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https://lightnovelbrasil.com/majo-no-tabitabi-ilustracoes/
Acima de uma face rochosa brilhando com o calor da luz do sol, uma única
vassoura voava pelo ar quente. A pessoa que a pilotava era uma linda jovem.
Ela usava um robe preto e um chapéu pontudo, e seus cabelos cinzentos
voavam ao vento. Se alguém estivesse por perto, viraria-se para olhar,
imaginando com um suspiro quem seria aquela beldade a voar…
— Quase lá…
Com certeza foi trabalhoso, mas suponho que as pessoas que moravam aqui o
haviam planejado dessa maneira – para impedir que as pessoas entrassem por
engano. Afinal, não há como alguém caminhar por um lugar desses sem uma
boa razão.
Ouvi dizer que quem visitava este país tinha que provar sua capacidade mágica
antes de entrar; qualquer pessoa que não alcançasse um determinado nível
teria seu acesso negado.
— Eu a vi voando. E, além disso, esse broche que está usando indica que é uma
bruxa. Então, por favor, continue em frente.
Ah sim, é mesmo. Ser capaz de voar em uma vassoura é um dos pré-requisitos
mínimos para a entrada. É claro que puderam ver minha aproximação lá da
guarita. Que boba que fui!
Ao passar pelo imenso portão, duas placas estranhas, lado a lado, chamaram
minha atenção. Olhei para elas um pouco confusa.
Eu soube a resposta assim que olhei para cima – acima do monte de casas de
tijolos e sob o sol cintilante, magos de todos os tipos atravessavam o céu em
todas as direções.
Entendo. Deve ser uma regra nos países em que permitem apenas a entrada de
magos – quase todo mundo está voando em uma vassoura, por isso poucas
pessoas escolhem andar.
E, com isso, vi o País dos Magos como deveria ser visto. Acima dos telhados
marrom-avermelhados que se estendiam igual um bocado de terra seca, magos
flutuavam no ar. Alguns paravam suas vassouras para ter uma conversa
amigável, enquanto outros voavam com pacotes de bagagem amarrados a elas.
Havia mulheres idosas suspeitas e parecidas com bruxas, além de crianças
disparando pelo céu, competindo para ver quem podia voar mais alto.
Olhando em volta, vi que os telhados da maioria das casas tinham uma janela
que era grande o suficiente para uma única pessoa passar. Enquanto
observava distraidamente, uma daquelas janelas se abriu e um homem
montado em uma vassoura voou para fora.
— Ahhhhhhhhhhhhhhh!
… um grito soou de trás de mim. Segurando minha vassoura com uma mão,
segurei meu chapéu para que não voasse para longe e me virei.
— Ahhhhhhhhhhh!
Esquivar? Impossível.
Virei minha parte superior do corpo por reflexo, mas não havia como evitar a
colisão. Com uma série de grunhidos (“Ugya!”, “Geh”), nós nos emaranhamos e
caímos no telhado abaixo. As telhas cuidadosamente alinhadas quebraram, e
por fim paramos um pouco antes de cair da borda do telhado. Vi uma única
telha cair no chão, bem abaixo de nós. Ainda bem que não havia pedestres.
O ângulo era pequeno, mas consegui evitar uma colisão direta com o chão.
Além disso, a pessoa estranha que colidiu comigo havia sofrido o impacto da
aterrissagem, então, felizmente, não me feri.
—…
— Urggggh…
Ela não está usando broche nem nada no peito, então deve ser uma noviça.
—…
— … — E ficou em silêncio.
— Ah…
— Ahhhh! — Ela voltou a olhar ao redor. — O-o-o-o que eu faço? O que eu faço?
Não tem como consertar tantas telhas…
Ei, e aí…
— Ah, estou bem! Estou novinha em folha, viu?! — disse a menina, enquanto
pequenos filetes vermelhos escorriam de sua cabeça. Seus olhos estavam
claros e ela não teve problemas para falar.
…
— É só suor!
— Sim, senhora!
—…
Não sei por que, mas já me sinto exausta. Talvez seja por causa da colisão.
— Ah… mas…
— Além disso, vou colocar as telhas de volta no lugar, então vá descansar, por
favor.
— Mas…
— Tá bom…
Este era o privilégio especial dos magos. Somos capazes de produzir qualquer
coisa – varinhas, vassouras e outras ferramentas mágicas, por exemplo –, do
nada.
— Hmm, uhhh…
Isso não é nada impressionante. Depois de se tornar uma bruxa, essas coisas
são fáceis de se fazer.
Depois de me certificar de que ela estava bem, corri para pegar as vassouras
que haviam caído do telhado. Decidi que provavelmente era uma boa ideia sair
de lá antes de fazer mais uma cena.
— Ah, hmm!
A garota aparentemente tinha mais a me dizer, mas joguei uma perna sobre a
minha vassoura, ignorando-a.
— Você não precisa se desculpar. Só não se esqueça de olhar para onde está
indo quando estiver voando na sua vassoura, entendeu?
Qualquer humano que possa usar magia inicia seu treinamento como noviço.
Nem todo mundo pode se tornar um e, na maioria das vezes, a habilidade é
passada pelo sangue. Meus pais também eram noviços.
As bruxas aprendizes estão acima dos noviços, mas estão um nível abaixo das
bruxas completas. Como o nome sugere, o título de “bruxa” se aplica apenas a
garotas e mulheres. Não tenho ideia do porquê, mas as mulheres têm maior
capacidade mágica inata do que os homens. É por isso que apenas podem
alcançar níveis mais altos que os noviços.
Essa foi uma explicação bastante demorada, mas meu argumento é que, como
uma bruxa de pleno direito, deveria ser uma das principais usuárias de magia
deste país. Eu esperava que as pessoas olhassem para mim com inveja quando
voasse pelo céu, que quando fosse a um restaurante me dissessem: “Madame
Bruxa! Permita-me oferecer-lhe um desconto em tudo! Por favor, coma o
quanto quiser!”, e assim por diante, mas…
— Hã? Um desconto? Nós não temos nada assim aqui. Você está dizendo que
não tem dinheiro, mocinha?
—…
Saí do restaurante e fui ao joalheiro. Queria vender uma joia que havia
comprado em um dos países que visitei antes e esperava conseguir uma
quantia considerável por ela.
— Ah, isso aqui é falso, sabe? Não posso te pagar nada por uma coisa dessas.
— Eu posso olhar o quanto quiser, mas a resposta será a mesma. O que você
quer fazer? Se não precisar disso, posso me livrar dessa coisa para você…
— Claro que não, querida! Eu nunca faria isso com você. Então, e aí?
— Devolva.
— Ei. Este não é um lugar para crianças como você. Xô, xô.
Huuuh…? Mas que diabos? Este é algum tipo de hotel exclusivo para pessoas
ricas? Hmm… De qualquer forma, não vou ficar aqui. Vamos para outro lugar.
Pulei da minha vassoura no topo de uma pousada muito barata com uma placa
esfarrapada. Este lugar certamente não vai me mandar embora.
Abri a janela no telhado e desci a escada que levava para dentro. Mas na
metade do caminho não pude mais me incomodar, então pulei.
Baque. O som ecoou pelo edifício como se fosse uma bala de canhão.
— Bem-vi…
E ficou rígida.
Eu também.
—…
—…
— Não, uh…
Você poderia ficar quieta por um segundo…? Espera, não, não diga isso em voz
alta.
— Hmm, está tudo bem? Eu só vim para passar a noite nesta pousada.
—…
Havia várias coisas que eu gostaria de dizer, mas me contive. Deixar isso de
lado seria a melhor opção.
Enquanto movia a caneta de pena pelo papel, a garota falou com uma voz
muito baixa:
— Sinto muito pelo que aconteceu esta tarde. Sempre que minha mente divaga
durante o treino, pareço perder a capacidade de pilotar a vassoura…
— Eu realmente queria te agradecer direito, mas você fugiu… Ah, então seu
nome é Elaina. Me chamo Saya. — Ela sorriu alegremente para mim enquanto
me observava escrever.
Parando para pensar, uma vez incendiei minha casa tentando acender uma
vela. Meus pais ficaram realmente chateados com aquilo. Ah, a juventude…
— Por que você não me deixa te compensar? Causei todo esse problema para
você, e você até curou os meus ferimentos. Detestaria deixar as coisas como
estão.
Bem, não é como se estivesse me pedindo para sair do meu caminho por ela,
então não preciso me incomodar. Pensei um pouco enquanto escrevia.
— Hmm… bem, nesse caso… — Que tal eu fazer você me dar um desconto? Eu
estava prestes a perguntar, mas me contive.
— Ah, esse desconto não se aplica a quem não é bruxa. Magos comuns devem
circular a opção de preço regular — disse ela, franzindo as sobrancelhas.
— Vamos lá, você não devia brincar com isso… Ah, bem, mas eu te causei um
monte de problemas… Beleza! Vamos lá, vou dar o desconto! — Ela bateu
palmas uma vez.
— Não, não, não, não é isso. Veja, eu sou uma bruxa. Não vê como estou
vestida?
— Hã? — disse ela, apontando para o meu peito. — Mas você não tem um
broche de bruxa.
— Perdão?
Seguindo o dedo dela, abaixei meus olhos para o meu próprio peito.
O broche que estava lá havia desaparecido.
Em certo sentido, o broche de uma bruxa seria sua identificação. Sem ele, eu
era apenas uma viajante capaz de usar magia.
Deve ser por isso que a última pousada me tratou como uma criancinha. Agora
entendo. Mas como foi que não percebi que isso sumiu? Bruxas não são tão
raras, e se eu tivesse sido um pouco mais cética, poderia ter feito algo mais
cedo. Sou só uma idiota? Ugh, que se dane, Elaina!
— Ele se foi…
Eu devia ter deixado cair após a colisão com Saya, mas já estava
completamente escuro do lado de fora. O broche era pequeno o suficiente para
caber na palma da minha mão… não era exatamente o tipo de coisa que
poderia encontrar apenas tateando no escuro.
— …Afe.
Eu vou chorar.
— Não encontrei nada!! Senhorita Elaina, também não está aqui!! — Uma voz
irritantemente alta soou do telhado, ecoando pelo beco todo. Quando olhei
para cima, vi Saya iluminada pelo luar.
— Isso também é culpa minha, então vou com você! — E insistiu em se juntar a
mim na minha busca. Ela deixou outra pessoa no comando da pousada ou algo
assim, acho.
Enquanto eu procurava pelo chão, a deixei procurando no telhado, para o caso
de ter deixado algo passar. Mas, aparentemente, ela não se saiu melhor que
eu.
— Fizemos uma busca completa e o broche não está aqui. Temos que
considerar a possibilidade de alguém ter pego… — Soltei um suspiro profundo.
— Acho que também será difícil de encontrar, já que está escuro… — disse
Saya. — Pode ser bom procurar aqui novamente amanhã de manhã. — Sua voz
estava alegre, embora meus ombros estivessem caídos de decepção. Fiquei um
pouco agradecida pelo otimismo dela.
Voando instável na minha vassoura, eu parecia uma simples bruxa noviça que
ainda estava aprendendo a voar. Ah, se alguém voasse perto de mim, eu
poderia acabar por colidir com essa pessoa.
Eu tinha passado por muita coisa para conseguir aquele broche, e ele guardava
muitas lembranças do meu tempo com minha professora. Perder aquilo era
algo amargo de engolir.
— Uff…
Após a busca, voltei para a pousada e jantei, depois entrei no meu quarto
usando a chave que recebi de Saya, lembrei que ainda não tinha tomado banho
e fui direto para o grande banheiro anexo.
Mergulhei na água quente por uma hora inteira enquanto minha mente
vagava. Ah, devo ter perdido quando colidi com Saya… mas não estava lá…
Que misterioso… Me espreguicei quase toda e enchi a banheira (estava
sozinha). Então, pouco antes de derreter na água quente, voltei a sentar o meu
corpo que já começava a ficar pesado.
Fechei a porta. Dei um passo para trás e verifiquei o número do quarto. Sim,
corresponde ao número escrito na chave. Estranho. Será que estou vendo
coisas?
— Ah, oi…
—…
— O que você está fazendo no meu quarto…? — Fechei a porta com uma mão
atrás das costas.
Fui até ela sem dizer uma palavra e agarrei suas duas bochechas.
— Mas que grande ideia, entrar no quarto de uma pessoa sem permissão?
Hein? — Puxei suas bochechas com força.
— Vau raxghrs! Voxe vaiu raxghrs minhas chechas! — Vai rasgar, você vai
rasgar minhas bochechas, é o que ela parecia querer dizer.
— Waaaaaah…
— Isso foi maldade… — Realmente, porém, qual de nós estava mais errada
aqui?
— Bem, o que você quer? Você fez questão de esperar no meu quarto, então
deve ter algum motivo para isso, certo?
— Sim, bem — confirmei —, não estou com o meu broche no momento, mas,
sim, sou uma bruxa.
— Passei.
Saya olhou para mim por um momento, depois de repente desceu da cama e se
ajoelhou. Então colocou as duas mãos no chão e pressionou a testa no chão.
Reprimindo o desejo de dizer: Huuuh? Você acha que pode pedir um favor
como esse? Ajoelhei-me ao lado dela.
Ela me contou.
— Hum… então, eu tenho uma irmã mais nova. Ela é muito fofa.
— Viemos de um país distante ao leste. Minha irmã e eu viemos até aqui para
nos tornarmos bruxas aprendizes, não há organizações oferecendo os exames
em nossa cidade natal. Então, nós duas trabalhamos nesta pousada e
economizamos dinheiro enquanto estudávamos para os exames. Vivemos assim
por vários anos, mas…
— Somente minha irmã fez a última rodada de exames. E ela foi para casa.
Sem mim.
— …Hmm. — Entendo, entendo. Acho que sei onde isso vai chegar. Em outras
palavras… — Sua irmãzinha fofinha te superou e você ficou tão impaciente que
decidiu amarrar uma bruxa que acabou de conhecer, em um acidente, devo
acrescentar, para ajudá-la a passar nos exames? É isso?
Você fez os exames de avanço várias vezes, então não acho que haja
necessidade de entrar em pânico. Mas você provavelmente está tão
preocupada com isso só porque quer ver sua irmã de novo.
—…
— Vou te ajudar pelo tempo que for preciso para encontrar meu broche. — De
qualquer maneira, não poderia deixar o país até encontrar meu broche, e não
teria nada para fazer quando não estivesse procurando. Ela provavelmente até
me deixaria ficar na pousada de graça, então achei que parecia uma boa ideia.
— Tenho que ser honesta com você, Saya. Com a capacidade que você possui
no momento, não importa o quanto lute, a chance de ganhar contra as outras
candidatas é quase nula — disse de cima da minha vassoura. Era o início da
manhã do dia seguinte ao que prometi ajudá-la. — No entanto, perto de zero
não significa zero absoluto. Deixe sua mente à vontade.
— O-o que devo fazer?! — Ela estava enérgica mesmo no início da manhã, e
seus olhos brilhavam de emoção. A garota estava tão radiante quanto o sol da
manhã.
Guiei minha vassoura até onde ela estava sentada no telhado, de joelhos
dobrados.
— Rgh…
Ah, então é por isso que as mães sentem ao ensinar aos filhos como voar em
vassouras…
— Certo!
— Certo!
No final, Saya logo aprendeu a controlar sua vassoura quase tão bem quanto
eu. Quanto tempo levou para ela atingir esse nível? Só dois dias! Eu tinha
conseguido fazer ela passar por algumas melhorias incríveis. Realmente faz eu
me perguntar o que ela estava fazendo até agora… ou será que o meu ensino
que é tão bom?
Era o quarto dia da minha estadia neste país, e o terceiro dia do nosso regime
de treinamento intensivo. Ao contrário da busca pelo meu broche, que não teve
nenhum progresso (embora eu só estivesse perguntando por aí), o treinamento
de Saya estava progredindo rapidamente e não parecia que pararia tão cedo.
Esse era o método pouco convencional que eu havia usado durante meu
próprio exame prático. Mudar o fluxo do ar era surpreendentemente eficaz, e
mesmo nesse momento eu me lembrava de como as outras concorrentes
haviam perdido o equilíbrio e caído de suas vassouras ou desviado e batido nos
prédios.
— Bem, então, acerte aquela lata ali com uma rajada de vento, por favor.
Apontei para as latas que colocamos no topo do telhado à nossa frente. Havia
cerca de uma casa de distância entre nós e as latas, mas não seria uma tarefa
difícil.
— Funciona melhor se você imaginar uma bola de ar e tentar bater nas latas
com ela… assim.
— A-assim…?
— Você está segurando a varinha errado. Seu balanço também foi errado. A
magia de vento é sutil, portanto, tentar forçá-la não ajudará.
— Errado. Assim.
Balancei minha varinha e as latas bateram uma contra a outra. Saya soltou um
pequeno ruído de surpresa. “Whoa…” Ela finalmente percebeu que eu estava
tentando não derrubar as latas.
— Assim?
Balança e solta.
— A-assim?!
—…
Uma causa perdida. Sério mesmo. Minhas instruções não fizeram nenhuma
diferença.
Hora de acelerar um pouco as coisas. Fui até atrás dela e segurei seus dois
pulsos. Os ombros de Saya tremeram de surpresa, e falei em seu ouvido:
— Sim, com seu corpo. — Balancei a cabeça e, por algum motivo, suas orelhas
ficaram vermelhas. — Okay, aqui vamos nós…
Desse jeito.
De alguma forma, ela ficou ainda pior depois que canalizei minha magia
através do seu corpo… Como isso pode ser possível? Não entendo.
Obviamente, eu não estava dando atenção a Saya o tempo todo. Por volta do
meio-dia, saí sozinha e voei pela cidade procurando pelo meu broche,
conversando com tantas pessoas diferentes quanto pude.
A intenção era continuar perguntando e perguntando.
É claro que não era como se eu esperasse encontrar informações com tanta
facilidade, e no final todo mundo que perguntei balançou a cabeça e deu a
mesma resposta: “Eu não sei.”
Parece que posso esperar algo dela. Entretanto, não tenho certeza do que esse
“algo” é…
Ela ficou lá, com a mão estendida em minha direção. “Consegui ler o seu
gesto: Se quiser ouvir mais, então pague.”
— O que eu vi foi…
Enquanto olhava da minha cama para a lua no céu do lado de fora da janela, a
porta se abriu de repente. Olhei para cima e vi Saya me encarando toda tímida.
— O quê?
—…
Ah, não, não foi isso que eu quis dizer. Este é um quarto para uma pessoa. E a
cama também serve para uma pessoa dormir sozinha.
— Bem, se você não se importa de ficar apertada, acho que não tem problema.
— Yuppee!!!
Saya bateu a porta e entrou no quarto, depois se arrastou para a cama. Ela
cheirava bem, como se tivesse acabado de sair do banho. Como se tratava de
uma pousada, deveríamos estar usando o mesmo xampu, mas o perfume era
completamente diferente do meu. Peguei um pouco do meu cabelo e o
aproximei do nariz, mas essa fragrância tenra e feminina não saía de mim.
Por que ela é a única cheirando tão bem? Ah, bem… Hora de dormir.
— A lua não é brilhante demais para olhar enquanto está indo dormir?
— Um pouco. — Virei para o lado. Quando o fiz, meu olhar se encontrou com o
dela. — Hmm, o que você acabou de dizer sobre a lua…?
— Eu não me importo, não é muito brilhante para mim. — Ela sorriu um pouco.
Ao luar, seu sorriso parecia efêmero, como se pudesse dissolver se eu o
tocasse.
— Como é? Isso não é verdade. Ainda tem tanta coisa que quero que me
ensine, Elaina.
—…
Essa garota ingênua deve realmente idolatrar pessoas como eu. Sei que estou
prestes a fazer algo cruel, mas, ainda assim, tenho que fazer o que é melhor
para mim.
— Não faz sentido continuar essa conversa, Saya — falei, balançando sua mão
—, então por que não devolve meu broche?
Seus olhos ainda brilhavam com o dinheiro que eu havia lhe dado, a velha me
disse que tinha visto tudo acontecendo. E a história dela era a verdade; uma
parte de mim suspeitava da mesma coisa. Não conseguir encontrar depois de
procurar tão minuciosamente… alguém devia ter pego.
Saya.
Seu controle de vassoura era ruim demais – o suficiente para me fazer pensar
que estava voando mal de propósito. Afinal, se não conseguisse pilotar sua
vassoura de forma decente, não teria permissão para entrar neste país.
No começo, assumi que Saya era uma moradora local, mas quando perguntei
sobre isso, disse que era uma maga de um país do leste que havia chegado sob
circunstâncias especiais. Se isso era verdade, então era ainda mais estranho
que não pudesse voar com sua vassoura. E então…
Aqui está a verdade… Suspeitei de você desde o começo. Esperei e esperei até
que devolvesse meu broche.
— Mas você escondeu e nunca me devolveu. Em vez disso, disse que queria
que eu ficasse com você para sempre. Já estou farta disso — disse a ela.
Pergunto-me quanto tempo passou. Um minuto? Dez minutos? Podiam ter sido
apenas dez segundos.
— …perguntou?
—…
Essa garota inocente e de alto astral me lembrava uma criança que foi mimada
por sua mãe.
Saya finalmente levantou a cabeça. Seu lindo rosto estava uma bagunça,
enrugado por causa do choro. Ela enxugou as lágrimas e tentou reprimir os
soluços enquanto dizia:
— Eu estava solitária.
— Eu sei disso. Eu sei, mas… eu… eu queria ficar com você. — A voz dela ficou
tão baixa. Eu não tinha certeza nem se ela estava falando com sua irmã ou
comigo.
— Ei. — Eu cutuquei sua testa, e isso fez um twik. — Isso não é desculpa.
Se você odeia ficar sozinha, então encontre alguém em quem confiar. Se você
odeia ser ridicularizada por estar sozinha, vá e encontre alguém com quem se
dê bem. Se a solidão é assustadora, faça tudo o que puder para escapar dela.
— Mas…
— Ah-ah-ah. Sem desculpas. Não ouvirei desculpas. — Cobri meus ouvidos com
as duas mãos e balancei a cabeça. De jeito nenhum. Meu cabelo voou
loucamente e a acertou no rosto.
— Agora estamos combinando. A partir de agora, você ficará por conta própria,
mas nunca verdadeiramente sozinha. Sua irmã e eu estaremos sempre
cuidando de você. — Então devolva meu broche, exigi silenciosamente.
Ela puxou o chapéu, abaixou a cabeça e segurou-o com muita força e, com os
ombros trêmulos, assentiu em silêncio. Saya parecia tão fraca e desamparada.
Passamos a minha última noite no país juntas. Eu consolei Saya enquanto ela
chorava, dei alguns conselhos para passar no exame prático de habilidades
mágicas, ouvi tudo sobre o país de onde ela e sua irmã eram, discuti minhas
futuras viagens e assim por diante.
Ah, e acontece que Saya era realmente uma maga muito poderosa. Quero
dizer, eu sabia disso o tempo todo, mas nunca descobri por que ela era tão
ruim em magia de vento. Nesse ponto, não importa o quanto perguntava, a
garota só corava e se recusava a responder. Qual é o problema dela?
Voltei a pensar após vários meses depois de deixar o País dos Magos.
Cerca de meio ano se passou desde que conheci aquela garota, perdi meu
broche e o recuperei – uau, o tempo com certeza voa. De verdade.
Eu tinha viajado para outro país tão longe que as pessoas perguntavam: “Hein?
País dos Magos? Onde fica isso?”
A razão pela qual eu estava relembrando era que, por acaso, vi o nome dela
enquanto estava passando por uma livraria.
Impresso em uma pilha de papel de palha realmente barato, era publicada todo
mês pela misteriosa organização conhecida como Associação de Magia,
responsável pela realização dos exames de bruxa noviça, entre outras coisas.
Os resultados dos exames realizados em todo o mundo, além de algumas
palavras das candidatas aprovadas, estavam exibidos na primeira página.
