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Resenha-resumo ‘’VAN DEN BERG, J. H.; HENDRICK, Jan.

O
paciente psiquiátrico: esboço de psicopatologia fenomenológica.
São Paulo: Mestre Jou, 1966.’’

O paciente estudado nesta obra pertence ao grupo dos neuróticos seriamente


perturbados, apesar de todos os pacientes psiquiátricos participarem da mesma
existência humana. Logo, quando uma condição ‘’anormal’’ é melhor compreendida,
e maneira idêntica acontece, simultaneamente, à outras situações.
O indivíduo em questão discursou de que era estudante mas que não
freqüentava as aulas desde vários meses, porque dizia não ser capaz de caminhar
na rua à luz do dia. As construções pareciam prestes a desabar; as pessoas irreais e
longínquas; sentia profundamente solitário e cada vez mais temeroso, o que o impelia
a permanecer em casa, tomado por palpitações fortes.
Quando estava em seu quarto, tais crises não o perturbavam tanto. Os
momentos em que melhor se sentia era enquanto estudava assuntos relacionados
aos seu escopo de estudos, apenas. Tinha um círculo pequeno de amizades, com as
quais tinha algumas ressalvas sobre os temas das conversas. Após seus desdém em
um evento com uma garota, em que essa sugeriu que namorassem seriamente,
passou a sentir acelerações no coração quando abordado sobre ''mulheres'' e ''amor'',
o que o fez resolver se abster de relações íntimas. Em contrapartida, encontrava-se
com prostitutas e costumava humilhá-las, sem manter contato físico.A caminho da
casa dos pais começara a sentir-se deprimido. Após algumas horas juntos, emergia
raiva e era impelido a culpá-los por sua infelicidade.
Com detalhes que ele acrescentou posteriormente pôde-se compreender que
seus males são classificados em quatro grupos: mudanças que se efetuaram no
mundo (os objetos observáveis diretamente eram temíveis, ameaçadores; a
descrição que o paciente fazia disso tudo dava a impressão dele estar vivendo em
outra realidade, apesar de que suas percepções eram para ele era perfeitamente
reais, não se tratando de fantasia ou de erros), as mudanças em seu corpo (crises
esporádicas intensas de aceleração do coração, dor permanente no peito, associado
à convicção de portar alguma doença neste órgão; sente fraqueza nas pernas,
desequilibrando-se facilmente; foram negadas as possibilidades de patologias físicas
após vários exames médicos), as alterações nas suas relações com os outros
(considera todas as interações aversivas, irritantes, inautênticas; amizade e paixão
são apenas abstrações criadas pelas pessoas; os sente como objetos inanimados,
sem sentido e distantes) e o sua história (o pouco que se lembra do passado é
pejorativo, especialmente no que se refere aos pais, sempre fazendo associações
com sua vida atual, criando uma atitude resistente a fim de não regredir; não tem
plano concreto algum para o futuro, apesar de ser desesperançoso quanto a ele).
Estaria ele errado, seriam desentendimentos, simulação, estaria se auto
iludindo? Seja o que for, pouco ou nenhum resultado pode ser obtido pelo
confrontamento do paciente com evidências em contrário, pois não seria convencido
da irrealidade ou distorções de suas vivências, o que o faria sentir-se incompreendido,
não contribuindo para sua melhora. Seria uma transposição de seu estado anormal
subjetivo aos objetos externos objetivos, fenômeno chamado por psicoterapeutas de
projeção, o mesmo mundo que é a ‘’causa’’ das suas perturbações? Seriam seus
sintomas físicos apenas deslocamentos oriundos de seus distúrbios mentais, também
conhecido como conversão, tendo que considerar o ser humano como uma dicotomia
entre mente (imaterial, não observável) e corpo (material, observável) e suas
desconhecidas relações mútuas, ainda que a experiência do paciente seja
totalizadora, global? Seriam suas complicações interpessoais provenientes de um
transporte realizado não voluntariamente dos afetos conflituosos ou negativos, ainda
hoje determinantes, que teve em relação aos seus primeiros contatos humanos,
conhecido como transferência, mesmo que as emoções, que não existem per se,
sejam sempre indissociáveis da percepção evocadora? Seriam falsas memórias,
resultado de alguma falha no processo de cognição e/ou armazenamento,
manifestação da mitificação segundo alguns psiquiatras, apenas por que o relato
pessoal diverge ou contradiz o relato de outros? Todos esses processos poderiam,
então, serem atribuídos ao inconsciente, mesmo que este seja impossível de se
verificar, o validando como hipótese causal?
