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TREM BALA

“A verdadeira história de Piuí”

SILMARA IZIDORO
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança entre esses aspectos é mera coincidência.

Capa: Editora Motres

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reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios –
tangível ou intangível – sem o consentimento da autora.

Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n. 916/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.
SINOPSE

Nunca me envergonhei de ter nascido e crescido


na favela, muito pelo contrário, sempre foi motivo de
orgulho para mim.
Desde moleque eu tive apenas dois sonhos: me
tornar o braço direito do chefe do morro do Teteu, o cara
que se tornou meu melhor amigo. E me casar com a
mulher que amei por toda a minha vida, aquela que
conheci com apenas doze anos de idade.
Eu realizei um desses sonhos.
O que aconteceu com o outro?
Bom... ele acabou de se transformar no meu maior
pesadelo.
E esse é só o começo da minha história.

Pedro Luís da Silva, mas pode me chamar de Piuí.


O FIM!

Uma parte do meu coração está nesse livro.


Deixo com ele todo meu amor e minha gratidão por essa série que mudou o
rumo da minha vida e da minha carreira, como autora e escritora.
Agradeço a Deus, a minha família, aos amigos queridos, as minhas betas e,
principalmente, a todos os leitores, que como eu, se apaixonaram por essa
família, e se vêem abrigados a se despedir dela com lágrimas nos olhos e imensa
felicidade.
Vivi momentos inesquecíveis com esses personagens que ficarão marcados em
meu coração e em minhas lembranças.
Piuí chega para finalizar o ciclo dos Irmãos Antunes e promete deixar saudade,
assim como Thor, Lívia, Rômulo, Nestor e a nossa ruiva, Laís.
Entrego a vocês meu coração nessa história, narrada e descrita com emoção, a
mais pura e verdadeira.
Espero que amem Piuí e Nichole tanto quanto eu, e que essa leitura transforme
pequenos momentos, em momentos inesquecíveis.
Divritam-se!

Silmara Izidoro.
“A luz acha que viaja mais rápido do que
qualquer coisa. Doce ilusão...
Não importa o quão rápido ela viaje,
porque fatalmente encontrará sua sombra,
que chegará primeiro, a qualquer lugar,
inevitavelmente.
E permanecerá o tempo que for necessário,
ansiando pelo encontro com a sua tão esperada luz.”

Pedro Luís da Silva


ou apenas,
Piuí

CAPÍTULO 1

LAÍS ANTUNES

Como é possível uma pessoa mudar tanto em apenas um ano?


Essa pergunta não saía da minha cabeça desde que deixei a casa de
Guilherme, pai da minha amiga Nichole, essa manhã.
Há dois dias o ex-agente da Polícia Federal me ligou e praticamente
implorou para que eu fosse visitá-lo exigindo sigilo absoluto. Não deixou que eu
contasse nem a Mateus sobre o retorno da filha ao Brasil.
A princípio não entendi o motivo de tanto segredo, mas depois de ver o
estado físico e emocional da mulher que eu conheci, compreendi a preocupação
de Guilherme em escondê-la.
Nichole tinha completado vinte e um anos, mas sua aparência e
comportamento poderiam ser associados aos de uma mulher na faixa dos trinta,
totalmente transtornada.
Não havia mais o sorriso maroto, o olhar brilhante, nem o jeito simples e
extrovertido de uma jovem que nasceu e cresceu cercada de amor e afeto.
Nichole era apenas uma casca vazia e oca, feia e completamente
quebrada em mil pedaços.
Depois da missão que culminou no desmembramento de uma das
maiores organizações criminosas do Brasil, Nichole decidiu embarcar para os
Estados Unidos onde faria parte de um Treinamento secreto, mais conhecido
como clandestino, destinado somente a pilotos de avião que tivessem seu
currículo aprovado por um grupo de desertores, ou seja, mercenários.
Seus pais e principalmente seu avô tentou convencê-la a ficar e continuar
trabalhando na empresa de segurança nacionalmente conhecida da família
Castro, mas nenhum argumento foi suficiente para que fizesse Nichole mudar de
ideia.
No final, eles concordaram em apoiá-la e fizeram tudo que foi possível
para que a herdeira fosse aceita no treinamento, o que agora sabíamos, foi uma
péssima decisão. Pude ver a culpa perturbadora massacrar até os ossos de dois
dos homens mais fortes e corajosos que já tive o prazer de conhecer e trabalhar.
Nicholas e Guilherme estavam arrasados.
Óbvio que a decisão de Nick em deixar o Brasil teve tudo a ver com a
notícia da gravidez de Julia e o casamento anunciado que selaria a união da
“songamonga” com o meu melhor amigo, Piuí.
Se o destino não tivesse sido tão cruel, as coisas estariam muito
diferentes, mas infelizmente, nem tudo dependia apenas das nossas vontades e
eu sou a prova viva disso.
Foi uma sucessão de fatos que, unidos e somados, causaram danos
irreparáveis para os três envolvidos naquele caso de amor, ciúme e inveja. Sendo
honesta, tive que admitir que Piuí contribuiu com grande parcela ao resultado
final.
Julia armou para fisgá-lo? Sim, mas contou com a atitude infantil do seu
até então, namorado, que já havia anunciado previamente o fim do
relacionamento desgastado há anos entre eles. A gravidez foi um golpe baixo,
mas certeiro e fatal para segurar o homem que estava decidido a partir.
Assistindo a situação de fora, por mais que doesse em meu coração, eu
conseguia entender as três pontas daquele triângulo e nunca me atrevi a julgar
nenhum deles, mas depois de ver com meus próprios olhos o que o afastamento
providencial de Nichole lhe causou, confesso que de todos os envolvidos
naquela merda, minha amiga foi à única que se fodeu de todas as formas. Em
todos os sentidos e sozinha.
Terminei de tomar meu café expresso na padaria que ficava em frente à
escola de Joshua e depois de pensar muito, levantei para buscá-lo decidida a
cumprir o que prometi ao pai da minha amiga.
O assunto tratado naquela manhã ficaria entre nós, e apenas Mateus seria
informado sobre o plano elaborado por Guilherme e Nicholas para descobrir os
responsáveis por tudo que Nichole passou enquanto esteve isolada na base aérea
clandestina, nos Estados Unidos; não me atreveria esconder do meu cunhado e
chefe as minhas intenções, até porque o infeliz iria descobrir mais cedo ou mais
tarde.
Certamente, muito mais cedo do que eu gostaria, mas aquele era Mateus,
e eu o conhecia bem demais para duvidar de sua capacidade de se transformar
em uma sombra em plena madrugada em uma rua sem iluminação.
Piuí foi o único nome mencionado que provocou uma reação no rosto de
Nick, mas ao contrário do que eu esperava, o que vi em seus olhos não teve
relação com amor ou saudade, longe disso. Foi ódio. Puro e simples.
Talvez eu estivesse cometendo um grande erro, mas não iria envolver
meu amigo em um caso que ele não teria a capacidade de trabalhar sem misturar
as estações e separar o passado de suas ações no presente.
Piuí estava casado e tinha um filho pequeno, sua esposa passava por um
momento muito ruim e consumia toda a sua energia vinte e quatro horas por
dias, sete dias por semana. Um verdadeiro inferno, além de não saber o que
aconteceu exatamente entre ele e minha amiga no dia em que contou a ela sobre
a sua decisão de se casar com Julia.
Meu amigo também mudou, e muito no último ano, mas ao contrário de
Nichole, não classificaria sua mudança como negativa, pelo menos, não em
todos os aspectos. Piuí estava fisicamente irreconhecível e... só.
De resto, ele continuava o mesmo; um homem de quase trinta e dois anos
com a mente de um menino de vinte, atitudes surpreendentes, o bom humor
quase surreal e uma inteligência acima da média. Seu coração com capacidade
para acolher todos os que amava e uma gana em proteger com fervor seus
amigos verdadeiros.
Depois de passar quase oito meses recebendo orientações de uma equipe
médica composta por especialistas nas áreas de fisiologia, nutrição e educação
física, o garoto magrelo se transformou em um belo exemplar masculino
adornado por músculos definidos e tatuagens referentes às diversas fases de sua
vida.
Se não tivesse acompanhado o passo a passo de sua mudança, nem
mesmo eu teria acreditado que era a mesma pessoa. Pedro Luis da Silva
definitivamente estava muito gostoso e agora despertava olhares desejosos de
todas as mulheres, mas não se engane, quando digo todas, é exatamente isso que
quero dizer.
Todas, sem exceção.
Não havia uma fêmea na face da terra que não se sentisse tentada a
apreciar por tempo demais o porte físico atual do homem quando ele estava há
poucos, ou muitos metros de distância, nem mesmo eu, devo dizer.
Que meu bombeiro não me ouça...
Oras, não era cega e admirava um peitoral desenvolvido, um abdômen
trincado e braços extremamente volumosos; qualidades físicas que já não eram
mais exclusivas nos corpos sarados de Mateus, Murilo, Rômulo e Nestor.
Podia admirar meu amigo, não podia? Olhar não mata e não arranca
pedaço, afinal.
Atravessei a rua no momento em que o portão da escola se abriu e a
assistente da professora de Joshua apareceu sorrindo em minha direção.
— Ele está terminando a tarefa e já vem mãezinha.
— Obrigada.
Eu tentava evitar me emocionar todas as vezes que me identificavam
como mãe do pestinha, mas era impossível. Meu coração se derretia todos os
dias quando ouvia aquele nome.
Chegamos à casa de Lívia dez minutos mais tarde e enquanto meu filho
corria para aterrorizar a vida dos primos mais velhos, meu cunhado me
acompanhou até seu escritório para que pudéssemos conversar em particular.
. — Tem certeza de que quer fazer isso?
Mateus perguntou depois que lhe expliquei toda a situação. Estávamos
sentados no sofá de couro e a porta estava fechada. Minha irmã sabia que alguns
assuntos não deviam ser tratados na frente das crianças ou dos empregados, por
isso, nunca reclamava ou nos interrompia.
— Tenho claro que tenho. — olhei para ele me esforçando para que não
percebesse o quanto estava chocada com a aparência de Nichole — Ela não fala
nada Mateus, mas sei o que fizeram com a menina e não pretendo deixar barato.
— Guilherme também vai certo?
— Claro, ele vai liderar a operação enquanto Nicholas, Ferraz e Caio vão
elaborar toda a parte operacional.
Mateus me examinou e eu sabia o que ele estava pensando.
— Você vai ter problemas quando Piuí descobrir. Está preparada para
correr esse risco?
Levantei um pouco agitada, no fundo meu amigo merecia saber e receber
o direito de escolher se queria ou não participar de tudo, mas se alguma coisa
desse errado eu não iria me perdoar por ter feito a única coisa que Guilherme me
pediu para não fazer.
— Ele não vai aguentar Mateus...
— Ela está tão mal assim?
Meus olhos se encheram de lágrimas quando o rosto de Nichole surgiu a
minha mente.
— Você nem imagina. — respirei fundo e encarei meu cunhado
rabugento que me encarava com sua carranca tradicional — Posso apostar que
ela foi humilhada, subjugada, maltratada, agredida e... violentada. Aquela
menina que conhecemos não existe mais e não estou certa de que há alguma
chance de traze-la de volta as nossas vidas. Ela está morta Mateus,
completamente sem vida.
O marido da minha irmã como sempre apenas me analisava
indiscretamente observando minhas reações e palavras.
— Ele tem o direito de saber Laís, não concordo com essa ideia de deixar
o garoto de fora.
— E o que você sugere? — perguntei impaciente — Ele está casado com
aquela víbora que não deixa ele sequer respirar em paz, o Pedrinho só tem quatro
meses! Quem garante que a louca não vai fazer uma merda quando souber que
vai ter ficar sozinha por semanas e, quem sabe, até meses? E nem estou contando
com a porra do azar se por acaso ela descobrir para que tipo de operação o
marido está sendo chamado.
— Julia não tem como descobrir.
— Bom... ela descobriu que eles estavam ficando juntos, certo?
— Nós dois sabemos que ele vacilou quando não deveria e deu a brecha
que ela precisava. Agora é diferente.
— Diferente por quê?
— Se Nichole está mesmo tão ruim como você falou, vai ser muito difícil
que haja uma reaproximação entre eles dois. — Mateus se levantou e se sentou a
sua cadeira — Ele será informado e deixaremos que decida se quer ou não fazer
parte da equipe, não temos o direito de fazer essa escolha. Apenas ele.
— Mateus você não está me entendendo... — tentei argumentar — Eu vi
o ódio nos olhos daquela menina quando eu falei o nome dele, e acredite em
mim, até aquele momento ela nem parecia estar viva. Não houve palavras, gestos
ou qualquer outra merda, foi apenas um olhar. Ninguém me disse, eu vi. Nichole
odeia o Piui e me arrisco a dizer que ela o culpa por tudo que passou naquele
lugar.
Mateus deu de ombros como se eu não tivesse falado nada demais.
— Melhor ainda... como você mesma disse ela parecia morta e quando
ouviu o nome dele foi capaz de demonstrar uma pequena reação. — ele pegou o
celular que estava guardado no bolso traseiro de sua calça preta e finalizou seu
raciocínio de forma casual — Se Piuí desperta qualquer sentimento quando a
única coisa que ela quer é morrer, talvez a presença dele na operação seja muito
mais do que necessária para trazê-la de volta, nem que seja para odiá-lo.
Ele só podia estar brincando comigo.
— Mateus, não é uma boa ideia forçarmos uma convivência entre eles
por tanto tempo, nós não sabemos se vai durar um mês ou um ano para
conseguirmos provar o que fazem com os pilotos naquela merda.
Mateus colocou os dois pés em cima da mesa e o aparelho no ouvido. O
filho da puta ainda teve coragem de piscar para mim antes de falar:
— Acho que você está se preocupando a toa, nem parece que conhece
aquele garoto... quer apostar que quando Nichole resolver acabar com ele vai ter
uma fila enorme na frente dela e a menina vai ser obrigada a pegar uma senha?
Eu poderia concordar se tivesse todas as informações sobre o último
encontro deles. Opa! Franzi a testa e coloquei as mãos na cintura.
— Ele te contou, não foi?
Mateus sorriu cinicamente, o que me deixou não apenas irritada, mas
muito puta da vida. Piuí estava me enrolando há um ano para contar que merda
ele tinha falado para Nichole quando eles se encontraram um dia antes de
anunciar publicamente que iria se casar com Julia, e eu acabava de descobrir
que o idiota do Mateus sempre soube de tudo.
Ingrato.
Traidor.
— Não fica chateada, ele sabia que você não ia entender e ainda ficaria
brava, por isso não te contou.
Bufei irritada.
— Foda-se! Agora também não quero mais saber. — Mateus levantou o
indicador pedindo para que eu parasse de falar — Com quem você está falando?
— Pode vir. — Mateus falou ao telefone ignorando minha pergunta e
dois segundos mais tarde a porta se abriu atrás de mim.
— To aqui. — olhei assustada quando ouvi a voz grossa de Piuí ecoar
dentro do escritório — Acho que cheguei bem na hora né, Drizella?
Um misto de surpresa e raiva me invadiu. Eu odiava o deboche enrustido
em cada palavra que saía da boca daquele moleque e tive que concordar com
Mateus, Nichole não seria a única que desejaria matá-lo, caso ele quisesse
participar daquela operação.
— O que exatamente você ouviu?
Piuí sorriu ironicamente.
— Ta preocupada com o que? — ele se aproximou e me encarou com o
olhar que era destinado exclusivamente a mim desde a noite em que nos
conhecemos, há muitos anos atrás, e eu não gostava nada daquilo, nadinha
mesmo.
— Não estou preocupada idiota, só quero saber há quanto tempo está
ouvindo a nossa conversa?
Piuí cruzou os braços e parou bem a minha frente e eu podia sentir
Mateus se divertindo com a cena que se desenrolava. Outro fodido idiota.
— Ouvi o suficiente e não vou sair daqui até que me fale tudo que
aconteceu com ela.
— Eu não acho uma boa ideia te contar.
— E eu posso saber por quê?
— Porque ela não é mais a mesma pessoa que nós conhecemos Piuí.
Senti meu peito doer e ele percebeu. Seus olhos se estreitaram e uma
careta de dor transformou seu rosto.
— Do que você está falando Laís?
Piuí me chamar pelo nome era o sinal de que eu precisava, as coisas não
seriam nada boas quando ele soubesse que a sua Hermione não existia mais.
Eu sabia que enquanto os culpados pelo que Nichole passou não
pagassem por tudo que fizeram, as chances de trazer minha amiga de volta
seriam quase nulas, mas o que eu mais temia naquele processo era perder meu
melhor amigo também.
E isso eu jamais permitiria que acontecesse...
— A sua Hermione morreu Piuí e eu sinto muito por isso.
Seus olhos marejaram e uma lágrima solitária desceu pelo rosto moreno.
Ele tentou disfarçar, mas não parecia muito preocupado por sua exposição.
— Quem?
Neguei com a cabeça receosa de lhe dar mais detalhes.
— Quem Laís?
— Nós ainda não sabemos. Ela não fala, não reage, não chora, não grita.
É como se fosse uma planta ocupando um pequeno espaço no ambiente. —
inspirei e o encarei — Nicholas está investigando e em poucos dias teremos
alguma novidade.
— Quando partimos?
— Vai deixar seu filho com a louca? Confia nela tanto assim?
— Eu vou dar um jeito, mas nunca mais me deixe de fora Drizella, quem
decide o que é melhor pra mim, sou eu. Não você!
— Está falando isso porque não viu como ela está!
— To pouco me fodendo como ela está! Eu não vou ficar aqui sabendo
que as pessoas que machucaram a Nichole continuam livres. EU ESTOU
DENTRO!
— O Guilherme não quer que você vá!
— Foda-se ele! — Piuí encarou com Mateus que assentiu sem dizer uma
palavra e eu odiava aquela comunicação telepática entre eles — Eu já decidi e
ninguém vai me impedir de entrar naquele avião.
Ele se virou para sair do escritório, mas eu precisava alertá-lo:
— Você está casado e tem um filho pequeno pra criar. — ele parou com a
mão direita na fechadura, suas costas tensas, seus ombros subiam e desciam
rapidamente — Não vou deixar que aconteça o que aconteceu há um ano. Sua
vida mudou e agora tem uma mulher te esperando em casa todos os dias.
Nichole merece ser feliz também... minha amiga precisa de alguém que a ame
mais do que tudo no mundo e lute por ela, se você não for esse homem aja com
profissionalismo e fique longe dela.
Piuí demorou alguns segundos para me olhar por cima do ombro direito e
falar antes de sair e bater a porta atrás de si:
— Eu nunca fui o homem que ela precisa e ela sabe disso melhor do que
qualquer pessoa, mas estarei com vocês para ajudar a pegar os culpados. Julia e
Pedrinho precisam de mim e não vou abandoná-los. Não se preocupe com a SUA
amiga... nem se eu me esforçasse muito seria capaz de machucá-la
propositalmente. — deu de ombros — Se pudesse voltar no tempo, nunca teria
subido naquele maldito avião para te buscar na Arábia Saudita.
Abaixei a cabeça, encarei Mateus e naquele momento eu soube; Piuí
precisava da minha ajuda e eu iria ajudá-lo, nem que para isso precisasse ir até o
inferno para garantir que no final dessa história, ele fosse realmente feliz.
CAPÍTULO 2

PIUÍ

Ouvi o choro e levantei sem me preocupar se Julia estava ou não


acordada, já sabia que ela não iria sair da cama àquela hora da madrugada para
amamentar o pequeno megafone que se esforçava para acordar toda vizinhança.
Fui à cozinha e retirei de dentro do micro-ondas a mamadeira que havia
deixado pronta antes de dormir e corri até o quarto azul enfeitado de carros,
caminhões e claro, trens de todos os tipos e tamanhos.
Pedrinho estava aos berros e suas pequeninas pernas se agitavam no ar
como se andasse de bicicleta, as mãos permaneciam em dúvida entre agredir a
atmosfera ou ocupar toda sua boca enquanto gritava aos quatro cantos do mundo
como seu pai o odiava e lhe negava comida.
Sorri com o desespero daquele serzinho tão pequeno e indefeso, mas
capaz de causar danos irreparáveis a tímpanos sensíveis e desavisados.
— Calma moleque... estou aqui pra matar a sua fome. — falei baixinho e
o pivete logo se acalmou quando ouviu minha voz — Você precisa me convencer
que se acalma quando me escuta e não quando sente esse cheiro insuportável de
leite. — Peguei o pacotinho no colo e beijei sua penugem negra ralinha — Se
ainda fosse os peitos da sua mãe eu entenderia o delírio, mas esse bico de
plástico duro? Não... aí você me decepciona. Precisamos esperar mais um pouco,
mas garanto que vou te mostrar o que é bom de verdade e pode acreditar em
mim, não é esse leite nojento que você insiste em tomar.
Arrastei a poltrona reclinável que o médico indicou para que Julia usasse
quando fosse amamentar o filho, mas que ela não tinha usado nenhuma vez e me
sentei perto da sacada.
Pedrinho me encarava e ameaçava abrir o berreiro novamente quando
aproximei o bico da mamadeira de sua boca minúscula.
Ele rapidamente abocanhou o pedaço de plástico amarelo e começou a
devorar quase meio litro do líquido esbranquiçado, morno e sem gosto. Não
conseguia entender como alguém podia gostar de leite daquele jeito.
O movimento da cadeira e a sensação de ter aquele garoto em meus
braços havia se tornado um calmante natural para o meu corpo fadigado nos
últimos meses.
Depois do nascimento de Pedro Luis da Silva Junior, minha vida deu
uma guinada de trezentos e sessenta graus e eu me transformei em outro homem.
A mudança maior aconteceu internamente, apesar de ter me esforçado
muito no último ano para conseguir me tornar mais musculoso e apresentável
para o universo numa tentativa de me convencer de que eu também podia ser um
cara gostoso e interessante ao ser julgado apenas pela minha aparência.
Eu não me cansava de fazer merda.
Mas depois dos acontecimentos que antecederam a chegada de Pedrinho
ao mundo, todo o resto havia se tornado apenas partes secundárias da minha
vida. Quase tudo sem muita importância.
Quase tudo.
Enquanto o pequeno esfomeado revezava entre encher a pança e cochilar,
a imagem de Nichole e as palavras de Drizella voltaram a me assombrar. Não
queria imaginar como minha Hermione estava, mas não conseguia parar de
tentar deduzir como iria encontrá-la dali a poucas horas, quando embarcaríamos
juntos para os Estados Unidos.
A última semana foi uma fodida merda.
Guilherme e Thor discutiram por minha causa e quase saíram na porrada.
Minha amiga ruiva se intrometeu a tempo de salvar o dia e conseguiu apaziguar
os ânimos, mas usou argumentos pesados para convencer o pai da menina que eu
destruí quando agi como um verdadeiro filho da puta, como ele mesmo falou, a
permitir minha entrada na equipe.
E o que eu fiz enquanto eles discutiam, gritavam e quase se agrediam
fisicamente?
Nada.
Fiquei olhando pela janela e pensando em tudo que Guilherme descobriu
sobre os homens que machucaram Nichole, a ponto de traumatizá-la, e continuei
me martirizando pela culpa máxima, quase extrema. Eu ainda me questionava
por que tinha deixado as coisas chegarem ao ponto que chegaram.
Já sabia a resposta. Sempre soube, aliás, mas evitava assumir em voz
alta. Doía menos quando os pensamentos eram os únicos agressores.
Nosso único objetivo na operação era conseguir provar que Nichole
havia sido agredida enquanto esteve trancafiada na base aérea clandestina
durante o período do tal curso de merda, e com isso, acabar com as pessoas que
ainda insistiam em usar métodos ortodoxos nos treinamentos exclusivos a
profissionais gabaritados, apesar da pouca idade.
Lembrei do sorriso que aparecia nos lábios da minha Hermione todas as
vezes que descansava sua cabeça em meu peito depois de se entregar
completamente a mim. Uma lágrima escapou sem perguntar se podia molhar
meu rosto, mas não contestei sua decisão.
Não tinha mais forças para esconder a tristeza que cadenciava minha vida
àquela hora da madrugada e passar os dias fingindo que estava tudo bem, apenas
para evitar que as pessoas que me amavam não ficassem preocupadas com a
minha saúde mental, era muito mais do que eu podia aguentar.
Olhar para o garoto em meu colo talvez fosse à única coisa capaz de
amenizar minha dor.
Como contar a eles o que realmente aconteceu e o tipo de vida que a
minha própria vida tinha se transformado?
Eu me sentia envergonhado por ter agido como agi, mas fui obrigado a
escolher e foi o que fiz. Não seria possível ter tudo que eu queria e o que sempre
sonhei, não do jeito que me fazia feliz, então... só me restou optar.
E eu optei.
Poderia ter me arrependido da escolha e refazer meu caminho de volta,
também sei que todos iriam entender minha decisão, mas não consegui. Não fui
capaz, não tive coragem e me rendi a um novo amor, tão forte e tão profundo,
que se tornou impossível de descrever.
Assim também era o meu amor por Nichole; perfeito como eu sempre
imaginei que seria amar alguém. Durante muitos anos invejei Thor por amar a
Cindi de forma tão irracional, incapaz de pesar ou medir suas ações e
consequências.
Desejei que Julia fosse à mulher que me faria experimentar a
irracionalidade, o ciúme doentio, a ânsia desesperada para o próximo reencontro,
a expectativa alucinante da volta ao lar após um dia de trabalho duro, à saudade
esmagadora depois de poucas horas de distância, mas infelizmente, ela não foi
essa mulher.
Foi Hermione que despertou em mim de uma única vez todas as notas
musicais enrustidas no meu coração e me transformou em canção. Foi ela que
atingiu o ponto máximo do meu ego e o deixou tão inflado, que o estrago
deixado após a sua partida destruiu minha alto-estima e me obrigou a mudar.
Nichole despertou o monstro que hibernava nas sombras da minha alma
quando decidiu partir. Foi ela que irrigou o campo minado de impaciência e
desespero quando foi para longe. Mas não podia ser injusto e culpá-la, pois ela
queria fazer o que eu não tive coragem.
Minha Hermione queria amar profundamente e ser amada plenamente.
Ela queria ser feliz e a culpa era minha por tudo que lhe aconteceu,
desde o começo. Sempre foi e sempre seria, e a angústia vingativa me corroia
circulando em meu sangue como ferrugem em portão velho.
A garota jovem, que agarrou meu coração com apenas um olhar, fez tudo
que pôde para ficar ao meu lado e para que eu a escolhesse.
Sim, ela fez.
Mas, ignorando todas as evidências, claras como as águas do Caribe, eu
mergulhei tão fundo na escuridão da minha própria história, que meus pés não
atingiram o chão e precisei de oxigênio extra para respirar enquanto buscava
com desespero a superfície, e suportava o peso da dor avassaladora; causada pela
consciência derrotada e pelo arrependimento debochado.
Com meu filho limpo e alimentado, tomei banho e me troquei para ir à
academia. Passava das cinco da manhã e o embarque estava agendado para as
onze.
Treinar e gastar energia faria com que eu esquecesse por algum tempo a
sensação inusitada que era poder olhar para a minha Hermione novamente após
tantos meses sem qualquer notícia dela.
Antes de sair de casa deixei os dois comprimidos que Julia precisava
tomar quando acordasse no criado-mudo ao lado da cama. Todos os dias era a
mesma coisa, se eu não deixasse, ela não tomava e quem sofria era o menino
com a garganta de ouro.
Olhei a mulher que um dia ganhou meu coração ingênuo e pretensioso e
o jogou no lixo, depois de me trair das piores formas que qualquer ser humano
fosse capaz de suportar. Mas eu não era qualquer um, e silenciosamente suportei.
Asseguro de antemão que nada foi fácil, pois fui obrigado a engolir meu orgulho
machista, e ainda assim, o fiz.
Não por mim. Não por ela. Somente pelo meu mais novo amor.
Um nome sempre voltava a minha mente quando pensava em tudo que
estava suportando com aquela vida medíocre, que preenchia meus dias e noites;
Murilo Castelli, o bombeiro que fez o inferno ser conhecido na terra como um
bolo confeitado, recheado de ações que há pouco mais de quinze meses eu
recriminei muito.
Muito mesmo.
Agora eu o entendia perfeitamente, e mais ainda quando Thor dizia
entende-lo também, já naquela época. Um homem compartilha a dor do outro
quando partilha de sentimentos semelhantes. Pois é, eu também me tornei pai e
apesar de as circunstâncias não terem sido exatamente como as que eu sempre
sonhei, meu filho veio ao mundo e se tornou o meu mundo.
Faria tudo por ele e consequentemente por sua mãe. Julia dormia
serenamente como se não tivesse feito nada demais; nada de mau; nada que
acabasse com a minha vida; nada que despertasse meu ódio; nada que me
prendesse ao seu lado por pena; por culpa, por compaixão e preocupação.
Eu estava fodido mesmo.
Cheguei à academia e encontrei meu personal trainer, Ricco, o
profissional que dedicou muitas horas para me transformar num cara com
grandes músculos e que adorava divulgar meus resultados alcançados nas redes
sociais me usando como exemplo de disciplina e dedicação.
— Grande Piuí! — sorriu e estendeu o braço para me cumprimentar —
Chegou cedo mano, conseguiu o trabalho que você queria?
Retribuí o cumprimento e sorri como vinha fazendo nos últimos meses,
completamente sem vontade, apenas para não demonstrar a tristeza que me
consumia sempre que era obrigado a deixar meu filho sozinho com Julia.
— Consegui cara. O voo sai às onze horas, não posso atrasar e não queria
deixar de treinar hoje.
— Porra, assim você me mata de orgulho! Se aquece no elíptico e depois
vou te passar uma série nos aparelhos. — ele caminhou a minha frente e parou
próximo aos armários — Quer que eu monte uma planilha com exercícios
calistenicos pra você?
— São aqueles exercícios que a gente consegue fazer em qualquer lugar
e sem a ajuda de equipamentos?
— Exatamente. Sempre que sobrar um tempo poderá manter o treino
diário sem se preocupar com a perda de massa magra.
— Fechou. Manda bala então...
— Te envio por e-mail, agora vai lá pra não perder tempo.
Coloquei os fones de ouvido e fiz o que Ricco mandou. Depois de quase
uma hora pegando peso e sentindo todos os músculos do corpo queimar, voltei
para casa um pouco mais leve.
Estava morando no mesmo bairro que Lívia e Laís, uma das condições
que impus a Julia quando Pedrinho nasceu. Precisava ter certeza de que haveria
pessoas de confiança por perto, caso ela tentasse fazer alguma merda na minha
ausência.
Antes de abrir a porta da frente ouvi os gritos da mãe do meu filho. Senti
meu coração acelerar e corri para ver o que ela estava fazendo. Julia andava em
volta do berço como um animal cercando sua presa. Ela falava com o moleque
como se o pequeno entendesse que seu choro não era agradável e conveniente
àquela hora da manhã.
Mesmo suado, me aproximei para ter certeza de que não tinha feito nada
contra ele e a fuzilei com os olhos.
— O que está acontecendo Julia?
Seu olhar mudou quando me viu.
— Onde você estava? Acordei e não te achei na cama. — sua camisola
preta de renda pouco cobria seu corpo esquelético, seus seios antes fartos com o
leite diminuíram depois que ela decretou que não havia nascido para amamentar
como uma vaca, seus cabelos escuros estavam mais longos e sem corte, e seu
rosto abatido evidenciava algumas marcas de expressão no canto dos olhos —
Foi pra academia de novo?
As mudanças constantes em seu humor eram enlouquecedoras e
aconteciam em questão de segundos, sem que houvesse tempo hábil para me
preparar e saber como agir.
— Eu estava precisando...
Falei e fui em direção ao banheiro, a última coisa que eu queria era uma
Julia transtornada atrás de mim antes do café da manhã.
— Aposto que as vagabundas ficaram felizes em te ver desse jeito por lá,
né?
Não respondi. Tirei a camisa ensopada, a bermuda junto com a cueca e
entrei embaixo do chuveiro.
— Quantas foram hoje Pedro, hein? Com quantas você trepou enquanto
sua esposa estava em casa cuidando do seu filho?
Pior do que ouvir uma mulher falar sem parar, é ter que ouvir acusações
que passam longe da sua realidade. Quem me dera se de dez vezes em que fui
acusado de comer alguém, uma delas fosse verdade. Porra! Meu pau iria me
agradecer por isso.
— Você continua querendo me humilhar! Já não basta ter se entupido
daquele monte de drogas pra ficar musculoso desse jeito, ainda quer que todas as
pessoas saibam que não me respeita e vive me traindo por aí?
Tomar banho deveria ser uma tarefa fácil e relaxante, mas no meu caso,
servia apenas para lavar o corpo e entupir meus ouvidos de asneiras. Fechei o
chuveiro e me enrolei na toalha. Julia estava parada encostada na pia. Seus olhos
me analisaram e vi o desejo brilhando e acendendo dentro deles.
Puta que pariu! Logo cedo não!
Fingi que não notei sua breve calmaria passando por ela e seguindo para
o quarto. Joguei a toalha em cima da cama e abri a gaveta das cuecas. Senti seus
braços finos envolvendo minha cintura e apertei os olhos com força.
— Tira o dia de folga, vida...
Respirei fundo ignorando o pedido. Peguei algumas cuecas, camisas,
camisetas, calças e alguns pares de meias. Tudo isso com o corpo de Julia colado
ao meu, enquanto sua boca depositava beijos em minhas costas. Coitado do meu
pau que nem se mexia em resposta as carícias..
— Por que você está separando todas essas roupas Pedro?
Aproveitei sua distração para me cobrir por inteiro e virei meu corpo de
frente para ela.
— Nós conversamos sobre a minha viagem, lembra?
Claro que ela lembrava, mas como sempre, fingia que sua memória
falhava por conta da medicação forte que tomava. Uma das reações adversas que
poderiam ser causadas era amnésia, e Julia sempre usava aquele detalhe a seu
favor.
— Acho que falamos alguma coisa sobre isso. Você viaja hoje?
Segurei seus braços com delicadeza e a tirei do meu caminho, peguei a
mala da Polícia Federal e arrumei as roupas dentro dela.
— O voo sai daqui a pouco. — abaixei para retirar as botas das caixas e
sentei a beirada da cama para calçá-las — Terá uma pessoa com você todos os
dias para te levar onde quiser, a babá também virá dormir com Pedrinho e não
adianta tentar dispensá-la. — encarei seus olhos para que entendesse a seriedade
do assunto e não aprontasse nada enquanto estivesse fora, ou iria me pagar caro
— Ela tem a chave e recebeu minhas ordens diretas para chegar aqui às seis da
tarde e só sairá de manhã depois que você acordar e o menino estiver limpo e
alimentado. Não ouse fazer merda.
— Quanto tempo vai ficar fora? Para onde você vai dessa vez?
— Julia, como sempre, não sei se a operação vai ser concluída em um
dia, uma semana ou um mês, mas pode ter certeza que assim que finalizarmos eu
estarei de volta. Ok?
— Ela também vai?
— Ela quem?
Julia ainda achava que Laís e eu tínhamos um caso. Quando decidi
terminar nosso relacionamento no ano passado, ela jogou na minha cara que
sabia sobre a mulher que eu havia transado enquanto ainda estávamos juntos.
Claro que me senti um bosta. Apesar de sempre agir como um babaca, eu não
era verdadeiramente um. Respeitava Julia, mas com a minha Hermione as coisas
saíram do controle e pela primeira vez, traí minha mulher.
O problema é que depois de anunciar a gravidez e se certificar de que eu
me casaria com ela, Julia passou a afirmar que a tal mulher era Laís, irmã de
Lívia e minha melhor amiga. Porra, eu queria rir e chorar ao mesmo tempo.
Como ela podia imaginar que eu transaria com a Drizella, esposa do bombeiro?
— Julia, quando é que você vai entender de uma vez por todas que eu
nunca tive nada com a Laís? — Peguei a mala e a deixei ao lado da porta — Eu
sou seu marido e o Murilo, o bombeiro que todos conhecem inclusive você, é o
marido da Laís, que é irmão da Lívia e cunhada do Thor, nosso chefe, e esse é o
nosso trabalho. Nós somos da mesma equipe e sempre iremos trabalhar juntos,
mas isso não significa que transamos ou qualquer outra besteira que passe por
essa sua cabeça.
Meu humor já tinha fugido para a casa do caralho de vez. Todos os dias
aguentar aquela merda antes de sair para trabalhar havia se tornado parte da
minha rotina de merda.
— Eu odeio o seu trabalho!
Ela não cansava de repetir aquela frase quando me via pronto para sair de
casa.
— Mas é o meu trampo que sustenta essa casa e permitiu que você não
precisasse mais trabalhar oito horas por dia aturando o filho dos outros e
reclamando que está cansada. — segui para o quarto de Pedrinho com Julia atrás
de mim — A única coisa que você deve fazer é cuidar do nosso filho durante o
dia e dormir a noite toda, tomar seus remédios e cuidar para que eu possa ter paz
e sossego até o fim da operação. Faça isso e vamos ficar bem.
— Você fala como se fosse fácil Pedro! — seus braços me envolveram
novamente no momento em que tirei meu moleque do berço — Eu sinto tanto a
sua falta...
Com dificuldade consegui me desvencilhar e me sentei à cadeira de
reclinável sob seu olhar atento. Pedrinho abriu os olhos e me encarou como só
ele fazia. Aquele “serumaninho” parecia saber exatamente como eu me sentia
dentro daquela casa, daquela vida.
— Enquanto não admitir que precisa de ajuda e continuar agindo dessa
forma, nós nunca vamos nos entender Julia.
— É muito difícil pra mim, me sinto sozinha a maior parte do tempo e
quando você está em casa só quer ficar com ele no colo. — minha esposa se
postou de pé a minha frente e tirou a camisola ficando apenas de calcinha —
Olha pra mim Pedro e diz que ainda me deseja como antes.
Eu devia dizer a verdade. Falar que há muito tempo ela deixou de ser a
mulher que amava e desejava, mas não podia.
— Claro que eu desejo Ju... mas todas as coisas que você fez me
deixaram preocupado. Aproveita esse tempo que vamos ficar afastados e coloca
sua cabeça no lugar, faça a coisa certa com o nosso filho e seja a mulher que eu
sei que você realmente é.
Seus olhos se encheram de lágrimas e ela cobriu o rosto com as mãos.
Beijei a cabecinha do meu filho e o coloquei de volta no berço. Caminhei até
Julia e a abracei. Seu corpo miúdo foi engolido pelos meus braços fortes e sua
cabeça ficou apoiada em meu peito.
— Você é a mãe dele Julia...
— Eu sei — falou entre os soluços —, mas também não consigo me
perdoar pelo que fiz. Eu amo você Pedro e não podia te perder! Por favor, me
perdoa, me perdoa!
Meu corpo todo travou. Apertei os olhos e respirei profundamente antes
de afastá-la o suficiente para olhar em seus olhos em busca da veracidade nas
palavras e o arrependimento sincero, mas novamente não encontrei. Eu nunca
encontrava porque ela não se arrependia de nada, o que provocava o aumento da
raiva que crescia dentro de mim sem ter uma saída de emergência para
extravasar e me libertar.
Eu acumulava tanta coisa por tempo demais, que temia o momento em
que a explosão necessária chegasse e destruísse tudo que estivesse pela frente.
— Faça o que eu pedi e quando voltar, nós tentaremos recomeçar.
Beijei sua testa, me despedi de Pedrinho com o coração aflito e saí de
casa sem olhar para trás. Se olhasse, talvez minha coragem de deixar meu filho
com a própria mãe me impedisse de seguir a diante.
Peguei meu celular e liguei para Thor que atendeu no segundo toque.
— Fala.
Sorri com o mau humor matinal do meu amigo.
— Bom dia pra você também...
— Está pronto?
— Estou saindo de casa. Preciso de um favor, mas não quero que conte
pra Cindi.
— Eu já coloquei os dois seguranças e pedi pra faxineira ficar de olho
nela.
Quando você tem um amigo de verdade, tudo fica mais fácil na sua vida.
Thor era esse cara, meu único e verdadeiro amigo.
— Valeu cara. Fico te devendo essa.
— Vai encontrar a Laís?
— Daqui a dois minutos estarei na porta da casa dela. O bombeiro vai
nos levar até a pista de voo.
— Ótimo. Não me deixem sem notícias e ignora o Guilherme, o cara está
uma pilha de nervos e a sua presença não vai facilitar a vida de ninguém nas
primeiras horas dentro do avião.
— To ligado.
— Piuí...
Eu sabia que ele iria falar algo sobre Nichole e não estava pronto para
ouvir, mas não podia impedi-lo de dizer. Thor era meu chefe e confiava em mim
para que tudo saísse como deveria.
— Quando colocar os olhos nela, tenta não demonstrar surpresa. — ouvi
sua respiração profunda do outro lado da linha e meu coração acelerou ainda
mais em expectativa — Só finge que está tudo bem e que ela ainda é a nossa
Nichole.
— Você encontrou com ela?
Puta merda, eu havia me esquecido como era bom sentir aquela sensação
de embrulho no estômago. Tudo o que mais queria era colocar meus olhos nela.
— Infelizmente sim, garoto.
Parei de andar. O que ele queria dizer com infelizmente?
— Desembucha porra!
— Se eu soubesse que Laís não tinha exagerado quando falou sobre o
estado da garota, não teria permitido que você fosse.
— Por quê? Vai me dizer que agora você também acha que eu não vou
aguentar o tranco de encontrar com ela?
— Garoto, confia em mim, eu não acho nada. Eu sei que você não vai
aguentar...
As palavras de Thor me acompanharam durante todo o trajeto até a pista
de voo onde o avião da N5 Security iria embarcar. Mas quando meus olhos se
fixaram na mulher parada de costas ao lado de Guilherme, tive certeza de que
tudo que havia acontecido comigo nos últimos meses, não foi absolutamente
nada, comparado ao que aconteceu com a minha Hermione.
Meu coração sangrou e a explosão que eu tanto temia estava mais
próxima do que nunca.
CAPÍTULO 3
PIUÍ

— Olha pra mim! — Laís rosnou, mas não conseguia desviar meus olhos
de Nichole.
— Olha pra mim, PORRA!
A voz irritada da minha amiga me tirou dos devaneios e a encarei ainda
sob o efeito anestésico que me impedia de raciocinar com clareza.
— Não tira os olhos de mim. — falou firme segurando meu rosto entre
suas mãos — Respira fundo e se acalma. Vamos! Você consegue.
As duas últimas palavras soaram como uma súplica desesperada. Fechei
os olhos e puxei o ar para dentro dos meus pulmões tentando recuperar o
controle da minha respiração totalmente irregular.
— Eu imagino o quanto é difícil pra você, mas não pode fraquejar agora.
— Laís olhou por cima do ombro para ter certeza de que ainda não tínhamos
sido vistos. — Tudo que o Guilherme quer é apenas um motivo pra te impedir de
embarcar naquele avião, mas eu também preciso ter certeza de que vai ficar bem,
ou pelo menos fingir bem que está bem. — ela apertou os olhos se recriminando
por alguns segundos e voltou a fixar seus olhos nos meus — É confuso, eu sei,
mas é exatamente isso que quis dizer. Você não está bem e não vai ficar bem,
mas precisa fingir que está tudo bem se quiser mesmo fazer parte da equipe. Tem
certeza que consegue?
Tantas coisas passaram pela minha cabeça, imaginei milhares de
situações adversas e me preparei com afinco para encontrar minha Hermione e
conseguir ser forte por ela, mas nada no mundo poderia me preparar para o que
estava bem a minha frente. Nada.
— Eu vou conseguir...
— Precisa de um tempo ou podemos ir até eles?
A expressão de preocupação na cara da ruiva me faria sorrir em outros
tempos. Sempre fui um cara bem humorado e conseguia rir de tudo nos piores
momentos, mas aquele garoto com o espírito livre havia sido deixado pelo
caminho que percorreu.
Eu não tinha mais motivos para me divertir ou tentar encontrar o lado
bom nas coisas e nas pessoas. Minha única preocupação era conquistar minha
rendição por todo mal que causei a Nichole e seguir em frente, carregando o
fardo que pertencia somente a mim e não deveria ser compartilhado com outras
pessoas.
— Podemos ir. — abracei Laís e seu corpo foi apertado com força junto
ao meu, como se fosse um bote salva vidas agarrado em alto mar por um
náufrago desesperado — Não se preocupe tanto, eu não vou desistir de cumprir
minhas obrigações.
Ela se afastou o suficiente para me encarar com seus olhos amendoados.
Minha amiga estava sofrendo por minha causa e eu sabia que não adiantaria falar
ou alegar qualquer coisa. Drizella me conhecia o suficiente para saber que há
tempos minha vida tinha descarrilado e não voltaria ao normal tão cedo.
— Não é só porque agora está todo “bombadão” que deixou de ser o
garoto irritante que se tornou um irmão pra mim. Até agora eu deixei que se
afastasse e agisse sozinho, mas seu tempo acabou seu idiota, e não vai mais me
manter longe. Sou sua amiga e vou te ajudar a recuperar sua felicidade. — seus
olhos marejaram e os meus não quiseram ficar para trás se enchendo de água
também — Não aguento mais te ver desse jeito Piuí, aliás, ninguém aguenta.
Todos nós estamos sofrendo com a sua mudança e tudo que você faz é se isolar e
impedir que a gente te ajude. Acabou. Vamos resolver tudo juntos daqui pra
frente e nem adianta reclamar.
Eu ia começar a debater quando sua mão tapou minha boca me
impedindo de falar.
— Não é um pedido grandão, apenas um aviso. Você me ajudou quando
minha alma estava morrendo, agora está na hora de aceitar a retribuição. — Laís
me abraçou e aproveitou para enxugar nossas lágrimas — Sua Hermione
também precisa de nós. Se recomponha e não deixe que a aparência dela te abale
ainda mais.
— De frente é ainda pior?
Se ver Nichole de costas já tinha sido como levar uma facada no
estômago, o que de pior poderia ser quando a visse cara a cara?
— Muito pior Piuí... muito pior...
Laís se despediu do marido que nos observava a distância com Joshua
agarrado em suas pernas. Fiz o mesmo sem muito ânimo e segui minha amiga
até o local combinado para o embarque.
Guilherme se virou quando ouviu o barulho das botas esmagando o piso
reservado aos tripulantes, seus olhos não demonstravam nada além de ódio. Não
sabia dizer se aquele rancor era destinado exclusivamente a mim, mas poderia
apostar que grande parte dele, sim. Era todo meu.
— Guilherme, como vai? — Laís cumprimentou o ex-agente com um
abraço rápido e sorriu parando a frente de Nichole que continuava de costas para
mim ao lado do pai — Como vai menina? — o sorriso da ruiva para a amiga
acalmou meu coração agitado e mesmo sem ver a expressão da mulher que se
mantinha como uma estátua sem mover um músculo sequer e mal respirava,
percebi que seus ombros relaxaram quando viu a ruiva.
Não houve retribuição no abraço que recebeu de Laís, suas mãos
permaneceram dentro dos bolsos da calça preta larga, que antes se agarrava com
perfeição as curvas de seu corpo.
Fingindo o máximo que pude me aproximei de Guilherme com firmeza
ao realizar cada movimento controladamente para não correr o risco de deixar
evidente o meu medo e meu nervosismo.
— Agente.
Ofereci minha mão que foi apertada por obrigação e formalidade. O
contato foi rápido e extremamente profissional, sem qualquer resquício do bom
relacionamento e amizade que tínhamos quando nos conhecemos, há pouco mais
de um ano.
O corpo de Nichole ficou tenso quando ouviu minha voz, mas sua
postura permaneceu igual, sem nenhuma alteração.
Fiz o mesmo percurso que Laís e parei a sua frente perdendo
completamente o ar ao me deparar com seu rosto. Nossos olhares se encontraram
brevemente, pois minha Hermione sequer permitiu que eu a cumprimentasse
com um aceno de cabeça ou um simples “Oi”. Virou de costas e caminhou em
direção ao avião que estava pronto para decolar.
— Eu sinto muito... — foi à única coisa que consegui falar quando
Guilherme passou por mim seguindo na mesma direção que sua única filha.
— Não sinta. — ele parou e me encarou demorando alguns segundos
para concluir seus pensamentos — Você sabe que não é bem-vindo nessa
operação, mas em respeito a tudo que Mateus fez por mim e pela minha equipe,
permiti que viesse. Fique longe da minha filha, de preferência nem respire perto
dela e voltará pra casa com vida, ou eu não respondo por mim, e te mando de
volta dentro de um caixão.
— Piuí...
Laís estava pronta para começar o sermão quando eu a cortei.
— Agora não. — peguei nossas malas e de cabeça erguida acenei para
que me seguisse pelo mesmo caminho que pai e filha tinham feito poucos
minutos antes — Preciso de todos os detalhes sobre o que pode ter acontecido
com ela e você vai me atualizar enquanto voamos.
— Achei que fosse explodir e mandar o Guilherme se foder!
Eu me aproximei do bagageiro e entreguei as duas malas pesadas ao
encarregado. Passei meu braço sobre os ombros de Laís e falei baixinho
enquanto subíamos no avião.
— O cara está perdido em seu ódio e precisa descontar em alguém.
— Mas não está certo ele culpar você por tudo que aconteceu com ela
naquela base.
— Aí que você se engana Dri. — a ruiva revirou os olhos por causa do
apelido, e eu me esforcei para sorrir e disfarçar o embrulho que havia se
instalado em meu estômago desde olhei para Nichole. — Foi por minha causa
que ela quis sair do país e se não fosse por todas as merdas que fiz nada disso
teria acontecido.
— Errado seu idiota! — minha amiga segurou meu braço me impedindo
pisar no último degrau da escada que nos separava da aeronave — Você pode ter
errado, mas não vamos isentá-la de parte da culpa. Ela sabia que estava com a
Julia quando ficou com você e não precisava ter fugido para os Estados Unidos
quando soube que iria se casar. O que fizeram com ela durante a porra do curso
não tem absolutamente nada a ver com as suas escolhas e essa história tem que
acabar. Agora.
Eu conhecia muito bem minha amiga ruiva e desde que nos conhecemos
só a vi naquele estado transtornado apenas uma vez, e não era uma das melhores
lembranças que tinha dela. Pelo contrário, se não fosse à pior, estava na lista das
“Top 3”, com toda certeza.
— Vamos deixar as coisas como estão, por favor, Drizella. — suas
bochechas estavam vermelhas e ela parecia que pronta para explodir — Ainda
nem embarcamos e se arrumar confusão com ele agora eu corro um sério risco
de ficar em solo brasileiro. Senta do meu lado e me conta tudo o que sabe sobre
esse grupo de mercenários envolvidos no curso.
Laís bufou, resmungou, xingou e por fim, cedeu. O avião era pequeno e
havia cerca de dez pessoas sentadas aguardando a decolagem. Apenas homens
desconhecidos vestindo roupas pretas e armados dos pés a cabeça.
Olhei rapidamente em volta e não vi Nichole em lugar nenhum. Com
certeza iria acompanhar o piloto na cabine para evitar ficar no mesmo ambiente
que eu. Apesar de ter me impressionado com a sua aparência, tive esperança de
que poderia observá-la durante a viagem, mesmo que fosse de longe.
— Boa tarde senhores e... senhora. — a voz de Guilherme ecoou nos
auto falantes simultaneamente com o fechamento das portas do avião —
Estamos embarcando para a cidade da Califórnia, nos Estados Unidos, onde
faremos um pouso nada convencional em uma pista particular, e de lá,
seguiremos divididos em grupos de quatro pessoas até o Deserto de Mojave,
para averiguação e reconhecimento do lugar. Todos receberão suas respectivas
tarefas e não aceitarei qualquer tipo de contestação quanto a elas. Teremos
armamento de última geração a nossa disposição e todo tipo de suprimento que
precisarem. Aproveitem a viagem e descansem, pois teremos muito trabalho nos
próximos dias e pretendo estar em casa o mais rápido possível. Tenham todos
uma boa viagem.
Houve burburinhos, mas logo o silêncio se instalou. Esperei que o avião
decolasse e quando se estabilizou no ar olhei para o lado e chamei a atenção de
Laís que apreciava a vista pela janela.
— O que você ficou sabendo quando esteve na casa de Guilherme?
A ruiva abriu sua bagagem de mão e retirou algumas folhas amassadas e
começou a relatar:
— O curso que Nichole sonhava fazer era ilegal e seria custeado por
dinheiro de empresas que bancariam todas as despesas para ter em seu quadro de
funcionários pilotos jovens, desconhecidos e com habilidades aprimoradas. A
principal promessa dos organizadores era preparar os alunos inscritos para
pilotar o avião mais rápido do mundo, o F-22, mais conhecido como “Raptor”.
— Laís me entregou uma fotografia do avião que mais parecia de brinquedo —
Essa aeronave é invisível aos olhos do inimigo e pode atingir 2.400 km/hr, duas
vezes mais rápido do que a velocidade da luz, por ser um caça de pós-
combustão. Traduzindo, essa máquina parece um foguete rasgando o ar. Ele tem
um compartimento de armas que pode levar até 6.000 quilos de mísseis, bombas
e outros explosivos, sendo que alguns são guiados por GPS. O único empecilho
para centenas de pilotos que desejam pilotar essa belezinha, é que apenas
cidadãos norte-americanos podem ingressar a força aérea e o sonho se torna
impossível para os estrangeiros.
— Como eles conseguiram o avião para usar no curso?
— Esse é o ponto meu amigo, eles não conseguiram. — Laís me
entregou outra fotografia, mas naquela havia cinco homens vestidos com o
uniforme do exército americano. — O grupo aparentemente tinha todo o
esquema pronto para receber o avião que seria “emprestado” pelo prazo de um
ano. Também conseguiu a permissão para usar uma área restrita do Deserto de
Mojave, onde fica um dos maiores cemitérios de aviões de guerra do mundo, o
que facilitaria o esquema e tornaria o curso viável financeiramente.
— O que deu errado?
— Ninguém sabe.
— Porra! Aí você me fode Drizella. Como assim ninguém sabe?
— A única pessoa que sabe e poderia falar alguma coisa está lá na cabine
nesse exato momento e tem crises fortíssimas sempre que é questionada sobre
essa porra de assunto. — ela bufou e abaixou seu tom de voz que já estava
alterado — Desde que a menina voltou, Guilherme tentou de todas as formas
fazê-la falar, mas nenhuma deu certo Piuí. Você viu como ela está e ninguém
teve coragem de levar a garota ao limite.
— Quem são esses caras?
Devolvi as duas fotografias para ela que guardou novamente na bolsa,
fechando o zíper em seguida.
— O líder é um cara chamado Zen Wilder, ex-coronel das tropas
especiais e acusado de cometer diversos crimes de guerra, os outros são apenas
soldados que se rebelaram e mercenários em busca de emoção.
— Tem certeza que Guilherme não sabe de mais nada?
— Mesmo que eu soubesse não lhe contaria. — a voz do ex-agente fez
com que olhássemos na mesma hora para ele, parado no corredor nos encarando
com cara de poucos amigos.
— Estou tentando entender o que exatamente estamos procurando. —
não deixei que seu olhar de macho alfa dominante e todas essas merdas que as
mulheres adoram me intimidar. — Mesmo que a gente encontre esse tal de Zen
Wilder, como vamos saber o que aconteceu com a Nichole?
— Não pretendo descobrir nada.
— E vai fazer o que?
— Matar todos eles, um por um.
— Não sei se já parou pra pensar Guilherme, mas esses caras podem ser
apenas bodes expiatórios e os verdadeiros culpados por tudo que aconteceu vão
continuar machucando inocentes se não for pegos.
Ele franziu a testa e inclinou o corpo na minha direção. O cara era uma
verdadeira mala sem alça, com as rodinhas quebradas e de papelão em dia de
chuva. Se quando meu corpo era magrelo e franzino eu já não me importava com
aquele tipo de ameaça silenciosa, do jeito que eu estava, era apenas uma questão
de muito pouco tempo até enfiar a cara dele no primeiro exaustor que
encontrasse.
Se não fosse pai da Hermione já estaria dando beijos de língua no chão,
chamando a sola da minha bota de amante.
Babaca de merda.
— Não temos como saber de onde saiu o dinheiro que financiou o curso
e a última coisa que eu quero é um acidente internacional que comprometa não
só a operação, mas a atuação da N5 em solo americano.
Sorri debochado. O ex-agente realmente subestimava minha inteligência.
Mal sabia ele que todas as estratégias que Thor usava para que todas as
operações tivessem êxito passavam pelas minhas mãos antes de serem
apresentadas.
Ao contrário de Guilherme, meu amigo acreditava em mim, e sabia que a
experiência adquirida durante todos os anos vividos no Teteu somada ao período
que trabalhei como seu braço direito, quando se tornou responsável pela equipe
fantasma no Rio de Janeiro, servia para ajudá-lo na antecipação de possíveis
problemas.
Problemas esses, que poderiam ser evitados ou no mínimo adiados, nos
dando margem de tempo suficiente para preparar uma nova estratégia, de ataque
ou de fuga, se fosse necessário abandonar o barco e aguardar uma nova
oportunidade para finalizar a operação que estivesse em andamento.
— Está tentando me convencer que montou uma equipe com todos esses
homens treinados e fortemente armados para atravessar o Oceano e matar cinco
soldados pau mandados? — sorri debochado ao ver sua cara feia ainda mais
irritada por ter sido pego em uma grande mentira deslavada. — Guilherme, eu
odeio admitir isso em voz alta, mas até seu pai, Kaio, Ferraz e Cilas, que juntos
devem chegar aí a uns... — fingi calcular e falei sorrindo cinicamente —,
trezentos anos de idade, poderiam fazer esse serviço com os pés nas costas.
— Como eu disse, todos vocês irão receber suas tarefas e eu não vou
aceitar qualquer contestação.
Guilherme cruzou os braços e minha paciência simplesmente fugiu pelos
ares. Fiquei em pé de frente para ele sentindo meu corpo ferver de raiva.
— Eu não sou a porra do seu empregado. — rosnei baixo encarando seus
olhos que fuzilavam os meus — E não pense que vou ficar de braços cruzados
enquanto você vai atrás dos verdadeiros responsáveis por tudo que aconteceu
com ela, porque eu não vou.
— Você já causou muito estrago na vida dela, não acha?
— O que aconteceu entre Nichole e eu não tem nada a ver com o que
fizeram com ela naquela merda!
— Mas foi por sua culpa que minha filha quis fugir!
A discussão chamou a atenção de todos os tripulantes e o braço de Laís
envolvia minha cintura numa tentativa de me segurar e impedir que eu partisse
para cima de Guilherme.
— Eu poderia culpar você e seu pai por não ter investigado melhor
aquela merda!
— Se você fosse um homem de verdade não teria feito o que fez com
ela! — com um passo a frente seu rosto ficou a poucos milímetros do meu —
Você usou a minha filha como quem usa uma roupa qualquer, seu filho da puta!
— Não fale sobre o que você não sabe!
— Eu sei o que aconteceu seu desgraçado! Foi para mim que ela ligou
implorando para ir buscá-la porque não tinha condições de dirigir àquela hora da
noite. — seus olhos se encheram de lágrimas não derramadas de ódio e
desprezo. — Eu encontrei minha filha largada naquele quarto de motel depois
que você transou com ela e resolveu avisar que ia se casar com outra mulher!
Meu coração doeu dentro do peito ao ouvir Guilherme falar sobre a
última noite que tive Nichole em meus braços. Eu errei, mas nunca agiria da
forma que ele estava me acusando.
— Não foi isso que aconteceu!
— A culpa é toda sua seu miserável! Foi por sua causa que min...
— Guilherme.
A voz estrangulada de Nichole impediu que seu pai continuasse as
acusações e xingamentos. Olhei em sua direção e o mundo desabou em cima da
minha cabeça quando vi o seu rosto deformado e vazio de qualquer
sentimento.
— Filha...
O ex-agente tentou se aproximar dela, mas não conseguiu. Minha
Hermione deu um passo para trás e deixou claro que não permitiria o contato.
Não sabia o que fazer, falar e até mesmo sentir ao ver sua negativa ao homem
que sempre amou e admirou.
— A única culpada sou eu. — sua fala estava comprometida e as palavras
ditas pausadamente não eram claras, seus olhos não deixaram os de Guilherme
enquanto tentava se comunicar — Apenas esqueça.
Nichole não chorou ou demonstrou qualquer tipo de sentimento. Esperou
que o pai passasse por ela e me encarou com seu olhar apático e frio.
— Faça o seu trabalho. — falou com dificuldade — Não se meta na
minha vida.
Virou de costas e seguiu Guilherme para dentro da cabine do piloto.
Meus olhos se prenderam em seu corpo magro e corcunda caminhando
lentamente até que a porta se fechou e o silêncio voltou a imperar dentro do
avião.
— Vem Piuí, senta.
Laís me puxou e eu fui sem reclamar.
— Meu Deus... você precisa se controlar ou não vamos chegar inteiros.
Abaixei minha cabeça apoiando-a nas mãos lamentando profundamente
por todo mal que fiz a única mulher que amei em toda a minha vida.
Naquele instante decidi que nem mesmo Guilherme me impediria de
encontrar os culpados por tudo que ela passou.
— Eu preciso de um tempo Drizella.
— Não Piuí. — Laís massageou minhas costas e falou em meu ouvido
sem vacilar. — Você precisa decidir se quer continuar com a sua vida de merda
ao lado daquela falsa que te manipula o tempo todo, ou se quer enfrentar seus
problemas de frente e reconquistar a mulher que realmente ama. Essa é a
verdade nua e crua que você precisa ouvir agora meu amigo, e eu sou a amiga
bruxa sem coração que vai enfiar essa porra goela abaixo.
Drizella beijou minha cabeça e sua mão diminuiu o aperto em meu
ombro tencionado.
— Você precisa reagir e tem que ser rápido, ou vai ser engolido e passar
o resto dos seus dias sofrendo pelo que poderia ter feito e não fez. Mas não
demora muito, e dessa vez, nem sonha que eu vou deixar aquela víbora usar seu
filho pra te chantagear. O tempo ta passando Piuí e quando enxergar a burrada
que fez, pode ser tarde demais pra voltar atrás.
Encostei a cabeça na poltrona e fechei os olhos procurando uma solução,
mas a única coisa que insistia em castigar minha mente era a imagem de Nichole
e toda a dor que sentia ao olhar para o que restou da menina que eu conheci há
pouco tempo atrás.
Minha Hermione era apenas um vulto opaco e sem vida ocupando um
pequeno espaço no meio do mundo. Eu precisava trazê-la de volta e mostrar a
ela o quanto a amava. Laís estava certa, o tempo estava correndo e a cada minuto
que passava mais longe eu ficava da minha felicidade.
Nichole era minha felicidade e eu iria lutar por ela, como lutaria para
ficar com Pedrinho quando voltasse para casa.
CAPÍTULO 4

NICHOLE

A sirene tocou e em poucos segundos um dos homens que haviam sido


apresentados como instrutor invadiu o dormitório que eu dividia com Marcia, a
outra brasileira que também havia conseguido uma vaga para o curso.
Éramos sete alunos, cinco homens e duas mulheres, todos com idade
inferior a vinte e cinco anos. Eu era a mais nova e a única que morava no Brasil.
Marcia vivia em Nova York com seus pais, que optaram viver fora do
país quando ela ainda era pequena. Uma semana havia se passado e as coisas
caminhavam bem, até aquele momento.
O olhar daquele homem, grande e intimidador, me causou repulsa, não
estávamos vestidas adequadamente para deixar o pequeno cômodo, com apenas
duas camas de solteiro e um guarda-roupa que comportava apenas nossos
uniformes, cedidos no primeiro dia, logo que chegamos à base montada
estrategicamente no meio do deserto de Mojave.
Ficamos paradas ao lado das camas e aguardamos as ordens a serem
seguidas. Com passos firmes ele se aproximou de Marcia e analisou
descaradamente seu corpo, dos pés a cabeça. Seus cabelos negros e ondulados
caíam soltos e desciam até o meio das suas costas, seus olhos pretos
arredondados o encaravam sem qualquer vestígio de medo.
O homem contornou ao seu redor e parou atrás dela, apreciando a visão
de sua bunda arrebitada coberta apenas por um short minúsculo. De onde eu
estava pude ver a língua deslizando entre os lábios do troglodita e soube que
teríamos problemas sérios.
Ao contrário do que pensei que ele faria, ordenou que Marcia se trocasse,
seguisse para a área de treinamento e informasse os demais sobre a minha
ausência, pois minha aula seria “particular” durante o período da manhã.
Medo percorreu meu corpo.
Não conseguia me concentrar em nada, somente no jeito pervertido que
me olhava após a saída da morena. Suas mãos envolveram meu pescoço com
força bruta e sem dificuldade meu suspendeu meu corpo impedindo o ar de
entrar em meus pulmões.
Minhas mãos correram para tentar afrouxar o aperto que machucava e
sufocava, mas foi em vão. O cálculo foi perfeito e apenas quando minha
consciência se preparava para me abandonar, ele me solou deixando que meu
corpo desabasse no chão sem qualquer cuidado.
Naquela manhã tive a primeira lição importante do curso; James Hudson
me ensinou que nunca devemos acreditar em tudo que ouvimos. As pessoas
mentem e te usam sempre que se sentirem confiantes.
Não dê poder a ninguém e apenas assim, não sairá machucada.
Eu me lembrei das promessas feitas pelo homem que amei e que foram
quebradas com extrema facilidade quando seus sentimentos foram colocados a
prova.
Eu havia acreditado em suas palavras, lhe dei poder sobre mim e fui
machucada como nunca imaginei que seria um dia. Meu coração ainda sangrava
por ele e a minha esperança foi toda depositada naquele curso e no tempo que
ficaria afastada cuidando dos ferimentos que sua rejeição me causou.
Estava decidida, e só voltaria quando me sentisse preparada para retomar
a minha vida sem dor ou arrependimento.
Os pensamentos se conflitaram na minha cabeça e todo o pavor que senti
durante as intermináveis horas na presença de um dos homens mais violentos
que já conheci, surtiu efeito contrário e se tornou muito bem-vindo para aplacar
a dor que insistia em se exilar sob minha pele.
Quando o primeiro mês finalmente foi completado, os sinais de desgaste
físico e mental se tornaram explícitos. Diariamente éramos submetidos a testes
de aptidão física e psicológica das maneiras mais cruéis e destrutivas, tudo com
um pano de fundo encobrindo o que realmente acontecia com cada um dos
pilotos.
Admitir que você foi vítima nem sempre é uma tarefa fácil,
principalmente quando não temos motivos para voltar para casa, ou pior, para
quem retornar. Se houvesse um motivo apenas, talvez meu esforço tivesse sido
maior, mas não pensei sobre isso e me recusava a deixar que minha mente
revivesse tais memórias.
A vergonha e a humilhação se tornaram sombras da menina inexperiente
e cheia de ilusões que eu pensei que era, mas nunca fui e certamente, jamais
seria.
Eu me redescobri e aprendi todas as lições.
As manhãs de segunda-feira de James eram dedicadas a mim,
exclusivamente. Meu corpo foi levado ao limite da dor e do constrangimento.
Aguentei tudo que me obriguei a aguentar aceitando que aprender a pilotar um
F-22 seria a última coisa que faria naquele curso.
Mas no fim do terceiro mês a única coisa que eu desejava era fugir
daquele lugar que chamavam de base, e com a ajuda da minha amiga, Marcia,
arquitetei um plano de fuga. Estava pronta para deixar tudo para trás e recomeçar
longe de todos que haviam feito parte de uma vida que não me pertencia mais.
Usei o que sabia e copiei modelos de operações usados pela empresa que
meu pai, Guilherme, e meu avô Nicholas Castro, dirigiam com sucesso no
Brasil. Deixei que minha arrogância sobrepusesse minha humildade e por
excesso de confiança, permiti que fôssemos capturadas há poucos quilômetros
antes de atravessarmos os portões que cercavam a base clandestina.
Se eu achava que minha vida estava acabada por tudo que havia sofrido
no primeiro trimestre, foi porque não tinha a menor noção do que aconteceria
comigo nos meses sucessores a tentativa fracassada de sair daquele inferno.
Perdi muito mais do que minha amiga, que foi brutalmente assassinada
na minha frente para que me servisse de exemplo; perdi meu corpo, minha
identidade, minha vida.
Minha volta ao Brasil, não teve nada a ver com Guilherme, Pedro, Laís,
Isabela, Nicholas, ou, qualquer outro que se achasse importante para aquela
garota idiota; que deixou o país com o objetivo de superar a dor de perder o
amor de um homem que nunca a amou de verdade, e de quebra, fazer parte de
um grupo seleto de pilotos que tinha a ilusão de registrar seu nome na história da
aviação mundial.
Nenhuma dessas pessoas permaneceria ao meu lado depois que eu
finalizasse a minha última missão; a única que ainda me motivava a continuar de
pé.
Eu vingaria minha amiga.
Mataria todos os culpados pela sua morte e seria a assassina que fui
severamente treinada para me tornar. Eles me criaram e se tornariam cobaias de
seu próprio experimento.
Meu passado foi apagado da minha mente. Não havia mais o órgão
chamado coração dentro do meu peito, não havia sentimentos, emoções, e a
culpa por usar aqueles que achavam que ainda me conheciam, não me remoia.
Ignorar os olhares assustados de todos que me encaravam pela primeira
vez desde a minha volta premeditada, se tornou algo comum e indiferente.
Tanto quanto alimentar a ilusão de que um dia, com muito esforço e
dedicação de todos que diziam amar aquela garota, tudo poderia voltar a ser
como era.
Eles acreditavam que seria possível resgatar a jovem que partiu por amar
demais, mas não sabiam que esse resgate se tornou impossível, pois aquela que
tanto desejavam resgatar estava morta e enterrada, e a sua ressurreição não era
uma opção.
Não para mim.
De todas as lições que aprendi durante os doze meses sob tortura diária, a
mais conveniente foi que; depois de conhecer o inferno e deixar se encantar por
ele, você compreende que o amor é a mais tola distração que a mulher que eu
havia me tornado pode ter em seu caminho.
Eu não precisava, além de odiar ser distraída por besteiras, e foi para me
assegurar de que nada atrapalharia meus planos, que interrompi a discussão entre
Guilherme e Pedro no corredor do avião que nos levava até a Califórnia. Agora
teria que aturar até o final do percurso, um par de olhos me encarando como se o
mundo fosse acabar.
Guilherme ainda não tinha entendido que não haveria uma nova chance,
um novo tratamento e sua filha de volta.
Eu não deixaria que nenhum deles morresse nos Estados Unidos, cuidaria
pessoalmente de todos os detalhes para que os tripulantes daquele avião
terminassem suas missões e lucrassem com os méritos do sucesso, mas a volta
para o Brasil seria uma tarefa que não caberia a mim.
Em um mês eu estaria embarcando para Amsterdã e nunca mais ouviriam
falar em Nichole Gomes Castro.
Eu iria desaparecer de uma vez por todas, como deveria ter feito há
meses, se eles não tivessem atrapalhado meu plano, e daquela vez seria
diferente.
Estava tudo pronto e daria certo.
Eu não iria cometer nenhuma falha e não permitiria que ninguém se
intrometesse no meu caminho, nem mesmo o homem de olhos escuros que me
encarava profundamente buscando uma conversa muda.
O mesmo que invadia meus sonhos todas as noites me obrigando a
lembrar de uma menina gentil e apaixonada, ferida e magoada que teve seu
coração infantil e abobalhado esmagado como um inseto insignificante.
Seu corpo magro estava esculpido por músculos perfeitos e seu olhar
parecia tão amargurado quanto o meu. Impossível não notar sua mudança física
tão evidente aos olhos, e impedir o desejo de prová-lo como antes ressurgir das
cinzas, mas ao contrário da antiga Nichole, eu aprendi a omitir minhas emoções
e sabia exatamente o que fazer para impedir que ele se aproximasse.
Pedro fazia parte de quem um dia eu fui e lá ele ficaria. Trancado com o
passado causador de todas as minhas marcas e cicatrizes, vivas e recentes que se
opunham a minha alma morta e desacreditada.
Se algum dia sonhei com um futuro repleto de felicidade, ali dentro da
cabine me encarando no pequeno espelho, senti o peso de tudo que passei e
enxerguei pela primeira vez a imagem do ser humano danificado de forma
violenta que carregava sozinho as lembranças de sua triste trajetória refletido, e
senti o baque real.
Aquela era eu, uma mulher que viveu o que nenhuma pessoa deveria
viver, mas sobreviveu. A pergunta que me atormentava diariamente se repetiu
mentalmente:
Não seria melhor ter me entregado e deixado que me matassem como
fizeram com os outros?
Eu ainda não sabia a resposta, mas estava bem perto de descobrir.
CAPÍTULO 5

PIUÍ

Laís dormiu o restante da viagem, que parecia não ter fim, mas não me
preocupei e justifiquei minha impaciência por causa da ansiedade em ver
Nichole novamente. Já tinha decidido que falaria com ela antes de entrarmos nos
carros.
Claro que Guilherme não deixaria que a filha fosse comigo e não
esperava outra atitude dele. O fato é que eu precisava falar com ela, qualquer
besteira que viesse a minha cabeça, mas tinha que ouvir sua voz mais uma vez.
Depois do pouso um tanto preocupante, as portas se abriram e os poucos
passageiros iniciaram a descida. A cabine permanecia fechada.
Peguei minha mochila e esperei que a ruiva ajeitasse o cabelo para segui-
la. Foi quando ouvi um barulho e vi o ex-agente caminhar em nossa direção com
a expressão de quem havia passado mal.
Em vez de seguir meu caminho esperei e deixei que ele passasse por mim
evitando contato visual e agradeci mentalmente por ele fazer o mesmo. Um
homem que eu ainda não tinha visto saiu logo atrás dele e deduzi que era o
piloto.
— Vai esperar?
Minha amiga perguntou olhando na mesma direção que meus olhos
estavam fixados.
— Vou, preciso falar com ela.
— Tudo bem, vou tentar distrair o Guilherme e te dar um tempo para ver
o que consegue. — segurou minha mão e sorriu com suas bochechas
avermelhadas — Tenha calma e não força a barra agora.
Assenti e continuei parado. Minhas mãos inquietas sossegaram quando a
porta da cabine foi aberta pela última vez e minha Hermione passou por ela com
a cabeça baixa, olhando para o celular.
Quando me viu foi como se um raio tivesse atingido meu peito e a dor
causada por ele deveria estar estampada em meu rosto. Não era fácil encarar
todos os ferimentos sem me impressionar.
Nichole não parou de andar, ela caminhou como se não houvesse
ninguém impedindo seu caminho e quando meu corpo finalmente obrigou seus
olhos a se encontrarem com os meus, um vestígio de muitas emoções
desconhecidas dançaram exibidas dentro deles.
— Podemos conversar?
Minha voz era praticamente um sussurro. Seus olhos antes brilhantes e
cheios de vida me encararam escuros e intimidadores.
— Você quer falar comigo?
A mulher pequena e aparentemente frágil estava bem distante da menina
que conheci e me apaixonei, mas havia mais dela do que Nichole tentava
esconder.
— Na verdade quero, muito.
Ela deu de ombros e permaneceu em silêncio me deixando constrangido
e sem ação. Eu esperava um xingamento ou uma porrada, mas sua indiferença
acabou comigo.
— Pode me contar o que aconteceu com você enquanto esteve no curso?
— Não.
Sua voz calma contradizia a tensão de seu corpo diante de mim.
— Por que não quer falar?
— Porque não é da sua conta.
Olhando para ela de perto percebi que sua fala não estava comprometida
como pensei, mas a dificuldade de pronunciar as palavras se devia a sua boca e
língua que estavam machucadas.
— Nichole, eu sei que tudo que aconteceu entre a gente foi errado e
acabou muita mal, mas preciso que entenda que...
— Não. — ela me interrompeu negando com a cabeça — Acabou.
Passado. Agora saia da frente e me deixe em paz.
Seu olhar frio quase me desconcertou, quase. Cruzei os braços a frente do
peito e não movi um músculo sequer, se a minha Hermione queria me provar que
conseguia agir como se nunca tivéssemos compartilhado sentimentos genuínos e
fortes, ela teria que me provar com mais convicção.
— Eu disse que acabou mal, mas não disse que esqueci você. — Nichole
não desviou o olhar — Preciso que me perdoe por tudo que te fiz passar, preciso
conversar com você sem ninguém por perto e preciso saber tudo o que aconteceu
com você. Por favor, me dá uma chance pra concertar tudo.
— Eu te perdoo. — senti meu coração acelerar com esperança — Agora
saia da frente e me deixe em paz.
Ela tentou passar por mim, mas apoiei minhas mãos nas poltronas e
fechei seu caminho.
— Conversa comigo Nick. — implorei.
— Já conversei, agora saia antes.
— Nichole, eu só te peço uma chance, por favor.
Levantei o braço numa tentativa de acariciar seu rosto e passar a mão por
sua cabeça raspada. Havia dois cortes e uma trilha de pontos costurados bem
acima de sua orelha direita, mas a reação de Nichole ao perceber minha intenção
serviu apenas para me mostrar o quanto ela estava transtornada.
Com um movimento rápido a mulher franzina que mal conseguia andar
segurou meu braço e executou uma manobra que quase o partiu em dois me
derrubando no chão logo em seguida. O tombo foi nada se comparado as
palavras sussurradas próximo ao meu ouvido logo em seguida.
— Nunca mais tente encostar um dedo em mim, ou eu mato você.
Enquanto eu me recuperava do susto, ela simplesmente passou por cima
de mim e saiu do avião sem olhar para trás.
Sentei tentando entender o que tinha acabado de acontecer, mas não tive
muito tempo, pois a voz de Laís me tirou do transe momentâneo que Nichole
havia me deixado.
— Que porra aconteceu aqui?
Sentindo meu braço torcido latejar, disfarcei e o esfreguei atordoado, mas
ao mesmo tempo impressionado com a agilidade da minha Hermione. Onde foi
que ela aprendeu a derrubar um homem com o dobro do seu peso, ou mais?
— Eu ainda estou tentando entender.
A ruiva até tentou, mas não conseguiu segurar a risada de deboche.
— Sério que ela te derrubou?
— Eu estava desprevenido.
— Já viu o tamanho dela?
— Cala a boca, beleza?
— Não posso. — riu ainda mais — Preciso registrar esse momento.
Com muita habilidade Drizella pegou o celular e tirou várias fotos
enquanto eu ainda tentava ficar em pé com dignidade.
— Não sei o que deu nela. — encarei a ruiva que se divertia mexendo no
aparelho em sua mão — Porra! Tu vai ficar aí tirando uma onda com a minha
cara?
— Vamos e venhamos, não é todo dia que a gente tem o prazer de ver um
homem do teu tamanho estatelado no chão como um monte de bosta.
— Já disse que ela me pegou desprevenido.
— Se toca garoto! Eu vi a cara que ela saiu daqui e juro que pensei que
estava tudo bem. — ela pegou minha mochila e seguiu para a porta — Admite
que fez alguma coisa muito foda pra ela se irritar e te deixar com a cara no chão,
e não to dizendo de forma interpretativa não, você REALMENTE estava com a
cara no chão.
— É melhor você controlar essa sua língua e esquecer essa merda.
— Você me conhece. — Laís piscou e desceu as escadas falando em voz
alta para quem quisesse ouvir — Eu nunca iria contar pra ninguém que uma
mulher te derrubou! Nunquinha!
Ajeitei minha roupa e desci logo atrás dela. Minha cabeça começou a
doer e meu braço latejava sempre que eu o movimentava. Puta merda!
— Vou pegar minha mala.
Avisei Laís que caminhava em direção ao grupo reunido em uma área
dentro do hangar, há uns dez metros de onde estávamos.
— Eu já peguei.
— E por que não me avisou?
— Porque eu me distraí com o seu corpo estirado no corredor do avião e
acabei esquecendo.
A gargalhada de Laís chamou a atenção de Guilherme e dos outros
homens que conversavam animadamente. Nichole não estava por perto e sem
perceber, me peguei vasculhando todos os cantos a procura dela.
— Só faltavam vocês. — Guilherme falou quando nos aproximamos e
entregou uma folha para a ruiva antes de entregar a minha — Aí está todo o
cronograma da operação. Vocês dois irão no último carro com o Adriano e o
Edison.
Nem fiz questão de olhar o que estava escrito, meus olhos percorriam o
pequeno espaço cercado de vidro e a ausência de Nichole começou a me
incomodar.
O piloto do avião me encarava sem disfarçar e por um momento pensei
em perguntar se estava apaixonado por mim, mas achei melhor evitar mais
confrontos desnecessários. Não que eu pretendesse deixar de lado o que Nichole
fez. De jeito nenhum.
Se a Hermione foi capaz de me derrubar, alguma coisa estava seriamente
errada e aquela postura de menina quebrada escondia segredos muito mais
sombrios do que eu jamais poderia imaginar.
O barulho de motores do lado de fora chamou a atenção de todos. Três
carros pretos e com os vidros escuros se aproximaram da porta principal.
— Chegaram. — Guilherme anunciou — Vocês terão cerca de uma hora
para se inteirarem sobre a operação. Todas as informações que precisam estão na
folha que entreguei, ativem o GPS do celular e não se esqueçam de informar a
central da N5 o número de rastreamento que foi impresso no rodapé. Kaio vai
registrar todos os códigos e assegurar que ninguém se perca pelo meio do
caminho.
— Onde está a Nichole?
Perguntei a Guilherme quando ele passava por mim e seguia em direção
aos carros.
— Ela está cuidando do transporte. — fez um sinal com a cabeça
apontando para uma porta na lateral — Não piore ainda mais as coisas, Pedro.
Não sei o que você falou pra ela e nem quero saber, mas agradeço por saber que
pelo menos minha filha abriu a boca.
— Ela não conversou com ninguém?
Aquela informação também despertou o interesse de Laís que ouvia a
conversa discretamente.
— Não. — Guilherme olhou para os próprios pés e soltou o ar
profundamente — Eu mal ouvi a voz dela desde que voltou. Nichole se recusou
a falar.
— Como vocês se comunicaram durante esses dias?
Antes de responder ele fixou seus olhos na porta onde Nichole estava e
franziu a testa. Virei meu corpo para saber o que chamou sua atenção e vi a
mulher que tinha me colocado a seus pés fuzilando o pai com seu olhar furioso.
— Quem é aquele cara que está com ela?
Ao lado de Nichole, um homem vestido de preto e com um boné preto
conversava com ela como se fosse um amigo intimo.
— Não sei. — respondeu frustrado — Minha filha se transformou em
uma caixinha de surpresas e eu estou com muito medo de descobrir o que ela
tanto esconde.
Nós dois continuamos observando os movimentos de Hermione e seu
“amigo” enquanto os demais seguiam para os carros que nos aguardavam.
— Você não respondeu a minha pergunta Guilherme. — eu me sentia
fodido por não conseguir tirar meus olhos dela, parecia que a garota tinha um
imã — Se ela não falou com você como planejou essa operação?
— Vamos indo para o carro. Pelo jeito ela sabe que estou falando com
você sobre as informações que recebi.
Nichole ouvia tudo que o babaca que estava ao seu lado falava, mas seus
olhos continuavam analisando os movimentos do pai, que andava tranquilamente
entre Laís e eu.
— Quem te passou essas informações, Guilherme?
Laís perguntou.
— Depois que Nichole chegou e teve duas crises de pânico, achei melhor
deixar que ela descansasse por uns dias antes de forçá-la a me contar tudo que
tinha acontecido. — paramos próximos ao primeiro carro — No terceiro dia ela
entrou no meu escritório e me entregou mais de vinte páginas com vários e-mails
que registravam as atividades do grupo de mercenários responsável pelo curso.
Foi a partir dali que conseguimos todas as informações. Minha filha parece uma
caixinha de surpresa e eu estou com medo do que vou encontrar se forçar a
abertura.
— O que ela não quer que eu saiba?
— O problema não é você Pedro...
— Qual o problema dela então?
— Guilherme.
A voz grossa e autoritária impediu que ele respondesse. O homem que
conversava com Nichole se aproximou e não fez questão de nos cumprimentar
ou ser apresentado. Ele quase engoliu Laís com o modo que analisou seu corpo
sem qualquer discrição e vi minha amiga revirar os olhos descaradamente para a
sua atitude ridícula.
— Está tudo certo, eles já estão esperando por vocês.
Nichole entrou no primeiro carro e sentou no banco de trás sem falar
nada, sequer olhou para o lado. Minha vontade era de abrir a porta de me
acomodar ao seu lado, mas sabia que não seria uma atitude muito inteligente da
minha parte pressioná-la daquele jeito.
Também não queria me arriscar e sofrer outra agressão na frente dos
outros caras, além de aguentar Drizella tirando onda com a minha cara pelos
próximos dez anos. Porra, eu teria que ficar atento para não ser pego de surpresa
e apanhar de novo.
Que merda!
— Estamos a caminho.
Do jeito que o homem chegou, ele saiu. Guilherme acenou e entrou no
mesmo carro que Nichole estava. Encarei Laís que segurou minha mão e nos
conduziu até o último carro, o que teria a missão de ficar na retaguarda.
— Estão prontos?
Adriano, o cara que dirigia perguntou sorridente demais quando minha
amiga pegou o celular para passar nossas coordenadas a Kaio.
— Estamos.
Respondi apenas sem lhe dar muita liberdade. Homens quando queriam
chamar a atenção conseguiam ser piores do que mulheres. Laís não dava bola
para ninguém, estava sempre com a cara amarrada justamente para evitar caras
como Adriano e o idiota que conversava com Guilherme.
— Vou aproveitar e ligar para o Murilo. — Drizella avisou — Quer que
dê algum recado?
— Pede pro Mateus avisar a Julia que estamos bem e me ligar se houver
algum problema.
— Ela sabe que estou com você nessa viagem?
— Relaxa Dri, já te falei que esse assunto está encerrado.
— Até parece. — bufou — Tenho certeza que ela perguntou se eu viria
também. Vai confessa que aquela jararaca fez drama pra te deixar com a
consciência pesada.
Minha amiga não sabia da missa um terço, na verdade, ninguém sabia.
Julia até tentou usar minha amizade com a ruiva para justificar tudo que fez, mas
a única coisa que conseguiu foi detonar o pouco de carinho e amizade que ainda
tinha por ela.
Encostei minha cabeça no encosto do banco e fechei os olhos, o cansaço
estava cobrando seu preço e sem muito esforço, cochilei por poucos minutos.
Acordei assustado quando ouvi o primeiro estrondo e o carro que estava a nossa
frente capotou várias vezes antes de explodir pelos ares.
Não houve tempo para nada, a única coisa que me preocupei em fazer foi
segurar o corpo de Laís junto ao meu, e esperar nosso carro parar de rodopiar
para tentar descobrir quem estava tentando nos matar, e principalmente, por quê.
CAPÍTULO 6

PIUÍ

— Como está seu braço?


