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Algumas formas de distúrbio emocional e sua relação com a esquizofrenia

(1942)

Helene Deutsch

Nota: Essa publicação é uma combinação de um texto publicado no


“Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse”, 20:323-335, 1934, sob o título
“Uber einen typus der Pseudoaffektivität (al obs)” e de uma palestra dada em
Chicago, na Sociedade Psicanalítica Americana, 1938. Foi primeiro publicada
no “Psychoanalytic Quarterly”, 11:301-321, 1942.

Nesse texto são apresentadas algumas observações psicanalíticas de


certos tipos de distúrbios emocionais, assim como uma série de relatos de
casos em que as relações emocionais do indivíduo com o mundo externo e
com o seu próprio ego aparecem empobrecidas ou ausentes. Tais distúrbios da
vida emocional tomam várias formas. Por exemplo, existem aqueles
indivíduos que não são conscientes de sua falta de respostas e laços afetivos
normais, mas cujo distúrbio emocional é percebido apenas por aqueles que o
cercam ou é primeiramente detectado no tratamento analítico; mas há também
aqueles que se queixam de seu defeito emocional e são intensamente
perturbados por esse distúrbio em suas experiências interiores. Entre esses
últimos, o distúrbio pode ser transitório e fugaz; pode reocorrer de tempos em
tempos mas apenas ligado a certas situações e experiências específicas; ou
pode persistir e formar um sintoma contínuo e penoso. Além disso, o distúrbio
emocional pode ser percebido como parte da personalidade ou pode ser
projetado no mundo externo. No primeiro caso o paciente diz: “Eu estou
mudado. Não sinto coisa alguma. Tudo me parece irreal”. No outro caso, ele

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se queixa de que o mundo parece estranho, os objetos sombrios e os seres
humanos e até mesmo os acontecimentos parecem teatrais e irreais. Essas
formas de distúrbios em que o próprio indivíduo é consciente de seu defeito e
se queixa dele pertencem ao quadro da “despersonalização”. Esse distúrbio
tem sido descrito por muitos autores. Na literatura psicanalítica o leitor é
especialmente endereçado aos estudos de Oberndorf (1934, 1935), Schilder
(1939), e Bergler e Eidelberg (1935).
Muitas das observações psicanalíticas desse texto tratam de
condições muito próximas à despersonalização, mas diferem dela porque não
são percebidas como distúrbios pelo próprio paciente. A este tipo especial de
personalidade tenho dado o nome de “como se”. Devo enfatizar que este nome
não tem a ver com o sistema de “ficções” de Vaihinger e com a filosofia do
“como se”. A única razão pela qual uso esse rótulo pouco original para o tipo
de pessoa que desejo apresentar é que toda tentativa de compreender o modo
de sentir e a maneira de viver dessas pessoas traz ao observador uma
inevitável impressão de que todas as relações do indivíduo com a vida têm
algo em si que mostra uma falta de autenticidade e ainda assim,
aparentemente, seguem em frente “como se” tudo estivesse bem. Até mesmo o
leigo, mais cedo ou mais tarde, se pergunta depois de encontrar tal paciente
“como se”: o que está errado com ele ou com ela? Superficialmente a pessoa
parece normal. Não há coisa alguma que sugira algum tipo de desordem, o
comportamento não é estranho, as habilidades intelectuais parecem intactas, as
expressões emocionais são bem ordenadas e apropriadas. Mas, apesar de tudo
isso, alguma coisa intangível e indefinível se intromete entre a pessoa e seus
companheiros e invariavelmente faz surgir a questão: “O que está errado?”
Um dos meus pacientes, homem inteligente e experimentado,
encontrou outra dos meus pacientes, uma garota do tipo “como se”, num

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acontecimento social. O paciente gastou parte de sua próxima hora analítica
contando-me como a moça era estimulante, divertida, atraente e interessante,
porém terminou seu louvor dizendo: “Mas há algo errado com ela”. Ele não
sabia explicar bem o que era.
Quando submeti as pinturas da mesma jovem a uma autoridade para
que fizesse uma crítica e uma avaliação, foi-me dito que os desenhos
mostravam muita habilidade e talento, mas havia ainda algo perturbador neles,
que esse crítico atribuiu a uma limitação interna, uma inibição que ele pensava
que devia, com toda certeza, ser removida. Próximo do fim da análise não tão
bem sucedida dessa paciente, ela entrou para a escola desse crítico para
receber mais ensinamentos sobre pintura e, depois de um tempo, recebi um
relato no qual seu professor falava em termos ardorosos sobre seu talento.
Alguns meses mais tarde, recebi um relatório menos entusiástico. Sim, a moça
tinha talento, o professor tinha ficado impressionado com a rapidez com que
ela tinha aprendido sua técnica e seu modo de percepção artística, mas ele
tinha, na verdade, de admitir que havia nela algo que lhe escapava, com que
ele nunca tinha se deparado antes, e terminava com a pergunta de sempre: “O
que há de errado?” Ele acrescentou que a garota foi para outro professor, o
qual usou uma abordagem técnica bem diferente, e que ela se orientou nas
novas técnica e teoria com impressionante facilidade e rapidez.
A primeira impressão que essas pessoas provocam é de completa
normalidade. Elas são intelectualmente preservadas, bem dotadas e
compreendem bem os problemas intelectuais e emocionais; mas quando
perseguem seus freqüentes impulsos para o trabalho criativo, elas constroem,
na forma, um bom trabalho, mas ele é sempre uma espasmódica repetição,
embora hábil, de um protótipo sem o menor traço de originalidade. Numa
observação mais próxima, o mesmo acontece nas suas relações afetivas com o