— Quanto?
— Um cobre.
Paguei, depois enfiei o papel debaixo do braço e voltei para minha pousada,
cantarolando por todo o caminho. Puxei minha cadeira para a janela e
continuei lendo. No artigo, a garota falava sobre seus dias mais difíceis e suas
esperanças para o futuro.
Segundo o artigo, ela havia se mudado para o País dos Magos com sua
irmãzinha há vários anos. Sua irmã, e apenas sua irmã, rapidamente se tornou
uma bruxa noviça e voltou para sua cidade natal sem ela. Então a garota
acabou conhecendo uma certa viajante que lhe deu a coragem para lutar por
conta própria, além de um chapéu incrivelmente estiloso. Ela tentou o exame
várias vezes depois que a viajante partiu, mas foi muito difícil. No entanto,
continuou tentando e nunca desistiu e, no final das contas, ganhou o posto de
bruxa noviça. Agora estava voltando para casa, com planos de treinar duro e se
tornar uma bruxa de verdade.
Sua longa história acabou com uma frase: “Depois de voltar para casa e me
tornar uma bruxa de pleno direito, gostaria de fazer uma visita à minha
viajante preferida.”
Coloquei o jornal sobre a mesa e olhei para o céu. Em algum lugar na extensão
infinita daquele céu claro e azul pálido, estava ela.
De onde eu estava, não conseguia ver o céu. Bem longe, mal conseguia ver
algo brilhando do outro lado de todo o verde. As árvores estavam crescidas
demais para poder ver mais alguma coisa.
— Ops…
Por estar olhando para cima em vez de para frente, um galho de árvore
derrubou meu chapéu pontudo. Parei, dei meia volta, peguei e depois voltei
pela floresta apertada.
Essa floresta é tão densa. Eu deveria ter voado sobre ela, pensei com pesar,
mas já era tarde demais. Já tinha ido longe demais, não valeria a pena dar a
volta para seguir outro caminho. Poderia tentar forçar meu caminho para cima
e para fora, mas tinha a sensação de que meu chapéu não seria a única vítima.
— Whoa… — murmurei.
— Minha nossa…
— Ah, olá.
— Não. Não tem nenhuma cuidadora aqui. Só estou aqui porque gosto das
flores.
— Não tem nenhuma cuidadora…? Você quer dizer que essas flores são
selvagens?
Uau.
— Você é uma bruxa? — Olhando para o meu peito, a garota inclinou a cabeça.
— Se estiver tudo bem, gostaria que você levasse este buquê para o país para
onde está indo.
Suponho que significa que você deseja que outros saibam sobre este campo de
flores.
— Muitíssimo obrigada.
Por mais alguns minutos, nos envolvemos em uma conversa leve, mas animada.
Ao menos acho que foi isso. Contei a ela sobre os lugares que havia visitado
até o momento, e a garota me contou sobre suas flores favoritas.
— Bem, então vou indo, darei suas flores para alguém no próximo país, okay?
— Estou contando com você, senhorita Viajante. — Ela apertou minha mão com
um sorriso.
—…
— Não, não consigo — respondeu ela. — Estou bem, sério, desde que fique
aqui neste campo de flores. Passo o dia todo com elas. Estou feliz por estar
aqui à luz do sol. Isso não é maravilhoso?
Voei por várias horas após deixar o campo de flores e, quando cheguei em
outro país, um guarda de roupas pretas saiu para me cumprimentar em um
tom não tão acolhedor.
Ele não tinha motivos para gritar comigo assim, e por que está me chamando
de “mocinha”?! Mesmo a pessoa mais amável do mundo não gostaria de ser
tratada dessa maneira. Naturalmente, fiquei um pouco brava.
—…
— O quê?
— Deixe-me ver. — Ele veio em minha direção e pegou o buquê das minhas
mãos.
— O quê? Ei! — Era o suficiente, eu não ia deixar que ele me tratasse dessa
maneira. Desci da minha vassoura e tentei pegar as flores de volta. Mas o
guarda afastou minhas mãos e olhou tão fixamente para as flores que qualquer
um pensaria que ele estava tentando fazer um buraco nelas. Meus protestos
não tiveram efeito.
— Espera um pouco… são do…? — Mas eu não tinha ideia do que ele estava
falando.
Eu estava me preparando para disparar uma rajada de vento quando ouvi uma
nova voz atrás de mim – e esta tinha ainda mais autoridade.
Que diabos? Este país está cheio de homens com atitudes grandiosas? Me
virei, furiosa.
— Não, isto é…
— Dispensado. Você não me ouviu? Vá fazer uma pausa.
—…
— Obrigada.
Ele não respondeu, mas finalmente saiu. Tudo o que aquele guarda fazia me
irritava. Fiquei feliz por me livrar do homem.
Depois de confirmar que o guarda mais jovem não estava mais à vista, o mais
velho, que foi chamado de “senhor”, virou-se para mim com uma expressão de
desculpas.
Não entendi o que ele quis dizer ou o que estava tentando fazer.
Inconscientemente, abracei as flores com força.
— Estas flores são amaldiçoadas — disse ele com naturalidade, sem tentar tirá-
las das minhas mãos. — São inofensivas para uma bruxa como você, mas
aparentemente contêm um feitiço que enlouquece os não-magos. Não sei todos
os detalhes, mas essa é a informação que temos até o momento.
— Amaldiçoadas…?
Ele assentiu.
— As pessoas que têm contato com estas flores são levadas onde crescem e se
tornam sua comida. Elas nunca mais são vistas. É por isso que as flores são
proibidas.
—…
— Não…
E se não fosse por ela não se levantar, mas por não poder se levantar? E se a
metade inferior do corpo não fosse mais dela?
—…
— Ah. Alguns dias atrás, ela foi para a floresta onde as flores crescem e desde
então não foi mais vista.
Depois disso, entrei no país e descobri que não havia muito o que fazer, então
fui para uma pousada. Aluguei um quarto por apenas uma noite, tomei um
banho e fui para debaixo das cobertas.
Há algum tempo li As Aventuras de Nique, ali tinha uma história sobre outra
planta estranha. Pelo que me lembro, em uma parte da história, havia uma
planta com uma mutação que a levou a absorver energia mágica, em vez de
exalá-la, assim como as plantas normais. Ela ganhou senciência e acabou se
tornando violenta.
É por isso que nossos poderes podem alcançar todo o seu potencial no meio de
uma floresta transbordando energia mágica. Quando eu ainda estava
estudando para ser uma bruxa, o lugar onde minha professora me treinou
também era uma floresta.
Ou são as pessoas que não conseguem fazer magia que são as estranhas…?
Não sei qual é qual. Sinto que talvez não seja uma boa ideia pensar muito
nessas coisas. Além disso, ficar sentada tentando decifrar tudo não resolve
nada. É como tentar descobrir o quê veio primeiro, o ovo ou a galinha.
Completamente improdutivo.
— Uah… — Cobri minha boca e esfreguei meus olhos. Ainda não estou
cansada. Estou bem. Não estou cansada, não estou cansa… o campo de flores.
Realmente não seria tão estranho se o campo de flores sofresse uma mutação
devido à superabundância de energia mágica.
E assim o campo de flores começou a atrair humanos com sussurros do veneno
doce como néctar. O que diabos nasceu lá?
—…
Era a manhã seguinte e o guarda de idade que encontrei no dia anterior estava
parado no portão da fronteira. Parecia que se lembrava de mim e me
cumprimentou com um sorriso alegre.
— Sim. Não é um país muito grande, então vi tudo o que queria em um só dia.
— Ha ha, essa foi uma boa piada. — Ele viu através de mim.
— Hmm? Ele está de folga hoje. Deixou o país ontem à noite e ainda não
voltou. Você tinha negócios com ele?
— De qualquer forma, ele disse que voltaria de noite, então você pode esperar
se quiser vê-lo.
Estava mais preocupada com esse lugar do que com qualquer outra coisa.
E… pude ver a floresta lá longe. Olhei para a área por onde passei no dia
anterior e voei com a minha vassoura.
Havia um caminho aberto por entre as árvores, como se elas tivessem sido
arremessadas da floresta, dando um tom diferente ao mar de verde que se
espalhava diante de mim. O vento frio soprava violentamente. Nuvens
pairavam no ar, bloqueando a luz do sol. O céu cinzento já começara a ficar
com a cor de chumbo.
—…
Conforme me lembrava, refiz meu caminho desde o dia anterior, então não
estava no lugar errado, ele só parecia diferente, mas com suas similaridades.
No entanto, havia um certo desconforto que eu não conseguia afastar.
Desci da minha vassoura e fui até a fonte do meu mal-estar. Meu pé fez
um squish inquietante quando pousou no chão, e eu pude sentir as pétalas de
flores morrendo sob meus pés.
—…
Era a jovem que me deu o buquê de flores, e agora também havia um homem
de frente para ela. Ele estava vestindo roupas diferentes, mas eu lembrava de
seu rosto. E estava sentado no campo de flores, sorrindo para a garota.
— Olá de novo.
— Ah, a viajante de ontem. Olá. — Ele me deu uma resposta muito simples.
Quanto mais eu olhava, mais estranho ficava – de alguma forma, não podia
mais chamar a garota que segurava a mão do jovem de humana. Manchas
verdes pontilhavam sua pele, trepadeiras se curvavam ao redor de seu corpo, e
seus olhos vagos encaravam o ar estagnado sem nem piscar. Sua boca estava
escancarada como uma caverna, e a baba escorria pelos cantos.
A coisa mais estranha era a sua metade inferior. Da cintura para baixo, estava
envolvida em enormes pétalas de flores vermelhas, como se um humano
tivesse crescido de uma enorme flor. Flor e humano se tornaram um, que vista
bizarra.
— Ela está tão bonita. Quem teria pensado que estava aqui fora, se tornando
tão bonita?
—…
— Qual é o problema?
Balancei a cabeça.
— Não é nada. Estou surpresa porque ela parece muito diferente de ontem.
— Ah, ontem. Sinto muito. Eu estava me sentindo mal, já que não sabia para
onde minha irmã tinha ido.
Virei meu olhar um pouco para baixo e vi sua perna envolvida por trepadeiras.
Tive certeza que ele não podia mais se mover. Ou melhor, poderia, mas
provavelmente havia perdido qualquer desejo de se mover.
—…
Ele não deu atenção à minha presença. Se eu não falasse, logo o homem se
voltaria para a garota e continuaria falando com os olhos vazios.
— Não posso acreditar que você manteve esse lugar incrível só para você…
— Ah, é mesmo… Diga, por que não trazemos todo mundo lá de casa? Se
mostrarmos isso a todos, ficarão tão felizes.
— Quero que vejam especialmente você, ainda mais agora que ficou tão
bonita…
— Entendo… Obrigado.
— Ah, não…
—…
Não sabia dizer se era homem ou mulher. Sua idade era um mistério. Poderia
dizer apenas que era humana. A pessoa estava caminhando para algum destino
desconhecido; se continuasse em frente, talvez chegasse a outro país.
Havia uma placa bem ali, então a segui obedientemente. A estrada era muito
estreita – na verdade, não era bem uma estrada, estava mais para uma trilha
simples – então eu não podia usar minha vassoura. Se quisesse mesmo, poderia
ter insistido e continuado voando, mas não queria lidar com as curvas
constantes.
Sem outra opção, caminhei ao longo da estrada não pavimentada que não era
bem uma estrada, pisando na grama. A grama, úmida com o orvalho da manhã,
espirrou gotas de água em mim enquanto eu prosseguia. A barra do meu robe
já estava úmida.
Para alguém caminhando isso pode até ser um atalho, mas estou usando uma
vassoura, então obviamente é um caminho mais longo.
O comércio não devia ser muito grande, já que este caminho era tão pouco
desenvolvido. Deve ser um país tão pouco desenvolvido quanto esta floresta.
Bem, isso é só o meu palpite. Hmm… De repente, meu desejo de ir para lá
havia desaparecido. Que tal voltar atrás, hein?
Brincadeirinha.
— Minha nossa…
Uma árvore caída – uma das grandes, talvez com várias centenas de anos, pelo
que parecia. E não era a única deitada de lado; havia um monte delas.
Ah, um urso?
Com um grunhido, ele fez uma pose para mostrar seus músculos. Muitas
pessoas poderiam derrubar árvores com força bruta, mas guardei esse
pensamento para mim.
— Isso mesmo. Sou daquele país. Como adivinhou? Você poderia dizer só pelos
meus músculos?
— Hã? Quer dizer que sua terra natal está cheia de homens musculosos como
você? — Talvez eu deva voltar.
Não acho que irei muito longe com esse cara. Tentei agradá-lo, falando:
Eu realmente não sabia a melhor forma de tocar nessas coisas, então tentei
cutucar com o meu dedo indicador.
— Uaaau, incrível. — Era tão duro quanto uma rocha.
—…
Seguindo essa lógica, quer dizer que está tudo bem quando sua irmã toca seus
braços? Entendo. Sério, o que há com essa lógica distorcida? Morra.
Alguns dias antes, sua irmã mais nova havia sido sequestrada por um grupo
estranho. O homem musculoso não estava por perto, então não foi capaz de
resgatá-la.
Ele tinha ouvido de uma testemunha ocular que as pessoas que sequestraram
sua irmã eram um bando de homens musculosos. Para enfrentá-los, começou a
treinar no local e derrubou todas as árvores, uma por uma.
— Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Não tenho músculos suficientes
para lutar contra os homens musculosos que a sequestraram.
Parecia que eu poderia ter o mesmo destino das árvores caídas se dissesse isso
em voz alta, então apenas dei um aceno exagerado…
— Um urso…?
— Sim. Um bem assustador. Ele pode pegar peixes do rio com as patas. Não
estou nem perto de ter essa destreza.
— Uhum…
— Uhum…
Se o urso já foi derrotado em uma luta corpo a corpo, já não perdeu o título de
“campeão da floresta”?
— Depois disso…
Ele me fez ouvir seus planos por cerca de uma hora, mas a
palavra irmãzinha nunca saiu de sua boca. Tive que me perguntar se o sujeito
realmente tinha alguma intenção de ir ajudá-la. Talvez seus músculos
excessivamente treinados tivessem começado a restringir o fluxo sanguíneo
para seu cérebro. O homem havia perdido de vista o seu objetivo original. No
final, resgatar sua irmã se tornou cada vez menos importante.
Me pergunto quando ele vai se lembrar do por quê está fazendo tudo isso.
Depois que fui forçada a sacrificar três moedas de prata com a taxa de
entrada, os três cobres restantes e uma única moeda de prata tiveram que se
contentar em um pequeno quarteto lamentável. Infelizmente, a moeda de prata
era tão velha e suja que ninguém conseguiria distingui-la dos cobres, a menos
que olhasse direitinho. Eu não tinha certeza nem se seria capaz de usá-la.
Uma moeda de cobre geralmente era o suficiente para comprar um pão. Com
uma moeda de prata, poderia passar uma noite em uma pousada barata e, se
tivesse ouro, poderia comprar alguns acessórios de alta classe.
Sempre que estou com problemas financeiros fico com vontade de gastar
dinheiro. Segurando meu estômago roncando, caminhei por uma grande
avenida. Barracas de comida estavam alinhadas como joias cintilantes,
vendendo pão, frutas, vegetais e também algumas outras coisas. Faminta como
estava, quase podia ouvi-las me chamando.
Eu quero comeeeer…
Quando me dei conta, estava em frente a uma barraca de comida. O rico aroma
de trigo flutuava pelo ar. Não tinha nada indicando os preços.
A bem-humorada senhora sentada do outro lado da bandeja de pão olhou para
mim e sorriu.
Aconteceu de ela ser uma raposa velha que extorquia dinheiro dos pobres.
— Hmm? Com licença; talvez minha audição não seja das melhores. Você
poderia repetir o preço?
— Não, cada pão custa 3 moedas de cobre, obviamente. Algo de errado com a
sua cabeça, senhorita?
Eu deveria estar perguntando a mesma coisa! Você é louca? Por que eu teria
que pagar três cobres por um pão velho que ficou jogado aí sabe-se lá por
quanto tempo? Queria que ela ouvisse as minhas reclamações, mas,
infelizmente, não tive energia para levantar a voz.
No final, não disse nada e fui embora. Ainda exausta e sustentada por nada
além de ar e minha própria saliva, passei pelas horríveis barracas de comida
que me tentavam.
Seguindo direto pela larga avenida, cheguei a uma praça aberta onde uma
grande fonte se estendia em direção ao céu. Não havia nada de incomum; era o
tipo de arquitetura que poderia ver em qualquer lugar. E no banco ao lado da
fonte estava um homem e uma mulher conversando e rindo, sem prestar
atenção nos arredores – outra cena completamente comum.
—…
Eram tão estúpidos que eu não conseguia nem continuar brava com eles.
—…
Já era a sexta pousada. Eu tinha começado minha busca pelos hotéis mais
baratos, então como isso estava acontecendo? Cada pousada estava cobrando
pelo menos três vezes o preço normal.
Este lugar tinha rachaduras nas paredes e nem tinha banheiro, mas o
proprietário estava dizendo que uma noite custava três moedas de prata? Que
piada.
Eu continuei:
— Não podemos negociar? Só tenho uma prata e três cobres… — Virei minha
bolsa de cabeça para baixo no balcão. Clink… a triste verdade era até mesmo
audível.
— Não são quatro cobres?
— Não tem nada que eu possa fazer. — O homem que dirigia a pousada
suspirou. — Por favor, entenda, senhorita. São negócios.
— Aughhh… — Não havia como negar, e parecia que ficar nesta pousada não
era uma opção. — Eu só tenho uma pergunta para você.
— E qual seria?
— Não acha que os preços deste país estão um pouco altos? A cidade nem
mesmo tem atrações para visitar, ou algum produto local exclusivo que
justificaria aumentar tanto os preços básicos de todas as coisas.
O homem assentiu.
— Isso mesmo. E com todo o dinheiro falso circulando, o valor de nossa moeda
despencou. Como uma estranha, os preços neste país parecem um pouco altos,
mas para todos que vivem aqui, está tudo com um preço razoável.
Entendo.
Finalmente entendi o que estava acontecendo neste país. Eu não sabia o que o
rei estava tentando fazer, mas se ele pensava que poderia estimular sua
economia com moedas falsas, então com certeza era uma pessoa muito idiota.
Mas, pelo visto, não teve muita resistência de seus cidadãos quanto a isso…
— Nós com certeza sofremos… Pessoas que vêm de fora podem ficar com o
coração partido pelos preços altos. — Pessoas como eu.
O homem olhou rapidamente para algo atrás de mim. Quando olhei, vi que
outro cliente fez fila atrás de mim e me deparei com as três moedas de prata
para uma noite. Pelo visto, pagar o triplo do preço normal realmente parecia
apropriado para os habitantes locais.
Voltei para a larga avenida onde não consegui comprar pão e sentei-me
discretamente na beira da rua para observar as pessoas passando. Pareciam
bem despreocupadas enquanto iam às compras.
Mesmo sabendo que estavam usando dinheiro falso, estavam felizes como se
não estivesse acontecendo nada.
—…
Como eu era uma viajante, mais cedo ou mais tarde acabaria usando todo o
meu dinheiro. Nunca tinha me estabelecido em algum lugar e aceitado um
emprego, então isso era inevitável. Já tive problemas com dinheiro muitas
vezes antes. Afinal, não poderia nem entrar em um novo país se ficasse sem
qualquer tostão.
Desta vez, também venderei meus serviços por três vezes o preço normal.
Então, serei como todo mundo por aqui, alguém que pode usar moedas falsas
sem um pingo de culpa.
— Ei, você! — gritei para um jovem que descia a rua com uma expressão séria.
— Hã, eu?
— Sério…
— Muitas vezes não sabemos o que está nos incomodando. Por exemplo, falta
de confiança em sua aparência pessoal, ou problemas no trabalho, ou
sentimentos de pavor por não conseguir encontrar a alma gêmea mesmo
depois de tanto tempo…
— …!
Percebi a ligeira mudança em sua expressão. Aha, então ele está tendo
problemas para encontrar uma namorada. É isso?
— Devo ler sua sorte e descobrir quando sua alma gêmea aparecerá diante de
seus olhos?
Eu deveria examinar as chamas para ver a sorte de alguém, mas não estava
rolando.
— Normal que não tenha ouvido. Esse estilo de adivinhação é uma arte
secreta, transmitida de geração em geração na minha família, então não é algo
que a maioria das pessoas conheça.
Eu não podia me dar ao luxo de arruinar o meu disfarce, então tive que cortar
esse tipo de assunto.
— Hoje.
— Esta noite, sua alma gêmea aparecerá diante de seus olhos — continuei,
antes que ele pudesse se envergonhar e dizer algo de que se arrependeria. —
Se seguir em frente, chegará a uma praça com uma fonte, certo? Deve ter um
banco quebrado próximo à fonte. — Peguei algo da minha bolsa e estendi para
ele. — Se enrolar isso em sua mão e ficar ao lado do banco, sua alma gêmea
aparecerá diante de você.
— Mas não é. É um barbante mágico, imbuído com minha energia mágica. Ele
tem o poder de atrair boa sorte.
— Sua alma gêmea, sim. Agora fique atento e espere até esta noite. Não
gostaria de decepcionar a pessoa a quem está destinado, não é?
— Senhor, a taxa pelo barbante e pela leitura da sorte equivalem a uma única
peça de ouro. — O jovem fez uma careta, obviamente, até que eu disse as
palavras mágicas: — Não se preocupe. Se por acaso não encontrar o que
busca, vou te oferecer um reembolso.
Cerca de uma hora se passou desde que o jovem de rosto sério partiu.
Uma jovem passou. Seu vestido era simples, assim como seu rosto – tudo nela
era simples. E parecia ter a mesma idade que eu.
Havia muito com o que trabalhar, mas ela estava desperdiçando seu potencial
com roupas que pareciam ter saído do chão do armário, para não falar de sua
pele e cabelo.
Assim como minha moeda de prata sem graça. E então meu próximo cliente foi
escolhido.
— Ei, você! — gritei quando ela passou, de cabeça baixa. — Estou certa em
assumir que está sofrendo para encontrar um amante?
— E-eu…?
— Sim, você.
— Eu sei essas coisas. Afinal, sou uma adivinha. Posso ver tudo, desde seus
sentimentos perturbados até sua alma gêmea predestinada.
— É claro. Posso ver claramente, bem diante dos meus olhos. — Claro, era tudo
mentira.
— Hoje.
— H-hoje…?
A garota olhou para mim com apreensão, seu coração disparando com a
menção de uma alma gêmea. Mas eu não estava com pressa. Tudo estava
ocorrendo exatamente como planejado.
— Se você for em frente, verá uma praça com uma fonte, certo? Deve ter um
banco quebrado próximo à fonte. — E, assim, mantendo uma compostura muito
uniforme, contei o resto. — Esta noite, um jovem com um pedaço de barbante
velho enrolado na mão estará lá. É ele.
Peguei algumas pedras ao redor da área e disse às pessoas que iriam melhorar
a sorte, manipulei almas gêmeas para se conhecerem, e assim por diante. Após
vários dias de excelentes negócios, minha bolsa ficou cheia de moedas. Pelas
minhas estimativas, ganhei o suficiente para viver bem por vários meses.
Como os preços eram tão elevados neste país, gastei muito dinheiro com
hospedagem e alimentação, mas todos ficaram felizes em pagar uma tarifa
muito mais alta pelos meus “serviços” do que o normal. O valor real do
dinheiro neste país era menor do que nos outros.
— Sim, eu imbuí esta placa de PROMOÇÃO com meu poder mágico… Se você
pendurar na frente de sua loja, os pães vão sumir das prateleiras.
— Que ótimo. Bem, a taxa para a placa e a taxa para a consulta somam três
moedas de ouro.
— Você vai me dar três placas?
