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Majo no Tabitabi Ilustrações

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AVISO: PODE CONTER SPOILERS


Majo no Tabitabi 1
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Capítulo 01 – País dos Magos


Era um país tranquilo, cercado por montanhas proibidas e escondido atrás de
muros altos. Ninguém do mundo exterior poderia visitar.

Acima de uma face rochosa brilhando com o calor da luz do sol, uma única
vassoura voava pelo ar quente. A pessoa que a pilotava era uma linda jovem.
Ela usava um robe preto e um chapéu pontudo, e seus cabelos cinzentos
voavam ao vento. Se alguém estivesse por perto, viraria-se para olhar,
imaginando com um suspiro quem seria aquela beldade a voar…

Isso aí. Eu mesma.

Ah, era uma piada.

— Quase lá…

O muro alto parecia ter sido esculpido na própria montanha. Olhando um


pouco para baixo, vi o portão e guiei minha vassoura na direção dele.

Com certeza foi trabalhoso, mas suponho que as pessoas que moravam aqui o
haviam planejado dessa maneira – para impedir que as pessoas entrassem por
engano. Afinal, não há como alguém caminhar por um lugar desses sem uma
boa razão.

Desci da minha vassoura bem em frente ao portão. Um sentinela local,


aparentemente conduzindo inspeções de imigração, aproximou-se de mim.

Depois de me olhar lentamente da cabeça aos pés e examinar o broche no meu


peito, sorriu alegremente.

— Bem-vinda ao País dos Magos. Por aqui, Madame Bruxa.

— Hmm? Você não precisa testar se posso fazer magia ou não?

Ouvi dizer que quem visitava este país tinha que provar sua capacidade mágica
antes de entrar; qualquer pessoa que não alcançasse um determinado nível
teria seu acesso negado.

— Eu a vi voando. E, além disso, esse broche que está usando indica que é uma
bruxa. Então, por favor, continue em frente.
Ah sim, é mesmo. Ser capaz de voar em uma vassoura é um dos pré-requisitos
mínimos para a entrada. É claro que puderam ver minha aproximação lá da
guarita. Que boba que fui!

Depois de me inclinar um pouco para o guarda, passei pelo portão enorme.


Aqui estava o País dos Magos. Usuários iniciantes de magia, aprendizes e
bruxas de pleno direito – desde que pudessem usar magia, estariam
autorizados a entrar neste país curioso, enquanto todos os outros seriam
impedidos.

Ao passar pelo imenso portão, duas placas estranhas, lado a lado, chamaram
minha atenção. Olhei para elas um pouco confusa.

A primeira mostrava um mago montado em uma vassoura, com um círculo ao


seu redor. Aquela ao lado mostrava a imagem de um soldado andando, com um
triângulo em sua volta.

O que há com essas placas?

Eu soube a resposta assim que olhei para cima – acima do monte de casas de
tijolos e sob o sol cintilante, magos de todos os tipos atravessavam o céu em
todas as direções.

Entendo. Deve ser uma regra nos países em que permitem apenas a entrada de
magos – quase todo mundo está voando em uma vassoura, por isso poucas
pessoas escolhem andar.

Satisfeita com minha explicação para as placas, peguei minha vassoura e me


sentei de lado. Com um impulso, levantei suavemente no ar em uma
demonstração viva do desenho da placa.

— Então voar é o meio de transporte preferido daqui, hein?

E, com isso, vi o País dos Magos como deveria ser visto. Acima dos telhados
marrom-avermelhados que se estendiam igual um bocado de terra seca, magos
flutuavam no ar. Alguns paravam suas vassouras para ter uma conversa
amigável, enquanto outros voavam com pacotes de bagagem amarrados a elas.
Havia mulheres idosas suspeitas e parecidas com bruxas, além de crianças
disparando pelo céu, competindo para ver quem podia voar mais alto.

Essas pessoas devem passar a vida inteira no ar.

Foi uma cena realmente maravilhosa. Me deixou quase sem fôlego.

Me juntei a eles, subindo acima do país, rendendo-me sem rumo ao fluxo de


tráfego aéreo ao meu redor. De repente, uma placa presa ao topo de um dos
telhados chamou minha atenção. Aparentemente era uma POUSADA. Passei
sem parar e vi a palavra MERCEARIA logo adiante. Havia outras: um
AÇOUGUE e até uma JOALHERIA. Como eu suspeitava, a vida local era vivida
acima dos telhados, e colocar suas placas no topo do teto devia ser a prática
comum.

Olhando em volta, vi que os telhados da maioria das casas tinham uma janela
que era grande o suficiente para uma única pessoa passar. Enquanto
observava distraidamente, uma daquelas janelas se abriu e um homem
montado em uma vassoura voou para fora.

Então é para isso que elas são usadas.

Voei em um ritmo lento, observando toda a paisagem, até que…

— Ahhhhhhhhhhhhhhh!

… um grito soou de trás de mim. Segurando minha vassoura com uma mão,
segurei meu chapéu para que não voasse para longe e me virei.

Ah, tarde demais.

— Ahhhhhhhhhhh!

Dirigindo-se diretamente para mim a uma velocidade absurda, como um


meteorito caindo e deixando um rastro luminoso, a pessoa em questão já
estava a apenas um telhado de distância quando a vi.

Esquivar? Impossível.

Virei minha parte superior do corpo por reflexo, mas não havia como evitar a
colisão. Com uma série de grunhidos (“Ugya!”, “Geh”), nós nos emaranhamos e
caímos no telhado abaixo. As telhas cuidadosamente alinhadas quebraram, e
por fim paramos um pouco antes de cair da borda do telhado. Vi uma única
telha cair no chão, bem abaixo de nós. Ainda bem que não havia pedestres.

O ângulo era pequeno, mas consegui evitar uma colisão direta com o chão.
Além disso, a pessoa estranha que colidiu comigo havia sofrido o impacto da
aterrissagem, então, felizmente, não me feri.

Eu me levantei, limpando alguns fragmentos marrom-avermelhados do telhado


que ficaram grudados no meu robe preto.

—…
— Urggggh…

A adolescente gemendo e olhando em volta atordoada parecia ser um pouco


mais nova que eu. Seu cabelo preto era curto, e tinha um rosto de aparência
andrógena. Ela usava uma blusa branca e uma saia xadrez sob um manto
preto, as quais ficaram bagunçadas após cair no telhado.

Ela não está usando broche nem nada no peito, então deve ser uma noviça.

— Hmm, você está bem…?

Quando toquei o ombro da garota caída, ela abriu os olhos.

—…

— … — E ficou em silêncio.

Parecia que ainda estava lutando para processar a situação, então me


arrisquei:

— Você tem problemas para pilotar sua vassoura?

Sim, admito que estava falando em um tom sarcástico.

— Ah…

— Parece que você finalmente recuperou os sentidos — falei com um sorriso.

— Ahhhh! — Ela voltou a olhar ao redor. — O-o-o-o que eu faço? O que eu faço?
Não tem como consertar tantas telhas…

Ei, e aí…

— Que tal um pedido de desculpas primeiro?

— Ah, s-sinto muito! Não foi de propósito! Sério!

Bem, eu já sabia disso.

— Enfim, você está bem? Você girou feito um furacão.

— Ah, estou bem! Estou novinha em folha, viu?! — disse a menina, enquanto
pequenos filetes vermelhos escorriam de sua cabeça. Seus olhos estavam
claros e ela não teve problemas para falar.

— Você está sangrando. Na sua cabeça.

— É só suor!

— Seu suor sempre cheira a ferro?

— Hmm, bem, hmm… é suor!

— Okay, entendi, então acalme-se um pouco.

— Sim, senhora!

—…

Não sei por que, mas já me sinto exausta. Talvez seja por causa da colisão.

Eu estava planejando fazer a garota consertar as telhas quebradas depois de


uma boa bronca, mas já era o suficiente. Ela já estava toda confusa; forçá-la a
consertar o telhado enquanto continuava nesse estado seria simplesmente
insensível. Em vez disso, tirei meu lenço do bolso.

— Aqui, pegue. Pressione na sua cabeça.

— Ah… mas…

— Além disso, vou colocar as telhas de volta no lugar, então vá descansar, por
favor.

— Não, também vou ajudar!

— No seu estado, se tentar ajudar, só vai atrapalhar. Vá descansar — falei com


mais firmeza.

— Mas…

— Você. Vai. Me. Atrapalhar.

— Tá bom…

Como um gato de rua, a jovem abatida sentou-se no topo do telhado e


pressionou o lenço contra o ferimento na cabeça. Por mais enérgica que
parecesse, estava claro que se esforçara um pouco demais. No exato momento
em que se sentou, inclinou-se e caiu.
Eu posso adiar um pouco a situação com ela. Não é como se essa garota fosse
morrer ou algo assim. Primeiro, vamos fazer algo quanto a esse desastre
aqui…

Juntei energia mágica em minhas mãos. Instantaneamente, uma varinha longa


e fina apareceu nelas, acompanhada por um brilho fraco.

Este era o privilégio especial dos magos. Somos capazes de produzir qualquer
coisa – varinhas, vassouras e outras ferramentas mágicas, por exemplo –, do
nada.

Canalizei energia para minha varinha e comecei a trabalhar.

Era um feitiço de reversão temporal.

Como o nome sugere, é um tipo de magia que conserta coisas quebradas e


cura ferimentos, fazendo o tempo correr ao contrário. Requer habilidade
mágica levemente avançada, mas qualquer bruxa que vive neste país deveria
ser capaz de fazer isso. Entretanto, tenho certeza de que teria sido difícil para
a pequena noviça desastrada atrás de mim.

As telhas começaram a se mover quando eu as banhei com magia. As


quebradas se juntaram com seus cacos, retornando aos seus lugares originais
como muitas peças de um quebra-cabeça.

Depois que todos os fragmentos desapareceram e qualquer sinal do acidente


foi apagado, completei o feitiço e me virei. Agora era hora de arrumar a
garota.

— Beleza, você é a próxima.

— Hmm, uhhh…

Aproximei-me dela, que sentou-se nervosamente segurando a cabeça, e


apliquei o feitiço. Sob a luz suave, suas roupas esfarrapadas se consertaram e
seus ferimentos sararam na mesma hora.

— Whoa… — Pude ouvi-la murmurar.

Isso não é nada impressionante. Depois de se tornar uma bruxa, essas coisas
são fáceis de se fazer.

Depois de me certificar de que ela estava bem, corri para pegar as vassouras
que haviam caído do telhado. Decidi que provavelmente era uma boa ideia sair
de lá antes de fazer mais uma cena.
— Ah, hmm!

A garota aparentemente tinha mais a me dizer, mas joguei uma perna sobre a
minha vassoura, ignorando-a.

— Você não precisa se desculpar. Só não se esqueça de olhar para onde está
indo quando estiver voando na sua vassoura, entendeu?

— Por favor, espere, eu tenho que fazer algo para compensar…

— Não precisa. Estou com pressa. Adeus, noviça sem nome.

E então voei para longe.

Qualquer humano que possa usar magia inicia seu treinamento como noviço.
Nem todo mundo pode se tornar um e, na maioria das vezes, a habilidade é
passada pelo sangue. Meus pais também eram noviços.

As bruxas aprendizes estão acima dos noviços, mas estão um nível abaixo das
bruxas completas. Como o nome sugere, o título de “bruxa” se aplica apenas a
garotas e mulheres. Não tenho ideia do porquê, mas as mulheres têm maior
capacidade mágica inata do que os homens. É por isso que apenas podem
alcançar níveis mais altos que os noviços.

Só há uma maneira de se tornar uma aprendiz: passar nos exames de magia e


receber o corsage que comprova seu status. Não há método alternativo. Só que
os exames são brutais e muitas pessoas desistem antes de chegarem ao fim.

Depois de se tornar uma bruxa aprendiz, a pessoa passa por um regime de


treinamento muito específico para ganhar o título de “bruxa”. Isso significa
longos dias de trabalho duro sob o olhar atento de uma bruxa adequada, até
que a aprendiz finalmente consiga sua aprovação. O treinamento pode durar
um único dia ou até dez anos. Tudo depende dos esforços da própria indivídua
e da bruxa que está servindo como professora.

Quando alguém é oficialmente reconhecida como uma bruxa, recebe um


broche em forma de estrela com o nome gravado no fundo e sua professora lhe
dá um título de bruxa. O meu é “a Bruxa Cinzenta”.

Essa foi uma explicação bastante demorada, mas meu argumento é que, como
uma bruxa de pleno direito, deveria ser uma das principais usuárias de magia
deste país. Eu esperava que as pessoas olhassem para mim com inveja quando
voasse pelo céu, que quando fosse a um restaurante me dissessem: “Madame
Bruxa! Permita-me oferecer-lhe um desconto em tudo! Por favor, coma o
quanto quiser!”, e assim por diante, mas…

— Hã? Um desconto? Nós não temos nada assim aqui. Você está dizendo que
não tem dinheiro, mocinha?

—…

Então é assim, hmm? Suponho que se o restaurante desse um tratamento


especial a todas as bruxas, iria acabar falindo.

Saí do restaurante e fui ao joalheiro. Queria vender uma joia que havia
comprado em um dos países que visitei antes e esperava conseguir uma
quantia considerável por ela.

— Ah, isso aqui é falso, sabe? Não posso te pagar nada por uma coisa dessas.

— Só pode ser engano. Veja direito, por favor.

— Eu posso olhar o quanto quiser, mas a resposta será a mesma. O que você
quer fazer? Se não precisar disso, posso me livrar dessa coisa para você…

— Parece que você está planejando me roubar, não é…?

— Claro que não, querida! Eu nunca faria isso com você. Então, e aí?

— Devolva.

Quando deixei a joalheria, estava de mau humor.

Bem, tenho certeza de que o dono dessa joalheria é só um vigarista, isso é


tudo. Não é como se ele estivesse tratando especificamente eu com desprezo,
né? Né…?

Sentindo-me desconfortável, fui para uma pousada. O dia estava chegando ao


fim. Contudo…

— Ei. Este não é um lugar para crianças como você. Xô, xô.

