que confiam demais em seus sentimentos,
Ele disse: “Busquem em primeiro lugar o sempre permitindo que suas impressões
Reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas MISSÃO ou inclinações comandem suas ações, fre-
coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6:33). Nossa declaração de missão tem a ver quentemente ignoram que o coração é na-
Essa é a declaração de visão do Ministé- com a contribuição específica do Ministé- turalmente egoísta e “enganoso [...] mais
rio de Mordomia: “Pessoas ­ colocando rio de Mordomia Cristã para a visão abran- do que todas as coisas” (Jr 17:9). Ellen White
Deus em primeiro lugar.” O verdadeiro su- gente de “Deus em primeiro lugar”, que afirmou: “O egoísmo é o mais forte e mais
cesso em todas as áreas da vida só pode também deve ser cumprida por todos os generalizado dos impulsos humanos. […]
ser obtido se esse princípio for praticado. demais departamentos da igreja: “Convi- Em nosso trabalho e em nossas doações
Satanás sabe disso. Por essa razão, dar as pessoas a confiar em Deus como o à causa de Deus, não é seguro ser domina-
“tem sido [o seu alvo] levar as pessoas a pôr Dono e Provedor de tudo e, por meio de do por sentimentos ou impulso.”8
o eu em primeiro lugar”,3 em vez de Deus. doações regulares e sistemáticas, ser Seus Portanto, em vez de agir tão somen-
Esse tipo de mentalidade “enche o mun- associados na missão final.” te de acordo com os sentimentos, so-
do de miséria e contenda”,4 tornando-se a Existem alguns elementos-chave nes- mos encorajados por Deus a “agir guiados
principal razão para problemas ambientais sa declaração de missão. Primeiro, o Minis- por princípios fixos, seguindo o exemplo
e econômicos, fracassos matrimoniais e o tério de Mordomia Cristã não tem como de desprendimento e autossacrifício do
colapso de quaisquer outras relações so- único objetivo convidar as pessoas a doar, ­Salvador”.9 Ao mesmo tempo, precisamos
ciais. Mesmo assim, a humanidade ainda mas a confiar em Deus, como Proprietário orar por uma mudança de coração, a qual
insiste em colocar o eu em primeiro lugar. e Provedor de tudo. é promovida quando o Espírito Santo ha-
Há algum tempo, vi no Cairo, capital O segundo ponto a ser destacado diz bita em nós (Ez 36:26, 27). Somente assim
do Egito, uma enorme placa em uma rua respeito a fazer sociedade com Deus e o coração será inclinado a fazer o que é
muito movimentada que dizia: “Colocando agir como instrumentos Dele na Terra. certo. Então, “a causa da beneficência não
você em primeiro lugar.” Essa frase resu- Essa parceria – que é proposta por Ele e dependeria da incerteza de doações resul-
me muito bem a mentalidade egoísta que envolve privilégios e responsabilidades – tantes de impulso, que variam segundo os
permeia o mundo e se opõe a Deus e, con- inclui também nossas finanças (Pv 3:9, mutáveis sentimentos do ser humano”.10
sequentemente, à felicidade e ao sucesso. 10; Ml 3:10; 1Co 3:9; 16:2). Em consonân- Uma vez que “[nossas] posses são por-
“O egoísmo”, Ellen White escreveu, “é a es- cia com esses versos da Bíblia, Ellen White tadoras de afeições”,11 somos encorajados
sência da depravação, e, pelos seres huma- ­escreveu: “O Senhor fez uma aliança espe- por Deus a colocar nossos recursos regu-
nos terem se submetido ao seu poder […], cial com os seres humanos, de ques se eles lar e sistematicamente onde queremos que
nações, famílias e indivíduos estão cheios separassem regularmente a parte desti- o nosso coração esteja (Mt 6:21). E quais
do desejo de fazer do eu um centro”.5 nada ao avanço do reino de Cristo, Ele os devem ser a regularidade e o sistema com
Se Satanás visa “levar os homens a pôr o abençoaria imensamente, de tal modo que que damos o dízimo e as ofertas? A regu-
eu em primeiro lugar”, enchendo “o mundo não haveria mais lugar para receber Suas laridade é determinada pelo recebimento
de miséria e luta”, somos chamados a asso- dádivas.”6 E acrescentou: “Se os homens se de uma renda, enquanto o sistema primá-
ciar-nos com Deus na tarefa de desmascarar tornarem condutos pelos quais as bênçãos rio de doações – válido também para as
a obra do inimigo. Não são apenas os mem- dos Céus possam fluir para os outros, o ofertas – pressupõe uma proporcionali-
bros da igreja que são convidados a colocar Senhor conservará suprido esse canal.”7 dade da renda baseada em uma porcen-
Deus em primeiro lugar, mas “toda nação, A ênfase mais importante na declaração tagem (Dt 16:17, 1Co 16:2; 2Co 8:12). Esse
tribo, língua e povo” são chamados a temer de missão está no fato de que as pessoas tipo de doação regular e sistemática é cha-
a Deus e dar-Lhe glória (Ap 14:6, 7), reconhe- são convidadas a exercitar sua confiança mada de pacto, e aqueles que aderem a
cendo-O como o Senhor de tudo. em Deus, principalmente por meio de doa- esse sistema são chamados de pactuantes.
Uma vez que a visão “Pessoas colocan- ções regulares e sistemáticas. Por que tanta Em uma mudança de paradigma, Deus
do Deus em primeiro lugar” é mais ampla do ênfase nas doações regulares e sistemáti- agora Se torna o centro da doação, e
que o escopo de um único departamento, a cas? Por que simplesmente não sugerir que os pactuantes deixam de ser “dominados
Foto:

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 15
pelo sentimento ou pelo impulso”, pois eles no crescimento espiritual em vez do cresci- isso seja para o cumprimento da grande co-
sabem que isso seria perigoso. Eles já não mento financeiro, devemos contar não o di- missão de Cristo. Ele quer ver mais pessoas
doam como filantropos que, quando de- nheiro, mas a participação das pessoas, ou conhecendo Deus de maneira mais íntima,
sejam doar, o intuito é ajudar, patrocinar seja, a proporção dos membros engajados confiando Nele, aprendendo a viver pela fé
ou apoiar algo ou alguém. Tampouco an- em doações regulares e sistemáticas. Como e, finalmente, habitando no Céu após a se-
seiam por qualquer reconhecimento hu- diz o ditado: “Contamos o que valorizamos gunda vinda de Jesus. Você também deseja
mano depois de terem doado. Eles doam e valorizamos o que contamos.” Por isso, isso? Então, diga: Ora, vem, Senhor Jesus!
como resposta às bênçãos de Deus e não nosso objetivo é: “No início de cada ano, um
Referências
na expectativa de recebê-las. acréscimo de 2% no número de membros da
1
Mel Rees, Basic Stewardship Manual (Singapura:
igreja local que participa com seus dízimos e
General Conference of SDA, Far Eastern Division,
OBJETIVO ofertas regulares e sistemáticas.” Department of Church Ministries, 1990), p. 7.
Como saber se estamos obtendo suces- Assim, a questão mais importante a 2
Rees, Basic Stewardship Manual, p. 7.
so em nosso convite para as pessoas confia- ser acompanhada por um pastor é: Qual 3
Ellen G. White, Conselhos Sobre Mordomia (Tatuí, SP:
rem em Deus e serem associadas Dele em é a proporção do total de membros que Casa Publicadora Brasileira, 2021) p. 19.

Sua missão final por meio de doações regu- está atualmente devolvendo os dízimos e 4
White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 19.

lares e sistemáticas? Como avaliar o nosso as ofertas regulares e sistemáticas? Essa 5


White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 19.

progresso? Devemos considerar o aumen- proporção de pactuantes está crescendo 6


White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 55.

to do valor dos dízimo e das ofertas de uma ou diminuindo? Essas perguntas precisam 7
White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 27.

congregação ou campo como um indicador ser respondidas detalhadamente e os da- 8


White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 20.
de maior confiança em Deus por parte de dos devem ser acessados ​​para que, então, 9
White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 20.
seus membros? De maneira nenhuma. os planos sejam elaborados. Caso contrá- 10
White, Conselhos Sobre Mordomia, p. 138.
O aumento da receita de dízimos e ofer- rio, a visão de “pessoas colocando Deus em 11 
Marcos F. Bomfim, “Nurture and Heart
Retention”, Dynamic Steward 22 (2019), p. 16.
tas não é necessariamente um indicativo de primeiro lugar” nunca será cumprida.
crescimento espiritual de uma congregação, Quando um pastor prioriza a avaliação e a
pois esse aumento pode ser apenas um re- participação das pessoas no processo de fide-
flexo da bênção que uma só pessoa daque- lidade, demonstra desejar mais do que sim- MARCOS BOMFIM

Foto: Gentileza do autor


la congregação ou campo tenha recebido. plesmente promover um aumento na receita diretor de Mordomia Cristã
da Associação Geral
E como nossa declaração de missão é focada financeira da igreja, por mais importante que

PROVAI E VEDE
Para fortalecer e promover a visão, missão e objetivo da Outras informações importantes:
Mordomia Cristã, a Divisão Sul-Americana produz há 12 anos 1. Todos os vídeos terão menos de cinco minutos. Isso não demandará
os vídeos do “Provai e Vede”. Semanalmente, os testemunhos muito tempo do culto.
fortalecem a adoração e possibilitam aos membros expressar 2. Os vídeos seguem um calendário de temas. Assim, vários aspectos da fi-
o louvor pelas bençãos recebidas de Deus. delidade serão contemplados ao longo do ano: missão, saúde, guarda do
Em 2024, os vídeos do Provai e Vede passarão por uma mu- sábado, dízimos, ofertas, comunhão e compromisso com a causa de Deus.
dança significativa. A primeira mudança será na forma de contar 3. Uma equipe de oito profissionais está envolvida na produção dos ví-
a história. Você perceberá que os relatos estarão mais pessoais e deos. Uma das funções dessa equipe é certificar-se de que nenhum
com uma aplicação para a vida de quem estiver assistindo. Ou- vestígio da teologia da prosperidade seja apresentado nos vídeos.
tra mudança será a apresentação de histórias de jovens e crian- A cada sábado de 2024, os vídeos do Provai e Vede irão mostrar o cuida-
ças, a fim de que as novas gerações se sintam parte do projeto. do de Deus por Seus filhos, principalmente quando escolhem acreditar Nele
Por fim, o Provai e Vede de 2024 trará histórias impactantes de por meio de sua fidelidade. Acompanhe e compartilhe essas histórias com
missionários que irão mostrar como Deus tem agido em luga- seus amigos e familiares.
res desafiadores do mundo. Todos esses relatos também se-
rão uma prestação de contas, a fim de que a igreja saiba como JOSANAN ALVES
e onde os recursos dos dízimos e ofertas estão sendo usados. diretor de Mordomia da Divisão Sul-Americana

16 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
A PONTE ENTRE O ANTIGO E O NOVO

TESTAMENTO

Encontre respostas para questões


profundas sobre o evangelho,
a lei e o sábado que foram
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encaradas com dedicação por


Skip MacCarty ao longo do seu
ministério pastoral. Sua busca por
respostas convincentes, com sólida
fundamentação bíblica, teve como
resultado este livro. Nele, o autor
reflete sobre o relacionamento
entre Deus e Seu povo ao longo
das eras.