Laís perguntou pela terceira vez desde que saímos do carro. Adriano e
Edison estavam abaixados ao nosso lado usando a porta aberta como escudo.
Nós estávamos nos protegendo de um inimigo invisível e completamente
desconhecido.
— Já falei que ta tudo bem, agora coloca essa porra na cabeça antes que
você precise de uma transfusão de sangue.
A ruiva tinha um corte na testa que não parava de sangrar e segurava
minha camiseta para evitar que o líquido vermelho escorresse pelo seu rosto, que
também foi machucado levemente.
Meu braço ficou preso no cinto de segurança quando segurei seu corpo
magro evitando um impacto ainda maior, e acabei deslocando o ombro, mas a
adrenalina com toda a confusão ainda não havia permitido que a dor viesse como
eu sabia que viria quando relaxasse.
— Que merda aconteceu aqui?
A pergunta de Adriano fez meu cérebro trabalhar rapidamente. Analisei a
situação e me apeguei aos detalhes de tudo que tinha acontecido desde o nosso
desembarque. Foda. Eu não conhecia aquele lugar, na verdade, não fazia ideia de
onde estávamos.
— Uma emboscada. — falei apenas.
— Porra, os caras do segundo carro fritaram naquela explosão.
A fumaça escura era a única evidência do que havia acontecido bem a
nossa frente, enquanto seguíamos em um pequeno comboio o carro líder, onde
Guilherme e Nichole estavam.
— Acho que queriam nos separar. — Laís me encarou e parecia pensar
no que falei — Quem atacou o segundo carro está interessado nos passageiros do
primeiro. Nós fomos apenas uma distração para o ataque.
— Para onde eles foram? — Adriano ainda estava encolhido segurando
uma pistola na mão direita e a porta com a esquerda. — Não estou vendo
ninguém em lugar nenhum, porra! Odeio essa merda!
Edison sentou com as mãos em volta do abdome e fez uma careta de dor.
— Se eles queriam Guilherme e a filha dele, por que não explodiram o
carro que eles estavam? — balançou a cabeça — Não tem lógica para o que você
falou.
— Tem sim, se eles quisessem Nichole viva não explodiriam o carro que
ela estava.
— Cara, não foi pra isso que fomos chamados. Agora virou um caso de
resgate e eu to fora, não vou entrar em uma guerra sem saber quem é o inimigo.
Sinto muito.
As palavras de Adriano só serviram para que toda minha raiva arrumasse
um motivo plausível para extravasar. Sem pensar em porra nenhuma segurei o
motorista pelo pescoço e joguei seu corpo em cima do capo.
— Seu filho da puta, eles estão em perigo e precisam da nossa ajuda,
caralho! — um gemido de dor saiu de sua boca quando sua cabeça bateu contra
o carro — Se tu veio pra cá achando que seria um passeio no zoológico deveria
ter recusado esse trabalho, cuzão!
— Calma Piuí! — Laís tentava bravamente me tirar de cima dele, mas
eu queria bater pau no cu até amassar sua cara feia — Sai daí porra! Não vai
adiantar matar esse cara! Vamos pensar em um jeito de ir atrás da Nichole!
Ela tinha razão, e quando dei por mim já tinha largado o idiota que se
contorcia de dor no chão. Abri o porta-malas e peguei tudo que estava dentro;
armas, munições, agasalhos, mochilas com comida e isotônicos e dois rádios de
alta freqüência.
— O que você ta fazendo?
— Pegando tudo que vamos precisar.
— Piuí, a gente não tem ideia do que está acontecendo aqui, não dá pra
sair andando pra qualquer lugar.
— Me dá seu telefone.
Estendi o braço com a palma da mão virada para cima, e mesmo
contrariada, Laís me entregou o aparelho.
— Pra quem você vai ligar?
— Pra única pessoa que sabe o que pode ter acontecido aqui.
— Mateus?
— Não... — o contato que eu queria estava gravado na agenda eletrônica
e com apenas dois toques ele atendeu a ligação.
— Que porra aconteceu, Laís?
— Sou eu Kaio, o Pedro.
— O GPS sumiu e eu não consigo localizar ninguém. Onde vocês estão?
— Se você não sabe quem dirá nós? — ele bufou e eu continuei a falar
— Fomos atacados e um dos carros explodiu há poucos metros de onde estamos
agora. O carro em que Nichole e Guilherme estavam sumiu, não sabemos se
conseguiram fugir ou se foram capturados.
— Porra! Porra! Porra! — foram as únicas palavras que ele disse antes
que eu prosseguisse.
— Preciso saber o que está acontecendo e quem está interessado nela.
— Não! Vocês vão sair daí agora!
— Kaio, eu e a Laís vamos atrás deles e não adianta tentar nos impedir.
— Pedro, não tem como enfrentar esses caras. — bufou e fez uma pausa
antes de concluir — Eles estão abastecidos com os melhores armamentos e a
base é um dos lugares mais bem protegidos que eu já vi. É impossível entrar lá e
sair vivo. Faça o que estou falando e traga os sobreviventes pra casa.
— Está mesmo pedindo pra que eu deixe a Nichole e o Guilherme aqui?
— Não é isso, vocês voltam e eu falo com o Nico pra gente montar outro
esquema. Precisamos fazer isso com calma.
— Não. Se a gente demorar eles serão mortos. — só de pensar na
possibilidade de nunca mais ver Nichole, meu corpo todo estremeceu — O
Adriano e o Edison vão voltar, mas nós vamos seguir, só preciso saber se
podemos contar com a sua ajuda ou se teremos que fazer isso no escuro.
— Caralho Pedro! Vocês vão morrer antes de encontrar os dois.
— Estou esperando Kaio, começa a falar ou eu desligo essa merda e sigo
com a Laís na direção que encontrarmos as marcas de pneus. É bem fácil. Agora
decide.
— Cara... eu preciso da localização primeiro pra depois guiar vocês até a
base. Como está a bateria do celular?
— Ta completa e também temos dois rádios aqui, mas não sei se vão
ajudar ou atrapalhar se eles estiverem monitorando a nossa frequência.
— Vamos deixar os rádios de lado e talvez usar apenas se precisar, o
celular é o meio mais seguro de se comunicar agora. Me fala tudo que você
consegue ver a sua volta.
— Ta me tirando né?
— Por quê?
— Só tem areia cara, a única coisa que dá pra ver agora é a fumaça do
carro que explodiu.
— Então o jeito vai ser seguir as marcas dos pneus mesmo. Faz assim,
tira algumas fotos e me manda, vou tentar descobrir alguma coisa.
— Beleza. Agora me fala o que eles querem com a Nichole e por que não
explodiram o carro que ela estava?
Laís segurava uma garrafa de água e aguardava impaciente ao meu lado.
Adriano e Edison só esperavam a nossa partida para seguirem na direção oposta
fugindo como dois veados fogem da onça. Fiz um sinal para a ruiva que
começou a caminhar rapidamente olhando para todos os lados.
— Ela foi a única do grupo de pilotos que sobreviveu aos testes e agora
pode identificar todos os culpados pela farsa.
— Por que eles mataram os pilotos?
— Porque eles queriam cobaias e não pilotos, tudo não passou de um
experimento para alguma coisa muito maior que eles estão planejando.
— Quem são esses caras, Kaio?
— São assassinos profissionais ligados a um grupo de ex-soldados, a
maioria são homens acusados de crimes de guerra, mas achamos que algumas
mulheres também fazem parte do esquema. O grupo pretende recrutar soldados
treinados especialmente para operações suicidas. Essa base é uma fachada pra
esconder o que eles realmente fazem.
— Por isso ela está toda machucada?
— Eles torturaram os garotos até a morte, Pedro, todos eles. A Nichole
aguentou até o fim e eles acreditam que ela pode ser a primeira recrutada.
— Por que ela voltou pra cá, caralho?
Eu apenas caminhava sem prestar atenção para onde estava indo, Laís se
tornou minha bússola e estava atenta a tudo. O sol começava a se por e em
poucas horas iria escurecer. Enquanto caminhávamos, eu continuava o
interrogatório e Kaio respondia prontamente a todas as minhas perguntas.
— Eu não sei, mas Guilherme estava cego por vingança e acreditou que a
filha quisesse o mesmo.
— Não. — Nichole passou o inferno naquele lugar e não teve sequer
tempo para se recuperar, ela tinha outro motivo e eu duvidava que seu estado
emocional estivesse tão abalado como todos acreditaram que estava. — Ela veio
atrás de alguma coisa, ou alguém.
— Eu já não tenho certeza de mais nada Pedro, tudo que fizemos foi
planejado em cima dos e-mails que a Nick entregou pro Guilherme. Ninguém
sabe o que realmente aconteceu com ela.
— Beleza. Vou tirar as fotos que você pediu e te enviar, daqui a pouco
teremos que encontrar um lugar para passar a noite.
— Pedro, nem sei como agradecer, brother, você e a Laís estão
arriscando a vida pra salvar o Gui e a Nick, e isso, é impagável. Vou reunir a
equipe e tentar ajudar de alguma forma.
— Avisa o Thor também e passa esse número pra ele.
— Ele vai querer te matar quando souber que vocês não voltaram com os
outros.
— Relaxa, ele sabe que eu faria isso por qualquer pessoa.
— Mesmo achando que você está mentindo, vou relatar tudo pra ele e
reunir a equipe aqui o mais rápido possível. Assim que eu tiver mais alguma
informação aviso vocês.
— Fechou.
Guardei o celular no bolso da frente da calça e me juntei a Laís que
estava alguns passos a minha frente. Pela sua postura, quem não a conhecesse
diria que a ruiva não tinha ouvido uma só palavra da minha conversa com Kaio,
mas conhecendo a mulher do jeito que eu conhecia, sabia que ela já tinha uma
teoria sobre todos os acontecimentos montada em sua cabeça.
Vantagens de ser mulher, a imaginação feminina pode ser mais fértil do
que uma cachorra no cio, e só perde para a imaginação das mulheres ciumentas.
Essas são imbatíveis e capazes de fantasiar coisas que nem os próprios homens
sonharam em fazer. Julia era a prova viva de que eu estava falando a verdade, se
eu tivesse feito todas as coisas que ela me acusou de ter feito, meu pau seria
mais conhecido do que o Sérgio Cabral no Rio de Janeiro.
— Eu estava aqui pensando...
A frase de Laís me fez rir sozinho. Não falei que ela já tinha uma teoria?
Minha amiga parou e me encarou com a cara invocada, suas sobrancelhas
se juntaram entre os olhos e sua boca formou um bico engraçado.
— Ta rindo do que? Posso saber, ou é segredo?
— Deixa de ser marrenta Dri, só to rindo porque tinha certeza que você
ficou ouvindo a minha conversa com o Kaio, e agora vai me apresentar várias
teorias sobre a decisão da Hermione de voltar pra cá.
— Primeiro que a conversa não era sigilosa; segundo que eu não sou
surda; e terceiro que era impossível não ouvir o que você falava, porque essa sua
garganta deve ter ganhado um amplificador quando você tomou todos aqueles
anabolizantes.
— Mudou muito?
— Porra! Você nem imagina, está muito mais grossa.
— Não foi só a voz que engrossou. — falei e pisquei com um sorriso
cínico nos lábios. Eu adorava provocar minha amiga.
Os olhos de Laís pareciam que iam saltar para fora e acabei gargalhando
como há tempos não fazia. Depois que Nichole saiu do país e a gravidez de Julia
foi confirmada, eu limitei a minha vida somente ao trabalho e a solidão.
A mãe do Pedrinho insistia em se casar e mesmo não querendo oficializar
nossa união, eu me sentia tão culpado por tudo que aconteceu, não só na minha
vida, mas na de Nichole e na da própria Julia, que acabei cedendo e realizamos a
cerimônia apenas no cartório.
Minha primeira namorada morria de ciúme de Lívia, mas quando Laís
voltou ao Brasil e nossa amizade se fortaleceu naturalmente nos meses seguintes,
ela surtou e passou a odiar minha amiga ruiva sem imaginar que meu coração
havia sido entregue a outra mulher.
Durante o tempo em que a barriga de Julia crescia, suas crises histéricas
de ciúme aumentaram a ponto de me impedir de ter uma única noite de paz, e
propositalmente, acabei me afastando das irmãs Antunes.
Passei a me contentar com os breves encontros com Laís no trabalho, ou
com as visitas inesperadas e sempre bem-vindas de Livia ao escritório que o
marido chefiava. Eram os melhores momentos dos meus dias, e eu ansiava cada
vez mais por eles.
Eu e Laís seguíamos as marcas deixadas pelo carro e eu aproveitei para
tirar algumas fotos de onde estávamos para Kaio
— Sério que seu pau também ficou mais grosso por causa das bombas
que você tomou?
— Você acha mesmo que uma dose de hormônios pode fazer um pau
aumentar de tamanho, Drizella?
— Não sei. — ela deu de ombros e também sorriu — Se fosse verdade
podia pensar em convencer o Murilo a ir ao seu médico.
— Ta me dizendo que o bombeiro tem o pau fino?
— Claro que não idiota! — rosnou, mas não parou de rir — Mas uma
engrossadinha nunca é demais.
Minha barriga chegou a doer de tanto gargalhar. Laís sorria relaxada e
por um minuto desejei que estivéssemos a caminho de casa indo encontrar
Nichole.
— Agora é sério Piuí, acho que eu sei o que a Nick veio fazer aqui.
O deserto parecia um mar de areia sem fim, aos poucos o cansaço foi
chegando e nos obrigando a desacelerar o passo. A temperatura caiu
bruscamente.
— Vamos sentar um pouco pra descansar e você aproveita pra me contar.
Não havia nenhuma proteção no deserto de Mojave, mas não tínhamos
opção e precisávamos de umas poucas horas de sono para seguir em frente.
Abrimos as mochilas e encontramos duas toalhas que foram usadas para
apoiarmos a cabeça.
Combinamos de revezar a segurança para não sermos pegos
desprevenidos. Laís dormiria por quatro horas enquanto eu ficava de vigia e
depois eu descansaria e ela ficaria acordada.
— Me conta sobre a sua teoria.
A ruiva já estava acomodada com as toalhas servindo como travesseiro e
seu corpo começava a relaxar encolhido sobre algumas peças de roupa.
— A garota veio pra essa base achando que ia se tornar uma pilota
fodona, mas comeu o pão que o diabo amassou e viu todos os colegas de curso
ser assassinados. Ela provavelmente presenciou a morte deles. Mas, contrariando
todas as probabilidades, a menina conseguiu sair daqui viva e, poderia ter ido pra
qualquer lugar recomeçar a vida, mas o que ela fez? — não tive tempo de
responder, pois a própria Laís respondeu — Ela voltou para casa e fez todo
mundo acreditar que estava fodida emocionalmente. Depois, entregou ao pai os
e-mails e concordou com a ideia de organizar uma operação para voltar ao lugar
que fodeu a cabeça dela só pra se vingar.
Não falei nada, apenas assenti para que ela continuasse.
— Fisicamente ela está mesmo fodida e disso, nós não temos dúvida.
Rasparam a cabeça dela, tem dois cortes imensos acima da orelha direita, o que
indica que ela foi torturada. Está com dificuldade para andar por causa de
costelas quebradas, e não está falando direito. Eu aposto que a boca dela também
foi machucada, enfim, trataram a Nichole como a porra de uma prisioneira de
guerra, Piui, só pode. Esses malucos transformaram os pilotos em cobaias de
tortura e vou além, acho que a Nichole foi violentada.
— Estuprada?
Meu coração parou de bater por alguns segundos e precisei ficar em pé
porque estava sentindo falta de ar. Puta merda! Então foi por isso que ela me
derrubou no avião quando eu tentei tocar seu rosto. Suas palavras cuspidas com
nojo dizendo que me mataria se eu fizesse aquilo de novo, invadiram minha
cabeça.
— Desculpa Piuí, mas você quis saber o que eu acho então eu...
— Você está certa Dri! — não deixei que se desculpasse por ter falado a
verdade — Ela foi estuprada e o tudo que falou até agora faz sentido.
— Por que você agora também acha que ela foi estuprada?
— Porque no avião eu tentei tocá-la e foi nesse momento que ela me
derrubou e falou que se eu tentasse encostar um dedo nela de novo, ela ia me
matar.
— Ela te ameaçou?
— Uhum...
— Tem certeza que ela não falou brincando?
Encarei Laís e pela minha cara ela viu que não houve qualquer indício de
que Nichole estava de gozação comigo.
— Ela nunca falou tão sério.
— Caralho, Piuí. Então isso muda tudo...
— Muda o que?
— Eu achei que ela pudesse ter voltado pra resgatar alguém ou pegar
alguma prova que pudesse incriminar os caras que fizeram essas coisas com ela
e os outros pilotos.
— E por que não acha mais?
— Porque se ela derrubou você, um homem que ela amava, conhecia e
sabia que não ia fazer mal a ela, com certeza o motivo da volta dela é vingança.
Ela quer matar os filhos da puta, só pode.
Pensei em tudo que Nichole havia feito desde a sua chegada ao Brasil e
todos os acontecimentos que se seguiram até a ideia de Guilherme em organizar
essa operação.
— Mas por que ela iria colocar o Guilherme na linha de frente?
A pergunta de Laís confirmou o que eu havia acabado de descobrir.
— Eles estão juntos nisso, Laís. — encarei a ruiva que demorou poucos
segundos a entender. — Guilherme e Nichole vieram até aqui para matar todos
os responsáveis pelo que aconteceu com ela e os pilotos, e armaram essa
emboscada para que nenhum de nós participasse do plano que eles arquitetaram.
— Por isso o filho da puta colocou a gente no último carro, ele sabia que
o segundo ia explodir.
— Agora está explicado porque Guilherme relutou tanto para que eu e
você participássemos da operação.
— Desgraçado! E agora Piuí?
Abracei minha amiga e beijei sua cabeleira vermelha.
— Agora você descansa e amanhã quando a gente voltar a caminhar,
vamos elaborar o nosso próprio plano.
— Será que o Kaio sabe?
— Não sei, mas não vamos arriscar. Dorme e tenta esquecer isso. A gente
vai ter muito tempo pra pensar no que fazer.
Laís fechou os olhos e foi vencida pelo cansaço, mas eu continuei atento
e pensando em como deixamos nos enganar por Guilherme. Pior ainda, como o
ex-agente tinha concordado em acompanhar a filha naquela missão suicida?
Nicholas e Mateus nunca concordariam com aquela merda, mas quem era eu
para recriminar um pai?
Talvez eu fizesse a mesma coisa se fosse com meu filho. Porra, que
grande e fodida merda!
Muitas perguntas e poucas respostas. Eu odiava aquela merda e odiava
mais ainda saber que minha Hermione poderia estar correndo perigo e não havia
nada que pudesse fazer para ajudá-la, a não ser, esperar amanhecer e seguir
viagem.
Nichole poderia pensar que uma porra de explosão de carro me faria
desistir, mas ela estava completamente enganada. Mais do que nunca eu iria atrás
dela e só voltaria para casa quando ela e Guilherme estivem embarcando comigo
e com Laís.
Caso contrário, ficaríamos os quatro presos no deserto, pelo tempo que
fosse preciso. Ou eu levava todos de volta, ou não voltaria ninguém.
CAPÍTULO 7

MATEUS TRIVISAN (THOR)

Saí do escritório muito mais irritado do que estava quando entrei, e toda a
irritação que eu acreditava ter atingido o pico máximo, conseguiu extrapolar
depois de ouvir a voz melosa de Julia na sala falando com Lívia como se
estivesse comprando verduras na feira.
— Eu sei que a sua irmã é apaixonada pelo meu marido!
— Julia, por favor, fala baixo. O Pedrinho está no seu colo e você precisa
se acalmar.
— Não vou me acalmar até alguém me contar onde eles estão!
A garota era um porre do caralho e minha paciência tinha acabado de
acabar. Antes que minha loira continuasse na sua função de contornar a situação
de merda que a vida do meu melhor amigo tinha se transformado, me aproximei
fuzilando a mãe do meu afilhado com apenas um olhar.
Julia conseguiu ultrapassar todos os níveis de tolerância estipulados pelos
monges, e como eu não era a porra de um monge, comigo o fim da linha para ela
tinha chegado e eu não lhe daria mais nenhuma margem para prosseguir com a
sua falta de caráter.
Se Piuí insistia em aturar a megera, como Malu a chamava e eu sabia que
o apelido foi ideia da minha cunhada que também não suportava a garota, ela
precisava entender de uma vez que o único otário daquela história era ele.
Há alguns meses eu comecei a desconfiar das armações dela, mas em
respeito ao meu amigo decidi levar as coisas do jeito dele e, embora discordasse
da sua excessiva tolerância, confiava nele e apostava todas as minhas fichas de
que, uma hora ou outra, ele faria o que já deveria ter feito no dia em que o garoto
chorão nasceu.
Porra... e como o pivetinho chorava! Puta que pariu!
O pequeno era um pentelho do caralho e meus ouvidos sofriam quando
ele desembestava a abrir o berreiro.
— O que você pensa que está fazendo?
Uma das coisas que me deixavam orgulhoso, era saber que as pessoas
tinham medo de mim quando eu agia da forma como tinha acabado de agir com
a menina que conseguiu nos enganar por muitos anos.
— Eu preciso saber onde o Pedro está. — respondeu chorosa — Estou
precisando de ajuda com o Pedrinho, não vou conseguir cuidar dele sozinha
naquela casa, Mateus.
— Não precisa cuidar dele, pode deixar meu afilhado aqui. — me
aproximei fazendo-a estremecer apavorada, quase sorri, mas mantive minha
postura de dono da casa. — O Pedro está em uma operação sigilosa fora do país,
não adianta vir aqui agindo como uma louca, que nós dois sabemos que você não
é, só pra foder com a minha paciência. — sua respiração acelerada indicava que
o meu alerta estava sendo bem recebido — Porque você sabe Julia, eu não tenho
a porra da paciência e se eu desconfiar de que esse garoto está sendo mal tratado
pela própria mãe, eu mesmo vou te colocar atrás das grades.
Ela queria responder, gritar, argumentar, mas estava se borrando nas
calças e não tinha coragem para me enfrentar.
— Eu sei que ele está trabalhando, eu só fico insegura por causa da
presença da Laís e não consigo controlar o meu ciúme.
— Eu to pouco me fodendo pro teu ciúme doentio e, cansei de ver todas
as pessoas da minha família te garantindo que os dois nunca tiveram, e nunca
vão ter esse tipo de relação. Inclusive a própria Laís, se bem que depois de tudo
que você fez, ele não estaria errado se te abandonasse assim que pisasse no
Brasil.
— Eu não sei do que você está falando...
A garota sabia ser venenosa quando queria, mas a mim, ela já não
enganava mais.
— Sabe sim, e trata de ficar esperta, porque se você pisar na bola mais
uma vez eu acabo com a tua farsa antes mesmo que o Pedro possa pensar em
chegar aqui.
— Eu sou apaixonada por ele e tudo que fiz foi pra salvar nosso
casamento.
— Não precisa vir com essa conversa fiada pra cima de mim Julia, eu te
conheço desde que você andava pelo morro atrás do pastor feito uma
cachorrinha adestrada. — peguei o pivetinho do colo dela e o entreguei a Livia,
que nos observava atenta a todas as informações que ouvia. Claro que minha
loira iria me entupir com suas perguntas e eu, como o bom marido que era e não
estava a fim de enfrentar uma greve de sexo, contaria tudo em detalhes para ela.
— O que você fez foi canalhice e eu tenho certeza que quando o Piuí souber, ele
vai meter o pé e te mandar embora da casa dele.
Julia empinou o nariz e ameaçou me enfrentar.
— Ele já sabe.
Franzi a testa e cruzei os braços sem acreditar em suas palavras.
— Então não será um problema pra você se eu conversar com ele quando
a operação terminar.
— Pode falar, ele soube no dia que o Pedrinho nasceu.
— Impossível.
Seus olhos desviaram dos meus e se direcionaram a Lívia. Julia sabia que
eu contaria para minha esposa sobre a sua traição e a armadilha que fez para
prender o namorado. Ela voltou a me encarar sem perder a pose.
— Eu não queria que ele soubesse daquela forma, mas quer saber? Foi
melhor assim, agora não temos mais segredos um com o outro.
Eu queria gargalhar, muito, aliás. Ela nem imaginava que o marido era
completamente apaixonado por Nichole, a mulher responsável por todas as
mudanças do meu amigo, todas mesmo.
Foi por causa da filha de Nicholas Castro que Piuí resolveu mudar
completamente sua aparência física e se dedicou durante um ano a ganhar
músculos que transformaram o garoto magricelo em um troglodita marombado.
— Se ele descobriu há quatro meses, por que ainda está com você?
— Porque ele me ama e ama o Pedrinho. — eu sabia que aquela história
estava muito mal contada e teria uma conversa séria com meu amigo para
descobrir a verdade — Por mais que as pessoas queiram me afastar dele, é de
mim que ele gosta e é comigo que ele vai ficar.
— Eu vou esperar ele voltar pra tirar essa história a limpo, agora dá o
fora da minha casa e ligue antes de vir buscar o pivetinho. Não quero mais ver
você aqui agindo dessa forma.
Julia pegou a bolsa que estava em cima do sofá e ajeitou sobre o ombro
direito, virou as costas e saiu sem se despedir, nem mesmo do filho que dormia
tranquilamente no colo da madrinha mais linda que um moleque poderia ter.
— Acho que você tem algumas coisas importantes pra me contar Mateus.
Lívia falava baixinho balançando o corpo de um lado para o outro,
completamente enfeitiçada pelo pequeno embrulho em seu colo. Minha mulher
conseguia transformar qualquer situação ruim em algo bom com seu jeito meigo
e sempre prestativo.
— Eu vou te contar loira, mas ainda estou digerindo tudo que descobri.
— Ela aprontou, não foi?
Caminhei até ela e depositei um beijo em seus lábios cuidadosamente
para não despertar o pivetinho de seu sono.
— Aprontou sim, mas estou confuso agora. Não sei por que ele não
mandou a megera embora quando soube de tudo que ela fez.
— Pelo amor de Deus, Mateus! — minha loira exclamou me advertindo
— Não chama a Julia de megera!
— Mas ela é uma megera porra! Quer que eu fale o que? Que a garota é
um amor de pessoa?
— Estou falando sério, se a Malu te ouve falando isso, ela nunca mais vai
chamar a menina pelo nome.
Antes que eu pudesse me defender e avisar minha esposa que a nossa
caçula tinha ótimos argumentos para o apelido que Julia ganhou, meu telefone
tocou e o nome de Kaio surgiu na tela. O que não era uma coisa boa àquela hora
da noite.
— Fala negão.
— Mateus, precisamos de você aqui cara.
— O que aconteceu?
— Deu merda.
— Porra, não me fode! Merda como? Eles estão bem?
— Acho que sim, vem logo que eu vou passar tudo pra vocês.
— Ligou pro Nicholas?
— Ele já está a caminho.
— Em dez minutos to ai.
Peguei minha arma e antes de sair beijei minha mulher que me olhava
com lágrimas nos olhos. Por mais acostumada que estivesse com o perigo nos
cercando diariamente, Lívia sempre se deixava levar por suas emoções e esse era
um dos principais motivos que eu a amava tanto.
— Por favor, traz os dois pra casa.
— Fica calma loira, você sabe que eles sempre voltam pra nós.
— Quando tiver alguma notícia me avisa.
— Pode deixar, mas não precisa ficar me esperando acordada. Hoje você
tem companhia e vai precisar de disposição para cuidar dele até a megera voltar.
— Mateus! — dessa vez nem ela aguentou segurar o sorriso que deslizou
em seus lábios quando tentou brigar comigo por causa do apelido — Não me
deixa sozinha por muito tempo, estou sentindo falta do meu marido durante a
noite.
— Porra loira. — beijei sua boca rapidamente sentindo o coração
acelerar e sabia que a operação tinha dado errado, ou Kaio não teria me ligado
— Não fala essas coisas agora que eu preciso sair. Quando voltar, prometo que
vou cuidar de você como só eu sei fazer.
— Vai logo e me mantenha informada. Eu amo você.
— Eu também te amo minha Cinderela.
O percurso até o escritório da N5 Security não era longo e rapidamente
estacionei o carro na garagem que ficava no subsolo do prédio.
Desde que firmamos uma parceria que resultou na operação para acabar
com a Organização Criminosa gerenciada por Ivo Miller no ano passado,
Nicholas Castro, seu filho Guilherme e todos os membros da equipe N5 Secutiry,
se tornaram mais do que parceiros para mim.
Já considerava aqueles homens como bons amigos e eles partilhavam dos
mesmos pensamentos que eu; sobre a maneira de agir contra criminosos
perigosos e nocivos a população.
Todos nós tivemos em nosso passado histórias semelhantes, que de
alguma forma envolveram as mulheres das nossas vidas, e assim como Nicholas
e Guilherme, eu tomei atitudes que não eram consideradas “adequadas” para um
representante da Lei.
O fato é que em um país como o Brasil, onde as Leis que o regem se
preocupam mais com o bem estar do infrator do que com a preservação da
integridade física do policial, nem sempre é possível manter a passionalidade.
Ainda mais quando envolve a vida de uma pessoa que amamos.
Se eu me arrependo de ter feito tudo que fiz quando as vidas de Lívia,
Rômulo, Nestor, e Laís estavam em jogo? De forma alguma, e sei que faria tudo
novamente se precisasse. Por qualquer um deles.
Passei pela recepção vazia encontrando apenas o segurança noturno que
já me conhecia e liberou minha passagem sem exigir o crachá de identificação.
Encontrei a porta do escritório encostada e a voz de Nicholas Castro estava bem
longe de ser calma e tranquila, como era normalmente.
— Você tem que conseguir Kaio!
— Você ouviu alguma coisa que eu te disse Nico?
— Eles estão em algum lugar daquele deserto e nós não temos a porra de
um GPS! Como você quer que eu entenda isso, se investimos mais de dois
milhões em equipamentos para garantir a segurança de todos nós em momentos
assim?
— Aqueles caras têm algum sistema que bloqueia qualquer sinal em um
raio de cinco quilômetros em torno do cemitério de aviões. Será que dá pra você
colocar isso na sua cabeça velha?
— Não! Não posso, até porque meu filho e minha neta estão lá também,
e não temos a menor ideia do que está acontecendo!
A merda era realmente grande. Quando eu empurrei a porta e os olhos
cansados de Nicholas se encontraram com os meus, entendi rapidamente que
estávamos com sérios problemas.
— Pelo jeito muitas coisas saíram erradas. — cumprimentei o pai de
Guilherme com um abraço silencioso e dei dois tapinhas no ombro de Kaio, que
estava sentado a frente de um monitor de tela plana que ocupava parte da parede
central do escritório onde acontecia a maioria das reuniões — Pode fazer um
resumo?
— Eu vou te explicar Mateus pra ver se você consegue me entender. —
Kaio bufou irritado — Porque o Nico acha que eu não estou fazendo o
impossível para localizar os quatro.
— Quatro? — perguntei — Não eram onze?
— Sim, mas isso foi antes da emboscada que eles sofreram no deserto.
— Nico se adiantou em responder e vi a dor em seu olhar — Agora só estão
Guilherme, Nichole, Pedro e Laís.
— Onde estão os outros?
— Quatro morreram, dois estão voltando e não sabemos o que aconteceu
com o piloto que estava no carro com o Gui e a Nick, aliás, não sabemos o que
aconteceu com os três.
— E o Pedro e a Laís? Porque não estão com os outros?
— Eram três carros. — Kaio voltou a falar com mais calma —
Guilherme, Nichole e o Gusman, o piloto, estavam no primeiro. No segundo iam
quatro agentes contratados para a operação e no terceiro, Pedro, Laís e mais dois.
Na emboscada o segundo carro explodiu enquanto o primeiro desapareceu no
deserto.
— E o terceiro? — meu corpo estava tenso pra caralho e a falta de
informação sobre meu amigo e minha cunhada estava fodendo minha cabeça.
— Rodopiou na areia, mas ninguém ficou ferido.
— E você não conseguiu contato com eles?
— Consegui falar com Pedro um pouco antes de te ligar, ele e a Laís
decidiram ficar por lá para procurar o Gui e a Nick, os outros dois estão voltando
pro Brasil.
Puta que pariu!
Minha vontade era de ordenar que Piuí e Laís voltassem também, mas
sabia que seria ignorado. Eu conhecia muito bem aqueles dois idiotas para saber
que não voltariam sem o resto da equipe. Foda!
— Vamos por partes para que eu consiga entender melhor. — pela cara
feia de Nicholas, ele também não tinha noção do que estava acontecendo, mas
conhecendo bem a forma como nós estávamos acostumados a trabalhar e
planejar cuidadosamente as operações confidenciais, a única coisa que eu dava
como certa, era que alguém mentiu para nós, e por isso fomos surpreendidos.
Precisávamos descobrir primeiramente quem nos traiu, e depois, por quê? —
Após do desembarque da equipe, o Guilherme entregou todo o equipamento aos
agentes certo?
— Certo. — Kaio respondeu prontamente — Até aquele momento estava
tudo sob controle, inclusive os aparelhos de localização funcionavam
perfeitamente. Os carros estavam abastecidos com armas, munições e
suprimentos.
— Foi lá na pista de voo que eles foram direcionados para os carros, e a
função de dividir a equipe em grupos era do Guilherme correto?
— Exato.
Nicholas me encarava acompanhando meu raciocínio, e de alguma
forma, eu sabia que aquele homem com um instinto dez vezes mais potente do
que o meu, já sabia o que havia acontecido, mas decidiu ficar calado enquanto
Kaio e eu juntávamos as peças daquele grande quebra-cabeça.
— Pela minha lógica, Pedro e Laís deveriam estar com ele e Nichole no
primeiro carro. Por que ele os colocou no último?
— Eu também pensei nisso. — Kaio me fitou e deu de ombros — Mas
você conhece o Gui, e eu acho que ele não queria que a presença do Pedro
afetasse ainda mais a Nick.
— Ele não misturaria as coisas. — Nicholas chegou à mesma conclusão
que eu.
— Se o Guilherme se preocupou em colocar os dois no último carro, ele
sabia o que iria acontecer com o segundo. — afirmei sentindo a raiva crescer
dentro de mim — Por que ele insistiu em contratar homens de fora para essa
operação?
Kaio franziu a testa antes de responder:
— Não sei...
— Ele disse que não queria prejudicar as operações que estavam em
andamento por aqui. — a voz de Nicholas não passava de um sussurro muito
irritado.
— E vocês acreditaram nisso?
O pai de Guilherme passou a mão pelos cabelos um pouco grisalhos e
pegou o celular que estava no bolso traseiro da sua calça. Olhou para a tela por
poucos minutos, digitou algumas palavras e voltou a guardá-lo.
— Quando a Nick voltou, meu filho me ligou e disse que ela não estava
bem. — o mais conhecido ex-agente da polícia federal começou a relatar o que
eu já sabia, mas com alguns detalhes acrescidos que sanaram todas as minhas
dúvidas — Minha neta não avisou que pretendia retornar ao Brasil, não pediu
ajuda, e não reclamou de nada durante todo o tempo que ficou naquela base.
Simplesmente apareceu em uma manhã qualquer na casa do pai; toda machucada
e com sintomas de depressão somada a crises de pânico.
Eu me lembrava da cara da Laís depois da visita que fez a Nichole.
Minha cunhada estava muito impressionada com o estado da sua amiga.
— Fui visitá-la e senti que minha neta escondia alguma coisa, mas meu
filho afirmou que ela estava apenas traumatizada com tudo que havia passado, e
já tinha decidido que iria descobrir quem foram os responsáveis por tudo que a
menina sofreu. Eu concordei e até me ofereci para ir com ele, mas o Gui foi
firme e disse que precisava fazer aquilo pessoalmente. — Nico sorriu
amargurado — Guilherme me prometeu que não sujaria suas mãos em nome de
uma vingança, e garantiu que queria apenas encontrar os culpados e colocá-los
atrás das grades.
— Mas não foi isso que aconteceu não é?
— Não Mateus, infelizmente, não.
— Ele foi até lá para matar os culpados e usou a operação pra não
levantar suspeitas. — afirmei.
— Mas, a presença do Pedro e da Laís atrapalhou os planos dele e ele
achou que quando houvesse a emboscada, os dois voltariam para casa em
segurança. Ele pretendia seguir até a base para terminar o serviço que havia
começado.
— Eu não acredito que o Gui seria capaz de fazer uma coisa dessas! —
Kaio argumentou — A Nichole está junto e não ta nada bem. Porra, a menina
parece um zumbi. Vocês acham que ele iria arriscar a vida dela desse jeito?
— Ela não está tão mal assim Kaio, e eu tenho certeza que meu filho
sabe muito bem o que está fazendo.
— O Guilherme que eu conheço não mentiria pra nós. Não colocaria a
vida de outros homens em perigo só pra conseguir uma vingança de merda.
Analisar uma situação e deduzir o que outra pessoa iria fazer para
antecipar suas ações e atingir o meu objetivo era o que eu fazia de melhor, por
isso, a afirmação de Kaio e seu julgamento pelo que conhecia de Guilherme,
fazia sentido, mas não para aquela ocasião.
Ali, não estávamos conversando sobre o ex-agente da polícia federal ou o
membro da equipe N5 Security, Guilherme Fiolski Castro, e sim do Gui, o pai da
Nichole; o homem que ouviu sua única filha relatar, provavelmente com detalhes
sombrios, que havia sido brutalmente agredida e violentada por homens que
deveriam ter cumprido a promessa de transformá-la em uma pilota formidável.
Não seria capaz de julgá-lo por suas escolhas, mas poderia culpá-lo por
ter agido sozinho e ignorado todas as pessoas que fariam qualquer coisa para
ajudá-lo, e matariam com prazer os homens que destruíram sua filha.
Depois de entender o que estava acontecendo, decidi me preocupar com
o que realmente precisava, e falar com Pedro e Laís passou a ser prioridade
naquele momento.
Eu precisava saber exatamente onde eles estavam; o que pretendiam
fazer, e principalmente, ter certeza de que estavam dispostos a arriscar suas vidas
por duas pessoas que levariam aquela vingança até as últimas consequências.
— Não estamos falando do seu colega de trabalho Kaio. — toquei o
ombro dele — Estamos falando do pai da Nichole, e esse homem será capaz de
fazer qualquer coisa pela filha, até mesmo morrer por ela. Agora me passa o
número do telefone que ficou com o Pedro para que eu possa falar com ele, e
pensar em alguma forma de ajudar aqueles dois cabeças duras.
— Eles vão até o final Mateus. Você sabe disso não sabe?
Nicholas me perguntou esboçando um pequeno sorriso orgulhoso em
seus lábios.
— Eu não esperava outra coisa deles Nicholas, e é justamente por esse
motivo que estou disposto a pegar o primeiro voo e ir lá, o que me diz?
O sorriso do “coroa” ficou ainda maior.
— Pode reservar um lugar pra mim. Não perco isso por nada.
Eu já estava com o celular na mão pronto para falar com meu melhor
amigo e ao terceiro toque meu coração aliviou, quando a voz do garoto que
estava apaixonado pela filha de Guilherme atendeu e suas palavras me fizeram
sorrir também.
— Porra Mateus, eu não sou tua mulher pra você ficar me ligando só pra
encher a porra do meu saco, caralho.
Mal ele sabia que em algumas horas, provavelmente eu estaria
embarcando para buscá-los e mostraria quem era o verdadeiro dono da porra
toda.
CAPÍTULO 8
PIUÍ

— Quer dizer então que agora é só você e a ruiva pelo deserto?


Thor pergunta em um tom brincalhão e sei que está mais preocupado do
que deseja demonstrar.
— Acertou na mosca, ou devo presumir que já está sabendo o que
aconteceu?
— Estou aqui com o Kaio e o Nicholas, então a resposta é sim, já
estamos a par de tudo.
— Ta foda, nem sabemos onde estamos e isso é uma merda bem grande.
— Estão seguindo as marcas de pneus?
— Ontem estavam mais claras, mas hoje tenho a impressão que não tem
apenas uma marca e sim, várias.
— Isso é bom, o deserto de Mojave recebe vários turistas e muitos vão à
procura da casa invisível.
— Que porra é essa?
— Uma casa que foi construída com algumas partes de espelho e olhando
de longe parece que pode ser vista por dentro.
— Até agora não encontramos nada além de terra por todos os lados.
— O Kaio tem uma ideia de onde fica a base clandestina, mas como não
sabemos onde estão fica muito difícil de direcionar vocês até lá.
— Tem algum ponto de referência?
— Sim. — Thor falou alguma coisa com os outros e voltou a passar as
informações — No meio do deserto tem um cemitério de aviões, grande, bem
grande. Kaio acha que a base fica a menos de dois quilômetros ao norte do
cemitério e esse é o motivo da interceptação do sinal.
— Já é alguma coisa, só precisamos encontrá-lo.
— Não vai ser fácil e vocês precisam ficar ligados em qualquer veículo
que se aproximar. Não sabemos se estão vigiando o lugar.
— Pode deixar, vamos tomar cuidado.
— Como a Laís está?
Olho para o lado e vejo Drizella dormindo, completamente desmaiada.
Nós tínhamos combinado de revezar depois de quatro horas, mas não consegui
relaxar, por isso deixei que ela descansasse por mais algum tempo antes de
acordá-la.
— Está bem, dormindo como uma pedra.
— Como você está com tudo isso?
— Na real ainda não sei, acho que o Guilherme sabia de tudo desde o
começo e está ajudando a Nichole para encontrar a base.
— Você está certo, ele sabia mesmo.
— Filho da puta!
— Não estou feliz com isso, mas entendo o cara.
— Eu mais do que ninguém quero matar os filhos da puta, Thor, mas ele
deveria ter pedido nossa ajuda caralho!
— Também acho, mas no calor da emoção Guilherme fez o que achou
certo para proteger a filha. — um suspiro baixo escapou de sua boca — Eu não
gosto de pensar o que eu teria feito no lugar dele.
— Não estou dizendo que ele não deveria querer matar todos eles com as
próprias mãos, mas armar essa merda toda só deixou as coisas piores. A gente
podia ter feito melhor e ajudado desde o começo, agora ele e a Nichole estão em
algum lugar dessa porra de deserto e nós andando sem nenhuma noção de
direção.
— Conseguiram se abastecer?
Analisei as duas mochilas no chão e verifiquei tudo que tínhamos para
aguentar até encontrar o tal cemitério; armas, munições, isotônicos, barras
protéicas e algumas roupas limpas. Não era o ideal, mas teria que servir por mais
algumas horas.
— Se conseguirmos encontrar o local hoje nós não teremos problemas.
— Presta bem atenção no que eu vou falar agora, Piuí. — sabia que o
motivo de sua ligação era me instruir e me passar confiança, Thor estava se
preparando para aquele momento, toda conversa fiada tinha sido apenas para me
distrair da tensão e do perigo que eu e sua cunhada estávamos nos expondo sem
qualquer obrigação, teoricamente. — O deserto é grande, mas tem alguns pontos
que podem ajudar vocês. Se precisarem parar, não pensem duas vezes. Se
precisarem atirar, não pensem. Esses caras são treinados para eliminar alvos que
possam interferir em seus negócios, e a base clandestina é exatamente isso para
eles.
A seriedade em cada palavra do meu amigo aumentava a adrenalina e
agitava meu sangue que circulava impaciente.
— Eu não acho que a Nichole esteja tão mal quanto aparenta, ela está
abalada e ferida, mas ciente de tudo que está acontecendo. A garota quer
vingança Piuí, e devemos permitir que encontre o tanto que procura. Não cabe a
nós julgar ou impedir, apenas ajudar no que for possível. Não estou preocupado
com a Laís, porque sei que ela está preparada para qualquer situação de risco,
mas me preocupo com você, e não estou convencido de que irá agir como um
profissional e não fará besteira, caso a sua Hermione faça alguma merda.
Mantenha sua cabeça no lugar e tente não esquecer o motivo que te levou até aí.
— Não vou esquecer.
— Quando encontrar a base nos avise imediatamente, assim o Kaio
poderá ajudar a encontrar um jeito de colocar vocês lá dentro sem serem pegos
antes mesmo de cruzar os portões.
— Beleza. — apertei os olhos com força me esforçando muito para não
demonstrar o quanto me sentia impotente.
— Piuí... ela não é mais a mesma garota que nós conhecemos ano
passado, e as coisas podem ficar difíceis quando vocês se encontrarem. Apenas
não faça merda ok?
— Não vou fazer. — respirei profundamente antes de perguntar sobre
meu filho — Conseguiu ver o Pedrinho?
Thor deu um sorriso que encheu meu peito de orgulho, o cara era um
verdadeiro ogro mal humorado quase em tempo integral, mas quando o assunto
era as crianças, virava o maior babaca de todos. Só perdia para o Rômulo, que
era babaca o tempo todo. Independente se as crianças estavam por perto ou não.
— Você precisa colocar aquele pivetinho pra fazer aula de canto, porra!
Gargalhei com o comentário.
— Canto é o caralho! Meu moleque vai querer é jogar bola e eu vou
fazer questão de ir com ele no “Maraca”, pra ver o nosso “Mengão” jogar.
— Quer apostar que ele vai ser cantor?
— Ta louco, Thor? O moleque só chora, porque tu acha que ele vai ser
cantor? Vai me dizer que ele já tem cara de cantor de funk?
— Claro que não seu idiota. — ele bufou, mas percebi que estava se
divertindo com aquele papo sobre as vocações de Pedrinho — Vai por mim,
aquele pivetinho vai ser cantor, mas ele vai fazer sucesso cantando ópera. Puta
que pariu, vai ter um fôlego daquele na casa do caralho!
Gargalhei com vontade daquela vez, só meu amigo para ter uma ideia
daquelas. Parecia que tínhamos invertido os papéis e era a vez dele de
acrescentar um pouco de humor a minha vida.
— Essa foi à melhor piada da tua vida Thor, mas, por favor, não tenta
fazer outra nos próximos dez anos senão, eu vou ser obrigado a te desrespeitar e
você vai acabar me demitindo.
— Combinado. — mais um suspiro e logo depois outra notícia para
compensar o momento descontraído — A Julia esteve lá em casa agora a pouco,
deixou o Pedrinho com a Lívia e saiu. Ele vai dormir com a gente essa noite.
Eu estava tão cansado daquela vida que quanto mais a mãe do Pedrinho
batesse as asas e voasse para longe, mais rápido eu ia conseguir me livrar dela.
Mas não podia falar nada para evitar que meu amigo se aborrecesse ou se
envolvesse naquela merda. Nem ele, nem a Cindi mereciam se preocupar com os
meus problemas e eu precisava resolver de uma vez por todas as merdas da Julia.
— Relaxa, deixa ela se divertir. Ficar em casa o dia todo não deve ser
fácil.
— Não precisa tentar me enrolar, eu já descobri tudo.
— Tudo o que? — fingi não entender.
— Se você não quer me contar, não vou insistir, mas quero que saiba que
na minha casa aquela garota não se cresce mais. Já dei meu recado hoje
diretamente pra ela, e avisei que se alguém me disser que o meu afilhado foi
vítima de qualquer tipo de maus tratos ou violência, eu mesmo dou a ordem de
prisão e jogo ela atrás das grades sem direito a fiança.
— E tu lá pode fazer isso?
Tirei uma onda apenas para amenizar o clima entre nós, falar sobre
aquele assunto sempre me fazia mal e obrigava minha consciência a trabalhar a
procura de respostas que eu ainda não estava preparado para falar em voz alta.
Mateus tinha razão, Julia havia passado dos limites e não merecia que
ninguém daquela família tivesse qualquer consideração por ela.
— Eu sempre posso dar um jeito.
— Quando tudo isso acabar a gente conversa.
— Cuide de tudo por aí e trate de trazer todo mundo pra casa.
— Pode confiar em mim.
A temperatura tinha caído muito durante a madrugada, mas meu corpo
ainda parecia ferver quando imaginava o que poderia estar acontecendo com
Nichole e Guilherme. Laís acordou e insistiu para que eu descansasse e um
pouco.
Se não fosse a insistência da minha amiga eu não teria deitado e apagado
logo em seguida. O cansaço me pegou de jeito e só acordei quando o sol deu o ar
da graça e a temperatura subiu me lembrando os dias mais quentes de um verão
escaldante no Rio de Janeiro.
— Acho que podemos seguir viagem. — Laís se alongou e fez uma
careta — Acho que estou com bafo, preciso escovar os dentes.
— Eu bem que senti um cheiro ruim, mas não sabia de onde era.
Ela revirou os olhos e abriu a mochila encontrando um tudo de pasta.
Colocou uma pequena quantidade na ponta do dedo e esfregou nos dentes
simulando os movimentos que costumamos fazer com a escova. Consegui achar
graça da sua preocupação, mas acabei imitando seu gesto.
— Bem melhor agora. — a ruiva olhou o celular que estava na em cima
da minha camisa e arregalou os olhos — Você falou com o Mateus?
— Falei, ele me ligou quando você estava dormindo.
— Eles conseguiram alguma coisa?
— Kaio ainda está tentando restabelecer o sinal do GPS. Enquanto isso
nós vamos continuar seguindo as marcas.
Arrumamos as mochilas nas costas e iniciamos a caminhada, sentindo a
temperatura subir a cada hora. O dia prometia ser muito mais quente do que o
anterior e a minha preocupação aumentou, não só pelo desgaste físico, mas
também pela pouca quantidade de suprimentos que tínhamos.
— Não consigo entender uma coisa.
Minha amiga Drizella falou depois de alguns minutos.
— Então você está bem melhor do que eu.
— Sério Piuí, como eles conseguem bloquear o sinal do GPS e não
conseguem bloquear o sinal do telefone?
— É uma boa pergunta. — e era mesmo — Não entendo muito de
tecnologia, mas acho que pode ter relação com o cemitério de aviões e a base
clandestina.
— Eu também acho, só acho esquisito isso. Pensei que fosse tudo uma
coisa só, tipo, bloqueou um obrigatoriamente bloquearia o outro, sabe?
— Pensando bem, deve ser um jeito de manter a base fora do radar aéreo
ou até mesmo contra um possível ataque surpresa.
— Se isso for verdade, o negócio é bem pior do que parece. Qual o
motivo pra tanta proteção? O que eles querem esconder?
— A gente pode pensar em muita coisa se o curso que eles inventaram
para os pilotos foi criado pra fazer o recrutamento de soldados como a gente
deduziu. — a sensação de caminhar e não sair do lugar era desanimadora.
Caminhávamos há mais de uma hora e nada na paisagem se alterava,
absolutamente nada. Se não fosse a companhia de Laís e a conversa sóbria seria
enlouquecedor. — Imagina quantas coisas esses caras que tem experiência de
guerra, sabem manusear qualquer tipo de arma e matam sem qualquer remorso
podem fazer se alguém investir neles?
— Pelo que sabemos foram cinco homens que ficaram responsáveis pelo
curso e olha o estrago que eles fizeram nos pilotos... sem contar que a gente só
teve essas informações por causa da Nichole, que sobreviveu.
— Tenho muitas perguntas sem respostas Deizella, e acho besteira a
gente perder tempo criando possibilidades.
Um barulho de veículo chamou nossa atenção, Laís já se preparava para
pegar sua arma quando segurei sua mão nervosa e hábil impedindo-a de agir.
— Calma. — falei olhando na direção do veículo que se tornava cada vez
maior, à medida que se aproximava — Não vamos deixar nada a mostra, quanto
menos souberem o que temos, melhor.
— É arriscado, Piuí. — seus olhos grudados no carro preto se
aproximando rapidamente — Não teremos tempo pra reagir.
— Se eles souberem que temos armas podem fazer merda. Fica atenta,
mas não deixa que vejam a arma.
Os pneus espalhavam a areia que deixava um rastro de fumaça por onde
o carro passava. Quando se aproximou uma mulher sentada no banco do
passageiro colocou a cabeça para fora e nos cumprimentou com um sorriso.
— Bom dia, estão perdidos?
Ela falava em inglês. Laís devolveu o sorriso, meio forçado, e respondeu
no mesmo idioma.
— Bom dia! Não somos daqui e nos perdemos. Estamos a procura do
cemitério de aviões, você pode me dizer se estamos muito longe?
— Sim, ainda falta muito pra chegar.
O homem que dirigia falou alguma coisa e sorriu pra Laís, que fez
menção de responder, mas ficou em dúvida.
— O que ele falou?
— Ele disse que está indo para a mesma direção e pode dar uma carona
se a gente quiser.
Olhei para o casal que aguardava uma resposta e voltei a encarar a ruiva
ao meu lado.
— Pergunta pra onde eles estão indo.
Laís fez o que pedi e a mulher respondeu prontamente. Olhando para os
dois eu poderia jurar que era apenas um casal de turistas passeando pelo deserto
e talvez, fosse apenas isso realmente.
Mas estávamos em uma posição que errar poderia custar as nossas vidas
antes mesmo de chegarmos à base.
— Eles estão indo conhecer a cidade fantasma. — ela deu de ombros —
Disse que fica a uns seis quilômetros daqui.
— Pergunta de o cemitério fica próximo a essa cidade.
Agindo naturalmente, Laís se aproximou do carro e iniciou uma conversa
amigável com a loira que me encarava com um sorriso sacana no rosto, e
enquanto minha amiga fingia que não via o flerte, eu aproveitei para examinar o
interior do veículo sem que a mulher percebesse.
— O nome da cidade fantasma é Calico, eles são da Flórida e ela me
disse que o cemitério de aviões fica naquela direção, mas ainda mais longe.
— O que você acha? Podemos arriscar?
— Na pior das hipóteses você pode trepar com ela pra salvar a nossa
pele, já que a doida branquela ta escancaradamente gamadona no negão
bombado. — a ruiva deu uma piscadinha e um tapinha no meu ombro antes de
abrir a porta de trás do carro. — Quem diria que o seu corpinho um dia viraria
moeda de troca hein? E eu achando que já tinha visto de tudo nessa vida...
Quando a mulher percebeu que iríamos aceitar a carona, perguntou
alguma coisa pra Laís que a fez gargalhar ainda mais e, ao invés de se sentar no
banco de trás, apenas jogou sua mochila no e sentou ao lado do motorista.
— Que porra é essa Drizella?
— Ela perguntou se eu era sua namorada e quando eu disse que não,
pediu para que eu acompanhasse o irmão dela aqui na frente.
— E você nem cogitou a possibilidade de mentir?
— Piuí, você sabe que eu não gosto de mentir, e além do mais, qual o
problema de acompanhar a loira? — Laís olhou para a mulher alta que esperava
ao lado da porta aberta com um sorriso lindo no rosto e belas pernas de fora e
voltou a me encarar — Pela cara dela eu acho que não morde, mas se você pedir,
com certeza ela pode te chupar...
A filha da puta ainda teve coragem de gargalhar na maior cara de pau me
deixando pela primeira vez, constrangido na frente de uma mulher.
— Não pensa que eu vou me esquecer disso Dri, e quando você menos, o
favor vai ser retribuído.
— Cala a boca e entra no carro Piuí. Aproveita que não come ninguém
há sei lá quanto tempo e tira uma casquinha.
Apesar de estar sorrindo e agindo como se a minha conversa com a ruiva
fosse amigável, a vontade que eu tinha era de arrancar aquele sorriso arrogante
dela com uns belos cascudos. Fiz um gesto para que a loira entrasse na minha
frente e fui obrigado a ver sua bunda empinada propositalmente quando ela se
inclinou no banco.
A visão da loira de quatro se insinuando descaradamente nublou meus
pensamentos por um minuto, e meu corpo reagiu involuntariamente a sua
insinuação. Eu não queria confessar em voz alta, mas ficar tanto tempo sem sexo
estava começando a afetar meu cérebro, porque meu pau já tinha cortado
relações comigo há alguns meses.
— Não sei do que você ta falando.
Eu me acomodei no banco e fechei a porta no mesmo instante que o
homem colocou o carro em movimento e a mão direita da loira escorregou
discretamente pela minha coxa.
— Relaxa e aproveita o momento garoto, depois você me explica porque
está aguentando aquela megera por tanto tempo.
— Qual o nome deles? — tentei falar sem ofegar quando o toque da
pequena mão se intensificou sobre minha pele e ela se aproximou de mim
colando a lateral dos nossos corpos.
— Ela eu sei que é Susan, vou perguntar o dele.
Olhei para a loira que sorria mostrando dentes perfeitos e tinha uma boca
carnuda sexy, seus cabelos quase brancos eram compridos e caíam sobre os
ombros muito lisos. Ela vestia uma regata branca com um sutiã vermelho por
baixo e meus olhos se fixaram em seus seios fartos, ignorando as ordens do meu
cérebro de desviar e iniciar uma conversa formal.
— O dele é Steve, são irmãos gêmeos e adoram aventuras, de todos os
tipos.
A voz de Laís funcionou como a voz da minha razão, e num ato heróico,
tentei tirar a mão dela delicadamente da minha perna, mas Susan aproximou a
boca do meu ouvido e passou a língua no lóbulo ignorando o meu pedido. Subiu
a mão até meu pau, que se mostrava satisfeito com a insistência da loira e já
estava pronto para a festa, acariciando-o por cima da calça preta.
Apertei os olhos com força e garanti que os movimentos de Susan não
fossem vistos pelos passageiros da frente. Porra... claro que eu estava excitado e
toda aquela situação me deixava mais louco de tesão.
Passei a adolescência inteira sonhando com a garota morena que se
recusava a ficar comigo por causa do tráfico e da minha insistência em seguir os
passos de Thor. Quando finalmente nos entendemos e começamos a namorar eu
me senti o cara mais sortudo do mundo por ter a mulher que amava ao meu lado
e por quase três anos, vivi com Julia um verdadeiro conto de fadas.
Até que nos mudamos para o interior de São Paulo, e a mulher que eu
achei que conhecia mudou completamente, transformando nossa rotina até então,
tranquila, em um verdadeiro inferno.
Foram incontáveis cenas de ciúme, escândalos em lugares públicos e
brigas memoráveis por causa da sua insegurança, que me desgastaram, e aos
poucos, o amor que sentia por ela foi diminuindo dando lugar à decepção e logo
depois, a raiva.
Nunca tinha traído Julia até conhecer Nichole e depois que minha
Hermione foi embora, não toquei em nenhuma mulher, ao contrário do que Julia
pensava quando me acusava de ter vários casos extraconjugais. O que minha
esposa não sabia era que a minha fidelidade não tinha nada a ver com ela, e sim
com a única garota que dominava meus pensamentos.
Claro que eu não era idiota e nem cego para não reparar os olhares
femininos em minha direção antes mesmo de ganhar quase vinte quilos de massa
muscular, o que me deixava feliz e mantinha minha auto-estima elevada.
Mas nunca fui um cara mulherengo, e ao contrário do que aparentava
meu sonho sempre foi ter uma família e uma mulher que significasse o mundo
para mim.
Queria ter motivos para voltar para casa no fim do dia, ao invés de
arrumar mais trabalho e chegar o mais tarde possível, só para evitar encontros
com a esposa que insistia em me esperar acordada.
A língua de Susan deslizava pela minha orelha e pescoço, enquanto sua
mão acariciava meu pau duro. A sensação era boa, e pela segunda vez me afastei
do seu toque o que a fez sorrir ainda mais, me deixando desconfortável com a
sua insistência. Será que ela não entendia que mesmo duro eu não queria?
Definitivamente não.
Para as mulheres a ereção é a prova de que o homem está a fim, mas o
que a maioria não entende é que o estímulo sexual nem sempre tem ligação com
a vontade de transar, necessariamente, assim como a mulher. A diferença é que
nós não conseguimos esconder que estamos excitados, em contrapartida, a
mulher se aprimora na arte de fingir e mostrar apenas o que lhe convém.
Sério, é muita sacanagem.
— Pergunta quanto tempo falta pra gente chegar, Laís!
Minha voz saiu mais irritada do que eu queria.
— Estamos chegando, consegue ver mais a frente às construções?
Empurrei o corpo de Susan e me inclinei à frente, entre os bancos, para
olhar. Pude ver a cidade fantasma chamada Cálico, cada vez mais perto, e mais
parecia um daqueles cenários de Hollywood.
— Steve disse que os moradores foram embora e agora virou um ponto
turístico do deserto. Tem tudo e parece uma cidade de faroeste, até cerveja
gelada e casas de shows onde as mulheres dançam com aqueles vestidos de
época.
— Pergunta como vamos conseguir chegar ao cemitério.
Laís olhou por cima do ombro e fez uma careta quando viu Susan
encostada com os braços cruzados com um bico de criança minada.
— Eu já estou com tudo aqui, vamos demorar mais umas duas horas para
chegar lá.
— Preciso ligar pro Thor, mas só vou fazer isso quando estivermos
sozinhos.
Ela assentiu e descemos logo que o carro estacionou. Steve trocou mais
algumas palavras com Laís e Susan ficou um pouco chateada por não ter
chupado meu pau, mas dei um beijo em seu rosto e fiz um pedido sincero de
desculpas que amenizou um pouco o clima entre nós.
— Preciso ir ao banheiro.
Laís falou olhando ao redor a procura de algum lugar que pudesse estar
disponível.
— Vamos entrar em algum restaurante ou bar e podemos comer alguma
coisa também. Estou com fome e preciso de comida de verdade.
Encontramos o lugar que procurávamos e descobrimos que era um
restaurante comum, com algumas atrações turísticas. Depois de comer e usar o
banheiro seguimos nossa caminhada sob o sol forte. O calor estava insuportável.
Peguei o telefone avisar Mateus sobre a nossa localização e quando
estava pronto para falar com ele, um barulho de veículo se aproximando chamou
nossa atenção novamente.
— Será que eles esqueceram alguma coisa?
De longe o carro parecia o de Steve e Susan, mas ao se aproximar, fomos
surpreendidos por dois homens armados que desceram rapidamente apontando
suas armas em nossa direção.
— Piuí! — ouvi a voz de Thor me chamando, mas não respondi e
mantive o aparelho ligado torcendo para que ele ouvisse a conversa.
— Entrem no carro! — um dos homens falou com sotaque mexicano
com os olhos em Laís.
O outro que me encarava deu um passo a frente e encostou a arma na
minha testa achando que poderia me intimidar. Tive vontade de rir da cara dele,
mas me contive e deixei que se sentisse confiante.
— Não ouviu o que ele disse? — franzi a testa por estar falando
português corretamente e sem qualquer sotaque — Ou prefere que eu te mate
aqui mesmo?
O mexicano retirou duas algemas do bolso e usou-as para nos prender as
portas traseiras do carro. Antes de o carro entrar em movimento, eu já estava
com as mãos livres e apenas um dos homens estava vivo.
— Agora você vai fazer exatamente tudo o que eu mandar, ouviu bem?
Rosnei com a arma apontada para o brasileiro que não parecia nada feliz
com a cabeça do seu amigo caída em cima do volante com um buraco na parte
de trás.
— Você não vai durar nada aqui, Piuí.
Estreitei os olhos e não gostei de ter sido chamado pelo apelido por um
cara que eu nunca tinha visto na minha vida.
— Claro que vou. — peguei a chave que estava no bolso no morto e
entreguei para Laís abrir sua algema — E você vai se transformar no meu herói.
Ele não abriu a boca e sua confiança já não parecia tão grande...
CAPÍTULO 9
NICHOLE

— Tem certeza que é por aqui?


Meu pai perguntou me seguindo por uma tubulação de esgoto que fica
abaixo das instalações da base.
— Tenho. Era aqui que eles me traziam quando queriam me punir mais
severamente.
Ouvi um rosnado, mas não me virei para olhar. O espaço era apertado e
mal conseguíamos andar sem esbarrar em um dos lados do grande tubo de
cimento que fedia mais do que banheiro químico.
— Onde iremos sair?
— A sala de tortura fica mais a frente e acima dela estão às salas de
controle.
— Você está bem?
Tive vontade de mandá-lo calar a boca e parar de repetir aquela pergunta,
pois a resposta nunca seria a que ele esperava. Ignorei como em todas as outras
vezes e ele entendeu que seria inútil insistir.
Avistei o exaustor central que limitava os espaços. Quando passamos por
ele, uma grade de ferro com um grande cadeado nos impedia de atravessar, tirei
minha pistola e com apenas um disparo o único empecilho foi destruído.
— Eles não conseguem ouvir nada?
— Não. Quase ninguém sabe sobre esse lugar e são inúmeras camadas de
concreto que separam essas tubulações.
O espaço era um pouco maior depois da grade, o que permitiu que meu
pai ficasse a minha frente com os braços cruzados e a expressão que eu conhecia
bem. Aquela que ele usava quando estava disposto a descobrir mais alguma
coisa sobre o período que passei naquele inferno; a mesma que na minha
adolescência, arrancava todos os detalhes sobre os meninos que iam as festinhas
dadas pelas minhas amigas de escola.
— O que exatamente eles fizeram com você nesse lugar?
— Não acho que queira saber.
— Preciso saber Nick...
— Não precisa, a única coisa que precisa é me ajudar a acabar com eles e
depois disso vamos colocar uma pedra nesse assunto.
— Você acha que vai conseguir superar filha, mas não vai. — meu pai
tocou meu rosto machucado me puxando para os seus braços — Eu vou te ajudar
a matar todos eles, um a um, mas não pense que a morte será o bastante para
evitar que suas memórias sejam apagadas ou esquecidas.
Retribui o abraço desejando ter o controle sobre o tempo e voltar a ser a
garotinha alegre, que vivia agarrada ao único homem que amava e tinha certeza
de que nunca me decepcionaria. Eu tinha apenas vinte anos e duvidada muito
que a maioria das meninas da minha idade tivesse passado por todas as
experiências ruins que passei em um curto período de doze meses.
Guilherme nem imaginava que o maior problema que eu teria, não era
esquecer as lembranças, e sim, conviver com as consequências de tudo que meu
corpo passou.
Um dia me disseram que somos máquinas perfeitas e funcionamos
através de estímulos, pois bem, eu fui estimulada, muito. De diversas formas, e
por mais que me enojasse pensar em tudo que haviam feito comigo, ainda sim, já
sentia falta.
Trinquei os dentes e em vez de chorar, respirei fundo para conter a fúria
que passou a me dominar constantemente. Eu não sabia ao certo de onde ela
vinha, mas sabia que estava lá. Não sabia quando tinha começado, só queria que
nunca mais se fosse. Era ela que me energizava e permitia que eu não me
entregasse.
A fúria impiedosa e paciente, capaz de agilizar meus pensamentos e
ações, disposta a obedecer me tornando consciente de que estava apenas
aguardando a autorização para se mostrar a quem estivesse em condições reais
de apreciá-la, e o momento tão esperado estava enfim, chegando.
Quando eu permitisse que ela se libertasse não seria bonito de se ver, e
somente quem já passou pelo que passei, seria capaz de entender. Muitas pessoas
achariam que minhas atitudes futuras estivessem diretamente ligadas ao que
passei, e elas estariam certas sobre isso.
Meu corpo mudou, assim como os meus desejos e necessidades. Nada
seria como antes e ninguém que tivesse feito parte do meu passado se encaixaria
no meu futuro. Ninguém.
— Não pretendo esquecer nada, pai.
Ele me afastou o suficiente para encarar meus olhos tão verdes quanto os
dele.
— Você precisa seguir em frente depois que sairmos daqui.
— Eu vou...
Caminhei até a porta de madeira trancada e a empurrei com facilidade,
como sempre ela estava apenas encostada e o cheiro forte de sexo que permeava
no estreito cômodo, foi imediatamente absorvido pelo meu organismo.
— Que merda é essa?
A pergunta feita em tom horrorizado quando meu pai acendeu a luz,
refletia as possibilidades que sua imaginação pudesse produzir ao ver todos os
objetos que enfeitavam as paredes e parte dos poucos móveis espalhados.
— Foi aqui que passei muitas horas quando estive presa.
Minha voz estranhamente calma assustou até a mim.
— Meu Deus, Nichole!
— Isso não é nada perto do que fizeram na sala de tortura.
Encarei o ex-agente que sempre tratou sua esposa, a única mulher que
amou em toda sua vida, minha mãe, com tanto amor, carinho e respeito,
venerando e adorando seu corpo como uma jóia rara digna de cuidados extremos
e atenção redobrada, com lágrimas nos olhos.
Ciente de que um homem com as mesmas qualidades que ele, jamais
seria capaz de me proporcionar o que eu havia sido obrigada a experimentar, e
definitivamente não apenas gostei, mas me tornei uma dependente.
Guilherme pegou o celular e fotografou tudo que podia, dentro e fora do
“quarto do pânico”, como James o chamava.
— Como vamos conseguir subir até a sala de controle?
Eu conhecia bem aquele homem para saber que a raiva o estava
consumindo e a agitação em seu corpo significava um pedido silencioso por
ação. Ele queria encontrar os cinco homens responsáveis por tudo que passei,
assim como eu, para que pudesse matá-los lentamente.
— Nós vamos esperar até as dez da noite, quando os alarmes serão
desativados por quinze minutos para que a segurança seja trocada.
Meu pai olhou seu relógio de pulso e concordou com um gesto de
cabeça.
— Faltam quinze minutos. À essa hora, Gus já deve estar no avião que o
levará de volta para Nova York e em menos de duas horas seu avô jê estará
sabendo de tudo.
— Talvez todos já saibam. — pensei em Pedro e Laís e no susto que
deviam ter levado quando o carro que estava à frente do deles explodiu e o nosso
sumiu no deserto sem deixar qualquer rastro escondido sob a nuvem de areia que
se dissipou no ar. — Se Pedro e Laís conseguiram chegar ao hangar antes de o
avião da tarde que seguiria para o Rio decolar, provavelmente chegarão
primeiro, e o Mateus será avisado antes.
— Duvido que eles tenham voltado rápido, provavelmente tentaram nos
localizar pelo GPS. — meu pai se sentia culpado por envolvê-los naquela
operação, mas Pedro não nos deu escolha com a sua teimosia e insistência em
fazer parte da equipe — Só espero que aquele garoto não faça nenhuma besteira
e volte pra casa com a Laís.
— Não demos opções a eles. A única coisa que podiam fazer era voltar e
tentar pedir ajuda ao meu avô, mas quando isso acontecer, nós estaremos
voltando para o Brasil.
Reencontrar Laís não tinha sido fácil, mas ficar frente a frente com Pedro
foi à coisa mais difícil que tive que fazer. Seu corpo extremamente forte e
musculoso me impressionou, mas logo me lembrei que toda aquela mudança não
foi feita pensando em mim, e sim, na sua esposa.
Um pensamento me levou a outro, e consequentemente, a grande
enxurrada de memórias arquivadas e guardadas exclusivamente para serem
lembradas quando os momentos de fraqueza ameaçassem me invadir, foram
resgatadas.
As mentiras contadas, as falsas promessas, a última noite, e o golpe final
com um toque de desdém; digno do homem que soube usar seu brinquedinho
disponível até à hora de voltar para sua vida perfeita, com a mulher que sempre
amou, e o filho, fruto desse amor cultivado desde a adolescência.
Nosso confronto no avião deveria ter sido simples, mas quando sua mão
ameaçou tocar minha pele o pânico assumiu o controle do meu corpo e sem
racionalizar, o ataquei como uma forma de defesa. Havia regras a serem
cumpridas para que meu corpo pudesse ser tocado, havia também as palavras
obrigatórias que deveriam ser pronunciadas antes de qualquer contato.
Pedro não as conhecia e eu nunca permitiria que conhecesse. James as
criou, foi ele que me ensinou e depois que eu o matasse, nunca mais um homem
teria poder sobre meu corpo.
Eu fui uma vítima.
Não era mais.
Jamais voltaria a ser.
— Você tem razão, eles não tinham o que fazer no deserto sem qualquer
ponto de referência.
As luzes piscaram e o lugar passou a ser iluminado apenas pelas
lâmpadas de emergência.
— Dez horas. Vamos.
Anunciei e tomei a dianteira refazendo o caminho tão familiar entre os
extensos e fétidos tubos, até chegarmos à última porta. Meu pai segurava sua
arma e me dava cobertura enquanto eu acessava o painel digital e com firmeza
inseria a sequência numérica do código usado para abrir a porta sem chamar a
atenção dos vigilantes.
— Consegui.
A porta se abriu e depois de atravessarmos, fechei sem permitir que
trancasse, pois pretendia passar por ali ainda naquela noite.
— Para onde?
— Por aqui. — apontei para a direita e ouvi seus passos atrás de mim.
Alguns corredores poucos iluminados depois, encontramos a sala de
controle e sem qualquer dificuldade abatemos dois homens que estavam
sentados em frente às dezenas de computadores interligados.
— Agora é com você.
Falei segura observando meu pai se sentar e iniciar seu trabalho baseado
nas informações que lhe passei sobre todo o processo de recebimento do
dinheiro que foi usado para financiar o grupo de desertores.
O grupo liderado por cinco homens, que tinha como único objetivo
recrutar jovens com instintos kamikases e estivessem dispostos a acompanhá-los
em uma guerra infinita, em busca de um ideal imaginário e que nunca declararia
um vencedor, já que os interesses reais eram meras desculpas para aumentar seus
lucros individuais, e nada mais.
Enquanto ele se distraía bloqueando transações, informando as
autoridades sobre o envolvimento de ex-militares, empresários de vários países,
congressistas norte-americanos, além de criar uma pasta pública de denúncias
para enviar a todos os meios de comunicação disponíveis, eu cuidava da porta e
vigiava o corredor.
Depois de cinco minutos, Guilherme empurrou a cadeira para trás e me
encarou sorrindo.
— Feito, agora é só esperar a bomba explodir.
Quando a iluminação voltou, ouvimos vozes alteradas do lado de fora e
na hora reconheci uma delas. Clayson Park parecia furioso e descontava em um
de seus empregados toda sua frustração.
Àquela hora da noite a base deveria estar com o número mínimo de
pessoas que prestavam serviços de todos os tipos ao grupo. Portanto, era o
momento ideal para que colocássemos a segunda parte do nosso plano em ação.
— Ainda está com dor?
Eu me recuperava da última punição que me deixou com um saldo
negativo de lesões corporais, mas nada me impediria de chegar até eles e fazer o
que desejava desde o primeiro dia que pisei naquele lugar.
— Não se preocupe, apenas vamos acabar logo com isso.
Seguimos pelos corredores estreitos até chegarmos a uma porta que
escondia a sala que era usada para reuniões entre os líderes, e a voz
descontrolada que xingava e alardeava do outro lado me alegrou. Eu adorava
quando havia brigas e discussões entre eles, e mais ainda, quando se
desentendiam e as discussões acabavam em pancadaria.
— Acho que temos dois homens lá dentro.
Guilherme cochichou e fez um gesto com a cabeça indicando que havia
chegado à hora. Assenti e com a sola da bota chutei a porta que se escancarou
pegando os dois imbecis de surpresa.
Clayson Park era um homem alto, forte e tão intimidador quanto James
Hudson. Seus cabelos loiros raspados nas laterais e muito curto em cima deixava
seu rosto ainda mais amedrontador.
A sua frente, sentado em uma das cadeiras estavas Mark Lendon, o único
negro do grupo e o mais pacífico dos cinco. Seus olhos negros se arregalaram
quando me viu e a surpresa por saber que eu não estava morta atingiu os dois
amigos.
— Nichole? O que está fazendo aqui?
Clayson perguntou encurtando nossa distância numa tentativa de me
distrair.
— Fique onde está ou eu estouro seus miolos.
Ele sorriu como sempre fazia quando estava pensando em uma maneira
de improvisar. Clayson era pragmático e tinha tudo sob seu controle. Odiava
quando um fato inesperado atrapalhava seus planos. Naquele caso, eu era o fato
inesperado.
— Não vai me dizer que você voltou porque sentiu saudade? — ele
deslizou a língua entre os lábios e me encarou de cima a baixo — Aliás, James
me garantiu que estava morta. O que aconteceu? Ele arregou na última hora?
Sorri, mas não por estar nervosa como ele, apenas para debochar da cara
dele um pouco antes de meter uma bala no meio da sua testa.
— Oh não! Seu amigo não amarelou não... — neguei com a cabeça —
Ele só acreditou que me deixando para morrer, eu realmente morreria. Mas,
como pode ver a garota que nenhum de vocês conseguiu derrubar está aqui
especialmente para ensinar a trigésima primeira lição do manual da base.
Ele franziu a testa e apoiou a bunda na mesa que o separava de Mark.
— O nosso manual só tem trinta regras.
— Eu sei, precisei decorar todas elas não lembra? — os olhos do negro
sentado estavam em Guilherme bem atrás de mim com a arma apontada para ele,
se fizesse qualquer movimento, morreria ali naquela cadeira mesmo — A
trigésima primeira fui eu que criei e vou ensinar a todos vocês antes dessa noite
terminar.
Clayson gargalhou e Mark sorriu com desdém. Eles duvidavam que eu
tivesse coragem para enfrentá-los, mas não me conheciam o suficiente para ter
certeza.
— Você está diferente hoje Nichole, parece mais confiante e dona de si.
Será que a arma que você está segurando é a responsável por essa mudança?
— Achei que fosse mais esperto Clayson, pelo jeito os doze meses que
você ajudou a foder a minha vida não adiantaram muita coisa, não é?
— Bom... — ele alisou o queixo e olhou para o amigo sorrindo pronto
para tentar me intimidar ou irritar — posso garantir que adiantou muito todas as
horas que te fodi amarrada naquela cadeira com você implorando pelo meu pau.
A bala atingiu o meio de seus olhos e seu corpo tombou como um monte
de merda em cima da mesa antes de despencar no chão. Mark ameaçou se
levantar, mas na mesma hora outro tiro foi disparado e seu corpo foi lançado
para trás, se encontrando com o piso de cerâmica antiga.
— Não acredito que fez isso, pai!
Exclamei abaixando a cabeça frustrada.
— Não vou me desculpar. Esse desgraçado teve o que mereceu e o outro
iria morrer de qualquer jeito por ter se levantado sem minha ordem, então...
foda-se.
Claro que ouvir as palavras de Clayson tiraram Guilherme dos eixos, e se
ele ainda tinha qualquer dúvida sobre a violação ao meu corpo, naquele
momento, as perguntas não feitas em voz alta foram respondidas.
Seus olhos estavam vidrados no corpo do homem estirado no chão e eu
poderia jurar que se ele pudesse, ressuscitaria o coitado só para matá-lo
novamente.
— Precisamos encontrar os outros, antes que nos encontrem. — coloquei
minha mão em seu ombro sem saber o que fazer para tirá-lo daquele estado de
paralisia — Vamos, não podemos perder tempo, daqui a pouco eles estarão aqui
e...
— Acho que você merece uma recompensa Baby Doll, a morte lhe caiu
muito bem...
Não houve tempo para reagir, James estava parado com as mãos enormes
alojadas nos bolsos da calça camuflada que lhe caía muito bem e combinava
com seu peitoral nu expondo seus músculos grandes. Os cabelos cortados no
estilo militar ressaltavam seus olhos azuis profundos como o mar do Caribe, e
um sorriso sexy exibia seus dentes brancos, perfeitamente alinhados.
Minha mente freava a sensação quente e invasora entre minhas coxas,
mandando informações sobre todas as coisas ruins que aquele homem tão lindo,
mas perverso como o Diabo havia feito comigo. Minha garganta secou e a voz
que até então havia saído firme e segura, falhou miseravelmente.
Um barulho ao meu lado me fez despertar dos devaneios, e vi Guilherme
lutar com afinco para se libertar das garras de Clinton e Mason, os dois últimos
integrantes do grupo.
— Soltem ele!
— Quem é esse homem, Baby Doll? — James se aproximou de mim e foi
a vez de Guilherme parar e fixar seus olhos no homem que me fuzilava com seu
olhar de ódio — Responda, quem é esse homem?
Dei um passo para trás, ele sorriu ainda mais e me encurralou contra a
mesa. Seu corpo pressionou o meu e sua boca desceu até minha orelha. James
tinha mais de um metro e noventa, o que lhe dava uma vantagem monstruosa
sobre mim.
— Achei que estivesse morta Baby Doll, e estou muito feliz que tenha
voltado pro seu dono, mas não gosto de saber que tem um homem cuidando da
minha bonequinha. — sua língua deslizou pelo meu pescoço causando um furor
em meu ventre, encharcando minha calcinha — Quem é ele e o que ele está
fazendo com você, Baby Doll? Será que vou precisar matá-lo como fiz com o
pirralho que achou que podia tirar você de mim, hein?
Sua boca beijava e acariciava toda a pele exposta do meu pescoço e colo.
Meus pelos se arrepiaram e um calafrio gostoso percorreu minha espinha. As
imagens do corpo de Tomás vieram com força me recordando de que aquele
homem a minha frente com a voz rouca e sensual, não era o que fingia, muito
pelo contrário. James não tinha sentimentos e se recusava a criar vínculos de
qualquer tipo, com qualquer pessoa.
A única coisa que interessava a ele era dinheiro, e por dinheiro, aquele
homem faria qualquer coisa, até mesmo matar seus pais. Como ele mesmo me
confessou uma vez quando estava bêbado.
— Ele é meu pai...
Sussurrei esperando ansiosamente sua reação e não me surpreendi
quando ele fez um sinal para que seus dois companheiros levassem meu pai para
a sala de tortura.
— Nichole!
Guilherme chamou meu nome, mas James fez questão de esconder meu
corpo com o seu impedindo que eu respondesse.
— O que vai fazer com ele?
O medo explícito na minha voz serviu para James como gasolina serve
para um carro com o tanque de combustível vazio. Era tudo que ele queria para
terminar o que não conseguiu da última vez que nos encontramos.
Seu sorriso representava o que tinha de mais belo no mundo e ao mesmo
tempo, o que havia de pior. James Hudson usava seu charme e sua beleza para
encantar como uma serpente, esperando o momento certo para agir de maneira
traiçoeira e atacar sua presa.
Eu sabia.
Eu o conhecia.
Eu o mataria.
— Isso vai depender de como você vai se comportar hoje.
— Hoje?
Sua mão deslizou até meus seios e seus olhos vagaram pelo meu rosto
parando nas cicatrizes acima da orelha direita. Ele odiava aquelas duas marcas,
mas não era por remorso, e sim, porque não foi ele que as colocou ali. A ponta
do seu dedo acariciou os cortes dormentes.
— Você precisa deixar seu cabelo crescer pra esconder essas cicatrizes,
elas não combinam com você, Baby Doll.
— Deixe meu pai ir embora, eu prometo que vou me comportar e fazer
tudo que você quiser.
Eu imploraria se fosse preciso, mas nada adiantaria se James não
estivesse convencido de que não haveria uma nova tentativa de fuga.
— Eu não posso deixar que ele saia daqui, você sabe disso, mas prometo
que não vou matá-lo na sua frente se for uma boa menina de agora em diante. —
James roçou seus lábios carnudos nos meus e seu hálito de conhaque invadiu
minhas narinas me obrigando a fechar os olhos durante a constante luta contra as
reações do meu corpo aos seus toques — Vai fazer tudo que eu mandar minha
bonequinha?
— Vou.
Ele sorriu ainda mais e seus dedos beliscaram meus mamilos por cima da
blusa preta com força machucando a pele sensível.
— Ótimo, vou te levar para o “quarto do pânico” e lá você vai me
mostrar o quanto está disposta a cooperar para manter seu pai vivo.
Engoli seco com a menção ao nome do lugar que ele iria me levar. Eu
mal havia voltado para o inferno e James já estava me obrigando a fazer o que eu
relutava tanto para aceitar que meu corpo gostava e sentia prazer, quando deveria
odiar, sentir nojo e repulsa.
Clinton e Mase voltaram e James se afastou escondendo o sorriso
destinado somente a mim.
— O que faremos com eles?
Clinton perguntou se referindo aos corpos de Clayson e Mark sem vida
no chão.
— Se livrem deles e podem sair.
— Nós também queremos foder ela, James. Por que só você? A gente
pode revesar... da última vez ela até pediu mais.
Mase falou me obrigando a olhar para os pés de vergonha e
constrangimento.
— Hoje ela é minha. — definiu com firmeza — Mas amanhã nós
podemos fazer umas brincadeiras em grupo, não é bonequinha?
Assenti sem encarar James nos olhos, pois sabia que ele estava furioso
com o que Mase tinha acabado de falar e faria questão de me punir severamente
durante as próximas horas.
— Olhe para mim quando estiver falando comigo Baby Doll. — a voz
suave e rouca em nada se assemelhava ao aperto bruto em minha mandíbula. —
Responda para os meus sócios que amanhã eles poderão brincar com seu corpo e
você não vai decepcioná-los. Vamos, diga?
— Eu vou... fazer o que... vocês qui..se...rem...
Seus dedos apertaram minha boca com tanta força que senti o gosto de
sangue quando soltou minha pele.
— Viu só, Mase? Amanhã nós teremos um banquete de Nichole, mas
hoje preciso ensinar algumas coisinhas que ela não aprendeu direito.
James me levou até a porta que dava acesso aos tubos, a mesma que eu
havia entrado com meu pai, e me conduziu ao lugar que tinha no apelido
exatamente o que sentia dentro do meu peito. Eu estava em pânico.
— Entra e tira a roupa.
Fiz o que James mandou e quando seu corpo nu da cintura para cima se
encostou ao meu, a única lembrança que veio a minha cabeça foi a imagem de
Pedro me amando intensamente, dizendo que me amava e que nunca haveria em
sua vida outra mulher além de mim.
Senti os lábios carnudos esmagando os meus e logo em seguida a voz de
Pedro antes de fechar a porta do quarto dizendo que não havia espaço em sua
vida para uma amante, ecoou na minha mente.
— Senti sua falta Baby Doll, — James sussurrou em meu ouvido — E
antes de te punir por gozar com os meus amigos, eu vou te comer bem gostoso
pra você se lembrar de como é ter meu pau socando fundo nessa bocetinha doce.
Deixei que as lágrimas escorressem pelo meu rosto e me entreguei ao
beijo quente de James. Eu nunca teria amor e já havia aceitado aquilo, também
não choraria mais por um homem que apenas me usou, igual a todos os outros.
James me deitou sobre a mesa e abriu minhas pernas, afastou meus lábios
vaginais e com a língua me sugou até que meu corpo tremesse e explodisse em
um orgasmo.
— Isso minha bonequinha. — ele tirou sua calça junto com a cueca e
encaixou seu pau na minha entrada — Agora você vai ver o tamanho da saudade
que eu estava da sua bocetinha.
James me invadiu e como todas as outras vezes eu deixei que meu corpo
se desconectasse da minha mente e se deliciasse com o prazer que me invadia a
ponto de querer me ferir gravemente.
Eu não tinha mais nada a perder.
Eu não tinha mais forças para lutar.
Eu não tinha motivos para sobreviver.
Mas eu mataria os três que faltavam antes de soltar Guilherme para
então, por um fim a todo meu sofrimento de uma vez.
CAPÍTULO 10

PIUÍ

— Anda logo e coloca ele aí.


Falei pro brasileiro que pegou o corpo do companheiro e o colocou no
porta-malas do carro com um pouco de dificuldade. Seu braço estava machucado
por causa do golpe que a ruiva deu nele depois de se soltar das algemas.
Ela estava uma onça com o panaca. Bem feito, quem mandou se meter
com quem não conhecia?
— Pronto.
Ele falou depois de ajeitar o corpo e me olhou esperando a próxima
ordem.
— Você vai levar a gente até a base clandestina sem causar nenhum
problema.
Ele sorriu e balançou a cabeça como se eu tivesse falando alguma
besteira.
— Não sabia que era tão burro assim. Quer mesmo morrer?
— Quem vai morrer é você se não andar na linha e já mostrei que não
brinco em serviço, então é melhor começar a fazer o que eu estou falando ou vai
se juntar a ele.
Apontei para o mexicano apagado.
— Eles vão querer saber quem são vocês se entrarem pela porta da
frente.
— Não... eles vão querer saber quem é ela e você vai dizer que é só uma
das suas putas.
— Está me dizendo que não vai junto?
— A única coisa que precisa saber é que se vacilar um milímetro, eu vou
estourar seus miolos e juro que não vou errar o alvo.
— Como quiser, mas ainda acho que deveria aproveitar e dar meia-volta,
esses caras não brincam em serviço e quando perceberem que tem gente de fora
na base, você e sua amiga serão presas fáceis lá dentro.
— É por isso que você vai servir de escudo, se eles vierem atrás de nós é
a sua cabeça que rolar primeiro.
Seu sorriso desapareceu e poucos minutos depois, estávamos de volta à
estrada de areia.
— O nome dele é Mansur Garcia, nasceu em São Paulo, tem vinte e sete
anos e mora em Nova York.
Minha amiga falou olhando os documentos do idiota que dirigia com
apenas uma das mãos, a outra estava algemada presa a porta do motorista. O cara
era mesmo brasileiro, mas não morava no país, de onde me conhecia?
— Como sabe meu apelido?
Apertei o cano da arma na nuca dele e o encarei pelo espelho retrovisor.
Seus olhos se estreitaram demonstrando raiva.
— Eu sei quem você é.
— Foda-se. Eu quero saber como sabe quem eu sou?
— Porque o Guilherme me mandou uma foto de todos que viriam com
ele.
— Que porra é essa?
Laís virou a cabeça de repente e me encarou no banco de trás antes de
olhar para o homem sentado ao seu lado.
— Ele te fez uma pergunta. — vociferou — Responde antes que eu
arranque a resposta na marra.
— Eu estava ajudando ele e a Nichole.
— Ajudando como?
— Fui eu que mandei os e-mails para ela, com todas as informações
sobre o grupo.
Porra! O Kaio tinha me contado sobre os e-mails que ela recebeu e disse
que toda a operação foi montada baseada nessas informações.
— De onde você conhece a Nichole?
Pela primeira vez ele me encarou pelo espelho. O cara era um Mané, mas
eu não podia matá-lo antes de saber tudo que estava acontecendo e o que ele
realmente sabia sobre a base e a porra do grupo de mercenários que a
comandava.
— Eu trabalhei pra eles quando o curso começou, mas praticamente me
expulsaram quando descobri o que eles faziam e os verdadeiros planos que
tinham.
— Vamos lá... — me aproximei dele e falei sem tirar minha arma da sua
cabeça — Começa contar tudo do começo e não se esqueça de nenhum detalhe.
Mansur olhou para frente e depois puxou uma respiração pesada,
percebendo que não adiantaria mentir para nós.
— Fui contratado para ajudar na parte financeira do curso. Um dos
líderes me conhecia e sabia que eu não estava satisfeito no meu antigo trabalho e
me garantiu que seria uma ideia inovadora e em pouco tempo teríamos pilotos
do mundo todo pagando uma fortuna para aprender a pilotar o F22. Nos
primeiros meses eu percebi que tinha alguma coisa errada com as meninas, mas
a Nichole foi a que mais mudou. Vivia machucada e não interagia com o resto do
grupo.
— Quem era a outra menina?
— O nome dela era Marcia. — ficou nervoso, tentou disfarçar, mas eu
percebi seu rosto se contorcer numa careta de dor quando falou o nome da outra
menina. — Ela também estava diferente, mas não falava nada com ninguém.
Todas as vezes que me aproximei e perguntei se precisavam de ajuda, elas
diziam que não e evitavam conversar comigo. Também notei que elas nunca
ficavam sozinhas, um dos líderes acompanhava as duas para onde iam, tive a
impressão que se revezavam para que ninguém desconfiasse, mas eu desconfiei.
— O que aconteceu depois? — perguntei irritado.
— No terceiro mês, houve uma tentativa de fuga e as coisas ficaram
complicadas.
— Para de enrolar caralho! — eu já estava perdendo o controle com
aquele otário e se ele não cooperasse ia fazer o mesmo caminho que o seu
amigo mexicano fez. — Se você enviou a porra documentada pro Guilherme de
algum jeito quis ajudar, então me ajuda porque eles estão na base e a gente vai
tirar os dois de lá de qualquer jeito.
— Ninguém soube exatamente o que aconteceu, mas as meninas
sumiram e pararam de frequentar o que eles chamavam de aulas. — ele também
parecia mais agitado e nervoso por precisar contar — Quando eu comecei a fazer
perguntas sobre elas o James soube que eu não ia deixar o assunto de lado e não
gostou. Uma semana depois, meu carro explodiu na porta da minha casa.
— Eles acham que você está morto?
A pergunta da ruiva teve como resposta apenas um leve aceno de cabeça.
Afirmando o que estava fácil de deduzir, já que o babaca estava bem vivo e
dirigindo com uma mão só.
— Por que não falou que conhecia o Guilherme e a Nichole quando
matei o outro cara?
— Porque eu ainda não tinha certeza se vocês queriam mesmo tirar eles
da base.
— Vai se foder caralho! — explodi de vez — E você acha que a gente ia
ta fazendo o que nessa merda de deserto sem nem saber pra onde ir?
— Eu não sei, falou? — Mansur respondeu frustrado com outra pergunta,
o que segundo Lívia era falta de educação. Sorri ao me lembrar da minha amiga,
até no deserto as coisas que a minha Cinderela me ensinou conseguiam me
distrair daquela merda toda. — Não conhecia vocês e depois de tudo que
aconteceu não podia arriscar. Eles têm informantes em todos os cantos e
qualquer pessoa pode ser inimigo.
— Como você conseguiu enviar os e-mails pra Nichole? — perguntei
desconfiado — Se eles acharam que estava morto, onde você se encontrou com
ela?
— Eu vigiava a base todos os dias esperando a hora que um deles ia
cometer algum erro. Muitos carros entram e saem de lá, mas nunca durante o
dia, sempre a noite. Eu estava no meu esconderijo que fica a menos de
quinhentos metros da base quando James saiu com um carro. Estranhei e decidi
segui-lo. Ele dirigiu quase trinta quilômetros até chegar ao Vale da Morte.
— O que é o Vale da Morte?
— É um vale famoso e tem leitos de lagos secos cheios de sal. É muito
conhecido e recebe alguns turistas de vez em quando, mas é difícil de chegar até
lá.
— O que ele foi fazer?
Mansur me encarou pelo espelho antes de falar:
— Ele foi jogar o corpo da Nichole e a deixou pra morrer.
— Desgraçado!
Empurrei a testa contra a parte traseira do encosto do banco do motorista
para recuperar meus batimentos cardíacos que estavam completamente
acelerados e fora de controle.
— Por que esse cara levou o corpo pra lá? — Laís estava com a testa
franzida e como eu, não conseguia entender — Ele podia ter feito qualquer coisa
com ela se achava que estava morta.
— Por mais doentio que possa parecer eu acho que ele gostava dela.
A minha risada foi forçada e sarcástica, mas sem um pingo de humor.
— Vou fingir que não ouvi isso da sua boca.
— É sério. — Mansur afirmou — Quando eu percebi que James parou o
carro perto de um leito de areia pequeno, achei que tivesse me visto, mas não.
Ele estava sozinho e parecia um pouco tonto quando abriu a porta traseira e
pegou a Nichole no colo. O cara ficou parado olhando pra ela um tempão com a
arma apontada pra cabeça dela, mas não conseguiu atirar, depois arrumou o
corpo com muito cuidado embaixo de areia e se abaixou para beijar a testa dela.
Virou as costas e foi embora. Tenho quase certeza que ele não conseguiu
finalizar o que tinha começado e foi o que salvou a vida da Nichole.
— Que loucura! — Laís exclamou me deixando sem palavras — Quem é
esse James?
— É o pior de todos, ele é meio que o líder e pelo que a Nichole me
contou, foi um dos outros que quase matou ela, e por algum motivo o James se
encarregou de matá-la e se livrar do corpo, mas no fim, não conseguiu.
— E foi você que tirou ela de lá, certo?
Minha pergunta era óbvia, mas eu precisava ouvir sua resposta para
agradecê-lo por ter salvado a vida da minha Hermione.
— Foi. Eu esperei o James sair com o carro e levei a Nichole pra clínica
da minha namorada. Nós ficamos dois dias cuidando dela na clínica e mais cinco
em casa. Eram muitas lesões e algumas muito sérias. Nem sei como ela
conseguiu se recuperar, qualquer outra mulher no lugar dela tinha se entregado.
— Foi depois disso que a Nichole voltou ao Brasil?
— Eu não queria que ela viajasse, mas quando ela falou com o pai pelo
telefone e contou um resumo do que tinha acontecido, não teve jeito. O cara não
deu opção e disse que o lugar dela era com a família e não aqui. A Nichole fez
repouso absoluto e só saiu da cama quando o avião particular veio buscá-la.
— Quanto tempo faz isso?
Nichole ainda estava machucada, mas por tudo que Mansur havia
contado, ela tinha passado por muitas coisas piores do que as que eu imaginei.
— Vai fazer dois meses que eu resgatei ela.
Laís virou o corpo e me encarou com as bochechas vermelhas, e não era
de vergonha, era de raiva.
— Guilherme escondeu a filha esse tempo todo e só me chamou pra ir até
lá quando ela já estava melhor.
— Puta merda! — xinguei revoltado — Se a gente achou que ela estava
mal do jeito que está agora, eu nem quero imaginar como ela ficou quando...
Não consegui terminar a frase de tanta raiva.

— Eu não sei como Nichole está agora, mas não gosto nem de me
lembrar como ela estava quando eu a encontrei, enterrada na areia.
O silêncio desconfortável, mas necessário se instalou no carro. Meus
pensamentos me levaram a garota que eu conheci coberta com o macacão de
pilota, longos cabelos castanhos claros e enormes olhos verdes brilhantes. Seu
sorriso fácil, sua pele branca sem marcas ou cicatrizes, sua voz doce e seu jeito
gentil de tratar todas as pessoas.
Senti o nó na garganta e a vontade de chorar era quase incontrolável. A
dor em seus olhos vazios fazia todo sentido depois de ouvir uma pequena parte
de tudo que ela devia ter passado naquela porra de base depois que eu decidi
continuar ao lado de Julia.
Culpa, remorso, tristeza e uma profunda solidão, talvez ainda maior do
que sentia diariamente desde que a deixei naquele quarto de motel, na última vez
que nos encontramos.
O carro parou de balançar e abri os olhos para ter certeza de que
havíamos chegado.
— Vocês podem tirar as algemas? — Mansur perguntou sem graça.
— Claro... — Laís respondeu prontamente.
Minha amiga também estava perdida em pensamentos e eu sabia muito
bem para onde os dela estavam sendo direcionados. Laís sofreu durante muito
tempo com a violência de seu pai e foi preciso alguns anos e inúmeros
tratamentos para que ela conseguisse levar uma vida normal.
Eu não sabia o que iria acontecer com Nichole, mas sabia que nunca mais
eu a deixaria sozinha.
— Como vamos entrar? — perguntei.
— Só tem um jeito de conseguirmos sem que ninguém nos veja.
— Pensei que tivesse acesso livre à base. — Laís falou inclinando o
corpo a frente para enxergar melhor os muros altos que cercavam uma
construção antiga que parecia um grande presídio.
— Eles pensam que eu morri na explosão, lembra?
— E o que você estava fazendo com aquele cara?
— Ele tinha acesso a base, o irmão dele é um dos guardas que fazem a
vigilância da noite.
— Sério que você ia entrar com o cara sem a ajuda de ninguém?
Mansur esfregava o pulso avermelhado e por um segundo, não mais que
isso, eu fiquei com pena dele, mas logo passou e me convenci de que ele
mereceu dirigir algemado depois de ter nos ameaçado. Sorte dele que o carro era
automático, se fosse igual o meu, ia estar bem pior. Foda-se.
— Eu conheço tudo lá dentro e sei que tem alguns atalhos que podemos
usar pra nos esconder. — ele dá de ombros — Sempre consigo dar um jeito de
escapar e hoje não vai ser diferente, mas só saio de lá quando todos eles
estiverem mortos e eu tiver certeza absoluta disso.
Alguma coisa em seu jeito de falar deixou claro que o brasileiro não
estava lá apenas por causa de Nichole e Guilherme. Mansur queria se vingar por
alguma coisa que fizeram contra ele, ou contra alguém que ele gostava muito.
De qualquer forma aquilo era o que menos importava, ter uma pessoa
que conhecia os caminhos que nos levariam até a mulher que eu amava era tudo
que eu poderia querer naquele dia que teve tudo para acabar muito mal, e
felizmente, tinha uma remota chance de acabar um pouco melhor do que o
esperado.
— Então senhor segurança, qual é o plano?
— Nós vamos entrar pela tubulação subterrânea que vai nos levar até um
dos lugares que eles usavam para torturar os pilotos e às dez horas quando as
luzes se apagarem para a troca da segurança, nós entramos e decidimos o que
vamos fazer.
— Beleza. — peguei meu celular e esperei que o sinal ficasse bom para
ligar — Preciso avisar o Thor que encontramos a base e estamos prontos para
invadir.
— Não demora, já escureceu e a temperatura está caindo muito.
Precisamos entrar o mais rápido possível.
Esperei que a chamada fosse completada e no segundo toque meu amigo
atendeu.
— E aí alguma novidade?
Ele perguntou ofegante.
— Estamos a menos de duzentos metros da base e prontos para entrar
pela tubulação desativada que fica no subsolo.
— Como conseguiram?
— É uma longa história, mas pra resumir encontramos um ex-
funcionário dos caras no deserto e ele é brasileiro.
— Qual o nome dele?
— Mansur Garcia.
Thor repetiu o nome e depois de alguns segundos ele voltou a falar
comigo.
— Esse cara está morto!
— Não ta não. Eles explodiram o carro dele e acharam que ele estava
dentro.
— Como vocês sabem que o cara é confiável?
— Porque foi ele que enviou os e-mails pra Nichole.
— Espera aí... ta me dizendo que esse cara que ta aí com vocês é o irmão
da Marcia Garcia?
— Quem é essa mulher?
— É a filha de um dos maiores contrabandistas de armas dos Estados
Unidos, o brasileiro Eduardo Garcia. Ela também estava no curso e o pai dela é
um dos financiadores dessa merda toda.
Saí do carro e peguei Mansur pelo pescoço suspendendo seu corpo. Ele
tossiu e tentou inutilmente se soltar, mas não permiti. O rosto dele ficou
vermelho, mas só o liberei quando começou a perder os sentidos devido à falta
de oxigênio.
Joguei o idiota no chão enquanto Laís mesmo sem saber o que tinha
acontecido apontou a arma para a cabeça dele. Quando ele me encarou como se
eu fosse um palhaço de circo, minha voz saiu ameaçadora:
— Você tem sessenta segundos pra me explicar que porra é essa que seu
pai é traficante de armas e a sua irmã também estava no curso.
Puta mera!
Eu ainda tinha esperança de que Thor estivesse enganado, mas pela
careta que o infeliz fez, me arrependi de ter acreditado que a sorte estava do
nosso lado.
Caralho!
Coloquei o telefone no ouvido de novo.
— É ele mesmo.
— Porra!
— Nós vamos entrar de qualquer jeito Thor, com ele ou sem ele.
Mansur ficou em pé com o rosto ainda corado e se aproximou até ficar
bem próximo de mim.
— Eu vou entrar lá e vou matar aqueles desgraçados por tudo que
fizeram com a minha irmã e ninguém vai me impedir.
— Como você sabe o que fizeram com ela se você mesmo disse que ela
não contava nada?
— Eles assassinaram a minha irmã como punição por ela e a Nichole
terem tentado fugir. — eu queria perguntar como ele sabia sobre aquilo, mas
como se lesse meus pensamentos, concluiu — A Nichole viu tudo! Mase e
Clinton estupraram a Marcia, depois James a matou e avisou que a Nick seria a
próxima se tentasse fugir de novo.
— Ouviu? — perguntei a Thor ainda atordoado com a explicação
convincente de Mansur.
— Acho que dá pra confiar, mas não percam o foco e se ele quiser ficar
pra explodir tudo, foda-se. Deixa ele aí e sai fora. A única coisa que vocês têm
que fazer é pegar o Guilherme e a Nick e voltar pra casa. Ouviu bem?
— Beleza.
— Nada de beleza porra! O que esses caras fizeram já era, não adianta
ficar com essa porra na cabeça e querer perder tempo torturando esses bostas!
Pega os dois e vaza. É uma ordem Piuí.
Meu amigo só podia ter uma bola de cristal para saber exatamente o que
eu estava pensando e pelo olhar de Laís, ela também queria a mesma coisa que
eu.
— Tá bom. — falei desanimado — Não vamos demorar.
— O Kaio conseguiu a localização de vocês. Se conseguirem economizar
bateria, quando saírem vai dar pra gente conversar.
— Fechou. Estamos entrando.
— Já sabe; se tiver que atirar, não pensa. Atira e foda-se, mesmo que seja
mulher ou idoso.
— Pode deixar, não vamos vacilar.
— Boa sorte cara e cuida da Drizella!
— Valeu. Amanhã de manhã a gente se vê.
— Vou encontrar vocês no hangar.
Desliguei o celular e ajudei minha amiga a carregar nossas armas. Ela,
como sempre, mantinha sua faca na parte de dentro da calça e Mansur ficou em
silêncio apenas observando.
— Pra onde você vai?
Perguntei pra ele quando começou a andar na direção oposta a base.
— Eu falei que a gente ia entrar pela tubulação Piuí, e não pela porta de
entrada.
— E onde fica essa porra?
Ele apontou para algum lugar que eu não conseguia ver e falou:
— Do outro lado e acho melhor se preparar, caso não goste de cheiro de
esgoto.
— Puta que pariu. Tem mais alguma coisa que eu precise saber agora?
— Na verdade tem. — Mansur me encarou e vi seus olhos mais frios —
Esteja preparado para o pior quando encontrarmos a Nick.
— Do que você está falando?
Ele olhou para Laís que também esperava sua resposta.
— Nichole e Guilherme chegaram aqui há vinte e quatro horas. Se
conseguiram fazer tudo que planejaram encontraremos todos eles mortos e os
dois estarão dentro de um avião a caminho do Brasil, mas se foram pegos, não
sei como vamos encontrá-los. James Hudson é um cara sem escrúpulos e
completamente obcecado por Nichole e lá, dentro daqueles muros, as únicas
regras que valem, são as regras da base.
— Vamos logo! — Laís passou por mim caminhando rapidamente na
direção que Mansur havia apontado — Quero almoçar na casa da Lívia amanhã,
não podemos perder tempo com essa merda.
Assenti e seguimos atrás dela. Eu queria uma chance de consertar tudo
que tinha estragado e quando fui obrigado a andar mais de um quilômetro dentro
de um cubículo apertado e fedido pra caralho, atormentado pela hipótese de que
minha Hermione pudesse ter caído nas mãos daquele miserável, percebi que
desde que a deixei para trás, minha vida não fez mais sentido.
Aquele resgate não era apenas de Guilherme e Nichole, eu estava indo
pegar meu coração de volta e não sairia daquele lugar sem ele.
CAPÍTULO 11
NICHOLE

“Você tem que me falar qual é a regra Baby doll, ou vou te punir de
novo!”
A voz de James é baixa e horripilante, sei que está bravo, mas não
consigo pensar com os tornozelos amarrados aos pulsos e a bunda exposta para
que Mase me penetre com mais facilidade. As estocadas são duras e profundas
machucando mais do que normalmente machucam.
“Vamos boneca, me fale agora ou não vou deixar que ele pare de comer
seu cuzinho.”
Penso rápido, tento me concentrar, sei o que preciso falar, mas a voz não
sai. Minha testa bate no chão com força uma, duas, três vezes. Sinto minha
cabeça latejar.
“Não me mande parar, James, essa garota é muito gostosa e eu preciso
gozar”
As palavras entrecortadas de Mase tiram meu poder de concentração,
suas mãos segurando meu quadril deixarão mais marcas roxas na minha pele
pálida.
“Vamos Baby doll, eu quero a maldita regra!”
James sussurra no meu ouvido. Ele está bravo, eu sei. É sempre assim
quando um dos amigos está me comendo de alguma forma. O meu prazer deixa
o homem incomodado e se fosse outra pessoa, poderia jurar que o sentimento
que tanto o irrita é ciúme, mas o monstro que me humilha e infringe dor não se
importa comigo. Com ninguém. Nunca.
“Eu vou gozar, poraaaaaaaaaaa”
Mase grita, no mesmo instante James segura meu rosto e me soca como
pugilista com o punho fechado. Minha consciência é levada para bem longe.”