Huuuh…? Mas que diabos? Este é algum tipo de hotel exclusivo para pessoas
ricas? Hmm… De qualquer forma, não vou ficar aqui. Vamos para outro lugar.
Pulei da minha vassoura no topo de uma pousada muito barata com uma placa
esfarrapada. Este lugar certamente não vai me mandar embora.

Abri a janela no telhado e desci a escada que levava para dentro. Mas na
metade do caminho não pude mais me incomodar, então pulei.

Baque. O som ecoou pelo edifício como se fosse uma bala de canhão.

Ei, não sou tão pesada. Grosso.

Caí no meio da recepção.

A garota sentada atrás do balcão olhou para mim.

— Bem-vi…

E ficou rígida.

Eu também.

Ela tinha cabelo preto curto. Características masculinas e andrógenas.

Sentada na minha frente estava a garota que (literalmente) se encontrou


comigo várias horas antes.

—…

—…

Ela foi a primeira a se soltar do momento de congelamento no tempo.

— E-eeeeeek! Me d-d-desculpe! Eu sinto muito! Você está aqui por vingança?


Isso é vingança, não é?! Eu sinto muito! Poupe minha vida! Me poupeee!

— Não, uh…

— Waaaaaah! Eu não quero morreeeeeeeeeeeeer!

— Hmm…— Não precisa dessa histeria; vamos lá.

Ela estava batendo a cabeça no balcão e chorando.

— Apenas poupe minha viiiida…

Toquei seu ombro levemente.


— Eek! Você vai me rasgar membro a membro? Vai começar pelo meu ombro?
Nããããão!

Você poderia ficar quieta por um segundo…? Espera, não, não diga isso em voz
alta.

— Hmm, está tudo bem? Eu só vim para passar a noite nesta pousada.

— Nãããããããããão… Ah, é só isso? Nesse caso, preencha este formulário.

—…

Havia várias coisas que eu gostaria de dizer, mas me contive. Deixar isso de
lado seria a melhor opção.

Peguei o formulário dela e também uma caneta de pena em seu suporte no


balcão. Era uma documentação simples, apenas perguntando o número de
pessoas e o número de noites, assim como o nome de um representante. Como
viajante experiente, eu rapidamente me acostumei a esse tipo de coisa.

Enquanto movia a caneta de pena pelo papel, a garota falou com uma voz
muito baixa:

— Sinto muito pelo que aconteceu esta tarde. Sempre que minha mente divaga
durante o treino, pareço perder a capacidade de pilotar a vassoura…

— Entendo.— Em outras palavras, você voa muito mal.

— Eu realmente queria te agradecer direito, mas você fugiu… Ah, então seu
nome é Elaina. Me chamo Saya. — Ela sorriu alegremente para mim enquanto
me observava escrever.

— Você realmente não precisa me agradecer — respondi enquanto continuava


preenchendo o formulário. — Além disso, muitas pessoas acabam passando por
algo com as outras enquanto praticam magia.

Parando para pensar, uma vez incendiei minha casa tentando acender uma
vela. Meus pais ficaram realmente chateados com aquilo. Ah, a juventude…

— Por que você não me deixa te compensar? Causei todo esse problema para
você, e você até curou os meus ferimentos. Detestaria deixar as coisas como
estão.

— Está tudo bem, mas…


— Está tudo bem! Por favor! Senhorita Elaina!

Balancei minha cabeça quando a garota me pediu para deixá-la me compensar.


Tenho certeza de que seria estranho assistir isso.

Bem, não é como se estivesse me pedindo para sair do meu caminho por ela,
então não preciso me incomodar. Pensei um pouco enquanto escrevia.

— Hmm… bem, nesse caso… — Que tal eu fazer você me dar um desconto? Eu
estava prestes a perguntar, mas me contive.

Um ponto no formulário chamou minha atenção. DESCONTO ESPECIAL PARA


BRUXAS (DESCONTO POR UMA NOITE).

Oh ho! O que temos aqui?

— Ah, esse desconto não se aplica a quem não é bruxa. Magos comuns devem
circular a opção de preço regular — disse ela, franzindo as sobrancelhas.

— Entendo. — Circulei o DESCONTO ESPECIAL PARA BRUXAS (DESCONTO


POR UMA NOITE).

— Eh? Não, hmm… Hein?

O que há com essa reação estranha? Sheesh, que rude.

— Eu sou uma bruxa, então…

— Vamos lá, você não devia brincar com isso… Ah, bem, mas eu te causei um
monte de problemas… Beleza! Vamos lá, vou dar o desconto! — Ela bateu
palmas uma vez.

Eu tive a sensação de que estávamos de alguma forma passando por um mal-


entendido, e isso estava me deixando nervosa. Balancei minha cabeça.

— Não, não, não, não é isso. Veja, eu sou uma bruxa. Não vê como estou
vestida?

— Hã? — disse ela, apontando para o meu peito. — Mas você não tem um
broche de bruxa.

— Perdão?

Seguindo o dedo dela, abaixei meus olhos para o meu próprio peito.
O broche que estava lá havia desaparecido.

Em certo sentido, o broche de uma bruxa seria sua identificação. Sem ele, eu
era apenas uma viajante capaz de usar magia.

Deve ser por isso que a última pousada me tratou como uma criancinha. Agora
entendo. Mas como foi que não percebi que isso sumiu? Bruxas não são tão
raras, e se eu tivesse sido um pouco mais cética, poderia ter feito algo mais
cedo. Sou só uma idiota? Ugh, que se dane, Elaina!

Enquanto amaldiçoava e xingava a mim mesma, procurei freneticamente pelo


broche.

— Ele se foi…

Estava em lugar nenhum.

Eu devia ter deixado cair após a colisão com Saya, mas já estava
completamente escuro do lado de fora. O broche era pequeno o suficiente para
caber na palma da minha mão… não era exatamente o tipo de coisa que
poderia encontrar apenas tateando no escuro.

— …Afe.

Depois de vasculhar o telhado em zigue-zague e examinar todas as rachaduras


entre as telhas, desci ao nível do solo e procurei por todo o prédio. Mas, claro,
sem sorte.

Eu vou chorar.

— Não encontrei nada!! Senhorita Elaina, também não está aqui!! — Uma voz
irritantemente alta soou do telhado, ecoando pelo beco todo. Quando olhei
para cima, vi Saya iluminada pelo luar.

Logo depois que descobrimos que o broche sumiu, ela disse:

— Isso também é culpa minha, então vou com você! — E insistiu em se juntar a
mim na minha busca. Ela deixou outra pessoa no comando da pousada ou algo
assim, acho.
Enquanto eu procurava pelo chão, a deixei procurando no telhado, para o caso
de ter deixado algo passar. Mas, aparentemente, ela não se saiu melhor que
eu.

Flutuei ao lado dela na minha vassoura.

— Fizemos uma busca completa e o broche não está aqui. Temos que
considerar a possibilidade de alguém ter pego… — Soltei um suspiro profundo.

— Acho que também será difícil de encontrar, já que está escuro… — disse
Saya. — Pode ser bom procurar aqui novamente amanhã de manhã. — Sua voz
estava alegre, embora meus ombros estivessem caídos de decepção. Fiquei um
pouco agradecida pelo otimismo dela.

— Vou fazer isso… — Balancei a cabeça humildemente com a sugestão dela e


virei para voltar para a pousada.

Voando instável na minha vassoura, eu parecia uma simples bruxa noviça que
ainda estava aprendendo a voar. Ah, se alguém voasse perto de mim, eu
poderia acabar por colidir com essa pessoa.

Eu tinha passado por muita coisa para conseguir aquele broche, e ele guardava
muitas lembranças do meu tempo com minha professora. Perder aquilo era
algo amargo de engolir.

Se eu o tivesse perdido quando me tornei uma bruxa, tenho certeza de que


teria notado na mesma hora. Mas depois de usá-lo todos os dias por dois anos,
provavelmente estava acostumada a tê-lo sempre comigo.

— Uff…

Isso foi deprimente.

Após a busca, voltei para a pousada e jantei, depois entrei no meu quarto
usando a chave que recebi de Saya, lembrei que ainda não tinha tomado banho
e fui direto para o grande banheiro anexo.

Mergulhei na água quente por uma hora inteira enquanto minha mente
vagava. Ah, devo ter perdido quando colidi com Saya… mas não estava lá…
Que misterioso… Me espreguicei quase toda e enchi a banheira (estava
sozinha). Então, pouco antes de derreter na água quente, voltei a sentar o meu
corpo que já começava a ficar pesado.

E depois voltei para o meu quarto…


— Ah, oi…

…e encontrei Saya lá dentro.

Fechei a porta. Dei um passo para trás e verifiquei o número do quarto. Sim,
corresponde ao número escrito na chave. Estranho. Será que estou vendo
coisas?

Abri a porta mais uma vez.

— Ah, oi…

Se ao menos fosse um pesadelo… Mas, infelizmente, não havia como confundir:


Saya estava no meu quarto, me dando um aceno despreocupado de cima da
cama dura.

—…

— O que você está fazendo no meu quarto…? — Fechei a porta com uma mão
atrás das costas.

— Eu queria falar com você, Elaina, então fiquei esperando.

— Pensei ter trancado a porta.

— Você com certeza trancou! Mas eu trabalho aqui! — Ela orgulhosamente


puxou um chaveiro com um grande número de chaves.

Fui até ela sem dizer uma palavra e agarrei suas duas bochechas.

— Ow, isho machucha! Dói!

— Mas que grande ideia, entrar no quarto de uma pessoa sem permissão?
Hein? — Puxei suas bochechas com força.

— Vau raxghrs! Voxe vaiu raxghrs minhas chechas! — Vai rasgar, você vai
rasgar minhas bochechas, é o que ela parecia querer dizer.

— Hmm? O que foi? Não consigo te ouvir.

— Waaaaaah…

Puxei e torci suas bochechas macias até ficar satisfeita e a soltei.

Massageando as bochechas levemente vermelhas com as duas mãos, Saya


murmurou:

— Isso foi maldade… — Realmente, porém, qual de nós estava mais errada
aqui?

— Bem, o que você quer? Você fez questão de esperar no meu quarto, então
deve ter algum motivo para isso, certo?

Ainda massageando seu rosto, Saya disse:

— Senhorita Elaina, você é realmente uma bruxa, certo?

— Sim, bem — confirmei —, não estou com o meu broche no momento, mas,
sim, sou uma bruxa.

— Então isso significa que você passou no exame de magia, certo?

— Passei.

Mesmo nesse momento, me lembrei do meu desapontamento pela falta de


desafio.

Saya olhou para mim por um momento, depois de repente desceu da cama e se
ajoelhou. Então colocou as duas mãos no chão e pressionou a testa no chão.

— Por favor, me ajude! Ensine-me os segredos para passar no exame, por


favor!

— …Hum, o que você está fazendo aí no chão?

— Essa é a maneira tradicional de nos prostrarmos em minha cidade natal! É


uma técnica infalível usada quando você faz algo imperdoável à outra parte.

Que tradição estranha… As pessoas na sua cidade natal precisam se desculpar


com os outros com tanta frequência? Ainda assim, dá para realmente sentir a
sinceridade.

Mas isso me deu… qual é a palavra? Um sentimento estranho? Assustador, não


é?

Reprimindo o desejo de dizer: Huuuh? Você acha que pode pedir um favor
como esse? Ajoelhei-me ao lado dela.

— Hum, por enquanto apenas levante sua cabeça do chão.


— Você vai me ajudar?! — Ela olhou para mim.

— Vamos com calma — falei. — Primeiro, conte-me sobre sua situação.

Ela me contou.

Deixei a garota sentar na cama novamente, puxei a cadeira de aparência


barata próxima à mesa e me sentei de frente para ela. Saya sacudiu um pouco
os cabelos pretos e inclinou a cabeça, depois hesitantemente abriu a boca.

— Hum… então, eu tenho uma irmã mais nova. Ela é muito fofa.

— Certo… — Essa é uma maneira muito estranha de começar, mas já me


comprometi.

— Viemos de um país distante ao leste. Minha irmã e eu viemos até aqui para
nos tornarmos bruxas aprendizes, não há organizações oferecendo os exames
em nossa cidade natal. Então, nós duas trabalhamos nesta pousada e
economizamos dinheiro enquanto estudávamos para os exames. Vivemos assim
por vários anos, mas…

— Mas vocês duas ainda são apenas noviças?

Ela olhou para baixo e balançou a cabeça lentamente.

— Somente minha irmã fez a última rodada de exames. E ela foi para casa.
Sem mim.

— …Hmm. — Entendo, entendo. Acho que sei onde isso vai chegar. Em outras
palavras… — Sua irmãzinha fofinha te superou e você ficou tão impaciente que
decidiu amarrar uma bruxa que acabou de conhecer, em um acidente, devo
acrescentar, para ajudá-la a passar nos exames? É isso?

Coçando a bochecha com aparente constrangimento, Saya murmurou:

— Bem, hum… isso é… sim, mais ou menos.

— Então, quando é o próximo exame?

— Daqui a uma semana… não tenho muito tempo…

Você fez os exames de avanço várias vezes, então não acho que haja
necessidade de entrar em pânico. Mas você provavelmente está tão
preocupada com isso só porque quer ver sua irmã de novo.
—…

Quebrando o silêncio, falei:

— Vou te ajudar pelo tempo que for preciso para encontrar meu broche. — De
qualquer maneira, não poderia deixar o país até encontrar meu broche, e não
teria nada para fazer quando não estivesse procurando. Ela provavelmente até
me deixaria ficar na pousada de graça, então achei que parecia uma boa ideia.

Para ser promovido ao nível de bruxa noviça, é necessário passar em um


exame escrito e depois em um exame prático de habilidades mágicas.

O exame escrito é simples e, desde que possa aprofundar a teoria mágica, a


história e outros assuntos em sua cabeça, nada poderia ser mais fácil. Mas
depois há o exame prático. Não há maneira de contornar isso; sem habilidade
real, terá que fazer de novo e de novo.

Quanto ao conteúdo do exame prático, eles analisam principalmente duas


habilidades: sua capacidade de pilotar uma vassoura e como lida com a magia
ofensiva. Cada vez que o exame é realizado, apenas uma pessoa pode passar. O
exame realizado em uma semana não seria diferente. Voando no céu em uma
vassoura, cada aspirante a bruxa atacava as outras, tentando derrubar suas
oponentes enquanto se protegia. A última que restasse passaria no exame e
seria declarada publicamente como uma bruxa noviça.

