Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SILMARA IZIDORO
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança entre esses aspectos é mera coincidência.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n. 916/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.
SINOPSE
Silmara Izidoro.
“A luz acha que viaja mais rápido do que
qualquer coisa. Doce ilusão...
Não importa o quão rápido ela viaje,
porque fatalmente encontrará sua sombra,
que chegará primeiro, a qualquer lugar,
inevitavelmente.
E permanecerá o tempo que for necessário,
ansiando pelo encontro com a sua tão esperada luz.”
CAPÍTULO 1
LAÍS ANTUNES
PIUÍ
— Olha pra mim! — Laís rosnou, mas não conseguia desviar meus olhos
de Nichole.
— Olha pra mim, PORRA!
A voz irritada da minha amiga me tirou dos devaneios e a encarei ainda
sob o efeito anestésico que me impedia de raciocinar com clareza.
— Não tira os olhos de mim. — falou firme segurando meu rosto entre
suas mãos — Respira fundo e se acalma. Vamos! Você consegue.
As duas últimas palavras soaram como uma súplica desesperada. Fechei
os olhos e puxei o ar para dentro dos meus pulmões tentando recuperar o
controle da minha respiração totalmente irregular.
— Eu imagino o quanto é difícil pra você, mas não pode fraquejar agora.
— Laís olhou por cima do ombro para ter certeza de que ainda não tínhamos
sido vistos. — Tudo que o Guilherme quer é apenas um motivo pra te impedir de
embarcar naquele avião, mas eu também preciso ter certeza de que vai ficar bem,
ou pelo menos fingir bem que está bem. — ela apertou os olhos se recriminando
por alguns segundos e voltou a fixar seus olhos nos meus — É confuso, eu sei,
mas é exatamente isso que quis dizer. Você não está bem e não vai ficar bem,
mas precisa fingir que está tudo bem se quiser mesmo fazer parte da equipe. Tem
certeza que consegue?
Tantas coisas passaram pela minha cabeça, imaginei milhares de
situações adversas e me preparei com afinco para encontrar minha Hermione e
conseguir ser forte por ela, mas nada no mundo poderia me preparar para o que
estava bem a minha frente. Nada.
— Eu vou conseguir...
— Precisa de um tempo ou podemos ir até eles?
A expressão de preocupação na cara da ruiva me faria sorrir em outros
tempos. Sempre fui um cara bem humorado e conseguia rir de tudo nos piores
momentos, mas aquele garoto com o espírito livre havia sido deixado pelo
caminho que percorreu.
Eu não tinha mais motivos para me divertir ou tentar encontrar o lado
bom nas coisas e nas pessoas. Minha única preocupação era conquistar minha
rendição por todo mal que causei a Nichole e seguir em frente, carregando o
fardo que pertencia somente a mim e não deveria ser compartilhado com outras
pessoas.
— Podemos ir. — abracei Laís e seu corpo foi apertado com força junto
ao meu, como se fosse um bote salva vidas agarrado em alto mar por um
náufrago desesperado — Não se preocupe tanto, eu não vou desistir de cumprir
minhas obrigações.
Ela se afastou o suficiente para me encarar com seus olhos amendoados.
Minha amiga estava sofrendo por minha causa e eu sabia que não adiantaria falar
ou alegar qualquer coisa. Drizella me conhecia o suficiente para saber que há
tempos minha vida tinha descarrilado e não voltaria ao normal tão cedo.
— Não é só porque agora está todo “bombadão” que deixou de ser o
garoto irritante que se tornou um irmão pra mim. Até agora eu deixei que se
afastasse e agisse sozinho, mas seu tempo acabou seu idiota, e não vai mais me
manter longe. Sou sua amiga e vou te ajudar a recuperar sua felicidade. — seus
olhos marejaram e os meus não quiseram ficar para trás se enchendo de água
também — Não aguento mais te ver desse jeito Piuí, aliás, ninguém aguenta.
Todos nós estamos sofrendo com a sua mudança e tudo que você faz é se isolar e
impedir que a gente te ajude. Acabou. Vamos resolver tudo juntos daqui pra
frente e nem adianta reclamar.
Eu ia começar a debater quando sua mão tapou minha boca me
impedindo de falar.
— Não é um pedido grandão, apenas um aviso. Você me ajudou quando
minha alma estava morrendo, agora está na hora de aceitar a retribuição. — Laís
me abraçou e aproveitou para enxugar nossas lágrimas — Sua Hermione
também precisa de nós. Se recomponha e não deixe que a aparência dela te abale
ainda mais.
— De frente é ainda pior?
Se ver Nichole de costas já tinha sido como levar uma facada no
estômago, o que de pior poderia ser quando a visse cara a cara?
— Muito pior Piuí... muito pior...
Laís se despediu do marido que nos observava a distância com Joshua
agarrado em suas pernas. Fiz o mesmo sem muito ânimo e segui minha amiga
até o local combinado para o embarque.
Guilherme se virou quando ouviu o barulho das botas esmagando o piso
reservado aos tripulantes, seus olhos não demonstravam nada além de ódio. Não
sabia dizer se aquele rancor era destinado exclusivamente a mim, mas poderia
apostar que grande parte dele, sim. Era todo meu.
— Guilherme, como vai? — Laís cumprimentou o ex-agente com um
abraço rápido e sorriu parando a frente de Nichole que continuava de costas para
mim ao lado do pai — Como vai menina? — o sorriso da ruiva para a amiga
acalmou meu coração agitado e mesmo sem ver a expressão da mulher que se
mantinha como uma estátua sem mover um músculo sequer e mal respirava,
percebi que seus ombros relaxaram quando viu a ruiva.
Não houve retribuição no abraço que recebeu de Laís, suas mãos
permaneceram dentro dos bolsos da calça preta larga, que antes se agarrava com
perfeição as curvas de seu corpo.
Fingindo o máximo que pude me aproximei de Guilherme com firmeza
ao realizar cada movimento controladamente para não correr o risco de deixar
evidente o meu medo e meu nervosismo.
— Agente.
Ofereci minha mão que foi apertada por obrigação e formalidade. O
contato foi rápido e extremamente profissional, sem qualquer resquício do bom
relacionamento e amizade que tínhamos quando nos conhecemos, há pouco mais
de um ano.
O corpo de Nichole ficou tenso quando ouviu minha voz, mas sua
postura permaneceu igual, sem nenhuma alteração.
Fiz o mesmo percurso que Laís e parei a sua frente perdendo
completamente o ar ao me deparar com seu rosto. Nossos olhares se encontraram
brevemente, pois minha Hermione sequer permitiu que eu a cumprimentasse
com um aceno de cabeça ou um simples “Oi”. Virou de costas e caminhou em
direção ao avião que estava pronto para decolar.
— Eu sinto muito... — foi à única coisa que consegui falar quando
Guilherme passou por mim seguindo na mesma direção que sua única filha.
— Não sinta. — ele parou e me encarou demorando alguns segundos
para concluir seus pensamentos — Você sabe que não é bem-vindo nessa
operação, mas em respeito a tudo que Mateus fez por mim e pela minha equipe,
permiti que viesse. Fique longe da minha filha, de preferência nem respire perto
dela e voltará pra casa com vida, ou eu não respondo por mim, e te mando de
volta dentro de um caixão.
— Piuí...
Laís estava pronta para começar o sermão quando eu a cortei.
— Agora não. — peguei nossas malas e de cabeça erguida acenei para
que me seguisse pelo mesmo caminho que pai e filha tinham feito poucos
minutos antes — Preciso de todos os detalhes sobre o que pode ter acontecido
com ela e você vai me atualizar enquanto voamos.
— Achei que fosse explodir e mandar o Guilherme se foder!
Eu me aproximei do bagageiro e entreguei as duas malas pesadas ao
encarregado. Passei meu braço sobre os ombros de Laís e falei baixinho
enquanto subíamos no avião.
— O cara está perdido em seu ódio e precisa descontar em alguém.
— Mas não está certo ele culpar você por tudo que aconteceu com ela
naquela base.
— Aí que você se engana Dri. — a ruiva revirou os olhos por causa do
apelido, e eu me esforcei para sorrir e disfarçar o embrulho que havia se
instalado em meu estômago desde olhei para Nichole. — Foi por minha causa
que ela quis sair do país e se não fosse por todas as merdas que fiz nada disso
teria acontecido.
— Errado seu idiota! — minha amiga segurou meu braço me impedindo
pisar no último degrau da escada que nos separava da aeronave — Você pode ter
errado, mas não vamos isentá-la de parte da culpa. Ela sabia que estava com a
Julia quando ficou com você e não precisava ter fugido para os Estados Unidos
quando soube que iria se casar. O que fizeram com ela durante a porra do curso
não tem absolutamente nada a ver com as suas escolhas e essa história tem que
acabar. Agora.
Eu conhecia muito bem minha amiga ruiva e desde que nos conhecemos
só a vi naquele estado transtornado apenas uma vez, e não era uma das melhores
lembranças que tinha dela. Pelo contrário, se não fosse à pior, estava na lista das
“Top 3”, com toda certeza.
— Vamos deixar as coisas como estão, por favor, Drizella. — suas
bochechas estavam vermelhas e ela parecia que pronta para explodir — Ainda
nem embarcamos e se arrumar confusão com ele agora eu corro um sério risco
de ficar em solo brasileiro. Senta do meu lado e me conta tudo o que sabe sobre
esse grupo de mercenários envolvidos no curso.
Laís bufou, resmungou, xingou e por fim, cedeu. O avião era pequeno e
havia cerca de dez pessoas sentadas aguardando a decolagem. Apenas homens
desconhecidos vestindo roupas pretas e armados dos pés a cabeça.
Olhei rapidamente em volta e não vi Nichole em lugar nenhum. Com
certeza iria acompanhar o piloto na cabine para evitar ficar no mesmo ambiente
que eu. Apesar de ter me impressionado com a sua aparência, tive esperança de
que poderia observá-la durante a viagem, mesmo que fosse de longe.
— Boa tarde senhores e... senhora. — a voz de Guilherme ecoou nos
auto falantes simultaneamente com o fechamento das portas do avião —
Estamos embarcando para a cidade da Califórnia, nos Estados Unidos, onde
faremos um pouso nada convencional em uma pista particular, e de lá,
seguiremos divididos em grupos de quatro pessoas até o Deserto de Mojave,
para averiguação e reconhecimento do lugar. Todos receberão suas respectivas
tarefas e não aceitarei qualquer tipo de contestação quanto a elas. Teremos
armamento de última geração a nossa disposição e todo tipo de suprimento que
precisarem. Aproveitem a viagem e descansem, pois teremos muito trabalho nos
próximos dias e pretendo estar em casa o mais rápido possível. Tenham todos
uma boa viagem.
Houve burburinhos, mas logo o silêncio se instalou. Esperei que o avião
decolasse e quando se estabilizou no ar olhei para o lado e chamei a atenção de
Laís que apreciava a vista pela janela.
— O que você ficou sabendo quando esteve na casa de Guilherme?
A ruiva abriu sua bagagem de mão e retirou algumas folhas amassadas e
começou a relatar:
— O curso que Nichole sonhava fazer era ilegal e seria custeado por
dinheiro de empresas que bancariam todas as despesas para ter em seu quadro de
funcionários pilotos jovens, desconhecidos e com habilidades aprimoradas. A
principal promessa dos organizadores era preparar os alunos inscritos para
pilotar o avião mais rápido do mundo, o F-22, mais conhecido como “Raptor”.
— Laís me entregou uma fotografia do avião que mais parecia de brinquedo —
Essa aeronave é invisível aos olhos do inimigo e pode atingir 2.400 km/hr, duas
vezes mais rápido do que a velocidade da luz, por ser um caça de pós-
combustão. Traduzindo, essa máquina parece um foguete rasgando o ar. Ele tem
um compartimento de armas que pode levar até 6.000 quilos de mísseis, bombas
e outros explosivos, sendo que alguns são guiados por GPS. O único empecilho
para centenas de pilotos que desejam pilotar essa belezinha, é que apenas
cidadãos norte-americanos podem ingressar a força aérea e o sonho se torna
impossível para os estrangeiros.
— Como eles conseguiram o avião para usar no curso?
— Esse é o ponto meu amigo, eles não conseguiram. — Laís me
entregou outra fotografia, mas naquela havia cinco homens vestidos com o
uniforme do exército americano. — O grupo aparentemente tinha todo o
esquema pronto para receber o avião que seria “emprestado” pelo prazo de um
ano. Também conseguiu a permissão para usar uma área restrita do Deserto de
Mojave, onde fica um dos maiores cemitérios de aviões de guerra do mundo, o
que facilitaria o esquema e tornaria o curso viável financeiramente.
— O que deu errado?
— Ninguém sabe.
— Porra! Aí você me fode Drizella. Como assim ninguém sabe?
— A única pessoa que sabe e poderia falar alguma coisa está lá na cabine
nesse exato momento e tem crises fortíssimas sempre que é questionada sobre
essa porra de assunto. — ela bufou e abaixou seu tom de voz que já estava
alterado — Desde que a menina voltou, Guilherme tentou de todas as formas
fazê-la falar, mas nenhuma deu certo Piuí. Você viu como ela está e ninguém
teve coragem de levar a garota ao limite.
— Quem são esses caras?
Devolvi as duas fotografias para ela que guardou novamente na bolsa,
fechando o zíper em seguida.
— O líder é um cara chamado Zen Wilder, ex-coronel das tropas
especiais e acusado de cometer diversos crimes de guerra, os outros são apenas
soldados que se rebelaram e mercenários em busca de emoção.
— Tem certeza que Guilherme não sabe de mais nada?
— Mesmo que eu soubesse não lhe contaria. — a voz do ex-agente fez
com que olhássemos na mesma hora para ele, parado no corredor nos encarando
com cara de poucos amigos.
— Estou tentando entender o que exatamente estamos procurando. —
não deixei que seu olhar de macho alfa dominante e todas essas merdas que as
mulheres adoram me intimidar. — Mesmo que a gente encontre esse tal de Zen
Wilder, como vamos saber o que aconteceu com a Nichole?
— Não pretendo descobrir nada.
— E vai fazer o que?
— Matar todos eles, um por um.
— Não sei se já parou pra pensar Guilherme, mas esses caras podem ser
apenas bodes expiatórios e os verdadeiros culpados por tudo que aconteceu vão
continuar machucando inocentes se não for pegos.
Ele franziu a testa e inclinou o corpo na minha direção. O cara era uma
verdadeira mala sem alça, com as rodinhas quebradas e de papelão em dia de
chuva. Se quando meu corpo era magrelo e franzino eu já não me importava com
aquele tipo de ameaça silenciosa, do jeito que eu estava, era apenas uma questão
de muito pouco tempo até enfiar a cara dele no primeiro exaustor que
encontrasse.
Se não fosse pai da Hermione já estaria dando beijos de língua no chão,
chamando a sola da minha bota de amante.
Babaca de merda.
— Não temos como saber de onde saiu o dinheiro que financiou o curso
e a última coisa que eu quero é um acidente internacional que comprometa não
só a operação, mas a atuação da N5 em solo americano.
Sorri debochado. O ex-agente realmente subestimava minha inteligência.
Mal sabia ele que todas as estratégias que Thor usava para que todas as
operações tivessem êxito passavam pelas minhas mãos antes de serem
apresentadas.
Ao contrário de Guilherme, meu amigo acreditava em mim, e sabia que a
experiência adquirida durante todos os anos vividos no Teteu somada ao período
que trabalhei como seu braço direito, quando se tornou responsável pela equipe
fantasma no Rio de Janeiro, servia para ajudá-lo na antecipação de possíveis
problemas.
Problemas esses, que poderiam ser evitados ou no mínimo adiados, nos
dando margem de tempo suficiente para preparar uma nova estratégia, de ataque
ou de fuga, se fosse necessário abandonar o barco e aguardar uma nova
oportunidade para finalizar a operação que estivesse em andamento.
— Está tentando me convencer que montou uma equipe com todos esses
homens treinados e fortemente armados para atravessar o Oceano e matar cinco
soldados pau mandados? — sorri debochado ao ver sua cara feia ainda mais
irritada por ter sido pego em uma grande mentira deslavada. — Guilherme, eu
odeio admitir isso em voz alta, mas até seu pai, Kaio, Ferraz e Cilas, que juntos
devem chegar aí a uns... — fingi calcular e falei sorrindo cinicamente —,
trezentos anos de idade, poderiam fazer esse serviço com os pés nas costas.
— Como eu disse, todos vocês irão receber suas tarefas e eu não vou
aceitar qualquer contestação.
Guilherme cruzou os braços e minha paciência simplesmente fugiu pelos
ares. Fiquei em pé de frente para ele sentindo meu corpo ferver de raiva.
— Eu não sou a porra do seu empregado. — rosnei baixo encarando seus
olhos que fuzilavam os meus — E não pense que vou ficar de braços cruzados
enquanto você vai atrás dos verdadeiros responsáveis por tudo que aconteceu
com ela, porque eu não vou.
— Você já causou muito estrago na vida dela, não acha?
— O que aconteceu entre Nichole e eu não tem nada a ver com o que
fizeram com ela naquela merda!
— Mas foi por sua culpa que minha filha quis fugir!
A discussão chamou a atenção de todos os tripulantes e o braço de Laís
envolvia minha cintura numa tentativa de me segurar e impedir que eu partisse
para cima de Guilherme.
— Eu poderia culpar você e seu pai por não ter investigado melhor
aquela merda!
— Se você fosse um homem de verdade não teria feito o que fez com
ela! — com um passo a frente seu rosto ficou a poucos milímetros do meu —
Você usou a minha filha como quem usa uma roupa qualquer, seu filho da puta!
— Não fale sobre o que você não sabe!
— Eu sei o que aconteceu seu desgraçado! Foi para mim que ela ligou
implorando para ir buscá-la porque não tinha condições de dirigir àquela hora da
noite. — seus olhos se encheram de lágrimas não derramadas de ódio e
desprezo. — Eu encontrei minha filha largada naquele quarto de motel depois
que você transou com ela e resolveu avisar que ia se casar com outra mulher!
Meu coração doeu dentro do peito ao ouvir Guilherme falar sobre a
última noite que tive Nichole em meus braços. Eu errei, mas nunca agiria da
forma que ele estava me acusando.
— Não foi isso que aconteceu!
— A culpa é toda sua seu miserável! Foi por sua causa que min...
— Guilherme.
A voz estrangulada de Nichole impediu que seu pai continuasse as
acusações e xingamentos. Olhei em sua direção e o mundo desabou em cima da
minha cabeça quando vi o seu rosto deformado e vazio de qualquer
sentimento.
— Filha...
O ex-agente tentou se aproximar dela, mas não conseguiu. Minha
Hermione deu um passo para trás e deixou claro que não permitiria o contato.
Não sabia o que fazer, falar e até mesmo sentir ao ver sua negativa ao homem
que sempre amou e admirou.
— A única culpada sou eu. — sua fala estava comprometida e as palavras
ditas pausadamente não eram claras, seus olhos não deixaram os de Guilherme
enquanto tentava se comunicar — Apenas esqueça.
Nichole não chorou ou demonstrou qualquer tipo de sentimento. Esperou
que o pai passasse por ela e me encarou com seu olhar apático e frio.
— Faça o seu trabalho. — falou com dificuldade — Não se meta na
minha vida.
Virou de costas e seguiu Guilherme para dentro da cabine do piloto.
Meus olhos se prenderam em seu corpo magro e corcunda caminhando
lentamente até que a porta se fechou e o silêncio voltou a imperar dentro do
avião.
— Vem Piuí, senta.
Laís me puxou e eu fui sem reclamar.
— Meu Deus... você precisa se controlar ou não vamos chegar inteiros.
Abaixei minha cabeça apoiando-a nas mãos lamentando profundamente
por todo mal que fiz a única mulher que amei em toda a minha vida.
Naquele instante decidi que nem mesmo Guilherme me impediria de
encontrar os culpados por tudo que ela passou.
— Eu preciso de um tempo Drizella.
— Não Piuí. — Laís massageou minhas costas e falou em meu ouvido
sem vacilar. — Você precisa decidir se quer continuar com a sua vida de merda
ao lado daquela falsa que te manipula o tempo todo, ou se quer enfrentar seus
problemas de frente e reconquistar a mulher que realmente ama. Essa é a
verdade nua e crua que você precisa ouvir agora meu amigo, e eu sou a amiga
bruxa sem coração que vai enfiar essa porra goela abaixo.
Drizella beijou minha cabeça e sua mão diminuiu o aperto em meu
ombro tencionado.
— Você precisa reagir e tem que ser rápido, ou vai ser engolido e passar
o resto dos seus dias sofrendo pelo que poderia ter feito e não fez. Mas não
demora muito, e dessa vez, nem sonha que eu vou deixar aquela víbora usar seu
filho pra te chantagear. O tempo ta passando Piuí e quando enxergar a burrada
que fez, pode ser tarde demais pra voltar atrás.
Encostei a cabeça na poltrona e fechei os olhos procurando uma solução,
mas a única coisa que insistia em castigar minha mente era a imagem de Nichole
e toda a dor que sentia ao olhar para o que restou da menina que eu conheci há
pouco tempo atrás.
Minha Hermione era apenas um vulto opaco e sem vida ocupando um
pequeno espaço no meio do mundo. Eu precisava trazê-la de volta e mostrar a
ela o quanto a amava. Laís estava certa, o tempo estava correndo e a cada minuto
que passava mais longe eu ficava da minha felicidade.
Nichole era minha felicidade e eu iria lutar por ela, como lutaria para
ficar com Pedrinho quando voltasse para casa.
CAPÍTULO 4
NICHOLE
PIUÍ
Laís dormiu o restante da viagem, que parecia não ter fim, mas não me
preocupei e justifiquei minha impaciência por causa da ansiedade em ver
Nichole novamente. Já tinha decidido que falaria com ela antes de entrarmos nos
carros.
Claro que Guilherme não deixaria que a filha fosse comigo e não
esperava outra atitude dele. O fato é que eu precisava falar com ela, qualquer
besteira que viesse a minha cabeça, mas tinha que ouvir sua voz mais uma vez.
Depois do pouso um tanto preocupante, as portas se abriram e os poucos
passageiros iniciaram a descida. A cabine permanecia fechada.
Peguei minha mochila e esperei que a ruiva ajeitasse o cabelo para segui-
la. Foi quando ouvi um barulho e vi o ex-agente caminhar em nossa direção com
a expressão de quem havia passado mal.
Em vez de seguir meu caminho esperei e deixei que ele passasse por mim
evitando contato visual e agradeci mentalmente por ele fazer o mesmo. Um
homem que eu ainda não tinha visto saiu logo atrás dele e deduzi que era o
piloto.
— Vai esperar?
Minha amiga perguntou olhando na mesma direção que meus olhos
estavam fixados.
— Vou, preciso falar com ela.
— Tudo bem, vou tentar distrair o Guilherme e te dar um tempo para ver
o que consegue. — segurou minha mão e sorriu com suas bochechas
avermelhadas — Tenha calma e não força a barra agora.
Assenti e continuei parado. Minhas mãos inquietas sossegaram quando a
porta da cabine foi aberta pela última vez e minha Hermione passou por ela com
a cabeça baixa, olhando para o celular.
Quando me viu foi como se um raio tivesse atingido meu peito e a dor
causada por ele deveria estar estampada em meu rosto. Não era fácil encarar
todos os ferimentos sem me impressionar.
Nichole não parou de andar, ela caminhou como se não houvesse
ninguém impedindo seu caminho e quando meu corpo finalmente obrigou seus
olhos a se encontrarem com os meus, um vestígio de muitas emoções
desconhecidas dançaram exibidas dentro deles.
— Podemos conversar?
Minha voz era praticamente um sussurro. Seus olhos antes brilhantes e
cheios de vida me encararam escuros e intimidadores.
— Você quer falar comigo?
A mulher pequena e aparentemente frágil estava bem distante da menina
que conheci e me apaixonei, mas havia mais dela do que Nichole tentava
esconder.
— Na verdade quero, muito.
Ela deu de ombros e permaneceu em silêncio me deixando constrangido
e sem ação. Eu esperava um xingamento ou uma porrada, mas sua indiferença
acabou comigo.
— Pode me contar o que aconteceu com você enquanto esteve no curso?
— Não.
Sua voz calma contradizia a tensão de seu corpo diante de mim.
— Por que não quer falar?
— Porque não é da sua conta.
Olhando para ela de perto percebi que sua fala não estava comprometida
como pensei, mas a dificuldade de pronunciar as palavras se devia a sua boca e
língua que estavam machucadas.
— Nichole, eu sei que tudo que aconteceu entre a gente foi errado e
acabou muita mal, mas preciso que entenda que...
— Não. — ela me interrompeu negando com a cabeça — Acabou.
Passado. Agora saia da frente e me deixe em paz.
Seu olhar frio quase me desconcertou, quase. Cruzei os braços a frente do
peito e não movi um músculo sequer, se a minha Hermione queria me provar que
conseguia agir como se nunca tivéssemos compartilhado sentimentos genuínos e
fortes, ela teria que me provar com mais convicção.
— Eu disse que acabou mal, mas não disse que esqueci você. — Nichole
não desviou o olhar — Preciso que me perdoe por tudo que te fiz passar, preciso
conversar com você sem ninguém por perto e preciso saber tudo o que aconteceu
com você. Por favor, me dá uma chance pra concertar tudo.
— Eu te perdoo. — senti meu coração acelerar com esperança — Agora
saia da frente e me deixe em paz.
Ela tentou passar por mim, mas apoiei minhas mãos nas poltronas e
fechei seu caminho.
— Conversa comigo Nick. — implorei.
— Já conversei, agora saia antes.
— Nichole, eu só te peço uma chance, por favor.
Levantei o braço numa tentativa de acariciar seu rosto e passar a mão por
sua cabeça raspada. Havia dois cortes e uma trilha de pontos costurados bem
acima de sua orelha direita, mas a reação de Nichole ao perceber minha intenção
serviu apenas para me mostrar o quanto ela estava transtornada.
Com um movimento rápido a mulher franzina que mal conseguia andar
segurou meu braço e executou uma manobra que quase o partiu em dois me
derrubando no chão logo em seguida. O tombo foi nada se comparado as
palavras sussurradas próximo ao meu ouvido logo em seguida.
— Nunca mais tente encostar um dedo em mim, ou eu mato você.
Enquanto eu me recuperava do susto, ela simplesmente passou por cima
de mim e saiu do avião sem olhar para trás.
Sentei tentando entender o que tinha acabado de acontecer, mas não tive
muito tempo, pois a voz de Laís me tirou do transe momentâneo que Nichole
havia me deixado.
— Que porra aconteceu aqui?
Sentindo meu braço torcido latejar, disfarcei e o esfreguei atordoado, mas
ao mesmo tempo impressionado com a agilidade da minha Hermione. Onde foi
que ela aprendeu a derrubar um homem com o dobro do seu peso, ou mais?
— Eu ainda estou tentando entender.
A ruiva até tentou, mas não conseguiu segurar a risada de deboche.
— Sério que ela te derrubou?
— Eu estava desprevenido.
— Já viu o tamanho dela?
— Cala a boca, beleza?
— Não posso. — riu ainda mais — Preciso registrar esse momento.
Com muita habilidade Drizella pegou o celular e tirou várias fotos
enquanto eu ainda tentava ficar em pé com dignidade.
— Não sei o que deu nela. — encarei a ruiva que se divertia mexendo no
aparelho em sua mão — Porra! Tu vai ficar aí tirando uma onda com a minha
cara?
— Vamos e venhamos, não é todo dia que a gente tem o prazer de ver um
homem do teu tamanho estatelado no chão como um monte de bosta.
— Já disse que ela me pegou desprevenido.
— Se toca garoto! Eu vi a cara que ela saiu daqui e juro que pensei que
estava tudo bem. — ela pegou minha mochila e seguiu para a porta — Admite
que fez alguma coisa muito foda pra ela se irritar e te deixar com a cara no chão,
e não to dizendo de forma interpretativa não, você REALMENTE estava com a
cara no chão.
— É melhor você controlar essa sua língua e esquecer essa merda.
— Você me conhece. — Laís piscou e desceu as escadas falando em voz
alta para quem quisesse ouvir — Eu nunca iria contar pra ninguém que uma
mulher te derrubou! Nunquinha!
Ajeitei minha roupa e desci logo atrás dela. Minha cabeça começou a
doer e meu braço latejava sempre que eu o movimentava. Puta merda!
— Vou pegar minha mala.
Avisei Laís que caminhava em direção ao grupo reunido em uma área
dentro do hangar, há uns dez metros de onde estávamos.
— Eu já peguei.
— E por que não me avisou?
— Porque eu me distraí com o seu corpo estirado no corredor do avião e
acabei esquecendo.
A gargalhada de Laís chamou a atenção de Guilherme e dos outros
homens que conversavam animadamente. Nichole não estava por perto e sem
perceber, me peguei vasculhando todos os cantos a procura dela.
— Só faltavam vocês. — Guilherme falou quando nos aproximamos e
entregou uma folha para a ruiva antes de entregar a minha — Aí está todo o
cronograma da operação. Vocês dois irão no último carro com o Adriano e o
Edison.
Nem fiz questão de olhar o que estava escrito, meus olhos percorriam o
pequeno espaço cercado de vidro e a ausência de Nichole começou a me
incomodar.
O piloto do avião me encarava sem disfarçar e por um momento pensei
em perguntar se estava apaixonado por mim, mas achei melhor evitar mais
confrontos desnecessários. Não que eu pretendesse deixar de lado o que Nichole
fez. De jeito nenhum.
Se a Hermione foi capaz de me derrubar, alguma coisa estava seriamente
errada e aquela postura de menina quebrada escondia segredos muito mais
sombrios do que eu jamais poderia imaginar.
O barulho de motores do lado de fora chamou a atenção de todos. Três
carros pretos e com os vidros escuros se aproximaram da porta principal.