Acordei assustada, suada e apalpando meu corpo até descobrir onde


estava machucada. Como todas as outras vezes lamentei que minhas costelas
nunca fossem se recuperar completamente, mas daquela vez a queimação na
parte de trás das coxas não permitiria que eu vestisse a calça jeans.
Levantei devagar ainda cambaleando e acendi a luz, meus olhos
demoraram a abrir até identificar o quarto do pânico e o cheiro de sexo, suor e
esperma que se tornou comum ao meu olfato.
Peguei minhas roupas jogadas no canto e segui até o banheiro pequeno.
Liguei o chuveiro e permiti que a água fria aliviasse as dores. Doía tudo, mas a
dor aguda em minha alma nunca teria fim.
Minha cabeça careca me lembrava o quanto fui humilhada, os cortes
recém fechados acima da orelha traziam as lembranças do espancamento e as
lágrimas só serviam para que a água levasse para o ralo mais uma pequena parte
da minha dignidade feminina destruída.
Pela pequena fresta reparei que o sol estava alto, já chegava ao meio dia
e em poucas horas eles estariam de volta. No sonho era Mase me estuprando,
mas ontem as coisas foram um pouco diferentes com James.
Ele não exigiu as regras, não usou os códigos e nem falou sobre as
minhas falhas. Apenas tomou meu corpo o quanto pode manter seu pau ereto, e
para o meu desespero, o homem possuía uma virilidade incomparável.
Vesti apenas a lingerie e me sentei a beirada da cama. A porta foi aberta e
James entrou com uma bandeja em suas mãos.
— Tomou banho boneca?
Alívio me tomou quando fechou a porta e trancou por dentro. Ele não
deixaria que ninguém entrasse por um tempo o que me alegrou
momentaneamente. Quando fui trazida para cá Mase disse que queria vir
também, e James tinha concordado.
— Sim.
Respondi sem levantar a cabeça para não olhá-lo nos olhos. Aguardei
autorização para que pudesse encará-lo, mas fui surpreendida quando ele se
abaixou a minha frente e apoiou as mãos em cima das minhas pernas.
— Meus amigos querem vir aqui hoje Baby doll.
Apertei os olhos e me forcei a respirar com calma. Eu odiava cada um
deles, mas quando estavam juntos era muito pior. Eles competiam e me usavam
para se exibir. Quanto mais eu gritasse, mais ficavam envaidecidos e não se
importavam em me machucar para que meus gritos fossem cada vez mais altos.
Para eles a única coisa que importava eram os sons que saíam da minha
boca. Dor ou prazer, tanto fazia. Eles não ligavam e nunca ligariam.
— Você gosta quando eles vêm?
A pergunta me deixou confusa e lentamente ergui a cabeça para ter
certeza de que James havia mesmo me perguntado aquilo.
— Fala pra mim boneca, você gosta que os caras te fodam ou prefere que
eu venha sozinho?
Não falei nada, apenas estendi o braço e toquei seu peito nu com a ponta
dos dedos arrancando um sorriso que nunca havia visto em seu rosto retangular e
forte.
James era enorme, musculoso, alto e bonito. Seus olhos se fixaram nos
meus e sua mão esquerda percorreu os cortes na minha cabeça. Ele era uma
pessoa má e só me causava dor, mas quando me possuía eu não conseguia evitar
sentir o prazer que me proporcionava.
Eu não queria gozar ou gemer, pois sabia que o incentivava a querer me
dominar, mas eu gostava do seu domínio. Suas mãos machucavam, mas seus
dedos me deixavam sem palavras quando me penetravam e me via incapaz de
não umedecer facilitando seu acesso.
James gostava de me amarrar e me bater com seus chicotes, muitas vezes
lesionou minha pele até ficar em carne viva. Eu me odiava por sentir prazer
mesmo assim, apanhando como uma cachorra vira-lata, mas para minha agonia,
eu sentia.
Não queria gostar. Não queria gemer. Não queria gozar.
Mas gostava, gemia e no fim sempre gozava. James me levava ao êxtase
e a exaustão do meu corpo. Não havia amor, carinho, beijos ou abraços. Era
violência, submissão, humilhação e prazer cru. Meu corpo servia de depósito de
esperma e ostentação gratuita de poder dos mais fortes.
A culpa era minha por ser uma vagabunda ordinária. A consciência e a
vergonha abordavam temas polêmicos, como violência doméstica, nas minhas
horas ociosas questionando o que minha mãe diria se soubesse que sua única
filha, criada com tanto amor e devoção, acabou gostando do que ela lutou
grande parte da sua vida para impedir que mulheres indefesas sofressem nas
mãos de homens como James Hudson.
Como meu corpo permitia se entregar a luxúria quando introduziam
objetos nele apenas por diversão? Era inadmissível imaginar que uma mulher
gostasse de ter uma garrafa de cerveja em cada orifício simulando uma dupla
penetração masculina e gozar intensamente.
Eu odiava aqueles homens que me tornaram aquele tipo de mulher, mas
me odiava mais ainda por ter permitido que eles tivessem alcançado o sucesso.
Nojo.
Asco.
Ódio.
— Eu ficarei com você e não permitirei que eles te fodam hoje.
Alívio e satisfação foram o que senti quando ouvi sua afirmação. Eu
conseguia lidar com James, mas com os outros, não. Mase e Clinton não me
davam prazer, apenas dor. Somente quando James participava do ato grupal eles
se controlavam, pois se sentiam intimidados com a postura altiva do líder.
Imponente. Forte. Feroz.
O homem ficou em pé e começou a abrir o zíper da sua calça
— Agora quero que me mostre o quanto está agradecida e chupe o meu
pau como só a sua boquinha sabe fazer
Segurou meu queixo com força e beijou meus lábios com brutalidade.
Sua língua deslizou para dentro da minha boca arrancando um gemido da minha
garganta. Senti minha umidade aumentar.
— Tira a sua roupa boneca.
A voz de James estava sensual, seu membro grande e grosso não
precisava de incentivo. Comecei a abrir o sutiã, mas ele me interrompeu. Seu
toque me assustou e dei um pequeno pulo.
— Calma. — sua boca em meu ouvido — Ainda nem comecei com você
boneca, não pense que terá trepada fácil porque ficará apenas comigo. — se
afastou me encarando e sorriu cinicamente — Vou arrombar esse cuzinho hoje e
foder essa boceta até ela alargar, agora fica em pé porque quero ver você
peladinha pra mim.
James acariciava seu pau com a mão direita lentamente, me olhando
como se estivesse vendo uma jóia rara. Retirei o sutiã, segurei a calcinha com as
duas mãos nas laterais e deslizei a peça pelas pernas até chegarem aos pés.
— Você é tão linda boneca... — ele se aproximou segurando minha
cintura e me puxou — Senti falta desse corpo. — seus joelhos flexionaram e
sugou meu seio esquerdo com força mordendo o mamilo antes de passar para o
outro. Ofeguei. — Geme pra mim Baby doll... — Suas mãos apertaram minha
bunda afastando as duas partes e um dedo acariciou meu buraco mais apertado.
— Abre as pernas e deixa eu te foder um pouco. — Fechei os olhos agarrando
seus cabelos com força quando ele se ajoelhou e colocou meu pé direito em cima
da cama me deixando toda aberta pra ele — Hoje você vai ser só minha boneca.
Com um dedo no meu ânus e a boca em minha boceta, James teve todos
os gemidos e sussurros que desejava. Por alguns minutos tive esperança de
aquele dia poderia ser diferente nos braços daquele homem, mas estava
enganada e a realidade que servia para mostrar o quanto eu não valia nada como
mulher, chegou.
Bem mais cedo do que eu imaginei que fosse chegar.
— De joelhos. — ordenou.
Ajoelhei e esperei. James se afastou e voltou logo em seguida segurando
uma corda. Amarrou meus pulsos e deu duas voltas no meu pescoço. O restante
da corda foi amarrada no pé da cama.
Cada vez que introduzia o pau na minha boca e eu não o levava a
garganta, James me afastava da cama aumentando o aperto no pescoço.
— Engole boneca, ou vai morrer asfixiada!
Seu pau era grosso e grande, mal conseguia engolir até a metade o que o
enfurecia. A cama já estava no meio do quarto e eu não conseguia respirar por
causa da corda completamente esticada.
— Mais um minuto e você vai morrer, caralho! Engole tudo! Me leva na
garganta sua puta de merda!
Senti a pressão interromper a passagem pelas vias aéreas e a sensação de
dormência nas extremidades me apavorou. Desejava morrer, mas queria matá-los
antes e precisava soltar Guilherme. Não tinha mais força. O ar não era o
bastante, sequer havia ar.
Tossi, engasguei, até que James se irritou e me deu um tapa forte na cara.
Tirou seu pau da minha boca e me colocou de pé fazendo o pé da cama arrastar
pelo chão sujo e frio.
— Eu te dei a chance de me satisfazer, mas pelo visto você gosta mesmo
quando eles vêm aqui e te arrombam toda né piranha?
Meus olhos mal abriam, minha língua estava pra fora e minha boca
completamente seca. James retirou a corda e apertou meu pescoço com força, só
não quebrou porque batidas na porta o interromperam.
Ele não gostava de ser interrompido o que fez seu ódio aumentar.
Ignorou o barulho externo e me arremessou em cima da cama. Caí sem forças
me entregando ao cansaço. O ar foi voltando aos poucos e quando achei que
James iria atender o visitante insistente, seu corpo cobriu o meu e seu pau me
invadiu sem qualquer preparação.
— Sua puta gostosa! — rosnou enquanto entrava e saía com força —
Toma minha pica grossa vadia! Eu sei que você gosta piranha!
Segurou meus pulsos e acima da minha cabeça e abocanhou meu seio
esquerdo.
— Gosta de apanhar não é sua vadia?
Um tapa na cara antes da mordida que arrancou sangue do mamilo
sensível. Gritei de dor e as primeiras lágrimas desceram pelo meu rosto.
— Ah como é bom foder essa boceta boneca! — outro tapa e uma nova
mordida no outro seio, ainda mais forte que a primeira.
Mais gritos, mais dor, mais sangue.
— Eu vou te foder e te machucar até você aprender a engolir meu pau,
piranha.
Tapa. Mordida no braço. Dor. Grito. Sangue.
— É disso que você gosta não é, sua puta de merda?
Tapa. Mordida no outro braço. Dor. Grito. Sangue.
— Vou gozar porra!
Não conseguia abrir os olhos. Não conseguia me mexer. Senti a pele
queimar e olhos arderem. Meu corpo esparramado na cama.
Nu.
Exposto.
Aberto.
Frágil.
Ouvi a porta sendo aberta. Vozes distantes, discussão, coisas sendo
arremessadas e duas explosões similares a disparos. Em seguida apenas... o
silêncio.
Depois de algum tempo uma risada que fazia meus pelos se arrepiarem
de medo ecoou me levando de volta a realidade.
— Que porra você fez com ela?
Eu tentei me mexer, queria pegar minha arma e acabar com eles, mas não
conseguia. Não tinha força.
— Só uma lição pra aprender a chupar meu caralho direito. Da próxima
vez ela vai engolir até as bolas.
— Eu preferia a vadia acordada, mas não to a fim de esperar. — senti o
toque dos dedos, a invasão indevida, mas não fui capaz de me defender. Estava
sozinha de novo, sob os ataques brutais daqueles homens e não havia saída para
mim — Olha só essa bocetinha linda cara! Vou meter nela assim mesmo, foda-
se!
Minhas pernas foram novamente abertas, a quentura de um corpo sobre o
meu e os movimentos reiniciaram. Meus pulsos foram amarrados novamente,
assim como meus tornozelos e meus olhos foram vendados. Na boca uma fita
adesiva.
Rendida.
Subjugada.
Humilhada.
Outra vez...
Tentei me desligar, impedir que as vozes conhecidas invadissem meus
ouvidos e ficassem guardadas na minha memória. A imagem de Pedro ofuscou
todo o resto me enchendo de esperança e amor.
Eu sabia que não passava de uma fuga extremamente necessária para me
manter consciente e viva, mas era ali que meu coração encontrava a paz que
tanto buscava e precisava.
Amei tanto aquele homem, tanto... implorei para que ficasse comigo, que
desse uma chance para nós. Acreditei em suas palavras quando disse que me
amava de verdade e que nunca tinha sentido por outra mulher o que sentia por
mim.
Foram os melhores momentos que passei e os únicos que estive com
alguém por escolha, por opção. Pedro foi o primeiro homem que conheci
intimamente e com ele me iludi que meu corpo seria sempre venerado e adorado.
Amei mais do que deveria e me entreguei por inteira ao homem que
nunca deixaria meu coração, mas ele me deixou para trás, sozinha, e voltou para
a mulher que realmente amava.
A mesma que lhe daria um filho.
As imagens da nossa última noite foram um presságio para o que estava
por vir, mas ignorei. Só queria fugir, sumir, desaparecer e enterrar toda a dor que
assolava meu peito por sua rejeição.
“Eu não posso deixar a Julia, ela precisa de mim.”
Ele disse depois de me amar e jurar que eu sempre seria a única em seu
coração. Mentiroso.
“Por favor, me perdoa, mas ela está grávida.”
Encarei seus olhos procurando a mentira, mas não a vi. Pedro jurou que
não tocaria em outra enquanto estivesse comigo, como ela engravidou?
“Você mentiu pra mim! Você transou com ela!”
“Não... foi antes de você aparecer...”
“Olha pra mim e jura que não encostou nela.”
Pedro desviou os olhos, envergonhado por ter sido desmascarado. A dor
aguda cresceu sem que eu conseguisse identificar de onde ela vinha.
“Eu juro que não me lembro Hermione.”
Gargalhei tremendo dos pés a cabeça. Estava nua, enrolada ao lençol
que cobria meu corpo em cima da cama oval no centro do quarto do motel.
Lágrimas de mágoa e decepção escorriam pelo meu rosto desesperadas.
“Não lembra? Vai me dizer que ela te drogou também?”
“Não! Mas eu estava... confuso...”
Sequei meu rosto e corri para o banheiro. Queria me esconder e ser forte
para mandá-lo embora com a certeza de que não levaria meu coração com ele.
Fechei a porta me sentando na privada.
“Nick, por favor, me perdoa... eu juro que não me lembro de nada.
Quando acordei eu... estava sem roupa e... ela também... não sei o que
aconteceu, mas por mais que eu tente me lembrar, não consigo...”
Senti a dor em suas palavras. Chorei ainda mais e a dor que eu
desconhecia aumentou. Machucando e me dilacerando por inteira.
“É só você que eu amo Hermione, acredita em mim, por favor...”
Ele iria ser pai. Ele se casaria com ela. Ele me deixaria. Como podia
jurar que me amava? Juntei minha coragem e abri a porta assustando-o. Pedro
já estava vestido e de pé diante de mim, ainda nua. Seus olhos vermelhos por
causa do choro demonstravam a tristeza que refletia a minha.
“Se você me ama, não se case com ela. Pode ser o pai que seu filho
precisa, sem ficar com a mãe dele.”
Seu silêncio me deu esperança de que ele percebesse que não seria feliz
se estivesse sendo sincero comigo. Se me amasse realmente. Se Julia não
representasse nada para ele como sempre fez questão de falar. Se tudo que havia
me contado sobre ela e seu ciúme doentio fosse verdade e se tudo que passamos
fosse importante.
Se. Se. Se. Eram muitos “Se” para apenas uma decisão.
Como poderia ficar casado com uma pessoa que não amava? Como
seria feliz sabendo que a mulher que tinha seu amor estaria longe?
“Se você me ama como diz, fica comigo. Eu prometo que vamos superar
tudo isso e se ela realmente estiver esperando um filho seu, nós podemos ajudá-
la a criá-lo. Vou ficar ao seu lado e tratar seu menino como se fosse meu. Mas
não me abandone para se casar com uma mulher que não ama. Não faça essa
besteira porque você vai se arrepender.”
Seu rosto se contorceu e as lágrimas acumuladas em seus olhos não
escorreram.
“Se a Julia estiver grávida, o filho é meu. Por mais que eu te me e queira
me separar dela, não vou admitir que fale desse jeito. Ela não faria uma coisa
dessas comigo!”
A raiva me dominou naquele momento.
De tudo que falei a única coisa que se importou foi o fato de ter cogitado
a hipótese de ela ter engravidado de outro homem e mentido para ele?
Idiota. Babaca.
Não sabia mais em que acreditar, mas se tudo que me contou sobre o
desespero de perdê-lo fosse verdade, claro que ela seria capaz de mentir para
ele. Percebi que eu não era a única inexperiente ali.
“Pois então decida o que vai fazer de uma vez. Aceitei ser sua amante
porque acreditei em todas as promessas que me fez, mas se vai se casar com ela
apenas porque está grávida, isso pra mim não é desculpa. Ninguém se prende a
uma pessoa que não ama por causa de um filho. A escolha é sua, mas esteja
certo Pedro que se você sair por aquela porta hoje, nunca mais encostará um
dedo em mim.”
Novamente a dor se instalou em seu olhar e novas lágrimas grossas
despencaram em seu rosto moreno tão lindo. Pedro era um homem bonito, e
encantador, seu corpo magro e alto lhe dava um aspecto ainda juvenil. Seu rosto
quadrado com traços másculos e perfil grosseiro, não disfarçava o quanto podia
ser intimidador quando queria, mas ao mesmo tempo, conseguia ser amistoso e
prestativo. Sua boca larga e seus lábios carnudos instigavam a descobrir tudo
que eram capazes de fazer em um corpo feminino. Seu sorriso espontâneo e sua
sinceridade excessiva me cativaram desde o primeiro minuto que o vi.
Ele sorria com facilidade e não permitia que os problemas lhe tirassem o
bom humor. Eu amava demais aquele homem que me fez mulher e me mostrou o
quanto era bom ser amada. Mas as palavras que deixaram sua boca acabaram
comigo e com tudo que sonhei para nós dois. Juntos.
“Eu amo você mais do que qualquer coisa nesse mundo Hermione,
nunca vou deixar de te amar, mesmo que a gente não volte a se encontrar. O que
eu sinto por você é sagrado demais pra mim e nenhum homem vai te amar como
eu te amo, mas... você precisa entender... Julia está comigo há muito tempo, ela
não tem ninguém e está grávida. Eu sei que não preciso me casar com ela pra
criar meu filho, mas não é isso que eu quero. Sempre sonhei em ter minha
própria família e não posso simplesmente abandoná-la. Eu estou abrindo mão
da minha felicidade por essa criança e sei que... você vai... porra! Como eu
odeio pensar nisso caralho! Dói pra porra imaginar outro homem tocando em
você, te beijando... é foda demais e me machuca pra caralho! Por mais que eu
sofra pensar nisso, sei que vai encontrar alguém que te ame e te faça feliz. Você
é muito jovem e tem toda sua vida pela frente... só não se esquece que eu vou te
amar todos os dias enquanto meu coração bater. Porque ele é seu e é por você
que ele bate. Só por você minha Hermione.”
Pedro soluçava e antes de me deixar para trás como se eu fosse um
sapato velho que não lhe cabia mais, segurou meu rosto entre suas mãos e
depositou um beijo seco em meus lábios e falou baixinho “Tenta não me
esquecer rápido”.
Eu achava que aquela seria a pior noite da minha vida, mas me enganei.
Houve outras tão ruins e até piores nos meses seguintes, mas a dor... ah a dor...
aquela dor que senti, nunca mais experimentei outra igual.
Pedro se foi e me deixou. Pensei que não levaria meu coração com ele,
mas levou. Decidi fugir e contrariando os conselhos das únicas pessoas que
realmente me amavam, optei por viajar e ficar longe por um ano.
Era o plano perfeito enfim. Eu me dedicaria ao curso, seria a melhor
entre todos os alunos e voltaria curada para casa.
Pronta para recomeçar.
Pronta para me entregar a um novo amor.
Doce ilusão.
Depois de Pedro, o inferno se apresentou para mim e minha vida passou
a não significar nada. Absolutamente nada.

Não sabia precisar quanto tempo se passou e só acordei quando mãos


estranhamente familiares seguraram meu corpo com firmeza e uma voz rouca
que me remetia a um passado não muito distante sussurrou em meu ouvido.
— Peguei você. — ouvi um soluço antes de ser aconchegada em uma
manta quente e aconchegante de músculos — Finalmente tenho você e não vou
te deixar de novo, eu prometo.
Não tive coragem de abrir os olhos, pois o medo de descobrir que tudo
não passava de um sonho era mais doloroso do que todos os ferimentos em meu
corpo.
Talvez eu já estivesse morta, mas nada mais me importava. Eu queria
muito ficar ali, naquele lugar acolhedor que me acomodava com perfeição como
se fosse meu próprio lugar, ouvindo aquelas batidas ritmadas que me lembravam
um coração feliz por estar perto de mim.
Minha casa.
Eu finalmente me sentia em casa.
Escolher me entregar ao sono e ao cansaço em vez de descobrir o que
estava acontecendo, foi muito mais fácil do que pensei.
Desejei que aquele sonho não chegasse ao fim, mas sabia que a
felicidade nunca faria parte da minha vida e muito em breve, a realidade
chegaria para me provar aquilo.
CAPÍTULO 12
PIUÍ

— Espera! — Mansur falou quando peguei minha arma para atravessar a


grade — Estão ouvindo?
Ficamos em silêncio e o barulho de passos apressados no corredor ficou
mais evidente.
— Tem ideia de quem pode ser? — Laís perguntou se posicionando atrás
de mim — Ou quantos?
— Não, mas é estranho porque ninguém sabe sobre esse lugar. A Nichole
me falou que apenas os cinco homens que lideram o grupo usam esse quarto.
Não sei o que está acontecendo.
— Vamos esperar um pouco e ver se conseguimos dar conta. — mantive
minha amiga escondida pelo meu corpo e Mansur se posicionou logo atrás. —
Está muito escuro aqui, eles não vão ver a gente.
Nós estávamos cochichando para que ninguém nos ouvisse, meu coração
acelerado e em expectativa pela emoção da ação que me levaria a minha
Hermione.
Eu só pensava nela enquanto aguardava ansiosamente para colocar meus
olhos nos homens que a maltrataram. Queria matar todos eles e tirá-la de lá o
mais rápido possível.
Mansur achava que Guilherme e Nichole poderiam ter sido capturados e
se fosse verdade, teríamos mais dificuldade para resgatá-los durante o dia. Por
isso precisávamos agir naquela noite e escapar da base antes de amanhecer.
Olhei no relógio confirmando que era quase dez horas da noite e em
poucos minutos, as luzes iriam se apagar para que houvesse a troca de
segurança. Seria a nossa vez de agir e não podíamos falhar se quiséssemos voltar
para casa com vida.
Um barulho. Um grito.
Meu corpo ficou tenso quando dois homens fortes apareceram em nosso
campo de visão. Seus uniformes militares impunham autoridade e respeito, mas
eu queria que eles se fodessem e estava pronto pra mandar os imbecis pra casa
do caralho.
Senti uma mão em meu ombro e encarei Laís sinalizando negativamente
com a cabeça, certamente pressentindo o que eu desejava fazer. Fechei os olhos
com força e assenti, concordando em esperar para agir na hora certa.
Um dos homens parecia puto da vida quando começou a esmurrar a porta
que estava trancada por dentro.
— Abre essa porra James! — gritou enfurecido — Já passou da hora de
sair daí e voltar pro seu posto porra!
Fiquei intrigado por falar português fluentemente. Eu não imaginava que
se comunicavam em qualquer outro idioma além do inglês. Franzi a testa e
encarei Mansur, mas o idiota estava encarando os homens sem piscar e sua
expressão me dizia que faziam parte do grupo que matou sua irmã.
— Filho da puta! — o outro xingou e acendeu um cigarro se encostando
a parede — O desgraçado não quer abrir a porta pra gente.
— James! — o primeiro parecia enlouquecido de raiva — Abre essa
porra caralho! Agora é a nossa vez de brincar com a vadiazinha!
Foi tudo muito rápido e quando dei por mim, eu já estava indo em
direção a eles sem piscar. Segurei o que estava fumando pelo pescoço com força
jogando seu corpo pesado ao chão e atirei em sua cabeça.
Laís estava com a arma apontada para o outro e Mansur caído com a mão
na perna sangrando.
— Nem pense em se mexer filho da puta! — minha amiga vociferou
quando o homem que mantinha um sorriso no rosto ameaçou pegar sua arma —
Eu te mato agora mesmo.
Ele ergueu uma sobrancelha e desceu os olhos pelo corpo da ruiva,
medindo-a da cabeça aos pés.
— Eu ia adorar pegar você de jeito cadela!
Quando os homens olhavam para Drizella se enganavam com aquela
mulher de corpo magro e atlético com carinha de anjo inofensivo. Qualquer um
que não conhecesse sua história poderia imaginar a mulher escondida por trás
daquela aparência frágil.
Foi o que aconteceu com o Mané que achou uma boa ideia brincar com
ela, quando sua cabeça voou para o lado e bateu na parede com força fazendo
seu corpo despencar no chão, depois de ser golpeado com a arma que a ruiva
segurava.
Eu tive vontade de rir e dizer “bem feito otário”, mas então a porta que o
infeliz queria de qualquer forma que fosse aberta, finalmente se escancarou e
meu mundo caiu no fundo de um poço vazio e muito, muito profundo.
— Se vieram atrás dela e do pai dela, é melhor abaixarem as armas e
começarem a rezar.
O homem que estava dentro do que parecia um quarto vestia apenas uma
cueca preta e apontava a arma para o corpo de Nichole estirado em cima de uma
cama, nu e com sangue em várias partes.
Não conseguia desviar o olhar e sabia que aquela imagem jamais sairia
da minha cabeça enquanto eu vivesse. Minha Hermione estava gravemente
ferida e o troglodita que ameaçava sua vida era o responsável por aquilo.
— Tira os olhos de cima dela e coloca a arma no chão! — só então
percebi que ele falava comigo e que Laís já estava virada para a parede com as
mãos na cabeça. — Mandei tirar os olhos de cima dela porra! — vociferou
babando se aproximando mais, me encarando nos olhos e apontando a arma para
mim — Ta surdo ou não fala a minha língua?
A situação era desfavorável e não me restava opção além de fazer o que
ele mandou. Não respondi, apenas o observei. O homem a minha frente era o
mesmo que não conseguiu matar Nichole e o jeito que me encarava me dizia que
Mansur estava certo quanto a sua obsessão por ela.
— Quem é você?
— Sou amigo do Guilherme.
Respondi calmamente sabendo que ao contrário do que acontecia há um
ano, meu corpo intimidava e minha aparência não servia mais como um fator
surpresa.
Todas as vezes que um homem como James atravessou meu caminho foi
fácil surpreender quando minha antiga aparência foi menosprezada. E isso
aconteceu desde a adolescência na favela, com os traficantes rivais de Thor, até
meses atrás, quando derrubei um cara que pesava no mínimo cento e cinquenta
quilos em uma operação que liderava.
Rômulo poderia testemunhar a meu favor, já que o lutador tinha o dobro
do meu tamanho quando tentou me acertar e foi levado ao chão em poucos
segundos na frente do seu cunhado, que naquela época ainda era traficante e
chefiava o morro do Teteu.
Apesar de ter quase um metro e noventa de altura, meu corpo magro
nunca foi considerado como uma ameaça por homens que não sabiam utilizar a
inteligência e eram desprovidos de habilidades que envolviam lutas corporais.
Ali, de frente para o homem que havia feito tanta maldade com a mulher
que eu amava, me arrependi de ter me preocupado com uma mudança inspirada
exatamente em homens com a aparência como a dele.
James era alto e seus músculos eram tão evidentes quanto os meus.
Depois que Nichole deixou o país e confirmou sua presença na porra do
curso, eu pesquisei sobre tudo e principalmente sobre todos que estariam
envolvidos nele, mas não encontrei muita coisa e me recusei a fazer perguntas
diretas aos meus amigos.
Foi depois de ver dezenas de imagens de ex-militares e pilotos de elite
que eram considerados como “preferência mundial” das mulheres, que me deixei
levar pela vaidade e a necessidade de me sentir como eles.
Eu queria impressionar Nichole quando a visse novamente e mostrar que
poderia ser tão bonito e atraente quanto eles.
Burrice, eu sabia, mas não tinha como voltar atrás e eliminar quase trinta
quilos de massa muscular adquiridos em um ano. Para a minha sorte o babaca
metido a Rambo não me conhecia e nem imaginava o que eu ainda era capaz de
fazer sem uma arma na mão.
— Os amigos querendo vingança... — falou tirando uma onda com a
minha cara. James poderia ser intimidador com qualquer pessoa, menos comigo.
O cara era um verdadeiro babaca e presumia que eu seria apenas mais um dos
idiotas que tinham medo dele, mas estava enganado e nem imaginava com quem
estava falando — Já que vieram até aqui pra ver o agente de merda, vou levar
vocês até ele.
Ele chutou o amigo caído e xingou alguns palavrões em inglês até que o
imbecil ficou de pé alisando a cabeça onde Laís o acertou. Mase era o nome do
infeliz e Mansur não conseguia parar de encará-lo enquanto segurava sua perna
que ainda sangrava.
— Eu nunca apanhei de uma vadia. — Mase sorriu debochado e se
aproximou da ruiva que estava de costas — Mas acho que me apaixonei
perdidamente por você.
Suas mãos apertaram a cintura dela e mais uma vez foi surpreendido
quando levou uma cabeçada na testa e cambaleou para trás atordoado. Quando
entendeu o que tinha acabado de acontecer voou em direção a Laís, claramente
com a intenção de agredi-la, mas foi impedido por James que gargalhou sem
abaixar um centímetro sua arma apontada para mim.
— Já chega Mase, se apanhar mais uma vez vai ficar com problemas
sérios nessa sua cabeça de merda. Eles estão aqui pra ver Guilherme. — ele me
encarou e entendi que Nichole não faria parte da conversa — Vamos dar o que
querem e depois voltamos para terminar o que começamos.
Meus olhos se perderam no corpo desacordado em cima da cama e a
certeza de que nenhum deles encostaria nenhum dedo nela era a única coisa que
eu tinha.
— Se olhar para ela mais uma vez eu arranco seus olhos com minhas
próprias mãos.
Um pequeno sorriso escorregou em meus lábios e de alguma forma,
James soube que a mulher que ele tanto desejava, era minha. Sim, ele sabia e eu
mostraria a ele o que acontecia com qualquer um que a machucasse.
Mase e James nos levaram até um quarto escuro e pequeno que ficava no
andar de cima. Ele abriu a porta e forçou a entrada de Laís, deixando-a sozinha.
Minha amiga observava a tudo, atenta, silenciosa. Certamente já tinha com um
plano montado em sua cabeça.
Mansur mancava e sangrava mais a cada movimento de sua perna, que se
arrastava para nos acompanhar. Ele foi colocado em outro quarto ao lado de
onde Guilherme estava. O mesmo cômodo em que fui deixado.
— Agora o casal está finalmente junto, espero que aproveitem a lua de
mel, meninas!
Mase gargalhou e Guilherme fingiu que não me viu, aproveitando o
momento de distração para avançar em cima do paspalho e deu um soco na cara
dele.
— Cadê minha filha desgraçado?
Mais dois homens se aproximaram e tiraram o pai de Nichole de cima de
Mase que estava com o nariz sangrando.
— Fechem a porta e fiquem vigiando. — James falou aos dois sem se
importar com o amigo caído e sangrando.
Fomos empurrados e antes que a porta se fechasse, Mase olhou para
Guilherme e piscou antes de falar:
— A tua filha ta me esperando lá embaixo, mas acho que não vai querer
saber o que pretendo fazer com ela.
Antes que pudéssemos pegá-lo a porta se fechou e a gargalhada dele foi a
última coisa que ouvimos.
— Que porra vocês estão fazendo aqui?
Guilherme perguntou irado.
— Vai querer falar sobre isso agora?
— Não era pra vocês estarem aqui. Por que ficaram?
— Não vou começar uma discussão com você agora. — falei
caminhando até a porta tentando encontrar uma maneira de abri-la sem chamar a
atenção dos homens que estavam do lado de fora — Temos que pegar Nichole e
sair daqui antes de amanhecer.
— Onde ela está?
Respirei fundo encostando a testa na madeira e imaginando o tempo que
estávamos perdendo enquanto os dois malditos estupradores se aproveitavam
dela.
— Está em algum lugar abaixo de nós.
— Você a viu? Como ela está?
Encarei Guilherme e pela minha expressão ele percebeu que não iria
gostar de saber as respostas de suas perguntas.
— Vamos nos concentrar em sair daqui o mais rápido possível.
— Eles pegaram a minha arma.
— A minha também, mas precisamos encontrar um jeito.
Não havia nada no pequeno espaço que pudesse nos ajudar a abrir a
porta. Depois de alguns minutos em profundo desespero, a fechadura foi aberta e
Laís apareceu na porta segurando sua faca suja de sangue.
— Você conseguiu! — falei orgulhoso.
— Homens... — ela deu de ombros — agora vamos recuperar nossas
armas e acabar com aqueles bastardos.
— Obrigado Laís.
Guilherme agradeceu envergonhado.
Minha amiga o encarou e por um breve momento pensei que relevaria as
atitudes do pai de Nichole que causaram mais problemas do que já tínhamos,
mas era muito difícil para a ruiva segurar a língua quando sua raiva se
sobrepunha aos outros sentimentos.
— Só me agradeça quando estiver arrependido de ter feito tanta merda
em tão pouco tempo. Caso contrário, cala a boca e se limite a atirar em qualquer
um que atravessar nosso caminho.
Apesar de estar contrariado, o ex-agente não respondeu. Seguimos para
fora onde os dois homens responsáveis por cuidar dos prisioneiros estavam
caídos no chão com seus corpos cobertos de sangue.
Pegamos suas armas e libertamos Mansur que mal conseguia ficar de pé.
— Ele não pode descer, vamos deixá-lo aqui e voltamos para buscá-lo
antes de sair.
Falei ajudando-o a se sentar em uma cadeira com a perna para cima.
— Não... eu quero ir junto...
— Não dá cara! Eles são perigosos e vamos precisar agir com cuidado.
Fique aqui e quando acabarmos com eles, um de nós voltará pra pegar você. —
toquei em seu ombro — Não se preocupe. Eles não vão sair vivos daqui.
— Mate os dois pessoalmente e garanta isso. Não saia daqui sem ter
certeza que estão mortos.
— Confie em mim.
Ele assentiu e fechou os olhos, aliviado com a minha resposta.
— Vamos Piuí. Vai na frente que nós te damos cobertura.
Demoramos um pouco para encontrar a saída que nos levaria ao mesmo
lugar que estávamos. Quando adentramos no corredor estreito e fedido ouvi
vozes sussurradas e sabia que estava no lugar certo.
— Eles estão no quarto. — falei baixo encarando Guilherme e Laís —
Devem ter colocado homens na porta para vigiar a passagem.
— Eu vou distraí-los. — Laís falou e se adiantou caminhando como se
estivesse em uma passarela de modas.
— Cuidado porra! — falei irritado por causa da sua postura relaxada e
descontraída.
— Relaxa Piuí... apenas observe e aprenda comigo.
Ela piscou e sorriu maliciosamente me irritando ainda mais.
— Merda! — rosnei.
— Ela é sempre assim? — Guilherme perguntou apreciando a ruiva
caminhando pronta matar um batalhão sozinha.
— Não... só quando ela está de bom humor.
— Acho que não quero saber o que acontece quando ela está de mal
humor.
— Nem queria saber mesmo. Vai por mim...
— Ta falando sério? — Guilherme segurou meu braço me forçando a
encará-lo — Laís é mesmo desse jeito?
— O último homem que duvidou disso, teve aquela mesma faca enfiada
na garganta, então sim. Ela é desse jeito e se eu fosse você ficaria longe dela.
— Por quê?
— Porque ela está com raiva e pode esquecer por alguns minutos que
você é pai da amiga dela e arrebentar a tua cara.
— Ela não faria isso.
Respirei fundo e dei um breve sorriso como forma de consolo para o
homem que ainda ouviria muito sobre o quanto foi irresponsável e idiota,
quando deixássemos aquele lugar.
E eu não tinha a menor dúvida de que a minha querida e delicada amiga
daria um jeito de acerta-lhe um soco no meio da cara assim que estivéssemos
seguros.
A ideia de ver Guilherme apanhando de Laís era realmente agradável.
Muito mesmo.
— Se não fosse por Nichole você estaria ao lado de Mansur nesse exato
momento e com a perna muito pior do que a ele. Pode acreditar Guilherme, ela
faria muito pior.
— Porra.
— Isso mesmo, porra!
Três homens conversavam e se revezavam em colocar o ouvido na porta
fechada na intenção de ouvir o que acontecia do lado de dentro.
A ruiva como sempre foi a distração que precisávamos para acabar com
todos sem fazer barulho. Enquanto eu e Guilherme dominamos os dois maiores,
Laís se encarregou de esfaquear o terceiro e ainda ajudou a silenciá-los com
cortes precisos em suas gargantas.
Empurrei a porta lentamente e para a nossa surpresa, apenas Nichole se
encontrava deitada na cama, sozinha. James e Mase não estavam com ela. Uma
sirene disparou e logo em seguida sentimos cheiro de fumaça.
— É um incêndio! — Laís gritou — Eles vão explodir essa merda!
Vamos sair daqui!
Peguei um pequeno cobertor que estava no chão e enrolei o corpo de
Nichole nele. Guilherme estava estático olhando para a filha sem piscar.
— Guilherme, anda logo! Temos que buscar o Mansur, depressa! — Laís
gritou agitada — Deixa o Piuí cuidar dela. Vem comigo porra!
Ele se aproximou e com os olhos cheios de lágrimas beijou o rosto da
filha e disse “Obrigado”, antes de virar e seguir Laís.
Ajeitei Nichole e me preparei para segurá-la em meus braços quando
Mase falou nas minhas costas:
— Não achei que você seria tão burro assim garoto.
Parecia loucura, mas fiquei feliz por estar ali naquele momento sem
ninguém por perto. Apenas eu e ele. Soltei o corpo de Nichole e me virei para
encará-lo antes de matá-lo do jeito que estava ansiando desde que pisei naquela
base fodida.
— Não tire conclusões precipitadas a respeito de quem você não
conhece.
Ele sorriu e deu um passo a frente. Aparentemente estava sozinho, mas
fiz questão de me posicionar a frente da cama para proteger a mulher que
descansava sobre ela.
— Você está enganado. Nós conhecemos muito bem todos você, Pedro.
— ele sorriu — Ou prefere que eu te chame de Piuí?
— Eu prefiro que você não me chame. Não gosto de ouvir meu nome em
bocas de estupradores de merda como você.
— Está me chamando de aproveitador de mulheres? — ele sorriu mais
ainda e deu mais um passo a frente.
Ele podia até saber meu nome, mas definitivamente não sabia quem eu
era. Otário. Cruzei as mãos a frente do peito e lhe devolvi o sorriso debochado.
— Não. Estou te chamando de estuprador mesmo, daqueles que precisam
imobilizar uma mulher pra foder porque não conseguem arrumar uma que faça
isso por vontade própria. Mas eu te entendo, hoje em dia elas são muito mais
inteligentes e não querem qualquer merda em cima delas.
— Olha só o que temos aqui... — mais um passo a frente, e eu não via à
hora de acertá-lo quando menos esperasse — Um idiota metido a cavalheiro.
— Cavalheiro? — sorri e neguei com a cabeça — De jeito nenhum, mas
você sabe o que dizem né? — segurei meu pau com as duas mãos chamando sua
atenção e sorri mais ainda com sua careta de nojo. Pelo menos o palhaço não era
um veado enrustido — Sou negão cara, e pelo meu tamanho deve imaginar que
minha rola alcança lugares que a sua nem imagina que existem dentro de uma
boceta. Além é claro, que é mais grossa que o seu antebraço, então... nada de
cavalheirismo.
— Está dizendo que meu pau é pequeno?
Mais um passo e estaria morto num piscar de olhos.
— Não de jeito nenhum. Considerando meus vinte e sete centímetros, um
pau pequeno deve chegar a uns vinte, no mínimo, e eu aposto que o seu não
passa de dezoito, o que eu nem considero um pau, apenas um graveto. —
gargalhei acompanhando seu rosto ganhar uma coloração avermelhada — É por
isso que você é um estuprador de merda, certo?
Ele avançou louco para me bater e sem esperar acertei um único golpe
certeiro em sua garganta com os dedos firmes, derrubando-o na hora,
desacordado. Saquei minha arma e disparei três vezes sem piscar, sendo que o
último disparo foi direto no meio de suas pernas.
A fumaça começava a invadir o quarto dificultando a respiração.
Acomodei Nichole em meus braços sentindo o calor de seu corpo colado
ao meu.
— Peguei você. — falei emocionado em seu ouvido deixando que o
choro de alívio e felicidade por tê-la comigo extravasasse de dentro de mim sem
vergonha alguma — Finalmente tenho você e não vou te deixar de novo, eu
prometo.
Atravessei a porta encontrando Nichole e Guilherme ajudando Mansur a
se locomover com extrema dificuldade.
— Vai explodir a qualquer momento! — Laís falou e tossiu —
Precisamos sair agora!
Guilherme viu o corpo de Mase estirado no chão e me olhou com a testa
franzida.
— Matamos todos os que estavam lá em cima, mas James sumiu.
— Porra! — Caminhamos com dificuldade refazendo o caminho pelos
tubos até chegarmos à saída — Ele vai atrás dela se conseguir fugir.
— Ele não vai escapar dessa!
A voz de Guilherme atrás de mim parecia confiante e nós dois sabíamos
que não seria tão fácil capturá-lo, mas nada mais me importava naquele
momento. Apenas a mulher frágil em meus braços.
O fogo se espalhou e o céu foi encoberto por uma cortina de fumaça
sobre a construção arruinada. Várias explosões ao mesmo tempo marcaram a
destruição da base clandestina que foi usada para torturar, violentar e matar seis,
dos sete pilotos que se iludiram com o falso curso.
A única sobrevivente estava em meus braços e eu aproveitaria cada
segundo enquanto estivesse comigo, pois eu sabia que quando minha Hermione
acordasse, ela faria tudo que pudesse para me afastar e eu lutaria até o fim para
que nossos corações sobrevivessem ao caos e encontrassem o caminho para a
felicidade. Juntos.
CAPÍTULO 13
PIUÍ

— Ela vai comigo porra! — falei com os dentes trincados e de uma


forma nada amigável com Guilherme que ainda insistia em me convencer a
colocar Nichole no banco de trás, sozinha.
— Ela vai ficar mais confortável se estiver deitada, Pedro. Será que você
não percebe?
— Não. Está muito frio e ela está sem roupa por baixo da coberta. —
informei me acomodando e ignorando sua careta de desgosto — Ta louco que eu
vou deixar alguém ver ela desse jeito?
— Coloca os pés dela no meu colo Piuí. — Laís trocou de lugar com
Mansur e se sentou ao meu lado, enquanto Guilherme assumiu o volante. — Ela
vai ficar melhor com as pernas esticadas.
— Valeu ruiva.
Minha amiga segurou minha mão com carinho e seu olhar emocionado
em direção a sua amiga não me passou despercebido. Eu sabia o quanto ela se
ressentia por tudo que a minha Hermione havia passado enquanto esteve presa
naquela base.
— Ela vai precisar de ajuda e você de muita paciência.
— Não vou sair de perto dela.
Laís soltou minha mão e me encarou por alguns segundos. Seus olhos
avermelhados indicavam cansaço e as olheiras profundas não escondiam o
quanto minha amiga precisava urgentemente dormir.
— Antes de ajudar Nichole você precisa resolver as coisas com a megera
se quiser realmente se dedicar a ela. — A ruiva olhou pela janela quando o carro
começou a andar e voltou a olhar para mim — Nunca mais faça uma promessa
se não tiver certeza que poderá cumprir. Nichole precisa resgatar muita coisa que
lhe foi arrancada e, ter certeza de que as pessoas que estão ao lado dela
realmente a amam será o primeiro passo para que ela consiga se recuperar.
Pensei em suas palavras e Laís tinha razão. Não podia começar nada sem
antes, terminar o que estava pela metade. Nichole era o meu futuro e Julia faria
parte do meu passado. Não havia dúvida alguma para mim sobre o que eu
realmente queria.
— Você ta certa e vai ser a primeira coisa que vou fazer quando chegar
em casa.
— Acho que está mais do que na hora de me contar o que aquela megera
fez pra te amarrar daquele jeito, não acha?
Acariciei o rosto de Nichole encostado ao meu peito sentindo sua
respiração tranquila e serena em um sono reparador. Eu podia sentir todo seu
corpo colado ao meu, e o conforto de estar daquele jeito tão íntimo me fez
enxergar o quanto eu estava infeliz desde que ela foi embora.
Aquela mulher fazia parte de mim, não apenas como um complemento,
mas uma parte essencial da minha vida, do meu corpo, da minha alma. Nichole
me pertenceu quando a vi pela primeira vez e nada no mundo me afastaria dela
novamente.
Julia errou muito e agiu com egoísmo sem pensar ou medir as
consequências de suas ações, mas o meu silêncio se tornou conivente, cúmplice
e comparsa dos seus erros. Eu facilitei a vida dela e destruí minha felicidade
quando acreditei cegamente em suas palavras.
Como dizia Laís Antunes, minha amiga ruiva quando queria dar uma de
psicóloga:
“O homem quando acredita que é mais foda do que realmente é ele não
precisa de ajuda para se foder, porque o poder de se foder sozinho está em suas
mãos em forma de arrogância.”
E o mais fodidamente irônico de tudo é que eu fui aquele tipo de homem.
Achei que Julia ainda era menina que saiu do morro por minha causa e não sabia
muita coisa da vida por não ter sua família por perto. Duvidei da sua capacidade
de mentir e manipular, pois ela conhecia bem a minha história e sabia o quanto
sua gravidez me afetaria por tudo que passei quando era pequeno sem ter tido a
presença de um pai dentro de casa.
Acreditei nela e me fodi.
— Eu vou te contar, mas não agora. — o silêncio no carro era
confortável, mas não falaria sobre aquilo na presença de Guilherme e Mansur —
Em casa a gente conversa.
— Tudo bem Piuí, só me promete que não vai mais cair nas artimanhas
dela, por favor. Eu sei que você ama aquele pivetinho mais do que tudo e quer
ser o melhor pai do mundo pra ele, mas a mãe dele não precisa ser incluída nos
seus planos. Aquela mulher não vale nada e eu já te falei isso mil vezes.
— Sério Dri, to ligado que você tem razão e vou consertar essa merda
toda. Pode confiar em mim, eu prometo.
— Eu sei que vai e pode contar comigo pra qualquer coisa, inclusive pra
dar um sumiço nela. Prometo que não faço a megera sofrer muito. — arregalei
os olhos e Laís deu de ombros — Vai... tudo bem... deixo que sofra só um
pouquinho...
— Porra Drizella, o que aconteceu contigo caralho?
— Comigo? Por quê?
— Desde quando tu gosta de torturar as pessoas?
— E quem disse que eu gosto de torturar alguém Piuí?
— Foi o que eu entendi.
— Nada disso, eu realmente não curto muito esse lance de tortura, mas
que a megera merecia uma surra bem dada antes da “hora de dar tchau” —
falou com uma voz mais fina imitando criança —, isso ela merecia mesmo.
— Caralho! Não acredito que o pestinha te colocou pra assistir
“Teletubbies”? — quase gargalhei, mas me controlei para não acordar minha
Hermione — Agora ta explicado essa sua vontade insana de matar, eu te avisei
que o bagulho era louco e tu não acreditou.
— Ta aí uma boa ideia pra torturar a megera quando eu quiser descobrir
alguma coisa. — Laís já estava sorrindo e percebi que Guilherme parecia mais
relaxado dirigindo, apenas Mansur estava de olhos fechados e o sangue ainda
escorria pela sua perna — Quem criou aquela merda merecia ser condenado à
pena de morte. Como é que as crianças gostam daquela porcaria e ainda ficam
pedindo pra ver toda hora?
A ruiva bufou, mas já sua tensão havia suavizado um pouco.
— Eu li na internet que ajuda as crianças a se desenvolverem melhor.
— Por isso o número de assassinatos entre os jovens aumentou, só pode.
Posso apostar que se tiver uma investigação para apurar os motivos que estão
levando a molecada a matar cada vez mais cedo, essa merda de Teletubbies vai
ter alguma ligação. Aquele menorzinho, o vermelho que parece um abobado é o
pior de todos, todas as vezes que ele aparece, eu preciso colocar a arma no cofre
pra não correr o risco de acertar uma bala na televisão.
— Se fossem os irmãos Antunes, ele seria você. — gargalhei sem
extravasar como queria, pois a felicidade de estar com Nichole em meus braços
falando merda com a minha melhor amiga parecia uma realidade impossível há
três dias, e lá estava eu, sentado com duas, das quatro mulheres mais importantes
da minha vida. Para aquele time feminino ficar completo só faltava Lívia e
Malu, já que Julia tinha deixado de fazer parte daquele grupo há muito tempo
atrás — O vermelho é o Paul, ele é o caçula dos quatro. Agora já sabe por que
vocês dois possuem essa ligação poderosa.
— A única ligação que eu tenho com esses monstrinhos chatos pra
caralho, é o Joshua, e se não fosse pelo pivete, todos os quatro já estariam
mortos, meu amigo. Eu ainda iria me certificar de que nenhum deles tivesse
deixado herdeiros por aí. Pode apostar nisso.
Nós sorrimos juntos como nos velhos tempos enquanto o carro percorreu
mais alguns quilômetros e logo avistamos as luzes que indicavam o hangar mais
a diante. Uma aeronave nos esperava e antes que Guilherme estacionasse o
carro, vi Thor se aproximar com Nicholas ao seu lado.
— Quer merda ele ta fazendo aqui?
Laís perguntou quando enxergou o cunhado e me perguntei a mesma
coisa. Eu sabia que meu amigo estava preocupado, mas não imaginei que viria
atrás de nós e deixaria sua família e seu trabalho por nossa causa.
— Acho que vai dar merda...
Falei ao ver Nicholas se aproximar olhando de cara feia para Guilherme.
Pai e filho dificilmente se desentendiam, mas pela forma que o velho caminhava
do lado de fora, não tinha como negar que o homem estava puto da vida.
— Porra! — Guilherme xingou e Laís sorriu debochada.
— Quem disse que marmanjo não tem medo dos pais?
Guilherme a encarou furioso e recebeu um sorriso ainda mais cínico da
ruiva. Pelo jeito, a falta de sono estava afetando mesmo a minha amiga e se ela
não descansasse logo, as coisas iriam realmente esquentar entre eles.
— Leva ela pro avião, tem uma equipe médica esperando para examiná-
la.
Thor falou logo que abriu a porta e me viu com Nichole no colo. Sua cara
era uma incógnita e ficava impossível saber o que se passava na sua cabeça.
— Beleza. Pede pra alguém dar uma olhada na perna dele. — apontei
para o irmão de Marcia que ainda estava apagado — Acho que perdeu muito
sangue.
Ajeitei minha Hermione nos braços e saí do carro.
— Deixa a garota lá e volta aqui, preciso falar com você e com a Laís.
Assenti e atravessei o espaço que nos separava da pista de pouso. Uma
mulher vestida de branco se aproximou e me ajudou a subir as escadas. O avião
era bem maior do que o que nos levou e dentro dele tudo havia sido adaptado
para receber quem estivesse ferido.
— Ela tem algum ferimento a bala?
— Não.
— Ela foi espancada?
— Acredito que sim.
— Certo. Alguém viu o que aconteceu com ela?
— Não.
Enquanto eu caminhava e respondia, a mulher enxerida anotava tudo em
uma folha.
— Pode colocar a menina na maca.
Fiz o que ela mandou e cobri o corpo de Nichole para que não ficasse
exposto. Beijei sua testa e esperei pela médica que iria examiná-la, mas para o
meu desespero, não foi uma mulher que se aproximou, e sim, um homem.
— Muito obrigado. — ele agradeceu sem me encarar, seus olhos estavam
em Nichole apagada sobre a maca espaçosa — Pode sair agora.
— Não vou sair. — afirmei chamando a atenção do idiota.
— Ela será examinada e farei os procedimentos necessários para que
aguente a viagem de volta, não tem nada que você possa fazer pra ajudar e eu
preciso de espaço por aqui. Por favor, acompanhe os outros passageiros e quando
tiver alguma notícia sobre o estado de saúde dela, eu aviso você.
Eu ia responder e dizer que ele teria que se virar porque de jeito nenhum
Nichole ficaria sozinha, mas Thor apareceu na porta como se adivinhasse o que
estava para acontecer.
— Vem Piuí, precisamos conversar e o médico precisa trabalhar.
— Não quero deixar ela sozinha aqui.
— Ela não está sozinha, o médico e as duas enfermeiras vão cuidar dela.
Agora vem logo e deixa de besteira.
O homem que vestia uma calça jeans e um jaleco branco estava me
encarando com os braços cruzados e a vontade de socar a cara dele tinha
aumentado muito nos últimos dez segundos.
— Daqui a pouco eu volto pra saber como ela está.
Dei um beijo na testa de Nichole e acariciei seu rosto ferido sob o olhar
atento do babaca que a veria de um jeito que não me agradava nem um pouco.
— Ela vai ficar bem.
Saí do espaço que foi reservado para o atendimento e segui Thor pelo
corredor. Laís já estava sentada com o celular no orelha e seu sorriso denunciava
que a conversa com o bombeiro era boa.
Guilherme discutia com Nicholas mais afastado para que ninguém os
escutasse, e Thor se encostou a uma das poltronas ao lado de Laís com uma
postura aparentemente relaxada, mas eu sabia que a calmaria não era uma
característica dele.
Meu amigo era paciente, cuidadoso e sagaz, mas calmo? Não. De jeito
nenhum. Nunca.
— O que ta pegando?
Perguntei sinalizando pai e filho que discutiam, gesticulavam e nem
prestavam muita atenção ao que acontecia em torno deles.
— Estávamos prontos pra ir atrás de vocês quando recebi sua ligação.
— Você e ele?
— Acha pouco? — Thor levantou uma sobrancelha e um sorriso irônico
ameaçou surgir em seus lábios, mas ele percebeu e recuou — Se estivéssemos
com vocês o babaca do James não teria fugido.
— Como sabe que ele fugiu?
— Porque o desgraçado me avisou. — meu amigo pegou o celular e me
mostrou uma mensagem que o mercenário tinha enviado logo após a nossa fuga.
— Ele sabia que eu e o Nico estávamos aqui e iríamos atrás vocês, por isso
resolveu fugir, mas não foi bom para nós...

“Nem todos os dias são dias de luta. A paciência é o maior dom do


sábio. Vocês não ganharam, apenas pegaram emprestado algo que me
pertence e na hora certa, eu o tomarei de volta. J.H”

— Ele está falando da Nichole.


— Está. E é por isso que precisamos decidir como faremos para protegê-
la.
— Eu vou cuidar dela.
— Não tem como fazer isso Piuí. Vamos ter que montar uma equipe para
revezar.
— Eu não vou deixar a Nichole sozinha e não adianta tentar me impedir.
— Você acha que vai conseguir ficar com ela como estava no carro? —
Guilherme perguntou enfurecido — Acha mesmo que minha filha vai concordar
em ter você como segurança dela o tempo todo? Quando ela acordar a última
pessoa que Nichole vai querer ver será você Pedro, e com James foragido, nós
vamos precisar de uma equipe qualificada pra vigiar cada passo dela.
— Estão querendo me dizer que não pretendem contar a Nichole sobre o
James?
— Por enquanto não. — Guilherme respondeu e notei o quanto Thor
estava se controlando para não mandá-lo tomar no cu — Minha filha precisa se
preocupar agora com o seu tratamento e a sua recuperação, se Nichole souber
que aquele louco está solto e pretende voltar para pegá-la, ela nunca mais terá
paz.
— Você concorda com isso? — perguntei a Thor.
— Não, mas não estamos falando da minha filha nem da minha neta.
— Ela vai saber Pedro. — Nicholas se aproximou e pude ver o círculo
escuro embaixo de seus olhos. O homem estava cansado, mas não parecia se
importar com aquilo — Nós preferimos esperar o tratamento começar para
preparar melhor minha neta. Achamos que ela pode ficar pior se souber que o
seu maior algoz ainda está vivo.
— Nichole precisa saber que está em perigo, senão vai ser difícil
convencer aquela garota a andar com guarda-costas.
— A equipe será montada por nós e faremos de tudo para que ela não se
sinta incomodada pela presença dos seguranças.
— Não vou ficar longe e também não confio em ninguém pra cuidar
dela. Eu quero fazer isso e vocês não podem me impedir de ajudar.
— Você tem sua esposa e seu filho Pedro, como pretende passar a maior
parte do tempo com a Nick sem que a Julia surte ou faça uma merda?
Guilherme estava jogando baixo e eu não sabia se ele queria me foder ou
me testar, mas de qualquer forma ninguém iria me impedir de ficar perto da
minha Hermione. Como segurança ou não, eu estaria ao lado dela.
— Você pode montar a equipe que quiser, mas sabe que ela só vai estar
segura comigo por perto. — se ele achava que iria me intimidar estava muito
enganado — Você não tem nada a ver com a minha vida Guilherme, e aqui, nós
estamos falando da Nichole, não da minha esposa ou do meu filho.
— E como você quer que eu separe isso depois de tudo que fez pra
Nichole?
Eu dei um passo a frente e Thor se desencostou pronto para interceder
caso fosse necessário, mas não pretendia causar uma confusão com o pai de
Nichole apenas deixar claro que ele também tinha sua parcela de culpa em tudo
que aconteceu com ela.
— Ainda está falando do dia que você foi buscar ela no motel ou está
falando de ontem, depois que invadimos a base pra tirar vocês dois de lá porque
o seu plano não deu certo e quase matou sua filha? — Guilherme baqueou e
Nicholas abaixou a cabeça, envergonhado — Eu amo a Nichole e você sabe
disso. Não precisa me lembrar a todo o momento que fiz merda porque a vida já
faz isso por você diariamente, mas não me julgue apenas pelas minhas falhas
Guilherme, porque todos nós erramos com ela e você também sabe disso. A
nossa diferença é que eu admiti e você ainda não conseguiu fazer isso. Pode
montar a equipe que vocês quiserem que eu to pouco me fodendo pra essa
merda, mas saibam que eu estarei lá e se a Nichole precisar, não vai ser a porra
de um segurança de bosta que vai me impedir de agir. Só estou avisando pra
evitar aborrecimentos futuros.
Deixei os quatro para trás e me sentei no primeiro assento livre a perto de
onde minha Hermione estava sendo examinada. O piloto informou que o avião
iria decolar e minutos depois, Thor e Laís se sentaram ao meu lado.
Ninguém falou nada e só consegui descansar depois que o idiota do
médico me liberou para ver Nichole e ainda permitiu que eu ficasse ao lado dela
até chegarmos ao Rio.
Minha Hermione foi levada direto para a clínica onde seria internada e
iniciaria o tratamento com acompanhamento psiquiátrico, enquanto eu segui
direto para casa.
Julia estava dormindo no sofá e Pedrinho brincava no quarto com a babá
que eu havia contratado. Larguei a mala no chão e antes mesmo de tomar banho
e trocar de roupa, peguei meu garoto no colo e beijei sua bochecha gorducha.
— Foi tudo bem dona Alda?
A mulher que estava com um vestido rosa claro que ia até os tornozelos
sorriu um pouco sem jeito.
— Seu menino é muito bonzinho, Pedro.
— A senhora sabe do que eu to falando. — encarei a mulher que desviou
os olhos, envergonhada, e me deixou intrigado — A mãe dele se comportou ou
deu trabalho pra senhora?
— Bom... quer dizer... ela... ela...
— Pode falar dona Alda, a senhora sabe que não vou falar nada pra ela,
mas preciso saber o que aconteceu enquanto estive fora.
A mulher fechou a porta do quarto e pediu que eu a acompanhasse até a
sacada. Ela não queria que Julia ouvisse a nossa conversa e eu sabia que não
gostaria do que estava prestes a ouvir.
— Meu filho, por favor, não diga pra Julia que eu lhe falei, você sabe
como ela é e se ficar brava comigo pode fazer alguma coisa pra me prejudicar.
Abracei meu filho com mais força sentindo que alguma coisa muito séria
tinha acontecido para aquela mulher ficar tão desesperada.
— Fala logo dona Alda, a senhora está me deixando maluco, porra!
— Não fala palavrão na frente dele, rapaz!
— Então abre a boca e fala logo se não quiser que eu xingue com todas
as letras do alfabeto!
— No dia que você viajou, um homem esteve aqui.
— Um homem? Que homem?
Meu coração estava acelerado e se meus pressentimentos estivessem
certos, Julia tinha feito a única coisa que pedi para que não fizesse.
— Eu não consegui ver o rosto dele direito porque quando ele chegou,
ela me proibiu de sair daqui, mas eles começaram a discutir e o Pedrinho ficou
assustado e começou a chorar. Eu queria arrumar um jeito de sair daqui com ele,
então fui devagarzinho até a porta da sala pra ver se dava pra escapar sem ela me
ver. Então, eu acabei ouvindo o homem dizer pra Julia que se ela não pagasse o
que eles tinham combinado, ele ia à polícia e ia pegar o menino pra ele.
— E ele disse por que queria o Pedrinho?
Ela balançou a cabeça e olhou para os próprios pés.
— O que ele falou dona Alda? Me fala exatamente o que esse homem
falou pra Julia. A senhora lembra todas as palavras que ele usou?
— Foram poucas palavras Pedro, não tem muito que lembrar.
— O que ele disse, exatamente?
— Ele disse assim: Eu sei que esse menino é meu, e não do Piuí.
Meus joelhos falharam e meu peito doeu com a ideia de perder o garoto
chorão.
— Calma meu filho, eu sei que é difícil, mas você precisa ficar firme e
descobrir quem é esse homem o mais rápido possível. Ele não pode vir aqui e
falar uma coisa dessas pra sua esposa. Quem ele pensa que é?
— Ele é o homem que Julia usou pra engravidar e me convencer a casar
com ela acreditando que o filho que era meu.
— Meu Deus do céu! Minha Virgem Maria!
— Dona Alda, a senhora lembra alguma coisa nesse homem que pode me
ajudar a descobrir quem ele é? Cor do cabelo, dos olhos, roupa que ele estava
usando? Alguma coisa?
— A única coisa que eu me lembro de ter viso foi uma tatuagem do braço
esquerdo, muito grande.
Tatuagem era um bom ponto de partida.
— Qual era o desenho? A senhora sabe me dizer?
— Deus me guarde é claro que sei. Nem que eu quisesse ia conseguir
esquecer aquela coisa horrorosa. — a senhora assustada segurou a cruz que
carregava no peito e beijou antes de falar — Era uma caveira meu filho, e tinha
uma faca enviada bem no alto da cabeça dela sabe? Fiquei até enjoada quando vi
aquela coisa no braço dele.
Puta que pariu!
Caralho!
— Fica de olho no Pedrinho dona Alda, eu vou precisar sair um pouco,
mas já volto.
Entreguei o garoto a ela e saí. Fechei a porta do quarto atrás de mim
tentando me acalmar e agir com cuidado. Julia ainda dormia no sofá e a
decepção ao olhá-la foi muito maior do que eu imaginei que seria, quando
descobrisse que tipo de homem ela havia procurado para foder quando resolveu
engravidar.
Peguei o celular e liguei para Thor que atendeu no segundo toque.
— Fala garoto.
— Precisamos conversar. É urgente.
— Estou no escritório, vem pra cá.
— Que porra ta fazendo aí à essa hora?
— A Manu e a Pietra estão lá em casa. A Lívia convidou as duas pra
receber a Laís, e agora eu sou obrigado a esperar elas saírem pra poder voltar.
Foda cara! Até pra comer minha mulher eu preciso de autorização...
Eu estaria rindo se não estivesse com a cabeça cheia de merda pra
resolver.
— To a caminho.
Em menos de quinze minutos estava chegando ao prédio da Polícia
Federal e meu corpo parecia ter acabado de correr duas maratonas seguidas.
Meus olhos estavam quase se fechando, mas não dava para deixar aquele assunto
de lado.
Eu precisava de ajuda e meu amigo precisava saber o que estava
acontecendo, já que a vida dele e a da Laís poderiam estar correndo perigo.
— Você ainda nem tomou banho caralho?
— Não deu tempo, descobri algumas coisas e aproveitei que a Julia
estava dormindo pra vir falar com você. Tenho que resolver todas essas merdas,
mas quero deixar tudo acertado contigo antes.
— O que essa garota aprontou agora?
— A dona Alda viu um cara lá em casa e disse que ele e a Julia brigaram.
— E por que os seguranças não falaram nada?
— Porque eu acho que a Julia facilitou a entrada dele.
— Porra! Tem alguma pista de quem ele é?
— Não, mas a velha viu uma tatuagem no braço dele, e disse que é das
grandes.
— Tatuagem? Que porra de tatuagem?
Respirei fundo e encarei o cara que sabia tudo sobre a minha vida.
— Uma caveira com uma faca enterrada no crânio.
— Só pode ser uma piada Piuí! — Thor rosnou e começou a andar de um
lado para o outro, como sempre fazia quando ficava nervoso — Que porra a
Julia tem na cabeça merda? O que ela quer, afinal?
— Não sei Thor, mas to achando que não foi uma escolha aleatória da
Julia, ela sabia o que estava fazendo quando conheceu esse cara.
— Tá querendo dizer que a sua esposa engravidou de um assassino de
policiais de propósito?
— Exatamente.
— Piuí, uma coisa é essa louca te meter um par de chifres porque ficou
com ciúme e acabou engravidando do infeliz, mas você afirmar que ela procurou
um cara que mata policiais de propósito e ainda engravidou dele? Por que porra?
— Pode ser que eu esteja maluco e isso seja fruto da minha imaginação
mesmo, mas por tudo que a Julia já fez e falou, eu acho que ela escolheu esse
cara pra matar a Laís.
— A Laís?
— Na cabeça dela eu sou apaixonado pela ruiva e foi por causa dela que
eu queria me separar. Está claro que a Julia ainda transa com esse cara, Thor, e
quando eu ameaçar sair fora, de novo, ela vai convencer o desgraçado a matar a
Laís.
— Só se ela for muito burra.
— Ou muito esperta, ainda não sei.
— De uma coisa eu tenho certeza, se você ficar naquela casa mais um
dia, quem vai te matar sou eu, porra!
— E o Pedrinho, Thor?
— Pega o moleque e vai pra minha casa, toma um banho e dorme.
Quando você acordar a gente acerta tudo.
— Caralho! — esfreguei os olhos sem saber ao certo o que fazer — Não
quero atrapalhar ainda mais a tua vida porra...
Meu amigo se levantou e se aproximou de mim colocando uma mão em
cima do meu ombro.
— Você já ajudou muita gente sem nunca pedir nada em troca, Piuí, ta
mais do que na hora de cobrar alguns favores, e eu tenho certeza que todos eles
vão ter o maior prazer em te ajudar. — ele deu dois tapinhas e voltou a se sentar
— Agora vai pra casa, arruma tua mala, pega te filho e sai fora. Vou conversar
com o Nestor e ver tudo que a gente pode fazer sem te prejudicar.
— Beleza. Vou fazer isso...
— Fica calmo garoto. A gente vai resolver essa merda.
— Eu só queria que terminasse logo, mas do jeito que as coisas estão
indo, to vendo que vai demorar pra conseguir um pouco de sossego.
— Chega de pensar nos outros Piuí, tem duas pessoas que precisam de
você agora, e eu te conheço bem pra saber que se elas não estiverem bem, você
também não vai ficar.
— Sem eles eu não sou ninguém Thor, não posso nem cogitar a hipótese
de perder um deles.
— Então vai pra casa e começa a fazer a faxina na tua vida, só assim
você vai conseguir seguir em frente.
Assenti e voltei para casa.
Se eu pudesse, voltaria no tempo e faria tudo diferente, mas não podia e
pela primeira vez depois de muitos anos morando comigo, Julia conheceu uma
pequena parte do Piuí reservada a homens como Alemão, Gian Carlo Pirollo,
Enrico Antunes e James Hudson.
Claro que minha esposa não gostou nem um pouco, mas o aviso foi dado
e eu esperava que ela tivesse entendido perfeitamente.
CAPÍTULO 14

NICHOLE

— Bom dia Nichole, como está se sentindo hoje?


A voz rouca e profundamente marcante do médico que tentava conversar
comigo há dois dias invadiu meus ouvidos nas primeiras horas da manhã.
— Seu rosto parece melhor, as enfermeiras estão fazendo um ótimo
trabalho com você.
Eu não precisava olhar para saber que ele estava sentado na mesma
cadeira e mantinha seus olhos em mim. O tempo todo. Nunca desviava.
— Gostaria que me contasse alguma coisa sobre os doze meses que
passou dentro da base clandestina.
Apertei os olhos com força me recusando a pensar no inferno. Era a
primeira vez que ele me perguntava sobre a base, nos dias anteriores suas
insinuações foram direcionadas a minha família e meu trabalho. Nada de base.
Nada de James. Nada de Pedro.
Mas ele chegaria lá e caminhava a passos largos naquela direção. Será
que se baseava em tópicos de moral e ética?

- Família
- Trabalho
- Traumas
- Romances
- Sexo
-Dinheiro

Talvez funcionasse como escala, ou um tipo de pirâmide


crescente/decrescente como indicador de importância comportamental, social e
religioso. Mas com certeza eu não me encaixaria a nenhuma desses tópicos já
que minha alma havia sido corrompida.
Eu não tinha mais serventia para a sociedade perfeita sendo a filha única
do casal de ex-agentes exemplares, que se amavam a moda antiga, e foi gerada e
criada no amor, crescida entre a nata da população carioca e educada nas
melhores instituições educacionais, apenas para se transformar em uma vadia de
quinta categoria que gostou de ser subjugada, ferida e violentada. A puta que
gozou enlouquecida de prazer, tanto com o único homem que amou, como com o
escroto que enfiou objetos em suas entradas enquanto a sufocava com o pau em
sua boca.
Não. De jeito nenhum.
— Você se incomoda se eu fizer algumas perguntas diretas? Acho que
assim vai ficar mais fácil para você falar sobre esse assunto, o que me diz?
Minha cabeça virada para o lado oposto era uma tentativa de mostrar a
ele que eu não queria falar; sobre nada, sobre ninguém. A única coisa que eu
realmente desejava era ir para a minha casa, ou melhor, para a casa dos meus
pais, me trancar no meu antigo quarto e apodrecer lá dentro. Sozinha.
Será que um psicólogo tão renomado quanto ele não conseguia entender?
Talvez ele apenas fingisse que não sabia ou pior, talvez estivesse me ignorando
descaradamente e impondo a sua vontade de descobrir tudo que aconteceu
comigo por curiosidade.
Se eu contasse e ele soubesse de tudo, daria um ótimo livro sobre
psicanálise e todas essas merdas que aquele tipo de médico adorava falar, e nós,
meros mortais ignorantes, fingíamos entender.
Quantas mulheres já passaram pelo que eu passei? Quantas sofreram
como eu sofri?
Impossível dizer, porque não havia como mensurar quantos “James”
existia no mundo. Muitas vezes não era preciso se matricular em um curso para
pilotos nos Estados Unidos para ser violentada. Esposas, filhas, enteadas,
empregadas, todas molestadas, violentadas, humilhadas e agredidas por homens
que deveriam amá-las e protegê-las.
Havia muitos James no mundo, sem dúvida alguma.
— Quando você percebeu que o curso era uma fraude?
Eu não queria responder e por algum motivo eu me forçava a ignorá-lo,
mas um sentimento mais forte dentro de mim queria vomitar, falar, gritar, xingar.
Ele me entenderia sem me julgar? Ele me ouviria sem me questionar
sobre o tipo de mulher que eu me tornei quando senti prazer sendo violentada?
Não. Óbvio que não.
Aquele homem não conseguiria explicar cientificamente o que aconteceu
com o meu cérebro e sairia falando sobre como a filha de Guilherme Castro era
uma safada sem vergonha na cara, e provavelmente, colocaria a culpa em mim.
Claro que James não me forçaria a transar com ele milhares de vezes se
eu não tivesse agido como uma vadia. Os cinco homens não eram tão ruins a
ponto de se revezarem dentro de mim depois de ser amarrada e chicoteada.
Eu devo ter feito alguma coisa, dito uma frase com duplo sentido, vestido
uma roupa que ocasionasse confusão mental naqueles cidadãos que defenderam
a pátria amada por décadas e se tornaram heróis de guerra em nome do país em
que nasceram.
A culpa sempre seria da vítima e eu era uma vítima. A simples palavra
abriu as compotas e permitiu que as lágrimas viessem unidas a vergonha e ao
desprezo. Como eu conseguia desprezar a mim mesma e torcer para que os
outros não me desprezassem?
— Muitas pessoas dizem que a mente é uma arma perigosa Nichole,
como uma fera enjaulada, e só precisa de uma pequena brecha na porta para que
ela produza pensamentos cruéis e desumanos.
Doutor Daniel era um homem de meia idade, porte alto e cabelos pretos,
ele se levantou da cadeira e caminhou em direção a janela aberta protegida pelas
cortinas que impediam a entrada do sol. Ele não estava me encarando como
achei que faria e sua postura altiva, embora relaxada, impusesse respeito pelo
homem que falava calmamente, finalmente chamando minha atenção.
— O corpo é selvagem, e diferente da mente, se assemelha a uma fera
indomável, se o deixar solto, fará coisas terríveis, pervertidas e imorais.
O médico que usou palavras fortes para descrever sentimentos
conflitantes dentro de mim me encarou. Nossos olhares se encontraram e o preto
que regia minha alma refletia em suas íris brilhantes e incrivelmente cheias de
vida.
— Todos nós temos um lado escuro e sombrio. Não adianta fingir que
não queremos coisas que são moralmente inaceitáveis, e as pessoas que aceitam
essa realidade, vivem melhor e se satisfazem com maior facilidade. Elas
entendem seu lado negro, o respeitam, são leais a ele e conseguem controlá-lo,
mas antes de qualquer coisa, precisam aceitá-lo como uma parte íntegra e sincera
do que são. Com honestidade.
Ele caminhou até o lado da minha cama com as mãos dentro dos bolsos
da calça branca que lhe caía muito bem e combinava perfeitamente com a camisa
branca de mangas compridas, dobradas até os cotovelos, deixando seus
antebraços grossos e peludos a mostra.
O relógio dourado que adornava seu pulso dava o toque final aliado ao
anel grosso em seu anelar, provavelmente usado para espantar mulheres
oferecidas que fantasiavam o médico nu, com seu membro duro fodendo sua
paciente em cima da mesa do consultório.
Ele tinha razão, a mente era uma arma perigosa e a minha também
molhava calcinhas.
— Você precisa de ajuda e eu posso te ajudar, mas para que isso aconteça
e as rédeas da sua vida sejam retomadas pelas suas próprias mãos, a sua cabeça
deve estar aberta para aceitar que durante os doze meses que ficou naquela base,
sua mente e seu corpo despertaram para muito além do que a sua compressão é
capaz de ir.
Ele não sorriu, mas seus olhos cativaram os meus como um feitiço
lançado para que eu me rendesse e concordasse em ceder.
— É um lugar perigoso que eu não aconselho a ir sozinha, mas eu posso
te guiar e te ajudar a encontrar o caminho de volta quando entender que você não
é a única a querer o não pode ter, deseja o proibido, e gosta do que é impróprio.
Pense em pessoas que precisam fazer coisas escondidas para não deixarem de
mostrar apenas o que é conveniente; como o padre que procura a prostituta e
finge manter o celibato; a “personal trainer”, que come durante a noite escondida
no banheiro para que todos pensem que ela não sofre por se sacrificar; ou até
mesmo a esposa exemplar, que muitas vezes se fantasia de enfermeira,
empregada doméstica ou secretária para seduzir homens desconhecidos e aplacar
os mais pervertidos desejos sexuais, os mesmos que o marido perfeito não tolera,
sequer imagina que ela os possua.
Minha boca estava seca. Doutor Daniel respirou profundamente sem
alterar uma nota do seu tom de voz. Calmo, tranquilo, sedutor. Uma serpente
deixando a caixa no ritmo suave da gaita fazendo o ar faltar nos meus pulmões
de ansiedade e expectativa. Ele estava me seduzindo e, conscientemente, eu
estava permitindo que o fizesse.
— Quantos filmes de serial killers você já assistiu e gostou? Quantos
noticiários iniciam divulgando boas notícias? Quantos casos de assassinos,
traficantes, psicopatas você já estudou fascinada? Esse é o outro lado. Uma
versão que ao mesmo tempo faz parte de você, mas não é sua. Todos nós temos o
outro lado Nichole, a diferença foi que o seu veio à tona e foi exposto, ao
contrário da grande maioria de nós, que consegue mantê-lo trancafiado, mas o
segredo para a libertação não é o isolamento desses pensamentos e desejos, e
sim, o conhecimento sobre eles. A aceitação de que eles estão aí, presentes,
constantes, e sempre farão parte de quem você é.
Daniel caminhou lentamente até a janela e abriu a cortina, o sol entrou
aquecendo o quarto frio e solitário da melhor clinica psiquiátrica do Rio de
Janeiro, onde eu estava internada há uma semana, desde que fui resgatada da
base. Lentamente o médico recolheu sua pasta e se dirigiu a porta do quarto,
olhou para trás e falou:
— Seu horário é amanhã às nove horas, meu consultório fica no final do
corredor. Estarei te esperando para começarmos o tratamento.
Daniel me deixou sozinha, excitada e apreensiva. Fechei os olhos e me
deixei levar pelo turbilhão de sensações que regiam a orquestra em meu corpo.
Tesão a flor da pele. Pulsando, queimando, doendo. Levei a mão até o meio das
minhas pernas sentindo o líquido grosso e pegajoso escorrendo.
Eu podia sentir o cheiro de sexo do quarto do pânico, podia sentir as
mãos de James apertando meus seios enquanto Pedro beijava minha boca com
paixão e se afundava dentro de mim. Acariciei meu ponto sensível desejando
sentir novamente o êxtase, o auge.
Abri mais as pernas deixando escapar um gemido baixo de prazer
simplório, sem atrativos, sem palavras sussurradas, palavrões ou tapas na cara.
Eu queria mais.
Precisava de mais.
Poderia implorar até.
Aumentei a velocidade dos movimentos trabalhando a memória para
reviver momentos que me marcaram e estimularam meu corpo como afrodisíaco.

“Eu só amo você minha menina”


“Você é a única pra mim, Hermione”
“Nunca amei ninguém desse jeito, apenas você Nichole”

Mais rápido. Mais forte. Meus dedos aceleraram ainda mais os


movimentos antecipando a explosão.

“Toma meu caralho porra!”


“Dá essa bunda pra mim vadia!”
“Eu sei que tu gosta da minha rola sua puta”

— Oh Deus...
Chorei descontroladamente.
Gritei e pedi ajuda.
Eu queria ir embora.
Minha casa.
Meus pais.
Minha vida de volta.
Silêncio profundo.
Escuridão bem-vinda.
— Quando isso vai acabar?
— Quando você iniciar o tratamento, minha filha...
— Mãe?
— Estou aqui.
Abri os olhos e me deparei com a mulher mais linda de todas. A mais
honesta e verdadeira que já conheci em toda a minha vida. Isabela Gomes Castro
não tinha vergonha de dizer que foi traficada, vendida, comprada, explorada
sexualmente, que usou seu corpo e seu poder de sedução para conseguir a
vingança que tanto queria, e no final, matou seu algoz quando teve a
oportunidade.
— O que está fazendo aqui? Que horas são?
— Eu vim te ver e quando cheguei me disseram que teve outra crise. As
enfermeiras te medicaram e você dormiu o dia todo praticamente.
— Está de noite?
— Quase... já passa das sete.
— Eu não sei o que fazer mãe.
A mulher que eu amava mais do que qualquer outra pessoa no mundo
segurou meu rosto com suas mãos e olhou dentro dos meus olhos. Eu poderia
jurar que ela conseguia ver tudo que estava guardado na minha mente.
— Eu deixei que seu pai resolvesse as coisas do jeito dele até agora, mas
não deu certo e eu me recuso a assistir você se destruir dessa forma sem te
ajudar. Não foi pra isso que eu te criei Nick e homem nenhum vai tirar você de
mim. — ela suspirou e eu sabia que suas palavras não seriam brandas. Minha
mãe não passava a mão na cabeça de ninguém e se tivesse que magoar para
expor a verdade, assim ela o faria. — Quando você começou a sair com o Pedro
eu avisei que era errado. Ele era comprometido e você foi tão culpada quanto ele
permitindo que o relacionamento de vocês fosse tão longe, mas você estava feliz
e acreditou nele. Quando tudo acabou e seu pai fez aquele escândalo te tirando
do motel como se fosse o fim do mundo a filha de vinte anos perder a virgindade
com o homem que amava, nós duas conversamos e eu pedi que esperasse, desse
um tempo para que as coisas esfriassem, mas tanto você quanto seu pai
insistiram que matricular você no curso seria melhor. Você foi e passou por tudo
que eu me esforcei tanto para te livrar.
Seus olhos ainda fixos nos meus, mas seu semblante estava mais suave,
pacífico.
— O Pedro te trouxe de volta filha, por mais que não queira aceitar, foi
ele que lutou por você, passando por cima de tudo e de todos como um trator.
Agora não tem mais o que fazer Nichole, a não ser aceitar que seu coração
continua batendo e você está viva. Eles não conseguiram te matar e daqui pra
frente quem vai definir o seu futuro, é você. Não deixe que todas as brutalidades
que aqueles homens fizeram com você destruam a mulher linda que eu sei que
existe aí dentro. Vai doer todas as vezes que você se lembrar, mas vai diminuir
com o tempo e mais rápido do que você imagina, seu coração estará feliz e cheio
de amor novamente, como o meu e o de milhares de mulheres que passaram pelo
que nós duas passamos.
Minha mãe beijou meu rosto e me abraçou como há tempos não
abraçava. Não tive vontade de chorar, apenas aproveitar aquele momento com
ela e deixar que cuidasse de mim, como fazia quando eu era pequena e vivia
atrás dela.
— Os únicos culpados pelo que aconteceu com você, foram os homens
que fizeram isso. Apenas eles, Nichole. Não se esqueça disso e não deixe que a
mágoa te torne uma pessoa injusta e egoísta.
— Eu não culpo ninguém mãe, só eu mesma.
— Você não teve culpa! O que eles fizeram foi covardia, e só pararam
porque acharam que estava morta.
— Eu vou sair dessa mãe, eu prometo.
— Eu sei que vai, minha filha. Você é muito mais forte do que pensa. —
ela me beijou novamente, mas dessa vez o abraço foi mais demorado e eu sabia
que minha mãe relutava para ir embora — Lute até o fim minha filha e sua
família estará do seu lado em todos os momentos.
— Obrigada mãe.
— Eu volto amanhã. — ela se levantou e caminhou até a porta — Ele
está aí fora Nichole...
Respirei profundamente e decidi que estava na hora de começar a agir
para enterrar meu passado de vez. Se eu estava disposta a iniciar o tratamento,
tudo que me fizesse lembrar a menina de antes, precisava ser esquecido.
— Tudo bem, pode mandar ele entrar. Está na hora de colocar o ponto
final nessa história.
Minha mãe sorriu e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Você não pode tentar finalizar numa história que ainda nem começou,
minha filha.
— É aí que a senhora se engana dona Isabela, acabei de ouvir da sua
boca que o meu futuro será ditado por mim, certo?
— Certo. E o que isso tem a ver com o amor que você e o Pedro sentem
um pelo outro?
— Ele não me ama mãe, desde o começo eu não passei de um
brinquedinho nas mãos dele.
— Um brinquedinho que ele quase morreu pra salvar?
— Ele se sentiu culpado, por isso foi atrás de mim.
— Você acha mesmo que ele se arriscaria por você se não te amasse? Ele
tem um filho pequeno pra criar, Nichole!
Dona Isabela estava querendo me testar e por um momento me arrependi
de ter concordado em falar com Pedro.
— O garoto tem mãe, e o Pedro sabia que sairia vivo daquela base.
Tudo bem, eu estava apelando e ela sabia daquilo tanto quanto eu, mas eu
não admitiria o que ela queria.
— Se é nisso que você quer acreditar, não posso fazer nada, mas não se
esqueça que o primeiro passo para ser feliz de verdade é assumir seus erros e não
ser injusta apenas para aliviar seu ego. — minha mãe mandou um beijo antes de
sair — Vou falar pra ele entrar.
Eu não queria me preocupar com a minha aparência, mas me ajeitei na
cama, penteei os cabelos com as mãos e esperei.
Quando a porta se abriu lentamente e o homem moreno com o olhar mais
doce do mundo e um tímido sorriso no rosto entrou, eu soube que nunca mais,
em toda a minha vida, eu seria dele.
A realidade chocou de tal forma que a única coisa que consegui fazer foi
chorar. Pedro estava ali, lindo, bonito, forte, másculo, mas a mulher que estava
deitada na cama, não passava de uma cópia muito mal feita da outra, aquela que
ele dizia amar.
Coloquei as duas mãos no rosto tentando me esconder.
— Calma minha Hermione... calma...
Sua voz rouca e grave no meu ouvido despertou o fogo que havia sido
apagado horas antes, seus braços fortes envolveram meu corpo e o calor subiu
pelas minhas pernas atingindo meu ventre como um rojão.
— Eu estou bem... me desculpe.
Envergonhada por me sentir fragilizada e com nojo de mim mesma por
desejá-lo em um momento tão impróprio, foi o suficiente para me incentivar a
afastá-lo.
— Você ta precisando de alguma coisa? Quer que eu pegue água?
— Não, ta tudo bem.
— Eu precisava te ver Nichole, todos esses dias eu não consegui dormir
pensando em você.
Não falei nada, apenas abaixei a cabeça e fechei os olhos absorvendo o
calor de seu corpo e o cheiro delicioso de banho e... Pedro.
— Não precisa se preocupar, meus pais estão comigo todos os dias.
Pedro passou a mão pela minha cabeça raspada e me puxou para os seus
braços, que estavam muito maiores do que eu me lembrava.
— Eu sempre vou me preocupar com você, minha menina.
— Olha Pedro... — eu me afastei e não olhei para ele — Eu quero
agradecer por tudo que você e a Laís fizeram por nós, meu pai me contou tudo o
que aconteceu, mas eu não quero mais que você venha aqui.
— Olha Nick, eu sei que você está chate,,,
— Não! — o cortei — Eu não estou chateada Pedro, juro. Só que eu
preciso seguir a minha vida e não quero você por perto.
— Nichole, olha pra mim, por favor.
Eu tinha medo de encará-lo e entregar a mentira, mas não havia outro
jeito de convencê-lo a me deixar em paz. Pedro era teimoso e eu sabia que
mesmo o afastando, ele ainda tentaria se aproximar novamente.
Levantei a cabeça e olhei em seus olhos me esforçando ao máximo para
que ele acreditasse em mim e nas minhas palavras.
— Diz olhando nos meus olhos que você não sente mais nada por mim.
— ele acariciou meu rosto e daquela vez eu nem pisquei, surpreendendo-o — Se
você me disser com todo o seu coração que não me quer mais na sua vida, eu
prometo que vou embora.
Tudo que fazemos tem consequências e no fim, sempre pagamos pelas
nossas ações, sejam elas boas ou ruins. Durante um ano, eu paguei muito caro e
nem sabia ao certo pelo que, mas de uma coisa eu tinha absoluta certeza;
nenhuma dívida que eu tivesse seria tão alta como a que eu quitei naquele
inferno.
— Eu agradeço por tudo que fez por mim e pelo meu pai, mas eu não
amo você e não quero que continue vindo aqui.
Ele se assustou com as minhas palavras frias e não vou negar que senti
uma leve pontada de felicidade por ter visto a decepção em seu rosto.
— Você não está falando sério...
— Se não acredita em mim é um problema seu, mas eu fiz o que você
queria e falei a verdade olhando nos seus olhos. Agora, por favor, saia da minha
vida.
— Nichole eu sei que fiz um monte de merda, mas já estou consertando
tudo.
— Pedro, eu não quero ficar com você. — falei com mais firmeza e
ganhando confiança — Não insista, por favor, apenas saia e não me procure
mais.
Ele assentiu e beijou minha testa antes de deixar o quarto em silêncio
absoluto e fechar a porta atrás de si.
Pedro não se despediu, não lutou por mim ou disse que me amava. Eu
queria ficar triste, mas no meu coração, não havia mais lugar para tristeza e o
homem que me abandonou há um ano provou novamente, que seu amor por mim
não era nada, se comparado ao meu amor por ele.
Pedro se foi, mas daquela vez eu estava tranquila e em paz, pois
precisava sair da cama para descobrir quem era a nova Nichole, e aquele homem
não merecia alguém como eu.
A Hermione que ele amou morreu, e não seria ressuscitada. Viver nem
sempre significava ser feliz, e eu era testemunha disso. Eu me ajeitei na cama,
fechei os olhos e me entreguei ao sono, torcendo para que os pesadelos me
deixassem dormir, o que não foi possível, claro.
James,Clayson, Matt, Mase e Clinton, fizeram questão de me dar as
boas-vindas... como sempre faziam quando chegavam de alguma missão secreta
e somente após a medicação ser aplicada na minha veia, o sono finalmente
chegou e me levou bem longe...
CAPÍTULO 15
PIUÍ

— Eu te falei que você teria que ser paciente Piuí, ela ainda está no início
do tratamento e pelo que a Isabela me falou, hoje foi a primeira conversa dela
com o psicólogo e não saiu como eles esperavam.
— Eu sei Drizella... eu sei... mas é foda porra! Ontem eu achei que ela ia
querer conversar comigo e me deixar explicar tudo o que aconteceu, mas a única
coisa que ela me falou é que não queria mais que eu fosse lá.
— Se eu fosse ela também não ia querer falar com você. Até parece que
esqueceu tudo que fez com a menina.
— Mesmo que eu quisesse esquecer não ia conseguir porra! Como eu
vou esquecer se desde que te contei, tu não para de jogar na minha cara como fui
burro, idiota, babaca, trouxa e todos os nomes que saem da tua cabeça. To
falando sério, eu já me arrependi de ter te contado, caralho!
— Eu sou a voz da tua consciência meu amigo.
— Porra nenhuma! Se a minha consciência tivesse a voz igual a tua eu
tava fodido. Você parece uma matraca gaga que fica repetindo a mesma merda a
cada cinco minutos. Agora me dá um tempo pelo amor de Deus! Troca a merda
do disco e esquece esse assunto pelos próximos trinta minutos senão minha
cabeça vai explodir.
— Quer falar sobre o que? — a ruiva pegou uma lixa de unha de dentro
do porta-luvas e começou a esfregar no dedo fingindo indiferença, o que era
ridículo porque nem unha ela tinha. Roia tudo quando estava nervosa, e como
ela vivia nervosa, já viu né? — Eu posso te contar o que descobri sobre o
homem misterioso que a megera songa monga colocou dentro da tua casa, mas
não sei se você vai gostar muito de saber.
— Caralho!
Passei as mãos pela cabeça raspada e joguei com força para trás
descansando no encosto do banco. Minha vida estava uma merda fodida e todas
as coisas ruins resolveram acontecer ao mesmo tempo, como se tivessem
combinado só pra me deixar maluco.
— Quer que eu fale ou prefere um desenho?
Laís também não queria facilitar nada para o meu lado. Que inferno!
A ruiva ficou puta quando soube o que aconteceu na última vez que eu e
Nichole estivemos juntos. Eu imaginava que a minha amiga ia me alugar, mas
não fazia ideia de que ela sentiria prazer fazendo aquilo.
Nem parecia que era uma amiga, aliás, se fosse pra classificar nossa
amizade em escala, com certeza nós seríamos considerados inimigos mortais que
se encontravam há várias encarnações e nunca resolviam porra nenhuma. O final
sempre ficava para o próximo encontro, na próxima vida.
Tipo aquele livro do anjo caído que ela adorava e eu comecei a odiar só
de ouvir suas narrativas esquisitas sobre a história. Que porra de anjo que se
apaixona por uma mortal e fica encontrando a mulher sempre que ela reencarna?
Isso lá é romance porra?
— Pode falar que eu escuto com os ouvidos e não com os olhos.
— Não gosto de conversar assim, parece que você está dormindo e não
está prestando atenção no que eu estou falando.
Já passava da meia noite e nós estávamos dentro do meu carro, fazendo
uma vigília de merda, em frente a um puteiro no subúrbio do Rio, esperando um
comprador de armas sair para seguirmos o cara e fazer a intercepção da
mercadoria.
Em outros tempos, esse seria o tipo de trabalho que eu me candidataria
pra fazer, mas naquele dia eu queria matar o Thor por ter me colocado naquela
merda.
— Drizella não me fode! Fala logo antes que eu desista de saber.
— Eu vou falar, assim que você abrir os olhos e prestar atenção.
— Puta que pariu! — abri os olhos e virei o corpo para ela que estava
sorrindo debochada — Ta gostando de me ver assim né? To ligado.
— Você nem imagina o quanto. — ela gargalhou e conseguiu arrancar
um pequeno sorriso de mim — Vamos dizer que é uma pequena vingança pela
época que você era um tremendo babaca irritante.
— Que bom saber que você não pensa mais assim de mim.
— Não mesmo, agora você é um tremendo babaca idiota. Mudou, mas
não melhorou muita coisa.
— Beleza, agora começa a falar.
— Enquanto você ficava dando seu plantão na clínica esperando a boa
vontade da Nichole, eu segui a Julia duas vezes e descobri onde o cara mora. O
nome dele é Rodrigo, mais conhecido como “Pardal”.
— Pardal? Esse nome não é estranho...
— Claro que não, ele é o braço direito do Trovão, aquele seu amigo do
morro do Teteu e pelo jeito o cara está doido pra tomar o lugar do chefe.
— Então o cara é barra pesada.
— Muito pesada. Há três anos, ele matou quatro policiais e está jurado de
morte pelos caras do Bope, mas conseguiu fugir e ficou escondido em algum
país pequeno da América Central. Voltou há pouco tempo e não está
participando muito das transações com vendas de drogas e armas porque sabe
que se aparecer, vai morrer.
— E como a Julia conheceu esse cara?
Laís olhou para o lado de fora desviando seus olhos dos meus. Se eu não
conhecesse bem aquela mulher diria que ela estava preocupada com o cara
dentro do puteiro, mas sabia que minha amiga estava apenas disfarçando e
procurando um jeito de me contar sem foder ainda mais o que já estava
completamente fodido.
— Eu não tenho certeza, mas acho que ela não foi atrás dele, o alvo dela
era outro.
— O Trovão.
Laís assentiu.
— Mas alguma coisa deu errado, ou o teu amigo não quis trepar com ela
e foi quando esse tal de Pardal apareceu e fez o serviço.
— Isso vai ser fácil descobrir.
— Você não está pensando em ir falar com o Trovão, está?
— É o único jeito de saber o que aconteceu Dri.
— Piuí, eu sei que vocês eram amigos e quando o Gian Carlo fez aquela
merda comigo e com o Murilo ele ajudou a acabar com os caras, mas agora é
completamente diferente.
— Não tem nada de diferente ruiva.
— Claro que tem seu infeliz! — Laís cruzou os braços e ficou vermelha
como um pimentão, como sempre ficava quando estava com raiva, o que era
muito comum, aliás. — Piuí deixa de ser teimoso. Todo mundo sabe que você
trabalha com o Mateus, e mesmo que não seja nada oficialmente comprovado,
ainda assim, todo mundo sabe. Se você for atrás do Trovão naquele morro,
dificilmente vai sair de lá com vida.
— E quem te falou que eu pretendo falar com ele no morro?
— Pelo que eu sei, o cara é aprendiz do Thor e isso significa que ele não
sai do morro. Essa era a principal regra do meu cunhado quando chefiava o
Teteu, ou eu estou enganada?
— Você está certa Dri, fez a lição de casa direitinho, mas existe uma
coisa que ainda faz muita diferença para algumas pessoas. — apontei com o
indicador nosso homem saindo do puteiro e liguei o carro antes de concluir
minha linha de raciocínio — Eu sei que o Trovão vai sair do morro pra falar
comigo.
— Por que você tem tanta certeza disso?
Engatei a primeira e coloquei o carro em movimento seguindo a Land
Rover preta que estava a nossa frente deixando alguns carros entre nós.
— Gratidão, Drizella.
— Até parece que aquele cara vai se lembrar de alguma coisa que você
fez por ele há mais de dez anos.
— Não minha ruiva favorita, o que eu fiz pra ele foi depois disso.
— Vai me dizer que você ajudou o cara?
— Claro que eu ajudei, mas não como você está pensando.
— Se não vendeu drogas ou armas pra ele, como pode ter ajudado?
— Eu livrei o pai dele da cadeia quando trabalhava como advogado em
Santo André. O velho tinha sido acusado de latrocínio e ia passar o resto da vida
na cadeia.
— E você conseguiu provar que ele era inocente?
— Claro que não. Mas plantei a sementinha da dúvida na cabeça dos
jurados.
— O que aconteceu com ele?
— Outra hora eu te conto, não quero mais você enchendo o meu saco por
causa das coisas erradas que eu fiz.
— Ainda bem que você largou a profissão.
— Eu não gostava de advogar, acho que só entrei pra faculdade pra ter
alguma coisa que me prendesse a atenção.
— Queria eu cursar cinco anos de Direito só pra prender minha atenção.
— Você não consegue ver um filme inteiro sem levantar no mínimo dez
vezes pra fazer alguma coisa, como vai entrar numa faculdade?
— Isso você tem razão, eu só consigo me concentrar quando estou
atirando.
— Então pode se preparar, porque os caras vão abastecer e a gente vai
entrar em ação.
O carro que levava o comprador de armas parou em um posto de gasolina
que sabíamos ser o ponto de encontro para a entrega das armas. Mateus já estava
posicionado com mais dois agentes da equipe e quando o caminhão do
frigorífico estacionou, descemos do carro e fizemos a abordagem.
Houve tiroteio e um dos bandidos conseguiu escapar, mas capturamos
todos os outros, inclusive o chefão, e as armas foram levadas para a sede da
Polícia Federal, onde seriam deixadas junto com todos os outros objetos
apreendidos naquela operação, que já durava seis meses e enfraquecia o mercado
negro cada vez mais.
— Estão liberados. — Mateus avisou quando deixamos o escritório
juntos — O Pedrinho está dormindo, pode ir pra casa e pegar o pirralho amanhã
quando acordar.
— Tem certeza? Posso passar lá agora, sem problema.
— Não fode Piuí, se você aparecer lá em casa a essa hora, a Lívia vai
ficar uma semana de cara emburrada e se isso acontecer significa que eu vou
ficar uma semana sem sexo. Vai pra tua casa e deixa o garoto lá.
Eu a Laís gargalhamos e depois de deixá-la na porta da casa dela, segui
para o apartamento que estava morando, algumas quadras acima. Julia ainda
estava na casa, e depois de tudo que descobri sobre o pai biológico de Pedrinho,
minha futura ex-esposa concordou em assinar o divórcio sem arrumar confusão.
Fui direto para o banheiro e tomei um banho demorado antes de cair na
cama e me entregar ao sono. Meu celular tocou logo cedo, e mesmo sem ver
quem ligava, acabei atendendo.
— Pedro?
A voz feminina e familiar me despertou. Eu sabia que já tinha escutado,
mas não conseguia me lembrar de onde.
— Quem é?
— Isabella, mãe da Nichole. Me perdoe te ligar a essa hora, mas preciso
muito falar com você.
— Claro, é só me falar onde e a que horas. Posso ir quando quiser.
— Bom, eu estou aqui na casa do Mateus, se você puder vir até aqui,
seria ótimo.
— Estarei aí em cinco minutos.
Olhei no relógio e não era nem oito horas. Meu amigo devia estar com o
humor do cão por ter sido acordado tão cedo pela esposa de Guilherme. Se o
cara já era difícil quando dormia bem, não queria nem ver como ele estava
depois de chegar em casa quase as quatro da manhã.
Alguma coisa muito séria deveria ter acontecido para que Isabella me
procurasse. Escovei os dentes e me troquei rapidamente. Peguei o carro e segui
para a casa de Thor. Lívia abriu a porta com Pedrinho nos braços e assim que o
garoto me viu, abriu seu sorriso banguela e se jogou para o meu colo.
— Moleque ingrato! — Lívia reclamou sorrindo — Fico com ele o
tempo todo, dou comida, banho e limpo as fraldas sujas, mas é só os homens
dessa casa aparecer, que ele me abandona sem pensar duas vezes. Acho que vou
começar a bancar a difícil pra ver se ele sente a minha falta.
Abracei meu pivetinho sentindo o cheirinho gostoso de sua cabeleira
negra que tinha acabado de ser lavada.
— Para de manha. — beijei Cindi e recebi um abraço torto, mas como
todos os outros que ela me dava, com muito carinho e amor — Você sabe que
quando ele crescer mais um pouquinho vai ficar gamadão na madrinha.
— Acho bom mesmo!
Cindi fechou a porta e falou baixinho no meu ouvido.
— Ela está na cozinha tomando café. Pelo jeito as coisas não estão nada
boas.
— Que horas ela chegou? — perguntei sussurrando para que Isabella não
nos escutasse — Está sozinha?
— Acabou de chegar, na verdade ela nem queria ficar aqui. Passou pra
pegar seu endereço, mas eu não deixei ela sair. A mulher estava muito nervosa,
achei melhor te ligar e tentar fazer com que ela se acalmasse um pouco.
— Obrigado.
Entramos na cozinha e Isabella estava sentada com uma xícara de café a
sua frente e Thor mexia na cafeteira de costas para nós. Quando a mãe de
Nichole me viu, notei seus olhos vermelhos, e grandes círculos escuros em volta
deles.
— Que bom que você chegou Pedro.
— Como vai dona Isabella?
Seu sorriso não chegou aos olhos quando ela se levantou e se aproximou
de mim. A mãe de Nichole olhou para o menino em meus braços e franziu a testa
quando percebeu que não havia nenhuma semelhança entre nós.
— Seu filho é lindo Pedro.
— Obrigado. A senhora quer falar comigo? Aconteceu alguma coisa com
a Nichole?
— Será que poderíamos conversar em particular?
Antes que eu respondesse, meu amigo se intrometeu.
— Podem ficar no escritório, lá vocês terão privacidade. — ele se
aproximou de mim e sem que eu esperasse, Pedrinho se jogou em sua direção
arrancando um enorme sorriso do homem mais mal humorado que eu já tinha
conhecido — Eu cuido dele enquanto isso. Não precisa se preocupar.
Isabella me acompanhou até o escritório e depois que fechei a porta ela
desabou a chorar me deixando sem ação e reação. Eu nunca tinha visto uma
mulher daquele jeito.
— Me perdoe, mas não consigo pensar na minha filha sem me
entristecer. Eu preciso muito da sua ajuda Pedro.
— Tudo que eu mais quero é ajudar dona Isabella, a senhora só precisa
me dizer como, e eu prometo que vou fazer.
— Ela teve duas crises e na segunda, foi preciso sedá-la com medicação
fortíssima.
— O que aconteceu? Eu quero que me conte tudo detalhadamente, por
favor.
Isabella enxugou o rosto antes de começar a falar.
— Ontem ela esteve no consultório do doutor Daniel, ele é um psicólogo
muito bom e é especialista em casos como o dela. Mas acho que a Nichole ainda
não está pronta pra enfrentar esse tratamento e foi por isso que a conversa com
ele desencadeou fortes lembranças que minha filha tenta esquecer.
— Que tipo de crise ela teve?
— Daniel me disse que explicou pra Nichole como seria o processo de
“cura”, mas para que isso acontecesse, ela teria que aceitar tudo que passou nas
mãos daqueles homens. Na verdade, minha filha precisa entender que nada vai
reverter o que aconteceu e nem a morte dos cinco responsáveis pelos abusos que
sofreu será o suficiente para amenizar sua dor.
— Esse médico usou algum método para fazer com que ela se lembrasse?
— Não, mas de alguma forma ela reviveu tudo que aconteceu, ou
algumas coisas que a feriram muito. Nichole repetia uma lista de regras sem
parar, como se fosse um ditado que ela estudou para fazer uma prova, sabe?
— Que tipo de regras?
— Coisas horríveis que eles obrigavam os pilotos a falarem e fazerem
para não serem torturados.
— A senhora se lembra de alguma?
Isabella assentiu, mas não falou nada. Meu coração batia tão alto e forte
que eu podia jurar que do outro lado da porta, Thor escutaria.
Imaginar a dor que Nichole estava sentindo ao conversar sobre aquele
assunto com uma pessoa que não a conhecia, minava toda a minha razão e eu só
conseguia pensar em invadir aquele lugar para tirá-la de lá.
— Isabella, eu preciso que me conte sobre as regras que Nichole falou. É
muito importante para que eu possa tentar entender o que aconteceu com ela.
— Eu sei Pedro, mas... — sua voz falhou — É tão difícil repetir aquelas
frases que só de imaginar as cenas, sinto meu estômago revirar e juro que eu
mesma mataria todos eles com as minhas próprias mãos, se tivesse uma única
chance.
— Eu sei que sim, mas agora precisamos ajudar a Nichole, e se o médico
garante que ela precisa aceitar o que aconteceu para seguir em frente, teremos
que ser fortes e pensar numa maneira de amenizar a dor que ela está sentindo.
— Você tem razão.
— Vamos fazer o seguinte: me fale sobre a segunda crise que ela teve.
Quando foi que aconteceu?
— Eu estava no quarto quando Nichole acordou depois da primeira, e por
algumas horas ela ficou bem. Parecia calma e tranquila, até brincou comigo
quando reclamei da comida na hora do almoço. Mas quando um enfermeiro
entrou para trocar o acesso que foi preso no braço dela, a simples menção do
toque dele, deixou minha filha completamente enlouquecida.
— Ele chegou a tocar em alguma parte do corpo dela?
— Não... ela pulou da cama e derrubou o homem que tinha o dobro do
tamanho dela.
Foi impossível não me lembrar do golpe que minha Hermione me
aplicou no avião quando por impulso, tentei acariciar seu rosto.
— Ela me derrubou no avião também.
— Você? Por quê?
— Pelo mesmo motivo; eu tentei tocar no rosto dela. Eu queria falar com
ela e me aproximei, não foi de propósito e nunca na minha vida eu seria capaz de
machucar a Nichole, mas quando ela percebeu o que eu pretendia fazer,
simplesmente me derrubou. Não tive tempo pra nada, e quando já estava caído
no chão, ela se abaixou e me disse que se eu tentasse tocar nela novamente, ela
me mataria.
— Foi exatamente o que ela fez com o enfermeiro.
— Como ela ficou depois?
— Eu pensei que ela ficaria bem, mas começou a repetir as malditas
regras novamente e ficou ainda mais agressiva. Foi preciso que três homens a
segurassem como um animal para que uma enfermeira conseguisse aplicar o
calmante.
— A senhora ficou com ela a noite toda?
— Fiquei. O Guilherme foi até lá, mas não deixei que ele dormisse. Eu
passei a noite toda ao lado dela e só deixei a clínica quando meu marido
apareceu agora há pouco e ordenou que eu fosse para casa descansar. Nós
combinamos de revezar, assim ela não fica sozinha e nós ficamos mais
tranquilos sabendo que ninguém vai machucá-la.
— Dona Isabella, a senhora sabe que eu estive lá todos os dias desde que
chegamos ao Brasil, e na única vez que Nichole permitiu que eu entrasse, foi
para me pedir para ir embora e não voltar mais. Por que a senhora acha que eu
posso ajudar a Nichole?
— Pedro, se você não quiser ir até lá, eu vou entender...
— Não! Por favor, não me entenda errado. — A tensão no meu corpo era
tão grande que minhas mãos estavam trêmulas. — Tudo que eu mais quero é
ficar com ela, cuidar dela e prometo que não vou machucá-la, mas não quero que
ela piore com a minha presença. A Nichole está passando por uma das piores
fases agora, e tudo que ela precisa é de descanso e proteção. Por isso achei
melhor fazer o que ela pediu até que estivesse recuperada, mas acredite em mim
dona Isabella, eu farei qualquer coisa por aquela menina. Qualquer coisa.
— Mesmo medicada ela chamou seu nome várias vezes durante a noite.
Apenas o seu, o de mais ninguém.
Suas palavras mexeram comigo, eu estava inseguro depois de Nichole
garantir que não me queria mais em sua vida, e cheguei a duvidar se o amor que
ela sentia por mim tinha sobrevivido depois de todas as decisões erradas que
tomei.
Mas Isabella trouxe de volta a esperança ao meu coração e junto com ela,
todas as minhas forças reunidas para reconquistar a confiança da minha
Hermione.
— Ela disse que não me queria mais.
— Eu sei Pedro, mas a verdade é que ela não acredita que você a ama. Só
está preocupado e se sentindo culpado por tudo que aconteceu.
Respirei fundo e me levantei. Caminhei até a mesma janela em que ouvi
Guilherme falar sobre a operação que faria para voltar à base nos Estados
Unidos, há menos de duas semanas, e no quanto eu desejei reencontrar minha
Hermione.
Olhando o jardim de Lívia e todas as suas flores coloridas iluminadas
pelo sol da manhã, compreendi o pensamento de Nichole. Eu odiava que ela
pensasse aquilo, mas não podia culpá-la por me julgar daquela forma. A maior
culpa que eu carregava era a de não ter feito o que queria, e sim, o que achei
necessário.
— Eu amo a sua filha dona Isabella. — falei ainda de costas para a
mulher que deixou o orgulho de lado para me procurar em nome do amor que
sentia por sua filha, talvez Isabella também me odiasse, mas ao contrário de
Guilherme, decidiu fazer o que achou melhor para Nichole. — Eu me apaixonei
por aquela menina no momento em que coloquei meus olhos nela, mas quando a
Julia me disse que estava grávida, a única coisa que eu desejei foi dar ao meu
filho o verdadeiro amor de um pai, como eu nunca tive.
Olhei para Isabella e sabia que meu rosto estava molhado pelas lágrimas
derramadas, mas não me senti envergonhado. A mãe de Nichole merecia saber a
verdade e os motivos que me levaram a desistir do meu amor pela sua filha.
— Eu cometi muitos erros e por ter nascido e crescido na favela, até os
vinte anos de idade, a minha única preocupação era ser o braço direito do Thor.
Minha mãe nunca disse quem era o meu pai, mas eu sabia que era um homem
casado e quando ela engravidou, ele foi embora sem olhar pra trás. — Coloquei
as mãos nos bolsos da calça depois de limpar o rosto tentando secar as lágrimas
que insistiam em continuar escorrendo — Eu falava que não ligava e não sentia
falta dele, mas era mentira. Minha mãe fazia tudo por mim e sempre ficava triste
quando o assunto vinha à tona. Eu aprendi a ignorar a falta que sentia dele, e me
acostumei a ela. Não queria isso pro meu garoto.
Voltei a sentar encarando Isabella que me observava atentamente. Seu
semblante era calmo, mas a tristeza em seus olhos escancarava a dor que estava
sentindo. Eu compartilhava a mesma dor, só não sabia se um dia conseguiria
mensurar por quanto tempo eu ainda poderia suportá-la.
— Eu não queria isso pro meu filho e confesso que fui um idiota por ter
acreditado na Julia. Naquela época ela morria de ciúme da Laís e achava que eu
estava tendo um caso com a ruiva, quando na verdade meu coração tinha sido
roubado pela menina de sorriso fácil e olhos curiosos. — sorri com tristeza e
saudade da minha Hermione — A senhora viu, ele não é meu filho e eu só
descobri no dia em que ele nasceu. Os médicos pediram doação de sangue
depois que constataram que o Pedrinho não tinha icterícia como pensaram, e sim
anemia crônica.
Esfreguei o rosto com as duas mãos tentando ignorar as imagens daquele
dia que invadiam minha mente sempre que olhava para o garoto que eu amava
como se fosse meu e, do fundo do coração Pedrinho era meu, mesmo não sendo.
Eu não abriria mão dele. Nunca.
Assim como aconteceu com Nichole, eu me apaixonei por ele no
momento em que o vi pequenino, indefeso, e todo enrugado dentro da
incubadora mexendo desesperadamente as perninhas magrelas e os bracinhos de
boxeador.
— Imagina a minha cara quando entrei para fazer o exame de
compatibilidade e descobri que o meu sangue não era compatível com o do meu
próprio filho. Foi o maior tombo que já levei.
— Eu sinto muito Pedro, não consigo imaginar o que faria se estivesse no
seu lugar.
— Claro que sabe dona Isabella, a senhora está aqui agora não está?
— Estou, mas...
— É a mesma coisa. — afirmei — Eu faço tudo o que posso pelo meu
filho. Assumi a paternidade sabendo que não era o seu pai biológico, dou o meu
mais puro amor para aquele garoto todos os dias e pretendo lutar pela guarda
dele até o último minuto. Por ele, apenas pelo meu filho. A senhora veio pedir
ajuda para o homem que machucou a sua filha, involuntariamente, mas ainda
assim, machucou, e foi da dor que eu infringi a ela, que a levou a decisão de se
matricular naquele curso maldito. A senhora passou por cima do orgulho, da
mágoa e de tudo que pudesse impedi-la de querer olhar pra mim novamente, por
amor a sua filha. É isso que os verdadeiros pais fazem, é isso que todos os pais
deveriam fazer por seus filhos.
— Eu nunca te culpei Pedro, e acho que a Nichole teve grande parcela de
culpa em tudo que aconteceu entre vocês, mas o que importa pra mim agora é
saber que você ama minha filha de verdade e vai ajudá-la a se recuperar.
Isabella se levantou e me puxou para um abraço. Eu estava sem graça e
um tanto constrangido, mas não pude recusar e deixar de retribuir seu gesto de
carinho. Novas lágrimas se juntaram em meus olhos, mas daquela vez, pela
primeira vez depois de mais de um ano, eram lágrimas esperançosas, felizes e
animadas.
— Pode ter certeza que eu vou ficar ao lado da Nichole o tempo todo,
mesmo que ela me mande embora e diga que não me quer. Eu vou lutar por ela e
provar que o meu amor é verdadeiro.
— Obrigada Pedro.
Eu me afastei para perguntar a Isabella sobre o assunto que iria estragar
aquele momento, mas não havia outro jeito. Ela tinha que me contar.
— Agora a senhora precisa me contar tudo que se lembra sobre as regras
que Nichole falou quando teve as crises.
Isabella assentiu e foi a vez dela respirar fundo para começar a relatar
tudo que ouviu sobre as trinta regras da base, e de quebra, quebrar meu coração
em mais de mil pedaços.
Trocadilhos a parte, precisei ir ao banheiro vomitar até não ter mais nada
no meu estômago depois de ouvir parte do que a mãe de Nichole se lembrou.
Ódio. Raiva. Ira.
Culpa. Culpa. Culpa.
Desespero... a mensagem de James parecia um vaga-lume brilhante no
meu cérebro opaco.
Ele iria voltar para buscar minha Hermione, mas dessa vez, eu estaria
cuidando dela e não permitiria que ninguém a levasse para longe de mim. Nem
que eu tivesse que começar uma nova guerra no Rio de Janeiro se fosse preciso.
CAPÍTULO 16

NICHOLE

“Estava sentada no chão frio há mais de cinco horas. Nua. Pela manhã
tivemos um treinamento que mais parecia uma experiência de guerra e não me
saí muito bem.
As coisas andavam estranhas e um dos homens que se apresentou como
instrutor me olhava de uma forma esquisita. Eu me sentia intimidada com a
intensidade do seu olhar. O nome dele era James Hudson.
Marcia e eu éramos as únicas mulheres e estávamos empolgadas com a
oportunidade de fazer parte do pequeno grupo de pilotos que aprenderia tudo
sobre o F-22, a aeronave mais rápida do mundo.
Os homens que foram para o deserto partilhavam do mesmo sonho. Na
primeira semana dentro da base, a empolgação foi fator motivacional constante
entre nós, mas isso mudou quando James invadiu o dormitório, que eu dividia
com Marcia, naquela manhã de segunda-feira, e me mostrou que o curso não
era o caminho árduo para alcançarmos o sucesso profissional, e sim, a ladeira
íngreme que nos levaria a conhecer as portas para o inferno.
O homem lindo com o corpo esculpido por músculos e olhos azuis que
me lembravam o mar do Caribe, encontrou em mim o seu brinquedo, a sua
bonequinha, aquela que ele faria o que quisesse, quando quisesse, onde quisesse
e como quisesse.
Durante seis semanas James Hudson me tornou exclusiva para realizar
de todas as suas fantasias, vontades e loucuras. Eu lutei, apanhei, fui estuprada
e violentada, mas gozei. Muito. Oferecendo ao homem que sentia prazer em me
machucar a certeza de que meu cérebro sabia que era errado, mas meu corpo
discordava. Completamente.
Depois da tentativa de fuga e o assassinato brutal de Marcia, as coisas
voltaram a mudar bruscamente. Outros homens passaram a frequentar meu
dormitório, me estupraram, violentaram e machucaram.
Aprendi a desligar meu cérebro, mas não conseguia dominar meu corpo
e com isso, os castigos se tornaram muito mais cruéis e mais constantes o que
levou os outros pilotos a fazerem mais perguntas do que deveriam, irritando
James.
Principalmente Tomaz. O jovem de apenas vinte e três anos, canadense,
único filho de um dos maiores assaltantes de bancos do mundo, que foi morto na
frente do grupo e fez com que todos os outros tomassem consciência do que
acontecia por detrás da fachada daquela base maldita e sanguinária.
Nós não sairíamos vivos de lá. Esse era o plano desde o começo. Mas os
planos as vezes falham e para a minha infelicidade eu sobrevivi.
— Vamos boneca, se levante daí e venha falar comigo. Mas agora que já
aprendeu a se comportar, faça tudo como eu ensinei para não ser mais
castigada.
A temperatura era fria, meu corpo tremia e meus dentes batiam uns nos
outros com força. Não conseguia falar, meus olhos ardiam e minhas pernas
estavam marcadas pela surra de cinta.
Eu me apoiei à cama e fiquei em pé. Passo a passo equilibrando o corpo
para não cair. Os olhos penetrantes do meu agressor brilhavam ao apreciar
minha nudez. Senti nojo. Queria gritar e matar aquele homem exatamente como
ele fez com o meu amigo.
Mas a única coisa que fiz foi me ajoelhar a sua frente, com as mãos para
trás e cabeça baixa. Ele esperou pacientemente até que minha voz finalmente
saiu.
— Estou aqui para servi-lo, Mestre.
Uma gargalhada sonora me assustou e duas mãos seguraram meus
cabelos com força.
— Boa menina. Aprendeu a oitava regra boneca e agora vamos aprender
a nona. — sem dificuldade seus braços me colocaram de pé, sua mão apertou
meus cabelos puxando-os num rabo de cavalo, seus olhos se fixaram nos meus e
por um momento me perdi no azul celestial intenso que surgia quando seu poder
era reverenciado — Sabe qual é a nona regra, Baby Doll?
James puxou meus cabelos forçando minha cabeça para trás. Fechei os
olhos sentindo sua língua no meu pescoço, deslizando até a orelha direita e a
outra mão descendo até o meio da minha bunda.
— Não, mestre, mas ficaria honrada se me ensinasse.
Mais uma gargalhada e logo em seguida uma mordida no queixo erguido
que deixou uma marca roxa na pele.
— Está ficando cada vez melhor nisso boneca, e para provar que você
pode ser recompensada quando obedece sem causar problemas, vou te dar o que
eu sei que você gosta.
Meu corpo estava fraco, ferido e dolorido. Não havia nenhuma condição
de fazer sexo, mas James não ligava, na verdade, ele gostava de me ver sofrer.
Implorar para não ser tocada contra minha vontade.
— Por favor, mestre, tenha compaixão e me deixe descansar mais um
pouco...
O tapa foi violento na face esquerda. O rosnado alto que saiu de sua
garganta me apavorou. Meu corpo foi arremessado na pequena cama e num
movimento rápido fui colocada de quatro.
— Nunca mais sugira que isso Baby Doll, porque o seu corpo me
pertence e a minha vontade impera aqui. Eu sou seu dono e vou fazer com você
o que quiser.
Não houve qualquer preparação, cuidado ou preocupação. James me
invadiu no ânus e o grito de dor pôde ser ouvido em todo o deserto de Mojave.
— NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!”