As batalhas eram sempre violentas e difíceis de assistir. As partes mais


desagradáveis da natureza humana sempre pareciam ficar à mostra. Se eu
tivesse que fazer o exame pela segunda vez, não faria.

— Tenho que ser honesta com você, Saya. Com a capacidade que você possui
no momento, não importa o quanto lute, a chance de ganhar contra as outras
candidatas é quase nula — disse de cima da minha vassoura. Era o início da
manhã do dia seguinte ao que prometi ajudá-la. — No entanto, perto de zero
não significa zero absoluto. Deixe sua mente à vontade.

— O-o que devo fazer?! — Ela estava enérgica mesmo no início da manhã, e
seus olhos brilhavam de emoção. A garota estava tão radiante quanto o sol da
manhã.
Guiei minha vassoura até onde ela estava sentada no telhado, de joelhos
dobrados.

— Primeiro, vou te ensinar a controlar sua vassoura pelo menos da melhor


maneira possível, se não melhor.

— Aw… isso parece um pouco difícil… — Ela torceu o nariz.

Difícil? Eu estou pegando leve com você.

— Não há outra maneira de acompanhar o exame de habilidades práticas. Se


você tentar com seu nível de habilidade atual, provavelmente cairá no
momento em que o exame iniciar e perderá outra chance. Você precisa evitar
ao menos isso.

— Rgh…

E é nisso que vamos focar.

Primeiro, a fiz trabalhar para melhorar as habilidades mágicas mais básicas.


Assim como eu imaginava, Saya mal conseguia voar. (Era tão ruim que eu
estava pronta para questionar se deveria chamá-la de maga!) Realmente tive
que ensinar o básico do básico.

Ah, então é por isso que as mães sentem ao ensinar aos filhos como voar em
vassouras…

Treinamos de manhã até à noite, contanto que o dia permitisse. Perseveramos


em nosso curso intensivo, mesmo quando as crianças do bairro que voavam
livremente ao nosso redor começavam a zoar e apontar.

Naturalmente, não havia me esquecido de procurar meu broche. Saya estava


passando por uma melhoria gradual, mas eu não tinha feito nenhum progresso.

Sério, onde no mundo está o meu broche?

— Vire na próxima. Altere suavemente seu centro de gravidade e faça uma


curva rápida, por favor.

— Certo!

— Depois é a frenagem de emergência e o aumento de velocidade. Use todo o


peso do seu corpo e puxe a vassoura com força para pará-la, depois dispare
como se estivesse chutando o céu.
— Certo!

— Depois é a desmontada aérea. Depois de soltar a vassoura no ar, use a


magia para chamá-la de volta. Vou te ajudar se você tiver problemas, então não
se preocupe e apenas voe.

— Certo!

— Em seguida é… — Tá, já deu para entender.

No final, Saya logo aprendeu a controlar sua vassoura quase tão bem quanto
eu. Quanto tempo levou para ela atingir esse nível? Só dois dias! Eu tinha
conseguido fazer ela passar por algumas melhorias incríveis. Realmente faz eu
me perguntar o que ela estava fazendo até agora… ou será que o meu ensino
que é tão bom?

Quando perguntei a ela, Saya me disse toda tímida:

— Até agora, só estudei sozinha.

Bem, esse é o seu problema.

Era o quarto dia da minha estadia neste país, e o terceiro dia do nosso regime
de treinamento intensivo. Ao contrário da busca pelo meu broche, que não teve
nenhum progresso (embora eu só estivesse perguntando por aí), o treinamento
de Saya estava progredindo rapidamente e não parecia que pararia tão cedo.

— Em seguida, vamos estudar alguns feitiços ofensivos… como é a sua magia


de vento?

— Magia de vento? — Saya estava sentada no topo do telhado marrom-


avermelhado, com a cabeça inclinada.

Balancei a cabeça uma vez e respondi:

— Sim, vento. Ao controlar o fluxo do ar, você pode bloquear as outras


participantes.

Esse era o método pouco convencional que eu havia usado durante meu
próprio exame prático. Mudar o fluxo do ar era surpreendentemente eficaz, e
mesmo nesse momento eu me lembrava de como as outras concorrentes
haviam perdido o equilíbrio e caído de suas vassouras ou desviado e batido nos
prédios.

Controle de vento era fácil de aprender e também uma arma poderosa. Se


tivéssemos tempo suficiente, definitivamente queria ensiná-la.

— Bem, então, acerte aquela lata ali com uma rajada de vento, por favor.

Apontei para as latas que colocamos no topo do telhado à nossa frente. Havia
cerca de uma casa de distância entre nós e as latas, mas não seria uma tarefa
difícil.

— Funciona melhor se você imaginar uma bola de ar e tentar bater nas latas
com ela… assim.

Balancei minha varinha e, instantaneamente, um vento forte roçou uma das


latas. Ela oscilou para frente e para trás enquanto soltava ruídos.

Me virei para encarar Saya, que estava me olhando duvidosamente. Ela


parecia estar pensando: “Não caiu, caiu? Você errou?”

Mas eu fiz isso de propósito. Sério!

— Tudo bem, tente.

— A-assim…?

Com um whoosh, Saya balançou a varinha. A magia de vento é um dos


primeiros tipos de magia que uma bruxa noviça aprende, então ela foi capaz de
produzir uma rajada de vento, mas aquilo simplesmente correu por cima das
latas. Que pena.

— Você está segurando a varinha errado. Seu balanço também foi errado. A
magia de vento é sutil, portanto, tentar forçá-la não ajudará.

— Hum, beleza, assim?

Whoosh. O vento passou direto pela lata, exatamente como antes.

— Errado. Assim.

Balancei minha varinha e as latas bateram uma contra a outra. Saya soltou um
pequeno ruído de surpresa. “Whoa…” Ela finalmente percebeu que eu estava
tentando não derrubar as latas.

E então ela balançou a varinha novamente, mais gentilmente desta vez,


soltando um breve “Ey!”. A garota claramente aprendeu me observando, mas a
força por trás de sua magia era muito fraca. Só produziu uma brisa leve.
Isso não está dando muito certo…

— Não assim. Desse jeito.

— Assim?

Balança e solta.

— Totalmente errado. Desse jeito.

— A-assim?!

O vento nem tocou as latas.

— Simplesmente horrível. Desse jeito, preste atenção.

— Desse jeito, então!

—…

Uma causa perdida. Sério mesmo. Minhas instruções não fizeram nenhuma
diferença.

Hora de acelerar um pouco as coisas. Fui até atrás dela e segurei seus dois
pulsos. Os ombros de Saya tremeram de surpresa, e falei em seu ouvido:

— Você está pronta? Vou canalizar um pouco de magia de vento em sua


varinha. Lembre-se de como é.

— C-com meu corpo?

— Sim, com seu corpo. — Balancei a cabeça e, por algum motivo, suas orelhas
ficaram vermelhas. — Okay, aqui vamos nós…

Desse jeito.

No terceiro dia praticamos até o sol se pôr, e Saya falhou completamente em


dominar a magia de vento.

De alguma forma, ela ficou ainda pior depois que canalizei minha magia
através do seu corpo… Como isso pode ser possível? Não entendo.

Obviamente, eu não estava dando atenção a Saya o tempo todo. Por volta do
meio-dia, saí sozinha e voei pela cidade procurando pelo meu broche,
conversando com tantas pessoas diferentes quanto pude.
A intenção era continuar perguntando e perguntando.

É claro que não era como se eu esperasse encontrar informações com tanta
facilidade, e no final todo mundo que perguntei balançou a cabeça e deu a
mesma resposta: “Eu não sei.”

— Vi um broche — disse uma velhota, que parecia muito experiente em magia.


Olhando mais de perto, pude ver que ela estava usando um broche em forma
de estrela sobre o peito. No entanto, parecia quase tão velho quanto ela, e
estava bastante desgastado.

Parece que posso esperar algo dela. Entretanto, não tenho certeza do que esse
“algo” é…

— On-onde você viu?! — Me apeguei a essa notícia na mesma hora.

A mulher soltou uma risada digna de uma feiticeira.

— Hee-hee-hee… Hmm, eu me pergunto…

— Por favor, diga-me, sua mulher maravilhosa!

— Hee-hee-hee. — De repente, ela começou a empurrar a palma da mão na


minha direção.

— O que isso quer dizer…?

— Quanto essa informação vale para você? Hmm?

Ela ficou lá, com a mão estendida em minha direção. “Consegui ler o seu
gesto: Se quiser ouvir mais, então pague.”

Ela joga sujo… Não esperaria menos de uma bruxa…

— … — Silenciosamente produzi uma moeda da minha bolsa e a deixei cair na


mão da mulher. Quando o fiz, ela voltou a se mover, igual uma boneca de corda
ganhando vida.

— O que eu vi foi…

A longa história da mulher só confirmou minhas suspeitas.


Era a minha quinta noite neste país.

Enquanto olhava da minha cama para a lua no céu do lado de fora da janela, a
porta se abriu de repente. Olhei para cima e vi Saya me encarando toda tímida.

— Hmm, Senhorita Elaina?

— O quê?

— P-posso dormir aqui com você?

Olhei para a cama.

—…

— É um pouco pequena, não acha?

— Essa é uma pousada barata, sinto muito.

Ah, não, não foi isso que eu quis dizer. Este é um quarto para uma pessoa. E a
cama também serve para uma pessoa dormir sozinha.

— Bem, se você não se importa de ficar apertada, acho que não tem problema.

— Yuppee!!!

Saya bateu a porta e entrou no quarto, depois se arrastou para a cama. Ela
cheirava bem, como se tivesse acabado de sair do banho. Como se tratava de
uma pousada, deveríamos estar usando o mesmo xampu, mas o perfume era
completamente diferente do meu. Peguei um pouco do meu cabelo e o
aproximei do nariz, mas essa fragrância tenra e feminina não saía de mim.

Por que ela é a única cheirando tão bem? Ah, bem… Hora de dormir.

Me deitei, ainda olhando para a lua, e me cobri. Logo senti a presença de


alguém atrás de mim.

— A lua não é brilhante demais para olhar enquanto está indo dormir?

— Um pouco. — Virei para o lado. Quando o fiz, meu olhar se encontrou com o
dela. — Hmm, o que você acabou de dizer sobre a lua…?

— Eu não me importo, não é muito brilhante para mim. — Ela sorriu um pouco.
Ao luar, seu sorriso parecia efêmero, como se pudesse dissolver se eu o
tocasse.

— Bom trabalho hoje. Você alcançou grandes melhorias em comparação com


quando começou. Em breve não precisará mais da minha ajuda.

— Como é? Isso não é verdade. Ainda tem tanta coisa que quero que me
ensine, Elaina.

— Eu sou uma viajante… Logo vou sair deste país.

— Mas vamos ficar juntas até lá.

Eu a notei se contorcendo por baixo do cobertor, e então senti algo em minha


mão.

Ela olhou nos meus olhos e apertou minha mão.

— Por favor, quero que você me ensine muito mais.

—…

Seus olhos refletiam a luz da lua.

Essa garota ingênua deve realmente idolatrar pessoas como eu. Sei que estou
prestes a fazer algo cruel, mas, ainda assim, tenho que fazer o que é melhor
para mim.

Eu não tinha certeza se o sentimento espinhoso no meu peito era culpa ou


decepção, mas queria acreditar que era o primeiro.

— Não faz sentido continuar essa conversa, Saya — falei, balançando sua mão
—, então por que não devolve meu broche?

A verdade por trás do misterioso desaparecimento do broche acabou sendo


bastante simples.
— Havia uma jovem garota que colidiu com você, certo? Depois que você voou
com pressa, ela pegou o broche.

Seus olhos ainda brilhavam com o dinheiro que eu havia lhe dado, a velha me
disse que tinha visto tudo acontecendo. E a história dela era a verdade; uma
parte de mim suspeitava da mesma coisa. Não conseguir encontrar depois de
procurar tão minuciosamente… alguém devia ter pego.

Desde o início suspeitei que havia algo acontecendo.

Saya.

Seu controle de vassoura era ruim demais – o suficiente para me fazer pensar
que estava voando mal de propósito. Afinal, se não conseguisse pilotar sua
vassoura de forma decente, não teria permissão para entrar neste país.

No começo, assumi que Saya era uma moradora local, mas quando perguntei
sobre isso, disse que era uma maga de um país do leste que havia chegado sob
circunstâncias especiais. Se isso era verdade, então era ainda mais estranho
que não pudesse voar com sua vassoura. E então…

Aqui está a verdade… Suspeitei de você desde o começo. Esperei e esperei até
que devolvesse meu broche.

— Mas você escondeu e nunca me devolveu. Em vez disso, disse que queria
que eu ficasse com você para sempre. Já estou farta disso — disse a ela.

Saya sentou na cama, abaixando a cabeça. Eu me perguntava que emoção


havia em seu rosto, mas não fiz nenhum movimento para confortá-la ao tocar
seu ombro, como quando nos conhecemos. Infelizmente, não sou desse tipo.

Ela manteve o olhar no chão, como se quisesse evitar o luar, e eu


simplesmente esperei a sua resposta.

Pergunto-me quanto tempo passou. Um minuto? Dez minutos? Podiam ter sido
apenas dez segundos.

— …perguntou?

Eu mal pude ouvir uma voz muito baixa.

— O que é que foi? — perguntei.


— …Por que você não me perguntou? — Dessa vez a ouvi com clareza.

— Porque não tinha nenhuma prova. Essa é a primeira razão. Mesmo se te


acusasse e chamasse de ladra, se você negasse, eu não teria nenhuma
evidência. Minhas mãos estariam atadas.

—…

— Além disso, eu acreditava que você eventualmente devolveria. Na verdade,


não acho que você seja uma pessoa má, Saya.

Essa garota inocente e de alto astral me lembrava uma criança que foi mimada
por sua mãe.

— Então eu esperei — disse para ela.