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FAMÍLIA

FÉ EM
CRESCIMENTO
C
O cuidado espiritual das novas gerações omo esposa de pastor e mãe, es-
tou muito interessada no desen-
volvimento espiritual das crianças
e adolescentes. Dentro do ambien-
Somalia Fernández te eclesiástico, influenciamos aqueles que
nos rodeiam, seja de forma direta ou indi-
reta, sejam nossos filhos ou não. Por isso,
precisamos refletir se, como líderes e pais,
estamos alimentando de maneira saudável
e equilibrada a fé das novas gerações. Nes-
te artigo, vou compartilhar algumas ferra-
mentas e conselhos de profissionais da
área que podem ser úteis nesse pro-
cesso educativo.
As crianças, por exemplo, são
reconhecidas, entre muitas ou-
tras características, pela ­facilidade
de acreditar e confiar. O próprio
Jesus ressaltou que essas qua-
lidades são indispensáveis

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Foto:

18 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
àqueles que almejam a eternidade: “Em ou estilos da fé das crianças nos mostra- também ajudá-las a ver como a Bíblia é par-
verdade lhes digo: Quem não receber o rá como podemos ensiná-las a respeito de te da história. De acordo com a idade das
reino de Deus como uma criança de ma- Deus de acordo com a fase em que estão. crianças, mostrar-lhes algumas propostas
neira nenhuma entrará nele” (Mc 10:15). Na Em resumo, esses autores expõem que as nas quais podem explorar a geografia, a lo-
primeira infância, a imaginação e o pensa- crianças em idade precoce e pré-escolar vi- calização e o ambiente cultural. Alguns re-
mento concreto ainda estão em formação. vem a fé através de seus pais. Bailey chama cursos que podem ser usados são mapas,
Por isso, nesses primeiros anos, elas devem esse estágio de “Fé Emprestada”. Quan- excursões a museus e reprodução de cos-
ouvir as histórias da Bíblia. É fascinante do as crianças se sentem amadas e queri- tumes da época em que a Bíblia foi escrita.
para elas escutar, por exemplo, que Daniel das, interpretam que esse Deus de quem Saber (aprendizagem mental). Dar res-
esteve na cova com os leões, e que, ao orar, lhe falamos as ama também. Em seguida, postas de quem é Deus, como Ele é, e o que
Deus o livrou da morte (Dn 6:1-28). Tam- vem a etapa chamada “Fé Afiliada”, típica é a verdade. Esse aprendizado se concre-
bém é incrível para elas ouvir a respei­to do fim da infância e do início da adolescên- tiza por meio do estudo da Bíblia e tam-
de Moisés, um senhor de aproximadamen- cia. Nesse período, a fé se desenvolve nos bém por meio de atividades que envolvem
te 80 anos que, com uma simples vara em ambientes da igreja e da escola, por meio o conteúdo bíblico. A interação constante
suas mãos, abriu o Mar Vermelho (Êx 7:7, do relacionamento dos adolescentes com com as histórias faz com que o conheci-
14:1-31). Cada uma dessas histórias vai seus pares. Nessa fase, eles estão buscan- mento de Deus seja vivo, relevante e atual
construindo na mente da criança a reali- do a identidade pessoal e a aprovação dos na mente das crianças. Para esse ponto é
dade de quem é Deus e do que Ele é capaz outros. Por isso, a igreja desempenha um fundamental continuar implementando
de fazer. Com razão, ­Salomão diz: “Ensine papel fundamental nesse período na vida o culto familiar e as dinâmicas bíblicas na
a criança no caminho em que deve andar, dos nossos filhos, especialmente em rela- igreja e na escola.
e ainda quando for velho não se desviará ção às amizades. Já a adolescência tardia e a Sentir (aprendizagem emocional). De-
dele” (Pv 22:6). juventude são etapas de questionamentos vemos motivar as crianças a viver uma
da fé e da própria existência, fase na qual experiência pessoal e íntima com Deus, en-
Mudanças na fé nossos jovens precisam experimentar a fé volvendo-as em atividades nas quais elas
No entanto, essa facilidade de crer vai por si mesmos. Nesse período, talvez mais aprendam a orar e expressem seus sen-
se perdendo com o passar do tempo. Mas, do que todos os demais, eles precisam ser timentos a Deus. É importante também
em realidade, as crianças perdem a fé em ouvidos. Essa etapa termina na idade adul- ajudá-las a memorizar textos da Bíblia
Deus ou elas vão mudando sua forma de ta, na qual o indivíduo amadurece de for- que apresentam Deus como um Pai bon-
crer? Eu me inclino mais para a última alter- ma plena e se faz responsável por sua fé.2 doso que escuta e responde nossas ora-
nativa. Não devemos esquecer que nossas Como você tem lidado com as novas ge- ções. Por isso é fundamental envolver as
crianças estão em constante crescimento rações em cada uma dessas fases? Que tipo crianças e adolescentes em nossos cultos, a
e adaptação, e essas mudanças incluem a de influências seus filhos têm recebido na fim de ensiná-los a buscar o relacionamen-
fé em Deus e em como O enxergam. Cada igreja e na sociedade em geral? to com Deus de maneira pessoal, sem de-
criança experimentará a salvação e o amor pender dos pais ou professores.
de Deus de um modo diferente.1 Por isso Áreas de aprendizagem Servir (aprendizagem prática). É preci-
é fundamental entender cada etapa pela Uma pergunta que sempre surge é: so também envolver as crianças a experi-
qual elas passam para que, não importa o Como podemos “alimentar” esses está- mentar sua fé de modo tangível, prático
papel que tenhamos, possamos ajudá-las gios ou estilos de fé das crianças? Para e intencional. Afinal, aprendemos 95%
a ter um crescimento equilibrado, com cui- responder a essa importante questão, a mais quando ensinamos aos outros.
dados específicos e direcionados em todos vamos analisar os quatro “Ss” da escritora A prática do ensino ajuda as crianças a
os âmbitos, prestando maior atenção à di- Barbara J. Fisher: situar, saber, sentir e ser- compartilhar com seus pares suas expe-
mensão espiritual. vir.3 Abarcaremos essas quatro áreas de riências de fé com Deus e, assim, saírem
Para tanto, gostaria de convidá-lo a co- aprendizagem que são fundamentais à fé mais fortalecidas espiritualmente. Não im-
nhecer a análise dos professores V. Bailey e que podem ser adaptadas em casa, na porta a idade da criança ou adolescente –
Gillespie e John Westerhoff III, os quais escola e na igreja. Vejamos brevemente o é preciso que eles entendam o significado da
adaptaram os estágios de crescimento de que dizem esses conceitos. missão e da importância de pregar o evan-
Jean Piaget (e o ensino de outros psicólo- Situar (aprendizagem histórica). Ajudar gelho a outros. Envolvê-los em missões no
gos) à experiência religiosa das crianças e as crianças a compreender o contexto em bairro em que vivem ou até em lugares mais
dos adolescentes. Conhecer os estágios que se desenvolveram os fatos bíblicos e distantes é uma excelente iniciativa.

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 19
Outros conceitos a maioria das pessoas tem é que elas são negligentes, suas folhas enfraquecerão e
Permita-me ainda acrescentar dois con- muito delicadas e, ao mesmo tempo, difíceis ela definhará até morrer.
ceitos usando a terminologia de ­Barbara de cultivar. Quando me animei e tive a mi- O cuidado com uma orquídea pode
J. Fischer. Embora possam estar entre- nha primeira orquídea, quase a matei devi- ser aplicado ao desenvolvimento da fé
laçados em alguma dessas quatro áreas do aos cuidados excessivos e inadequados. das crianças. Se formos excessivos ou
apresentadas, quero ressaltá-los porque Um dos meus erros foi molhá-la constante- negligentes, não atendendo aos seus
acredito que podem nos enriquecer ainda mente, acreditando que era algo necessário, estágios de fé, corremos o risco de “afogá-
mais. São estes: segurança e seguir. quando na realidade, esse processo devia ser las” ou “secá-las”. Ellen White escreveu:
Vamos analisar o primeiro. A seguran- abundante e frequente só no verão. Também “A influência de um lar cristão cuidado-
ça emocional é fundamental para o de- coloquei fertilizante direto em suas raízes, ig- samente protegido nos anos da infância
senvolvimento equilibrado das crianças. norando o fato de que devia colocar pouco e da juventude é a mais segura salva-
Esse é um aspecto que deve ser trabalha- adubo na água de irrigação. Além disso, eu guarda contra as corrupções do mundo.
do diariamente. Damos segurança emocio- trocava o vaso e o substrato a cada dez dias, Na atmosfera de um lar assim, as crianças
nal ao escutar, ao validar os sentimentos e sendo que deveria deixar a flor tranquila até aprenderão a amar tanto a seus pais ter-
as emoções, ao fazer o uso correto da dis- que se sentisse segura. Bem, minha vonta- restres como a seu Pai celestial.”5
ciplina, ao dedicar qualidade e quantidade de de ver a flor crescer foi completamente Sejamos equilibrados, cuidemos do co-
de tempo, ao cumprir aquilo que prome- prejudicial. Finalmente, a condenei a viver na ração das crianças, alimentemos sua vida
temos e ao dominar nosso caráter. Assim, escuridão quando, em realidade, ela necessi- espiritual a cada dia, usemos palavras de
fazemos-lhes sentir e ver que tudo pode tava de luz solar para viver. amor e incentivo, limpemos as ervas dani-
mudar ao seu redor, menos o seu centro Depois dessa tortura, decidi que deve- nhas que aparecem pelo caminho e deixe-
(Deus, família e igreja). ria estudar melhor esse tipo de planta. Eu mos que a luz do Sol da Justiça ilumine sua
O outro conceito (seguir) vem como re- sei que deveria ter feito isso antes de com- vida para que, a cada dia, essa “flor” cresça
sultado do trabalho coerente e constan- prar a flor, mas antes tarde do que nun- mais firme na Palavra de Deus.
te dos adultos na vida das crianças. Para ca! Pude estudar cada aspecto sobre ela. Ele nos chamou a ser mentores de nos-
os adultos desenvolverem a fé em Deus, Agora sei que os cuidados são mais sim- sas crianças, para influenciar com nosso
é necessária uma compreensão ampla e ples e específicos do que eu podia imagi- exemplo e com a inteligência dada pelo
profunda da Bíblia; mas não é assim com nar! A orquídea só necessitava de cuidados Céu. Guiá-las com amor em cada uma de
as crianças. Para que elas desenvolvam a pontuais e direcionados de acordo com a suas etapas de crescimento é a nossa fun-
fé e a sustentem ao longo da vida, precisam época do ano: umidade adequada, luz solar ção. Recordemos que, ao sermos chamados
ver nos adultos a coerência e a prática dos não direta, fertilizante específico para or- por Deus para essa nobre missão, também
princípios da Bíblia. Seguir o exemplo positi- quídeas, troca de substrato pelo menos a seremos capacitados por Ele. Somente no
vo dos pais e de outros líderes é o foco certo. cada dois anos, limpeza de raízes podres e Céu veremos realmente os resultados de
Ellen White escreveu sobre a essência um tutor para ajustar a vara floral vertical- nosso trabalho com as novas gerações.
do nosso papel na educação das crianças: mente para que, ao florescer, a planta não
Referências
“Vocês devem instruir, advertir e aconse- sofresse com o peso das flores. Com esses
lhar, lembrando-se sempre de que o olhar, cuidados, a planta pôde crescer de modo Donna J. Habenicht. Como Ajudar seu Filho a Amar Jesus
1

(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011), p. 42.


as palavras e as ações de vocês têm uma in- saudável e durar muitos anos.
Bárbara J. Fisher, Niños con fe (Florida: Asociación
2
fluência direta sobre o rumo futuro de seus Um aspecto fundamental que que-
Casa Editora Sudamericana 2020), p. 69-71.
queridos. A obra de vocês não consiste em ro ressaltar é que suas raízes devem sen-
Fisher, Niños con fe, p. 55-58.
3

formar uma bela figura pintada sobre a tela tir-se seguras no vaso ou na árvore em
Ellen G. White, Orientação da Criança (Tatuí, SP: Casa
4

ou trabalhada no mármore, mas em im- que estão plantadas. Sem essa seguran- Publicadora Brasileira, 2021), p. 154.
primir a imagem divina na alma humana.”4 ça, elas não poderão crescer e muito me- Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí,
5

nos florescer. Há um ditado popular entre SP: Casa Publicadora Brasileira, 2023), v. 1, p. 160.