— Filha! — meu corpo sacudiu — Nichole acorda!


Mãos me seguravam com força enquanto eu me debatia e gritava
sentindo a dor profunda rasgando minha carne virgem.
— Enfermeira! Enfermeira! Alguém me ajude!
A voz conhecida gritava desesperada, mas eu só conseguia sentir a dor.
Profunda. Intensa. E ela era real. Muito real.
Ouvi a porta ser aberta. Vozes misturadas. Meu corpo sendo chacoalhado
de um lado para o outro. Meus gritos dificultavam o entendimento e eu já não
sabia mais onde estava. Senti uma picada no braço, as vozes foram se afastando
e o sono se aproximando cada vez mais.
Uma mão na minha testa; grande, quente, familiar. Um sussurro em meu
ouvido trazendo a calma. Palavras doces, amorosas. Se fosse um sonho eu não
queria acordar. Deixei que a escuridão me embalasse e levasse as feridas para
longe.
— Estou aqui meu amor, e não vou mais embora...
As últimas coisas que ouvi antes de apagar completamente, mas sabia
que quando acordasse a realidade estaria de volta e a dor viria com ela.
Não sabia quanto tempo havia se passado e quando tentei abrir os olhos a
voz atraente voltou a me acalmar.
— Está muito claro? — ele perguntou — Quer que feche as cortinas?
Levei a mão ao rosto para proteger a visão. Pisquei várias vezes até
conseguir focar o homem a minha frente com o corpo inclinado sobre a cama,
olhos apreensivos, testa franzida.
— Onde estou?
— Está na clínica. Não se lembra?
Pedro, clínica, base, resgate, Brasil. Sim, eu me lembrava infelizmente.
— Quanto tempo eu estou aqui?
— Há duas semanas. — Pedro segurou minha mãe e levou aos lábios
depositando um beijo suave sobre ela — Os últimos dias você ficou
praticamente dopada por causa das crises.
— O que aconteceu?
Tentei me sentar com dificuldade. Meu corpo estava mole e sem dor. Não
havia os sinais da violência, das surras ou dos abusos. Apenas uma agulha presa
ao meu braço conectava um tubo cheio de um líquido desconhecido.
— Tem certeza que está bem pra conversar?
— Claro que estou. — perguntei impaciente — Por que não estaria?
Pedro me analisou com seus olhos marrons especuladores. Sua mão não
soltou a minha quando tentei afastá-la.
— Tudo começou quando você teve a primeira conversa com o doutor
Daniel. Foi uma crise atrás a outra e a única coisa que te acalmava eram as
injeções de calmante.
— Uma semana inteira?
— No total seis dias. Amanhã completa uma semana.
Meu Deus! Eu não me lembrava de quase nada, apenas de sair correndo
do consultório do psicólogo com vontade de matar qualquer um que cruzasse o
meu caminho.
— Eu preciso sair daqui ou vou enlouquecer.
Apoiei as mãos no colchão, pronta para levantar. Pedro segurou meus
ombros com força e delicadeza me impedindo.
— Olha pra mim, por favor.
Eu não queria encará-lo.
Aquilo tudo era demais para mim. As lembranças, as crises constantes, os
calmantes, a perda de memória, a presença de James em meus sonhos, a
presença de Pedro na minha vida. Eu não queria nada daquilo, precisava sair,
fugir, desaparecer.
Se eu não voltasse para a casa dos meus pais e não recuperasse a minha
dignidade, certamente morreria.
— Nichole, por favor, olha pra mim.
O apelo me fez olhá-lo para me arrepender em seguida. Ele ainda era o
mesmo, apesar de tanta mudança. Seus dedos acariciavam minha pele com
cuidado como se estivesse com medo de ser afastado.
Eu queria afastá-lo.
— Tudo que aconteceu com você naquele lugar, acabou. Não existe mais
base ou qualquer coisa que esteja ligada a ela, mas as suas lembranças estão te
destruindo sem que perceba e por mais dolorosas que elas sejam, você só vai
conseguir ter uma vida normal novamente se fizer o tratamento da maneira
correta.
Eu não falei nada e me recusava a conversar com Pedro sobre o meu
futuro que ele não faria parte. O homem estava casado, tinha um filho pequeno e
ainda perdia tempo servindo de babá de uma mulher problemática.
— Não adianta me mandar embora, tentar me afastar ou falar que não me
ama. Eu não vou mais sair daqui e estou falando sério. Estou aqui porque eu
preciso que você melhore.
Fechei os olhos com força, controlando minha respiração. Eu precisava
de ajuda médica, sabia que viveria a base de remédios os próximos anos da
minha vida e nunca mais teria relacionamentos afetivos. Em apenas doze meses
todos os meus sonhos, expectativas e anseios foram arrancados de mim.
Grosseiramente.
Mas eu nunca admitiria que alguém estivesse comigo por pena, por culpa
ou remorso. Meus pais estariam ao meu lado e tão logo minha vida voltasse ao
normal, novos amigos iriam aparecer e pessoas diferentes preencheriam os
espaços que ficaram em branco quando a antiga Nichole se foi.
— Pedro, eu sei que você se sente culpado por tudo que aconteceu
comigo, mas saiba que eu não culpo você por nada. — abri os olhos e ao
contrário do que pensei, ele continuava segurando minha mão e olhando
fixamente para mim — Eu vou fazer o tratamento e prometo me cuidar. Agora
você pode ir embora e deixar que minha mãe entre para ficar comigo.
— Será que você ouviu o que eu disse?
— Sim eu ouvi, mas...
— Só me escuta e entenda. Eu não vou embora Hermione, e pode tirar da
sua cabeça essa ideia ridícula de que estou aqui porque me sinto culpado pelo
que aqueles filhos da puta fizeram. — ele bufou e se aproximou um pouco mais,
me deixando tensa com o calor do seu corpo tão perto do meu — A única coisa
que eu me arrependo amargamente foi de não ter feito o que eu realmente queria,
ao invés de ter feito o que achei que deveria fazer. — lentamente sua mão subiu
pelo meu braço, cotovelo até chegar ao ombro, arrepiando todos os pelos —
Tudo que eu quero é ficar perto de você, matar essa saudade louca que ta
acabando comigo e te ajudar a voltar a ser quem você era.
— Eu nunca mais vou ser como era Pedro! — Consegui me afastar e
fiquei em pé — A Nichole que você conheceu morreu naquela base. O que
sobrou dela não passa disso; apenas sobras daquela menina. É melhor você
voltar pra sua esposa, pro seu filho e pro seu trabalho, não tem nada que possa
fazer por mim.
— Eu não estou aqui só por você Nick, será que é tão difícil de entender?
Abracei meu próprio corpo, envergonhada por perceber que estava com a
camisola branca da clínica sem sutiã. Pedro viu, mas disfarçou e voltou a olhar
em meus olhos.
— Se não está por mim, está por quem então? — perguntei irônica
olhando para os lados realmente sem entender — Não tem mais nenhuma mulher
fodida por aqui Piuí, só a garotinha ingênua que você deixou pra trás, mas ela
não é a mesma pessoa de antes então, não adianta insistir nessa tecla porque não
vai rolar.
— Eu preciso que você melhore Nichole, porque EU preciso voltar a
viver e só vou conseguir se VOCÊ estiver comigo, entendeu? — Pedro deu a
volta na cama e parou a minha frente segurando meus braços, muito mais
próximo do que eu gostaria que ele estivesse. Seus olhos analisaram meu rosto e
focaram na minha boca, ele mordeu o lábio grosso e sua língua deslizou sobre
ele incendiando meu corpo trêmulo sob seu toque — Eu amo você, sempre amei
e minha vida está uma merda desde que... desde que eu tomei a decisão mais
errada de todas. Mas agora vou ter a chance de te provar que meu amor é muito
maior do que imagina, e eu posso ser o homem que você precisa.
— Você é um homem casado...
Pedro envolveu minha cintura e me puxou para ele. Seu corpo grande e
forte grudou no meu pequeno e frágil. Eu deveria afastá-lo, mas me sentia em
chamas, queimando de desejo por ele.
— Não sou casado minha Hermione, nunca fui. — sua boca encostou no
meu ouvido e sua voz rouca enviou ondas generosas de tesão desenfreado ao
meio das minhas pernas — Você foi a última que eu toquei menina. — gemi
quando ele esfregou sua ereção em mim — Não quero nenhuma outra, só você.
Um conflito diabólico entre certo e errado, dever e querer, parar ou
seguir, agir ou proteger. Meu cérebro mandou parar, mas meu corpo me obrigou
a seguir e aplacar aquele desejo voraz que encharcava meu centro carente de
atenção.
Relaxei os ombros e permiti que Pedro me beijasse. Foi como tocar o céu
com a ponta dos dedos e pegar impulso para flutuar entre as nuvens. Sua boca
faminta devorando a minha. Sua língua curiosa explorando cada cantinho que
conseguia alcançar me embebedando como uma viciada em se gosto.
Suas mãos fortes apertavam meu quadril e tudo que eu mais queria era
que ele me jogasse contra a parede e apagasse o fogo que me queimava como
fogueira de São João, mas Pedro tinha outros planos, menos atrativos e cheios de
pudores.
— A gente precisa chamar o doutor Daniel pra ver como você está,
Hermione.
Ele se afastou e eu o puxei de volta para perto de mim.
— Podemos fazer isso daqui a pouco. — beijei novamente seus lábios
fazendo-o sorrir — Primeiro termine o que começou...
— Calma Nick... — mais uma vez desgrudou nossas bocas — Primeiro a
sua saúde.
— Eu estou bem. Só preciso que me foda Pedro, agora!
Ele arregalou os olhos e por um segundo me arrependi de ter falado o que
queria. As coisas estavam diferentes e pelo seu olhar surpreso, o homem que
mantinha uma aparência de “bad boy”, descolado e indiferente, continuava com
o mesmo coração sensível de antes.
A diferença é que a menina ingênua que ele conheceu e lhe entregou sua
virgindade, não tinha mais nada de inocente e precisava suprir suas necessidades.
Pervertidas. Sombrias. Imorais.
Definitivamente Pedro precisava ficar bem longe de mim. Não havia
mais espaço na minha vida para ele, para as suas palavras doces, meigas e
sinceras. Para o sexo tranquilo, dormir de conchinha ou seus beijos contidos em
lugares públicos.
Eu queria mais. Precisava de mais. Gostava de mais.
— Me desculpe... eu...
— Não. — Pedro me cortou tentando se aproximar, mas eu me afastei
certa de que aquilo não iria se repetir — Por favor, Nick. Eu apenas estranhei a
maneira que você falou. Só isso.
Sorri debochada e apertei o botão vermelho que ficava acima da cama
para chamar uma enfermeira.
— Se você estranhou o que eu falei, nem quero saber o que vai acontecer
se souber o que eu pensei.
Ele ia responder quando a porta foi aberta e para minha surpresa, doutor
Daniel passou por ela. Seus olhos desviaram de mim para Pedro e depois, para
mim novamente.
— Como vai Nichole? Achei que te encontraria deitada. Não está
sonolenta?
— Eu só levantei para ir ao banheiro e quando voltei, apertei o botão. —
disfarcei evitando os olhos marrons do outro lado — Que bom que o senhor veio
até aqui, eu queria mesmo conversar.
— Prefere ir ao meu consultório?
— Sim. Só preciso tomar um banho primeiro.
Daniel verificou seu relógio de pulso.
— Podemos deixar agendado para as dez horas, o que acha?
— Tudo bem...
Ele voltou a encarar Pedro e fingi não notar a troca de olhares como se
conversassem silenciosamente.
— Ótimo. Vou ficar te esperando.
Daniel saiu fechando a porta.
— Eu preciso me arrumar, você pode ir embora agora.
Passei a mão pela cabeça ainda sem cabelo e caminhei até o pequeno
banheiro sem olhar para trás. Sozinha, me encarei no espelho e o reflexo não me
agradou.
Como pude pensar que um homem como ele iria querer me tocar?
Merda!
Tirei a camisola e entrei debaixo do chuveiro deixando que a água quente
levasse algumas lágrimas com ela.
Tentei me lembrar dos dias anteriores, mas a única coisa que vinha a
minha mente eram lembranças da base, de James e das noites que passei com
Pedro antes de ser jogada para escanteio. Nada mais.
Uma dor latente no peito. Mágoa. Muita mágoa por tudo que desejei e
não tive. Por todos os sonhos não realizados. Por todos os objetivos não
alcançados. Uma droga de vida vivida pela metade.
Estava na hora de encarar os fatos de frente, me render ao tratamento e
sucumbir aos remédios controlados. Nada daquilo era o que eu queria, mas não
havia outra saída para mim.
Ou cedia ou morreria. De desgosto. Sozinha.
Enrolei meu corpo na toalha e vesti o roupão branco da clínica. Quando
voltei para o quarto fui surpreendida por Pedro e minha mãe conversando
animadamente.
— Você ainda está aqui?
Perguntei irritada. Não sabia definir o que estava sentindo ao vê-lo tão a
vontade. Minha mãe sorriu a me ver e me envolveu num abraço afetuoso.
— Ele estava me fazendo companhia filha.
— Mãe, o Pedro não tem obrigação de ficar aqui comigo, ele tem a vida
dele pra cuidar.
— Bom, não foi isso que ele me disse quando me ameaçou. — ela sorriu
e beijou minha testa — Tenho certeza que o Pedro é bem grandinho pra saber o
que faz.
— Vocês sabem que eu estou bem aqui ouvindo tudo, não é? — a voz
rouca com um tom de humor reacendeu o fogo no meu corpo — Sua mãe só foi
embora porque eu falei que não deixaria você Nichole, e não estava brincando.
— A gente já conversou sobre isso Pedro, e eu já deixei claro que não
quero você aqui. Eu não preciso de babá.
A presença daquele homem me deixava instável emocionalmente e
despertava um lado selvagem que eu não queria que acordasse. Pedro não fazia
ideia das coisas que meu corpo sentia falta, aliás, nem eu mesma fazia.
Uma enxurrada de lembranças ia e vinha perturbando a minha mente,
tirando toda minha concentração. Pedro me amando, James me fodendo,
palavras carinhosas, agressões, juras de amor, xingamentos, toques sensuais,
tapas, surras, submissão.
— O que está acontecendo minha filha?
Ouvi a voz da minha mãe sem entender a pergunta. Abri os olhos e só
então percebi que estava encolhida no canto do quarto, abaixada com as mãos
nos ouvidos. Suada. Chorando como uma criança.
— Não sei... — balancei a cabeça tentando me lembrar de como fui parar
ali, mas não conseguia. As imagens confusas não permitiam que eu pensasse em
outra coisa senão, James e Pedro — Não sei! Não sei!
— Respira fundo, minha menina.
Ouvir a voz de Pedro tão calma e paciente deveria ter me acalmado, mas
apenas aumentou a sensação de fragilidade que eu odiava sentir ou demonstrar.
Fechei os olhos com força, trinquei os dentes ouvindo-os ranger e juntei todas as
minhas forças para recuperar o controle dos meus pensamentos.
Meu nome é Nichole Gomes Castro, tenho vinte e um anos, nasci no dia
cinco de maio de mil novecentos e noventa e sete, sou do signo de Touro. Minha
mãe se chama Isabella e meu pai se chama Guilherme. Moro na Barra da Tiluca,
no Rio de Janeiro. Sou uma mulher quebrada e preciso de ajuda para colar os
pedaços que sobraram.
— Calma minha Hermione, vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com você.
Senti meu corpo tenso, quente, aceso.
Respirei, inspirei várias vezes e recusei ajuda para ficar em pé. Eu
precisava me levantar sozinha, sem o apoio de ninguém. Aquela seria a minha
vida nos próximos anos; cair, levantar, curar e voltar a cair.
Um ciclo vicioso que duraria por muito tempo.
— Eu vou ficar bem...
— Você não precisa fazer isso sozinha Nichole.
Encarei Pedro e por um minuto desejei que nossos caminhos estivessem
nos levando para a mesma direção, mas infelizmente, eles apenas se cruzaram
em alguma bifurcação de nossas vidas.
Eu o amei, ainda o amava e talvez o amasse por muitos anos, mas o seu
lugar não era ali naquele quarto, cuidando de mim e se iludindo que quando eu
melhorasse, ele teria uma chance para se redimir da culpa que carregava por
minha causa.
Eu mudei, minha vida mudou, meus gostos mudaram e nunca mais
voltariam a ser os mesmos.
Estava na hora de encontrar o doutor Daniel e iniciar de vez o tratamento
que me libertaria do passado e abriria as portas para o futuro que eu desejasse.
— Não preciso, mas quero fazer sem a sua ajuda.
Pedro ficou observando cada gesto meu em silêncio. Abri a mochila que
minha mãe havia levado com algumas peças de roupa e peguei um vestido azul
simples. Depois de me trocar e calçar um par de rasteirinhas, deixei o quarto sem
falar nada.
A última porta do corredor estava destrancada e depois de bater três
vezes, virei a maçaneta e entrei. Daniel digitava alguma coisa em seu laptop,
muito concentrado.
— Sente-se Nichole, fique a vontade.
Olhei para as duas cadeiras do lado esquerdo da sala tentando me lembrar
o que tinha acontecido da última em que estive ali, mas a única coisa que veio a
minha cabeça foram imagens retorcidas de James e Pedro. De novo.
— Está se sentindo bem?
Daniel me perguntou se ajeitando em uma das cadeiras e apontando para
que eu me sentasse na outra, a sua frente. Fiz o que ele pediu.
— Não sei o que estou sentindo.
— Sente dor?
— Muita.
— Aonde dói?
— Em todos os lugares.
— Aonde dói mais.
— Aqui. — apontei para cabeça — E aqui... — coloquei a mão no meu
peito.
— Você se lembra de tudo que aconteceu nesses últimos dias?
— Não. Tenho muitas lembranças, mas é tudo muito confuso.
— Como são essas lembranças?
— É difícil falar sobre isso.
Reclamei e Daniel tirou os olhos do teclado e encarou os meus.
— Eu sei que é, mas pra te ajudar preciso que me fale tudo que está
passando pela sua cabeça, e você tem que ser sincera comigo. Falar tudo sem
mentir ou omitir qualquer coisa que seja. Às vezes a chave para a cura está
escondida nos detalhes que foram guardados a sete chaves em um
compartimento secreto da mente.
— Porque guardamos esse tipo de coisa?
— Por vergonha, medo, insegurança. Existem vários motivos pra gente
querer esconder o que temos de pior.
— O que eu quero esconder não é meu, quer dizer, eu não era desse jeito.
— Nem sempre nos tornamos pessoas piores, ou começamos a gostar de
determinada coisa porque passamos por algum acontecimento traumático
Nichole. — Daniel fechou o notebook e o colocou em cima da mesa — Muitas
vezes, armazenamos o nosso outro lado, para evitarmos o julgamento de quem
amamos, mas isso não quer dizer que ele nunca esteve lá.
— O que o senhor quer me dizer com isso?
Daniel apoiou os cotovelos nas pernas e cruzou as mãos me olhando nos
olhos.
— O que eu quero dizer é que precisamos descobrir se tudo que você
passou naquele lugar te deixou assim, como está se sentindo agora, ou, apenas
despertou o seu outro lado e de alguma forma, te fez bem.
— Tudo que eles fizeram comigo não me fez bem Daniel!
Rosnei, mas ele não se mexeu.
— Isso é o que nós vamos ver a partir de agora Nichole. Está pronta?
Eu queria sair correndo e só parar quando estivesse na fronteira do país.
Queria gritar que não estava e que talvez nunca estivesse. Queria chorar e pedir
colo para minha mãe. Queria esquecer tudo e deixar que Pedro me levasse para
cama e me amasse como amou um dia.
Mas eu não podia.
— Claro. Podemos começar...
Diante do doutor Daniel, naquela manhã completamente estranha, eu dei
início a pior luta que um ser humano pudesse travar.
A luta comigo mesma, e eu soube desde a primeira pergunta feita, que ao
final daquele embate não haveria uma vencedora, apenas uma mulher consciente
de todos os seus defeitos.
Nada mais.
CAPÍTULO 17

PIUÍ

— Eu já esperava por isso Pedro.


Eu estava nervoso, irritado e não gostei daquela resposta de Daniel
Rebouças, o psicólogo que acompanhava Nichole no seu tratamento.
— Não posso acreditar nisso... — bufei andando de um lado para o outro
no consultório dele, que ficava dentro da Clínica particular onde minha menina
tinha sido internada quando chegou da maldita base. — E nem adianta você
tentar me convencer que esse tipo de atitude é normal, porque não vai conseguir.
— Pedro, por favor, sente-se e me escute.
Não conseguia controlar meus nervos, mas o tom de repreensão na voz
de Daniel fez com que eu acatasse seu pedido e voltei a sentar de frente para ele,
que me encarava como se fosse um pai prestes a dar uma bronca no filho
baderneiro.
— Nichole é minha paciente e eu não deveria entrar em detalhes com
você sobre as consultas, mas entendo a sua preocupação, e por isso vou tentar
explicar como faço para que pessoas com os mesmos problemas dela recuperem
parte do que perderam quando sofreram traumas profundos.
— Estou ansioso para ouvir.
Falei com ironia. Daniel me ignorou e se ajeitou na cadeira.
— Noventa e cinco por cento das pessoas que sofrem abusos sexuais são
mulheres. Algumas experimentam essa dor ainda criança e é na fase da
adolescência que desencadeiam diversas doenças devido aos traumas. Estresse,
depressão, síndrome do pânico, ansiedade e muitas outras que podem levar ao
suicídio. A situação de Nichole foi um pouco diferente, mas não muito melhor,
devido a inexperiência dela. Antes de viver tudo o que viveu, ela teve apenas um
homem com quem havia feito sexo.
Daniel deixou claro que sabia sobre o que havia acontecido entre nós
antes de ela ter viajado para os Estados Unidos, e a culpa me atingiu novamente,
como um cruzado de direita bem no meio do queixo.
Eu fui o primeiro homem da vida da minha Hermione, e se precisasse
confessar qualquer grau de arrependimento, não poderia, pois não havia nada
que pudesse ser feito para que eu me arrependesse.
Muito pelo contrário, saber que Nichole entregou a mim sua virgindade,
era uma das poucas lembranças que serviram para me manter de pé durante todo
o tempo em que fiquei afastado dela, sem poder vê-la ou tocá-la.
Minhas melhores lembranças estavam ligadas a ela, e a tudo que
compartilhamos, durante os poucos dias que vivemos o nosso amor da maneira
mais intensa que um casal pode sonhar viver.
— Nichole não tinha noção do quanto o sexo pode ser feito de formas tão
diferentes. Ela desconhecia as infinitas faces do prazer, e de como é possível
encontrar na dor, própria ou do parceiro, uma maneira de se satisfazer
sexualmente.
Eu me lembrei de como ela pediu espontaneamente para que eu a
fodesse, logo nos primeiros dias, quando nos beijamos pela primeira vez depois
que ela voltou ao Brasil. E da noite anterior, na boate em que eu a encontrei, no
modo como me olhou enlouquecida de tesão dentro do quarto que estava, pronta
para ser devorada por um homem vestido com um terno preto, segurando um
objeto de tortura nas mãos.
— O que eu quero dizer é que, para ela é muito difícil aceitar tudo o que
foi despertado em seu corpo quando foi violentada, e mais ainda, o que
descobriu com o que aconteceu.
— Eu já entendi isso Daniel, a Isabella me contou tudo que você falou
pra ela, sobre a coisa da aceitação e como seria o seu método de trabalho com a
Nichole, mas não dá pra entender por que ela agiu daquela forma ontem.
Simplesmente não dá.
O médico estava em uma situação complicada e eu sabia que a culpa era
minha por pressioná-lo daquela forma. Mas ele tinha que me explicar àquela
merda ou eu iria enlouquecer e, pior ainda, seria capaz de trancar a Hermione
dentro de casa e não permitiria que ela saísse de lá. Nunca mais.
— Há dois meses quando Nichole iniciou o tratamento como orientei,
nós entramos em um acordo; ela faria exatamente tudo que eu pedisse para fazer,
e em troca, eu deixaria que ela voltasse para casa quando achasse que estivesse
preparada.
— Você tem noção que faz apenas dois meses que esse tratamento
começou? Dois meses porra!
— Se controle Pedro, você não está aqui a trabalho, por favor, maneire o
seu vocabulário ou vou me limitar a falar apenas o que tenho autorização.
O que mais eu poderia fazer além de concordar? Nada. Se ele não me
explicasse aquela porra toda, certamente seria muito pior para mim. Eu iria
enlouquecer, ou chegaria bem perto disso, e quem iria precisar de um psicólogo
seria eu.
— Tudo bem, me desculpe. — falei contrariado, e mais uma vez, Daniel
me ignorou — Vou tentar controlar minha raiva, meu medo, meu ciúme e
principalmente a minha boca.
— Ótimo. O que você precisa entender é que muitas pessoas quando
sofrem abusos, mesmo contra a própria vontade sentem prazer em algumas
situações, e isso é muito mais comum do que possa imaginar. Não é uma reação
ligada a qualquer sentimento, e sim, ao estímulo corporal. Não posso generalizar,
mas posso afirmar que essa recorrência é muito maior entre as mulheres que são
abusadas pelo mesmo homem durante muito tempo, diferente do das mulheres
que são estupradas uma única vez por um desconhecido. — eu me sentia
anestesiado ao ouvir a explicação do médico — O corpo humano é capaz de
assumir inúmeras formas para se defender quando se vê em situação de perigo, e
em um caso extremo de abuso, muitas mulheres conseguem desligar a mente
para que o sofrimento seja ilusoriamente menor. É uma fuga momentânea, que
serve para abafar a voz da consciência, insistente e acusatória, que julga a vítima
como fraca, incapaz, impotente e submissa. Pacientes que sofreram abuso sexual
podem ser despertadas para um lado escuro do subconsciente e se vêem ligadas a
esse tipo de relação mais, como posso dizer... violenta e imoral.
— Quer me dizer que depois do que Nichole sofreu nas mãos daqueles
homens, agora é esse tipo de sexo que ela está procurando?
— Da maneira que está colocando deixa a impressão de que ela gostou
do que viveu e isso não é verdade, mas sim, é isso que acontece. — Daniel se
ajeitou na cadeira e apoiou os cotovelos sobre a mesa me encarando nos olhos.
— Estou trabalhando isso com a Nichole e entendo que nessa fase inicial do
tratamento, ela queira buscar algo parecido com o que teve para satisfazer sua
libido, e foi por esse motivo que ontem você a encontrou naquela boate.
— Está estimulando esse desejo nela?
Perguntei mais irritado do que gostaria, mas não estava fácil de aceitar
sua teoria.
— Não Pedro, não há estímulo, apenas levamos a paciente a reconhecer
seus pontos fracos e vulneráveis. Nós chamamos de “sombra”, e é considerado o
outro lado, um que todos nós temos e não admitimos fazer parte de quem somos,
e não faz mesmo, mas ao mesmo tempo, faz. — franzi a testa e Daniel deu um
pequeno sorriso que não chegou aos olhos, mas ajudou a quebrar a tensão entre
nós. — Pense em todos os defeitos que você tem, sabe que tem, mas se recusa a
admitir em voz alta que tem; aqueles dos quais se envergonha de ter e faz tudo
que pode para esconder, impedindo que as pessoas que você ama e convive
enxerguem, pois são imorais, obscuros e pervertidos. São considerados sombrios
e andam na contramão do que a sociedade chama de correto, ético e moral. Se a
pessoa tiver consciência e aceitar que esses desejos estão vivos dentro dela, fica
muito fácil combatê-los e controlá-los, mas para quem os ignora, pode significar
muitos problemas quando eles se rebelam.
— Quais são as vantagens para Nichole admitir que precisa de uma
relação sexual como essa que ela está procurando?
Puta que pariu! Se a minha Hermione começar a sair à noite para
frequentar lugares como a boate que ela foi ontem, terei que agir como um louco
obsessivo para impedir que faça alguma loucura.
— Não é uma questão de ser vantajoso ou não Pedro, mas a Nichole está
travando uma batalha com ela mesma por uma questão de ética e princípios
nesse momento. Tudo que ela viveu naquela base despertou no corpo dela o
interesse pelo sexo mais bruto, pesado, violento, e se as dúvidas que estão
minando a auto-estima e a segurança dela não forem esclarecidas
definitivamente, ela nunca deixará o passado para trás. Infelizmente a Nichole
vai precisar encarar sozinha, o que tanto a incomoda, e a forma como vai fazer
isso, cabe somente a ela decidir.
— Daniel, a boate que a Nick foi ontem é uma das mais conhecidas do
Rio de Janeiro por oferecer serviços de todos os tipos, tanto para os homens
como para as mulheres. É insano o que fazem lá dentro, e de jeito nenhum vou
permitir que a mulher que eu amo, saia a procura de homens para fazer com ela
o que James e os outros desgraçados fizeram na base. — neguei com a cabeça
passando as mãos pelo cabelo raspado — Eu não vou deixar que ninguém
encoste um dedo nela, nunca!
— Não sei se vai conseguir impedir a Nichole de buscar o que ela acha
que precisa Pedro, e não posso garantir que seja a coisa mais coerente a fazer,
agora que a percepção corporal dela ficou em evidência. A experiência que
Nichole está procurando pode ser frustrante, e como consequência, encurtar o
caminho de volta, trazendo-a mais rápido. Mas isso só vai acontecer se ela
provar e comprovar, que o experimento não é o que realmente gosta e a satisfaz.
— Não vou arriscar Daniel! De jeito nenhum!
Só de imaginar minha menina naquele lugar com outro homem
amarrando seu corpo, fazendo tudo que quer com ela e ainda com o seu
consentimento, me deixava nauseado. Não havia nenhuma possibilidade de que
eu fosse compactuar com aquela porra e já sabia o que tinha que fazer para
impedi-la de procurar aquela merda.
— Ouça Pedro, essa conversa está indo muito mais longe do que deveria,
e só aceitei falar com você sobre uma paciente porque a mãe dela, a Isabella, me
garantiu que a Nichole ainda é completamente apaixonada você, mas se recusa a
admitir. Ela continua sabotando o que sente, por não acreditar que é
correspondida e ter medo de que aconteça novamente, o que já aconteceu uma
vez. — Daniel Rebouças voltou a se encostar na cadeira com o corpo relaxado
— Eu sugiro que fique de olho para que a Nichole não se machuque, mas não
deve interferir ou impedir que ela faça o que tem vontade.
— Não... não posso deixar. Não quero nem pensar nisso e vou convencê-
la de que não precisa daquela merda.
Fiquei em pé, ajeitei minha arma no coldre e coloquei meu celular no
bolso traseiro da calça. Tinha um trabalho a fazer e não poderia perder mais
tempo no consultório médico. Se a minha Hermione estava disposta a procurar
sexo pesado, eu sabia o que precisava ser feito e faria. De qualquer jeito.
— Pedro, por favor, eu sei que é difícil pra você aceitar as escolhas da
Nichole, mas precisa fazer isso se quiser que ela volte a viver como uma mulher
normal, apesar de todos os traumas.
Segui em direção a porta e segurei a maçaneta com a mão trêmula. Parei
antes de abri-la e olhei por cima do ombro sentindo a tensão nos olhos do
médico.
— Eu não vou interferir em nada Daniel, não se preocupe. Mas se a
Nichole quiser alguém que faça o que James e os outros fizeram, vou levá-la ao
único lugar que confio para que ela encontre isso.
— Que lugar é esse Pedro?
Eu queria responder que o único lugar do mundo para Nichole satisfazer
todas as suas taras sexuais era a minha cama, mas decidi manter aquela
informação em segredo absoluto.
O psicólogo não deveria saber sobre meus planos, que dançavam no
ritmo do tango na minha mente. Apenas a minha menina precisaria entender que
eu era o único capaz de lhe dar tudo que desejasse.
Nem que para isso eu precisasse fazer um curso especializado em
sadomasoquismo ou qualquer porra daquele tipo. Se alguém tivesse que foder a
Nichole como uma vadia e bater naquele traseiro delicioso com um chicote, que
fosse eu. Mais ninguém.
— Um lugar que ela conhece bem e com certeza tem se esforçado muito
para se lembrar onde fica, mas eu vou dar um jeito de refrescar a memória dela,
o mais rápido possível.
Saí batendo a porta atrás de mim e dirigi apressadamente para a casa de
Guilherme. Estacionei a tempo de ver o carro de Nichole saindo da garagem e o
segui sem deixar que ela percebesse.
Como havia imaginado, minha menina parou em uma casa noturna que
ficava em um bairro nobre do Rio e depois de esperar alguns minutos dentro do
carro ela desceu vestida para deixar qualquer homem louco.
Nichole atravessou a porta de entrada andando com calma e confiança,
equilibrada em sapatos de salto alto que deixavam suas pernas longas e
torneadas ainda mais atraentes.
Paguei pelo convite e entrei logo atrás dela, mantendo uma distância
segura. Observei seu jeito e poderia jurar que minha menina não estava a
vontade como gostaria de aparentar. Sentou-se no balcão e bebeu de uma só vez
o líquido amarelado que enchia o copo servido pelo garçom.
No segundo andar ficavam os quartos disponíveis para atividades
sexuais, pagas pelos clientes. Nichole parecia em dúvida se subia ou não, mas
quando uma mulher loira vestida de preto se aproximou e falou alguma coisa em
seu ouvido, ela assentiu e a seguiu pelas escadas em forma de caracol.
Fiz o mesmo percurso e vi a poucos metros de distância, quando minha
menina entrou em um quarto e ficou com a chave que a loira lhe ofereceu.
Alguns minutos depois, um homem vestindo apenas uma calça de couro se
aproximou da porta e fez menção de abri-la, mas eu o impedi antes que entrasse.
— O que você vai fazer nesse quarto?
O cara me mediu dos pés a cabeça, fez uma cara de desgosto e cruzando
os braços a frente do corpo tentando me impressionar com seu porte físico, bem
menor que o meu.
— Tem uma gostosa me esperando, mas ninguém me falou que seria um
trio. — fez uma careta de nojo e completou — Eu já deixei claro que não curto
comer homem.
Porra! Eu queria rir da cara dele e dizer que ele não era único, mas
resolvi aproveitar que o corredor estava vazio para lhe propor uma oferta
irresistível.
— É o seguinte meu camarada, tu não vai comer ninguém nesse quarto,
mas pra não te deixar no prejuízo eu vou te pagar o valor integral pela noite e
como forma de agradecimento pelo meu gesto, tu vai dar meia volta e deixar
essa parada comigo.
Abri a carteira e dei todo o dinheiro que tinha dentro dela. Com certeza
cobriria todos os horários do merdinha fodedor, mas eu estava pouco me
fodendo para o dinheiro. Eu só queria que ele saísse fora e me deixasse a sós
com a mulher que estava atrás daquela porta.
— Isso pode me deixar em apuros aqui, brother...
Ele falou contando o dinheiro, nitidamente interessado em me ajudar.
— Relaxa e fica de boa. Se alguém te perguntar, fala que o marido da
cliente apareceu e ameaçou atirar no teu pau com a arma que ele tinha na cintura.
Levantei a camisa o suficiente para que pudesse ver meu brinquedinho
que estava junto com a identificação da Federal que Mateus tinha conseguido
para mim.
— Porra! Por que não me disse logo que tu era policial?
— Porque ninguém precisa saber disso. Agora eu quero que tu me
esclareça uma coisa. — o homem que ainda me olhava com os olhos quase
saltando para fora franziu a testa esperando a minha pergunta. Eu realmente não
queria, mas precisava saber — O que a cliente pediu quando te contratou para
passar a noite com ela?
Vi certa diversão na cara do paspalho, mas repeti seu gesto cruzando os
braços e ergui uma sobrancelha para intimidá-lo, e funcionou como sempre
acontecia.
Somente quando ouvi da boca do Mané tudo que Nichole tinha solicitado
quando contratou os serviços de um “profissional”, foi que entendi o psicólogo e
todas as merdas que ele falou no consultório.
— Ela alugou o quarto pela noite toda, então eu teria que ficar até as
quatro da manhã que é o horário de fechamento da casa. — guardou o dinheiro
no bolso da calça e continuou falando — Os serviços são os de sempre brother,
agir como Dom, usar os chicotes, cintos, plugs, foder com força em todos os
buracos e não criar laços afetivos com a cliente.
Caralho!
Puta merda!
Que porra era aquela?
— O que é um Dom?
— Tá precisando ver Cinquenta Tons de Cinza, brother! — ele riu
sozinho, porque eu não achei a menor graça da piada idiota — Dom significa
Dominador, o homem que escolhe a mulher que ele quer e faz dela sua
Submissa. Dom e Sub, dois nomes usados no BDSM, que indica um grupo de
padrões de comportamento sexual humano.
As coisas estavam ficando complicadas para o meu lado. Muita
informação em pouco tempo.
— Beleza, o que você costuma fazer com as mulheres que te contratam e
pedem essa porra toda?
— Cara, a maioria quer experimentar coisas novas, mas algumas são
experientes e sentem prazer quando são submetidas a violência. Mas se você não
tem experiência é melhor fazer o básico mesmo.
— Que porra de básico é esse?
— Fode a mulher com força, puxa pelos cabelos, dá uns tapas na cara,
trata ela como se fosse uma puta e nada de beijinho apaixonado. — ele
cochichava como se me contasse um segredo — Você manda, ela obedece e se
tiver que chupar teu pau de joelhos a noite toda, vai chupar, senão leva umas
chicotadas na boceta e fica sem gozar, só pra aprender a obedecer. Sacou?
— Saquei.
Porra! Do jeito que o cara falou até fiquei excitado e se era aquilo que
Nichole queria, era exatamente aquilo que ela iria ter.
— Agora vai lá brother, que se você demorar ela pode ligar pra gerente
reclamando do horário e quem vai se dar mal, sou eu.
— Beleza. Sai fora e fica de bico fechado, não fala disso pra ninguém e
sempre que essa mulher te contratar, ou qualquer homem desse lugar tu me liga.
— obriguei o garanhão a gravar o número do meu telefone e ameacei o infeliz
— Se eu souber que algum otário encostou um dedo nela, vai se ver comigo. —
Mostrei a arma escondida deixando o manezão com os olhos arregalados. Devia
ter se borrado todo. Cuzão.
Ele virou as costas e sumiu pelo corredor, ouvi vozes na escada e abri a
porta do quarto para que ninguém me visse parado ao lado de fora.
O ambiente era escuro, apenas uma lâmpada amarela iluminava um
pequeno palco no canto esquerdo. No centro uma cama redonda coberta por uma
colcha de cetim vermelho, girava lentamente sob um espelho posicionado bem
acima dela, do mesmo tamanho e circunferência.
Na parede havia uma quantidade exagerada de objetos variados.
Chicotes, cordas, algemas, vendas e vários apetrechos pequenos que eu não
conhecia.
Do lado direito uma porta que estava fechada e ao lado dela, encostada a
parede uma poltrona preta, grande e reclinável. Uma música instrumental tocava
ao fundo, baixinho.
Nichole não estava no quarto, mas pelo barulho da água deduzi que
estivesse no banheiro, com a porta fechada. Caminhei até a bancada onde
estavam os inúmeros acessórios e decidi surpreender minha menina.
Eu seria o seu dominador, o homem que a trataria como uma vadia, a
foderia em vez de amá-la, daria vários tapas naquela bunda gostosa e a comeria
com força até que não aguentasse andar.
Mas não deixaria que ela se esquecesse quem era o homem por detrás do
personagem. Nichole teria o que procurava, e eu iria provar que poderia lhe dar
os dois mundos.
Se criar uma nova versão de Pedro fosse necessário para que ela
entendesse que o meu amor por ela era verdadeiro, por mim, tudo bem. Eu
estava disposto a descobrir e aprender tudo sobre aquele tipo de relacionamento
apenas para que minha menina se sentisse satisfeita. Completa.
Embora me doesse na alma saber que de alguma forma aqueles
desgraçados deixaram sua mente marcada por tamanha violência, eu marcaria a
alma dela com o meu amor e faria com o seu corpo tudo que quisesse, mesmo
que aquilo acabasse comigo.
Tirei a calça e a camisa, sapato e meias. Fiquei apenas de cueca. Olhei o
celular pela última vez conferindo que havia mais de dez chamadas de Julia,
além de inúmeras mensagens ignoradas dos últimos dias.
Soltei o ar preso nos pulmões imaginando o que minha futura ex-mulher
que ainda tentava uma reconciliação, pudesse fazer para cumprir a ameaça de
tirar o meu direito de ver Pedrinho, alegando que eu não era seu pai legítimo.
Aquele problema ainda iria me render muita dor de cabeça por um bom
tempo, mas não era a hora de pensar em Julia, Pedrinho ou qualquer outra coisa.
Apenas Nichole teria a minha atenção naquela noite, que estava apenas
começando, e era única e exclusivamente por ela que eu estava ali, naquele
quarto de puteiro chique, pronto para fazer coisas que eu nunca imaginei que um
dia fosse capaz de fazer com uma mulher.
Hermione não tinha ideia do quanto eu a amava e do quanto me
machucava pensar em machucá-la, quando eu só queria amá-la e adorá-la.
Contradições da vida e do amor.
Coisas que somente um homem apaixonado seria capaz de fazer pela
mulher da sua vida.
Peguei uma máscara preta e coloquei em cima da cama junto com as
algemas pretas e uma corda grossa. Imaginei minha menina vendada e amarrada
a cama, nua, toda aberta, completamente exposta ao meu inteiro dispor, e meu
pau endureceu na mesma hora.
Porra!
Que tesão do caralho imaginá-la daquele jeito.
Talvez Daniel Rebouças estivesse com a razão quando falou sobre a tal
“sombra”.
Talvez todos nós realmente tivéssemos um lado sombrio desesperado
para se libertar, se mostrar e que, mais cedo ou mais tarde, assim que tivesse uma
chance, se manifestaria e traria a tona todos os nossos defeitos sombrios e
anseios devassos, além dos mais lascivos desejos que sentíamos, cobiçando algo
proibido, pornográfico e imoral.
Mas que mantínhamos enclausurados no subconsciente.
Reprimidos
Trancados.
Escondidos com exímio cuidado de todos, para que não tivessem o poder
de nos destruir perante uma sociedade falsamente ética e pudica.
Ajustei a iluminação do quarto para que somente as luzes do espelho do
teto ficassem acesas sobre a cama, deixando o restante do quarto completamente
na escuridão.
Aumentei um pouco o volume da música para que Nichole percebesse
que não estava mais sozinha, e me sentei na poltrona preta para esperá-la.
Ansioso.
Excitado.
Coração acelerado. Sangue fervendo irrigando meu pau duro feito
concreto. A silhueta delicada apareceu na porta como uma fada feiticeira, pronta
para me nocautear com apenas um olhar.
De onde estava podia enxergá-la com perfeição, ao contrário dela, que se
esforçava para ver através da penumbra.
Nichole deu o primeiro passo na minha direção.
— Vá para a cama!
Minha voz grave a assustou, mas ela parou no lugar e sem questionar
obedeceu a ordem prontamente. Seu corpo enrolado na toalha branca havia
ganhado peso e seu cabelo, ainda raspado, crescia lentamente.
Os ferimentos não estavam mais visíveis e sua pele gradativamente
voltava a cor original, sem cortes, sem manchas. Ela esperava a próxima ordem
de pé, ao lado da cama. Abaixei a cueca e segurando meu pau com a mão direita,
passei a me masturbar.
— Fique nua. Quero ver seu corpo.
O peito de Nichole subia e descia rapidamente. Eu não sabia se ela tinha
reconhecido a minha voz, mas no fundo do coração desejava que sim. Queria
que minha menina soubesse quem era o homem que estava ali, e ainda assim,
decidiu ficar
Estava preparado para correr atrás dela, caso tentasse fugir e procurar
outro homem para lhe dar o que procurava.
Suas mãos puxaram as pontas do tecido felpudo branco largando-o no
chão sobre seus pés. Seu corpo magro, bem definido e com as curvas perfeitas
fez com que meu pau aumentasse entre meus dedos. Latejando de tesão.
Depois de tanto tempo sem transar, eu gozaria apenas de olhar para
aquela mulher linda que me enlouquecia de saudade.
— Coloque a venda nos olhos e deite na cama com as pernas abertas.
Nichole hesitou por alguns segundos fazendo meu coração parar de bater,
mas graças as minhas orações, inclinou o tronco empinando a bunda e se esticou
toda para pegar o pequeno pedaço de pano e o colocou em cima dos olhos.
Ela tateou o colchão e como uma gata no cio, se arrastou até ficar deitada
com a barriga para cima e arreganhou as pernas me dando o vislumbre da boceta
rosada na minha direção.
Caralho!
Eu estava perdido, alucinado, completamente ensandecido e com um pau
duro, louco para gozar. Nichole queria ser dominada, fodida, tratada como uma
cadela e como se a minha sombra saísse da escuridão, todos os meus sonhos
mais pervertidos despertaram das profundezas do meu inferno pessoal, exibindo
o dominador que ela tanto desejava.
Eu me levantei e caminhei até a beirada da cama parando de frente para a
sua boceta escancarada. Lentamente, me aproximei e peguei as algemas.
— Estique os braços para cima.
Ela obedeceu com a boca entre aberta. Prendi seus pulsos na cabeceira de
ferro e dei a volta na cama para pegar a corda.
— Abra mais as pernas putinha.
Rouco de tesão.
Meu pau duro como nunca havia ficado.
Nichole presa a uma cama excitada e louca para ser fodida.
A sorte realmente estava do meu lado. Ainda me masturbando cheguei
bem perto do rosto da minha menina e me ajoelhei ao lado da sua cabeça. Ela se
assustou quando o colchão afundou com meu peso tão próximo.
Segurei meu pau com a mão direita e com a esquerda toquei seu queixo.
— Abre essa boca vadia, engole meu pau e se prepara, porque a nossa
brincadeira ta só começando.
Nichole lambeu os lábios e antes que eu precisasse repetir a ordem, sua
boca sugou minha rola e tive a certeza, mais do que absoluta, de que nenhum de
nós sairia daquele quarto do mesmo jeito que entrou.
Eu esperava que a mudança fosse para melhor, mas em breve iria
descobrir que nem sempre as coisas saem como planejamos, e o tiro embora
certeiro, podia sim, ter saído pela culatra.
CAPÍTULO 18
NICHOLE

Eu sabia que era ele quando ouvi sua voz rouca ao voltar para o quarto.
Meu primeiro impulso foi sair correndo e me esconder no primeiro buraco que
encontrasse. Mas de repente a ideia de deixar que Pedro visse que tipo de mulher
eu havia me tornado, me pareceu mais atraente.
A decepção seria grande e fatalmente, ele se afastaria de mim. Nenhum
homem que tivesse experimentado uma menina inocente, ingênua e virgem,
conseguiria compreender, ou até mesmo aceitar a mudança radical que
aconteceu, aos olhos de qualquer leigo, em tão pouco tempo.
Considerando que esse homem alegava que ainda continuava apaixonado
pela menina jovem, cheia de planos, sorridente, e amante da vida, o choque de
realidade poderia ser ainda mais cruel. Pedro não aceitava que devia se afastar de
mim para sempre, e se ele precisava de um empurrãozinho, aquela era a minha
chance e mandá-lo para bem longe.
Eu não queria aquele homem perto de mim.
Eu não queria aquele homem na minha vida.
Quando o colchão afundou e senti seu cheiro tão perto, sabia que tinha se
ajoelhado ao meu lado. Farejei como um predador seu pau duro, grande e grosso,
próximo a minha boca. Aguardei até que ouvi sua voz rouca, grossa e excitada,
ordenando de forma tão máscula e sexy para que eu o chupasse.
O efeito ao imaginá-lo um Mestre, foi similar ao de levar um tapa na
cara. Forte. Muito forte.
— Abre essa boca vadia, engole meu pau e se prepara porque a nossa
brincadeira ta só começando.
Em vez de abrir a boca, gritar bem alto, mandar Pedro ir se foder e parar
de tentar ser o tipo de homem que ele não era e com certeza nunca seria, eu abri
a boca, mas para engolir seu pau delicioso que parecia bem maior do que eu me
lembrava.
Eu gemi. Ele gemeu.
Pedro afastou mais as pernas e segurando minha nuca com força, moveu
o quadril com cuidado para não me sufocar. Ele era maior que James, mas não
me machucava. Ia e vinha devagar prolongando seu prazer, preenchendo e
esvaziando minha boca com seu tamanho avantajado.
Eu não queria, mas foi impossível não imaginá-lo me pegando de jeito e
metendo com força de várias formas. Involuntariamente meus joelhos se abriram
ainda mais e só não encostaram no colchão, porque a corda presa aos tornozelos
limitou os movimentos.
— Gosta de chupar putinha?
Apertei os olhos escondidos pela máscara, absorvendo o gosto do líquido
que saia da cabeça robusta a cada investida mais forte. Sua mão livre apertou
meu mamilo direito com força enquanto a outra mantinha minha cabeça parada
para que ele determinasse o ritmo mais e mais acelerado, quase me fazendo
engasgar.
Lágrimas deixaram meus olhos.
Seus dedos beliscaram meu bico enrijecido antes de dar um tapa estalado
na direção oposta, de cima para baixo, me assustando não apenas por causa do
barulho alto, mas pela surpresa do seu ato inesperado.
Pedro estava me surpreendendo e eu não sabia se reconhecer aquele fato
deveria ser uma coisa boa, ou ruim. Talvez um pouco dos dois, mas meu cérebro
doente só pensava em apagar o fogo que consumia meu corpo há dias, e
precisava aplacá-lo antes que fosse tarde demais e nem os remédios pudessem
me ajudar.
— Eu fiz uma pergunta porra! Gosta de chupar um pau, putinha?
Responda!
Lágrimas deixaram meus olhos quando ele forçou o pau na minha
garganta e retirou esperando que eu respondesse. Exatamente como James, meu
mestre, fazia quando iniciava um interrogatório.
— Sim...
— Sim, o que?
Demorei a responder. Raciocínio lento. Medo. Tensão. Tesão. Agonia.
Desespero. Desejo.
A voz era de Pedro, mas as imagens na minha cabeça eram de James. Eu
estava confusa e incerta sobre a forma de agir. Se fosse Pedro, ele não me
machucaria, mas se James estivesse jogando e fingindo ser o único homem que
amei, eu não sairia daquele quarto viva.
Suor escorreu pela minha testa, minha boca secou, minha respiração
acelerou. Senti um toque familiar retirando a venda dos meus olhos, e pisquei
várias vezes até reconhecer o homem que estava comigo. Mais lindo do que
nunca, mais forte, mais musculoso.
Agradeci mentalmente com todas as minhas forças por ser ele, e não o
outro. Minha mente desajustada não conseguia se desprender do passado e talvez
nunca conseguisse seguir em frente como Daniel prometeu.
Minha vida seria eternamente baseada em fatos passados, que se
repetiriam no presente, mas sem qualquer menção ao futuro. Nunca mais haveria
o amanhã, o depois, o além. Apenas quem eu fui, o que fiz e o que me tornei. Só.
Pedro inclinou o corpo sobre o meu. Seus olhos brilhavam luxuriosos
vasculhando os meus. Atentos. Havia dúvida e medo quando ele percebeu minha
reação descabida e fora do contexto, mas o desejo se sobressaía e me garantia
que a noite seria inesquecível.
Para ele. Para mim. Para nós.
— Sim, mestre.
Pedro não sorriu ou elogiou a obediência. Segurou a base do seu pau e
ordenou:
— Abra a boca e me chupe até eu mandar parar.
Tentei sorrir para não mostrar o quanto estava afetada e voltei a
abocanhar seu mastro duro como pedra. Fechei os olhos imaginando como seria
tê-lo dentro de mim novamente.
Pedro soltou minha nuca e levou sua mão ao local do meu corpo que
mais clamava e suplicava por ele. Por sua atenção,
Escorregou facilmente seu dedo médio entre os grandes lábios, e o
afundou dentro de mim. Mordi meu lábio inferior ao sentir o toque providencial
no ponto sensível que instigava o prazer indecente.
Contive o grito furioso na garganta para não irritá-lo com o meu
desespero. Não sabia por quanto tempo mais aguentaria esperar até que ele me
comesse com força e desrespeito.
— Toda melada e prontinha pra foder.
Seu dedo saía e entrava com facilidade da minha boceta e suas estocadas
ficavam mais vorazes. O dedo comprido trabalhava com afinco estimulando e
excitando com louvor minha carne encharcada.
— Eu vou cuidar dessa boceta mais tarde, mas agora preciso gozar nessa
boca.
Pedro montou em cima de mim.
Uma perna de cada lado do meu peito, segurou a cabeceira da cama com
as duas mãos e literalmente, fodeu minha boca com seu pau vascularizado.
Os pulsos presos não permitiam que meus braços envolvessem o corpo
do homem, que se movimentava com violência sobre mim, como eu tanto
desejava.
Minha boca aberta o recebia de bom grado, engasgando e levando-o até
onde conseguia o que muitas vezes, nem chegava à metade da extensão grossa,
enquanto as bolas do saco raspavam minha pele do pescoço e batiam no meu
queixo, fritando meus neurônios.
Completamente acesos e excitados.
Sentir o corpo enorme de Pedro montado em mim, forte e
exageradamente musculoso, me deixou descompensada.
A intimidade daquela posição me fez desejar por alguns segundos voltar
no tempo e resgatar memórias antigas, aquelas que foram propositalmente
enclausuradas em um canto escuro e inacessível do meu cérebro.
Lutei bravamente contra aquele desejo específico, me concentrando
apenas no prazer e no real motivo de tudo que estava acontecendo dentro
daquele quarto.
Meu desejo insano.
Meu desejo carnal.
Meu desejo de sentir dor.
Meu desejo de ser dominada, humilhada e subjugada.
Meu desejo por sexo.
Cru. Carnal. Bruto. Violento.
Mas, apenas sexo. Nada, além disso.
Meu corpo necessitava daquele tipo de relação física, sem sentimentos,
sem emoções.
Apenas uma trepada com um homem que saciaria minha sede e me faria
gozar intensamente, usando meu corpo como um objeto sem valor.
Loucura?
Provavelmente sim, mas quem poderia me julgar de fato?
Aquela era eu, não a antiga e sim, a atualizada; carregando sozinha toda
minha bagagem fodida e disposta a encontrar almas tão destruídas quanto a
minha, que estivessem dispostas a cultivar a mesma coisa que eu.
Um dia me disseram que os opostos se atraem o que até poderia ser uma,
entre tantas verdades, mas definitivamente, eu afirmaria que os iguais se
procuram.
Considerando que as novidades logo virariam algo comum e passariam a
desgastar o relacionamento.
Como unir duas pessoas tão diferentes por muito tempo?
Como manter ao mesmo tempo, o silêncio e barulho? À noite e o dia? O
calor e o frio? A neve e a praia? A metrópole e a fazenda?
Impossível!
São as afinidades os nossos verdadeiros elos, firmes e inquebráveis.
Essenciais para viver em harmonia, compreender a busca e a procura,
compartilhar as necessidades e apreciar os mesmos sabores; da comida, do sexo,
da vida.
Pedro e eu costumávamos combinar em muitas coisas, quase tudo, aliás,
mas aquilo foi há muito tempo, quando a menina viva ainda mantinha sua fé, sua
esperança e seu bom coração.
Tudo mudou desde então, e não havia mais qualquer sintonia entre nós,
apenas o prazer sexual que ele se esforçava para me proporcionar, mas aquilo
também não duraria muito tempo, se dependesse de mim.
Pedro logo entenderia que para o meu caso, especificamente, não havia
solução. Sem dúvida alguma, se tratava de um caso perdido.
Engoli cada centímetro da sua carne sem reclamar, engasguei, mas não
parei. Na posição que estava Pedro movia o quadril com força atingindo o fundo
da minha garganta, e mesmo assim, ainda não conseguia levá-lo inteiro.
Muito grande.
Muito grosso.
Muito gostoso.
Senti seu pau inchar dentro da minha boca e me preparei para engolir seu
êxtase. Pedro urrou como um animal e gozou jogando a cabeça para trás. Dentes
trincados, olhos apertados, testa franzida e uma careta de dor.
O líquido veio em um jato quente, grosso e numa quantidade
surpreendente. Precisei me concentrar para não vomitar e degustei até a última
gota, apreciando cada reação espontânea do homem que se rendia ao prazer que
eu havia lhe proporcionado.
Nunca me senti tão orgulhosa ao ver um macho gozar daquela forma tão
intensa, como se estivesse há tempos sem atingir o pico mais alto. Pedro tinha
me falado que não tocou nenhuma mulher durante o período em que estive fora
do Brasil, mas evitei racionalizar sobre a informação.
Embora precisasse confessar que sua chegada à reta final condizia
perfeitamente com ela.
Um misto de felicidade e vaidade tentou me seduzir, me convencer a
baixar minha guarda cautelosamente erguida, e permitir somente naquela noite,
me entregar a ele.
De corpo, alma e coração.
Foi então que percebi o perigo que o contato com Pedro representava
para a minha recuperação.
— Porra!
Ele saiu de cima de mim, deu a volta na cama e ficou me observando.
Meus pulsos presos como os tornozelos limitavam meus movimentos.
Meus joelhos não fechavam ou abriam, e meu corpo estava a sua inteira
disposição para fazer o que quisesse e da maneira que preferisse.
— Sabe quantas vezes eu sonhei com isso? — a voz rouca, arrastada e
ofegante me hipnotizou.
Não respondi com medo de fracassar na resposta. Pedro estava de pé,
encostado a parede sob a luz amarelada que destacava partes do seu corpo
musculoso.
A pele morena coberta de suor brilhava sob a iluminação opaca, e meus
olhos foram atraídos para o membro que voltava a enrijecer com facilidade,
antes de amolecer totalmente e depois de ter gozado ferozmente.
Um homem disposto e viril, exatamente como James.
A comparação entre os dois se tornou tão comum e natural como a minha
fome por sexo violento, a mesma que me consumia e me obrigava a travar uma
batalha infernal diariamente.
Era uma atitude involuntária e muito mais forte do que eu. Injusta e
despretensiosa, mas meu cérebro afirmava que compará-los, também era
essencial para mim.
Por quê? Eu ainda não sabia, e tinha receio de descobrir. O desconhecido
me tornava uma pessoa mais ansiosa, mais temerosa e muito mais omissa.
— Você tem noção de quantas noites eu passei acordado me lembrando
de como era bom te foder? De como eu adorava meter meu pau na sua boceta?
Do quanto eu senti falta de ouvir sua risada e ouvir a sua voz?
Perguntas carregadas de emoções que eu não queria reviver, e respostas
que eu me recusava a ouvir, ou ser obrigada a dar aquela hora.
O tempo havia passado, Pedro e eu perdemos o nosso trem e a vida
seguiu seu curso. Independentemente se os acontecimentos tivessem sido
extremamente ruins, macabros e com pitadas miseráveis de bons momentos, não
éramos mais as mesmas pessoas.
Nunca mais seríamos, especialmente eu.
Aquele quarto que aluguei em uma casa noturna e solicitei os serviços de
um Dom, deveria servir para um propósito apenas; ser fodida brutalmente por
um homem que não me conhecesse.
Tudo que eu precisava para me reerguer, segundo Daniel, era aceitar o
passado e encontrar formas, fórmulas e refúgios para esquecê-lo.
Pedro corria na contramão e o trazia a superfície. Relembrando.
Revivendo. Resgatando.
Não!
Definitivamente, eu não permitiria que ninguém me jogasse de volta ao
covil dos leões novamente e me largasse lá. Sozinha para morrer. Talvez eu não
fosse feliz novamente, mas eu não sucumbiria à depressão.
Quando aceitei iniciar o tratamento psicológico, eu prometi a mim
mesma me dar uma chance de viver da melhor maneira que conseguisse, e de
forma alguma, quebraria minha promessa.
— Se você não vai cumprir seu papel como dominador, eu sugiro que
deixe o profissional retomar o lugar dele.
— Ouviu o que eu disse Nichole?
— Não prestei atenção. — minha voz saiu firme, segura e chamou a
atenção de Pedro, dei de ombros demonstrando indiferença. — Quando eu
estiver interessada em conversar vou procurar meu psicólogo, hoje só preciso de
um homem que me foda de verdade do jeito que eu quero. Foi para isso que
paguei, e não pra ficar amarrada nessa cama ouvindo suas lamentações e
perguntas que não me interessam.
Pedro precisava entender que nada do que fizesse mudaria o que
aconteceu comigo e não traria de volta a mulher que ele conheceu. Sua
Hermione morreu e deu lugar a outra boneca; uma usada, quebrada e sem
conserto.
O apelido que despertava o pior de mim reverberou na voz de James na
minha consciência:
“Baby Doll”
Tentei libertar minhas mãos e minhas pernas desajeitadamente. Sacudi a
cabeça e rosnei baixo, babando de raiva e ódio repentinos. Pedro não se moveu,
ele apenas me observou a distância. Seus olhos tristes me irritaram e revoltaram
ainda mais.
Por que ele não me fodia logo e acabava com aquela merda?
— Vai me comer ou vai chamar alguém melhor pra fazer isso?
O homem endoidou com o que ouviu.
Pedro parecia um leão que foi enjaulado por meses e libertado para caçar
livremente na selva; cercando sua presa, rondando para escolher a melhor forma
de atacar e pronto para dar o bote.
— É só isso que você quer? — rosnou tão enfurecido quanto eu.
Parou no meio das minhas pernas, segurou seu pau e o massageou
lentamente, seu maxilar quadrado rangeu quando cuspiu as palavras:
— Responda a minha pergunta porra! — olhou para o membro grosso em
sua mão e voltou a me encarar — É só a minha rola que você quer Nichole? É
sexo? Quer ser fodida e tratada como uma puta? É isso caralho? Responde!
Engoli seco.
Nunca imaginei que o veria tão alterado. Pedro agiu como se tivesse sido
afrontado e precisasse me mostrar o quanto ele poderia ser diferente do que eu
estava acostumada.
Pois bem, se fosse um teste eu seria aprovada com louvor.
— Sim mestre...

Ele estreitou os olhos e sorriu com malícia e, maldade? Pedro parecia um


assassino cruel zombando do alvo a poucos segundos de exterminá-lo.
Senti um calafrio estimulante percorrer minha espinha e me condenei por
ficar excitada com o medo que ele despertou em mim quando agiu
involuntariamente como James. Diabolicamente cruel.
Eu estava perdendo a razão.
Como uma mulher que tinha plena consciência do que era certo e errado,
como eu, podia sentir prazer quando um homem reproduzia a escória da
humanidade e a tratava como um pedaço de carne podre?
Eu deveria me envergonhar de responder as perguntas simplórias de
Pedro, mas como enganá-lo quando elas significavam pontualmente, exatamente
e perfeitamente o que eu realmente queria?
— Beleza, se é só isso que você quer, é apenas isso que vai ter.
Por um momento imaginei que houvesse um botão previamente acionado
com o poder de transformar Pedro em outro homem com extrema facilidade.
Um verdadeiro ator tomando conta do palco e encenando com um talento
nato, exclusivamente para agradar seu público específico.
Sem emoções.
Sem sentimentos.
Uma máquina de fazer sexo, impiedosa e insaciável. Um exímio
dominador na cama e fora dela. Palavras certeiras, ordens diretas, e um
conhecimento do corpo feminino como nenhum outro.
Nem mesmo James o superava.
Fui surpreendida com tapas fortes, chicotadas pesadas, putarias
sussurradas, beijos brutos e grosseiros, mordidas providenciais e um pau
simplesmente espetacular, que me fodeu de todas as formas possíveis, em todos
os lugares disponíveis durante horas ininterruptas.
Pedro me proporcionou orgasmos inesquecíveis, capazes de me impedir
de andar por dias.
Pausas discretas somente para banhos solitários e recuperação pós-gozo
na cama, sem abraço, sem palavras de conforto. Nada. Apenas sexo. Cru. Vazio.
Oco.
Ele me ofereceu mais, muito mais.
Eu recusei. Dispensei. Ignorei.
Eu já tinha sido fodida daquela forma antes, mas por três homens e não
apenas um. Pedro parecia esfomeado, sedento, mas tinha alguma coisa estranha,
não sabia o motivo.
Talvez a forma com que ele facilmente aceitou minha decisão de não
querer nada além de sexo.
Pedro fez exatamente o que eu pedi.
Por que aquilo me incomodou tanto quando fomos convidados a nos
retirar do quarto e ele agiu como se não me conhecesse?
Como se não se importasse comigo?
Era o certo a fazer. Não podia me envolver com ele, com ninguém.
Minha cabeça perturbada raciocinava à base de remédios, caso contrário, eu
explodia e surtava.
Como poderia almejar uma vida normal se tudo ao meu redor não se
encaixava?
Não sabia quem eu era.
Não tinha mais uma profissão e não tinha a menor ideia do que pretendia
fazer para garantir meu sustento, já que voltar a atuar com meu pai na equipe de
segurança estava fora de cogitação devido a minha saúde mental.
— Você está de carro ou precisa de carona?
Pedro me perguntou quando chegamos ao estacionamento da boate.
Estava vazio e já passava das cinco horas da manhã.
— Estou de carro. Obrigada.
— Vou te seguir até sua casa.
— Não precisa.
— Isso quem decide sou eu. — ele falou impaciente caminhando na
direção contrária — Pode ir que estarei logo atrás.
Seu jeito arrogante me tirou do sério. Segurei seu braço e o puxei de
volta para confrontá-lo.
— Qual é o seu problema afinal?
— Não sei do que você está falando, Nichole.
— Agora eu sou Nichole?
— Por acaso mudou de nome?
— Até agora eu fui puta, vadia, piranha e vagabunda.
Pedro estreitou os olhos e se aproximou perigosamente.
— Não era isso que você queria de mim? — rosnou me encurralando
contra a parede, seus olhos desceram até minha boca e suas mãos espalmaram no
concreto ao lado da minha cabeça — Eu queria te dar muito mais, Nichole, mas
você não quis, lembra?
— Lembro... é que...
Seu nariz roçou no meu pescoço fazendo meu corpo se contorcer. Nem
parecia que tinha trepado por horas a fio.
Pedro lambeu meu pescoço e mordeu a pele branca com força,
arrancando um gemido fraco da minha garganta.
— Você disse que queria um homem que te dominasse, me chamou de
mestre e encontrou o que procurava. — segurou meu queixo com força virando
minha cabeça para o lado e sussurrou no meu ouvido — Eu decidi que de agora
em diante eu só vou te comer desse jeito, e nenhum outro homem vai encostar
em você. Só eu. Se eu souber que saiu com outra pessoa, vai se arrepender por
ter me desobedecido. Ouviu bem, putinha?
— Você não pode fazer isso!
Exclamei excitada ao ouvir sua ameaça velada. Sua língua deslizou pela
minha orelha.
— Eu posso tudo, porque eu sou seu mestre e você é a minha vadia. Só o
meu pau vai te foder e nem pense em tentar me enganar, Nichole, porque eu vou
descobrir e o seu castigo vai ser muito pior do que pode imaginar.
— Você não sabe o que eu preciso... — suas mãos nos meus seios, sua
boca em meu pescoço, seu quadril se esfregando no meu centro. Minha voz saiu
baixa, arrastada.
— Tudo que você precisa sou eu, e disso, eu tenho certeza. Agora vai pra
casa e descansa. Quando quiser que eu te coma de novo, me manda uma
mensagem. Eu providencio tudo.
Ele se afastou e pegou o telefone no bolso da calça, seguindo na direção
do seu carro com passos seguros e confiantes me deixando para trás.
Sem ar. Sem reação.
Estava tudo errado e eu não podia perder o controle da minha vida
novamente. Abri a bolsa, peguei a chave do carro e entrei. Pelo retrovisor vi
Pedro me esperando e como tinha avisado, ele me seguiu até a casa dos meus
pais.
Em silêncio entrei e fui direto para o meu quarto, peguei todos os
remédios e deitei para dormir decidindo se enfiaria os comprimidos na boca ou
não.
Deixei-os em cima da cômoda e voltei a deitar, ainda irritada e ansiosa,
mas antes de me entregar ao cansaço, mandei uma mensagem a Daniel pedindo
para que ele me atendesse com urgência.
A resposta foi imediata.
O psicólogo iria me encaixar na sua agenda no fim do dia. Fechei os
olhos e apaguei, desejando que os pesadelos não viessem para que eu pudesse
dormir tranquilamente.
Pela primeira vez desde que havia voltado para casa, não tive os mesmos
pesadelos, não acordei assustada ou amedrontada pela imaginam de James me
assombrando durante a noite.
Mas aquilo não significava que outro tipo de sonho não fosse me
despertar; suada, quente, excitada e estranhamente feliz.
O sonho que me despertou no meio da noite e me obrigou a tomar um
banho frio para aplacar o calor que me enxarcou de suor e de excitação fervorosa
entre as pernas, foi o de um homem que me violentava, humilhava e submetia.
O invasor bruto e temido não me seduziu, sequer me beijou ou tratou
com carinho e adoração. Apenas me comeu, me fodeu, trepou comigo e me deu
uma das melhores experiências de toda minha vida.
Não confusão de decifrar se era um sonho ou não passava de lembraças
recentes, o que mais me impressionou foi notar que o meu novo dominador, não
tinha mais cabelos pretos lisos, pele branca e olhos azuis.
O homem que tomou conta da minha mente naquela noite, não era tão
desconhecido como eu decidi acreditar que fosse, para o meu próprio bem.
Não permitiria que a ilusão momentânea de que a minha vida pudesse
voltar a ser o que foi um dia ao lado dele, arrancasse meus pés do chão e
substituísse a realidade que mantinha meu coração seguro e disposto a seguir
com o tratamento junto a necessidade de aceitar meu passado e tudo que o
acompanhava.
O moreno dos meus sonhos era alto, forte e musculoso, tinha um corpo
aperfeiçoado exclusivamente para oferecer prazer, um pau que deixaria qualquer
outro homem com inveja e qualquer outra mulher tentada a apreciá-lo, prová-lo
e senti-lo por inteiro em todo seu exagerado comprimento e grossura compatível.
Seus olhos eram como duas esferas de mogno, e ao contrário do outro
homem que machucava profundamente minha alma, as feridas que o novo
invasor me causava não doíam, ao contrário, somente elevavam meu prazer
reprimido.
Dormi sem medicação e acordei assustada tentando entender o que havia
acontecido comigo, desejando estar errada sobre as minhas conclusões e
prevendo um futuro impróprio para uma mulher como eu.
Quebrada.
Machucada.
Ferida.
E extremamente viciada em uma relação sexual peculiar, com um novo
dominador.
Perigoso.
Poderoso.
Malandramente extraordinário.
CAPÍTULO 19

PIUÍ

— Pode pedir o café completo pra mim e vai ser tudo por sua conta.
Laís puxou a cadeira e se sentou a minha frente, na padaria que a gente
costumava tomar café quando estava em algum caso.
— Brigou com a escova de cabelo ou foi o bombeiro que te deu um trato
antes de deixar tu sair da cama tão cedo?
A ruiva tirou os óculos escuros que cobriam seus olhos amendoados, e
me amaldiçoou em silêncio enquanto analisava minha cara a procura de alguma
informação que lhe ajudasse a entender o motivo que me levou a ligar pra ela tão
cedo.
— Finalmente comeu alguém! — ela levantou os braços de forma teatral
como se estivesse agradecendo por alguma graça alcançada, como diria minha
mãe. — Obrigada a todos os santos que ouviram minhas preces e ajudaram essa
alma medíocre a enfiar o pau em uma boceta que não fosse a da megera. To
devendo uma pra vocês, sério. Vocês operaram um verdadeiro milagre!
— Cala boca porra!
Falei passando as mãos pelo rosto cansado, mas não podia deixar de
pensar no quanto tinha sentido falta de sexo, ou melhor, da minha Hermione, que
já não era mais a minha Hermione, mas mesmo assim, conseguia atazanar meu
juízo como sempre fez.
— Piuí, você finalmente coloca esse pau pra trabalhar e em vez de sair e
comemorar, me liga às seis e meia da manhã e me obriga a vir aqui tomar café
contigo. — Minha ruiva favorita apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo
nas mãos. Seus olhos estavam brilhando e um sorriso de moleca deslizou em
seus lábios carnudos — Vai me dizer que brochou?
Ela gargalhou e não agüentei. Caí na risada aproveitando o momento de
descontração para jogar a bomba. Eu sabia que minha amiga ia surtar quando
soubesse o que tinha acontecido.
— Eu passei a noite com a Nichole.
O sorriso murchou, os olhos se estreitaram e a testa franziu.
— O que você falou?
Bufei, resmunguei e copiei seu gesto apoiando os cotovelos sobre a
mesa, encarando minha amiga nos olhos. Eu precisava desabafar, falar com
alguém e Laís era a única pessoa que eu me sentia a vontade para falar sobre
aquele assunto de merda.
— Calma porra!
— Calma? Como assim, calma? — a ruiva inclinou o corpo a frente e
rosnou cuspindo na minha cara — Aquela menina ta toda fodida e a última coisa
que ela precisa é de mais problemas porra!
— Eu falei com o Daniel.
— Puta que pariu, e as coisas só pioram...
Laís balançou a cabeça e estava inquieta, mas ela sabia que eu nunca
faria nada que pudesse prejudicar minha menina.
— Eu tentei não interferir, beleza?
— Piuí, eu sou tua amiga e vou fazer meu papel você gostando ou não,
querendo ou não, mas é impossível ficar quieta ouvindo você me contar que
comeu a Nichole enquanto ela está em tratamento caralho! — minha amiga
estava se esforçando muito para não gritar comigo, não por mim claro, mas por
estarmos em um lugar cheio de pessoas tomando café — E que história é essa de
que você com o médico dela? Esse cara não pode te contar nada sobre ela ou as
coisas que eles conversam. Qual é a dele?
— Se você se acalmar, eu te conto tudo desde o começo, pode ser?
— Vai em frente, to aqui doida pra saber a o tamanho da merda que você
fez só pra ter uma ideia do quão fodido você está.
— Eu estou realmente fodido, mas não pelo motivo que você ta
pensando.
— Cala a boca que você nem sabe o que eu to pensando.
— Quer apostar que eu sei?
A garçonete que sempre me paquerava deixou nosso café e se afastou
com um sorriso meigo nos lábios. Laís deu um tabefe no meu braço e resmungou
alguma coisa como “safado idiota”, antes de mandar eu me foder por sugerir
uma aposta.
Relatei tudo que havia acontecido, desde a minha invasão na boate
quando arranquei Nichole de lá antes que ela se trancasse em um dos quartos
com um cara que nem conhecia, até o fim da nossa noite, poucas horas antes de
nos encontrarmos na padaria.
Os detalhes eu deixei de fora, claro. Não iria contar tudo que fiz com a
menina que Laís considerava como uma verdadeira amiga, até porque ela me
caparia se soubesse.
Meu pau estava esfolado de tanto meter e depois de ter ficado tanto
tempo sem comer ninguém. Com Nichole era tudo oito ou oitenta, sempre.
Nunca tivemos o meio termo.

Mas eu já tinha ligado para um amigo meu e pedido uma pomada que
tratasse daquela merda. Se Nichole me enviasse uma mensagem para fode-la a
noite, eu ficaria sem pau, mas não permitiria que ela procurasse outro homem.
Nunca.
— Estou impressionada Piuí e não sei o que te falar nesse momento. —
Laís disse com a expressão fechada e tomou um gole de café — Sério, preciso
digerir tudo que você me contou antes de dar minha opinião sobre tudo isso.
— Então digere logo porque eu to precisando de ajuda, Drizella. —
respirei profundamente e me ajeitei na cadeira — Pode parecer loucura o que eu
fiz ontem com ela, mas não me arrependo de nada.
— Piuí, uma das piores coisas que pode acontecer se mantiver esse
relacionamento com a Nichole, nessas condições, é o amor que existe entre
vocês acabar se perdendo pelo caminho. Eu sei o que estou te falando, e posso te
garantir que a única pessoa que pode tirar a Nichole do fundo do poço que ela
está, é você, mas isso não vai acontecer se alimentarem essa relação doentia de
dominação e submissão que estão começando.
— É o que Nichole quer Drizella e se eu não fizer isso, ela vai arrumar
outro que faça.
— Existem atenuantes sérios para as pessoas que praticam esse tipo de
sexo, Piuí.
— Do que você ta falando?
— Você é inexperiente nesse assunto, e embora a Nichole também seja,
ela não está atrás desse tipo de sexo porque simplesmente experimentou e
gostou. A garota foi estuprada Piuí, violentada e alguma coisa mexeu com a
cabeça dela, entendeu? — Laís segurou minha mão por cima da mesa e pude ver
a preocupação em seu olhar. — Ninguém passa a gostar de ser amarrada e
maltratada do dia pra noite. Nenhuma mulher prefere ser fodida como uma puta
e ver o homem sair de manhã da sua cama sem olhar pra trás, a receber amor e
carinho durante o sexo e acordar abraçada de conchinha. A Hermione está com
sérios problemas de saúde meu amigo e se eu fosse você, procurava novamente o
médico dela e conversava com ele sobre tudo que aconteceu entre vocês.
— Mas foi ele que me falou pra deixar a Nichole experimentar o que
quiser, porque só assim ela vai perceber que não é o tipo de relação que quer.
— O que ele quis dizer foi pra você não se meter na vida dela Piuí e não
foder a garota sempre que ela procurar outro homem. Até parece que você vai
tratar a Nichole como um dominado. Duvido que tenha coragem de castigá-la,
bater com força, humilhá-la como os verdadeiros dominadores fazem.
— Ela não reclamou ontem, muito pelo contrário. Na hora de ir embora
eu percebi que ela não esperava a minha indiferença.
— E até quando você acha que vai conseguir agir desse jeito? Se ela
chorar e implorar pra você parar de bater nela quando estiver aplicando um
castigo, vai ter coragem de continuar ou vai ceder e perder a autonomia?
— Não sei porra!
Laís deu de ombros.
— Eu sei que você só quer fazer o melhor pra ela, e pelo jeito a noite foi
muito boa pra você também, mas não enfia os pés pelas mãos Piuí, e antes de
continuar com essa loucura, vai procurar o psicólogo de novo pra saber a opinião
dele sobre tudo isso.
— O cara não é um babaca como eu pensei que fosse, mas acho que ele
não vai concordar em ficar me contando sobre a Nichole.
— Então marca uma consulta e vai falar com ele como paciente.
— Ta doida Dri?
— Não, pensa bem, se o cara sabe tudo que se passa na cabeça da
Nichole, ele pode dar um jeito de trabalhar com você pra ajudar no tratamento
dela, sem que ela fique sabendo, claro. Como médico, ele não precisa falar dos
problemas dela, basta ele te orientar a agir da melhor forma com ela. Entendeu?
Pensando como Laís, parecia um bom plano. Se Daniel me dissesse
como tratar minha menina, as coisas entre nós poderiam se ajustar com mais
facilidade.
— Pode dar certo.
— Claro que vai dar certo, agora liga pro cara e marca uma consulta com
ele.
— Agora?
— Vai querer ligar quando? — a ruiva revirou os olhos — No dia que ela
te der um “perdido” e passar a noite com outro homem?
— Eu sei que você só fala essas coisas pra foder minha cabeça, Drizella.
— Infelizmente, nesse caso, você está equivocado meu amigo.
Laís terminou de tomar seu café e seu olhar me dizia que ela não estava
brincando como eu achei que estivesse.
— Nesse caso?
— Olha só Piuí, quando você conheceu a Lívia, eu tinha a idade da
Nichole e a minha vida era baseada em sexo com desconhecidos, orgias,
bebedeiras e... bom... isso não importa mais, mas não eram coisas boas. Eu
experimentei de tudo que você possa imaginar, tudo mesmo, e só consegui
mudar depois de comer o pão que o diabo amassou o que não é nenhuma
novidade, porque a gente se conheceu quando a minha vida estava de pernas pro
ar.
— Eu sei ruiva, mas o que isso tem a ver com a Hermione?
— Tudo a ver Piuí! — ela resmungou como se eu fosse um idiota por não
entender o que ela estava querendo me dizer — A cabeça da gente é a pior arma
contra nós mesmos e a Nichole tem lembranças recentes muito muito ruins, que
ela provavelmente está tentando esquecer, mas...
Minha amiga parou de falar me deixando nervoso.
— Mas o que?
Laís olhou para a toalha da mesa, respirou fundo e mais uma vez me
encarou com tristeza.
— Se ela estiver como eu fiquei quando conheci o Murilo, a briga entre o
corpo e a mente dela está fazendo um belo estrago agora. — seu olhar era vazio
ao se lembrar daquela fase da sua vida — O estilo de vida que eu levei durante
vinte e seis anos era tudo que eu abominava, mas ao mesmo tempo, era tudo que
eu conhecia. Eu sabia que era errado e não conseguia parar.
— O Daniel falou muita sobre isso comigo e disse que a Nichole está
passando por esse conflito agora.
— É uma merda Piuí, uma grande e fodida merda.
— Caralho! Eu preciso ajudar minha menina Drizella, só tenho que saber
como.
— Faz o que eu falei, liga pro médico e marca uma consulta com ele.
Explica o que você quer fazer e pede a ajuda dele, só assim vai conseguir agir da
melhor maneira e ajudar a Nichole a superar todos os traumas daquele inferno
que ela viveu.
— Vou fazer isso.
Peguei o telefone e enquanto a garçonete sorridente trazia nossa conta,
liguei para o doutor Daniel e agendei uma consulta para o mesmo dia, no final da
tarde.
Desliguei o aparelho, mas nem consegui guardá-lo, o nome de Thor
apareceu na tela e atendi no segundo toque.
— Ta por onde?
— Terminando de tomar café.
— A ruiva ta com você?
Laís revirava os olhos quando percebeu quem era a pessoa que estava
falando comigo. Sorri debochado sentindo o cansaço me pegar de jeito.
Além do pau esfolado, Nichole acabou com toda minha energia durante
as horas que fodemos como dois maníacos, e se eu não arrumasse pelo menos
algumas horas para tirar um cochilo, teria que me entupir de energético para
aguentar o dia.
— Ta bem na minha frente.
— Eu imaginei pela cara de bunda do bombeiro que você foi o
responsável por empatar a foda matinal dele.
— Se ela tivesse me falado que ia trepar eu teria esperado. — Laís quase
me assassinou com seu olhar estilo “Nikita” e eu gargalhei um pouco mais
relaxado — Mas pensando bem, acho que ela não estava muito a fim de agradar
o babaca, por isso me usou como desculpa pra se safar do boquete nosso de cada
dia.
— Se ela estiver ouvindo tudo, espero que chegue aqui inteiro. Preciso
falar vocês e tem que ser agora.
— Aconteceu alguma coisa?
— E quando é que não acontece? — meu amigo parecia calmo, mas uma
ligação antes das oito horas da manhã não significava calmaria, muito pelo
contrário, a merda estava pronta para ser espalhada — Já estou no escritório
esperando vocês. Não demorem.
— Não fica se achando o fodão só porque seu pau ressurgiu das cinzas
depois de meses vivendo nas trevas e decidiu voltar à ativa. Você ta parecendo
mulher casada que agradece o marido por dar uma trepada por mês, reclamando
o tempo todo que ela está gorda.
Claro que Laís não ia perder a oportunidade de falar uma coisa daquelas
na frente da garçonete que parou de sorrir e ficou me encarando, tentando
descobrir se a afirmação da ruiva era verdadeira ou, apenas uma brincadeira de
mau gosto.
— Meu pau nunca viveu nas trevas, Drizella, e eu não preciso agradecer
ninguém por transar comigo. Você sabe disso.
— Querido — ela empurrou a cadeira para trás fazendo um barulho
irritante —, eu não me incomodo se seu pau ficou enclausurado por mais de um
ano sem ver a luz do sol, dependendo da sua mão para receber um “agrado”. —
Laís sorriu com malícia e eu juro que se ela fosse um homem, teria levado um
soco na cara por me fazer passar vergonha na frente da garçonete que estava,
literalmente, de boca aberta me encarando como se eu fosse um pobre coitado
que não arrumava mulher. — E pra falar a verdade, eu não sei de nada, mas esse
sorrisinho na sua cara é a prova de que estou falando a verdade e a mulher que
conseguiu a proeza de te levar pra cama, deveria ganhar uma gratificação. Até
sua pele está mais bonita hoje...
A ruiva dos infernos saiu da padaria gargalhando e ainda me deixou para
trás com a garçonete me encarando.
— Ela está com raiva de mim, por isso fica inventando essas coisas.
Falei sem graça tentando me justificar enquanto a garota passava meu
cartão na maquininha.
— Você ficou um ano sem transar com ninguém?
Olhei para o crachá grudado no avental e descobri que seu nome era
Glaucia. A morena era bonita, tinha um corpo magro e cabelos negros compridos
que estavam presos e cobertos com uma por uma toca branca.
Pensando rapidamente nas horas que passei comendo Nichole dentro
daquele quarto ridículo, a ideia de ter ficado mais de um ano sem mulher, não
me parecia tão ruim como Glaucia e até mesmo minha amiga estavam achando.
— Fiquei, mas por opção e não por falta de opção.
— Bom, isso eu sei, porque eu mesma dei em cima de você várias vezes,
mas... — ela tapou a boca sem graça e eu gargalhei — Ai meu Deus, que
vergonha.
— Não esquenta Glaucia, não foi como se eu não tivesse reparado, mas o
problema não era você ou qualquer outra mulher. — digitei a senha e esperei que
o pagamento fosse aprovado — Eu não queria transar apenas por transar, será
que me entende?
— Claro que entendo, e agora fiquei aliviada, quer dizer, eu sei que a
mulher que você queria deve ter voltado pra sua vida, já que sua amiga falou
que... você sabe... mas se ela for embora de novo, me procura, eu posso cuidar
de você. — suas bochechas estavam vermelhas quando ela concluiu — Se
quiser, é claro.
— É muito gentil da sua parte Glaucia, mas isso não vai acontecer
porque ela nunca mais vai sair da minha vida.
— Como tem tanta certeza?
Ela entregou a minha via do pagamento e esperou minha resposta.
Guardei o cartão do banco na carteira e amassei o papel que tinha acabado de
receber da garçonete.
Olhei para a morena que havia se mostrado muito mais curiosa do que
imaginei que fosse, sorri confiante e falei antes de virar as costas e encontrar
minha amiga encostada na porta do meu carro com uma cara invocada:
— Porque eu vou me certificar que ela fique, nem que seja preciso
amarrá-la na minha cama.
Mal ela sabia que a ideia de ter Nichole amarrada sobre o meu colchão,
implorando para que eu fodesse sua boceta, já me deixava duro. Fiz uma careta
antes de entrar no carro e enfiar a mão dentro da calça para ajeitar meu pau
sensível.
— Mas que porra Piuí, não é porque sou sua amiga que preciso ver você
arrumando o pau, caramba!
— Eu devia te pedir desculpas, mas não vou, porque a culpa de me
deixar assim foi sua quando falou aquelas merdas perto da garçonete, e me fez
imaginar Nichole de um jeito que você não vai querer saber.
Laís gargalhou e jogou a cabeça para trás. A risada dela era muito
parecida com a da Lívia, sua irmã, a diferença era que a ruiva dificilmente sorria,
enquanto Lívia vivia com um sorriso delicado no rosto.
Elas eram muito parecidas e diferentes ao mesmo tempo, e nunca
imaginei que teria duas mulheres lindas e gostosas convivendo comigo
diariamente, que não despertassem nenhum tipo de sentimento em mim, senão
amizade.
Eu amava as duas para caralho.
Lívia, a minha Cinderela, foi quem me mostrou que todas as pessoas têm
o seu valor, independente do lugar que nascem ou crescem. Ela sempre acreditou
no destino e ao longo dos anos, me fez acreditar também.
Como ela falou quando quis me acalmar em um momento de desespero,
onde eu fraquejei e pensei seriamente em desistir do meu trabalho, do meu filho,
largar tudo para trás e sair do Brasil, como minha menina fez:
“O que é seu Pedro, ninguém vai tirar do seu caminho ou viver por você.
Isso não se trata apenas das pessoas, e sim, de tudo, tanto as coisas boas como as
ruins também. A gente pode até demorar para encontrar o que tanto procuramos,
mas na hora certa, nós vamos encontrar. Só não podemos desistir quando tudo
desmoronar, e acredite em mim meu querido, o mundo vai desabar na sua
cabeça, muitas e muitas vezes e a morte vai parecer a melhor saída, mas você
não pode ceder, nunca. Porque, quando finalmente encontrar a sua paz, tudo que
passou até chegar a ela vai ter valido a pena. Você foi testemunha muitas vezes,
inclusive do que aconteceu comigo e com a Lalá. Confie em mim garoto, o seu
dia também vai chegar.”
E eu confiei, como sempre fiz desde dia em que a conheci e a levei para
o morro do Teteu, há mais de dez anos.
Minha melhor amiga loira nunca me tratou mal por ter sido o responsável
pela mudança radical em sua vida, nem pensar. Ela até me agradeceu algumas
vezes em que bebeu além da conta. Minha mãe sempre me dizia que bêbado e
criança nunca mentem, e ela estava certa.
Lívia e Thor tiveram o mundo contra eles, mas o amor que sentiam um
pelo outro foi capaz de superar todos os obstáculos, e depois de tantos anos
juntos, aquele amor nascido e criado na favela, como eu, expandia para seus
filhos.
Dia após dia.
Já Laís, minha Drizella, a ruiva que recebeu o apelido por ter sido a
verdadeira irmã malvada da Cinderela na vida real durante seis, quase sete anos,
foi à amiga que algum anjo brincalhão colocou no meu caminho numa noite em
que nossas vidas foram marcadas por um fato tão fodido, mas tão fodido, que
nos conectou de forma única e para sempre.
Laís foi uma, das raras pessoas, que conseguiu ganhar minha admiração,
lealdade e meu respeito, no período de poucas horas e, mesmo que a confiança
tenha chegado tempos depois, ela provou que o ser humano pode sim mudar,
mas isso só vai acontecer se ele estiver realmente disposto a deixar o passado
para trás e seguir em frente.
Minha adorável ruiva, a mulher com carinha de anjo, mas que de anjo
não tinha nada, foi incansável e imbatível na sua batalha particular contra toda a
merda que cercava sua vida por todos os lados.
Se tivesse que definir Laís Antunes em uma única palavra, eu usaria;
coragem.
A mulher era infernal de tão petulante e não temia nada nem ninguém.
Aprendeu e reaprendeu a viver, levantou muito mais vezes do que caiu, nunca se
intimidou ou recuou quando as coisas ficaram muito piores do que estavam, e
nunca, em momento algum, se omitiu ou culpou outras pessoas pelos erros que
cometeu.
Todos nós sabíamos que a caçula dos irmãos Antunes, teve todos os
motivos plausíveis e compreensíveis para ter feito o que fez, mas minha amiga
jamais admitiu sua fraqueza, sequer se enxergava como uma vítima, e o orgulho
que sentia da mulher que ela havia se tornado, apenas aumentava.
Pena que minha quase ex-mulher, Julia, nunca entendeu o que aquelas
duas mulheres representavam para mim e fingiu por muito tempo sentir carinho
e respeito pelas irmãs, apenas para me manipular e tentar me afastar delas, o que
obviamente, não rolou e nunca iria rolar.
— Se tem uma coisa que eu pagaria pra ver era a Nichole te dando umas
chicotadas, ou melhor, uma surra com a varinha mágica que a Hermione usa nos
filmes do Harry Potter, o que acha? — Laís falou ainda gargalhando, quando
estávamos a caminho do escritório da Polícia Federal, onde encontraríamos seu
cunhado, e nosso chefe. — Só de imaginar a cena tenho vontade de rir de novo.
Já pensou? Você com aquelas cuecas vermelhas, algemado, virado para a parede
e a Hermione toda de preto com aquelas botas até os joelhos, batendo com a
varinha na tua bunda?
— Sério que você consegue imaginar isso Dri? — o corpo dela
chacoalhava de tanto rir e eu tentava a todo custo me manter com a expressão
neutra — Isso nunca vai acontecer...
— Eu poderia apostar que vai, mas sei que do jeito que é machista nunca
iria admitir.
— Sem chance ruiva. Eu não vou apanhar na bunda, ainda mais com uma
porra de varinha mágica. Só você pra falar uma merda dessas.
Laís virou a cabeça me encarando e nós dois caímos na gargalhada. Sem
admitir para ela, imaginei a cena que descreveu, sem conseguir conter o riso.
Entrei com o carro no estacionamento exclusivo para funcionários e
manobrei ao lado de onde estava a moto de Thor e a pergunta de Laís me fez
desviar o olhar para saber o que ela estava falando.
— Que porra ela está fazendo aqui?
Puta merda!
Eu rezava todos os dias para não encontrar algumas pessoas no período
da manhã, mas meus créditos com Deus deviam ter acabado, já que o par de
olhos que me fuzilava através do vidro dianteiro do carro, era o sinal de que a
minha ausência a missa estava sendo notada.
— Não sei, mas boa coisa não é.
— Será que ela nunca vai desistir?
— Você sabe que não.
— Então está na hora de ensinar uma lição a ela.
— Laís, por favor, deixa que eu resolvo ok?
— Tudo bem, mas não consigo evitar, é mais forte do que eu...
Porra.
Todas as vezes que a Drizella falava aquilo, ela aprontava alguma coisa,
e como sempre, eu estava certo.
A verdade é que quando uma mulher quer foder à vida de um homem, ela
não mede as consequências de suas ações e Julia já tinha passado de todos os
limites estipulados pelo mais nobre assessor do Buda.
E eu?
Bom... eu já estava cansado de toda aquela merda. Muito cansado
mesmo.
CAPÍTULO 20