— Não, cada uma custa três moedas de ouro, é óbvio. Algo de errado com a
sua cabeça?
Vendi minha placa escrita à mão para a mulher da padaria, que veio até mim
depois de ouvir rumores sobre meus serviços, e com isso meu trabalho acabou.
Um tilintar alegre soava de minha carteira muito pesada.
— Você aí!
De repente, alguém agarrou meus ombros por trás e eu me virei, surpresa. Ali,
parado, estava um soldado.
Vários soldados, na verdade. Tinha mais ou menos uns dez, todos vestidos da
mesma forma, e lentamente se moveram para me cercar. Cada um estava
segurando uma lança e armas penduradas nas costas. Não pareciam nada com
os habitantes locais.
—…
O que eu faço? Alguém deve ter feito uma reclamação sobre o fato de eu estar
fazendo estelionato, mas não é como se realmente tivesse enganado alguém.
Ahhh, o que eu faço agora…? Não posso correr; eles me cercaram. Poderia
usar magia para escapar, mas não quero me tornar inimiga de um país
inteiro…
— Você também é muito jovem, Vossa Majestade. Achei que seria mais velho.
— Os soldados olharam para mim friamente, mas eu não quis ser sarcástica.
Realmente esperava alguém mais velho.
— Como assim?
Ele acredita em minhas habilidades? Ou não? Ou será que viu através das
minhas mentiras?
Evitei a pergunta.
— Antes de responder à sua pergunta, tem uma coisa que gostaria de te fazer,
Vossa Majestade.
— E qual seria?
— Por favor, diga-me suas razões para colocar dinheiro falso na economia do
seu país.
— Uma pessoa que era muito próxima do rei anterior. Como acabo de ascender
ao trono, confio a ele todas as questões de política econômica. Seu plano era
estimular nossa economia circulando a moeda recém-cunhada, mas não está
dando muito certo.
—…
— Meu conselheiro fez muito bem por este país. Na verdade, acho que ele
deveria ser rei no meu lugar, embora a natureza hereditária de nossa
monarquia torne isso impossível. Além de impulsionar as políticas
governamentais, ele está sempre ao meu lado para me aconselhar. Se não
estivesse aqui, eu já teria perdido minha coroa, tenho certeza.
—…
— Mas, desta vez, estou começando a me perguntar. Não acho que ele esteja
nos guiando para a prosperidade. Não quero duvidar dele, mas o estado atual
de nossa economia não é boa. Esses rumores infundados sobre moeda falsa
estão correndo soltos, e agora que os preços estão subindo, os viajantes estão
indo embora. O comércio também não está indo bem.
Depois de ouvir seus problemas, só consegui pensar em uma coisa: Ele quer
que eu o tranquilize. O rei queria que alguém lhe dissesse que o futuro do país
seria pacífico, que o conselheiro em quem confiava não estava mentindo e que
colocasse seus medos de lado.
Parece ser uma pessoa muito simples. Não, provavelmente é mais correto dizer
que é honesto ao ponto de ser sem noção.
— E é por isso que quero que você preveja o futuro deste país. Consegue? —
perguntou.
— Ah, sério?! — Ele pegou minha mão em seu entusiasmo, então puxei minha
mão e dei um passo para trás.
— Sim, eu nunca minto — falei. É sobre isso que as pessoas falam quando
dizem que alguns acham que mentir é tão fácil quanto respirar? — No entanto,
antes de prever o futuro do seu país, tenho algumas condições.
— Diga-as.
Levantei meu dedo indicador.
— Em primeiro lugar, deixe-me ficar aqui por uma noite. A previsão da sorte
para um país inteiro é um trabalho exaustivo. Além disso, é necessário que eu
compreenda todo o país a partir do palácio que fica no seu centro.
— Certo. Entendi. Vou providenciar isso agora mesmo. — O jovem rei assentiu
com entusiasmo.
Levantei o próximo dedo. A primeira condição era apenas um brinde. Não seria
errado dizer que era uma etapa preparatória para ajudar no meu plano real. A
próxima condição que era a importante.
— E segundo…
Depois disso, fui para o quarto fornecido pelo jovem rei, deitei-me em uma
cama macia e fofa pela primeira vez em muito tempo e revi minha estratégia.
Teria que esperar até a hora de agir.
— Ey.
Pude adivinhar pela tensão no ar que esta não era uma conversa amigável.
— Que tal o quê? — O homem mais velho coçou a cabeça. — O plano está indo
bem. Em breve, chegará a hora de expulsar aquele rei.
— E quando será isso? Já faz um bom tempo que você diz “em breve”. — A voz
do jovem estava tensa de frustração.
Espera um segundo – já ouvi essa voz em algum lugar. Meu minúsculo cérebro
de camundongo tentou se lembrar, e uma pessoa com a voz bem parecida
surgiu em minha mente.
Acho que o jovem falando com o homem mais velho é o soldado que me
agarrou pelo ombro nessa tarde. Se não estou errada…
— O rei convocou uma adivinha viajante ao palácio, e tenho certeza que ele
perguntou a ela sobre o futuro de nosso país. É provável que nosso plano agora
seja descoberto.
— Aquele menino é totalmente dedicado a mim; duvido que faça tal coisa. Ele
provavelmente apenas a fez prever sua sorte para amanhã.
—…
Cof.
— As aparências enganam.
Sim, você está exatamente certo. Não sou só uma jovem, sabe. Sou uma bruxa.
Talvez cansado da conversa, o jovem suspirou profundamente.
— Sim, pretendo, então você cumpra sua parte nisso também. Afinal, suas
ações são críticas para o meu plano.
— Entendo.
O teto rangeu, então se abriu com um estalo alto de trituração, e uma bruxa
com cabelos acinzentados e uma varinha na mão caiu na sala.
Meu feitiço havia acabado na metade da minha missão. Devo tomar mais
cuidado ao tentar feitiços desconhecidos.
Aparentemente, o teto era perfeito para um rato espiar por um buraco e olhar
para baixo, mas não um corpo humano. Ele quebrou no momento em que voltei
à minha forma normal.
Será que estava podre de tão velho? Com certeza não é por causa do meu
peso… Eu acho.
— Q-quem é essa?!
— Você é o conselheiro do rei, né? — Encarei o homem mais velho, cujas mãos
e pés agora estavam amarrados.
— Quem é você?
—…
Silêncio.
E então respondi:
Agora estavam trancafiados na prisão. Eu não sabia o que seria deles, mas não
precisava mais me envolver.
Depois que o interrogatório dos dois conspiradores foi concluído, fui convocada
entre os tronos para aceitar um presente do jovem rei.
Como minha segunda condição para prever o futuro do país, fiz com que ele
trocasse todo o dinheiro que ganhei pelo velho, para me livrar de qualquer
falsificação.
— Vou trocar todo o dinheiro falso que circula pelo país. — O jovem rei parecia
exausto. — Parece que a maior parte do dinheiro em sua carteira também era
falsificada.
Virei minha vassoura para a esquerda e para a direita, e podia ouvi-la cortando
o vento – hyoom, hyoom – tornando meu passeio um pouco mais divertido. Mas,
infelizmente, a diversão nunca dura muito, e dessa vez não foi diferente, pois
um som menos agradável no vento levou minha diversão a um fim abrupto.
Quando virei minha cabeça para descobrir de onde saíam as vozes, vi dois
homens parados no meio de uma clareira discutindo sobre algo. Eles estavam
vestidos com roupas de cores diferentes, e o trecho da conversa que ouvi me
entregou que eram irmãos.
— De jeito nenhum, claro que sou melhor. Me diz quando um irmão mais novo
superou o irmão mais velho!
— Ha-ha! Que coisa estúpida. Deve ser uma história de quando irmãos mais
velhos eram seres humanos inúteis! Mas eu mesmo já sou um espécime
perfeito! Não cometo erros e, mesmo supondo que cometa, seriam erros em
um nível mais alto do que você jamais poderia alcançar.
Os dois ficavam se insultando com coisas sem sentido, olhando e gritando
coisas como “Huh?” e “Quer pagar para ver?”
— Tudo bem, então! — gritou ele. — Vamos chamar aquela garota para nos
dizer qual de nós é melhor, você ou eu!
— Truques de mágica!
— Truques de mágica?
— Truques de mágica!
— Truques…
— Ei, você não a ouviu? É por isso que crianças como você…
— Hã? Não aja como se você fosse melhor só porque nasceu três anos antes de
mim, seu idiota!
— E você não entende a diferença que três anos fazem porque ainda é uma
criança, sua criança burra.
— Ah, bem, se três anos são grande coisa, então por que todos os seus truques
de mágica não são melhores do que os meus? Hã?
— Vocês dois poderiam ficar em silêncio por um minuto?
— Tá.
— Certo.
Eu disse a eles para calarem a boca, e calaram. Por fim, houve silêncio.
— Em nossa terra natal, não há uma única pessoa que possa usar magia. Um
dos motivos é que é um país pequeno, mas também tem alguns motivos
religiosos, para não mencionar um tabu histórico contra isso.
— Com certeza ficaram. Nós até fomos presos. Mas não estávamos realmente
usando magia; era tudo ilusão. Então, não importava quantas vezes nos
prendiam, sempre tinham que nos soltar.
— De alguma forma…
Aposto que as pessoas os viam como heróis. Posso imaginar o que os outros
membros de sua geração também estavam dizendo. “O governo em nosso país
não é bom! É incompetente!” Ou algo assim…
— Sim, foi.
— Aham.
— Um nome, hein?
O problema era que os dois eram tão impressionantes que eu não conseguia
escolher quem era o melhor. Percebi que esse era um daqueles casos em que
era impossível decidir.
— Que tal? Fui o mais impressionante, é claro — gabou-se o irmão mais novo.
— De jeito nenhum, meus truques de mágica foram mais incríveis que os seus.
Qualquer um pode falar isso — disse o irmão mais velho no mesmo tom
arrogante.
— É um empate.
Para ser honesta, eu estava farta de toda essa bagunça. Deixaria a decisão
para outra pessoa, em outro lugar. Estava pronta para que os irmãos ficassem
chateados com minha resposta, mas apesar de suas discussões anteriores, os
dois estavam surpreendentemente calmos.
— Você me ouviu.
— Tá.
— Certo.
— Bem, então, vou indo. — Preciso me apressar para o próximo país; afinal,
sou uma viajante. Com um sorriso forçado, comecei a sair.
Mas então…
Hã? Pagar?
— Mas é claro.
— Ver nossos truques incríveis de graça seria bom demais para ser verdade,
né? Né?
— Né.
O que aconteceu com as duas pessoas que estavam rosnando uma para a outra
até alguns minutos atrás? Os homens na minha frente estavam em perfeita
sincronia.
— Também não me lembro de dizer que era de graça — disse o irmão mais
novo, bufando.
— Certo — continuei. — O que significa que foi uma competição entre vocês
dois, não um show de mágica. Por que eu deveria pagar alguma coisa?
— Não seja ridícula. Nossos truques de mágica são sempre uma competição
entre nós. Certo?
— Certo.
Sério…?
— Bem, quanto é…? — Decidi perguntar, apenas por acaso. Não significa que
aceitei a explicação deles.
Como uma prata era suficiente para uma noite em uma pousada, os dois
estavam me dizendo para jogar fora dinheiro suficiente para mais de uma
semana de hospedagem. O que eles estão pensando?
—…
Estou muito, muito relutante, mas, infelizmente, eles não estão errados.
Tecnicamente, poderiam dizer que a culpa foi minha por não perguntar sobre o
preço, e eu não teria como argumentar.
Mas não quero pagar por algo tão estúpido, especialmente quando estão me
forçando…
— De jeito nenhum. — Fui muito clara. Estúpidos não fazem o meu tipo.
O homem musculoso não se importou nem um pouco com a minha atitude (na
verdade, provavelmente nem ouviu o que eu disse) e falou para os dois
mágicos:
— Enfim, vocês aí! Mesmo que os deuses os perdoem por enganar as pessoas
para ganhar dinheiro fácil, eu não perdoarei. Preparem-se. — Era difícil ouvi-
lo, em mais de uma maneira. Virei minha cabeça.
— Uh, sem motivos — falei. — A propósito, por que você está aqui, Musculoso?
— E a sua irmã?
— Irmã? — Depois de ficar quieto por um momento, ele disse: — Ah, minha
irmã… minha irmã, sim. Eu estava pensando em procurá-la depois de derrotar
o dragão lendário. Ha-ha-ha! — Sua risada foi forçada, falsa e muito alta.
Até seu cérebro havia se transformado em músculo, mas isso não era surpresa.
— Nesse caso, este homem não tem nada a ver com isso, certo…?
— Extorquir dinheiro de garotas amáveis como ela não é algo que as pessoas
deveriam fazer! Vamos colocar suas personalidades em forma, começando
agora! — Então ele agarrou os dois irmãos pela nuca e saiu correndo.
— Bwah-ha-ha-ha-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha!
Parei no local onde havia mordido a isca e acenei para os dois vigaristas que
choravam. Mesmo quando os três pareciam tão pequenos quanto grãos de
arroz, suas lamentações ecoavam interminavelmente pela extensa campina.
Bem, tive sorte. Me pergunto o que será dos dois irmãos e do homem
musculoso.
Quando olhei para cima, notei uma nuvenzinha vagando vagarosamente pelo
céu, e senti até que poderia estender a mão e tocá-la.
Uma bruxa estava voando por esta vista cativante em sua vassoura. Ela estava
no final da adolescência e usava um chapéu pontudo e um robe preto com um
broche em forma de estrela sobre o peito. Não preciso nem mencionar quem
era ela, né — Isso aí. Euzinha.
Agora, podemos tirar um tempo para realmente apreciar este cenário incrível,
mas vamos seguir com a história…
Ele não parece hostil. Vou acenar de volta – da forma mais elegante possível, é
claro.
— Hiya! Uau, senhorita, você é uma bruxa de verdade! — O menino olhou para
meu broche e sorriu.
Ele está… me convidando para sair? Não, não, claro que não.
— Acho que você pode dizer que estou livre, mas também pode dizer que estou
ocupada.
— Se você está procurando uma aldeia, tem uma ali. — Ele apontou, e havia de
fato uma pequena aldeia… ou algo parecido com uma. Parecia muito isolada.
— Aham.
— Ah, prazer em conhecê-la. Me chamo Emil… Espera, não, não foi isso que eu
quis dizer! Quis dizer que é a aldeia onde eu moro. — Emil estufou as
bochechas.
Quando olhei mais de perto para a garrafa, mal consegui distinguir a forma de
algo se contorcendo dentro dela, era uma espécie de névoa branca flutuante
que se movia como uma coisa viva.
— Hmm…
Quando estendi minha mão, Emil apertou a garrafa ainda mais forte em seus
braços e recuou um pouco. Com um olhar hostil em seus olhos, e proclamou:
— Estou fazendo isso para uma garota que gosto, então não vou deixar você
tocar!
— Uhum.
— Hmm? Sim, é uma empregada chamada Nino, uma que trabalha na minha
casa. Ela sempre parece tão triste, então vou dar um pouquinho de felicidade
para ela.
— Ora, ora.
— Ah, aí está. — Ele apontou para a aldeia que eu já podia ver à frente.
Ah, uau.
— Não é?
Descemos das vassouras e passamos entre duas árvores que serviam de portão
para a aldeia. Bem à nossa frente na estrada ficava uma casa que era uma
grande e esplêndida mansão quando comparada às outras. Quero dizer – bem,
era quase do mesmo tamanho que a maioria das casas normais dos outros
países.
— Essa é a casa do chefe da aldeia?
— Eh? — Então não era necessariamente errado dizer que esta aldeia era a
aldeia do Emil.
— Ah, eu deveria ter ficado surpresa? Uau, isso é incrível, você deve ser muito
rico!
— Hmm… quero dizer, não é isso… — Uma sombra caiu sobre a expressão do
menino.
— De qualquer forma, Emil, quando você vai dar a garrafa para a garota? —
perguntei, e ele se animou de novo. Seus altos e baixos emocionais eram
divertidamente extremos.
— Hoje! Vou dar para ela depois do almoço. Ah, sim, você deve ficar! A comida
da Nino é a melhor!
— Certo, vou pedir para que a Nino prepare uma porção pequena para você!
Tem alguma coisa que você não come? Vou pedir para ela não colocar!
Parecia que ele queria que eu ficasse para o almoço, não importava o
quê. Bem, eu não tenho nenhum motivo para recusar, tenho?
— Não, qualquer coisa serve para mim, mas realmente acabei de comer, então,
por favor, peça para que ela prepare pouco, tá?
— E o chefe da aldeia?
— Ah…
Era uma jovem. Quando nossos olhos se encontraram, ela deu um pulo de
surpresa e fez uma pequena reverência assustada. Para ser sincera, isso foi
meio patético.
Seu cabelo preto brilhante era liso e seus olhos eram de um castanho escuro e
profundo. Parecia uma certa aprendiz de bruxa que encontrei em outro país,
também do Leste. Só que o cabelo daquela aprendiz era um pouco mais curto.
Talvez tenha sido rude de minha parte perguntar de onde ela era. A garota
confusa olhou para Emil em busca de ajuda.
— Ouvi dizer que eles estão fazendo você trabalhar como empregada
doméstica nesta casa, é verdade?
Sua resposta foi mecânica, como se ela estivesse sendo compelida a ler um
roteiro.
Quando esse pequeno diálogo terminou, Nino baixou o olhar, parecia querer
evitar qualquer contato visual. Ela não parecia muito boa em conversar com as
pessoas.
— Ei, ei, Nino, o que tem para o almoço de hoje? — Não consegui ver sua
expressão porque ele estava de costas para mim, mas tenho certeza de que
tinha um sorriso enorme.
— Yay! Diga, se estiver tudo bem, posso pedir para você fazer um pouco para
aquela garota também? — Emil apontou para mim. Nino me observou por um
momento e acenou com a cabeça.
— Viu, senhorita?
— Eu agradeço. Obrigada, mas não estou com muita fome, então, por favor,
faça uma porção pequena para mim.
— S-sim, senhorita… — Como Emil havia dito, Nino realmente parecia triste.
Se alguém entrasse naquele momento e visse seu rosto, poderia supor que nós
dois estávamos a intimidando.
— Ah, sim! Ei, Nino, depois do almoço de hoje, tenho um presente para você.
— N-não… está tudo bem. S-se você der algo a uma serva como eu… o chefe da
aldeia ficará bravo… — Mesmo por trás da resposta humilde, essa era uma
coisa particularmente servil para se dizer.
— Ah… mas…
—…
Seus sentimentos deviam ter chegado até ela; afinal, ele foi muito direto, talvez
até exagerado. Nino balançou a cabeça lentamente.
Emil foi ajudar Nino, deixando a convidada (eu) sozinha na sala de jantar. Eu
também tinha ido à cozinha para dar uma mão, mas ele me rejeitou com um
sorriso deslumbrante.
Acabei passando o tempo sem fazer nada além de sentar na minha cadeira.
Ele não era especialmente velho ou jovem, devia estar no final dos trinta ou no
início dos quarenta. Talvez. Será?
— Me chamo Elaina, sou amiga do seu filho. Sou uma viajante. Prazer em
conhecê-lo.
Eu sei disso. E agora ele havia feito sua aparição no momento perfeito.
Exatamente quando precisava de algo para fazer.
— Desde o começo.
— Ah, é mesmo?
— Mm.
— Mm.
— Vocês têm alguma especialidade culinária local pela qual são conhecidos?
— Não.
— Nenhuma?
— Mm.
— Sério mesmo…?
Sinto que continuei essa tentativa fútil de conversar com o chefe, mas não
tenho absolutamente nenhuma lembrança do que discutimos.
—…
— Hã? Nós fizemos pouco! — respondeu Emil, olhando para mim perplexo. —
Olha, o peixe é pequeno, e demos a você um pouco menos de salada.
Bem, agora que você mencionou, posso dizer que me deu um pouco menos,
mas eu teria ficado bem com menos da metade do que você preparou.
—…
Ao lado de Nino, Emil estava olhando para mim. E seus olhos diziam: “Não
ouse deixar nada para trás.”
Eu comi. Limpei meu prato, na verdade. Foi realmente uma refeição deliciosa,
mas só provei as primeiras mordidas. Depois disso, enfiar o restante no
estômago provou-se uma tarefa árdua. Que desperdício.
— Mm. Eu a peguei há alguns anos. Minha esposa nos deixou e, por um tempo,
não consegui cuidar de todo o trabalho de casa.
—…
— Acho que disse a ele, mas o menino não parece se importar muito se a sua
companheira for uma escrava.
Emil havia dito que o chefe havia “encontrado” Nino, então ele podia não ter
percebido que ela era uma escrava.
Mas mesmo que Nino tivesse sido comprada, eu tinha a sensação de que o
garoto não mudaria seu comportamento em relação a ela. Ele parecia tratar a
todos da mesma forma.
— Eek…!
— O que diabos você está fazendo?! — rugiu o chefe do outro lado da mesa. Ele
se levantou furioso e agarrou a estupefata Nino pelas lapelas do avental. —
Limpe isso agora mesmo, sua garota inútil! Quanto tempo terei que esperar até
que você possa completar todas as suas tarefas direito?!
— Pare, pai! A culpa foi minha, não foi?! Não culpe só a Nino…
Pelo visto, decidindo que já havia gritado o suficiente, o chefe largou Nino e
apontou com o queixo para o vidro.
— Limpe isso.
Com lágrimas nos olhos, Nino acenou com a cabeça e curvou-se várias vezes
para os dois e para mim.
— Não foi nada demais. Contanto que você tenha todas as peças, não precisa
limpar.
Eu poderia dizer que ela não fazia ideia do que havia acontecido.
— Sinto muito… — Além do mais, Nino não entendeu o assunto e disse a coisa
errada. Ela estava se curvando profundamente.
Nino ergueu a cabeça e forçou as palavras para fora com uma voz chorosa.
— Muito… obrigada.
Depois que o chefe se trancou em seu escritório e Nino voltou a lavar a louça,
Emil ficou calado.
—…
Deve ser constrangedor ter sua fraqueza exposta na frente da garota de quem
você gosta.
— Você realmente não tem nada com que se preocupar. — Coloquei a mão em
seu ombro. — De qualquer forma, agora Nino deve estar muito chateada. Não
é sua melhor chance de dar a ela o seu presente?
— Ehe, vá em frente.
Escondendo a garrafa nas costas, Emil esperou que Nino terminasse seu
trabalho.
— Nino, eu disse que tinha um presente para você depois do almoço, não
disse?
Emil estendeu a garrafa para ela. Nino olhou, perplexa, para a névoa branca
que se contorcia dentro do objeto. Ela claramente não fazia nem ideia do que
era.
— É uma garrafa que enchi com felicidade. — Emil colocou a mão na tampa. —
Dentro está cheio de felicidade. Andei por toda parte coletando isso das
pessoas.
Com uma sacudida satisfatória, ele destampou a garrafa. Agora que estava
livre, a névoa branca voou para fora da garrafa, até o teto. Quando o teto ficou
completamente coberto por nuvens brancas, pequenas partículas começaram a
girar lentamente na névoa.
Como cacos de vidro, as partículas brilharam com a luz refletida para criar
uma tela fantástica. As partículas brilhantes eram os fragmentos de felicidade
que Emil havia coletado, projetando as cenas que o inspiraram.
Estávamos nas duas árvores que ficavam no lugar de um portão. Emil tinha ido
para a periferia da aldeia para se despedir de mim e estava fazendo beicinho
como um cachorrinho abandonado. Ao lado dele estava a empregada, Nino. Ela
nunca foi muito expressiva, então não pude dizer se ficou triste com a minha
partida.
— Desculpe, mas não posso ficar mais — disse, pegando minha vassoura.
— Então venha nos ver de novo, tá bom…? Nino e eu cozinharemos para você
de novo, e da próxima vez ficará ainda melhor, entendeu?
— …?