Cuidado adequado os amantes desse tipo de plantas que diz:


Antes de finalizar este artigo, preci- “Orquídea que se move, orquídea que mor-
so dizer que gosto muito de orquídeas. No re.” A vida da planta dependerá de nossos
SOMALIA FERNÁNDEZ
Foto: Gentileza do autor

professora de Psicologia
entanto, eu nunca pensei que fosse tão com- cuidados. Se formos excessivos, prejudica- na Universidade Adventista
plicado cuidar de um tipo específico dessa remos seu crescimento e será muito difícil Dominicana
flor, chamado Phalenopsis. O conceito que reverter o dano. Se por outro lado formos

20 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
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MISSÃO

FUGINDO DE
Lições do chamado de Jonas
DEUS
Heyssen Cordero Maraví

O
s estudiosos reconhecem cada Jonas tenha escrito o livro, o que traz maior cidade de Nínive e pregue contra ela”
vez mais as narrativas hebraicas curiosidade ao leitor, já que o uso de humor, (Jn 1:2). O verso 3 destaca a resposta do
como escritos altamente sofis- sátira, ironia, absurdos e hipérboles é algo ní- profeta: “Jonas se levantou, mas para fu-
ticados que refletem uma cons- tido no texto. Em outras palavras, Jonas foi gir da presença do Senhor.” Claramente
trução cuidadosa e bem pensada.1 Nessa irônico consigo mesmo. Portanto, trata-se se vê aqui um contraste marcado entre o
direção, Gerhard Hasel considera o livro de uma autobiografia de um anti-herói. que Deus quer e o que faz o profeta Jonas.
de Jonas como único entre os livros profé- A “profecia” de Jonas é certamente a ­Esses três primeiros versos do livro con-
ticos da Bíblia, escrito no estilo de narra- mais conhecida entre os cristãos, devido centram grande riqueza teológica, a qual
ção,2 embora alguns teólogos proponham à simplicidade de sua narrativa e pelo ca- será nosso objeto de estudo neste artigo.
uma mescla de estilos devido à presença da ráter extraordinário dos detalhes de sua
oração no capítulo 2.3 Como as narrativas história.5 No entanto, tudo é estranho no Iniciativa divina
bíblicas são complexas e obras-primas de livro: o chamado desafiador ao profeta, a O livro de Jonas começa dizendo: “A pa-
literatura, apesar de sua aparente simpli- reação de Jonas diante da missão, a con- lavra do Senhor veio a Jonas, filho de
cidade de expressão, Jonas não é exceção. versão dos marinheiros, o aparecimento Amitai” (v. 1). O nome Amitai vem da raiz
Assim, podem-se notar quatro detalhes li- de um grande peixe, a sobrevivência de hebraica emeth, que significa “verdade”,
terários na narrativa de Jonas: (1) palavras ­Jonas no ventre do peixe, o estranho ser- “fidelidade”. A pergunta básica é: Por que
repetitivas, (2) diálogos fluidos, (3) estru- mão, a estranha conversão e o estranho a palavra do Senhor veio a Jonas, o “filho da
tura tipo espelho ou quiasmo e (4) ironia.4 desfecho. Esse é o enredo “estranho” de verdade”? A questão sugere uma respos-
Jonas era natural de Gate-Hafer, cidade uma grande história. Dentro desse contex- ta lógica, mas é mais profunda do que se
que ficava no território da tribo de ­Zebulom, to, Jo Davidson salienta que a expressão lê. Deus é soberano e conhece o ser huma-
dentro das fronteiras do reino do norte. Ali “grande” aparece 38 vezes na narrativa,6 no. O fato de o nome “Jonas” ser pronun-
ele profetizou sobre um novo ciclo de ex- o que realça as ironias decorrentes do en- ciado pelo Senhor indica que Jonas tinha
pansão de Israel sob o reinado de Jeroboão volvimento de Deus na vida do profeta. um Deus pessoal – não como em outras
II (793-753 a.C.; ver 2Rs 14:23-27). Tradicional- A narrativa começa com o chamado ­culturas, com seus deuses distantes, de-
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mente, tem-se considerado que o próprio de Deus a Jonas: “Levante-se, vá à g


­ rande sinteressados no ser humano e vivendo em

22 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
dimensões desconhecidas. Em vez disso, o termo expressa movimento. Afinal, não dá exortou pessoalmente o rei do Egito e, no
Senhor (no texto hebraico aparece o termo para pregar em Nínive sentado no confor- caso de Jonas, o profeta pregou uma men-
YHWH, o nome de Deus usado no contex- to de Gate-Hafer. Jonas precisava sair de sua sagem de juízo em Nínive. Portanto, a razão
to da aliança) chama o profeta pelo nome, comodidade para empreender uma cami- pela qual Deus chama a “levantar-se, ir e pre-
e não só menciona o nome, mas destaca a nhada, uma viagem e, assim como o chama- gar” é para que se cumpra a missão. Não ha-
família de Jonas. Ele é “filho de Amitai”, o do a levantar-se, essa jornada também era veria “missão” se não houvesse maldade, ou
que seria equivalente ao sobrenome hoje. urgente. A missão, portanto, não é um em- seja, a missão existe porque existe o peca-
O primeiro verso de Jonas evidencia preendimento que se faz sentado ou estático. do (Gn 3). No chamado de Jonas encontra-
claramente o caráter missionário de Deus. Pregue. Com esse verbo no imperativo mos a teologia da missão: tendo em conta
É Ele quem toma a iniciativa. Não é o pro- Deus está dizendo ao profeta o que ele deve que a missão existe porque existe o evange-
feta quem procura um chamado, mas é fazer em Nínive, a grande cidade corrupta. lho, e a existência do evangelho ocorre por
o próprio Deus quem chama o profeta. Jonas tem que pregar, proclamar o evange- causa da entrada do pecado.9 Em todos es-
E esse chamado não é aleatório, mas es- lho e chamar a atenção das pessoas, afinal, ses exemplos, vemos que Deus não quer que
pecífico: “Jonas, filho de Amitai”, o que nos elas estão distraídas ou cegas devido às suas “ninguém pereça, mas que todos cheguem
lembra mais uma vez que Deus nos conhe- maldades. O interessante é que, se o cha- ao arrependimento” (2Pe 3:9).
ce bem, desde sempre (Sl 139:13; ver Jer 1:5). mado é imperativo, a ação de Jonas também
Assim como identificou Samuel (1Sm 3:1- deve ser. Jonas deve pregar com sentido de Resposta do profeta
10), Davi (1Sm 16:1-13), a viúva de Sarepta urgência, pois a cidade não tem muito tem- Em Jonas 1:3, encontramos Jonas res-
(1Rs 17:8-16) e muitas outras personalida- po: só “40 dias e 40 noites”. Isso nos leva a pondendo ao chamado divino, não com
des bíblicas, Deus conhecia o filho de Ami- refletir que, junto com o chamado e a mis- palavras, mas com uma atitude. Dian-
tai e sabia quem ele era, onde vivia e quais são, existe um tempo decrescente de gra- te do chamado “levanta-te, vá e prega!”,
capacidades possuía. Deus sabia que Jonas ça (Gn 6; Ap 14:6-18), ainda que muitos não Jonas “se levantou” (v. 3). O verbo para
tinha condições de cumprir a missão. o reconheçam. A pregação tem um tempo, descrever a ação de Jonas é o mesmo usa-
e esse tempo só Deus conhece. do por Deus ao chamá-lo. Aparentemente,
Caráter da missão Portanto, ao longo das Escrituras, não o profeta obedeceu. No entanto, o verso
Podemos observar em Jonas 1:2 uma existe chamado sem missão, nem missão complementa: “mas para fugir da presen-
sucessão de três verbos imperativos, os sem chamado.7 Vemos esse paradigma em ça do Senhor, para Társis” (v. 3). ­Jonas se
quais denotam o caráter da missão: Noé (Gn 6), Abraão (Gn 12), Moisés (Êx 3), en- levanta “para fugir”! A raiz verbal da pa-
Levante-se. Esse não é um chamado leve tre muitos outros casos. Assim, a missão em lavra tem que ver com “escapar” (Gn 31:27,
nem passivo, mas uma ordem forte, dada Jonas é a combinação de três verbos impe- Êx 36:33, Jn 4:2), em um sentido de “correr
com senso de urgência. É um chamado a “le- rativos: Levante-se + vá + prega = Missão.8 por sua vida” ou “querer ser livre”. O que
vantar-se”, assim como Deus Se levanta em Jonas está fazendo não é simples. Ele está
defesa de Seu povo (Dn 12:1). Nínive está em Motivo do chamado fugindo por sua vida, pois sabe que o cha-
apuros, nela há muita maldade e esse peca- A razão de Deus chamar Jonas está na mado que lhe foi dado é urgente, impe-
do subiu até a presença de Deus, o qual não segunda parte do verso 2: “Porque a sua rativo e sério. O livro não registra um
pode suportar o mal. É por isso que Ele re- ­ aldade subiu até a Minha presença.” O cha-
m diálogo tal como ocorreu com Moisés em
corre ao ser humano como Seu agente de mado de Jonas responde a uma realidade, a Êxodo 3 ou com Gideão em J­ uízes 6. A úni-
evangelismo e de transformação. Podemos um ­circunstancial de causa: a maldade diante ca coisa que o livro apresenta é um profe-
notar aqui um Deus preocupado e até “de- de Deus. O termo maldade aqui significa “mi- ta levantando-se para escapar para Társis,
sesperado” pela maldade de Nínive. Ele faz séria”, “pecado”, “perversão”, “crime” e apare- um porto fenício que ficava em uma di-
um chamado veemente ao instrumento hu- ce em outros textos do AT (Et 9:2, Jr 1:6, Lm 1:2, reção totalmente oposta à de Nínive.
mano e espera que esse convite seja corres- Os 7:2, Jl 4:13). Essa mal­dade subiu diante do Mais do que fugir da missão, Jonas que-
pondido à altura. “rosto” ou da “presença” de Deus, o que nos ria fugir de Deus. Algum tempo depois,
Vá. Também denota “viajar”, “caminhar”, leva a outras passagens de situação seme- Jeremias escreveu sobre a impossibilidade
ou seja, “ir de um lugar ao outro” em qual- lhante, tais como a maldade da Terra no tem- de se esconder de Deus (Jr 23:24).
quer forma de transporte (2Rs 7:14). Além po de Noé (Gn 6:5, 11) e o clamor de Israel no Escapar de quem? Escapar de quem
disso, podemos notar na LXX que o verbo Egito no tempo de Moisés (Êx 3:7-9). Em to- o chamou. O texto revela que o profeta
“vá!” (Πορεύθητι) é o mesmo usado no NT dos os casos, Deus não agiu com as próprias dá as costas não apenas ao chamado de
no contexto de ir pregar ou cumprir a missão mãos, mas chamou mensageiros para pre- Deus, mas ao próprio Deus. Afinal, como já
(Mt 8:9; Lc 7:8, At 9:11; 28:26). Claramente, o gar: Noé pregou durante 120 anos, Moisés mencionamos, a missão não nasce no ser
Foto:

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 23
humano, mas no coração de Deus; Ele é Conclusão Como vimos, o livro de Jonas é notavel-
o responsável pela missão. Assim como a A atitude do profeta é contrastada com a mente evangelístico e missionário. É Deus
maldade sobe até a “presença do Senhor”, dos demais personagens do livro. De todos quem propicia o plano de ação e usa J­onas
assim também Jonas foge – ele escapa da os seres e coisas mencionados – a tempes- como Seu mensageiro. Como podería-
“presença do Senhor”. Justamente, essa tade, o sorteio, os marinheiros, o peixe, os mos negar o caráter missionário do livro de
frase “diante da presença do Senhor” se ninivitas, a planta, a lagarta e o vento leste –, Jonas com todos esses elementos? Não se
repete três vezes: a primeira quando as o profeta é o único a se recursar a obedecer pode dizer que a mensagem de Jonas não
maldades de Nínive subiram diante da a Deus. Enquanto Jonas é insensível e nada tem “evangelho” porque anuncia destruição,
“presença do Senhor” (v. 2c) e as restan- misericordioso, Deus mostra Seu grande já que o verdadeiro evangelho está imerso
tes enfatizando a fuga “da presença do amor e graça pelos perdidos. Em pelo me- em uma mensagem de juízo. Foi a bonda-
­Senhor” (v. 3a, c). O que Deus faria ao pro- nos dois momentos, Jonas menciona a mise- de do Senhor que convidou Jonas a cumprir
feta pela fuga declarada? Possivelmen- ricórdia divina (Jn 2:8; 4:2). O termo hebraico a missão, bem como a salvar os ninivitas do
te Jonas pensasse que Deus o mataria ou traduzido como “misericordioso” é hesed, juízo divino. Infelizmente, o profeta de Israel
que enviaria outro profeta em seu lugar. o mais frequente substantivo para “amor” não aceitou a noção de que a graça divina é
no AT (aparece mais de 250 vezes),11 termo aplicada a todos aqueles que aceitam firmar
Consequência da fuga que está intimamente associado ao concer- um concerto de salvação com Deus, não im-
O verso 3 destaca a presença do ver- to de amor divino por Israel. Embora Jonas porta a nacionalidade. E você tem cumprido
bo descer em duas oportunidades: quan- reconheça a misericórdia de Deus pelos pe- sua missão?
do “desceu a Jope” e quando desceu para o cadores, ele não a aceita.
Referências
navio. A palavra “descer” significa “fazer um Deus escolhe Nínive como um campo
movimento linear de uma elevação mais alta missionário, sendo que ela era uma cidade 1
Jo Ann Davidson, Jonah: The Inside Story
(Hagerstown, MD: Review and Herald Publisher,
para uma mais baixa”.10 Em um sentido mais grande, do mesmo tamanho ou maior que
2003), p. 21.
profundo da palavra, sempre que alguém sua maldade. A conversão dos marinhei- 2
Gerhard F. Hasel, Jonah: Messenger of the Eleventh
desce de um lugar alto para baixo, tem impli- ros e ninivitas é uma chamada de atenção Hour (Montain View, CA: Pacific Press Publishing
cações espirituais que vão além de caminhar a Israel que, não sendo um povo tão mau Association, 1973), p. 7.

ladeira abaixo: pode assinalar fracasso espi- como os ninivitas, não se arrepende e não 3
Juan Calvino, Comentario sobre Jonás (San José, Costa
Rica: Sola Scriptura, 2007), p. 17.
ritual, e isso ocorre simplesmente por não obedece à Palavra de Deus. Os marinhei-
4
Davidson, Jonah: The Inside Story, p 23-29.
se fazer a vontade de Deus. Alguns exem- ros e ninivitas, sim! Na verdade, quem pre-
5
Carroll Gillis, El Antiguo Testamento: Un Comentario
plos nos mostram essa premissa: Abrão e cisava de conversão era o próprio profeta, Sobre Su Historia y Literatura (El Paso, TX: Casa
sua esposa desceram ao Egito em busca o mensageiro da graça. Bautista De Publicaciones, 1991), 5:169.
de alimentos (Gn 12:10), Moisés, do monte Jonas representa a atitude do povo 6
Davidson, Jonah: The Inside Story, p. 45
­Sinai, desceu ao cenário do bezerro de ouro de Israel, chamado desde o início a cum- 7
Jirí Moskala, “Misión en el Antiguo Testamento”,
(Êx 32:15), S
­ ansão desceu para o território fi- prir a missão. Infelizmente, a nação não em Mensaje, Misión y Unidad de la Iglesia ed. Ángel
Manuel Rodríguez (Buenos Aires: Asociación Casa
listeu (Jo 14:1), Saul desceu a Gilgal (1Sm 15:12) compreendeu isso, assim como o profe- Editora Sudamericana, 2015), p. 63.
e Davi foi para o deserto de Parã (1Sm 25:1). ta Jonas. Talvez motivado por seu zelo na- 8
Segundo Steven Thopson e Borge Schantz,
No caso de Jonas, o sentido dessa palavra cionalista ou pela pouca experiência como aparecem sete vezes na Bíblia este tipo de chamado
(“levantar-se, andar e pregar”): A Moisés, Balaão,
o acompanhou muito bem. O profeta desceu evangelista em um lugar desconhecido, Elias, Jeremias, moradores de Samaria e Jerusalém,
quatro vezes no mesmo período do livro (1:1– Jonas demonstrou desgosto pela misericór- e duas vezes ao profeta Jonas. Ver Steven Thopson
e Borge Schantz, Misioneros Bíblicos (Buenos Aires:
2:10). Nenhuma outra pessoa na Bíblia he- dia divina em favor dos gentios. Enquanto
Asociación Casa Editora Sudamericana, 2015), p. 32.
braica experimentou uma “descida” em três Moisés intercedeu pelo povo e em segui- 9
George W. Peters, A Biblical Theology of Missions
etapas (1:3a, 1:3b e 2:6) como resultado de re- da adorou a Deus, Jonas pregou ao povo e (Chicago, IL: Mody Press, 1984), p. 15.
jeitar o chamado de Deus para cumprir a mis- depois praguejou por causa do livramen- 10 
J. Swanson, “‫ ” ַד רָי‬en Diccionario de Idiomas Bíblicos:
são. Na quarta vez, a Bíblia faz um trocadilho, to. Ao citar Êxodo 34:6, 7 (ver Jn 4:2), o pro- Hebreo (Bellingham, WA: Lexham Press, 2014).

afirmando que Jonas desceu para um “sono feta repreende a Deus por ter poupado os 11 
John D. Barry (ed.), The Lexham Bible Dictionary
(Bellingham: Lexham Press, 2016).
profundo” (vayeiradam). Parece que “des- ninivitas da destruição. Jonas vê a compai-
cer” era o único verbo que constava no diá- xão de Deus como algo negativo. Com este HEYSSEN CORDERO
rio de bordo de Jonas. É o verbo contraposto comportamento, Jonas admitiu que a fuga MARAVÍ
Foto: Gentileza do autor

ao “ide” de Deus. Isso é o que acontece quan- deliberada para Társis ocorreu justamente líder de Ministério Pessoal,
Escola Sabatina e Evangelismo
do alguém recusa o chamado divino para a porque ele não queria que os ninivitas fos- da União Peruana do Sul
missão: ele desce. sem salvos do julgamento.

24 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
EXEGESE

O CENSO DE DAVI
O significado de satan em 1 Crônicas 21:1
Edcarlos Menezes

A
passagem de 1 Crônicas 21:1 é se destacam e serão brevemente anali- Abordagem harmonística. Essa aborda-
considerada uma das mais di- sadas a seguir.1 gem defende que os textos não estão em
fíceis da Bíblia. Ela introduz a Abordagem redacional. A abordagem re- contradição. Gleason Archer propõe que, se
narrativa do pecado de Davi dacional busca explicar as diferenças entre forem vistos da perspectiva correta, “ambos
ao ordenar um censo da nação de Is- esses textos em termos de desenvolvimen- relatos são verdadeiros, uma vez que tan-
rael. O texto declara: “Então Satanás to literário. Assim, não há contradições en- to Deus quanto Satanás tiveram sua par-
se levantou contra Israel e incitou Davi tre eles, uma vez que a versão do cronista cela de influência sobre Davi”.4 Na mesma
a levantar o censo de Israel.” O cronista representa uma segunda redação ou corre- linha interpretativa, Koranteng-Pipim decla-
parece contradizer o relato paralelo em ção de 2 Samuel 24. O teólogo Henry Smith ra que essas duas passagens, vistas a partir
2 Samuel 24:1 que diz: “Mais uma vez a ira sugere que o cronista não pretendia dar ou- do contexto mais amplo das Escrituras, não
do S­ enhor se acendeu contra os israeli- tra perspectiva sobre o mesmo evento, mas se contradi­zem, mas se complementam ao
tas, e Ele incitou Davi contra eles, dizen- uma nova explicação do próprio evento. Ele declararem que tanto Deus quanto Satanás
do: ‘Vá e levante o censo de Israel e de reescreveu a história a partir de uma posi- são responsáveis por incitar Davi a realizar
Judá’.” Quem, de fato, incitou Davi a reali- ção teológica diferente.2 Evellyn Tollerton, o censo, uma vez que, “no pensamento he-
zar o censo? Deus ou Satanás? Seria essa por sua vez, vê conexões intertextuais en- braico, o que Deus permite Ele faz”.5
uma contradição bíblica? Por que esse ato tre 1 Crônicas 21 e Números 22 (neste tex- Abordagem exegética. O problema
do rei foi tão ofensivo a Deus? Este artigo to, Deus envia o anjo de YHWH como um com as abordagens acima é que elas não
visa responder a essas perguntas. adversário [satan]). Assim, 2 Samuel 24:1 e encontram apoio no contexto da passa-
1 Crônicas 21:1 e 2 concordam que Deus es- gem e geram vários problemas teológicos.
Principais interpretações tava irado e Se levantou como satan con- A maioria dos que advogam a abordagem
Os estudiosos têm-se esforçado para tra Israel, incitando Davi a levantar o censo. redacional não reconhece a inspiração di-
explicar adequadamente a relação entre O cronista, então, teria alterado o material vina da Bíblia e trata o texto bíblico me-
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essas duas passagens. Três abordagens para se adequar à sua teologia.3 ramente como mais um entre outros do