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ambiente. Essas relações são, em geral, intensas e beiram todos os sinais de
amizade, amor, simpatia e compreensão; mas mesmo o leigo percebe logo
alguma coisa estranha e levanta a questão que não pode responder. Para o
analista fica logo claro que todas essas relações são destituídas de qualquer
traço de calor, todas as expressões de emoção são formais e toda a experiência
interna é completamente excluída. É igual à atuação de um ator que é
tecnicamente bem treinado, mas a quem falta a centelha necessária para fazer
uma interpretação verdadeira da vida.
Assim, a característica essencial da pessoa que desejo descrever é
que aparentemente ela conduz sua vida como se possuísse capacidade
emocional completa e sensível. Para ela não há diferença entre sua forma
vazia e aquilo que outras pessoas, na verdade, experimentam. Sem ir fundo
nessa matéria, desejo, nesse ponto, afirmar que essa condição não é idêntica à
frieza de indivíduos reprimidos nos quais há, comumente, uma vida emocional
altamente diferenciada, escondida atrás de um muro, sendo que a perda de
afeto é manifesta ou disfarçada pelas sobre-compensações. Num caso, há uma
fuga da realidade ou uma defesa contra a realização de impulsos instintivos
proibidos; no outro caso, uma busca da realidade externa, num esforço de
evitar uma fantasia carregada de ansiedade. A psicanálise mostra que no
indivíduo “como se” não há mais um ato de recalcamento, mas uma perda real
da catexia objetal. A relação aparentemente normal com o mundo corresponde
à capacidade imitativa da criança e é a expressão da identificação com o
ambiente, um arremedo que resulta numa adaptação ostensivamente boa com
o mundo de realidade, apesar da ausência da catexia objetal.
Uma atitude completamente passiva face ao ambiente, com uma
prontidão altamente flexível para assimilar os sinais do mundo externo e
moldar-se de acordo com o comportamento de outra pessoa são as

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conseqüências posteriores de uma tal relação com a vida. A identificação com
o que outras pessoas estão pensando e sentindo é a expressão dessa
plasticidade passiva e torna a pessoa capaz da maior fidelidade e da mais
básica falsidade. Qualquer objeto serve como uma ponte para identificação. A
princípio o amor, a amizade e o apego de uma pessoa “como se” tem algo
gratificante para o parceiro. Se essa pessoa é uma mulher, ela parece ser a
quintessência da devoção feminina, uma impressão que é particularmente
transmitida pela sua passividade e presteza na identificação. Logo, no entanto,
a falta de entusiasmo real traz um tal vazio e uma tal monotonia à atmosfera
emocional que o homem, quase como uma regra, precipitadamente rompe o
relacionamento. Apesar da adesividade que a pessoa “como se” traz para todos
os relacionamentos, quando o homem é então abandonado, ela mostra um
afluxo de reações afetivas que são “como se” e portanto espúrias, ou uma
franca ausência de afetividade. Na primeira oportunidade o objeto anterior é
trocado por um novo e o processo se repete.
O mesmo vazio e a mesma falta de individualidade que são tão
evidentes na vida emocional aparecem também na estrutura moral.
Completamente sem caráter, inteiramente sem princípios, no sentido literal do
termo, a moralidade das pessoas “como se”, seus ideais, suas convicções são
simplesmente reflexos de uma outra pessoa, boa ou má. Ao se ligarem com
grande facilidade aos grupos social, ético e religioso, elas procuram, aderindo
ao grupo, dar conteúdo e realidade ao seu vazio interior e estabelecer a
validade de sua experiência pela identificação. A aderência super-entusiástica
a uma filosofia pode ser rápida e completamente substituída por uma outra até
mesmo contraditória, sem o menor traço de transformação interior –
simplesmente como um resultado de algum reagrupamento acidental do
círculo de conhecidos ou qualquer outra coisa.

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Uma segunda característica de tais pacientes é a sugestionabilidade,
bastante compreensível do que já foi dito até aqui. Assim como a capacidade
de identificação, a sugestionabilidade, também, não é igual àquela da histérica,
para quem a catexia objetal é uma condição necessária; na pessoa “como se” a
sugestionabilidade deve ser atribuída à passividade e a uma identificação do
tipo autômato. Muitos atos criminais iniciais, atribuídos a uma sujeição
erótica, são, ao contrário, devidos a uma presteza passiva de ser influenciado.
Uma outra característica da personalidade “como se” é que as
tendências agressivas são quase completamente mascaradas pela passividade,
emprestando um ar de bondade negativa, ou suave amabilidade que, no
entanto, é prontamente convertida em maldade.
Uma dessas pacientes, uma mulher, a filha única de uma das mais
antigas famílias nobres da Europa, tinha sido criada numa atmosfera pouco
comum. Com a desculpa de compromissos oficiais, e bastante de acordo com
a tradição, os pais delegaram o cuidado e a educação de sua filha a estranhos.
Em certos dias específicos da semana, ela era trazida aos pais para um
“controle”. Nesses encontros havia uma checagem formal de suas aquisições
educativas, e o novo programa e outras direções eram dadas aos seus
preceptores. Então, depois de uma fria e cerimoniosa dispensa, a criança era
levada de volta ao seu quarto. Ela não recebia qualquer aconchego ou ternura
de seus pais, nem qualquer punição vinha diretamente deles. Essa separação
virtual de seus pais tinha começado cedo, logo após o nascimento. Talvez o
mais impropício componente da conduta de seus pais, que garantia à criança
apenas uma porção avara de acolhimento, era o fato – e isso foi reforçado pelo
programa global de sua educação – de que sua mera existência era fortemente
enfatizada e a paciente era treinada no amor, na honra e na obediência em
relação a eles sem sequer sentir essas emoções direta e realisticamente.