Saya finalmente levantou a cabeça. Seu lindo rosto estava uma bagunça,
enrugado por causa do choro. Ela enxugou as lágrimas e tentou reprimir os
soluços enquanto dizia:

— Eu estava solitária.

— Não sou a sua irmãzinha.

— Eu sei disso. Eu sei, mas… eu… eu queria ficar com você. — A voz dela ficou
tão baixa. Eu não tinha certeza nem se ela estava falando com sua irmã ou
comigo.

Se eu escrevesse o que aprendi sobre Saya no curto período de tempo desde


que nos conhecemos, seria um resumo bem curtinho, mas, de alguma forma,
acreditava que tinha chegado a entender que tipo de pessoa ela era. Se tratava
de uma irmã mais velha inútil que sempre deixava sua doce irmã mais nova a
mimar. Tenho certeza de que sempre foi assim, e foi por isso que não aguentou
quando sua irmã mais nova a deixou para trás.

— Eu odeio ficar sozinha. Eu odeio e fiquei com medo, então…

— Ei. — Eu cutuquei sua testa, e isso fez um twik. — Isso não é desculpa.

Se você odeia ficar sozinha, então encontre alguém em quem confiar. Se você
odeia ser ridicularizada por estar sozinha, vá e encontre alguém com quem se
dê bem. Se a solidão é assustadora, faça tudo o que puder para escapar dela.

— Realmente importa se você está sozinha agora? Se está se sentindo sozinha?


Você pode se tornar uma bruxa noviça enquanto ainda mantém esses medos?
Sempre que os humanos estão seriamente tentando realizar alguma coisa, eles
ficam sozinhos. Você não pode fazer nada se não estiver sozinha. E se
encontrar uma parceira, então está tudo acabado.

Sua irmãzinha provavelmente estava tentando te ensinar isso ao te deixar. Mas


não posso afirmar algo assim.

— Mas…

— Ah-ah-ah. Sem desculpas. Não ouvirei desculpas. — Cobri meus ouvidos com
as duas mãos e balancei a cabeça. De jeito nenhum. Meu cabelo voou
loucamente e a acertou no rosto.

Opa, aposto que ela não gostou disso.

— Claro, lutar sozinha é difícil. É assustador. Eu entendi. E é por isso que… —


Enquanto eu falava, usei magia para conjurar um chapéu pontudo, exatamente
igual ao meu, e o coloquei em sua cabeça. — Estou te dando isso… Fique com
uma pequena parte de mim ao seu lado. Então você ficará bem, mesmo quando
estiver sozinha.

Segurando a aba do chapéu com força, Saya disse:

— Mas se eu aceitar isso, você não terá…

— Ah, está tudo bem. É um reserva.

Produzi outro chapéu e mostrei a ela antes de colocar em mim mesma.

— Agora estamos combinando. A partir de agora, você ficará por conta própria,
mas nunca verdadeiramente sozinha. Sua irmã e eu estaremos sempre
cuidando de você. — Então devolva meu broche, exigi silenciosamente.

Ela puxou o chapéu, abaixou a cabeça e segurou-o com muita força e, com os
ombros trêmulos, assentiu em silêncio. Saya parecia tão fraca e desamparada.

Abracei seus ombros magros e a puxei para mais perto.


Chegara o dia.

Passamos a minha última noite no país juntas. Eu consolei Saya enquanto ela
chorava, dei alguns conselhos para passar no exame prático de habilidades
mágicas, ouvi tudo sobre o país de onde ela e sua irmã eram, discuti minhas
futuras viagens e assim por diante.

Ah, e acontece que Saya era realmente uma maga muito poderosa. Quero
dizer, eu sabia disso o tempo todo, mas nunca descobri por que ela era tão
ruim em magia de vento. Nesse ponto, não importa o quanto perguntava, a
garota só corava e se recusava a responder. Qual é o problema dela?

No final de tudo, adormecemos juntas no momento em que o sol estava


nascendo. Tinha sido uma longa, longa noite.

Mas também uma lembrança preciosa.

Voltei a pensar após vários meses depois de deixar o País dos Magos.

Seis meses, para ser exata.

Cerca de meio ano se passou desde que conheci aquela garota, perdi meu
broche e o recuperei – uau, o tempo com certeza voa. De verdade.

Eu tinha viajado para outro país tão longe que as pessoas perguntavam: “Hein?
País dos Magos? Onde fica isso?”

A razão pela qual eu estava relembrando era que, por acaso, vi o nome dela
enquanto estava passando por uma livraria.

LISTA DE APROVADOS NO EXAME DE BRUXA NOVIÇA

Impresso em uma pilha de papel de palha realmente barato, era publicada todo
mês pela misteriosa organização conhecida como Associação de Magia,
responsável pela realização dos exames de bruxa noviça, entre outras coisas.
Os resultados dos exames realizados em todo o mundo, além de algumas
palavras das candidatas aprovadas, estavam exibidos na primeira página.

Seu nome estava lá.


— Ei, sem leitura na loja. — O dono da loja apareceu dos fundos e me tomou os
jornais.

— Ah… — Mas eu queria continuar lendo.

— Quer ler? Tem que pagar.

— Quanto?

— Um cobre.

Paguei, depois enfiei o papel debaixo do braço e voltei para minha pousada,
cantarolando por todo o caminho. Puxei minha cadeira para a janela e
continuei lendo. No artigo, a garota falava sobre seus dias mais difíceis e suas
esperanças para o futuro.

Segundo o artigo, ela havia se mudado para o País dos Magos com sua
irmãzinha há vários anos. Sua irmã, e apenas sua irmã, rapidamente se tornou
uma bruxa noviça e voltou para sua cidade natal sem ela. Então a garota
acabou conhecendo uma certa viajante que lhe deu a coragem para lutar por
conta própria, além de um chapéu incrivelmente estiloso. Ela tentou o exame
várias vezes depois que a viajante partiu, mas foi muito difícil. No entanto,
continuou tentando e nunca desistiu e, no final das contas, ganhou o posto de
bruxa noviça. Agora estava voltando para casa, com planos de treinar duro e se
tornar uma bruxa de verdade.

Não pude deixar de sorrir.

Sua longa história acabou com uma frase: “Depois de voltar para casa e me
tornar uma bruxa de pleno direito, gostaria de fazer uma visita à minha
viajante preferida.”

Coloquei o jornal sobre a mesa e olhei para o céu. Em algum lugar na extensão
infinita daquele céu claro e azul pálido, estava ela.

— Estarei esperando para te ver… Saya.


Majo no Tabitabi 2
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Capítulo 02 – Uma menina tão doce quanto


flores

Estava no começo de uma estação intermediária, não era exatamente


primavera, nem verão.

Cortando o ar fresco e seco, voei entre as árvores de folhas largas de uma


floresta. Ela parecia ser bastante extensa; eu já estava fazendo o meu caminho
há algum tempo, mas não conseguia ver o fim.

Enquanto virava minha vassoura para a direita e esquerda, tentando desviar


das árvores que ficavam sobre o caminho extremamente estreito, os galhos
continuavam me arranhando.

De onde eu estava, não conseguia ver o céu. Bem longe, mal conseguia ver
algo brilhando do outro lado de todo o verde. As árvores estavam crescidas
demais para poder ver mais alguma coisa.

— Ops…

Por estar olhando para cima em vez de para frente, um galho de árvore
derrubou meu chapéu pontudo. Parei, dei meia volta, peguei e depois voltei
pela floresta apertada.

Essa floresta é tão densa. Eu deveria ter voado sobre ela, pensei com pesar,
mas já era tarde demais. Já tinha ido longe demais, não valeria a pena dar a
volta para seguir outro caminho. Poderia tentar forçar meu caminho para cima
e para fora, mas tinha a sensação de que meu chapéu não seria a única vítima.

De alguma forma, parecia que eu estava sempre atrasada. Quanto à culpa de


quem era, era… bem, completamente minha, mas e daí? Continuei voando,
reclamando mentalmente para ninguém em particular.

Não sei a que distância estava, mas, depois de um tempo, o caminho de


repente se abriu.

— Whoa… — murmurei.

Na clareira havia um campo de flores.


Ao me aproximar, vi flores vermelhas, azuis, amarelas e de outros tons
espalhados abaixo de mim. Cada uma delas era grande e orgulhosa, banhada
pela luz do sol. Quando a brisa da minha vassoura passou pelas flores, pétalas
se espalharam ao vento junto com um aroma refrescante.

A fragrância, doce o suficiente para limpar as profundezas da minha alma,


flutuava quando as flores de cores vibrantes dançavam na brisa. Segurando
meu chapéu com uma mão para que não voasse, diminuí a velocidade da
vassoura.

Havia um mundo totalmente diferente no meio da floresta. Meu coração foi


cativado.

— Minha nossa…

Entre o campo de cores vivas, vi uma forma humana.

Será que é a cuidadora daqui? Virei minha vassoura na direção dela.

— Hm, com licença…

Quando a chamei, ainda de cima da minha vassoura, a pessoa permaneceu


sentada, mas se virou para mim. Era uma garota adorável, da minha idade.

— Ah, olá.

— Olá. Você é a cuidadora?

Ela balançou a cabeça.

— Não. Não tem nenhuma cuidadora aqui. Só estou aqui porque gosto das
flores.

— Não tem nenhuma cuidadora…? Você quer dizer que essas flores são
selvagens?

— Sim, é isso mesmo.

Uau.

Eu pensava que os campos de flores só cresciam sob a supervisão de humanos.


Mas como supunha que as flores existiam desde antes dos humanos, não era
como se precisassem de nós para crescer. Mas pensar que esse cenário
incrível poderia existir apenas pelo poder da natureza, sem a ajuda de uma
mão humana…
Incrível.

— Você é uma bruxa? — Olhando para o meu peito, a garota inclinou a cabeça.

— De fato. Estou em uma jornada.

— Que incrível… Ah, na verdade, nesse caso, eu tenho um pedido.

— Claro, se for algo que eu possa fazer.

A garota pegou várias flores, tirou a jaqueta, enrolou-a em volta delas e as


estendeu para mim. Era um buquê improvisado.

— Se estiver tudo bem, gostaria que você levasse este buquê para o país para
onde está indo.

— Quer que eu entregue para alguém? — perguntei confusa ao aceitar o


buquê.

— Ninguém em particular. Só peço que sejam entregues a alguém que possa


apreciar sua beleza. Isso é bem importante.

Suponho que significa que você deseja que outros saibam sobre este campo de
flores.

Certamente entendi o desejo de mostrar essa bela vista a alguém.

— Em outras palavras, você quer que eu divulgue o campo de flores, certo?

— Você não quer?

— Não, não me importo. Na verdade, estou mais do que disposta — respondi.

A garota sorriu com profundo alívio e disse:

— Muitíssimo obrigada.

Por mais alguns minutos, nos envolvemos em uma conversa leve, mas animada.
Ao menos acho que foi isso. Contei a ela sobre os lugares que havia visitado
até o momento, e a garota me contou sobre suas flores favoritas.

Depois de passarmos um tempo agradável juntas, falei:

— Bem, então vou indo, darei suas flores para alguém no próximo país, okay?
— Estou contando com você, senhorita Viajante. — Ela apertou minha mão com
um sorriso.

—…

Algo parecia estranho.

— Você não consegue deixar este lugar, não é?

— Não, não consigo — respondeu ela. — Estou bem, sério, desde que fique
aqui neste campo de flores. Passo o dia todo com elas. Estou feliz por estar
aqui à luz do sol. Isso não é maravilhoso?

A garota nunca se levantou de seu lugar.

— Pare aí mesmo, mocinha. Ei, eu disse pare!

Voei por várias horas após deixar o campo de flores e, quando cheguei em
outro país, um guarda de roupas pretas saiu para me cumprimentar em um
tom não tão acolhedor.

Ele não tinha motivos para gritar comigo assim, e por que está me chamando
de “mocinha”?! Mesmo a pessoa mais amável do mundo não gostaria de ser
tratada dessa maneira. Naturalmente, fiquei um pouco brava.

No entanto, não demonstrei isso. Sou uma adulta, afinal.

— Você é uma viajante?

— Sim. Você não pode dizer só de olhar para mim?

— O que vai fazer com este buquê?

— Ah, nada demais.

—…

— O quê?

— Deixe-me ver. — Ele veio em minha direção e pegou o buquê das minhas
mãos.

— O quê? Ei! — Era o suficiente, eu não ia deixar que ele me tratasse dessa
maneira. Desci da minha vassoura e tentei pegar as flores de volta. Mas o
guarda afastou minhas mãos e olhou tão fixamente para as flores que qualquer
um pensaria que ele estava tentando fazer um buraco nelas. Meus protestos
não tiveram efeito.

Para piorar a situação, o homem só fez uma careta e murmurou:

— Espera um pouco… são do…? — Mas eu não tinha ideia do que ele estava
falando.

Este guarda é um idiota…

— Onde você pegou isso? — perguntou.

— E isso importa? Devolva.

— Não me diga que você as pegou em um campo de flores?

— O quê você quer? — Você está realmente me subestimando. Como devo


puni-lo? Talvez deva reduzi-lo a cinzas. Puxei minha varinha.

— Ei, o quê você está fazendo?

Eu estava me preparando para disparar uma rajada de vento quando ouvi uma
nova voz atrás de mim – e esta tinha ainda mais autoridade.

Que diabos? Este país está cheio de homens com atitudes grandiosas? Me
virei, furiosa.

— Isso pertence à viajante. Devolva.

Ali estava um homem de meia-idade, vestido com as mesmas roupas pretas do


guarda. Ele estava olhando não para mim, mas para seu jovem colega.

Me virei para o guarda mais novo e o encontrei segurando o buquê de flores e


claramente chateado por ser pego.

— Mas, senhor, isso… isso é…

— Eu sei. Vou cuidar do resto, você está dispensado.

— Não, isto é…
— Dispensado. Você não me ouviu? Vá fazer uma pausa.

— Tch… — O jovem guarda estalou a língua e, depois de me lançar outro olhar


desagradável, se virou para sair.

— Ah, meu buquê, por favor.

—…

O jovem guarda deu meia-volta, irradiando protestos com todo o corpo.

— Aqui… — E empurrou as flores de volta para mim.

— Obrigada.