Seus olhos eram como a escuridão profunda, e quero dizer mais do que apenas
a cor. Eles estavam ansiosos, desesperados, como se ela estivesse em um
estado de desespero inimaginável. Como se já estivesse morta. Não era nada
parecido com quando nos encontramos na mansão do chefe da aldeia.
Me pergunto o motivo…
Como foi que esqueci daquilo? Aquilo me deixou uma sensação horrível.
A história terminou quando a esposa, que ansiava por ver o cenário por si
mesma, forçou seu corpo enfraquecido a se mover e morreu mais cedo do que
deveria. Era uma fábula, e a moral era: “As coisas que pensamos que fazemos
para o bem dos outros nem sempre são o melhor para as pessoas”.
O que será que Nino ficou pensando depois de ver o conteúdo daquela garrafa?
A que decisão ela chegou? Ela não poderia…
—…
Realmente era um lugar lindo. Mas eu não tinha motivos para voltar.
Em aldeias tão pequenas que não precisavam nem de um portão, uma inspeção
de imigração era desnecessária, mas sempre que alguém entrava em um país
com um grande território, os guardas do portão fariam perguntas. Então, a
menos que algo incomum estivesse acontecendo, perguntariam sempre as
mesmas coisas.
— Nome?
— Elaina.
— País de origem?
— Motivo da visita?
— Passeio turístico.
— Tempo de permanência?
— No café da manhã, você come pão? Ou come arroz? Essas informações são
necessárias, então responda honestamente.
Deve estar tendo alguma competição de gastronomia. Bom, ele disse que é
uma informação necessária, então devo responder honestamente. Mesmo que
eu ache que a pergunta seja um pouco estranha demais.
— Não tenho preferência. Sou uma viajante, por isso sempre como a comida
dos lugares que visito.
Quer dizer, não posso dizer “Eu só como pão!” em um país onde sempre
comem arroz. E o contrário também. Vou manter uma posição neutra.
Quando saí do portão, vi um grande canal bem na minha frente. Com o canal
como linha divisória, as casas à direita eram todas no estilo oriental, enquanto
as casas à esquerda eram todas no estilo ocidental.
Mas, pensando bem, esta seria minha primeira vez visitando uma cidade ao
estilo oriental. Estou sempre viajando por cidades ao estilo ocidental. Beleza,
já decidi.
Tomei a direita.
A estrada estava revestida por pedras quadradas bem colocadas e dignas casas
de madeira formavam filas ordenadas. Eu podia ver o palácio real à frente,
construído no centro da divisa, assim como o canal.
Mais ou menos na metade da estrada para o palácio, havia uma ponte. Ela não
combinava muito com a paisagem histórica. Pude ver um pequeno barco
passando no meio do círculo formado pela ponte e seu reflexo na água.
— …?
Ao lado do homem, uma mulher enchia a boca com um bolinho de arroz, que
parecia muito gostoso. Ela parece ser membro da facção do arroz, mas está
usando um vestido de estilo ocidental.
— Pois não?
Você está comendo pão, mas está vestindo roupas orientais. Isso é estranho.
— Um ótimo país.
Não era isso que eu queria como resposta. Quis dizer mais como, bem…
— A paisagem é ótima, mas você é ainda melhor.
— Oh-ho-ho!
— Ah-ha-ha…
...
Além disso, acho que não vou conseguir a informação que quero com esses
dois pombinhos aí, então não é como se estivesse saindo no meio da nossa
conversa, né?
Porém, quanto mais andava, mais estranho ficava. Eu não conseguia dizer o
motivo pelo qual tinha tão pouca gente por aí durante a manhã, mas à tarde,
quando as ruas ficavam cheias, apareciam tantas pessoas atravessando a ponte
que parecia que não existia qualquer divisão.
Ainda mais estranho, apesar de suas próprias placas dizendo NÃO VENDEMOS
PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ, as barracas de pão estavam
descaradamente vendendo seus produtos para pessoas vestindo roupas
orientais.
Não eram apenas nas barracas, todas as lojas da cidade pareciam ter um
regulamento em vigor, desde a mercearia até o verdureiro. Todas tinham
placas proibindo o atendimento aos clientes que vinham do lado oposto da
cidade. No entanto, todos ignoravam. As placas não tinham absolutamente
nenhum propósito.
Voltando da Cidade Oeste para a Cidade Leste, abri a cortina de uma loja de
bolinhos.
Sentei em uma cadeira e uma jovem vestida com roupas orientais se agachou
diante de mim. Apontei para a placa do lado de fora que dizia NÃO
VENDEMOS PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO PÃO, e disse:
— Eu sou comedora de pão.
— Isso é uma piada? — A garçonete cobriu a boca educadamente com uma das
mãos e soltou uma risadinha.
— Uma piada?
Claro. Posso ver isso só por observar o estado da cidade. Mas então qual é o
sentido das placas?
— Seu pedido?
— Ah, quero três bolinhos de arroz doce com soja, por favor.
— É para já.
Têm pousadas no lado oriental também, mas não posso ficar lá. Só consigo
dormir em camas confortáveis. Ou talvez apenas tenha mais dificuldade em me
ajustar a quartos de estilo oriental. Também não sou grande fã de andar
descalço em tapetes de palha.
Andei pela cidade e depois entrei em uma pousada barata. Havia uma placa na
frente que dizia: RECUSAMOS MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ.
— Uma noite de estadia, por favor — disse, pegando uma moeda de prata.
— Obrigado. Agora preencha o formulário.
— Pode deixar.
— Se não se importa, posso pedir que me fale um pouco sobre este país?
— Sim. E esta terra é tão estranha que mal consigo pensar direito.
Oh, ele entendeu. Como seria de esperar de uma pessoa que regularmente faz
negócios com viajantes.
— Tudo bem, diga-me por que a Cidade Oeste e a Cidade Leste são tão
diferentes uma da outra.
— Antigamente, esta terra era composta por dois países vizinhos que se
estendiam pelo canal. O país do lado leste herdou uma cultura oriental, e o
país do lado oeste, uma cultura ocidental. Cada um tinha seu próprio rei. Os
dois reis se davam bem e o relacionamento entre os dois países era ótimo,
bem, não era tão diferente de como é agora.
O estalajadeiro assentiu.
— Um pouco depois, os dois reis tiveram um filho cada. O rei do lado ocidental
teve uma filha e o rei do lado oriental teve um filho. Os filhos se davam tão
bem quanto seus pais e acabaram se casando. Construíram um palácio bem no
canal, exatamente no meio do país unido, e começaram a morar lá. Agora os
dois se tornaram um símbolo de nossa terra. E isso é tudo que sei — disse o
homem, colocando a chave do meu quarto no balcão.
Peguei e disse:
— O que seria?
Contei a ele sobre a estranha pergunta que me fizeram quando entrei no país,
e sobre as placas estranhas no portão e na frente das lojas, e sobre o casal que
encontrei na ponte.
— No início, pensei que o país estava dividido internamente, mas olhando por
aí, parece que as pessoas não prestam atenção nenhuma às placas. Cruzam as
pontes e se misturam. Então, de que adianta ter essas placas?
— Hmm. Essas placas são uma preparação para uma grande competição.
Ele disse isso com tanta naturalidade que me perguntei se tinha ouvido errado.
— Ouvi dizer que querem unificar o país sob a cultura oriental ou ocidental.
Bem, é por isso que os guardas do portão estão fazendo perguntas estranhas, e
é a razão por trás das placas.
Talvez depois que este país foi fundido pelos reis da geração anterior, tenha
aparecido um movimento para separá-los de novo.
No final das contas, estava saindo sem entender uma parte essencial do lugar,
mas tudo bem… né? Não me importei o suficiente para realmente procurar
respostas. Mesmo que pudesse ouvir se alguém se importasse em explicar por
que as placas estavam por aí.
Bem, está tudo bem. Tentando me convencer de que não me importava, passei
pelo portão…
— Hmm, por que disso…? — Tenho certeza de que havia algo de estranho.
— Mas o quê…?
Andamos pelo canal, onde fui levada ao castelo entre as duas culturas. Eles me
conduziram pelo interior do palácio, uma mistura de estilos oriental e
ocidental, e finalmente chegamos a um enorme salão de recepção.
O salão parecia uma sala de estilo ocidental e uma sala de estilo oriental, que
foi dividida em duas, e depois colada.
Não combina nadica de nada…
Ouvi alguém fechando a porta atrás de mim quando entrei e pude ver dois
tronos um pouco mais à frente. O homem e a mulher sentados ali pareciam
estar no meio de uma discussão. Não pareciam ter me notado.
— Estou te dizendo, a competição deve ser um jogo de shogi! Não tem outro
jeito!
— Isso é porque você é melhor no shogi! Quantas vezes tenho que dizer que
devemos jogar xadrez!
— Grrr…
— Rrrr…
Eu me curvei.
— Disseram que Vossas Altezas tinham alguns negócios comigo, então vim
assim que fui chamada. Como posso ser útil?
— Hmm. A verdade é…
— Não, eu vou.
Alguém vai me contar o que está acontecendo? Não me importo com quem
seja… Olá…?
Eventualmente, depois de discutirem, o rei assumiu a liderança e me contou
tudo.
— O fato é: esta terra está à beira de uma guerra. Como você pode ver, esta
mulher e eu não estamos nos dando bem. Combinamos de acertar as coisas
com uma disputa, mas agora não podemos decidir como será. Ouvi dizer que
você é neutra, não associada a nenhuma facção, então queremos que decida
como devemos proceder.
— Porque ela insultou o povo do lado ocidental! Ela disse: “Pessoas que não
comem arroz no café da manhã não são humanas”!
— Não, é porque você disse: “Pessoas que não comem pão no café da manhã
são mais baixas do que cachorros”!
— Tá bom, chega. Vocês dois, fiquem quietos por um momento, por favor.
—…
Isso estava ficando desgastante, então calei a boca deles e assumi o controle
da situação. Voltei a conversa para o rei.
— Alteza, quando entrei neste país, a primeira coisa que vi foi uma placa
estranha. Era uma placa desconcertante, destinada a dividir a facção do arroz
e a facção do pão, mas me diga, qual é a serventia exata daquilo?
— Isso torna mais fácil ver qual lado tem mais pessoas.
— Nós as colocamos em prática para que pudéssemos saber qual era mais
influente.
Por que a rainha está respondendo também? Bem, tanto faz. Chamar a atenção
dela seria muito problemático.
O rei respondeu:
— Tem mais pessoas no lado ocidental.
— É por isso que eu disse que deveríamos decidir com base no maior número
de pessoas.
—…
—…
— Por causa disso, não podemos decidir. Nesse caso, quero escolher o método
para determinar a competição com um jogo de xadrez.
— Não. Shogi.
—…
—…
— Ah, entendo. Bem, então acho que deveriam deixar pra lá, não vão resolver
isso nunca — falei, e deixei o palácio. Os dois continuaram gritando e não
tentaram me impedir.
Eu estava voando na minha vassoura, rumo ao país mais próximo daquele que
saí há alguns dias – aquele dividido entre as culturas oriental e ocidental. Pelo
que tinha ouvido, o país à frente era muito, muito simples. Apenas um lugar
comum, cheio de pessoas ligeiramente mais musculosas do que a média.
Agora, o que há de normal nisso, já não sei.
Bem, se eles são parecidos com um certo indivíduo que conheci, cujos
músculos substituíram seu cérebro, suponho que sejam felizes, mas…
Provavelmente ficarei apenas um dia e depois irei embora.
Para ser sincera, eu não tinha nada para fazer. É por isso que meus ouvidos se
animaram quando ouvi um ruído distante na floresta silenciosa.
— Certo, vamos repassar as regras mais uma vez. Nós dois vamos dar uma
volta na estrada da floresta, e a primeira pessoa a voltar a este lugar será o
namorado dela. Entendido?
— Imagino…
Um homem tinha uma voz animada e enérgica, enquanto a do outro parecia
pesada e abafada. Parece que eles vão apostar uma corrida. Isso pode ser
interessante, pensei, quando ouvi outra voz.
— Hã? Quer dizer que tenho que esperar aqui sozinha? Isso é chaaaaaaato!
A voz doce e manhosa de uma jovem ecoou claramente pelo ar, me pegando de
surpresa. Meu foco mudou de meus próprios pensamentos de volta para o
mundo exterior, e fiquei surpresa de novo quando me vi fazendo contato visual
com ela.
— Parece que hoje é meu dia de sorte — murmurou a linda garota de cabelo
preto.
Ugh…
Parecia errado voar depois de fazer contato visual, então pousei. Infelizmente,
esse foi meu primeiro erro. Quando cheguei mais perto da garota de cabelo
preto, ela me agarrou e me puxou para baixo.
— Kyah! Tão bonitinha! Eh, esse broche é algo que só as bruxas podem usar,
não é? Uau! Isso significa que você é uma bruxa, né?
— Hmm, sim.
— Que incrível! Você é tão fofa, mas também é uma bruxa?! Isso é tão legal!
— Uh, obrigada…
— Então você pode fazer magia, não é? Quero dizer, você estava voando em
uma vassoura! Uau!
— Claro, sim…
— Não, hmm…
— Yippee! Agora eu tenho alguém com quem esperar!
— Você vai esperar com uma bruxa, hein? Bem, acho que não teremos que nos
preocupar se você for atacada por um urso ou algo do tipo. Bom, muito bom —
disse o homem bonito.
— Como assim? — perguntou ela, confusa. — Foi mal, ainda não expliquei,
expliquei? Esses dois estão brigando por mim.
Não, não é isso. Pude ouvir quando estava chegando. Não é isso que estou
perguntando.
— Esses dois estão brigando por você, não é? — falei baixinho para que os dois
homens não pudessem me ouvir.
— Pronto, vai!
Hã? Que estranho. Eu esperava que o Senhor Gordinho já fosse libertar seu
incrível poder oculto.
— Você mesma?
— O Gorducho comprou para mim. Ele não cuida da aparência, mas vive atento
às pequenas coisas, sabe.
— Por que tem para mim…? — Fiquei confusa. Mas eu só estava de passagem.
Não estou com muita sede, mas vou aceitar mesmo assim. A água dentro da
garrafa cintilava, refletindo a luz do sol. Mas agora eu entendo. Ele realmente
é atento. Quem pensaria que teria uma garrafa de água até para mim?
Ahn…?
Eu tinha certeza que ela estava colocando eles um contra o outro porque não
conseguia se decidir.
—…
— Mas ele é inútil. Ele achou que essa garrafinha de água seria o suficiente?
Ainda estou com sede. — Ela jogou a garrafa vazia na floresta.
Claro, em meus pensamentos não fui muito gentil com o gordinho e não estava
orgulhosa disso, mas naquele exato momento, um único desejo encheu meu
coração. Enviei um apelo ao universo:
Felizmente, a vegetação rasteira era uma boa almofada, então ela não bateu a
cabeça com muita força.
E foi assim que me encontrei relaxando com a cabeça de uma garota no meu
colo à sombra das árvores.
Perdi vários minutos olhando para seu rosto coberto de baba e ouvindo sua
terrível conversa durante o sono. Então, uma única silhueta apareceu à
distância. Quem será? Bem, não tem necessidade de se perguntar, o primeiro a
retornar obviamente será…
Era o Gorducho.
Como…?
Ah, fui idiota por ter sentido simpatia. Quando ele olhou em volta e confirmou
que o Senhor Perfeito ainda não havia retornado, sua expressão foi
extremamente revoltante.
— É o Senhor Perfeito.
— Droga… Por quê, por quê…?! Por que tirei um cochilo no meio da corrida?!
O Senhor Perfeito devia ter pensado a mesma coisa. Ele balançou um dedo
para apontar para o Senhor Gordinho e gritou:
— Você colocou drogas naquela água para me deixar com sono, não foi?!
Sim, é isso. Na verdade, tinha mais uma pessoa que bebeu a água que ele
forneceu e estava dormindo profundamente no meu colo.
Mas parece que ele cavou sua própria cova. Tomando cuidado para não
acordá-la, retirei a cabeça da garota adormecida do meu colo e me levantei.
— Se você quer uma prova, aqui… — Assim que as palavras deixaram minha
boca e empurrei a garrafa para ele, percebi que já estava vazia. Claro, não
tinha nenhuma prova lá.
Tive um mau pressentimento sobre isso, então tinha jogado a água fora.
Que erro.
— Viu?! Você não tem nenhuma prova! Tudo bem, ela é minha! Hee-hee!
— Ugh…
— Ugh…
Infelizmente, não tinha como provar que ele fez algo errado… Espere, não. Não
tinha mais uma coisa?
— Onde está a sua prova? Isso é tudo que tem a dizer? Estou esperando.
—…
Bem, a garota não era uma boa pessoa, com certeza, mas ele conseguiu
superá-la. Ele era genuinamente mau. Eu deveria explodi-lo com magia.
Ah, sei exatamente o que fazer…
Eu podia ter perdido a calma, mas o Senhor Gordinho era irritante e, além
disso, ele que tinha começado.
Fiquei furiosa.
— Espere aí.
Uma voz soou – uma que eu podia ou não ter ouvido antes.
Quando olhei para cima, o gigante do outro dia estava parado ali, imponente.
Flanqueando-o estavam dois homens idênticos que diferiam apenas na cor de
suas roupas.
Desta vez (e apenas desta vez) realmente senti como se fossem meus
salvadores.
— Olá mais uma vez. — Curvei-me rapidamente para os três que apareceram, e
o grandalhão flexionou os músculos faciais… Quero dizer, ele sorriu.
Era o homem incrivelmente musculoso que conheci vários dias antes. Eu não
sabia seu nome verdadeiro, mas não acho que ele realmente se importasse. Era
uma pessoa estranha cujo coração saltava de excitação ao som da própria
palavra músculo.
— É bom ver vocês dois de novo também. — Fiz uma reverência para os dois
homens em pé de cada lado do Musculoso.
— Bom te ver.
— É, olá de novo.
Parecia que os dois haviam ganho mais massa muscular. Eles tentaram me
enganar, mas ao ver seus novos físicos vigorosos, senti um pouco de pena.
— Ha-ha-ha.
— Ha-ha-ha.
Eles pareciam estar vivendo uma vida de treinos. Ignorei os dois enquanto eles
começavam uma conversa trivial e calmamente expliquei os detalhes da
situação para o Musculoso.
— Bem, suponho que terei que questioná-lo até acreditar na sua história.
— P-pare com isso. Você está sendo injusto. Você só pensa que um cara feio
como eu não consegue arrumar uma namorada, e está rindo de mim na sua
cabeça! Mas lutei muito e venci. Essa é a verdade! Por que você não pode
simplesmente acreditar em mim?! — Partículas de saliva voaram de sua boca
enquanto ele falava.
Isso pareceu perturbar o Musculoso ainda mais e, acredite em mim, eu
percebi.
Nesse ritmo, o covarde Senhor Gordinho estaria pedindo por uma execução
pública.
A resposta da garota foi simples. Depois de olhar para o céu por um momento,
ela respondeu despreocupadamente:
— Ah, tudo bem. Não vou sair com ele mesmo. — Franca e impiedosa.
Era o Musculoso.
Hein…?
Irmãozão…?
— Entendi. E agora?
— Você encontrou?
— Sem sorte. Os músculos deles são todos fracos — disse ela, olhando para o
Senhor Perfeito.
Eu coloquei a mão no ombro do Senhor Perfeito. Seu rosto estava sem cor e ele
ainda chorava.
O Musculoso assentiu.
— Sim, é ela.
—…
Hã? Quem era seu novo namorado, você pergunta? Ora, era o Senhor Perfeito.
— E-espere, por favor! Tenho trabalhado muito para obter a aprovação do seu
irmão, então você não pode me deixar ir com você? — Enxugando as lágrimas
enquanto ele avançava, sua figura galante era um espetáculo. Não importa o
que ele fizesse, era perfeito.
Os irmãos musculosos se entreolharam.
O que ele vê nessa garota? Bem, dizem que o amor é cego, então tenho certeza
que ele vai abrir os olhos e seu coração vai se acalmar. Embora quando isso
acontecer, provavelmente estará completamente musculoso.
Acenei enquanto os três iam embora, então ouvi um gemido estranho atrás de
mim. Ah, eu esqueci do outro cara.
— Não tem músculos suficientes, ei… Ah, ei, espere um minuto. Nosso mentor
muscular não está aqui.
— Ahhh!
— O que isso significa para nós? Esta é uma situação realmente grave.
— Mágicos?
Não me diga.
— Quando eu conheci vocês dois, vocês eram mágicos, não eram? Esqueceram
de como costumavam enganar as pessoas para tirar o dinheiro delas?
— Ah…
— Ah…
Os músculos são uma força a ser reconhecida. Bem, os dois já passaram por
muita coisa.
—…
Isso mesmo. Como você deve ter adivinhado, o terceiro homem era o Senhor
Gordinho.
— Isso, você está na mesma sintonia que nós. Você definitivamente será um
bom mágico.
— Ah, está tudo bem. Não se preocupe. Ensinaremos tudo o que você precisa
saber.
— No momento em que te vi, percebi que você tinha um dom natural. Venha
conosco.
Finalmente, o Senhor Gordinho assentiu rigidamente.
Provavelmente suspirei bem fundo e disse algo como: “Mas não me sinto muito
realizada.” Não estava escondendo meu constrangimento, acho; tenho certeza
de que era assim que realmente me sentia. Não me sentia como uma
vencedora – a coisa talvez nem parecesse real.
— Todas as outras eram fracas demais — respondi. — Então foi meio que
decepcionante. Agora, suponho que virar uma bruxa vai ser só questão de
tempo.
— Ah…
— Ora, ora…
Tenho certeza de que foi com aquela conversa que tudo começou, e o que
aconteceu depois foi, pelo menos em parte, culpa do meu próprio orgulho e
arrogância. Essas duas coisas me levariam a algumas situações complicadas.
Eu ainda tinha quatorze anos de idade e não usava meu chapéu pontudo nem
meu robe preto de agora. Naqueles tempos, costumava usar uma blusa branca
com uma saia preta.
Então decidi usar um truque secreto… Bem, tudo que fiz foi ouvir as fofocas. E,
de acordo com os rumores…
Assim que ouvi isso, decolei na minha vassoura. Se ela não for de Robetta,
então talvez me aceite como sua aluna, pensei.
— Oh-ho-ho… ah-ha-ha…
—…
Seu cabelo era tão preto quanto o escuro da meia-noite, usava um robe preto e
um chapéu pontudo, que combinavam muito bem, e usava um broche em forma
de estrela no peito. Eu poderia dizer, só pelas roupas dela, que a mulher
vivendo isolada na casa na árvore da floresta era uma bruxa, mas não
conseguia imaginar a sua idade.
Fiquei surpresa. Nunca tínhamos nos encontrado; como ela sabia o meu nome?
—…
— Claro, na minha opinião isso não é grande coisa. Sinto muito se te magoei.
— Não, já me acostumei…
Como o exame era muito rígido e só permitia que uma pessoa passasse de cada
vez, como a pessoa mais jovem a ser aprovada, recebi muita atenção – atenção
negativa.
Depois de dar um jeito em um monte de magas mais velhas que eu, sem nem
suar, não consegui me dar muito bem com as bruxas que viviam na minha terra
natal. Depois que todas recusaram meus pedidos de aprendizado, tive que
fazer isso: depositar minhas esperanças em uma bruxa misteriosa que vivia na
floresta.
— Será que veio até aqui para pedir um pouco de aprendizado? Se for isso,
então não me importo. Estou com bastante tempo livre.
— Ah. — Fiquei chocada… tanto que nem consegui entender o que ela disse.
— Ah, mas… um, hein? — Meu cérebro ainda não estava conseguindo
acompanhar esse desenvolvimento inesperado. Eu esperava que, se ela
soubesse sobre mim, me recusaria, assim como as bruxas de Robetta.
— Você parece estar sentindo algo complicado quanto a isso. Sei no que está
pensando, mas pode relaxar. Não sou como aquelas bruxas fraquinhas da sua
cidade. Não me importo se minha aprendiz for uma pirralha atrevida ou não. —
disse ela decisivamente.