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Nessa atmosfera tão vazia de sentimentos por parte dos pais, o
desenvolvimento de uma vida emocional satisfatória dificilmente poderia ser
esperado dessa criança. Esperava-se, no entanto, que outras pessoas do
ambiente tomassem o lugar dos pais. A situação da menina era então como a
de uma criança criada num lar adotivo. Nessas crianças, vemos que os laços
emocionais com seus próprios pais são transferidos para os substitutos deles,
em relação a quem o complexo de Édipo se desenvolve com maior
dificuldade, talvez, mas sem modificações significativas.
Essa paciente, de acordo com a tradição cerimonial, sempre teve três
babás, cada uma das quais queria ser a primeira aos olhos dos pais e cada uma
das quais continuamente buscava ser favorecida pela criança. Ainda por cima
elas eram trocadas frequentemente. Ao longo de toda a sua infância, não havia
uma única pessoa que a amasse e que pudesse ter servido como um objeto
significativo de amor para ela.
Tão logo pôde se tornar capaz de ter uma noção desse fato, a
paciente mergulhou em intensas fantasias sobre seus pais. Atribuía a eles
poderes divinos, através dos quais ela tinha sido provida de coisas inatingíveis
pelos simples mortais. Tudo que absorvia através de histórias e lendas, ela
elaborava no mito sobre seus pais. Nenhuma demanda de amor foi jamais
expressa nessas fantasias; todas elas tinham a meta de proporcionar-lhe um
ganho narcísico. Todos os encontros com seus pais reais separava-os ainda
mais dos heróis de sua imaginação. Dessa maneira, formou-se na criança um
mito parental, uma sombra fantasmática de uma situação edípica que
permanecia uma forma vazia, toda vez em que se confrontavam as pessoas e
as emoções reais. A realidade que negava as relações com seus pais não
apenas levou a uma regressão narcísica na fantasia, como deu mais ímpeto a

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esse processo, a partir da ausência de qualquer relação substitutiva de libido
objetal.
A frequente troca de babás e governantas e o fato de que essas
pessoas eram elas próprias sujeitadas a uma rígida disciplina, atuavam sob
ordens e usavam todas as medidas viáveis para fazer a criança se conformar às
demandas da realidade, medidas em que uma pseudo-ternura era
conscientemente usada como um meio de atingir fins didáticos, frustravam
essa possibilidade. A menina foi treinada muito precocemente para a limpeza
e rígidas etiquetas à mesa, e as violentas explosões de raiva e fúria às quais ela
esteve sujeita em sua primeira infância eram mantidas com sucesso sob
controle, dando lugar à obediência absolutamente dócil. Muito desse controle
disciplinar foi obtido apelando aos pais, de modo que tudo que a criança fazia,
que fosse obediente e adequado, tomava como referência o desejo ou o
comando desse pai e dessa mãe míticos.
Quando ela entrou para uma escola religiosa na idade de oito anos,
estava completamente fixada no estado “como se”, no qual ela começou a
análise. Superficialmente, não havia diferença entre sua vida e a vida de
qualquer outra menina do colégio. Ela tinha a costumeira ligação com uma
freira, imitando o seu grupo de colegas. Mantinha as mais ternas amizades,
que eram totalmente sem significância para ela. Dedicava-se devotadamente
às formas da religião, sem o menor traço de crença e cedia à sedução da
masturbação com sentimentos aparentes de culpa – simplesmente para ser
igual às outras meninas. Com o tempo, o mito dos pais se esvaneceu e
desapareceu sem que outras fantasias tomassem o seu lugar. Ele desapareceu
assim que seus pais se tornaram mais evidentes para ela como pessoas reais,
que ela desvalorizava. As fantasias narcisistas deram lugar a experiências
reais, nas quais, contudo, ela podia participar apenas através da identificação.

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A análise mostrou que o sucesso de seu treinamento precoce ao
suprimir os impulsos instintivos foi apenas aparente. Esse sucesso tinha algo
de um “ato treinado”, e assim como a performance de um animal de circo,
estava ligado à presença de um chefe de picadeiro. Se era exigida a negação
de uma pulsão, a paciente cedia, mas, por outro lado, quando um objeto de
outra tendência lhe dava permissão para a satisfação de um impulso, ela podia
responder quase sem inibição, embora com pouca gratificação. O único
resultado do treinamento foi que o impulso nunca entrava em conflito com o
mundo externo. A esse respeito, ela se comportava como uma criança naquele
estágio de desenvolvimento no qual os impulsos instintivos se refreavam
apenas pela autoridade externa imediata. Dessa forma aconteceu que, por um
tempo, a paciente caiu em más companhias, num contraste inacreditável com
o seu ambiente familiar e seu treinamento precoce. Ela ficava bêbada em
espeluncas, participava de todos os tipos de perversões sexuais, e se sentia tão
confortável nesse submundo quanto nas seitas mais carolas, no grupo artístico,
ou nos movimentos políticos dos quais ela foi mais tarde uma participante
frequente.
Nunca tinha oportunidade de se queixar da falta de afeto, pois não
estava consciente disso. A relação com os pais era forte o suficiente para
capacitá-la a fazer deles os heróis em sua fantasia, mas faltavam, obviamente,
as condições necessárias para criar uma constelação edípica dinâmica e
calorosa, capaz de dar forma a uma vida psíquica saudável no futuro, tanto no
sentido positivo, quanto negativo. Não é suficiente que os pais simplesmente
estejam presentes e forneçam o alimento para a fantasia. A criança deve
realmente ser seduzida, num certo grau, pela atividade libidinosa dos pais, a
fim de desenvolver uma vida emocional normal, deve experimentar o calor do
corpo da mãe assim como todos aqueles atos sedutivos inconscientes da mãe