Ele não respondeu, mas finalmente saiu. Tudo o que aquele guarda fazia me
irritava. Fiquei feliz por me livrar do homem.

Se nos encontrássemos novamente, ele não teria tanta sorte.

Depois de confirmar que o guarda mais jovem não estava mais à vista, o mais
velho, que foi chamado de “senhor”, virou-se para mim com uma expressão de
desculpas.

— Minhas desculpas, Madame Bruxa. A irmã mais nova dele desapareceu


recentemente, e desde então ele esteve agindo assim. Por favor, perdoe-o.

— Isso não me incomodou tanto. — Uma mentira, obviamente.

— Enfim, quanto a estas flores… Me desculpe, mas você poderia me deixar


descartá-las? Trazê-las para este país é estritamente proibido.

— Proibido? Tipo, estas flores em específico?

Não entendi o que ele quis dizer ou o que estava tentando fazer.
Inconscientemente, abracei as flores com força.

— Estas flores são amaldiçoadas — disse ele com naturalidade, sem tentar tirá-
las das minhas mãos. — São inofensivas para uma bruxa como você, mas
aparentemente contêm um feitiço que enlouquece os não-magos. Não sei todos
os detalhes, mas essa é a informação que temos até o momento.

— Amaldiçoadas…?

Ele assentiu.
— As pessoas que têm contato com estas flores são levadas onde crescem e se
tornam sua comida. Elas nunca mais são vistas. É por isso que as flores são
proibidas.

—…

— Aconteceu alguma coisa?

— Não…

Se assumirmos que realmente há uma maldição nestas flores, e suspeito que


possa ser o caso, por que a garota que me deu esse buquê não tentou se
levantar uma vez sequer? E por que estava sentada no campo de flores? Fiquei
intrigada com isso.

E se não fosse por ela não se levantar, mas por não poder se levantar? E se a
metade inferior do corpo não fosse mais dela?

—…

— Hum, sobre a irmãzinha daquele guarda…

— Ah. Alguns dias atrás, ela foi para a floresta onde as flores crescem e desde
então não foi mais vista.

Ele abaixou o olhar. Estava olhando para o buquê.

— Diga, senhorita… alguém lhe deu isso? Será que…

— Não. — Eu o interrompi. — Fui eu que as peguei. A roupa enrolada nas


flores é uma das minhas blusas. — Então, eu não sei nada sobre a irmã do
guarda.

Cortei seu questionamento com uma mentira vergonhosa.

Depois disso, entrei no país e descobri que não havia muito o que fazer, então
fui para uma pousada. Aluguei um quarto por apenas uma noite, tomei um
banho e fui para debaixo das cobertas.

Olhando para as tábuas de madeira barata do teto, pensei no campo de flores e


na garota sentada lá.

Há algum tempo li As Aventuras de Nique, ali tinha uma história sobre outra
planta estranha. Pelo que me lembro, em uma parte da história, havia uma
planta com uma mutação que a levou a absorver energia mágica, em vez de
exalá-la, assim como as plantas normais. Ela ganhou senciência e acabou se
tornando violenta.

Primeiro, devo esclarecer que a substância que conhecemos como “energia


mágica” flui livremente de todas as partes do mundo naturalmente. Flores,
árvores e a flora em si produzem e exalam energia mágica, absorvendo a luz
solar. Honestamente, eu não entendo toda a teoria por trás disso.

De qualquer forma, o corpo humano normalmente é incapaz de absorver essa


energia, mas há certas pessoas que podem aproveitá-la independentemente e
até usá-la à vontade. Nós as chamamos de magos.

É por isso que nossos poderes podem alcançar todo o seu potencial no meio de
uma floresta transbordando energia mágica. Quando eu ainda estava
estudando para ser uma bruxa, o lugar onde minha professora me treinou
também era uma floresta.

Poderia dizer que os magos se parecem com as plantas mutantes de As


Aventuras de Nique. Nós nos tornamos capazes de lidar com coisas que os
humanos normalmente não conseguem.

Ou são as pessoas que não conseguem fazer magia que são as estranhas…?

Não sei qual é qual. Sinto que talvez não seja uma boa ideia pensar muito
nessas coisas. Além disso, ficar sentada tentando decifrar tudo não resolve
nada. É como tentar descobrir o quê veio primeiro, o ovo ou a galinha.
Completamente improdutivo.

— Uah… — Cobri minha boca e esfreguei meus olhos. Ainda não estou
cansada. Estou bem. Não estou cansada, não estou cansa… o campo de flores.

Talvez o campo de flores tenha evoluído de uma maneira estranha porque


havia muita magia. Como as plantas sencientes da história. Pensando nisso, a
floresta ao redor do campo de flores estava tão coberta de árvores que não
dava para ver o sol. A energia mágica produzida em tal lugar poderia criar as
condições necessárias.

Realmente não seria tão estranho se o campo de flores sofresse uma mutação
devido à superabundância de energia mágica.
E assim o campo de flores começou a atrair humanos com sussurros do veneno
doce como néctar. O que diabos nasceu lá?

—…

O que aconteceu com os humanos atraídos para aquele campo de flores?

Um mau pressentimento se enraizou em minha mente, e eu não pude me livrar


disso.

— Olá novamente, Madame Bruxa. Já está indo?

Era a manhã seguinte e o guarda de idade que encontrei no dia anterior estava
parado no portão da fronteira. Parecia que se lembrava de mim e me
cumprimentou com um sorriso alegre.

Retornei seu sorriso e disse:

— Sim. Não é um país muito grande, então vi tudo o que queria em um só dia.

— Sim… este lugar não é dos mais excitantes.

— De modo nenhum. Foi muito agradável.

— Ha ha, essa foi uma boa piada. — Ele viu através de mim.

— A propósito, o que aconteceu com o guarda de ontem?

— Hmm? Ele está de folga hoje. Deixou o país ontem à noite e ainda não
voltou. Você tinha negócios com ele?

— Só mais uma piada. — Perguntei, já que estou tentando evitá-lo.

— De qualquer forma, ele disse que voltaria de noite, então você pode esperar
se quiser vê-lo.

— Está tudo bem.

— Hmm. Então você já vai?


— Sim. Não tenho nenhuma pressa em particular para chegar ao próximo
lugar, mas se não sair do país durante a manhã, geralmente não consigo
chegar ao próximo antes do pôr do sol. — Além disso, tem uma parada que eu
quero fazer.

Estava mais preocupada com esse lugar do que com qualquer outra coisa.

— É isso? Bem, cuide-se.

— Vou me cuidar. Obrigada.

E então atravessei o portão.

E… pude ver a floresta lá longe. Olhei para a área por onde passei no dia
anterior e voei com a minha vassoura.

Havia um caminho aberto por entre as árvores, como se elas tivessem sido
arremessadas da floresta, dando um tom diferente ao mar de verde que se
espalhava diante de mim. O vento frio soprava violentamente. Nuvens
pairavam no ar, bloqueando a luz do sol. O céu cinzento já começara a ficar
com a cor de chumbo.

Em breve vai chover.

Na floresta, evitei as árvores que roçavam meus ombros e encontrei a clareira.

Avistei o campo de flores.

Parecia tão sombrio quanto o céu, e as cores desbotadas estavam


completamente diferentes da variedade vibrante do dia anterior.

—…

E as flores não tinham apenas as cores erradas, mas também as formas


erradas.

Conforme me lembrava, refiz meu caminho desde o dia anterior, então não
estava no lugar errado, ele só parecia diferente, mas com suas similaridades.
No entanto, havia um certo desconforto que eu não conseguia afastar.
Desci da minha vassoura e fui até a fonte do meu mal-estar. Meu pé fez
um squish inquietante quando pousou no chão, e eu pude sentir as pétalas de
flores morrendo sob meus pés.

Um aroma agradável pairava no ar acima do campo de flores.

Na minha frente havia uma pessoa. A verdadeira fonte do meu desconforto


estava lá – ela era o desconforto.

—…

Era a jovem que me deu o buquê de flores, e agora também havia um homem
de frente para ela. Ele estava vestindo roupas diferentes, mas eu lembrava de
seu rosto. E estava sentado no campo de flores, sorrindo para a garota.

Era o guarda jovem.

— Olá de novo.

— Ah, a viajante de ontem. Olá. — Ele me deu uma resposta muito simples.

— Essa… coisa é sua irmãzinha? — perguntei.

Ele inclinou a cabeça.

— Sim, finalmente a encontrei. Eu não podia acreditar que ela estava em um


lugar como este. — Ainda com uma expressão gentil, ele agarrou a mão da
garota.

Quanto mais eu olhava, mais estranho ficava – de alguma forma, não podia
mais chamar a garota que segurava a mão do jovem de humana. Manchas
verdes pontilhavam sua pele, trepadeiras se curvavam ao redor de seu corpo, e
seus olhos vagos encaravam o ar estagnado sem nem piscar. Sua boca estava
escancarada como uma caverna, e a baba escorria pelos cantos.

A coisa mais estranha era a sua metade inferior. Da cintura para baixo, estava
envolvida em enormes pétalas de flores vermelhas, como se um humano
tivesse crescido de uma enorme flor. Flor e humano se tornaram um, que vista
bizarra.

O guarda olhou para ela, encantado.

— Ela está tão bonita. Quem teria pensado que estava aqui fora, se tornando
tão bonita?
—…

— Qual é o problema?

Balancei a cabeça.

— Não é nada. Estou surpresa porque ela parece muito diferente de ontem.

— Ah, ontem. Sinto muito. Eu estava me sentindo mal, já que não sabia para
onde minha irmã tinha ido.

Virei meu olhar um pouco para baixo e vi sua perna envolvida por trepadeiras.
Tive certeza que ele não podia mais se mover. Ou melhor, poderia, mas
provavelmente havia perdido qualquer desejo de se mover.

—…

Ele não deu atenção à minha presença. Se eu não falasse, logo o homem se
voltaria para a garota e continuaria falando com os olhos vazios.

— Não posso acreditar que você manteve esse lugar incrível só para você…

— Ah, é mesmo… Diga, por que não trazemos todo mundo lá de casa? Se
mostrarmos isso a todos, ficarão tão felizes.

— Quero que vejam especialmente você, ainda mais agora que ficou tão
bonita…

— Ei, tudo bem, né…?

— Entendo… Obrigado.

Eu suspeitava que ele estivesse ouvindo palavras que eu não conseguia


escutar. Para mim, apenas parecia uma conversa unilateral com a coisa que
costumava ser sua irmã.

A irmãzinha conseguiu conversar comigo no dia anterior, mas agora não


conseguia nem piscar. Ela certamente não conseguia expressar nada
verbalmente. Suas emoções, seu corpo físico, todo o seu eu estavam perdidos
no campo de flores. Ela havia perdido a capacidade de fazer qualquer coisa, só
podia ser admirada.

Igual a uma flor.


Voei sobre um campo gramado.

Felizmente, quando montei na minha vassoura, a chuva havia parado. Gostaria


de chegar ao próximo país antes que comece a chover de novo, mas vamos ver.

— Ah, não…

Sob o céu pálido, vi algo se movendo na direção em que eu estava indo.


Quando me aproximei e a forma embaçada ficou mais clara, percebi que era
uma pessoa. Sem diminuir a velocidade, passei por ela.

—…

Não sabia dizer se era homem ou mulher. Sua idade era um mistério. Poderia
dizer apenas que era humana. A pessoa estava caminhando para algum destino
desconhecido; se continuasse em frente, talvez chegasse a outro país.

Todos os seus detalhes se confundiam vagamente, exceto por um detalhe, algo


que estava cuidadosamente embalando nas duas mãos. Eu tinha visto
claramente o que era, mas desejava não ter visto.

Estava carregando um buquê de flores.


Majo no Tabitabi 3
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Capítulo 03 – Na Estrada: O Conto de Um


Homem Musculoso em Busca de Sua Irmãzinha

O ATALHO COMEÇA AQUI

Havia uma placa bem ali, então a segui obedientemente. A estrada era muito
estreita – na verdade, não era bem uma estrada, estava mais para uma trilha
simples – então eu não podia usar minha vassoura. Se quisesse mesmo, poderia
ter insistido e continuado voando, mas não queria lidar com as curvas
constantes.

Sem outra opção, caminhei ao longo da estrada não pavimentada que não era
bem uma estrada, pisando na grama. A grama, úmida com o orvalho da manhã,
espirrou gotas de água em mim enquanto eu prosseguia. A barra do meu robe
já estava úmida.

Para alguém caminhando isso pode até ser um atalho, mas estou usando uma
vassoura, então obviamente é um caminho mais longo.

Enfim… Me pergunto que tipo de lugar será o próximo país.

O comércio não devia ser muito grande, já que este caminho era tão pouco
desenvolvido. Deve ser um país tão pouco desenvolvido quanto esta floresta.
Bem, isso é só o meu palpite. Hmm… De repente, meu desejo de ir para lá
havia desaparecido. Que tal voltar atrás, hein?

Brincadeirinha.

Continuei caminhando, reclamando o tempo todo comigo mesma. Finalmente,


uma mudança apareceu no cenário florestal.

— Minha nossa…

Uma árvore caída – uma das grandes, talvez com várias centenas de anos, pelo
que parecia. E não era a única deitada de lado; havia um monte delas.

Uau. Mas que obstáculo.

No entanto, eu ainda poderia prosseguir. Passei pelas árvores caídas,


estendendo os dois braços como se estivesse andando numa corda bamba,
então avistei uma forma negra se movendo nas sombras da floresta.

Ah, um urso?

Infelizmente, era só um humano.

Um gigante com músculos enormes. Assustador.

— Eu derrubei todas as árvores ao nosso redor com minhas próprias mãos.


Que tal? Impressionante, não é?

Com um grunhido, ele fez uma pose para mostrar seus músculos. Muitas
pessoas poderiam derrubar árvores com força bruta, mas guardei esse
pensamento para mim.

— Por acaso você é um residente do país à frente?

Ele falou enquanto tomava uma pose diferente:

— Isso mesmo. Sou daquele país. Como adivinhou? Você poderia dizer só pelos
meus músculos?

— Hã? Quer dizer que sua terra natal está cheia de homens musculosos como
você? — Talvez eu deva voltar.