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 25
Antigo do Oriente Próximo. A abordagem o desenvolvimento inicial da monarquia is- O significado de satan
harmonística, por outro lado, fundamenta-­ raelita, o de Crônicas sentia a necessi­dade Essa conclusão lança luz no debate so-
se no conceito de inerrância bíblica. Sua de estabelecer uma identidade ao grupo bre o significado de satan no contexto
explicação de que tanto Deus quanto étnico e religioso que, em parte, habitava dessa passagem. Nielsen afirma que esse
S atanás incitaram Davi levanta sérios
­ novamente em sua terra, mas, em outra substantivo provavelmente deriva do ver-
questionamentos sobre como Deus lida parte, ainda se encontrava na dispersão. bo satan cujo sentido básico é “ser hos-
com a questão do mal. Por essa razão, Ele queria que os judeus pós-exílio apren- til” ou “opor-se” a alguém.11 O substantivo,
os eruditos bíblicos tendem a abandonar dessem que o governante de seu povo portanto, significa “adversário” e pode se
qualquer esforço sério para interpretar continuava sendo o próprio Deus. referir tanto a um ser natural quanto so-
esses textos com base nessas aborda- O relato do censo de Davi e de suas con- brenatural.12 Há 33 ocorrências de satan
gens. Pesquisas mais recentes na área sequências é um dos exemplos no qual o na Bíblia hebraica. Dessas, em 16 ele apa-
da exegese intrabíblica proveem su­porte cronista se vale da história de Israel para rece acompanhado do artigo (hassatan) –
para uma abordagem mais exegética do ensinar verdades importantes aos seus 14 estão no livro de Jó (1:6-9, 12; 2:1-4, 6, 7),
texto. A análise a seguir exemplifica essa leitores. Ele analisou cuidadosamente a e 2 em Zacarias (3:2). Nessas ocorrências,
abordagem. história sagrada e selecionou eventos es- a referência explícita é a Satanás, o adver-
pecíficos a fim de cumprir tal propósito.10 sário de Deus e do Seu povo.13
Análise intrabíblica Sua versão da causa do censo não repre- É comumente aceito que satan, sem
A exegese intrabíblica é uma forma de senta um novo sentido, mas é, de fato, o o artigo, deve ser vertido como Satanás no
analisar textos bíblicos que interpretam significado que ele viu ao interpretar o re- texto sob análise. Entre as razões, alguns
ou evocam outros textos das Escrituras.6 lato de 2 Samuel 24 a partir de seu enten- teólogos mencionam que, no momento da
De acordo com Yair Zakovitch, “nenhuma dimento da história deuteronomista, a qual escrita de Crônicas, satan havia se torna-
unidade literária na Bíblia está sozinha, iso- inclui o Pentateuco e os livros de ­Josué, do um substantivo próprio.14 Outra razão
lada e independente, sem nenhum outro ­Juízes, Samuel e Reis. é encontrada no fato de que, em C ­ rônicas,
texto extraído de seu reservatório e lan- A diferença-chave entre 2 Samuel 24:1 Satanás se levantou (amad) contra Israel e
çado sob uma nova luz”.7 Embora essa de- e 1 Crônicas 21:1 e 2a está no enunciado incitou (sût) Davi a pecar. Aecio Cairus nota
claração pareça exagerada, é evidente que introdutório de 2 Samuel: “Tornou a ira que o uso do verbo amad com o subs-
os escritores bíblicos posteriores foram in- do Senhor a acender-se contra os israe- tantivo satan também é encontrado em
fluenciados por escritos bíblicos anteriores. litas.” Esse enunciado e seus cognatos ­Zacarias 3:1. Em ambos os casos, ele esta-
O escopo deste artigo não permite ex- são comuns na história deuteronomis- va se opondo ao povo de Deus. O verbo sût
plorar os princípios do método de análise ta, a qual serviu de fonte historiográfica também aparece em conjunto com ­Satanás
intrabíblica, mas um princípio deve ser res- para o cronista. Alguns textos são exem- em Jó 2:3. Com base nisso, Cairus sugere que
saltado. Quando os escritores bíblicos poste- plos disso (Jz 2:14; 3:8; 10:7; 2Rs 13:3). o autor de Crônicas era ciente das outras
riores reutilizam escritos bíblicos anteriores, ­E ssas passagens sugerem que, quando duas passagens e que sua compreensão
eles atuam como exegetas e teólogos, man- a ira do Senhor se acendia contra Israel, de s­ atan reflete o mesmo significado. Para
tendo-se fiéis ao significado original das Ele os entregava aos seus adversários ele, a presença ou ausência do artigo é irre-
passagens usadas, mesmo quando sob militares. Então, se o cronista estava levante, porque satan, nessas duas outras
inspiração divina desdobram, por diversos buscando uma equivalência interpreta- fontes, designa um nome próprio.15
meios, o significado adicional dessas passa- tiva para a frase: “A ira do ­Senhor se No entanto, é provável que a ausência
gens para seus próprios tempos.8 Esse é o acendeu contra Israel”, dentro do con- do artigo esteja em contraste com todos
caso do uso que o cronista faz do relato de texto maior de suas próprias fontes bí- os outros usos do termo e destinava-se
Samuel para o censo de Davi. blicas, o sentido que ele teria encontrado a distingui-lo de Satanás, sempre escrito
seria exatamente o visto nos textos bí- com um artigo na Bíblia hebraica. Por essa
Contextualização blicos acima, ou seja, a ameaça de inva- razão, Knoppers afirma que, se satan está
Existem diferenças contextuais en- são por potências estrangeiras. Assim, sendo usado como um nome próprio em
volvendo os livros de Samuel e C
­ rônicas.9 ele teria lido 2 Samuel 24:1 como uma 1 Crônicas 21, esse é o único caso em toda
O primeiro livro é do período anterior declaração abreviada de que Deus, em a Bíblia hebraica em que o termo recebe tal
ao exílio babilônico, enquanto o segun- cumprimento às estipulações da alian- denotação. Parece, portanto, preferível in-
do é do período posterior. Enquanto ça, permitiu que um inimigo militar se terpretar satan conforme a sua utilização
o autor de Samuel se preocupou com levantasse contra Israel. normal do substantivo como indefinido.16

26 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
De fato, o uso anartro de satan no con- militar sem a aprovação divina expressava 8
Richard M. Davidson, “Inner-Biblical Hermeneutics:
The Use of Scripture by Bible Writers”, em
texto de 1 Crônicas desempenha papel cru- confiança no poder militar humano, con-
Biblical Hermeneutics: An Adventist Approach,
cial na intenção do cronista de mostrar que, figurando uma quebra do relacionamento Frank M. Hasel (ed.) (Silver Spring, MD: Biblical
se o rei e seu povo não fossem fiéis à alian- da aliança com o Senhor e atraindo as ine- Research Institute, 2020), p. 238; Abner Chou, The
Hermeneutics of the Biblical Writers: Learning to
ça, o reino cairia nas mãos de seus inimi- vitáveis consequências. Interpret Scripture from the Prophets and Apostles
gos militares, conforme prescrevia a aliança (Grand Rapids, MI: Kregel, 2018), p. 47-92.

(Dt 28:25). As consequências da i­ nfidelidade Conclusão 9


R. C. Toniolo, “O Censo de Davi: O Mesmo Episódio
na Voz de Outro Narrador”, Cadernos de Pós-
de Salomão demonstram esse ponto: As narrativas de Samuel e Crônicas não Graduação em Letras 18 (2018), p. 232-244; Júlio P. T.
“O Senhor Se indignou contra Salomão, se contradizem, como afirmam os críticos Zabatiero, Uma História Cultural de Israel (São Paulo:
Paulus, 2013), p. 229-265.
por desviar o seu coração do Senhor, da Bíblia. O censo de Davi foi motivado
10 
Isaac Kalimi, An Ancient Israelite Historian, p. 23-26;
Deus de Israel, que lhe havia aparecido por um inimigo militar de Israel que esta-
Kalimi, Zur Geschichtsschreibung des Chronisten
duas vezes e ordenado que não seguisse va se tornando uma ameaça para a nação. Literarisch-historiographische Abweichungen der
outros deuses. Ele, porém, não guardou o ­Envaidecido por suas exitosas campanhas Chronik von ihren Paralleltexten in den Samuel- und
Königsbüchern (Berlin: De Gruyter, 2016).
que o Senhor lhe havia ordenado. [...] militares (1Cr 18–20), Davi se esqueceu da
Ernst Jenni e Claus Westermann, Theological Lexicon
11 
O ­Senhor levantou um adversário [satan] promessa de Deus, que dizia: “Quando saí- of the Old Testament (Peabody, MA: Hendrickson
contra ­Salomão, a saber, Hadade, o edo- res à peleja contra os teus inimigos e vires Publishers, 1997), p. 1268, 1269.
mita, que era da linhagem real de Edom” cavalos, e carros, e povo maior em número ׂ ָ ‫( ן‬śāṭān)”, Dictionary of Biblical
James Swanson, “‫ט ָש‬
12 

Languages with Semantic Domains: Hebrew (Old


(1 Reis 11:9-14). do que tu, não os temerás; pois o Senhor,
Testament) (Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997).
O cronista entendia, baseado em sua teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, 13 
Wilhelm Gesenius e Samuel Tregelles, Gesenius’
compreensão da história sagrada, que a ira está contigo” (Dt 20:1). Essa era uma das li- Hebrew and Chaldee Lexicon to the Old Testament
do Senhor contra Israel significou a amea- ções que o cronista queria que os judeus Scriptures (Bellingham, WA: Logos Research
Systems, 2003), p. 788; Walter Baumgartner, Ludwig
ça de um adversário estrangeiro, que le- aprendessem e é uma verdade que preci- Köhler, Johann J. Stamm. The Hebrew and Aramaic
vou Davi a realizar o censo, com o fim de samos aprender hoje. Parece claro que o Lexicon of the Old Testament (Leiden: Brill, 2001),
p. 1316, 1317.
ampliar seu exército para a batalha e van- cronista procurava mostrar a seus compa-
14 
Noel Bailey, “David’s Innocence: A Response to J.
gloriar pela abundância de homens dispo- triotas judeus as densas lições da graça e do
Wright”, Journal of the Study of Old Testament 64
níveis em suas fileiras.17 Ellen White sugere julgamento de Deus na história de Israel. (1994), p. 83-90; Roddy Braun, “1 Chronicles”, Word
que esse era o propósito de Davi ao auto- Biblical Commentary (Waco: Word Books, 1986),
Referências p. 216, 217.
rizar o censo: “Com o objetivo de estender
Ver John H. Sailhamer, “1 Chronicles 21:1 – A Study in
1
15 
Aecio E. Cairus, “1 Chronicles”, em Andrews Bible
suas conquistas entre as nações estrangei- Commentary, Old Testament, Angel Manuel
Inter-Biblical Interpretation”, Trinity Journal 10 (1989),
ras, Davi resolveu aumentar seu exército, p. 34. Rodriguez (ed.), et al. (Berrien Springs, MI: Andrews
University Press, 2020), p. 536, 537.
exigindo trabalho militar de todos os que Henry P. Smith, A Critical and Exegetical
2