PIUÍ

Minha quase ex-esposa estava a poucos metros de nós, com a cara


fechada, e a mesma expressão de ódio que surgia em seu rosto sempre quando
me via ao lado da ruiva.
— Caralho, que merda!
— O que ela quer dessa vez?
— Ela deve ter passado no meu apartamento e não me encontrou.
Provavelmente ta achando que passei a noite com você.
Laís sorriu diabolicamente, ajeitou os cabelos com os dedos, ciente de
que a mãe de Pedrinho nos observava, e sem que eu esperasse me abraçou
colando nossos corpos da cintura para cima.
— Que porra você ta fazendo Drizella?
Perguntei ainda sorrindo, mas não era mais de alegria, e sim, de nervoso.
Minha amiga se afastou e acariciou meu rosto olhando nos meus olhos com seu
jeito cínico que eu conhecia tão bem.
— É melhor a megera pensar que você está me comendo, do que
descobrir que a Nichole é a verdadeira salvadora do seu pau enclausurado. — a
ruiva deu de ombros e abriu a porta do carro me deixando de boca aberta com a
sua atitude. — Tudo que a nossa Hermione não precisa agora, é de uma sonsa
fingindo loucura atrás dela fazendo escândalo, e você não ia gostar de se sentir
culpado pela morte de alguém, né?
— Porra Laís, achar que a Julia poderia querer matar a Nichole por causa
de ciúme é demais até pra você, não é?
Laís olhou novamente para Julia e antes de sair do carro, falou:
— Não, você não entendeu. Eu não estou dizendo que a Julia vai matar a
sua menina, Piuí. — Laís falou calmamente como se estivesse descrevendo a
previsão do tempo no Rio de Janeiro — Mas se a Julia entrar no caminho da
Nichole no momento errado ela pode acabar sendo morta, sim senhor. Se tem
uma coisa que nenhum trauma vai apagar da cabeça daquela menina, é o talento
que ela tem pra usar uma arma. Acho melhor manter a megera longe da
Hermione, ou os seus problemas podem ficar ainda maiores.
A ruiva desceu do carro e eu a segui com as suas palavras martelando em
minha cabeça. Nichole estava passando por um momento extremamente difícil e
delicado de saúde, mas eu duvidava que se precisasse se defender de qualquer
tipo de ameaça, minha menina fosse encontrar dificuldade e com certeza, Julia
seria um alvo fácil.
Minha amiga tinha razão de se preocupar com a integridade física da mãe
de Pedrinho, e mantê-la bem longe de Nichole era a coisa certa a fazer.
Nem que para isso, fosse necessário fingir que o ciúme doentio de Julia
tivesse cabimento e admitir que toda sua desconfiança irracional desde o início,
no fim das contas, fosse justificada.
Caminhamos um do lado do outro em direção ao elevador, e Julia se
aproximou de nós como um cão raivoso.
— Eu preciso falar com você Pedro, em particular.
Minha ex-namorada se colocou a frente de Laís que sorriu para provocá-
la, e pelo jeito de Julia, eu sabia que a ruiva estava conseguindo.
— Aconteceu alguma coisa com o Pedrinho? — perguntei sem me abalar
com sua expressão de quem comeu e não gostou.
— Não, ele está bem. — respondeu com as mãos na cintura.
— Então não temos nada pra falar, Julia. — passei por ela seguido por
Laís sem dar atenção ao seu chilique habitual.
— Eu preciso falar com você Pedro e tem que ser agora. — o jeito calmo
e a voz propositalmente mais baixa não escondiam seu tom ameaçador — Será
que você pode pedir pra essa puta nos deixar conversar sozinhos?
Passei a mão pela cabeça e me preparava para responder, quando Laís me
abraçou por trás e apoiou o queixo no meu ombro, encarando Julia com o
mesmo sorriso debochado que usava para falar com algum criminoso durante os
interrogatórios.
A ruiva conseguia ser irritante e assustadora sem se esforçar, e para quem
não a conhecia como eu, imaginar o que aquela mulher era capaz de fazer com
uma faca, uma arma, e até mesmo com as próprias mãos, não era uma tarefa
muito fácil.
Puta merda! Ela queria arrumar confusão e estava usando o ciúme de
Julia para irritá-la.
— A puta aqui — Laís sorriu e apontou o dedão direito para próprio rosto
—, não vai deixar ele sozinho com você, porra nenhuma. Se não tem nada pra
falar sobre o Pedrinho, dá meia-volta e vai embora daqui, aliás, eu quero saber
como você conseguiu entrar nesse estacionamento se não tem uma credencial?
Julia ficou nervosa, pois sabia que se falasse besteira poderia se
comprometer. Eu iria descobrir quem havia liberado sua entrada, e o que ela
tinha falado para conseguir ter acesso a um lugar exclusivo dos funcionários.
— Pedro, eu sabia que quando a gente se separasse você ia correr pra
cama dela, mas isso não vai focar assim. — minha ex ajeitou a bolsa preta sobre
o ombro — Se quiser ver o menino de novo, vai ter que me procurar e fazer tudo
que eu quero. Senão, eu conto pra todo mundo que você não é o pai dele.
Desde que Pedrinho nasceu e eu descobri que ele não tinha meu sangue
correndo em suas veias, eu sabia que essa hora iria chegar. Amar aquele
pedacinho de gente foi uma das coisas mais fáceis que eu fiz na minha vida e
faria tudo que estivesse ao meu alcance para tê-lo comigo, como meu filho.
Mas Julia não pensava no garoto e achava que poderia usá-lo para me
chantagear, o que ela não sabia era que eu já estava com tudo sob controle, e não
permitiria que o meu amor por ele, me tornasse refém de suas armações e
armadilhas.
Se a mulher que engravidou de outro homem para manter seu casamento
fracassado sem se preocupar com os meus sentimentos ou vontades, resolvesse
dificultar as coisas para mim, ficaria sem nada.
Eu sempre estaria presente na vida do meu garotinho, mas na dela, nunca
mais.
— Faz isso, mas pensa bem, porque no mesmo instante que me proibir de
ver meu filho, eu paro de pagar a pensão dele e não deposito mais um centavo na
sua conta. Daí, em vez de viver a vida boa que eu te proporciono sem te cobrar
nenhum comprovante dos seus gastos, você vai ter que pedir pro pai biológico
dele te bancar.
Eu odiava agir como um babaca e ameaçá-la daquela forma, mas não
podia mais viver preocupado com as suas ameaças e chantagens. Julia não
trabalhava há alguns anos, gostava de se arrumar bem e gastar dinheiro com
coisas supérfluas, então se quisesse continuar com a vida boa e dando para quem
bem entendesse, teria que mudar sua atitude comigo.
O elevador chegou e segurando a mão de Laís, sob o olhar atento de
Julia em nossos dedos entrelaçados, puxei a ruiva para dentro. Ao meu lado —
Você que sabe Julia, se eu não puder pegar o meu filho sábado de manhã,
começa a procurar um emprego pra ganhar o teu próprio dinheiro, porque do
meu tu não vai ver mais um real. Beleza?
A porta se fechou e pela cara dela, o aviso tinha surtido o efeito que eu
queria. Julia estava começando a entender que nunca mais iria me manipular.
A única coisa que eu queria era poder ver meu filho crescer, mas se ela
resolvesse dificultar as coisas, eu levaria minha decisão as últimas
consequências.
— Porra! Depois você briga comigo porque eu chamo essa idiota de
megera. — Laís resmungou.
— Confessa que você me abraçou só pra deixar ela com mais ciúme.
— Claro. Se ela acha que eu sou uma puta sem fazer nada, agora vai me
chamar com motivo, mesmo que só na cabeça oca dela haja um motivo. —
minha amiga estava revoltada — Ela me chama de puta, mas esquece que tem
um filho de outro cara sendo sustentado pelo marido. Vagabunda é ela, isso sim!
— Já parou pra pensar no que o babacão vai pensar? — perguntei
ironizando a situação para tentar aliviar o clima pesado depois do encontro
inesperado no estacionamento — Do jeito a Julia é, não vai demorar muito
tempo pro Murilo ficar sabendo.
— A diferença Piuí, é que o bombeiro sabe a mulher que tem dentro de
casa, e confia nela, ao contrário da megera vadia que nunca vai te valorizar como
você merece. Como ela pode ser tão burra e achar que a gente tem alguma coisa?
A porta do elevador se abriu e caminhamos até o escritório de Thor, que
estava com a porta encostada.
— Eu me pergunto isso todo santo dia Drizella.
Mateus estava concentrado, de frente para a tela de led presa a parede.
Assim que nos viu entrar, acenou nos chamando para o seu lado.
— Temos que nos preparar e assim que os outros chegarem vou decidir
por onde vamos começar.
— Quem são esses caras?
A tela estava dividida em quatro partes e várias fotos separadas por
siglas, que eu desconhecia, apareciam como slides dançando sobre ela.
— Todos eles fazem parte de um grupo que está se preparando para vir
ao Brasil. Eles querem se instalar por aqui e começar um novo tipo de negócio.
Thor respondeu sem tirar os olhos das imagens que apareciam e sumiam
da tela.
— Que tipo de negócio?
— Prostituição legalizada com menores de idade.
— Que merda! — Laís resmungou e se sentou.
— O nosso problema não é o negócio e sim, o líder do grupo, que só está
usando essa desculpa pra arrastar todos esses matadores profissionais pra cá.
Meu coração acelerou e minha mente gritou o nome do desgraçado tão
alto, que quando minha boca abriu, duas palavras correram antes que eu pudesse
impedi-las.
— James Hudson.
— O próprio. — meu amigo apertou um botão do controle remoto e
congelou na tela a imagem do fodido que havia sido o principal responsável por
tudo que havia acontecido com Nichole. — Eu já tenho provas concretas de que
ele não está vindo pra cá por causa dessa merda, o que James quer tem nome e
sobrenome.
— Nichole...
— Foi por isso que chamei vocês aqui, temos que conversar e encontrar
uma forma de manter a sua garota longe do radar desse filho da puta.
Meus olhos estavam cravados nos olhos azuis que pareciam me enxergar
por trás da tela. Eu queria matá-lo com as minhas próprias mãos, mas precisava
me certificar de que Nichole estaria segura e protegida.
Ela era minha prioridade.
Ela era o meu motivo.
Ela era a minha paz.
E por ela, eu faria qualquer coisa.
Inclusive, aturar Guilherme que tinha acabado de chegar, junto com toda
a culpa que carregava nas costas por ter permitido que sua única filha fosse
vítima de um bando de mercenários estupradores.
— Por que ele está aqui?
A voz do pai de Nichole me tirou do transe que a imagem de James tinha
me colocado. Thor não se abalou e continuou na mesma posição ignorando seu
amigo.
O silêncio permaneceu até que Guilherme percebesse que sua pergunta
não teria uma resposta, já que não merecia uma.
— Eu perguntei por que ele está aqui, Mateus?
Minhas mãos se fecharam e o calor que aquecia minha raiva embutida
aumentou potencialmente. Eu entendia o cara, mesmo achando que na maioria
das vezes sua babaquice extrapolava, ainda assim, eu compreendia o que estava
passando.
Mas ele nunca fez questão de tentar entender os motivos que me levaram
a tomar as decisões que tomei, há um ano, e deixei sua filha sozinha em um
quarto de motel.
— Eu disse que iniciaria uma nova operação por conta própria e montaria
uma equipe para fazer a segurança da Nichole.
— Eu não quero o Pedro perto da minha filha!
Laís soltou uma risada estrondosa e balançou a cabeça, ironicamente,
claro. Eu senti vontade de dar uns cascudos nela só pra fazê-la lembrar, de que
meu relacionamento com Nichole já tinha problemas demais para resolvermos, e
incluir Guilherme naquela equação não era uma boa ideia.
— Falei alguma piada Laís? — Guilherme perguntou e se aproximou da
ruiva com os braços cruzados a frente do peito.
— Quem me dera ouvir uma piada da sua boca. — minha amiga não se
intimidou e relaxou na cadeira cruzando as pernas — Mas você só fala merda
Guilherme, infelizmente.
Olhei para a cena que se desenrolava atrás de mim, e só então me dei
conta de que Ferraz, Kaio e Nicholas estavam todos de pé fazendo a mesma
coisa, e pelas expressões em seus rostos, se divertindo com o embate, tanto
quanto Mateus.
— Você acha que eu, como pai, vou permitir que o homem culpado por
tudo que aconteceu com a minha filha faça parte da equipe que vai cuidar da
segurança dela?
— De novo essa ladainha Guilherme? — minha amiga se levantou e
encarou o ex-agente com a cara fechada — Se eu não estiver enganada, sua filha
abriu as pernas para um homem casado por livre e espontânea vontade, e nem
por isso foi repreendida ou julgada por nenhum de nós. Onde você estava para
proibi-la de se tornar a amante do Piuí?
Eu segurei Laís pelos braços para afastá-la, mas ela se soltou e com o
rosto vermelho apontou o dedo na cara de Guilherme e continuou a falar:
— Desde o começo a sua filha sabia que ele era comprometido e aceitou
a porra da situação. Ele nunca mentiu pra ela, porra! Nunca disse que era solteiro
e se a Nichole decidiu arriscar porque estava apaixonada, ninguém tem culpa,
mas você precisa arrumar um culpado pra livrar seu rabo, não é?
— Chega Laís! — Minha ruiva olhou para mim com os olhos
esbugalhados, a respiração acelerada e as mãos trêmulas. Porra, ela nem
imaginava o quanto me deixava feliz por tomar minhas dores naquela discussão
de bosta, mas a segurança de Nichole era muito mais importante do que a
batalha de egos que Guilherme insistia em travar comigo — Esquece essa
merda, já te falei. O que aconteceu entre a Nichole e eu é um problema meu e
dela, e de mais ninguém. Não teve erros, o que aconteceu foi que a gente se
apaixonou, e se isso for considerado um erro, foda-se, eu assumo essa porra sem
problema nenhum. — puxei minha amiga para um abraço e beijei sua cabeça
vermelha — Tudo que importa agora e a segurança dela, ok?
Por menos de dez segundos pensei que tivesse conseguido acalmar a
ruiva, mas infelizmente o temperamento daquela mulher não era dos melhores, e
Guilherme há tempos estava cutucando a onça com uma vara curta, na verdade,
minúscula.
— Tudo bem, ele só precisa entender que se a filha dele foi parar naquela
base fodida, a culpa não foi sua e se ele quiser encontrar um culpado é só se
olhar no espelho. — Laís falava comigo se referindo a Guilherme, e depois de se
recompor, encarou o pai de Nichole e falou com mais tranquilidade — Aliás, não
precisa se preocupar em agradecer o idiota aqui por ter arriscado a própria vida
pra resgatar você e a Nichole daquela porra. Se fosse qualquer outro no lugar
dele, tinha dado meia-volta, voltado pro Brasil e deixado sua filha nas mãos do
James e dos capangas dele, pela segunda vez, porque VOCÊ não fez o que devia
pra salvá-la, aliás, já estava todo fodido e não ia conseguir fazer nada pra tirar
ela de lá.
— Eu não pedi pra vocês irem atrás de nós!
— E nem precisava, porque ele ia atrás dela de qualquer jeito,
Guilherme, e você sabe muito bem que só um homem muito apaixonado pra se
enfiar naquela porra depois de descobrir que foi enganado pelo cara que
organizou a operação. Você mentiu pra gente e quase nos matou naquela
explosão, mas isso não faz diferença pra você, não é mesmo? Tudo que importa
é jogar a culpa em cima de outra pessoa pra aliviar a tua consciência.
— Você acha que eu não me culpo também?
— Pois não deveria! — Laís rebateu — Os únicos culpados por tudo que
aconteceu com ela estão mortos, com exceção do James, e agora é à hora de
acabar com a vida dele.
— Que bom que vocês se entenderam. — Mateus falou seriamente e fez
um sinal com a cabeça para que os integrantes da equipe N5-Security se
aproximassem — Agora vamos ao que interessa de verdade. James Hudson e seu
novo grupo de amigos.
Nicholas tocou a mão no ombro do filho, que se afastou e sentou ao lado
de Mateus, enquanto eu e os outros, nos acomodamos ao redor da mesa.
— James recrutou doze homens para trazer ao Brasil e pretende chegar
aqui em duas ou três semanas, no máximo. — Thor apertou o controle remoto e
novas fotos apareceram na tela. — Tudo que sabemos é que eles virão com o
pretexto de abrir uma boate para iniciar um novo tipo de negócio, que envolve
uma rede de prostituição infantil, mas nessa madrugada eu recebi uma cópia de
e-mail, onde James trocou informações com um traficante local, e perguntou
sobre o paradeiro de Nichole Gomes Castro, filha do ex-agente da Polícia
Federal, Guilherme Fiolski Castro.
— Traficante local? — perguntei — Quem?
— Esse é o outro assunto que precisamos conversar Piuí. — Thor
acionou novamente o botão do controle e um rosto muito familiar apareceu na
tela — Esse é o cara que vem trocando mensagens diariamente com James
Hudson, e tudo indica que é com ele que o negócio será feito.
— Porra! — fiquei de pé e passei as mãos pela cabeça raspada sem
conseguir me controlar. — Você tem certeza disso?
— Tenho. — Mateus afirmou convicto.
— Quem é esse cara? A gente conhece?
Laís perguntou com a testa enrugada e mesmo que eu quisesse mentir,
não tinha como, já que em breve nós o encontraríamos para falar sobre outro
assunto, não menos importante.
— O apelido dele é Trovão, a gente cresceu junto no Teteu, e se eu
estiver certo, ele sabe quem é o pai do Pedrinho.
— Puta merda! Que mundo pequeno...
— Se você quiser resolver sua treta com o Trovão antes de começar a
trabalhar na segurança da Nichole, eu vou entender Piuí.
— Não. — respondi prontamente — O meu assunto com ele é particular
e eu vou dar meu jeito.
— Ok.
Pelo olhar de Thor eu sabia que iríamos ter outra conversa sobre aquele
assunto quando estivéssemos sozinhos, mas ele assentiu e seguiu dando todas as
orientações e informações sobre toda a operação que seria montada para pegar
James e livrar de uma vez por todas Nichole daquela sombra.
Olhei no relógio e me lembrei que no fim daquela tarde, Daniel iria me
atender no consultório e eu falaria para ele sobre a ideia de me tornar um
Dominador profissional para atender as necessidades da minha menina.
Imagens pervertidas invadiram minha cabeça e me senti mal por estar
imaginado Nichole em várias posições eróticas, nua e cercada por objetos de
cunho sexual, com o seu pai me encarando como se estivesse lendo meus
pensamentos.
Porra.
Tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo e as coincidências estavam
apenas começando. Depois da reunião que durou mais de três horas, consegui
voltar para casa e aproveitei para repor parte do sono que eu havia perdido
naquela noite.
Acordei com o barulho do despertador, tomei banho, vesti calça jeans,
camisa preta, calcei minhas botas e segui até a clínica, onde encontraria o
psicólogo que poderia me ajudar, a ajudar Nichole.
Não tinha ninguém na recepção e pontualmente, Daniel abriu a porta me
convidando a entrar.
— Fiquei surpreso com a sua ligação Pedro, em que posso ajudá-lo?
Eu me sentei a sua frente, do outro lado da mesa de madeira, encarando-o
com a mesma intensidade que ele me encarava. Não sabia se ele tentava decifrar
o que se passava dentro da minha cabeça, ou queria apenas me deixar
intimidado.
— Preciso da sua ajuda Daniel.
— Por que você acha que eu posso ajuda-lo Pedro?
— Porque eu só confio em você pra me transformar em um Dom.
Daniel se remexeu na cadeira parecendo interessado no que havia
escutado.
— Quer dizer, Dominador? Sexual?
— Exatamente. Eu preciso ser o melhor Dom que uma mulher pode
querer na cama. Quero aprender tudo sobre essa merda, tudo mesmo.
— E eu posso saber por que você decidiu fazer isso? Pelo que me disse
ontem a tarde, nunca teve uma relação que evolvesse violência física.
Ele deveria saber certo?
Mas por que era tão difícil falar com um estranho sobre aquilo?
Puta que pariu!
Quando foi que a minha vida se transformou nessa confusão
generalizada, caralho?
Inspirei profundamente e soltei o ar bem devagar, numa tentativa de me
acalmar. Eu era um homem em uma missão desconhecida e precisava de ajuda.
Se eu quisesse ter a mulher que amava novamente ao meu lado, teria que deixar
de lado todos os pudores e confiar em Daniel Rebouças.
O que significava um peido, para quem estava todo cagado, certo?
CAPÍTULO 21

PIUÍ

— Daniel, antes de começar a namorar a Julia, eu tive muitas mulheres


no morro, mas nunca me envolvi sentimentalmente com nenhuma delas. As
únicas mulheres que estiveram na minha cama mais de uma vez porque eu
estava apaixonado, foram a Julia e a Nichole, e nenhuma das duas era adepta
desse tipo de relação, mas agora as coisas mudaram, e como você já deve saber a
Nichole acha que precisa de um homem para dominá-la e é por ela que eu vou
fazer isso.
— Você acha que se a Nichole enxergar em você, o dominador que ela
acha que precisa, a necessidade em manter o tipo de relação que ela procura
pode diminuir, é isso?
— Não. — eu teria que explicar a Daniel e lhe dizer a verdade, porque
naquele momento, Nichole não era a única pessoa com dúvidas sobre — Ontem
à noite eu segui a Nichole e depois de despachar o sujeito que ela tinha
contratado, eu assumi o lugar dele. Foi a primeira vez que tive uma experiência
sexual como dominador e, eu gostei do que fizemos e sei que ela também
gostou.
— Vocês dois passaram a noite juntos e você fez o papel de Dom e a
Nichole de Sub, foi isso que aconteceu?
Daniel estava surpreso e confesso que me ouvindo contar para ele,
também fiquei surpreso.
— Sim, foi exatamente isso que aconteceu, e agora eu quero que me
ajude a aprimorar esse negócio para que a Nichole nunca mais tenha vontade de
contratar outro homem. — dei de ombros — Se eu der a ela tudo que precisa, sei
que vou conseguir fazê-la enxergar que a amo de verdade e que podemos ser
felizes juntos, novamente.
— Pedro, a sua atitude é admirável, mas não é tão fácil assim.
— Por que não? Eu sei que ela ainda me ama e depois de tudo que
fizemos ontem, tenho certeza que é só uma questão de tempo para que ela
admita que precisa de mim, como eu preciso dela.
— No caso da Nichole, o amor não é o fator principal.
— Não?
— Não, a Nichole precisa voltar a confiar em você primeiro, para depois
se entregar ao que sente.
— Eu posso fazer isso Daniel.
— Tenho certeza que sim Pedro, mas antes de mais nada, eu tenho uma
pergunta a fazer e preciso que me responda com honestidade para saber se
podemos ou não seguir a diante com a sua ideia.
— Pode fazer, vou responder a verdade.
O psicólogo apoiou os cotovelos em cima da mesa e ficou me encarando
antes de perguntar:
— Você está preparado para tratar a Nichole como uma verdadeira
submissa? Pergunto isso considerando tudo que envolve essa prática e todos os
desejos dela quando estiver procurando por esse tipo de relação.
Eu não sabia exatamente tudo que estava incluso no pacote de uma
submissa, mas tinha certeza de que faria o que fosse preciso para que minha
Hermione ficasse satisfeita comigo.
— Estou. Vou fazer tudo que ela quiser que eu faça.
— Espero que saiba onde está se metendo Pedro, porque a Nichole vai
procurar o nível mais alto de submissão e isso exigirá de você muito mais do que
o amor que sente por ela.
— Por que está me falando isso Daniel?
— Porque ela esteve aqui há algumas horas e agora eu estou entendendo
perfeitamente tudo que está acontecendo.
— Ela veio aqui hoje?
Daniel assentiu.
— O que ela te falou?
— Não posso falar com você sobre esse assunto, mas posso alertá-lo
sobre a sua provável submissa Pedro.
— Me alertar sobre o que?
Daniel se remexeu na cadeira e cruzou a perna direita em cima do joelho
esquerdo, passou a mão pelo queixo e falou:
— De agora em diante nossa conversa será subjetiva, o que significa que
estaremos falando sobre uma paciente, está certo?
Eu estava entendendo perfeitamente o que onde ele queria chegar, e
concordava com seu raciocínio. Daniel Rebouças era um médico famoso e muito
conceituado no Rio de Janeiro, e apesar de conhecer Isabela, mãe de Nichole há
muito tempo e ser seu amigo íntimo, não podia arriscar sua carreira sendo
antiético.
Daniel também se preocupava com a minha Hermione e desejava ajudá-
la, mas precisava ser cauteloso. Nós nos conhecíamos pouco e a única garantia
que ele teve de que os meus sentimentos pela sua paciente eram sinceros e
verdadeiros, foi a palavra da mãe dela e claro, o meu desespero diante daquela
situação de merda que estávamos vivendo.
— Eu sei que você também não me conhece o suficiente pra confiar em
mim, mas eu prometo que tudo que conversarmos, ficará apenas entre nós. Tudo
que mais quero é trazer a Nichole de volta.
Ele me observou quieto e assentiu.
— Algumas submissas podem se mostrar muito dispostas a levar seu
dominador ao limite estipulado pelo bom senso para forçá-lo a desistir de
continuar com a relação. Essa é uma das formas que elas encontram de
manterem a distância que acham necessária para seguir em frente, sozinhas, em
relações superficiais e sem qualquer tipo de vínculo emocional.
— Eu não vou desistir.
— Eu sei, mas precisa se preparar porque para ser o Dominador que a
sua submissa quer muitas vezes você terá que deixar o amor de lado, agir com
indiferença, machucá-la fisicamente, humilhá-la sem demonstrar culpa ou
remorso e isso não é uma tarefa fácil quando existe qualquer tipo de sentimento
envolvido. — Daniel me encarava com preocupação — Você está disposto a
fazer exatamente tudo que eu mandar para que a sua submissa não consiga te
afastar?
Machucar e humilhar minha menina não estavam nos meus planos, mas
não havia escolha, e se tivesse que passar por cima das minhas vontades e
convicções para que ela ficasse comigo, eu não tinha dúvida do que queria.
— Eu vou fazer.
— Não pense que vai ser fácil Pedro, algumas submissas ainda não
aceitam o que aconteceu com elas e nem a possibilidade de que ainda possam ser
felizes novamente. Elas querem levar o relacionamento ao limite extremo.
— Eu estou preparado Daniel e vou provar a Nichole que nada do que ela
possa fazer, vai me afastar dela.
— Muito bem, agora me conte como se sentiu quando teve o poder para
mandar em uma mulher?
Aquela foi a primeira de várias perguntas que o psicólogo fez, e depois
de responder a todas, deixei seu consultório me sentindo um novo homem, mas
minha felicidade não durou muito.
Thor me ligou para informar que Julia havia sido internada depois de
uma suposta tentativa de suicídio e que Pedrinho estava com Lívia, na sua casa.
Meu celular vibrou e informou a chegada de uma nova mensagem:

“Mestre, preciso da sua atenção essa noite, por favor.”

Sem boa noite ou qualquer intimidade. Apenas uma cliente solicitando


um produto. Se o caminho escolhido por ela foi aquele, então não me restava
saída a não ser atendê-la.

“Esteja pronta às 23hs. Vestido preto, sem calcinha.”

Meu pau endureceu só de imaginá-la entrando no carro exalando o cheiro


da sua excitação sem a proteção do pequeno tecido de renda.

“Sim senhor, Mestre.”

Porra! Porra!
Passava das nove da noite e eu ainda precisava ir ao hospital para saber
sobre o estado de Julia, mas nada me impediria de ficar com a minha menina.
Enquanto eu esperava pelo médico na recepção, acessei o site que Daniel
me indicou e descobri que, me tornar o Dom que Nichole queria, seria muito
mais difícil do que eu imaginei.
Ela queria me afastar, mas não sabia que naquele cabo-de-guerra,
venceria não o mais forte, mas o mais paciente.
No caso, eu.
— Senhor Pedro?
Uma mulher morena, alta, com cabelos pretos encaracolados e um olhar
cansado me chamou. Guardei o e me aproximei dela.
— Sou eu. — estendi a mão para cumprimentá-la sentindo seus olhos
sobre meu corpo — Muito prazer, como ela está?
— O senhor é parente da paciente?
— Julia é minha ex-mulher. — não era a mais pura verdade, mas também
não era uma mentira. Estávamos ligados apenas pela documentação que em
breve, não representaria mais nada — Mas sou a única pessoa que ela tem aqui
na cidade.
A mulher era bonita e estava visivelmente esgotada àquela hora da noite.
Ela anotou alguma coisa na prancheta que segurava e voltou a me encarar.
— Quem avisou o senhor que ela estava aqui?
— Meu chefe.
Ela assentiu e escreveu mais algumas palavras, respirou fundo, guardou a
caneta no bolso do jaleco branco e abraçou a prancheta junto ao peito.
— A Julia está com problemas sérios e precisa da ajuda de um
profissional, com urgência.
— O que ela fez, afinal?
— Sua ex-esposa ingeriu mais de meio litro de cloro misturado com
desinfetante.
Caralho!
Passei as mãos pela cabeça raspada com irritação. Julia não era uma
mulher burra e eu duvidava que estivesse tentando se suicidar. Pela primeira vez
desde que ficamos juntos, consegui enxergar as coisas pela mesma ótica de Laís.
A mãe de Pedrinho estava tentando me manipular e jogar todas as
pessoas contra mim. Seria mais fácil para ela, se todos achassem que suas
atitudes estivessem relacionadas à rejeição, mas eu não permitiria que aquilo
acontecesse.
— Nós podemos conversar em particular por um minuto?
O espaço reduzido estava lotado e eu não pretendia falar sobre o meu
relacionamento com a minha ex-mulher na frente de um bando de
desconhecidos.
A morena me olhava com intensidade e curiosidade, talvez estivesse
tentando entender o meu pedido.
— Venha comigo.
Ela se virou e caminhou pelo corredor atravessando as portas de vidro
por onde havia passado, sem olhar para trás. Eu a segui me esforçando para não
reparar muito no gingado da sua bunda redonda que estava encoberta pelo jaleco
branco.
A médica entrou em um consultório e se sentou, apontando a cadeira a
sua frente para que eu fizesse o mesmo. Nós nos encaramos por alguns segundos
até que ela quebrou o silêncio.
— O senhor pediu para ficarmos sozinhos, aqui estamos. O que tem pra
me falar?
Apoiei os cotovelos nas pernas sem saber direito por onde deveria
começar a falar. Se a médica soubesse de algumas coisas que aconteceram e
colaboraram para que Julia fizesse aquela merda, talvez ela pudesse me ajudar a
resolver o problema com a mulher que não estava aceitando o fim do casamento.
— Qual o seu nome? — perguntei.
— Meu nome? — ela retrucou e eu sorri ao me lembrar de Lívia e suas
broncas — O que foi?
— Nada de mais, quer dizer, tem uma pessoa que sempre fala que não é
de bom tom você responder uma pergunta com outra pergunta, e você respondeu
com duas.
— Sua pergunta me pegou de surpresa. — deu de ombros sem
demonstrar irritação.
— Você já sabe o meu. — ergui uma sobrancelha e sorri.
— Ponto pra você. — ela se encostou a cadeira e mordeu a tampa da
caneta — Meu nome é Kelly, doutora Kelly.
Nunca fui um cara tímido ou envergonhado, mas conversar com uma
estranha sobre o meu relacionamento fracassado não me parecia tão simples de
fazer, quanto eu achei que seria.
— Eu vou resumir a história apenas para que você entenda o que está
acontecendo Kelly, porque a Julia vai precisar de apoio e eu não posso e não
quero me envolver mais na vida dela.
— Mas você mesmo disse que ela não tem mais ninguém aqui.
— É verdade, mas eu a Julia estamos no meio de um divorcio
complicado e tudo que ela está fazendo é pra me culpar pelo estado de saúde
dela.
— Senhor Pedro, a paciente ingeriu uma quantidade significativa de
solvente para causar um belo estrago no próprio organismo.
Kelly falou com a voz alterada, claro que ela iria defender sua paciente,
pois já tinha me declarado culpado antes mesmo do julgamento iniciar.
— Ela poderia ter morrido?
— O que?
— Ela poderia ter morrido com a quantidade de solvente que ingeriu?
Kelly ainda estava em dúvida sobre a pergunta que fiz.
— Não, mas não acredito que ela soubesse disso quando tentou se matar.
— Esse é o ponto que quero discutir com você.
— Que ponto?
— Julia engravidou para que eu não me separasse dela, e foi o que
aconteceu, mesmo sabendo que não havia mais chance de continuarmos juntos.
— respire fundo e relaxei meu corpo na cadeira — Quando nosso filho nasceu os
medicos descobriram que ele tinha anemia profunda e precisava de uma
transfusão de sangue. Eu me candidatei para doar, mas para a minha surpresa
não éramos compatíveis.
A médica abriu e fechou a boca algumas vezes sem emitir nenhum som.
— O menino não é meu filho, mas o assumi e dei a ele meu sobrenome,
porque eu o amo desde o primeiro minuto que coloquei meus olhos nele. —
aquela era a mais pura verdade — Há pouco mais de dois meses, descobri que a
Julia ainda mantinha contato com o pai biologico do Pedrinho e entrei com o
pedido do divórcio. Ela não aceitou e ameaçou me proibir de ver o garoto por
não ser o pai dele. Eu revidei a ameça dizendo que não pagaria mais a pensão e
deixaria de sustentá-la, mas agora posso apostar que ela está fazendo isso para
jogar a responsabilidade da sua tentative de suicídio em cima de mim.
— É uma história e tanto…
— Sim, mas não é só isso.
— Tem mais?
Sorri sem vontade e olhei o relógio que marcava quanse dez horas.
Precisava agilizar a conversa se quisesse chagar a tempo e impeder Nichole de
sair sozinha.
— Eu amo outra pessoa. — confessei — Ela está passando por um
momento muito difícil e não pretendo vir aqui ficar servindo de babá pra Julia.
— Olha senhor Pedro, eu sinto muito por tudo que está acontecendo
entre vocês, mas a minha obrigação é relater os fatos e fazer o que achar melhor
para a paciente. No caso da Julia, ela precisa de tratamento psicológico e não
pode ficar sozinha nesse momento, ainda mais se houver um menor sob a
responsabilidade dela.
— Eu posso cuidar disso. Meu filho pode ficar comigo.
— Não é apenas isso, a sua ex-esposa não vai poder ficar aqui por muito
tempo. Nós fizemos uma lavagem estomacal e vamos esperar o tempo necessário
para que ela se recupere. Quando isso acontecer, o senhor terá que remove-la.
— Ótimo. — fiquei em pé e encarei a médica pela última vez antes de
deixar o hospital — Quando a Julia acordar, explique pra ela que depois de uma
tentativa de suicídio o melhor pra ela é ser internada em uma clínica de
reabilitação. Eu me encrregarei de pagar todas as despesas, mas não quero que a
Julia se aproxime do meu filho enquanto não estiver comprovado de que ela não
representa nenhum tipo de perigo pra ele, e que sua saúde mental está boa. —
caminhei para a porta e falei sem olhar para trás — Meu telefone está na ficha
que preenchi na recepção, se ela precisar de ajuda para sair daqui pode me ligar
que eu mando alguém pra buscar ela, fora isso, não tenho nenhuma
responsabilidade. Boa noite e obrigado por me ouvir.
— Eu vou confirmar sua história e se estiver mentindo pra mim, vou me
oferecer para ser testemunha dela, caso ela precise.
— Faça isso, eu duvido que a Julia vai responder qualquer pergunta sobre
o filho, mas te desejo boa sorte.
Eu me sentia dividido, uma parte queria ajudar minha ex-esposa e tentar
convencê-la de que nada que fizesse, me faria voltar a trás na decisão de deixá-
la.
A outra parte queria que ela se fodesse e fosse internada na pior clínica
que existisse no Rio de Janeiro, só para passar um tempo trancafiada como uma
mulher doente da cabeça e aprender que não deveria agir como uma vaca louca,
ciumenta e mimada.
Estava mais do que na hora de a Julia entender que as consequências de
suas ações poderiam ser muito piores do que ela imaginava. Durante anos fiz de
tudo por ela e acabei deixando-a mal acostumada, pois sempre que fazia merda
eu acabava relevando, desculpando e varrendo a sujeira para debaixo do tapete.
O problema era que com a volta de Nichole ao Brasil e todos os
problemas, realmente sérios, que ela estava passando, eu não tinha mais tempo
ou paciência para aturar as simulações de loucuras da minha ex-mulher.
Se Julia estivesse a fim de me foder, ela teria que se esforçar muito mais
para conseguir e da próxima vez que tentasse se matar, que usasse uma arma em
vez de tomar a porra do cloro e sei mais o que.
Entrei no carro, conectei o telefone no bluetooth e liguei para a minha
amiga Cinderela, que atendeu rapidamente a ligação.
— Oi Pedro, graças a Deus você me ligou. Como ela está?
— Oi Cindi, ela está bem pra quem bebeu meio litro de cloro e mais
alguma merda misturada.
— Não acredito que ela bebeu cloro!
Lívia parecia chocada com a notícia e se eu não a conhecesse bem, diria
que ela estava disposta a fazer uma visita para uma mulher que nunca gostou
dela. Coisas que somente minha amiga loira seria capaz de fazer, por ter o
coração mole e achar que todo mundo merece uma segunda chance.
— Nem eu. — bufei irritado — Ela tinha a porra da minha arma no
cofre, podia ter usado e acabado com tudo de uma vez porra!
— Cala boca Pedro! — ela brigou me fazendo rir — Nunca mais fale
uma coisa dessas, seu moleque irritante, a Julia pode ter todos os defeitos do
mundo e agir como uma vadia na maior parte do tempo, mas ainda é a mãe do
seu filho. Não se esqueça disso!
Eu amava aquela loira, mas nem sempre nós tínhamos a mesma opinião,
e se tratando de Julia, a minha melhor opção para desabafar era Laís, a ruiva dos
infernos, ou Thor, meu melhor amigo.
Pelo menos eles concordariam comigo e talvez até se oferecessem para
facilitar as coisas para ajudar minha ex-esposa numa próxima tentativa.
— Cindi numa boa, não to a fim de discutir contigo beleza? — olhei para
o relógio no painel, dez e quinze — O Pedrinho pode ficar com você essa noite?
Amanhã de manhã cedinho eu passo pra pegar ele.
— Claro que pode Pedro, e não precisa vir cedo. Ele já está dormindo e
amanhã quando eu for levar a Malu na natação, levo o menino comigo.
Nem se eu quisesse, conseguiri agradecer tudo que aquela mulher já fez
por mim desde que me conheceu.
— Obrigado, agora preciso desligar.
— Pedro!
Ela chamou aflita.
— Fala Cindi...
— Eu... bom, você sabe que eu te amo como meu irmão e é sempre bom
te lembrar que se precisar de alguma coisa, qualquer coisa mesmo, é só me falar.
— ela fungou e eu sabia que já estava chorando. Fechei os olhos com força me
controlando para não chorar também — Não precisa aguentar tudo sozinho e
nem adianta mentir pra mim e dizer que está tudo bem porque eu sei que não
está. Eu sinto que não está...
— Eu prometo que se as coisas saírem do controle você será a primeira a
saber ta bom?
— Não precisa mentir pra mim. — ela deu uma risadinha — Eu sei que a
Laís vai ser sua primeira opção se você precisar de ajuda e eu entendo. A menina
está se saindo muito melhor do que pensei nessa coisa toda de agente e tal, mas
só estou falando que se precisar se abrir ou conversar, pode contar comigo.
— Eu sei disso Cindi. Eu sempre soube.
Passei em casa e só deu tempo de tomar um banho e trocar de roupa. O
trânsito estava tranquilo o que facilitou o trajeto até a casa de Nicholas.
Estacionei o carro as onze horas em ponto. Apenas algumas luzes
estavam acesas e o segurança armado nem se deu ao trabalho de deixar a guarita.
Peguei o celular para enviar uma mensagem a Nichole e avisar que
estava a sua espera, mas o barulho do portão chamou minha atenção.
Levantei a cabeça e se eu não estivesse sentado, teria caído de bunda no
chão, com certeza.
Nichole estava usando um vestido preto que marcava cada curva do seu
corpo magro, mas o que impressionava era a peruca loira que a deixava com um
aspecto selvagem e extremamente vulgar.
Lentamente ela se aproximou do carro, abriu a porta e entrou se
acomodando no banco ao meu lado, me enlouquecendo com seu perfume cítrico
e excitante.
Eu estava sem palavras apreciando a mulher linda que havia acabado de
se acomodar, quando ela cruzou as mãos no colo e abaixou a cabeça sem dizer
uma só palavra.
Naquele momento entendi que a encenação tinha começado e ela não
queria ser reconhecida como a minha Hermione, e sim, como a submissa
disposta a me afastar definitivamente da sua vida.
Duas coisas ficaram claras para mim, naquele momento:
A primeira, era que Nichole me amava, mas não confiava em mim para
acreditar que eu também a amava, muito mais do que ela pudesse imaginar.
A segunda, era que ela estava disposta a me afastar da sua vida e achava
que se me forçasse a fazer com, ela coisas absurdas eu iria recuar, mas a minha
menina não imaginava que, sem querer, estava despertando um lado sombrio que
eu sequer imaginava que existisse, mas intuitivamente o mantinha preso,
enjaulado.
Eu desejava Nichole mais do que tudo na minha vida, e começava a
temer o que pudesse acontecer, se ela me levasse ao limite extremo e
finalmente o libertasse.
— Levante o vestido, abre as pernas e se toque. — ordenei rispidamente
colocando o carro em movimento seguindo na direção do lugar que tinha
escolhido para levá-la — Quero que me distraia enquanto dirijo.
Nichole respirava com dificuldade e uma onda de satisfação e... prazer
me invadiu, quando ela obedeceu e começou a levantar a barra do vestido,
afastou as pernas, desceu a mão direita até o meio das pernas e acariciou seu
clitóris com a pontas dos dedos, jogando a cabeça para trás.
Uma menina obediente.
A minha menina.
A minha submissa.
Porra!
Eu realmente estava começando a gostar daquela porra, e já planejava
muitas e muitas coisas para as noites que passaria com Nichole.
CAPÍTULO 22

NICHOLE

A conversa com o doutor Daniel foi muito melhor do que imaginei que
fosse, e quando deixei o consultório dele, enviei uma mensagem a Pedro.
A resposta imediata tembém me surpreendeu, e por um breve momento
precisei fazer um esforço muito grande para não cancelar o meu encontro com
Pedro.
Os remédios me ajudaram a manter os fantasmas longe da minha cabeça,
mas sabia que a companhia da noite anterior foi fundamental para que a calmaria
na minha mente permanecesse por todo aquele tempo.
Quando cheguei em casa, ouvi uma conversa entre meus pais que me
deixou sem chão, a porta do escritório estava encostada e eles não sabiam que eu
tinha voltado da rua.
O clima entre eles estava tão pesado que nem se preocuparam em falar
baixo.
— O que você tem na cabeça Isa? — meu pai perguntou irritado, mas
sem elevar a voz. — Ela não pode se envolver com ele de novo!
— Só porque você não aceita o que o Pedro fez, e não consegue enxergar
o que está acontecendo entre eles, pode ficar inventando desculpas para proteger
a Nichole dele. Ela não precisa ser protegida do homem que a ama. — minha
mãe também estava irritada, o que quase nunca acontecia. — Eles se amam
Guilherme, e só ele pode ajudar nossa filha a esquecer tudo que passou.
— Se ele amasse a Nichole não teria largado ela naquele quarto e voltado
correndo pra outra.
Houve um minuto de silêncio até que a voz da minha mãe saiu um pouco
mais abafada:
— Você me largou quando soube que eu estava grávida...
Coloquei a mão sobre a boca para não gritar. Do que ela estava falando?
— Não faça isso! — ele vociferou — Você sabe que as coisas entre nós
eram muito diferentes.
— Sim eram, nós estávamos namorando, dividindo a mesma casa e
planejávamos passar o resto da vida juntos. — ela falou com firmeza — O Pedro
estava casado a Julia, a Nick sabia e aceitou ficar com ele mesmo assim, eles não
se conheciam tão bem quanto nós e ao contrário de você, ele priorizou o filho em
vez de ser egoísta e seguir a vida dele como se a gravidez da esposa não fosse
nada demais.
— Você está sendo injusto Isabella, eu só tinha vinte e dois anos porra!
Fiquei desesperado quando soube e ainda tinha o...
Outro momento de silêncio quebrado novamente pela voz da minha mãe.
— Termina, eu gosto quando você fala sobre isso.
— Eu não quero mais tocar nesse assunto merda!
— Mas a gente precisa conversar porque é o futuro da nossa filha que
está em jogo e não o nosso.
— O Pedro vai acabar voltando com a Julia, será que não consegue
perceber onde isso vai dar?
— Ele não vai voltar, a papelada do divórcio deve ficar pronta nos
próximos dias e o Pedro já saiu de casa, está morando sozinho em um
apartamento.
— Isso não quer dizer nada Isabella, quando a Julia começar a usar o
menino pra atingir o Pedro, tenho certeza de que ele vai preferir ficar ao lado
dela. Dá pra ver na cara dele o quanto ele é apaixonado por aquele moleque.
— O menino não é filho dele.
Minha mãe falou me obrigando a encostar na parede para não cair. De
onde ela tirou aquilo? Como minha mãe sabia tanta coisa da vida do homem que
estava tornando a minha vida um carrossel de emoções estranhas?
— O que?
— Isso que você ouviu, a Julia mentiu pra ele. O Pedro não é o pai
biológico do Pedrinho.
— Como você soube?
— Ele me contou da última vez que conversamos.
— Por que ele iria te contar uma coisa dessas e como ele descobriu?
— Eu fui até a casa do Mateus pra falar com o Pedro quando a Nichole
teve aquela crise mais forte. — ouvi o barulho da cadeira e deduzi que minha
mãe tinha se sentado, provavelmente tantando se acalmar — A Nick chamou o
nome do Pedro a noite toda, sonhando, e eu percebi que somente ele poderia
ajudar, mas precisava ter certeza se tudo que ele me falou na clínica era mesmo
verdade, e se ele amava a nossa menina como jurava amar.
— Você procurou ele?
— Claro que procurei! O que você queria que eu fizesse? Você não viu o
que eu vi naquela noite Gui e não sou orgulhosa como você. Só fiz o que achei
que era melhor pra ela.
— Eles voltaram a se encontrar?
— Não sei, mas acho que sim. Ela está mais calma, comendo mais e
tomando os remédios. Eu sei que você ainda está bravo com ele, mas é melhor
relevar e começar a aceitar o fato de que mais cedo ou mais tarde eles vão se
acertar.
— O que ele pretende fazer em relação ao filho?
— O Pedro me contou que ficou sabendo toda a verdade no dia que o
menino nasceu, mas não contou a ninguém porque não queria deixar os amigos
mais preocupados. Quando vocês voltaram ao Brasil, depois do resgate, ele se
mudou e foi morar sozinho em um apartamento.
— Eles não podem se envolver Isa!
— Por que não? Eles se amam...
— Não percebe? O que você acha que vai acontecer quando o Pedro
souber que o James está chegando ao Rio nos próximos dias?
— Ele vai ficar grudado na Nichole e não vai deixar aquele desgraçado
chegar perto dela.
— Nós não precisamos dele vigiando a Nick, já tem vários seguranças
fazendo isso e estamos de olho.
— Pensa bem Gui. — havia súplica nas palavras da minha mãe — Eles
se amam, querem ficar juntos e se a Nichole tiver a chance de ver e aceitar o
quanto o Pedro é apaixonado por ela, vai ser muito mais fácil protegê-la.
Infelizmente, não consegui ouvir mais nada. O telefone do meu pai tocou
e minha mãe saiu do escritório interrompendo a conversa que tanto me
interessava.
Corri para o meu quarto e me tranquei. Muita informação para quem
estava começando a assimilar algumas poucas coisas.
Julia mentiu. Pedro não era o pai do filho dela. James estava de volta.
Tirei a roupa e entrei no banheiro, precisava relaxar e nada como um
banho quente para aliviar um pouco a carga excessiva que meu corpo decidiu
carregar sobre os ombros, sem ajuda.
Sentei no chão e deixei que a água caísse sobre a minha cabeça. Pigos
grossos batiam no couro cabeludo desviando para o chão. A imagem de James
invadiu meus pensamentos, mas daquela vez não me assustou como antes.
Eu nunca tive medo dele. Tinha nojo, raiva, asco, mas medo? Não. Ele
era um covarde que se aproveitava da fraqueza das pessoas para tirar tudo que
podia até que não sobrasse nada, além de uma casca fina, quebrada e inútil.
James Hudson sugava, explorava, extorquia, tomava, roubava, sem
qualquer compaixão, sem remorso ou culpa. Quantas vezes me perguntei o que
havia feito de errado para que ele fizesse tudo que fez comigo?
Embora soubesse que a culpa sempre foi dele, minha mente me
condenava por ter apreciado inúmeros momentos com ele. Por ter sentido prazer
em meu corpo quando deveria ter odiado ainda mais tudo que ele representava.
Eu me sentia fraca, vulnerável, mas não pensava mais em como seria
bom senti-lo novamente, me proporcionando um tipo de prazer que até conhecê-
lo, eu sequer sabia que existia.
Outro homem tomou seu lugar em meu pensamento e os momentos que
passei havia passado com Pedro, meu mestre dominador, encheram meu corpo
de sentimentos inovadores.
Desejo, prazer, tesão, paixão e todos eles acompanhados do mais
importante, a minha aprovação. A voz rouca e autoritária do homem que tinha
me seguido e trocado de lugar com o profissional que teria que me atender
naquela boate, ecoou em meus ouvidos como se ele estivesse ao meu lado,
sussurrando no meu ouvido.
Meu corpo desejava o dele muito mais do que ele poderia imaginar. Sua
força bruta e jeito violento completou os espaços em branco que faltavam para
que eu me sentisse completa novamente, e eu queria mais. Precisava de mais.
Muito mais.
Eu levaria Pedro ao limite, e aproveitaria para testar o meu. A
necessidade de vivenciar tudo novamente me deixava em êxtase antecipado
prevendo que minha excitação me levaria aos objetivos finais.
Eu precisava me tornar a maior de todas as submissas para afastar Pedro
da minha vida. Enquanto ele concordasse em me satisfazer como eu queria,
minha mente ficaria livre de James e ao mesmo tempo, o braço direito de Mateus
Trivisan enxergaria que aquele estilo de vida não servia para ele.
E quando chegasse o momento certo, eu finalmente ficaria livre dos dois
homens me machucaram de formas tão diferentes, e marcaram a minha vida de
formas tão semelhantes.
Eu não queria nenhum dos dois ocupando a minha mente. Usaria um
deles para conseguir me livrar de todos os tormentos e mataria o outro para que a
sensação de paz voltasse definitivamente ao meu coração e a minha vida.
Uma batida na porta me tirou do transe incansável e persistente, saí do
banheiro enrolada na toalha.
— Podemos conversar?
Minha mãe estava parada com um sorriso tranquilo em seus lábios, o
mesmo de sempre, direcionado a mim desde que eu me conhecia por gente.
— Claro, entra.
Voltei para o quarto e fui ao closet. Peguei um roupão limpo e envolvi
meu corpo passando a toalha para os cabelos molhados.
— Vai sair?
Ela perguntou quando viu os vestidos separados em cima da cama.
— Vou, mas só mais tarde.
Evitei seu olhar, não queria que soubesse o que eu pretendia fazer, muito
menos com quem.
— Com o Pedro?
Tentei fingir indiferente, mas não acho que tenha conseguido depois de
tudo que ouvi alguns minutos atrás do lado de fora do escritório.
— Por que quer saber?
— Sei lá... — Isabella deu de ombros — Acho que ficaria feliz se
soubesse que estão se entendendo.
Franzi a testa.
— Melhor não se iludir com isso, não vou me entender com ninguém
mãe.
— Você ainda gosta dele, por que não consegue admitir?
Respirei profundamente sentindo minhas mãos começarem a tremer.
— Não posso admitir uma coisa que não é verdade mãe, e apesar de
saber que a senhora não acredita em mim, não gosto do Pedro. — encarei seus
olhos — Não como gostava.
— Ele ainda ama você.
— O Pedro só se sente culpado por tudo que ele acha que aconteceu
comigo, não é amor.
— Você está enganada Nichole, vocês se amam e só precisam encontrar
um jeito de...
— Não vai acontecer mãe! — falei um pouco alterada — Tudo que o
Pedro quer é aliviar uma culpa que ele acha que é dele, mas não é, e eu, bom...
tenho outros planos para o meu futuro e nenhum deles inclui a presença dele.
— Nick eu conheço você e sei...
— Para mãe! — coloquei as mãos na cabeça que começava a doer
novamente por causa daquela conversa que eu não queria ter com ela — Você
conhecia a Nichole que eu era, não a Nichole que eu sou agora.
— Filha... — ela se aproximou e segurou minha mãe me puxando para
sentar ao seu lado em cima da cama — Tudo que você passou ainda fere seu
coração e atormenta a sua cabeça, eu sei disso. Não se esqueça que também já
vivi coisas semelhantes, mas a sua essência é a mesma, minha filha, e apenas
você não enxerga isso.
— Não tenho mais essência mãe, e é a senhora que se recusa a enxergar
essa realidade.
— Ninguém pode ter sido afetado de tal forma, a ponto de mudar tanto
assim Nick, você pode reconquistar tudo que tinha antes de ir parar naquela base
aérea, mas pra isso acontecer terá que querer e se esforçar muito pra admitir que
aquela garota é muito melhor do que essa que está aí dentro.
— Aquela garota morreu e não tem nenhuma fórmula mágica que possa
ressuscitá-la. Não adianta insistir nesse assunto.
Seus olhos se encheram de lágrimas ao se dar conta de que eu não estava
brincando. Isabella era uma mulher linda, forte, de fibra e se enganou quando
pensou que sua única filha fosse parecida com ela.
Minha mãe amava meu pai e mesmo depois de tudo que passou nas mãos
de Joseph Lucas, quando foi sequestrada e estuprada por ele, conseguiu seguir
em frente e viveu seu conto de fadas.
— Você não pode desistir filha...
— Eu não desisti mãe, eu apenas aceitei.
Suas mãos apertaram as minhas e suas lágrimas escorrias pelo rosto
bonito e visivelmente abatido.
— Não pode aceitar a derrota tão facilmente Nichole.
— Não fui derrotada, apenas modificada.
Ela beijou minhas mãos e sorriu.
— Quando enfrentamos situações difíceis, tudo que pensamos é que se
encontrarmos as respostas para as nossas perguntas, conseguiremos esquecer e
seguir em frente. — se levantou fazendo um carinho em meu rosto — Você se
saiu muito bem até agora Nick, só precisa compreender que está fazendo a
pergunta errada.
Pensei por um momento sobre o que ela estava falando e, não saberia
explicar por que perguntei logo em seguida.
— Que pergunta eu deveria fazer então?
Meu tom debochado não combinava com o momento, eu sabia, mas
minha mãe não imaginava qual pergunta eu fazia todas as vezes que as
lembranças invadiam minha mente obssessiva.
Isabella se abaixou para depositar um beijo rápido na minha testa e se
afastou caminhando em direção a porta.
— Você está se perguntando: “Por que tudo aquilo aconteceu comigo?”
— limpou o rosto molhado com as costas das mãos e fixou seus olhos nos meus
— A pergunta certa deveria ser: “Por que não deveria ter acontecido comigo?”
— segurou a maçaneta e antes de sair sorriu olhando os vestidos pendurados —
Use o do meio, ele combina com a menina que você costumava ser, e também
com a mulher que você se tornou.
Minha mãe me deixou com a pergunta martelando na minha cabeça e só
consegui parar de pensar no que ela tinha dito, quando entrei no carro
estacionado a porta da minha casa e Pedro ordenou para que eu levantasse o
vestido e me tocasse até que chegássemos ao nosso destino.

***

O quarto mal iluminado escondia um universo de perversidade em sua


fachada suja e mal conservada.
Pedro não falou nada durante o percurso enquanto meus dedos me davam
prazer e ele impediu que o orgasmo chegasse quando estendeu o braço e sua mão
afastou a minha do núcleo enxarcado.
O volume na sua calça que não parava de aumentar aumentou a excitação
em meu corpo, como uma febre infantil que levava o termômetro a mais alta
temperatura.
Ele abriu a porta e sinalizou para que eu entrasse a sua frente, trancando-
a logo em seguida.
— Sente na cama com as pernas abertas.
Sua voz autoritária invadiu meus ouvidos arrepiando os pelos do meu
corpo. Caminhei lentamente oferecendo a ele um rebolado exagerado e me
posicionei de quatro, propositalmente, até chegar ao centro do colchão macio.
A caça preta que caía em seu quadril com maestria não saiu do seu corpo
como a camisa, sapatos e meias da mesma cor. O homem moreno, com corpo
forte e musculoso estava se transformando em um especialista na arte da
sedução.
Ele se posicionou ao lado da cama e estendeu os braços até um cano que
percorria o teto paralelamente, puxando um gancho, semelhante ao do capitão
malvado que estrelava o filme do Peter Pan.
O objeto de aço ficou pendurado, enquanto Pedro abriu um pequeno
armário e voltou com uma algema na mão direita.
— Me de seus braços.
Arrastei meu corpo ficando de joelhos e ofereci meus punhos para que
ele colocasse as duas rodelas neles e as prendessem, como costumávamos fazer
com os homens que prendíamos em nossas missões.
Nossos olhares se encontraram e num gesto delicado, sua boca tomou a
minha. O beijo calmo e conservador aos poucos se transformou em um estupro
autorizado, sua língua invadiu minha boca explorando cada pequeno espaço
carente.
Suas mãos puxaram as barras do meu vestido para cima enrolando-a a
minha cintura. A ausência da calcinha me deixou exposta de uma maneira muito
mais familiar do que eu gostaria. Seus olhos percorreram meu corpo até
chegarem ao meio das minhas pernas, onde se fixaram por longos segundos.
Pedro me puxou pelas algemas me conduzindo até o gancho suspenso.
— Estenda os braços, vou prender você, me avise se te machucar.
Assenti sem entender o que ele pretendia fazer, até que o gancho foi
encaixado no meio das algemas e meu corpo foi içado levemente para cima.
— Perfeita!
Pedro parou a minha frente admirando seu feito. Meus braços estendidos
acima da cabeça, o vestido enrolado a cintura e o sapatos de salto alto como
único acessório na parte de baixo do meu corpo.
Como um predador, o homem que estava me enlouquecendo de
expectativa e tesão deu a volta e se posicionou atrás de mim. Senti sua
respiração em meu pescoço, ofegante e errática.
— Vou dar tudo que você quiser receber minha menina, vou ser o que
você quiser que eu seja, vou te foder do jeito que você quiser que eu te foda, mas
não vou admitir que nenhum outro homem toque em você. — senti o líquido
escorrer pelas minhas pernas quando suas mãos afastaram os fios loiros da
peruca para o lado e seus dentes cravaram a carne do meu ombro exposto —
Você não imagina o quanto eu fiquei feliz com a sua mensagem. — os dedos
longos escorregaram para os meus seios e num movimento rápido, a parte de
cima do meu vestido foi abaixada — Nunca senti tanto tesão em toda minha vida
como sinto por você. — sua língua chupou meu pescoço enquanto seus mãos
acariciavam meus peitos sem delicadeza e seu pau duro se esfregava na minha
bunda — Hoje eu vou te foder como a vadia que é, e nunca mais você vai querer
outra rola.
Joguei a cabeça para trás completamente descontrolada, desnorteada e
rendida ao seu ataque fulminante. Suas mãos trabalhavam no meu seio
rudemente antes de escorregarem pela minha barriga e se acomodarem em
concha em cima do monte de vênus.
— De agora em diante, apenas eu vou fazer você gozar, Nichole, está
ouvindo? — choraminguei ao sentir seu dedo do meio me invadir — Só vai se
tocar quando eu mandar, e quando estiver longe de mim desesperada pra
explodir, me ligue, me mande uma mensagem, mas não ouse se dar prazer sem a
minha autorização. — o corpo forte atrás de mim me empurrando para frente,
confrontava os braços ao meu redor que me forçavam para trás. — Só vai gozar
comigo, quando eu mandar, quando eu quiser. Eu sou o dono do seu corpo. Você
me pertence. É a minha putinha e só vai dar essa boceta gostosa pra mim.
Sua mão esquerda em meus seios, beliscando meus mamilos, apertando,
machucando.
Sua mão direita na minha boceta, me invadindo, atormentando meu
clitóris inchado.
Sua boca percorrendo meu pescoço, ombro, orelha; lambendo,
mordendo, chupando.
A voz rouca agindo com precisão, fome, e desejo, me dizendo grosserias,
baixarias, putarias, enrustindo em palavra de baixo calão e indecentes a
delicadeza que contrastava com cada gesto minimanente calculado para que eu
atingisse o auge do prazer e da insanidade.
— Só eu vou te comer, só eu vou te foder, só eu vou fazer você sentir
esse prazer Nichole. Nenhum outro fodido, nunca mais.
Pela segunda vez naquela noite, Pedro me impediu de gozar quando
percebeu que eu chegava perto de atingir o pico, me obrigando a choramingar
inquieta e muito irritada. Filho da puta!
Ouvi seu sorriso debochado que há tempos não ouvia, e só então me dei
conta de quanto senti saudade daquele som zombeteiro e cativante.
Fechei os olhos apertando-os com força, expulsando os sentimentos
nostálgicos e desconfortáveis para aquele momento erótico.
Pedro parou a minha frente, seus olhos pegando fogo, sua calça com o
botão aberto mostrando a faixa branca da cueca boxer, seu peitoral e abdome
definidos, seu rosto próximo ao meu.
— Tá doida pra gozar não é?
Sua língua deslizou pelo meu queixo, aumentando ainda mais a agonia
estabelecida em meu ventre. Seus dedos prenderam os bicos duros dos meus
peitos, apertando com força.
Gemi com os olhos fechados, numa súplica muda para que me deixava
extravasar o tesão reprimido.
— Implora que eu te faço gozar como você nunca gozou.
Abri os olhos espantada com a sua ousadia. Ele franziu a testa
reprimindo minha atitude malcriada.
— Se quiser gozar Nichole — sussurrou em meu ouvido com seu jeito
marrento e autoritário, arrastando os lábios carnudos pela minha face —, é só
implorar e eu te levo ao céu, até você implorar para que eu pare. Tua boceta vai
pulsar na minha boca, vai esmagar os meus dedos e depois vai se desmanchar
quando eu acabar de foder ela com força e meter minha pica até o talo dentro
dela. — passou a língua no meu lóbulo devagar, apenas a pontinha fazendo meu
corpo estremecer — E você sabe que eu posso chegar onde ninguém mais vai
conseguir...
Seus olhos encararam os meus desafiadores e por um milésimo de
segundo desejei ser forte o bastante para suportar a dor que atingia meu centro e
resistir a sua ordem, mas eu precisava demais daquele alívio.
— Por favor...
— Qual é Hermione? Nós dois sabemos que você consegue fazer melhor
do que isso — mais uma lambida — Minha menina putinha...
O dedão grosso expremeu meu clitóris arrancando um grito estranho da
minha garganta, desesperado, louco, puto da vida. Pedro estava me deixando
maluca com sua soberba, mas eu não estava em posição de negar nenhuma
migalha que ele pudesse me oferecer.
Eu precisava gozar. Desesperadamente.
— Pelo amor de Deus, Mestre, me deixe gozar. — encarei seus olhos —
Eu imploro, por favor...
Ficamos nos olhando e um mundo de sentimentos foi exposto
escancaradamente naquela troca de olhares.
Ele estava jogando, e não parecia disposto a perder. Seu sorriso arrogante
se espalhou em seu rosto quando sua boca depositou um beijo suave em meus
lábios.
— Claro que eu vou deixar Hermione. — arrancou a peruca loira e a
jogou no chão, longe de onde estávamos — Mas quero que a minha menina
goze, e não essa mulher que insiste em tomar o lugar dela.
Antes que eu tivesse tempo para responder, Pedro se ajoelhou, colocou
uma perna de cada lado do seu pescoço, ajeitando-as sobre seus ombros e
abocanhou minha boceta como se ela fosse um pote de sorvete.
Olhei para baixo e me perdi naquela cena extremamente sensual e
diferente. Cruzei os tornozelos atrás da sua nuca e o enganxei para que não
parasse de me foder com a boca até que minha sede fosse saciada.
E como sempre acontecia, Pedro me deu tudo o que eu queria, e muito
mais. Eu não admitiria, mas jamais encontraria um homem que me
proporcionasse tanto prazer, que conhecesse tão bem meu corpo, que provocasse
tantas sensações e despertasse tantos sentimentos profundos em mim como ele.
Pena que nossos caminhos haviam se desencontrado no passado, e na
procura por saídas alternativas, fomos obrigados a seguir em frente separados.
Não havia mais retorno.
Apenas uma longa reta que me proibia de olhar o passado pelo espelho
retrovisor.
CAPÍTULO 23
PIUÍ

Nichole estremeceu quando passei a língua em seu clitóris. Suas pernas


estavam encaixadas ao redor do meu pescoço e minha cara enfiada no meio
delas, para o meu deleite.
Minha menina não fazia ideia do quanto era gostosa e do quanto eu me
sentia realizado em te-la naquela posição, completamente ao meu dispor.
Enfiei dois dedos dentro dela e sua intimidade sugou-os sem cerimônia,
gulosa, necessitada e eu estava ali, pronto para suprir cada uma das suas
necessidades.
— Geme minha putinha, quero saber se está gostando de ser fodida desse
jeito.
Ela jogou a cabeça para trás empurrando o quadril para frente,
esfregando sua boceta depilada na minha cara.
Agarrei sua bunda com a mão livre enquanto a fodia com a outra. Prendi
seu grelinho entre os dentes sentindo seu canal espremer meu dedo.
Ela estava gozando.
Seu corpo tremeu inteiro quando o êxtase enfim chegou, arrebatando-a
lindamente. Seus lábios entreabriram e sua língua umideceu os lábios
ressecados.
Depois de sugar até sua última gota, soltei suas pernas e fiquei em pé,
sob seu olhar atento. Tirei minha calça liberando meu pau que doía de tão duro.
Minha menina apreciou quando minha mão começou a masturbar o
membro enrijecido, lentamente.
— Vou te comer agora, por trás, e vou meter até sentir to minha rola
enterrada nessa boceta apertada.
Ela gemeu sem forças apoiando os pés no chão. Suas pernas trêmulas
mal conseguiam se sustentar, mas as algemas a mantinham onde eu queria, no
mesmo lugar.
Posicionei meu corpo atrás dela e retirei seu vestido apertado, deixando-a
completamente nua. Abracei seu corpo, colei meu peito em suas costas e
esfreguei meu pau na sua bunda branca que ela empinava, oferecendo
descaradamente para que eu a comesse do jeito que quisesse.
— Ta sentindo como eu te quero? — sussurrei em seu ouvido deslizando
a língua no lóbulo da orelha — Adoro te pegar assim, minha menina. Adoro te
comer sentindo essa boceta engolir meu pau até o talo. É isso que você quer?
— Sim... por favor, me come logo.
Posicionei meu membro na entrada escorregadia e empurrei com força
para dentro dela. Gememos juntos absorvidos pelo prazer de sentir o corpo um
do outro.
— Gostosa pra caralho, Hermione. Empina essa bunda e me da essa
boceta, vem!
Ela fez o que mandei e gritou enlouquecida quando eu comecei a socar
forte e o mais fundo que consegui na sua boceta melada.
— Não consigo mais viver longe dessa boceta menina, quero te comer
todo dia, o tempo todo. — bati mais fundo, com mais força sentindo minha rola
entrar deixando apenas as bolas pra fora, batendo no seu rabo a cada investida
dura — Que tesão do caralho!
Agarrei seus seios, apertei os mamilos socando cada vez mais
enlouquecido pelo prazer que era estar dentro dela.
Segurei seu pescoço, mordendo seu ombro sem parar de meter. Nichole
choramingava baixinho falando palavras impossíveis de serem entendidas.
— Goza putinha, goza que eu preciso gozar senão vou morrer de tanto
tesão.
Sua boceta esmagou meu pau como uma luva de silicone apertada, ela
gritou chamando meu nome e logo em seguida eu gozei, chamando o dela.
Minha menina desabou cansada, depois que liberei seus braços das
algemas e a deitei na cama. Seu corpo fortalecido relaxou, sua respiração
desacelerou e ela acabou cochilando por alguns minutos.
Aproveitei para tomar um banho e verificar o celular. Havia duas
mensagens de Mateus e uma de Laís, mas nada que não pudesse esperar até o dia
seguinte.
Ao lado da cama apreciei Nichole dormindo tranquilamente, expressão
serena, rosto de menina. Um sentimento bom me preencheu, de calmaria, de paz.
Há muito tempo não me sentia daquela forma, tão inteiro, tão completo.
Se pudesse voltaria no tempo para que a minha Hermione não tivesse
passado tudo que passou, mas não permitiria que minhas escolhas antigas
interfirissem em minhas novas escolhas, e prometi a mim mesmo que ninguém
mais, nunca mais, conseguisse me separar dela.
Nichole se remexeu na cama empurrando o lençol fino que deixou parte
de seu corpo descoberto, meu pau reagiu na mesma hora quando vi sua boceta
brilhando, um pouco inchada.
Estava na hora de despertar minha Bela Adormecida e mostrar a ela, tudo
que eu havia preparado para aquela noite.
Ajoelhei na cama, afastei com delicadeza suas pernas, empurrando os
joelhos para fora e me posicionei entre elas, com cuidado para que meu pau não
perfurasse o colchão.
Com a ponta dos dedos afastei os lábios escorregadios e deslizei a ponta
da língua, pressinando com mais força seu clitóris. Nichole gemeu baixinho, se
remexeu tentando escapar do meu ataque, mas mantive minhas mãos morenas,
firmes, em suas coxas pálidas.
— Está na hora de acordar Hermione...
Ela apoiou os cotovelos no colchão com os olhos confusos, mas logo
entendeu o que estava acontecendo e pelo sorriso que me ofereceu, deixou claro
que havia gostado do que viu.
— O que está fazendo?
Pisquei para ela e dei uma mordidinha em seu grelinho duro antes de
responder:
— Vou te mostar o que a minha vara mágica é capaz de fazer. —
posicionei meu corpo sobre o dela beijando cada pedacinho da sua barriga,
passando pelos seios até chegar aos lábios — Tenho muitos truques novos e
quero usar seu corpo de cobaia. — posicionei a cabeça do meu pau na entrada
molhadinha e sussurrei — Quer conhecer minha vara mais a fundo, Hermione?
— Quero, me mostra tudo que ela sabe fazer...
Nichole levantou a cabeça e me puxou para beijá-la, nossos lábios se
colaram e toda a minha pretensão de ser gentil com ela, foi por água abaixo.
— Olha como minha vara fica quando você ta perto. — meti de uma só
vez, aproveitando o lubrificante natural da minha menina — Abre bem as pernas
e deixa eu meter até o último centímetro. Não vou ser delicado, essa boceta me
deixa maluco.
— Não quero delicadeza Pedro, me fode e me faz esquecer de tudo...
Pensei em diminuir a velocidade e falar com ela, mas Nichole tinha
outros planos. Abraçou minha cintura com as pernas e meu pescoço com os
braços, mordeu meu lábio inferior e gemeu meu nome enquanto eu a fodia como
uma máquina de trepar.
Depois daquela vez, ainda tivemos outras, mas o clima havia mudado e
minha submissa já não parecia tão segura do que estava fazendo. O problema foi
que, quando deixamos o quarto na manhã seguinte, Nichole voltou ao modo baú,
daqueles que apenas as pessoas que possuissem a chave, pudessem abri-lo.
E, infelizmente, eu não era uma dessas pessoas.

***

— O que foi dessa vez?


Thor perguntou depois de ser ignorado pela terceira ou quarta vez. Eu
não conseguia me concentrar em nada do que ele falava sobre o novo caso que
iríamos trabalhar, minha cabeça só pensava em Nichole e no modo como agiu
quando deixamos a casa noturna.
— Eu achei que tinha feito tudo certo dessa vez, mas ela se fechou de
novo. Tá foda, mas me sinto de mãos atadas...
— Quer falar sobre isso?
— Não quero encher teu saco com os meus problemas.
Thor se sentou a minha frente com uma expressão fechada, o que era
normal para ele, mas seus olhos me analisavam de maneira estranha.
— Cara, eu te conheço há mais tempo do que qualquer outra pessoa e sei
que você está tentando recuperar a confiança dela, mas tem momentos que
precisa relaxar e deixar as coisas rolarem naturalmente. Não adianta forçar a
barra com ela.
— Eu sei disso e não estou forçando nada, juro. — confessei desanimado
pra caralho — Só estou me sentindo usado, e no fundo sabia que isso podia
acontecer. O Daniel me falou que no começo ia ser assim, mas eu tinha
esperança de que, depois que a gente ficasse junto ela percebesse que o que eu
sinto por ela não é culpa ou só tesão, sabe?
— Eu sei e todo mundo que te conhece sabe, mas a Nichole não é todo
mundo. — ele se encostou a cadeira e passou a mão pela barba — Você lembra
quanto tempo a Laís demorou pra cair na real e se tocar que o bombeiro gostava
dela?
— Claro que eu me lembro, a gente sempre conversa sobre isso.
— É a mesma coisa que está acontecendo com a Nichole; ela sabe, mas
não quer aceitar e só vai dar a mão a palmatória quando pensar que perdeu a
chance com você.
— Mas eu não vou desistir dela, Thor. Não tem como eu seguir em frente
sem ela do meu lado porra!
— Você não está entendendo Piuí. Vocês saíram duas vezes, e pelo que
me contou, foi muito melhor do que achou que seria. Talvez a Nichole precise
acreditar que apesar de amá-la e desejar ficar com ela, você aceitou a escolha
dela e desistiu de tentar consertar tudo e reconquistá-la. Entendeu?
— Mas ela não sabe sobre as minhas conversas com Daniel, e tudo que
estou fazendo pra impedir que ela se entregue a esse tipo de relação vazia que
ela acha que precisa e merece.
— Joga a real e conversa com ela com sinceridade. Fala tudo que está
fazendo e abre o jogo. Nesse tipo de situação, a melhor coisa a fazer é deixar que
a vítima escolha o que quer, para depois mostrar o que perdeu quando fez a
escolha baseada no que está pensando e não no que está sentindo.
— E se ela não se arrepender?
— Então é melhor você sair fora e seguir a tua vida, porque se a Nichole
não voltar atrás na decisão dela quando correr o risco de te perder, é porque ela
realmente não te ama, ou não te ama o bastante e quer seguir em frente, sozinha.
Passei a mão pela cabeça me sentindo frustrado e fracassado. Minha
menina precisava de tempo, mas a cada minuto ela se distanciava mais e o medo
que sentia de perdê-la, me deixava sem forças.
— Acho que preciso conversar com o Daniel.
Thor negou com a cabeça.
— Não. — afirmou com segurança — Você precisa conversar com a
Laís, acho que a ruiva é a única que pode te ajudar agora. Além de ser amiga da
Nichole, entende melhor a cabeça da garota.
— Talvez você tenha razão, vou falar com a Laís.
— Mas antes preciso te falar mais algumas coisas, e é melhor você
prestar atenção dessa vez, porque a tua ex está mexendo em uma colméia,
achando que vai aguentar o enxame quando a bomba estourar.
— Que porra ela fez?
— Pra começo de conversa, essa história de tentativa de suicídio foi
muito ridícula, mas acabou chamando a atenção e como você sabe, seu nome
está envolvido, já que ela alegou que a depressão teve início depois da
separação.
— Aquela desgraçada nunca teve depressão. — bufei irritado — Ontem
eu troquei uma ideia com a médica que atendeu a Julia e contei a história toda.
Não sei se ela acreditou, mas a pulga ficou atrás da orelha dela, disso eu tenho
certeza.
— Temos dois problemas, e apesar de não ter nenhuma prova concreta,
James Hudson e o pode estar negociando com o seu amigo e possivelmente
entrará como sócio dele, naquele negócio de prostituição que conversamos há
alguns meses. — Thor esperava pacientemente o momento da minha explosão,
mas ela não chegaria. Eu estava me controlando e meu cérebro trabalhava
freneticamente tentando encontrar um jeito de acabar com o filho da puta assim
que ele pisasse no Brasil — A chegada do americano foi confirmada para a
próxima semana.
— Eu posso falar com o Trovão sobre isso, mas onde a Julia entra nessa
história?
— A Laís acha que o tal de Pardal, braço direito do Trovão, pode ser o
pai do Pedrinho e se o James for inteligente, como eu acho que é, pode usar a
sua quanse ex-mulher pra descobrir tudo sobre a Nichole.
— A Julia não sabe nada sobre ela.
Meu amigo sempre foi um cara acima da média, e além de enxergar
coisas que mais ninguém conseguia ver, ele ainda contava com informantes
infiltrados em todos os morros, em todas as facções e em todos os grupos de
criminosos do Rio de Janeiro, que lhe passavam muitas informações sigilosas e
de extrema importância para os casos.
— Não sabe porque ficou cega de ciúme da Laís, mas quando a Julia
souber que a Nichole é a mulher que você ama e foi por causa dela que resolveu
sair de casa e entrou com o pedido de divórcio, não vai demorar muito tempo
para que ela dê ao James o que ele quer.
— Eu vou internar a Julia em uma clínica assim que sair do hospital.
— Como pretende fazer isso?
— Vou falar de novo com a médica que está cuidando dela.
— Isso não vai resolver, mas pode retardar. Quero pegar o James antes
que ele descubra o paradeiro da Nichole.
— O Guilherme ta sabendo disso?
— Falei com ele hoje cedo, e ele me garantiu que a segurança dela foi
reforçada. Só não sei se vou conseguir manter os caras longe, quando vocês
saírem juntos. O Nicholas colocou mais quatro homens armados para vigiar a
neta.
Thor tinha me ajudado a despitar os dois seguranças de Nichole para que
não soubessem onde estávamos nas duas últimas noites. Eu nunca permitiria que
ninguém visse os lugares que Nichole passou a freqüentar desde que retornou ao
Brasil.
— Porra! Aí vai me foder. — vociferei — Como eu vou levar a garota
pros lugares que a gente quer, com esse bando de pau no cu atrás de nós?
— Vai ter que dar seu jeito e enrolar os caras, mas tenho que concordar
que com a chegada do James a gente não pode dar vacilo. Ele vai descobrir onde
a Nichole está morando a qualquer momento, e não vai sossegar enquanto não
pegá-la de volta.
— Eu sei disso, e é justamente por esse motivo que vou ficar atrás dela o
tempo todo.
— Só toma cuidado pra não surtar e fica ligado na Julia. Não confio nela
e acho que vai aprontar logo logo.
— Está monitorando o James?
— Estou, mas o cara tem muitos recursos e consegue “dar perdido”
quando quer, mas o Trovão ta no radar e aqui fica bem mais fácil de seguir os
rastros.
— Beleza, vou passar na tua casa pra ver o Pedrinho e falar com a Laís,
se precisar pode me ligar.
Thor sorriu e pegou o celular.
— A Lívia não larga aquele pirralho chorão.
— Não quero pensar no que pode acontecer com ele, se eu não conseguir
internar a Julia.
— Você vai conseguir, nem que a gente tenha que cobrar alguns favores.
— Eu faço tudo que for preciso pra ficar com aquele menino Thor.
— E eu faço tudo que for preciso pra ver minha mulher feliz, e porra...
Aquele pirralho consegue colocar um sorriso perfeito no rosto dela, até quando
ta se esperniando.
Nós gargalhamos e eu deixei o escritório antes do meio dia. Liguei para a
minha amiga ruiva e pedi que me encontrasse na casa de Lívia.
Depois que conversasse com ela, iria procurar minha Hermione e
colocaria todas as cartas na mesa. Nichole precisava entender que eu a amava e
nada do que fizesse, iria me afastar dela.
A casa estava cheia de crianças correndo de um lado para o outro do
quintal. Malu, filha mais nova de Thor e Lívia, brigava com Joshua, filho de
Murilo e Laís, e com Breno, filho de Rômulo e Manuela, que jogavam bola;
João Mateus, irmão mais velho de Malu, estudava no quarto e Davi, filho mais
novo de Nestor e Pietra e irmão de Cauã, brincava com Pedrinho, sentado no
colo de Lívia.
— Que porra é essa Cindi? — perguntei quase surdo me aproximando
dela — Essa casa tá parecendo um mini-centro de reabilitação infantil!
— Em primeiro lugar, você trate de controlar a sua boca e não fale
palavrão na frente deles; em segundo lugar, hoje não teve aula na escola e como
eu sou a única que não tem patrão e pode trabalhar em casa, fui obrigada a
cuidar dessas lindas e educadas crianças.
— Lindas eu concordo, mas educadas você já está apelando demais. —
beijei sua bochecha e meu menino esticou os bracinhos se jogando para o meu
colo — Acho que ele estava com saudade de mim...
— Esse moleque é muito interesseiro mesmo. — a loira se levantou e me
entregou o pacotinho vestido de azul da cabeça aos pés — Ele só fica comigo
quando você ou o Mateus não estão por perto.
— É que ele ainda não entende, mas quando crescer não vai preferir dois
machos em vez de uma loira gstosa.
— Vou contar pro meu tio que você chamou a tia Lívia de gostosa.
Davi falou com cara de bravo. Eu e Lívia caímos na risada e seguimos
para a cozinha. Ficamos conversando por mais de meia hora sobre as peripécias
de Pedrinho até que Laís chegou com Murilo.
— Pela tua cara as coisas não estão muito boas. O que aconteceu?
Minha amiga ruiva fechou a porta do escritório e se sentou no sofá, me
sentei ao lado dela e relaxei o corpo jogando a cabeça para trás com os olhos
fechados.
— Estou com problemas e preciso da sua ajuda.
— Nichole ou Julia?
— As duas, mas não vou deixar você matar a mãe do meu filho, então
vamos focar na Hermione.
— Que pena, eu já estava animada com a ideia de enforcar aquela
megera.
Encarei Laís que sorria maliciosamente.
— Não sabia que odiava tanto a minha ex.
— Na verdade eu não odiava, mas confesso que peguei ranço dela e
agora não consigo evitar.
Assenti porque entendia.
Desde que a Julia colocou na cabeça que a ruiva nutria sentimentos
amorosos por mim, as coisas entre elas ficaram complicadas e nada do que eu
dissesse, para nenhuma das duas, iria mudar o que havia acontecido.
— Podemos deixar a Julia de fora e falar apenas da Hermione?
— Podemos, o que ela fez agora?
— A mesma coisa de sempre, se fechou e agiu como se a noite que
passamos juntos não tivesse significado nada pra ela.
— E você tem certeza que significou alguma coisa?
Encarei minha amiga por alguns segundos para ter certeza de que não
estava tirando uma onde com a minha cara, mas pela expressão séria, concluí
que a pergunta tinha fundamento.
— Claro que tenho, por que está duvidando?
Laís se acomodou no sofá e virou o corpo para ficar de frente para mim.
— Não estou duvidando de nada Piuí, mas a primeira coisa que precisa
entender é que nem sempre os sentimentos da pessoa que está com você são os
mesmos que os seus. Eu sei que tudo que está se propondo a fazer é porque ama
a Nichole, mas já parou pra pensar que ela pode estar com você por outros
motivos?
— Drizella, ela estava procurando um Dominador que a tratasse como
James a tratou na base, eu apareci e fiz exatamente o que deveria fazer. Claro
que a Nichole me ama, eu senti isso todas as vezes que a gente transou e ontem
ainda mais do que a primeira vez. Mas é aí que está o problema...
— Ela se afastou e se fechou completamente.
— Exatamente. Não sei como devo agir agora.
— Quer que eu fale com a Nichole?
— Você faria isso?
— Claro que sim, mas não posso garantir que ela vai se abrir pra mim.
— Eu sei, mas qualquer coisa que você descubra pode me ajudar.
Laís pegou o celular e o colocou no ouvido depois de teclar.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Ligando pra Nichole.
— Agora?
Fiquei em pé tentando conter o nervosismo.
— Por que eu deveria esperar? — deu de ombros — Se é pra fazer, então
vou fazer logo.
— E se ela se recusar a falar com você?
— Ela não vai.
— Como você sabe? A Nichole mudou muito.
— Mudou com você Piuí, eu continuo sendo a amiga dela, talvez a única
que ela ainda tenha e sabe que pode confiar.
Eu ia retrucar, mas Laís levantou o indicador pedindo para que eu ficasse
em silêncio.
— Oi Nick, como você está?
A ruiva perguntou sem tirar os olhos dos meus.
— Estou com saudade e queria te ver, ta a fim de sair e tomar um café?
Meu coração estava acelerado.
— Não tem problema, a gente dá um jeito neles. — Laís sorriu e vi que
estava feliz por falar com a amiga — Passo na sua casa as quatro, tudo bem?
Porra, ela tinha conseguido!
— Combinado. — Laís franziu a testa e seus olhos se estreitaram — Fica
tranquila Nick, o Piuí nem sabe que estou te ligando. A gente ta meio afastado e
faz dias que na se fala, mas eu te explico melhor pessoalmente.
Ela desligou, guardou o telefone e me olhou novamente.
— Ela pediu pra não te falar nada sobre o nosso encontro.
— Por quê?
— Não sei, mas vou descobrir hoje mesmo.
— Você vai me contar tudo que ela te falar né?
— Claro que vou Piuí, mas pra Nichole confiar em mim, ela precisa
acreditar que estamos afastados e que eu não vou falar nada pra você.
— Tudo bem, eu posso suportar isso.
— Não fica preocupado porque ela está bem.
— E você ta me dizendo isso por que...
— Porque só de ouvir a voz dela deu pra perceber que a sua Hermione
não está infeliz ou depressiva, mas isso não significa que não estivesse com raiva
ou magoada.
— É tudo muito complicado.
— Eu sei que é, mas se pra você está difícil, tentar imaginar como está
sendo pra ela.
— A gente ficou muito tempo junto e eu sei que ela gostou tanto quanto
eu. To com medo do que pode acontecer quando aquele desgraçado do James
chegar aqui.
— Você não está pensando que a Nichole vai...
— Não sei Dri. — passei a mão pela cabeça sentindo o estômago
embrulhar — Mas e se ela realmente quiser ficar com ele? Se o James for o
homem que ela quer?
— Não fala merda Piuí!
— Não é merda porra! Pensa bem, se ele aparecer e oferecer pra Nichole
o tipo de relação que ela quer o que eu vou poder fazer?
Laís ficou em silêncio me observando com uma cara nada boa.
— É isso mesmo, eu não vou poder fazer nada! — concluí me sentindo
um monte de merda — Se é que ela já não sabe que ele está chegando, né?
— Cala a boca antes que eu mesma faça você ficar quieto de uma vez.
Como pode passar uma merda dessas pela sua cabeça, infeliz? A menina ta
arrasada, quebrada e completamente abalada psicologicamente, e você acha que
depois de duas noites comendo a garota como uma vadia, tudo ia voltar ao
normal? — Laís gargalhou e eu me senti ainda pior do que estava — Nem parece
que você viu tudo que eu aprontei depois que voltei pro Brasil Piuí! Não se
lembra mais quantas merdas eu fiz, até o dia que me dei conta do quanto o
Murilo era importante pra mim, mas já era tarde demais?
— Eu sei... me desculpa. Só estou...
— Com medo, enciumado, inseguro.
— É uma merda do caralho!
Laís me abraçou quando percebeu que eu estava desabando e sentir seus
braços em volta da minha cintura facilitou a chegada das minhas lágrimas que
desceram livremente pelo meu rosto.
— Eu sei que é, mas você não pode se abater e desistir. A Nichole precisa
de você muito mais do que pode imaginar e é o seu amor por ela que vai trazer a
sua Hermione de volta.
— Você acha mesmo que eu vou conseguir resgatar tudo que a gente
tinha antes de tudo acontecer?
Laís me olhou nos olhos e segurou meu rosto com as mãos.
— Olha pra trás e vê quanta coisa você já conseguiu Piuí. Quantas
pessoas você já ajudou e quantas situações ruins você já reverteu. É claro que vai
conseguir ajudar a sua menina, porque você é assim com todas as pessoas que
você ama. Você luta por elas, e quando essa batalha chegar ao fim, a Nichole vai
entender que o seu amor por ela é tão grande, ou até maior, do que o amor dela
por você.
— Espero que você esteja certa Drizella...
Ela piscou.
— Eu sempre estou certa meu amigo e hoje vou colocar um pouco de
juízo na cabecinha daquela menina. Agora relaxa e vamos almoçar que eu estou
morrendo de fome.
— Pode ir na frente, eu vou esperar um pouco até me recuperar.
— Tudo bem, mas não demora que eu não to a fim de aguentar o
questionário da Lívia sozinha.
Antes que ela chegasse à porta, me lembrei de outro detalhe e resolvi
perguntar:
— Drizella! — ela parou e me encarou com seus olhos amendoados —
Você não disse que nunca mais ia mentir? Por que concordou em esconder da
Nichole que eu sei sobre a conversa que vai ter com ela?
— Bom, eu falei isso há muito tempo e essa é a segunda vez que menti.
— ela deu de ombros — Acho que é por uma boa razão...
— E eu posso saber qual foi a outra mentira que você contou?
— Eu menti quando disse que não ia mais mentir e no fundo já sabia que
em algum momento, alguém que eu amasse muito me obrigaria a quebrar a
minha promessa. — Ela recuou dois passos, deu um beijo no meu rosto e sorriu
— Como eu te disse, é por uma boa causa... e por você, meu amigo, mentiria
quantas vezes fosse preciso.
Laís me deixou sozinho no escritório e me posicionei a frente da janela.
O jardim da Cindi estava cada vez mais lindo e ao olhar para o céu sem qualquer
nuvem, me peguei pensando nas palavras da minha amiga ruiva.
Eu tinha vivido no morro por muitos anos, aprontei mais do me
lembrava, me apaixonei por Julia e achei que seria para sempre, errei muito e
cresci mais rápido do que deveria. Saí do Teteu e tentei viver uma vida que não
era minha, descobri que ninguém sobrevive sem amigos e que nem sempre quem
está do seu lado, quer o seu bem.
Conheci pessoas boas que se tornaram ruins, e pessoas ruins que se
tornaram boas. Vi a morte de perto, matei e quase fui morto também. Bati mais
do que apanhei e ainda sim, continuei de pé, lutando por mim e pelas pessoas
que se tornaram minha família, não de sangue, mas a que eu escolhi.
Eu amava Nichole e assim como Pedrinho, não abriria mão de viver sem
ela. Eu precisava deles para voltar a ser o homem que estava acostumado a ser.
Paciência, amor e confiança.
Três palavras simples que resumiam a minha vida. Três sentimentos que
preenchiam, machucavam e me alertavam de que aquela missão pessoal não
seria fácil, mas com toda certeza, valeria a pena.
CAPÍTULO 24
NICHOLE

— Vai sair filha?


Meu pai perguntou quando me viu descendo as escadas de short jeans e
blusinha simples. Meu cabelo estava crescendo, mas ainda me deixava com o
aspecto de doente.
— Vou tomar um café com a Laís.
— Certo. — Guilherme estava nervoso e um pouco agitado o que me fez
lembrar da conversa dele com a minha mãe na tarde anterior — Você pretende
demorar?
Eu odiava quando ele me enchia de perguntas e não falava o que estava
dexando-o nervoso. Seria mais simples e menos estressante se Guilherme fosse
mais direto com a sua filha, como costumava a ser com a sua equipe.
Nós poderíamos ser amigos como costumávamos ser, se ele deixasse de
me encarar como uma pessoa frágil e me enxergasse como uma sobrevivente.
— O que está acontecendo pai?
— Não é nada demais. — tentou disfarçar, mas foi em vão. Guilherme
queria me falar alguma coisa, mas não tinha certeza se devia ou se podia —
Aproveite um pouco e quando você voltar à gente conversa.
— Pai, eu sei que alguma coisa está te incomodando e não estou atrasada
para o encontro com a minha amiga. — me aproximei dele tentando não
demonstrar o quanto me sentia intimidada pela sua presença — Pode me contar
agora e se livrar do peso que está carregando sozinho, sem necessidade.
— Você não me parece tão depressiva quanto antes, está tudo bem?
Guilherme continuava com as mesmas manias, embora eu soubesse que
ele também queria informações sobre os meus encontros com Pedro.
— Não muda de assunto, por favor, é o senhor que precisa me contar
alguma coisa, lembra?
— Certo você tem razão. — Guilherme me puxou pela mão e se sentou
ao sofá — Senta aqui e eu vou te contar, mas preciso que me ouça com atenção e
entenda que se não me ajudar, vamos ter problemas sérios nas próximas
semanas.
— Prometo que vou me esforçar.
Desde a minha volta ao Brasil, meus pais estavam cada vez mais
distantes um do outro, e eu sabia que era por minha causa. Isabella não
concordava com a maneira que seu marido lidava com a recuperação da sua
filha.
Já meu pai, se sentia muito mais culpado, por ter concordado em me
enviar aquela base, do que queria demonstrar e fazia de tudo para me proteger,
exagerando muitas vezes na dose dificultando nossa comunicação, e também a
deles dois.
Guilherme também não demonstrou muita empolgação com método de
tratamento revolucionário, que o doutor Daniel Rebouças estava utilizando
comigo, e provavelmente, se sentia mal em saber que Pedro voltava aos poucos
para a minha vida.
Minha cabeça vivia caindo em contradição; uma hora queria esquecer
tudo, enterrar o passado e dar uma chance ao homem que jurava me amar e
depois de me resgatar do inferno, passou os últimos dois meses se dedicando
arduamente a provar de que, nós dois, merecíamos retomar de onde paramos.
Mas, logo em seguida os pensamentos destrutivos invadiam minha mente
e me provavam que eu nunca seria capaz de esquecer o que aconteceu naquela
base, e Pedro, por mais que tivesse errado quando decidiu ficar ao lado da
esposa, mentirosa e grávida, e por mais amor que jurasse sentir por mim, não
merecia ao seu lado, uma mulher que havia sido usada como depósito de
esperma de cinco homens, por mais de um ano.
Pedro não iria suportar meus pesadelos, que resgatavam lembranças
miseráveis dos momentos que vivi com James; minhas neuras que aumentavam
mesmo com todas as medicações prescritas; minhas necessidades sexuais, que a
cada experiência nova vivida com ele, se modificavam e começavam a exigir
mais violência, dor e humilhação.
— James está para chegar ao Rio de Janeiro Nichole, e o Mateus tem
certeza de que ele virá atrás de você. Nós aumentamos a segurança...
A voz do meu pai foi ficando cada vez mais baixa até desaparecer
completamente, senti minha mente flutuar submersa em uma praia de ondas
calmas e relaxantes. Nenhum barulho além do mar infinito a minha volta...

***

Uma brisa leve tocou meu rosto e os olhos azuis hipnotizantes brilharam
na escuridão diante de mim. As mãos grandes e fortes apertaram meus braços
provocando um fusuê entre minhas pernas. Sua expressão furiosa previamente
avisava que eu seria punida, e ao contrário do que eu queria, a ansiedade me
tomava.
Eu queria ser punida por não ter seguido as regras?
Eu deveria querer?
Por que meu corpo queria, se minha mente alertava que não deveria?
Uma nova onda trouxe os olhos acobreados para tomarem o lugar dos
azuis, e embora estivessem mais tranquilos e serenos, me deixaram ainda mais
excitada quando subistituíram as velhas lembranças, por lembranças mais
recentes. Mais reais.
As algemas em meus pulsos, seu corpo enorme sobre o meu me
penetrando com força até cutucar meu útero com seu pau enorme e grosso, mais
avantajado do que o outro, que já poderia ser considerado acima da média.
Meus braços pendurados no gancho enquanto ele se ajoelhava a minha
frente, para em seguida, sua boca me devorar violentamente, em uma cena
única e inesquecível.
Seus ombros largos sustentando minhas pernas abertas, minhas coxas
apertando seu pescoço, meus tornozelos cruzados em suas costas forçando-o
ainda mais para perto, para dentro.
As mãos enormes espalmadas na minha bunda, seu dedo acariciando
meu ânus entrando, saindo, indo e vindo, numa velocidade torturante que
arrancava gemidos, sussurros, palavras desconexas, sons estranhos da minha
garganta, e sua boca me fodendo enquanto seus olhar se orgulhava da confusão
que ele causava em meu corpo.
Suas investidas por trás depois de me fazer gozar como nuca havia
gozado, encaixando-se inteiro dentro de mim; indo o mais fundo que já senti,
socando com o máximo de força que já consegui suportar; se tornando mais
violento que pude testemunhar.
Os acobreados se aproveitaram da minha vulnerabilidade, usando meu
corpo numa ameaça velada de que estava tomando de volta o que sempre lhes
pertenceu e avisando que jamais partilhariam novamente.
Donos de tudo, capazes de tudo, preparados para tudo. Foi avisado em
cada gesto, em cada olhar, em cada palavra sussurrada, e eu soube que
cumpririam suas promessas, caso alguém se colocasse em seu caminho.
As agressões calculadas, suficientes para infringir a dor suportável, mas
silenciosamente me garantindo que jamais me machucaria propositalmente.
Aquilo era para o meu prazer.
Acobreados tão intensos quanto os azuis, fortes, poderosos, sombrios e
dispostos. Semelhantes no prazer que me proporcionavam, diferentes no modo
de demonstrar o desejo que sentiam.
Cobres solidários, azuis egoístas;
Cobres calorosos, azuis gélidos;
Cobres preocupados, azuis arrogantes, assassinos.