Na experiência cotidiana há uma interação contínua entre o sujeito e os
objetos, uma apreensão ininterrupta e espontânea, de qualidades e valores, que se
estabelece como em uma fusão, uma unidade em que há sempre atribuição de
significado: eis a razão pela qual indivíduos diferentes ‘’existem’’ em realidades
diferentes.
Quanto a experiência de si, o homem pode ter uma atitude pré-reflexiva, de
vivência prática, ‘’subjetivizada’’, de ser o corpo (estar entrelaçado com ele), como
reflexiva, metacognitiva ou ‘’objetivizada’’, de ter um corpo (distinto dele mesmo).
Porém as qualidades ‘’psíquicas’’ são, na verdade, condições do corpo.Analisando a
natureza do mundo e do corpo do paciente, deduz-se que são similares: ambos estão
‘’falhando’’ e se ‘’desequilibrando’’. Portanto estão interligados.
Já as interações interpessoais realizam-se como um contato direto de
participação de um no outro, modificando mutuamente ‘’seus objetos’’. Em outras
palavras, é a efetivação de alterações, no outro, na relação individual que este tem
entre seu mundo e seu corpo, podendo ocorrer aproximação ou distanciamento
destes. A partir dessas constatações e dos relatos do paciente sobre as mudanças
ocorridas em seu ambiente, seu organismo e com outros humanos, entende-se,
portanto, que está seriamente perturbado em seu contato com outras pessoas,
uma vez que estas lhe são impedimentos nesses aspectos, ou seja: as relações
transtornantes dão origem ao psicotrauma.
Quanto ao tempo pode-se estabelecer que o passado, praticamente sempre
lembrado diferente ou parcialmente, é significativo apenas se ainda se faz presente.
Ele tem uma tarefa, que enquanto não for cumprida, voltará a se apresentar com todo
seu sentido, apesar de toda a intenção e controle exercidos. Ou seja, o que não tem
função, não tem realidade, está ausente, válido tanto para eventos há muito ocorridos
como para o agora. Apesar das condições da vida serem dadas pelo passado, os atos
são originados no futuro, o fator primordial, no momento em que alguma ação que se
deva ou queira ser realizada é definida, normalmente escolhido por outras pessoas.
As problemas do indivíduo em questão apresentam-se, então, como impossibilidades
ou acessos difíceis a um porvir melhor, condicionado por seu passado, mantido
‘’ativo’’ pelo conflito que persiste, procurando combater, resistir ou negá-lo. Porém
todo sofrimento tem um significado que está em harmonia com o conjunto de sua
vida.
Mesmo assim é o sujeito quem determina, durante ou posteriormente aos
eventos, com pouca liberdade no caso em pauta, a natureza dos acontecimentos, se
positiva ou negativa. Logo o tratamento do paciente não consiste em liberá-lo do
seu trauma, mas de libertá-lo do significado de suas relações perturbadas. O
terapeuta o coloca em confronto com seus distúrbios onde, falando sobre sua
trajetória, ele aprende a interpretá-la de maneira diferente e que, consequentemente,
seu futuro também o pode ser. Assim, trabalhando juntos, com essa orientação, o
paciente se torna responsável pela própria melhora: doença e cura se realizam
conjuntamente.
A pessoa mentalmente doente está isolada, em si. O paciente psiquiátrico
está sozinho, sente-se solitário. Daí é que vem o seu mundo diferente. Parece
estranho, misterioso, às vezes impossível de entendê-lo. A variedade deles é infinita
mas a essência permanece esta mesma, independente do diagnóstico. Se a solidão
nunca ocorresse na existência humana, poderia-se admitir que os distúrbios
psiquiátricos seriam desconhecidos, com exceção de algumas doenças causadas por
defeitos anatômicos ou fisiológicos do cérebro.