— Chegaram. — Guilherme anunciou — Vocês terão cerca de uma hora
para se inteirarem sobre a operação. Todas as informações que precisam estão na
folha que entreguei, ativem o GPS do celular e não se esqueçam de informar a
central da N5 o número de rastreamento que foi impresso no rodapé. Kaio vai
registrar todos os códigos e assegurar que ninguém se perca pelo meio do
caminho.
— Onde está a Nichole?
Perguntei a Guilherme quando ele passava por mim e seguia em direção
aos carros.
— Ela está cuidando do transporte. — fez um sinal com a cabeça
apontando para uma porta na lateral — Não piore ainda mais as coisas, Pedro.
Não sei o que você falou pra ela e nem quero saber, mas agradeço por saber que
pelo menos minha filha abriu a boca.
— Ela não conversou com ninguém?
Aquela informação também despertou o interesse de Laís que ouvia a
conversa discretamente.
— Não. — Guilherme olhou para os próprios pés e soltou o ar
profundamente — Eu mal ouvi a voz dela desde que voltou. Nichole se recusou
a falar.
— Como vocês se comunicaram durante esses dias?
Antes de responder ele fixou seus olhos na porta onde Nichole estava e
franziu a testa. Virei meu corpo para saber o que chamou sua atenção e vi a
mulher que tinha me colocado a seus pés fuzilando o pai com seu olhar furioso.
— Quem é aquele cara que está com ela?
Ao lado de Nichole, um homem vestido de preto e com um boné preto
conversava com ela como se fosse um amigo intimo.
— Não sei. — respondeu frustrado — Minha filha se transformou em
uma caixinha de surpresas e eu estou com muito medo de descobrir o que ela
tanto esconde.
Nós dois continuamos observando os movimentos de Hermione e seu
“amigo” enquanto os demais seguiam para os carros que nos aguardavam.
— Você não respondeu a minha pergunta Guilherme. — eu me sentia
fodido por não conseguir tirar meus olhos dela, parecia que a garota tinha um
imã — Se ela não falou com você como planejou essa operação?
— Vamos indo para o carro. Pelo jeito ela sabe que estou falando com
você sobre as informações que recebi.
Nichole ouvia tudo que o babaca que estava ao seu lado falava, mas seus
olhos continuavam analisando os movimentos do pai, que andava tranquilamente
entre Laís e eu.
— Quem te passou essas informações, Guilherme?
Laís perguntou.
— Depois que Nichole chegou e teve duas crises de pânico, achei melhor
deixar que ela descansasse por uns dias antes de forçá-la a me contar tudo que
tinha acontecido. — paramos próximos ao primeiro carro — No terceiro dia ela
entrou no meu escritório e me entregou mais de vinte páginas com vários e-mails
que registravam as atividades do grupo de mercenários responsável pelo curso.
Foi a partir dali que conseguimos todas as informações. Minha filha parece uma
caixinha de surpresa e eu estou com medo do que vou encontrar se forçar a
abertura.
— O que ela não quer que eu saiba?
— O problema não é você Pedro...
— Qual o problema dela então?
— Guilherme.
A voz grossa e autoritária impediu que ele respondesse. O homem que
conversava com Nichole se aproximou e não fez questão de nos cumprimentar
ou ser apresentado. Ele quase engoliu Laís com o modo que analisou seu corpo
sem qualquer discrição e vi minha amiga revirar os olhos descaradamente para a
sua atitude ridícula.
— Está tudo certo, eles já estão esperando por vocês.
Nichole entrou no primeiro carro e sentou no banco de trás sem falar
nada, sequer olhou para o lado. Minha vontade era de abrir a porta de me
acomodar ao seu lado, mas sabia que não seria uma atitude muito inteligente da
minha parte pressioná-la daquele jeito.
Também não queria me arriscar e sofrer outra agressão na frente dos
outros caras, além de aguentar Drizella tirando onda com a minha cara pelos
próximos dez anos. Porra, eu teria que ficar atento para não ser pego de surpresa
e apanhar de novo.
Que merda!
— Estamos a caminho.
Do jeito que o homem chegou, ele saiu. Guilherme acenou e entrou no
mesmo carro que Nichole estava. Encarei Laís que segurou minha mão e nos
conduziu até o último carro, o que teria a missão de ficar na retaguarda.
— Estão prontos?
Adriano, o cara que dirigia perguntou sorridente demais quando minha
amiga pegou o celular para passar nossas coordenadas a Kaio.
— Estamos.
Respondi apenas sem lhe dar muita liberdade. Homens quando queriam
chamar a atenção conseguiam ser piores do que mulheres. Laís não dava bola
para ninguém, estava sempre com a cara amarrada justamente para evitar caras
como Adriano e o idiota que conversava com Guilherme.
— Vou aproveitar e ligar para o Murilo. — Drizella avisou — Quer que
dê algum recado?
— Pede pro Mateus avisar a Julia que estamos bem e me ligar se houver
algum problema.
— Ela sabe que estou com você nessa viagem?
— Relaxa Dri, já te falei que esse assunto está encerrado.
— Até parece. — bufou — Tenho certeza que ela perguntou se eu viria
também. Vai confessa que aquela jararaca fez drama pra te deixar com a
consciência pesada.
Minha amiga não sabia da missa um terço, na verdade, ninguém sabia.
Julia até tentou usar minha amizade com a ruiva para justificar tudo que fez, mas
a única coisa que conseguiu foi detonar o pouco de carinho e amizade que ainda
tinha por ela.
Encostei minha cabeça no encosto do banco e fechei os olhos, o cansaço
estava cobrando seu preço e sem muito esforço, cochilei por poucos minutos.
Acordei assustado quando ouvi o primeiro estrondo e o carro que estava a nossa
frente capotou várias vezes antes de explodir pelos ares.
Não houve tempo para nada, a única coisa que me preocupei em fazer foi
segurar o corpo de Laís junto ao meu, e esperar nosso carro parar de rodopiar
para tentar descobrir quem estava tentando nos matar, e principalmente, por quê.
CAPÍTULO 6
PIUÍ
Saí do escritório muito mais irritado do que estava quando entrei, e toda a
irritação que eu acreditava ter atingido o pico máximo, conseguiu extrapolar
depois de ouvir a voz melosa de Julia na sala falando com Lívia como se
estivesse comprando verduras na feira.
— Eu sei que a sua irmã é apaixonada pelo meu marido!
— Julia, por favor, fala baixo. O Pedrinho está no seu colo e você precisa
se acalmar.
— Não vou me acalmar até alguém me contar onde eles estão!
A garota era um porre do caralho e minha paciência tinha acabado de
acabar. Antes que minha loira continuasse na sua função de contornar a situação
de merda que a vida do meu melhor amigo tinha se transformado, me aproximei
fuzilando a mãe do meu afilhado com apenas um olhar.
Julia conseguiu ultrapassar todos os níveis de tolerância estipulados pelos
monges, e como eu não era a porra de um monge, comigo o fim da linha para ela
tinha chegado e eu não lhe daria mais nenhuma margem para prosseguir com a
sua falta de caráter.
Se Piuí insistia em aturar a megera, como Malu a chamava e eu sabia que
o apelido foi ideia da minha cunhada que também não suportava a garota, ela
precisava entender de uma vez que o único otário daquela história era ele.
Há alguns meses eu comecei a desconfiar das armações dela, mas em
respeito ao meu amigo decidi levar as coisas do jeito dele e, embora discordasse
da sua excessiva tolerância, confiava nele e apostava todas as minhas fichas de
que, uma hora ou outra, ele faria o que já deveria ter feito no dia em que o garoto
chorão nasceu.
Porra... e como o pivetinho chorava! Puta que pariu!
O pequeno era um pentelho do caralho e meus ouvidos sofriam quando
ele desembestava a abrir o berreiro.
— O que você pensa que está fazendo?
Uma das coisas que me deixavam orgulhoso, era saber que as pessoas
tinham medo de mim quando eu agia da forma como tinha acabado de agir com
a menina que conseguiu nos enganar por muitos anos.
— Eu preciso saber onde o Pedro está. — respondeu chorosa — Estou
precisando de ajuda com o Pedrinho, não vou conseguir cuidar dele sozinha
naquela casa, Mateus.
— Não precisa cuidar dele, pode deixar meu afilhado aqui. — me
aproximei fazendo-a estremecer apavorada, quase sorri, mas mantive minha
postura de dono da casa. — O Pedro está em uma operação sigilosa fora do país,
não adianta vir aqui agindo como uma louca, que nós dois sabemos que você não
é, só pra foder com a minha paciência. — sua respiração acelerada indicava que
o meu alerta estava sendo bem recebido — Porque você sabe Julia, eu não tenho
a porra da paciência e se eu desconfiar de que esse garoto está sendo mal tratado
pela própria mãe, eu mesmo vou te colocar atrás das grades.
Ela queria responder, gritar, argumentar, mas estava se borrando nas
calças e não tinha coragem para me enfrentar.
— Eu sei que ele está trabalhando, eu só fico insegura por causa da
presença da Laís e não consigo controlar o meu ciúme.
— Eu to pouco me fodendo pro teu ciúme doentio e, cansei de ver todas
as pessoas da minha família te garantindo que os dois nunca tiveram, e nunca
vão ter esse tipo de relação. Inclusive a própria Laís, se bem que depois de tudo
que você fez, ele não estaria errado se te abandonasse assim que pisasse no
Brasil.
— Eu não sei do que você está falando...
A garota sabia ser venenosa quando queria, mas a mim, ela já não
enganava mais.
— Sabe sim, e trata de ficar esperta, porque se você pisar na bola mais
uma vez eu acabo com a tua farsa antes mesmo que o Pedro possa pensar em
chegar aqui.
— Eu sou apaixonada por ele e tudo que fiz foi pra salvar nosso
casamento.
— Não precisa vir com essa conversa fiada pra cima de mim Julia, eu te
conheço desde que você andava pelo morro atrás do pastor feito uma
cachorrinha adestrada. — peguei o pivetinho do colo dela e o entreguei a Livia,
que nos observava atenta a todas as informações que ouvia. Claro que minha
loira iria me entupir com suas perguntas e eu, como o bom marido que era e não
estava a fim de enfrentar uma greve de sexo, contaria tudo em detalhes para ela.
— O que você fez foi canalhice e eu tenho certeza que quando o Piuí souber, ele
vai meter o pé e te mandar embora da casa dele.
Julia empinou o nariz e ameaçou me enfrentar.
— Ele já sabe.
Franzi a testa e cruzei os braços sem acreditar em suas palavras.
— Então não será um problema pra você se eu conversar com ele quando
a operação terminar.
— Pode falar, ele soube no dia que o Pedrinho nasceu.
— Impossível.
Seus olhos desviaram dos meus e se direcionaram a Lívia. Julia sabia que
eu contaria para minha esposa sobre a sua traição e a armadilha que fez para
prender o namorado. Ela voltou a me encarar sem perder a pose.
— Eu não queria que ele soubesse daquela forma, mas quer saber? Foi
melhor assim, agora não temos mais segredos um com o outro.
Eu queria gargalhar, muito, aliás. Ela nem imaginava que o marido era
completamente apaixonado por Nichole, a mulher responsável por todas as
mudanças do meu amigo, todas mesmo.
Foi por causa da filha de Nicholas Castro que Piuí resolveu mudar
completamente sua aparência física e se dedicou durante um ano a ganhar
músculos que transformaram o garoto magricelo em um troglodita marombado.
— Se ele descobriu há quatro meses, por que ainda está com você?
— Porque ele me ama e ama o Pedrinho. — eu sabia que aquela história
estava muito mal contada e teria uma conversa séria com meu amigo para
descobrir a verdade — Por mais que as pessoas queiram me afastar dele, é de
mim que ele gosta e é comigo que ele vai ficar.
— Eu vou esperar ele voltar pra tirar essa história a limpo, agora dá o
fora da minha casa e ligue antes de vir buscar o pivetinho. Não quero mais ver
você aqui agindo dessa forma.
Julia pegou a bolsa que estava em cima do sofá e ajeitou sobre o ombro
direito, virou as costas e saiu sem se despedir, nem mesmo do filho que dormia
tranquilamente no colo da madrinha mais linda que um moleque poderia ter.
— Acho que você tem algumas coisas importantes pra me contar Mateus.
Lívia falava baixinho balançando o corpo de um lado para o outro,
completamente enfeitiçada pelo pequeno embrulho em seu colo. Minha mulher
conseguia transformar qualquer situação ruim em algo bom com seu jeito meigo
e sempre prestativo.
— Eu vou te contar loira, mas ainda estou digerindo tudo que descobri.
— Ela aprontou, não foi?
Caminhei até ela e depositei um beijo em seus lábios cuidadosamente
para não despertar o pivetinho de seu sono.
— Aprontou sim, mas estou confuso agora. Não sei por que ele não
mandou a megera embora quando soube de tudo que ela fez.
— Pelo amor de Deus, Mateus! — minha loira exclamou me advertindo
— Não chama a Julia de megera!
— Mas ela é uma megera porra! Quer que eu fale o que? Que a garota é
um amor de pessoa?
— Estou falando sério, se a Malu te ouve falando isso, ela nunca mais vai
chamar a menina pelo nome.
Antes que eu pudesse me defender e avisar minha esposa que a nossa
caçula tinha ótimos argumentos para o apelido que Julia ganhou, meu telefone
tocou e o nome de Kaio surgiu na tela. O que não era uma coisa boa àquela hora
da noite.
— Fala negão.
— Mateus, precisamos de você aqui cara.
— O que aconteceu?
— Deu merda.
— Porra, não me fode! Merda como? Eles estão bem?
— Acho que sim, vem logo que eu vou passar tudo pra vocês.
— Ligou pro Nicholas?
— Ele já está a caminho.
— Em dez minutos to ai.
Peguei minha arma e antes de sair beijei minha mulher que me olhava
com lágrimas nos olhos. Por mais acostumada que estivesse com o perigo nos
cercando diariamente, Lívia sempre se deixava levar por suas emoções e esse era
um dos principais motivos que eu a amava tanto.
— Por favor, traz os dois pra casa.
— Fica calma loira, você sabe que eles sempre voltam pra nós.
— Quando tiver alguma notícia me avisa.
— Pode deixar, mas não precisa ficar me esperando acordada. Hoje você
tem companhia e vai precisar de disposição para cuidar dele até a megera voltar.
— Mateus! — dessa vez nem ela aguentou segurar o sorriso que deslizou
em seus lábios quando tentou brigar comigo por causa do apelido — Não me
deixa sozinha por muito tempo, estou sentindo falta do meu marido durante a
noite.
— Porra loira. — beijei sua boca rapidamente sentindo o coração
acelerar e sabia que a operação tinha dado errado, ou Kaio não teria me ligado
— Não fala essas coisas agora que eu preciso sair. Quando voltar, prometo que
vou cuidar de você como só eu sei fazer.
— Vai logo e me mantenha informada. Eu amo você.
— Eu também te amo minha Cinderela.
O percurso até o escritório da N5 Security não era longo e rapidamente
estacionei o carro na garagem que ficava no subsolo do prédio.
Desde que firmamos uma parceria que resultou na operação para acabar
com a Organização Criminosa gerenciada por Ivo Miller no ano passado,
Nicholas Castro, seu filho Guilherme e todos os membros da equipe N5 Secutiry,
se tornaram mais do que parceiros para mim.
Já considerava aqueles homens como bons amigos e eles partilhavam dos
mesmos pensamentos que eu; sobre a maneira de agir contra criminosos
perigosos e nocivos a população.
Todos nós tivemos em nosso passado histórias semelhantes, que de
alguma forma envolveram as mulheres das nossas vidas, e assim como Nicholas
e Guilherme, eu tomei atitudes que não eram consideradas “adequadas” para um
representante da Lei.
O fato é que em um país como o Brasil, onde as Leis que o regem se
preocupam mais com o bem estar do infrator do que com a preservação da
integridade física do policial, nem sempre é possível manter a passionalidade.
Ainda mais quando envolve a vida de uma pessoa que amamos.
Se eu me arrependo de ter feito tudo que fiz quando as vidas de Lívia,
Rômulo, Nestor, e Laís estavam em jogo? De forma alguma, e sei que faria tudo
novamente se precisasse. Por qualquer um deles.
Passei pela recepção vazia encontrando apenas o segurança noturno que
já me conhecia e liberou minha passagem sem exigir o crachá de identificação.
Encontrei a porta do escritório encostada e a voz de Nicholas Castro estava bem
longe de ser calma e tranquila, como era normalmente.
— Você tem que conseguir Kaio!
— Você ouviu alguma coisa que eu te disse Nico?
— Eles estão em algum lugar daquele deserto e nós não temos a porra de
um GPS! Como você quer que eu entenda isso, se investimos mais de dois
milhões em equipamentos para garantir a segurança de todos nós em momentos
assim?
— Aqueles caras têm algum sistema que bloqueia qualquer sinal em um
raio de cinco quilômetros em torno do cemitério de aviões. Será que dá pra você
colocar isso na sua cabeça velha?
— Não! Não posso, até porque meu filho e minha neta estão lá também,
e não temos a menor ideia do que está acontecendo!
A merda era realmente grande. Quando eu empurrei a porta e os olhos
cansados de Nicholas se encontraram com os meus, entendi rapidamente que
estávamos com sérios problemas.
— Pelo jeito muitas coisas saíram erradas. — cumprimentei o pai de
Guilherme com um abraço silencioso e dei dois tapinhas no ombro de Kaio, que
estava sentado a frente de um monitor de tela plana que ocupava parte da parede
central do escritório onde acontecia a maioria das reuniões — Pode fazer um
resumo?
— Eu vou te explicar Mateus pra ver se você consegue me entender. —
Kaio bufou irritado — Porque o Nico acha que eu não estou fazendo o
impossível para localizar os quatro.
— Quatro? — perguntei — Não eram onze?
— Sim, mas isso foi antes da emboscada que eles sofreram no deserto.
— Nico se adiantou em responder e vi a dor em seu olhar — Agora só estão
Guilherme, Nichole, Pedro e Laís.
— Onde estão os outros?
— Quatro morreram, dois estão voltando e não sabemos o que aconteceu
com o piloto que estava no carro com o Gui e a Nick, aliás, não sabemos o que
aconteceu com os três.
— E o Pedro e a Laís? Porque não estão com os outros?
— Eram três carros. — Kaio voltou a falar com mais calma —
Guilherme, Nichole e o Gusman, o piloto, estavam no primeiro. No segundo iam
quatro agentes contratados para a operação e no terceiro, Pedro, Laís e mais dois.
Na emboscada o segundo carro explodiu enquanto o primeiro desapareceu no
deserto.
— E o terceiro? — meu corpo estava tenso pra caralho e a falta de
informação sobre meu amigo e minha cunhada estava fodendo minha cabeça.
— Rodopiou na areia, mas ninguém ficou ferido.
— E você não conseguiu contato com eles?
— Consegui falar com Pedro um pouco antes de te ligar, ele e a Laís
decidiram ficar por lá para procurar o Gui e a Nick, os outros dois estão voltando
pro Brasil.
Puta que pariu!
Minha vontade era de ordenar que Piuí e Laís voltassem também, mas
sabia que seria ignorado. Eu conhecia muito bem aqueles dois idiotas para saber
que não voltariam sem o resto da equipe. Foda!
— Vamos por partes para que eu consiga entender melhor. — pela cara
feia de Nicholas, ele também não tinha noção do que estava acontecendo, mas
conhecendo bem a forma como nós estávamos acostumados a trabalhar e
planejar cuidadosamente as operações confidenciais, a única coisa que eu dava
como certa, era que alguém mentiu para nós, e por isso fomos surpreendidos.
Precisávamos descobrir primeiramente quem nos traiu, e depois, por quê? —
Após do desembarque da equipe, o Guilherme entregou todo o equipamento aos
agentes certo?
— Certo. — Kaio respondeu prontamente — Até aquele momento estava
tudo sob controle, inclusive os aparelhos de localização funcionavam
perfeitamente. Os carros estavam abastecidos com armas, munições e
suprimentos.
— Foi lá na pista de voo que eles foram direcionados para os carros, e a
função de dividir a equipe em grupos era do Guilherme correto?
— Exato.
Nicholas me encarava acompanhando meu raciocínio, e de alguma
forma, eu sabia que aquele homem com um instinto dez vezes mais potente do
que o meu, já sabia o que havia acontecido, mas decidiu ficar calado enquanto
Kaio e eu juntávamos as peças daquele grande quebra-cabeça.
— Pela minha lógica, Pedro e Laís deveriam estar com ele e Nichole no
primeiro carro. Por que ele os colocou no último?
— Eu também pensei nisso. — Kaio me fitou e deu de ombros — Mas
você conhece o Gui, e eu acho que ele não queria que a presença do Pedro
afetasse ainda mais a Nick.
— Ele não misturaria as coisas. — Nicholas chegou à mesma conclusão
que eu.
— Se o Guilherme se preocupou em colocar os dois no último carro, ele
sabia o que iria acontecer com o segundo. — afirmei sentindo a raiva crescer
dentro de mim — Por que ele insistiu em contratar homens de fora para essa
operação?
Kaio franziu a testa antes de responder:
— Não sei...
— Ele disse que não queria prejudicar as operações que estavam em
andamento por aqui. — a voz de Nicholas não passava de um sussurro muito
irritado.
— E vocês acreditaram nisso?
O pai de Guilherme passou a mão pelos cabelos um pouco grisalhos e
pegou o celular que estava no bolso traseiro da sua calça. Olhou para a tela por
poucos minutos, digitou algumas palavras e voltou a guardá-lo.
— Quando a Nick voltou, meu filho me ligou e disse que ela não estava
bem. — o mais conhecido ex-agente da polícia federal começou a relatar o que
eu já sabia, mas com alguns detalhes acrescidos que sanaram todas as minhas
dúvidas — Minha neta não avisou que pretendia retornar ao Brasil, não pediu
ajuda, e não reclamou de nada durante todo o tempo que ficou naquela base.
Simplesmente apareceu em uma manhã qualquer na casa do pai; toda machucada
e com sintomas de depressão somada a crises de pânico.
Eu me lembrava da cara da Laís depois da visita que fez a Nichole.
Minha cunhada estava muito impressionada com o estado da sua amiga.
— Fui visitá-la e senti que minha neta escondia alguma coisa, mas meu
filho afirmou que ela estava apenas traumatizada com tudo que havia passado, e
já tinha decidido que iria descobrir quem foram os responsáveis por tudo que a
menina sofreu. Eu concordei e até me ofereci para ir com ele, mas o Gui foi
firme e disse que precisava fazer aquilo pessoalmente. — Nico sorriu
amargurado — Guilherme me prometeu que não sujaria suas mãos em nome de
uma vingança, e garantiu que queria apenas encontrar os culpados e colocá-los
atrás das grades.
— Mas não foi isso que aconteceu não é?
— Não Mateus, infelizmente, não.
— Ele foi até lá para matar os culpados e usou a operação pra não
levantar suspeitas. — afirmei.
— Mas, a presença do Pedro e da Laís atrapalhou os planos dele e ele
achou que quando houvesse a emboscada, os dois voltariam para casa em
segurança. Ele pretendia seguir até a base para terminar o serviço que havia
começado.
— Eu não acredito que o Gui seria capaz de fazer uma coisa dessas! —
Kaio argumentou — A Nichole está junto e não ta nada bem. Porra, a menina
parece um zumbi. Vocês acham que ele iria arriscar a vida dela desse jeito?
— Ela não está tão mal assim Kaio, e eu tenho certeza que meu filho
sabe muito bem o que está fazendo.
— O Guilherme que eu conheço não mentiria pra nós. Não colocaria a
vida de outros homens em perigo só pra conseguir uma vingança de merda.
Analisar uma situação e deduzir o que outra pessoa iria fazer para
antecipar suas ações e atingir o meu objetivo era o que eu fazia de melhor, por
isso, a afirmação de Kaio e seu julgamento pelo que conhecia de Guilherme,
fazia sentido, mas não para aquela ocasião.
Ali, não estávamos conversando sobre o ex-agente da polícia federal ou o
membro da equipe N5 Security, Guilherme Fiolski Castro, e sim do Gui, o pai da
Nichole; o homem que ouviu sua única filha relatar, provavelmente com detalhes
sombrios, que havia sido brutalmente agredida e violentada por homens que
deveriam ter cumprido a promessa de transformá-la em uma pilota formidável.
Não seria capaz de julgá-lo por suas escolhas, mas poderia culpá-lo por
ter agido sozinho e ignorado todas as pessoas que fariam qualquer coisa para
ajudá-lo, e matariam com prazer os homens que destruíram sua filha.
Depois de entender o que estava acontecendo, decidi me preocupar com
o que realmente precisava, e falar com Pedro e Laís passou a ser prioridade
naquele momento.
Eu precisava saber exatamente onde eles estavam; o que pretendiam
fazer, e principalmente, ter certeza de que estavam dispostos a arriscar suas vidas
por duas pessoas que levariam aquela vingança até as últimas consequências.
— Não estamos falando do seu colega de trabalho Kaio. — toquei o
ombro dele — Estamos falando do pai da Nichole, e esse homem será capaz de
fazer qualquer coisa pela filha, até mesmo morrer por ela. Agora me passa o
número do telefone que ficou com o Pedro para que eu possa falar com ele, e
pensar em alguma forma de ajudar aqueles dois cabeças duras.
— Eles vão até o final Mateus. Você sabe disso não sabe?
Nicholas me perguntou esboçando um pequeno sorriso orgulhoso em
seus lábios.
— Eu não esperava outra coisa deles Nicholas, e é justamente por esse
motivo que estou disposto a pegar o primeiro voo e ir lá, o que me diz?
O sorriso do “coroa” ficou ainda maior.
— Pode reservar um lugar pra mim. Não perco isso por nada.
Eu já estava com o celular na mão pronto para falar com meu melhor
amigo e ao terceiro toque meu coração aliviou, quando a voz do garoto que
estava apaixonado pela filha de Guilherme atendeu e suas palavras me fizeram
sorrir também.
— Porra Mateus, eu não sou tua mulher pra você ficar me ligando só pra
encher a porra do meu saco, caralho.
Mal ele sabia que em algumas horas, provavelmente eu estaria
embarcando para buscá-los e mostraria quem era o verdadeiro dono da porra
toda.
CAPÍTULO 8
PIUÍ
PIUÍ
— Eu não sei como Nichole está agora, mas não gosto nem de me
lembrar como ela estava quando eu a encontrei, enterrada na areia.
O silêncio desconfortável, mas necessário se instalou no carro. Meus
pensamentos me levaram a garota que eu conheci coberta com o macacão de
pilota, longos cabelos castanhos claros e enormes olhos verdes brilhantes. Seu
sorriso fácil, sua pele branca sem marcas ou cicatrizes, sua voz doce e seu jeito
gentil de tratar todas as pessoas.
Senti o nó na garganta e a vontade de chorar era quase incontrolável. A
dor em seus olhos vazios fazia todo sentido depois de ouvir uma pequena parte
de tudo que ela devia ter passado naquela porra de base depois que eu decidi
continuar ao lado de Julia.
Culpa, remorso, tristeza e uma profunda solidão, talvez ainda maior do
que sentia diariamente desde que a deixei naquele quarto de motel, na última vez
que nos encontramos.
O carro parou de balançar e abri os olhos para ter certeza de que
havíamos chegado.
— Vocês podem tirar as algemas? — Mansur perguntou sem graça.
— Claro... — Laís respondeu prontamente.
Minha amiga também estava perdida em pensamentos e eu sabia muito
bem para onde os dela estavam sendo direcionados. Laís sofreu durante muito
tempo com a violência de seu pai e foi preciso alguns anos e inúmeros
tratamentos para que ela conseguisse levar uma vida normal.
Eu não sabia o que iria acontecer com Nichole, mas sabia que nunca mais
eu a deixaria sozinha.
— Como vamos entrar? — perguntei.
— Só tem um jeito de conseguirmos sem que ninguém nos veja.
— Pensei que tivesse acesso livre à base. — Laís falou inclinando o
corpo a frente para enxergar melhor os muros altos que cercavam uma
construção antiga que parecia um grande presídio.
— Eles pensam que eu morri na explosão, lembra?
— E o que você estava fazendo com aquele cara?
— Ele tinha acesso a base, o irmão dele é um dos guardas que fazem a
vigilância da noite.
— Sério que você ia entrar com o cara sem a ajuda de ninguém?
Mansur esfregava o pulso avermelhado e por um segundo, não mais que
isso, eu fiquei com pena dele, mas logo passou e me convenci de que ele
mereceu dirigir algemado depois de ter nos ameaçado. Sorte dele que o carro era
automático, se fosse igual o meu, ia estar bem pior. Foda-se.
— Eu conheço tudo lá dentro e sei que tem alguns atalhos que podemos
usar pra nos esconder. — ele dá de ombros — Sempre consigo dar um jeito de
escapar e hoje não vai ser diferente, mas só saio de lá quando todos eles
estiverem mortos e eu tiver certeza absoluta disso.
Alguma coisa em seu jeito de falar deixou claro que o brasileiro não
estava lá apenas por causa de Nichole e Guilherme. Mansur queria se vingar por
alguma coisa que fizeram contra ele, ou contra alguém que ele gostava muito.
De qualquer forma aquilo era o que menos importava, ter uma pessoa
que conhecia os caminhos que nos levariam até a mulher que eu amava era tudo
que eu poderia querer naquele dia que teve tudo para acabar muito mal, e
felizmente, tinha uma remota chance de acabar um pouco melhor do que o
esperado.
— Então senhor segurança, qual é o plano?
— Nós vamos entrar pela tubulação subterrânea que vai nos levar até um
dos lugares que eles usavam para torturar os pilotos e às dez horas quando as
luzes se apagarem para a troca da segurança, nós entramos e decidimos o que
vamos fazer.
— Beleza. — peguei meu celular e esperei que o sinal ficasse bom para
ligar — Preciso avisar o Thor que encontramos a base e estamos prontos para
invadir.
— Não demora, já escureceu e a temperatura está caindo muito.
Precisamos entrar o mais rápido possível.
Esperei que a chamada fosse completada e no segundo toque meu amigo
atendeu.
— E aí alguma novidade?
Ele perguntou ofegante.
— Estamos a menos de duzentos metros da base e prontos para entrar
pela tubulação desativada que fica no subsolo.