***

— Nichole! Nichole!
Ouvi meu nome sendo chamado, mas não tinha certeza se reconhecia
aquela voz, apesar de ter notado certa familiaridade nela.
— Liga pro médico Isa!
Meu pai? Por que ele queria que minha mãe chamasse o médico? Eu
estava bem e minha consulta tinha sido agendada apenas para a semana seguinte.
— Ele já está a caminho. — outra voz familiar — A Laís chegou, e eu
pedi para que ela entrasse.
— É melhor ela ficar lá embaixo, a Nick precisa descansar agora.
Eu queria muito abrir a boca para dizer àquele homem, que eu achava
que era o meu pai, que estava me sentindo bem e ele não deveria se preocupar
comigo, mas não entendia por que não conseguia me mexer.
— A Laís é a única amiga que ela tem Guilherme, elas iam sair juntas, a
Nichole estava bem e só ficou desse jeito porque você não aguentou segurar sua
boca fechada.
— Ela queria saber!
— Vocês nem têm certeza ainda! — a voz alterada era da mulher, e pelo
jeito, eles não imaginavam que eu estivesse ouvindo tudo — Pra que falar sobre
esse homem logo agora que ela estava começando a ficar bem?
— Ela tinha que saber que ele está vindo pra cá. — o homem falou
inseguro e aborrecido — Se eu soubesse que ela ficaria desse jeito, nunca teria
mencionado esse assunto. Merda! O que foi que eu fiz com a minha filha?
Do que ele estava falando?
Minha cabeça doía um pouco, mas eu estava plenamente consciente de
tudo. Tentei mexer minhas mãos, meus pés, meus olhos, mas nada saía do lugar
e depois de várias tentativas frustradas, os esforços se tornaram desgastantes
demais para suportá-los, e eu acabei cedendo ao cansaço, adormecendo em
seguida.

***

— Como está se sentindo?


Abri os olhos com dificuldade e dei de cara com a claridade que invadia
o quarto. Apoiei os cotovelos na cama e pisquei algumas, ou muitas, vezes.
— O que aconteceu?
Perguntei a Daniel, que estava sentado na beirada da cama. Seus olhos
cansados evidenciavam que a sua noite não tinha sido das melhores e me
perguntei se ele tinha ficado ali.
— Você entrou em choque ontem à tarde, e precisei medicá-la quando
cheguei aqui. — ele me observava com cautela — Se lembra de alguma coisa?
Puxei em minha memória, mas parecia um caos. Tudo se tornou confuso
e muitas imagens se revezavam confundindo meus pensamentos, dificultando a
organização dos fatos.
— Está tudo muito confuso na minha cabeça.
— Eu imaginei que ficaria assim, mas precisamos que se esforce e me
diga o que está passando nesse exato momento pela sua cabeça.
— Olhos azuis, olhos acobreados. — senti minhas pernas bambas sobre o
colchão — James... meu pai falou que ele está vindo atrás de mim.
O medo me paralisou, completamente e de fato. Consegui me lembrar de
ter conversado com Laís e combinamos de tomar um café para jogar conversa
fora, depois que ela me garantiu que não falava com Pedro há alguns dias.
— Eu estava pronta pra sair quando encontrei meu pai. — minha voz
estava enfraquecida, amedrontada — Ele parecia nervoso e queria me contar
alguma coisa, eu insisti que me dissesse o que era e quando ouvi o nome... —
inspirei e expirei profundamente — minha mente se desligou completamente e...
foi como se eu estivesse comparando os dois.
— Os dois? — Daniel franziu a testa — Está falando de James e Pedro?
Assenti me sentindo envergonhada por confessar aquilo. Em minha
lucidez não havia o que comparar aqueles homens, mas foi inevitável fazê-lo
quando a possibilidade de um reencontro com James se confirmou.
— Como foi essa experiência?
— Não foi uma experiência Daniel, não vê que estou ficando louca?
— Nichole, vamos por partes para que você entenda e consiga tirar
proveito do que aconteceu, está bem?
— Não tem nada de bom que possa ser aproveitado nisso tudo. — retirei
o lençol que cobria minhas pernas e me sentei na cama — Foi como se eu
estivesse vivendo entre dois mundos e não conseguisse escolher um deles. Como
pode ser bom?
Levantei e caminhei irritada até a janela disposta a fechar a cortina.
Vestia apenas uma camiseta larga e comprida, que cobria boa parte do meu
corpo. Apoiei as mãos no alumínio que cercava o vidro e olhei para o jardim que
minha mãe cultivava no quintal.
— Eu não tenho escolha e sei muito bem disso. — lamentei — Meus
sonhos se foram e só sobrou o resto da Nichole que existia, mais nada. — senti
os raios de sol sobre a minha pele, esquentando e me trazendo lembranças de
infância, quando passava as férias escolares na casa da minha avó Alysson, e
meu avô, Nicholas, me levava para brincar na praia — Pedro merece uma
mulher que o ame por inteiro, que possa dar a ele tudo que eu não nunca vou ser
capaz de oferecer, e quanto a James Hudson... — encarei Daniel por cima do
ombro — esse merece morrer, e se eu tiver uma única oportunidade não vou me
recusar a mandá-lo pro inferno. Como deveria ter feito quando voltamos à base.
— Por que agora você está falando como se não merecesse ser feliz com
Pedro? — Daniel também ficou de pé e se aproximou lentamente de onde eu
estava — O que mudou entre vocês?
— Eu não sei...
Realmente não sabia explicar, mas tinha certeza de que reencontrei o
homem que havia me deixado para ficar com a esposa grávida. Depois de ouvir a
conversa entre meus pais e ter descoberto partes aleatórias do que havia
acontecido com ele, depois que fui embora, alguma coisa mudou dentro de mim.
— Pode tentar, e sei que vai se sentir melhor falando sobre isso comigo,
Nichole. Estou aqui não apenas como seu psicólogo, mas também como seu
amigo. Pode confiar em mim.
Virei meu corpo e encostei na janela de costas para o sol, sentindo-o
aquecer meus ombros e parte da minha coluna.
— Eu sei o que ele está tentando fazer Daniel, já entendi tudo, e ao
contrário do que pensei, chegar a essa conclusão só me deixou ainda mais
perdida.
— Por quê?
— Porque não consigo entender.
— Entender o que?
— Porque ele insiste em continuar querendo me salvar. — falei irritada
— Porque ele não segue a vida dele e me deixa em paz?
— Pode ser que ele realmente ame você e não esteja apenas com a
consciência pesada ou, sentindo culpa por tudo que aconteceu. Já pensou sobre
isso?
— Como ele ainda pode me amar depois de tudo que eu fiz?
— O que você fez?
— Eu senti prazer com aquele homem! — comecei a andar de um lado
para o outro dentro do quarto e a sensação de que o espaço estivesse menor, me
deixou ainda mais irritada por não poder explodir, gritar e quebrar tudo a minha
volta — Eu deixei que o James me dominasse, permiti que fizesse o que fez, fui
fraca e não me defendi, desisti de lutar e deixei que meu corpo se saciasse com o
prazer que ele me proporcionou! Foi isso que eu fiz Daniel, eu me transformei
em uma vagabunda de quinta categoria...
— Você não acha que se entregar ao prazer foi a forma que encontrou de
não morrer nas mãos dele?
— Não... não acho.
— Seu corpo estava sofrendo com os abusos Nichole; violentos,
humilhantes e sucessivos. Se você não sucumbisse, o que acha que ele faria com
você?
— Ele continuaria até que eu cedesse.
— Foi por isso que cedeu Nichole. — a voz de Daniel ficou mais branda
— Você foi inteligente e entendeu o que aconteceria se não fizesse o que ele
esperava
— Mas me tornei esse tipo de mulher — apontei para o meu corpo
enojada —, e agora não consigo mais viver sem esse tipo de sexo. — concluí
insatisfeita — O que poderia ser pior?
— Seria pior se o Pedro não aceitasse a sua mudança, a sua escolha e a
sua preferência, mas por tudo que me contou sobre a noite que passaram juntos,
ele não só aceitou como se mostrou disposto a satisfazê-la.
— Não percebe o que está acontecendo Daniel? — meus olhos ardiam
com as lágrimas não derramadas — Ele está se sacrificando por mim, se
transformando em um homem que nunca foi e nunca desejou ser. Quanto tempo
você acha que vai demorar até que ele se canse de ser uma pessoa que não é e
me abandone novamente?
— Certo. Seu pensamento é coerente. — Daniel pensou por alguns
segundos e perguntou: — De tudo que fizeram naquela noite Nichole, o que
você acha que mais deixou o Pedro incomodado?
Pensei no que fizemos e em como o corpo dele se tornava mais
insaciável a cada vez que me penetrava. Foram horas e horas transando e em
nenhum momento ele se mostrou indiferente ou, fazendo alguma coisa por
obrigação.
— Acho que a única coisa que o desestabilizou foi quando eu o tratei
como uma pessoa desconhecida e deixei claro que só estava interessada no sexo.
Ele mudou depois...
— Já passou pela sua cabeça que você possa ter despertado nele o
mesmo lado que o James despertou em você, mas com a diferença de ter sido de
uma forma saudável?
— Como assim?
Perguntei voltando a me sentar e Daniel se sentou a minha frente,
satisfeito por ter conseguido me acalmar e finalmente, ter chamado a minha
atenção.
— Muitos homens sonham em realizar algumas fantasias sexuais, mas
por amarem suas companheiras, deixam de lado seus desejos mais sombrios para
manter uma relação baseada apenas no amor. Isso acontece com frequência
Nichole, e a meu ver, Pedro é um homem que teve muitas experiências sexuais
vazias, rasas e isentas de sentimentos e emoções. — Daniel parecia escolher as
palavras para me explicar seu ponto, e eu me sentia alerta a cada detalhe da
explicação do psicólogo — Nas poucas conversas que tive com Pedro, me deu a
impressão de que a única vez em que ele se deixou levar realmente pelo amor e
pelo tesão foi com você. Nem mesmo com a esposa houve um contato sexual da
forma como vocês tiveram.
Fiquei em silêncio total absorvendo e digerindo as palavras soltas ao
vento, como pipas coloridas no céu. Aleatórias e despretensiosas, mas certeiras
como flechas indígenas.
— Se você parar e analisar tudo que aconteceu nesse encontro verá que
para ele foi muito mais atraente do que pode imaginar.
— Nós saímos na noite seguinte também e ele foi... maravilhoso comigo.
— Houve mais um encontro? — perguntou surpreso.
— Sim, um dia depois do primeiro. Ele preparou tudo e... bom... foi
ainda melhor do que o anterior.
Daniel sorriu satisfeito e meu peito sentiu o alívio ao imaginar que Pedro
pudesse realmente ter sentindo comigo tanto prazer, como eu senti com ele.
— Então agora, você precisa se lembrar dos momentos que passou com
ele, cada gesto, cada palavra e se esforçar para compreender e aceitar que ele
realmente te ama, e deseja ficar com você de qualquer jeito, independente do seu
passado e de tudo que possa ter acontecido naquela base.
— Eu tenho medo...
— Todos nós temos medo de ser felizes Nichole, mas é um preço justo a
pagar por tudo que vivemos quando encontramos alguém que nos torna
completos.
— Não sei se consigo me entregar novamente.
— Não tenha pressa, e principalmente, não tenha medo. Está na hora de
conversar com o Pedro e descobrir até onde ele está disposto a ir com você, por
você.
— Mas e eu?
— Você já sabe Nichole, acho que sempre soube. Apenas se recusava a
admitir para si mesma.
— Como vai ficar meu tratamento?
— Isso é um assunto para a próxima sessão. — Daniel se levantou, abriu
sua maleta e retirou três caixas de comprimidos de dentro dela — Você vai
continuar tomando seus remédios, sem interrupções ou pausas prolongadas, é
importante para que suas crises sejam controladas e o seu sono fique
estabilizado. Não pense que chegamos ao fim, porque estamos muito longe
ainda, mas o progresso foi impressionante e acho que você conseguirá
ultrapassar todas as barreiras em pouco tempo.
— Você acha que eu devo continuar me encontrando com ele?
Daniel fechou a maleta de couro e me encarou com um sorriso tranquilo
no rosto.
— Eu acho que você deve fazer o que tiver vontade Nichole, mas
aconselho que converse com Pedro, seja sincera, exponha seus medos, suas
dúvidas e todas as suas necessidades. Dê a ele o poder de decidir se quer ou não
trilhar o caminho ao seu lado e se permita ser feliz, caso a resposta seja sim.
— E se ele não quiser?
Daniel deu de ombros fingindo indiferença, mas o pânico que me
golpeou como um chute na costela, não passou despercebido ao seu olhar
clínico.
— Você é uma mulher jovem, bonita e inteligente. Se o Pedro disser que
não é capaz de oferecer a você o que precisa, seu caminho será trilhado da
mesma forma e isso não é negociável. — ele estendeu o braço para que eu o
cumprimentasse e me levantei para lhe dar um abraço carinhoso em forma de
agradecimento — Ele vai aceitar qualquer coisa que você oferecer a ele,
Nichole. Eu sei que vai...
Nós nos afastamos e eu limpei meu rosto.
— Você fala como se conhecesse o Pedro melhor do que conhece.
Abri a porta e ofereci a passagem para que ele saísse do quarto.
— Talvez eu conheça mesmo, mas isso não importa.
— Obrigada por ter vindo ontem e por ter ficado aqui comigo.
— Eu vim ontem, mas não fui eu que dormi com você. Seu pai me paga
bem, mas ainda não estou disposto a passar a noite fora de casa.
— Achei que tivesse ficado aqui. — olhei para trás me esforçando para
notar o que estava fora do lugar, mas não vi nada diferente. A única coisa que
havia era a sensação de que alguém esteve comigo durante a noite.
O sorriso do psicólogo se ampliou.
— Não... dormir no seu quarto não foi uma opção para mim, aliás, não
foi uma opção para ninguém. Te encontro na próxima quarta-feira e
conversaremos mais sobre a sequência do tratamento.
Depois que Daniel se foi eu entrei no banheiro para tomar banho e tentar
reorganizar meus pensamentos ainda confusos, mas menos contraditórios.
A água quente relaxou meu corpo e depois de quase uma hora embaixo
do chuveiro, batidas na porta me obrigaram a voltar ao quarto.
Enrolei meu corpo no roupão e meus cabelos em uma toalha limpa.
Atravessei a porta que ligava os dois cômodos e me deparei com uma mulher
ruiva, com cara de brava e um olhar que me dizia muitas coisas, principalmente,
que entendia o que eu estava passando, mas não me considerava uma “pobre
coitada” e estaria sempre ali, ao meu lado, por mim.
— Já que não tomamos o café da tarde, achei que podíamos tomar o café
da manhã, se você quiser claro.
Laís sorriu e abriu os braços me convidando para um abraço, meus olhos
marejaram e me dei conta da saudade que sentia dela.
Minha única e verdadeira amiga.
A única que teve a coragem de me alertar sobre os riscos de me envolver
com um homem casado, mesmo este homem sendo seu melhor amigo.
A mulher que foi violentada durante uma vida e conseguiu superar seus
fantasmas e reencontrar o homem que amava, depois de ter perdido diversas
batalhas.
A mulher que não tinha papas na língua ou qualquer problema em atirar
para matar, quando se tratava das pessoas que amava.
Laís Antunes era única, perfeitamente imperfeita e a melhor amiga que
eu poderia ter. Sim, eu não só queria como também precisava de sua companhia.
Do jeito que eu a conhecia, a ruiva estava parada a minha frente porque
sabia daquilo tanto quanto eu, e por isso estava me convidando para um simples
e despretensioso café.
— Não perderia esse café por nada...
Ela se afastou, também com os olhos marejados e me encarou
profundamente.
— Então se troque enquanto eu aviso pro seu pai que vamos sair e mando
ele dispensar o bando de trogloditas que foi contratado para fazer sua segurança.
Sorri como há tempos não sorria.
— Essa eu vou pagar pra ver...
— Vou resolver em cinco minutos. — ela piscou e começou a descer as
escadas que a levariam ao andar de baixo — É melhor correr se quiser ver de
perto o meu triunfo Hermione!
Fechei a porta e me esforcei muito para não demonstrar o quanto o
apelido carinhoso que ela e Pedro costumavam me chamar mexeu comigo.
Pelo jeito os velhos tempos estavam voltando, e eu esperava que apenas
as partes boas retornassem daquela vez, para que a paz que eu tanto ansiava,
enfim chegasse e me devolvesse à vontade de viver.
CAPÍTULO 25
LAÍS ANTUNES

— Qual é o seu problema Laís?


Eu queria mostrar a Guilherme qual era o meu problema, mas se desse
um soco na cara dele na frente da esposa, as coisas poderiam sair do controle e
em vez de ajudar meu amigo, só iria piorar a situação dele naquela casa.
— Eu não tenho problema nenhum Guilherme. — sem ser convidada, me
sentei no sofá e fiz a minha tão conhecida e odiada, cara de paisagem — Agora
me conte qual é o seu problema?
O ex-agente só precisava soltar fogo pelas narinas para se transformar em
um dragão, daqueles dos desenhos chatos pra caralho que a minha “marrentinha”
amava e me obrigava a assistir com ela.
— Essa pergunta é fácil, o meu problema é você e o seu amigo que
insistem em ficar atrás da minha filha.
— Talvez você devesse deixar que a Nichole decidisse quem ela quer ao
lado dela, não acha?
— Ela não está em condições de decidir nada Laís!
— Fala sério Guilherme! — encarei o coroa bonitão que era tão babaca
quanto bonito, igualzinho meu cunhado. Um verdadeiro porre. — Não acha que
ela já tem idade pra decidir o que quer fazer?
Claro que eu sabia que ele não estava se referindo a imaturidade da
menina, e sim ao seu estado emocional, mas eu queria que ele se expressasse
melhor e tivesse coragem de assumir o que realmente pensava a respeito da
própria filha.
— Você sabe muito bem do que estou falando, não se faça de
desentendida!
— Não sei não. Por favor, seja mais claro.
— Eu não vou cair nessa.
— Ótimo! Assim, eu espero o médico acabar de atender a Nichole e peço
permissão pra conversar com ela.
— Eu não vou deixar você subir.
— Não estou falando da sua permissão. — olhei para Isabella que
continuava observando a pequena discussão sem se intrometer e começava a me
irritar com a sua passividade — Quem vai me dizer se ela pode ou não falar
comigo é o médico.
— Você está na minha casa!
Ele alterou a voz e avançou um passo numa tentativa fodida de me
intimidar. O cara realmente não tinha aprendido nada com o que havia
acontecido naquela base e seu orgulho ainda o impedia de aceitar que se não
fosse por Pedro e eu, ele e Nichole não teriam saído de lá com vida.
— Essa casa é minha também Guilherme! — Isabella se pronunciou pela
primeira vez desde que praticamente invadi a casa deles depois que Nichole teve
uma crise gravíssima e apagou completamente — A Laís fica, e se o Daniel
disser que a Nichole pode receber visitas, ela vai subir para conversar com a
nossa filha. Você querendo ou não.
— Você sabe tanto quanto eu que ela está aqui por causa do Pedro, e não
da Nichole, Isa!
— Isso não faz a menor diferença, contanto que a minha filha melhore
logo, pouco me importa de quem vai ser os méritos por tirá-la da escuridão.
— Ele não ama a Nick, a única coisa que aquele cara quer é se aproveitar
dela!
Alguma coisa no jeito de ele falar sobre o homem que estava sofrendo
desde que decidiu ficar ao lado da esposa megera, acreditando que a vadia
esperava um filho dele, mexeu comigo e sem me dar conta, avancei em cima de
Guilherme segurando-o pela gola da sua camisa.
— Quem você pensa que é pra julgar o Piuí desse jeito, seu filho da puta
mal agradecido? — rosnei olhando-o nos olhos, assistindo de perto sua
expressão mudar de autoritário babaca para assustado babaca — Se ele não
tivesse arriscado a própria vida no Deserto, você nem estaria aqui agora
bancando a merda de pai super protetor. Então em vez de falar merda, pode
começar a me agradecer porque eu tenho certeza de que a sua esposa não sabe
nem um terço do que aconteceu naquela porra, porque VOCÊ não se preocupou
em investigar!
— Cala a boca!
Ele vociferou e se soltou do meu aperto.
— Cala boca é o caralho! Eu não sou sua empregada e não vim aqui por
sua causa, na verdade eu quero que você se foda! — dei dois passos para trás e
voltei ao sofá macio para me acalmar, ou falaria mais besteira — É melhor
começar a colocar as necessidades da sua filha em primeiro lugar Guilherme, ou
vai perdê-la se continuar insistindo para que ela escolha.
— Eu não quero que a Nichole escolha. — tentou se defender e olhou
para Isabella que já não parecia tão calma — Só quero que ela enxergue que o
Pedro nunca vai se livrar da esposa e quando for pressionado de novo, e nós
sabemos que a Julia é capaz de qualquer coisa pra fazer ele desistir do divórcio,
é a Nichole que vai se foder.
Senti a verdade em suas palavras, mas não conseguia entender sua
reação. Guilherme nem conhecia o Piuí direito para julgá-lo de maneira tão
negativa, e se soubesse tudo que meu amigo passou no último ano, entenderia
que ele tinha mudado muito por causa da sua Hermione.
— Você não sabe nada sobre o Piuí.
— Sei o suficiente pra saber que entre a família que ele considera dele, e
a minha filha, ele vai escolher a primeira opção.
— Como eu disse, você não sabe nada sobre ele. Se soubesse não falaria
tanta merda ao mesmo tempo.
— Laís, se você conhece tão bem assim o Pedro, me responda uma coisa.
— o babaca estava me desafiando — Se a Julia provar na justiça que ele não é o
pai do menino, e ameaçar impedi-lo de participar da vida do garoto se continuar
insistindo no divórcio, o que você acha que ele vai fazer?
A pergunta era difícil e eu seria a primeira a esganar o Piuí se ele cedesse
à chantagem da megera, portanto, a minha resposta também seria baseada no que
eu achava que ele faria, mesmo que houvesse uma pulga atrás da minha orelha
em relação a tudo que envolvesse o pequeno chorão.
— Ele abriria mão do “remelentinho”.
— Remelentinho? — Guilherme fez uma careta.
— É... quero dizer, o Pedrinho.
Revirei os olhos sem a menor vontade de explicar o motivo do apelido
carinhoso que eu havia colocado no projeto de gente que chorava o tempo todo,
e vivia com remela nos olhos por causa do choro infinito e alto pra cacete.
— Eu nunca vi uma família pra gostar tanto de apelidos.
— É uma maneira carinhosa que pessoas como nós, naturalmente
incapacitadas de demonstrar afeto, usamos para compensar essa falta de
habilidade.
— Isso se resume a você e o Thor, porque o resto da família é bem
amorosa.
— Que seja. — dei de ombros, Guilherme não tinha sido a primeira
pessoa a acusar a mim e ao meu cunhado de sermos um tanto... intolerantes ao
convívio com outros seres humanos, o que era uma verdade quase absoluta, na
verdade. — Mas o que importa mesmo é que a gente sabe que se precisar de
alguma coisa, qualquer coisa, todos estarão lá, independente do dia, da hora, do
lugar e do que tiver que fazer para nos proteger.
Guilherme ficou me encarando por alguns segundos antes de resmungar,
bufar e xingar baixinho.
— Eu sei, já testemunhei e admiro muito isso em vocês, mas isso não
inclui o Pedro.
Porra, o cara estava conseguindo me tirar do sério de novo e mais uma
vez, fiquei em pé me aproximando dele.
— Já te falei pra deixar de ser um babaca arrogante e parar de falar o que
você não sabe!
— Sinceramente Laís, eu não consigo entender por que essa lealdade
toda a ele. Não mesmo...
Não, Guilherme não sabia de nada, e se dependesse de mim nunca ficaria
sabendo, mas o homem que ele tanto desprezava era a pessoa mais generosa,
humilde e fiel que eu já tinha conhecido, e em um dos piores momentos da
minha vida, foi ele que esteve do meu lado.
Sem me conhecer direito e com todos os motivos do mundo para sequer
confiar em mim, Piuí apenas ficou, me amparou, me deu cobertura e por livre e
espontânea vontade, me ajudou a suportar toda a merda que veio junto com a
morte do juiz Enrico Antunes, dentro daquela cela fedorenta.
Meu amigo nunca contou a ninguém e nunca permitiu que eu me sentisse
obrigada a falar sobre aquela maldita noite. Talvez, se ele tivesse contado a Julia
o que tinha acontecido, a megera não tivesse feito tanta merda por causa do
ciúme doentio que sentia quando nos via juntos.
— Você não tem a menor ideia de quem é aquele cara Guilherme, mas
com certeza, sabe que o Mateus e a Lívia o consideram como um filho, eu tenho
o Piuí como um irmão, e a sua filha é apaixonada por ele. Será que todos nós
estamos errados e só você está certo? — perguntei sem desviar o olhar — Será
que o Piuí é tão dissimulado que conseguiu enganar a todos nós por tantos anos?
Será mesmo, que se fosse o grande filho da puta que você está pintando, ele se
arriscaria pra salvar a sua filha sem nem saber o que tinha acontecido com ela?
— Eu já falei Laís, não tenho nada contra Pedro como pessoa ou agente,
só não quero ele perto da minha filha.
Joguei a toalha, taquei o foda-se para o idiota e desisti de fazer
Guilherme aceitar o inevitável, mas se o cara era um verdadeiro babaca
arrogante e não conseguia admitir que o homem que sua filha amava, era a
melhor pessoa que ela poderia ter ao seu lado como marido, amigo e protetor, ele
que fosse tomar no cu.
Eu não estava disposta a perder mais o meu tempo com aquele assunto.
— Ainda bem que quem vai decidir isso é a Nichole, e não você.
Guilherme não teve tempo para retrucar e ele estava pronto para me
atacar, mas o médico que cuidava de Nichole desceu com sua maleta na mão e
uma cara péssima.
— Como ela está Daniel?
A voz aflita de Isabella foi como um pedido de socorro, esperando que o
psicólogo fosse jogar seu bote salva-vidas para que ela pudesse voltar à terra
firme, após ter passado vários dias a deriva.
— Ela vai ficar bem, mas precisei dar um calmante para que conseguisse
dormir melhor.
— Qual diagnóstico?
— A Nichole está em choque.
— Em choque? — Guilherme perguntou espantado.
Puta merda! Eu sabia bem o que acontecia quando uma pessoa entrava
naquele estado emocional crítico, mas para determinar a cura, o primeiro passo
era descobrir qual foi a causa.
— Qual foi o gatilho?
Perguntei diretamente ao médico ignorando os olhares curiosos de
Guilherme e Isabella.
— Não sei exatamente. — o psicólogo desviou os olhos, encarando os
pais de Nichole como se precisasse de autorização para falar sobre a filha na
frente de uma estranha — Mas com certeza tem a ver com o nome James.
— Ela descobriu que ele está vindo pra cá?
Guilherme esfregou o rosto e jogou a cabeça para trás, Isabella balançou
a cabeça negativamente se lamentando por algo que fez, ou nitidamente, deixou
de fazer.
— Eu contei a ela.
Minha mão coçou para voar na cara dele, mas me controlei pelo bem da
nação.
— E eu posso saber exatamente por que você contou se a gente nem tem
certeza ainda?
— Ela precisava saber...
— Não Guilherme, a Nichole não precisava saber de nada. — afirmei
sentindo a adrenalina percorrer meu corpo — Você quis que ela soubesse, não
foi?
— Vocês iam sair e meu pai já tinha contratado novos seguranças, se a
Nichole desconfiasse de alguma coisa, eu tenho certeza que ia ser muito pior
quando ela descobrisse a verdade e soubesse que todo mundo sabia, menos ela.
— Tudo bem você querer poupar sua filha do sofrimento, mas por que
hoje? Por que não esperou um momento mais tranquilo pra falar?
— Não sei, ela me perguntou o que eu tinha e as coisas acabaram
acontecendo. Foi isso.
— Você tem ideia do que pode acontecer com ela agora?
Coloquei as mãos na cintura esperando impacientemente a resposta.
— A única coisa que eu sei, é que ela vai sair dessa.
Gargalhei chamando a atenção de Isabella e do médico engomadinho.
— A Nichole vai sair dessa sim, mas a cabeça dela vai pirar quando
acordar, e eu te garanto, que não é nada fácil controlar a mente.
— Como pode afirmar uma coisa dessas Laís? Por acaso você já passou
por isso?
Olhei para o médico de relance e vi a curiosidade refletida em seus olhos.
Eu poderia colocar aqueles três imbecis sentadinhos no sofá e contar uma triste
história baseada em fatos reais e provar que a vida de Nichole era um mar de
rosas se fosse comparada a minha, mas não gastaria mais saliva com eles.
— Só quem passou por isso, pode dizer o quanto dói Guilherme. —
afirmei e encarei o psicólogo — Ela vai dormir por quantas horas?
— No mínimo doze.
— O que você deu pra ela? Calmante veterinário?
Eu sabia que estava passando dos limites, não apenas na arrogância, mas
também nas perguntas, já que Nichole não era da minha família.
— Não. — o médico deu um sorriso que me deixou um pouco sem graça
— Apenas uma dose um pouco mais elevada de ansiolítico para que ela possa
dormir sossegada. Como você mesma disse, amanhã ela não vai acordar se
sentindo bem.
Meu telefone tocou e o nome do Piuí brilhou na tela. Passava das sete da
noite e ainda não tínhamos conversado. Ele ficaria puto da vida comigo por não
ter ligado para ele e contado o que havia acontecido com a Hermione, mas meu
amigo teria que superar.
— Oi.
— Caralho Dri, onde você se enfiou?
— Estou na casa da Nichole, é melhor você vir pra cá.
Desliguei o telefone e encontrei um par de olhos verdes furiosos me
fuzilando.
— Não vai me dizer que você pediu pro Pedro vir até aqui.
— Pedi sim, e acho que seria muito bom pra Nichole se ele ficasse no
quarto dela essa noite.
— O que? Você ta doida ou perdeu o juízo?
— Ela vai dormir por doze horas Guilherme. — revirei os olhos — Mas
isso não garante que não vá ter pesadelos e acordar assustada. Tenho certeza que
se ele estiver com ela, vai ser mais fácil acalmá-la.
— Eu posso dormir com a minha filha.
— Claro que pode, mas a sua filha iria se sentir mais a vontade se fosse
ELE que estivesse com ela.
— A Laís tem razão Guilherme — Isabella intercedeu — O Daniel já
falou que ela vai dormir e o Pedro pode sim ficar com ela no quarto até amanhã
de manhã. O que você acha Daniel?
O médico estava entre a cruz e a espada, e eu esperava que ele fosse
sensato e pensasse na sua paciente e, não no pai dela e toda sua dificuldade de
encarar o fato de que a Nichole precisava do Piuí.
— Não vejo problemas, até porque, ela não vai acordar. Mas a presença
do Pedro pode ajudar se ela tiver um pesadelo ou, até mesmo, uma crise durante
a noite.
— Isso é loucura... — Guilherme bufou — Você estará aqui quando ela
acordar?
Daniel assentiu e se dirigiu a porta de saída, com Isabella o
acompanhando.
— Estarei aqui por volta das sete da manhã e quando ela acordar avalio o
que deverá ser feito.
Minutos mais tarde, Piuí já estava de pé ao lado da cama de Nichole. Sua
presença intimidadora caía por terra quando seus olhos exibiam sua
vulnerabilidade diante daquela menina fragilizada.
— Foi tão ruim assim?
— Acho que foi, mas o Guilherme nunca vai admitir.
— Ela precisa ficar boa.
— Ela vai ficar, agora senta aí e descansa. O médico deu um calmante e a
sua Hermione não vai acordar tão cedo. — dei um beijo no rosto dele —
Amanhã de manhã eu venho pra falar com ela.
Piuí me puxou para um abraço apertado e beijou minha cabeça.
— Obrigado Drizella, se não fosse você, ele nunca teria deixaria eu ficar
aqui.
— Isso é verdade, mas não precisa me agradecer. Eu fiz isso pela Nichole
e sei que você é a pessoa que ela gostaria de encontrar se tivesse um pesadelo.
— Mesmo assim, obrigado por cuidar dela.
— Amigos são para essas coisas, certo?
Deixei a casa de Guilherme mais abalada do que gostaria. Eu conhecia
todos os sintomas, todos os efeitos das palavras, todas as reações esperadas e
todo o processo que Nichole passaria até que chegasse enfim, ao entendimento
sobre tudo que havia passado.
Na vida, sempre teremos escolhas, mas nem sempre teremos boas opções
de escolhas.
Eu não sabia com exatidão o quanto a cabeça da Hermione tinha sido
afetada por James Hudson, o miserável que a violentou, mas pretendia descobrir
na manhã seguinte.
Cheguei à casa de Lívia e encontrei meus irmãos reunidos, como faziam
toda sexta-feira após o expediente. Mateus segurava Pedrinho no colo e sorria
como um avô babão. Ele fingia que não gostava quando eu o chamava de “vovô
Thor”, mas eu sabia que no fundo, o apelido agradava o homem mais mal
humorado que eu já tive o desprazer de conhecer.
— Podemos conversar um minuto?
Mateus perguntou depois que cumprimentei todos que jantavam reunidos
em volta da mesa, e fiquei ouvindo Joshua tagarelar por mais de meia hora, tudo
que havia feito durante a tarde com seus primos. Detalhadamente.
Ele e Malu provavelmente engoliram os mesmos gravadores quando
nasceram, e falavam mais do que qualquer boca deveria permitir. Já Breno e
Davi, viviam correndo atrás de alguma coisa, qualquer coisa, o importante
mesmo era a corrida.
Cauã quase não falava e passava mais tempo com os livros embaixo do
braço do que interagindo com a família, enquanto João Mateus era a cópia do pai
e vivia quieto, observando tudo ou pior, todos a sua volta, e confesso que de
todos os meus sobrinhos, ele era o que mais me deixava assustada.
— Claro, preciso te passar algumas coisas.
Beijei Murilo que resmungou alguma coisa sobre eu não parar de
trabalhar, mas ignorei seu comentário e garanti que compensaria minha ausência
mais tarde, quando chegássemos em casa.
Segui meu cunhado até seu escritório e fechei a porta.
— Puta merda! — Eu me sentei na cadeira à frente de Mateus que me
observava atentamente — A coisa ta bem pior do que pensei.
— Como a menina está?
— Ela vai superar, eu sei que vai.
— Então qual o problema?
— O pai dela. — Mateus não falou nada, apenas manteve a sua cara
amarrada de sempre — O Guilherme vai dar problema quando o James pisar no
Rio de Janeiro.
— Por que você acha isso?
— Ele se sente culpado por tudo que aconteceu com a filha dele, e eu
aposto que vai tentar acabar com o cara sozinho.
— Aposta? — meu cunhado ergueu uma sobrancelha e sorriu de lado me
irritando com aquela merda de brincadeira infantil — Quanto?
— To falando sério porra!
— Eu também. — ele apoiou os cotovelos em cima da mesa — Se ele
quiser se arriscar o problema é dele e eu não vou impedir. Se fosse com a minha
filha, talvez fizesse muito pior.
— Mateus, se o James vier com aqueles caras e resolver trazer o inferno
com eles, o Guilherme não vai dar conta.
— Então pode se preparar, porque eles já estão a caminho. — Mateus
ligou o notebook e virou a tela na minha direção — Recebi hoje uma mensagem
do nosso informante no México, James e mais seis homens desembarcaram
apenas para abastecer o avião, farão uma parada na Colômbia e chegam aqui na
próxima quarta-feira.
— Por que abastecer no México? Eles falaram com algum traficante?
— Eles não abasteceram com combustível Laís.
— Como assim?
— Eles abasteceram o avião de armas. — tentei falar, mas minha voz não
saiu — Ficaram apenas vinte e quatro horas, pararam em um puteiro e fizeram
uma compra de mais de dez milhões de dólares com Sérgio Ruiz.
— Esse cara não é o maior rival do Eduardo Garcia, o pai do Mansur?
— O próprio, e pelo que sabemos ele está financiando o esquema de
James na América do Sul.
— Por que você não avisa o Mansur? O pai dele pode ajudar a gente a...
O sorriso arrogante do meu cunhado fez com que eu me arrependesse na
hora de ter dado aquela sugestão. Claro que ele já tinha feito aquilo.
— Quando eu recebi o primeiro e-mail do informante liguei pro Mansur
e pedi que falasse com o pai, mas os dois não aceitaram muito bem o que
aconteceu com a Marcia na base, e disse que não queria que o pai se envolvesse
nisso e tentasse acertar as coisas com James. — Mateus fez uma careta
engraçada — Então eu fui obrigado a agir por conta própria e falei pessoalmente
com o todo poderoso, Eduardo Garcia.
— Você sabe que isso pode dar merda se alguém descobrir que está se
aliando a um traficante para pegar outro. Não sabe?
— Eles fizeram isso comigo, lembra? E mesmo que neguem, fazem o
tempo todo quando o caso é grave.
— Mateus, quando você se entregou a polícia, todo mundo sabia que
você chefiava o morro do Teteu, era o traficante mais conhecido da cidade,
sangue ruim mesmo, mas tinha uma história de vida com aquela comunidade.
Não adianta se comparar a esses caras que só querem ganhar dinheiro e não se
importam com ninguém. James, Eduardo e Sérgio são homens frios que matam
famílias inteiras, estupram mulheres inocentes, traficam crianças apenas para ter
lucro financeiro.
— Não estou me comparando a eles Laís, mas sei como funciona o outro
lado, além disso, nós temos algumas vantagens com Eduardo Garcia.
— Ele é brasileiro.
— Não apenas isso, a filha dele estava na mesma base que Nichole, elas
eram amigas e a Márcia foi morta pelo mesmo cara que agora quer invadir nosso
país, começar um negócio em parceria com um traficante de merda, e pegar a
única sobrevivente daquele grupo de pilotos.
— Ele concordou não foi?
— Na verdade não. — Mateus fechou o note e sorriu novamente — Ele
se ofereceu para ajudar e me garantiu que não vai interferir em nada.
— Como ele vai ajudar se não interferir?
— Está me mandando um carregamento de armas e vinte e cinco
homens.
Fiquei em pé num pulo. Que merda meu cunhado estava pensando
quando aceitou aquela merda?
— O que você pretende com isso? Iniciar uma guerra?
— Não, apenas nos preparar pra ela.
— Tá falando sério?
— Laís, esses caras não estão sozinhos nisso. Foram seis no México que
virarão doze na Colômbia, mas quando chegarem aqui, esse número vai triplicar.
Sabe quantos homens eu tenho a minha disposição para uma operação como
essa?
— Mateus, por favor, me diz que você tem um plano pra pegar esses
caras antes de eles conseguirem se espalhar pela cidade.
— Estou trabalhando nisso...
— Porra! E se o James conseguir encontrar a Nichole?
— Ele não vai encontrar a menina.
— O que vai fazer com ela?
— Eu não vou fazer nada, mas o avô dela vai.
— E o Guilherme? — perguntei pela primeira vez com pena daquele
babaca arrogante, que apesar de tudo era o pai da Nichole — Ele sabe disso?
— O Nicholas vai contar na hora certa e o Guilherme não tem opção, ele
vai ter que concordar. É para o bem dela.
— E o Piuí? Onde ele fica nessa história toda?
— Ele vai cuidar da menina.
Voltei a me sentar com a cabeça a mil por hora.
— Vocês querem esconder a Nichole do James e deixar o Piuí cuidando
dela até que tudo termine, é isso?
— Sim e não.
— Como assim caralho? — será que eu já estava ficando louca e não
conseguia assimilar o que meu cunhado estava falando? — Você falou que vai
esconder a menina e o Piuí vai cuidar dela, se não é pra impedir que o James a
encontre, pra que fazer isso?
Mateus relaxou o corpo na cadeira como se fosse um Sutão, daqueles
bem filho da puta que se acha o fodão.
— Nós vamos esconder a menina e o Piuí vai ficar com ela, mas não para
evitar que o James a encontre. — Mateus ficou sério e sua expressão me dizia
que eu não iria gostar nada do que estava prestes a ouvir — Nós vamos usar a
Nichole pra atrair o desgraçado para uma armadilha e acabar com a raça dele.
Dessa vez, ele não vai ter chance.
— Você só pode estar brincando comigo... vocês não podem fazer isso
com a Nichole.
— Isso o que? — o filho da puta ironizou.
— Enganar a menina desse jeito! — esbravejei querendo pular sobre a
mesa e socar a cara dele — Ela precisa saber que estará servindo de isca para o
homem que fodeu a vida dela porra!
— Não sei por que você ta tão nervosa Laís, é claro que a Nichole e o
Piuí vão saber de tudo caralho!
— E você acha que eles vão concordar com isso quando você e o
Nicholas contarem o que estão pretendendo fazer? Acha que vão conseguir
convencer os dois a arriscar a própria vida por causa daquele embuste de merda?
— É por isso que você está aqui Laís.
— Eu? O que eu tenho a ver com isso?
— Você tem tudo a ver com isso. — Mateus voltou a apoiar os cotovelos
sobre a mesa e abriu o mesmo sorriso arrogante, convencido, ridículo e
prepotente de sempre — É você que vai convencer o Piuí e a Nichole a servirem
de isca, mas antes disso, vai precisar conquistar a confiança da menina de novo,
porque a do Piuí a gente sabe que você já tem.
— Eu não posso fazer isso...
— Pode e vai. — Mateus fiocu em pé e começou a caminhar de um lado
para o outro do escritório me deixando zonza, como sempre fazia quando estava
nervoso — É o único jeito de salvar a Nichole e o Piuí, Laís!
— É muito mais fácil se a gente colocar os seguranças atrás dela e deixar
o Piuí em cima deles vinte e quatro horas por dia, Mateus!
— Se o James tiver uma única chance, ele vai matar o Piuí e sumir com a
Nichole. Tudo que esse cara está fazendo foi pensando e calculado nos mínimos
detalhes. Ele sabe sobre o envolvimento da Nichole com o Piuí, descobriu sobre
a Julia e o Pedrinho, e foi por isso que procurou o Trovão pra armar a sociedade.
Ele queria estar por perto e pode apostar que vai tentar usar os dois contra o
Piuí.
Eu queria argumentar e dizer que meu cunhado estava louco, mas não
podia, porque por mais maluca que fosse a sua explicação, tinha lógica e como
sempre, Mateus tinha razão. James Hudson não era um criminoso qualquer.
— James está agindo como um lunático combatente de guerra. — Mateus
continuou falando enquanto gastava o piso de madeira e toda a minha paciência,
andando para lá e para cá — O plano dele é cercar o inimigo por todos os lados,
bombardeando e distraindo até deixar todos os seus principais defensores
abalados, confusos e desgastados. Quando ele perceber que estamos
enfraquecidos o bastante, vai atacar com as suas armas mais potentes e
aproveitar a batalha em campo, onde todos os peões estarão preocupados em
salvar a própria vida, para ir atrás do que realmente quer.
— Nichole...
Mateus parou, sua testa estava suada, seus olhos estreitos e o ódio
estampado em seu rosto .
— Esse cara não vai encostar um dedo em ninguém da minha família
Laís, nem que pra isso, eu precise ressuscitar o Thor das cinzas, e mostrar pra
esse cuzão, pessoalmente, o que acontece quando alguém tenta invadir o meu
morro e fazer ele entender de uma vez por todas, quem é o dono dessa porra
toda.
Eu nunca tinha visto meu cunhado agir daquela forma, tão alterada e tão
enfurecida, mas uma coisa eu sabia, quando se tratava das pessoas que Mateus
amava, ele jamais deixaria de lutar, e lutaria até a morte se fosse preciso.
Pensei em Piuí e tudo que passamos desde a primeira noite em que nos
conhecemos, meu apelido ridículo que me acompanhou pelos três anos que
passei na Arábia, suas brincadeiras sem graça e irritantes, seu jeito brincalhão,
seu bom humor inconveniente e principalmente, em todo o amor que dispunha a
todos, gratuitamente.
Aquele garoto alto e magrelo que minha irmã conheceu há mais de dez
anos deu lugar ao homem forte e musculoso, mas o coração mole, a fidelidade, o
respeito, a dedicação, a amizade e todo o amor foram cultivados, multiplicados e
passados de nós, para as nossas crianças.
Piuí não era apenas um amigo, mas um irmão, assim como Mateus, e eu
não precisava de tempo para pensar no que tinha que fazer.
— Qual vai ser o primeiro passo?
Meu cunhado voltou ao modo “chefe petulante”, e me passou tudo que
faríamos nos próximos dias.
— É pouco tempo Mateus...
— É o que temos Laís, não tem como adiar a chegada de James a cidade.
— Eu vou falar com a Nichole amanhã de manhã.
— Ótimo. O Nicholas vai reunir todo mundo quarta-feira, no escritório
da N5-Security, para contar os detalhes e controlar o Guilherme.
— Vou pensar em alguma coisa.
— Não precisa pensar em nada Laís. — Mateus se remexeu na cadeira e
parecia constrangido — Você viveu uma situação semelhante a da Nichole, ela é
sua amiga e antes de saber o que ia acontecer nos próximos dias, você já estava
disposta a ajudá-la a encarar essa situação de uma maneira diferente. Não quero
que faça isso como se estivesse enganando a menina. — ele desviou os olhos
como se tivesse se lembrado de algo, mas voltou a me encarar disfarçando bem
suas emoções — Seja sincera com ela, converse e ajude como pretendia fazer.
Eu tenho certeza que a confiança que ela tinha em você vai ser resgatada.
— Ok.
Foi tudo que eu consegui responder antes de sair do escritório e voltar
para a minha casa, com um Murilo preocupado e um Joshua falante.
Às cinco horas da manhã eu já estava de pé, e depois de tomar um banho
e me trocar para ir à casa de Guilherme, abri o cofre onde estava guardado o CD
que continha a única gravação do que havia acontecido na noite em que meu pai
foi morto, dentro da cela.
Segurei o objeto por vários minutos, olhando para o nada e decidindo se
estava na hora e revelar o meu segredo, contar o que havia acontecido e permitir
que todos soubessem que tipo de pessoa eu havia me transformado.
Nichole precisava entender que toda plantação exigia sua colheita, e
independente da forma que a vida nos oferecia opções, a decisão final sempre
seria nossa.
Nossas escolhas.
Nossas consequências.
Nossas penitências.
Se eu consegui sobreviver e seguir em frente depois de tudo que passei
nas mãos do homem que deveria me amar e me proteger, certamente Hermione
também conseguiria, afinal de contas, Piuí estava com ela, como esteve comigo.
Sempre que precisei, mesmo não precisando. E estava mais do que na
hora de retribuir tudo que o meu melhor amigo tinha feito por mim.
Por amor e amizade.
CAPÍTULO 26

NICHOLE

Ouvi Laís e meu pai conversando, ou melhor, discutindo. Dava para


ouvir as vozes alteradas do meu quarto e me perguntei onde estaria a minha mãe
e o que ela achava dessa desavença entre os dois.
Eu pretendia questionar Isabella, mas minha intenção foi extinta quando
notei sua presença na sala, afastada do marido e atenta a postura de Laís. Se eu
não a conhecesse tão bem, diria que minha mãe estava enciumada, mas a palavra
certa para descrevê-la naquele momento era “admirada”.
Notei que Isabella apreciava cada gesto da minha amiga ruiva e seu olhar
orgulhoso despertou um sentimento diferente em mim. Fiquei incomodada pela
maneira que a mulher que sempre me serviu de inspiração, parecia encantada por
Laís Antunes.
Parei no último degrau sem ser notada, e em vez de anunciar minha
chegada à sala de estar para encerrar a pequena “treta”, resolvi fazer o mesmo
que Isabella, e acabei envolvida pela conversa acalorada.
Guilherme Fiolski Castro, um homem experiente de quarenta e poucos
anos, ex-agente da Polícia Federal e meu pai, estava a menos de um metro de
Laís Antunes, uma mulher de trinta e poucos anos, caçula dos irmãos Antunes,
que foi abusada desde menina pelo próprio pai e viveu durante muitos anos uma
vida desregrada. Atualmente ela trabalhava com o cunhado e fazia parte de um
grupo de agentes, conhecidos como fantasmas, que não a vinculava a nenhum
órgão público.
— Se você não tivesse forçado a barra, eu teria pegado mais leve com
ele! — meu pai esbravejou.
— Se você tivesse vergonha na cara, trataria ele melhor. — Laís revidou.
— Quantas vezes vou ter que repetir que não quero ele perto da Nichole?
— Isso não é você que decide Guilherme!
Eles falavam a meu respeito, e apesar de não ter escutado o nome do pivô
da discussão, eu sabia de quem estavam falando. A pergunta que coçava minha
língua para sair em voz alta era: Por que eles estavam falando do Pedro?
— A Nichole não está bem e não pode agir por conta própria Laís!
Senti meu rosto esquentar com as palavras de Guilherme. Ele achava que
eu não estava bem? Por que ele achava aquilo?
— Não fala merda! — Laís me defendeu e vi minha mãe sorrindo para
mim, do outro lado da sala — Sua filha não está doente porra! Pára de falar dela
como se a menina fosse uma retardada mental ou coisa parecida, ela está abalada
e confusa, mas é a mesma pessoa. Será que você não consegue entender?
Entendi o sorriso de Isabella e só então me dei conta de que minha amiga
estava brigando por mim, com o meu pai.
— A minha filha precisa ser protegida de homens como o Pedro.
— Homens como o Pedro? — Laís ironizou — Todos os pais deveriam
agradecer se suas filhas tivessem um homem como Piuí apaixonado e disposto a
fazer qualquer coisa para ver a mulher que ama feliz, mas é claro que um idiota
orgulhoso e machista como você não consegue admitir isso.
— O Pedro não ama a minha filha porra! — Guilherme alterou a voz e se
aproximou de Laís — Ele nunca amou a Nichole, prova disso é que largou a
menina em um quarto de motel e foi correndo para a esposa quando soube que
ela estava grávida.
— Mais uma prova do quanto ele tem caráter. — a ruiva retrucou com os
dentes trincados — Se a Nichole estivesse grávida do marido e ele tivesse uma
amante, o que você gostaria que seu genro fizesse? Continuasse com a outra
mesmo depois de saber que seria pai, ou assumisse o filho ao lado da esposa?
— Não estamos falando sobre o que eu penso Laís e sim, sobre as
atitudes do Pedro com a Nichole.
— É exatamente sobre isso que eu estou falando Guilherme! O Piuí
estava casado com a Julia há muito tempo e nunca tinha se envolvido com
nenhuma mulher até conhecer a Nichole porra! — Laís parecia derrotada ao falar
do amigo e pela primeira vez, tive vontade de concordar com ela — Ele se
apaixonou pela sua filha no primeiro minuto que a conheceu. Tudo que meu
amigo mais queria era ficar com a Hermione e estava disposto a se separar da
esposa, mas aquela megera desgraçada aprontou e disse que tinha engravidado.
— E ele resolveu descartar a minha filha como um saco de lixo e voltou
correndo pra casa.
— Ele agiu como o homem responsável que é, e abriu mão da própria
felicidade pra criar o filho, e acabou descobrindo que nem era o pai do menino,
no fim das contas.
Sem perceber me aproximei de Laís e a abracei como havia feito minutos
antes na porta do meu quarto.
Ela estava certa em tudo que tinha acabado de falar para o meu pai, e se
Guilherme tivesse agido comigo com mais firmeza, teria feito com que eu
ficasse no Brasil e assumisse a minha parcela de culpa naquela história mal
acabada.
Eu conseguia entender melhor todos os lados, inclusive o meu. Foi difícil
demais admitir que tivesse que sobreviver longe do homem por quem eu estava
perdidamente apaixonada, a quem entreguei não apenas meu corpo, mas também
meu coração.
No momento em que Pedro me convidou para sair naquele dia, nossa
última noite, imaginei que ele fosse me contar sobre a decisão de se divorciar,
mas depois de fazer amor comigo e dizer que me amava mais do que qualquer
pessoa no mundo, ele anunciou que sua esposa estava grávida e não poderíamos
continuar nos encontrando.
Apesar de ter segurado as lágrimas enquanto ouvia todas as suas
explicações naquele quarto de motel, acabei desabando em seguida e sem forças
para pensar ou fazer qualquer coisa, liguei para o meu pai e pedi que ele fosse
me buscar.
Pedro errou quando fez amor comigo sem me contar a verdade; eu errei
quando liguei para Guilherme como uma típica adolescente mimada e o envolvi
nos meus problemas; meu pai errou quando passou por cima do que era certo e
se tornou conivente da minha mágoa.
Todos nós erramos.
Não havia vencedores ou perdedores, apenas pessoas imperfeitas
passíveis de erros, mas que amavam demais e por isso, sofreram demais
também.
— Você tem razão Laís, tem toda razão... — falei entre lágrimas e
soluços — O Pedro fez o que tinha que fazer.
— Nichole, o que está fazendo aqui embaixo? O Daniel falou que era pra
você descansar, minha filha.
Encarei meu pai finalmente enxergando o quanto a culpa estava
consumindo sua alma. Guilherme nunca admitiria, mas sabia que nada do que
aconteceu comigo naquela base foi por causa do Pedro, ou da escolha que fez
quando optou em ficar com a esposa e me abandonar.
— Eu estou bem pai, aliás, acho que nunca me senti tão bem desde que
fui embora. — soltei Laís e me aproximei dele sem desviar meus olhos dos seus
— Está na hora de colocar uma pedra em cima desse assunto e seguir em frente,
de uma vez por todas. Apenas uma pessoa pode ser responsabilizada por tudo
que aconteceu comigo naquele lugar, e todos nós sabemos de quem estou
falando. Só ele merece ser punido, pai. Mais ninguém.
— Não Nichole! Você não pode esquecer o que aquele homem fez.
— E o que eu fiz não conta, pai? — perguntei sem alterar a voz para o
homem que vivia seu próprio conflito e teria que se esforçar para superar o
passado — A minha culpa é tão grande quanto à do Pedro, ou você acha que foi
certo o modo como agi? Ele era casado pai, e eu sabia desde o começo. A Laís
me alertou várias vezes e disse que seria melhor se eu ficasse longe, que eu
mantivesse a amizade e não me envolvesse antes do divórcio sair, mas sabe o
que é pior? Eu não ouvi, não me esforcei para afastar o Pedro e sabe por quê? —
sorri sentindo o aperto no peito chegar e a dor latente começar a levar meu
oxigênio para longe, mas precisava falar e acabar com aquela guerra entre
Guilherme e Laís — Porque eu me apaixonei perdidamente pelo homem
responsável, honesto, engraçado, inteligente, sincero, e me convenci de que ter
um pouco dele, era melhor do que não ter nada.
Minhas lágrimas escorreram pelo rosto, mas não freei minhas emoções
quando senti meu coração acelerar e minha cabeça doer.
— Como você pode dizer que o Pedro é sincero, Nichole?
Coloquei a mão sobre o peito e respirei fundo, Laís se aproximou de mim
colocando sua mão em meu ombro, mas eu recusei seu apoio.
— Ele nunca mentiu pra mim pai, nunca. Desde o começo, o Pedro me
contou sobre a história que ele e a Julia tinham, mas eu também acreditei que...
— a dor aumentou e eu precisei me sentar, meu pai correu na minha direção e
minha mãe pegou o telefone — o Pedro me amava... eu sei que sim pai, eu sei
que ele me amava. Ele não mentiu. Ele não mentiu.
Tudo começou a girar, o ar faltou e meus olhos se esforçaram para não se
fecharem.
— Nichole, pensa em alguma coisa boa. — a voz de Laís distante tentava
me distrair — Pensa em tudo que você viveu com o Pedro, todos os momentos
que voc...

***

Imagens de Pedro prendendo as algemas nos meus pulsos, me beijando,


me tomando, dizendo que eu era a única mulher que ele amaria foram pouco a
pouco invadindo minha mente.
Olhos acobreados, brilhantes, suaves. Suas mãos morenas sobre a minha
pele pálida, sua boca em meu ouvido me chamando de Hermione, sussurrando
palavras incompreensíveis e promessas de um amor improvável.
A voz se alterou e o azul substituiu o cobre; felino, faminto, sombrio. As
mãos apertavam com força machucando, ferindo, fazendo sangrar. Os beijos
foram substituídos por mordidas, a cama pelo chão e o carinho pela dor.
“— Decorou as primeiras dez regras, Nichole?
— Sim senhor, senhor.
Gargalhadas.
— Vamos lá “baby doll”, estou ouvindo, mas lembre-se...
Barulho de chicote estalando no chão.
— Se falhar sofrerá as consequências.
— Primeira regra: Manter a cabeça baixa na presença do Mestre.
Minhas mãos amarradas para trás aumentavam a tensão em meus
ombros.
Silêncio.
— Segunda regra: Falar somente quando tiver permissão.
Fechei os olhos com força buscando a concentração para finalizar a
prova do dia e conseguir autorização para voltar ao dormitório sem escalas.
Silêncio.
— Terceira regra: Nunca questionar uma ordem do seu Mestre.
Uma porta se abrindo, passos firmes em minha direção, mas eu não
podia olhar, não devia levantar a cabeça, ou seria punida. Concentração
Nichole! Falei para mim mesma.
— Quarta regra: Oferecer submissão sem pudor ao Mestre.
Uma risada debochada no fundo da sala, uma cadeira se arrastando. Eu
precisava focar nas regras, falar tudo sem errar era a única chance de escapar
do quarto do pânico.
— Quinta regra: Oferecer obediência sem questionamento ao Mestre.
— Sexta regra: Não mentir.
— Sétima regra: Não violar os códigos internos.
— Oitava regra: Realizar todas as tarefas diárias.
— Nona regra: Denunciar abusos dos colegas.
— Décima regra: Oferecer disposição ao Mestre sempre que for
solicitada sua presença.
Respirei aliviada quando finalizei a dissertação das regras, meu corpo
cansado implorava por descanso.
— Muito bem “baby doll”, pode ir tomar banho. — concordei com a
cabeça sem encarar o homem com grandes olhos azuis, e me levantei seguindo
para a porta lateral, mas a voz amaldiçoada reverberou pela sala claustrofóbica
me impedindo de caminhar em direção ao meu destino — Está indo para o lado
errado pequena, o quarto do pânico e por aqui.
Ainda de costas eu pude ouvir as gargalhadas dos outros homens. Ele
mentiu novamente quando me garantiu que se as regras fossem decoradas e
citadas corretamente, meu corpo seria poupado da violência.
— Tá surda garota? — o homem que parecia um animal enjaulado e
tinha enfiado uma garrafa dentro de mim no dia anterior perguntou com
arrogância — O Mestre mandou você ir para o quarto do pânico. Mexe essas
pernas e vai logo!
Eu não conseguia me mexer, estava paralisada, agoniada, apavorada.
Não queria voltar para aquele lugar novamente, tinha acabado de sair de lá.
O barulho das botas no chão de cimento sujo foi tudo que ouvi, antes de
ser agarrada pelos cabelos e arremessada ao chão com força bruta e excessiva.
Tentei me defender, mas não tive forças. Sem me alimentar direito e sem
dormir eu me sentia fraca e debilitada.
Senti as mãos grandes e brancas apertarem minhas coxas. Fui carregada
através do corredor fético e estreito até a porta de madeira que protegia o
espaço utilizado para devorar almas como a minha.
Um tapa na cara, forte, barulhento.
Ele segurou meu queixo, seu hálito próximo a minha boca. Eu não
conseguia abrir os olhos para encará-lo, estava completamente ferida e o
orgulho que ainda me restava, chorava lágrimas de sangue pela humilhação
sofrida há dias seguidos.
— Você citou as regras “baby doll”, mas esqueceu de seguir a número
três. — o aperto se intensificou provocando um corte na parte inferior dos meus
lábios onde sua mão pressionava meus dentes — Abra os olhos boneca e veja o
que acontecerá com você todas as vezes que negligenciar uma regra.
Mais um tapa.
Minha visão ficou turva, minha garganta se fechou e eu lutei
bravamente, incansavelmente, mas inutilmente. Quanto mais resistia, mais ele se
excitava. Quanto mais eu chorava, mais ele se divertia.
Eu achei que aguentaria. Achei que sobreviveria, mas me enganei. James
sugou toda minha força, até a última gota e só parou quando pensou que eu
estivesse morta.
Senti suas mãos em meu corpo e o desespero de ser tocada novamente
por ele cresceu, expandiu e extravasou. Abri os olhos para finalmente encará-lo,
mas tudo que vi a minha frente foi a imagem distorcida do homem que um dia
jurou me amar.
Era um truque da minha mente para ceder, uma forma de me poupar da
dor, uma evidência de que se eu não escapasse daquele lugar, ele venceria e eu
jamais permitiria que aquele desgraçado vencesse.
Voltei a encarar a ilusão que se inclinava sobre o meu corpo lentamente,
e pegando-o totalmente desprevenido, reagi, gritei, me defendi como pude,
usando toda a minha energia para dete-lo.
— NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!”
***

— Calma minha menina, calma...


Respirei profundamente. Pisquei várias vezes até conseguir enxergar.
— Sou eu, Pedro. Eu não vou machucar você Nichole. — duas mãos
enormes seguraram meu rosto com firmeza e suavidade aquecendo minha pele
— Eu nunca vou te machucar Nichole, nunca.
Meu choro foi contido, mas o bastante para que o único homem que tinha
a chave do meu coração me abraçasse com força, encaixasse meu corpo ao dele
com perfeição e despertasse todos os desejos reprimidos, embutidos, agoniados,
de uma forma tão hostil.
Desesperadora.
— Calma minha menina, eu não vou mais sair daqui...
Agarrei sua camisa e me aproximei ainda mais dele. O medo de que ele
estivesse me enganando e que pretendesse me abandonar novamente provocou
um tumulto dentro de mim.
Pânico.
Ansiedade.
Pavor.
James estava voltando e viria atrás de mim. Ele queria que estivesse
morta e faria de tudo para que eu morresse daquela vez.
— Ele quer me pegar de novo...
Minha voz trêmula falhou.
— Ninguém vai tirar você de mim menina, ninguém.
Enfiei meu rosto em seu peito forte e protetor. O cheiro casual de Pedro
conseguiu me acalmar, pois era familiar e muito bem-vindo. Há quanto tempo eu
não o sentia daquela forma tão íntima, tão pessoal?
Não me lembrava mais.
As últimas vezes que estivemos juntos foi apenas sexo. Dominador e
submissa aproveitando juntos um jogo de dor e prazer. Muito mais prazer do que
dor, mas ainda assim, sem intimidade, sem conversa, sem carinho.
— Ele está vindo... eu sei que está.
— Não pensa nisso agora Nick, por favor, eu quero cuidar de você. —
Pedro beijou minha testa demoradamente — Você é minha Hermione, só minha.
Eu amo você, preciso de você, e não aguento mais ficar longe o tempo todo.
Fechei os olhos curtindo o momento que provavelmente não duraria
muito. Pedro era casado, tinha um filho e teria que voltar para a esposa no fim do
dia.
— Olha pra mim Nichole.
Seus dedos seguraram meu queixo e Pedro me forçou a olhar em seus
olhos acobreados. Estive com medo de perde-los e encontrar os azuis
novamente, mas não aconteceu.
Ele me analisou como quem avalia uma mercadoria danificada. Eu era
uma, me considerava uma, e tinha ouvido meu pai afirmar que meu estado não
era normal.
Talvez Guilherme estivesse certo e fosse mais seguro que me
internassem.
— O que você está sentindo? — Pedro perguntou com extremo cuidado
— Pode me contar sobre o que estava sonhando?
Franzi a testa em dúvida.
— Eu não estava sonhando. Por que acha que eu estava sonhando?
Tentei me afastar, mas fui envolvida em seus braços com mais força. A
necessidade de me manter ali era tão grande quanto a minha, de permanecer ali.
— Você ia tomar café com a Laís. Se lembra disso?
Pedro suavizou o abraço quando percebeu o relaxamento do meu corpo
colado ao dele. Ele me ajeitou no meio de suas pernas e me puxou para que
ficássemos encostados na beirada da cama, de frente para a janela.
O sol brilhava no céu, mas eu não tinha a menor noção do horário. Meu
estômago roncou, e uma risada gostosa do homem que me aparava sacolejou
levemente minhas costas.
— Quer comer alguma coisa?
Ele perguntou passando os dedos pela minha cabeça raspada com seus
dedos compridos.
— Não... preciso saber o que está acontecendo comigo primeiro.
— Eu posso te falar o que o doutor Daniel explicou, mas se você tiver
dúvidas mais específicas teremos que ligar pra ele.
— Tudo bem, já é um começo.
— Está mais calma agora?
Minha respiração estava normalizada, minha cabeça não doía mais e meu
corpo estava relaxado sobre a cama, protegido pelo corpo musculoso de Pedro.
— Estou, agora eu me sinto bem mais tranquila.
— Ótimo, isso é muito bom.
— Por que isso é bom?
Eu queria virar minha cabeça para trás e olhá-lo nos olhos, mas além do
medo de que tudo pudesse se transformar em outro pesadelo, aquela posição me
trazia lembranças boas, daquelas que somente quando sentimos novamente algo
parecido, nós percebemos o quanto nos fizeram falta.
— Porque o Daniel disse que quanto menos você se estressar, mais
rápido essas crises vão deixar de existir.
— Por que isso está acontecendo logo agora?
— Ontem seu pai falou sobre o James com você e foi como se ele tivesse
puxado um gatilho no seu cérebro e liberou para a sua mente lembranças
perturbadoras, o que é normal, mas o Daniel acha que a crise foi tão forte, que
seu cérebro entrou em um modo de auto-proteção e te colocou em estado de
alerta para que seus sinais vitais não entrassem em curto circuito, ou desse uma
pane. Consegue me entender?
— Mais ou menos. Quando o Daniel esteve aqui, ele me disse que eu
estava em choque. O que mudou daquela vez pra hoje?
Pedro segurou meus braços e me virou para ficar de frente para ele. Seus
serenos serviam como uma marola calma na beira da praia, disposta a amenizar
os estragos, carregando toda a sujeira deixada na areia, para o fundo do mar.
— Nichole, o médico esteve aqui hoje de manhã. A primeira crise foi
ontem à tarde quando você estava pronta para sair, e a segunda foi hoje cedo.
Você desceu pronta para sair, mas encontrou seu pai e a Laís discutindo na sala
de estar. — ele acariciou meu rosto com carinho e sem me avisar ou pedir
permissão, encostou seus lábios nos meus delicadamente — A Laís me contou
que você parecia normal e começou a conversar com seu pai sobre o nosso
relacionamento. Estava tudo indo bem, até que você levou as mãos ao peito, se
sentou no sofá e logo depois apagou completamente.
— Como isso pode acontecer?
— O Daniel falou que essas crises são normais e que cada pessoa reage
de uma forma diferente ao estresse.
— Não. — neguei com a cabeça para que ele entendesse que eu não me
referia aquele fato — Estou tentando entender como é possível eu não me
lembrar do que aconteceu e por que eu perco a noção do tempo depois que as
crises acontecem?
— Não sei Nichole, mas uma coisa nós já sabemos. Você não pode mais
se estressar desse jeito, precisamos encontrar alguma coisa que te acalme e
impeça que você tenha novas crises.
— Eu sei o que me acalma e me ajuda contra a ansiedade e o pânico, mas
é impossível... quer dizer, não tem como isso me ajudar... — me atrapalhei com
as palavras sentindo meu rosto esquentar de vergonha — Esquece, por favor,
finge que eu não falei nada.
Eu me levantei e caminhei até a janela com os braços em volta do meu
corpo. Como eu pude pensar em falar uma coisa dessas?
— Pode me contar, eu quero saber tudo que você está pensando,
sentindo, querendo... — seu corpo colou ao meu por trás, seus braços
envolveram meu tronco enquanto sua boca depositava beijos delicados na minha
cabeça raspada — Eu quero que você confie em mim e no amor que sinto por
você Nichole. Nós já sofremos demais longe um do outro, erramos e pagamos o
preço pelas nossas escolhas, mas agora acabou e eu estou aqui com você, quero
ficar. Não porque sinto culpa ou remorso, mas porque eu amo você minha
menina. Amo muito, mais do que consegue imaginar.
Os pelos do meu corpo se arrepiaram, a sensação de paz tão desejada me
abordou, o calor escaldante no meio das minhas pernas derreteu o iceberg
permitindo que o líquido escorresse pela minha boceta.
O corpo pressionando o meu, a ereção crescendo rapidamente
provocando minha bunda, as mãos subindo e descendo pelos meus braços
desviando toda a minha atenção de onde ela deveria estar.
Eu precisava ter certeza se Pedro falava a verdade e apenas seus olhos
poderiam me contar o quanto suas palavras eram sinceras.
Nossos olhares se encontraram e tudo que vi foi amor, mas não sabia se
era o amor que ele afirmava sentir por mim, ou se era apenas o meu refletido em
suas íris escuras.
— Eu tenho muito medo Pedro...
— Eu sei Nichole, juro que sei e entendo perfeitamente, mas eu preciso
que você me dê uma chance de te provar o quanto eu te amo e o quanto eu te
quero na minha vida, como minha mulher. Minha... só minha...
Pedro me beijou e eu apenas confirmei o que já desconfiava desde a
primeira vez que ficamos juntos, na boate.
Ele era o meu calmante.
Nas duas noites em que passamos juntos, não tive pesadelos, na tive
palpitações e nem picos elevados de pressão arterial. Tomei os remédios por
obrigação, mas sabia que não passaria mal, sequer teria pesadelos, pois a
sensação de paz que somente Pedro, o meu Pedro, conseguia me fazer sentir
permanecia no meu corpo e na minha cabeça por longas horas.
Ele era a minha cura.
Ele era a minha esperança.
— Agora me conta o que te acalma e eu prometo que vou fazer tudo que
puder pra conseguir e você não vai mais passar por nada disso.
— Eu não sei se...
— Não fica com vergonha de mim, por favor, Nichole. Eu sei que a gente
tem um longo caminho pela frente e vamos ter que enfrentar muitos problemas
se quiser ficar juntos, mas nunca tenha vergonha de mim, sou eu lembra? — ele
me beijou novamente com tanto paixão que meus joelhos tremeram — Sou eu, o
Pedro, o seu Pedro...
Segurei seu rosto com as mãos matando um pouco da saudade de senti-lo
tão próximo, fechei os olhos puxando uma respiração pesada antes de confessar:
— Você. — Pedro fez uma careta e eu sorri pela primeira vez ao lado
dele — Eu preciso de você para ficar calma, nas duas vezes que passamos a
noite juntos não tive pesadelos e nem alterações nos batimentos cardíacos ou me
senti depressiva.
— Está querendo me dizer que...
— Você Pedro, eu só preciso de você pra me sentir bem novamente.
Pedro não se afastou como eu pensei que faria quando ouvisse minha
teoria, muito pelo contrário, ele me agarrou pela cintura e girou meu corpo no ar.
Há muito tempo eu não me sentia tão leve, tão feliz, tão... em paz. Pedro
me deitou na cama e cobriu meu corpo com o dele, me beijou e me amou como
somente ele sabia fazer.
Meu estômago reclamava de fome, mas eu precisava me alimentar de
outra forma primeiro, para então criar coragem e enfrentar o fogão, meu pai e a
realidade, que se negava a ficar presa
do lado de fora daquele quarto.
Ela batia insistentemente a porta. Sem trégua, sem compaixão.
Avisando.
Alertando.
Prevendo o perigo.
Mas como sempre, eu a ignorei e cruelmente, ela decidiu me cobrar um
preço alto demais por ter feito desfeita e dispensado seus conselhos. Azar o
meu...
CAPITULO 27
PIUÍ

Caralho!
Se fosse um sonho, eu não queria acordar.
Nichole estava enroscada em meu corpo, sua perna sobre as minhas e sua
cabeça descansava em meu peito. Meus olhos fechados no silêncio da
madrugada e um sorriso bobo deslizava em meus lábios, depois de ter ficado
com a minha Hermione como eu sempre desejei.
Beijei sua cabeça coberta por uma pequena penugem loira aproveitando
cada toque suave, cada respiração tranquila, cada batida ritmada do seu coração.
Minha menina dormia tranquilamente enquanto eu velava seu sono.
Protetor. Guardião. Pronto para acudi-la se alguma coisa a incomodasse.
Desde que cheguei à casa de Guilherme na noite anterior, não havia visto
ou falado com ele. O ex-agente não se incomodava em demonstrar o quanto a
minha presença não era bem-vinda a sua casa e a vida da sua filha.
Eu estava pouco me fodendo para o que Guilherme queria ou pensava a
meu respeito, contando que ele não se metesse no meu caminho ou tentasse
interferir no meu relacionamento com Nichole, ficaríamos de boa.
Sem ressentimentos.
Apenas Isabella se preocupou em vir saber como a filha estava antes de
se deitar, e se emocionou admirando o corpo pequeno esparramado na cama,
completamente relaxado e com um semblante tranquilo.
— Eu nem sei como te agradecer Pedro...
Isabella me abraçou com força me pegando desprevenido. Ela parecia
carente e preocupada quando abri a porta, mas depois que viu a filha dormindo
como se não tivesse passado por nada do que passou, a mulher ficou aliviada e
certamente aproveitaria algumas horas de sono também.
— Eu amo a Nichole, e por ela vou fazer tudo que for preciso.
Seus olhos lacrimejaram e Isabella desabou a chorar. Não um choro de
tristeza, mas sim, de alívio e felicidade, compreensão e gratidão.
— Eu sei Pedro, pra falar a verdade eu sempre soube que você amava
minha filha, e sei que ela também te ama. — Isabella beijou o rosto de Nichole e
acarinhou sua bochecha rosada — Vocês serão muito felizes juntos, eu sei que
vão...
Depois que Isabella saiu, tomei um banho rápido e me acomodei ao lado
da minha menina. Não queria acordá-la, mas não pretendia dormir longe dela.
As horas foram passando e minha cabeça só insistia em me lembrar de todas as
noites que passei acordado durante o ano inteiro que passamos longe um do
outro.
Eu ficava imaginando onde minha Hermione estaria, o que estaria
fazendo e me perguntando se ela ainda pensava em mim, se ainda me amava e se
um dia teríamos uma chance de viver aquele amor.
Minhas lágrimas teimosas escorreram molhando minha pele. Foram
noites de tormentas, de dúvidas, de reflexões e de muitos arrependimentos. Mas
finalmente elas chegaram ao fim, e naquele momento constatei que tudo que
importava de verdade para o meu coração, era a mulher que dormia agarrada a
mim.
Ela não me deixaria mais, não iria mais embora, não ficaria longe ou se
afastaria. Eu seria seu porto seguro, o lugar que Nichole procuraria quando
quisesse ou precisasse se encontrar, assim como acontecia comigo, sem que ela
soubesse.
Todas as vezes que me desesperei por não encontrar em mim o homem
que eu costumava ser, permitia que pessoas como Julia me manipulassem e
usassem o amor em excesso e desperdiçado pelo meu coração, para se
beneficiarem.
Tudo mudou quando entendi que estava procurando por mim no lugar
errado.
O homem que eu fui um dia, se sentiu perdido quando deixou que a parte
mais importante de si mesmo fosse embora, e só a reencontrou, quando sua
melhor parte voltou para preencher o espaço vazio em seu coração que lhe
pertencia.
Ninguém foi capaz de preenche-lo, ocupá-lo sequer restaurá-lo.
Um dia achei que Julia fosse a minha melhor parte, mas quando conheci
a Hermione, fui convencido de que nem sempre temos a noção do que pode ser,
o que muitos chamam de amor.
Julia fez parte da minha vida, mas não se tornou uma parte de mim. Não
tomou meu coração para si e não me ofereceu o dela por inteiro. Tivemos um
relacionamento baseado em ilusões, sentimentos camuflados e readaptados para
o que achávamos ser conveniente.
Usamos o que quisemos um do outro, tomamos o que nos interessou e
doamos o que não nos fazia falta.
Compromisso sem compromisso.
Doação incompleta.
Entrega pela metade. Rasa. Vazia.
Nichole era a minha melhor parte e sem ela, eu me perdia em alto mar,
sem bússola, sem direção, sem o “porque” de estar navegando, sem saber o que
estava procurando, sem ter certeza do que realmente importava.
Sem seu coração para bater junto ao meu e me mostrar que era por ela
que eu seguia, respirava e vivia, o meu coração se sentia aleijado, angustiado,
depressivo. Sem motivação, sem objetivos, sem sonhos a serem realizados.
Abraçando minha menina com mais força, senti minha alma fortalecida,
aguerrida e determinada a protege-la de tudo, de todos e até dela mesma, se fosse
preciso.
A batalha contra o seu recente vício adquirido, sua ansiedade e sua
depressão seria difícil e estava apenas no começo, mas nunca havia me sentido
tão disposto e determinado a conquistar Nichole novamente.
Por inteira, completamente e definitivamente.
O sol começava a entrar pela janela iluminando o quarto quando minha
menina se remexeu na cama, o lençol descobriu parte do seu corpo enquanto ela
se espreguiçava e meus olhos admiraram sua beleza.
Seu sorriso quando me viu arrebatou minhas forças. Girei o corpo e me
posicionei sobre ela. Nossos olhos se prenderam e momentos como aqueles
foram os que mais me fizeram falta.
— Bom dia Hermione.
— Bom dia meu Pedro.
Beijei seus lábios rosados.
— Seu Pedro.
— Só meu.
— Só seu, sempre seu.
Não precisamos de algemas, tapas, amarras ou chicotes, apenas nossos
corpos nus sobre a cama e o amor que nos preenchia e dominava, para que o
fogo se acendesse e queimasse, mostrando que a necessidade que sentíamos de
estarmos juntos superava qualquer resquício de dor do passado, que ainda
estivesse presente.
— Eu te amo Nichole. — sussurrei em seu ouvido enquanto investia
fundo dentro dela — Nunca deixei de te amar.
Minha menina estava entregue ao prazer que eu lhe proporcionava. Seus
braços em volta do meu pescoço, suas pernas abertas permitindo que meu pau se
afundasse cada vez mais forte e fundo em seu corpo quente.
— Eu também te amo Pedro... — ela respondeu apertando minha pele
com seus dedos pequenos — Mesmo quando achei que não amava, eu te amei.
— Você é tão gostosa. — apoiei as mãos no colchão aumentando a
pressão dos movimentos e empurrando o quadril mais rápido olhando para o
ponto de encontro dos nossos corpos — Eu adoro te comer porra!
— Me come Pedro! Mais forte, por favor...
Apoiei os joelhos na cama e coloquei suas pernas apoiadas em meus
ombros. Chupei seus pés e meti como um animal. Meu pau entrava e saía dela
por inteiro, socando sua boceta quente e melada deslizando com facilidade.
— Que delícia Nick! Não quero mais parar caralho.
— Eu vou gozar Pedro...
Segurei seus tornozelos mudando o ângulo de penetração. Meu pau era
grande e mal chegava a entrar inteiro. Soquei forte, seu quadril subiu tirando sua
bunda da cama.
Nichole gemia, choramingava e implorava por mais, sempre por mais. Eu
daria tudo a ela, sempre. Queria acabar com a espera e assistir minha menina
gozar.
— Vai gozar putinha? — girei suas pernas para o lado e comi sua boceta
apertando sua bunda, deixando minha marca em sua pele branquela enquanto
penetrava um dedo em seu cuzinho — Gostosa pra caralho!
Nichole apertou os seios com as mãos e gozou, pegou o travesseiro e
colocou no rosto para abafar os gemidos satisfeitos extravasando, chamando
meu nome.
— Fica de quatro que eu to louco pra te foder por trás.
Ordenei e desci da cama. O corpo molenga não escondia a fraqueza do
pós-gozo, puxei sua bunda para a beirada da cama e me posicionei de pé atrás
dela.
Meu pau latejava maior do que nunca, grosso, encoberto por veias
dilatadas e expelindo o líquido esbranquiçado. Abri sua bunda com as mãos e
lambi sua boceta, chupei, mordisquei, beijei antes de encaixar a cabeça robusta
em sua entrada e arrombá-la a cada centímetro de penetração.
Fodi minha Hermione com força, mas tanta força, que gozei e desabei
sobre ela, tamanho desgaste físico exigido naquela trepada matinal que poderia
se tornar obrigatoriamente diária.
Eu queria muito acordar todos os dias daquela forma.
Tomando o que era meu, lhe entregando o que era dela. Oferecendo amor
e prazer antes de sair do quarto pela manhã. Desejava foder minha menina
sempre que tivesse vontade, tratá-la como uma princesa ou comer sua boceta
como se fosse uma vadia.
Nichole me pertencia e eu trabalharia duro para lhe mostrar que somente
comigo ela conseguiria seguir em frente, feliz e satisfeita. Se minha menina
desejasse apanhar, eu bateria. Se quisesse foder como puta, eu a foderia. Se
precisasse de amor e carinho, eu seria seu Romeu.
Ela só teria que pedir e eu obedeceria de bom grado, contanto que
pudesse me enterrar dentro dela todos os dias, faria qualquer coisa.
Peguei Nichole nos braços sob seus gritinhos de protestos e a carreguei
até o banheiro. Tomamos banho juntos, fodemos mais uma vez e voltamos ao
quarto.
— Está pronto pra enfrentar meu pai? — ela me perguntou quando
terminou de calçar suas sapatilhas pretas.
Estávamos arrumados e prontos para tomar café e sua pergunta me tirou
do estado extasiado em que me encontrava.
Desde que ficamos juntos há três dias, já tinha comido minha menina
mais vezes que comi minha ex-esposa em muitos anos, e meu pau parecia não se
dar conta daquele fato, pois só de olhá-la com aquele vestido curto e sexy de
verão, a vontade de subir a saia e fode-la de frente para a janela começava a
semear discórdia entre meu cérebro e todo o resto do meu corpo.
— Não preciso me preparar pra enfrentar o Guilherme. — cheguei mais
perto dela abraçando sua cintura fina — Se você quiser ficar comigo, ninguém
vai me impedir de ter você.
— Nós precisamos conversar Pedro, e pra gente ficar junto vamos ter que
ser sinceros e falar sobre o James, a Julia e tudo que iremos enfrentar daqui pra
frente.
Nichole me olhava nos olhos sem esconder suas emoções. Medo, raiva,
ciúme, insegurança. Tudo que envolvia o passado, nossas decisões e
consequências delas, nos enfraquecia. Nós teríamos que juntos, encontrar uma
maneira de colocar nosso amor acima de tudo e de todos.
Somente assim, conseguiríamos superar todos os traumas, físicos e
psicológicos que sobrecarregavam nossas vidas.
— Eu sei, por isso quero te fazer um convite.
— Que convite?
Beijei a pontinha do seu nariz.
— Vamos passar uns dias fora daqui, só eu e você, longe de todo mundo.
O que me diz?
— Pra onde você quer ir?
Dei de ombros sem saber ao certo o que responder. A ideia surgiu de
repente e eu não havia planejado nada ainda, mas sabia que precisávamos de
privacidade e alguns dias para colocar nossas ideias, pensamentos e dúvidas no
lugar.
Apenas eu e Nichole.
— Eu vou amar passar uns dias com você, em qualquer lugar. — minha
menina sorriu me deixando extremamente feliz em saber que aos poucos ela
estava voltando ao normal — Não me importo para onde vai me levar, apenas
me leve daqui.
— Ótimo. Vamos descer, conversar com seus pais e contar sobre a nossa
decisão. — segurei seu rosto entre minhas mãos e olhei dentro dos seus olhos
para que Nichole entendesse que a última coisa que eu queria, era que ela
brigasse com Guilherme e Isabella — Não sei como ele irão reagir, mas quero
que me prometa que não vai se estressar, brigar nem ficar nervosa. — beijei seus
lábios rapidamente — Se as coisas fugirem do meu controle eu vou ligar pro
Daniel e pedir para que ele venha até aqui falar com eles. Tudo bem?
— Eles vão ficar bem, eu sei disso.
— Seu pai não vai facilitar.
— Vai sim...
— Está falando isso porque não imagina o quanto ele me odeia.
Nichole revirou os olhos e pegou uma pequena bolsa.
— Eu não dormia, quase não comia, estava vivendo a base de remédios e
em menos de vinte e quatro horas tive duas crises. — ela colocou seu celular, sua
carteira e um molho de chaves dentro da bolsa e segurou minha mão — É
impossível não ver a diferença em mim, Pedro. Foi a primeira noite que dormi
nessa cama sem me debater, chorar, gritar e implorar para morrer.
Senti uma dor aguda no peito. Nunca imaginei que um dia pudesse
presenciar minha menina daquela forma, mas eu já tinha visto Laís, e sabia como
era.
— Você está se sentindo bem?
— Estou ótima, e eles vão entender que ficar com você é o que me ajuda
a esquecer toda aquela merda.
— Tudo bem, mas se houver qualquer problema eu ligo pro Daniel.
— Vamos! — Nichole abriu a porta e me esperou para descermos juntos,
de mãos dadas. — Sua mão está suando...
Ela sussurrou quando pisamos na sala de estar e a voz de Guilherme pôde
ser ouvida. Ele estava na cozinha com a esposa.
— Acho que é o calor.
Nichole deu uma risadinha.
— Você ta com medo de enfrentar meu pai, isso sim.
— Não tenho medo dele, só não quero criar mais problemas do que já
temos.
— Se você não se sentir a vontade, podemos tomar café em outro lugar.
— Não, seus pais precisam saber que estamos juntos e que nada vai nos
separar.
Nichole envolveu meu pescoço com seus braços e ficou na ponta dos pés
para beijar minha boca.
— Eu te amo, meu Pedro.
Ela falou sorrindo com os olhos fechados.
— Eu também te amo Hermione.
Atravessamos a ampla sala de estar e entramos na cozinha de mãos
dadas. Para a nossa surpresa Daniel Rebouças, psicólogo de Nichole e meu,
estava sentado à mesa tomando café com Isabella e Guilherme.
Os três nos olharam com curiosidade e o sorriso de Isabella serviu para
me acalmar na presença do pai da mulher que eu amava, que me odiava, aliás, e
queria me proibir de ficar com a sua filha.
— Bom dia! — Isabella se levantou e veio até nós deu um beijo em meu
rosto e abraçou a filha, mas Nichole não soltou minha mão — Você está com a
carinha ótima minha filha!
— Eu estou me sentindo ótima, mãe.
Guilherme encarava a filha e me ignorava como se a menina estivesse
sozinha. Em outros tempos eu ficaria puta do vida e falaria umas duas ou três
merdas para que ele se tocasse, mas naquele dia a única coisa que eu queria era
pegar Nichole, enfiá-la no meu carro e dirigir sem rumo até chegarmos a um
lugar que pudéssemos ficar pelados o dia todo, transando como dois
adolescentes sem pensar em porra nenhuma.
— Bom dia pai. — Nichole se aproximou do pai que a abraçou
carinhosamente.
— Bom dia filha. — Guilherme abaixou a cabeça mostrando que não
pretendia falar comigo. — Senta pra tomar seu café.
Ignorei o comentário do otário e me dirigi a Daniel, que ficou em pé e me
abraçou.
— Bom dia Pedro. — deu dois tapinhas no meu ombro sorrindo — Vocês
estão com a aparência ótima, vejo que dormiram bem.
— Eu não tomei os remédios. — Nichole contou e no mesmo instante a
expressão de Guilherme mudou.
— Como assim, não tomou os remédios? — ele se alterou ficando em pé
— Quem falou pra você não tomar?
O idiota não olhava na minha cara, mas eu sabia que estava insinuando
que a sua filha tinha abandonado a medicação por minha causa. A mão de
Nichole começou a tremer e a raiva começou a ganhar espaço dentro de mim.
— Por que o senhor acha que eu deixaria de tomar os remédios a mando
de alguém? — Nichole questionou sem elevar a voz, mas a tremedeira indicava
que ela estava se segurando para não explodir — Já parou pra pensar que talvez
eu tenha decidido sozinha?
Guilherme respirava rapidamente, seu peito subia e descia, suas mãos
apertavam a borda da mesa e Isabella parecia preparada para impedir seu avança,
caso ele decidisse partir para violência.
— Você conseguiu dormir bem sem os remédios, Nichole?
Daniel se intrometeu na conversa mudando o foco e chamando a atenção
para si. Meus olhos se fixaram no homem que estava com sérios problemas de
negação, e se continuasse a agir daquela forma com a filha, talvez eu decidisse
levá-la de vez para longe daquela casa.
— Dormi muito bem e não tive os pesadelos. — ela voltou a encarar o
pai — O Pedro monitorou meus batimentos cardíacos e aferiu minha pressão,
estava tudo normal.
— Podemos pensar em diminuir a dosagem se continuar assim, mas
prefiro esperar até a nossa consulta na quarta-feira para decidir.
— Tudo bem Daniel. — minha menina falou com a voz suave e se
inclinou para dar um beijo no médico.
A saia do vestido subiu um pouco e o ciúme indevido chegou com força.
Tentei prestar atenção em Guilherme, mas tudo que eu conseguia ver eram as
mãos do médico nas costas da minha menina, sua bunda empinada e a boca dele
cochichando alguma coisa no ouvido dela.
Se o imbecil estava querendo me testar, informaria em pouco tempo que
tinha alcançado seu objetivo. Fechei minhas mãos suadas trincando os dentes
que rangeram, me esforçando para controlar a raiva que crescia a cada segundo
que Nichole permanecia colada a Daniel.
— Nós já vamos. — Nichole anunciou depois de se afastar do psicólogo.
— Não vai tomar café? — Guilherme perguntou um pouco desesperado
demais — Pra onde você vai?
Fechei os olhos, contei até dois, parei, inspirei, expirei. Passei a mão pela
cabeça, coloquei no bolso, esfreguei na calça jeans, até que minha menina
percebeu minha inquietação e voltou a segurá-la.
Porra! Aquilo estava se transformando em uma grande confusão para
mim. Quem precisava de apoio era Nichole, e não eu. Que merda estava
acontecendo comigo?
— Pai, desde que o Pedro e a Laís tiraram a gente daquela base, eu não
estava vivendo. — as palavras ditadas com extremo cuidado denotavam o quanto
Nichole estava melhor, mais ciente e consciente de suas ações, Guilherme e
Isabella pareciam hipnotizados olhando para a filha. A mãe, feliz e orgulhosa. O
pai, infeliz e raivoso. Não conseguia entender qual era a do cara — Vocês sabem
o quanto estava sendo difícil de controlar a ansiedade e a depressão. Eu e o
Pedro vamos passar uns dias fora daqui pra descansar.
— Você não pode sair de casa desse jeito Nichole? — Guilherme não se
conteve — Pra onde você vai? Quem vai cuidar de você? E se acontecer alguma
coisa quando estiver sozinha?
— Chega pai! — ela pediu chorosa.
Eu odiava a maneira que Guilherme estava agindo com a filha, mas
tentaria me segurar ao máximo para não me meter e quebrar a cara dele.
— Não Nichole! Não chega! — ele gritou e jogou os talheres que
segurava em cima da mesa com violência, derrubando um copo vazio no chão —
Você não vai sair com esse cara por aí e agir como se fosse uma adolescente
irresponsável, que só quer afrontar os pais! Ele é homem porra! E se não
bastasse tudo que ele já fez com você, ainda é casado e só quer te com...
Não deixei que ele terminasse a frase. Segurei Guilherme pela camisa e
arremessei seu corpo contra a parede. O choque das suas costas contra o azulejo
foi forte e um rosnado de dor escapou de sua garganta.
— Você nunca mais vai falar assim com ela, entendeu, porra! — eu
sentia meu corpo tenso, minhas mãos prendiam sua camisa social e impediam
que o ar chegasse aos pulmões. Guilherme estava ficando rosado, mas eu não o
soltaria enquanto não deixasse claro o que iria acontecer se agisse daquela forma
novamente — Se ta com problema comigo, resolve como homem caralho, mas
não entra nessas de falar asneira pra minha mulher!
Uma das coisas que eu me orgulhava era de ter sido criado por uma
mulher que não admitia que nenhum homem a desrespeitasse.
Minha vó era o cão chupando manga, criou minha mãe a base de fio de
ferro e castigos horríveis, mas nunca na minha vida ela permitiu que ninguém a
desrespeitasse ou a sua filha, e me criou para tratar as mulheres com educação e
respeito.
Tudo bem que nem sempre fui um exemplo de cavalheirismo, e muitas
vezes agi como um verdadeiro canalha com as putas que viviam enfiadas na
boate SÓ VEM, um puteiro enrustido que o Thor administrava, no morro do
Teteu, e servia como escritório para tratar os assuntos mais “delicados”.
Mas não permitiria que Guilherme se referisse a Nichole como uma puta
qualquer que eu estivesse comendo só por zoação ou pra passar o tempo. Nem
fodendo.
Ele podia ser o pai dela, o Papa ou o Presidente da República, se o filho
da puta não começasse a se comportar como a porra de um homem de verdade,
eu não responderia pelos meus atos.
— Me solta Pedro!
Ele estava ficando sem ar. Isabella pedia para que eu libertasse seu
marido. Daniel tentava me puxar para trás, mas somente quando a mão de
Nichole segurou meu braço e sua voz suave me pedindo “Solta ele meu amor,
por favo!”, consegui ceder e deixei que o corpo de Guilherme despencasse sem
forças no chão da cozinha.
— Você está bem? — perguntei a ela que estava com o rosto vermelho e
os olhos cheios de lágrimas — Vamos sair daqui...
Puxei Nichole pelo braço, mas ela não me acompanhou. Minha menina
olhou para o pai que estava sendo amparado por Isabella e Daniel e se
aproximou dele.
— Eu amo você pai, sempre vou amar, mas o que você está fazendo não
está certo e também não é justo com o Pedro. — passei as mãos pela cabeça
odiando que Nichole se preocupasse comigo quando as ofensas de Guilherme
tinham sido direcionadas a ela — Como você pode julgar ele por um erro que
cometeu comigo, se você fez muito pior com a minha mãe quando soube que ela
estava grávida?
Isabella fechou os olhos como se estivesse sentindo dor. Ela se afastou do
marido e suas mãos deslizavam por seus braços descobertos. Eu nem imaginava
o que havia acontecido entre eles, mas com certeza as palavras de Nichole
haviam desenterrado fantasmas desagradáveis.
— Vamos Nichole. — chamei, mas ela não virou para olhar — Deixa
isso pra lá, depois vocês conversam melhor...
— Não Pedro! — minha menina falou chorando — Você é a minha
escolha e ele não pode ficar falando essas coisas toda vez que se sentir
ameaçado. Pai, eu preciso dele e preciso que você entenda isso, por favor.
— Se você sair por aquela porta — Guilherme vociferou se apoiando na
parede e ficando em pé —, não precisa mais voltar pra essa casa!
— Não Guilherme!
Isabella tentou impedi-lo, mas ele apenas afastou os braços da esposa e
passou pela filha deixando todos na cozinha.
— Vamos deixar as coisas se acalmarem, certo? — Daniel recomendou
— Eu vou conversar com ele mais tarde, e vocês dois, apenas saiam e vão fazer
o que tinham planejado, certo?
Nichole me abraçou chorando e meu coração ficou apertado dentro do
peito por vê-la sofre daquela forma. Guilherme precisava entender que sua filha
era minha prioridade também, como era a dele e da sua esposa, mas eu nunca a
forçaria a fazer qualquer coisa que ela não quisesse.
Isabella nos acompanhou até meu carro, que estava estacionado na porta
da sua casa e nos garantiu que entraria em contato diariamente. Tudo que eu e
minha menina queríamos era um tempo juntos, sozinhos e em paz.
A gente só não imaginava que aquela decisão fosse se transformar em um
dos maiores erros que cometeríamos.
As consquências seriam dolorosas e o nosso amor colocado a prova pela
última vez.
CAPÍTULO 28

PIUÍ

— Como você está se sentindo?


Perguntei a Nichole quando estacionei o carro em frente ao prédio em
que eu estava morando.
— Vou ficar bem. — ela sorriu, mas ainda estava com os olhos
vermelhos e inchados — Ele vai superar tudo isso.
— Sei pai é um homem bom Nick e eu entendo um pouco a lado dele
também...
— Não começa Pedro, por favor. — ela bufou — Uma coisa é meu pai
não gostar de você pra ser meu namorado, outra coisa é ele te culpar por tudo de
rui que aconteceu comigo. Não é justo e ele também sabe disso, só não entendo
por que insistir nisso o tempo todo.
— O Guilherme precisa culpar alguém Nichole.
— Então que culpe o James e os capangas dele.
— Não é assim, seu pai precisa encontrar um culpado por você ter
escolhido sair do país, senão ele vai ter que culpar a si mesmo por ter deixado e
incentivado você a ir.
— A decisão foi minha.
— Mas por minha causa.
— Pedro, eu estava sofrendo muito e em vez de ficar aqui e encarar o
problema de frente, preferi fugir e me isolar do mundo. — minha menina estava
cansada demais e eu não queria mais ver seu rosto abatido daquele jeito —
Ninguém teve culpa, todos nós fizemos o que achamos que deveríamos fazer e
agora estamos aqui, pagando caro pelas nossas escolhas.
Puxei Nichole para perto e beijei sua boca deliciosa, não foi um beijo
explosivo que demonstrasse todo tesão e desejo que sentia por ela, mas um beijo
apaixonado que mostrasse o quanto eu a amava e desejava que sua confiança em
mim, ressurgisse das cinzas.
— Eu sei que errei muito com você Hermione, mas vou fazer o possível
e o impossível pra compensar tudo que passamos longe um do outro, e te
mostrar que pode confiar em mim novamente. — olhei em seus olhos claros
acariciando sua pele branca com meus dedos morenos — Não vou prometer que
nunca mais vou errar, mas prometo que nunca mais vou te deixar.
Seus olhos marejaram e as primeiras lágrimas desceram pelo rosto
delicado e abatido. Nichole era uma mulher linda, forte e determinada, mas os
últimos doze meses minaram sua autoconfiança e a deixaram insegura em todos
os aspectos.
— É tudo que eu mais quero Pedro. — suas mãos pequenas cobriram as
minhas e seus olhos se fecharam — Quero muito confiar novamente em você e
em mim...
Ficamos abraçados dentro do carro enquanto minha menina chorava em
meus braços e eu lhe servia de apoio. Eu queria ser tudo para ela, não apenas o
homem que a satisfizesse na cama, mas também seu amigo, seu companheiro,
seu confidente e seu protetor.
Nichole sempre pensaria em mim quando precisasse, ou apenas quisesse
conversar, desabafar, reclamar de alguma coisa ou contar um segredo. Eu seria a
primeira pessoa que minha menina iria pensar quando pensasse em dividir seus
problemas, suas conquistas e seus sonhos.
Sempre eu, comigo e para mim. E enquanto eu vivesse me dedicaria cem
por cento a ela e ao meu filho.
Porra precisava conversar com Nichole sobre o Pedrinho e lhe contar
tudo que estava acontecendo com a mãe dele, para que nada mais interferisse os
planos que estávamos começando a fazer para a o nosso futuro.
— Vamos subir e enquanto eu arrumo minhas coisas, preciso falar com
você sobre um assunto muito importante.
Ela concordou e me seguiu pelo hall de entrada do prédio de quatorze
andares. O lugar era simples e aconchegante. O apartamento não chegava aos
pés da casa do Mateus ou do Guilherme, mas estava me servindo bem.
Quando comprei a casa que Julia morava com meu filho, pensei que
passaria o resto da minha vida naquele lugar. Reformamos e a deixamos do jeito
que queríamos, ou melhor, que ela quis, mas depois de tudo que minha quase ex-
esposa fez, acabou se tornando o último lugar do mundo que eu desejava estar.
Abri a porta e esperei que Nichole entrasse. Ela passou por mim
avaliando todo o ambiente com curiosidade.
— Há quanto tempo está morando aqui?
Ela perguntou andando pela pequena sala olhando todos os objetos
espalhados em cima da mesa, do hack e da pequena estante, onde estavam todos
os meus livros.
— Desde que voltei dos Deserto de Mojarve.
Sua cabeça virou repentinamente e seus olhos se arregalaram.
— Por quê?
— Porque quando eu te encontrei naquele inferno, te vi deitada naquela
cama, te peguei nos braços depois de um ano sem tocar em você e te trouxe pra
casa... — respirei fundo ao me lembrar daquele dia de merda —, sabia que
precisava lutar muito pra ter você de volta na minha vida, e se continuasse
naquela casa tentando encontrar um jeito de arrumar o que não tinha mais
conserto, eu não ia ter nenhuma chance.
— Você vai me contar tudo?
Caminhei até ela e segurei suas mãos. Eu não era um homem mentiroso,
nunca fui, mas todas as vezes que tentei poupar alguém que amava de sofrer, por
alguma coisa que eu tivesse feito, dava merda. Das grandes.
Se eu quisesse que as coisas entre nós funcionassem, teria que ser sincero
e lhe contar nos mínimos detalhes o que havia acontecido no meu casamento.
Nichole também precisava saber que teríamos problemas se Julia se envolvesse
com Sabiá ou Trovão, candidatos ao cargo de pai biológico do meu garoto, pois
eu não permitiria que ela levasse Pedrinho com ela para o morro. Nem fodendo.
— Claro que vou e se você estiver se sentindo bem, pretendo começar a
falar agora.
Nichole ficou pensativa e o medo escancarado em seus olhos quase me
fizeram recuar, mas minha menina estava decidida quando falou:
— Eu estou bem e sei que você não vai deixar que nada de ruim aconteça
comigo.
— Pode confiar em mim, Hermione. — beijei seus lábios e puxei sua
mão levando-a até meu quarto — Vou te proteger com a minha vida.
Nichole se sentou na beirada da cama e enquanto eu separava algumas
roupas para guardar na mala, lhe contei tudo sobre Pedrinho e o envolvimento de
Julia com meu amigo de infância e seu braço direito, que comandavam o tráfico
de drogas no morro do Medeiros, subúrbio do Rio de Janeiro.
Minha menina me encheu de perguntas sobre os dois traficantes, o
relacionamento de Julia com o filho e por fim, sobre o meu relacionamento com
o menino.
— Quando olhei pra ele pela primeira vez, eu me apaixonei Nichole. Não
sei se vou conseguir te explicar o que senti, mas foi um amor tão violento, tão
forte, tão avassalador, que horas mais tarde quando fiz o exame de sangue e
descobri que ele não era meu... — minha voz estava embargada, minha garganta
teimava em fechar e meus olhos ardiam — Não fez diferença nenhuma, porque
eu já amava aquele garoto e já tinha chamado ele de filho.
— Eu estou muito orgulhosa de você Pedro.
Seus braços me envolveram em um abraço carinhoso e minha menina se
emocionou comigo, partilhando daquele sentimento misterioso que eu sentia
sempre que relatava a história do meu filho.
Era uma mistura de felicidade e tristeza que confundia minha cabeça; ao
mesmo tempo em que me enchia de felicidade por ter aquele pedacinho de gente
comigo, me amedrontava por não ter o controle total da situação e me deixava
nas mãos da mãe dele.
— A Julia simulou uma tentativa de suicídio e foi internada, ela vai ser
transferida para uma clínica particular para se tratar.
— Sinto muito por isso Pedro, eu nem imaginava que ela tinha chegado a
esse ponto.
Não consegui ficar sentado, pois odiava aquele sentimento solidário que
todos tinham quando acreditavam na história mal contada de Julia. Aquele era o
plano dela, conseguir comoção das pessoas para que eu passasse por vilão.
— Ela armou tudo Nichole, na verdade foi uma encenação dela pra tentar
me desestabilizar e colocar as pessoas contra mim.
— Por que ela está fazendo isso? — minha menina se levantou também e
ficou ao meu lado — O que ela quer agindo assim?
— Ela queria que eu desistisse do divórcio e ameaçou contar na
audiência quem é o pai do menino achando que se me ameaçasse, iria conseguir
manter nosso casamento. — passei as mãos pela cabeça — Mas eu deixei claro
que se fizesse aquilo não teria mais a vida boa que o meu dinheiro proporciona a
ela, e não pagaria mais a pensão alimentícia do menino, já que não tenho
obrigação.
— Ela não aceitou...
— Claro que não, e quando percebeu que não teria volta fez uma
preparação ridícula de cloro com alguma merda lá e bebeu mais de meio litro.
— Fingindo que ia se matar. — Nichole concluiu e eu assenti — Onde
está o Pedrinho?
— Ele está ficando com a Lívia e o Thor e vai continuar lá até a
audiência.
— Para quando foi marcada?
— Daqui a três semanas, mas pretendo deixar a Julia internada por mais
tempo, só pra deixar de ser otária.
— E se ela se recusar a se internar Pedro?
— Eu entro com um pedido para que ela só possa ver o Pedrinho com
supervisão. A médica confirmou no prontuário que foi tentativa de suicídio, e
posso usar isso para provar que ela está emocionalmente instável, sem nenhuma
condição de ficar sozinha com o meu filho.
— Você acha que ela pode fazer alguma coisa contra o menino?
Muitas vezes pensei sobre aquela possibilidade, que não poderia ser
descartada depois de tudo que Julia havia feito, e se fosse sincero teria que
confessar que não tinha mais certeza de nada em relação à mulher que há muito
tempo, deixou de ser a menina que eu conheci no Teteu, e me encantou com seu
jeito humilde e meigo quando ainda éramos crianças.
— Não sei Nick... realmente não sei de mais nada.
— Posso te perguntar uma coisa?
Nichole voltou a se sentar na cama e mexia as mãos no colo. Minha
menina parecia nervosa e talvez um pouco sem graça, mas eu responderia
qualquer pergunta que ela fizesse, mesmo se minha resposta pudesse magoá-la.
— Depois... você... — ela tossiu, se engasgou enquanto eu apenas
observava seu comportamento me esforçando para não sorrir — Depois que
você saiu de casa... você esteve com... com outra pessoa?
Ah se a minha Hermione conseguisse imaginar o quanto eu a amava, não
teria feito uma pergunta daquelas. Eu já tinha falado para ela que depois dela,
não houve nenhuma mulher na minha cama, mas pelo visto, minha menina ainda
tinha dúvidas.
— A última mulher que eu comi foi você Nichole. — me abaixei a sua
frente apoiando as mãos em suas coxas — Depois que te deixei no motel naquela
noite, eu só transei de novo com você, naquela boate quando expulsei o imbecil
que tinha sido contratado pra ser o seu Dominador.
Nichole me encarou intensamente, mas não consegui ver em seus olhos o
que estava sentindo. Havia muitos sentimentos naquele olhar que me confundia e
o tornava o mais lindo de todos. Minha menina estava mais madura, mais
impressionante e mais emotiva também. Ela havia mudado, mas não a ponto de
ter perdido sua alma.
— Eu queria muito poder dizer que você também foi o único homem que
teve meu corpo durante esse tempo, mas não posso Pedro, e não seria justo
mentir e contar que apenas James me estuprou naquela base. — eu imaginei que
aquilo tivesse acontecido, mas ouvir da boca dela foi muito pior do que sentir
uma faca rasgando profundamente a pele — Os cinco me usaram e muitas vezes,
mais de um ao mesmo tempo...
Por tudo que fizeram com o seu corpo, eu não permitiria que Nichole se
sentisse inferiorizada ou indigna de estar comigo. Nós matamos os canalhas e
em breve acabaríamos com o líder daqueles filhos da puta miseráveis,
estupradores do caralho. Minha menina conseguiria se tratar e nós seríamos
felizes juntos. Eu, ela e Pedrinho, como uma família. Uma família de verdade.
— Eu já sabia Hermione. — não era mentira, mas também não era
verdade, apesar de deduzir nunca tive certeza até a sua confissão — E nem pense
que isso vai fazer qualquer diferença pra mim. A minha única preocupação é
você e o seu bem estar.
— Obrigada, pensei que para o homem fosse mais difícil de aceitar uma
coisa dessas...
— Não fica aí pensando que é fácil. — falei em tom de brincadeira numa
tentativa de amenizar o clima entre nós — Em vez de ficar pensando sobre isso e
remoendo essa raiva dentro do meu peito, eu prefiro saber que você está viva, do
meu lado e vai conseguir superar tudo o que aconteceu pra ficar comigo, como
minha mulher, a única que eu amo, pra sempre.
— Prometo que vou superar, por você, pelo nosso amor, pelo Pedrinho,
mas principalmente, por mim.
— Eu te amo minha Hermione.
— Eu te amo meu Pedro.