— Não, de forma alguma. Todos de lá são frangotes.

— Então o que você estava tentando dizer?

— Não importa. O que achou dos meus músculos?

Não acho que irei muito longe com esse cara. Tentei agradá-lo, falando:

— Nossa, que músculos incríííííííveis. Posso tocá-los?

— Vá em frente! — O homem enorme esticou o braço para mim com outro


grunhido e flexionou o braço.

Eu realmente não sabia a melhor forma de tocar nessas coisas, então tentei
cutucar com o meu dedo indicador.
— Uaaau, incrível. — Era tão duro quanto uma rocha.

—…

— Hmm, por que você está ficando vermelho?

— Perdão… É a primeira vez que uma garota além da minha irmãzinha me


toca, então…

Seguindo essa lógica, quer dizer que está tudo bem quando sua irmã toca seus
braços? Entendo. Sério, o que há com essa lógica distorcida? Morra.

Depois de mandar meus pensamentos sombrios para longe, perguntei:

— A propósito, o que você está fazendo aqui na floresta? Está trabalhando?

— Não, na verdade estou treinando.

E então ele me contou sua história.

Alguns dias antes, sua irmã mais nova havia sido sequestrada por um grupo
estranho. O homem musculoso não estava por perto, então não foi capaz de
resgatá-la.

Ele tinha ouvido de uma testemunha ocular que as pessoas que sequestraram
sua irmã eram um bando de homens musculosos. Para enfrentá-los, começou a
treinar no local e derrubou todas as árvores, uma por uma.

E também tinha acidentalmente aceitado um emprego de meio período como


lenhador para ganhar um pouco de dinheiro…

— Então você está derrubando as árvores por dinheiro…?

— O que está dizendo? Ganhar dinheiro não é o objetivo. Preciso de mais


músculos… muito mais. — Ele negou com respirações ofegantes. Algo nisso
parecia estranho.

— Seu objetivo não é resgatar sua irmãzinha?

— Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Não tenho músculos suficientes
para lutar contra os homens musculosos que a sequestraram.

Hmm, você já é sobre-humano, então vá em frente e salve ela logo.

Parecia que eu poderia ter o mesmo destino das árvores caídas se dissesse isso
em voz alta, então apenas dei um aceno exagerado…

— Em primeiro lugar — ele continuou —, tenho que derrubar o campeão desta


floresta, o urso. Este é o meu primeiro objetivo.

— Um urso…?

— Sim. Um bem assustador. Ele pode pegar peixes do rio com as patas. Não
estou nem perto de ter essa destreza.

— Uhum…

— Depois disso, dizem que tem um excêntrico empunhando um machado


vivendo nas profundezas da floresta, e também tenho que duelar com ele. Ouvi
dizer que o sujeito já até derrubou o urso no chão. Ele deve ser temido.

— Uhum…

Se o urso já foi derrotado em uma luta corpo a corpo, já não perdeu o título de
“campeão da floresta”?

— Depois disso…

Ele me fez ouvir seus planos por cerca de uma hora, mas a
palavra irmãzinha nunca saiu de sua boca. Tive que me perguntar se o sujeito
realmente tinha alguma intenção de ir ajudá-la. Talvez seus músculos
excessivamente treinados tivessem começado a restringir o fluxo sanguíneo
para seu cérebro. O homem havia perdido de vista o seu objetivo original. No
final, resgatar sua irmã se tornou cada vez menos importante.

Me pergunto quando ele vai se lembrar do por quê está fazendo tudo isso.

Bem, essa história não tem nada a ver comigo.


Majo no Tabitabi 4
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Capítulo 04 – Captação de Recursos

— Ah, isso é ruim…

Eu tinha chegado a um pequeno país que não parecia ter nenhuma


característica definida, mas não estava lamentando o clichê d o ambiente
urbano. Minha bolsa, por outro lado, estava em péssimo estado.

Depois que fui forçada a sacrificar três moedas de prata com a taxa de
entrada, os três cobres restantes e uma única moeda de prata tiveram que se
contentar em um pequeno quarteto lamentável. Infelizmente, a moeda de prata
era tão velha e suja que ninguém conseguiria distingui-la dos cobres, a menos
que olhasse direitinho. Eu não tinha certeza nem se seria capaz de usá-la.

Uma moeda de cobre geralmente era o suficiente para comprar um pão. Com
uma moeda de prata, poderia passar uma noite em uma pousada barata e, se
tivesse ouro, poderia comprar alguns acessórios de alta classe.

Ou seja: o melhor que eu poderia fazer seria cravar os dentes em um pedaço


de pão em uma velha pousada capenga, me enrolar sob alguns lençóis finos e
tentar dormir para esquecer as dores da fome. Isso era tudo.

Resumindo, estava à beira da morte.

— O que eu vou fazer…?

Sempre que estou com problemas financeiros fico com vontade de gastar
dinheiro. Segurando meu estômago roncando, caminhei por uma grande
avenida. Barracas de comida estavam alinhadas como joias cintilantes,
vendendo pão, frutas, vegetais e também algumas outras coisas. Faminta como
estava, quase podia ouvi-las me chamando.

Ah, eu quero comer tudo…

Eu quero comeeeer…

— Hmm, eu gostaria de um pouco de pão, por favor.

Quando me dei conta, estava em frente a uma barraca de comida. O rico aroma
de trigo flutuava pelo ar. Não tinha nada indicando os preços.
A bem-humorada senhora sentada do outro lado da bandeja de pão olhou para
mim e sorriu.

— Vai custar 3 moedas de cobre.

Nossa, que ousadia. Vir aqui foi um erro.

Aconteceu de ela ser uma raposa velha que extorquia dinheiro dos pobres.

— Hmm? Com licença; talvez minha audição não seja das melhores. Você
poderia repetir o preço?

— Vai custar 3 moedas de cobre.

— Entendi, então três pedaços de pão vão me custar três cobres?

— Não, cada pão custa 3 moedas de cobre, obviamente. Algo de errado com a
sua cabeça, senhorita?

Eu deveria estar perguntando a mesma coisa! Você é louca? Por que eu teria
que pagar três cobres por um pão velho que ficou jogado aí sabe-se lá por
quanto tempo? Queria que ela ouvisse as minhas reclamações, mas,
infelizmente, não tive energia para levantar a voz.

No final, não disse nada e fui embora. Ainda exausta e sustentada por nada
além de ar e minha própria saliva, passei pelas horríveis barracas de comida
que me tentavam.

Seguindo direto pela larga avenida, cheguei a uma praça aberta onde uma
grande fonte se estendia em direção ao céu. Não havia nada de incomum; era o
tipo de arquitetura que poderia ver em qualquer lugar. E no banco ao lado da
fonte estava um homem e uma mulher conversando e rindo, sem prestar
atenção nos arredores – outra cena completamente comum.

Decidi não pensar se minha irritação realmente justificava o desejo de assá-los


vivos e fui em direção à fonte. Pegando a água corrente com as duas mãos,
bebi. O líquido gelado desceu pela minha garganta e me senti
instantaneamente revigorada.

— Olhe, querido, aquela bruxa está bebendo água da fonte.

— Ela está mesmo! Que rude! Ha-ha-ha-ha!


— … — Reuni energia mágica em minhas mãos, puxei minha varinha e me virei
em silêncio.

Na mesma hora, com um estalo sutil, o banco se dividiu em dois.

— Kyah! O que aconteceu com o banco?

— Talvez seja inveja do nosso amor! Ha-ha-ha!

—…

Eram tão estúpidos que eu não conseguia nem continuar brava com eles.

A fonte de água acalmou um pouco meu estômago vazio, então, depois de


guardar minha varinha, continuei.

Antes de mais nada, precisava encontrar um lugar para passar a noite.

— Quer alugar um quarto? São três moedas de prata.

— Por três noites, né? Desculpe, eu só quero reservar uma noite.

— Não, uma noite são três pratas.

—…

Já era a sexta pousada. Eu tinha começado minha busca pelos hotéis mais
baratos, então como isso estava acontecendo? Cada pousada estava cobrando
pelo menos três vezes o preço normal.

Este lugar tinha rachaduras nas paredes e nem tinha banheiro, mas o
proprietário estava dizendo que uma noite custava três moedas de prata? Que
piada.

Eu continuei:

— Não podemos negociar? Só tenho uma prata e três cobres… — Virei minha
bolsa de cabeça para baixo no balcão. Clink… a triste verdade era até mesmo
audível.
— Não são quatro cobres?

— Ah, esta é de prata.

— Ah, é mesmo… Está bem suja.

— Não tem nada que você possa fazer?

— Não tem nada que eu possa fazer. — O homem que dirigia a pousada
suspirou. — Por favor, entenda, senhorita. São negócios.

— Então extorquir dinheiro dos pobres faz parte dos negócios?

— O comércio sempre foi assim.

— Aughhh… — Não havia como negar, e parecia que ficar nesta pousada não
era uma opção. — Eu só tenho uma pergunta para você.

— E qual seria?

— Não acha que os preços deste país estão um pouco altos? A cidade nem
mesmo tem atrações para visitar, ou algum produto local exclusivo que
justificaria aumentar tanto os preços básicos de todas as coisas.

— Uh… Senhorita, você é uma viajante, então não saberia… — murmurou o


homem.

Como eu esperava, tinha algo a mais.

Depois de olhar ao redor, o homem abaixou a voz.

— O rei recém-coroado é um homem mesquinho e inflacionou a moeda local


artificialmente.

— Artificialmente? Você quer dizer que dinheiro falso está circulando no


mercado?

O homem assentiu.

— Isso mesmo. E com todo o dinheiro falso circulando, o valor de nossa moeda
despencou. Como uma estranha, os preços neste país parecem um pouco altos,
mas para todos que vivem aqui, está tudo com um preço razoável.

— Razoável, hmm…? Mas é dinheiro falso, certo? Não tem nenhuma


penalidade por usá-lo?
— Foi o rei quem colocou isso no mercado, então espero que não.

Entendo.

Finalmente entendi o que estava acontecendo neste país. Eu não sabia o que o
rei estava tentando fazer, mas se ele pensava que poderia estimular sua
economia com moedas falsas, então com certeza era uma pessoa muito idiota.
Mas, pelo visto, não teve muita resistência de seus cidadãos quanto a isso…

— Na verdade, não importa se o dinheiro que estamos usando é real ou falso.


Se o rei aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, os cidadãos podem
simplesmente aumentar os preços. Isso não nos causa problemas, aos
habitantes locais, digo. Quem acaba se complicando são só aqueles iguais a
você, os viajantes.

— Nós com certeza sofremos… Pessoas que vêm de fora podem ficar com o
coração partido pelos preços altos. — Pessoas como eu.

O homem olhou rapidamente para algo atrás de mim. Quando olhei, vi que
outro cliente fez fila atrás de mim e me deparei com as três moedas de prata
para uma noite. Pelo visto, pagar o triplo do preço normal realmente parecia
apropriado para os habitantes locais.

— Isso é tudo, senhorita?

— Sim. Muito obrigada por suas valiosas informações.

Fiz uma reverência e saí da pousada.

Eu teria que trabalhar para ganhar dinheiro para conseguir dormir em um


quarto decente.

Voltei para a larga avenida onde não consegui comprar pão e sentei-me
discretamente na beira da rua para observar as pessoas passando. Pareciam
bem despreocupadas enquanto iam às compras.

Mesmo sabendo que estavam usando dinheiro falso, estavam felizes como se
não estivesse acontecendo nada.
—…

Como eu era uma viajante, mais cedo ou mais tarde acabaria usando todo o
meu dinheiro. Nunca tinha me estabelecido em algum lugar e aceitado um
emprego, então isso era inevitável. Já tive problemas com dinheiro muitas
vezes antes. Afinal, não poderia nem entrar em um novo país se ficasse sem
qualquer tostão.

Normalmente, fingiria ser uma lojista, ou ajudaria alguém necessitado, ou faria


outra coisa para ganhar alguns trocados. Mas, pensei, se não importa se o
dinheiro que as pessoas estão usando é real ou falso, então não tem razão para
não usar isso em meu benefício, certo?

Desta vez, também venderei meus serviços por três vezes o preço normal.
Então, serei como todo mundo por aqui, alguém que pode usar moedas falsas
sem um pingo de culpa.

— Ei, você! — gritei para um jovem que descia a rua com uma expressão séria.

Seus ombros se curvaram de surpresa e ele se virou para mim.

— Hã, eu?

Balancei a cabeça e acenei para ele.

— Tem alguma coisa te incomodando, não tem?

— Hmm, quem é você?

— Caramba, que rude da minha parte. Esqueci de me apresentar. Sou uma


adivinha viajante — falei sem vergonha nenhuma, depois ergui meu chapéu
pontudo e olhei para o jovem cabisbaixo.

— Alguma coisa me incomodando…? — repetiu ele, ainda cético. — Realmente


pareço tão chateado?

— Com certeza. É a única coisa que vejo em seu rosto.

— Sério…

— Sério. — Balancei a cabeça vigorosamente.

De acordo com minha experiência, quando se trata de negociações comerciais,


a hesitação está diretamente ligada ao fracasso. No momento em que se
mostra hesitação – no momento em que uma rachadura se torna visível – é
quando a outra parte começa a suspeitar das coisas. Em outras palavras, é
melhor agir com confiança.

Foi por isso que prontamente afirmei:

— Muitas vezes não sabemos o que está nos incomodando. Por exemplo, falta
de confiança em sua aparência pessoal, ou problemas no trabalho, ou
sentimentos de pavor por não conseguir encontrar a alma gêmea mesmo
depois de tanto tempo…

— …!

Percebi a ligeira mudança em sua expressão. Aha, então ele está tendo
problemas para encontrar uma namorada. É isso?

— Você está se sentindo preocupado porque… não consegue encontrar uma


namorada. Não é verdade?

— Acho que sim…

Ele se virou para desviar o olhar e eu voltei a falar:

— Devo ler sua sorte e descobrir quando sua alma gêmea aparecerá diante de
seus olhos?

Peguei minha varinha e convoquei um pouco de energia mágica. Com


um puf! fofo, uma pequena chama apareceu.