— Como conseguiram?
— É uma longa história, mas pra resumir encontramos um ex-
funcionário dos caras no deserto e ele é brasileiro.
— Qual o nome dele?
— Mansur Garcia.
Thor repetiu o nome e depois de alguns segundos ele voltou a falar
comigo.
— Esse cara está morto!
— Não ta não. Eles explodiram o carro dele e acharam que ele estava
dentro.
— Como vocês sabem que o cara é confiável?
— Porque foi ele que enviou os e-mails pra Nichole.
— Espera aí... ta me dizendo que esse cara que ta aí com vocês é o irmão
da Marcia Garcia?
— Quem é essa mulher?
— É a filha de um dos maiores contrabandistas de armas dos Estados
Unidos, o brasileiro Eduardo Garcia. Ela também estava no curso e o pai dela é
um dos financiadores dessa merda toda.
Saí do carro e peguei Mansur pelo pescoço suspendendo seu corpo. Ele
tossiu e tentou inutilmente se soltar, mas não permiti. O rosto dele ficou
vermelho, mas só o liberei quando começou a perder os sentidos devido à falta
de oxigênio.
Joguei o idiota no chão enquanto Laís mesmo sem saber o que tinha
acontecido apontou a arma para a cabeça dele. Quando ele me encarou como se
eu fosse um palhaço de circo, minha voz saiu ameaçadora:
— Você tem sessenta segundos pra me explicar que porra é essa que seu
pai é traficante de armas e a sua irmã também estava no curso.
Puta mera!
Eu ainda tinha esperança de que Thor estivesse enganado, mas pela
careta que o infeliz fez, me arrependi de ter acreditado que a sorte estava do
nosso lado.
Caralho!
Coloquei o telefone no ouvido de novo.
— É ele mesmo.
— Porra!
— Nós vamos entrar de qualquer jeito Thor, com ele ou sem ele.
Mansur ficou em pé com o rosto ainda corado e se aproximou até ficar
bem próximo de mim.
— Eu vou entrar lá e vou matar aqueles desgraçados por tudo que
fizeram com a minha irmã e ninguém vai me impedir.
— Como você sabe o que fizeram com ela se você mesmo disse que ela
não contava nada?
— Eles assassinaram a minha irmã como punição por ela e a Nichole
terem tentado fugir. — eu queria perguntar como ele sabia sobre aquilo, mas
como se lesse meus pensamentos, concluiu — A Nichole viu tudo! Mase e
Clinton estupraram a Marcia, depois James a matou e avisou que a Nick seria a
próxima se tentasse fugir de novo.
— Ouviu? — perguntei a Thor ainda atordoado com a explicação
convincente de Mansur.
— Acho que dá pra confiar, mas não percam o foco e se ele quiser ficar
pra explodir tudo, foda-se. Deixa ele aí e sai fora. A única coisa que vocês têm
que fazer é pegar o Guilherme e a Nick e voltar pra casa. Ouviu bem?
— Beleza.
— Nada de beleza porra! O que esses caras fizeram já era, não adianta
ficar com essa porra na cabeça e querer perder tempo torturando esses bostas!
Pega os dois e vaza. É uma ordem Piuí.
Meu amigo só podia ter uma bola de cristal para saber exatamente o que
eu estava pensando e pelo olhar de Laís, ela também queria a mesma coisa que
eu.
— Tá bom. — falei desanimado — Não vamos demorar.
— O Kaio conseguiu a localização de vocês. Se conseguirem economizar
bateria, quando saírem vai dar pra gente conversar.
— Fechou. Estamos entrando.
— Já sabe; se tiver que atirar, não pensa. Atira e foda-se, mesmo que seja
mulher ou idoso.
— Pode deixar, não vamos vacilar.
— Boa sorte cara e cuida da Drizella!
— Valeu. Amanhã de manhã a gente se vê.
— Vou encontrar vocês no hangar.
Desliguei o celular e ajudei minha amiga a carregar nossas armas. Ela,
como sempre, mantinha sua faca na parte de dentro da calça e Mansur ficou em
silêncio apenas observando.
— Pra onde você vai?
Perguntei pra ele quando começou a andar na direção oposta a base.
— Eu falei que a gente ia entrar pela tubulação Piuí, e não pela porta de
entrada.
— E onde fica essa porra?
Ele apontou para algum lugar que eu não conseguia ver e falou:
— Do outro lado e acho melhor se preparar, caso não goste de cheiro de
esgoto.
— Puta que pariu. Tem mais alguma coisa que eu precise saber agora?
— Na verdade tem. — Mansur me encarou e vi seus olhos mais frios —
Esteja preparado para o pior quando encontrarmos a Nick.
— Do que você está falando?
Ele olhou para Laís que também esperava sua resposta.
— Nichole e Guilherme chegaram aqui há vinte e quatro horas. Se
conseguiram fazer tudo que planejaram encontraremos todos eles mortos e os
dois estarão dentro de um avião a caminho do Brasil, mas se foram pegos, não
sei como vamos encontrá-los. James Hudson é um cara sem escrúpulos e
completamente obcecado por Nichole e lá, dentro daqueles muros, as únicas
regras que valem, são as regras da base.
— Vamos logo! — Laís passou por mim caminhando rapidamente na
direção que Mansur havia apontado — Quero almoçar na casa da Lívia amanhã,
não podemos perder tempo com essa merda.
Assenti e seguimos atrás dela. Eu queria uma chance de consertar tudo
que tinha estragado e quando fui obrigado a andar mais de um quilômetro dentro
de um cubículo apertado e fedido pra caralho, atormentado pela hipótese de que
minha Hermione pudesse ter caído nas mãos daquele miserável, percebi que
desde que a deixei para trás, minha vida não fez mais sentido.
Aquele resgate não era apenas de Guilherme e Nichole, eu estava indo
pegar meu coração de volta e não sairia daquele lugar sem ele.
CAPÍTULO 11
NICHOLE
“Você tem que me falar qual é a regra Baby doll, ou vou te punir de
novo!”
A voz de James é baixa e horripilante, sei que está bravo, mas não
consigo pensar com os tornozelos amarrados aos pulsos e a bunda exposta para
que Mase me penetre com mais facilidade. As estocadas são duras e profundas
machucando mais do que normalmente machucam.
“Vamos boneca, me fale agora ou não vou deixar que ele pare de comer
seu cuzinho.”
Penso rápido, tento me concentrar, sei o que preciso falar, mas a voz não
sai. Minha testa bate no chão com força uma, duas, três vezes. Sinto minha
cabeça latejar.
“Não me mande parar, James, essa garota é muito gostosa e eu preciso
gozar”
As palavras entrecortadas de Mase tiram meu poder de concentração,
suas mãos segurando meu quadril deixarão mais marcas roxas na minha pele
pálida.
“Vamos Baby doll, eu quero a maldita regra!”
James sussurra no meu ouvido. Ele está bravo, eu sei. É sempre assim
quando um dos amigos está me comendo de alguma forma. O meu prazer deixa
o homem incomodado e se fosse outra pessoa, poderia jurar que o sentimento
que tanto o irrita é ciúme, mas o monstro que me humilha e infringe dor não se
importa comigo. Com ninguém. Nunca.
“Eu vou gozar, poraaaaaaaaaaa”
Mase grita, no mesmo instante James segura meu rosto e me soca como
pugilista com o punho fechado. Minha consciência é levada para bem longe.”
NICHOLE
- Família
- Trabalho
- Traumas
- Romances
- Sexo
-Dinheiro
— Oh Deus...
Chorei descontroladamente.
Gritei e pedi ajuda.
Eu queria ir embora.
Minha casa.
Meus pais.
Minha vida de volta.
Silêncio profundo.
Escuridão bem-vinda.
— Quando isso vai acabar?
— Quando você iniciar o tratamento, minha filha...
— Mãe?
— Estou aqui.
Abri os olhos e me deparei com a mulher mais linda de todas. A mais
honesta e verdadeira que já conheci em toda a minha vida. Isabela Gomes Castro
não tinha vergonha de dizer que foi traficada, vendida, comprada, explorada
sexualmente, que usou seu corpo e seu poder de sedução para conseguir a
vingança que tanto queria, e no final, matou seu algoz quando teve a
oportunidade.
— O que está fazendo aqui? Que horas são?
— Eu vim te ver e quando cheguei me disseram que teve outra crise. As
enfermeiras te medicaram e você dormiu o dia todo praticamente.
— Está de noite?
— Quase... já passa das sete.
— Eu não sei o que fazer mãe.
A mulher que eu amava mais do que qualquer outra pessoa no mundo
segurou meu rosto com suas mãos e olhou dentro dos meus olhos. Eu poderia
jurar que ela conseguia ver tudo que estava guardado na minha mente.
— Eu deixei que seu pai resolvesse as coisas do jeito dele até agora, mas
não deu certo e eu me recuso a assistir você se destruir dessa forma sem te
ajudar. Não foi pra isso que eu te criei Nick e homem nenhum vai tirar você de
mim. — ela suspirou e eu sabia que suas palavras não seriam brandas. Minha
mãe não passava a mão na cabeça de ninguém e se tivesse que magoar para
expor a verdade, assim ela o faria. — Quando você começou a sair com o Pedro
eu avisei que era errado. Ele era comprometido e você foi tão culpada quanto ele
permitindo que o relacionamento de vocês fosse tão longe, mas você estava feliz
e acreditou nele. Quando tudo acabou e seu pai fez aquele escândalo te tirando
do motel como se fosse o fim do mundo a filha de vinte anos perder a virgindade
com o homem que amava, nós duas conversamos e eu pedi que esperasse, desse
um tempo para que as coisas esfriassem, mas tanto você quanto seu pai
insistiram que matricular você no curso seria melhor. Você foi e passou por tudo
que eu me esforcei tanto para te livrar.
Seus olhos ainda fixos nos meus, mas seu semblante estava mais suave,
pacífico.
— O Pedro te trouxe de volta filha, por mais que não queira aceitar, foi
ele que lutou por você, passando por cima de tudo e de todos como um trator.
Agora não tem mais o que fazer Nichole, a não ser aceitar que seu coração
continua batendo e você está viva. Eles não conseguiram te matar e daqui pra
frente quem vai definir o seu futuro, é você. Não deixe que todas as brutalidades
que aqueles homens fizeram com você destruam a mulher linda que eu sei que
existe aí dentro. Vai doer todas as vezes que você se lembrar, mas vai diminuir
com o tempo e mais rápido do que você imagina, seu coração estará feliz e cheio
de amor novamente, como o meu e o de milhares de mulheres que passaram pelo
que nós duas passamos.
Minha mãe beijou meu rosto e me abraçou como há tempos não
abraçava. Não tive vontade de chorar, apenas aproveitar aquele momento com
ela e deixar que cuidasse de mim, como fazia quando eu era pequena e vivia
atrás dela.
— Os únicos culpados pelo que aconteceu com você, foram os homens
que fizeram isso. Apenas eles, Nichole. Não se esqueça disso e não deixe que a
mágoa te torne uma pessoa injusta e egoísta.
— Eu não culpo ninguém mãe, só eu mesma.
— Você não teve culpa! O que eles fizeram foi covardia, e só pararam
porque acharam que estava morta.
— Eu vou sair dessa mãe, eu prometo.
— Eu sei que vai, minha filha. Você é muito mais forte do que pensa. —
ela me beijou novamente, mas dessa vez o abraço foi mais demorado e eu sabia
que minha mãe relutava para ir embora — Lute até o fim minha filha e sua
família estará do seu lado em todos os momentos.
— Obrigada mãe.
— Eu volto amanhã. — ela se levantou e caminhou até a porta — Ele
está aí fora Nichole...
Respirei profundamente e decidi que estava na hora de começar a agir
para enterrar meu passado de vez. Se eu estava disposta a iniciar o tratamento,
tudo que me fizesse lembrar a menina de antes, precisava ser esquecido.
— Tudo bem, pode mandar ele entrar. Está na hora de colocar o ponto
final nessa história.
Minha mãe sorriu e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Você não pode tentar finalizar numa história que ainda nem começou,
minha filha.
— É aí que a senhora se engana dona Isabela, acabei de ouvir da sua
boca que o meu futuro será ditado por mim, certo?
— Certo. E o que isso tem a ver com o amor que você e o Pedro sentem
um pelo outro?
— Ele não me ama mãe, desde o começo eu não passei de um
brinquedinho nas mãos dele.
— Um brinquedinho que ele quase morreu pra salvar?
— Ele se sentiu culpado, por isso foi atrás de mim.
— Você acha mesmo que ele se arriscaria por você se não te amasse? Ele
tem um filho pequeno pra criar, Nichole!
Dona Isabela estava querendo me testar e por um momento me arrependi
de ter concordado em falar com Pedro.
— O garoto tem mãe, e o Pedro sabia que sairia vivo daquela base.
Tudo bem, eu estava apelando e ela sabia daquilo tanto quanto eu, mas eu
não admitiria o que ela queria.
— Se é nisso que você quer acreditar, não posso fazer nada, mas não se
esqueça que o primeiro passo para ser feliz de verdade é assumir seus erros e não
ser injusta apenas para aliviar seu ego. — minha mãe mandou um beijo antes de
sair — Vou falar pra ele entrar.
Eu não queria me preocupar com a minha aparência, mas me ajeitei na
cama, penteei os cabelos com as mãos e esperei.
Quando a porta se abriu lentamente e o homem moreno com o olhar mais
doce do mundo e um tímido sorriso no rosto entrou, eu soube que nunca mais,
em toda a minha vida, eu seria dele.
A realidade chocou de tal forma que a única coisa que consegui fazer foi
chorar. Pedro estava ali, lindo, bonito, forte, másculo, mas a mulher que estava
deitada na cama, não passava de uma cópia muito mal feita da outra, aquela que
ele dizia amar.
Coloquei as duas mãos no rosto tentando me esconder.
— Calma minha Hermione... calma...
Sua voz rouca e grave no meu ouvido despertou o fogo que havia sido
apagado horas antes, seus braços fortes envolveram meu corpo e o calor subiu
pelas minhas pernas atingindo meu ventre como um rojão.
— Eu estou bem... me desculpe.
Envergonhada por me sentir fragilizada e com nojo de mim mesma por
desejá-lo em um momento tão impróprio, foi o suficiente para me incentivar a
afastá-lo.
— Você ta precisando de alguma coisa? Quer que eu pegue água?
— Não, ta tudo bem.
— Eu precisava te ver Nichole, todos esses dias eu não consegui dormir
pensando em você.
Não falei nada, apenas abaixei a cabeça e fechei os olhos absorvendo o
calor de seu corpo e o cheiro delicioso de banho e... Pedro.
— Não precisa se preocupar, meus pais estão comigo todos os dias.
Pedro passou a mão pela minha cabeça raspada e me puxou para os seus
braços, que estavam muito maiores do que eu me lembrava.
— Eu sempre vou me preocupar com você, minha menina.
— Olha Pedro... — eu me afastei e não olhei para ele — Eu quero
agradecer por tudo que você e a Laís fizeram por nós, meu pai me contou tudo o
que aconteceu, mas eu não quero mais que você venha aqui.
— Olha Nick, eu sei que você está chate,,,
— Não! — o cortei — Eu não estou chateada Pedro, juro. Só que eu
preciso seguir a minha vida e não quero você por perto.
— Nichole, olha pra mim, por favor.
Eu tinha medo de encará-lo e entregar a mentira, mas não havia outro
jeito de convencê-lo a me deixar em paz. Pedro era teimoso e eu sabia que
mesmo o afastando, ele ainda tentaria se aproximar novamente.
Levantei a cabeça e olhei em seus olhos me esforçando ao máximo para
que ele acreditasse em mim e nas minhas palavras.
— Diz olhando nos meus olhos que você não sente mais nada por mim.
— ele acariciou meu rosto e daquela vez eu nem pisquei, surpreendendo-o — Se
você me disser com todo o seu coração que não me quer mais na sua vida, eu
prometo que vou embora.
Tudo que fazemos tem consequências e no fim, sempre pagamos pelas
nossas ações, sejam elas boas ou ruins. Durante um ano, eu paguei muito caro e
nem sabia ao certo pelo que, mas de uma coisa eu tinha absoluta certeza;
nenhuma dívida que eu tivesse seria tão alta como a que eu quitei naquele
inferno.
— Eu agradeço por tudo que fez por mim e pelo meu pai, mas eu não
amo você e não quero que continue vindo aqui.
Ele se assustou com as minhas palavras frias e não vou negar que senti
uma leve pontada de felicidade por ter visto a decepção em seu rosto.
— Você não está falando sério...
— Se não acredita em mim é um problema seu, mas eu fiz o que você
queria e falei a verdade olhando nos seus olhos. Agora, por favor, saia da minha
vida.
— Nichole eu sei que fiz um monte de merda, mas já estou consertando
tudo.
— Pedro, eu não quero ficar com você. — falei com mais firmeza e
ganhando confiança — Não insista, por favor, apenas saia e não me procure
mais.
Ele assentiu e beijou minha testa antes de deixar o quarto em silêncio
absoluto e fechar a porta atrás de si.
Pedro não se despediu, não lutou por mim ou disse que me amava. Eu
queria ficar triste, mas no meu coração, não havia mais lugar para tristeza e o
homem que me abandonou há um ano provou novamente, que seu amor por mim
não era nada, se comparado ao meu amor por ele.
Pedro se foi, mas daquela vez eu estava tranquila e em paz, pois
precisava sair da cama para descobrir quem era a nova Nichole, e aquele homem
não merecia alguém como eu.
A Hermione que ele amou morreu, e não seria ressuscitada. Viver nem
sempre significava ser feliz, e eu era testemunha disso. Eu me ajeitei na cama,
fechei os olhos e me entreguei ao sono, torcendo para que os pesadelos me
deixassem dormir, o que não foi possível, claro.
James,Clayson, Matt, Mase e Clinton, fizeram questão de me dar as
boas-vindas... como sempre faziam quando chegavam de alguma missão secreta
e somente após a medicação ser aplicada na minha veia, o sono finalmente
chegou e me levou bem longe...
CAPÍTULO 15
PIUÍ
— Eu te falei que você teria que ser paciente Piuí, ela ainda está no início
do tratamento e pelo que a Isabela me falou, hoje foi a primeira conversa dela
com o psicólogo e não saiu como eles esperavam.
— Eu sei Drizella... eu sei... mas é foda porra! Ontem eu achei que ela ia
querer conversar comigo e me deixar explicar tudo o que aconteceu, mas a única
coisa que ela me falou é que não queria mais que eu fosse lá.
— Se eu fosse ela também não ia querer falar com você. Até parece que
esqueceu tudo que fez com a menina.
— Mesmo que eu quisesse esquecer não ia conseguir porra! Como eu
vou esquecer se desde que te contei, tu não para de jogar na minha cara como fui
burro, idiota, babaca, trouxa e todos os nomes que saem da tua cabeça. To
falando sério, eu já me arrependi de ter te contado, caralho!
— Eu sou a voz da tua consciência meu amigo.
— Porra nenhuma! Se a minha consciência tivesse a voz igual a tua eu
tava fodido. Você parece uma matraca gaga que fica repetindo a mesma merda a
cada cinco minutos. Agora me dá um tempo pelo amor de Deus! Troca a merda
do disco e esquece esse assunto pelos próximos trinta minutos senão minha
cabeça vai explodir.
— Quer falar sobre o que? — a ruiva pegou uma lixa de unha de dentro
do porta-luvas e começou a esfregar no dedo fingindo indiferença, o que era
ridículo porque nem unha ela tinha. Roia tudo quando estava nervosa, e como
ela vivia nervosa, já viu né? — Eu posso te contar o que descobri sobre o
homem misterioso que a megera songa monga colocou dentro da tua casa, mas
não sei se você vai gostar muito de saber.
— Caralho!
Passei as mãos pela cabeça raspada e joguei com força para trás
descansando no encosto do banco. Minha vida estava uma merda fodida e todas
as coisas ruins resolveram acontecer ao mesmo tempo, como se tivessem
combinado só pra me deixar maluco.
— Quer que eu fale ou prefere um desenho?
Laís também não queria facilitar nada para o meu lado. Que inferno!
A ruiva ficou puta quando soube o que aconteceu na última vez que eu e
Nichole estivemos juntos. Eu imaginava que a minha amiga ia me alugar, mas
não fazia ideia de que ela sentiria prazer fazendo aquilo.
Nem parecia que era uma amiga, aliás, se fosse pra classificar nossa
amizade em escala, com certeza nós seríamos considerados inimigos mortais que
se encontravam há várias encarnações e nunca resolviam porra nenhuma. O final
sempre ficava para o próximo encontro, na próxima vida.
Tipo aquele livro do anjo caído que ela adorava e eu comecei a odiar só
de ouvir suas narrativas esquisitas sobre a história. Que porra de anjo que se
apaixona por uma mortal e fica encontrando a mulher sempre que ela reencarna?
Isso lá é romance porra?
— Pode falar que eu escuto com os ouvidos e não com os olhos.
— Não gosto de conversar assim, parece que você está dormindo e não
está prestando atenção no que eu estou falando.
Já passava da meia noite e nós estávamos dentro do meu carro, fazendo
uma vigília de merda, em frente a um puteiro no subúrbio do Rio, esperando um
comprador de armas sair para seguirmos o cara e fazer a intercepção da
mercadoria.
Em outros tempos, esse seria o tipo de trabalho que eu me candidataria
pra fazer, mas naquele dia eu queria matar o Thor por ter me colocado naquela
merda.
— Drizella não me fode! Fala logo antes que eu desista de saber.
— Eu vou falar, assim que você abrir os olhos e prestar atenção.
— Puta que pariu! — abri os olhos e virei o corpo para ela que estava
sorrindo debochada — Ta gostando de me ver assim né? To ligado.
— Você nem imagina o quanto. — ela gargalhou e conseguiu arrancar
um pequeno sorriso de mim — Vamos dizer que é uma pequena vingança pela
época que você era um tremendo babaca irritante.
— Que bom saber que você não pensa mais assim de mim.
— Não mesmo, agora você é um tremendo babaca idiota. Mudou, mas
não melhorou muita coisa.
— Beleza, agora começa a falar.
— Enquanto você ficava dando seu plantão na clínica esperando a boa
vontade da Nichole, eu segui a Julia duas vezes e descobri onde o cara mora. O
nome dele é Rodrigo, mais conhecido como “Pardal”.
— Pardal? Esse nome não é estranho...
— Claro que não, ele é o braço direito do Trovão, aquele seu amigo do
morro do Teteu e pelo jeito o cara está doido pra tomar o lugar do chefe.
— Então o cara é barra pesada.
— Muito pesada. Há três anos, ele matou quatro policiais e está jurado de
morte pelos caras do Bope, mas conseguiu fugir e ficou escondido em algum
país pequeno da América Central. Voltou há pouco tempo e não está
participando muito das transações com vendas de drogas e armas porque sabe
que se aparecer, vai morrer.
— E como a Julia conheceu esse cara?
Laís olhou para o lado de fora desviando seus olhos dos meus. Se eu não
conhecesse bem aquela mulher diria que ela estava preocupada com o cara
dentro do puteiro, mas sabia que minha amiga estava apenas disfarçando e
procurando um jeito de me contar sem foder ainda mais o que já estava
completamente fodido.
— Eu não tenho certeza, mas acho que ela não foi atrás dele, o alvo dela
era outro.
— O Trovão.
Laís assentiu.
— Mas alguma coisa deu errado, ou o teu amigo não quis trepar com ela
e foi quando esse tal de Pardal apareceu e fez o serviço.
— Isso vai ser fácil descobrir.
— Você não está pensando em ir falar com o Trovão, está?
— É o único jeito de saber o que aconteceu Dri.
— Piuí, eu sei que vocês eram amigos e quando o Gian Carlo fez aquela
merda comigo e com o Murilo ele ajudou a acabar com os caras, mas agora é
completamente diferente.
— Não tem nada de diferente ruiva.
— Claro que tem seu infeliz! — Laís cruzou os braços e ficou vermelha
como um pimentão, como sempre ficava quando estava com raiva, o que era
muito comum, aliás. — Piuí deixa de ser teimoso. Todo mundo sabe que você
trabalha com o Mateus, e mesmo que não seja nada oficialmente comprovado,
ainda assim, todo mundo sabe. Se você for atrás do Trovão naquele morro,
dificilmente vai sair de lá com vida.
— E quem te falou que eu pretendo falar com ele no morro?
— Pelo que eu sei, o cara é aprendiz do Thor e isso significa que ele não
sai do morro. Essa era a principal regra do meu cunhado quando chefiava o
Teteu, ou eu estou enganada?
— Você está certa Dri, fez a lição de casa direitinho, mas existe uma
coisa que ainda faz muita diferença para algumas pessoas. — apontei com o
indicador nosso homem saindo do puteiro e liguei o carro antes de concluir
minha linha de raciocínio — Eu sei que o Trovão vai sair do morro pra falar
comigo.
— Por que você tem tanta certeza disso?
Engatei a primeira e coloquei o carro em movimento seguindo a Land
Rover preta que estava a nossa frente deixando alguns carros entre nós.
— Gratidão, Drizella.
— Até parece que aquele cara vai se lembrar de alguma coisa que você
fez por ele há mais de dez anos.
— Não minha ruiva favorita, o que eu fiz pra ele foi depois disso.
— Vai me dizer que você ajudou o cara?
— Claro que eu ajudei, mas não como você está pensando.
— Se não vendeu drogas ou armas pra ele, como pode ter ajudado?
— Eu livrei o pai dele da cadeia quando trabalhava como advogado em
Santo André. O velho tinha sido acusado de latrocínio e ia passar o resto da vida
na cadeia.
— E você conseguiu provar que ele era inocente?
— Claro que não. Mas plantei a sementinha da dúvida na cabeça dos
jurados.
— O que aconteceu com ele?
— Outra hora eu te conto, não quero mais você enchendo o meu saco por
causa das coisas erradas que eu fiz.
— Ainda bem que você largou a profissão.
— Eu não gostava de advogar, acho que só entrei pra faculdade pra ter
alguma coisa que me prendesse a atenção.
— Queria eu cursar cinco anos de Direito só pra prender minha atenção.
— Você não consegue ver um filme inteiro sem levantar no mínimo dez
vezes pra fazer alguma coisa, como vai entrar numa faculdade?
— Isso você tem razão, eu só consigo me concentrar quando estou
atirando.
— Então pode se preparar, porque os caras vão abastecer e a gente vai
entrar em ação.
O carro que levava o comprador de armas parou em um posto de gasolina
que sabíamos ser o ponto de encontro para a entrega das armas. Mateus já estava
posicionado com mais dois agentes da equipe e quando o caminhão do
frigorífico estacionou, descemos do carro e fizemos a abordagem.
Houve tiroteio e um dos bandidos conseguiu escapar, mas capturamos
todos os outros, inclusive o chefão, e as armas foram levadas para a sede da
Polícia Federal, onde seriam deixadas junto com todos os outros objetos
apreendidos naquela operação, que já durava seis meses e enfraquecia o mercado
negro cada vez mais.
— Estão liberados. — Mateus avisou quando deixamos o escritório
juntos — O Pedrinho está dormindo, pode ir pra casa e pegar o pirralho amanhã
quando acordar.
— Tem certeza? Posso passar lá agora, sem problema.
— Não fode Piuí, se você aparecer lá em casa a essa hora, a Lívia vai
ficar uma semana de cara emburrada e se isso acontecer significa que eu vou
ficar uma semana sem sexo. Vai pra tua casa e deixa o garoto lá.
Eu a Laís gargalhamos e depois de deixá-la na porta da casa dela, segui
para o apartamento que estava morando, algumas quadras acima. Julia ainda
estava na casa, e depois de tudo que descobri sobre o pai biológico de Pedrinho,
minha futura ex-esposa concordou em assinar o divórcio sem arrumar confusão.
Fui direto para o banheiro e tomei um banho demorado antes de cair na
cama e me entregar ao sono. Meu celular tocou logo cedo, e mesmo sem ver
quem ligava, acabei atendendo.
— Pedro?
A voz feminina e familiar me despertou. Eu sabia que já tinha escutado,
mas não conseguia me lembrar de onde.
— Quem é?
— Isabella, mãe da Nichole. Me perdoe te ligar a essa hora, mas preciso
muito falar com você.
— Claro, é só me falar onde e a que horas. Posso ir quando quiser.
— Bom, eu estou aqui na casa do Mateus, se você puder vir até aqui,
seria ótimo.
— Estarei aí em cinco minutos.
Olhei no relógio e não era nem oito horas. Meu amigo devia estar com o
humor do cão por ter sido acordado tão cedo pela esposa de Guilherme. Se o
cara já era difícil quando dormia bem, não queria nem ver como ele estava
depois de chegar em casa quase as quatro da manhã.
Alguma coisa muito séria deveria ter acontecido para que Isabella me
procurasse. Escovei os dentes e me troquei rapidamente. Peguei o carro e segui
para a casa de Thor. Lívia abriu a porta com Pedrinho nos braços e assim que o
garoto me viu, abriu seu sorriso banguela e se jogou para o meu colo.
— Moleque ingrato! — Lívia reclamou sorrindo — Fico com ele o
tempo todo, dou comida, banho e limpo as fraldas sujas, mas é só os homens
dessa casa aparecer, que ele me abandona sem pensar duas vezes. Acho que vou
começar a bancar a difícil pra ver se ele sente a minha falta.
Abracei meu pivetinho sentindo o cheirinho gostoso de sua cabeleira
negra que tinha acabado de ser lavada.
— Para de manha. — beijei Cindi e recebi um abraço torto, mas como
todos os outros que ela me dava, com muito carinho e amor — Você sabe que
quando ele crescer mais um pouquinho vai ficar gamadão na madrinha.
— Acho bom mesmo!
Cindi fechou a porta e falou baixinho no meu ouvido.
— Ela está na cozinha tomando café. Pelo jeito as coisas não estão nada
boas.
— Que horas ela chegou? — perguntei sussurrando para que Isabella não
nos escutasse — Está sozinha?