Commentary on the Books of Samuel (Edinburgh:


16 
Gary N. Knoppers, I Chronicles 10–29: A New
estivessem em idade adequada. Para levar Translation With Introduction and Commentary
T. & T. Clark, 1992), p. 246; Roddy L. Braun, Word
isso a efeito, tornou-se necessário fazer o Biblical Commentary: 1 Chronicles (Dallas: Word, (Londres: Yale University Press, 2008), p. 744.
recenseamento da população.”18 Incorporated, 2002), p. 216. O censo era o registro ou a enumeração do povo,
17 

Assim, quando “um adversário tomou Evelyn Y. Tollerton, “God or Satan: A Literary
3 geralmente feito com o propósito de recrutar
Study of 1 Chronicles 21:1”. Tema apresentado em homens para guerra ou para o recolhimento de
sua posição contra Israel”,19 Davi não he- impostos. A Bíblia hebraica menciona apenas cinco
10/2/2017 em uma das seções temáticas do Seminary
sitou em levantar um censo para ampliar Scholarship Symposium na Andrews University. ocasiões em que um censo foi levantado entre os
israelitas (Êx 30:11-16; 38:26; Nm 1–3; 26; 2Sm 24).
seu exército e fazer frente ao inimigo que Gleason L. Archer (org.), A Inerrância da Bíblia: Uma
4

sólida defesa da infalibilidade das Escrituras (São


18 
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa
o ameaçava. Foram o orgulho e a ambição Publicadora Brasileira, 2022), p. 664.
Paulo: Editora Vida, 2003), p. 101.
que motivaram esse ato do rei. Segundo 19 
Essa tradução de Knoppers reflete melhor o sentido
Samuel Koranteng-Pipim, “Who Incited David to
5

Ellen White, contar o povo nesse contex- Take a Census of Israel?”, em Gerhard Pfandl (ed.), do texto. Knoppers, I Chronicles 10–29, p. 742.
to “mostraria o contraste entre a fraque- Interpreting Scripture: Bible Questions and Answers 20 
White, Patriarcas e Profetas, p. 664.
(Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2010),
za do reino quando Davi subiu ao trono e
p. 201, 202.
sua força e prosperidade sob seu gover-
Steven L. McKenzie (ed.), The Oxford Encyclopedia
6

no. Isso teria a tendência de fomentar ain- of Biblical Interpretation (Oxford: Oxford University
da mais a autoconfiança, que já era grande, Press, 2013).
EDCARLOS MENEZES
Foto: Gentileza do autor

tanto do rei quanto do povo”.20 Nisso con- Yair Zakovitch, “Inner-Biblical Interpretation”, em
7

R. Hendel (ed.), Reading Genesis: Ten Methods pastor em Cuiabá, MT


sistia o grande pecado tanto do rei quan- (Cambridge: Cambridge University Press, 2010),
to de sua nação. A realização de um censo p. 95, 96.

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 27
PONTO A PONTO

DINHEIRO FÁCIL
O
ato de planejar a vida requer a
adoção de estratégias que visam
conhecimento, o qual é útil em todas as
etapas da vida, inclusive no planejamen-
1
ao presente e, sobretudo, ao futu- to sucessório. Investimento apropriado
ro. A meu ver, existem três pilares Dentro desse contexto, é recomendá- A primeira coisa que todos precisam
substanciais e indissociáveis no planeja- vel se despir da carga valorativa negati- ter consciência é que a rentabilidade dos
mento da vida, sendo eles na seguinte or- va que o assunto carrega, além de reunir recursos é proporcional ao montante ini-
dem de importância: espiritual, familiar e informações seguras a respeito do tema. cial em que se é investido. Outro fator
financeiro. Esse exercício contribuirá para escolhas imprescindível que merece análise é o cri-
Ao se dedicar em provisionar a vida, conscientes e responsáveis, blindando o tério “tempo”. O prazo final para colher
o indivíduo recorre a inúmeros aspectos. indivíduo e seus familiares contra revezes o investimento será fundamental para
Entre eles, está a busca pelo conheci- financeiros e até contra investimentos ir- apurar os frutos de tudo que foi investi-
mento em suas diversas áreas: religioso, regulares e ilegais. do. Quando analisamos o montante ini-
coletivo, acadêmico, comum ou científico, Além da falta de conhecimento so- cial versus o prazo, eis que surge o fator
networking, conselhos e orientações, ou bre educação financeira, fatores como risco. Quanto mais arriscado ou agres-
seja, uma gama de fontes que proporcio- má administração, desemprego e es- sivo for o investimento, ele pode ge-
nam um background seguro, objetivan- cassez estimulam algumas pessoas a se rar porcentagens maiores, baseadas no
do uma melhor gestão da vida em todas associarem a promessas de elevada ren- montante inicial aplicado, porém, sem a
as suas áreas. tabilidade e ganho imediato. Isso pode certeza da segurança.
Infelizmente, o aspecto financeiro é resultar em um dos piores males dentro Equacionar o trinômio montante ini-
alvo de descaso ou desconsideração do tema ou até mesmo consistir em um cial, prazo e risco requer estudo. Infeliz-
por parte de muitos. Além disso, a injus- erro ou ilicitude. mente, nem todos conseguem acesso a
ta associação das finanças com a avare- Alguns leitores poderiam questionar: esse conhecimento. Então, o percurso su-
za contribui para a perpetuação do ciclo “Então ganhos elevados imediatos são er- postamente mais fácil e rápido atrai com
de i­gnorância quando o assunto é edu- rados ou ilícitos?” Depende! Sem preten- promessas de investimentos que “garan-
cação e planejamento econômico. Essa são de esgotar o assunto, vamos refletir tem” ganhos altos, rápidos e sem risco.
má herança, que transcende épocas, um pouco sobre isso, inclusive à luz da Pa- Um dos exemplos clássicos são os esque-
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deixa o legado do distanciamento do lavra de Deus. mas de pirâmides financeiras. Esse tipo de

28 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
“investimento” surge mascarado de ganhos público interessado em obter noções de para calcular a despesa e verificar se tem
rentáveis e rápidos, porém alheios aos cri- educação financeira. os meios para a concluir? Para não acon-
térios de legalidade. Lembrando que esse e Todos os pastores, obreiros e demais lí- tecer que, tendo lançado os alicerces e não
outros investimentos considerados ilícitos, deres devem ter um plano financeiro ba- podendo terminar a construção, todos os
a Igreja Adventista do Sétimo Dia condena seado, primeiramente, no princípio da que a virem zombem dele, dizendo: ‘Este
veementemente em todos os sentidos. adoração, que é o dízimo. Em seguida, deve homem começou a construir e não pôde
E como podemos certificar se deter- vir a porcentagem da oferta e do pacto, acabar’” (Lc 14:28-30).
minado tipo de investimento é apropria- se houver. Ademais, o pastor deve fracio- Salomão também deixou diversos con-
do? Todos os investimentos que não são nar os custos fixos de subsistência fami- selhos referentes à educação financeira e
regulamentados pelo Conselho Monetá- liar, ou seja, suas despesas fixas mensais. ao provisionamento da vida (Pv 16:8; 22:7;
rio Nacional (CMN), Comissão de Valores Finalmente, deve eleger uma quantidade Ec 4:5; 5:13; 10:10). Em Provérbios 21:5, o
Mobiliários (CVM), Banco Central, Superin- sistemática para aplicar em investimentos sábio diz: “Os planos de quem é esforçado
tendência de Seguros Privados (Susep), B3, diversificados. Esse modelo simples e obje- conduzem à fartura, mas a pressa excessi-
Governo Federal, entre outros, podem ser tivo será útil para o ministério e para a fa- va leva à pobreza.” Com relação ao ganho
descartados da lista de investimentos líci- mília pastoral, e contribuirá para uma vida fácil, Salomão acrescenta: “A riqueza obti-
tos e seguros. com modéstia e segurança. da com facilidade, essa diminui, mas quem

2 Uma abordagem homilética de Lucas


14:28-30 nos convida a refletir em deter-
a ajunta pelo trabalho, esse a vê aumentar”
(Pv 13:11). Que Deus nos dê forças e sabe-
Plano financeiro minados subsídios que devemos escolher doria para trabalharmos e adquirirmos os
A educação financeira recomenda- visando a uma melhor segurança finan- recursos financeiros – sem o uso de ata-
da pela Igreja Adventista, como estilo ceira, sobretudo por eleger as rotas de in- lhos (2Ts 3:10; 1Tm 5:8).
de vida que os pastores, obreiros, líde- vestimento, estudo, economia e dedicação
res e membros devem ter, baseia-se em que cada um, de acordo com sua realida-
LEONARDO DE
princípios da Bíblia e do Espírito de Pro- de, precisará adotar. Em todas as etapas, AGUIAR VIANA
Foto: Gentileza do autor

fecia. Além disso, a igreja indica vários o planejamento é fundamental. Jesus dis- advogado-geral da União
livros, revistas, cursos bíblicos e outros se: “Pois qual de vocês, pretendendo cons- Leste Brasileira
materiais que servem de subsídio para o truir uma torre, não se assenta primeiro

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 29
LIDERANÇA

MINISTÉRIO
COMPARTILHADO
O papel do pastor e do ancião na igreja local

Osmar Borges
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Foto:

30 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
A
o longo das eras, Deus tem esco- E na igreja adventista? Como funcio- ministério: “Sobrecarregado, o pastor qua-
lhido pessoas para cumprir fun- nou essa divisão de funções em seus pri- se sempre fica tão atarefado que mal en-
ções específicas e tem concedido mórdios? Russel Burrill responde: “Como contra tempo para examinar a si mesmo,
a elas, por meio da prática da im- as igrejas locais não tinham pastores fi- a fim de verificar se está firme na fé. Bem
posição de mãos (Nm 8:10; At 8:19), a res- xos, todo o dízimo era enviado para a ma- pouco tempo lhe resta para meditação
ponsabilidade de preparar um povo para nutenção dos implantadores de igreja e e oração. Em Seu ministério, C ­ risto ligou a
a volta de Jesus. O apóstolo Paulo escre- evangelistas, que estavam criando no- oração ao trabalho. Noite após noite, Ele
veu: “E Ele mesmo concedeu uns para vos trabalhos. Igrejas estabelecidas não passou inteiramente em oração. Os pasto-
apóstolos, outros para profetas, outros sentiam necessidade de um pastor; elas res devem pedir a Deus que lhes conceda
para evangelistas e outros para pasto- mantinham sua vida cristã sozinhas, exata- Seu Santo Espírito, a fim de que possam
res e mestres, com vistas ao aperfeiçoa- mente como faziam os cristãos primitivos. apresentar devidamente a verdade.”3
mento dos santos para o desempenho do Isso não foi um desenvolvimento acidental Como os pastores podem apresentar de-
seu serviço, para a edificação do corpo de no adventismo, mas uma estratégia deli- vidamente a verdade se há uma multipli-
Cristo” (Ef 4:11, 12). berada baseada em seus estudos do Novo cidade de tarefas diárias?
Mesmo em uma rápida pesquisa bíbli- Testamento.”1 Tomando por base o texto de Efésios
ca, não é difícil identificar essas pessoas De acordo com Wellington Barbosa, 4:11 que apresenta a diversidade dos dons
por meio das atividades que elas exerce- Ellen White considerava que “o modelo iti- divinamente concedidos ao corpo de Cristo
ram. No Antigo Testamento, por exemplo, nerante [dos pastores] era um princípio mi- (incluindo “apóstolos” e “pastores”), como
após Deus instituir o sistema de sacrifícios nisterial no qual o pastor atuava como um poderíamos definir o papel desses dois
ao fazer roupas de peles para Adão e Eva evangelista plantador de igrejas, capaz de ­ofícios? Em nossa realidade, quem deve-
(Gn 3:21), coube aos patriarcas, profetas e estabelecê-las na verdade, educá-las para ria desenvolver o papel de apóstolo e o pa-
reis a tarefa de dar a devida continuida- o trabalho e supervisioná-las sem levá-las pel de pastor? Parece que o senso comum
de às orientações divinas referentes ao à dependência. De maneira especial, essas da igreja na atualidade é que os pastores
evangelho. Nesse período, vemos três fun- atribuições ficaram explícitas em seus es- devem ser aqueles que passaram quatro
ções desempenhadas pelos líderes espiri- critos entre os anos de 1863 e 1901”.2 anos na faculdade de Teologia se preparan-
tuais escolhidos: 1) sacerdote – ministrava Após essa breve introdução e à luz dos do academicamente. Mas quem assumirá
como intercessor entre Deus e Seu povo, ministérios nas épocas passadas, pode- o papel de apóstolo – aquele que prega o
atuando em questões espirituais (Nm 18:7); mos agora levantar as seguintes ques- evangelho aos perdidos?
2) juiz – ministrava como intercessor entre tões: Quais são as atribuições dos pastores Vamos recordar o que acontecia na
Deus e Seu povo, bem como entre o pró- hoje? Que diferenças podem ser observa- igreja apostólica. Em seus primórdios,
­
prio povo em suas questões morais, civis das entre o papel do pastor local e o papel a igreja estabelecida por Cristo se confron-
e cerimoniais (Êx 28:30; Dt 17:12) e 3) médi- dos anciãos? tou com a clara necessidade de cuidar dos
co – ministrava como intercessor em ques- novos conversos. Uma dessas tarefas era
tões de saúde e higiene (Lv 13:2, 3). Atribuições dos líderes auxiliar as viúvas dos helenistas (At ­6:1-7).
No Novo Testamento, após a encar- Imersos em uma grande quantidade Para fazer frente a essa demanda, os
nação e ascensão de Cristo, a igreja se de compromissos que roubam o tempo apósto­los tomaram a decisão de delegar a
estabeleceu sob a liderança de pessoas e até tiram, em certo sentido, a qualidade outros a ­responsabilidade de servir às me-
constituídas por Jesus e pela própria igre- de vida, os pastores se dedicam integral- sas dessas mulheres. E ­ llen White comen-
ja. Os apóstolos (Mc 3:14) se envolveram mente às atividades gerenciais e admi- tou: “Convocando uma reunião dos fiéis,
basicamente em duas atividades: 1) defen- nistrativas, não só no aspecto religioso, os apóstolos foram levados pelo Espírito
der a fé, mantendo pura a doutrina ensina- mas também emocional do rebanho. Alia- Santo a esboçar um plano para otimizar
da pela igreja evitando, assim, a perda do do a esse contexto, somam-se ainda as a organização de todas as forças ativas da
foco na missão (1Tm 6:3-5; 2Tm 4:7; Tt 2:1, 7) ocupações do cotidiano: questões finan- igreja. Os apóstolos declararam que havia
e 2) expandir o reino, isto é, alargar as fron- ceiras, educação de filhos, cuidado com a chegado o tempo em que os líderes es-
teiras do evangelho, alcançando o mundo saúde, entre outros. Observe o que escre- pirituais deveriam ser ­aliviados da tarefa
inteiro (At 16:5; 18:11; 19:20; 28:31). veu Ellen White sobre essas demandas do de atender às necessidades materiais dos

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 31
Um exemplo clássico dessa parceria de
sucesso entre apóstolos e pastores (co-
mumente chamados de “anciãos”) é a du-
pla formada por Paulo e Barnabé. Paulo foi
chamado pelo próprio Cristo como ­apóstolo
no caminho de Damasco (At 22), enquan-
to Barnabé foi escolhido pela própria igreja
O entendimento destes papéis – pastores distritais como para desenvolver seu ministério (At 13:1-3).

apóstolos e pastores locais como anciãos – provocará na Sobre essa parceria, Ellen White escreveu:
“Antes de serem enviados como missio-
igreja atual o mesmo despertamento provocado na igreja nários ao mundo pagão, esses a­ póstolos
apostólica: a liberação de talentos para o cumprimento foram solenemente consagrados a Deus
com jejum e oração e imposição de mãos.
efetivo da obra do Senhor. Assim eles foram autorizados pela igreja,
não somente para ensinar a verdade, mas
também para realizar o rito do batismo e
pobres e de outros encargos semelhantes, Isso nos ensina que os pastores devem ser organizar igrejas, achando-se investidos de
de modo que pudessem estar livres para “ministros” de ministros, ou seja, devem ensi- plena autoridade eclesiástica.”8
levar avante a obra de pregar o evange- nar os membros da igreja a cumprir a missão. Devido à chegada de muitos novos con-
lho. ‘Irmãos, escolhei dentre vós sete ho- Ellen White comentou: “Pastores [...] cris- versos, talvez a experiência de “partir do pão”
mens de boa ­reputação, cheios do Espírito tãos têm uma obra mais vasta do que muitos fosse uma das mais simples questões compa-
e de sabedoria, aos quais encarregaremos têm reconhecido. Não lhes cumpre somen- radas à formação de liderança capaz de dar
deste serviço; e, quanto a nós, nos con- te servir ao povo, mas ensiná-lo a servir. Não continuidade à missão, bem como desenvol-
sagraremos à oração e ao ministério da devem apenas dar instruções nos retos prin- ver as atividades necessárias e a consolidação
Palavra’ (v. 3, 4). Esse conselho foi segui- cípios, mas educar seus ouvintes a comuni- da nova igreja. “Como importante fator no
do e, por meio de oração e imposição de car os mesmos princípios.”6 crescimento espiritual dos novos conversos,
mãos, sete homens escolhidos foram so- os apóstolos tiveram o cuidado de cercá-los
lenemente separados para seus deveres Auxílio e cooperação com a salvaguarda da organização eclesiás-
como diáconos.”4 Essa parceria entre apóstolos e diáconos tica. As igrejas eram devidamente organi-
Essa sábia medida, apesar de apa- foi de fundamental importância não apenas zadas em todos os lugares da Licaônia e da
rentemente simples, trouxe grande para a tomada de decisões, mas também Pisídia onde houvesse cristãos. Eram indica-
resul­ t ado na expansão do evangelho para blindar a igreja que dava seus primeiros dos oficiais para cada igreja, e ordem e siste-
e na consolidação da igreja apostólica, passos. “Embora espalhados em um grande ma próprios eram estabelecidos para que se
pois aliviou o trabalho dos apóstolos, território, os grupos de cristãos eram todos conduzissem todas as atividades pertinentes
­liberando-os para pregar o evangelho membros de um só corpo; todos se mo- ao bem-estar espiritual dos fiéis.”9
em tempo integral. Além disso, capaci- viam com ordem e em harmonia uns com
tou outros homens para que, de igual ma- os outros. Quando surgia dissensão em uma O papel do ancionato
neira, também pregassem a palavra. Ellen igreja local, como mais tarde aconteceu em Os oficiais escolhidos para conduzir a
­White comentou: “Esse crescimento no- ­Antioquia e outros lugares, e não conseguiam igreja recém-formada desempenhavam
tável era o resultado tanto da maior liber- chegar a um acordo, não se permitia que os a função de um pastor local e exerciam ati-
dade assegurada aos apóstolos quanto assuntos discutidos criassem divisão na igre- vidades que só poderiam ser bem-sucedi-
do zelo e poder mostrados pelos sete diá- ja. Eram encaminhados a um concílio geral de das se fossem realizadas por pessoas que
conos. O fato de estes terem sido orde- todos os crentes, constituído de representan- estivessem próximas ao novo grupo. As-
nados para a obra especial de cuidar das tes designados pelas várias igrejas locais, com sim sendo, os chamados apóstolos não
necessidades dos pobres não os excluía os apóstolos e anciãos nos cargos de maior conseguiriam atender sua tarefa apostóli-
do dever de ensinar a fé. Ao contrário, fo- responsabilidade. Assim, os esforços e planos ca de defender a fé e expandir o reino, de-
ram amplamente qualificados para ins- de Satanás para atacar, esfacelar e destruir a vido às grandes distâncias a ser alcançadas.
truir outros na verdade e se empenharam igreja nos lugares mais distantes foram conti- “A escolha de homens para tratar dos ne-
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na obra com grande fervor e sucesso.”5 dos pela atuação adequada de todos.”7 gócios da igreja, a fim de que os apóstolos

32 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
pudessem ficar livres para seu trabalho es- pode realizar o serviço que é a vocação da momento ou noutro, eram citados como
pecial de ensinar a verdade, foi grandemen- igreja. Exigências complexas e urgentes [...] apóstolos, mas que nunca foram considera-
te abençoada por Deus. A igreja crescia em trouxeram consigo uma consciência reno- dos como pertencentes ao grupo escolhido e
número e em poder. ‘A palavra de Deus se vada do papel da igreja como um corpo mi- comissionado por Jesus (cf. Rm 16:7; 1Ts 2:6).”16
espalhava. Crescia rapidamente o número nisterial em que tanto os ministros leigos Cremos que o entendimento destes pa-
de discípulos em Jerusalém; também um quanto os ordenados são chamados como péis – pastores distritais como apóstolos
grande número de sacerdotes obedecia à servos do evangelho, não apenas na igre- e pastores locais como anciãos – provoca-
fé’ (At 6:7).”10 ja, mas também no mundo.”13 rá na igreja atual o mesmo despertamento
Esse é um assunto muito relevante. provocado na igreja apostólica: a libera-
À medida que o tempo passa, temos di- Conclusão ção de talentos para o cumprimento efe-
ficuldades para manter a igreja no foco Na atualidade, quem está desempe- tivo da obra do Senhor: “Se os pastores
da grande comissão. O que parece é que nhando a obra do apóstolo e do ancião? saíssem do caminho, se eles fossem para
estamos perdendo a compreensão acer- O que nos parece é que aos pastores está novos campos, os membros seriam obri-
ca da importância dos dons. Ellen White sendo delegada a obra do ancionato da gados a levar as responsabilidades, e sua
escreveu: “Concluo, então, que a prega- igreja, o que automaticamente os tem le- ­capacidade aumentaria pela prática.”17
ção e a fé do primitivo evangelho seriam vado a relegar a segundo ou terceiro pla-
Referências
sempre assistidas com o mesmo auxílio nos seu verdadeiro papel como apóstolos.
espiritual. A comissão dada aos apóstolos Vejamos o que diz Ellen White: “Ao viajar 1
Russell Burrill, Como Reavivar a Igreja do Século 21
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 122.
pertencia à era cristã, e compreendia toda pelo Sul a caminho das reuniões, vi uma ci-
2
Wellington Barbosa, As Duas Faces do Ministério
ela. Consequentemente os dons foram dade após outra, nas quais não foi feito ne-
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2020), p. 69.
perdidos apenas em virtude da aposta- nhum trabalho. Por quê? Os pastores estão 3
Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa
sia, e serão revividos com o reavivamen- circulando entre as igrejas que conhecem a Publicadora Brasileira, 2023), p. 65.
to da primitiva fé e prática.” 11 verdade enquanto milhares perecem sem 4
Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa
Ellen White dedicou um capítulo intei- Cristo.”14 E ela continua: “Em vez de man- Publicadora Brasileira, 2021), p. 57.