— Bem? Você vai virar minha aprendiz? Ou vai rastejar de volta para aquelas
bruxas fracas?
O treinamento normal de uma bruxa noviça envolve aprender feitiços com sua
professora e fortalecer suas habilidades técnicas. Naturalmente, pensei que
era isso que iria fazer.
Não, era muito incomum… Naquela época, um dia típico era mais ou menos
assim:
— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.
Por fim, decidimos comer o pão que havíamos assado no dia anterior. Então, eu
estudaria magia sozinha até a hora do almoço. Quanto à minha professora, ela
faria algum tipo de pesquisa estranha ou sairia para coletar plantas silvestres
comestíveis, ou simplesmente faria o que bem entendesse.
— Ah, desculpa, não posso parar o que estou fazendo agora, então que tal
cuidarmos disso mais tarde? — Mesmo quando eu pedia ajuda, ela acabava se
desviando dos problemas. Nunca me ensinou nenhum feitiço.
— Elaina, você vai se cansar se estudar muito. Que tal se divertir um pouco de
vez em quando?
As condições que uma bruxa noviça deveria cumprir para se tornar uma bruxa
eram estabelecidas pela própria professora, mas exatamente o que eu tinha
que fazer para obter a aprovação da Senhorita Fran não estava lá muito claro.
Ela nunca me contou.
Tudo que eu podia fazer como sua aprendiz era dar o meu melhor. Mas em
quê, quer saber? Tudo, pelo visto.
Concluí que ela poderia não estar me ensinando magia como uma forma de
promover minha independência, então parei de fazer perguntas mesmo quando
aparecia algo que não conseguia entender. Mas as exigências da Senhorita
Fran ficaram mais e mais extremas.
— Elaina, não temos comida. Vá comprar alguma coisa.
Disse a mim mesma que essas coisas também eram necessárias para me tornar
uma bruxa e, dia após dia, atendia aos pedidos ridículos da Senhorita Fran,
parecia até uma criada. Agora, olhando para o passado, acho que suportei bem
a situação.
Paciência, paciência.
Uma noite, antes de ir para a cama, fiz uma pergunta à Senhorita Fran.
Suportei dia após dia e, antes que percebesse, já tinha passado um mês inteiro
como sua aprendiz.
Aquilo aconteceu enquanto eu estava passando por minhas lições diárias e sem
sentido, usando magia do vento para derrubar e cortar árvores para fazer
lenha, depois queimá-la com magia de fogo e, finalmente, apagar o fogo com
água.
A Senhorita Fran estava bem atrás de mim. Pelo que me lembro, foi a primeira
e última vez que ela ficou por perto enquanto eu praticava o uso de magia.
Parei o que estava fazendo e corri em sua direção. Achei que ela, talvez,
tivesse finalmente decidido me ensinar alguma coisa.
— O que você quer? Sabe, eu realmente não tenho nadinha para te ensinar.
Tem que haver algum significado por trás disso, disse a mim mesma várias
vezes, entoando essas palavras em meus ouvidos como se fossem um
encantamento, e continuei me aplicando àquela rotina absurda.
— Em pouco tempo, vai chegar a hora… — pensei ter ouvido ela resmungando.
Fiquei perplexa. Contra alguém como eu, ela seria invencível. Estava certa
disso.
— Isso é sério…?
— Ora, ora. Você acha mesmo que eu iria brincar com uma coisa tão séria?
Você não me ensinou nada de magia e agora vamos batalhar? Que absurdo.
— Mas, Senhorita Fran, não importa como você olhe para isso, isso é…
Ela bateu palmas para dar o sinal de início e imediatamente avançou pela
distância entre nós, e então começou a disparar uma enxurrada de feitiços à
queima-roupa.
— Algo de errado? Isso é o melhor que consegue fazer? Pensei que você tinha
superado todos no exame prático. Isso não é lá muito impressionante. — Fran
falou com gentileza, revelando seu sorriso de sempre, mesmo enquanto
continuava com seus ataques implacáveis. Aquilo foi muito, muito assustador.
Parece até que ela gosta de me atormentar, pensei. No final, essa mulher e
aquelas bruxas da minha terra são exatamente iguais… Ela me deixou ser sua
aprendiz apenas para que pudesse me esmagar mais tarde, não é? Não me
ensinou nada e me negligenciou, não foi?
Durante o mês anterior, mantive dúvidas em meu coração o tempo todo, mas
as ignorei de propósito. Ela é diferente. Posso acreditar nela, disse a mim
mesma para poder perseverar.
—…
— Eh? Hein? Um… — A Senhorita Fran olhou para mim enquanto eu chorava,
seus olhos buscando ao redor com surpresa e confusão. Ela cautelosamente se
aproximou de mim. — F-f-foi mal! Eu não imaginei que você ia começar a
chorar…
— Waaaaaahhh…
— Ahhhhhh…
Eu não queria que ela me visse chorando, então escondi meu rosto com as
duas mãos. Claro, isso não serviu para impedir as lágrimas. Desta vez, mordi
os lábios com ainda mais força, mas continuei tremendo. Nada do que eu
tentava funcionava; continuei chorando, apesar de todos os meus esforços para
parar.
E quanto à Senhorita Fran – quem sabe o que ela estava pensando – começou a
procurar por qualquer meio que fosse de conter minhas lágrimas.
— C-certo…! Ei, olha aqui, Elaina. Eu fiz uma daquelas borboletas que você
ama! — Fran conjurou um pouco de gelo, esculpiu-o na forma de uma
borboleta e me mostrou. Mas nem sou eu quem gosta de borboletas.
Continuei chorando.
— Hein…? Não funcionou…? Então, que tal isso? Uma coroa feita de ervas
daninhas! — Com um único movimento, ela cortou as ervas daninhas que
cresciam ao nosso redor usando magia do vento, as enrolou e as transformou
em uma coroa para mim. Tentou até colocar a coroa em cima do meu chapéu
pontudo, mas fiz o possível para evitar que isso acontecesse.
— N-não serve…? Então, que tal isso? Olha, uma bola de fogo! — Eu não fazia
ideia do que ela queria com isso. — Estou ficando sem opções… Vou fazer
caretas engraçadas! Olha aqui, ei! Ei!
A ignorei.
— Um, bem então… nesse caso… Ah, já sei! — Finalmente, depois de tentar
todos os métodos possíveis, ela me abraçou. Parecia uma medida desesperada,
algo que só faria se não houvesse mais nada para tentar, mas teve um efeito
instantâneo. Tanto minhas lágrimas quanto emoções desenfreadas começaram
a se acalmar na mesma hora.
Ela provavelmente pensou que eu estava envergonhada, mas não era nada
disso. Estava rejeitando seu abraço porque ela me odiava. Mas seus braços
estavam me envolvendo, me apertando com uma força surpreendente. Não
tinha nem como escapar.
— Me divertindo? Eu nunca…
—…
— Você nem sabe o quanto eu trabalhei! Só viu o resultado final e ainda ficou
zombando! Por que ninguém consegue me ver como eu sou?! Eu… eu só… só
queria ser aprovada, mas…
Seus braços me apertaram com ainda mais força.
— Realmente sinto muito, Elaina. E entendo muito bem como você se sente. —
Ela alisou meu cabelo. — Você conseguiu suportar tudo muito bem.
— Já disse para você parar com isso…! Está tentando me enganar de novo, não
é? — Minha voz estava vacilando.
— Não, vou parar de te enganar. Vou te contar tudinho. Também não aguento
mais — disse ela, colocando as mãos nos meus ombros e olhando nos meus
olhos. Seu sorriso de sempre estava, desta vez, tingido de tristeza.
Depois que voltamos para a sua casa na floresta, a Senhorita Fran me contou
tudo.
“Eu não tinha absolutamente nenhuma ideia do que eles estavam tentando
dizer, então tentei perguntar. Seus pais me disseram que estavam preocupados
com o que você faria daqui para frente. Temiam que, se seguisse em frente
como estava, sem nunca ter fracassado, no caso de acabar se desviando do seu
caminho em algum momento, poderia começar a ter problemas de verdade.
“Seus pais merecem algum crédito; quero que você entenda que não criaram
esse plano porque queriam que eu te intimidasse, viu?
“Eles tiveram seus próprios motivos para levar seu plano até alguém como eu.
Sua cidade natal, se não me engano, é no País Pacífico de Robetta, certo? As
bruxas de lá ficaram intimidadas com as suas habilidades. Ouvi dizer que todas
disseram que não poderiam ensinar uma garota como você. Afinal, aquele país
é muito, bem… pacífico, então não tem nenhuma bruxa de alto calibre por lá…
“Então seus pais previram que todas as bruxas de seu país te rejeitariam e
vieram até mim. Para encurtar a história, disseram que você era muito cheia
de si e, por isso, elaboraram um plano para fazê-la passar por algumas
dificuldades, ao menos no começo. Eu relutantemente concordei.
“E depois você apareceu. Seus pais me passaram a impressão de que você era
uma pirralha atrevida e medíocre, então meu plano era ser rígida até destruir
a sua força de vontade.
“Mas, quando começamos a passar algum tempo juntas, percebi que você não
era nada do que imaginei. Você não hesita e se esforça tanto quanto for
necessário para alcançar seus objetivos, e tem uma mente brilhante e
insaciável. Além da capacidade de corresponder às suas ambições. Eu podia
ter te aprovado na mesma hora.
“Mas, já que está aqui comigo, desisti de tentar ensinar sobre o fracasso para a
“Elaina Arrogante”. Tenho certeza de que seus pais queriam que eu te
ensinasse a lição de que “às vezes as coisas não acontecem como você espera”,
mas percebi que isso seria inútil.
“Além do mais, há outro problema que só consegui descobrir porque sou sua
professora.
“Elaina, você suporta muito as coisas. Tem plena consciência tanto de sua
idade quanto de suas verdadeiras habilidades, então me permite tratá-la de
forma irracional.
“Não importa o quão ridícula eu tenha sido, não importa quantos pedidos
idiotas tenha feito, você não reclamou nenhuma vez, não foi? Afinal, pensou
que não poderia pedir para que mais ninguém te treinasse, certo?
“Quando você foi rejeitada pelas bruxas de Robetta, o que decidiu? Desistiu
delas e partiu sozinha, não foi? Tentou conversar com elas, uma vez que fosse?
“Decidi esperar para ver o quanto você ia suportar. E ontem, quando vi seus
feitiços, imaginei que logo chegaria ao seu limite. E o teste de hoje foi a cereja
no topo do bolo.
“A propósito, eu esperava que você continuasse até ver que não tinha como
ganhar, e então, se ainda assim não reclamasse, estava pensando em te dar um
sermão. Isso seria completa e obviamente injusto.
“Você não pode só esconder seus verdadeiros sentimentos e seguir em frente,
porque em algum momento vai acabar quebrando. Bem, eu não esperava que
você começasse a chorar… mas te tratei muito mal, não foi? Você é tão
madura, então acabei esquecendo que ainda é só uma garotinha de quatorze
anos. Eu sinto muitíssimo.”
— Você não devia suportar tudo. Se não aguenta alguma coisa, então lute
contra ela. Aprenda a se posicionar e a dizer quando as coisas não estão boas.
Desabafe quando for necessário. Proteja a si mesma.
Essas palavras eram provavelmente a razão para eu estar aqui. É, acho que
sim.
Treinei com a Senhorita Fran por um ano inteiro. Após aquela conversa no meu
primeiro mês, o treinamento de verdade finalmente começou.
— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.
— Me disseram para não ficar mais suportando todos os abusos, então decidi
ser mais honesta com os meus sentimentos. Para ser mais específica, ter que
preparar o café da manhã para a minha professora é um saco.
—…
— Brincadeirinha.
No final das contas, decidimos comer o pão que tínhamos feito no dia anterior.
— Você tem habilidade e talento — disse a Senhorita Fran. — Mas não tem
experiência.
E, para corrigir isso, lutei com ela várias vezes. Cada dia era mais
enriquecedor do que o outro.
E os muitos dias que passei lá, depois, pareceram muito mais curtos do que
aquele primeiro mês infernal. Quase todos os dias tínhamos um treinamento
intensivo em magia, e depois voltávamos para a casa na floresta, só para
estudar magia. Era tão divertido.
Durante o meu treinamento com ela, teve até um incidente que me deixou com
uma impressão especialmente forte. Eu estava praticando magia na frente de
casa, como sempre.
—…
Mas a Senhorita Fran deu de ombros, parecia até que estava falando: “Minha
nossa.”
— Vou te contar uma coisa. Se você é uma bruxa noviça, então passa no teste
se a derrubar. Mas bruxas de verdade devem ter habilidades mais precisas e
confiáveis do que isso.
— Huh…
— Uma bruxa não derruba a garrafa; ela aponta para o ponto intermediário
entre derrubar e não a derrubar. Para simplificar, faz assim…
— Ah, ainda bem, deu certo… É, bom, isso mesmo. Bruxas devem controlar sua
magia precisamente. Então nada de derrubar ou atirar.
—…
Eu entendo o que você está tentando dizer, e parece razoável, mas tinha
mesmo que me contar isso só depois de eu falhar uma vez…?
E fui até capaz de vencer – uma vez. Aquele foi o último dia dos meus
aprendizados. Com seu sorriso de sempre, ela disse:
— Não tenho mais nada para te ensinar. Você ficou muito forte.
Até hoje, não me lembro como consegui vencer naquela última vez.
Provavelmente foi só sorte. A Senhorita Fran tirou o broche de corsage do meu
peito e, no lugar dele, prendeu a prova de que eu era uma bruxa de verdade.
Era um broche em forma de estrela.
—…
— Então está decidido. Elaina, a partir de agora você é a Bruxa Cinzenta. Faça
o seu melhor a partir de agora, viu? — Ela colocou a mão no meu ombro.
— Eu farei.
E ela me disse, ainda sorrindo, que ficar longe de casa por um ano todo foi
muito difícil.
Isso não é motivo para sorrir… pensei, mas provavelmente só estava sorrindo
por minha causa.
— Nesse caso, por que você veio para o País Pacífico de Robetta? — Tentei
perguntar.
— Porque havia alguém que eu precisava ver, não importa o que acontecesse
— respondeu, recusando-se a dizer mais. — Gostaria muito de ficar mais um
tempo, mas tenho que ir. Tem muita gente esperando por mim lá em casa.
Então isso é um adeus.
Assim, se virou para sair daquele mesmo lugar onde a encontrei correndo atrás
de borboletas há um ano.
— Adeus, Elaina. Algum dia a gente vai se ver de novo. Por favor, aguarde por
isso e espere por mim.
— Certo…!
Acenei e continuei acenando conforme ela lentamente ficava menor, indo cada
vez para mais longe, e no final desapareceu no céu azul.
—…
Um muito, muito pequeno. Era um vilarejo tão pequeno que dava para ver
quase tudo lá da entrada.
— Ey.
Havia uma casa de madeira aqui e outra acolá, todas eram cabanas feitas de
toras que não tinham nenhum detalhe desnecessário. Pareciam ter sido
construídas para servir de abrigo e nada mais.
Afinal, não vou ficar aqui – espera, não tenho certeza se há algum lugar onde
eu poderia passar a noite. Na verdade, não tenho certeza nem se tem gente
morando aqui. Será que é uma cidade fantasma?
Com algum alívio, me virei para olhar para o aldeão e vi um homem na flor da
idade com um machado pendurado no ombro.
— …!
…? Hein?
— Hã? Um…
Em um piscar de olhos, sua voz alta chegou a todos os cantos do vilarejo, como
se para despertar a própria floresta primitiva. As árvores mais próximas
começaram a farfalhar e pude ver os pássaros fugindo.
Era um vilarejo muito, muito pequeno. Se uma única pessoa gritasse, era
provável que todos do local conseguiriam ouvir. E o povo começou a sair de
suas casas aos montes.
— Nossa, você realmente se tornou uma beldade no pouco tempo que esteve
fora.
— Vamos lá, Pai. Claro que essa deve ser a última moda na cidade.
Ah, eu desisto, decidi, então ignorei o resto do que estavam dizendo e deixei as
vozes clamorosas dos aldeões me alcançarem como se fosse nada mais do que
barulho. Após passar um tempinho, os gritos alegres cessaram.
— Sério, pessoal, a Mina deve estar cansada de sua longa jornada… Deem um
tempo para ela.
O que é isso? Agora você quer falar como se tivesse bom senso? Não é você o
líder deles? Espera, o mais importante…
— Sou uma simples viajante. Não sou essa “Mina” de quem vocês estão
falando. — Achei que estava soando muito séria, mas parecia que um ou outro
meio à multidão tinha realmente ouvido o que eu tinha a dizer. Uma risada
explodiu logo atrás de mim.
—…
E então, depois que todos, exceto eu, deram umas boas risadas, um dos
aldeões falou:
— Hmm? Agora que ela disse isso, parece um pouco mais jovem do que a
Mina…
— Pensei que ela tinha ficado mais bonita enquanto estava fora, mas talvez…
—…
Não demorou muito para que minha ansiedade me envolvesse por completo.
— Temos algo para discutir com você, então gostaríamos que viesse conosco.
— Isso foi tudo que me disseram.
— Agora entendemos que você não é a Mina. Nossas mais sinceras desculpas.
— Por quê…?
— Mina tinha um namorado. O nome dele é Abel e ele é muito sério, muito
gentil. Para o bem dele, gostaríamos que você fizesse uma pequena atuação.
— A vida de Abel está em perigo, então você quer que eu finja ser sua
namorada voltando para casa depois de se mudar para a cidade?
— Não, Mina não foi morar na cidade. Ela foi para obter a cura-tudo.
— O que está o destruindo parece ser uma doença incurável. É algo ruim o
suficiente para fazer o médico local querer jogar a toalha. Não importa que
tipo de remédio seja administrado, não tem absolutamente nenhum efeito. Na
verdade, a condição de Abel só piora. No início, ele tinha só uma febre
qualquer, mas agora não consegue nem ficar em pé.
Entendo.
— Mm. Logo depois de percebermos que o remédio que tínhamos não estava
fazendo bem a ele, Mina saiu voando, dizendo: “Vou buscar a cura-tudo.”
— Ela devia estar disposta a correr o risco. Queria muito ajudar o Abel, mas…
— O homem na casa dos trinta terminou o resto da frase com uma voz bem
fraca, baixando a cabeça. — Duas semanas se passaram desde que ela saiu
daqui. Mina, minha filha, deveria ter voltado há muito tempo, mas não voltou.
— Huh, você é o pai dela? — Isso foi uma surpresa. O homem na casa dos
trinta assentiu em silêncio. É muito ruim confundir sua própria filha com uma
completa estranha… Bem, ele deve estar muito exausto.
— Quanto mais o tempo passa, mais perto Abel fica da morte — disse o velho.
— O médico do vilarejo está dizendo que ele tem no máximo mais três dias.
Para chegar ao país que tem a cura-tudo precisaria de dois dias, depois mais
outros dois para retornar com o remédio. Mas já passaram duas semanas.
Voltar dez dias atrasada (e contando) era realmente algo. Não pude evitar de
pensar que ela tinha se deparado com algum tipo de problema – ou coisa pior.
Será que Mina poderia voltar antes que o tempo acabasse? Não, as duas
pessoas sentadas à minha frente já tinham certeza de uma coisa:
— Até agora, Abel estava lutando contra sua doença com tudo que tinha, mas…
sua namorada estava ao seu lado como uma família o tempo todo. Se ele
morrer sem ser capaz de vê-la, seria insuportavelmente triste.
—…
— Desde que ele perdeu a família quando era pequeno, Mina foi a única que o
apoiou. E ela é a única que consegue acalmar a sua mente. Uma Mina falsa
serve; só queremos que você o deixe feliz, ao menos nos últimos momentos —
disse o velho.
Apesar de não ter concordado no início, acabei decidindo realizar o pedido.
Não havia qualquer risco para o meu lado, e recusar algo do tipo me tornaria
uma pessoa horrível.
Dito isso, eu era uma viajante. Não queria passar um dia inteiro em um vilarejo
enfadonho, sem sequer uma pousada. Se possível, queria pegar minha
vassoura e voar para o país que diziam ter a tal cura-tudo.
Os dois disseram que era o suficiente. Assim que isso foi decidido, corremos
para nos preparar. Fui levada da casa grande para outra residência, onde me
aguardavam várias meninas e mulheres do vilarejo. A idade delas era muito
variada, de menininhas a velhotas.
A velha fechou a porta e trancou-a para que ninguém pudesse entrar, depois
fez um sinal para os demais, só com os olhos. Quando fez isso, todos, menos
eu, começaram a fechar todas as cortinas da casa e a porta dos fundos.
— Oi?
— Anda logo e tira essas roupas estranhas! Se você ficar assim, o Abel saberá
que você não é ela!
Ah, então é isso que você quer dizer. Eu não estava esperando por algo assim.
Tive o cuidado de remover o precioso broche que anunciava que eu era uma
bruxa do meu robe. Com ele ainda na minha mão, tirei a roupa até ficar só com
roupas de baixo.
Outra garota pegou um pacote da velha e correu até mim, depois me entregou
as roupas.
— Pode colocar o braço dela pela manga da blusa? Uh… ah, isso é do tamanho
errado.
— Pois é.
Depois que a roupa estava mais ou menos no jeito, olhei para baixo e descobri
que estava usando um vestido com uma blusa branca e uma saia longa de cor
marrom-oliva. Eu podia ter me vestido sozinha, mas…
— Certo, hora dos retoques finais. Senhorita Viajante, isso pode doer um
pouco, mas aguente firme, tá? — Enquanto falava em um tom de voz alegre, a
mulher atrás de mim envolveu algo preto ao meu redor.
— …?
O que acha que era? Um espartilho. Antes que eu percebesse, a coisa já estava
no meu torso.
— I-isso dói! Ai! Se precisam apertar, pelo menos façam isso com mais
cuidado!
— Parece que você não tem peito suficiente, então o que acha de colocarmos
um pouco de enchimento? — Após isso, estendeu chumaços de algodão para
mim. Pelo visto, isso era sério. Dei um tapa e joguei aquelas coisas no chão.
Havia uma casinha na periferia do vilarejo.
Alguns aldeões se perguntaram se Mina poderia ter fugido, mas ninguém sabia
se isso era verdade ou não.
—…
Um homem estava deitado na cama. Ele era jovem e tinha cabelo preto. Era
fácil notar que, quando saudável, seu rosto era bonito – mas agora era apenas
a sombra de seu antigo eu. O homem, voltando seus olhos vazios para mim,
tinha bochechas encovadas e nenhuma luz em seu olhar.
— Claro…
Lá, não se via nada. Apenas ervas daninhas enormes e a floresta primitiva lá
longe. A pequena cabana não parecia apenas decrépita; estava realmente se
desintegrando, e uma corrente de ar que soprou de algum lugar fez o cabelo
do homem farfalhar.
O pai de Mina havia escrito o roteiro. Ele achou que seria suspeito se Mina
voltasse sem o remédio cura-tudo, então me fez agir como se tivesse o remédio
em mãos, só para tranquilizar Abel.
A pílula que seria servida com o jantar seria um simples sonífero. Queriam que
ele pudesse falar com sua amada em seus últimos momentos e, após isso, os
aldeões fariam algo – mas não disseram o quê. Não era preciso perguntar.
— Diga, Mina. — Ele olhou nos meus olhos. — Você seguraria a minha mão? —
Com movimentos pesados, ele tirou a mão de debaixo da colcha. Não era a mão
musculosa de um jovem, mas sim uma murcha e ossuda.
Na mesma hora a agarrei com as duas mãos. Seu corpo estava tão frio que era
difícil imaginar que havia algum sangue correndo por ali.
— Tão quente… meu sangue já deve estar esfriando… — disse ele. — Diga,
Mina — o homem chamou o nome de sua amada —, você me daria um beijo?