— Acabou de chegar, na verdade ela nem queria ficar aqui. Passou pra
pegar seu endereço, mas eu não deixei ela sair. A mulher estava muito nervosa,
achei melhor te ligar e tentar fazer com que ela se acalmasse um pouco.
— Obrigado.
Entramos na cozinha e Isabella estava sentada com uma xícara de café a
sua frente e Thor mexia na cafeteira de costas para nós. Quando a mãe de
Nichole me viu, notei seus olhos vermelhos, e grandes círculos escuros em volta
deles.
— Que bom que você chegou Pedro.
— Como vai dona Isabella?
Seu sorriso não chegou aos olhos quando ela se levantou e se aproximou
de mim. A mãe de Nichole olhou para o menino em meus braços e franziu a testa
quando percebeu que não havia nenhuma semelhança entre nós.
— Seu filho é lindo Pedro.
— Obrigado. A senhora quer falar comigo? Aconteceu alguma coisa com
a Nichole?
— Será que poderíamos conversar em particular?
Antes que eu respondesse, meu amigo se intrometeu.
— Podem ficar no escritório, lá vocês terão privacidade. — ele se
aproximou de mim e sem que eu esperasse, Pedrinho se jogou em sua direção
arrancando um enorme sorriso do homem mais mal humorado que eu já tinha
conhecido — Eu cuido dele enquanto isso. Não precisa se preocupar.
Isabella me acompanhou até o escritório e depois que fechei a porta ela
desabou a chorar me deixando sem ação e reação. Eu nunca tinha visto uma
mulher daquele jeito.
— Me perdoe, mas não consigo pensar na minha filha sem me
entristecer. Eu preciso muito da sua ajuda Pedro.
— Tudo que eu mais quero é ajudar dona Isabella, a senhora só precisa
me dizer como, e eu prometo que vou fazer.
— Ela teve duas crises e na segunda, foi preciso sedá-la com medicação
fortíssima.
— O que aconteceu? Eu quero que me conte tudo detalhadamente, por
favor.
Isabella enxugou o rosto antes de começar a falar.
— Ontem ela esteve no consultório do doutor Daniel, ele é um psicólogo
muito bom e é especialista em casos como o dela. Mas acho que a Nichole ainda
não está pronta pra enfrentar esse tratamento e foi por isso que a conversa com
ele desencadeou fortes lembranças que minha filha tenta esquecer.
— Que tipo de crise ela teve?
— Daniel me disse que explicou pra Nichole como seria o processo de
“cura”, mas para que isso acontecesse, ela teria que aceitar tudo que passou nas
mãos daqueles homens. Na verdade, minha filha precisa entender que nada vai
reverter o que aconteceu e nem a morte dos cinco responsáveis pelos abusos que
sofreu será o suficiente para amenizar sua dor.
— Esse médico usou algum método para fazer com que ela se lembrasse?
— Não, mas de alguma forma ela reviveu tudo que aconteceu, ou
algumas coisas que a feriram muito. Nichole repetia uma lista de regras sem
parar, como se fosse um ditado que ela estudou para fazer uma prova, sabe?
— Que tipo de regras?
— Coisas horríveis que eles obrigavam os pilotos a falarem e fazerem
para não serem torturados.
— A senhora se lembra de alguma?
Isabella assentiu, mas não falou nada. Meu coração batia tão alto e forte
que eu podia jurar que do outro lado da porta, Thor escutaria.
Imaginar a dor que Nichole estava sentindo ao conversar sobre aquele
assunto com uma pessoa que não a conhecia, minava toda a minha razão e eu só
conseguia pensar em invadir aquele lugar para tirá-la de lá.
— Isabella, eu preciso que me conte sobre as regras que Nichole falou. É
muito importante para que eu possa tentar entender o que aconteceu com ela.
— Eu sei Pedro, mas... — sua voz falhou — É tão difícil repetir aquelas
frases que só de imaginar as cenas, sinto meu estômago revirar e juro que eu
mesma mataria todos eles com as minhas próprias mãos, se tivesse uma única
chance.
— Eu sei que sim, mas agora precisamos ajudar a Nichole, e se o médico
garante que ela precisa aceitar o que aconteceu para seguir em frente, teremos
que ser fortes e pensar numa maneira de amenizar a dor que ela está sentindo.
— Você tem razão.
— Vamos fazer o seguinte: me fale sobre a segunda crise que ela teve.
Quando foi que aconteceu?
— Eu estava no quarto quando Nichole acordou depois da primeira, e por
algumas horas ela ficou bem. Parecia calma e tranquila, até brincou comigo
quando reclamei da comida na hora do almoço. Mas quando um enfermeiro
entrou para trocar o acesso que foi preso no braço dela, a simples menção do
toque dele, deixou minha filha completamente enlouquecida.
— Ele chegou a tocar em alguma parte do corpo dela?
— Não... ela pulou da cama e derrubou o homem que tinha o dobro do
tamanho dela.
Foi impossível não me lembrar do golpe que minha Hermione me
aplicou no avião quando por impulso, tentei acariciar seu rosto.
— Ela me derrubou no avião também.
— Você? Por quê?
— Pelo mesmo motivo; eu tentei tocar no rosto dela. Eu queria falar com
ela e me aproximei, não foi de propósito e nunca na minha vida eu seria capaz de
machucar a Nichole, mas quando ela percebeu o que eu pretendia fazer,
simplesmente me derrubou. Não tive tempo pra nada, e quando já estava caído
no chão, ela se abaixou e me disse que se eu tentasse tocar nela novamente, ela
me mataria.
— Foi exatamente o que ela fez com o enfermeiro.
— Como ela ficou depois?
— Eu pensei que ela ficaria bem, mas começou a repetir as malditas
regras novamente e ficou ainda mais agressiva. Foi preciso que três homens a
segurassem como um animal para que uma enfermeira conseguisse aplicar o
calmante.
— A senhora ficou com ela a noite toda?
— Fiquei. O Guilherme foi até lá, mas não deixei que ele dormisse. Eu
passei a noite toda ao lado dela e só deixei a clínica quando meu marido
apareceu agora há pouco e ordenou que eu fosse para casa descansar. Nós
combinamos de revezar, assim ela não fica sozinha e nós ficamos mais
tranquilos sabendo que ninguém vai machucá-la.
— Dona Isabella, a senhora sabe que eu estive lá todos os dias desde que
chegamos ao Brasil, e na única vez que Nichole permitiu que eu entrasse, foi
para me pedir para ir embora e não voltar mais. Por que a senhora acha que eu
posso ajudar a Nichole?
— Pedro, se você não quiser ir até lá, eu vou entender...
— Não! Por favor, não me entenda errado. — A tensão no meu corpo era
tão grande que minhas mãos estavam trêmulas. — Tudo que eu mais quero é
ficar com ela, cuidar dela e prometo que não vou machucá-la, mas não quero que
ela piore com a minha presença. A Nichole está passando por uma das piores
fases agora, e tudo que ela precisa é de descanso e proteção. Por isso achei
melhor fazer o que ela pediu até que estivesse recuperada, mas acredite em mim
dona Isabella, eu farei qualquer coisa por aquela menina. Qualquer coisa.
— Mesmo medicada ela chamou seu nome várias vezes durante a noite.
Apenas o seu, o de mais ninguém.
Suas palavras mexeram comigo, eu estava inseguro depois de Nichole
garantir que não me queria mais em sua vida, e cheguei a duvidar se o amor que
ela sentia por mim tinha sobrevivido depois de todas as decisões erradas que
tomei.
Mas Isabella trouxe de volta a esperança ao meu coração e junto com ela,
todas as minhas forças reunidas para reconquistar a confiança da minha
Hermione.
— Ela disse que não me queria mais.
— Eu sei Pedro, mas a verdade é que ela não acredita que você a ama. Só
está preocupado e se sentindo culpado por tudo que aconteceu.
Respirei fundo e me levantei. Caminhei até a mesma janela em que ouvi
Guilherme falar sobre a operação que faria para voltar à base nos Estados
Unidos, há menos de duas semanas, e no quanto eu desejei reencontrar minha
Hermione.
Olhando o jardim de Lívia e todas as suas flores coloridas iluminadas
pelo sol da manhã, compreendi o pensamento de Nichole. Eu odiava que ela
pensasse aquilo, mas não podia culpá-la por me julgar daquela forma. A maior
culpa que eu carregava era a de não ter feito o que queria, e sim, o que achei
necessário.
— Eu amo a sua filha dona Isabella. — falei ainda de costas para a
mulher que deixou o orgulho de lado para me procurar em nome do amor que
sentia por sua filha, talvez Isabella também me odiasse, mas ao contrário de
Guilherme, decidiu fazer o que achou melhor para Nichole. — Eu me apaixonei
por aquela menina no momento em que coloquei meus olhos nela, mas quando a
Julia me disse que estava grávida, a única coisa que eu desejei foi dar ao meu
filho o verdadeiro amor de um pai, como eu nunca tive.
Olhei para Isabella e sabia que meu rosto estava molhado pelas lágrimas
derramadas, mas não me senti envergonhado. A mãe de Nichole merecia saber a
verdade e os motivos que me levaram a desistir do meu amor pela sua filha.
— Eu cometi muitos erros e por ter nascido e crescido na favela, até os
vinte anos de idade, a minha única preocupação era ser o braço direito do Thor.
Minha mãe nunca disse quem era o meu pai, mas eu sabia que era um homem
casado e quando ela engravidou, ele foi embora sem olhar pra trás. — Coloquei
as mãos nos bolsos da calça depois de limpar o rosto tentando secar as lágrimas
que insistiam em continuar escorrendo — Eu falava que não ligava e não sentia
falta dele, mas era mentira. Minha mãe fazia tudo por mim e sempre ficava triste
quando o assunto vinha à tona. Eu aprendi a ignorar a falta que sentia dele, e me
acostumei a ela. Não queria isso pro meu garoto.
Voltei a sentar encarando Isabella que me observava atentamente. Seu
semblante era calmo, mas a tristeza em seus olhos escancarava a dor que estava
sentindo. Eu compartilhava a mesma dor, só não sabia se um dia conseguiria
mensurar por quanto tempo eu ainda poderia suportá-la.
— Eu não queria isso pro meu filho e confesso que fui um idiota por ter
acreditado na Julia. Naquela época ela morria de ciúme da Laís e achava que eu
estava tendo um caso com a ruiva, quando na verdade meu coração tinha sido
roubado pela menina de sorriso fácil e olhos curiosos. — sorri com tristeza e
saudade da minha Hermione — A senhora viu, ele não é meu filho e eu só
descobri no dia em que ele nasceu. Os médicos pediram doação de sangue
depois que constataram que o Pedrinho não tinha icterícia como pensaram, e sim
anemia crônica.
Esfreguei o rosto com as duas mãos tentando ignorar as imagens daquele
dia que invadiam minha mente sempre que olhava para o garoto que eu amava
como se fosse meu e, do fundo do coração Pedrinho era meu, mesmo não sendo.
Eu não abriria mão dele. Nunca.
Assim como aconteceu com Nichole, eu me apaixonei por ele no
momento em que o vi pequenino, indefeso, e todo enrugado dentro da
incubadora mexendo desesperadamente as perninhas magrelas e os bracinhos de
boxeador.
— Imagina a minha cara quando entrei para fazer o exame de
compatibilidade e descobri que o meu sangue não era compatível com o do meu
próprio filho. Foi o maior tombo que já levei.
— Eu sinto muito Pedro, não consigo imaginar o que faria se estivesse no
seu lugar.
— Claro que sabe dona Isabella, a senhora está aqui agora não está?
— Estou, mas...
— É a mesma coisa. — afirmei — Eu faço tudo o que posso pelo meu
filho. Assumi a paternidade sabendo que não era o seu pai biológico, dou o meu
mais puro amor para aquele garoto todos os dias e pretendo lutar pela guarda
dele até o último minuto. Por ele, apenas pelo meu filho. A senhora veio pedir
ajuda para o homem que machucou a sua filha, involuntariamente, mas ainda
assim, machucou, e foi da dor que eu infringi a ela, que a levou a decisão de se
matricular naquele curso maldito. A senhora passou por cima do orgulho, da
mágoa e de tudo que pudesse impedi-la de querer olhar pra mim novamente, por
amor a sua filha. É isso que os verdadeiros pais fazem, é isso que todos os pais
deveriam fazer por seus filhos.
— Eu nunca te culpei Pedro, e acho que a Nichole teve grande parcela de
culpa em tudo que aconteceu entre vocês, mas o que importa pra mim agora é
saber que você ama minha filha de verdade e vai ajudá-la a se recuperar.
Isabella se levantou e me puxou para um abraço. Eu estava sem graça e
um tanto constrangido, mas não pude recusar e deixar de retribuir seu gesto de
carinho. Novas lágrimas se juntaram em meus olhos, mas daquela vez, pela
primeira vez depois de mais de um ano, eram lágrimas esperançosas, felizes e
animadas.
— Pode ter certeza que eu vou ficar ao lado da Nichole o tempo todo,
mesmo que ela me mande embora e diga que não me quer. Eu vou lutar por ela e
provar que o meu amor é verdadeiro.
— Obrigada Pedro.
Eu me afastei para perguntar a Isabella sobre o assunto que iria estragar
aquele momento, mas não havia outro jeito. Ela tinha que me contar.
— Agora a senhora precisa me contar tudo que se lembra sobre as regras
que Nichole falou quando teve as crises.
Isabella assentiu e foi a vez dela respirar fundo para começar a relatar
tudo que ouviu sobre as trinta regras da base, e de quebra, quebrar meu coração
em mais de mil pedaços.
Trocadilhos a parte, precisei ir ao banheiro vomitar até não ter mais nada
no meu estômago depois de ouvir parte do que a mãe de Nichole se lembrou.
Ódio. Raiva. Ira.
Culpa. Culpa. Culpa.
Desespero... a mensagem de James parecia um vaga-lume brilhante no
meu cérebro opaco.
Ele iria voltar para buscar minha Hermione, mas dessa vez, eu estaria
cuidando dela e não permitiria que ninguém a levasse para longe de mim. Nem
que eu tivesse que começar uma nova guerra no Rio de Janeiro se fosse preciso.
CAPÍTULO 16
NICHOLE
“Estava sentada no chão frio há mais de cinco horas. Nua. Pela manhã
tivemos um treinamento que mais parecia uma experiência de guerra e não me
saí muito bem.
As coisas andavam estranhas e um dos homens que se apresentou como
instrutor me olhava de uma forma esquisita. Eu me sentia intimidada com a
intensidade do seu olhar. O nome dele era James Hudson.
Marcia e eu éramos as únicas mulheres e estávamos empolgadas com a
oportunidade de fazer parte do pequeno grupo de pilotos que aprenderia tudo
sobre o F-22, a aeronave mais rápida do mundo.
Os homens que foram para o deserto partilhavam do mesmo sonho. Na
primeira semana dentro da base, a empolgação foi fator motivacional constante
entre nós, mas isso mudou quando James invadiu o dormitório, que eu dividia
com Marcia, naquela manhã de segunda-feira, e me mostrou que o curso não
era o caminho árduo para alcançarmos o sucesso profissional, e sim, a ladeira
íngreme que nos levaria a conhecer as portas para o inferno.
O homem lindo com o corpo esculpido por músculos e olhos azuis que
me lembravam o mar do Caribe, encontrou em mim o seu brinquedo, a sua
bonequinha, aquela que ele faria o que quisesse, quando quisesse, onde quisesse
e como quisesse.
Durante seis semanas James Hudson me tornou exclusiva para realizar
de todas as suas fantasias, vontades e loucuras. Eu lutei, apanhei, fui estuprada
e violentada, mas gozei. Muito. Oferecendo ao homem que sentia prazer em me
machucar a certeza de que meu cérebro sabia que era errado, mas meu corpo
discordava. Completamente.
Depois da tentativa de fuga e o assassinato brutal de Marcia, as coisas
voltaram a mudar bruscamente. Outros homens passaram a frequentar meu
dormitório, me estupraram, violentaram e machucaram.
Aprendi a desligar meu cérebro, mas não conseguia dominar meu corpo
e com isso, os castigos se tornaram muito mais cruéis e mais constantes o que
levou os outros pilotos a fazerem mais perguntas do que deveriam, irritando
James.
Principalmente Tomaz. O jovem de apenas vinte e três anos, canadense,
único filho de um dos maiores assaltantes de bancos do mundo, que foi morto na
frente do grupo e fez com que todos os outros tomassem consciência do que
acontecia por detrás da fachada daquela base maldita e sanguinária.
Nós não sairíamos vivos de lá. Esse era o plano desde o começo. Mas os
planos as vezes falham e para a minha infelicidade eu sobrevivi.
— Vamos boneca, se levante daí e venha falar comigo. Mas agora que já
aprendeu a se comportar, faça tudo como eu ensinei para não ser mais
castigada.
A temperatura era fria, meu corpo tremia e meus dentes batiam uns nos
outros com força. Não conseguia falar, meus olhos ardiam e minhas pernas
estavam marcadas pela surra de cinta.
Eu me apoiei à cama e fiquei em pé. Passo a passo equilibrando o corpo
para não cair. Os olhos penetrantes do meu agressor brilhavam ao apreciar
minha nudez. Senti nojo. Queria gritar e matar aquele homem exatamente como
ele fez com o meu amigo.
Mas a única coisa que fiz foi me ajoelhar a sua frente, com as mãos para
trás e cabeça baixa. Ele esperou pacientemente até que minha voz finalmente
saiu.
— Estou aqui para servi-lo, Mestre.
Uma gargalhada sonora me assustou e duas mãos seguraram meus
cabelos com força.
— Boa menina. Aprendeu a oitava regra boneca e agora vamos aprender
a nona. — sem dificuldade seus braços me colocaram de pé, sua mão apertou
meus cabelos puxando-os num rabo de cavalo, seus olhos se fixaram nos meus e
por um momento me perdi no azul celestial intenso que surgia quando seu poder
era reverenciado — Sabe qual é a nona regra, Baby Doll?
James puxou meus cabelos forçando minha cabeça para trás. Fechei os
olhos sentindo sua língua no meu pescoço, deslizando até a orelha direita e a
outra mão descendo até o meio da minha bunda.
— Não, mestre, mas ficaria honrada se me ensinasse.
Mais uma gargalhada e logo em seguida uma mordida no queixo erguido
que deixou uma marca roxa na pele.
— Está ficando cada vez melhor nisso boneca, e para provar que você
pode ser recompensada quando obedece sem causar problemas, vou te dar o que
eu sei que você gosta.
Meu corpo estava fraco, ferido e dolorido. Não havia nenhuma condição
de fazer sexo, mas James não ligava, na verdade, ele gostava de me ver sofrer.
Implorar para não ser tocada contra minha vontade.
— Por favor, mestre, tenha compaixão e me deixe descansar mais um
pouco...
O tapa foi violento na face esquerda. O rosnado alto que saiu de sua
garganta me apavorou. Meu corpo foi arremessado na pequena cama e num
movimento rápido fui colocada de quatro.
— Nunca mais sugira que isso Baby Doll, porque o seu corpo me
pertence e a minha vontade impera aqui. Eu sou seu dono e vou fazer com você
o que quiser.
Não houve qualquer preparação, cuidado ou preocupação. James me
invadiu no ânus e o grito de dor pôde ser ouvido em todo o deserto de Mojave.
— NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!”
PIUÍ
Eu sabia que era ele quando ouvi sua voz rouca ao voltar para o quarto.
Meu primeiro impulso foi sair correndo e me esconder no primeiro buraco que
encontrasse. Mas de repente a ideia de deixar que Pedro visse que tipo de mulher
eu havia me tornado, me pareceu mais atraente.
A decepção seria grande e fatalmente, ele se afastaria de mim. Nenhum
homem que tivesse experimentado uma menina inocente, ingênua e virgem,
conseguiria compreender, ou até mesmo aceitar a mudança radical que
aconteceu, aos olhos de qualquer leigo, em tão pouco tempo.
Considerando que esse homem alegava que ainda continuava apaixonado
pela menina jovem, cheia de planos, sorridente, e amante da vida, o choque de
realidade poderia ser ainda mais cruel. Pedro não aceitava que devia se afastar de
mim para sempre, e se ele precisava de um empurrãozinho, aquela era a minha
chance e mandá-lo para bem longe.
Eu não queria aquele homem perto de mim.
Eu não queria aquele homem na minha vida.
Quando o colchão afundou e senti seu cheiro tão perto, sabia que tinha se
ajoelhado ao meu lado. Farejei como um predador seu pau duro, grande e grosso,
próximo a minha boca. Aguardei até que ouvi sua voz rouca, grossa e excitada,
ordenando de forma tão máscula e sexy para que eu o chupasse.
O efeito ao imaginá-lo um Mestre, foi similar ao de levar um tapa na
cara. Forte. Muito forte.
— Abre essa boca vadia, engole meu pau e se prepara porque a nossa
brincadeira ta só começando.
Em vez de abrir a boca, gritar bem alto, mandar Pedro ir se foder e parar
de tentar ser o tipo de homem que ele não era e com certeza nunca seria, eu abri
a boca, mas para engolir seu pau delicioso que parecia bem maior do que eu me
lembrava.
Eu gemi. Ele gemeu.
Pedro afastou mais as pernas e segurando minha nuca com força, moveu
o quadril com cuidado para não me sufocar. Ele era maior que James, mas não
me machucava. Ia e vinha devagar prolongando seu prazer, preenchendo e
esvaziando minha boca com seu tamanho avantajado.
Eu não queria, mas foi impossível não imaginá-lo me pegando de jeito e
metendo com força de várias formas. Involuntariamente meus joelhos se abriram
ainda mais e só não encostaram no colchão, porque a corda presa aos tornozelos
limitou os movimentos.
— Gosta de chupar putinha?
Apertei os olhos escondidos pela máscara, absorvendo o gosto do líquido
que saia da cabeça robusta a cada investida mais forte. Sua mão livre apertou
meu mamilo direito com força enquanto a outra mantinha minha cabeça parada
para que ele determinasse o ritmo mais e mais acelerado, quase me fazendo
engasgar.
Lágrimas deixaram meus olhos.
Seus dedos beliscaram meu bico enrijecido antes de dar um tapa estalado
na direção oposta, de cima para baixo, me assustando não apenas por causa do
barulho alto, mas pela surpresa do seu ato inesperado.
Pedro estava me surpreendendo e eu não sabia se reconhecer aquele fato
deveria ser uma coisa boa, ou ruim. Talvez um pouco dos dois, mas meu cérebro
doente só pensava em apagar o fogo que consumia meu corpo há dias, e
precisava aplacá-lo antes que fosse tarde demais e nem os remédios pudessem
me ajudar.
— Eu fiz uma pergunta porra! Gosta de chupar um pau, putinha?
Responda!
Lágrimas deixaram meus olhos quando ele forçou o pau na minha
garganta e retirou esperando que eu respondesse. Exatamente como James, meu
mestre, fazia quando iniciava um interrogatório.
— Sim...
— Sim, o que?
Demorei a responder. Raciocínio lento. Medo. Tensão. Tesão. Agonia.
Desespero. Desejo.
A voz era de Pedro, mas as imagens na minha cabeça eram de James. Eu
estava confusa e incerta sobre a forma de agir. Se fosse Pedro, ele não me
machucaria, mas se James estivesse jogando e fingindo ser o único homem que
amei, eu não sairia daquele quarto viva.
Suor escorreu pela minha testa, minha boca secou, minha respiração
acelerou. Senti um toque familiar retirando a venda dos meus olhos, e pisquei
várias vezes até reconhecer o homem que estava comigo. Mais lindo do que
nunca, mais forte, mais musculoso.
Agradeci mentalmente com todas as minhas forças por ser ele, e não o
outro. Minha mente desajustada não conseguia se desprender do passado e talvez
nunca conseguisse seguir em frente como Daniel prometeu.
Minha vida seria eternamente baseada em fatos passados, que se
repetiriam no presente, mas sem qualquer menção ao futuro. Nunca mais haveria
o amanhã, o depois, o além. Apenas quem eu fui, o que fiz e o que me tornei. Só.
Pedro inclinou o corpo sobre o meu. Seus olhos brilhavam luxuriosos
vasculhando os meus. Atentos. Havia dúvida e medo quando ele percebeu minha
reação descabida e fora do contexto, mas o desejo se sobressaía e me garantia
que a noite seria inesquecível.
Para ele. Para mim. Para nós.
— Sim, mestre.
Pedro não sorriu ou elogiou a obediência. Segurou a base do seu pau e
ordenou:
— Abra a boca e me chupe até eu mandar parar.
Tentei sorrir para não mostrar o quanto estava afetada e voltei a
abocanhar seu mastro duro como pedra. Fechei os olhos imaginando como seria
tê-lo dentro de mim novamente.
Pedro soltou minha nuca e levou sua mão ao local do meu corpo que
mais clamava e suplicava por ele. Por sua atenção,
Escorregou facilmente seu dedo médio entre os grandes lábios, e o
afundou dentro de mim. Mordi meu lábio inferior ao sentir o toque providencial
no ponto sensível que instigava o prazer indecente.
Contive o grito furioso na garganta para não irritá-lo com o meu
desespero. Não sabia por quanto tempo mais aguentaria esperar até que ele me
comesse com força e desrespeito.
— Toda melada e prontinha pra foder.
Seu dedo saía e entrava com facilidade da minha boceta e suas estocadas
ficavam mais vorazes. O dedo comprido trabalhava com afinco estimulando e
excitando com louvor minha carne encharcada.
— Eu vou cuidar dessa boceta mais tarde, mas agora preciso gozar nessa
boca.
Pedro montou em cima de mim.
Uma perna de cada lado do meu peito, segurou a cabeceira da cama com
as duas mãos e literalmente, fodeu minha boca com seu pau vascularizado.
Os pulsos presos não permitiam que meus braços envolvessem o corpo
do homem, que se movimentava com violência sobre mim, como eu tanto
desejava.
Minha boca aberta o recebia de bom grado, engasgando e levando-o até
onde conseguia o que muitas vezes, nem chegava à metade da extensão grossa,
enquanto as bolas do saco raspavam minha pele do pescoço e batiam no meu
queixo, fritando meus neurônios.
Completamente acesos e excitados.
Sentir o corpo enorme de Pedro montado em mim, forte e
exageradamente musculoso, me deixou descompensada.
A intimidade daquela posição me fez desejar por alguns segundos voltar
no tempo e resgatar memórias antigas, aquelas que foram propositalmente
enclausuradas em um canto escuro e inacessível do meu cérebro.
Lutei bravamente contra aquele desejo específico, me concentrando
apenas no prazer e no real motivo de tudo que estava acontecendo dentro
daquele quarto.
Meu desejo insano.
Meu desejo carnal.
Meu desejo de sentir dor.
Meu desejo de ser dominada, humilhada e subjugada.
Meu desejo por sexo.
Cru. Carnal. Bruto. Violento.
Mas, apenas sexo. Nada, além disso.
Meu corpo necessitava daquele tipo de relação física, sem sentimentos,
sem emoções.
Apenas uma trepada com um homem que saciaria minha sede e me faria
gozar intensamente, usando meu corpo como um objeto sem valor.
Loucura?
Provavelmente sim, mas quem poderia me julgar de fato?
Aquela era eu, não a antiga e sim, a atualizada; carregando sozinha toda
minha bagagem fodida e disposta a encontrar almas tão destruídas quanto a
minha, que estivessem dispostas a cultivar a mesma coisa que eu.
Um dia me disseram que os opostos se atraem o que até poderia ser uma,
entre tantas verdades, mas definitivamente, eu afirmaria que os iguais se
procuram.
Considerando que as novidades logo virariam algo comum e passariam a
desgastar o relacionamento.
Como unir duas pessoas tão diferentes por muito tempo?
Como manter ao mesmo tempo, o silêncio e barulho? À noite e o dia? O
calor e o frio? A neve e a praia? A metrópole e a fazenda?
Impossível!
São as afinidades os nossos verdadeiros elos, firmes e inquebráveis.
Essenciais para viver em harmonia, compreender a busca e a procura,
compartilhar as necessidades e apreciar os mesmos sabores; da comida, do sexo,
da vida.
Pedro e eu costumávamos combinar em muitas coisas, quase tudo, aliás,
mas aquilo foi há muito tempo, quando a menina viva ainda mantinha sua fé, sua
esperança e seu bom coração.
Tudo mudou desde então, e não havia mais qualquer sintonia entre nós,
apenas o prazer sexual que ele se esforçava para me proporcionar, mas aquilo
também não duraria muito tempo, se dependesse de mim.
Pedro logo entenderia que para o meu caso, especificamente, não havia
solução. Sem dúvida alguma, se tratava de um caso perdido.
Engoli cada centímetro da sua carne sem reclamar, engasguei, mas não
parei. Na posição que estava Pedro movia o quadril com força atingindo o fundo
da minha garganta, e mesmo assim, ainda não conseguia levá-lo inteiro.
Muito grande.
Muito grosso.
Muito gostoso.
Senti seu pau inchar dentro da minha boca e me preparei para engolir seu
êxtase. Pedro urrou como um animal e gozou jogando a cabeça para trás. Dentes
trincados, olhos apertados, testa franzida e uma careta de dor.
O líquido veio em um jato quente, grosso e numa quantidade
surpreendente. Precisei me concentrar para não vomitar e degustei até a última
gota, apreciando cada reação espontânea do homem que se rendia ao prazer que
eu havia lhe proporcionado.
Nunca me senti tão orgulhosa ao ver um macho gozar daquela forma tão
intensa, como se estivesse há tempos sem atingir o pico mais alto. Pedro tinha
me falado que não tocou nenhuma mulher durante o período em que estive fora
do Brasil, mas evitei racionalizar sobre a informação.
Embora precisasse confessar que sua chegada à reta final condizia
perfeitamente com ela.
Um misto de felicidade e vaidade tentou me seduzir, me convencer a
baixar minha guarda cautelosamente erguida, e permitir somente naquela noite,
me entregar a ele.
De corpo, alma e coração.
Foi então que percebi o perigo que o contato com Pedro representava
para a minha recuperação.
— Porra!
Ele saiu de cima de mim, deu a volta na cama e ficou me observando.