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amorosa, quando ela cuida de suas necessidades corporais. Ela deve brincar
com o pai e ter intimidade suficiente com ele para sentir a masculinidade
paterna, a fim de que os impulsos instintivos entrem na corrente da
constelação edípica.
O mito dessa paciente possui alguma semelhança com a fantasia que
Freud chamou de “romance familiar” no qual, no entanto, a relação libidinal
com os pais, embora recalcada, é muito poderosa. Ao repudiar os pais reais, é
possível, parcialmente, evitar fortes conflitos emocionais dos desejos
proibidos, sentimentos de culpa, etc. Os objetos reais foram recalcados, mas,
na análise, eles podem ser revelados com sua total catexia libidinal.
Mas, para nossa paciente nunca houve uma relação emocional
vívida com os pais ou com quem quer que fosse. Para todos os propósitos é
irrelevante se depois de fracas tentativas de uma catexia objetal, a criança
retornou ao narcisismo por um processo de regressão ou nunca foi bem
sucedida numa relação real de objeto, como o resultado de não ser amada.
A mesma deficiência que interferiu no desenvolvimento da vida
emocional também foi operativa na formação do superego. A fugaz estrutura
do complexo de Édipo foi gradualmente abandonada sem que chegasse a uma
formação de um superego unificado e integrado. Tem-se a impressão de que
os prerrequisitos para tal desenvolvimento também se baseiam numa forte
catexia objetal edípica.
Não se pode negar que, numa idade muito precoce, algumas
proibições internas estão presentes, fazendo o papel de precursoras do
superego, e são intimamente dependentes de objetos externos. A identificação
com os pais na resolução do complexo de Édipo traz uma integração desses
elementos. Onde esta integração falta, como é o caso de nossa paciente, a
identificação permanece vacilante e transitória. As representações que vão

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formar a consciência permanecem no mundo externo e ao invés do
desenvolvimento da moralidade interna aparece uma persistente identificação
com os objetos externos. Na infância, as influências educativas exerceram um
efeito inibitório na vida pulsional, particularmente nas agressões. Na vida
posterior, na ausência de um superego adequado, ela desloca a
responsabilidade de seu comportamento para objetos do mundo externo com
os quais se identifica. A passividade dessa paciente, como a expressão de sua
submissão à vontade dos outros, parece ser a transformação final de suas
tendências agressivas.
Como resultado dessa fraca estrutura de superego, há pouco contato
entre o ego e o superego, e a cena de todos os conflitos permanece externa,
como com a criança para a qual tudo pode acontecer sem atritos se ela
simplesmente obedece a tudo. Tanto a identificação persistente quanto a
submissão passiva são expressões da completa adaptação da paciente ao
ambiente geral, e concede a qualidade fugaz de sua personalidade. O valor
dessa ligação à realidade é questionável porque a identificação sempre
acontece apenas com uma parte do ambiente. Se essa parte do ambiente entra
em conflito com o resto, naturalmente a paciente está envolvida. Assim, pode
acontecer que a pessoa pode ser seduzida para atos criminais ou associais, por
uma mudança em suas identificações, e pode muito bem acontecer que
algumas dessas pessoas associais sejam recrutadas do grupo das
personalidades “como se”, que estão adaptadas à realidade dessa forma
restrita.
A análise dessa paciente revelou uma infantilidade genuína, isto é,
uma parada num estágio definido no desenvolvimento da vida emocional e da
formação do caráter. Além das influências particularmente desfavoráveis do

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ambiente, deve ser lembrado que a paciente veio de uma família muito antiga
com saldo de psicóticos e psicopatas inválidos.
Uma outra mulher, minha paciente, tinha um pai com uma doença
mental e a mãe neurótica. Ela se lembrava do pai apenas como “um homem
com uma barba preta”, e tentava explicar suas ausências como algo muito
fascinante e belo, quando ele se mudava para um sanatório ou para um quarto
isolado da casa, sempre sob o cuidado de uma enfermeira.
Dessa forma, ela construiu um mito em torno de seu pai, colocando-
o em sua fantasia como um homem misterioso, a quem ela mais tarde
chamava de “o Índio” e com o qual vivia todo tipo de experiências, cada uma
das quais servia para torná-la um ser sobre-humano. O protótipo para o Índio
era o enfermeiro de seu pai, o qual a menina pequena via desaparecer
misteriosamente no quarto do pai. A educação e a criação da criança eram
delegadas a babás, mas, apesar de tudo isso, ela conseguiu estabelecer uma
forte ligação libidinosa com sua muito perturbada mãe. Suas relações
posteriores tinham elementos de atitudes de libido objetal, algumas vezes
calorosas, especialmente na direção homossexual, mas nunca suficientes para
mudar sua qualidade “como se”. O fracasso em desenvolver uma catexia
objetal adequada foi, no caso dessa paciente, relacionado com o nascimento de
seu irmão, para o qual ela desenvolveu uma inveja incomumente agressiva. As
comparações da genitália levaram a menina a escrutinar seu próprio corpo por
horas a fio num espelho. Posteriormente, essa atividade narcisística foi sendo,
gradualmente, sublimada. A princípio ela tentou modelar partes de seu corpo
em argila a fim de facilitar os estudos no espelho. Ao longo dos anos,
desenvolveu uma grande habilidade em modelar e, por um breve tempo,
esteve numa aula com uma escultora. Inconscientemente, acalentava a fantasia
de expor, repetitivamente, seu corpo para o mundo. Nos anos seguintes ela