— Sim, um beijo… Você não quer? — Pensei ter visto um lampejo de suspeita
nas profundezas de seus olhos. Pensei muito. O que devo fazer? Se sou sua
namorada, é claro que devo beijá-lo, mas sou… Ahhh, se eu hesitar, ele vai
desconfiar. O que faço, o que faço…?
— Não vou incomodar alguém que não é minha namorada para me beijar.
Fiquei chateada ao perceber que ele havia detectado a farsa devido a alguma
falha em meu desempenho, e neguei a acusação várias vezes, mas Abel estava
certo disso.
— Você não é a verdadeira Mina. Não precisa se forçar — disse, seguro, apesar
de todos os meus esforços para manter o teatro. — Em primeiro lugar, não é
como se ela fosse voltar para mim. Eu sou um tolo.
Eu não tinha certeza de com quem ele estava falando, mas suspeitei que havia
algo mais acontecendo. Desisti de fingir ser a Mina e revelei tudo sobre mim –
que era uma viajante, que era uma bruxa, que me pediram para fingir ser a sua
namorada porque éramos parecidas. Não escondi nada.
— Sim. Poderia até dizer que são ervilhas da mesma vagem. Mas… —
acrescentou ele —, o que é uma bruxa…?
Bem, suponho que não seja impossível não saberem sobre bruxas, já que este é
um vilarejo remoto a dois dias inteiros de viagem do país mais
próximo. Expliquei em detalhes, produzindo minha varinha do nada e
realizando um pouco de magia para que fosse fácil para entender.
Abel riu, esforçando-se ao máximo para falar alto. Sua risada seca logo ficou
presa na garganta, onde se transformou em uma tosse.
— Você está bem?
— Sim, foi mal. Fiquei um pouco excitado demais. Bem, então, sobre Mina e
eu…
— Mina era…
— Ela era muito gentil, fofa e boa. Estava perdendo tempo comigo. Era a única
que me apoiava.
“Mesmo depois que adoeci, ela cuidou de mim e nunca agiu como se a tarefa
fosse desagradável. Mina vinha ao meu quarto todos os dias, dava-me comida
caseira para comer e trazia livros para que eu não ficasse entediado depois de
ficar acamado. Ela ficava sentada do meu lado até eu adormecer. Era a minha
salvação, cuidando de mim com tudo de si.
“Mas ela tentou o seu melhor para me animar. Eu a adorava, mas também me
sentia péssimo por ela. Mina estava desesperada para que eu sobrevivesse.
“Um dia, falei: ‘Minha doença não pode ser curada com os remédios que temos
no vilarejo. Não estou melhorando. Conhece o grande país a dois dias ao norte
daqui? Ouvi dizer que eles têm um remédio eficaz contra qualquer tipo de
doença. Se estiver tudo bem, poderia ir buscar para mim?’
“Mina ficou perplexa. Ela se perguntou se tal cura realmente existia. Além
disso, se ela tentasse eu poderia melhorar, ou ao menos é nisso que acreditou.
“E a ignorei. Assim que pude, coloquei em suas mãos uma carta e o dinheiro
que havia economizado para nós dois um dia fazermos uma viagem juntos, e
disse: ‘Com esse dinheiro você deve conseguir comprar. Traga aquilo para
mim. Não se atreva a voltar até que tenha a cura-tudo em suas mãos. Quanto à
carta, abra-a se não encontrar o remédio e realmente não tiver ideia do que
fazer.’
“Mina era realmente uma boa garota. Depois de se preocupar mais e mais, ela
finalmente aceitou o meu plano. ‘Vou encontrar o remédio e trazer ele; pode
esperar por isso’, falou. Mas, na realidade, esse medicamento não existe.
“No dia seguinte, minha situação mudou. Mina saiu em busca da cura-tudo e,
aos poucos, espalhou-se pela aldeia a notícia de que meu estado de saúde
estava piorando. Algumas pessoas vieram e disseram que minha doença podia
ser contagiosa, e o resultado final foi este. Fiquei em quarentena e apenas o
pai da Mina cuida de mim. Mas por mim tudo bem.
“Eu realmente, realmente amo a Mina… Amo tanto que chega a doer. Claro, é
doloroso ficar tão distante, mas ainda mais do que isso, odeio deixar ela triste.
Não quero que ela chore sobre o meu cadáver. Quero que possa sorrir tanto
quanto for possível. Por isso decidi enviar ela para longe do vilarejo.
“Se eu tivesse dito: ‘É melhor você não vir mais me ver’, ela nunca
concordaria, eu sabia. Mesmo se conseguisse mandá-la embora para que não
viesse mais ficar ao meu lado, ficaria com o coração partido, é claro. E eu não
queria que os outros aldeões se envolvessem.
“Acima de tudo, não achei que ela pudesse realmente viver feliz no vilarejo
onde meu cadáver ficará descansando. É uma coisa arrogante de se pensar, eu
sei, mas imaginei que ela pudesse ficar sobrecarregada pela minha memória.
“Tenho certeza de que Mina chegou ao país a dois dias de caminhada daqui e
procurou a cura-tudo por lá. Tenho certeza de que ela caminhou pelo país por
horas, dias a fio, sem sucesso. E tenho certeza de que então abriu a minha
carta.
“Eu acredito que ela será capaz de encontrar um homem maravilhoso e que
poderá curar seu coração naquele grande país. Deve haver alguém capaz de
fazê-la sorrir novamente.
“É tão egoísta, não é? Mas eu já vinha pensando nisso há algum tempo. Ela
merece muito mais do que um vilarejinho como este. Merece ver o mundo
todo.
“A propósito, Senhorita Viajante, se você está fingindo ser a Mina, isso deve
significar que ela não voltou, certo? Acredito que duas semanas se passaram
desde que ela partiu.
“Nesse caso, isso deve ter acontecido. Ela deve ter encontrado a felicidade.”
Depois de terminada a história, o homem doente olhou pela janela com olhos
cansados e vazios. O vento soprou; as folhas murchas dançaram e, por fim,
caíram.
— Você está de acordo com isso? — Eram palavras banais, mas não consegui
encontrar nada melhor para dizer.
— Claro que não. Ficar longe de quem você ama é tão triste.
—…
Tanto Mina quanto Abel estavam tristes por ficarem separados, mas teriam
que superar isso. E pareciam estar fazendo o seu melhor para sobreviver. Uma
estranha não deveria se intrometer em um assunto tão pessoal.
— Fico feliz por ter te conhecido, Senhorita Viajante. Você não é a Mina, mas
ainda assim, sinto que a vi uma última vez.
— A magia que você me mostrou antes foi realmente incrível. Foi como estar
em um mundo dos sonhos.
— Obrigada por dizer isso. Fico feliz que você tenha gostado.
— Diga, o que mais você pode fazer com magia? Poderia, por exemplo…?
Saí da cabana e voltei direto para a casa onde havia trocado de roupa. Em
seguida, fiz a multidão de mulheres tirar o espartilho. Prenderam ele com
muita força para que eu pudesse tirar sozinha.
— Deu tudo certo? — A velha me questionou logo após eu colocar minha roupa
de novo.
— Ainda bem. Ele deve ter ficado feliz em poder ver a Mina em seus últimos
momentos.
—…
Últimos momentos?
— Ele estava cansado por falar depois de tanto tempo, então disse que ia
dormir. Por favor, deixe-o sozinho até esta noite.
— O que você vai fazer agora? Se ficar por aqui, minha casa estará de porta
aberta para você, mas…
— Não, obrigada. Já vou embora. Estou com pressa. — Além disso, quero
tentar chegar a esse grande país.
— É uma pena…
— Sinto muito.
— Mas já vai? — disse uma das garotas que me ajudaram a tirar o espartilho.
Quanto a mim:
E então deixei a aldeia. Voei para o norte, direto pela floresta primitiva, e não
olhei para trás. Minha mão estava segurando a vassoura, mas eu ainda podia
sentir os dedos frios de Abel.
E ele…
— Sim, isso é sério… Vou morrer logo, não vou? Não tenho dúvidas de que o
fim está próximo para mim. Isso é insuportavelmente assustador. Dia após dia
adormeço pensando que pode ser o dia em que não vou mais acordar. Não
poder fazer nada a respeito é assustador. — De onde estava deitado na cama,
ele continuou: — Além disso, eu sei. Todos do vilarejo, até o pai da Mina, não
têm nenhuma simpatia por mim. Em algum lugar no fundo de seus corações,
todos estão esperando pela minha morte. Quando eu finalmente morrer, não
terão mais que cuidar de mim, é nisso que estão pensando. Eu não aguento
mais. Estou no meu limite. É por isso que… Posso pedir…? Posso pedir que
você me mate?
Contudo…
— Eu recuso.
Não havia como aceitar tal pedido. Não me tornei uma bruxa para sair por aí
matando os outros. Mesmo que fosse seu pedido final, eu não poderia fazer
isso.
— Que pena… — Ele estava calmo; acho que nunca esperou que eu aceitasse.
— Sinto muito.
— Não, não precisa pedir desculpas. Mesmo se você não me matar, os aldeões
farão isso em pouco tempo. Talvez esta noite mesmo. Vão me dar veneno ou
algo assim, e vai parecer que eu simplesmente adormeci em paz.
— Sem chances…
— Não, tenho certeza disso. Uma pessoa que fica deitada na cama e não
consegue se levantar não tem valor algum neste vilarejo. Não posso fazer
nada, exceto esperar pela morte.
—…
— A única razão pela qual consegui aguentar até agora é porque os moradores
estavam esperando que Mina voltasse. Estavam convencidos de que ela tinha
um apego persistente por mim… mas agora acabou.
— E então eu apareci…
— Espera, não me entenda mal. Realmente não estou te culpando, viu? Seria o
meu destino, mais cedo ou mais tarde.
—…
E então ele sorriu.
Acima dele, voava uma única garota em sua vassoura. Os galhos balançando
sussurravam enquanto ela passava, e as árvores jogavam suas folhas para o ar
como se estivessem comemorando um brinde.
Seu cabelo cinza cintilava à luz do sol, e seus olhos lápis-lazúlis pareciam estar
olhando além de seu caminho, para algum lugar distante. Ela usava um robe
preto, um chapéu pontudo e um broche em forma de estrela, e não seria
exagero dizer que sua aparência de bruxa apenas aumentava o seu charme.
Esta jovem, que ninguém poderia descrever como outra coisa senão adorável…
quem será?
—…
De qualquer forma, a única coisa de que tinha certeza era que um lugar
estranho estava diante de mim. Me perguntei que tipo de estranheza
encontraria, e também o que a tornava tão misteriosa. Tentei interrogar os
comerciantes, mas não adiantou. No final das contas, se quisesse saber como o
lugar realmente era, não havia nada a fazer a não ser ir lá e conferir por mim
mesma. Fiquei meio ansiosa com isso.
— Você aí… Ah, uma bruxa? Que incomum. — Ele olhou para o broche no meu
peito e arregalou os olhos. — O que a traz a essas partes?
— É mesmo?
— De fato. A propósito, Senhora Bruxa, você sabe alguma coisa sobre este
país?
— Ah, sério? Nesse caso, tenho certeza de que ficará tudo bem.
— Valeu.
Quase tudo era construído de madeira e todas as casas pareciam ter sido feitas
com um estilo rústico. Era provável que as pessoas simplesmente limparam o
caminho pelo qual eu tinha acabado de passar e usaram as árvores para
construir casas. O problema é que estavam todas caindo. Estavam tão
malcuidadas que pareciam ter dado de cara com o Grande Lobo Mau.
Uma mulher magra saiu de uma das residências enquanto segurava uma cesta.
Depois de olhar para mim por apenas um momento, ela se virou e partiu.
Que reação mais desinteressada. Parece que visitantes não são tão raros por
aqui.
Lá estava a mulher pendurando sua roupa para secar em um varal entre duas
árvores em um jardim. Lá estavam os homens sentados ao redor de uma
fogueira distante, conversando amigavelmente e jogando galhos nas chamas.
Havia também o jovem que estava intensamente focado em cortar lenha com
um machado.
Olhei para trás apenas no caso de ela estar falando com outra pessoa. Depois
de ter certeza de que não iria me envergonhar, perguntei:
— Eu?
— Sim, você. Você é uma viajante, certo? Se veio para este país, deve ter
gostos realmente estranhos.
— É mesmo?
— Com certeza.
— Ouvi dizer que era um lugar estranho, então chamou minha atenção.
— É mesmo?
— Com certeza.
— Mas isso aqui não parece nada estranho. Acho que é só um lugar simples,
comum e normal.
— Bem, então — disse a maga —, você veio com grandes expectativas e ficou
desapontada, certo?
— Entendo… Nesse caso, acho que você deveria dar uma olhada no interior.
Suspeito que será capaz de encontrar o que esperava.
— Um, espera…
Ela agarrou minha manga com força, depois me vi sendo arrastada por uma
maga cujo nome nem sabia.
Não era aquele pelo qual passei na entrada do vilarejo, mas sim um mais
extravagante. O topo do portão de madeira era adornado com uma moldura de
ferro. De alguma forma, o muro ao seu redor parecia mais alto do que aquele
pelo qual passei primeiro.
O portão estava aberto e uma carroça puxada por cavalos estava estacionada
ao seu lado. Homens mais velhos e gordos descarregavam pacotes de todos os
tamanhos, enquanto o cavalo mastigava grama, já que não tinha nada melhor
para fazer.
— Existe outro país dentro deste país…? — perguntei, e a maga soltou minha
manga.
— Com certeza.
— Um livro…? — Achei que ela fosse pedir algo meio doido, mas era um item
muito normal. — Por que não compra você mesma? Ou há algum motivo pelo
qual não pode comprá-lo?
Eu estava prestes a perguntar qual era o motivo, mas poderia dizer, pelo olhar
em seus olhos, que ela apenas se esquivaria da pergunta e prometeria me
contar depois que eu aparecesse com o livro.
Não me senti bem por deixar essa maga me colocar em sua incumbência, mas
também estava muito curiosa sobre o que havia do outro lado daquele portão.
— Eu aceito.
Passei pelo cavalo que parecia ser bem lento e também pelos homens gordos,
cruzando o portão secundário.
Dentro havia um outro mundo, tão diferente que me fez imaginar o que diabos
estava acontecendo com o vilarejo abandonado pelo qual eu havia passado.
A terra crua e não pavimentada pela qual eu estava andando… sumiu. Tijolos
cor de ferrugem e aparentemente sólidos estavam alinhados formando a
estrada.
Prosseguindo, vi uma padaria, uma do meu tipo favorito. Este país não parecia
ter barracas de rua ou qualquer outro comércio de beira de estrada. A própria
padaria foi montada dentro de uma casa comum. Pensando bem, não comi
nada desde esta manhã.
Mas eu deveria dar uma olhada antes de colocar qualquer coisa na minha
boca. Além disso, desde que me dei ao trabalho de vir aqui, quero comer
alguma especiaria local famosa.
— Ei, ei, Mãe, tem uma feiosa ali. Olha como ela é feia!
—…
Quando me virei para quem havia feito aquele comentário muito, muito rude,
vi uma mãe e uma criança obesas de mãos dadas e franzindo o nariz para mim,
cheias de nojo.
Fiquei intrigada com isso, mas nenhuma resposta surgiu. Por fim, concluí que
estava imaginando coisas.
Ou, devo dizer, por quanto mais pessoas eu passava, mais olhos
desaprovadores se voltavam para mim. As pessoas às vezes diziam algo
apontando para mim e zombavam, e às vezes sussurravam com quem estava ao
lado delas.
Feia, diziam.
— Santa mãe, que rosto horrível. Ela não deveria mostrar isso a ninguém.
— Como ela ousa andar por aí como se não houvesse nada de errado? Tenha
um pouco de respeito.
— Quanta magreza.
— Ela é uma má influência para as crianças. Alguém pode mandar ela embora?
O quê, vocês estão com inveja? Queria dizer a eles. Mas quando se está
caminhando por um ambiente em que a discriminação é clara e socialmente
aceita, é natural esperar que coisas questionáveis acabem acontecendo.
Por exemplo, ter um homem (que se parece com um porco inchado) rindo de
você.
Por exemplo, fazer com que uma criança (que se parece com um porco
inchado) atire pedras em você.
A criança ao menos não arremessou com muita força, então foi fácil desviar
das pedras.
— Ei, você está no caminho, maldita feiosa — rosnou alguém, batendo seu
ombro em mim enquanto passava.
Quando me virei para olhar, me deparei com uma mulher grande e carnuda.
Uau, mas quanta carne. Ela parece uma leitoa pronta para o abate.
Colocando de outra forma, era uma jovem extremamente gorda com um rosto
extremamente suíno. Seu corpo perfeitamente roliço estava coberto com um
vestido de babados, e ela caminhava pelo centro da estrada com uma
expressão de orgulho.
— Tão magrinha.
Foi isso que aconteceu. Achei muito, muito desagradável que seus comentários
de alguma forma começaram a me incluir.
— Fu…
Com o tempo, voltei à estrada por onde havia chegado e entrei na cafeteria.
Tive que fugir. Isso tudo era muito desconfortável.
—…
Não era algo importante o suficiente para me fazer pensar ou dizer qualquer
coisa a respeito. Qual é o problema com este país? Além do segundo portão, o
conceito de feiura era bem diferente do normal.
— Seu idiota! Tenha cuidado ao falar sobre os feios. E se você for infectado?
— Céus…
— Sinto muito pela demora. Aqui está seu combo matinal. — O garçom olhou
de canto de olho para mim enquanto colocava o café e o pão na mesa. E geleia.
— Perdão pelo pedido, senhorita, mas quando terminar de comer pode, por
favor, ir embora? Os outros clientes estão reclamando, então…
— Um…
Ouvi risadas vindo de algum lugar.
Depois de terminar meu café da manhã, que tomei lenta e delicadamente, fui a
uma livraria.
Não posso negar que queria fugir o mais rápido possível, mas eu tinha feito
uma promessa, então ainda não podia ir embora. Caminhei pela cidade,
relutante, mantendo meu olhar fixo no caminho enquanto mais pessoas riam e
apontavam, até que finalmente cheguei na livraria.
Um espaço seguro.
— Hmm… — Vaguei pela loja tentando lembrar o título do livro que a maga me
pediu para comprar. Depois de um tempo, o encontrei. Sua capa estava sendo
exibida na vitrine de novas publicações. Peguei uma cópia e me dirigi ao
balcão.
Ela não foi abertamente rude comigo, mas imaginei que devia estar rindo por
dentro.
— Ei, você é aquela viajante que entrou aqui escondida, certo? — perguntou
um dos homens gordos.
Tentei me lembrar de quem ele era e então percebi que era um dos homens
que estava descarregando pacotes da carroça perto do segundo portão.
— Não se faça de besta. Quando você passou pelo primeiro portão, o guarda de
lá deveria ter explicado. O segundo portão marca um lugar especial onde
apenas pessoas selecionadas podem entrar. Quebrar essa regra de propósito é
um ato extremamente malicioso.
— Como você pode ter essa atitude conosco? Você está causando muitos
problemas aos residentes só por estar aqui. Ande logo e vá embora.
Ela estava esperando por mim na frente do portão secundário quando saí.
Fiquei feliz por a maga ter me poupado do esforço de procurá-la, mas tive a
sensação de que tudo, até mesmo o momento em que iria encontrá-la, havia
sido de alguma forma previsto. Era como se eu estivesse correndo na palma da
mão dela o tempo todo.
— Mas, primeiro, poderia me falar sobre este lugar? Te entregarei isso depois
— falei, suspendendo o livro bem alto no ar.
— Parece justo. Certo, devemos ir a algum lugar onde possamos nos sentar?
Meu coração estava batendo tão forte que parecia até que eu estava segurando
uma bomba-relógio, mas a maga me ignorou e olhou para o cenário quieto e
tranquilo.
— Há muito tempo, quando esta terra ainda não estava dividida, havia uma
rainha muito feia…
— É só a verdade.
—…
— Voltando à história, a rainha sempre se sentiu inferior, já que era muito feia.
Naquela época, todo mundo pensava que as rainhas deveriam ser bonitas,
então ela sentia muita vergonha da sua aparência.
Mm…?
— E então, ela fez um pedido a uma certa bruxa errante. “Deixe meu rosto
bonito”, pediu. No entanto, a bruxa recusou. Ela não conhecia nenhum feitiço
para mudar o rosto das pessoas; além disso, pensou que seria antiético.
— Não. Sou uma simples maga. Olha, eu não tenho um broche nem nada,
tenho? — A mulher puxou a frente do seu robe e me mostrou. E, conforme dito,
não havia nada lá.
— Então, como você sabe que a rainha pediu à bruxa errante para fazer isso?
— Porque eu sou amiga dela. Nós nos demos bem quando ela veio para este
país, embora tenhamos ficado juntas só por um tempinho. Afinal, ela era uma
viajante.
— Ah.
— Nós tínhamos quase a mesma idade que você, e ela era parecida com você.
E também era muito inteligente e bonita.
— Ahhh…
—…
—…
— O que achou?
— Um, não sei nem o que dizer… — Minha cabeça começou a doer.
— Então ela simplesmente exilou todos para a área além do portão, e ficou
tudo bem? Imagino que alguns dos moradores iriam se queixar.
— Ah…
—…
— Graças à infeliz rainha impondo seus valores a todos, vivemos uma vida
pacífica e sem intercorrências, e as pessoas de lá podem viver suas vidas livres
de decepções. Nos desprezar é algo que faz com que se sintam melhor.
— Ah… — Entendo.
Então, para quem está olhando do outro lado, todos aqui vivem uma vida
horrível que os deixa pensando: Não quero ser assim nunca. Cada lado
mantém a ideia de que as pessoas além do portão estão em situação pior do
que elas, e isso mantém a paz.
— Bem, isso conclui minha história. O que achou? Respondi todas as suas
perguntas? — Ela estendeu a mão.
— Sim, a maioria. Não tenho mais perguntas. — Mas ainda estou estressada. —
A propósito, por que você queria este livro?
—…
— Sem problemas.
— Como uma viajante, o que achou desta terra? — perguntou a maga enquanto
abria o livro.
Se você usar este mapa, deverá conseguir chegar ao próximo país. Boa sorte,
mocinha.
O chefe da aldeia onde eu tinha ficado no dia anterior havia dito algo parecido
e colocado um mapa em minhas mãos, então tentei o meu melhor para segui-
lo.
Passei meio dia voando com minha vassoura em uma baixa altitude, roçando o
solo com o mapa em uma das mãos. E, com certeza, finalmente cheguei ao meu
destino, sem nenhum incidente.
—…
Estava tudo morto. O portão que se fechava para o mundo exterior foi deixado
aberto, e voei direto para dentro sem nem descer da vassoura. A parte de
dentro estava na mesma situação – algumas casas não tinham telhado, estavam
cobertas de musgo; algumas não passavam de estruturas esqueléticas; e outras
foram reduzidas a um monte de escombros. Lixo, escombros e destroços por
toda parte.
— Hmm…
Passo mais meio dia voltando por onde vim? Ou passo a noite aqui? Essas eram
as minhas duas opções em aberto. E eu não queria escolher nenhuma delas. Se
tentasse seguir a estrada pela qual cheguei, a noite cairia antes que chegasse
a algum lugar para ficar. Mesmo se voltasse para a aldeia sem me deparar com
qualquer incidente, não sabia se havia uma pousada na qual poderia ficar. Mas
deixar o retorno à aldeia de lado e dormir onde estava também era algo
preocupante.
— Uff…
Quando a coisa fica feia… Realmente não quero, mas não tenho como evitar.
A porta do palácio estava bem fechada, mas, pensando bem, o lugar já estava
desabitado.
— Hng… — Depois de verificar se não havia ninguém por perto, usei um feitiço
para incendiar a porta, reduzindo-a a cinzas em instantes. — Sinto muito pela
intrusão… — E entrei.