ro no livro Testemunhos Seletos, volume 3, terem os ministros junto às igrejas que já 5


White, Atos dos Apóstolos, p. 57.

para deixar clara a ideia de que a igreja deve conhecem a verdade, digam os membros 6
Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2021), p. 82.
assumir seu papel de pastoreio, liberando das igrejas a esses obreiros: ‘Trabalhem
7
White, Atos dos Apóstolos, p. 61.
assim os pastores distritais para se dedica- pelas pessoas que estão perecendo nas
8
White, Atos dos Apóstolos, p. 102.
rem à defesa da fé e à expansão do reino. trevas. Nós cuidaremos das atividades da
9
White, Atos dos Apóstolos, p. 118.
Wellington Barbosa escreveu: “Uma síntese igreja. Dirigiremos os cultos e, ao permane-
10 
Ellen G. White, História da Redenção (Tatuí, SP: Casa
da compreensão de Ellen White quanto ao cermos em Cristo, manteremos a vida es-
Publicadora Brasileira, 2021), p. 182.
ancionato envolve as seguintes atribuições: piritual. Trabalharemos pelas pessoas que 11 
Ellen G. White, Primeiros Escritos (Tatuí, SP: Casa
supervisão, pastoreio, nutrição espiritual e estão à nossa volta, e enviaremos nossas Publicadora Brasileira, 2022), p. 135.
educação (treinamento). Agindo dessa for- orações e ofertas para sustentar obreiros 12 
Barbosa, As Duas Faces do Ministério, p. 89.
ma, o ancião estaria desempenhando seu em campos necessitados e destituídos.’”15 13 
Robert Michaelson, “The Protestant Ministry in
papel no cumprimento da missão da igre- Há pessoas que afirmam que o dom do America: 1850 to the Present”, em Rex Edwards, Um
Ministério Para Todos (Tatuí, SP: Casa Publicadora
ja, permitindo ao ministro que alcançasse apostolado foi restrito somente aos Doze, Brasileira, 2021), p. 64
outros lugares, plantando novas igrejas e mas se pensarmos assim teremos pelo me- 14
White, Evangelismo, p. 265.
estabelecendo líderes que pudessem con- nos dois grandes problemas: 1) Com que au- 15
White, Evangelismo, p. 266.
duzi-las ao crescimento integral.”12 toridade Paulo reclama para si esse título se 16 
Francis D. Nichol (ed.), Comentário Bíblico
Robert Michaelson acrescentou: “É pos- ele não esteve nesse seleto grupo? (1Co 1:1; Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p. 1040.
sível que estejamos experimentando uma 9:1; Cl 1:1; Ef 1:1; 1Tm 1:1; Rm 1:1; 2Tm 1:1, 11)
nova consciência da natureza da igreja e 2) a escolha de um outro nome (Matias)
17
White, Evangelismo, p. 266.

como uma instituição ministerial, um cor- para suprir a ausência de Judas Iscariotes
po que ministra às necessidades do mun- (At 1:15-26). Nesse caso, Pedro deixa bem
do por meio de todos os seus membros. claro que essa vaga precisava ser ocupa-
OSMAR BORGES
Foto: Gentileza do autor

O ministro pode ser líder, fonte de inspi- da para que a obra não parasse de avançar. pastor em Sorocaba, SP
ração, organizador e administrador; mas, O Comentário Bíblico Adventista acrescen-
sozinho, ou mesmo com uma equipe, não ta: “Além dos doze, havia outros que, num

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 33
DICAS DE LEITURA

Igreja Emergente
Carlos Flávio Teixeira (org.), Norte Teológico SALT-FAAMA, 2023, 175 p.

O movimento conhecido como “igreja emergente” surgiu como uma proposta de reconfiguração
contextualizadora da religiosidade cristã no âmbito do protestantismo e evangelicalismo norte-
americano. Tendo herdado cinco séculos de fragmentação eclesiológica, ele está fortemente mo-
tivado e focado em superá-la, engajando-se na teologia, na práxis e no ministério ecumênico. Em-
bora esteja em seus estágios iniciais de desenvolvimento, já forneceu indícios suficientes de que
não é simplesmente uma moda passageira, mas se reveste dos contornos de um novo modelo de
cristianismo e de igreja, já bastante influente no neoevangelicalismo norte e sul-americano. A fim
de examinar a natureza e refletir sobre os potenciais riscos das transformações propostas pelos
adeptos desse modelo de igreja emergente, esta obra reúne estudos sobre o tema focando seu
potencial impacto no meio adventista.

Heroínas de la Reforma
Sukeshinie Goonatilleke, Editora ACES, 2023, 214 p.

A Reforma foi liderada por homens como Lutero, Calvino e Zwinglio; mas também figuram nes-
se cenário algumas mulheres notáveis que fizeram a diferença no seu compromisso com a Palavra
de Deus. Elas eram chefes de estado, escritoras, ativistas, poetisas e acadêmicas. Suas histórias
são reais e inspiradoras. As oito mulheres que aparecem neste livro não só foram heroínas, mas
também seres humanos de carne e osso que tiveram medos e entusiasmos, dúvidas e tentações.
Para todos os que se consideram filhos da Reforma, é vital aprender com as mulheres que ajuda-
ram a conduzir esse movimento e deixaram um poderoso legado. Heroínas de la Reforma ressalta
algumas dessas heroínas, usando tanto detalhes históricos profundos como relatos emocionantes
e cheios de ação. Sem dúvida, este livro vai inspirar você a defender a sua fé. Além disso, você verá
que os líderes protestantes eram semelhantes a nós, com defeitos e virtudes, sonhos e fracassos.

Em Missão
Silvano Barbosa, UNASPRESS, 2023, 262 p.

Em Missão nos conduz a uma viagem inovadora pela missão de Deus revelada nas Escrituras,
na história e nos contextos contemporâneos. Engajando o leitor em uma conversa animada so-
bre como participar da missão, Silvano Barbosa elabora ideias originais e reformula conceitos co-
nhecidos para adicionar novos significados. A obra é fundamentada na percepção de que o Deus
da Bíblia é um Deus missionário. As melhores estratégias missionárias vêm à superfície quando
se observa o próprio Deus em missão.
O estilo prático torna a leitura um mirante para a apreciação de princípios perfeitamente apli-
cáveis às oportunidades missionárias atuais. Essencial para a missão, este livro pode ajudá-lo a
servir a Deus do outro lado da rua ou do outro lado do mundo.
Foto:

34 MINISTÉRIO l N O V- D E Z • 2023
PALAVRA FINAL

USO RESPONSÁVEL
N
as últimas décadas, a Inteligência Artificial
(IA) foi desenvolvida a passos largos. Nossas ações devem primeiro
O aparecimento recente da IA generativa,
como o ChatGPT, mostrou o quanto essa área
se ajustar aos princípios
da tecnologia cresceu. Embora o ChatGPT tenha bíblicos, e não meramente à
despertado a atenção do público para a existência
da IA, não a trouxe para nossa vida diária. A IA já
conveniência ou à eficiência.
estava presente no corretor ortográfico, na pesquisa
do Google, nos aplicativos de navegação, na Siri e na respostas altamente individualistas, auto-expressivas
Alexa, na transcrição de voz para texto, nas redes e memorizadas. Mas a mediocridade das respostas do
sociais, nos jogos eletrônicos, no reconhecimento ChatGPT não é o único problema.
facial, nos filtros de spam, nos exames médicos e O acesso rápido e fácil à informação aparentemente
muito mais. Grande parte do conteúdo consumido infinita pode minar o discipulado. Afinal, por que
na internet é, inclusive, fruto do algoritmo de IA, trabalhar duro para estudar a Bíblia e crescer em
que prevê e sugere assuntos baseado nas últimas conhecimento se um robô pode fazer isso por você?
pesquisas dos usuários ou em tópicos relacionados. A IA generativa, portanto, promete eficácia e economia
Diante dessa nova realidade, pastores e líderes de tempo na realização de algumas tarefas, mas oferece
de igreja devem evitar os extremos. Criticar aos seus usuários resultados que não envolvem trabalho
publicamente todas as formas de IA na igreja é ou esforço pessoal.
problemático, especialmente porque muitos já utilizam Nossas ações devem primeiro se ajustar aos
alguma forma dessa tecnologia. O que pode-se dizer, princípios bíblicos, e não meramente à conveniência
então, do uso intencional da IA generativa no âmbito ou à eficiência. Assim, embora a IA generativa possa
espiritual e eclesiástico? Quais são as implicações para ser capaz de escrever sermões, devemos recordar
o ministério pastoral? que esse dever é dos pastores. Negligenciar essa
Primeiramente, devemos estar cientes das responsabilidade não só é antiético, mas também
possibilidades da IA generativa, ou seja, algoritmos imprudente. Uma máquina, por mais avançada
que desenvolvem texto, imagens, códigos, áudios que seja, não conhece o coração das pessoas em
e vídeos. Por exemplo, a IA pode investigar temas uma congregação, por isso, não pode calcular
bíblicos, criar gráficos, gerar perguntas para pequenos responsavelmente suas palavras a fim de guiá-las à
grupos e escrever blogs e roteiros de podcasts. verdade bíblica. Também não é capaz de sintonizar-se
Os membros da igreja também podem fazer com o Espírito Santo.
aconselhamento espiritual nesse sistema. Se você usar a IA sem nenhuma convicção ética,
Mas aqui vale a reflexão: Onde é que o computador cometerá erros éticos. Por quê? Porque você acabará
obtém ou produz essas informações? Todos os caindo no utilitarismo, que tem a seguinte premissa:
modelos de IA generativa são treinados utilizando “Se fazer x atinge o objetivo de maneira mais
um conjunto específico de dados. Um exemplo é eficiente, então fazer x é o correto.”
o ChatGPT. Quando lhe fazemos uma pergunta, Portanto, como pastores, devemos usar a IA de
ele prevê uma resposta que será satisfatória ao maneira assertiva. Se você não está disposto a dizer
requerente de acordo com os parâmetros de consulta aos membros de sua igreja ou aos administradores
e com aquilo que considera satisfatório. A IA oferece de seu campo que seus sermões são preparados com
WALTER STEGER
Foto: Gentileza do autor

editor da Asociación Casa


respostas colaborativas e calibradas para agradar à o ChatGPT, então não use. Aqui, sem dúvida, cabe o
Editora Sudamericana multidão. Se você pedir ao ChatGPT conselhos sobre a conselho inspirado do apóstolo Paulo: “Examinem
vida cristã, ele lhe dará a sabedoria mais convencional: todas as coisas, retenham o que é bom” (1Ts 5:21).

N O V- D E Z • 2023 l MINISTÉRIO 35
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