***

— Pra onde vamos agora?


Nichole perguntou depois que arrumei minhas coisas no porta-malas e
avisei o porteiro que não voltaria para casa nas próximas semanas. Também
deixei informado que se liberasse a entrada de qualquer pessoa ao meu
apartamento, eu acionaria o comdomínio na justiça e receberia uma grana de
indenização.
Como dizia o único ruivo bonitão que eu conhecia, Nestor Antunes:
"Sempre que quiser deixar alguém se borrando de medo, é só ameaçar entrar
com um processo. Pode ser por qualquer merda, sempre funciona" .
— Passar na casa do Mateus. — respondi colocando o carro em
movimento — Preciso resolver algumas coisas com ele e também quero que
conheça Pedrinho.
— Tem certeza de que quer deixar seu filho com eles e passar alguns dias
fora do Rio? — Nichole segurou minha mão que descansava em sua coxa e virou
a cabeça para me olhar — A gente pode dar um jeito e ficar por aqui Pedro, eu
não quero que se afaste do menino.
— Quando eu conversei com o advogado sobre o meu divórcio e contei
tudo que estava acontecendo entre a Julia e eu. — levei sua mão aos lábios e
depositei um beijo nela — A primeira coisa que ele quis saber foi, qual era a
minha prioridade? Eu respondi sem precisar pensar que o meu filho era a única
coisa que me importava, e ele me orientou a não fazer do Pedrinho uma bolinha
de ping-pong.
— O que isso significa?
— Na maioria dos casos em que uma das partes não aceita a separação,
as crianças são usadas para que os pais consigam o que querem. No meu caso,
Julia já estava começando a me ameaçar e sempre que eu viajava a trabalho e a
Laís ia comigo, ela largava o menino com a Lívia e sumia por dias. — não
estava sendo fácil ficar longe do menino, mas ele era a minha prioridade e tudo
que tivesse que fazer para que meu menino ficasse bem, eu faria — O Pedrinho
precisa de um lugar que ele se sinta amado, que seja bem cuidado e que tenha
um ambiente bom pra ele. A Cindi trata o meu filho como se fosse filho dela e o
Thor parece um idiota babão com aquele garoto.
Respirei fundo virando a direita na rua em que eles moravam e estacionei
o carro aproveitando o silêncio de Nichole para organizar meus sentimentos.
— Eu preciso desse tempo com você Nichole, e só os meus amigos
sabem o quanto foi difícil pra mim esse último ano, com tudo que aconteceu na
minha vida. Meu filho está com cinco meses agora, e quando tudo estiver
resolvido à gente vai ter todo o tempo do mundo pra compensar a minha
ausência. — beijei sua boca antes de concluir — Essas pessoas que estão aí
dentro dessa casa me amam e querem me ver feliz. Eles sempre me apoiaram e
eu tenho certeza de que não vai ser diferente dessa vez.
— Eu sei disso Pedro e vai ser muito importante passar uns dias com
você, só nós dois.
Passava das nove da noite, a rua onde Thor morava era bem iluminada e
sua casa tinha segurança particular. Como sempre fazia por hábito olhei ao redor
e um carro preto parado do outro lado da rua chamou minha atenção.
Pedi ao funcionário armado para que viesse até a porta e perguntei há
quanto tempo o carro estava parado naquele lugar. O idiota não soube responder.
— Leva ela pra dentro e avisa o Thor que eu já estou chegando.
— Pedro, o que você vai fazer? — Nichole perguntou preocupada.
— Só vou dar uma olhada no carro pra saber se tem alguém dentro.
— Vou esperar você aqui. Não vou entrar.
Ela cruzou os braços e fez uma careta contrariada. Talvez minha menina
estivesse realmente voltando ao normal e só de pensar que ela pudesse carregar
uma arma novamente, meu pau vibrou dentro da calça. Nichole era linda
naturalmente, mas quando estava vestida com a roupa preta da equipe segurando
sua arma, pronta para atirar em qualquer um que cruzasse seu caminho, puta que
pariu!
A mulher transformava todos os meus sonhos mais tranquilos em
fantasias eróticas e as lembranças dos momentos que compartilhamos na única
missão que trabalhamos juntos invadiram minha mente.
— Dá uma arma pra ela. — falei pro segurança que mais parecia um
robô — Se vai ficar aqui me esperando é melhor estar preparada para o pior.
O manézão deu uma pistola automática na mão da minha Hermione e
ainda teve a coragem de perguntar se ela sabia usar a arma.
— Amigo, aposto o que quiser que ela acerta o dobro de alvos que você
acertar e pode escolher de perto ou de longe.
— Faz tempo que não atiro. — ela falou baixinho admirando a pistola em
sua mão.
— É como andar de bicicleta Hermione, depois que a gente aprende
nunca mais esquece. — pisquei para ela e me afastei — Não sai daí...
Ordenei e a com o babaca em frente a casa de Thor. Caminhei lentamente
até o carro preto estacionado sob uma árvore robusta que dificultava ainda mais
a visão.
Não consegui enxergar o número da placa, e quando atravessei a rua para
me aproximar do veículo e vir de perto se havia alguém dentro dele, o motor foi
ligado, os faróis foram acesos e o motorista acelerou, saindo em alta velocidade,
cantando pneu.
Não deu tempo de sacar a arma ou fazer qualquer coisa, mas ficou claro
que alguém estava vigiando a casa do ex-traficante e atual agente da Polícia
Federal.
O homem conhecido por ser implacável demais e paciente de menos,
experiente como poucos e capaz de prever situações que nenhum outro policial
conseguia, teve sua vida ameaçada constantemente, e nem por isso deixou de
fazer seu trabalho.
Mateus Trivisan, também conhecido como Thor, comandava um
departamento na PF invisível aos olhos do governo. Sua equipe nunca foi
mencionada publicamente e apesar de muitos saberem ou desconfiarem da sua
existência, não havia qualquer evidência. Eu trabalhava com ele, assim como
Laís, que foi a primeira e única mulher a entrar e permanecer na equipe.
Nossa pequena e elitizada equipe era acionada exclusivamente para
resolver os casos que nenhum outro grupo de elite conseguia resolver, ou que
ninguém tivesse "colhão" para enfrentar. Éramos muito bem remunerados, mas a
nossa segurança e da nossa família não entrava no pacote assistencial.
Tínhamos que nos proteger, sempre.
— Que porra é essa?
Mateus apareceu na porta vestindo apenas uma calça jeans e chinelos.
Seus cabelos despenteados e a cara fechada não eram bons sinais e quando
soubesse que havia um carro parado na porta da sua casa a mais tempo do que eu
gostaria de pensar, e o idiota do segurança não reparou, a chapa ia esquentar pro
lado do soldadinho de chumbo.
— Tinha um carro preto parado embaixo daquela árvore quando
chegamos aqui. — Mateus revezava seu olhar entre Nichole, o lugar que minha
mão apontava e eu, sem entender direito o que estava acontecendo — Quando
cheguei perto pra ver se tinha alguém dentro ele acelerou e vazou.
Mateus olhou para o babaca uniformizado com os braços cruzados a
frente do corpo e um olhar capaz de matar um inocente, de medo.
— Que horas o carro chegou?
Tive vontade de cair na gargalhada, mas Nichole me deu uma cotovelada
e pediu para que eu não piorasse a situação do cara.
— Eu... não anotei senhor.
— E que porra você estava fazendo dentro dessa merda? — Mateus
apontou para a casinha de cachorro que ele chamava de guarita e se aproximou
do sujeito apontando o dedo na cara dele — Você tem meia hora pra conseguir as
imagens desse carro aqui na rua, desde a hora que ele chegou até a hora que o
Piuí foi até lá. Nem um minuto a mais.
Fechou a porta e encarou Nichole.
— A Lívia vai adorar te ver. — franziu a testa — E antes que eu me
esqueça, seu pai está atrás de você, mas seu avô mandou ligar pra ele antes de
falar com qualquer pessoa.
— Você falou com meu avô? — minha menina perguntou surpresa e
apertou sua mão na minha.
— Tecnicamente foi ele que falou comigo, porque foi ele que me ligou,
mas sim... eu costumo falar muito com o Nicholas. — Mateus olhou para a arma
na mão dela e um pequeno sorriso deslizou em seus lábios — Ele me garantiu
que você estaria de volta a ativa assim que saísse da casa do Guilherme...
— Eu não voltei, quer dizer, eu não posso voltar...
Mateus abriu a porta e para a minha felicidade, Laís e Lívia estavam
sentadas lado a lado no sofá com Pedrinho entre elas.
— Claro que pode menina... — Mateus fechou a porta atrás dele e passou
por nós seguindo para a cozinha — Você pode fazer o que quiser, se quiser, é
claro.
Quando me dei conta de que estava cercado pelas poucas pessoas que eu
amava e faziam parte da minha vida, me senti emocionado como há muito tempo
não me sentia.
Minha ruiva e minha loira abraçaram e beijaram minha menina com
muito carinho e afeto verdadeiro. Pedrinho se jogou para o meu colo e me sentei
com ele, ao lado de Thor que voltou com duas cervejas nas mãos.
Conversamos por quase uma hora sobre várias coisas e as três mulheres
se reuniram na cozinha para preparar alguma coisa para comer.
— Precisamos conversar. — falei.
— Eu sei, quer fazer isso agora ou prefere esperar?
— Melhor agora. — peguei o brinquedo completamente babado que mal
cabia na boca do menino, mas ele teimava em tentar engolir — Quero pegar
estrada de madrugada.
— Pra onde vai levá-la?
— Não sei... pensei em algum lugar longe daqui.
— Preciso de você aqui na quarta-feira.
— Por quê? Algum caso novo?
Mateus colocou a garrafa de cerveja em cima da mesa e apoiou os
cotovelos sobre as pernas.
— Eu não sabia que pretendia sair da cidade, por isso deixei para
conversar com você na segunda-feira.
— O que ta pegando? — eu conhecia bem aquele cara e sabia que não ia
gostar nada do que ele tinha para me falar. — Tem alguma coisa a ver com o
James?
— Ele chegará ao Brasil em poucos dias Piuí e está disposto a pagar
qualquer preço para ter Nichole de novo.
— Nem fodendo ele vai chegar perto dela!
Fiquei em pé assustando Pedrinho. Mateus também se levantou e tirou o
menino dos meus braços, nitidamente preocupado com a minha reação.
Aquele cuzão do caralho não fazia ideia de onde estava se metendo.
Passei as mãos pela cabeça e olhei para a porta da cozinha ouvindo as vozes
femininas alheias a conversa que acontecia na sala.
— Eu e o Nicholas estamos cuidando de tudo, mas você vai precisar
fazer a sua parte se quiser proteger a Nichole.
— Porra Thor! E tu acha que eu to saindo da cidade pra que? O pai dela é
um idiota e só fala merda pra menina, a gente precisa de uns dias pra esquecer
essa merda toda...
— Vamos comer a gororoba que a Lívia ta preparando e depois a gente
conversa.
— Caralho, eu não acredito que esse fodido vai ter a coragem de vir até
aqui só pra tentar foder a minha vida...
— É melhor se preparar Piuí. — encarei seu rosto que me encarava da
mesma forma furiosa — Jason Hudson está vindo pra começar uma guerra.
O sangue esquentou em minhas veias, incendiando cada célula do meu
corpo e ativando a adrenalina. Aquela sensação que agitava minha vida há
longos anos e sempre me lembrava de que eu estava vivo.
Pronto para lutar pelo que me pertencia.
— Se é guerra que ele quer, é isso que ele vai ter...
CAPÍTULO 29

NICHOLE

— Como você está depois de tudo que aconteceu?


Laís me perguntou logo depois que Mateus e Pedro foram para o
escritório e Lívia subiu para colocar Pedrinho na cama.
Nós nos sentamos na espreguiçadeira em frente à piscina. A noite estava
fresca e uma brisa leve soprava fazendo os cabelos vermelhos da minha amiga
balançar. Senti falta dos fios longos que sempre cobriram minha cabeça.
— Acho que estou melhor, pelo menos me sinto melhor do que antes,
mas acho que vai demorar um pouco até voltar ao normal.
— Nunca vai voltar ao normal Nick. — ela afirmou encarando o céu, sua
voz era firme, mas havia suavidade e compaixão nela — Essas coisas marcam a
gente de forma definitiva e depende de nós a maneira que elas vão interferir no
nosso futuro.
— Como você conseguiu seguir em frente?
— Quem disse que eu consegui? — seus olhos me fitaram e um sorriso
triste estampou em seu rosto — Algumas vezes ainda sonho com ele, sabe?
Parece tão real que a dor machuca tanto quanto na primeira vez que ele abusou
de mim, quando eu ainda era uma criança.
— Você se arrepende do que fez? — sua testa enrugou e seus olhos se
estreitaram — Não sei o que aconteceu naquela cela, o Pedro nunca me falou
sobre isso, mas eu imagino que não deve ter sido fácil o que quer que tenha feito.
— Eu tenho alguns arrependimentos Nichole. — Laís se ajeitou na
cadeira — Quer saber quais são?
Assenti vendo a dor brilhando em seu olhar, e percebi que como ela, eu
também odiava com aquela intensidade o homem que me feriu e tomou de mim
algo que não lhe pertencia. Sem a minha permissão.
— Me arrependo de não ter feito o que fiz antes, me arrependo de ter
deixado que ele destruísse parte da minha alma por anos achando que não podia
enfrentá-lo, me arrependo de não ter procurado ajuda e por ter me deixado
influenciar pelo desprezo que ele sentia por mim. — Laís respirou
profundamente — Mas nunca vou me arrepender de ter colocado um ponto final
em uma história que não merecia continuação ou final feliz.
— Eu tenho medo de não conseguir ser o suficiente para as pessoas, me
sinto incompleta e também me culpo pelo que aconteceu.
— Nada do que aconteceu foi sua culpa Nichole, e as pessoas que amam
você sempre estarão ao seu lado.
— Eu sei, mas não consigo me livrar do peso por ter gos...
Um nó em minha garganta impediu que a frase fosse dita em voz alta
para aquela mulher que passou anos da sua vida se autodestruindo e tentando
destruir tudo e todos a sua volta e que não conseguiu superar seus traumas, mas
aprendeu a conviver com eles. Retomou seu caminho, conquistou o perdão dos
irmãos e reencontrou o homem que amava.
— Quando uma mulher é estuprada uma única vez, ela não sente prazer,
pois a reação natural é a de lutar por seu corpo, por sua vida. Nossa reação é para
nos protegermos na tentativa de impedir que o ato sexual, a violência e o abuso
se concretizem. — Laís segurou minha mão fria quando lágrimas desceram de
seus olhos e molharam seu rosto coberto de sardas — Mas quando a vítima é
mantida em cárcere e a violação ao seu corpo passa a acontecer com frequência,
o cérebro entende que não há perigo de morte e por mais sombrio que possa
parecer, o ato se torna algo comum. É por isso que você começou a sentir prazer
quando ele te estuprava Nichole, não estamos falando de certo ou errado, de bom
ou ruim, de gostar ou não. Estamos falando de estímulos fisiológicos
correspondidos, apenas isso.
— Muitas vezes eu gostei do que ele fez comigo Laís, gozei e pedi por
mais.
O nojo que sentia de mim mesma, me causava ânsia de vômito e
inúmeras lembranças vieram à tona aumentando meu tormento.
— E por que não sentiria Nichole?
— Porque eu não queria que ele fizesse aquilo comigo, não queria que
tomasse meu corpo a força e ainda assim... James conseguia fazer com que eu
correspondesse ao seu toque. — limpei meu rosto e só então percebi que também
chorava — Quando eu gozava ele jogava na minha cara que eu era uma puta e
que gostava da maneira que era tratada.
— Nichole, qualquer mulher no seu lugar sentiria o mesmo. Você ficou
presa por quase um ano e estava a mercê dele. Ele usou seu corpo como quis e
sabia o que fazer para te dar prazer. Se você fechasse os olhos agora e me
deixasse te tocar, eu também te faria gozar e nem por isso nós duas seríamos
rotuladas como lésbicas.
— Eu não quero que você me toque.
Ela sorriu revirando os olhos.
— Eu não quero te tocar. — nós duas gargalhamos e Laís voltou a falar
— Só quero que você entenda que independente de quem tivesse no lugar dele,
homem, mulher, preto branco, índio, aleijado, qualquer um, se soubesse
estimular seu corpo teria conseguido os mesmos resultados que James
conseguiu.
— Não sei, ainda é difícil de entender isso tudo...
— Não é difícil de entender, mas é quase impossível aceitar que somos
vítimas; mais fracas, mais vulneráveis e menos resistentes. Eu sei como é, e até
hoje prefiro me enganar dizendo que tudo que fiz com os meus irmãos foi por
não ser uma pessoa boa, do que admitir que fui manipulada e usada pelo homem
que deveria me amar e me proteger, mas a única coisa que fez foi tentar me
destruir.
— Você acabou de admitir Laís.
— Não, eu acabei de te falar como me sinto e se você contar isso a
alguém vou desmentir. — ela deu de ombros me fazendo sorrir novamente — O
mais importante é você saber, porque a maior batalha que vai travar não é com o
seu pai, com o Piuí, comigo ou com o James, é com você mesma Nichole. Sua
consciência sempre vai ser sua adversária mais forte e se a culpa te consumir de
verdade, pode acreditar, você será derrotada com muita facilidade.
— Estou tentando, mas ainda sinto desejos insanos e uma necessidade
muito grande de fazer sexo violento.
— Bom... pelo que sei você está sendo bem amparada nesse aspecto,
certo?
Senti minhas bochechas esquentarem e poderia jurar que estavam
vermelhas.
— Não tenho do que reclamar, mas não sei até quando ele vai aguentar se
sacrificar desse jeito por mim.
— Como assim, se sacrificar? — Laís perguntou.
— O Pedro nunca foi desse jeito Laís. Ele sempre me tratou bem, foi
gentil, atencioso e amoroso. — me encostei na espreguiçadeira e fechei os olhos
— Eu sei que ele quer me ajudar e se dispôs a se tornar um Dom para me
satisfazer, mas não acho que poderemos manter esse tipo de relacionamento por
muito tempo...
— Nichole, eu vou fazer com você a mesma coisa que fiz com ele
quando meu amigo veio com uma história ridícula de ter medo de não ser bom o
bastante na cama para você, então provavelmente serei direta e grossa.
Suas palavras me acertaram em cheio.
Pedro estava com medo de não ser bom para mim?
Como ele podia pensar uma coisa daquelas? Laís seguiu falando:
— Todo homem por mais "bonzinho" que seja, adora uma putaria de vez
em quando, ou quase sempre e com o Piuí não é diferente amiga! Desde que
você foi embora ele não saiu com ninguém, nem a mulher dele conseguiu levar o
homem pra cama. Tem noção do que isso significa? — ela sorriu orgulhosa —
Você sabe que eu amo aquele idiota como um irmão e, sinceramente, achava que
ele estava exagerando quando dizia que só iria transar novamente se fosse com
você. Quando a gente voltou depois do resgate, aquele homem fez de tudo pra
ficar do seu lado e pode acreditar em mim, Hermione, tudo que vocês fizeram
juntos foi muito melhor pra ele do que você pode imaginar...
— Ele te contou sobre os nossos encontros?
— Contou que vocês saíram e todo o lance do Dominador, mas não
entrou em detalhes sórdidos, pode ficar tranquila. — ela deu de ombros — Não
precisa ficar encucada Nick, eu e o Piuí somos irmãos e sempre seremos assim.
Nós não temos amigos, não temos um trabalho comum e não confiamos nas
pessoas. Temos nossa família para contar e é isso que fazemos, nós contamos
uns com os outros.
— Eu sei disso, sempre vi o amor e o carinho entre vocês e admiro
muito. Mas não sei como o=vou encarar o Mateus e a Lívia agora, sabendo que
eles também já sabem dessa coisa toda de Dominador e submissa.
Laís gargalhou jogando a cabeça para trás.
— E você acha que minha irmã e o marido mal humorado dela não fazem
esse tipo de sacanagem?
— Nem me fale uma coisa dessas... — sorrimos juntas e evitei pensar em
Mateus amarrando Lívia com algemas em uma cama — Não quero pensar na
vida sexual deles.
— Claro que não quer. — Laís piscou e me presenteou com um sorriso
malicioso nos lábios — Mas que faz um bem danado de vez em quando faz né,
amiga? — a ruiva me abraçou forte e senti uma conexão maravilhosa com ela —
Não pense besteiras quando estiver nos braços do homem que te ama como
nunca amou outra mulher, se entregue e seja feliz.
Nós nos encaramos, chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Duas
mulheres que passaram o inferno nas mãos de homens inescrupulosos que
acreditaram que podiam destruí-las. Tolos e arrogantes que não imaginavam o
poder de restauração que elas tinham escondido por trás da carcaça,
aparentemente frágil, mas definitivamente, inquebrável. Indestrutível.
— Eu vou conseguir...
— Eu sei que vai, confio em você Hermione pra fazer meu amigo, meu
irmão ser feliz. Vocês dois merecem essa felicidade.
Um barulho atrás de nós chamou nossa atenção. Pedro caminhava a
passos largos até a piscina com olhos arregalados e assustados. Sua expressão
suavizou quando nos viu.
— Porra, vocês querem me foder? — ele me puxou para os seus braços
me esmagando contra o seu corpo — Por que vieram pra cá? Fiquei procurando
pela casa toda...
— Achou que ela tivesse sido seqüestrada, por acaso? — Laís brincou,
mas pela cara de Pedro a brincadeira não parecia ser tão divertida.
— Não... claro que não, só achei que...
— O que aconteceu?
Minha amiga analisava Pedro de maneira estranha. Tive a impressão que
se comunicavam apenas com trocas de olhares.
— Nada demais. — Pedro respondeu, beijou minha testa e segurou meu
rosto — Está pronta? Podemos ir?
— Estou...
— Pra onde vocês vão? — a ruiva perguntou curiosa.
— Não vamos te levar Drizella, pode tirar seu cavalinho da chuva.
— E quem disse que eu quero ir seu idiota? Só to curiosa pra saber aonde
você vão se enfiar, só isso.
— O Thor aconselhou a gente a ficar na casa de Arraial do Cabo. Se você
precisar de alguma coisa, me liga.
— Não vou ligar... vou deixar vocês se divertirem um pouco. — Laís
virou as costas e começou a caminhar de volta para dentro da casa —
Aproveitem e nada de transar sem camisinha hein? Se o Guilherme souber que
vai ser avô, é capaz de cortar teu pau fora Piuí!
— Porra, só se ele arrumar um machado pra fazer isso.
Pedro gargalhou e eu enfiei minha cabeça em seu peito para me esconder
e não rir do seu comentário machista. Se bem que não deixava de ser verdade,
levando em conta o tamanho dele.
— Você é um babaca Piuí! — Laís resmungou.
— Mas sou um babaca pirocudo, o que eu posso fazer?
— Pedro! — Lívia apareceu e foi a vez de Laís cair na gargalhada —
Isso é coisa que se fale?
Mateus se juntou a esposa e a abraçou por trás beijando seus cabelos
claros. Eles formavam um lindo casal e o amor entre eles era uma das ligações
mais fortes e bonitas que eu já tinha visto.
— Não liga loira, ele só fala isso pra se gabar. Se o Guilherme usar uma
tesourinha da Malu já resolve o problema da castração.
— Já descobriu por que os homens brancos escravizaram os negros? —
Pedro perguntou rindo como um menino levado segurando minha mão.
— Pedro é melhor você se comportar. — Lívia advertiu, mas se
controlava para não rir também — Senão eu vou te dar umas belas palmadas.
— Cindi, a única mulher que pode falar comigo sobre palmadas, é a
Hermione, aliás, ela adora quando...
— Cala boca Pedro! — bati em seu braço morrendo de vergonha.
— Ta bom, ta bom... — ele beijou meus lábios rapidamente —
Precisamos ir, senão chegaremos lá só de manhã e eu quero muito acordar com
você.
Mateus e Lívia nos acompanharam até o portão. Perguntei a Pedro o que
havia acontecido com o segurança que estava na guarita quando chegamos e ele
apenas sorriu e disse que me contaria quando estivéssemos sozinhos.
A rua estava deserta e bem iluminada, mas os olhos aguçados de Mateus
percorreram toda a quadra para ter certeza de que não havia ninguém de plantão
na frente da sua casa.
— Tomem cuidado, certo? — Lívia me abraçou — Aproveitem esse
tempo para namorar um pouco, logo logo o Pedrinho vai estar com vocês e os
momentos a dois irão diminuir. O menino parece uma locomotiva.
— Obrigada por tudo Lívia. Nós vamos aproveitar e quando voltarmos
estaremos prontos para dar o próximo passo.
Mateus beijou meu rosto um pouco mais contido e reservado. O agente
não era muito de socializar e desde que o conheci sempre manteve as pessoas a
certa distância. Comigo não seria diferente.
— Preciso que estejam de volta na quarta-feira de manhã Nichole.
Teremos uma reunião importante na parte da tarde.
Eu não entendi muito bem porque Mateus estava me falando sobre
aquilo, mas decidi apenas concordar, já que o agente achava importante que eu
soubesse da tal reunião.
— Tudo bem, eu tenho uma consulta com meu psicólogo também e não
pretendo faltar.
Mateus e Pedro se olharam quando falei sobre a consulta e mais uma vez,
me senti excluída da conversa silenciosa entre os dois.
— Ótimo. Boa viagem e aproveitem...
— Obrigada Mateus.
Pedro me esperava em pé ao lado da porta aberta, entrei no carro me
acomodando no banco enquanto ele entrava pelo outro lado.
A música que tocava na rádio era relaxante, as ruas do Rio de Janeiro
estavam movimentadas e todos os bares na orla da praia lotados de gente.
— Eu nem me lembrava mais como era essa cidade em um sábado a
noite.
Comentei me deliciando com a visão noturna das praias cariocas. Apesar
de ter nascido em São Paulo, meus pais vieram para o Rio quando assumiram a
primeira filial da N5- Security inaugurada quando eu tinha apenas cinco anos de
idade.
— Parece mentira, mas eu não conheço nenhuma balada. — Pedro
segurou minha mão e levou aos lábios — Não me lembro qual foi a última vez
que fui a uma festa ou a algum lugar pra me divertir.
— Eu também não saía muito, estava sempre estudando ou em casa com
meus pais.
Senti um aperto no peito ao me lembrar de Guilherme, o homem que
sempre esteve a meu lado; me ensinando, me educando e se tornando meu
grande amigo.
— Não fica triste, eu sei que quando a gente voltar vocês vão conversar e
se entender.
— Meu pai sofreu muito com o que aconteceu comigo Pedro, e eu
entendo, mas ele não pode distorcer as coisas apenas para se sentir melhor. Não é
justo.
— O Guilherme só precisa de um tempo para colocar a cabeça no lugar,
tenha um pouco de paciência com ele.
— Espero que você esteja certo.
— Você não concorda com o que eu estou falando?
— Não é isso, mas acho que meu pai está escondendo alguma coisa, não
sei... acho que estou ficando paranóica.
— Pode me contar o que está pensando Hermione, eu quero saber tudo
que se passa nessa sua cabecinha linda.
— Eu também não sei o que é, mas meu pai mudou depois de Mojarve, e
minha mãe também. Eles viviam colados um no outro pra cima e pra baixo,
faziam tudo juntos, eram amigos, companheiros. — lembrei de ver minha mãe
sentada sozinha na sala e meu pai trancado no escritório muito mais vezes do
que gostaria de imaginar — Eles se distanciaram, quase não conversam e quando
estão falando, é sempre cobranças, ofensas e discussões. Tem alguma coisa
errada no casamento deles e eu não sei o que pode ser.
Pedro ficou em silêncio e por alguns minutos me arrependi por ter saído
de casa sem esclarecer as coisas com meu pai. Nós sempre tivemos uma relação
aberta e amigável, conversávamos sobre tudo e costumávamos fazer planos para
o futuro.
— Quando a gente começou a ficar juntos no ano passado, seu pai sabia?
— Não, contei pra minha mãe, mas pedi pra ela não falar nada pra ele.
— Ele descobriu tudo na noite em que você ficou no motel?
— Foi... — olhei pela janela assistindo aos poucos as luzes do Rio de
Janeiro ficarem para trás e a estrada que nos levaria a Arraial do Cabo surgir a
nossa frente — Eu não estava pensando direito quando liguei pra ele.
— Não fica assim Hermione, já passou. Tudo isso faz parte do nosso
passado e a gente vai aprender a superar. Seus pais estão casados há muito tempo
e de vez em quando é normal rolar uma crise.
— Acho que as coisas ficaram estranhas depois que eu voltei pra casa.
— Minha menina... — Pedro acariciou minha coxa e esperou que eu o
olhasse para continuar falando — Seus pais não brigaram por sua culpa, se é que
eles realmente brigaram.
— Vou telefonar pra ele amanhã e me desculpar por ter saído de casa sem
resolver as coisas entre nós.
— Tenho certeza que ele vai ficar muito feliz e quando a gente voltar,
vocês vão se entender.
Pedro tinha razão, meus pais estava juntos há muito tempo e claro que
brigar uma vez ou outra era normal. Antes eu quase não ficava em casa, tinha a
escola, a empresa e os cursos que tomavam todo o meu tempo.
Ao contrário dos últimos dois, ou três meses que eu fiquei enfiada no
meu quarto e testemunhei cada conversa, cada discussão e cada briga. Não era
como se meu pai tivesse outra mulher ou minha mãe tivesse um amante.
As discussões começavam por motivos bobos e completamente sem
importância como um copo em cima da pia, uma toalha molhada largada no
quarto ou um par de sapatos sujos na porta de entrada.
Qualquer coisa virava motivo de discórdia e aquilo estava acabando
comigo. Não via mais meus pais se beijarem ou se abraçarem, sentarem juntos
para tomar um vinho após o jantar ou se combinarem de sair para assistir um
filme novo no cinema.
Guilherme e Isabella não viviam um bom momento e por algum motivo
eu sentia que a minha volta para casa tinha desencadeado aquele período
turbulento entre eles. Só precisava descobrir o que fazer, ou como fazer para
reverter aquilo.
A viagem demorou quase três horas. Chegamos à casa de Mateus e Lívia
perto das três horas da manhã. Estava cansada e meu corpo parecia ter sido
nocauteado.
Pedro estacionou o carro na garagem espaçosa e me levou direto para o
quarto que iríamos ocupar durante a nossa estadia. Tomamos banho juntos,
fizemos amor embaixo do chuveiro e caímos na cama exaustos.
O sono veio sozinho, sem pesadelos, calafrios, tremedeiras ou
palpitações. Foram mais de seis horas de descanso natural e o corpo quente, forte
e maravilhoso que me aconchegava na manhã seguinte, me deu a certeza de que
aquela viagem havia sido uma ótima ideia.
O telefone de Pedro tocou insistente mesmo depois de ter sido ignorado
duas vezes.
— É melhor atender Pedro, senão a pessoa que está te ligando não vai
parar de perturbar.
— Porra, mas que merda! — ele resmungou e pegou o aparelho — Será
que nem domingo a gente pode ficar na cama até mais tarde?
Sorri com a irritação e acabei me distraindo com seu corpo musculoso
coberto apenas por uma cueca branca. Sua bunda empinada, seus ombros largos
e seu trapézio desenhado deixando-o ainda mais másculo.
— Alo.
Ele atendeu ainda irritado.
— Caralho! Não adianta ficar me ligando porra!
Pedro se levantou da cama e foi até a janela com o celular colado ao
ouvido, me sentei observando seu jeito de agir. Ele estava olhando ao redor da
casa para ter certeza de que não tinha ninguém nos vigiando.
— Eu não estou no Rio, Julia, e não posso voltar.
O nome da ex-esposa me deixou em alerta máximo. Pedro tinha me
contado que ela estava internada e iria ser transferida para uma clínica. O que ela
queria, afinal?
— Por acaso você ouviu o que eu disse? Eu não estou no Rio, não sou
seu marido e não vou te levar pra lugar nenhum. Já concordei em pagar teu
tratamento, mesmo sabendo que você não tem porra nenhuma! Pega um táxi, um
uber, vai de ônibus, de trem e até andando se quiser. Se vira pra ir até lá cacete!
— mais alguns segundos em silêncio e bufando irritado — Para de me ligar
Julia! O único jeito de falar comigo agora é através do meu advogado e eu já te
dei o contato dele, me deixa em paz caralho!
Ele desligou o celular e jogou o aparelho dentro de uma gaveta do
guarda-roupa. Caminhou na minha direção, parou nos pés da cama, tirou a cueca
expondo seu pau grande e duro apontado para cima.
— Tira roupa.
Sua voz autoritária me pegou de surpresa.
— Não vou mandar de novo. — os movimentos da sua mão em torno do
mastro poderoso me hipnotizaram — Tira a roupa, agora!
Puxei a camiseta por cima da cabeça, tirei o sutiã branco e deslizei a
calcinha pelas pernas até largá-la no chão.
— Abre as pernas e deixa eu ver essa boceta gostosa.
Fiz o que ele mandou sentindo o líquido escorrer do meu centro. Meus
seios ficaram pesados, minha boca seca e a vontade de me tocar aumentou
quando fechei os olhos concentrada no barulho da sua mão masturbando o pau
que eu desejava dentro de mim.
— Não se toca Nichole, só eu vou fazer você gozar e hoje vai ser do meu
jeito. Entendeu?
Ainda perdida em pensamentos, absorvendo todas as sensações
inebriantes que estava sentindo, me distraí da pergunta e levei um tapa no
clitóris. Gritei como uma louca me contorcendo sobre o colchão macio.
— Responde porra! Senão vai apanhar de novo.
— Entendi...
— Entendi, o que?
Senti seu pau se esfregando no meu rosto, mas quando virei para colocá-
lo na boca, Pedro me bateu, estapeando os dois lados da minha cara com a sua
rola grande e muito grossa como se fosse a palma da sua mão.
— Entendi, mestre...
— Boa menina. Agora abre a boca que eu vou deixar você engolir meu
pau. — meus olhos se recusavam a abrir apenas para sentir com mais intensidade
o prazer inebriante que aquele homem conseguia me dar — Ta doida pra mamar
minha pica, né vadia? — sussurrou na minha orelha.
— Sim mestre, sim... por favor, deixa eu mamar seu pau, deixa...
— Engole tudo putinha, até engasgar. Leva minha rola na garganta que
eu vou foder essa boca até gozar.
Obedeci todas as ordens do meu mestre, e enquanto seu pau deslizava
dentro e fora da minha boca sobre a minha língua, suas mãos apertavam meus
mamilos e agrediam meu clitóris inchado.
— Vou gozar caralho!
Pedro segurou minha nuca com uma das mãos e empurrou seu pau com
força para dentro da minha boca, socando até se esvaziar na minha garganta.
Eu gozei em seus dedos e a palavra escolhida para o domingo foi sexo.
De todos os tipos.
Em todas as posições.
Incansável. Irresistível. Imoral.
Descobrimos novos gostos, conversamos sobre o passado e tentamos
iniciar o planejamento para o futuro. Mas o sexo foi prioridade e pela primeira
vez desde que nos conhecemos, enlouquecemos juntos.
Seria apenas três dias, mas eu já estava decidida a estender aquela rotina
para o resto da minha vida.
Pena que as coisas nem sempre acontecem como planejamos e quando
menos esperamos a vida te dá aquela rasteira, que te derruba, te quebra e quase
te mata.
No nosso caso, se não matássemos, morreríamos. Sem qualquer outra
opção. Simples assim...
CAPÍTULO 30

PIUÍ

Quando o telefone tocou no domingo de manhã, imaginei que fosse


minha quase ex-esposa e por isso decidi ignorar, mas a insistência descabida me
obrigou a falar com ela.
Julia informou que a médica que a atendeu quando chegou ao hospital,
havia lhe dado alta e ela teria que ser transferida para a clínica particular e iniciar
o fictício tratamento, já que sua doença nunca existira.
O reconhecimento de ter sido enganado tornava minha irritação ainda
maior e sempre que pensava sobre a real possibilidade de Julia nunca ter me
amado como achei que amasse, me remetia a tudo que Nestor Antunes passou
com a primeira esposa, Clara Braga Nunes.
Depois de duas décadas convivendo com a mulher, o ex-promotor
público descobriu que a falsa traidora armou desde o início para se vingar dos
juízes, Enrico e Solange Antunes, usando todos os segredos sujos do casal para
arruinar a reputação de toda a família.
Eu participei daquela investigação de perto, me senti muito mal por
Nestor e passei dias imaginando o quanto pudesse ser ruim a traição de alguém
que você ama, ou pensou que amasse.
Enquanto falava com Julia ao telefone me dei conta do quanto fui tolo
por ter acreditado nela todas as vezes que desconfiei de suas mentiras. Foram
várias vezes, infelizmente.
A doutora Kelly agiu corretamente, como eu previ que agiria, e explicou
a Julia que se não iniciasse o tratamento psiquiátrico rapidamente, talvez
corresse um risco muito grande de perder a guarda do filho, devido à tentativa de
suicídio.
Eu lutaria pelo meu filho e usaria todas as munições que estivessem
disponíveis para ganhar aquela batalha jurídica.
Nunca mais permitiria que Julia interferisse na minha vida e decidido a
provar para mim mesmo que trilhava o caminho certo, falei antes de desligar o
telefone sem me despedir:
— Para de me ligar Julia! O único jeito de falar comigo agora é através
do meu advogado e eu já te dei o contato dele, me deixa em paz caralho!
Joguei o aparelho dentro de uma gaveta qualquer para que mais ninguém
me incomodasse e passei o resto do dia me dedicando exclusivamente ao que eu
tanto amava, comer minha Hermione.
Nichole se entregou a mim plenamente, sem restrições ou pudores.
Nossos corpos foram envolvidos por sentimentos intensos e verdadeiros, sem
segundas intenções ou interesses obscuros.
Apenas amor e muito desejo.
Descobri que minha menina amava ser dominada como uma verdadeira
submissa, enquanto eu me realizava, completamente abatido pelo prazer de
dominá-la.
Nós comemos pouco, conversamos muito e fodemos muito mais.
Somente no fim da tarde minha menina decidiu ligar para o pai, mas o idiota não
atendeu ao telefone.
Nichole falou com Isabella, que garantiu que Guilherme havia passado o
dia todo com o pai, Nicholas e apenas por aquele motivo não havia atendido ao
telefone.
Enquanto as duas conversavam, aproveitei e liguei para Thor, falamos
sobre Pedrinho e também sobre a chegada de James Hudson ao Rio de Janeiro.
Mateus e Nicholas estavam unidos na intenção de capturar o estuprador
filho da puta, e contavam com a minha ajuda para que tudo desse certo.
Os homens de Eduardo Garcia chegariam à cidade um dia antes de James
e ficaria a disposição do meu amigo pelo tempo que ele precisasse. Mateus
pretendia manter o americano ocupado, e usaria Trovão para distraí-lo enquanto
eu e Nichole ficaríamos juntos a espera do pau no cu.
A ideia de usar minha menina como isca a princípio não me agradou, mas
como sempre, Mateus conseguiu me convencer depois de provar que se James
conseguisse colocar as mãos em Nichole, nunca mais conseguiríamos recuperá-
la.
Na quarta-feira teríamos uma reunião com a equipe que Nicholas iria
formar e receberíamos todos os detalhes da missão. Até lá eu ficaria com
Nichole em Arraial do Cabo, aproveitaria cada segundo ao lado dela e lhe
contaria sobre a chegada de James ao Rio.
Estávamos bem, se considerássemos toda a merda que girava em torno
das nossas vidas. Julia, James, Trovão, Sabiá e Guilherme não estavam
cooperando, mas sabíamos que chegaríamos ao final inteiros.
Na segunda-feira de manhã caminhamos na praia, fizemos compras e
depois de almoçarmos decidi contar a Nichole sobre o plano ousado de Mateus e
seu avô.
Minha menina precisava saber o que nos esperava no Rio quando
voltássemos, e eu havia garantido ao meu amigo que era a pessoa certa para
contar, e não Laís, como ele tinha sugerido.
— O que você tem?
Nichole perguntou deitada no sofá com a cabeça apoiada no meu colo.
Assistíamos "Vingadores", mas eu nem prestava atenção, minha cabeça
trabalhava tentando encontrar uma forma de iniciar aquela conversa.
— Por que você acha que eu tenho alguma coisa?
Minha mão direita deslizava por sua cabeça se deliciando com a
penugem clara que crescia rapidamente. Nichole estava ainda mais linda com o
cabelo curto, que lhe dava a aparência de uma mulher mais forte.
— Porque eu conheço você e sei quando tem alguma coisa te
incomodando, o que foi?
— Eu preciso te contar uma coisa.
Nichole se sentou rapidamente e seus olhos se arregalaram.
— O que foi? Tem a ver com o telefonema da Julia?
— Não, a Julia não tem nada a ver com isso. — segurei suas mãos e a
puxei acomodando-a no meu colo, de frente para mim — Esquece ela. Você não
tem que se preocupar com nenhuma mulher ok?
Beijei seus lábios sentindo a tensão de seu corpo montado sobre o meu.
Suas mãos seguraram meus ombros impedindo que o beijo se intensificasse. Ela
queria conversar e descobrir o que estava me preocupando.
— Se não é a Julia, o que é então?
— Ontem quando o Mateus me chamou no escritório, ele queria me falar
sobre o James.
— Ele está vindo...
Sua voz sussurrada me deixou apreensivo.
— Preciso que você mantenha o foco em mim Nick e não deixe que ele
invada sua cabeça.
— Não vou deixar. — seus olhos se fixaram nos meus — Ele não vai
mais conseguir. Eu prometo.
Nós nos abraçamos, mas ela rapidamente se afastou. Nichole ficou em
silêncio esperando que eu falasse.
— James vai chegar nos próximos dias com seu novo grupo e fortemente
armado. Há pouco mais de um mês, Laís descobriu que ele se aliou a um
traficante da cidade e ofereceu uma sociedade para iniciar o negócio. Esse
traficante é um amigo meu e o braço direito dele, é o pai biológico do Pedrinho.
Nichole franziu a testa.
— O James vai fazer negócio com o chefe do pai do Pedrinho, é isso que
está me dizendo?
— Eles já fizeram o negócio.
— A escolha do James foi mera coincidência ou proposital?
Minha Hermione era uma mulher muito inteligente e cresceu no meio de
policiais, por isso sua percepção intuitiva sempre foi admirável, e ela me
provava mais uma vez, que não deveria abandonar a carreira que tanto amava.
— Mateus tem certeza que foi proposital, agora preciso que me ouça com
atenção e quero que entenda que eu não vou deixar ninguém te forçar a fazer
nada que não queira ok?
— Ok.
— Seu avô e o Mateus se uniram para pegar o James. — o rosto de
Nichole se iluminou quando falei sobre o homem que ela tanto amava — Eles
querem a nossa ajuda e eu prometi ao Mateus que falaria com você, mas só
entraria no jogo se estivéssemos juntos.
— Nossa ajuda? — Nichole se remexeu no eu colo atenta a cada palavra
que saía da minha boca — O que eles querem que a gente faça?
— James está vindo ao Rio para pegar você, e usando o negócio que
iniciou com Trovão como desculpa. Mateus e Nicholas irão causar vários
problemas para ele, de todos os tipos; burocráticos, rivais do morro do Trovão,
policiais corruptos, enfim, tudo que for possível para mante-lo ocupado. Nós
ficaremos juntos, escondidos e monitorados vinte e quatro horas por dia.
— No Rio? — ela perguntou.
— Sim, no Rio.
— Onde?
— Não sei ainda, na quarta-feira seu avô fará uma reunião e contará
todos os detalhes do plano. Ontem o Mateus me falou apenas o que julgou
necessário para explicar o motivo de todo esse esquema.
Nichole assentiu e se levantou.
— Eles querem que o James venha até nós, é isso?
— Sim. — confirmei — Se conseguirmos pegar o desgraçado longe do
tumulto podemos matá-lo e sem criarmos problemas.
— E se ele não vier atrás de mim, quer dizer, se ele estiver interessado
apenas no negócio mesmo. O que faremos?
— Eu sei que pode ser assustador Nichole e ontem quando Mateus me
contou sobre o plano do seu avô, falei a mesma coisa e garanti que não deixaria
você servir de isca pro pau no cu, mas... — eu me levantei e abracei minha
menina com força — Eles têm razão, o James é um combatente de guerra e
arquitetou essa operação muito bem. Ele não vai sair do Brasil sem você e não
vai desistir facilmente. Não podemos dar nenhuma chance para que ele se
aproxime Nick, é tudo que esse cara quer e se conseguir colocar as mãos em
você, nem sei o que pode acontecer...
Apertei seu corpo junto ao meu desesperado só de pensar naquele
monstro com a minha menina. Eu jamais me perdoaria se alguma coisa
acontecesse com ela.
— Você vai ficar comigo? — Nichole perguntou insegura.
— O tempo todo minha menina. — beijei sua boca e descansei minha
testa na dela sentindo seu cheiro delicioso — Ele não vai chegar perto de você,
eu prometo.
— Meu pai está sabendo?
— Não, mas na quarta-feira ele estará na reunião.
— Por que meu avô não contou pra ele?
— Pelo mesmo motivo que não queriam me contar antes da porra da
reunião, eles sabiam que eu não ia permitir, assim como sabem que o Guilherme
vai ser contra.
— Por que você mudou de ideia?
— Porque o Mateus me mostrou todas as provas de que o James está
vindo para cá por sua causa, e se não pegarmos ele dessa vez, talvez não
tenhamos outra chance.
— Eu estou dentro. — Nichole me encarou com seus olhos verdes —
Quero ver James Hudson morto.
Naquela tarde conversamos sobre tudo que poderia acontecer com a
chegada de James ao Rio de Janeiro. Nichole me contou tudo que sabia sobre o
homem que havia tornado sua estadia no deserto de Mojarve um verdadeiro
inferno e pela primeira vez, começou a se abrir comigo.
Minha menina não entrou em detalhes, mas conseguiu descrever algumas
das muitas maldades que os cinco homens que se rotulavam de "líderes", fizeram
com os pilotos recrutados para o "curso".
Contar sobre o que aconteceu com a sua amiga, Marcia, foi difícil para
ela e percebi que quanto mais verbalizava o que até então, estava guardado em
sua mente, se sentia mais leve, mais relaxada.
Também falou sobre um jovem piloto que tentou ajudá-la quando
descobriu que James a estuprava diariamente. O garoto foi levado ao quarto da
tortura e passou mais de trinta e seis horas sofrendo nas mãos dos desgraçados
até implorar para morrer.
Ouvir seus relatos me fez sentir mais orgulho dela, por toda sua força,
sua coragem e determinação. Poucas mulheres suportariam tudo que ela
suportou.
— A Julia sabe sobre nós?
— Não sei, mas acho que não.
— O que vamos fazer quando tudo isso acabar?
— Eu quero pedir você em casamento, quero que aceite e vá morar
comigo, quero que seja minha esposa e viva ao meu lado até ficar bem velhinha.
— Você faz tudo parecer tão fácil...
— É fácil Nichole, a gente é que complica tudo.
— Parece que eu estou sonhando sabe?
Estávamos deitados no chão da sala. Abraçados como dois adolescentes.
Minha menina vestia apenas uma camiseta e seu corpo descansava relaxado ao
meu lado.
— Eu sonhei muito com isso. — confessei.
Nichole ficou em silêncio, beijei sua o topo da sua cabeça intensificando
meu aperto.
— Você não sonhou com isso? — perguntei desejando descobrir o que
ela estava pensando.
— Não... eu não tinha mais sonhos bons.
— Que tipo de sonhos você tinha?
As pontas de seus dedos apertaram meu braço, sua respiração acelerou e
suas pernas começaram a tremer. Ela levantou a cabeça me olhando nos olhos,
mas eu estava nervoso demais prevendo que uma nova crise pudesse estar a
caminho.
— Pesadelos Pedro... eu só tinha pesadelos...
Sem pensar muito girei meu corpo e fiquei sobre ela. Apoiei minhas
mãos no chão ao lado da sua cabeça, afastei suas pernas com os joelhos e desci a
boca até os seios pequenos que eu tanto amava chupar.
— Chega de pesadelos Hermione. — esfreguei meu pau duro em sua
boceta e ela se abriu ainda mais — Agora eu estou aqui, e só vou deixar que
sonhe com o meu pau enterrado em você, bem fundo, bem gostoso.
Ajudei minha menina a tirar a camisa e abocanhei o seio direito
prendendo o mamilo entre os dentes, arrancando um gemido alto de prazer da
mulher excitada e louca para ser fodida abaixo de mim.
Eu queria distraí-la para que a crise não viesse e sabia que o sexo poderia
ser uma ótima opção para substituir os remédios, quando Nichole tivesse alguma
recaída.
— Ah Pedro... me come, por favor...
— Vou comer putinha, vou te comer inteira.
Deslizei a boca até o outro seio e mamei até cansar. Arranquei sua
calcinha e a minha cueca, puxei Nichole para cima e sentei no sofá, colocando-a
montadinha em mim.
— Senta gostoso no meu pau Hermione.
Sua mão pequena segurou minha extensão dura e posicionou em sua
entrada completamente molhada. Ela passou a língua entre os lábios e inclinou o
corpo a frente para me beijar na boca enquanto sua boceta engolia meu pau. A
cada centímetro para dentro dela, eu enlouquecia mais de tesão.
— Porra! Que delícia essa boceta engolindo minha rola... — abri os
olhos apreciando meu pau ser devorado pelo canal quentinho e encharcado da
minha menina.
Relaxei meu corpo no sofá e segurei sua bunda com as mãos, meus dedos
brincavam no seu cuzinho e minha boca se distraía nos peitos que sacolejavam
bem a minha frente.
Eu queria socar mais fundo, com mais força, mas tinha medo de
machucá-la. Aquela posição favorecia o acesso ao seu corpo, meu pau era
grande e poderia machucá-la.
Nichole subia e descia num ritmo delicioso; gemendo e choramingando.
Implorando por mais. Apoiei os pés no chão, apertei sua bunda com força
mantendo seu quadril parado e meti forte pra caralho.
A boceta deliciosa devorava meu pau e a visão da mulher mais linda de
todas, subindo e descendo, com os olhos fechados, boca aberta, chamando meu
nome me enlouqueceu.
Levantei Nichole e a coloquei de quatro no sofá, dei um tapa forte em
sua bunda e meti de uma vez. Gememos juntos. Beijei suas costas, mordi seu
ombro sem parar de foder sua boceta apertada.
— Eu vou gozar Pedro...
A voz arrastada agredida pelo tesão devastador acelerou meu orgasmo.
— Goza porra! — rosnei mordendo o lábio inferior tentando segurar o
máximo que podia — Goza pra mim gostosa!
— Ahhh...
Gozei logo em seguida, masturbando meu pau e lambuzando sua bunda
com a minha porra. Meu corpo desabou em cima de Nichole e ficamos naquela
posição até que o fôlego fosse recuperado.
— Obrigada.
Ela agradeceu.
— Pelo que?
— Por ter me distraído.
Sorri debochado.
— Foi um prazer. — puxei minha menina pela mão e a levei ao banheiro
para tomar um banho — Estou às ordens.
— Safado.
— Gostosa.
— Eu te amo, meu Pedro.
— Eu te amo, minha Hermione.
Nichole não acordou durante a noite, não teve pesadelos ou crises, mas
na manhã seguinte o telefone dela tocou e todos os planos de Mateus e Nicholas
foram por água abaixo.
O que eu mais temia que acontecesse, acabou acontecendo e nada do
mundo seria capaz de aplacar a minha fúria.
James Hudson estava provando que sabia jogar, só não sabia que um
homem como eu nunca estaria preparado para perder.
Eu precisava virar o jogo e por Nichole, eu apostaria até mesmo a minha
vida.
BÔNUS

GUILHERME

Ser pai aos vinte e um anos não foi algo que eu havia planejado na minha
vida, sequer desejado, e quando a mulher que eu amava soube que estava
grávida, simplesmente não consegui segurar a onda e surtei.
Muitas pessoas me julgaram imaturo por ter desaparecido por mais vinte
e quatro meses, e por muito tempo me deixei enganar concordando com aquela
desculpa, mas depois de alguns anos remoendo a culpa por ter abandonado
minhas garotas, precisei admitir para mim mesmo que eu tinha sido apenas
medroso.
Isso mesmo, um jovem agente de vinte um anos que tinha sua vida toda
pela frente e nunca precisou assumir responsabilidade alguma, teria que assumir
uma família, e não era uma família qualquer.
Estava falando da sua própria família.
Eu sabia que deveria ter ficado ao lado dela, apoiado e dado suporte
quando mais precisou, e representado meu papel na vida da Isa, mas não foi o
que aconteceu e paguei caro pelo meu erro.
Conheci minha filha três anos depois e tive que lutar para retornar a vida
delas, como marido e pai. Se eu havia me arrependido? Claro que não. Foi a
melhor coisa que fiz em toda minha vida, e foi por elas que me tornei um
homem muito melhor, ou não...
Já não estava tão convicto se havia mudado muito desde então, me
tornado um bom marido, um bom pai, tampouco um bom homem. A culpa
estava se acumulando dentro de mim, e com ela a raiva e o orgulho. Sempre
caminhando juntos, crescendo, expandindo e ganhando cada vez mais força
dentro mim.
Eu estava prestes a explodir e faltava pouco para que tudo que estivesse
ao meu redor se transformasse em fragmentos de um homem culpado.
Arrebatado pela dor do fracasso e da impotência.
Novamente, depois de longos anos, eu não havia conseguido proteger
minha família e sofria em silêncio por ter falhado, me martirizando.
Isabella Gomes Castro sempre foi uma mulher guerreira, forte e
determinada. Perdeu os pais ainda menina, foi sequestrada e traficada pelo filho
do maior inimigo do meu pai — o árabe Samir Abbab que se encantou pela
minha mãe, Alysson Monteiro Castro, e matou meu padrasto Jeremias Fiolski —
conseguiu fugir, entrou em um programa de recrutamento do FBI, se infiltrou na
gangue de um dos maiores traficantes de drogas dos Estados Unidos, Joseph
Lucas, e ajudou a destruir nos negócios dele que rendiam milhões de dólares,
com a fabricação, produção e distribuição da droga mais perigosa dos últimos
anos, a Pleasure.
Uma droga usada em mulheres vendidas como objetos para o mundo
todo, principalmente Arábia Saudita e países do Oriente Médio. A composição
da Pleasure aumentava potencialmente a libido feminina, facilitando a rendição
de seus corpos durante os estupros.
Quando Isa foi mandada de volta ao Brasil, meu pai, Nicholas Castro
(Nico), não trabalhava mais no departamento anti-sequestros da Polícia Federal.
Ele e mais quatro amigos criaram a maior empresa de segurança do país,
a N5 Security, enquanto eu havia acabado de passar nos exames que me
gabaritaram a atuar como agente, assim como meu velho.
Nós trabalhamos juntos na operação que culminou na morte de Joseph
Lucas, Samir Abbab, seu filho Zayn e um dos amigos e sócio do meu pai, o
advogado Adrian Velascos, que além de ser apaixonado pela minha avó traiu a
equipe e tentou foder todos eles, apenas para ficar com a mulher que amava
desde que a conheceu no Rio Grande do Sul.
Foi uma grande e fodida confusão, mas no fim, deu tudo certo.
Isabella se transformou na mulher mais importante da minha vida e me
presenteou duas vezes quando deu a luz a nossa filha; primeiro quando trouxe ao
mundo, o meu mundo cor-de-rosa, e depois quando deu a nossa filha o nome em
homenagem ao meu pai e seu avô.
Nichole Gomes Castro cresceu entre agentes, ex-agentes, policiais e ex-
policiais, aos onze anos se apaixonou pelos aviões militares e se dedicou muito
para se tornar uma das melhores pilotas do Brasil. Minha filha era como sua
mãe, mas muito mais ingênua e inexperiente.
Nichole foi criada debaixo das nossas asas sendo excessivamente
orientada, mas raramente exposta ao mundo real. Ela cresceu bem debaixo do
meu nariz, entrou para a aeronáutica e se esforçou muito para se destacar entre
os milhares pilotos de caça do Brasil.
Seu jeito de moleca, sorriso maroto, espírito leve, e sua falsa timidez
retardou a minha aceitação de que a garotinha que me ainda me chamava de
“papai” havia se tornado uma mulher, dificultando demasiadamente o rumo da
minha consciência e, consequentemente, da minha vida.
Quando minha filha completou quinze ou dezesseis anos, nem me lembro
mais, ela conheceu um menino chamado Thomas e juntos tiveram uma pequena
experiência amorosa frustrada. Para Nichole foi um balde de água fria que a
colocou totalmente focada em seus anseios profissionais, e a obrigou a deixar de
lado o assunto “homens”, por um bom tempo.
Até que ele apareceu e mudou tudo.
Minha filha se envolveu com Pedro, um homem mais velho, casado, que
trabalhava de uma forma nada convencional para o melhor amigo, Mateus
Trivisan, ex-traficante e chefe da melhor equipe de agentes fantasmas da
América do Sul, mas não passava nem perto do que eu, Guilherme, pai da
Nichole, considerava o ideal para ela.
Pedro abandonou minha garotinha no quarto de um motel, depois de
contar que a esposa estava grávida e que ele havia decidido ficar com a fulana
para criar o filho. Mas essa não foi a parte ruim da história, claro que não; o
desgraçado fez isso depois de transar com a minha filha como se não fosse nada
de mais.
Aquela noite foi o início do fim.
Eu queria matar o Pedro e só não o fiz, porque meu pai e Isabella me
impediram. Nichole decidiu que iria sair do país e implorou para que eu a
colocasse em um curso para pilotos que seria ministrado por um grupo de ex-
militares norte americanos no Deserto de Mojarve, Califórnia.
Não foi difícil conseguir a vaga para ela, já que o histórico familiar fazia
parte dos principais itens para a admissão dos candidatos a uma posição na
primeira turma, sem contar o currículo dela, que causava inveja na maioria dos
pilotos veteranos.
Nichole era uma profissional com talento nato para pilotar, e aprender a
conduzir o F-22 era um dos seus grandes sonhos, então pensei, “por que não?”
Sem que ninguém soubesse entrei em contato com o responsável pelo
“curso”, peguei todas as informações que foram disponibilizadas e sem
vasculhar como deveria, incentivei minha filha a seguir com aquela ideia.
Nem mesmo o alerta do meu pai me impediu de matricular minha filha
naquele inferno, avisando que minhas investigações não tinham sido profundas,
ou os pedidos chorosos da minha mulher, afirmando que seu pressentimento com
aquela viagem não era bom e que preferia que a filha enfrentasse o problema de
frente. Sem fugir, sem se esconder.
Isabella chorou incontáveis noites depois que Nichole se foi o que tornou
nosso convívio insuportável, pois eu a julgava como uma mulher infantil por não
tolerar a distância da única filha.
Minha esposa afirmava que a nossa garotinha estava sofrendo. Depois de
muita insistência de Isa e sem conseguir dormir por causa do choro contínuo
durante as noites, concordei em fazer uma visita a base clandestina e acabar com
aquela aflição.
Saí de casa com a mala e a passagem aérea nas mãos, prometi que traria
notícias e só voltaria se tivesse certeza de que Nichole estava bem e em
segurança.
O problema foi que eu nunca cheguei àquela base no meio do deserto e
depois de falar com o próprio James Hudson pelo telefone, voltei para casa dois
dias depois e convenci Isabella de que nossa filha estava acima de tudo, feliz.
Quando Nichole apareceu em casa oito meses mais tarde, careca,
machucada e completamente mudada, minha esposa provou mais uma vez, o
quanto poderia ser forte e capaz de se reinventar, prestes a completar quarenta e
dois anos.
Tudo que fiz desde então foi buscar maneiras de consertar o que havia se
quebrado, desde a dignidade da minha filha até a confiança da mulher no nosso
casamento e em mim, seu marido, o homem que deveria ter protegido sua filha
quando teve a chance, mas por orgulho, não fez.
Eu queria estar certo.
Precisava provar que a minha decisão tinha sido a melhor para a nossa
filha e mostrar a todos que ela não precisava de nenhum outro homem em sua
vida para que pudesse ser feliz. Ela tinha seu pai e isso deveria bastar.
Por que minha filha iria sofrer por um cara que não a amou o bastante
para ficar com ela? Não a respeitou? Não a tratou como merecia? Não se
importou com seus sentimentos quando escolheu transar primeiro e contar a
verdade depois? Tirou sua virgindade sem ter a intenção de ficar com ela?
Certo?
Não, aliás, completamente errado, mas... eu também precisava encontrar
alguém que dividisse a culpa comigo, fosse tão responsável quanto eu por tudo
que Nichole passou naquele inferno, carregasse tanto peso na consciência quanto
eu.
Pedro se encaixava perfeitamente no papel de vilão daquela história
criada pela minha imaginação para me isentar da culpa que se negava
veementemente a me deixar em paz, e eu, egoísta e orgulhoso como sempre fui,
fiz questão de atuar no papel que mais amava desde que conheci minha filha, o
de “super pai”.
Aquele que não falha; está sempre presente quando os problemas
aparecem; oferece gratuitamente os melhores conselhos; serve de suporte firme
com seu ombro experiente; e conserta tudo que um dia foi quebrado, inclusive
coraçõezinhos de filhas que se apaixonaram pelo homem errado.
Tudo mentira. Tudo ilusão.
A única coisa que fiz por não ter assumido minha responsabilidade como
pai da Nichole e chefe da minha família, foi afastar as duas mulheres que eu
mais amava e mais importantes da minha vida de mim.
Depois de ter feito tanta merda, decidi resolver os problemas
definitivamente. Pretendia agir sozinho, sem envolver ninguém e quando recebi
informações sobre a chegada de James Hudson ao Rio de Janeiro, me antecipei e
fui ao seu encontro.
Só não sabia que meu pai e Mateus já tinham tudo esquematizado para
pegar o filho da puta que destruiu minha filha, e por não confiarem mais na
minha capacidade de interação, me excluíram do planejamento e da montagem
da equipe.
As coisas saíram novamente do controle, e não só a minha vida como a
da minha filha também, estava nas mãos de James Hudson.
Pela segunda vez em menos de três meses, Pedro iria provar que o amor
que sentia pela minha garotinha era tão grande, chegando a ponto de oferecer sua
própria vida como moeda de troca.
Se eu estava arrependido? Sim, eu estava.
Se eu daria a minha vida pela vida da minha filha? Sim, eu daria.
Mas não sem antes lutar e tentar de todas as formas consertar, não tudo,
não todo mundo... apenas as coisas que eu havia destruído involuntariamente,
inclusive o coração da minha esposa.
CAPÍTULO 31
NICHOLE

“Deus sabe o que faz.”


“As coisas acontecem como devem acontecer.”
“Tudo tem seu tempo.”
“O que é seu está guardado.”
Quem nunca ouviu esse tipo de expressão quando sua vida foi arrebatada
por uma tragédia?
Quem nunca usou esse tipo de jargão para convencer a si mesmo de que
as coisas iriam melhorar depois de passar por uma fase muito difícil?
Quem um dia não se agarrou a frases como essas para seguir em frente
após perder um grande amor?
Quem nunca?
Bom, eu já...
E duvidava que houvesse alguém com menos de quinze anos
sobrevivendo no planeta terra, que ao menos uma vez na vida nunca tivesse feito
o mesmo, afinal de contas, todos nós precisávamos nos agarrar em alguma coisa
para ter esperança.
Todos os seres humanos viviam em busca da felicidade e do que lhes
proporcionasse momentos felizes. Alguns raramente conquistavam pequenos
momentos, outros se satisfaziam com muitos momentos, e uma pequena parcela,
que consideramos como a turma dos “virados para lua”, acumulava incontáveis
momentos de pura felicidade.
Eu certamente seria encaixada no grupo que aprendeu a se contentar com
muitos momentos de felicidade.
Fui feliz durante toda a minha infância e adolescência, recebi amor dos
meus pais e de toda minha família, tive uma vida confortável sem passar
necessidade, estudei nas melhores escolas, ganhei todos os presentes que pedi ao
papai Noel e depois de descobrir que ele não existia, Guilherme não me
decepcionou quando substituiu o bom velhinho me presenteando no Natal, e
principalmente, amei as pessoas que me cercavam. Muito.
Como eu poderia reclamar da minha vida?
Sério mesmo, eu não poderia.
Seria muito injusto com meus pais, meus avós, meus tios de sangue e os
amigos do meu pai que me tratavam como uma filha postiça, e foram
carinhosamente apelidados de “tio” desde que aprendi a falar, meus velhos e
também os novos amigos, e óbvio, com o homem que eu amava
desesperadamente.
Pedro tentava voltar para a minha vida depois de tudo que aconteceu com
a gente e, para minha felicidade, ele estava indo muito bem.
Foi paciente, esforçado, amoroso, sincero e fez tudo que pôde para
provar não só a mim, mas a todos que duvidaram dele, que me amava e estava
disposto há compensar o tempo que ficamos separados, e o sofrimento que
aquela separação nos causou.
Com o tratamento psicológico descobri que para conseguir seguir em
frente, teria que aceitar o que havia acontecido comigo, com meu corpo e com a
minha mente. Aprender a conviver com o passado recente e encontrar a dosagem
ideal para balancear minha vida.
Quando fui resgatada da base clandestina em Mojarve, por Pedro e Laís,
toda minha energia tinha sido sugada, toda minha fé colocada a prova, toda
minha dignidade reduzida a pó.
Não me restava nada, absolutamente nada.
Foi difícil entender minha mente, compreender as novas necessidades do
meu corpo, aceitar que a minha sombra também fazia parte de quem eu
realmente era — embora não representasse com fidelidade o meu verdadeiro EU
—, e admitir que meus sentimentos por Pedro, apesar da distância imposta e da
maldade humana, ainda reinava e predominava em meu coração.
Eu estava chegando lá e finalmente conseguindo, ao lado dele,
alimentando minha alma parcialmente escurecida com o amor que sentíamos um
pelo outro.
Nós estávamos prontos para vencer aquela batalha e seguir em frente,
como um casal. Nos últimos quatro dias tínhamos falado sobre casamento,
paternidade, futuro, e uma velhice juntos, mas infelizmente, tudo que vivemos
naquela casa em Arraial do Cabo, não passou de mais um sonho que ficaria
armazenado em nossas mentes e em nossos corações para serem lembrados nos
dias tristes que estavam por vir.
E fatalmente viriam.
— O que aconteceu Nichole?
Pedro perguntou pela quarta, ou talvez, vigésima vez naquela manhã. Eu
terminava de recolher as roupas espalhadas pelo chão do quarto e jogava tudo
em cima da cama.
Os lençóis ainda amarrotados denunciando a noite de amor intenso que
tivemos sobre eles, embaixo deles, enrolados neles.
— Já disse Pedro, eu preciso voltar ao Rio de Janeiro agora e isso não é
negociável, por favor, não força a barra ok?
— Eu sei o que você me falou porra, mas como não forçar a barra
Nichole? Como você pode me pedir pra te deixar sair daqui sem me contar quem
foi que te ligou? — ele passou as mãos pela cabeça raspada caminhando de um
lado para o outro me distraindo com seu desespero tão visível — Preciso saber o
que aconteceu e o motivo pra você voltar hoje com essa pressa toda. Fala pra
mim, pelo amor de Deus!
— Não posso falar sobre isso agora, Pedro. Só quero que confie em mim
e faça tudo o que eu pedir. — bufei impaciente — Se quiser voltar comigo tudo
bem, senão você pode ficar aqui e voltar amanhã como tinha planejado. Eu
posso pegar um táxi ou um uber, não tem problema.
Pedro se aproximou me obrigando a fechar os olhos e prender a
respiração para não me embriagar com seu cheiro de suor, sexo e... Pedro. O
cheiro que eu tanto amava sentir ao acordar e antes de dormir. O odor que me
acalmava e mantinha minha lucidez em meio ao caos mental.
Eu não podia fraquejar naquela hora e se não fizesse tudo que James
filho da puta Hudson ordenou, meu pai seria morto em poucas horas e ele faria
questão de me enviar um vídeo de presente, para provar que não estava
brincando comigo, quando disse que o mataria da forma mais humilhante de
todas, para um ex-agente.
— Por favor, Hermione, me deixa ajudar você. — suas mãos envolveram
minha cintura por trás, puxando meu corpo de encontro ao seu e enfiou a cabeça
entre o pescoço e o ombro, aspirando meu cheiro do mesmo jeito que eu
desejava tanto fazer com ele — Nós podemos resolver isso juntos, minha
menina. Eu prometi a você que ficaria do teu lado, que te protegeria e te amaria
todos os dias, em todos os momentos, não prometi?
Meus olhos arderam, minhas lágrimas ameaçaram descer, mas eu me
controlei e impedi que Pedro visse a fraqueza e o medo que distorciam imagens
na minha cabeça; produziam dezenas de possibilidades para a morte precoce do
meu pai; e zombavam da minha fé de que um dia, nós dois seríamos finalmente
felizes.
Ele poderia sentir, mas seus olhos jamais enxergariam a minha dor.
Profunda, amarga, cruel. Estava machucando demais ouvir suas súplicas e me
negar a atender todas elas, quando o que eu mais queria era sua força me
apoiando e me direcionando.
Mas não podia, não devia e não iria ceder.
James estava com Guilherme e pretendia matá-lo, se Pedro soubesse a
verdade tentaria impedi-lo e seria pego também.
Tudo que o desgraçado queria, era que eu me entregasse em troca da
libertação de Guilherme, provando que Mateus e meu avô tinham razão quando
afirmaram que ele havia planejado tudo desde o começo para me levar de volta
aos Estados Unidos.
Muitas dúvidas nublavam minha mente, se misturando aos pensamentos
caóticos em busca de alternativas, possíveis rotas de fugas e reais possibilidades
de sobreviver a mais um encontro com o meu algoz, mas fui obrigada a deixá-las
de lado e me concentrar apenas na missão de chegar ao Rio o mais depressa
possível, encontrar uma forma de burlar a segurança reforçada e concluir o
percurso até o encontro inusitado sem me atrasar.
— Por que você não vai ligar pra Julia e saber se ela já foi se internar na
clínica, em vez de ficar aqui enchendo o meu saco? — soltei seus braços sem
encarar seus olhos consciente de que estava agindo como uma vadia — Já falei
que preciso voltar pro Rio e não fica aí pensando que só porque a gente passou
esses dias trancado esse tempo todo, trepando sem parar, eu vou ficar te dando
satisfação de tudo que acontece na minha vida Pedro, porque eu não vou.
Quanto mais rápido eu conseguisse deixar o homem que preenchia o lado
sombrio da minha vida com a sua luz, mais fácil eu chegaria ao meu destino e
poderia enfim, libertar meu pai das garras do homem que em breve, sentiria o
poder da minha ira.
— Eu sei o que você ta tentando fazer Nichole, mas se acha que vou cair
nessa “treta” de amador, pode parar com isso. — ele segurou meu braço com
força e virou meu corpo de frente me obrigando a olhar em seus olhos
acobreados tão lindos e tão entristecidos — Eu vou voltar com você, mas nem
tenta me impedir de te ajudar, porque nada que fizer vai me tirar do teu lado. —
sacudiu meu corpo como se estivesse falando com uma criança de dois anos e
sussurrou no meu ouvido — Lembra o que o Daniel falou? — meus pelos se
arrepiaram, meu corpo tremeu inteiro e o suor escorreu pela minha testa —
Todos nós temos uma sombra que carrega nosso lado mais obscuro, devasso e
imoral, aquele lado que ninguém tem coragem de assumir e que a gente faz de
tudo pra esconder das pessoas; porque ela mostra o que queremos de verdade, e
tudo que somos capazes de fazer quando nos desafiam, ameaçam ou, pior
ainda... ameaçam quem a gente ama. — a voz de Pedro se tornou mais grave,
mais firme e muito mais ameaçadora — Eu sou a tua sombra Hermione, e como
toda sombra, onde você estiver é onde eu vou estar... e não adianta tentar se
esconder, porque eu vou te achar. Não consigo imaginar o que aquele filho da
puta fez ou falou pra te deixar com medo e só por te amar demais eu vou fazer o
que você ta pedindo, mas nem por um segundo deixa essa tua cabecinha linda se
iludir minha menina... eu nunca vou desistir de te encontrar e quando isso
acontecer, aquele desgraçado vai dançar com o capeta. Essa é mais uma
promessa que eu faço pra você, e, vai ser a última...
Pedro saiu do quarto me deixando zonza, arrepiada e suando. Eu não
tinha levado nada para aquela viagem, mas queria deixar pelo menos o quarto
arrumado e sem evidências das nossas atividades sexuais dentro do cômodo.
Encontrei Pedro encostado ao carro, falando no telefone e me perguntei
com quem poderia estar conversando, mas quando cheguei perto, ele se despediu
rapidamente e guardou o aparelho no bolso da calça.
Algumas horas antes, meu telefone vibrou em cima da mesa da cozinha
enquanto a água fervia para que eu pudesse fazer café e Pedro tomava banho no
andar de cima.
O nome do meu pai apareceu na tela e eu sorri ao imaginar que ele
pudesse ter se arrependido tanto quanto eu, pela nossa discussão dias antes.
Atendi com o coração acelerado e disposta a fazer as pazes com ele e
tentar encontrar um jeito para que Guilherme e Pedro convivessem em harmonia.
Eu amava os dois e seria injustiça se precisasse escolher apenas um deles para
fazer parte da minha vida.
Mas quando atendi, o choque do reconhecimento ao ouvir a voz que me
saudou, foi como um banho de água fria em pleno Pólo Norte, no meio do
inverno mais rigoroso dos últimos cinquenta anos.
— Como vai “Baby doll”, sentiu minha falta?
Minha garganta secou imediatamente, meu coração parecia que iria saltar
pela boca e todos os músculos do meu corpo tremeram quando a realidade me
atingiu.
— Cadê meu pai?
A gargalhada de James ainda era a mesma que ele reservava apenas aos
momentos mais agonizantes da minha vida. Ele adorava saber que me deixava
abalada, amedrontada e eu o odiava mais e mais.
— Eu perguntei peimeiro “Baby doll”, responda antes de exigir
respostas.
— Onde ele está, James? Por que você está com o telefone dele?
— Seu pai é um homem muito previsível boneca, e quando o assunto é a
“filhinha querida”, ele se torna um alvo muito fácil.
— O que você quer?
— O que você acha que eu quero, boneca?
Por mais estranho que pudesse parecer, eu não conseguia chorar. As
lágrimas não vieram e a tristeza não me invadiu, não naquele momento. A
conversa com James despertou a raiva, a ira, a indignação, a revolta, mas nada
de medo, de dor, de pânico.
— Me fale o lugar e o horário.
James ficou em silêncio por alguns segundos.
— Ótimo, assim não vou precisar matar ninguém em menos de vinte e
quatro horas no Brasil.
Ele gargalhou novamente, fiquei enjoada. James antecipou sua chegada,
que estava prevista para o dia seguinte e conforme Mateus e meu avô, ele ficaria
ocupado por uns dias e teríamos chance de atraí-lo para a nossa armadilha.
Mais uma vez o norte americano provou que não era um homem com
quem devêssemos brincar, menos ainda subestimar, pois sem que ninguém
imaginasse ele havia se antecipado, e consguiria o que tanto queria muito mais
rápido do que todos imaginavam que fosse conseguir.
Ele queria a mim, e se para salvar meu pai fosse preciso fazermos uma
troca, eu não tinha o que decidir. James levaria a melhor novamente, até que eu
conseguisse me reerguer e matá-lo quando ele menos esperasse.
— Hoje às duas horas em ponto, no poliesportivo Cinderela, no morro do
Teteu. Vem de táxi, sozinha, e desce duas quadras antes. Quero você a pé na
entrada do morro, vai ter uma pessoa te esperando lá embaixo pra te trazer pra
mim. E já sabe, se contar pra alguém ou pedir ajuda pra qualquer um desses
agentes de merda que você conhece, seu papaizinho vai virar “meme” na
internet, quando incendiar dentro dos pneus. — ele gargalhou novamente e pude
ouvir outras pessoas rindo com ele — Ontem à noite uma vadia fura-olho fritou
aqui em cima por ter falado o que não devia, e posso te garantir que não é uma
coisa bonita de se ver, entende o que eu estou dizendo, boneca?
— Preciso ter certeza de que ele ta vivo. — falei secamente me
surpreendendo com a firmeza das minhas palavras — Deixa eu falar com meu
pai.
— Ele está vivo boneca, pode confiar na minha palavra.
Seu tom irônico me irritou.
— Eu nunca vou confiar em você, James. Deixa eu ouvir voz dele.
Um barulho, um chiado, um objeto caindo no chão e então uma porta
sendo aberta.
— Ele está com um pequeno problema na boca por ter se metido com
quem não deveria, mas acho que ainda consegue resmungar alguma coisa... —
James falou sorrindo e meu peito doeu imaginando meu pai machucado de tanto
apanhar dos trogloditas covardes que andavam com ele — Sua filha quer falar
com você Guilherme, é melhor se comportar ou vai fazer companhia pro Billy de
novo. Agora fica em pé e da um “olá” pra ela, anda logo!
Billy? Quem era o Billy?
Um novo capanga? Um novo líder? Ou apenas mais um babaca
deslumbrado pelo poder que eles achavam que tinham?
— PAI! PAI! — gritei desesperada.
— Não Nichole! — ele falou irritado — Não faça o que ele quer! Sai do
Bra...
Ouvi um gemido de dor e o silêncio durou mais tempo do que eu pensei
que pudesse suportar.
— Duas horas “Baby doll”, e nem pense em aprontar alguma coisa.
James encerrou a ligação e logo em seguida uma imagem de Guilherme
caído no chão com o rosto ensangüentado foi enviada ao meu celular. Não havia
mensagem, aviso ou qualquer ordem, mas eu sabia o que significava.
Ele estava me avisando que aquilo seria apenas uma amostra do que faria
com meu pai, caso eu não aparecesse para ficar no lugar dele. James sempre foi
um homem inteligente.
Depois do resgate e o fechamento da base clandestina em Mojarve, ele
certamente tinha se preparado melhor e sua chegada ao Brasil com um dia de
antecedência da data prevista, apenas provava que seus informantes eram muito
mais eficientes do que os que prestavam o mesmo tipo de serviço a Mateus
Trivisan e Nicholas Castro.

***

Pedro estacionou o carro em frente a casa dos meus pais, desligou o


veículo e segurou minha mão com carinho. Depois de quase três horas em total
silêncio, nossos olhos se encontraram e um misto de sentimentos tranbordou sem
vergonha alguma.
Ele sabia o que eu pretendia fazer e sua fértil imaginação trabalhava
incansavelmente a procura de meios possíveis que pudessem frear meus
movimentos, mas não estava encontrando.
A aflição era um dos sentimentos que eu podia enxergar no acobreado do
seu olhar, aliada a impotência e a insegurança. Mas não havia nada que eu
pudesse fazer para tirá-las de lá.
A vida do meu pai dependia da minha decisão e Pedro deveria saber que
para mim, não havia nenhuma possibilidade a não ser, me entregar a James e
salvar a vida dele.
Claro que ele sabia... pois eu sabia que ele faria o mesmo.
Claro que ele sabia...
CAPÍTULO 32

NICHOLE

— Preciso resolver algumas coisas. — Pedro falou olhando em meus


olhos — Mais tarde a gente conversa, se você quiser me contar o que está
acontecendo.
Assenti e sem saber muito bem o que fazer, inclinei meu corpo em
direção ao dele para lhe beijar, mas ele se afastou impedindo que nossos lábios
se tocassem.
— Não Nichole, eu não posso fazer isso...
Recuei envergonhada, compreendendo sua rejeição como um sinal de
rendição. Pedro tinha desistido de lutar por nós, por mim.
— Me desculpe, eu achei que você queria.
— Eu quero beijar você Hermione, mas não como se fosse uma
despedida. Não dessa forma.
Se Pedro soubesse de tudo que estava acontecendo, colocaria sua vida em
perigo também e se alguma coisa acotecesse com ele, eu nunca iria me perdoar.
— Eu te amo Pedro, muito mais do que você imagina e muito mais do
que eu gostaria de amar, mas ainda assim, eu te amo, com todo meu coração e
sempre serei sua. Apenas sua.
— Eu também amo você minha Hermione e como já te falei, sou a tua
sombra e estarei contigo onde estiver.
Abri a porta e desci, fechando-a logo em seguida e assistindo seu carro
sair pela rua desaparecendo logo depois. A casa estava vazia, minha mãe tinha
saído e eu não fazia ideia de onde ela pudesse estar.
Fui ao meu quarto e peguei uma mochila com roupas limpas, meu
passaporte, dinheiro e a minha antiga pistola, que estava guardada no cofre
escondido atrás do quadro pendurado na parede do escritório do meu pai,
coloquei a peruca loira e me olhei no espelho.
A mulher escondida atrás daquele personagem não tinha um plano,
apenas uma missão a cumprir. Libertar seu pai e passar o resto da sua vida
esperando a oportunidade de matar o homem que havia de fato, acabado com a
vida dela.
Saí pela porta dos fundos vinte minutos mais tarde. Olhei para os lados,
garantindo que não estava sendo seguida e caminhei até o estacionamento que
ficava a poucos metros dali. Peguei meu carro e segui para o morro do Teteu.
Pensei e repensei no motivo que tinha incentivado James a me levar ao
lugar que há anos fazia parte da vida de Thor e Piuí, os dois homens que
nasceram e cresceram naquele lugar e transformaram suas vidas quando saíram
de lá, mas não consegui encontrar nada que justificasse sua intenção.
Se James Hudson tivesse a intenção de mostrar seu poder ao chegar no
Rio de Janeiro ou apenas quisesse me impressionar ao sequestrar meu pai, ele
estava se saindo muito bem, pois eu me sentia pequena, sem forças e
estranhamente inútil perante aquela situação.
Após dirigir por quase vinte minutos pelo trânsito carioca, larguei o carro
duas quadras antes da entrada do morro, como fui orientada a fazer. Carregando
apenas a pequena mochila, caminhei dois quarteirões até a primeira rua do Teteu.
Um homem montado em uma moto olhava atento para todos os lados
sem capacete e segurava um telefone celular. Ele estava me esperando, mas não
me reconheceu por causa da peruca. Aproveitei seu deslize e subi sem chamar
muito a atenção.
Minha calça jeans e camiseta branca me deixavam em grau de igualdade
a tantas outras garotas que frequentavam o morro do Teteu. Nada de mais, de
menos ou especial para uma mulher que havia despertado o interesse de um
homem como James Hudson.
Talvez o motoqueiro, responsável pelo meu transporte no morro,
estivesse esperando alguém diferente de mim naquele momento. Não avistou os
cabelos raspados, o olhar abatido e as roupas de grife.
Definitivamente, ele não iria encontrar o que procurava lá embaixo, mas
me daria uma chance de chegar de surpresa e quem sabe, a oportunidade de
surpreender o assassino americano e seus capangas.
Caminhei rapidamente atenta ao horário e na porta do poliesportivo, que
tinha como nome o apelido carinhoso que Lívia recebeu de Pedro quando se
conheceram, parei ofegante me recuperando da subida íngrime.
Não havia homens armados, tampouco as crianças que diariamente
frequentavam o local para realizar as atividades diárias, ou participar dos cursos
e aulas que eram oferecidas. Empurrei a porta de alumínio e entrei.
A quadra estava vazia, assim como todo o espaço externo. Minha arma
na cintura encoberta pela mochila poderia ser útil a qualquer momento e eu
estava mais do que disposta a usá-la novamente.
Atravessei o espaço e cheguei a secretaria. Ninguém. A cada porta aberta
o medo de ter sido enviada para uma armadilha de James aumentava, mas me
convenci de que não tinha escolha.
Meu pai tinha sido capturado, espancado e precisava da minha ajuda para
ser libertado. Finalmente na última porta do corredor lateral, ouvi vozes
masculinas e aparentemente, uma discussão se desenrolava do lado de dentro.
O relógio marcava uma hora e cinquenta e cinco minutos. Não houve
atraso. Respirei profundamente ajeitando minha arma na cintura, segurei a
fechadura e girei abirndo a porta em seguida.
Dois homens discutiam freneticamente e só pararam quando me viram
parada da lado de dentro do que parecia ser uma cozinha.
— Que porra é essa mano? — um deles perguntou apontando para mim
— Quem é essa mina?
O outro encarou meu corpo de cima a baixo, levantou uma sobrancelha e
se aproximou.
— Você é a patricinha que o James quer?
— Onde ele está? — ignorei sua pergunta.
— Porra, tu é gostosa mesmo, mas acho que ele não vai poder te receber
agora.
— Ele mandou eu vir aqui às duas horas pra libertar meu pai. — olhei
para os lados analisando todos os pontos vulneráveis daquele espaço pequeno,
calculando todas as minhas reais chances de matar os dois traficantes e sair dali
com Guilherme — Eu estou aqui e quero que soltem ele.
O idiota gargalhou como uma hiena, seu braço coberto por tatuagens não
me passou despercebido, seus olhos cruéis o diferenciavam do outro que apenas
observava nossa interação pouco cordial.
— Aquele cuzão é teu pai?
— Não sei de que cuzão está falando. — dei de ombros me esforçando
para esconder a ansiedade de estourar seus miolos — É melhor ser mais
específico.
O cara chegou mais perto e o cheiro de machonha se intensificou
impregnado em sua roupa. O olhar de quem não respeitava a vida e se achava
superior aos outros, ficou tão explícito como sexo em filme pornô.
— Não preciso porra nenhuma, tu tem os olhos da mesma cor que ele e é
tão metida quanto a outra que ta lá embaixo.
— Outra? — que merda era aquela e de quem ele estava falando? — Tem
mais de uma pessoa aqui?
— Cala a boca, Sabiá! — o homem que estava mais afastado ordenou
sem alterar a voz — Leva a garota pra lá como o James mandou e deixa que ele
resolva essa merda. Vamos sair daqui antes que descubram que a outra ta aqui.
— Eu quero que se foda quem ela é, Trovão! — o que estava a minha
frente retrucou — To louco pra ver a cara daquele otário quando souber o que
aconteceu aqui.
— Tu não conhece aquele cara e só ta falando isso porque acha que ele
não vai descobrir que a gente tava aqui e viu tudo que aconteceu porra! — o tal
de Trovão estava nervoso, mexia no celular e falava rápido demais, tive a
sensação de já ter ouvido aqueles nomes em algum lugar — Ninguém brinca
com ele Sabiá, to falando sério, leva essa mina lá pra baixo e vamos sair fora
antes que a merda comece a feder, anda!
Com todo cuidado subi a mão até a cintura e segurei minha arma, Sabiá e
seu comparsa, Trovão, discutiam sem perceber que serviriam de cobaias para a
atualização do meu treinamento de tiro ao alvo.
— Quero ver o que ele vai fazer quando o James dominar essa porra
toda! — Sabiá rechaçou — O otário vai ficar fodido quando souber que o morro
dele foi invadido pelo americano!
— Não fala merda e vamos sair fora porra!
Dei um passo para trás e apontei a arma para o que estava mais próximo.
— Vocês deviam ter me levado lá pra baixo. — os dois arregalaram os
olhos quando se deram conta da arma na minha mão e a tranquilidade com que
eu falava com eles — Agora é tarde demais pra me convencer a não acabar com
a raça de vocês.
Meu avô sempre se orgulhou da minha habilidade com suas armas de
fogo e desde cedo me levava para as aulas de tiro junto com meus tios, Lucas e
Amanda, irmãos mais novos do meu pai.
Há meses sem praticar ou sequer segurar uma arma, a tão conhecida
sensação de familiaridade chegou como uma brisa leve e muito bem-vinda em
uma noite de verão. A adrenalina percorreu meu corpo reinstaurando a sensação
que sempre me fez tão bem.
Eu treinei durante anos para atirar com perfeição, me dediquei para ser
uma excelente pilota de avião de caça, sonhei com o dia em que faria parte de
uma operação organizada pelo meu pai e me dei conta, de que era por ele que
estava ali, pronta para matar dois traficantes e resgatar o homem que havia me
ensinado tudo que eu sabia.
— E por acaso sabe mexer nessa porra ai sua vadia?
A pergunta de Sabiá foi o estímulo que eu precisava para provar a eles e a
mim mesma que a antiga Nichole tinha deixado um resquício dela dentro do meu
coração e da minha mente.
— Não sei, vamos ver...
Foi um tiro apenas. Certeiro. Fatal.
Sabiá caiu no chão e Trovão tentou correr, mas não conseguiu ir muito
longe. Disparei duas vezes em suas costas projetando seu corpo a frente, morto.
Corri a procura de alguma porta que me levasse ao andar de baixo e me
deparei com uma de madeira branca nos fundos da cozinha. Uma pequena
escada estreita servia de acesso a um pequeno depósito de alimentos.
— Pai? — chamei ouvindo um chiado que parecia de criança — Pai?
— Nichole? É você?
Uma voz feminina e muito conhecida fez meu coração acelerar. Era dele
que Sabiá e Trovão estavam falando. Merda!
Do último degrau da escada avistei Guilherme caído do mesmo jeito que
estava na imagem que recebi horas antes de James, mas foi a mulher sentada
com os pés amarrados segurando uma criança em seus braços que recebeu toda a
minha atenção.
— O que você está fazendo aqui?
Perguntei me aproximando dela e libertando seus tornozelos da corda
grossa.
— Dois homens me pegaram quando eu estava saindo do pediatra.
— Há quanto tempo?
— Uma hora, eu acho.
— Então ele ainda não sabe que você foi sequestrada?
— Acho que não Nichole, senão esse morro já estaria em guerra.
Ouvimos vozes no andar de cima e fiz um sinal para que ela ficasse em
silêncio, cobri seus tornozelos com a corda e corri para me esconder perto do
corpo desacordado de Guilherme.
Com a arma em punho, me posicionei mirando na escada e por um
segundo achei que estivesse sonhando quando outra mulher apareceu no meu
campo de visão; gritando como uma louca, xingando e ameaçando matar o
assassino do pai do seu filho.
— Pede as imagens das câmeras pro Dudu. — ela gritou chorando — Eu
quero saber quem foi o filho da puta que atirou no meu homem! Eu vou matar o
desgraçado que fez isso!
Julia se aproximou da mulher sentada e deu um tapa no rosto dela.
— Sua vadia! — cuspiu — Nunca mais toca no meu filho! Agora você e
a puta da tua irmã vão pagar por tudo que fizeram comigo durante todos esses
anos!
Eu tinha Julia na minha mira, mas com Pedrinho no colo dela não
poderia arriscar, então não tive escolha e atirei no homem que estava com ela e
apontava uma arma para a loira que continuava sentada. O som do tiro ecoou,
assustando Julia que recuou dois passos gritando como uma verdadeira louca.
— Pega o Pedrinho, Lívia! — gritei me levantando e chegando perto da
morena mentirosa que estava sendo usada como peça daquela armação de James
— Entrega o menino Julia!
— Quem é você? — ela me perguntou com a voz suave — Foi você que
atirou no Rodrigo?
Sem me abalar com sua voz chorosa, dei mais um passo cercando-a
contra a parede.
— Entrega o menino agora e eu não acabo com você aqui mesmo. —
Lívia se levantou e os olhos de Julia fuzilaram a esposa de Mateus, percebendo
que a corda em seus pés estava solta — Eu não estou brincando Julia, você viu
que sei usar a arma e não tenho problema algum em atirar em bandido.
— Quem você pensa que é pra falar comigo desse jeito? — A vaca
posicionou o menino na frente do peito usando-o como escudo — Eu não vou
entregar meu filho pra vadia nenhuma!
— Vou avisar a última vez Julia, entrega o menino pra Lívia e eu não
atiro em você, estou te dando uma chance, é melhor aproveitar.
— Atira logo! Anda! Quero ver se vai ter coragem de machucar o meu
bebê...
— Eu nunca faria uma coisa dessas...
Afirmei, pois era verdade. Apontei a arma para sua perna e apertei o
gatilho, o tiro acertou sua coxa direita e antes de Julia cair sentada no chão, Lívia
segurou Pedrinho abraçando-o e acalmando-o. O menino berrava como se
tivesse um megafone instalado na garganta.
— Sua puta! — Julia gritava tentando conter o sangue que escorria de
sua perna — Olha o que você fez, vadia!
— Se não calar essa boca, eu vou calar pra você!
Ameacei quando nos encaramos pela primeira vez. Eu nunca havia
conhecido a mulher que teve o coração de Pedro nas mãos por tantos anos.
— Vocês não vão conseguir fugir, o James vai fechar o Teteu e quando o
Thor souber que a esposinha está aqui ele vai começar uma guerra. — Julia
olhava para Lívia com ódio — Aí eu quero ver o que o tão poderoso chefão vai
ser capaz de fazer pra tirar você daqui.
— Ele não vai precisar tirar ninguém daqui. — afirmei e as duas
mulheres olharam para mim, uma assustada e a outra debochada — Nós vamos
conseguir sair antes que o James volte.
Virei de costas e me abaixei ao lado do meu pai que ainda estava
desacordado e depois de sacodi-lo e chamar seu nome várias vezes, ele
finalmente abriu os olhos.
— Levanta pai, precisamos sair daqui antes que o James volte.
— Nichole? — Guilherme olhou para os lados e depois para cima
enxergando Lívia em pé com Pedrinho mais calmo em seu colo e Julia sentada
no chão, choramingando com as mãos sobre a coxa — Como você chegou aqui
filha?
Ajudei meu pai a ficar em pé com certa dificuldade. Apesar de não ter
levado nenhum tiro, ele estava gravemente ferido.
— Depois eu te conto tudo, agora vamos sair daqui o mais rápido que
você conseguir.
Antes de subir o primeiro degrau da escada que nos levaria para fora
daquele armazém de alimentos, Julia falou:
— Você não pode me deixar aqui sua vadia!
— Se abrir a boca mais uma vez eu atiro na outra perna. — avisei
ajudando Lívia a subir na frente com o pequeno embrulho azul em seus braços.
— Sua puta, eu vou acabar com vocês quando sair daqui! — respirei
fundo tentando controlar minha irritação, mas a mulher estava disposta a esgotá-
la e continuou falando como uma matraca — Eu vou infernizar a vida do Pedro e
agora que o Rodrigo morreu, vou aceitar a proposta do James e fugir com ele
pros Estados Unidos. Nunca mais vocês vão ver o meu filho. Avisa a puta da
Laís, Lívia, pode avisar, ela e o Pedro não vão ficar juntos! Nunca!
Soltei o braço de Guilherme e voltei a ficar de frente para Julia. Ela
sorria diabolicamente achando que havia ganhado alguma coisa, além do meu
desprezo e da minha vontade de meter uma bala na cabeça dela.
— Eu avisei que se abrisse a boca eu atiraria de novo, não avisei? — ela
abriu e fechou a boca levando as mãos ao rosto para se proteger do tiro, mas
como fiz da primeira vez, atirei na outra perna ouvindo seu grito de dor sair
sufocado da garganta e falei próximo ao ouvido dela — Você não tem mais
pernas então é melhor manter essa boca fechada de agora em diante, se não
quiser que outra parte do seu corpo seja perfurada.
Subimos pela escada e conseguimos chegar a parte descoberta do
poliesportivo Cinderela. Um sinal foi disparado do alto do morro nos forçando a
parar de correr antes de chegarmos ao portão de alumínio.
— É o toque de recolher! — Lívia falou — O Mateus já sabe que estou
aqui e veio me buscar.
— Temos que sair antes que o James volte. — falei avaliando a situação
do meu pai — Se ele nos encontrar aqui, seremos executados em praça pública e
ele vai conseguir o que quer. Atenção!
— A única saída é fugir pelo morro. — Lívia apontou para cima nos
mostrando a área verde por trás do poliesportivo — Podemos correr pela trilha
da encosta e sair do outro lado, no morro do Macaco.
— Não sei se ele aguenta. — apontei para Guilherme que parecia pálido
e fraco demais para se aventurar na mata fechada — Não posso arriscar.
— Claro que eu aguento. Vamos. — meu pai afirmou e se soltou dos
meus braços caminhando sozinho em direção ao morro.
Lívia fez uma careta e abraçou Pedrinho com força contra o seu peito.
Seguimos meu pai pela trilha encoberta por mato, e do alto do morro do Teteu,
vimos o momento exato em que James e mais de vinte homens armados
invadiram o poliesportivo.
Ele estava a minha procura e não descansaria enquanto não me
encontrasse, resumindo; a temporada de caça a Nichole havia acabado de
começar.
Eu precisava arrumar um jeito de colocar Guilherme, Lívia e o pequeno
auto-falante em forma de bebê em segurança para mandá-los para casa.
Depois eu voltaria para acertar todas as minhas contas com James
Hudson, pessoalmente.
Pela última vez.
CAPÍTULO 33

PIUÍ

— Se é uma guerra que ele quer, eu vou realizar o desejo dele.