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criou apenas figuras muito grandes, voluptuosas, de mulheres matronais. Com
isso comprovaram-se as fracas tentativas de recriar a mãe perdida para seu
irmão, na infância. Ultimamente, ela abandonou a escultura pela música,
simplesmente porque acreditava que sua professora não conseguiu apreciá-la
de modo suficiente.
Em sua infância um fato muito em evidência foi a imitação
macaqueada de seu irmão, com o qual ela foi identificada completamente,
durante anos, não em fantasia, mas em plena atuação. Desastrosamente para
ambos, seu irmão, muito cedo, mostrou inconfundíveis traços de uma psicose,
que culminou numa agitação catatônica. A irmã imitou todas as bizarras
atividades do irmão e viveu com ele num mundo de fantasia. Apenas sua
catexia parcial de libido objetal e um deslocamento do processo identificatório
com o irmão e a identificação com objetos mais normais salvaram-na de ser
internada. A princípio estive inclinada a considerar sua condição como o
resultado de uma identificação com seu irmão psicótico; apenas mais tarde
reconheci que a etiologia de sua condição estava num patamar mais profundo.
Acredito que essa paciente seja semelhante à primeira, apesar das
diferenças em seu desenvolvimento. Na segunda paciente, parece que um
desapontamento danificou a forte relação com sua mãe, e que a misteriosa
ausência do pai tornou impossível para a garotinha encontrar nele um
substituto, quando a sua relação com a mãe foi balançada, e dessa forma as
relações posteriores com os objetos permaneceram fixadas nesse estágio de
identificação. Por meio dessa identificação ela desviou o intenso ódio por seu
irmão e transformou sua agressão a ele numa passividade na qual ela se
identificou a ele submissamente. Ela não desenvolveu outras relações de
objeto. Seu superego sofreu o mesmo destino do superego da primeira
paciente. O mito do pai e a desvalorização muito precoce da mãe impediram a

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integração de seu superego e deixaram-na dependente de pessoas do mundo
externo.
Uma terceira paciente, uma mulher bonita e temperamental de trinta
e cinco anos, com muitos talentos intelectuais e artísticos, veio à análise
porque estava “cansada” depois de uma longa série de aventuras. Logo se
tornou claro que, como resultado de uma determinada combinação de
circunstâncias, seu interesse na psicanálise era, na verdade, um interesse pela
psicanalista, especialmente em sua profissão. Embora ela falasse com
frequência, de seu tremendo interesse na psicologia infantil e na teoria
freudiana, e lesse muito sobre esses assuntos, sua compreensão deles era
extraordinariamente superficial e seu interesse inteiramente irreal. Uma
observação mais cuidadosa mostrou que isso era verdadeiro não só em relação
a todos os seus interesses intelectuais mas também em relação a tudo que ela
fazia ou já tinha feito. Foi surpreendente reconhecer nessa mulher, que era tão
incansavelmente ativa, uma condição tão intimamente relacionada com a
pseudo-afetividade de uma paciente “como se”. Todas as suas experiências
eram também baseadas em identificações, embora essas identificações não
fossem tão diretas como aquelas dos outros tipos de pacientes, que eram,
deve-se dizer, mais monógamas e aderentes a apenas uma pessoa ou um grupo
a cada vez, enquanto esta paciente tinha tantas identificações concorrentes –
ou representações simbólicas de identificações – que sua conduta parecia
errática. Ela era, de fato, considerada “louca” por aqueles que a conheciam.
Seus amigos, no entanto, não tinham noção de que sua vida aparentemente
rica, escondia uma falta de afeto. Ela chegou a mim porque desejava mudar
seu caráter, isso é, desejava criar mais paz e harmonia em sua vida,
identificando-se com uma personalidade profissional “particularmente sólida”.

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Depois de seis meses parecia ser um sucesso incomum. A paciente
aprendeu a compreender muitas coisas sobre si mesma e perdeu suas
excentricidades. Ela se determinou a ser uma analista e quando isso lhe foi
negado, entrou em colapso. Ficou completamente vazia de afeto e queixava-se
“Eu sou tão vazia! Meu Deus, eu sou tão vazia! Não tenho sentimentos.”
Esse fato deixou transparecer que, antes da análise, ela havia sofrido
sérias dificuldades financeiras, rompendo várias amizades e relacionamentos
amorosos e havia logo percebido que tinha de trabalhar. Foi com essa intenção
que ela veio à análise. Seu plano era tornar-se uma analista, identificando-se
com a sua própria analista. Quando ficou provado que isso seria impossível,
essa mulher aparentemente muito capaz e ativa transformou-se numa pessoa
completamente passiva. De tempos em tempos tinha ataques
extraordinariamente violentos de choro infantil ou explosões de raiva, atirava-
se ao chão, esperneava e gritava. Gradativamente, ela desenvolveu uma
progressiva falta de afeto. Tornou-se completamente negativista e a cada
interpretação dizia: “Eu não compreendo o que você quer dizer com isso.”
Essa paciente ela sofreu severo trauma em dois pontos de seu
desenvolvimento. Seu pai era um alcoólatra e a paciente muitas vezes
testemunhou o brutal tratamento que ele dava à mãe. Ela ficava
veementemente do lado da mãe e quando tinha apenas sete anos teve fantasias
nas quais salvava sua mãe da miséria e lhe construía uma casa de campo
branca. Ela economizou cada tostão e trabalhou duro na escola para chegar a
esse objetivo, até descobrir que sua mãe não só era meramente uma vítima
passiva de seu marido, mas tinha prazer em ser brutalizada. A consequente
desvalorização de sua mãe não apenas privou-a de seu único objeto de amor,
mas também deteve o desenvolvimento de um ideal do ego feminino e de uma
personalidade adequada e independente. Ela passou o resto de sua vida