Meus pulsos presos como os tornozelos limitavam meus movimentos.
Meus joelhos não fechavam ou abriam, e meu corpo estava a sua inteira
disposição para fazer o que quisesse e da maneira que preferisse.
— Sabe quantas vezes eu sonhei com isso? — a voz rouca, arrastada e
ofegante me hipnotizou.
Não respondi com medo de fracassar na resposta. Pedro estava de pé,
encostado a parede sob a luz amarelada que destacava partes do seu corpo
musculoso.
A pele morena coberta de suor brilhava sob a iluminação opaca, e meus
olhos foram atraídos para o membro que voltava a enrijecer com facilidade,
antes de amolecer totalmente e depois de ter gozado ferozmente.
Um homem disposto e viril, exatamente como James.
A comparação entre os dois se tornou tão comum e natural como a minha
fome por sexo violento, a mesma que me consumia e me obrigava a travar uma
batalha infernal diariamente.
Era uma atitude involuntária e muito mais forte do que eu. Injusta e
despretensiosa, mas meu cérebro afirmava que compará-los, também era
essencial para mim.
Por quê? Eu ainda não sabia, e tinha receio de descobrir. O desconhecido
me tornava uma pessoa mais ansiosa, mais temerosa e muito mais omissa.
— Você tem noção de quantas noites eu passei acordado me lembrando
de como era bom te foder? De como eu adorava meter meu pau na sua boceta?
Do quanto eu senti falta de ouvir sua risada e ouvir a sua voz?
Perguntas carregadas de emoções que eu não queria reviver, e respostas
que eu me recusava a ouvir, ou ser obrigada a dar aquela hora.
O tempo havia passado, Pedro e eu perdemos o nosso trem e a vida
seguiu seu curso. Independentemente se os acontecimentos tivessem sido
extremamente ruins, macabros e com pitadas miseráveis de bons momentos, não
éramos mais as mesmas pessoas.
Nunca mais seríamos, especialmente eu.
Aquele quarto que aluguei em uma casa noturna e solicitei os serviços de
um Dom, deveria servir para um propósito apenas; ser fodida brutalmente por
um homem que não me conhecesse.
Tudo que eu precisava para me reerguer, segundo Daniel, era aceitar o
passado e encontrar formas, fórmulas e refúgios para esquecê-lo.
Pedro corria na contramão e o trazia a superfície. Relembrando.
Revivendo. Resgatando.
Não!
Definitivamente, eu não permitiria que ninguém me jogasse de volta ao
covil dos leões novamente e me largasse lá. Sozinha para morrer. Talvez eu não
fosse feliz novamente, mas eu não sucumbiria à depressão.
Quando aceitei iniciar o tratamento psicológico, eu prometi a mim
mesma me dar uma chance de viver da melhor maneira que conseguisse, e de
forma alguma, quebraria minha promessa.
— Se você não vai cumprir seu papel como dominador, eu sugiro que
deixe o profissional retomar o lugar dele.
— Ouviu o que eu disse Nichole?
— Não prestei atenção. — minha voz saiu firme, segura e chamou a
atenção de Pedro, dei de ombros demonstrando indiferença. — Quando eu
estiver interessada em conversar vou procurar meu psicólogo, hoje só preciso de
um homem que me foda de verdade do jeito que eu quero. Foi para isso que
paguei, e não pra ficar amarrada nessa cama ouvindo suas lamentações e
perguntas que não me interessam.
Pedro precisava entender que nada do que fizesse mudaria o que
aconteceu comigo e não traria de volta a mulher que ele conheceu. Sua
Hermione morreu e deu lugar a outra boneca; uma usada, quebrada e sem
conserto.
O apelido que despertava o pior de mim reverberou na voz de James na
minha consciência:
“Baby Doll”
Tentei libertar minhas mãos e minhas pernas desajeitadamente. Sacudi a
cabeça e rosnei baixo, babando de raiva e ódio repentinos. Pedro não se moveu,
ele apenas me observou a distância. Seus olhos tristes me irritaram e revoltaram
ainda mais.
Por que ele não me fodia logo e acabava com aquela merda?
— Vai me comer ou vai chamar alguém melhor pra fazer isso?
O homem endoidou com o que ouviu.
Pedro parecia um leão que foi enjaulado por meses e libertado para caçar
livremente na selva; cercando sua presa, rondando para escolher a melhor forma
de atacar e pronto para dar o bote.
— É só isso que você quer? — rosnou tão enfurecido quanto eu.
Parou no meio das minhas pernas, segurou seu pau e o massageou
lentamente, seu maxilar quadrado rangeu quando cuspiu as palavras:
— Responda a minha pergunta porra! — olhou para o membro grosso em
sua mão e voltou a me encarar — É só a minha rola que você quer Nichole? É
sexo? Quer ser fodida e tratada como uma puta? É isso caralho? Responde!
Engoli seco.
Nunca imaginei que o veria tão alterado. Pedro agiu como se tivesse sido
afrontado e precisasse me mostrar o quanto ele poderia ser diferente do que eu
estava acostumada.
Pois bem, se fosse um teste eu seria aprovada com louvor.
— Sim mestre...
PIUÍ
— Pode pedir o café completo pra mim e vai ser tudo por sua conta.
Laís puxou a cadeira e se sentou a minha frente, na padaria que a gente
costumava tomar café quando estava em algum caso.
— Brigou com a escova de cabelo ou foi o bombeiro que te deu um trato
antes de deixar tu sair da cama tão cedo?
A ruiva tirou os óculos escuros que cobriam seus olhos amendoados, e
me amaldiçoou em silêncio enquanto analisava minha cara a procura de alguma
informação que lhe ajudasse a entender o motivo que me levou a ligar pra ela tão
cedo.
— Finalmente comeu alguém! — ela levantou os braços de forma teatral
como se estivesse agradecendo por alguma graça alcançada, como diria minha
mãe. — Obrigada a todos os santos que ouviram minhas preces e ajudaram essa
alma medíocre a enfiar o pau em uma boceta que não fosse a da megera. To
devendo uma pra vocês, sério. Vocês operaram um verdadeiro milagre!
— Cala boca porra!
Falei passando as mãos pelo rosto cansado, mas não podia deixar de
pensar no quanto tinha sentido falta de sexo, ou melhor, da minha Hermione, que
já não era mais a minha Hermione, mas mesmo assim, conseguia atazanar meu
juízo como sempre fez.
— Piuí, você finalmente coloca esse pau pra trabalhar e em vez de sair e
comemorar, me liga às seis e meia da manhã e me obriga a vir aqui tomar café
contigo. — Minha ruiva favorita apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo
nas mãos. Seus olhos estavam brilhando e um sorriso de moleca deslizou em
seus lábios carnudos — Vai me dizer que brochou?
Ela gargalhou e não agüentei. Caí na risada aproveitando o momento de
descontração para jogar a bomba. Eu sabia que minha amiga ia surtar quando
soubesse o que tinha acontecido.
— Eu passei a noite com a Nichole.
O sorriso murchou, os olhos se estreitaram e a testa franziu.
— O que você falou?
Bufei, resmunguei e copiei seu gesto apoiando os cotovelos sobre a
mesa, encarando minha amiga nos olhos. Eu precisava desabafar, falar com
alguém e Laís era a única pessoa que eu me sentia a vontade para falar sobre
aquele assunto de merda.
— Calma porra!
— Calma? Como assim, calma? — a ruiva inclinou o corpo a frente e
rosnou cuspindo na minha cara — Aquela menina ta toda fodida e a última coisa
que ela precisa é de mais problemas porra!
— Eu falei com o Daniel.
— Puta que pariu, e as coisas só pioram...
Laís balançou a cabeça e estava inquieta, mas ela sabia que eu nunca
faria nada que pudesse prejudicar minha menina.
— Eu tentei não interferir, beleza?
— Piuí, eu sou tua amiga e vou fazer meu papel você gostando ou não,
querendo ou não, mas é impossível ficar quieta ouvindo você me contar que
comeu a Nichole enquanto ela está em tratamento caralho! — minha amiga
estava se esforçando muito para não gritar comigo, não por mim claro, mas por
estarmos em um lugar cheio de pessoas tomando café — E que história é essa de
que você com o médico dela? Esse cara não pode te contar nada sobre ela ou as
coisas que eles conversam. Qual é a dele?
— Se você se acalmar, eu te conto tudo desde o começo, pode ser?
— Vai em frente, to aqui doida pra saber a o tamanho da merda que você
fez só pra ter uma ideia do quão fodido você está.
— Eu estou realmente fodido, mas não pelo motivo que você ta
pensando.
— Cala a boca que você nem sabe o que eu to pensando.
— Quer apostar que eu sei?
A garçonete que sempre me paquerava deixou nosso café e se afastou
com um sorriso meigo nos lábios. Laís deu um tabefe no meu braço e resmungou
alguma coisa como “safado idiota”, antes de mandar eu me foder por sugerir
uma aposta.
Relatei tudo que havia acontecido, desde a minha invasão na boate
quando arranquei Nichole de lá antes que ela se trancasse em um dos quartos
com um cara que nem conhecia, até o fim da nossa noite, poucas horas antes de
nos encontrarmos na padaria.
Os detalhes eu deixei de fora, claro. Não iria contar tudo que fiz com a
menina que Laís considerava como uma verdadeira amiga, até porque ela me
caparia se soubesse.
Meu pau estava esfolado de tanto meter e depois de ter ficado tanto
tempo sem comer ninguém. Com Nichole era tudo oito ou oitenta, sempre.
Nunca tivemos o meio termo.
Mas eu já tinha ligado para um amigo meu e pedido uma pomada que
tratasse daquela merda. Se Nichole me enviasse uma mensagem para fode-la a
noite, eu ficaria sem pau, mas não permitiria que ela procurasse outro homem.
Nunca.
— Estou impressionada Piuí e não sei o que te falar nesse momento. —
Laís disse com a expressão fechada e tomou um gole de café — Sério, preciso
digerir tudo que você me contou antes de dar minha opinião sobre tudo isso.
— Então digere logo porque eu to precisando de ajuda, Drizella. —
respirei profundamente e me ajeitei na cadeira — Pode parecer loucura o que eu
fiz ontem com ela, mas não me arrependo de nada.
— Piuí, uma das piores coisas que pode acontecer se mantiver esse
relacionamento com a Nichole, nessas condições, é o amor que existe entre
vocês acabar se perdendo pelo caminho. Eu sei o que estou te falando, e posso te
garantir que a única pessoa que pode tirar a Nichole do fundo do poço que ela
está, é você, mas isso não vai acontecer se alimentarem essa relação doentia de
dominação e submissão que estão começando.
— É o que Nichole quer Drizella e se eu não fizer isso, ela vai arrumar
outro que faça.
— Existem atenuantes sérios para as pessoas que praticam esse tipo de
sexo, Piuí.
— Do que você ta falando?
— Você é inexperiente nesse assunto, e embora a Nichole também seja,
ela não está atrás desse tipo de sexo porque simplesmente experimentou e
gostou. A garota foi estuprada Piuí, violentada e alguma coisa mexeu com a
cabeça dela, entendeu? — Laís segurou minha mão por cima da mesa e pude ver
a preocupação em seu olhar. — Ninguém passa a gostar de ser amarrada e
maltratada do dia pra noite. Nenhuma mulher prefere ser fodida como uma puta
e ver o homem sair de manhã da sua cama sem olhar pra trás, a receber amor e
carinho durante o sexo e acordar abraçada de conchinha. A Hermione está com
sérios problemas de saúde meu amigo e se eu fosse você, procurava novamente o
médico dela e conversava com ele sobre tudo que aconteceu entre vocês.
— Mas foi ele que me falou pra deixar a Nichole experimentar o que
quiser, porque só assim ela vai perceber que não é o tipo de relação que quer.
— O que ele quis dizer foi pra você não se meter na vida dela Piuí e não
foder a garota sempre que ela procurar outro homem. Até parece que você vai
tratar a Nichole como um dominado. Duvido que tenha coragem de castigá-la,
bater com força, humilhá-la como os verdadeiros dominadores fazem.
— Ela não reclamou ontem, muito pelo contrário. Na hora de ir embora
eu percebi que ela não esperava a minha indiferença.
— E até quando você acha que vai conseguir agir desse jeito? Se ela
chorar e implorar pra você parar de bater nela quando estiver aplicando um
castigo, vai ter coragem de continuar ou vai ceder e perder a autonomia?
— Não sei porra!
Laís deu de ombros.
— Eu sei que você só quer fazer o melhor pra ela, e pelo jeito a noite foi
muito boa pra você também, mas não enfia os pés pelas mãos Piuí, e antes de
continuar com essa loucura, vai procurar o psicólogo de novo pra saber a opinião
dele sobre tudo isso.
— O cara não é um babaca como eu pensei que fosse, mas acho que ele
não vai concordar em ficar me contando sobre a Nichole.
— Então marca uma consulta e vai falar com ele como paciente.
— Ta doida Dri?
— Não, pensa bem, se o cara sabe tudo que se passa na cabeça da
Nichole, ele pode dar um jeito de trabalhar com você pra ajudar no tratamento
dela, sem que ela fique sabendo, claro. Como médico, ele não precisa falar dos
problemas dela, basta ele te orientar a agir da melhor forma com ela. Entendeu?
Pensando como Laís, parecia um bom plano. Se Daniel me dissesse
como tratar minha menina, as coisas entre nós poderiam se ajustar com mais
facilidade.
— Pode dar certo.
— Claro que vai dar certo, agora liga pro cara e marca uma consulta com
ele.
— Agora?
— Vai querer ligar quando? — a ruiva revirou os olhos — No dia que ela
te der um “perdido” e passar a noite com outro homem?
— Eu sei que você só fala essas coisas pra foder minha cabeça, Drizella.
— Infelizmente, nesse caso, você está equivocado meu amigo.
Laís terminou de tomar seu café e seu olhar me dizia que ela não estava
brincando como eu achei que estivesse.
— Nesse caso?
— Olha só Piuí, quando você conheceu a Lívia, eu tinha a idade da
Nichole e a minha vida era baseada em sexo com desconhecidos, orgias,
bebedeiras e... bom... isso não importa mais, mas não eram coisas boas. Eu
experimentei de tudo que você possa imaginar, tudo mesmo, e só consegui
mudar depois de comer o pão que o diabo amassou o que não é nenhuma
novidade, porque a gente se conheceu quando a minha vida estava de pernas pro
ar.
— Eu sei ruiva, mas o que isso tem a ver com a Hermione?
— Tudo a ver Piuí! — ela resmungou como se eu fosse um idiota por não
entender o que ela estava querendo me dizer — A cabeça da gente é a pior arma
contra nós mesmos e a Nichole tem lembranças recentes muito muito ruins, que
ela provavelmente está tentando esquecer, mas...
Minha amiga parou de falar me deixando nervoso.
— Mas o que?
Laís olhou para a toalha da mesa, respirou fundo e mais uma vez me
encarou com tristeza.
— Se ela estiver como eu fiquei quando conheci o Murilo, a briga entre o
corpo e a mente dela está fazendo um belo estrago agora. — seu olhar era vazio
ao se lembrar daquela fase da sua vida — O estilo de vida que eu levei durante
vinte e seis anos era tudo que eu abominava, mas ao mesmo tempo, era tudo que
eu conhecia. Eu sabia que era errado e não conseguia parar.
— O Daniel falou muita sobre isso comigo e disse que a Nichole está
passando por esse conflito agora.
— É uma merda Piuí, uma grande e fodida merda.
— Caralho! Eu preciso ajudar minha menina Drizella, só tenho que saber
como.
— Faz o que eu falei, liga pro médico e marca uma consulta com ele.
Explica o que você quer fazer e pede a ajuda dele, só assim vai conseguir agir da
melhor maneira e ajudar a Nichole a superar todos os traumas daquele inferno
que ela viveu.
— Vou fazer isso.
Peguei o telefone e enquanto a garçonete sorridente trazia nossa conta,
liguei para o doutor Daniel e agendei uma consulta para o mesmo dia, no final da
tarde.
Desliguei o aparelho, mas nem consegui guardá-lo, o nome de Thor
apareceu na tela e atendi no segundo toque.
— Ta por onde?
— Terminando de tomar café.
— A ruiva ta com você?
Laís revirava os olhos quando percebeu quem era a pessoa que estava
falando comigo. Sorri debochado sentindo o cansaço me pegar de jeito.
Além do pau esfolado, Nichole acabou com toda minha energia durante
as horas que fodemos como dois maníacos, e se eu não arrumasse pelo menos
algumas horas para tirar um cochilo, teria que me entupir de energético para
aguentar o dia.
— Ta bem na minha frente.
— Eu imaginei pela cara de bunda do bombeiro que você foi o
responsável por empatar a foda matinal dele.
— Se ela tivesse me falado que ia trepar eu teria esperado. — Laís quase
me assassinou com seu olhar estilo “Nikita” e eu gargalhei um pouco mais
relaxado — Mas pensando bem, acho que ela não estava muito a fim de agradar
o babaca, por isso me usou como desculpa pra se safar do boquete nosso de cada
dia.
— Se ela estiver ouvindo tudo, espero que chegue aqui inteiro. Preciso
falar vocês e tem que ser agora.
— Aconteceu alguma coisa?
— E quando é que não acontece? — meu amigo parecia calmo, mas uma
ligação antes das oito horas da manhã não significava calmaria, muito pelo
contrário, a merda estava pronta para ser espalhada — Já estou no escritório
esperando vocês. Não demorem.
— Não fica se achando o fodão só porque seu pau ressurgiu das cinzas
depois de meses vivendo nas trevas e decidiu voltar à ativa. Você ta parecendo
mulher casada que agradece o marido por dar uma trepada por mês, reclamando
o tempo todo que ela está gorda.
Claro que Laís não ia perder a oportunidade de falar uma coisa daquelas
na frente da garçonete que parou de sorrir e ficou me encarando, tentando
descobrir se a afirmação da ruiva era verdadeira ou, apenas uma brincadeira de
mau gosto.
— Meu pau nunca viveu nas trevas, Drizella, e eu não preciso agradecer
ninguém por transar comigo. Você sabe disso.
— Querido — ela empurrou a cadeira para trás fazendo um barulho
irritante —, eu não me incomodo se seu pau ficou enclausurado por mais de um
ano sem ver a luz do sol, dependendo da sua mão para receber um “agrado”. —
Laís sorriu com malícia e eu juro que se ela fosse um homem, teria levado um
soco na cara por me fazer passar vergonha na frente da garçonete que estava,
literalmente, de boca aberta me encarando como se eu fosse um pobre coitado
que não arrumava mulher. — E pra falar a verdade, eu não sei de nada, mas esse
sorrisinho na sua cara é a prova de que estou falando a verdade e a mulher que
conseguiu a proeza de te levar pra cama, deveria ganhar uma gratificação. Até
sua pele está mais bonita hoje...
A ruiva dos infernos saiu da padaria gargalhando e ainda me deixou para
trás com a garçonete me encarando.
— Ela está com raiva de mim, por isso fica inventando essas coisas.
Falei sem graça tentando me justificar enquanto a garota passava meu
cartão na maquininha.
— Você ficou um ano sem transar com ninguém?
Olhei para o crachá grudado no avental e descobri que seu nome era
Glaucia. A morena era bonita, tinha um corpo magro e cabelos negros compridos
que estavam presos e cobertos com uma por uma toca branca.
Pensando rapidamente nas horas que passei comendo Nichole dentro
daquele quarto ridículo, a ideia de ter ficado mais de um ano sem mulher, não
me parecia tão ruim como Glaucia e até mesmo minha amiga estavam achando.
— Fiquei, mas por opção e não por falta de opção.
— Bom, isso eu sei, porque eu mesma dei em cima de você várias vezes,
mas... — ela tapou a boca sem graça e eu gargalhei — Ai meu Deus, que
vergonha.
— Não esquenta Glaucia, não foi como se eu não tivesse reparado, mas o
problema não era você ou qualquer outra mulher. — digitei a senha e esperei que
o pagamento fosse aprovado — Eu não queria transar apenas por transar, será
que me entende?
— Claro que entendo, e agora fiquei aliviada, quer dizer, eu sei que a
mulher que você queria deve ter voltado pra sua vida, já que sua amiga falou
que... você sabe... mas se ela for embora de novo, me procura, eu posso cuidar
de você. — suas bochechas estavam vermelhas quando ela concluiu — Se
quiser, é claro.
— É muito gentil da sua parte Glaucia, mas isso não vai acontecer
porque ela nunca mais vai sair da minha vida.
— Como tem tanta certeza?
Ela entregou a minha via do pagamento e esperou minha resposta.
Guardei o cartão do banco na carteira e amassei o papel que tinha acabado de
receber da garçonete.
Olhei para a morena que havia se mostrado muito mais curiosa do que
imaginei que fosse, sorri confiante e falei antes de virar as costas e encontrar
minha amiga encostada na porta do meu carro com uma cara invocada:
— Porque eu vou me certificar que ela fique, nem que seja preciso
amarrá-la na minha cama.
Mal ela sabia que a ideia de ter Nichole amarrada sobre o meu colchão,
implorando para que eu fodesse sua boceta, já me deixava duro. Fiz uma careta
antes de entrar no carro e enfiar a mão dentro da calça para ajeitar meu pau
sensível.
— Mas que porra Piuí, não é porque sou sua amiga que preciso ver você
arrumando o pau, caramba!
— Eu devia te pedir desculpas, mas não vou, porque a culpa de me
deixar assim foi sua quando falou aquelas merdas perto da garçonete, e me fez
imaginar Nichole de um jeito que você não vai querer saber.
Laís gargalhou e jogou a cabeça para trás. A risada dela era muito
parecida com a da Lívia, sua irmã, a diferença era que a ruiva dificilmente sorria,
enquanto Lívia vivia com um sorriso delicado no rosto.
Elas eram muito parecidas e diferentes ao mesmo tempo, e nunca
imaginei que teria duas mulheres lindas e gostosas convivendo comigo
diariamente, que não despertassem nenhum tipo de sentimento em mim, senão
amizade.
Eu amava as duas para caralho.
Lívia, a minha Cinderela, foi quem me mostrou que todas as pessoas têm
o seu valor, independente do lugar que nascem ou crescem. Ela sempre acreditou
no destino e ao longo dos anos, me fez acreditar também.
Como ela falou quando quis me acalmar em um momento de desespero,
onde eu fraquejei e pensei seriamente em desistir do meu trabalho, do meu filho,
largar tudo para trás e sair do Brasil, como minha menina fez:
“O que é seu Pedro, ninguém vai tirar do seu caminho ou viver por você.
Isso não se trata apenas das pessoas, e sim, de tudo, tanto as coisas boas como as
ruins também. A gente pode até demorar para encontrar o que tanto procuramos,
mas na hora certa, nós vamos encontrar. Só não podemos desistir quando tudo
desmoronar, e acredite em mim meu querido, o mundo vai desabar na sua
cabeça, muitas e muitas vezes e a morte vai parecer a melhor saída, mas você
não pode ceder, nunca. Porque, quando finalmente encontrar a sua paz, tudo que
passou até chegar a ela vai ter valido a pena. Você foi testemunha muitas vezes,
inclusive do que aconteceu comigo e com a Lalá. Confie em mim garoto, o seu
dia também vai chegar.”
E eu confiei, como sempre fiz desde dia em que a conheci e a levei para
o morro do Teteu, há mais de dez anos.
Minha melhor amiga loira nunca me tratou mal por ter sido o responsável
pela mudança radical em sua vida, nem pensar. Ela até me agradeceu algumas
vezes em que bebeu além da conta. Minha mãe sempre me dizia que bêbado e
criança nunca mentem, e ela estava certa.
Lívia e Thor tiveram o mundo contra eles, mas o amor que sentiam um
pelo outro foi capaz de superar todos os obstáculos, e depois de tantos anos
juntos, aquele amor nascido e criado na favela, como eu, expandia para seus
filhos.
Dia após dia.
Já Laís, minha Drizella, a ruiva que recebeu o apelido por ter sido a
verdadeira irmã malvada da Cinderela na vida real durante seis, quase sete anos,
foi à amiga que algum anjo brincalhão colocou no meu caminho numa noite em
que nossas vidas foram marcadas por um fato tão fodido, mas tão fodido, que
nos conectou de forma única e para sempre.
Laís foi uma, das raras pessoas, que conseguiu ganhar minha admiração,
lealdade e meu respeito, no período de poucas horas e, mesmo que a confiança
tenha chegado tempos depois, ela provou que o ser humano pode sim mudar,
mas isso só vai acontecer se ele estiver realmente disposto a deixar o passado
para trás e seguir em frente.
Minha adorável ruiva, a mulher com carinha de anjo, mas que de anjo
não tinha nada, foi incansável e imbatível na sua batalha particular contra toda a
merda que cercava sua vida por todos os lados.
Se tivesse que definir Laís Antunes em uma única palavra, eu usaria;
coragem.
A mulher era infernal de tão petulante e não temia nada nem ninguém.
Aprendeu e reaprendeu a viver, levantou muito mais vezes do que caiu, nunca se
intimidou ou recuou quando as coisas ficaram muito piores do que estavam, e
nunca, em momento algum, se omitiu ou culpou outras pessoas pelos erros que
cometeu.
Todos nós sabíamos que a caçula dos irmãos Antunes, teve todos os
motivos plausíveis e compreensíveis para ter feito o que fez, mas minha amiga
jamais admitiu sua fraqueza, sequer se enxergava como uma vítima, e o orgulho
que sentia da mulher que ela havia se tornado, apenas aumentava.
Pena que minha quase ex-mulher, Julia, nunca entendeu o que aquelas
duas mulheres representavam para mim e fingiu por muito tempo sentir carinho
e respeito pelas irmãs, apenas para me manipular e tentar me afastar delas, o que
obviamente, não rolou e nunca iria rolar.
— Se tem uma coisa que eu pagaria pra ver era a Nichole te dando umas
chicotadas, ou melhor, uma surra com a varinha mágica que a Hermione usa nos
filmes do Harry Potter, o que acha? — Laís falou ainda gargalhando, quando
estávamos a caminho do escritório da Polícia Federal, onde encontraríamos seu
cunhado, e nosso chefe. — Só de imaginar a cena tenho vontade de rir de novo.
Já pensou? Você com aquelas cuecas vermelhas, algemado, virado para a parede
e a Hermione toda de preto com aquelas botas até os joelhos, batendo com a
varinha na tua bunda?
— Sério que você consegue imaginar isso Dri? — o corpo dela
chacoalhava de tanto rir e eu tentava a todo custo me manter com a expressão
neutra — Isso nunca vai acontecer...
— Eu poderia apostar que vai, mas sei que do jeito que é machista nunca
iria admitir.
— Sem chance ruiva. Eu não vou apanhar na bunda, ainda mais com uma
porra de varinha mágica. Só você pra falar uma merda dessas.
Laís virou a cabeça me encarando e nós dois caímos na gargalhada. Sem
admitir para ela, imaginei a cena que descreveu, sem conseguir conter o riso.
Entrei com o carro no estacionamento exclusivo para funcionários e
manobrei ao lado de onde estava a moto de Thor e a pergunta de Laís me fez
desviar o olhar para saber o que ela estava falando.
— Que porra ela está fazendo aqui?
Puta merda!
Eu rezava todos os dias para não encontrar algumas pessoas no período
da manhã, mas meus créditos com Deus deviam ter acabado, já que o par de
olhos que me fuzilava através do vidro dianteiro do carro, era o sinal de que a
minha ausência a missa estava sendo notada.
— Não sei, mas boa coisa não é.
— Será que ela nunca vai desistir?
— Você sabe que não.
— Então está na hora de ensinar uma lição a ela.
— Laís, por favor, deixa que eu resolvo ok?
— Tudo bem, mas não consigo evitar, é mais forte do que eu...
Porra.
Todas as vezes que a Drizella falava aquilo, ela aprontava alguma coisa,
e como sempre, eu estava certo.
A verdade é que quando uma mulher quer foder à vida de um homem, ela
não mede as consequências de suas ações e Julia já tinha passado de todos os
limites estipulados pelo mais nobre assessor do Buda.
E eu?
Bom... eu já estava cansado de toda aquela merda. Muito cansado
mesmo.
CAPÍTULO 20
PIUÍ
PIUÍ
Porra! Porra!
Passava das nove da noite e eu ainda precisava ir ao hospital para saber
sobre o estado de Julia, mas nada me impediria de ficar com a minha menina.
Enquanto eu esperava pelo médico na recepção, acessei o site que Daniel
me indicou e descobri que, me tornar o Dom que Nichole queria, seria muito
mais difícil do que eu imaginei.
Ela queria me afastar, mas não sabia que naquele cabo-de-guerra,
venceria não o mais forte, mas o mais paciente.
No caso, eu.
— Senhor Pedro?
Uma mulher morena, alta, com cabelos pretos encaracolados e um olhar
cansado me chamou. Guardei o e me aproximei dela.
— Sou eu. — estendi a mão para cumprimentá-la sentindo seus olhos
sobre meu corpo — Muito prazer, como ela está?
— O senhor é parente da paciente?
— Julia é minha ex-mulher. — não era a mais pura verdade, mas também
não era uma mentira. Estávamos ligados apenas pela documentação que em
breve, não representaria mais nada — Mas sou a única pessoa que ela tem aqui
na cidade.
A mulher era bonita e estava visivelmente esgotada àquela hora da noite.
Ela anotou alguma coisa na prancheta que segurava e voltou a me encarar.
— Quem avisou o senhor que ela estava aqui?
— Meu chefe.
Ela assentiu e escreveu mais algumas palavras, respirou fundo, guardou a
caneta no bolso do jaleco branco e abraçou a prancheta junto ao peito.
— A Julia está com problemas sérios e precisa da ajuda de um
profissional, com urgência.
— O que ela fez, afinal?
— Sua ex-esposa ingeriu mais de meio litro de cloro misturado com
desinfetante.
Caralho!
Passei as mãos pela cabeça raspada com irritação. Julia não era uma
mulher burra e eu duvidava que estivesse tentando se suicidar. Pela primeira vez
desde que ficamos juntos, consegui enxergar as coisas pela mesma ótica de Laís.