O sujeito que sofre de alucinações, têm objetos que lhe pertencem
exclusivamente. Tem o seu próprio mundo, como resultado do seu isolamento. Uma
pessoa tão isolada tem objetos que lhe são próprios. Mesmo a pessoa mentalmente
sã que fica completamente isolada, dentro de pouco começa a ter alucinações. O
desejo de compreender o que é um objeto visto por alucinação implica no desejo de
considerar alucinação e percepção como fenômenos idênticos, ou seja, o desejo de
resgatar o paciente do seu distúrbio mental. O próprio paciente, depois de
recuperado, não consegue dar sentido algum às suas alucinações. As suas
alucinações, a sua separação e o fato de não poder ser compreendido, tudo isto é
uma coisa só, que se chama sua doença Podemos dizer que o distúrbio apresentado
por quem sofre de alucinações, na esfera da percepção, exerce influência semelhante
sobre o paciente que sofre de ilusões, desde que se trate das suas relações com
outras pessoas. Este pode pensar que outras pessoas estejam conspirando e
planejando contra ele, mas a testemunha mentalmente sã não encontrará evidência
alguma que possa justificar essa presunção. Não se consegue, porém, convencer o
paciente de que está errado. Às vezes, tem-se a impressão de que o paciente não
quer ser convencido. Nenhuma evidência, por mais forte e convincente que seja,
consegue alterar a sua opinião. O paciente rejeita a evidência da realidade. A sua
realidade é diferente. O paciente está sozinho, de modo tão intenso e tão
doentio, que mantém relações que são estreitamente e individualmente suas.
Alienação e tudo o mais que possa ser expresso pela palavra distância (usada pelo
próprio paciente deste livro), tudo isto nunca existe em si e por si, mas se mostra na
realidade do ambiente, na realidade do organismo, na realidade das interações
humanas e nas realidade da história de vida. Tudo isso está relacionado, nada surgiu
em primeiro lugar. Não interessa, portanto, saber onde se inicia a descrição de uma
condição mórbida, se nos objetos, no corpo, nas relações interhumanas ou no tempo:
a descrição sempre termina, mesmo quando procuramos nos limitar a um aspecto,
na descrição da condição em seu todo. Tudo está interligado.
Então se se pretende conhecer inteiramente outras pessoas não deve-se
requerer que relate suas introspecções, pouco acessíveis e escassas em
informações, mas sim solicitar que ela descreva sua vivência, ou seja, obtém-se
conhecimento íntimo do sujeito pela investigação de como os objetos são percebidos
por ele. Deriva-se desse raciocínio que o homem e sua relação com o universo,
consigo mesmo, com os outros e com sua vida temporal são inseparáveis, tornando
sem sentido qualquer psicologia estritamente subjetivista ou objetivista ou dualista.
Então, estar doente significa observar, sentir e viver num mundo parcial ou
completamente diferente da pessoa sã, que caracteriza-se por ter um propósito, pela
direção, utilidade e dinamismo de seu ser. Desta maneira, o terapeuta não necessita
de relatos de terceiros, mas sim de empatia pelo paciente, buscando colocar-se
psicologicamente na mesma situação que este, compreender como é sua existência
mantendo fidelidade aos fatos conforme vão acontecendo, sem julgá-lo excessivo,
deficiente, inadequado ou equivocado, afinal todos somos humanos, ainda que
diferentes. A Psicologia, assim como a Psicopatologia, é uma ciência descritiva,
comunicativa e meditativa onde o profissional deve estar habilitado a observar,
simpatizar e dialogar.
O método fenomenológico explicitado pretendeu estudar o paciente
psiquiátrico, não exclusivamente de seu ‘’interior’’, mas por descrição fiel da realidade
objetiva do psicopata. Em última instância a perspectiva fenomenológica adotada
introduz nova concepção de objetividade, implicando a recusa de qualquer dualismo
entre corpo o alma, físico e psíquico, objeto e sujeito.
Neste livro achou-se uma crítica incisiva aos conceitos fundamentais
vigentes na psiquiatria atual, especialmente e na de orientação freudiana, pois trás a
concepção de que, por mais variados que possam ser os fatores, a chamada neurose
é sempre no fundo sociose, devida a qualquer causa da inadaptação social, podendo
então a ciência das patologias psíquicas pode ser conceituada como ‘’a ciência do
isolamento ou da solidão humana’’.
O objetivo do autor foi o de mostrar ao leitor que um simples paciente, seja
qual for o grupo a que pertença o seu distúrbio, engloba toda a Psicopatologia.

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