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tentando compensar essa falta, criando uma série inteira de identificações, do
mesmo modo que os pacientes “como se”.
Privada de ternura e afeição em sua infância, suas pulsões
permaneceram cruamente primitivas. Ela vacilava entre dar livre vazão a suas
pulsões ou mantê-las recalcadas. Ela atuava suas fantasias de prostituição,
satisfazia uma variedade de perversões sexuais, muitas vezes dando a
impressão de uma hipomania. Emergia desses excessos pela identificação com
alguma pessoa convencional e atingia, desse modo, um tipo de sublimação,
sendo a forma dependente do objeto particular, em questão. Isso resultou
numa mudança freqüente de ocupações e interesses. Ela não era consciente de
sua falta de afeto, enquanto lhe era possível reter uma relação ou permitir-se a
gratificação de impulsos muito primitivos.
Os casos seguintes de distúrbios emocionais guardam íntimas
similaridades com o grupo “como se”, mas diferem em certos aspectos.
Um garoto de dezessete anos, com inteligência fora do comum
chegou à análise por causa da homossexualidade manifesta e uma consciência
de sua falta de sentimentos. Essa falta de emoção incluía seus objetos
homossexuais, sobre os quais ele criava todo tipo de fantasias perversas. Ele
era obsessivamente escrupuloso, modesto, exato e confiável. Sua
homossexualidade era do tipo passivo, tanto oral quanto anal. A análise foi
extremamente rica em material, mas progredia num vácuo emocional. Embora
a transferência fosse freqüentemente representada em seus sonhos e fantasias,
nunca se tornou uma experiência emocional, consciente.
Um dia dei-lhe um bilhete de entrada para uma série de palestras nas
quais eu tomava parte. Ele foi à minha palestra e teve uma severa ansiedade
nas escadas que levavam ao salão do encontro. Ao mobilizar sua ansiedade na
transferência dessa forma, a análise começou a progredir.

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Era filho único de um meio altamente cultural, com um pai que era
severo e ambicioso e a mãe que dedicava a sua vida a esse filho bonito e
talentoso, mas apesar disso ele sofria com uma deficiência afetiva. O fato de
ter crescido numa atmosfera na qual nunca precisou buscar amor, e de que era
cumulado de carinho sem fazer qualquer esforço para obtê-lo, paralizou seus
próprios esforços ativos em relação ao carinho. Ele permaneceu ligado a
instintos primitivos, e como havia poucas ansiedades infantis que não foram
afastadas com escrupuloso cuidado, não havia motivo para ele construir
mecanismos de defesa.
Ele passou pelo trauma da depreciação de seu ideal do ego quando
descobriu que seu admirado pai era inculto e limitado. Essa percepção
ameaçou depreciar seu próprio valor, pois ele se parecia com o pai, levava seu
nome, e ouvia sobre sua semelhança com o pai vindo da boca de sua mãe,
repetidas vezes. Apesar da rigidez e severidade, nas demandas éticas e
intelectuais ele se esforçou para se tornar melhor do que sua parte que estava
identificada com o pai. Contrastando com as pacientes anteriores, ele não se
identificava com uma série de objetos. Ao invés de manter relações
emocionais com as pessoas, ele se achava dividido entre duas identificações:
uma com sua amada mãe e a outra com seu pai. A primeira era feminina e
sexualizada; a segunda era sobrecompensatória, rígida e narcisista.
Diferentemente dos pacientes “como se”, ele se queixava da falta de
sentimentos. Faltavam-lhe completamente as emoções ternas que lhe teriam
dado calor na sua vida emocional. Ele não tinha relação com mulheres e suas
amizades com homens eram ou puramente intelectuais ou cruamente sexuais.
Os sentimentos que ele experimentava eram de um tipo que ele não se deixava
expressar. Eram sentimentos muito primitivos de agressividade, os impulsos
sexuais mais selvagens e infantis, que eram rejeitados com a declaração “Não

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sinto absolutamente nada”. De um certo modo, ele dizia a verdade; de fato lhe
faltavam quaisquer sentimentos permissíveis, isto é, emoções ternas e
sublimadas.
A tendência à identificação é característica também desse tipo de
distúrbio afetivo. Embora esse paciente não mergulhasse completamente sua
personalidade numa série de identificações, a parte mais forte de seu ego, seu
intelecto, era vazio de originalidade. Qualquer coisa que ele escrevesse e
dissesse em assuntos científicos mostrava grande talento formal, mas quando
ele tentava produzir algo original, muitas vezes isso se transformava numa
repetição de idéias das quais ele tinha se apossado, em alguma ocasião, com
uma clareza particular. A tendência à identificação múltipla ocorria no nível
intelectual.
Uma outra paciente desse grupo, uma mulher casada, com trinta
anos de idade, que vinha de uma família na qual havia muitos psicóticos,
queixava-se da falta de emoções. Embora fosse inteligente e tivesse um bom
teste de realidade, ela levava uma existência de ficção e impostura, e se
comportava sempre de acordo com o que lhe era sugerido pelo ambiente.
Ficou claro que ela não podia experimentar coisa alguma, exceto uma
prontidão completamente passiva para se dividir num número infindável de
identificações. Essa condição se estabeleceu de modo agudo depois de uma
operação em sua infância, para a qual não lhe foi feita nenhuma preparação
psicológica. Ao se recuperar da anestesia, ela perguntou se era realmente ela, e
então desenvolveu um estado de despersonalização que durou um ano e se
transformou numa sugestionabilidade passiva que lhe encobria uma ansiedade
incapacitante.
Como traço comum a todos esses casos existe um profundo
distúrbio do processo de sublimação, que resulta tanto no fracasso de sintetizar