E assim…
— Quem é você?
— De onde você veio? — Ela puxou uma cadeira (uma de aparência muito cara,
brilhando com um esplendor dourado inútil) e se sentou, então olhou para mim
suavemente.
— Elaina.
— Não sei por que estou aqui. — Mirarose torceu a cara. — Quando acordei,
estava neste lugar em ruínas.
— Isso é…
Deve ser amnésia. Mas como? O país não se deparou com a ruína da noite para
o dia. Mesmo em uma estimativa positiva, já estaria em ruínas há ao menos um
mês.
— Por que você não foi embora? Você provavelmente poderia viver uma vida
melhor caso se mudasse para outro lugar em vez de ficar aqui. Se precisar de
dinheiro, tenho certeza de que pode encontrar algum.
—…
Ela me mostrou o papel. Estava coberto de cima a baixo com uma caligrafia
confusa e sinuosa.
Você, lendo esta carta, é a rainha Mirarose. Você não sabe de nada, mas tenho
certeza disso.
Por que está aqui? Por que tudo que está vendo além da janela está em ruínas?
Por que não tem nenhuma memória?
Você deve estar confusa, diante de tantas incógnitas, mas quero que fique à
vontade. Vou me esforçar para explicar ao menos um pouco.
Quero que você olhe pela janela. Você verá um monstro em fúria, tenho
certeza. Esse monstro é o demônio que destruiu esta terra e a fonte de sua
amnésia. Aquilo não tem nome. Se tomássemos o nome deste lugar e lhe
déssemos um nome provisório, poderíamos chamá-lo de Javalier.
Ele nasce ao pôr do sol e destrói tudo o que consegue até o amanhecer. Se
você sair do castelo em busca de comida, recomendo que vá durante o dia. Aí
dentro você está em segurança, já que é o único lugar em que o Javalier não
entrará.
O objetivo dele é matar todos desta terra. Ele aparecerá, em fúria, todas as
noites, procurando pela última pessoa que resta.
Ele está caçando a última rainha de um país vazio. Eu imploro, por favor, não
saia deste lugar. Se o fizer, o Javalier irá te seguir para onde quer que vá. Este
é o único pedido que te faço.
Quero que você mate o Javalier usando seus poderes mágicos. Você ficará
presa até fazer isso, então não acho que tenha muita escolha mesmo. Como
uma bruxa, você tem sua magia, então deve ser capaz de derrubar o Javalier
facilmente. Por favor, mate aquele monstro por nós.
A noite caiu.
A carta estava certa; o Javalier era realmente um monstro. Seu corpo era
enorme, quase da mesma altura dos edifícios em ruínas, e estava coberto de
escamas pretas como a meia-noite.
Ele havia sido chamado de Javalier, mas parecia exatamente como um dragão
sem asas. Não posso dizer com certeza, mas talvez essa semelhança fosse o
motivo para o seu terrível poder de cuspir fogo. Ele esmagou prédios com seus
grandes e fortes braços e arrasou casas jogando-as no chão, procurando pela
última pessoa remanescente: Mirarose. Era um ataque de plena fúria.
— Vamos lá, dá para dizer que sou uma só de olhar para mim. — Eu estava
obviamente vestida igual a uma bruxa. Não viu o broche?
— A pessoa que escreveu aquela carta fez uma exigência realmente irracional,
você não acha?
— Com certeza fez. Lutar e derrotar um monstro daqueles é… uma missão sem
sentido.
— Essa carta não é um pouco estranha? Tudo o que realmente te disse foi que
um monstro aparece à noite e que você tem que matá-lo, certo?
Por que o Javalier apareceu e por que estava destruindo o lugar? Por que essa
garota era a única pessoa viva? Qual era a relação entre o Javalier e sua
amnésia?
— Há muita coisa que eu não sei, mas eu sou Mirarose, a rainha… e meu
país foi destruído por um monstro. Se esses são os fatos, então tenho a
obrigação de derrotá-lo… Você não acha?
— Você já lutou contra aquela coisa? — Apontei para o monstro do lado de fora
da janela e ela balançou a cabeça.
— Ainda não.
— Você nunca, jamais lutaria com uma coisa daquelas se pudesse evitar, não
é?
— Com certeza.
— Quantos dias se passaram desde que você viu o monstro pela primeira vez,
hein Mirarose?
— Só sete. Não passou muito tempo desde que eu acordei. E o lugar já estava
em ruínas.
Ela olhou para o céu. Uma lua cheia brilhava no céu tão negro quanto
azeviche, brilhando junto com a luz das estrelas. Me pergunto como ela está se
sentindo agora.
—…
Eu não sabia nem se eu mesma sairia vitoriosa após desafiar o Javalier sozinha.
Aquilo provavelmente era tão forte que alguém poderia matá-lo duas vezes e
ele ainda voltaria para no final vencer a luta.
— Claro que tenho. Na semana que passou, desde que acordei, fui me
lembrando, pouco a pouco, de como usar minha magia. Acho que eu devia ter
um certo domínio sobre isso antes de ter perdido a memória. — Ela colocou a
mão no quadril.
— Bem, dê o seu melhor. Estarei torcendo por você… de uma distância segura.
— Pelo menos você é honesta… Eu realmente não posso te culpar por isso.
— Bem, obrigada.
Depois disso, nós nos permitimos entrar em uma conversa amigável enquanto
assistíamos o enorme Javalier continuar com a sua agitação. Foi meio ridículo.
Como um lugar para dormir, Mirarose me permitiu usar uma das camas dos
antigos criados. Fiquei grata. Ela era macia e fofa.
— Ah, bom dia. — Enquanto eu corria pelo primeiro andar toda arrepiada,
Mirarose me cumprimentou com um sorriso alegre. Desta vez ela estava
usando um vestido diferente, mas estava tão esfarrapado quanto o outro.
— …? C-cozinhando?
Será que devo supor que o que você chama de cozinhar é algo tão violento
quanto o que estou imaginando?
— Sim, já está quase pronto. — Ela balançou a cabeça e voltou aos seus
afazeres. Eu a segui e chegamos à cozinha. — Pode esperar na sala de jantar, é
aqui ao lado. Vou levar a comida.
— Um, obrigada…
—…
Recuei com o rabo entre as pernas – não era como se eu tivesse alguma
escolha. E então fui para a sala de jantar e sentei em uma das cadeiras à mesa.
Então pensei: Isso foi um erro. Eu não deveria ter saído de lá.
Coisas do tipo.
— Minha nossa, você está bem? Você não parece nada bem.
— Vamos comer.
Sentada à minha frente, ela apertou as duas mãos, em seguida, mastigou sua
torrada com geleia.
— Pensei que poderíamos conversar esta noite, enquanto temos tempo — disse
Mirarose.
— Esta noite?
— Sim. Quero que você me ajude com os preparativos para o meu plano.
— Você me deu onde dormir e o café da manhã; não precisa pedir para eu te
ajudar.
Por que você tem que lutar contra aquilo, em primeiro lugar? Não vejo
problema em simplesmente deixá-lo lá.
— Foi só uma piada, então você pode ficar tranquila. Eu devo cuidar dos
assuntos da minha própria nação. Tenho certeza de que é o que o escritor da
carta também desejaria.
—…
— Não fico surpresa que você ache isso, Elaina. É óbvio que a carta não é
totalmente confiável. Seria tolice acreditar em tudo o que ela tem a dizer
quando deixa de fora todos os detalhes importantes.
— No entanto, sem nenhuma dessas informações, tudo o que posso fazer por
enquanto é lutar. Mesmo assim… de alguma forma, simplesmente não consigo
me convencer de que a carta está mentindo. O escritor realmente odiava o
Javalier e o queria morto, e é por isso que me escreveu aquela carta. Eu posso
dizer isso.
— Por quê? — Mirarose sorriu. Não era escárnio ou uma tentativa de disfarçar
alguma outra emoção desagradável; ela estava simplesmente gostando de
nossa conversa.
— Porque isso é suspeito. Essa razão já basta. Você perdeu a memória, não
consegue distinguir a direita da esquerda, e ainda assim está aceitando tudo
que está escrito naquilo. Claro, é fácil para eu dizer isso. Não estou na sua
posição.
— Isso torna tudo ainda mais suspeito. Tudo que aquilo faz é destruir a cidade;
não tem um pingo de inteligência. Ele realmente poderia te rastrear? Além
disso, não faz sentido que não possa entrar no castelo, e o autor nem mesmo
assinou o nome… É uma carta verdadeiramente intrigante.
—…
Estou exausta…
— D-de qualquer forma, por quanto tempo preciso fazer isso para terminar…?
Se quer saber o que ela estava me obrigando a fazer, então vou contar: eu
estava cavando um buraco. “Quero que você vá até a rua mais larga da cidade
e use magia para cavar um buraco grande o suficiente para o Javalier caber
completamente dentro.” Esses eram seus “preparativos”.
Segundo ela, o Javalier não tinha asas, então, se caísse em um buraco, devia
demorar um pouco para conseguir escalar de volta para cima.
“Se lançarmos feitiços mágicos nele sem parar enquanto ele estiver lá,
devemos ser capazes de enterrar o Javalier, certo?”
— H-hup… urgggh…
Bem, eu era a Bruxa Cinzenta e ganhei meu título por causa da minha
habilidade real. Claro, poderia ter feito isso com mais eficiência – escavando o
solo pessoalmente, por exemplo. Mas isso iria exaurir uma quantidade
extraordinária de poder mágico. Considerei as alternativas do meu próprio
trabalho físico contra esgotar minha magia e escolhi o trabalho duro.
— Guhaaa…
E, sim, eu me arrependi.
— Não vai demorar muito… — disse Mirarose. Ela parecia um pouco nervosa e
tensa.
—…
Forcei meu cérebro a pensar em como acalmar seus nervos e tive a brilhante
ideia de mudar de assunto. Sou genial.
— Por que você só usa vestidos esfarrapados, hein Mirarose? Não tem
nenhuma roupa bacana? — falei.
— Ah, não. É que minhas roupas sempre ficam assim quando eu cozinho, e me
trocar é um saco, então eu fico com elas assim mesmo.
— Obrigada.
— Hein…? Pelo quê? — Virei meu rosto para longe dela. O calor que senti nas
minhas bochechas era apenas por causa do pôr do sol. Definitivamente.
— Eu sei o que você está tentando fazer. Você está tentando acalmar meus
nervos.
— Ei, só estávamos batendo um papo. Sinto muito se você pensou isso aí. Não
fique chateada.
— Está tudo bem. Esta noite eu faço o jantar — falei. — Então, não morra, viu?
— Claro que não vou. — Enquanto ela falava, Mirarose usou magia para
esconder a superfície do buraco. Dessa forma, o Javalier devia dar de cara com
ele sem perceber nada.
— Te vejo mais tarde — falei, e ela voltou a sorrir gentilmente para mim. E
então eu virei minhas costas para ela e fui embora.
Espera aí – quem disse que eu estava indo embora?
Isso foi uma piada. Se eu partisse em um momento desses, então não teria
mais nenhum pingo de humanidade. Embora eu ache que estava sendo muito
sensata quando recusei o pedido de ajuda.
Mesmo agora, não poderia simplesmente me oferecer para ajudar, mas espero
que essa seja uma ofensa perdoável.
—…
Em pouco tempo, ouvi um rugido terrível que parecia estar saindo do próprio
inferno. Estava muito perto. Quando dei uma espiada lá fora, pude ver escamas
pretas lentamente se movendo.
Eh? Hein? Parece que ela pode ganhar, pensei por um momento, mas minha
primeira impressão foi equivocada. Ela estava definitivamente fazendo o seu
melhor, mas Mirarose estava com dificuldade.
Fechei meus olhos e voltei a respirar fundo. Segurei minha varinha com
força. Vamos fazer isso.
Assim que fiz isso, algo passou zunindo ao meu lado, alcançando uma
velocidade inacreditável.
Vooosh. Manchando meu rosto com algo enquanto passava, aquilo bateu na
casa atrás de mim com um barulho estrondoso.
— Ah…
Por que a cabeça do Javalier está aqui? Hein? Não me diga… não me diga que
ela ganhou sem minha ajuda?
Eu estava ali, incapaz de compreender totalmente a situação, quando ouvi uma
voz.
Mas quando me virei, era ela quem estava ao lado do Javalier sem cabeça.
—…
Estremeci.
Ela estava sorrindo, banhada em sangue. Sua expressão não mostrava o sorriso
gentil que me mostrou durante a manhã, mas sim algo sombrio e distorcido.
Fiquei sem palavras. Não pude fazer nada além de cair em um estado de
choque.
No entanto, todos os segredos vêm à tona mais cedo ou mais tarde, e o deles
não foi exceção. O fato de estar apaixonada por um servo tornou-se uma fofoca
bem conhecida.
Então Mirarose engravidou dele. Percebendo que não era mais possível
esconder seu amor, os dois confessaram tudo para o pai dela, o rei.
Como ela era sua filha amada e a única bruxa do país, o rei não a matou, mas
não a perdoou por carregar um filho de um servo na barriga. O rei pagou uma
grande quantia a um médico local para interromper secretamente a sua
gravidez. Naturalmente, a criança nunca nasceu, não importa quantos meses
ela tenha esperado.
E assim, tendo perdido tudo, Mirarose fez um voto. Uma promessa de que
mataria todos.
Ela o expulsou do castelo e o selou do lado de fora. Era um selo tão forte que
apenas um indivíduo com fortes poderes mágicos poderia quebrá-lo – razão
pela qual eu, uma bruxa, pude entrar.
Em seguida, ela escreveu uma carta para seu futuro eu – digo, escreveu uma
carta para si mesma. Ela tirou um dos residentes do castelo da prisão
subterrânea e ordenou que escrevesse enquanto ficava ao seu lado ditando. Se
a carta fosse escrita por ela mesma, isso poderia acabar prejudicando seu
plano.
O nome do rei era Javalier. E o nome do monstro ser o mesmo não era uma
simples coincidência. Com a criação do monstro que só ficaria ativo à noite,
seu plano estava completo. Sua magia quase se exauriu e ela caiu em um sono
profundo.
Na próxima vez que Mirarose abriu os olhos, havia esquecido tudo. No entanto,
tudo correu de acordo com o plano. Nesse ponto, não havia nada a fazer a não
ser percorrer o caminho que ela havia traçado para si mesma. Sua batalha
contra o dragão negro também fazia parte do plano, assim como o fato de que,
durante a batalha, as memórias ligadas ao monstro voltariam para ela.
Por que ela desviou de seu caminho para transferir suas memórias? Mirarose
devia ter ficado bastante perturbada por ter acordado com amnésia. Além
disso, me perguntei se reter suas memórias não teria tornado isso menos
desagradável.
— Eu dei minhas memórias para o rei, assim ele poderia sentir minha angústia.
Na verdade, o Rei Javalier não havia perdido toda sua inteligência humana
quando se tornou um dragão negro. Pelo visto, embora seu corpo tivesse sido
tomado pela transformação, sua consciência humana ainda existia em um
canto da mente da fera. Esse era o plano que Mirarose havia preparado para
ele.
Ela devia ter realmente desejado atormentar o rei, já que seguiu adiante com
uma trama tão complicada. Depois de se tornar um monstro furioso, o Rei
Javalier esmagou seus súditos com as próprias mãos. Com a cabeça cheia de
memórias que Mirarose forçou nele, massacrou tudo o que uma vez amou, e
então…
Na manhã seguinte, deixei o castelo sem sequer tocar no café da manhã que
Mirarose havia preparado para mim.
— Você já está indo, não está? — disse ela calmamente. A garota não parecia
particularmente triste com isso.
— Sinto muito. Afinal, sou uma viajante. Devo me apressar e ir para o próximo
lugar.
— Ah, então é isso? Que pena. Foi muito divertido conversar com você.
—…
— Só estou brincando. — Ela sorriu, mas não havia mais nenhuma gentileza
nessa ação. Isso estava distorcido e repleto de escuridão. A garota que eu
conheci não estava mais em lugar nenhum.
— Sério, pare.
— Só estou brincando de novo. A verdade é que ainda não pensei em nada. Por
enquanto, quero saborear minha vingança. — Ela esfregou a barriga, como
uma mãe nutrindo uma nova vida.
Não havia mais nada que eu pudesse dizer, então decidi encerrar as coisas.
— Você também.
Ela deve estar acenando, dando seu adeus. Mas não estou com vontade de
olhar para trás.
Saí daquele lugar o mais rápido que pude, passando rapidamente pelos
escombros de sua terra arruinada.
Majo no Tabitabi 13
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Nem me lembro quando comecei a ler, mas sou uma leitora ávida desde que
me lembro. Sempre que tinha tempo livre, pegava um livro na estante de casa
e lia, e quase todas as vezes que minha família saía, importunava meus pais
por um livro novo.
Talvez seja por isso que não tinha muitos amigos da minha idade. Eu não
brincava, optando por passar meu tempo enfurnada no meu quarto. Meus pais
se preocupavam comigo, mas eu tinha tudo que queria na vida. Afinal, sempre
tive um livro ao meu lado.
O nome da autora era Nique, igual no título. Mas era um pseudônimo; seu
nome verdadeiro era completamente diferente. No posfácio de cada volume,
ela escrevia: “Escrevi essas histórias com base em minhas próprias
experiências”.
Para a jovem Elaina, uma garota que não deu um único passo para fora do País
Pacífico de Robetta, a heroína Nique, que vagava de um lugar para outro como
queria e via o mundo amplo e bonito, era um farol brilhante. Eu amei aqueles
livros talvez um pouco demais e os li muitas vezes. Os livros até começaram a
se desfazer.
— Sim. É por isso que você deve dar o seu melhor em seus estudos de magia.
— Exatamente.
— Sério?
— Sim, sério.
— Sério, sério?
— Eba!
Tudo começou de uma coisa tão pequena, mas meu desejo de ver o mundo me
estimulou ao longo dos anos que passei trabalhando para me tornar uma
bruxa.
Ela era tão habilidosa em magia que qualquer um ficaria surpreso em saber
que nunca teve nenhum treinamento formal. Minha mãe era uma boa
professora e, antes que percebesse, eu fiquei muito boa no uso de magia. Tão
boa, na verdade, que fui capaz de me tornar uma noviça aos quatorze anos.
Meu pai ergueu a cabeça do jornal e franziu a testa. Minha mãe não pareceu
particularmente surpresa e calmamente bebeu seu chá após o café da manhã.
Meu pai observou a reação de minha mãe, depois pigarreou com força, dobrou
o jornal e o colocou na mesa.
— Não foi isso que vocês disseram, foi? Vocês não me prometeram que quando
eu me tornasse uma bruxa, poderia viajar?
— Bem, prometemos isso, mas… nunca pensamos que você se tornaria uma
bruxa tão cedo…
— O que importa? Trabalhei o mais duro e rápido que pude para poder ir e ver
o mundo quando terminasse.
— Hunf…
Derrotado, meu pai caiu para trás e, depois de resmungar um pouco, colocou a
mão no ombro de minha mãe. Ela ainda estava bebendo seu chá graciosamente
ao lado dele.
— Caramba. Você é o único que é contra a Elaina sair, Papai. Acho que não
tem problema em ela ir viajar.
— Mas…
— E, além disso, não dissemos isso a ela desde que era uma garotinha?
Dissemos que permitiríamos que viajasse assim que se tornasse uma bruxa.
— Mas…
—…
Meu pai ficou em silêncio. Bem, estava mais para silenciado, na verdade.
— Elaina, você está falando sério sobre isso, certo? — perguntou minha mãe.
Eu concordei.
— Claro.
— Certo!
— Sim. Se você não puder cumprir essas promessas, não tem como deixá-la ir
em uma jornada, sendo bruxa ou não. Afinal, o mundo é perigoso.
— Bem, ouça. — Minha mãe dobrou o dedo anelar. — Primeiro, quando parecer
que você está encaminhando para uma situação perigosa, você fugirá sempre
que possível. Não enfie o nariz onde não é chamada. Caso contrário, pode
acabar morrendo.
— Pode deixar.
Isso é bom senso. Eu faria isso mesmo se você não me fizesse prometer. Não
estou pronta para morrer, sabe.
— Em segundo lugar, nunca comece a pensar que está acima de todo mundo,
você pode ser uma bruxa, mas ainda será uma visitante. Você não deve ser
arrogante e nunca se esqueça de que você é igual a todos.
—…
— Você promete?
— Papai, ela tomou sua decisão. Vamos dar uma forcinha, tá bom? Além disso,
fomos nós que prometemos que ela poderia ir. Os pais não quebram
promessas.
— Minha preciosa filha única já está deixando o ninho, hein? Já posso sentir
um buraco se abrindo em meu coração…
— Você vai morrer com o choque quando Elaina se casar, não é, querido?
— Pare! Nem fale sobre ela se casar; está muito cedo! — Meu pai começou a
chorar de novo.
…
Meu chapéu preto pontudo e meu robe preto eram roupas de segunda mão de
minha mãe.
— Uma aparência simples é perfeita para uma viajante. Além disso, combina
com você.
— Obrigada.
— Um pouco.
— Não o desperdice.
— E então… ah, isso mesmo. Por precaução, leve isso com você.
— …?
Em outras palavras:
— Um sobressalente?
— Isso aí.
Tá bom, eu levo.
— Boa viagem, Elaina. — Minha mãe estava acenando com um sorriso no rosto.
Afagando a cabeça de meu pai, minha mãe falou comigo com um sorriso gentil.
— Sempre que você voltar, não se esqueça de nos contar tudo sobre a Jornada
de Elaina.
— Estou indo.
Majo no Tabitabi 14
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Do outro lado dos campos estava um país cercado por uma muralha.
Pensei em tentar voar pelo lado de fora na minha vassoura, mas duvidava que
conseguiria retornar antes do pôr do sol, então desisti dessa ideia.
Mais importante ainda, o portão estava bem na minha frente, então não havia
necessidade de sair do meu caminho para ficar voando por aí. Continuei em
frente, curtindo a paisagem, e pousei.
— Elaina.
— Bruxa Cinzenta.
Parece que isso era tudo que ele tinha a perguntar. Paguei uma prata pela taxa
de entrada e passei pelo portão. Atrás de mim, ouvi alguém dizer:
Fiquei meio desconfiada por causa do nome todo formal do país, mas a cidade
estava fervilhando de energia.
Comecei a caminhar.
A cidade diante de mim era tão maravilhosa que parecia que eu poderia perder
a noção do tempo.
Fiquei vagando sem rumo até que me deparei com um prédio muito elegante.
Tinha uma enorme torre de relógio, e o lugar era tão grande que pensei que
poderia ser um palácio. O amplo terreno era cercado por uma cerca de ferro,
então eu não conseguia chegar perto do prédio em si.
É isso que está escrito no portão, então suponho que seja mesmo. Interessante
encontrar uma academia de magia aqui… Não existia tal coisa em meu país.
Com certeza não uma tão sofisticada.
Mas foi o suficiente para me deixar com inveja das crianças que moravam por
perto.
Estou um pouco curiosa para ver isso por dentro… Será que tem problema se
eu entrar? Devo entrar?
Pisei no terreno.
Ainda não tinha ido longe quando alguém me agarrou firmemente pelo ombro.
Quando me virei, me deparei com um homem musculoso parado bem ali. Sua
roupa estava bem esticada sobre os músculos protuberantes. Ele parecia ser o
porteiro.
—…
— Ah… — Ele olhou para o meu peito e sua atitude mudou na mesma hora. —
Peço perdão. Eu não sabia que você é uma bruxa… Por favor, desculpe a minha
grosseria.
— Sinto muitíssimo, mas, por favor, não entre aí. — Mais uma vez fui parada.
— Sim.
— Huh…
— Não podemos fazer isso. Está quase na hora da grande bruxa chegar.
Que pena.
Ainda está muito cedo para encontrar uma pousada para passar a noite, hmm?
Continuei caminhando sem rumo. Passear por este país se provou divertido.