Thor falou com muita calma, arrumando a arma no coldre, depois de
vestir sua roupa preta da Federal e olhar pela centésima vez o celular.
— Como você sabe que a Cindi ta no Teteu?
— Eu coloquei um rastreador no relógio de pulso dela.
— No relógio? — meu amigo não tinha limites — Achei que tivesse
acacado com esse merda de rastrear todos os passos dela.
— Ainda bem que não estou acostumado a ouvir os conselhos de
ninguém, certo?
— Certíssimo “cu”! — Laís entrou no escritório toda equipada, e com
uma expressão leve em seu rosto — Estamos prontos para sair quando quiser.
Peguei minha pistola e fechei a porta impedindo a passagem de qualquer
pessoa. Minha amiga ruiva revirou os olhos imaginando o que iria acontecer.
— O que ta pegando? — cruzei os braços a frente do corpo esperando
uma resposta, no mínimo, convincente.
— Estamos a caminho do morro do Teteu resgatar minha mulher que foi
sequestrada quando saía do consultório do pediatra hoje na hora do almoço.
Mateus respondeu com os olhos fixos na tela do celular em suas mãos.
— Beleza, essa parte eu já entendi. — dobrei um joelho e apoiei o pé na
porta sabendo que meu amigo ia ficar puto da vida, ele odiava quando eu
“sujava” a madeira — Agora pode me falar por que vocês estão calmos e
sorridentes quando deveriam estar putos e fodidos por causa do filho da puta que
pegou a Cindi, e por que não querem subir o morro pela frente como sempre
fizemos?
— Primeiro porque minha mulher não está mais na comunidade, ela
acabou de entrar na mata fechada, e segundo, porque o James não estará na linha
de frente daquele bando de cuzão, o otário está atrás da tua mulher, que aliás...
— Mateus sorriu debochado — Fez um ótimo trabalho hoje.
Franzi a testa e caminhei até a mesa onde ele estava apoiado.
— Que porra de trabalho tu ta falando?
— A Hermione subiu o morro e foi até o poliesportivo, matou o Sabiá e o
Trovão, soltou a Lívia e o Guilherme e ainda deixou a Julia pra trás com uma
bala em cada perna.
Eu não sabia o que falar, na real nem se eu quisesse não conseguiria falar.
Há menos de duas horas eu tinha deixado a Nichole na casa dos pais e informei
os seguranças que se ela saísse era para me avisar. Como ela saiu sem ser vista
por nenhum daqueles idiotas?
— Ela fez o que?
Mateus pegou o notebook e virou a tela na minha direção. Várias
câmeras espalhadas pelo poliesportivo captaram as imagens da minha menina,
desde a sua chegada até o momento em que os quatro subiram pela encosta do
morro e se enfiaram na mata fechada.
Várias coisas me deixaram irritado, mas o que minha ex-mulher fez com
meu filho e com a Cindi foi o que mais me tirou do sério. Quando encontrasse
minha Hermione lhe agradeceria por ter feito o que fez com Julia.
Nunca senti tanto orgulho da minha menina, como naquele dia, assistindo
sua atuação fria e totalmente profissioal dentro do poliesportivo. Nichole
eliminou dois traficantes envolvidos com James e ainda ajudou três vítimas de
sequestro a escaparem de um possível cativeiro.
— Ele queria as duas lá em cima. — concluí.
— James Hudson é um sádico e pretendia usar a Lívia e a Nichole pra se
livrar de vocês. — Laís simplificou tudo — Com certeza ele armou um pequeno
espetáculo pra se vingar pelo que causamos na base de Mojarve, e de quebra
colocar os moradores do Teteu contra os dois homens mais queridos pela
comunidade.
— Por isso o James usou o Guilherme pra atrair a Nichole.
— Não Piuí, o Guilherme se fodeu porque quis agir sem pedir ajuda. —
meu amigo falou irritado — Ele tentou se antecipar e pegar o James sozinho,
mas não sabia que havia mais homens com ele do que o informante de merda
que o Kaio arrumou no México, falou que haveria. Se ele tivesse esperado e feito
como sempre fez, o Nicholas teria contado tudo que sabíamos e nada disso teria
acontecido.
— Exatamente, foi isso que o James usou pra atrair a Nichole. O filho da
puta já tinha a Lívia e sabia que você iria por ela e eu, iria pelo Pedrinho, mas ele
queria que ELA estivesse lá pra ver a nossa morte. — Mateus assentiu e olhou
mais uma vez para a tela do celular antes de guardá-lo e fechar o notebook —
Então tu vai mandar os homens do Eduardo Garcia pela frente do morro,
enquanto nós subimos pelo outro lado, é isso?
— Sim, mas vamos ter que dar um jeito de atrair o James até nós, só
assim vamos conseguir acabar com ele lá em cima, sem levar o embate para as
ruas. — Mateus colocou os óculos de sol e parou a minha frente acenando com a
cabeça para que a ruiva se juntasse a nós — Essa merda acaba hoje e não me
interessa quem vai matar o filho da puta, a única coisa que me importa é que ele
não saia do Teteu respirando. Entenderam?
Não houve risadas, piadas ou brincadeiras como estávamos acostumados.
Thor continuou:
— O desgraçado pegou a minha mulher, meu afilhado, meu amigo e quer
arrastar outra agente pra lama com ele. É tão idiota que ta achando que eu vou
ficar aqui, sentado e esperando ele decidir o que quer fazer pra contra-atacar. —
Thor trincou os dentes e fiquei feliz em saber que a indiferença aparente estava
dando lugar ao mesmo sentimento que eu nutria desde que soube que três
pessoas que eu amava muito, estavam na mira daquele louco — O que o otário
não sabe é que aquele morro sempre foi meu e mesmo de longe sou eu que
controlo a porra toda. Eu não vou deixar que um traficante de merda, estuprador
fodido e ex-militar assassino invada o Teteu e acabe com tudo que a gente se
esforçou pra construir naquela comunidade por mais de uma década.
Ele puxou uma forte respiração e concluiu:
— Eu quero James Hudson e todos os que estiverem do lado dele mortos.
Sem desculpa, sem culpa e sem remorso. Atirem quantas vezes forem
necessárias, mas não deixem ninguém fugir. Vamos trazer nossa família pra casa.
— ele soltou o ar lentamente e atendeu o telefone que tocava — Hoje eu preciso
de todo mundo na mesa do jantar, sem falta.
— Fechou. — nos cumprimentamos.
— É pra já. — Laís também me cumprimentou e sussurrou no meu
ouvido — Pelo jeito os dias que vocês ficaram trancafiados dentro de casa
serviram pra alguma coisa né?
— Que porra tu ta falando, Drizella?
A ruiva deu uma risadinha, Mateus não se segurou e caiu na gargalhada
com a cunhada.
— Não to falando nada demais Piuí. — passamos pelo corredor onde os
seguranças da casa aguradavam para receber instruções do chefe — Você viu as
imagens? A menina voltou com tudo e não poupou nem a megera filha da puta.
Porra, eu preciso agradecer quando a gente se encontrar e confessar que virei fã
dela depois de hoje.
— E tu acha que os dias que a gente ficou em Arraial do Cabo ajudaram
a minha Hermione a voltar desse jeito?
— Claro seu idiota! — entramos no carro e esperamos Mateus que veio
logo em seguida e se acomodou no banco do passageiro, ao meu lado — Ela só
conseguiu melhorar depois que você voltou pra vida dela, isso é um fato. Se não
tivessem viajado, eu duvido que a Hermione fosse evoluir tão rápido.
Olhei para minha amiga sentada no banco de trás pelo espelho retrovisor,
e me senti muito mais seguro e confiante. Lembrar de Nichole nos primeiros dias
após o resgate, mexia comigo negativamente.
As crises, os pesadelos e todos os sintomas de desordem mental que
Daniel havia mencionado traziam a tona tudo o que havia acontecido com ela.
Mas agora minha menina mostrava que a mulher que eu conheci estava
voltando, aos poucos, timidamente.
— Não sei o que pode acontecer se ela se encontrar com James.
— Sabe sim. — Laís afirmou com os olhos nos meus através do espelho
— Você já viu acontecer uma vez e talvez presencie novamente hoje.
— E se ela não for como você?
Mateus observava o celular, mas eu sabia que estava atento a conversa
paralela que rolava dentro do carro. Laís Antunes agiu como deveria na noite em
que se encontrou com o juiz Enrico Antunes, dentro da cela que ele morava, e
fez o que qualquer mulher que tivesse passado o que ela passou nas mãos
daquele verme, faria se tivesse oportunidade de fazer.
Minha Hermione merecia ter sua chance. Apenas uma. Eu esperava que
ela também pudesse fazer o que minha amiga ruiva fez e colocasse um ponto
final naquele passado de merda que insistia em voltar vez ou outra para reabrir
feridas e rescussitar fantasmas.
— Ela não é como eu Piuí, nem adianta querer comparar. — vi minha
ruiva olhar pela janela e seus olhos brilharam molhados por lágrimas não
derramadas — A Nichole é muito mais forte, além de ter o coração mais
bondoso e generoso que o meu. Se o James vacilar e der uma única chance,
tenho certeza que ela vai saber aproveitar e se ele não der, a gente pode
providenciar uma.
— Quem foi que falou que você não é boa e generosa Drizella? —
perguntei sorrindo — Vai me dizer que o teu cunhado mau humorado ta fazendo
bulling com você?
— Vai se foder Piuí! — a ruiva ficou brava e cruzou os braços.
Thor deu uma risadinha e olhou rapidamente para mim e piscou antes de
falar seriamente:
— O problema não é o coração dela que não é bondoso ou generoso.
— Qual é o problema então? — perguntei dando corda deixando Laís
ainda mais irritada. — Põe na roda que eu quero saber porra!
— O problema da Drizella é que ela não tem coração. A ruiva é de gelo,
to achando que até o Murilo já rodou. Agora só o Joshua amolece o iceberg
vermelho.
— Cala a boca vocês dois, e você Piuí, presta atenção pra onde a gente ta
indo!
— Relaxa Drizella, eu conheço esse lugar como a palma da minha mão.
Vem comigo que não tem erro.
— Você é o erro Piuí.
— Fica brava não ruiva. Pensa pelo lado positivo.
— O único lado positivo nessa merda de resgate é que quando a Lívia
estiver em casa, o imbecil do marido dela vai ficar uns cinco por cento menos
imbecil. Só isso.
— Eles estão indo na direção do barraco que era do Macaco. — Thor
falou interrompendo a brincadeira, seu olhar atento ao sinal do relógio da
esposa, e uma careta enfeitando seu rosto segundos mais tarde — O sinal ta
ficando cada vez mais fraco e se eles continuarem avançando naquela direção,
em menos de dez minutos eu perco tudo.
— A gente pode subir direto, lá pela “cadeinha”. — falei.
— Ainda existe aquela porra? — perguntou surpreso — Achei que o
Macaco tivesse desativado.
— Ele desativou, mas tem alguns caras que ainda usam de vez em
quando.
— Como você sabe? — meu amigo me perguntou desconfiado.
— Porque eu sou amigo dos caras e gosto de ficar bem informado.
— A militar ainda usa aquilo lá em cima? — Thor estava me cercando e
eu não gostava quando ele fazia aquilo — Fala logo porra!
Fiquei em silêncio porque ele me conhecia melhor do que ninguém e
sabia que aquele era o tipo de assunto que não ia rolar, muito menos na frente da
Drizella.
— Tá ligado que não vou te falar porra nenhuma, não ta? — fiquei na
minha esperando que ele ficasse na dele pra gente não ter um problema a menos
de três minutos de onde eu pretendia largar o carro — Quando eu achar
importante tu nem vai ter tempo de me perguntar porque eu vou te contar, fora
isso, deixa quieto e segue o baile.
— Tem policial usando o micro-ondas de novo Piuí, e se eu descobrir
que tu sabia quem foi e não me falou, você vai se foder comigo.
— Tô ligado que tem gente usando de novo, mas na real, não são os
caras do morro. Se fosse, eu já tinha te dado a fita. — encontrei uma vaga e
estacionei o carro — Chegamos. Entrando por aqui em menos de dez minutos a
gente encontra elas.
Saímos do carro e rapidamente subimos por uma pequena ladeira.
Entramos direto no trecho da trilha que nos levaria a “cadeinha”, uma pequena
construção do Macaco, antigo chefe do tráfico e maior rival do Thor, usavada
pra torturar os X9 e todos os membros de morros rivais.
Há alguns anos Thor descobriu que a “cadeinha” também era usada por
policiais corruptos que queriam se livrar de algum problema pessoal, e
conseguiu desativá-la oferecendo em troca alguns benefícios para os moradores.
Resultado, todos ficaram satisfeitos.
Mas havia novos boatos de que alguns policiais da Civil, tinham voltado
a usar o local para apagar rastros dos seus envolvimentos com o tráfico de
drogas, e para piorar tudo, carbonizando os corpos dentro de uma pilha de pneus,
o famoso, micro-ondas.
— Perdi o sinal! — Thor reclamou andando a nossa frente, seguido por
Laís e eu, logo atrás, fazendo a cobertura — Fiquem atentos a qualquer sinal,
daqui a pouco o sol vai começar a descer e vai ficar mais difícil de enxergar.
Continuamos andando evitando fazer barulho para não sermos
identificados. Avistamos o barraco que pertencia ao Mauricio, mais conhecido
como Macaco, ex-chefe do morro e assassino confesso do primeiro marido de
Lívia, o babaca do Marcel, que também foi amante da Laís.
Porra! Eu sempre me esquecia dessa parte...
— Que merda! — a ruiva resmungou baixinho — tanto lugar pra esse
puto se enfiar e ele vem parar logo nessa espelunca?
— O James armou tudo isso, Laís. — Thor afirmou.
— Pára Mateus! — minha amiga desdenhou — Pra que ele ia ter todo
esse trabalho?
Mateus se abaixou atrás de um tronco de árvore grosso e tirou o celular
do bolso desbloqueando a tela.
— Ele não sabe nada sobre o tipo de relação que a minha equipe tem, e
achou que trazendo a gente pra cá podia colocar um contra o outro. — Thor
digitou algumas palavras e voltou a guardar o aparelho — Lá embaixo ta tudo
resolvido, expulsamos os americanos e a notícia da morte do Trovão já se
espalhou.
— Caralho! Quantos faltam pra finalizar a porra toda.
— James e mais quatro. Estão todos aqui em cima, e garantiram que não
vão embora sem a Nichole.
A luz do barraco estava acesa, mas não conseguíamos ouvir o que
falavam do lado de dentro. De repente, um grito de dor ecoou pela mata e por ser
feminino despertou o vulcão adormecido dentro do ex-traficante mais conhecido
do Brasil, que de bonzinho não tinha absolutamente nada.
— É a loira!
Thor não comunicou nada, não pediu ajuda e nem saiu correndo. Ele se
levantou com uma pistola em cada mão e caminhou tranquilamente até a porta
do barraco.
— Porra! Eu odeio quando ele faz isso...
Aquele lugar reavivou lembranças de uma época de nossas vidas em que
tudo que importava para nós era garantir a segurança e o bem estar dos
moradores do Teteu, e diversas vezes, utilizamos meios nada convencionais para
expulsar do morro homens conhecidos por serem criminosos.
Foram traficantes, policiais corruptos, políticos envolvidos com o tráfico
de drogas, de armas, e com o jogo do bicho, estupradores, agiotas, empresários
que queriam abrir casas noturnas na comunidade para usar como ponto de venda
drogas, e até membros de facções criminosas.
Nunca fomos santinhos nem homens que evitavam matar, mas tínhamos
nossas convicções e Thor me mostrou como um líder pode beneficiar uma
comunidade quando proporciona meios para que os moradores possam viver em
condições decentes.
O cara se tornou o exemplo que eu queria seguir e no final de tudo, após
tantos anos de amizade, acabamos de volta ao lugar onde tudo começou, fazendo
as mesmas coisas que fazíamos quando morávamos na comunidade, mas de uma
forma mais organizada e que nos permitia colocar a cabeça no travesseiro à
noite, e dormir com a consciência tranquila.
— Ele vai precisar de ajuda? — Laís perguntou me seguindo enquanto
acompanhávamos as sombras dentro do barraco se movimentarem rapidamente
de um lado para o outro.
— Provavelmente não. Olha lá. — apontei para o interior do barraco e
dei risada sozinho do desespero dos caras grandalhões que vieram ao Brasil
pensando que iriam se dar bem as nossas custas, mas nem imaginavam em que
tipo de problema estavam se metendo — Acho que nunca imaginaram que um
agente da Federal iria bater na porta da frente e pedir licença para resgatar a
própria esposa.
— Vamos pelos fundos? — ela questionou e eu confirmei — Você foca
na Hermione e eu pego o Guilherme, fechou?
— Beleza, mas não vai socar o cara, Drizella. — ela revirou os olhos e eu
sorri ainda mais — Acho que ele já apanhou muito por hoje, mas amanhã ta
liberado.
Nós dois gargalhamos e batemos nossas mãos no ar, nos posicionamos ao
lado da porta e no instante em que ouvimos a voz do Thor anunciando que iria
acabar com todos eles, chutei a porta e invadi o barraco com a ruiva no meu
encalço.
Dois homens apareceram assustados com a nossa presença e com muita
rapidez foram abatidos, Mateus rendeu o gigante que tinha aberto a porta para
ele e o enforcava quando chegamos a sala.
Lívia segurava Pedrinho no colo que dormia tranquilamente fazendo meu
coração bater mais forte ao ve-lo em segurança. Guilherme estava deitado no
chão e parecia desacordado, seu corpo estava gravemente ferido e
ensanguentado.
— Onde ela está porra? — Mateus enforcava o alemão de mais de dois
metros de altura deixando-o sem ar — Pra onde ele levou a garota?
— Cadê a Nichole? — perguntei alterado — Pra onde ela foi caralho?
Gritei procurando pelo barraco que só tinha dois cômodos e um banheiro.
— É o que eu estou tentando descobrir Piuí! — Mateus estava com o
rosto vermelho de tanto esforço que fazia ao imobilizar o gigante que começou a
revirar os olhos e caiu apagado no chão.
Entrei em desespero completo quando percebi que não fazia a menor
ideia do lugar que James pudesse ter levado minha Hermione. O suor escorria
pelo meu corpo, minhas mãos alisavam a cabeça raspada num esforço para
aumentar a concentração e racionalizar como o filho da puta sádico do caralho.
James queria minha menina para mostrar a ela o poder que ele exercia
sobre o seu corpo. Se Nichole cedesse, o desgraçado venceria, mas se ela
conseguisse provar a ele que não sentia mais medo dele, minha menina sairia
vencedora.
— A “cadeinha”!
Achei que tivesse pensado, mas pelo olhar que Mateus e Laís lançaram
na minha direção, tive certeza que falei em voz alta.
— Você pode estar certo, Piuí! — Mateus falou pegando meu menino nos
braços e abraçando sua loira ao mesmo tempo — Lá tem tudo que ele precisa
pra...
— Tô ligado. — interrompi sabendo que meu amigo não iria terminar a
frase — Eu vou atrás dele!
— Calma porra! — Mateus bradou — Eu vou com vocês!
— Não Thor. — falei sério sem me intimidar com o olhar feroz que ele
me lançou — Sério brother, você precisa cuidar da Cindi e do meu garoto, fora o
Guilherme que vai precisar ser levado para o hospital o mais rápido possível.
Mateus Trivisan, meu melhor amigo entre tantas outras coisas, o cara que
sempre me ajudou, o irmão que sempre me apoiou e me incentivou a ser um
homem melhor, estava parado com meu filho em seus braços e sua mulher ao
seu lado, sorrindo como só ela conseguia em meio ao caos, transformando
madrugadas em manhãs de sol.
— Você já fez muito por mim, Thor, ta na hora de eu buscar o que é meu.
Sozinho.
Ele assentiu entendendo e acatando o meu pedido, mas a voz de gralha de
uma certa ruiva atrás de mim, quebrou o clima melancólico de filmes antigos
que estava rolando entre nós, naquele momento.
— Sozinho porra nenhuma! Eu vou com você e nem adianta tentar me
impedir.
Lívia sorriu e correu para abraçar a irmã caçula, Mateus gargalhou pela
primeira vez naquele dia e deu um tapinha no meu ombro.
— Com ela eu não vou me meter Piuí, conheço bem os meus limites, e a
Laís é um limite rígido pra mim.
Beijei me filho quando peguei ele no colo, abraçando seu corpinho
pequenino. Lívia me garantiu que nenhum dos homens fez nenhum mal a ela ou
ao garoto, mas disse que James havia levado Nichole há mais de uma hora e um
dos homens o seguiu para lhe dar cobertura.
— Eu vou atrás dela e pode avisar o Guilherme que a filha dele vai voltar
comigo. — dei um tapinha no ombro de Mateus copiando seu gesto e pisquei
para Lívia dando um sorriso sacana — Então agora o seu marido vai ficar
conhecido como Thor Fodão Grey, Ciderela?
Eles se encararam e voltaram a olhar para mim. Lívia estava com as
bochechas coradas o que comprovou a minha teoria de que os dois também
estavam aderindo as práticas de BDSM, depois de tantas coisas que eu e Laís
havíamos falado.
— Você quer dizer Thor Babacão Grey, né?
A ruiva falou e fodeu tudo. Caímos na risada e enquanto eu ajeitava
minha arma, Laís prendia sua faca na calça e Thor ajudava Guilherme a ficar em
pé.
— Vocês querem parar com isso? — Lívia brigou tentando não sorrir —
Eu nem sei do que vocês estão falando...
Puxei Laís pela mão e depois de dar o último beijo no meu garoto e pedir
a Deus que nos protegesse naquele início de noite, argumentei para que não
houvesse dúvida alguma sobre o assunto que iria render boas piadas.
— E desde quando teu marido fala sobre “limite rígido”, Cindi? Fala
sério... Esse filme está ultrapassado, vou te dar um livro muito melhor pra você
ler.
— Cala boca seu irritante! E eu lá quero ficar lendo sobre essas coisas?
— Depois que tu ler “Amos e Masmorras”, tua vida nunca mais será a
mesma Cindi, sério!
— Vai buscar a Nichole logo Pedro, e para de falar besteira, que mania
você tem de querer me deixar sem graça. — Lívia resmungou tão docemente que
mais parecia um elogio do que uma advertência — Nunca conheci um garoto
tão... tão... petulante!
Mal ela sabia que todas as piadas e distrações, além das brincadeiras e
tiração de sarro; foi a maneira que eu havia encontrado de me acalmar e não ficar
pensando em tudo que poderia acontecer quando encontrasse a minha Hermione.
— Está preparado pra pegar a SUA mulher de volta?
Laís caminhava ao meu lado e a pequena construção no meio do mato já
podia ser vista.
— Acho que me preparei a vida toda pra esse momento.
Respondi com sinceridade, pois entendia que tudo que havia acontecido
na minha vida desde o meu histórico encontro com Lívia Antunes, há mais de
uma década na rua que ficava bem abaixo de onde nós estávamos, no pé do
morro do Macaco, me moldaram, me mudaram e me transformaram no homem
que eu era.
Eu gostei da mudança, busquei por ela e aprendi através dela. Foi
gradativa, generosa e real. Mudei de dentro para fora primeiro, mas a mudança
externa também foi bem-vinda e ajudou na constração do novo homem.
O mesmo que só viveria completo se tivesse sua outra parte, a melhor
parte. A minha Hermione e era por ela que eu iria lutar.
— Se preocupa apenas em tirar ela de lá, pode deixar que eu cuido do
Mané que está do lado de fora, e depois me encontro com você.
— Fechou. Se cuida Drizella e não demora muito.
— Sem pressão Piuí, você já não deixou eu bater no Guilherme e só usei
uma bala em cima do outro troglodita sem cérebro que esvata lá no barraco... to
precisando de um pouco de diversão na minha vida.
— To falando Dri, acerta o cara e corre pra dentro. Não quero você aqui
fora.
— Tudo bem, me dá cinco minutos.
— Beleza.
Nós nos separamos e depois de exatos cinco minutos, eu e Laís Antunes
entramos na antiga “cadeinha”, um lugar sujo, pequeno, fedido e estranhamente
semelhante ao quarto do pânico.
O mesmo quarto usado por James Hudson e seus amigos para esturpar e
violentar mulheres na base aérea clandestina que ficava no deserto de Mojarve,
mas se um dia, alguém tivesse nos contado o que iríamos presenciar quando
entrássemos naquele lugar ermo e perdido no meio do mato...
... nós nunca iríamos acreditar.
Quando eu pensei que não havia mais nada no mundo que pudesse me
surpreender, veio a vida e me mostrou que eu era apenas uma pequena peça,
mais uma no meio de tantas peças que juntas, formavam um enorme quebra-
cabeça.
Aguardando pacientemente que todas as peças ao minha redor se
encontrassem e se encaixassem, para me montar, me dar um propósito de estar
ali, naquele exato momento, naquele lugar, com aquelas pessoas que enfim, me
tornariam inteiro, completo.
Ou simplesmente, me destruiriam para sempre...
CAÍTULO 35
NICHOLE

— Eu odeio esse lugar...


Lívia falou quando entramos em um barraco que estava aparentemente
abandonado no meio do mato. Eu não tinha noção de onde estávamos e se
tivesse que voltar ao poliesportivo sem ajuda, não conseguiria.
— Que barraco é esse?
Meu pai se sentou em um sofá velho e sujo olhando para os lados, ele
estava preocupado e seu silêncio não me agradava.
— Foi aqui que eu reencontrei minha irmã quando ela ainda era... — a
loira que segurava o filho de Pedro ficou pensativa antes de continuar a falar —
Isso não importa mais, mas foi aqui, nesse barraco que vi meu primeiro marido
ser assassinado a sangue frio pelo Macaco, um traficante que queria tomar o
morro do Teteu e matar o Mateus.
Eu me lembrei de ter escutado uma vez Pedro e Laís conversarem sobre
aquela noite, e se não fosse por Mateus, Lívia também teria morrido.
— O passado não importa mesmo, mas não temos para onde ir e
precisamos ficar aqui um pouco, pelo menos até decidir como faremos para
voltar.
— Nichole se posicione atrás da porta dos fundos. — Guilherme ordenou
falando baixo — Eles estão chegando...
Os barulhos do lado de fora ficaram mais nítidos e pudemos ouvir passos
apressados. Lívia se abaixou no canto da sala protegendo Pedrinho em seu colo,
meu pai ficou atrás da porta de entrada e sem discutir, me posicionei onde ele
mandou.
Eu segurava minha arma apontada para a entrada e Guilherme esperava o
momento da invasão quando a voz de James Hudson se sobressaiu a todos os
outros sons.
— “Baby doll”! Posso sentir seu cheiro daqui...
Fechei os olhos com força.
Fica calma Nichole. Fica calma Nichole.
O único pensamento em minha mente me dizia para manter a calma,
pensar no futuro com Pedro e convencer James de que Guilherme, Lívia e Pedro
não eram importantes para ele. Se o desgraçado queria a sua bonequinha para
brincar, que deixasse os três em paz.
Não conseguia ver meu pai de onde eu estava, mas poderia jurar que se
ele pudesse, mataria James sem arma alguma. Guilherme sempre foi um homem
sem muita paciência e criminosos como o americano nunca tiveram chance
contra ele.
De fato, aquele reencontro não tinha razão para acabar bem. Teríamos
que matar se não quiséssemos morrer e dentro da minha cabeça ainda
perturbada, tudo que eu mais queria era acabar com a vida daquele desgraçado.
— Vou entrar “Baby doll”, precisamos conversar e tentar chegar a um
acordo, certo?
Ele estava me testando, o que se tornava um fato novo. Julia foi deixada
para trás, machucada, mas sua língua de lagarta devia ter alertado James sobre os
homens mortos no poliesportivo e me delatado ao homem que estava disposto a
acabar com a minha vida. De um jeito ou de outro.
A porta da frente foi aberta, ou melhor arrombada. O barulho
ensurdecedor e antes que eu pudesse correr e ajudar meu pai contra um homem
que tinha o dobro do tamanho dele, a porta atrás de mim também se abriu e dois
braços fortes me seguraram por trás.
— Nem pense nisso boneca... — James falou próximo ao meu ouvido
tirando a arma da minha mão — Está na hora de decidir o que tem importância
pra você.
— Solta ele! — gritei desesperada quando mais dois homens se juntaram
ao grandalhão e começaram a espancar meu pai, covardemente. — Pára! Solta
ele! Solta! Já chega!
— Implora boneca, eu senti falta de ouvir você implorar...
Minhas lágrimas de tristeza e culpa se misturaram quando escorreram
pelo meu rosto ao ver o homem que havia passado quase duas décadas da sua
vida me amando, me educando e me ensinando a ser uma pessoa melhor.
Eram chutes, socos, pontapés e até cusparadas em cima de Guilherme. O
ódio agregou aos sentimentos revoltados um acréscimo de empenho para que eu
tivesse a chance de matar James Hudson da forma mais cruel que eu encontrasse.
— Por favor, deixa ele em paz!
— Mais um pouquinho boneca. — James zombou — Implora de novo se
quiser que seu pai não acabe como um fodido defunto nesse espelunca.
Meus braços imobilizados eram o alerta de que não havia nada que eu
pudesse fazer para salvar meu pai, a não ser, se implorasse por sua vida. Eu
imploraria quantas vezes fosse necessário.
— Por favor James, por favor, eu imploro deixa ele em paz. Por favor...
— Acho que assim está melhor boneca. — ele falou alto em inglês e
ordenou que os capangas se afastassem do homem caído no chão — Eles não
vão mais tocar no seu pai, se bem que eu não tenho certeza de que ele ainda está
respirando.
James afrouxou o aperto me libertando e permitindo que eu corresse até
Guilherme. Seu rosto estava irreconhecível devido aos machucados e manchas
roxas que apareceram em sua pele.
— Pai... pai... — encostei minha testa na dele depositando um beijo em
sua bochecha e silenciosamente fiz a minha promessa a ele — Eu juro que ele
vai pagar muito caro por isso pai, nem que a minha vida acabe junto com a dele.
— Ora, ora, ora, se não é a esposa do agente responsável pela morte de
todos os meus homens. — James se aproximou de Lívia que o encarava com
uma expressão séria — Essas brasileiras são realmente quentes, talvez seu
marido concorde em fazer um acordo de cavalheiros se souber o que pretendo
fazer com você.
Pedrinho dormia nos braços de Lívia.
— Não James! — fiquei em pé protegendo instintivamente o corpo do
meu pai — Não é ela que você quer e nós dois sabemos disso. Não foi ela que
matou Mase, Marck e Clinton. — os olhos dele se estreitaram quando mencionei
os nomes dos ex-comparsas que foram mortos quando Pedro e Laís me
resgataram — Não foi ela a culpada por sua base clandestina ter sido fechada,
não foi ela que atirou e matou seus homens hoje no poliesportivo. Não foi ela,
James. Fui eu. — caminhei até ele o enfrentando com toda minha fúria — Eu fiz
tudo isso e olha onde você está.
Ofereci um sorriso cínico e debochado. Os olhos azuis brilhantes
estavam excitados com o meu desafio, seu corpo tenso mostrava que ele me
queria e se alegrava quando eu agia daquela forma. Desafiando-o.
— Veio atrás de mim como um cachorrinho abandonado pela dona. —
James fechou as mãos com força tensionando os ombros largos e trincando o
maxilar — Daqui a pouco eles estarão aqui atrás de nós, e se você ficar perdendo
tempo tentando me abalar, vai acabar essa história sem conseguir o que veio
buscar...
Minha voz era baixa e somente James conseguia me ouvir. Não queria
que Lívia soubesse o que eu estava planejando e fizesse alguma besteira para me
impedir.
James ordenou os homens para que ficassem atentos a chegada de
Mateus e Pedro, provocando meu coração saudoso.
— Eu vou levar a garota pra gaiola e quando terminar com ela, pegamos
o avião pra casa.
Um dos homens que estavam com James se aproximou dele com cara de
poucos amigos, mascava um chiclete de boca aberta e me analisava como se eu
fosse uma mercadoria em exposição.
— Você disse que seria fácil tomar o morro desse tal de Mateus, mas não
foi isso que aconteceu. — James segurava meu braço com força e a cada palavra
do albino gigante o aperto se intensificava mais — Estamos sem reforços e
presos no meio do mato a menos de uma hora da noite cair. Por que essa garota é
tão especial? Que tipo de informação ela sabe?
— Já falei que meu assunto com ela não é da conta de vocês.
James me soltou e colou seu corpo a frente do albino, os dois eram do
mesmo tamanho e se encaravam como rivais, mas a ameaça na voz do meu algoz
determinou ao outro que obedecesse, e foi exatamente o que o idiota fez.
— Não temos um plano e não conhecemos esses caras que estão atrás de
nós, se você não estiver de volta em uma hora vamos matar a mulher, a criança,
o coroa e voltar pra casa. — ele cuspiu o chiclete que caiu em cima da bota
militar de James — Sem você.
— Eu estarei de volta antes disso. — meus braços foram presos
novamente — Ela não vai aguentar por muito tempo.
James me empurrou para fora do barraco e antes de sair, olhei para Lívia
por cima do ombro. Seus olhos azuis estavam marejados, e Pedrinho continuava
dormindo tranquilamente. Sorri com sinceridade, pois tinha conseguido o que
queria.
— Você está brincando com fogo “Baby doll” e sabe que vai se queimar.
— James arrancou minha peruca com força quando chegamos ao lado de fora —
Prefiro seu cabelo assim, do jeito que eu deixei.
Passei a mãos o corte em cima da orelha direita que seu antigo
companheiro havia feito com uma garrafa quebrada e lambi os lábios.
— Também prefiro, adoro me lembrar das marcas que todos vocês
deixaram no meu corpo.
— Vou deixar muitas marcas em você essa noite boneca. — sua mão
direita apertou meu seio por cima da blusa branca suja enquando seus dentes
mordiscavam meu lábio inferior com força — Seu corpo nunca mais será o
mesmo depois de hoje boneca, e toda vez que se lembrar do meu pau fodendo a
sua boceta, vai implorar por mais.
Senti o gosto de sangue na minha boca quando James se afastou e
chamou um dos homens para acompanhá-lo. Ele pegou o celular e pressionou
duas teclas que iluminaram a tela e mostraram um ponto vermelho não muito
distante de onde estávamos.
— Acabou a brincadeira boneca, está na hora do show começar.
Caminhamos por dez minutos embranhados na mata. O clima havia
mudado e o calor abafado deu lugar ao frio ameno com direiro a vento gelado e
aves noturnas sobrevoando entre as árvores. Muitos morcegos nos rondavam e
eu odiava aqueles bichos que pareciam ratazanas com asas.
Pela primeira vez em mais de um ano a presença de James Hudson não
me intimidou ou amedrontou. Eu me sentia forte de um jeito estranho e não
sabia explicar como aquele homem que por tanto tempo conseguiu submeter
meu corpo a todas as sensações que desejava, diante daquele cenário horripilante
sequer estimulava minha ansiedade.
— Tenho muitas surpresas preparadas pra você “Baby doll”. — sua mão
grande apertou meu ombro provocando dor — Vou mostrar o que acontece com
quem tenta fugir de mim...
— Eu não tentei fugir de você, James.
Rebati para provocá-lo. O colega dele que nos seguia olhava para todos
os lados apreensivo me fazendo rir.
— Você tentou fugir boneca, mas eu te encontrei de novo.
Meu sorriso não podia ser menos irônico e a provocação estava
funcionando. James era um homem acostumado a controlar, ter poder, mandar e
determinar, nunca ao contrário, e na relação que ele imaginava ter comigo,
minhas reações sempre seguiram o ritmo ditado por ele, sem objeções.
— Não James... você está enganado... eu não tentei fugir de você.
Ele puxou meu braço com força, segurou meu queixo apertando minhas
bochechas e rosnou com o rosto colado ao meu.
— Por que está me contrariando?
— Porque você disse que eu tentei fugir de você e isso não é verdade.
— Claro que é verdade! — bradou furioso.
Olhei em seus olhos desviando lentamente para sua boca, seus dedos
soltaram meu queixo permitindo que minha língua deslizasse entre meus lábios
limpando o sangue que ainda escorria da gengiva machucada minutos atrás.
— Eu não tentei fugir, eu realmente fugi, e estou aqui na minha cidade,
no meu país há mais de três meses longe de você. — aproximei meu corpo sem
encostar nele, registrando cada reação para que pudesse usar cada uma delas
contra ele, quando chegasse a hora certa — Eu fugi de você, mas você não
conseguiu ficar longe de mim, não é mesmo, boneco?
— Você vai me pagar caro, Nichole, e quando eu fizer tudo que pretendo
fazer com esse seu corpinho, vou mendar pequenas lembranças para o bastardo
que estava te comendo na minha ausência.
Ele caminhava mais rápido batendo suas botas com força sobre as folhas
secas espalhadas pela terra. Sua mão segurava meus braços apertando minha
pele e deixando suas marcas.
Daquela vez, eu também queria suas marcas, apenas para me lembrarem
da verdade. James Hudson merecia morrer, lentamente, cruelmente.
Cada vez que o rosto do meu pai serpenteava na minha mente, ferido e
ensanguentado, e a reprise da violência com que os três homens o agrediram,
covardemente, rodava como filme antigo diante dos meus olhos fechados, meu
coração exigia mais sangue e meu corpo exigia mais dor.
Eu o faria sangrar.
Eu o faria implorar por compaixão.
— Está com ciúme?
— Não fala besteira sua vadiazinha de merda!
Gargalhei e esperei, pois sabia o que viria e desejei que viesse. O
primeiro tapa, forte e estalado.
— A vadiazinha que fez você recrutar um monte de mercenários fingindo
estar interessado em montar um negócio no Brasil... você agiu como um
namoradinho rejeitado que estava morrendo de ciúme, boneco...
— Cala essa boca e não me chame desse nome!
— Calma querido... você está muito nervoso hoje.
Paramos em frente a uma casa estranha, e logo percebi que não era uma
residência e sim, algum lugar estranho no meio do mato, em um dos pontos mais
altos do morro do Macaco.
— Você fica aqui fora e se ouvir qualquer coisa, atire pra matar. — James
ordenou me arrastando para dentro e falou depois de abrir a porta de madeira
apodrecida — Não entre de jeito nenhum, a não ser que queira morrer.
Entramos em um corredor escuro cheirando a urina e animal morto.
Escuro e claustrofóbico, muito parecido com o quarto do pânico, o lugar
preferido de James na base. Foi lá que passei a maior parte do tempo enquanto
estive presa naquele lugar.
— Te lembra alguma coisa “Baby doll”?
— Como eu poderia esquecer?
Minha resposta agradou o desgraçado e havia chegado o momento em
que nossas vidas seriam finalmente definidas. Não tinha nenhuma possibilidade
de James Hudson e Nichole Gomes Castro continuarem vivendo no mesmo
mundo.
Um de nós teria que morrer.
— Vamos relembrar os velhos tempos boneca e eu sei que você vai
adorar.
O corpo de James pressionou o meu contra a parede, sua língua invadiu
minha boca enquanto suas mãos beliscavam meus mamilos. Minha cabeça
elaborou um diálogo especialmente peculiar, para que meus membros
entendessem os sentimentos controversos e os impulsos involuntários enviados a
todo o momento pelo meu cérebro.
Naquela noite não haveria conflito entre minha mente e meu corpo. Os
dois desejavam a mesma coisa, lutavam juntos para alcançar o mesmo objetivo e
se aliaram para conquistar o prêmio máximo:
A minha liberdade.
Meus braços envolveram o pescoço de James, minha língua entrou na
dança provocante em sua boca, seduzindo-o, enganando-o. Esfreguei o zíper da
minha calça jeans na ereção pecaminosa que já se exibia no meio das pernas dele
e um rosnado baixo escapou da sua garganta, se igualando a um longo suspiro de
tesão e prazer.
— Porra! — xingou descendo a língua pelo meu pescoço — Eu sabia que
você estava com saudade minha vadiazinha...
Joguei a cabeça para trás facilitando o acesso da sua boca. Minhas mãos
desceram pelo peitoral definido até o abdome riscado sem nenhum vestígio de
gordura corporal. James apertou meu mamilo com uma das mãos e a outra
desceu ao até meu centro molhado.
Olhos acobreados invadiram minha mente quando os dedos de James
brigavam com o zíper da calça jeans. Eu precisava agir mais rápido.
Não permitiria que ele chegasse onde queria, nem estivesse no lugar onde
apenas o homem que eu amava, tinha adquirido o direito exclusivo de estar.
Dentro de mim.
— Por favor, me fode com a garrafa primeiro...
James diminuiu a velocidade e me encarou com um sorriso presunçoso
nos lábios. Ele jamais iria esquecer o dia em que ele e Mase me enlouqueceram
com uma long neck de cerveja.
Eu poderia negar que estava sob pressão, estresse ou dar qualquer
desculpa para me sentir melhor, mas não faria. Foi realmente uma experiência
única e depois daquela vez não houve outra, mas James sempre soube que eles
tinham chegado em um ponto especial do meu corpo.
Um ponto que apenas Pedro foi capaz de atingir sem esforço, me
enlouquecendo, me torturando, e causando explosões consecutivas e
inexplicáveis. Apenas ele tinha o mapa e se não fosse ele, não seria mais
ninguém.
— Vem comigo boneca.
Segurei sua mão com um sorriso malicioso nos lábios. James era um
homem egocêntrico, convencido e arrogante. Sua elevada auto-estima favorecia
seu inimigo, pois ele nunca seria humilde para suspeitar de que uma mulher
como eu, que viver sob seu domínio por um ano, conseguisse se libertar das suas
algemas psicológicas.
Por doze meses fui usada como um brinquedo manipulável e desartável.
Fui ferida, humilhada e gravemente violentada; fisicamente, psicologicamente.
Morri mil vezes assistindo de camarote meu corpo sofrer abusos terríveis, que
marcaram a minha alma.
Quando voltei ao Brasil pela primeira vez não queria mais viver. O único
motivo que me fez seguir respirando foi a vingança. Eu e Guilherme
concordamos em retornar a base para matar todos os homens que me estupraram,
mas nem tudo aconteceu como planejamos e o destino trouxe de volta a minha
vida, o homem predestinado a me salvar.
Pedro me salvou, mas eu ainda precisava me libertar e depois de três
meses desintoxicando meu corpo da droga injetada sem o meu consentimento
pelo homem que caminhava a minha frente, confiante, orgulhoso e perverso, eu
estava finalmente limpa.
— Deita aqui em cima boneca.
Atravessamos uma sala medonha, escura e fedida. Havia duas jaulas
grandes com uma cadeira no centro de cada uma. Apenas uma lâmpada
pendurada por um fio desencapado no centro do teto e uma cama de solteiro
velha, no canto esquerdo, com um colchão rasgado coberto por um lençol branco
e fino.
— Você vai me foder com a garrafa primeiro?
Perguntei manhosa me sentando a beirada da cama, que rangeu com meu
peso.
— Eu vou te foder de todos os jeitos “Baby doll”...
A pistola de James estava presa no coldre, mas eu sabia que ele também
carregava outra arma de menor porte, por baixo da bainha da calça camuflada. A
minha melhor chance seria a arma de cima, mas se meu plano desse errado, eu
teria que arriscar com a de baixo.
— Por favor, senhor, primeiro a garrafa. — acariciei minha boceta por
cima da calça com as pernas abertas me oferencendo sem vergonha a ele —
Posso implorar se quiser...
Como eu previ, James tirou a camisa, as botas e a calça, junto com a
cueca. Ficou nu a minha frente se masturbando com seus olhos azuis brilhantes
como o céu carioca em uma tarde de verão.
— Implora minha puta! — ele se inclinou e com força me bateu na cara
empurrando minha cabeça para o lado esquerdo — Eu quero que você implore
boneca!
Os tapas vieram em sequência, um após o outro totalizando quatro.
Fiquei tonta, minha cabeça começou a doer me impedindo de lutar com ele
quando minha blusa foi rasgada com uma faca que ele havia tirado de algum
lugar da sua calça jogada no chão.
— Você gosta disso não é mesmo? — deitou sobre mim chupando meus
seios esfomeado — Eu vou te dar o que precisa minha putinha...
Sua boca experiente sugava e lambia meus mamilos enrijecidos, arqueei
as costas desligando minha mente enojada pelo ataque repentino. Segurei seus
cabelos negros incentivando-o a continuar para que eu tivesse tempo de pensar e
agir sem que ele percebesse.
— Por favor, meu senhor, mais forte...
Levantei a cabeça para ver onde estava a faca e a arma, optando pela
segunda opção acima da mesa velha.
James desceu a boca pela minha barriga desabotoando o jeans e abrindo
o zíper com facilidade. Puxou minha calça pelas pernas e quando se apoiou nos
calcanhares para retirar minhas botas pretas, empurrei seu corpo com toda força
reunida dentro de mim.
Ele caiu para trás em choque. Levantei e peguei a pistola destravando
habilmente e apontei diretamente para a sua cabeça.
— Agora sim a nossa brincadeira vai começar, boneco...
Ele gargalhou com as sobrancelhas erguidas.
— Acha mesmo que vai me deter, “Baby doll”?
— Não boneco, eu não tenho a menor intenção de deter você. — sem
desviar a arma do meu alvo peguei a faca largada sem cuidado e sorri para ele —
Hoje você vai morrer.
O olhar azulado de James Hudson foi o ator principal de todos os meus
pesadelos. Lindo e sombrio, quase me transformou em uma sombra da mulher
que eu era. Despertou o que existia de pior em mim e por um milagre não me
destruiu.
— O que pretende fazer com essa arma?
Finalmente ele se deu conta do que estava prestes a acontecer e sem
qualquer piedade, atirei em sua barriga musculosa. Ele gritou de dor deixando
que seu corpo se colidisse com o piso sujo de madeira podre.
— Vamos ver se você aguenta a dor tanto quanto eu agüentei, seu filho
da puta!
Enfiei a faca na coxa esquerda. Outro grito desesperado. Olhei para cima
procurando o amigo que o esperava do lado de fora, mas lembrei da ordem direta
de James para que ele não entrasse.
Puxei o cabo da faca e enfiei na outra perna um pouco mais próximo a
virilha. James se estribuchou no chão de dor. Eu não tinha dúvida de que não
podia me aproximar muito sequer baixar a guarda para não ser surpreendida,
mas quando olhei a gaiola que decorava o ambiente macabro, tive a ideia de
faze-lo pagar por todos os crimes que cometeu.
— Levanta! — ordenei com a arma apontada novamente para sua cabeça
— Você tem três segundos pra entrar naquela gaiola, ou eu atiro de novo.
James apoiou os cotovelos no chão averiguando os pontos que jorravam
sangue do seu corpo nu.
— Por que você está fazendo isso “Baby doll”?
Suas distrações não funcionariam mais, nunca mais. Dei de ombros e
sorri mostrando meus dentes.
— Porque eu quero e porque eu posso. — pisquei para ele — Agora
levanta se não quiser levar um tiro no saco, acho que não vai ser muito agradável
pra você, não é mesmo, boneco?
— Eu vou matar você Nichole.
— Eu sei que vai, mas agora quem está com a arma e a faca na mão sou
eu, então se levanta e faz o que mandei ou não vou ser tão boazinha.
James se arrastou até a gaiola e entrou. Seu corpo ensanguentado foi
encoberto de poeira grudenta deixando-o imundo.
— Eu preciso de alguma coisa para estancar esse sangue.
— Que pena boneco. — fechei a gaiola com o cadeado e me afastei —
Você vai ter que implorar, tenho certeza que consegue fazer melhor do que isso...
Ouvi um barulho, mas ignorei. O dano seria irreparável em poucos
minutos e enfim tudo estaria terminado.
O homem a minha frente merecia morrer e eu merecia matá-lo. Nunca
pensei que um dia pudesse inverter nossas posições e fazê-lo sofrer como eu
sofri, como a minha amiga Márcia e todos os pilotos que estiveram naquele
inferno sofreram.
Minhas lágrimas finalmente se libertaram do cárcere e se permitiram
cantar vitória antes de comemorar a morte daquele estuprador e assassino cruel.
Ele tentou se levantar. Estava furioso, mas a palidez da sua pele indicava
que seu corpo começava a sucubir aos ferimentos. A barriga com o furo de bala
sangrava jorrava sangue como uma cascata, suas pernas um pouco flácidas já
não tinham tanta firmeza.
— Por favor, Nichole, me ajude. Eu não quero morrer porra!
— Sabe quantas vezes eu implorei pra você não me estuprar? — gritei
com todo meu ódio — Lembra de todas as vezes que eu implorei pra você não
matar a Márcia?
— Pega logo alguma coisa pra estancar esse sangue, Nichole!
A voz dele estava enfraquecida.
— Implora seu filho da puta! Quer uma toalha? — eu me aproximei da
gaiola — Implora seu desgraçado de merda! Cade o machão agora hein? Cade o
homem que tentou acabar com a minha vida? ESTUPRADOR! ASSASSINO!
A minha voz também começava a falhar. Apoiei as mãos na grade
enferrujada da gaiola deixei que minha cabeça caísse para frente.
— Você vai morrer James e eu vou ficar aqui até a sua última respiração.
— olhei para ele que me encarava fraco e abatido, mas resistente e determinado
— Eu tenho todo o tempo do mundo pra esperar a tua alma te abandonar James,
e só saio daqui quando teu corpo tombar e eu tiver certeza que os urubus vão se
alimentar dele, quando eu for embora e te deixar aqui, sem vida.
— Eu não vou morrer...
— Isso é o que nós vamos ver seu filho da puta!
— Me mata logo sua vadia!
— Não, assim seria fácil demais. A cada segundo que você ficar aí, quero
que se lembre de todas as pessoas que machucou, que estuprou, que matou. Você
vai sofrer por cada uma dessas vítimas e vai se lembrar de quantas vezes elas
imploraram para viver e o que você fez? — meus dentes tricaram reanimando a
raiva contida momentaneamente — O QUE VOCÊ FEZ JAMES?
— Eu... eu... — tentou falar, mas não conseguiu.
— VOCÊ RIU DA CARA DELAS!
— Por favor, Nichole...
— Implora mais James Hudson! — Falei sorrindo e chorando ao mesmo
tempo, minhas mãos tremendo, minha cabeça doendo, meu coração aliviado,
minha consciência indecisa — IMPLORA DESGRAÇADO!
— Por... por... fa-vor...
— Mais alto James, eu não consigo te ouvir porra!
Suas mãos caíram ao longo do corpo, sua cabeça tombou para trás.
Segurei na grade caindo de joelhos no chão. Meu choro foi alto, forte, doloroso.
Quanta confusão de sentimentos ao olhar para aquele homem nu a minha
frente, indefeso, incapaz de se mexer e até mesmo de... respirar.
Uma dor aguda no peito.
Uma sensação de liberdade sem igual.
Um atalho para o exílio que eu tanto busquei.
Os soluços eram altos quando descansei a testa na grade e chorei
expulsando todos os fantasmas de um passado recente da minha alma.
Libertei o fracasso, a impotência e o desânimo, convocando o futuro, a
tolerância e a justiça para se unirem ao meu novo EU.
Não haveria mais a Nichole que partiu com o coração partido, fugindo
para se esconder da dor.
Não haveria mais a Nichole estuprada, abusada, violentada, humilhada
que desejou a morte para fugir da dor.
Mas haveria a Nichole que aprendeu a duras penas que não adiantava
fugir da dor, porque ela sempre a perseguiria e daria um jeito de fazer o trabalho
dela.
Assim também era o amor.
Não adiantava fugir dele, pois ele sempre daria um jeito, reinventaria o
caminho, abriria portas, destruiria barreiras e grandes muralhas até que
finalmente, chegasse ao seu destino.
Não existiria a luz sem a escuridão.
Não existiria o amor sem a dor.
Assim era vida...
Senti braços fortes envolverem meu corpo inativo. O cheiro familiar, o
calor bem-vindo, a voz que me acalmava e inundava meu coração de paz. A
minha tão desejada e esperada paz.
— Peguei você minha Hermione. — senti os lábios carnudos na minha
testa, a respiração agradável — Vamos pra casa agora... acabou!
Deitei minha cabeça no peito forte e protetor. Mantive os olhos fechados
e deixei me levar pelo cansaço.
— Acabou... — sussurrei.
— Acabou Hermione, acabou...
A escuridão chegou e trouxe com ela novos sonhos, novos pesadelos,
mas eu não dormia mais sozinha e todas as noites em que o sono me boicotava,
eu olhava para o lado e via o meu futuro.
Lindo, moreno e com os olhos acobreados mais intensos que eu já tinha
visto. Pedro recebeu o apelido de Piuí por ser um menino de oito, ou nove anos,
apaixonado por trenzinhos.
O menino cresceu, se transformou em um homem e de quebra, mudou a
vida de todas as pessoas ao seu redor.
Pedro Luís da Silva deixou de ser um trenzinho há muito tempo, mas
nunca deixaria de ser o menino apaixonado que sempre foi.
Ele era meu e eu sempre seria dele.
Meu Piuí.
Meu menino.
Meu Pedro.
Meu homem.
CAPÍTULO 36
PIUÍ

“O amor pode mudar um homem, e também pode mudar o mundo.”


Concordo, claro que pode, mas eu não serei leviano e afirmar que é fácil
mudar alguém ou alguma coisa.
Aqui de onde estou sentado, apenas olhando todos em volta de uma
enorme fogueira na praia particular em frente a casa do Nestor, em Angra dos
Reis, esperando a chegada do ano novo, tenho a impressão de que nunca vou me
acostumar a isso.
Os rostos conhecidos, pessoas que entraram na minha vida ao longo dos
anos e nunca mais saíram. Fizemos grandes histórias juntos, crescemos e
chegamos até aqui sem saber onde chegaríamos.
O destino trabalhou arduamente para nos manter unidos, como uma
família.
A minha família.
Mateus está com Lívia em seu colo, os dois estão rindo de alguma coisa
que Rômulo acabou de falar. Provavelmente uma de suas piadas sem graça que
ele conta todos os anos antes da virada.
Laís segura a mão de um pequeno Joshua apreensivo por causa do
barulho que está para chegar daqui a pouco, ele ainda se assusta todas as vezes
que os fogos coloridos pintam o céu. Murilo fala alguma coisa no ouvido da
ruiva que revira os olhos, e sorri discretamente para não perder a fama de mulher
durona.
Nestor e Pietra conversam animadamente com Guilherme e Isabella, que
brincam com Pedrinho sentado no chão. Meu garoto segura um pequeno trem de
plástico que ganhou do avô e se diverte com o barulho a sua volta.
Guilherme mudou muito depois de tudo que aconteceu e como seu pai,
Nicholas, falou: Nunca é tarde para aprender e reparrar erros. O pai de Nichole
tem um histórico exemplar dentro e fora da Coorporação, mas quando a filha foi
afetada, sua cabeça também foi e o cara agiu como um verdadeiro babaca.
Não posso falar muita coisa, pois eu tambám agi, e assim como
Guilherme, tentei compensar minhas falhas, além, de pedir perdão por todos os
meus erros, claro.
As crianças correm de um lado para o outro, incansáveis, e Manuella se
esconde para assustá-los se divertindo mais do que os pequenos terroristas.
No canto mais afastado está João Mateus, observando tudo, quieto,
atento. O garoto é a cara do pai, mas é Malu que ganha a atenção por tagarelar
vinte e cinco horas por dia. Claro que o dia da marrentinha tem uma hora a mais
apenas para caber todas as palavras que saem da sua boquinha nervosa.
Olho para a beira da água e vejo minha menina em seu vestido branco,
seus cabelos estão acima dos ombros e voam discretamente na direção do vento.
Suas mãos estão na barriga que cresce a cada mês e carrega nosso segundo filho,
ou filha, quem sabe?
Eu não quis saber o sexo e minha Hermione curtiu a ideia de
descobrirmos apenas no dia do nascimento. Seus seios fartos andam me servindo
como minha mais nova fonte de divertimento, e sobram dentro da minha mão,
que agradece a fartura.
Deixo a cerveja no chão e caminho até ela, a areia fofa gruda nos pés,
mas a sensação é ótima e relaxa. Estamos de férias coletivas da empresa e nas
próximas duas semanas vamos apenas curtir nossa casa e nossa família.
Nossa grande e barulhenta família.
— Tudo bem?
Abraço sua cintura arredondada e beijo seu pescoço sentindo os pelos do
seu corpo se arrepiarem sob meu toque suave. Minha menina anda sensível
ultimamente, faminta por sexo e muito dorminhoca.
— Tudo, só estou aqui pensando em uma coisa...
Apoio a cabeça no topo da sua cabeça imaginando o que ela vai falar.
Não é que eu não queira conversar sobre aquilo, mas prefiro que o assunto fique
para outra ocasião.
— Podemos deixar para outra hora?
Nichole se vira para me olhar nos olhos. Envolve meu pescoço com os
braços e fica na ponta dos pés para beijar minha boca como apenas ela sabe e
meu pau vibra por baixo da bermuda branca.
— Preciso saber Pedro...
— Eu sei que precisa, mas hoje é um dia especial e falar sobre a Julia não
é uma coisa que combina com essa data. Não acha?
— Você inventa desculpas o tempo todo pra não me contar Pedro.
Ela tem razão, eu faço isso mesmo e se a minha menina não fosse tão
insistente, a morte da mãe do meu filho se tornaria um assunto encerrado para
mim. Da mesmo forma que foi para a polícia.
— Eu sei, mas você está grávida e não consigo ver motivos pra gente
falar sobre isso.
— Só me conta o que aconteceu com ela, é tudo que quero saber.
Abraço Nichole que enfia o rosto no meu peito. Olho para o mar por
cima da cabeça dela e me lembro do corpo de Julia estendido no chão do meu
quarto, quatro dias depois de ter deixado a “cadeinha” com minha Hermione nos
braços, completamente apagada.
Minha primeira esposa conseguiu ajuda e deixou o morro do Teteu antes
de Mateus ordenar que todos os aliados de James Hudson e Trovão fossem
levados a delegacia pelos policiais que trabalharam naquele dia.
Ela foi baleada nas pernas, por Nichole, aliás, o que dificultou sua
remoção e a deixou apavorada por não querer ser atendida no hospital.
A amiga de Julia, Lola, que ainda vivia no morro trabalhando como
gerente da “SÓ VEM”, boate que funcionava como puteiro, a escondeu em um
dos quartos que estava desocupado, mas no dia seguinte, Julia começou a ter
febre alta e se não fosse levada com urgência para receber o atendimento de um
profissional, poderia morrer.
A mãe biológica de Pedrinho resolveu finalizar sua missão de infernizar a
minha vida e convenceu a antiga amiga a levá-la ao meu apartamento. Suas
pernas enfaixadas ainda sangravam e com a gravidade da situação, o imbecil do
porteiro permitiu que ela entrasse no prédio, sem a minha autorização.
Ela subiu e com a chave reserva entrou no apartamento, deitou na minha
cama nua e esperou a minha volta. Péssima decisão, pois eu não tinha planos de
voltar a morar naquele lugar e já havia encontrado uma casa para comprar na
mesma rua que Mateus e Lívia moravam.
Resumindo, quatro dias depois, eu recebi um telefonema do síndico do
prédio informando que meu apartamento estava causando problemas para os
moradores, pois fedia muito. O homem deduziu que eu havia deixado comida
estragada dentro de casa e pediu a minha presença com urgência para resolver o
problema do odor.
Realmente o cheiro era insuportável, mas nada tinha a ver com sobras de
comida e sim, com a mulher que acabou falecendo na minha cama por causa de
uma hemorragia interna, decorrente da permanência indevida dos projéteis que
não haviam sido removidos do seu corpo.
Agora, oito meses depois, minha Hermione ainda insiste em saber o que
aconteceu com a Julia. Respiro fundo e decido acabar com a agonia dela, já que
estamos prestes a iniciar um novo ciclo, talvez seja melhor fazer isso sem
segredos ou assuntos inacabados.
— Tudo bem, mas promete que vamos esquecer isso e deixar o passado,
literalmente, para trás?
Seguro seu queixo com a ponta dos meus dedos e vejo claramente a
promessa fajuta que ela vai fazer, contrariada, como sempre.
— Prometo Pedro, prometo.
Eu dou risada e ela revira os olhos. Relato o que aconteceu desde o início
e revelo que meu nome só foi retirado do caso depois que o porteiro confessou o
que fez e perdeu o emprego.
— Por isso você quis vender o apartamento?
— Eu já queria vender porque tinha comprado a casa, mas depois que
ficou provado que a Julia morreu por falta de atendimento médico, e eu não tive
nada a ver com a morte dela, achei melhor me livrar logo daquele lugar.
— Ela não ia desistir...
— Não, ela não ia desistir mesmo.
Ouvi nossos nomes sendo chamados quando faltava dez minutos para a
meia-noite.
— Está chegando a hora, vamos?
Seguro a mão da minha menina, e volto para areia com ela. Todos estão
felizes e empolgados com o ano que vai começar. E eu também, como todos os
anos naquela data que é um pouco mais especial para mim.
Será um ano importante para nós e queremos aproveitar todas as
oportunidades que tivermos.
A empresa de segurança de Nicholas e Guilherme continua crescendo, e
minha menina voltou a trabalhar com o pai e o avô. Depois da morte de James,
Nichole reiniciou o tratamento com Daniel e fará parte da equipe de
planejamento da N5 até dar a luz ao nosso bebê.
Ela ainda sonha com aquela noite, mas não com tanta frequência como
antes e eu consigo dormir mais tranquilo sabendo que James Hudson não vai
contabilizar mais nenhum sofrimento a ela.
Falar sobre aquela noite e o que presenciei quando encontrei Nichole
seminua, com uma pistola na mão, uma faca na outra, do lado de fora da gaiola
que os homens do Macaco usavam para matar suas vítimas, assistindo o homem
que destruiu parte da sua alma sangrar até a morte, não é fácil para mim.
Tampouco para Laís Antunes.
A ruiva demorou um pouco mais do que eu para absorver, digerir e
segurar a onda sem vacilar com tudo que presenciamos, mais uma vez, juntos.
Eu tentei impedir que minha menina chegasse ao limite, mas minha amiga
interferiu e não dexou eu matar o homem e tirar Nichole dali.
— Ela precisa fazer isso, apenas deixe...
Foi tudo que Laís falou desde que entrou na cadeinha e parou ao meu
lado, depois de matar o amigo de James que estava do lado de fora, até o dia em
que Julia foi encontrada morta no meu apartamento, pelo síndico do prédio.
Quatro dias depois.
Isso mesmo, Drizella passou noventa e seis horas em silêncio total. Não
abriu a boca para nada e só voltou a falar porque foi obrigada por Mateus, e seu
cunhado não lhe deu opção.
Aposto que se ela tivesse que optar, minha ruiva teria ficado quieta por
muito mais tempo. Encontrar Nichole na cadeinha, foi como voltar no tempo e
reviver a noite em que Laís invadiu a cela do pai e liberou sua própria alma da
culpa e da miséria em que se encontrava, após tantos anos de violência física e
psicológica.
Eu vi Nichole se livrar de James e pegar a arma, podia ter interferido,
ajudado, acabado com tudo de uma vez, mas relevei o pedido da ruiva que
também acompanhava o desenrolar de toda aquela merda fodida.
Presenciei tudo, com as duas mulheres que eu amo mais do que a mim
mesmo, e sei o quanto sofreram nas mãos daqueles homens, portanto, eles
mereceram o que tiveram. Mesmo que muitos digam o contrário.
O corpo de James foi encontrado meses mais tarde em estado adiantado
de decomposição, ao contrário dos seus comparsas que foram mortos no barraco,
por nós. Mateus levou a perícia até o local em que agimos, mas ignorou o fato de
Nichole ter sido sequestrada e arrastada ao local que ficará marcado como o da
sua libertação.
Laís Antunes e Nichole Gomes Castro faziam coleção de coisas em
comum e a amizade delas se fortalecia a cada dia que passavam juntas.
— Ainda falta dez minutos e eu preciso falar algumas palavras pra vocês.
Mateus Trivisan, meu melhor amigo e agora, oficialmente cumpadre,
nunca foi um homem de discursos, portanto, se ele pede a palavra a poucos
minutos da virada do ano, todos cedem.
Estamos em volta da fogueira, todos nós. Mateus segura uma garrafa de
cerveja, bebe o último gole e um a um, ele olha identificando as pessoas que o
amam e são amadas por ele. Uns mais, outros menos, como em toda família deve
ser, mas todos nós sabemos que o cara mais mal humorado da terra, sempre, no
que quer que seja, estará nos protegendo.
De tudo, de todos e de nós mesmos.
— Esse ano que passou, nós tivemos muito mais alegrias do que
tristezas, e sei disso porque tem sido assim desde que eu entrei pra essa família
de pessoas estranhas. — Nós sorrimos e vejo Lívia e Laís com os olhos
vermelhos — Há quase quinze anos nossa história começou, e com ela
conseguimos mostrar que o amor sempre vai fazer a diferença no final. É por ele
que nós lutamos, é por ele que nós vivemos, é por ele que sobrevivemos e será
por ele que morreremos. Cada um de nós teve sua parcela de contribuição para
que esse dia chegasse, uns com mais intensidade, outros com mais ação, outros
com mais drama, mas sem dúvida, todos com muito amor.
Aperto a mão da minha menina e a puxo para mais perto de mim. Não
gosto quando ela se afasta. Sério, ela me faz falta o tempo todo e com Pedrinho,
preciso me segurar ainda mais para não monopolizar o garoto em reuniões
familiares como essa.
Meu amigo emotivo continuou a falar:
— Um dia, conheci uma loira gostosa. — todos gargalham e Lívia
reclama — E essa mesma loira, me garantiu que o nosso destino já está traçado e
que, de algum jeito ele vai afastar de nós o que nos faz mal e trazer para perto, o
que é verdadeiramente nosso. Mas também garantiu que cabe a nós decidir se
queremos, ou não, lutarmos e sermos felizes no final. Eu vi de perto a luta de
cada um de vocês e sei que essa família brigou bravamente até o último round,
reverteu batalhas que foram previamente julgadas perdidas, dolorosas e algumas
vezes, insanas. Encerramos a última história da primeira geração de herdeiros
dos Antunes e sei disso porque o destino me mostrou. Nós terminamos onde
começamos e fechamos o primeiro ciclo. O nosso ciclo. — meu amigo me
encara, ergue sua sobrancelha e dá de ombros — Um roubo de carro que acabou
em um sequestro e deu início a uma das maiores histórias de amor e superação
que já existiu; um menino magrelo que não sabia falar, mas sonhava muito e
acreditava que todos os sonhos deveriam ser realizados. Um desses sonhos era
ser o braço direito do chefe do morro, e de um jeito meio torto ele não só
conseguiu como se tornou seu melhor amigo, e ainda é na verdade.
Thor respirou fundo, olhou para o céu e voltou a falar:
— Ele era apaixonado pela menina criada pelo pastor desde pirralho, e
disposto a realizar o segundo sonho, o menino cresceu, estudou, se tornou
advogado, foi amigo, protetor, irmão, melhor amigo e virou pai. Mas só depois
que descobriu o verdadeiro amor, o menino virou homem e conheceu na pele o
significado da palavra “decepção”. O que ele achou que fosse um sonho não
passava de uma ilusão que se transformou em um pesadelo, mas como sempre,
ele não recuou, não desistiu e por amor a mulher da sua vida, o novo homem
mudou e lutou por ela. — um pequeno sorriso orgulhoso aparece no rosto de
Mateus e todos que estão ouvindo sua narrativa se emocionam com suas
lembranças — Depois de anos longe de onde nasceu e cresceu, ele volta ao Teteu
para encerrar uma página da sua história que não tinha sido escrita até o final e
se libertar definitivamente do passado para finalmente, começar uma nova
história; a verdadeira. Aquela que irá contar o quanto ele mudou, não só por
dentro, mas por fora também, e com seu jeito irritante e irreverente, transformou
todas as pequenas histórias dessa família, em grandes histórias.
Mateu abraça sua esposa e ergue uma taça de champanhe para brindar.
— Obrigado Piuí, se não fosse por você, nós nunca teríamos chegado até
aqui... e parabéns pelo seu aniversário!
Todos estão olhando na minha direção e eu realmente não sei onde enfiar
a minha cabeça, a de cima claro, porque se fosse a de baixo minha Hermione já
estaria ajoelhada na minha frente realizando sua tarefa de casa.
Tudo que penso agora é que nada, nada mesmo, é mais importante para
mim do que a minha esposa e meus filhos, e reunido com essa família que me
adotou, sei que realizei os únicos sonhos que tive.
É pouco, mas sempre foi tudo que sonhei e apesar de ter sido uma
batalha difícil, cada minuto valeu a pena apenas para chegar até aqui, sem
arrependimentos, sem remorsos, sem mas...
Porra eu sou feliz pra caralho e se eu tivesse que começar tudo de novo,
não pensaria duas vezes. Nem fodendo!
— Beleza, agora pode parar de me olhar como se eu fosse um bombom
de chocolate e começa a contar essa porra aí porque vou completar trinta e três
anos e esse ano vai ser do caralho! — todos sorriram — Falta quantos minutos
pra contagem regrassiva?
Alguns fogos dispontaram no céu, coloridos e barulhentos. Peguei
Pedrinho no colo quando nos juntamos abraçados em volta da fogueira
aguardando ansiosamente pelo início do novo ano.
Em voz alta contamos os últimos dez segundos de dois mil e dezoito.
Nichole é a primeira a me cumprimentar pelo meu aniversário e com nossos
filhos entre nós, choro pela segunda vez desde que conheci minha Hermione.
A primeira foi quando eu soube que ela tinha ido embora, e a ideia de não
ver minha menina nunca mais arrancou as primeiras lágrimas do meu corpo.
Mas ali com ela em meus braços, meus filhos e todos os meus verdadeiros
amigos, meu choro é de emoção e felicidade.
Agradeço a Deus, também pela primeira vez, em silêncio por tudo que
havia acontecido na minha vida e por tudo que ainda iria acontecer.
Eu sou um cara de sorte, daqueles que nasceram com o cu virado para a
lua, mas fazer o que né? Nasci e cresci na favela, achei que ser um traficante era
o máximo que eu conseguiria fazer, mas o destino tinha muito mais coisas para
me mostrar e me ofereceu novas possibilidades.
Eu escolhi aproveitar cada uma delas e depois que a Cinderela entrou na
minha vida, eu transformei a minha história no meu próprio conto de fadas, com
direito a vários personagens que farão os do Walt Disney morrer de inveja.
Afinal de contas, quem tem a própria Cindi e sua Drizella, um lutador
folgado, um promíscuo de mão de cheia e um super herói que em vez de carregar
um martelo mágico, tem a sua própria arma e com ela, não comanda apenas a
melhor equipe de agente fantasmas, mas continua sendo o dono da porra toda.
É foda, e tenho que admitir; no auge dos meus trinta e três anos que se
iniciam hoje, tenho uma vida inteira pela frente e ainda muita coisa pra ver e
viver.
— Está feliz? — Nichole pergunta quando os fogos explodem no céu
fazendo Pedrinho gargalhar quando o coloco nos meus ombros e caminhamos
em direção ao mar para pular as sete ondas.
— Feliz pra caralho! — respondo segurando sua mão — E quando nossa
menina nascer, vou ficar insuportável de tão feliz.
— Tem certeza que vai ser uma menina?
— Tenho, já sonhei com ela algumas vezes.
Respondo com sinceridade porque é verdade. Eu vi minha filha nos meus
sonhos e ela prometeu que a chegada dela vai mudar as nossas vidas para
sempre, mas minha Hermione não precisa saber disso, pelo menos não ainda.
— hum... eu também sonhei que era uma menina, ela tinha os cabelos
negros lisos, olhos verdes como os meus e a pele morena como a sua. — Nichole
fala emocionada alisando a barriga de quatro meses, e me surpreendendo com a
descrição idêntica a da meninina que apareceu para mim. Estou de queixo caído
e mal consigo respirar. — Mas não foi apenas isso que eu sonhei...
Paro a poucos metros da água e a encaro desconfiado. Olho para minha
esposa e me pergunto se está falando sério ou apenas tirando uma onda com a
minha cara, mas isso não pode ser uma simples coincidência. Será que pode?
Nichole até hoje não sabia sobre os meus sonhos. Não contei a ninguém,
nem mesmo a Laís ou Mateus. Cheguei a pensar que fosse fruto da minha
imaginação, mas agora começo a desconfiar que a menina sorridente e com o
olhar mais doce que já vi, pode mesmo ser minha filha.
— Sério? E o que mais você sonhou?
Minha Hermione sorri de um jeito safado e me puxa em direção a água
salgada atrás de Lívia, Mateus e toda a gangue.
— Acho melhor não falar.
— Que porra é essa mulher? Fala logo...
Nichole gargalha e sinto as mãozinhas de Pedro bagunçando meu cabelo
raspado como se fosse sua massinha de modelar.
— Ela me falou que tinha conversado algumas vezes com o pai dela
antes de me visitar, e que ele sabia de tudo sobre a sua chegada, então... acho que
você está escondendo alguma coisa de mim ou, a garota já anda aprontando
antes mesmo de aparecer por aqui.
A água gelada molha meus pés, mas não me distrai. Se tudo que
acontenceu nos meus sonhos for mesmo verdade, vou ser o homem mais feliz
desse mundo, muito mais do que já sou.
Tiro Pedrinho do meu ombro e o seguro com apenas um braço
prendendo-o junto ao meu peito. Seu sorriso me encanta e meus olhos se enchem
de lágrimas pela segunda vez em menos de dez minutos.
— Você gosta de ficar com o papai, não é mesmo?
Ele balbucia a palavra “papai” e me abraça. Abaixo com ele em frente a
Nichole que nos olha de cima. Seus olhos brilhantes pelas lágrimas iguas as
minhas demonstram o quanto nos amamos e somos gratos pelo que
conquistamos. Sussurro para o meu filho:
— Eu e você somos responsáveis por essas meninas lindas, elas são as
nossas meninas e vamos protege-las de qualquer otário que se aproximar delas.
Não vamos permitir que ninguém machuque nossas garotas e estaremos com
juntos onde quer que elas estejam. Eu e você, meu filho, para sempre. — beijo
seu rosto e peço a Deus que me de sabedoria para educar meu garoto e que ele
seja um homem de sorte, como eu. — Eu te amo filhão.
Eu me levanto e beijo minha Hermione. Estamos chorando e sorrindo ao
mesmo tempo.
— Vamos pular as sete ondas?
— Já estamos aqui, fazer o que?
— Você não acredita que dá sorte pro ano novo?
— Não sei, nunca pulei porra de onda nenhuma e sempre tive uma sorte
do caralho.
— Tomara que aumente a sua sorte então...
Nichole começa a pular as ondas que vêm ao nosso encontro e eu a sigo
exagerando nos pulos para a alegria do pivetinho em meu colo.
— Do jeito que eu tenho sorte, acho que vai ser o melhor ano da minha
vida.
A água chega ao meu joelho e passa um pouco das coxas de Nichole. Ela
me abraça e eu tomo sua boca para mim. Minha língua invade a boca dela
acordando meu pau adormecido.
— Você é mesmo um homem de sorte. Eu te amo, meu Pedro.
Descanso minha testa na dela e beijo sua boca mais uma vez.
— Eu te amo, minha Hermione.
Ficamos ali, parados sentindo a água do mar em nossas pernas e
permitindo que as lágrimas lavassem nossas almas, juntos e abraçados, por
muito tempo. Nós quatro.
A minha família, aquela que eu tanto sonhei e agora eu tenho.
Em silêncio me despeço do ano velho e celebro a chegada do ano novo
ao lado das pessoas mais importantes para mim. Ao meu lado, elas mudaram o
meu destino, ou talvez... o destino malandramente tenha projetado tudo desde o
começo, e como a Cindi sempre fala, eu apenas fiz as escolhas certas.
Não sei ao certo se sou merecedor de tudo que tenho, mas de uma coisa
eu sei; nunca amei tanto em toda a minha vida e quero ser para os meus filhos o
melhor de todos os pais.
Prometo a mim mesmo que eles terão orgulho do homem que me tornei,
mas não vou esconder a minha trajetória. Foi a escuridão que me levou até a luz
e sem ela, não haveria lugar algum que eu quisesse ou pudesse chegar.

O que mais um homem como eu poderia desejar, além de usar a própria


história para mostrar aos filhos que nós sempre teremos o direito de escolher
para onde queremos ir, mas precisamos saber que nossas escolhas virão com
consequências e nada, absolutamente nada no mundo passa impune?
Somos reflexo de nossas ações, responsáveis por nossas decisões e mais
cedo ou mais tarde a vida cobrará a sua dívida.
Para o bem ou para o mal.
Todos nós pagamos o preço e nem sempre, será um preço justo. Eu
aprendi na base de muito sofrimento, mas... aprendi e de todas as minhas
escolhas, Nichole foi a mais perfeita de todas.
Ela era minha, só minha e eu sempre seria dela.
A minha menina.
A minha Hermione
A minha Nichole.
BÔNUS ESPECIAL
LAÍS ANTUNES

Entro correndo no hospital e subo até o quarto andar pelas escadas, não
tenho tempo nem paciência para esperar o elevador com aquele bando de idosos
competindo para saber quem está mais doente. Credo!
Passo por duas enfermeiras que me olham irritadas, mas ignoro porque
não quero arrumar mais confusão com ninguém dessa merda de lugar.
Hoje é o terceiro dia que venho aqui para acompanhar minha amiga na
última consulta antes de ser internada e finalmente liberar a pequena “Moana”
para nos conhecer pessoalmente.
A porta do consultório está fechada a Hermione não está no corredor.
Porra, o médico já chamou minha amiga e agora serei obrigada a
interromper o exame por ter chegado atrasada. Foda-se, ele tem que entender que
eu estava trabalhando e não dormindo.
Bato na porta e espero. Nada.
Bato novamente com mais força dessa vez. Nada.
Caralho, só falta essa menina ter resolvido antecipar seu nascimento em
um dia e foder a vida de todo mundo, inclusive a do pai dela, que está viajando
com Mateus e só volta amanhã, aliás.
— Laís?
Olho para trás e vejo Nichole saindo do banheiro com a sua melancia a
tira-colo. Ela está linda, mas toda vez que vejo a menina caminhar tenho a
impressão de que vai tombar para a frente a qualquer momento. Sua barriga está
imensa e eu duvido que a pequena Moana esteja ocupando todo aquele espaço lá
dentro.
— Você ta bem?
Pergunto me aproximando dela e ofereço minha mão para ajudá-la a se
sentar.
— Estou, mas preciso fazer xixi a cada cinco minutos e isso ta me
deixando puta da vida.
— Cadê o caralho do médico? — olho meu relógio e confirmo que ele
está dez minutos atrasado — Não era nove horas o exame?
Nichole encosta a cabeça nas costas da cadeira de plástico duro e fecha
os olhos respirando profundamente.
— Ele marcou as nove, mas você sabe como são os hospitais, sempre
atrasa.
— Não tinha que ter atraso nenhum caralho! — a expressão de Nichole é
de dor e mais alguma coisa que eu não consigo identificar, cansaço talvez? —
Olha pra você! Tá parecendo um...
Não terminei de falar, a menina doce e meiga me fuzilou com um olhar
que não combinava muito com ela, afinal.
— Não começa a me chamar de mamute e elefante branco da África se
não quiser ficar do lado de fora dessa vez.
— Tudo bem, mas que você não ta com a cara boa, isso não ta mesmo.
— Claro que não estou caramba! — Nichole fala chorosa e eu me
arrependo de não controlar minha língua — Engordei quase vinte quilos, estou
gorda, feia, não consigo dormir e pra piorar o Pedro está viajando há dias
naquela missão com Mateus e todas aquelas policiais femininas que estão em
semana de testes.
Reviro os olhos sem saber muito bem como falar que o idiota do marido
dela não tem olhos para nenhuma mulher, além dela, claro. As policiais que
Nichole está se referindo é um grupo de recrutas que está sendo testado para que
uma delas ocupe uma vaga na equipe que Piuí e eu estamos montando para a N5
Security.
Não posso contar para a Nichole que as meninas só faltam babar em cima
do marido dela e do meu cunhado, mas também nem preciso, porque os dois são
tão caxias, que se percebem os olhares quase pedintes das fêmeas no cio, fingem
que não vêem e não deixam a menor margem para que qualquer mulher, além de
mim, fale com eles com a menor intimidade.
— Deixa de ser boba Hermione, você está linda! — falo a verdade
porque ela realmente está, apesar de andar como um mamute por causa da
barriga de quase dois metros de diâmetro — E até parece que você não conhece
o seu marido, você acha que ele tem olhos pra outra mulher?
— Não sei Laís, olha bem pra mim. — ela pede chorando e vejo a minha
barreira de concreto que me impede de sentir compaixão por mulheres ciumentas
e inseguras ser derrubada — Qual homem consegue se interessar por uma
grávida desse tamanho?
Olhando para a menina ocupando praticamente duas cadeiras, percebo
que está sensível e se sentindo sozinha. Apesar de ter a minha companhia
durante os exames dessa reta final da gestação, sei que Nichole queria que o
marido e pai da filha dela estivesse aqui, mas nem tudo é como queremos e sou
eu que ela tem para hoje.
Portanto vai ter que se contentar e ficar feliz com a minha presença. Ou é
isso ou ela vai ficar aqui choramingando sozinha, porque eu não estou a fim de
ficar ouvindo suas lamentações.
— Nichole, você me conhece e sabe como eu sou.
Ela enxuga o rosto e levanta a cabeça para olhar nos meus olhos, respiro
fundo e decido ser sincera, como se houvesse outra opção para nós duas. Calro
que a menina confia em mim e até que se prove o contrário, nós somos melhores
amigas.
— Se o Piuí não te amasse não ficaria me ligando a cada meia hora para
saber se está tudo bem, se eu estou na sua casa, se você está se alimentando, se
suas cólicas diminuíram, aumentaram ou pararam, se você dormiu bem durante a
noite, se cochilou depois do almoço, se foi a aula de yoga, se saiu para caminhar,
se seu intestino está funcionando, e todas as coisas mais sem sentido e nojentas
que você possa imaginar. — ela sorri, mas não retribuo o sorriso. Quero que ela
entenda que gravidez é apenas uma fase e vai passar. Nichole precisa ser mais
confiante e aproveitar os últimos momentos da sua filha em sua barriga —
Enfim, amanhã essa pentelha que está ocupando grande parte da seu corpo vai
perder a mordomia e se juntará a nós, meros mortais, e você vai poder voltar a
ativa rapidinho, emagrecer e mostrar para todas as piriguetes quem é a esposa do
negão gostoso que fica desfilando pela Sede da PF como se fosse um Deus
grego.
Ela me encara e vejo que não gosta da última frase, mas é a verdade. Piuí
está cada vez mais sarado e agora que foi promovido e cuida de todo o
treinamento de campo da equipe, precisa treinar constantemente o que só
aumenta seus músculos, mas o olhar dela muda e um sorriso sincero aparece em
seu belo e redondo rosto. Nichole está mesmo inchada, mas não me atrevo a
comentar sobre isso.
— Eu sei, você tem razão, mas acho que essa última semana me deixou
um pouco abalada. Foi muita coisa pra assimilar.
— Tudo bem Nick, mas relaxa um pouco e não deixa a insegurança te
transformar em uma louca paranóica. Eu não quero te odiar por causa disso.
— Não vou deixar. — ela segurou minha mão e ficou em pé — E você
nunca vai me odiar.
— Claro que não vou.
Ela me abraça e a porta do consultório se abre. Olhamos para trás e
vemos um homem negro, alto e realmente muito bonito parado se despedindo de
uma mulher que também está grávida, mas tem metade do tamanho da minha
amiga.
Talvez Nichole esteja mesmo muito acima do peso. Será que devo falar
sobre isso com o médico? Penso um pouco e não sei se vai resolver, já que a
pequena Moana vem a mundo amanhã. Posso falar com ele em particular, só
para saber se devo esconder ou jogar fora todas as porcarias que estão nos
armários e na geladeira?
— Como vai Nichole? — o sorriso do médico ao olhar para minha amiga
é impressionante, além de lindo o cara parece ser muito... atencioso. — Você
está ótima! Pode entrar, vamos conversar um pouco sobre o parto antes de
começar o exame está bem?
— Claro doutor Raimundo, obrigada.
Nichole passa por ele e eu a sigo, mas quando chego a porta o médico se
coloca a minha frente e impede a minha passagem.
— Quem é a senhora?
A resposta malcriada está na ponta da língua, mas Nichole responde por
mim.
— Essa é a Laís, a minha amiga Raimundo, ela vai me acompanhar no
exame de hoje.
— Ah sim... — ele sorri e eu quase o perdoo por tentar boicotar a minha
entrada — Muito prazer Laís, seja bem-vinda.
— Obrigada. — Tudo bem, com um sorriso desses e uma mão desse
tamanho segurando a minha, eu posso esquecer tudo. — Não vou atrapalhar.
A conversa entre Nichole e Raimundo deixaria meu amigo puto da vida,
e quando digo puto, quero dizer puto mesmo. O cara é lindo, gostoso e
simpático, mas isso não pode ser considerado pouca merda quando percebo o
interesse dele na minha amiga.
Ele pergunta sobre o pai da criança várias vezes e insiste em descobrir se
Nichole está feliz em seu casamento. Quase dou risada sobre os medos da minha
amiga barriguda, e penso que se o cara visse a futura mamãe em seu uniforme de
trabalho, tenho certeza que enfartaria.
Não resisto e tiro uma foto do médico sorridente ao lado de Nichole e
mando para Piuí com a frase:
Eu: “Vou mudar de ginecologista, quero um desses fazendo meu exame
de toque”.
Envio e aguardo a resposta louca para tirar sarro da cara dele. A resposta
vem logo em seguida e leio rapidamente.
Piuí: “Que porra é essa? Quem é esse otário pau no cu?
Eu: “Esse é o doutor delícia que está acompanhando a sua esposa nas
últimas semanas.”
Piuí: Filma essa porra de exame e avisa que se ele encostar um dedo a
mais do que precisa na minha mulher, eu acabo com a raça dele!”
Raimundo e Nichole continuam conversando animadamente, pelo menos
ela não está mais choramingando. Respondo:
Eu: “Deixa de ser machista, só porque o cara é lindo, gostoso, simpático
e tem os dedos enormes você acha que tem algum problema por aqui? Ele só vai
fazer o ultrassom hoje, relaxa e confia em mim.”
Piuí: “Eu não confio em nenhum macho perto da minha mulher, faz o que
eu falei e para de me provocar. A gente está a mais de quatro horas do Rio e não
tem como adiantar o voo, porra!”
Eu: “Que pena. É melhor eu desligar o celular e me concentrar nas mãos
do médico então... vai que... “
Desligo o aparelho ciente de que quando ligá-lo novamente, terá mais
mensagens e ligaões do Piuí do que do Murilo, meu marido. Aceito a mão de
Nichole que segura a minha quando ela pede para que me eu sente ao seu lado.
O exame é feito, conseguimos ver a pequena se mexendo dentro da
barriga e como previsto, ela está encaixada e prontinha para nascer.
Nichole tem com boa dilatação e tudo indica que a data prevista para o
nascimento esteja correta. Se tudo der certo, minha afilhada estará em meus
braços no dia seguinte e eu mal posso esperar para ver de perto a carinha sem
vergonha da pivetinha.
Levo Nichole para casa e almoço com ela. Vou embora quando ela deita
para descansar e peço a Isabella para me avisar se precisar de alguma coisa. A
mãe de Nichole voltou a trabalhar na empresa do marido, mas durante as tardes
fica com a filha enquanto o marido dela está fora da cidade.
Chego em casa e encontro Murilo sentado a mesa da cozinha segurando
um papel amassado. Ele levanta a cabeça quando me vê e seus olhos estão
vermelhos.
— O que foi?
Ele limpa o rosto e tenta disfarçar a tristeza que eu sei que está sentindo.
Eu me sento ao lado dele e seguro sua mão suada, meu marido está nervoso.
— Hoje eu recebi isso aqui. — Ele se abaixa e pega uma pequena caixa
do chão, coloca em cima da mesa e empurra para mim — Veio junto com essa
carta.
Ela balança o papel no ar e volta a amassá-lo. Pelo jeito ele fez o mesmo
movimento várias vezes, pois o papel parece pronto para ser destruído.
— O que é isso? — abro a caixa e pego uma fita cassete de dentro — O
que tem aqui?
Murilo me olha com suas bolas azuis e sinto meu coração acelerar, algo
dentro de mim me diz que não é coisa boa, mas decido esperar para que ele
confirme meu pressentimento.
— Não vi a gravação, não tive coragem.
Enrugo a testa e odeio a maneira que ele me olha. Parece pena?
— E por que você precisa de coragem para assistir essa merda?
Perunto irritada.
— Porque se o que está escrito aqui for verdade. — ele desamassa
novamente a folha em sua mão — Eu vou assistir a morte do seu pai e não sei se
estou preparado para isso.
Sinto o chão se abrir sob meus pés, a cor deixar meu rosto e todos os
músculos do meu corpo começam a tremer.
— Como é que é? — reajo como sempre, avanço sobre ele e arranco a
folha dele — Do que você está falando porra?
Meus olhos passam pelas poucas linhas ocupadas por uma caligrafia que
não reconheço, mas entendo o aviso sobre o conteúdo da remessa e Murilo está
certo. Pelo que está escrito no papel, a fita contém a filmagem da noite em que o
juiz Enrico Antunes foi morto dentro da cela, no presídio que estava preso, no
Rio de Janeiro.
— Puta merda! — passo as mãos no rosto e penso em quantas outras fitas
podem existir — Preciso descobrir quem mandou essa merda pra você.
Ando de um lado para o outro. Pego a caixa e quando examino o nome
do remetente quase caio para trás. So pode ser uma piada.
“Drizella Antunes”
— Que horas você recebeu?
Pergunto e pego o celular, ligo o aparelho e já estou ligando para o meu
cunhado quando Murilo resolve abrir a boca:
— Foi o meu irmão que me mandou...
Sinto meu corpo paralisar, que merda está acontecendo aqui?
— Teu irmão? Aquele que estava preso e se envolveu com um monte de
agiotas?
— Ele mesmo.
— Por que ele te mandou isso? — levanto a caixa com vontade de matar
um, qualquer um, mas se for o meu cunhadinho do mal, eu ficaria muito mais
feliz. — O que ele quer?
— Não sei. — Murilo se levanta e tenta pegar a caixa, mas eu não
devolvo — Ele me ligou e disse que é um presente para nós, por tudo que
fizemos por ele enquanto esteve preso.
— Só pode ser piada. — Olho para o meu marido e penso nas
possibilidades que tenho — Deixa eu ver seu telefone.
— O que você vai fazer?
— Não sei Murilo, preciso pensar. — menti sabendo exatamente o que
preciso fazer — Deixa eu ver o aparelho, por favor.
Meu marido me entrega e eu ligo para Guilherme. Envio o número do
telefone que o babaca do meu cunhado ligou e peço para que rastreie.
— Preciso de um banho. — aviso e sigo para o banheiro.
— Estou saindo para trabalhar. — ele me abraça por trás e puxa meu
corpo para o seu — Você vai ficar bem?
— Vou tentar...
— Me espera acordada e vamos resolver isso juntos ok?
Penso em tudo e pondero. Posso resolver isso com ele? Meu marido vai
fazer o que tem que ser feito para me livrar do seu irmão futuramente?
Infelizmente não, então sou obrigada a mentir.
— Tudo bem, mas não chega muito tarde.
— Antes da meia-noite estou em casa.
Ele sai, eu ligo para Lívia e peço para que ela pegue Joshua na escola.
Explico rapidamente que preciso resolver um problema e sigo para o escritório
da N5. Encontro Guilherme no corredor com o telefone no ouvido e quando me
franzi a testa e me arrasta para uma sala vazia.
— O que o seu cunhado está armando? — ele mostra a tela de um tablet
com a foto de Luciano Castelli, irmão mais novo de Murilo — E por que ele
ligou pro seu marido de dentro de um bar a menos de quinhentos metros da sua
casa?
— Ele está me seguindo? — não sei se era uma pergunta, mas acabou
parecendo uma.
— Provavelmente. O que está acontecendo Laís? O que esse cara quer
com você?
— Acho que quer me chantagear.
— E o que ele tem contra você?
— Uma fita com as imagens da noite em que o juis Enrico Antunes foi
morto.
Guilherme cruza os braços a frente do corpo e me encara com a testa
enrugada.
— E o que você tem a ver com isso?
Encaro o pai da minha melhor amiga e solto uma respiração profunda.
— Eu tenho tudo a ver com a morte dele.
— Foi você que contratou o cara que matou o velho?
— Não. — olho para Guilherme e sinto a raiva me dominar em vez do
remorso — Eu não contratei ninguém pra matar ele.
— Então qual o problema?
— Eu matei ele com as minhas prórpias mãos.
— Puta merda! Quando é que você vai parar de me surpreender Laís?
— Não sei se consigo.
Ele sorri e vejo seus dentes brancos em seu rosto jovem e bonito.
Guilherme conseguiu se redimir depois de ter feito tanto merda e adotou
Pedrinho como seu neto logo que saiu do hospital, vinte dias depois de ter sido
resgatado do morro e ficou internado se recuperando de todas as lesões que
sofreu.
— Você vai me passar tudo que sabe sobre esse traste e vai voltar pra
casa.
— Não posso Guilherme, esse cara tem que morrer ou não vai parar de
me seguir. O Murilo já está desconfiado e não pretendo mais esconder dele o que
aconteceu naquela noite, mas não vou permitir que esse rato se transforme em
um lobo faminto.
O pai de Nichole segura meus ombros e me olha nos olhos. Estou
nervosa, irritada e muito puta da vida, mas preciso de ajuda e não posso perder a
peciência que me resta.
— Eu vou dar um jeito nele pra você, mas não quero mais seu nome
envolvido nisso. Vá pra casa e espere meu telefonema, quando seu marido
chegar faça o que achar melhor e eu prometo que em menos de doze horas seu
cunhado vai estar fora de circulação.
Penso, penso e continuo pensando.
Posso confiar em Guilherme? Posso. Definitivamente.
Ele tem meios para encontrar Luciano? Facilmente.
Ele consegue eliminar o cara sem deixar rastros? Claro que sim.
— Tem certeza que quer fazer isso?
Pergunto para deixar claro que eu teria prazer em foder o babaca, mas
quando penso no meu marido e no modo como ele iria ficar se soubesse que a
esposa dele matou seu irmão, concordo com Guilherme e decido mater meu
nome longe do idiota.
— Vai ser um prazer poder ajudar você depois de tudo que fez por mim e
pela minha família, Laís.
— Obrigada Guilherme.
— Vá tranquila, eu aviso quando estiver terminado.
Volto para casa e espero Joshua chegar da escola. Dou banho, jantamos e
coloco o pestinha para dormir. Estou agitada e ansiosa. Piuí me enche de
perguntas sobre o médico e depois de me divertir um pouco as suas custas,
marcamos de nos encontrar para tomar café na padaria de sempre.
Perto das onze e meia da noite, meu telefone toca e um número
desconhecido aparece na tela. Atendo rapidamente com o coração acelerado.
— Alo.
Controlo minha voz para não demonstrar o quanto estou descontrolada.
— Sou eu. — reconheço a voz de Guilherme e meu corpo relaxa um
pouco — Está feito. Tudo resolvido, não tem mais nenhuma cópia da fita e todos
os registros foram apagados.
— Não sobrou nada mesmo?
Esfrego a mão na testa enxugando o suor. Sei que Kaio e o novo auxiliar
dele são excelentes no que fazem, mas preciso ter certeza de que não há mais
nenhuma cópia da gravação sobre o que aconteceu naquela noite maldita.
— Apenas o que estiver armazenado na sua memória Laís e esse registro,
infelizmente, ninguém vai conseguir apagar. Sinto muito.
— Obrigada.
— Foi um prazer ajudar.
Levanto, pego a fita e coloco no aparelho de CD, ligo a televisão e sento
para assistir. Se eu fechar os olhos posso me lembrar de cada passo que dei, cada
palavra que ouvi do desgraçado, cada ameaça e cada ofensa. Sinto o cheiro do
perfume importado misturado com o de sexo que impregna a cela escura e
fechada.
Piuí entra atrás de mim segurando uma arma e me garante que estará a
minha espera. Ele deixa que eu entre, e confronte o desgraçado que ainda insistia
em me chamar de filha. Enrico se aproxima com o chicote na mão disposto a me
castigar por ter me envolvido com o bombeiro, fala sobre Deus, sobre a
importância da família e o quanto eu devo ser obediente e grata por tudo que ele
fez por mim.
Quando sua mão pousa no meu queixo e sua boca se aproxima da minha,
pego a faca de dentro da minha bota e perfuro sua barriga velha e flácida. Ele
geme, cai no chão e eu monto sobre ele.
Grito, choro, ofendo e permito que todo o mal cultivado por anos dentro
de mim seja libertado enquanto esfaqueio seu corpo inteiro e me banho do seu
sangue. Depois de não ter mais o que fazer, Piuí me pega no colo, e me leva a
um dos banheiros que Enrico usava com privacidade.
Ele retira minha blusa, coloca uma limpa, pega minha faca e me coloca
sentada em uma cadeira. Piuí limpa a cena do crime e coloca algumas coisas que
estão do lado de fora, dentro da cela. Muda a posição do corpo morto e induz a
polícia a acreditar que o prisioneiro estava com outro homem quando foi
assassinato brutalmente.
Deixamos o presídio sem sermos vistos, graças aos homens de Gian
Carlo que me ajudaram a cumprir a promessa que havia feito a mim mesma, dias
antes de receber o telefonema do juiz exigindo a minha presença em sua cela.
Abro os olhos sentindo meu rosto molhado. A porta se abre e meu marido
entra apressado. Murilo me abraça e me conforta como somente ele sabe e
consegue fazer. Eu amo esse homem.
— Calma querida...
Não respondo, apenas me deixo embalar por sua voz. Ficamos abraçados
e ele me deita em seu colo, fecho os olhos e durmo. Acordo na manhã seguinte e
percebo que estou na minha cama, sozinha.
Desço até a sala e Murilo está de frente para a janela. A televisão ligada,
sem volume me dá a certeza de que ele assistiu o vídeo. Não me aproximo, pois
estou com medo da reação dele.
Espero até que ele note a minha presença e enfim se vire. Nossos olhares
se encontram e tudo que consigo ver é compreensão e muito amor.
Murilo me abraça forte contra o seu peito, beija minha cabeça e sussurra
baixinho em meu ouvido:
— Eu te amo garota, e tenho muito orgulho de você!
Sorrio e fecho os olhos aliviada. Olho para o aparelho e penso no que
devo fazer com aquela fita maldita.
— Eu também te amo bombeiro...
O telefone toca e Piuí me avisa que a pequena Moana está a caminho,
arrumo Joshua enquanto Murilo faz algumas ligações tentando localizar seu
irmão e me sinto um pouco culpada por saber que ele nunca mais irá encontrá-lo.
Mas a culpa é tão pequena que eu logo esqueço dela.
— Vamos ver a filhinha do PiuÍ?
Pergunto a Joshua que me olha sério.
— Ela vai ser bonita, mãe?
— Tenho certeza que vai ser a menina mais linda que você já viu.
— Eu vou poder namorar ela?
Dou risada imaginando a cara do meu amigo quando eu contar sobre os
interesses do meu garoto.
— Claro que vai, vocês serão grandes amigos e se quiserem poderão
namorar também, mas isso só vai acontecer na hora certa, tudo bem?
Joshua fica pensativo e segura meu rosto.
— Como eu vou saber qual é a hora certa, mãe?
Beijo sua bochecha rosada, ajeito o boné na sua cabeça e digo com todo
o amor que carrego em meu coração:
— O destino se encarrega de mostrar, meu filho. Você só tem que fazer
as escolhas certas e tudo vai acabar bem.
— A senhora promete?
Segurei sua mão e o levei ao carro para irmos ao hospital e conhecer a
mais nova integrante da família.
— É claro que eu prometo filho...

FIM
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