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as várias identificações infantis numa personalidade integrada e única, quanto
numa sublimação imperfeita, unilateral e puramente intelectual dos impulsos
instintivos. Embora o julgamento crítico e as forças intelectuais possam ser
excelentes, a parte emocional e moral da personalidade é faltosa.
A etiologia de tais condições está relacionada, em primeiro lugar, a
uma desvalorização do objeto que serve como um modelo para o
desenvolvimento da personalidade da criança. Essa desvalorização pode ter
um fundamento sólido na realidade ou ser rastreado, por exemplo, até um
choque com a descoberta do coito parental, num período de desenvolvimento
em que a criança está engajada em suas últimas lutas contra a masturbação e
necessita um suporte em seus esforços em direção à sublimação. Ou, como no
caso do rapaz descrito acima, a sublimação bem sucedida pode ter sofrido a
interferência de uma sexualização da relação a um objeto que teria servido à
criança como modelo de seu ideal do ego, nesse exemplo, a identificação
sexual maciça com sua mãe.
Uma outra causa para esse tipo de distúrbio emocional, é o estímulo
insuficiente para a sublimação das emoções, como o resultado de ter recebido
muito pouco carinho, ou então carinho excessivo.
A ansiedade infantil pode sofrer um destino semelhante. Um
tratamento muito rígido ou muito indulgente pode contribuir para o fracasso
na formação econômica dos mecanismos de defesa, resultando numa notável
passividade do ego. Lembramos aqui que no caso relatado do rapaz, um
ataque de ansiedade não apenas mobilizou a transferência, como também
abriu o caminho para sua recuperação.
A questão que se coloca é de como a tendência das personalidades
“como se” para a identificação com os objetos de amor da vida comum difere
da mesma tendência na histeria. A grande diferença entre os histéricos e os

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que apresentam o distúrbio “como se” está no fato de que os objetos com os
quais os histéricos se identificam são objetos com poderosas catexias
libidinais. O recalcamento histérico do afeto libera a ansiedade e assim
representa um caminho para se libertar do conflito. Nos pacientes “como se”,
uma deficiência precoce no desenvolvimento dos afetos reduz o conflito
interno, e o efeito disso é um empobrecimento total da personalidade, o que
não ocorre na histeria.
Os pacientes descritos aqui podem fazer com que se suspeite de que
estamos tratando com algo como um bloqueio de afeto, visto especialmente
em indivíduos narcisistas que desenvolveram uma perda de sentimentos
através do recalque. A grande e fundamental diferença, no entanto, é que as
personalidades “como se” tentam simular a experiência afetiva, enquanto as
pessoas com um bloqueio de afeto não o fazem. Na análise dessas últimas,
pode-se sempre ver que as relações objetais, e os sentimentos agressivos, uma
vez desenvolvidos foram alvos do recalque e não se encontram disponíveis na
personalidade consciente. O segmento da personalidade recalcado de tom
afetivo é gradativamente descoberto durante a análise, e algumas vezes é
possível tornar a parte submersa da vida emocional disponível para o ego.
Por exemplo, um paciente tinha recalcado completamente a
memória de sua mãe que morrera quando ele tinha quatro anos, e com a qual,
estava claro, a maior parte de suas emoções estava envolvida. Sob a influência
de uma transferência muito fraca, embora afetiva, as memórias isoladas foram,
gradativamente, emergindo. A princípio, elas apresentavam um caráter
negativo, impedindo toda a ternura. Durante a análise, esse paciente mostrou
também uma outra forma de distúrbio emocional, a saber, uma
despersonalização. Antes da análise sua auto-satisfação tinha sido inabalável.
Ele se defendia da transferência com todas as suas forças. Nas sessões

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analíticas, quando sinais claros de transferência in statu nascendi eram
perceptíveis, o paciente se queixava de súbitos sentimentos de estranheza.
Estava claro que nele a despersonalização correspondia à percepção de uma
mudança na catexia. Não ficou esclarecido se isso se devia a uma nova
corrente libidinal emergindo do recalque, ou se se devia à supressão de
sentimentos ligados à transferência. Os conflitos internos, em tal exemplo de
recalque de afeto têm pouca semelhança com os do paciente “como se”. A
analogia permanece apenas no empobrecimento afetivo de ambos.
O narcisismo e a pobreza das relações de objeto, tão característicos
de uma pessoa “como se”, trazem em consideração a relação desse defeito
com a psicose. O fato de que o teste de realidade é inteiramente mantido retira
essa condição da nossa concepção de psicose.
A identificação narcisista, como um estágio preliminar à catexia do
objeto, e a introjeção do objeto depois de sua perda, estão entre as mais
importantes descobertas de Freud e Abraham. A estrutura psicológica da
melancolia nos oferece um exemplo clássico desse processo. Na melancolia, o
objeto de identificação foi psicologicamente internalizado, e um superego
tirânico leva em frente o conflito com o objeto incorporado em completa
independência do mundo externo. Nos pacientes “como se”, os objetos são
mantidos externos e todos os conflitos são atuados em relação a eles. O
conflito com o superego é assim evitado, porque em todo gesto e em todo ato
o ego “como se” se subordina através da identificação aos desejos e comandos
de uma autoridade que nunca foi introjetada.
Desde o princípio, tanto a impressão pessoal dada pelos próprios
pacientes quanto a disposição psicótica na família, especialmente nos dois
primeiros casos observados analiticamente, levantam a suspeita de um
processo esquizofrênico. O rastreamento de severo distúrbio psíquico desde os