—…
Olhei para cima e vi uma vassoura sobrevoando as casas, mas não parecia que
aquilo estava só dando uma voltinha. O homem nela estava ziguezagueando
pelas casas, deixando cair um monte de coisas enquanto fazia isso. Quando vi
alguém saindo pela varanda e pegando o que ele jogou, percebi que se tratava
de um entregador de jornais.
Desci a rua principal e encontrei uma rua cheia de barracas de ambos os lados:
barracas de frutas, mercearias, açougues e muito mais. Havia também uma
barraca de pão, com uma placa que dizia: RECÉM-ASSADOS!
Não existe nenhuma mentira maior do que essa, hein? Aposto que está tudo
velho.
A mulher pegou o meu pão e o enfiou em uma bolsa… com a mão nua.
— Sim… obrigada.
Peguei aquilo e vaguei pelo distrito comercial enquanto mastigava o pão. O pão
longo e fino evidentemente não estava recém-assado, já que estava duro e
velho. Continuei, lutando com ele e, finalmente, deixei a área comercial.
— Certo!
Então, pelo que vejo, fazem entregas de vassoura. Por algum motivo este país
deve ter muitos magos.
Havia magos não apenas no céu, mas também no chão. Alguns faziam
demonstrações de magia no acostamento da rua principal, para o deleite de
todas as pessoas que passavam. Estavam usando magia para manipular
fantoches e apresentar uma peça.
Eu acho ótimo que os magos daqui possam desfrutar de suas vidas, mas isso
não é taxado?
— Com licença — falei com uma garota maga que estava sentada em um banco
lendo um livro (ela não tinha um broche nem um corsage, então provavelmente
era uma noviça). Eu estava em uma praça que havia encontrado por
coincidência.
— Sim? O que foi? — Ela se virou para mim com uma expressão suave.
— Nossa, que viajante mais fofinha que você é. — Ela soltou uma risadinha. —
Tudo bem, o que é? Se eu souber, vou responder.
— De propósito?
— Sim. Este país tem muitos magos, certo? É por isso que criamos alguns
obstáculos para quem fica voando por aí.
— Quanto mais você se afasta do solo em sua vassoura, mais exaustivo se torna
o voo, certo? Portanto, todos desejam voar o mais baixo possível.
— Certo — concordei.
Ah, entendi.
— Então, para evitar que as pessoas voem entre as casas, vocês colocaram
cordas e roupas para bloquear o caminho?
—…
Parei minha vassoura no ar, puxando o cabo com força. Fiquei sentimental ao
lembrar de Saya… Não, esse não era o motivo, é claro. Na verdade, as duas
pessoas que pararam na minha frente me lembravam dela.
— Um… Podemos pedir para que venha conosco e não faça perguntas? — A
garota falava de um jeito muito tímido enquanto fazia um pedido bem ousado.
— Por quê?
Posso ter revelado minha identidade, mas por que de repente tenho que ir com
vocês? E ainda por cima sem fazer perguntas? Isso torna tudo ainda mais
suspeito, não é? Esquece.
— Um, mas…
— Primeiro, quero saber os seus motivos. Então vou decidir se vou ou não —
falei com firmeza para a garota tímida.
O garoto me interrompeu.
— Ah, vamos lá! Estamos implorando, Bruxa Cinzenta! Venha conosco e, por
favor, não pergunte nada!
—…
Eu podia ver que isso não estava levando a lugar nenhum. Se continuássemos
com a conversa da mesma forma, ela simplesmente não chegaria a um fim.
Hora de fugir?
— Ah, foi mal. Acabei de lembrar que tenho que fazer uma coisa urgente —
menti. E então voei para longe daqueles dois.
— Hã…?!
Bem, eu ao menos tentei, mas meu caminho voltou a ser bloqueado por outros
magos. Havia vários pares de garotos e garotas vestidos exatamente como
aqueles dois.
Ah, o que temos aqui? As coisas estão ficando cada vez mais
estranhas. Olhando para a esquerda e para a direita, pude ver alguns pares de
alunos com as mesmas roupas se aproximando de mim, um após o outro. De
repente, fiquei completamente cercada por um misterioso grupo de cerca de
vinte alunos.
— Sim.
— Certo.
— Pode deixar.
— Digo o mesmo.
—…
— Ey! — Bati nela e saí em uma velocidade explosiva. Segurei meu chapéu
pontudo com uma das mãos, para que não voasse enquanto eu disparava pelo
céu a todo vapor sobre a cidade.
Quando olhei para trás, pude ver os estudantes disparando atrás de mim,
gritando uma coisa ou outra. E assim começou uma intensa perseguição, por
motivos que não entendi direito.
Mas para a surpresa de ninguém, uma bruxa de verdade tinha uma vantagem
esmagadora sobre um bando de noviços.
—…
— Certo… — Diminuí minha velocidade, virei para o lado e voei logo abaixo dos
telhados. Eu podia ver as cordas amarradas entre as casas, e as roupas
penduradas nelas balançavam com a brisa enquanto eu passava voando.
Mas quando voltei a olhar para frente, percebi que não era o caso.
— Ah…!
Contudo…
Mais uma vez previram o meu curso. Mas se eles são tão bons…
Assim que a garota chegou a cerca de uma vassoura de distância de mim, pulei
no ar. Depois de ter passado pela noviça estupefata, chamei minha vassoura de
volta e saí voando.
Foi um movimento de fuga em pleno ar. Além de ser útil contra ataques
surpresa, era bem legal, então eu gostava de fazer isso de vez em quando.
Mesmo depois que perdi a garota de vista, meu caminho ainda continuava
sendo bloqueado e meus perseguidores estavam se aproximando pela frente e
por trás. Pensei que voar baixo iria me esconder, mas sabiam a minha posição
exata.
Bem, nesse caso… Desta vez resolvi voar bem alto no céu.
—…
— Graaaaaahhh!
— Aaaaaaaaahhh! — Com um outro grito estranho, ele passou voando por mim.
Como se isso fosse algum tipo de sinal, todos os alunos atacaram de uma vez
só, de todas as direções. Eles eram cerca de… bem, depois dos dez fiquei com
preguiça de continuar contando. Todos aqueles que tinham me cercado na
primeira vez continuavam lá, pelo visto.
Pareciam ter perdido a capacidade de falar, pois tudo o que saía de suas bocas
era, na maioria das vezes, gritos estranhos.
— Gaaahhh!
— Nyaaahhh!
— Oraaahhh!
— Hyaaahhh!
— Shraaahhh!
— Drogyaaaaa!
Eles não tinham começado a me atacar ainda, então eu também não puxei
minha varinha e dediquei minha energia para simplesmente manter minha
vassoura longe deles.
— Gyaaahhh!
— Ahhhhhh…
— Ah…
— O qu…?
— Hah…
— Eeeeeek…
— N-nada bom…
Eu nem lembro por quanto tempo continuamos fazendo aquilo. Antes que eu
percebesse, os alunos estavam voando lentamente e, no fim, pararam de me
perseguir.
— Agora já devem ter entendido que não vão conseguir me pegar, mesmo se
acabarem se unindo contra mim. Desistam — esclareci, mas não fiquei
surpresa quando ninguém me respondeu. Incomodada, continuei: — Bem,
então, quem diabos…? — Pediu para fazerem isso? Engoli as palavras que
estavam prestes a sair da minha boca.
A mulher puxou sua vassoura para perto dos alunos sem fôlego, com um
sorriso verdadeiramente radiante, e disse:
— Pessoal, bom trabalho. O que acharam? Vocês deram tudo de si para pegar a
bruxa, mas não tiveram a menor chance, não foi? Esta é a diferença de
habilidade entre uma bruxa e um estudante. Isso não tem nada a ver com
sorte. Isso é porque a Bruxa Cinzenta tem um genuíno e incomparável poder.
Senhorita Fran.
— Sinto muito, Elaina. Vou te explicar tudo. Mas, primeiro, poderia vir conosco
para a Academia? — A Senhorita Fran pediu desculpas enquanto conduzia a
mim e aos alunos para a Academia Real de Magia. Não havia como recusar seu
pedido. Afinal, eu tinha tantas coisas que queria dizer.
— Ora, ora. Acha que fomos muito duras com eles, Elaina?
— E minha.
— … — Eu nunca tinha ouvido falar disso. — Quer dizer que você ficou fora da
escola por um ano inteiro? Então teve sorte por não ser demitida.
— Sim. Bem, normalmente não sou responsável por nenhuma classe, sabe.
Minha especialidade é orientar outros professores, e às vezes dou aulas
extracurriculares para os interessados, como você viu hoje. Além disso — a
Senhorita Fran olhou para mim —, os outros professores foram muito
compreensivos quando eu disse que estava ensinando magia para você —
acrescentou.
— Me ensinando?
— Sim. Como parte do meu curso extracurricular, os instruí a te trazer até mim
sem dizer o porquê ou arrastá-la até aqui à força.
— Por quê…?
— Não sei.
Ela ficou em silêncio por um momento. Então colocou a mão no meu ombro.
— Porque eu queria ver você — disse em uma voz muito baixa, quase um
sussurro.
—…
— Ah…
Dava para ver o enorme portão pela janela. É claro. Eu fui parada por aquele
guarda corpulento. A Senhorita Fran seguiu meu olhar e balançou a cabeça.
— Quando ele te descreveu, pensei: “Ah, deve ser a Elaina.” Fui direto até o
guarda no portão da cidade e confirmei que você realmente tinha vindo para
cá.
— Seu nome estava nos registros de imigração. Você chegou esta manhã, não
é?
—…
— Quando voltei para a escola, cheguei bem a tempo para a aula extra que
ministro com meus alunos de melhor desempenho. Então passei uma tarefa
para eles.
— “Há uma garota neste país chamada Bruxa Cinzenta”, falei para eles.
“Tragam-na até aqui sem contar os motivos para ela.” Se tivessem, por algum
milagre, conseguido fazer isso, eu ia dar um ponto extra para eles.
— Por que você fez essa abordagem indireta…? — Poderia ter me procurado de
um jeito normal.
— Você não acha que seria quase impossível eu te achar, sozinha, neste país
enorme? — Ela se encostou na porta. — Bem, vá em frente. — E me incitou.
Passei por ela e entrei. Lá, havia uma sala que parecia uma combinação de
escritório e recepção. Bem no meio do cômodo havia um par de sofás na frente
de uma mesinha, e uma mesa com uma enorme pilha de papéis e livros
encostada na parede oposta.
— Eu sabia que você tinha se tornado uma viajante, mas fiquei realmente
surpresa ao descobrir que você tinha vindo para este país, sabe?
…? Hein?
— Você já sabia?
— Sim. Sabia.
— Acho que nunca falei sobre minhas viagens para você, Senhorita Fran.
Afinal, já faz tanto tempo desde que a vi. As únicas pessoas que sabiam de
minha jornada viviam no País Pacífico de Robetta, assim como meus pais. A
Senhorita Fran saber disso era bem estranho.
“Adeus, Elaina. Algum dia a gente vai se ver de novo. Por favor, aguarde por
isso e espere por mim.” Quero dizer, sim, ela disse isso, mas…
— Sim. Ela estava muito preocupada com você. Se você passar perto de sua
casa, não deixe de a visitar.
Mas estou bem longe, então suspeito que vai demorar um pouco para voltar a
vê-la.
— Nada, não foi nada. As Aventuras de Nique, não é? Você tem bom gosto.
Também gosto daqueles livros.
— Ora, ora. Nesse caso, qual é a sua história favorita? Gostei bastante da
última: “Fuura, a Bruxa Noviça”.
Se bem me lembro… nessa história, a bruxa Nique visita um certo país, pega
uma aprendiz, uma garota chamada Fuura, e a ajuda a treinar até que vire
uma bruxa. No final da história, Nique abandona a vida de bruxa e passa a
viver no campo como uma mulher normal. Então Fuura se torna uma bruxa e
começa uma nova série de viagens.
— Suponho que seja verdade… — Nada poderia dar mais felicidade aos fãs de
longa data.
— Sim.
Não posso ficar por muito tempo. Especialmente porque a Senhorita Fran está
aqui.
— Quais são seus planos para amanhã? Precisa fazer alguma coisa?
— Bem, estou livre… mas… — Não era como se eu não tivesse nada para fazer,
mas meus planos se baseavam em passeios turísticos. Eu, tecnicamente, tinha
tempo.
— O quê?
—…
Muito suspeito…
Depois disso, conversamos sobre todos os tipos de coisas. Fiquei tão envolvida
na conversa que esqueci completamente da hora. Conversamos sobre todas as
pessoas que conheci em minhas viagens, contei-lhe sobre os lugares que havia
visitado e ela me falou sobre gente de outros lugares, cujos nomes eu não
sabia. A conversa não parou por nenhum momento.
Gostaria que o tempo parasse, mas ele sempre voa quando estamos nos
divertindo. Antes que eu percebesse, já estava escuro lá do lado de fora.
— Minha nossa, já está tão tarde. Por hoje vamos parar por aqui e ir para casa?
No meio da escuridão, saí procurando por uma pousada. Durante minha busca,
a janela de uma casa chamou minha atenção. Iluminada pelo luar, a janela
projetava um reflexo claro, assim como um espelho.
E a manhã chegou.
Depois de acordar na pousada que encontrei após uma longa busca na noite
anterior, logo coloquei minhas roupas de bruxa e saí.
Com a grande torre como meu marco, consegui chegar ao meu destino
rapidamente, sem me perder. Do meu ponto de vista panorâmico, pude ver um
monte de pessoas ao redor do campus. Eram os estudantes.
Fui até o seu lado montada em minha vassoura e lá fiquei. Podia até sentir o
chão sólido sob os pés.
— Ah, bom dia. Você está bem adiantada. Não acredito que nem te falei um
horário específico. — A Senhorita Fran sorriu para mim.
— Obrigada.
— Ah, olá.
— Hoje eu gostaria que ela conduzisse um seminário especial. Ela pode não ser
muito mais velha que vocês, alunos, mas é uma bruxa esplêndida. Não a
subestimem. — Então, depois que todos os alunos concordaram várias vezes
com a cabeça, a Senhorita Fran perguntou: — Vocês têm alguma pergunta
para ela?
A próxima aluna a levantar a mão foi uma garota aparentemente tímida. Até
achei que ela era aquela que me abordou no dia anterior. Ela olhou para mim,
toda nervosa, e perguntou:
— De todos os lugares que você visitou até agora, de qual mais gostou?
— Este.
Mais mãos se levantaram, uma após a outra. Parecia até que não ia acabar
nunca.
A Senhorita Fran beliscou o garoto rude e com cara de estúpido até deixá-lo
quase morto e, assim que isso foi feito, o período de perguntas e respostas
chegou ao fim.
Hmm, hmm, entendo. Então tá bom, vou tentar imitá-la. Vaguei vagarosamente
entre os alunos.
Eles pareciam estar no meio de uma série de exercícios para lidar com a
magia. Como antes, estavam fazendo a água se mexer dentro dos vasos. Era
um exercício básico, mas o primeiro passo para alcançar um alto nível de
habilidade em magia era ser capaz de mover as coisas da maneira desejada.
— Uh, Senhorita Elaina? Minha bola de água não fica lisa. O que devo fazer? —
A água na ponta de sua varinha estava realmente flutuando no ar, mas
borbulhava como se estivesse fervendo.
Entendo, entendo.
— Certo!
Na mesma hora, uma poça d’água se formou aos pés do garoto, fazendo
um splash.
Que pena, pensei, olhando para ele. O garoto parecia muito desapontado.
— Uh, um…
— É claro. O que é?
— Um, não importa o que eu faça, realmente não consigo controlar a água…
Mal consigo mantê-la no ar… O que devo fazer?
Uhum.
Ela agarrou sua varinha com as duas mãos, encarou o vaso cheio de água e
projetou sua energia mágica. O vaso começou a se mover cerca de dez
segundos depois.
Primeiro o vaso todo deixou o chão, então, como se ela tivesse lembrado qual
era a sua intenção, a água começou a sair do recipiente. Então, quando ficou
na altura do rosto da garota, a esfera de água imediatamente caiu de volta no
chão.
— Minha nossa.
— C-certo…
— S-sim, senhora…!
Esse foi o melhor conselho que pude dar. Depois de vê-la correr para pegar
mais água, voltei a andar. Ao fazer isso, ouvi uma voz me chamar por trás.
— Oh, ohhh! Olhe para mim, Senhorita Elaina! Não é legal? — Aquele garoto
rude e com cara de estúpido estava usando uma coroa que havia feito de água.
O ignorei.
Os alunos estavam muito entusiasmados (todos, exceto um) e vieram até mim
para pedir meus conselhos. É claro, tínhamos idades parecidas, e isso podia ter
tornado mais fácil para que me fizessem perguntas.
Com base no que havia acontecido no dia anterior, eu pensaria que ela também
tinha uma aula extracurricular à noite, mas de acordo com a Senhorita Fran:
— Se temos de manhã, não temos à noite. E se não tiver de manhã, então tem
de noite. É, basicamente, uma aula extracurricular por dia.
Ela respondeu:
— Você se preocupa que fazer isso duas vezes por dia possa exaurir os alunos?
— Entendo, entendo.
— Não, não fazemos mais de uma vez porque eu vou ficar cansada.
—…
Eu não tinha nem a palavra certa para expressar o que estava sentindo.
Depois que a aula extracurricular acabou, segui a Senhorita Fran para fora do
prédio da escola. Voamos sem pressa pelo céu, em direção a um terreno mais
elevado. Ela, eventualmente, pousou sua vassoura.
— Não é lindo? Este é um lugar muito valoroso para o meu coração — disse a
Senhorita Fran.
— Fico feliz que tenha gostado daqui. — O cabelo preto dela esvoaçava
suavemente com a brisa que batia. Com um sorriso, a Senhorita Fran disse: —
Eu queria que você visse isso ao menos uma vez antes de deixar o país. Adoro
essa vista.
Seu sorriso era contagiante e eu senti os cantos da minha boca puxando para
cima.
— Obrigada.
— Mesmo assim, é maravilhoso que tenham gostado de você. Eles muitas vezes
parecem me evitar.
—…
Eles não a evitam; você simplesmente não entende a sensação de distância que
sua natureza elusiva cria. Mas não vou falar isso. Não posso falar.
— O que foi?
— Não, nada…
Como se quisesse escapar do olhar da Senhorita Fran, virei meus olhos para a
escola lá longe.
— Sim.
Entendo.
— Sim, bem, aquelas pessoas estão se divertindo com seus hobbies. Esses, na
verdade, não são empregos de verdade.
— Hobbies, hein…? Mas eles ganham algum dinheiro com isso, certo?
— Bem, suponho que sim, mas tenho minhas dúvidas. Aquelas pessoas não
fazem magia porque querem dinheiro.
— Então, por quê?
—…
Não pelo dinheiro, mas sim por eles mesmos ou pelos outros. Só porque
gostam disso.
Desde que cruzei a fronteira deste país, o pensamento de que este era um
lugar maravilhoso passou pela minha cabeça mais do que algumas vezes. A
paisagem urbana era adorável e tudo era exuberante. As pessoas passavam o
dia todo com sorrisos nos rostos. Meu coração dava uma guinada sempre que
eu via aqueles moradores locais felizes. Talvez porque meu tempo no país da
Celestelia Real tenha, de alguma forma, refletido as minhas próprias viagens.
— Parando para pensar nisso, o que é que você ama, Elaina? — perguntou de
repente a Senhorita Fran.
— Além disso.
—…
Além de viajar, o quê? Bem, acho que aquela primeira coisa que inspirou a
minha jornada.
— Livros, eu acho.
— Ora, ora, não diga isso. Me diga, do que você gosta? Será que gosta de
flores ou coisa do tipo?
— Eu gosto delas, então minha aprendiz deve gostar delas também, certo?
— Ótimo.
— O que é ótimo?
— Isso é só para eu saber — disse a Senhorita Fran com seu sorriso de sempre.
Apesar de me fazer todos os tipos de perguntas aleatórias, ela não respondeu
nenhuma das minhas.
Mesmo depois de vivermos juntas por um ano inteiro, mesmo depois de nos
encontrarmos novamente depois de todo esse tempo, ela continuava a mesma
Senhorita Fran. Eu ainda não conseguia dizer que tipo de pessoa ela era. Mas
também não tinha certeza se ao menos ela sabia. E já estava acostumada com
isso.
— O que foi? Está planejando algo grande? — Eu sabia exatamente o que ela ia
dizer, mas mesmo assim perguntei.
— Sim, e estou ansiosa para te ver antes da sua partida. Amanhã de manhã
vamos nos encontrar em frente ao portão.
Caminhando vagarosamente pela rua principal da cidade, fui até o portão pelo
mesmo caminho que havia seguido no dia anterior. Andei pela rua comercial,
olhando para todos os magos voando pelo ar. Passei por baixo das cordas
amarradas entre os prédios como se fossem vários arcos. Eu podia sentir o
cheiro doce de flores desabrochando em algum lugar.
—…
O guarda curvou-se assim que me notou. Também curvei minha cabeça, com
um pouco de atraso, claro.
Deve ser melhor sair sem dizer nada. Não sei o que ela ia me dar, mas, pelo
que me disse, provavelmente planejava me dar flores. Mas mesmo se eu as
aceitasse, não passariam de um fardo.
Elas eventualmente apodreceriam, e então teria que me livrar delas, logo, não
existe uma razão para as aceitar. Além disso, se eu voltasse a ver aquele tipo
de flor em outro lugar, provavelmente começaria a pensar na Senhorita Fran e
neste lugar.
E isso não seria bom para uma viajante. Isso só me deixaria triste.
—…
Todo mundo sabe que algo assim não acontece naturalmente. E quando olhei
para cima, lá estava ela.
— Você chegou aqui muito cedo, Elaina. Quase não terminamos nossos
preparativos a tempo.
— Nossa.
A Senhorita Fran estava acenando para mim, e seus alunos voavam ao seu
redor, deixando cair pétalas de flores das cestas que seguravam nas mãos.
Estavam todos sorridentes.
— Senhorita Fran…
E eu sorri de volta.
— Certo…!
Andando na vassoura estava uma bruxa – uma viajante. Ela ainda era muito
jovem – no final da adolescência, para ser mais precisa. Seu cabelo cinza
ondulava atrás dela, e seus olhos lápis-lazúlis estavam focados no horizonte
que dividia a vasta planície e o enorme céu azul. Usando um chapéu pontudo e
um robe preto, bem como um broche em forma de estrela, ela voou,
espalhando pétalas de flores por onde passava.
Ela virou sua vassoura na direção de partes do mundo que ainda não tinha
visto. Que tipo de país visitaria em seguida? Que tipo de pessoa acabaria
conhecendo? Talvez fosse um país cheio de magos, ou um onde tudo era caro,
ou até mesmo um país em ruínas.
Posfácio
Prazer em conhecê-lo; meu nome é Jougi Shiraishi. Este livro, Bruxa Errante: A
Jornada de Elaina, foi autopublicado na loja Kindle da Amazon no final de
2014, quando eu era um completo amador.
Este livro é composto de histórias estranhas nas quais personagens ainda mais
estranhos aparecem. Em suma, é um livro estranho, cheio de contos estranhos.
No entanto, nada me deixa mais feliz do que o fato de você ter adicionado ele à
sua coleção. A propósito, isso é apenas entre você e eu, mas este livro é
perfeito para uma estante (embora sua taxa de entrega possa variar).
E para Azure, que foi responsável pelas ilustrações, obrigado por desenhar
essas imagens adoráveis. Ahhh… a Elaina é tão fofa… Ah não, todos os
personagens são fofos… Eu fico sorrindo o dia todo, olhando para os encartes e
ilustrações, que são simplesmente adoráveis demais. Muito obrigado.
Finalmente, a todos que compraram este livro, fico feliz por conhecê-los aqui
por estas páginas. Vamos nos encontrar novamente algum dia, em algum
lugar. Até a próxima!