A mãe de Pedrinho estava tentando me manipular e jogar todas as
pessoas contra mim. Seria mais fácil para ela, se todos achassem que suas
atitudes estivessem relacionadas à rejeição, mas eu não permitiria que aquilo
acontecesse.
— Nós podemos conversar em particular por um minuto?
O espaço reduzido estava lotado e eu não pretendia falar sobre o meu
relacionamento com a minha ex-mulher na frente de um bando de
desconhecidos.
A morena me olhava com intensidade e curiosidade, talvez estivesse
tentando entender o meu pedido.
— Venha comigo.
Ela se virou e caminhou pelo corredor atravessando as portas de vidro
por onde havia passado, sem olhar para trás. Eu a segui me esforçando para não
reparar muito no gingado da sua bunda redonda que estava encoberta pelo jaleco
branco.
A médica entrou em um consultório e se sentou, apontando a cadeira a
sua frente para que eu fizesse o mesmo. Nós nos encaramos por alguns segundos
até que ela quebrou o silêncio.
— O senhor pediu para ficarmos sozinhos, aqui estamos. O que tem pra
me falar?
Apoiei os cotovelos nas pernas sem saber direito por onde deveria
começar a falar. Se a médica soubesse de algumas coisas que aconteceram e
colaboraram para que Julia fizesse aquela merda, talvez ela pudesse me ajudar a
resolver o problema com a mulher que não estava aceitando o fim do casamento.
— Qual o seu nome? — perguntei.
— Meu nome? — ela retrucou e eu sorri ao me lembrar de Lívia e suas
broncas — O que foi?
— Nada de mais, quer dizer, tem uma pessoa que sempre fala que não é
de bom tom você responder uma pergunta com outra pergunta, e você respondeu
com duas.
— Sua pergunta me pegou de surpresa. — deu de ombros sem
demonstrar irritação.
— Você já sabe o meu. — ergui uma sobrancelha e sorri.
— Ponto pra você. — ela se encostou a cadeira e mordeu a tampa da
caneta — Meu nome é Kelly, doutora Kelly.
Nunca fui um cara tímido ou envergonhado, mas conversar com uma
estranha sobre o meu relacionamento fracassado não me parecia tão simples de
fazer, quanto eu achei que seria.
— Eu vou resumir a história apenas para que você entenda o que está
acontecendo Kelly, porque a Julia vai precisar de apoio e eu não posso e não
quero me envolver mais na vida dela.
— Mas você mesmo disse que ela não tem mais ninguém aqui.
— É verdade, mas eu a Julia estamos no meio de um divorcio
complicado e tudo que ela está fazendo é pra me culpar pelo estado de saúde
dela.
— Senhor Pedro, a paciente ingeriu uma quantidade significativa de
solvente para causar um belo estrago no próprio organismo.
Kelly falou com a voz alterada, claro que ela iria defender sua paciente,
pois já tinha me declarado culpado antes mesmo do julgamento iniciar.
— Ela poderia ter morrido?
— O que?
— Ela poderia ter morrido com a quantidade de solvente que ingeriu?
Kelly ainda estava em dúvida sobre a pergunta que fiz.
— Não, mas não acredito que ela soubesse disso quando tentou se matar.
— Esse é o ponto que quero discutir com você.
— Que ponto?
— Julia engravidou para que eu não me separasse dela, e foi o que
aconteceu, mesmo sabendo que não havia mais chance de continuarmos juntos.
— respire fundo e relaxei meu corpo na cadeira — Quando nosso filho nasceu os
medicos descobriram que ele tinha anemia profunda e precisava de uma
transfusão de sangue. Eu me candidatei para doar, mas para a minha surpresa
não éramos compatíveis.
A médica abriu e fechou a boca algumas vezes sem emitir nenhum som.
— O menino não é meu filho, mas o assumi e dei a ele meu sobrenome,
porque eu o amo desde o primeiro minuto que coloquei meus olhos nele. —
aquela era a mais pura verdade — Há pouco mais de dois meses, descobri que a
Julia ainda mantinha contato com o pai biologico do Pedrinho e entrei com o
pedido do divórcio. Ela não aceitou e ameaçou me proibir de ver o garoto por
não ser o pai dele. Eu revidei a ameça dizendo que não pagaria mais a pensão e
deixaria de sustentá-la, mas agora posso apostar que ela está fazendo isso para
jogar a responsabilidade da sua tentative de suicídio em cima de mim.
— É uma história e tanto…
— Sim, mas não é só isso.
— Tem mais?
Sorri sem vontade e olhei o relógio que marcava quanse dez horas.
Precisava agilizar a conversa se quisesse chagar a tempo e impeder Nichole de
sair sozinha.
— Eu amo outra pessoa. — confessei — Ela está passando por um
momento muito difícil e não pretendo vir aqui ficar servindo de babá pra Julia.
— Olha senhor Pedro, eu sinto muito por tudo que está acontecendo
entre vocês, mas a minha obrigação é relater os fatos e fazer o que achar melhor
para a paciente. No caso da Julia, ela precisa de tratamento psicológico e não
pode ficar sozinha nesse momento, ainda mais se houver um menor sob a
responsabilidade dela.
— Eu posso cuidar disso. Meu filho pode ficar comigo.
— Não é apenas isso, a sua ex-esposa não vai poder ficar aqui por muito
tempo. Nós fizemos uma lavagem estomacal e vamos esperar o tempo necessário
para que ela se recupere. Quando isso acontecer, o senhor terá que remove-la.
— Ótimo. — fiquei em pé e encarei a médica pela última vez antes de
deixar o hospital — Quando a Julia acordar, explique pra ela que depois de uma
tentativa de suicídio o melhor pra ela é ser internada em uma clínica de
reabilitação. Eu me encrregarei de pagar todas as despesas, mas não quero que a
Julia se aproxime do meu filho enquanto não estiver comprovado de que ela não
representa nenhum tipo de perigo pra ele, e que sua saúde mental está boa. —
caminhei para a porta e falei sem olhar para trás — Meu telefone está na ficha
que preenchi na recepção, se ela precisar de ajuda para sair daqui pode me ligar
que eu mando alguém pra buscar ela, fora isso, não tenho nenhuma
responsabilidade. Boa noite e obrigado por me ouvir.
— Eu vou confirmar sua história e se estiver mentindo pra mim, vou me
oferecer para ser testemunha dela, caso ela precise.
— Faça isso, eu duvido que a Julia vai responder qualquer pergunta sobre
o filho, mas te desejo boa sorte.
Eu me sentia dividido, uma parte queria ajudar minha ex-esposa e tentar
convencê-la de que nada que fizesse, me faria voltar a trás na decisão de deixá-
la.
A outra parte queria que ela se fodesse e fosse internada na pior clínica
que existisse no Rio de Janeiro, só para passar um tempo trancafiada como uma
mulher doente da cabeça e aprender que não deveria agir como uma vaca louca,
ciumenta e mimada.
Estava mais do que na hora de a Julia entender que as consequências de
suas ações poderiam ser muito piores do que ela imaginava. Durante anos fiz de
tudo por ela e acabei deixando-a mal acostumada, pois sempre que fazia merda
eu acabava relevando, desculpando e varrendo a sujeira para debaixo do tapete.
O problema era que com a volta de Nichole ao Brasil e todos os
problemas, realmente sérios, que ela estava passando, eu não tinha mais tempo
ou paciência para aturar as simulações de loucuras da minha ex-mulher.
Se Julia estivesse a fim de me foder, ela teria que se esforçar muito mais
para conseguir e da próxima vez que tentasse se matar, que usasse uma arma em
vez de tomar a porra do cloro e sei mais o que.
Entrei no carro, conectei o telefone no bluetooth e liguei para a minha
amiga Cinderela, que atendeu rapidamente a ligação.
— Oi Pedro, graças a Deus você me ligou. Como ela está?
— Oi Cindi, ela está bem pra quem bebeu meio litro de cloro e mais
alguma merda misturada.
— Não acredito que ela bebeu cloro!
Lívia parecia chocada com a notícia e se eu não a conhecesse bem, diria
que ela estava disposta a fazer uma visita para uma mulher que nunca gostou
dela. Coisas que somente minha amiga loira seria capaz de fazer, por ter o
coração mole e achar que todo mundo merece uma segunda chance.
— Nem eu. — bufei irritado — Ela tinha a porra da minha arma no
cofre, podia ter usado e acabado com tudo de uma vez porra!
— Cala boca Pedro! — ela brigou me fazendo rir — Nunca mais fale
uma coisa dessas, seu moleque irritante, a Julia pode ter todos os defeitos do
mundo e agir como uma vadia na maior parte do tempo, mas ainda é a mãe do
seu filho. Não se esqueça disso!
Eu amava aquela loira, mas nem sempre nós tínhamos a mesma opinião,
e se tratando de Julia, a minha melhor opção para desabafar era Laís, a ruiva dos
infernos, ou Thor, meu melhor amigo.
Pelo menos eles concordariam comigo e talvez até se oferecessem para
facilitar as coisas para ajudar minha ex-esposa numa próxima tentativa.
— Cindi numa boa, não to a fim de discutir contigo beleza? — olhei para
o relógio no painel, dez e quinze — O Pedrinho pode ficar com você essa noite?
Amanhã de manhã cedinho eu passo pra pegar ele.
— Claro que pode Pedro, e não precisa vir cedo. Ele já está dormindo e
amanhã quando eu for levar a Malu na natação, levo o menino comigo.
Nem se eu quisesse, conseguiri agradecer tudo que aquela mulher já fez
por mim desde que me conheceu.
— Obrigado, agora preciso desligar.
— Pedro!
Ela chamou aflita.
— Fala Cindi...
— Eu... bom, você sabe que eu te amo como meu irmão e é sempre bom
te lembrar que se precisar de alguma coisa, qualquer coisa mesmo, é só me falar.
— ela fungou e eu sabia que já estava chorando. Fechei os olhos com força me
controlando para não chorar também — Não precisa aguentar tudo sozinho e
nem adianta mentir pra mim e dizer que está tudo bem porque eu sei que não
está. Eu sinto que não está...
— Eu prometo que se as coisas saírem do controle você será a primeira a
saber ta bom?
— Não precisa mentir pra mim. — ela deu uma risadinha — Eu sei que a
Laís vai ser sua primeira opção se você precisar de ajuda e eu entendo. A menina
está se saindo muito melhor do que pensei nessa coisa toda de agente e tal, mas
só estou falando que se precisar se abrir ou conversar, pode contar comigo.
— Eu sei disso Cindi. Eu sempre soube.
Passei em casa e só deu tempo de tomar um banho e trocar de roupa. O
trânsito estava tranquilo o que facilitou o trajeto até a casa de Nicholas.
Estacionei o carro as onze horas em ponto. Apenas algumas luzes
estavam acesas e o segurança armado nem se deu ao trabalho de deixar a guarita.
Peguei o celular para enviar uma mensagem a Nichole e avisar que
estava a sua espera, mas o barulho do portão chamou minha atenção.
Levantei a cabeça e se eu não estivesse sentado, teria caído de bunda no
chão, com certeza.
Nichole estava usando um vestido preto que marcava cada curva do seu
corpo magro, mas o que impressionava era a peruca loira que a deixava com um
aspecto selvagem e extremamente vulgar.
Lentamente ela se aproximou do carro, abriu a porta e entrou se
acomodando no banco ao meu lado, me enlouquecendo com seu perfume cítrico
e excitante.
Eu estava sem palavras apreciando a mulher linda que havia acabado de
se acomodar, quando ela cruzou as mãos no colo e abaixou a cabeça sem dizer
uma só palavra.
Naquele momento entendi que a encenação tinha começado e ela não
queria ser reconhecida como a minha Hermione, e sim, como a submissa
disposta a me afastar definitivamente da sua vida.
Duas coisas ficaram claras para mim, naquele momento:
A primeira, era que Nichole me amava, mas não confiava em mim para
acreditar que eu também a amava, muito mais do que ela pudesse imaginar.
A segunda, era que ela estava disposta a me afastar da sua vida e achava
que se me forçasse a fazer com, ela coisas absurdas eu iria recuar, mas a minha
menina não imaginava que, sem querer, estava despertando um lado sombrio que
eu sequer imaginava que existisse, mas intuitivamente o mantinha preso,
enjaulado.
Eu desejava Nichole mais do que tudo na minha vida, e começava a
temer o que pudesse acontecer, se ela me levasse ao limite extremo e
finalmente o libertasse.
— Levante o vestido, abre as pernas e se toque. — ordenei rispidamente
colocando o carro em movimento seguindo na direção do lugar que tinha
escolhido para levá-la — Quero que me distraia enquanto dirijo.
Nichole respirava com dificuldade e uma onda de satisfação e... prazer
me invadiu, quando ela obedeceu e começou a levantar a barra do vestido,
afastou as pernas, desceu a mão direita até o meio das pernas e acariciou seu
clitóris com a pontas dos dedos, jogando a cabeça para trás.
Uma menina obediente.
A minha menina.
A minha submissa.
Porra!
Eu realmente estava começando a gostar daquela porra, e já planejava
muitas e muitas coisas para as noites que passaria com Nichole.
CAPÍTULO 22
NICHOLE
A conversa com o doutor Daniel foi muito melhor do que imaginei que
fosse, e quando deixei o consultório dele, enviei uma mensagem a Pedro.
A resposta imediata tembém me surpreendeu, e por um breve momento
precisei fazer um esforço muito grande para não cancelar o meu encontro com
Pedro.
Os remédios me ajudaram a manter os fantasmas longe da minha cabeça,
mas sabia que a companhia da noite anterior foi fundamental para que a calmaria
na minha mente permanecesse por todo aquele tempo.
Quando cheguei em casa, ouvi uma conversa entre meus pais que me
deixou sem chão, a porta do escritório estava encostada e eles não sabiam que eu
tinha voltado da rua.
O clima entre eles estava tão pesado que nem se preocuparam em falar
baixo.
— O que você tem na cabeça Isa? — meu pai perguntou irritado, mas
sem elevar a voz. — Ela não pode se envolver com ele de novo!
— Só porque você não aceita o que o Pedro fez, e não consegue enxergar
o que está acontecendo entre eles, pode ficar inventando desculpas para proteger
a Nichole dele. Ela não precisa ser protegida do homem que a ama. — minha
mãe também estava irritada, o que quase nunca acontecia. — Eles se amam
Guilherme, e só ele pode ajudar nossa filha a esquecer tudo que passou.
— Se ele amasse a Nichole não teria largado ela naquele quarto e voltado
correndo pra outra.
Houve um minuto de silêncio até que a voz da minha mãe saiu um pouco
mais abafada:
— Você me largou quando soube que eu estava grávida...
Coloquei a mão sobre a boca para não gritar. Do que ela estava falando?
— Não faça isso! — ele vociferou — Você sabe que as coisas entre nós
eram muito diferentes.
— Sim eram, nós estávamos namorando, dividindo a mesma casa e
planejávamos passar o resto da vida juntos. — ela falou com firmeza — O Pedro
estava casado a Julia, a Nick sabia e aceitou ficar com ele mesmo assim, eles não
se conheciam tão bem quanto nós e ao contrário de você, ele priorizou o filho em
vez de ser egoísta e seguir a vida dele como se a gravidez da esposa não fosse
nada demais.
— Você está sendo injusto Isabella, eu só tinha vinte e dois anos porra!
Fiquei desesperado quando soube e ainda tinha o...
Outro momento de silêncio quebrado novamente pela voz da minha mãe.
— Termina, eu gosto quando você fala sobre isso.
— Eu não quero mais tocar nesse assunto merda!
— Mas a gente precisa conversar porque é o futuro da nossa filha que
está em jogo e não o nosso.
— O Pedro vai acabar voltando com a Julia, será que não consegue
perceber onde isso vai dar?
— Ele não vai voltar, a papelada do divórcio deve ficar pronta nos
próximos dias e o Pedro já saiu de casa, está morando sozinho em um
apartamento.
— Isso não quer dizer nada Isabella, quando a Julia começar a usar o
menino pra atingir o Pedro, tenho certeza de que ele vai preferir ficar ao lado
dela. Dá pra ver na cara dele o quanto ele é apaixonado por aquele moleque.
— O menino não é filho dele.
Minha mãe falou me obrigando a encostar na parede para não cair. De
onde ela tirou aquilo? Como minha mãe sabia tanta coisa da vida do homem que
estava tornando a minha vida um carrossel de emoções estranhas?
— O que?
— Isso que você ouviu, a Julia mentiu pra ele. O Pedro não é o pai
biológico do Pedrinho.
— Como você soube?
— Ele me contou da última vez que conversamos.
— Por que ele iria te contar uma coisa dessas e como ele descobriu?
— Eu fui até a casa do Mateus pra falar com o Pedro quando a Nichole
teve aquela crise mais forte. — ouvi o barulho da cadeira e deduzi que minha
mãe tinha se sentado, provavelmente tantando se acalmar — A Nick chamou o
nome do Pedro a noite toda, sonhando, e eu percebi que somente ele poderia
ajudar, mas precisava ter certeza se tudo que ele me falou na clínica era mesmo
verdade, e se ele amava a nossa menina como jurava amar.
— Você procurou ele?
— Claro que procurei! O que você queria que eu fizesse? Você não viu o
que eu vi naquela noite Gui e não sou orgulhosa como você. Só fiz o que achei
que era melhor pra ela.
— Eles voltaram a se encontrar?
— Não sei, mas acho que sim. Ela está mais calma, comendo mais e
tomando os remédios. Eu sei que você ainda está bravo com ele, mas é melhor
relevar e começar a aceitar o fato de que mais cedo ou mais tarde eles vão se
acertar.
— O que ele pretende fazer em relação ao filho?
— O Pedro me contou que ficou sabendo toda a verdade no dia que o
menino nasceu, mas não contou a ninguém porque não queria deixar os amigos
mais preocupados. Quando vocês voltaram ao Brasil, depois do resgate, ele se
mudou e foi morar sozinho em um apartamento.
— Eles não podem se envolver Isa!
— Por que não? Eles se amam...
— Não percebe? O que você acha que vai acontecer quando o Pedro
souber que o James está chegando ao Rio nos próximos dias?
— Ele vai ficar grudado na Nichole e não vai deixar aquele desgraçado
chegar perto dela.
— Nós não precisamos dele vigiando a Nick, já tem vários seguranças
fazendo isso e estamos de olho.
— Pensa bem Gui. — havia súplica nas palavras da minha mãe — Eles
se amam, querem ficar juntos e se a Nichole tiver a chance de ver e aceitar o
quanto o Pedro é apaixonado por ela, vai ser muito mais fácil protegê-la.
Infelizmente, não consegui ouvir mais nada. O telefone do meu pai tocou
e minha mãe saiu do escritório interrompendo a conversa que tanto me
interessava.
Corri para o meu quarto e me tranquei. Muita informação para quem
estava começando a assimilar algumas poucas coisas.
Julia mentiu. Pedro não era o pai do filho dela. James estava de volta.
Tirei a roupa e entrei no banheiro, precisava relaxar e nada como um
banho quente para aliviar um pouco a carga excessiva que meu corpo decidiu
carregar sobre os ombros, sem ajuda.
Sentei no chão e deixei que a água caísse sobre a minha cabeça. Pigos
grossos batiam no couro cabeludo desviando para o chão. A imagem de James
invadiu meus pensamentos, mas daquela vez não me assustou como antes.
Eu nunca tive medo dele. Tinha nojo, raiva, asco, mas medo? Não. Ele
era um covarde que se aproveitava da fraqueza das pessoas para tirar tudo que
podia até que não sobrasse nada, além de uma casca fina, quebrada e inútil.
James Hudson sugava, explorava, extorquia, tomava, roubava, sem
qualquer compaixão, sem remorso ou culpa. Quantas vezes me perguntei o que
havia feito de errado para que ele fizesse tudo que fez comigo?
Embora soubesse que a culpa sempre foi dele, minha mente me
condenava por ter apreciado inúmeros momentos com ele. Por ter sentido prazer
em meu corpo quando deveria ter odiado ainda mais tudo que ele representava.
Eu me sentia fraca, vulnerável, mas não pensava mais em como seria
bom senti-lo novamente, me proporcionando um tipo de prazer que até conhecê-
lo, eu sequer sabia que existia.
Outro homem tomou seu lugar em meu pensamento e os momentos que
passei havia passado com Pedro, meu mestre dominador, encheram meu corpo
de sentimentos inovadores.
Desejo, prazer, tesão, paixão e todos eles acompanhados do mais
importante, a minha aprovação. A voz rouca e autoritária do homem que tinha
me seguido e trocado de lugar com o profissional que teria que me atender
naquela boate, ecoou em meus ouvidos como se ele estivesse ao meu lado,
sussurrando no meu ouvido.
Meu corpo desejava o dele muito mais do que ele poderia imaginar. Sua
força bruta e jeito violento completou os espaços em branco que faltavam para
que eu me sentisse completa novamente, e eu queria mais. Precisava de mais.
Muito mais.
Eu levaria Pedro ao limite, e aproveitaria para testar o meu. A
necessidade de vivenciar tudo novamente me deixava em êxtase antecipado
prevendo que minha excitação me levaria aos objetivos finais.
Eu precisava me tornar a maior de todas as submissas para afastar Pedro
da minha vida. Enquanto ele concordasse em me satisfazer como eu queria,
minha mente ficaria livre de James e ao mesmo tempo, o braço direito de Mateus
Trivisan enxergaria que aquele estilo de vida não servia para ele.
E quando chegasse o momento certo, eu finalmente ficaria livre dos dois
homens me machucaram de formas tão diferentes, e marcaram a minha vida de
formas tão semelhantes.
Eu não queria nenhum dos dois ocupando a minha mente. Usaria um
deles para conseguir me livrar de todos os tormentos e mataria o outro para que a
sensação de paz voltasse definitivamente ao meu coração e a minha vida.
Uma batida na porta me tirou do transe incansável e persistente, saí do
banheiro enrolada na toalha.
— Podemos conversar?
Minha mãe estava parada com um sorriso tranquilo em seus lábios, o
mesmo de sempre, direcionado a mim desde que eu me conhecia por gente.
— Claro, entra.
Voltei para o quarto e fui ao closet. Peguei um roupão limpo e envolvi
meu corpo passando a toalha para os cabelos molhados.
— Vai sair?
Ela perguntou quando viu os vestidos separados em cima da cama.
— Vou, mas só mais tarde.
Evitei seu olhar, não queria que soubesse o que eu pretendia fazer, muito
menos com quem.
— Com o Pedro?
Tentei fingir indiferente, mas não acho que tenha conseguido depois de
tudo que ouvi alguns minutos atrás do lado de fora do escritório.
— Por que quer saber?
— Sei lá... — Isabella deu de ombros — Acho que ficaria feliz se
soubesse que estão se entendendo.
Franzi a testa.
— Melhor não se iludir com isso, não vou me entender com ninguém
mãe.
— Você ainda gosta dele, por que não consegue admitir?
Respirei profundamente sentindo minhas mãos começarem a tremer.
— Não posso admitir uma coisa que não é verdade mãe, e apesar de
saber que a senhora não acredita em mim, não gosto do Pedro. — encarei seus
olhos — Não como gostava.
— Ele ainda ama você.
— O Pedro só se sente culpado por tudo que ele acha que aconteceu
comigo, não é amor.
— Você está enganada Nichole, vocês se amam e só precisam encontrar
um jeito de...
— Não vai acontecer mãe! — falei um pouco alterada — Tudo que o
Pedro quer é aliviar uma culpa que ele acha que é dele, mas não é, e eu, bom...
tenho outros planos para o meu futuro e nenhum deles inclui a presença dele.
— Nick eu conheço você e sei...
— Para mãe! — coloquei as mãos na cabeça que começava a doer
novamente por causa daquela conversa que eu não queria ter com ela — Você
conhecia a Nichole que eu era, não a Nichole que eu sou agora.
— Filha... — ela se aproximou e segurou minha mãe me puxando para
sentar ao seu lado em cima da cama — Tudo que você passou ainda fere seu
coração e atormenta a sua cabeça, eu sei disso. Não se esqueça que também já
vivi coisas semelhantes, mas a sua essência é a mesma, minha filha, e apenas
você não enxerga isso.
— Não tenho mais essência mãe, e é a senhora que se recusa a enxergar
essa realidade.
— Ninguém pode ter sido afetado de tal forma, a ponto de mudar tanto
assim Nick, você pode reconquistar tudo que tinha antes de ir parar naquela base
aérea, mas pra isso acontecer terá que querer e se esforçar muito pra admitir que
aquela garota é muito melhor do que essa que está aí dentro.
— Aquela garota morreu e não tem nenhuma fórmula mágica que possa
ressuscitá-la. Não adianta insistir nesse assunto.
Seus olhos se encheram de lágrimas ao se dar conta de que eu não estava
brincando. Isabella era uma mulher linda, forte, de fibra e se enganou quando
pensou que sua única filha fosse parecida com ela.
Minha mãe amava meu pai e mesmo depois de tudo que passou nas mãos
de Joseph Lucas, quando foi sequestrada e estuprada por ele, conseguiu seguir
em frente e viveu seu conto de fadas.
— Você não pode desistir filha...
— Eu não desisti mãe, eu apenas aceitei.
Suas mãos apertaram as minhas e suas lágrimas escorrias pelo rosto
bonito e visivelmente abatido.
— Não pode aceitar a derrota tão facilmente Nichole.
— Não fui derrotada, apenas modificada.
Ela beijou minhas mãos e sorriu.
— Quando enfrentamos situações difíceis, tudo que pensamos é que se
encontrarmos as respostas para as nossas perguntas, conseguiremos esquecer e
seguir em frente. — se levantou fazendo um carinho em meu rosto — Você se
saiu muito bem até agora Nick, só precisa compreender que está fazendo a
pergunta errada.
Pensei por um momento sobre o que ela estava falando e, não saberia
explicar por que perguntei logo em seguida.
— Que pergunta eu deveria fazer então?
Meu tom debochado não combinava com o momento, eu sabia, mas
minha mãe não imaginava qual pergunta eu fazia todas as vezes que as
lembranças invadiam minha mente obssessiva.
Isabella se abaixou para depositar um beijo rápido na minha testa e se
afastou caminhando em direção a porta.
— Você está se perguntando: “Por que tudo aquilo aconteceu comigo?”
— limpou o rosto molhado com as costas das mãos e fixou seus olhos nos meus
— A pergunta certa deveria ser: “Por que não deveria ter acontecido comigo?”
— segurou a maçaneta e antes de sair sorriu olhando os vestidos pendurados —
Use o do meio, ele combina com a menina que você costumava ser, e também
com a mulher que você se tornou.
Minha mãe me deixou com a pergunta martelando na minha cabeça e só
consegui parar de pensar no que ela tinha dito, quando entrei no carro
estacionado a porta da minha casa e Pedro ordenou para que eu levantasse o
vestido e me tocasse até que chegássemos ao nosso destino.
***
***
***
Uma brisa leve tocou meu rosto e os olhos azuis hipnotizantes brilharam
na escuridão diante de mim. As mãos grandes e fortes apertaram meus braços
provocando um fusuê entre minhas pernas. Sua expressão furiosa previamente
avisava que eu seria punida, e ao contrário do que eu queria, a ansiedade me
tomava.
Eu queria ser punida por não ter seguido as regras?
Eu deveria querer?
Por que meu corpo queria, se minha mente alertava que não deveria?
Uma nova onda trouxe os olhos acobreados para tomarem o lugar dos
azuis, e embora estivessem mais tranquilos e serenos, me deixaram ainda mais
excitada quando subistituíram as velhas lembranças, por lembranças mais
recentes. Mais reais.
As algemas em meus pulsos, seu corpo enorme sobre o meu me
penetrando com força até cutucar meu útero com seu pau enorme e grosso, mais
avantajado do que o outro, que já poderia ser considerado acima da média.
Meus braços pendurados no gancho enquanto ele se ajoelhava a minha
frente, para em seguida, sua boca me devorar violentamente, em uma cena
única e inesquecível.
Seus ombros largos sustentando minhas pernas abertas, minhas coxas
apertando seu pescoço, meus tornozelos cruzados em suas costas forçando-o
ainda mais para perto, para dentro.
As mãos enormes espalmadas na minha bunda, seu dedo acariciando
meu ânus entrando, saindo, indo e vindo, numa velocidade torturante que
arrancava gemidos, sussurros, palavras desconexas, sons estranhos da minha
garganta, e sua boca me fodendo enquanto seus olhar se orgulhava da confusão
que ele causava em meu corpo.
Suas investidas por trás depois de me fazer gozar como nuca havia
gozado, encaixando-se inteiro dentro de mim; indo o mais fundo que já senti,
socando com o máximo de força que já consegui suportar; se tornando mais
violento que pude testemunhar.
Os acobreados se aproveitaram da minha vulnerabilidade, usando meu
corpo numa ameaça velada de que estava tomando de volta o que sempre lhes
pertenceu e avisando que jamais partilhariam novamente.
Donos de tudo, capazes de tudo, preparados para tudo. Foi avisado em
cada gesto, em cada olhar, em cada palavra sussurrada, e eu soube que
cumpririam suas promessas, caso alguém se colocasse em seu caminho.
As agressões calculadas, suficientes para infringir a dor suportável, mas
silenciosamente me garantindo que jamais me machucaria propositalmente.
Aquilo era para o meu prazer.
Acobreados tão intensos quanto os azuis, fortes, poderosos, sombrios e
dispostos. Semelhantes no prazer que me proporcionavam, diferentes no modo
de demonstrar o desejo que sentiam.
Cobres solidários, azuis egoístas;
Cobres calorosos, azuis gélidos;
Cobres preocupados, azuis arrogantes, assassinos.
***
— Nichole! Nichole!
Ouvi meu nome sendo chamado, mas não tinha certeza se reconhecia
aquela voz, apesar de ter notado certa familiaridade nela.
— Liga pro médico Isa!
Meu pai? Por que ele queria que minha mãe chamasse o médico? Eu
estava bem e minha consulta tinha sido agendada apenas para a semana seguinte.