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desenvolvimentos da tenra infância me parece completamente justificado, e se
isso fala contra o diagnóstico de um processo de esquizofrenia, deve, até essa
data, ser deixado como não decidido. Minhas observações de pacientes
esquizofrênicos deram-me a impressão de que o processo esquizofrênico vai
até uma fase “como se”, antes de construir a sua forma delirante. Uma moça
esquizofrênica, de vinte e dois anos, veio até mim depois de um ataque
catatônico, orientada no tempo e no espaço, mas cheia de idéias delirantes.
Até o início do estado confusional, tinha levado uma existência quase
indistinguível dos pacientes “como se”. Seu laço com os objetos com os quais
ela se identificava e que eram sempre mulheres importantes, era extremamente
intenso. Como resultado de uma mudança rápida nessas relações, ela mudou
seu local de residência, seus estudos e seus interesses de modo quase maníaco.
Sua última identificação levou-a de um lar de uma família americana bem
estabelecida até uma célula comunista em Berlim. Uma súbita deserção de seu
objeto levou-a de Berlim para Paris, onde ela ficou manifestamente paranóica
e desenvolveu, gradativamente, uma severa confusão. O tratamento restaurou-
a de volta ao seu estado original, mas apesar das recomendações, a família
decidiu interromper a análise. A moça não foi capaz de reunir força bastante
para protestar. Um dia comprou um cachorro e disse-me que dali em diante
tudo ficaria bem: ela ia imitar o cão e assim saberia como devia agir. A
identificação foi conservada, mas não se limitou mais a objetos humanos;
incluía animais, objetos inanimados, conceitos e símbolos e foi essa falta de
seletividade que deu ao processo seu caráter delirante. Foi a perda da
capacidade para identificação com objetos humanos que tornou possível o
surgimento de um mundo novo, delirante.
Uma outra paciente, esquizofrênica há muitos anos, tinha tido um
sonho recorrente, no qual, com grande dor e tormento, procurava sua mãe mas

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não podia encontrá-la, porque sempre se defrontava com uma multidão
infindável de mulheres, sendo que todas se pareciam com sua mãe, e ela não
sabia qual era a verdadeira. Esse sonho trouxe-me à memória as figuras
maternas recorrentes e estereotipadas da segunda paciente “como se”.
Freud (1923) fala da “múltipla personalidade” como o resultado de
um processo no qual numerosas identificações levam a uma disrupção do ego.
Isso pode resultar numa psicopatologia manifesta, ou os conflitos entre as
diferentes identificações podem assumir uma forma que, necessariamente, não
precisa ser designada como patológica. Freud se refere a um processo
puramente interno de formação do ego e isso não se aplica às identificações
“como se” com objetos do mundo externo. No entanto, o mesmo processo
psicológico aparecerá também na personalidade “como se”, em alguma
ocasião como uma resolução mais “normal” e em outra oportunidade como
um resultado patológico, que pode ser mais ou menos severo.
Anna Freud (1936) salienta que o tipo de pseudo-afetividade
observada nos pacientes “como se” muitas vezes é encontrado na puberdade.
Acredito que a depreciação dos objetos primários (típica também da
puberdade), que serviram como modelos para o ideal do ego, tem um
importante papel para ambos. Anna Freud descreve esse tipo de
comportamento da puberdade como incorrendo na suspeita de psicose. Em
minha opinião as reflexões que apresentei aqui também servirão para a
puberdade. Às vezes, o processo se mantém dentro dos limites do “normal” e
outras vezes, ele porta as sementes de uma condição patológica. O tipo
justifica a designação “esquizóide”, não importando se a esquizofrenia vai ou
não se desenvolver mais tarde.
Se os distúrbios emocionais descritos nesse trabalho implicam numa
“disposição esquizofrênica” ou constituem sintomas rudimentares da

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esquizofrenia, não está claro para mim. Esses pacientes representam variantes
na série de personalidades anormais deturpadas. Eles não pertencem às formas
comumente aceitas de neurose, e são muito bem ajustados à realidade para
serem chamados de psicóticos. Embora a psicanálise raramente seja bem
sucedida, os resultados do tratamento podem ser de longo alcance,
particularmente se uma forte identificação com o analista pode ser utilizada
como uma influência ativa e construtiva. Até o ponto em que são acessíveis à
psicanálise, pode-se ser capaz de aprender muito no campo da psicologia do
ego, especialmente em relação aos distúrbios do afeto e talvez, fazer
contribuições para o problema do “esquizóide”, que permanece ainda tão
obscuro.
Nas grandes formações delirantes das psicoses vemos impulsos
primitivos e arcaicos retornando das profundezas do inconsciente, de maneira
dramática. A regressão toma lugar porque o ego fracassou. Falamos disso
como uma “fraqueza do ego”, e afirmamos que as razões para esse fracasso
são psicológicas, constitucionais ou orgânicas. A Psicanálise pode investigar
as primeiras dessas razões, especialmente em condições pré-psicóticas às
quais esses casos pertencem.

Tradução do inglês:
Eliana Rodrigues Pereira Mendes

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