— Ah… — E imediatamente depois de aparecer, foi soprada por uma brisa.


Pelo visto, não convoquei energia mágica suficiente. A fumaça saiu da ponta da
minha varinha em uma despedida relutante.

Eu deveria examinar as chamas para ver a sorte de alguém, mas não estava
rolando.

Depois de soprar todo o resto da fumaça, balancei a minha varinha.

— Ah, entendo, entendo.

— Hã? Isso foi o suficiente?

— Sim. O que acabei de fazer é conhecido como leitura de fumaça, é um estilo


de leitura da sorte em que prevejo seu futuro examinando a fumaça. — Uma
mentira, claro.
— Nunca ouvi falar sobre algo assim antes.

— Normal que não tenha ouvido. Esse estilo de adivinhação é uma arte
secreta, transmitida de geração em geração na minha família, então não é algo
que a maioria das pessoas conheça.

Eu não podia me dar ao luxo de arruinar o meu disfarce, então tive que cortar
esse tipo de assunto.

— A propósito, em relação à sua alma gêmea…

— S-sim. E então? Quando eu posso encontrá-la?

— Hoje.

— Huh, hoje? Espera, você está dizendo que é v…?

— Esta noite, sua alma gêmea aparecerá diante de seus olhos — continuei,
antes que ele pudesse se envergonhar e dizer algo de que se arrependeria. —
Se seguir em frente, chegará a uma praça com uma fonte, certo? Deve ter um
banco quebrado próximo à fonte. — Peguei algo da minha bolsa e estendi para
ele. — Se enrolar isso em sua mão e ficar ao lado do banco, sua alma gêmea
aparecerá diante de você.

Ele pegou o objeto da minha mão e inclinou a cabeça, confuso.

— O que é isso…? Parece só um pedaço de barbante comum.

— Mas não é. É um barbante mágico, imbuído com minha energia mágica. Ele
tem o poder de atrair boa sorte.

Eu não tinha realmente colocado nenhuma energia mágica no barbante, é


claro. E mesmo se fizesse isso, não teria o poder de atrair a boa sorte de
ninguém. Na verdade, acabei pegando ele em uma das barracas pelas quais
tinha passado.

— Se eu estiver com este barbante… vou encontrar a minha…

— Sua alma gêmea, sim. Agora fique atento e espere até esta noite. Não
gostaria de decepcionar a pessoa a quem está destinado, não é?

Um tanto intrigado, o jovem agarrou o barbante com força.

— Entendi. Vou enrolar isso em volta da minha mão e esperar no banco.


Ele se levantou para sair, com um sorriso renovado, mas o interrompi na
mesma hora.

— Senhor, a taxa pelo barbante e pela leitura da sorte equivalem a uma única
peça de ouro. — O jovem fez uma careta, obviamente, até que eu disse as
palavras mágicas: — Não se preocupe. Se por acaso não encontrar o que
busca, vou te oferecer um reembolso.

Cerca de uma hora se passou desde que o jovem de rosto sério partiu.

Uma jovem passou. Seu vestido era simples, assim como seu rosto – tudo nela
era simples. E parecia ter a mesma idade que eu.

Havia muito com o que trabalhar, mas ela estava desperdiçando seu potencial
com roupas que pareciam ter saído do chão do armário, para não falar de sua
pele e cabelo.

Assim como minha moeda de prata sem graça. E então meu próximo cliente foi
escolhido.

— Ei, você! — gritei quando ela passou, de cabeça baixa. — Estou certa em
assumir que está sofrendo para encontrar um amante?

A jovem saltou de surpresa e se virou para mim.

— E-eu…?

— Sim, você.

— Hmm, quem é você?

— Caramba, que rude da minha parte. Esqueci de me apresentar. Sou uma


adivinha viajante — disse descaradamente, depois ergui meu chapéu pontudo e
a encarei.

A garota tremia como uma presa aos olhos de um predador.

— C-como você sabia disso? — perguntou ela com medo.

— Eu sei essas coisas. Afinal, sou uma adivinha. Posso ver tudo, desde seus
sentimentos perturbados até sua alma gêmea predestinada.

— M-minha alma gêmea? V-você realmente pode ver?

— É claro. Posso ver claramente, bem diante dos meus olhos. — Claro, era tudo
mentira.

— Então, quando ele vai aparecer?

— Hoje.

— H-hoje…?

A garota olhou para mim com apreensão, seu coração disparando com a
menção de uma alma gêmea. Mas eu não estava com pressa. Tudo estava
ocorrendo exatamente como planejado.

— Se você for em frente, verá uma praça com uma fonte, certo? Deve ter um
banco quebrado próximo à fonte. — E, assim, mantendo uma compostura muito
uniforme, contei o resto. — Esta noite, um jovem com um pedaço de barbante
velho enrolado na mão estará lá. É ele.

As coisas continuaram assim por um tempo.

Peguei algumas pedras ao redor da área e disse às pessoas que iriam melhorar
a sorte, manipulei almas gêmeas para se conhecerem, e assim por diante. Após
vários dias de excelentes negócios, minha bolsa ficou cheia de moedas. Pelas
minhas estimativas, ganhei o suficiente para viver bem por vários meses.

Ora, ora, devo agradecer ao rei que fez as moedas falsas.

Como os preços eram tão elevados neste país, gastei muito dinheiro com
hospedagem e alimentação, mas todos ficaram felizes em pagar uma tarifa
muito mais alta pelos meus “serviços” do que o normal. O valor real do
dinheiro neste país era menor do que nos outros.

— Sim, eu imbuí esta placa de PROMOÇÃO com meu poder mágico… Se você
pendurar na frente de sua loja, os pães vão sumir das prateleiras.

— Sério? Vou colocar agora mesmo.

— Que ótimo. Bem, a taxa para a placa e a taxa para a consulta somam três
moedas de ouro.
— Você vai me dar três placas?

— Não, cada uma custa três moedas de ouro, é óbvio. Algo de errado com a
sua cabeça?

As moedas em minha carteira se multiplicaram mais uma vez.

Vendi minha placa escrita à mão para a mulher da padaria, que veio até mim
depois de ouvir rumores sobre meus serviços, e com isso meu trabalho acabou.
Um tilintar alegre soava de minha carteira muito pesada.

Pois bem, é hora de voltar para o meu lamentável alojamento. Me levantei, me


espreguicei um pouco e peguei meus pertences.

— Você aí!

De repente, alguém agarrou meus ombros por trás e eu me virei, surpresa. Ali,
parado, estava um soldado.

Vários soldados, na verdade. Tinha mais ou menos uns dez, todos vestidos da
mesma forma, e lentamente se moveram para me cercar. Cada um estava
segurando uma lança e armas penduradas nas costas. Não pareciam nada com
os habitantes locais.

— Você é a adivinha, certo? — perguntou o homem parado bem na minha


frente.

— Não, você está enganado.

— Não minta. Temos observado você interagir com os clientes.

—…

Suor se formou em minhas bochechas.

Merda. Merda, merda, merda.

O que eu faço? Alguém deve ter feito uma reclamação sobre o fato de eu estar
fazendo estelionato, mas não é como se realmente tivesse enganado alguém.
Ahhh, o que eu faço agora…? Não posso correr; eles me cercaram. Poderia
usar magia para escapar, mas não quero me tornar inimiga de um país
inteiro…

— Venha comigo — disse o homem na minha frente, todo desapaixonado. — O


rei quer vê-la.
Não pude acreditar no que estava ouvindo – mas tenho certeza de que isso não
seria surpresa.

O círculo de homens ao meu redor me levou pela cidade insípida e chegamos a


um palácio muito sem graça. Exceto pelos preços absurdos, não havia
realmente nada de interessante neste país.

Em um estrado elevado, onde duas escadas se encontravam, na sala mais


espaçosa do palácio, um jovem estava sentado entre dois tronos, em uma
cadeira que parecia bem cara.

De sua cadeira, o jovem rei olhou para mim e falou:

— Então você é a adivinha viajante, hein? Você é muito jovem.

— Você também é muito jovem, Vossa Majestade. Achei que seria mais velho.
— Os soldados olharam para mim friamente, mas eu não quis ser sarcástica.
Realmente esperava alguém mais velho.

O rei se dirigiu aos soldados:

— Vocês todos podem ir. Deixem-nos — disse, afastando-os com a mão. Os


soldados se retiraram, deixando apenas nós dois na espaçosa câmara, e o rei
falou novamente: — Ouvi rumores de que você pode realmente prever o futuro.
Isso é verdade?

— Sim, bem… é mais correto dizer que ajudo o futuro.

— E suas habilidades só funcionam em humanos?

— Como assim?

— Estou perguntando se poderia funcionar em uma escala mais ampla


também. — Sua voz estava bem calma. Eu não consegui ler o que ele estava
pensando.

Ele acredita em minhas habilidades? Ou não? Ou será que viu através das
minhas mentiras?

Evitei a pergunta.

— Sobre que tipo de futuro você quer saber?

— O futuro deste país — respondeu o jovem rei.


— O futuro do país… Huh. — Enquanto balançava a cabeça obedientemente,
pensei: É isso? Não precisava ser um adivinho para prever o futuro deste país.
Era simples.

Bem, tanto faz, não sou nenhuma adivinha mesmo.

— Antes de responder à sua pergunta, tem uma coisa que gostaria de te fazer,
Vossa Majestade.

— E qual seria?

— Por favor, diga-me suas razões para colocar dinheiro falso na economia do
seu país.

Ele franziu as sobrancelhas e soltou um suspiro.

— Isso não faz sentido.

— O quê, é tudo dinheiro de verdade? — Pensei nas moedas esticando minha


carteira. Se todas forem reais, estou extremamente rica! Yay!

— Sim… Coloquei dinheiro real e autêntico em circulação, embora não tenha


sido ideia minha.

— Alguém disse para você fazer isso?

O jovem rei acenou com a cabeça.

— Uma pessoa que era muito próxima do rei anterior. Como acabo de ascender
ao trono, confio a ele todas as questões de política econômica. Seu plano era
estimular nossa economia circulando a moeda recém-cunhada, mas não está
dando muito certo.

—…

Esse não parece ser o problema aqui, mas…

— Após o aumento repentino da cunhagem, espalhou-se a notícia de que o


novo dinheiro era falso, mas isso é um completo absurdo.

— Não existe nenhuma chance de que este conselheiro próximo esteja


mentindo…?

— Sem chance. Chamei vários especialistas ao palácio e pedi que


investigassem o assunto em segredo, mas as moedas recém-cunhadas são, sem
dúvida, reais. O boato sobre dinheiro falso é mentira — disse o jovem rei antes
de se levantar.

Ele desceu as escadas do estrado lentamente e se aproximou de mim.

— Meu conselheiro fez muito bem por este país. Na verdade, acho que ele
deveria ser rei no meu lugar, embora a natureza hereditária de nossa
monarquia torne isso impossível. Além de impulsionar as políticas
governamentais, ele está sempre ao meu lado para me aconselhar. Se não
estivesse aqui, eu já teria perdido minha coroa, tenho certeza.

—…

Parando bem na minha frente, o rei demonstrou uma expressão de dor.

— Mas, desta vez, estou começando a me perguntar. Não acho que ele esteja
nos guiando para a prosperidade. Não quero duvidar dele, mas o estado atual
de nossa economia não é boa. Esses rumores infundados sobre moeda falsa
estão correndo soltos, e agora que os preços estão subindo, os viajantes estão
indo embora. O comércio também não está indo bem.

Depois de ouvir seus problemas, só consegui pensar em uma coisa: Ele quer
que eu o tranquilize. O rei queria que alguém lhe dissesse que o futuro do país
seria pacífico, que o conselheiro em quem confiava não estava mentindo e que
colocasse seus medos de lado.

Parece ser uma pessoa muito simples. Não, provavelmente é mais correto dizer
que é honesto ao ponto de ser sem noção.

— E é por isso que quero que você preveja o futuro deste país. Consegue? —
perguntou.

Claro, minha resposta já estava decidida.

— Consigo. — Balancei a cabeça, e os olhos do jovem rei brilharam.

— Ah, sério?! — Ele pegou minha mão em seu entusiasmo, então puxei minha
mão e dei um passo para trás.

— Sim, eu nunca minto — falei. É sobre isso que as pessoas falam quando
dizem que alguns acham que mentir é tão fácil quanto respirar? — No entanto,
antes de prever o futuro do seu país, tenho algumas condições.

— Diga-as.
Levantei meu dedo indicador.

— Em primeiro lugar, deixe-me ficar aqui por uma noite. A previsão da sorte
para um país inteiro é um trabalho exaustivo. Além disso, é necessário que eu
compreenda todo o país a partir do palácio que fica no seu centro.

— Certo. Entendi. Vou providenciar isso agora mesmo. — O jovem rei assentiu
com entusiasmo.

Levantei o próximo dedo. A primeira condição era apenas um brinde. Não seria
errado dizer que era uma etapa preparatória para ajudar no meu plano real. A
próxima condição que era a importante.

— E segundo…

Depois disso, fui para o quarto fornecido pelo jovem rei, deitei-me em uma
cama macia e fofa pela primeira vez em muito tempo e revi minha estratégia.
Teria que esperar até a hora de agir.

Quando o sol do lado de fora da minha janela se pôs completamente e o céu


ficou escuro, abri os olhos.

Finalmente chegou a hora.

Peguei minha varinha e coloquei a ponta contra minha cabeça.

— Ey.

Com um puf! baixinho, virei um ratinho.

Havia lançado um feitiço em mim mesma para mudar de forma. Eu estava


cansada, então realmente não queria fazer isso, mas não havia maneira de
contornar. Minha transformação permitiu que me movesse com facilidade
enquanto corria em direção ao meu objetivo, relembrando o mapa que pedi ao
jovem rei para me mostrar.

Como havia a possibilidade de encontrar um fim violento se seguisse pelo


corredor errado, optei por passar pelo sótão em vez do interior deslumbrante
do palácio. Andei ao longo das tábuas empoeiradas do piso até chegar
diretamente acima da sala do conselheiro do rei.

Espiando por um buraco no teto, pude ver um homem de meia-idade com os


cotovelos apoiados em uma mesa. Um único soldado estava parado em posição
de sentido em frente a ele, vestindo o mesmo uniforme dos soldados daquela
tarde.