— Ele já está a caminho. — outra voz familiar — A Laís chegou, e eu
pedi para que ela entrasse.
— É melhor ela ficar lá embaixo, a Nick precisa descansar agora.
Eu queria muito abrir a boca para dizer àquele homem, que eu achava
que era o meu pai, que estava me sentindo bem e ele não deveria se preocupar
comigo, mas não entendia por que não conseguia me mexer.
— A Laís é a única amiga que ela tem Guilherme, elas iam sair juntas, a
Nichole estava bem e só ficou desse jeito porque você não aguentou segurar sua
boca fechada.
— Ela queria saber!
— Vocês nem têm certeza ainda! — a voz alterada era da mulher, e pelo
jeito, eles não imaginavam que eu estivesse ouvindo tudo — Pra que falar sobre
esse homem logo agora que ela estava começando a ficar bem?
— Ela tinha que saber que ele está vindo pra cá. — o homem falou
inseguro e aborrecido — Se eu soubesse que ela ficaria desse jeito, nunca teria
mencionado esse assunto. Merda! O que foi que eu fiz com a minha filha?
Do que ele estava falando?
Minha cabeça doía um pouco, mas eu estava plenamente consciente de
tudo. Tentei mexer minhas mãos, meus pés, meus olhos, mas nada saía do lugar
e depois de várias tentativas frustradas, os esforços se tornaram desgastantes
demais para suportá-los, e eu acabei cedendo ao cansaço, adormecendo em
seguida.
***
NICHOLE
***
Caralho!
Se fosse um sonho, eu não queria acordar.
Nichole estava enroscada em meu corpo, sua perna sobre as minhas e sua
cabeça descansava em meu peito. Meus olhos fechados no silêncio da
madrugada e um sorriso bobo deslizava em meus lábios, depois de ter ficado
com a minha Hermione como eu sempre desejei.
Beijei sua cabeça coberta por uma pequena penugem loira aproveitando
cada toque suave, cada respiração tranquila, cada batida ritmada do seu coração.
Minha menina dormia tranquilamente enquanto eu velava seu sono.
Protetor. Guardião. Pronto para acudi-la se alguma coisa a incomodasse.
Desde que cheguei à casa de Guilherme na noite anterior, não havia visto
ou falado com ele. O ex-agente não se incomodava em demonstrar o quanto a
minha presença não era bem-vinda a sua casa e a vida da sua filha.
Eu estava pouco me fodendo para o que Guilherme queria ou pensava a
meu respeito, contando que ele não se metesse no meu caminho ou tentasse
interferir no meu relacionamento com Nichole, ficaríamos de boa.
Sem ressentimentos.
Apenas Isabella se preocupou em vir saber como a filha estava antes de
se deitar, e se emocionou admirando o corpo pequeno esparramado na cama,
completamente relaxado e com um semblante tranquilo.
— Eu nem sei como te agradecer Pedro...
Isabella me abraçou com força me pegando desprevenido. Ela parecia
carente e preocupada quando abri a porta, mas depois que viu a filha dormindo
como se não tivesse passado por nada do que passou, a mulher ficou aliviada e
certamente aproveitaria algumas horas de sono também.
— Eu amo a Nichole, e por ela vou fazer tudo que for preciso.
Seus olhos lacrimejaram e Isabella desabou a chorar. Não um choro de
tristeza, mas sim, de alívio e felicidade, compreensão e gratidão.
— Eu sei Pedro, pra falar a verdade eu sempre soube que você amava
minha filha, e sei que ela também te ama. — Isabella beijou o rosto de Nichole e
acarinhou sua bochecha rosada — Vocês serão muito felizes juntos, eu sei que
vão...
Depois que Isabella saiu, tomei um banho rápido e me acomodei ao lado
da minha menina. Não queria acordá-la, mas não pretendia dormir longe dela.
As horas foram passando e minha cabeça só insistia em me lembrar de todas as
noites que passei acordado durante o ano inteiro que passamos longe um do
outro.
Eu ficava imaginando onde minha Hermione estaria, o que estaria
fazendo e me perguntando se ela ainda pensava em mim, se ainda me amava e se
um dia teríamos uma chance de viver aquele amor.
Minhas lágrimas teimosas escorreram molhando minha pele. Foram
noites de tormentas, de dúvidas, de reflexões e de muitos arrependimentos. Mas
finalmente elas chegaram ao fim, e naquele momento constatei que tudo que
importava de verdade para o meu coração, era a mulher que dormia agarrada a
mim.
Ela não me deixaria mais, não iria mais embora, não ficaria longe ou se
afastaria. Eu seria seu porto seguro, o lugar que Nichole procuraria quando
quisesse ou precisasse se encontrar, assim como acontecia comigo, sem que ela
soubesse.
Todas as vezes que me desesperei por não encontrar em mim o homem
que eu costumava ser, permitia que pessoas como Julia me manipulassem e
usassem o amor em excesso e desperdiçado pelo meu coração, para se
beneficiarem.
Tudo mudou quando entendi que estava procurando por mim no lugar
errado.
O homem que eu fui um dia, se sentiu perdido quando deixou que a parte
mais importante de si mesmo fosse embora, e só a reencontrou, quando sua
melhor parte voltou para preencher o espaço vazio em seu coração que lhe
pertencia.
Ninguém foi capaz de preenche-lo, ocupá-lo sequer restaurá-lo.
Um dia achei que Julia fosse a minha melhor parte, mas quando conheci
a Hermione, fui convencido de que nem sempre temos a noção do que pode ser,
o que muitos chamam de amor.
Julia fez parte da minha vida, mas não se tornou uma parte de mim. Não
tomou meu coração para si e não me ofereceu o dela por inteiro. Tivemos um
relacionamento baseado em ilusões, sentimentos camuflados e readaptados para
o que achávamos ser conveniente.
Usamos o que quisemos um do outro, tomamos o que nos interessou e
doamos o que não nos fazia falta.
Compromisso sem compromisso.
Doação incompleta.
Entrega pela metade. Rasa. Vazia.
Nichole era a minha melhor parte e sem ela, eu me perdia em alto mar,
sem bússola, sem direção, sem o “porque” de estar navegando, sem saber o que
estava procurando, sem ter certeza do que realmente importava.
Sem seu coração para bater junto ao meu e me mostrar que era por ela
que eu seguia, respirava e vivia, o meu coração se sentia aleijado, angustiado,
depressivo. Sem motivação, sem objetivos, sem sonhos a serem realizados.
Abraçando minha menina com mais força, senti minha alma fortalecida,
aguerrida e determinada a protege-la de tudo, de todos e até dela mesma, se fosse
preciso.
A batalha contra o seu recente vício adquirido, sua ansiedade e sua
depressão seria difícil e estava apenas no começo, mas nunca havia me sentido
tão disposto e determinado a conquistar Nichole novamente.
Por inteira, completamente e definitivamente.
O sol começava a entrar pela janela iluminando o quarto quando minha
menina se remexeu na cama, o lençol descobriu parte do seu corpo enquanto ela
se espreguiçava e meus olhos admiraram sua beleza.
Seu sorriso quando me viu arrebatou minhas forças. Girei o corpo e me
posicionei sobre ela. Nossos olhos se prenderam e momentos como aqueles
foram os que mais me fizeram falta.
— Bom dia Hermione.
— Bom dia meu Pedro.
Beijei seus lábios rosados.
— Seu Pedro.
— Só meu.
— Só seu, sempre seu.
Não precisamos de algemas, tapas, amarras ou chicotes, apenas nossos
corpos nus sobre a cama e o amor que nos preenchia e dominava, para que o
fogo se acendesse e queimasse, mostrando que a necessidade que sentíamos de
estarmos juntos superava qualquer resquício de dor do passado, que ainda
estivesse presente.
— Eu te amo Nichole. — sussurrei em seu ouvido enquanto investia
fundo dentro dela — Nunca deixei de te amar.
Minha menina estava entregue ao prazer que eu lhe proporcionava. Seus
braços em volta do meu pescoço, suas pernas abertas permitindo que meu pau se
afundasse cada vez mais forte e fundo em seu corpo quente.
— Eu também te amo Pedro... — ela respondeu apertando minha pele
com seus dedos pequenos — Mesmo quando achei que não amava, eu te amei.
— Você é tão gostosa. — apoiei as mãos no colchão aumentando a
pressão dos movimentos e empurrando o quadril mais rápido olhando para o
ponto de encontro dos nossos corpos — Eu adoro te comer porra!
— Me come Pedro! Mais forte, por favor...
Apoiei os joelhos na cama e coloquei suas pernas apoiadas em meus
ombros. Chupei seus pés e meti como um animal. Meu pau entrava e saía dela
por inteiro, socando sua boceta quente e melada deslizando com facilidade.
— Que delícia Nick! Não quero mais parar caralho.
— Eu vou gozar Pedro...
Segurei seus tornozelos mudando o ângulo de penetração. Meu pau era
grande e mal chegava a entrar inteiro. Soquei forte, seu quadril subiu tirando sua
bunda da cama.
Nichole gemia, choramingava e implorava por mais, sempre por mais. Eu
daria tudo a ela, sempre. Queria acabar com a espera e assistir minha menina
gozar.
— Vai gozar putinha? — girei suas pernas para o lado e comi sua boceta
apertando sua bunda, deixando minha marca em sua pele branquela enquanto
penetrava um dedo em seu cuzinho — Gostosa pra caralho!
Nichole apertou os seios com as mãos e gozou, pegou o travesseiro e
colocou no rosto para abafar os gemidos satisfeitos extravasando, chamando
meu nome.
— Fica de quatro que eu to louco pra te foder por trás.
Ordenei e desci da cama. O corpo molenga não escondia a fraqueza do
pós-gozo, puxei sua bunda para a beirada da cama e me posicionei de pé atrás
dela.
Meu pau latejava maior do que nunca, grosso, encoberto por veias
dilatadas e expelindo o líquido esbranquiçado. Abri sua bunda com as mãos e
lambi sua boceta, chupei, mordisquei, beijei antes de encaixar a cabeça robusta
em sua entrada e arrombá-la a cada centímetro de penetração.
Fodi minha Hermione com força, mas tanta força, que gozei e desabei
sobre ela, tamanho desgaste físico exigido naquela trepada matinal que poderia
se tornar obrigatoriamente diária.
Eu queria muito acordar todos os dias daquela forma.
Tomando o que era meu, lhe entregando o que era dela. Oferecendo amor
e prazer antes de sair do quarto pela manhã. Desejava foder minha menina
sempre que tivesse vontade, tratá-la como uma princesa ou comer sua boceta
como se fosse uma vadia.
Nichole me pertencia e eu trabalharia duro para lhe mostrar que somente
comigo ela conseguiria seguir em frente, feliz e satisfeita. Se minha menina
desejasse apanhar, eu bateria. Se quisesse foder como puta, eu a foderia. Se
precisasse de amor e carinho, eu seria seu Romeu.
Ela só teria que pedir e eu obedeceria de bom grado, contanto que
pudesse me enterrar dentro dela todos os dias, faria qualquer coisa.
Peguei Nichole nos braços sob seus gritinhos de protestos e a carreguei
até o banheiro. Tomamos banho juntos, fodemos mais uma vez e voltamos ao
quarto.
— Está pronto pra enfrentar meu pai? — ela me perguntou quando
terminou de calçar suas sapatilhas pretas.
Estávamos arrumados e prontos para tomar café e sua pergunta me tirou
do estado extasiado em que me encontrava.
Desde que ficamos juntos há três dias, já tinha comido minha menina
mais vezes que comi minha ex-esposa em muitos anos, e meu pau parecia não se
dar conta daquele fato, pois só de olhá-la com aquele vestido curto e sexy de
verão, a vontade de subir a saia e fode-la de frente para a janela começava a
semear discórdia entre meu cérebro e todo o resto do meu corpo.
— Não preciso me preparar pra enfrentar o Guilherme. — cheguei mais
perto dela abraçando sua cintura fina — Se você quiser ficar comigo, ninguém
vai me impedir de ter você.
— Nós precisamos conversar Pedro, e pra gente ficar junto vamos ter que
ser sinceros e falar sobre o James, a Julia e tudo que iremos enfrentar daqui pra
frente.
Nichole me olhava nos olhos sem esconder suas emoções. Medo, raiva,
ciúme, insegurança. Tudo que envolvia o passado, nossas decisões e
consequências delas, nos enfraquecia. Nós teríamos que juntos, encontrar uma
maneira de colocar nosso amor acima de tudo e de todos.
Somente assim, conseguiríamos superar todos os traumas, físicos e
psicológicos que sobrecarregavam nossas vidas.
— Eu sei, por isso quero te fazer um convite.
— Que convite?
Beijei a pontinha do seu nariz.
— Vamos passar uns dias fora daqui, só eu e você, longe de todo mundo.
O que me diz?
— Pra onde você quer ir?
Dei de ombros sem saber ao certo o que responder. A ideia surgiu de
repente e eu não havia planejado nada ainda, mas sabia que precisávamos de
privacidade e alguns dias para colocar nossas ideias, pensamentos e dúvidas no
lugar.
Apenas eu e Nichole.
— Eu vou amar passar uns dias com você, em qualquer lugar. — minha
menina sorriu me deixando extremamente feliz em saber que aos poucos ela
estava voltando ao normal — Não me importo para onde vai me levar, apenas
me leve daqui.
— Ótimo. Vamos descer, conversar com seus pais e contar sobre a nossa
decisão. — segurei seu rosto entre minhas mãos e olhei dentro dos seus olhos
para que Nichole entendesse que a última coisa que eu queria, era que ela
brigasse com Guilherme e Isabella — Não sei como ele irão reagir, mas quero
que me prometa que não vai se estressar, brigar nem ficar nervosa. — beijei seus
lábios rapidamente — Se as coisas fugirem do meu controle eu vou ligar pro
Daniel e pedir para que ele venha até aqui falar com eles. Tudo bem?
— Eles vão ficar bem, eu sei disso.
— Seu pai não vai facilitar.
— Vai sim...
— Está falando isso porque não imagina o quanto ele me odeia.
Nichole revirou os olhos e pegou uma pequena bolsa.
— Eu não dormia, quase não comia, estava vivendo a base de remédios e
em menos de vinte e quatro horas tive duas crises. — ela colocou seu celular, sua
carteira e um molho de chaves dentro da bolsa e segurou minha mão — É
impossível não ver a diferença em mim, Pedro. Foi a primeira noite que dormi
nessa cama sem me debater, chorar, gritar e implorar para morrer.
Senti uma dor aguda no peito. Nunca imaginei que um dia pudesse
presenciar minha menina daquela forma, mas eu já tinha visto Laís, e sabia como
era.
— Você está se sentindo bem?
— Estou ótima, e eles vão entender que ficar com você é o que me ajuda
a esquecer toda aquela merda.
— Tudo bem, mas se houver qualquer problema eu ligo pro Daniel.
— Vamos! — Nichole abriu a porta e me esperou para descermos juntos,
de mãos dadas. — Sua mão está suando...
Ela sussurrou quando pisamos na sala de estar e a voz de Guilherme pôde
ser ouvida. Ele estava na cozinha com a esposa.
— Acho que é o calor.
Nichole deu uma risadinha.
— Você ta com medo de enfrentar meu pai, isso sim.
— Não tenho medo dele, só não quero criar mais problemas do que já
temos.
— Se você não se sentir a vontade, podemos tomar café em outro lugar.
— Não, seus pais precisam saber que estamos juntos e que nada vai nos
separar.
Nichole envolveu meu pescoço com seus braços e ficou na ponta dos pés
para beijar minha boca.
— Eu te amo, meu Pedro.
Ela falou sorrindo com os olhos fechados.
— Eu também te amo Hermione.
Atravessamos a ampla sala de estar e entramos na cozinha de mãos
dadas. Para a nossa surpresa Daniel Rebouças, psicólogo de Nichole e meu,
estava sentado à mesa tomando café com Isabella e Guilherme.
Os três nos olharam com curiosidade e o sorriso de Isabella serviu para
me acalmar na presença do pai da mulher que eu amava, que me odiava, aliás, e
queria me proibir de ficar com a sua filha.
— Bom dia! — Isabella se levantou e veio até nós deu um beijo em meu
rosto e abraçou a filha, mas Nichole não soltou minha mão — Você está com a
carinha ótima minha filha!
— Eu estou me sentindo ótima, mãe.
Guilherme encarava a filha e me ignorava como se a menina estivesse
sozinha. Em outros tempos eu ficaria puta do vida e falaria umas duas ou três
merdas para que ele se tocasse, mas naquele dia a única coisa que eu queria era
pegar Nichole, enfiá-la no meu carro e dirigir sem rumo até chegarmos a um
lugar que pudéssemos ficar pelados o dia todo, transando como dois
adolescentes sem pensar em porra nenhuma.
— Bom dia pai. — Nichole se aproximou do pai que a abraçou
carinhosamente.
— Bom dia filha. — Guilherme abaixou a cabeça mostrando que não
pretendia falar comigo. — Senta pra tomar seu café.
Ignorei o comentário do otário e me dirigi a Daniel, que ficou em pé e me
abraçou.
— Bom dia Pedro. — deu dois tapinhas no meu ombro sorrindo — Vocês
estão com a aparência ótima, vejo que dormiram bem.
— Eu não tomei os remédios. — Nichole contou e no mesmo instante a
expressão de Guilherme mudou.
— Como assim, não tomou os remédios? — ele se alterou ficando em pé
— Quem falou pra você não tomar?
O idiota não olhava na minha cara, mas eu sabia que estava insinuando
que a sua filha tinha abandonado a medicação por minha causa. A mão de
Nichole começou a tremer e a raiva começou a ganhar espaço dentro de mim.
— Por que o senhor acha que eu deixaria de tomar os remédios a mando
de alguém? — Nichole questionou sem elevar a voz, mas a tremedeira indicava
que ela estava se segurando para não explodir — Já parou pra pensar que talvez
eu tenha decidido sozinha?
Guilherme respirava rapidamente, seu peito subia e descia, suas mãos
apertavam a borda da mesa e Isabella parecia preparada para impedir seu avança,
caso ele decidisse partir para violência.
— Você conseguiu dormir bem sem os remédios, Nichole?
Daniel se intrometeu na conversa mudando o foco e chamando a atenção
para si. Meus olhos se fixaram no homem que estava com sérios problemas de
negação, e se continuasse a agir daquela forma com a filha, talvez eu decidisse
levá-la de vez para longe daquela casa.
— Dormi muito bem e não tive os pesadelos. — ela voltou a encarar o
pai — O Pedro monitorou meus batimentos cardíacos e aferiu minha pressão,
estava tudo normal.
— Podemos pensar em diminuir a dosagem se continuar assim, mas
prefiro esperar até a nossa consulta na quarta-feira para decidir.
— Tudo bem Daniel. — minha menina falou com a voz suave e se
inclinou para dar um beijo no médico.
A saia do vestido subiu um pouco e o ciúme indevido chegou com força.
Tentei prestar atenção em Guilherme, mas tudo que eu conseguia ver eram as
mãos do médico nas costas da minha menina, sua bunda empinada e a boca dele
cochichando alguma coisa no ouvido dela.
Se o imbecil estava querendo me testar, informaria em pouco tempo que
tinha alcançado seu objetivo. Fechei minhas mãos suadas trincando os dentes
que rangeram, me esforçando para controlar a raiva que crescia a cada segundo
que Nichole permanecia colada a Daniel.
— Nós já vamos. — Nichole anunciou depois de se afastar do psicólogo.
— Não vai tomar café? — Guilherme perguntou um pouco desesperado
demais — Pra onde você vai?
Fechei os olhos, contei até dois, parei, inspirei, expirei. Passei a mão pela
cabeça, coloquei no bolso, esfreguei na calça jeans, até que minha menina
percebeu minha inquietação e voltou a segurá-la.
Porra! Aquilo estava se transformando em uma grande confusão para
mim. Quem precisava de apoio era Nichole, e não eu. Que merda estava
acontecendo comigo?
— Pai, desde que o Pedro e a Laís tiraram a gente daquela base, eu não
estava vivendo. — as palavras ditadas com extremo cuidado denotavam o quanto
Nichole estava melhor, mais ciente e consciente de suas ações, Guilherme e
Isabella pareciam hipnotizados olhando para a filha. A mãe, feliz e orgulhosa. O
pai, infeliz e raivoso. Não conseguia entender qual era a do cara — Vocês sabem
o quanto estava sendo difícil de controlar a ansiedade e a depressão. Eu e o
Pedro vamos passar uns dias fora daqui pra descansar.
— Você não pode sair de casa desse jeito Nichole? — Guilherme não se
conteve — Pra onde você vai? Quem vai cuidar de você? E se acontecer alguma
coisa quando estiver sozinha?
— Chega pai! — ela pediu chorosa.
Eu odiava a maneira que Guilherme estava agindo com a filha, mas
tentaria me segurar ao máximo para não me meter e quebrar a cara dele.
— Não Nichole! Não chega! — ele gritou e jogou os talheres que
segurava em cima da mesa com violência, derrubando um copo vazio no chão —
Você não vai sair com esse cara por aí e agir como se fosse uma adolescente
irresponsável, que só quer afrontar os pais! Ele é homem porra! E se não
bastasse tudo que ele já fez com você, ainda é casado e só quer te com...
Não deixei que ele terminasse a frase. Segurei Guilherme pela camisa e
arremessei seu corpo contra a parede. O choque das suas costas contra o azulejo
foi forte e um rosnado de dor escapou de sua garganta.
— Você nunca mais vai falar assim com ela, entendeu, porra! — eu
sentia meu corpo tenso, minhas mãos prendiam sua camisa social e impediam
que o ar chegasse aos pulmões. Guilherme estava ficando rosado, mas eu não o
soltaria enquanto não deixasse claro o que iria acontecer se agisse daquela forma
novamente — Se ta com problema comigo, resolve como homem caralho, mas
não entra nessas de falar asneira pra minha mulher!
Uma das coisas que eu me orgulhava era de ter sido criado por uma
mulher que não admitia que nenhum homem a desrespeitasse.
Minha vó era o cão chupando manga, criou minha mãe a base de fio de
ferro e castigos horríveis, mas nunca na minha vida ela permitiu que ninguém a
desrespeitasse ou a sua filha, e me criou para tratar as mulheres com educação e
respeito.
Tudo bem que nem sempre fui um exemplo de cavalheirismo, e muitas
vezes agi como um verdadeiro canalha com as putas que viviam enfiadas na
boate SÓ VEM, um puteiro enrustido que o Thor administrava, no morro do
Teteu, e servia como escritório para tratar os assuntos mais “delicados”.
Mas não permitiria que Guilherme se referisse a Nichole como uma puta
qualquer que eu estivesse comendo só por zoação ou pra passar o tempo. Nem
fodendo.
Ele podia ser o pai dela, o Papa ou o Presidente da República, se o filho
da puta não começasse a se comportar como a porra de um homem de verdade,
eu não responderia pelos meus atos.
— Me solta Pedro!
Ele estava ficando sem ar. Isabella pedia para que eu libertasse seu
marido. Daniel tentava me puxar para trás, mas somente quando a mão de
Nichole segurou meu braço e sua voz suave me pedindo “Solta ele meu amor,
por favo!”, consegui ceder e deixei que o corpo de Guilherme despencasse sem
forças no chão da cozinha.
— Você está bem? — perguntei a ela que estava com o rosto vermelho e
os olhos cheios de lágrimas — Vamos sair daqui...
Puxei Nichole pelo braço, mas ela não me acompanhou. Minha menina
olhou para o pai que estava sendo amparado por Isabella e Daniel e se
aproximou dele.
— Eu amo você pai, sempre vou amar, mas o que você está fazendo não
está certo e também não é justo com o Pedro. — passei as mãos pela cabeça
odiando que Nichole se preocupasse comigo quando as ofensas de Guilherme
tinham sido direcionadas a ela — Como você pode julgar ele por um erro que
cometeu comigo, se você fez muito pior com a minha mãe quando soube que ela
estava grávida?
Isabella fechou os olhos como se estivesse sentindo dor. Ela se afastou do
marido e suas mãos deslizavam por seus braços descobertos. Eu nem imaginava
o que havia acontecido entre eles, mas com certeza as palavras de Nichole
haviam desenterrado fantasmas desagradáveis.
— Vamos Nichole. — chamei, mas ela não virou para olhar — Deixa
isso pra lá, depois vocês conversam melhor...
— Não Pedro! — minha menina falou chorando — Você é a minha
escolha e ele não pode ficar falando essas coisas toda vez que se sentir
ameaçado. Pai, eu preciso dele e preciso que você entenda isso, por favor.
— Se você sair por aquela porta — Guilherme vociferou se apoiando na
parede e ficando em pé —, não precisa mais voltar pra essa casa!
— Não Guilherme!
Isabella tentou impedi-lo, mas ele apenas afastou os braços da esposa e
passou pela filha deixando todos na cozinha.
— Vamos deixar as coisas se acalmarem, certo? — Daniel recomendou
— Eu vou conversar com ele mais tarde, e vocês dois, apenas saiam e vão fazer
o que tinham planejado, certo?
Nichole me abraçou chorando e meu coração ficou apertado dentro do
peito por vê-la sofre daquela forma. Guilherme precisava entender que sua filha
era minha prioridade também, como era a dele e da sua esposa, mas eu nunca a
forçaria a fazer qualquer coisa que ela não quisesse.
Isabella nos acompanhou até meu carro, que estava estacionado na porta
da sua casa e nos garantiu que entraria em contato diariamente. Tudo que eu e
minha menina queríamos era um tempo juntos, sozinhos e em paz.
A gente só não imaginava que aquela decisão fosse se transformar em um
dos maiores erros que cometeríamos.
As consquências seriam dolorosas e o nosso amor colocado a prova pela
última vez.
CAPÍTULO 28
PIUÍ
***
NICHOLE
PIUÍ
GUILHERME
Ser pai aos vinte e um anos não foi algo que eu havia planejado na minha
vida, sequer desejado, e quando a mulher que eu amava soube que estava
grávida, simplesmente não consegui segurar a onda e surtei.
Muitas pessoas me julgaram imaturo por ter desaparecido por mais vinte
e quatro meses, e por muito tempo me deixei enganar concordando com aquela
desculpa, mas depois de alguns anos remoendo a culpa por ter abandonado
minhas garotas, precisei admitir para mim mesmo que eu tinha sido apenas
medroso.
Isso mesmo, um jovem agente de vinte um anos que tinha sua vida toda
pela frente e nunca precisou assumir responsabilidade alguma, teria que assumir
uma família, e não era uma família qualquer.
Estava falando da sua própria família.
Eu sabia que deveria ter ficado ao lado dela, apoiado e dado suporte
quando mais precisou, e representado meu papel na vida da Isa, mas não foi o
que aconteceu e paguei caro pelo meu erro.
Conheci minha filha três anos depois e tive que lutar para retornar a vida
delas, como marido e pai. Se eu havia me arrependido? Claro que não. Foi a
melhor coisa que fiz em toda minha vida, e foi por elas que me tornei um
homem muito melhor, ou não...
Já não estava tão convicto se havia mudado muito desde então, me
tornado um bom marido, um bom pai, tampouco um bom homem. A culpa
estava se acumulando dentro de mim, e com ela a raiva e o orgulho. Sempre
caminhando juntos, crescendo, expandindo e ganhando cada vez mais força
dentro mim.
Eu estava prestes a explodir e faltava pouco para que tudo que estivesse
ao meu redor se transformasse em fragmentos de um homem culpado.
Arrebatado pela dor do fracasso e da impotência.
Novamente, depois de longos anos, eu não havia conseguido proteger
minha família e sofria em silêncio por ter falhado, me martirizando.
Isabella Gomes Castro sempre foi uma mulher guerreira, forte e
determinada. Perdeu os pais ainda menina, foi sequestrada e traficada pelo filho
do maior inimigo do meu pai — o árabe Samir Abbab que se encantou pela
minha mãe, Alysson Monteiro Castro, e matou meu padrasto Jeremias Fiolski —
conseguiu fugir, entrou em um programa de recrutamento do FBI, se infiltrou na
gangue de um dos maiores traficantes de drogas dos Estados Unidos, Joseph
Lucas, e ajudou a destruir nos negócios dele que rendiam milhões de dólares,
com a fabricação, produção e distribuição da droga mais perigosa dos últimos
anos, a Pleasure.
Uma droga usada em mulheres vendidas como objetos para o mundo
todo, principalmente Arábia Saudita e países do Oriente Médio. A composição
da Pleasure aumentava potencialmente a libido feminina, facilitando a rendição
de seus corpos durante os estupros.
Quando Isa foi mandada de volta ao Brasil, meu pai, Nicholas Castro
(Nico), não trabalhava mais no departamento anti-sequestros da Polícia Federal.
Ele e mais quatro amigos criaram a maior empresa de segurança do país,
a N5 Security, enquanto eu havia acabado de passar nos exames que me
gabaritaram a atuar como agente, assim como meu velho.
Nós trabalhamos juntos na operação que culminou na morte de Joseph
Lucas, Samir Abbab, seu filho Zayn e um dos amigos e sócio do meu pai, o
advogado Adrian Velascos, que além de ser apaixonado pela minha avó traiu a
equipe e tentou foder todos eles, apenas para ficar com a mulher que amava
desde que a conheceu no Rio Grande do Sul.
Foi uma grande e fodida confusão, mas no fim, deu tudo certo.
Isabella se transformou na mulher mais importante da minha vida e me
presenteou duas vezes quando deu a luz a nossa filha; primeiro quando trouxe ao
mundo, o meu mundo cor-de-rosa, e depois quando deu a nossa filha o nome em
homenagem ao meu pai e seu avô.
Nichole Gomes Castro cresceu entre agentes, ex-agentes, policiais e ex-
policiais, aos onze anos se apaixonou pelos aviões militares e se dedicou muito
para se tornar uma das melhores pilotas do Brasil. Minha filha era como sua
mãe, mas muito mais ingênua e inexperiente.
Nichole foi criada debaixo das nossas asas sendo excessivamente
orientada, mas raramente exposta ao mundo real. Ela cresceu bem debaixo do
meu nariz, entrou para a aeronáutica e se esforçou muito para se destacar entre
os milhares pilotos de caça do Brasil.
Seu jeito de moleca, sorriso maroto, espírito leve, e sua falsa timidez
retardou a minha aceitação de que a garotinha que me ainda me chamava de
“papai” havia se tornado uma mulher, dificultando demasiadamente o rumo da
minha consciência e, consequentemente, da minha vida.
Quando minha filha completou quinze ou dezesseis anos, nem me lembro
mais, ela conheceu um menino chamado Thomas e juntos tiveram uma pequena
experiência amorosa frustrada. Para Nichole foi um balde de água fria que a
colocou totalmente focada em seus anseios profissionais, e a obrigou a deixar de
lado o assunto “homens”, por um bom tempo.
Até que ele apareceu e mudou tudo.
Minha filha se envolveu com Pedro, um homem mais velho, casado, que
trabalhava de uma forma nada convencional para o melhor amigo, Mateus
Trivisan, ex-traficante e chefe da melhor equipe de agentes fantasmas da
América do Sul, mas não passava nem perto do que eu, Guilherme, pai da
Nichole, considerava o ideal para ela.
Pedro abandonou minha garotinha no quarto de um motel, depois de
contar que a esposa estava grávida e que ele havia decidido ficar com a fulana
para criar o filho. Mas essa não foi a parte ruim da história, claro que não; o
desgraçado fez isso depois de transar com a minha filha como se não fosse nada
de mais.
Aquela noite foi o início do fim.
Eu queria matar o Pedro e só não o fiz, porque meu pai e Isabella me
impediram. Nichole decidiu que iria sair do país e implorou para que eu a
colocasse em um curso para pilotos que seria ministrado por um grupo de ex-
militares norte americanos no Deserto de Mojarve, Califórnia.
Não foi difícil conseguir a vaga para ela, já que o histórico familiar fazia
parte dos principais itens para a admissão dos candidatos a uma posição na
primeira turma, sem contar o currículo dela, que causava inveja na maioria dos
pilotos veteranos.
Nichole era uma profissional com talento nato para pilotar, e aprender a
conduzir o F-22 era um dos seus grandes sonhos, então pensei, “por que não?”
Sem que ninguém soubesse entrei em contato com o responsável pelo
“curso”, peguei todas as informações que foram disponibilizadas e sem
vasculhar como deveria, incentivei minha filha a seguir com aquela ideia.
Nem mesmo o alerta do meu pai me impediu de matricular minha filha
naquele inferno, avisando que minhas investigações não tinham sido profundas,
ou os pedidos chorosos da minha mulher, afirmando que seu pressentimento com
aquela viagem não era bom e que preferia que a filha enfrentasse o problema de
frente. Sem fugir, sem se esconder.
Isabella chorou incontáveis noites depois que Nichole se foi o que tornou
nosso convívio insuportável, pois eu a julgava como uma mulher infantil por não
tolerar a distância da única filha.
Minha esposa afirmava que a nossa garotinha estava sofrendo. Depois de
muita insistência de Isa e sem conseguir dormir por causa do choro contínuo
durante as noites, concordei em fazer uma visita a base clandestina e acabar com
aquela aflição.
Saí de casa com a mala e a passagem aérea nas mãos, prometi que traria
notícias e só voltaria se tivesse certeza de que Nichole estava bem e em
segurança.
O problema foi que eu nunca cheguei àquela base no meio do deserto e
depois de falar com o próprio James Hudson pelo telefone, voltei para casa dois
dias depois e convenci Isabella de que nossa filha estava acima de tudo, feliz.
Quando Nichole apareceu em casa oito meses mais tarde, careca,
machucada e completamente mudada, minha esposa provou mais uma vez, o
quanto poderia ser forte e capaz de se reinventar, prestes a completar quarenta e
dois anos.
Tudo que fiz desde então foi buscar maneiras de consertar o que havia se
quebrado, desde a dignidade da minha filha até a confiança da mulher no nosso
casamento e em mim, seu marido, o homem que deveria ter protegido sua filha
quando teve a chance, mas por orgulho, não fez.
Eu queria estar certo.
Precisava provar que a minha decisão tinha sido a melhor para a nossa
filha e mostrar a todos que ela não precisava de nenhum outro homem em sua
vida para que pudesse ser feliz. Ela tinha seu pai e isso deveria bastar.
Por que minha filha iria sofrer por um cara que não a amou o bastante
para ficar com ela? Não a respeitou? Não a tratou como merecia? Não se
importou com seus sentimentos quando escolheu transar primeiro e contar a
verdade depois? Tirou sua virgindade sem ter a intenção de ficar com ela?
Certo?
Não, aliás, completamente errado, mas... eu também precisava encontrar
alguém que dividisse a culpa comigo, fosse tão responsável quanto eu por tudo
que Nichole passou naquele inferno, carregasse tanto peso na consciência quanto
eu.
Pedro se encaixava perfeitamente no papel de vilão daquela história
criada pela minha imaginação para me isentar da culpa que se negava
veementemente a me deixar em paz, e eu, egoísta e orgulhoso como sempre fui,
fiz questão de atuar no papel que mais amava desde que conheci minha filha, o
de “super pai”.
Aquele que não falha; está sempre presente quando os problemas
aparecem; oferece gratuitamente os melhores conselhos; serve de suporte firme
com seu ombro experiente; e conserta tudo que um dia foi quebrado, inclusive
coraçõezinhos de filhas que se apaixonaram pelo homem errado.
Tudo mentira. Tudo ilusão.
A única coisa que fiz por não ter assumido minha responsabilidade como
pai da Nichole e chefe da minha família, foi afastar as duas mulheres que eu
mais amava e mais importantes da minha vida de mim.
Depois de ter feito tanta merda, decidi resolver os problemas
definitivamente. Pretendia agir sozinho, sem envolver ninguém e quando recebi
informações sobre a chegada de James Hudson ao Rio de Janeiro, me antecipei e
fui ao seu encontro.
Só não sabia que meu pai e Mateus já tinham tudo esquematizado para
pegar o filho da puta que destruiu minha filha, e por não confiarem mais na
minha capacidade de interação, me excluíram do planejamento e da montagem
da equipe.
As coisas saíram novamente do controle, e não só a minha vida como a
da minha filha também, estava nas mãos de James Hudson.
Pela segunda vez em menos de três meses, Pedro iria provar que o amor
que sentia pela minha garotinha era tão grande, chegando a ponto de oferecer sua
própria vida como moeda de troca.
Se eu estava arrependido? Sim, eu estava.
Se eu daria a minha vida pela vida da minha filha? Sim, eu daria.
Mas não sem antes lutar e tentar de todas as formas consertar, não tudo,
não todo mundo... apenas as coisas que eu havia destruído involuntariamente,
inclusive o coração da minha esposa.
CAPÍTULO 31
NICHOLE
***
NICHOLE
PIUÍ
Entro correndo no hospital e subo até o quarto andar pelas escadas, não
tenho tempo nem paciência para esperar o elevador com aquele bando de idosos
competindo para saber quem está mais doente. Credo!
Passo por duas enfermeiras que me olham irritadas, mas ignoro porque
não quero arrumar mais confusão com ninguém dessa merda de lugar.
Hoje é o terceiro dia que venho aqui para acompanhar minha amiga na
última consulta antes de ser internada e finalmente liberar a pequena “Moana”
para nos conhecer pessoalmente.
A porta do consultório está fechada a Hermione não está no corredor.
Porra, o médico já chamou minha amiga e agora serei obrigada a
interromper o exame por ter chegado atrasada. Foda-se, ele tem que entender que
eu estava trabalhando e não dormindo.
Bato na porta e espero. Nada.
Bato novamente com mais força dessa vez. Nada.
Caralho, só falta essa menina ter resolvido antecipar seu nascimento em
um dia e foder a vida de todo mundo, inclusive a do pai dela, que está viajando
com Mateus e só volta amanhã, aliás.
— Laís?
Olho para trás e vejo Nichole saindo do banheiro com a sua melancia a
tira-colo. Ela está linda, mas toda vez que vejo a menina caminhar tenho a
impressão de que vai tombar para a frente a qualquer momento. Sua barriga está
imensa e eu duvido que a pequena Moana esteja ocupando todo aquele espaço lá
dentro.
— Você ta bem?
Pergunto me aproximando dela e ofereço minha mão para ajudá-la a se
sentar.
— Estou, mas preciso fazer xixi a cada cinco minutos e isso ta me
deixando puta da vida.
— Cadê o caralho do médico? — olho meu relógio e confirmo que ele
está dez minutos atrasado — Não era nove horas o exame?
Nichole encosta a cabeça nas costas da cadeira de plástico duro e fecha
os olhos respirando profundamente.
— Ele marcou as nove, mas você sabe como são os hospitais, sempre
atrasa.
— Não tinha que ter atraso nenhum caralho! — a expressão de Nichole é
de dor e mais alguma coisa que eu não consigo identificar, cansaço talvez? —
Olha pra você! Tá parecendo um...
Não terminei de falar, a menina doce e meiga me fuzilou com um olhar
que não combinava muito com ela, afinal.
— Não começa a me chamar de mamute e elefante branco da África se
não quiser ficar do lado de fora dessa vez.
— Tudo bem, mas que você não ta com a cara boa, isso não ta mesmo.
— Claro que não estou caramba! — Nichole fala chorosa e eu me
arrependo de não controlar minha língua — Engordei quase vinte quilos, estou
gorda, feia, não consigo dormir e pra piorar o Pedro está viajando há dias
naquela missão com Mateus e todas aquelas policiais femininas que estão em
semana de testes.
Reviro os olhos sem saber muito bem como falar que o idiota do marido
dela não tem olhos para nenhuma mulher, além dela, claro. As policiais que
Nichole está se referindo é um grupo de recrutas que está sendo testado para que
uma delas ocupe uma vaga na equipe que Piuí e eu estamos montando para a N5
Security.
Não posso contar para a Nichole que as meninas só faltam babar em cima
do marido dela e do meu cunhado, mas também nem preciso, porque os dois são
tão caxias, que se percebem os olhares quase pedintes das fêmeas no cio, fingem
que não vêem e não deixam a menor margem para que qualquer mulher, além de
mim, fale com eles com a menor intimidade.
— Deixa de ser boba Hermione, você está linda! — falo a verdade
porque ela realmente está, apesar de andar como um mamute por causa da
barriga de quase dois metros de diâmetro — E até parece que você não conhece
o seu marido, você acha que ele tem olhos pra outra mulher?
— Não sei Laís, olha bem pra mim. — ela pede chorando e vejo a minha
barreira de concreto que me impede de sentir compaixão por mulheres ciumentas
e inseguras ser derrubada — Qual homem consegue se interessar por uma
grávida desse tamanho?
Olhando para a menina ocupando praticamente duas cadeiras, percebo
que está sensível e se sentindo sozinha. Apesar de ter a minha companhia
durante os exames dessa reta final da gestação, sei que Nichole queria que o
marido e pai da filha dela estivesse aqui, mas nem tudo é como queremos e sou
eu que ela tem para hoje.
Portanto vai ter que se contentar e ficar feliz com a minha presença. Ou é
isso ou ela vai ficar aqui choramingando sozinha, porque eu não estou a fim de
ficar ouvindo suas lamentações.
— Nichole, você me conhece e sabe como eu sou.
Ela enxuga o rosto e levanta a cabeça para olhar nos meus olhos, respiro
fundo e decido ser sincera, como se houvesse outra opção para nós duas. Calro
que a menina confia em mim e até que se prove o contrário, nós somos melhores
amigas.
— Se o Piuí não te amasse não ficaria me ligando a cada meia hora para
saber se está tudo bem, se eu estou na sua casa, se você está se alimentando, se
suas cólicas diminuíram, aumentaram ou pararam, se você dormiu bem durante a
noite, se cochilou depois do almoço, se foi a aula de yoga, se saiu para caminhar,
se seu intestino está funcionando, e todas as coisas mais sem sentido e nojentas
que você possa imaginar. — ela sorri, mas não retribuo o sorriso. Quero que ela
entenda que gravidez é apenas uma fase e vai passar. Nichole precisa ser mais
confiante e aproveitar os últimos momentos da sua filha em sua barriga —
Enfim, amanhã essa pentelha que está ocupando grande parte da seu corpo vai
perder a mordomia e se juntará a nós, meros mortais, e você vai poder voltar a
ativa rapidinho, emagrecer e mostrar para todas as piriguetes quem é a esposa do
negão gostoso que fica desfilando pela Sede da PF como se fosse um Deus
grego.
Ela me encara e vejo que não gosta da última frase, mas é a verdade. Piuí
está cada vez mais sarado e agora que foi promovido e cuida de todo o
treinamento de campo da equipe, precisa treinar constantemente o que só
aumenta seus músculos, mas o olhar dela muda e um sorriso sincero aparece em
seu belo e redondo rosto. Nichole está mesmo inchada, mas não me atrevo a
comentar sobre isso.
— Eu sei, você tem razão, mas acho que essa última semana me deixou
um pouco abalada. Foi muita coisa pra assimilar.
— Tudo bem Nick, mas relaxa um pouco e não deixa a insegurança te
transformar em uma louca paranóica. Eu não quero te odiar por causa disso.
— Não vou deixar. — ela segurou minha mão e ficou em pé — E você
nunca vai me odiar.
— Claro que não vou.
Ela me abraça e a porta do consultório se abre. Olhamos para trás e
vemos um homem negro, alto e realmente muito bonito parado se despedindo de
uma mulher que também está grávida, mas tem metade do tamanho da minha
amiga.
Talvez Nichole esteja mesmo muito acima do peso. Será que devo falar
sobre isso com o médico? Penso um pouco e não sei se vai resolver, já que a
pequena Moana vem a mundo amanhã. Posso falar com ele em particular, só
para saber se devo esconder ou jogar fora todas as porcarias que estão nos
armários e na geladeira?
— Como vai Nichole? — o sorriso do médico ao olhar para minha amiga
é impressionante, além de lindo o cara parece ser muito... atencioso. — Você
está ótima! Pode entrar, vamos conversar um pouco sobre o parto antes de
começar o exame está bem?
— Claro doutor Raimundo, obrigada.
Nichole passa por ele e eu a sigo, mas quando chego a porta o médico se
coloca a minha frente e impede a minha passagem.
— Quem é a senhora?
A resposta malcriada está na ponta da língua, mas Nichole responde por
mim.
— Essa é a Laís, a minha amiga Raimundo, ela vai me acompanhar no
exame de hoje.
— Ah sim... — ele sorri e eu quase o perdoo por tentar boicotar a minha
entrada — Muito prazer Laís, seja bem-vinda.
— Obrigada. — Tudo bem, com um sorriso desses e uma mão desse
tamanho segurando a minha, eu posso esquecer tudo. — Não vou atrapalhar.
A conversa entre Nichole e Raimundo deixaria meu amigo puto da vida,
e quando digo puto, quero dizer puto mesmo. O cara é lindo, gostoso e
simpático, mas isso não pode ser considerado pouca merda quando percebo o
interesse dele na minha amiga.
Ele pergunta sobre o pai da criança várias vezes e insiste em descobrir se
Nichole está feliz em seu casamento. Quase dou risada sobre os medos da minha
amiga barriguda, e penso que se o cara visse a futura mamãe em seu uniforme de
trabalho, tenho certeza que enfartaria.
Não resisto e tiro uma foto do médico sorridente ao lado de Nichole e
mando para Piuí com a frase:
Eu: “Vou mudar de ginecologista, quero um desses fazendo meu exame
de toque”.
Envio e aguardo a resposta louca para tirar sarro da cara dele. A resposta
vem logo em seguida e leio rapidamente.
Piuí: “Que porra é essa? Quem é esse otário pau no cu?
Eu: “Esse é o doutor delícia que está acompanhando a sua esposa nas
últimas semanas.”
Piuí: Filma essa porra de exame e avisa que se ele encostar um dedo a
mais do que precisa na minha mulher, eu acabo com a raça dele!”
Raimundo e Nichole continuam conversando animadamente, pelo menos
ela não está mais choramingando. Respondo:
Eu: “Deixa de ser machista, só porque o cara é lindo, gostoso, simpático
e tem os dedos enormes você acha que tem algum problema por aqui? Ele só vai
fazer o ultrassom hoje, relaxa e confia em mim.”
Piuí: “Eu não confio em nenhum macho perto da minha mulher, faz o que
eu falei e para de me provocar. A gente está a mais de quatro horas do Rio e não
tem como adiantar o voo, porra!”
Eu: “Que pena. É melhor eu desligar o celular e me concentrar nas mãos
do médico então... vai que... “
Desligo o aparelho ciente de que quando ligá-lo novamente, terá mais
mensagens e ligaões do Piuí do que do Murilo, meu marido. Aceito a mão de
Nichole que segura a minha quando ela pede para que me eu sente ao seu lado.
O exame é feito, conseguimos ver a pequena se mexendo dentro da
barriga e como previsto, ela está encaixada e prontinha para nascer.
Nichole tem com boa dilatação e tudo indica que a data prevista para o
nascimento esteja correta. Se tudo der certo, minha afilhada estará em meus
braços no dia seguinte e eu mal posso esperar para ver de perto a carinha sem
vergonha da pivetinha.
Levo Nichole para casa e almoço com ela. Vou embora quando ela deita
para descansar e peço a Isabella para me avisar se precisar de alguma coisa. A
mãe de Nichole voltou a trabalhar na empresa do marido, mas durante as tardes
fica com a filha enquanto o marido dela está fora da cidade.
Chego em casa e encontro Murilo sentado a mesa da cozinha segurando
um papel amassado. Ele levanta a cabeça quando me vê e seus olhos estão
vermelhos.
— O que foi?
Ele limpa o rosto e tenta disfarçar a tristeza que eu sei que está sentindo.
Eu me sento ao lado dele e seguro sua mão suada, meu marido está nervoso.
— Hoje eu recebi isso aqui. — Ele se abaixa e pega uma pequena caixa
do chão, coloca em cima da mesa e empurra para mim — Veio junto com essa
carta.
Ela balança o papel no ar e volta a amassá-lo. Pelo jeito ele fez o mesmo
movimento várias vezes, pois o papel parece pronto para ser destruído.
— O que é isso? — abro a caixa e pego uma fita cassete de dentro — O
que tem aqui?
Murilo me olha com suas bolas azuis e sinto meu coração acelerar, algo
dentro de mim me diz que não é coisa boa, mas decido esperar para que ele
confirme meu pressentimento.
— Não vi a gravação, não tive coragem.
Enrugo a testa e odeio a maneira que ele me olha. Parece pena?
— E por que você precisa de coragem para assistir essa merda?
Perunto irritada.
— Porque se o que está escrito aqui for verdade. — ele desamassa
novamente a folha em sua mão — Eu vou assistir a morte do seu pai e não sei se
estou preparado para isso.
Sinto o chão se abrir sob meus pés, a cor deixar meu rosto e todos os
músculos do meu corpo começam a tremer.
— Como é que é? — reajo como sempre, avanço sobre ele e arranco a
folha dele — Do que você está falando porra?
Meus olhos passam pelas poucas linhas ocupadas por uma caligrafia que
não reconheço, mas entendo o aviso sobre o conteúdo da remessa e Murilo está
certo. Pelo que está escrito no papel, a fita contém a filmagem da noite em que o
juiz Enrico Antunes foi morto dentro da cela, no presídio que estava preso, no
Rio de Janeiro.
— Puta merda! — passo as mãos no rosto e penso em quantas outras fitas
podem existir — Preciso descobrir quem mandou essa merda pra você.
Ando de um lado para o outro. Pego a caixa e quando examino o nome
do remetente quase caio para trás. So pode ser uma piada.
“Drizella Antunes”
— Que horas você recebeu?
Pergunto e pego o celular, ligo o aparelho e já estou ligando para o meu
cunhado quando Murilo resolve abrir a boca:
— Foi o meu irmão que me mandou...
Sinto meu corpo paralisar, que merda está acontecendo aqui?
— Teu irmão? Aquele que estava preso e se envolveu com um monte de
agiotas?
— Ele mesmo.
— Por que ele te mandou isso? — levanto a caixa com vontade de matar
um, qualquer um, mas se for o meu cunhadinho do mal, eu ficaria muito mais
feliz. — O que ele quer?
— Não sei. — Murilo se levanta e tenta pegar a caixa, mas eu não
devolvo — Ele me ligou e disse que é um presente para nós, por tudo que
fizemos por ele enquanto esteve preso.
— Só pode ser piada. — Olho para o meu marido e penso nas
possibilidades que tenho — Deixa eu ver seu telefone.
— O que você vai fazer?
— Não sei Murilo, preciso pensar. — menti sabendo exatamente o que
preciso fazer — Deixa eu ver o aparelho, por favor.
Meu marido me entrega e eu ligo para Guilherme. Envio o número do
telefone que o babaca do meu cunhado ligou e peço para que rastreie.
— Preciso de um banho. — aviso e sigo para o banheiro.
— Estou saindo para trabalhar. — ele me abraça por trás e puxa meu
corpo para o seu — Você vai ficar bem?
— Vou tentar...
— Me espera acordada e vamos resolver isso juntos ok?
Penso em tudo e pondero. Posso resolver isso com ele? Meu marido vai
fazer o que tem que ser feito para me livrar do seu irmão futuramente?
Infelizmente não, então sou obrigada a mentir.
— Tudo bem, mas não chega muito tarde.
— Antes da meia-noite estou em casa.
Ele sai, eu ligo para Lívia e peço para que ela pegue Joshua na escola.
Explico rapidamente que preciso resolver um problema e sigo para o escritório
da N5. Encontro Guilherme no corredor com o telefone no ouvido e quando me
franzi a testa e me arrasta para uma sala vazia.
— O que o seu cunhado está armando? — ele mostra a tela de um tablet
com a foto de Luciano Castelli, irmão mais novo de Murilo — E por que ele
ligou pro seu marido de dentro de um bar a menos de quinhentos metros da sua
casa?
— Ele está me seguindo? — não sei se era uma pergunta, mas acabou
parecendo uma.
— Provavelmente. O que está acontecendo Laís? O que esse cara quer
com você?
— Acho que quer me chantagear.
— E o que ele tem contra você?
— Uma fita com as imagens da noite em que o juis Enrico Antunes foi
morto.
Guilherme cruza os braços a frente do corpo e me encara com a testa
enrugada.
— E o que você tem a ver com isso?
Encaro o pai da minha melhor amiga e solto uma respiração profunda.
— Eu tenho tudo a ver com a morte dele.
— Foi você que contratou o cara que matou o velho?
— Não. — olho para Guilherme e sinto a raiva me dominar em vez do
remorso — Eu não contratei ninguém pra matar ele.
— Então qual o problema?
— Eu matei ele com as minhas prórpias mãos.
— Puta merda! Quando é que você vai parar de me surpreender Laís?
— Não sei se consigo.
Ele sorri e vejo seus dentes brancos em seu rosto jovem e bonito.
Guilherme conseguiu se redimir depois de ter feito tanto merda e adotou
Pedrinho como seu neto logo que saiu do hospital, vinte dias depois de ter sido
resgatado do morro e ficou internado se recuperando de todas as lesões que
sofreu.
— Você vai me passar tudo que sabe sobre esse traste e vai voltar pra
casa.
— Não posso Guilherme, esse cara tem que morrer ou não vai parar de
me seguir. O Murilo já está desconfiado e não pretendo mais esconder dele o que
aconteceu naquela noite, mas não vou permitir que esse rato se transforme em
um lobo faminto.
O pai de Nichole segura meus ombros e me olha nos olhos. Estou
nervosa, irritada e muito puta da vida, mas preciso de ajuda e não posso perder a
peciência que me resta.
— Eu vou dar um jeito nele pra você, mas não quero mais seu nome
envolvido nisso. Vá pra casa e espere meu telefonema, quando seu marido
chegar faça o que achar melhor e eu prometo que em menos de doze horas seu
cunhado vai estar fora de circulação.
Penso, penso e continuo pensando.
Posso confiar em Guilherme? Posso. Definitivamente.
Ele tem meios para encontrar Luciano? Facilmente.
Ele consegue eliminar o cara sem deixar rastros? Claro que sim.
— Tem certeza que quer fazer isso?
Pergunto para deixar claro que eu teria prazer em foder o babaca, mas
quando penso no meu marido e no modo como ele iria ficar se soubesse que a
esposa dele matou seu irmão, concordo com Guilherme e decido mater meu
nome longe do idiota.
— Vai ser um prazer poder ajudar você depois de tudo que fez por mim e
pela minha família, Laís.
— Obrigada Guilherme.
— Vá tranquila, eu aviso quando estiver terminado.
Volto para casa e espero Joshua chegar da escola. Dou banho, jantamos e
coloco o pestinha para dormir. Estou agitada e ansiosa. Piuí me enche de
perguntas sobre o médico e depois de me divertir um pouco as suas custas,
marcamos de nos encontrar para tomar café na padaria de sempre.
Perto das onze e meia da noite, meu telefone toca e um número
desconhecido aparece na tela. Atendo rapidamente com o coração acelerado.
— Alo.
Controlo minha voz para não demonstrar o quanto estou descontrolada.
— Sou eu. — reconheço a voz de Guilherme e meu corpo relaxa um
pouco — Está feito. Tudo resolvido, não tem mais nenhuma cópia da fita e todos
os registros foram apagados.
— Não sobrou nada mesmo?
Esfrego a mão na testa enxugando o suor. Sei que Kaio e o novo auxiliar
dele são excelentes no que fazem, mas preciso ter certeza de que não há mais
nenhuma cópia da gravação sobre o que aconteceu naquela noite maldita.
— Apenas o que estiver armazenado na sua memória Laís e esse registro,
infelizmente, ninguém vai conseguir apagar. Sinto muito.
— Obrigada.
— Foi um prazer ajudar.
Levanto, pego a fita e coloco no aparelho de CD, ligo a televisão e sento
para assistir. Se eu fechar os olhos posso me lembrar de cada passo que dei, cada
palavra que ouvi do desgraçado, cada ameaça e cada ofensa. Sinto o cheiro do
perfume importado misturado com o de sexo que impregna a cela escura e
fechada.
Piuí entra atrás de mim segurando uma arma e me garante que estará a
minha espera. Ele deixa que eu entre, e confronte o desgraçado que ainda insistia
em me chamar de filha. Enrico se aproxima com o chicote na mão disposto a me
castigar por ter me envolvido com o bombeiro, fala sobre Deus, sobre a
importância da família e o quanto eu devo ser obediente e grata por tudo que ele
fez por mim.
Quando sua mão pousa no meu queixo e sua boca se aproxima da minha,
pego a faca de dentro da minha bota e perfuro sua barriga velha e flácida. Ele
geme, cai no chão e eu monto sobre ele.
Grito, choro, ofendo e permito que todo o mal cultivado por anos dentro
de mim seja libertado enquanto esfaqueio seu corpo inteiro e me banho do seu
sangue. Depois de não ter mais o que fazer, Piuí me pega no colo, e me leva a
um dos banheiros que Enrico usava com privacidade.
Ele retira minha blusa, coloca uma limpa, pega minha faca e me coloca
sentada em uma cadeira. Piuí limpa a cena do crime e coloca algumas coisas que
estão do lado de fora, dentro da cela. Muda a posição do corpo morto e induz a
polícia a acreditar que o prisioneiro estava com outro homem quando foi
assassinato brutalmente.
Deixamos o presídio sem sermos vistos, graças aos homens de Gian
Carlo que me ajudaram a cumprir a promessa que havia feito a mim mesma, dias
antes de receber o telefonema do juiz exigindo a minha presença em sua cela.
Abro os olhos sentindo meu rosto molhado. A porta se abre e meu marido
entra apressado. Murilo me abraça e me conforta como somente ele sabe e
consegue fazer. Eu amo esse homem.
— Calma querida...
Não respondo, apenas me deixo embalar por sua voz. Ficamos abraçados
e ele me deita em seu colo, fecho os olhos e durmo. Acordo na manhã seguinte e
percebo que estou na minha cama, sozinha.
Desço até a sala e Murilo está de frente para a janela. A televisão ligada,
sem volume me dá a certeza de que ele assistiu o vídeo. Não me aproximo, pois
estou com medo da reação dele.
Espero até que ele note a minha presença e enfim se vire. Nossos olhares
se encontram e tudo que consigo ver é compreensão e muito amor.
Murilo me abraça forte contra o seu peito, beija minha cabeça e sussurra
baixinho em meu ouvido:
— Eu te amo garota, e tenho muito orgulho de você!
Sorrio e fecho os olhos aliviada. Olho para o aparelho e penso no que
devo fazer com aquela fita maldita.
— Eu também te amo bombeiro...
O telefone toca e Piuí me avisa que a pequena Moana está a caminho,
arrumo Joshua enquanto Murilo faz algumas ligações tentando localizar seu
irmão e me sinto um pouco culpada por saber que ele nunca mais irá encontrá-lo.
Mas a culpa é tão pequena que eu logo esqueço dela.
— Vamos ver a filhinha do PiuÍ?
Pergunto a Joshua que me olha sério.
— Ela vai ser bonita, mãe?
— Tenho certeza que vai ser a menina mais linda que você já viu.
— Eu vou poder namorar ela?
Dou risada imaginando a cara do meu amigo quando eu contar sobre os
interesses do meu garoto.
— Claro que vai, vocês serão grandes amigos e se quiserem poderão
namorar também, mas isso só vai acontecer na hora certa, tudo bem?
Joshua fica pensativo e segura meu rosto.
— Como eu vou saber qual é a hora certa, mãe?
Beijo sua bochecha rosada, ajeito o boné na sua cabeça e digo com todo
o amor que carrego em meu coração:
— O destino se encarrega de mostrar, meu filho. Você só tem que fazer
as escolhas certas e tudo vai acabar bem.
— A senhora promete?
Segurei sua mão e o levei ao carro para irmos ao hospital e conhecer a
mais nova integrante da família.
— É claro que eu prometo filho...
FIM
Gostou da história?
Deixe sua avaliação com comentário para ajudar a autora.
É simples e rápido
Obrigada