Pude adivinhar pela tensão no ar que esta não era uma conversa amigável.

— Bem, que tal, Pai? — disse o jovem.

— Que tal o quê? — O homem mais velho coçou a cabeça. — O plano está indo
bem. Em breve, chegará a hora de expulsar aquele rei.

— E quando será isso? Já faz um bom tempo que você diz “em breve”. — A voz
do jovem estava tensa de frustração.

Espera um segundo – já ouvi essa voz em algum lugar. Meu minúsculo cérebro
de camundongo tentou se lembrar, e uma pessoa com a voz bem parecida
surgiu em minha mente.

Acho que o jovem falando com o homem mais velho é o soldado que me
agarrou pelo ombro nessa tarde. Se não estou errada…

— O rei convocou uma adivinha viajante ao palácio, e tenho certeza que ele
perguntou a ela sobre o futuro de nosso país. É provável que nosso plano agora
seja descoberto.

O homem mais velho sorriu.

— Aquele menino é totalmente dedicado a mim; duvido que faça tal coisa. Ele
provavelmente apenas a fez prever sua sorte para amanhã.

—…

— Além disso, aquela adivinha viajante também é suspeita. Ela provavelmente


é uma vigarista mesquinha.

Cof.

— A adivinha é só uma jovem…

— As aparências enganam.

Sim, você está exatamente certo. Não sou só uma jovem, sabe. Sou uma bruxa.
Talvez cansado da conversa, o jovem suspirou profundamente.

— De qualquer forma, mantenha sua promessa — disse.

— Sim, pretendo, então você cumpra sua parte nisso também. Afinal, suas
ações são críticas para o meu plano.

— Entendo.

O jovem estava prestes a sair do cômodo quando tudo aconteceu.

O teto rangeu, então se abriu com um estalo alto de trituração, e uma bruxa
com cabelos acinzentados e uma varinha na mão caiu na sala.

Quem será que era?

É isso mesmo que você pensou.

— Hah, hah, uf…

Ahhh, devo estar parecendo tão estranha…

Meu feitiço havia acabado na metade da minha missão. Devo tomar mais
cuidado ao tentar feitiços desconhecidos.

Aparentemente, o teto era perfeito para um rato espiar por um buraco e olhar
para baixo, mas não um corpo humano. Ele quebrou no momento em que voltei
à minha forma normal.

Será que estava podre de tão velho? Com certeza não é por causa do meu
peso… Eu acho.

— Q-quem é essa?!

Quando me levantei, limpando a poeira, descobri que o homem mais velho


tinha uma arma apontada para mim. Devia estar escondida na mesa.

Bem, ele está preparado.

Balancei minha varinha. Instantaneamente, um buquê de flores surgiu na


ponta da arma. Era um belo buquê, se é que posso dizer.

— Por que você…! I-isso é…

Na minha admiração pelas flores, havia me esquecido completamente do fato


de que havia outra pessoa atrás de mim. Mas dar meia-volta daria muito
trabalho. Tonk. Bati no chão com minha varinha e dei ordens para os
fragmentos de madeira espalhados.

Os fragmentos de repente brotaram com trepadeiras verdes de hera que


voaram em direção aos dois homens e os capturaram.

— Você é o conselheiro do rei, né? — Encarei o homem mais velho, cujas mãos
e pés agora estavam amarrados.

Ele olhou para mim com confusão e ódio.

— Quem é você?

— Pai, esta é a adivinha viajante — gritou o jovem atrás de mim.

Balancei a cabeça calmamente.

— Ele tem razão. Adivinha viajante, ao seu dispor.

O homem mais velho se contorceu como uma lagarta, completamente imóvel.

— O quê você quer comigo…?

— Qual é, já não sabe a resposta?

—…

Silêncio.

Eu me virei. O homem que me escoltou durante a tarde estava olhando para


mim.

— Quais são as suas intenções?

E então respondi:

— Pretendo prever um futuro de paz para este país.


Depois disso, os dois homens foram presos quando os guardas do palácio
apareceram para ver a comoção. Eles foram apresentados ao rei e forçados a
revelar toda a verdade.

Pai e filho planejavam conquistar o país.

Como eu suspeitava, a nova moeda foi falsificada. Pelo visto, os especialistas


que disseram ao jovem rei que a moeda era genuína aceitaram subornos do
conselheiro e também eram mentirosos.

Os dois tentaram mergulhar o país no caos de propósito, criando dúvidas sobre


o sucessor da coroa. O plano deles era colocar a culpa no jovem rei e
orquestrar sua queda em desgraça. Devem ter esperado que o conselheiro
pudesse se tornar o novo rei, com seu filho como herdeiro.

Bem, esse plano acabou em fracasso.

Agora estavam trancafiados na prisão. Eu não sabia o que seria deles, mas não
precisava mais me envolver.

Depois que o interrogatório dos dois conspiradores foi concluído, fui convocada
entre os tronos para aceitar um presente do jovem rei.

— Muito obrigada. — Verifiquei o conteúdo e balancei a cabeça. Dentro da


minha bolsa havia um grande número de moedas antigas.

Como minha segunda condição para prever o futuro do país, fiz com que ele
trocasse todo o dinheiro que ganhei pelo velho, para me livrar de qualquer
falsificação.

— Vou trocar todo o dinheiro falso que circula pelo país. — O jovem rei parecia
exausto. — Parece que a maior parte do dinheiro em sua carteira também era
falsificada.

— Imaginei que fosse.

O significado da minha promessa de prever o futuro do país tornou-se um


pouco vago. Desde que eu tinha livrado o jovem rei do verdadeiro problema
que o atormentava, ele não precisava mais de uma adivinha.
Fiquei aliviada ao descobrir que não precisava esticar ainda mais a verdade.

Havia algumas coisas que me preocupavam um pouco sobre o que viria a


seguir para ele e seu povo, mas teria que deixar este lugar logo. Afinal, eu era
uma viajante. Quanto a que caminho este país seguiria, a menos que alguém
realmente olhasse para o futuro, ninguém jamais saberia. Incluindo eu, é claro.

— Mas é realmente uma pena. — O jovem rei suspirou profundamente. — E


pensar que ele estava mentindo para mim o tempo todo.

— Esse é o problema dos mentirosos — respondi. — Você nunca consegue ver a


mentira em suas faces.
Majo no Tabitabi 5
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Capítulo 05 – Na Estrada: O Conto de Dois


Homens que Não Conseguiram Resolver uma
Discussão

Enquanto eu voava com minha vassoura sobre prados suavemente inclinados, o


som do vento sussurrando na grama alcançou meus ouvidos. O sol quente e a
brisa fresca criavam uma harmonia agradável. Eu queria ficar voando por este
lugar para sempre.

Virei minha vassoura para a esquerda e para a direita, e podia ouvi-la cortando
o vento – hyoom, hyoom – tornando meu passeio um pouco mais divertido. Mas,
infelizmente, a diversão nunca dura muito, e dessa vez não foi diferente, pois
um som menos agradável no vento levou minha diversão a um fim abrupto.

— Hã? O que você disse? Fala de novo, mano!

— Hã? Já te disse, sou o melhor, mano!

A atmosfera incomumente refrescante foi destruída.

Quando virei minha cabeça para descobrir de onde saíam as vozes, vi dois
homens parados no meio de uma clareira discutindo sobre algo. Eles estavam
vestidos com roupas de cores diferentes, e o trecho da conversa que ouvi me
entregou que eram irmãos.

— De jeito nenhum, eu sou melhor que você. Com certeza!

— De jeito nenhum, claro que sou melhor. Me diz quando um irmão mais novo
superou o irmão mais velho!

— Ha-ha! Que maneira de pensar ultrapassada. Uma visão realmente


ultrapassada. Os irmãos mais novos ao longo da história cresceram observando
as falhas dos irmãos mais velhos. Eles podem evitar erros antes que
aconteçam, e isso os torna mais fortes.

— Ha-ha! Que coisa estúpida. Deve ser uma história de quando irmãos mais
velhos eram seres humanos inúteis! Mas eu mesmo já sou um espécime
perfeito! Não cometo erros e, mesmo supondo que cometa, seriam erros em
um nível mais alto do que você jamais poderia alcançar.
Os dois ficavam se insultando com coisas sem sentido, olhando e gritando
coisas como “Huh?” e “Quer pagar para ver?”

Enfim, o que é uma “visão ultrapassada”? Ou um “erro de alto nível”? Fiquei


intrigada com isso quando encontrei o olhar daquele que assumi ser o irmão
mais velho.

— Tudo bem, então! — gritou ele. — Vamos chamar aquela garota para nos
dizer qual de nós é melhor, você ou eu!

O (presumivelmente) irmão mais novo balançou a cabeça.

— Gostei da ideia. Principalmente porque vou vencer.

Tive um pressentimento muito, muito ruim sobre isso.

— Por que vocês dois estão brigando?

Eu estava sentada na grama, olhando para os dois. Ambos tinham as mesmas


características e o mesmo corte de cabelo; na verdade, a única diferença entre
eles era a cor de suas roupas. O irmão mais velho usava vermelho, enquanto o
mais novo usava azul.

Os irmãos vestidos de vermelho e azul falaram em uníssono:

— Truques de mágica!

— Truques de mágica?

— Truques de mágica!

— Já entendi, não precisam ficar repetindo.

— Truques…

— Ei, você não a ouviu? É por isso que crianças como você…

— Hã? Não aja como se você fosse melhor só porque nasceu três anos antes de
mim, seu idiota!

— E você não entende a diferença que três anos fazem porque ainda é uma
criança, sua criança burra.

— Ah, bem, se três anos são grande coisa, então por que todos os seus truques
de mágica não são melhores do que os meus? Hã?
— Vocês dois poderiam ficar em silêncio por um minuto?

— Tá.

— Certo.

Eu disse a eles para calarem a boca, e calaram. Por fim, houve silêncio.

Truques de mágica, hein…? Sendo uma bruxa de verdade, não estou


familiarizada com prestidigitação. Hmm… É irritante quando os dois falam ao
mesmo tempo, então vou pedir que expliquem seus lados da história um de
cada vez. Olhei para o irmão mais novo e perguntei:

— Por que você faz truques de mágica?

— Em nossa terra natal, não há uma única pessoa que possa usar magia. Um
dos motivos é que é um país pequeno, mas também tem alguns motivos
religiosos, para não mencionar um tabu histórico contra isso.

— Hmm, hmm. — Tive a sensação de que estávamos prestes a iniciar uma


conversa bastante pesada.

O irmão mais velho continuou a história:

— Mas as pessoas são instintivamente atraídas pelo proibido, e muitos jovens


como nós aspiram ser magos.

— E então pensamos: “Hmm, se fingirmos ser magos, não poderíamos tentar


lucrar?”

— E então pegamos a estrada, como os Quase-Mas-Não-Completamente-


Mágicos.

Ah, essa conversa realmente é pesada, não é?

Os dois estavam explicando com orgulho e alegria quando eu interrompi.

— Ninguém ficou bravo com vocês por fazerem isso?

Quem me respondeu foi o de azul – o irmão mais novo.

— Com certeza ficaram. Nós até fomos presos. Mas não estávamos realmente
usando magia; era tudo ilusão. Então, não importava quantas vezes nos
prendiam, sempre tinham que nos soltar.
— De alguma forma…

Aposto que as pessoas os viam como heróis. Posso imaginar o que os outros
membros de sua geração também estavam dizendo. “O governo em nosso país
não é bom! É incompetente!” Ou algo assim…

— Mas a prestidigitação não foi banida por causa de vocês dois?

Eles deram respostas simples:

— Sim, foi.

— É por isso que fomos exilados. Agora estamos falidos.

— Ah, então vocês foram exilados? — perguntei.

Os dois assentiram em perfeita sincronia.

— Já faz um mês que fomos exilados.

— Desde então, temos trabalhado como artistas viajantes para ganhar


dinheiro.

— Aham.

— Mas então tivemos um problema.

— Não temos um nome.

— Um nome, hein?

— Discutimos combinar nossos nomes em um, como irmãos, mas discordamos


sobre qual nome deveria ser o primeiro.

— E então decidimos que quem ganhasse um concurso de ilusões seria o


primeiro.

Entendo. Então é isso que está acontecendo.

— E qual foi o resultado?

Desta vez, foi o irmão mais velho quem me respondeu.

— Até agora… zero vitórias, zero derrotas e quinze empates.

— Por isso não conseguimos decidir…


— É por isso que queremos que você escolha um vencedor e um perdedor de
uma vez por todas.

— Hoje acabaremos com o impasse.

Os dois se encararam, gritando: “Qual foi?” e “Hã?” e assim por diante.

Hã? Essa decisão é meio séria, não é?

A atuação mágica foi uma performance verdadeiramente incrível.

Eles tiravam pássaros do nada, faziam as moedas se moverem


instantaneamente de um lugar para outro, adivinhavam as cartas que eu tirava
e todos os tipos de outras coisas maravilhosas e emocionantes.

Truques de mágica são incríveis.

O problema era que os dois eram tão impressionantes que eu não conseguia
escolher quem era o melhor. Percebi que esse era um daqueles casos em que
era impossível decidir.

— Que tal? Fui o mais impressionante, é claro — gabou-se o irmão mais novo.

— De jeito nenhum, meus truques de mágica foram mais incríveis que os seus.
Qualquer um pode falar isso — disse o irmão mais velho no mesmo tom
arrogante.

Depois de olhar entre os dois irmãos que estavam se encarando, eu só tinha


uma coisa a dizer:

— É um empate.

Como os dois irmãos eram extremamente talentosos, alguém como eu não


poderia escolher um vencedor e um perdedor. Essa foi minha posição oficial
sobre o assunto.

Para ser honesta, eu estava farta de toda essa bagunça. Deixaria a decisão
para outra pessoa, em outro lugar. Estava pronta para que os irmãos ficassem
chateados com minha resposta, mas apesar de suas discussões anteriores, os
dois estavam surpreendentemente calmos.

— Entendo… Bem, então é isso. Ainda não podemos decidir um nome.

— Cara, já falei que meu nome deve ficar na frente.

— O que foi que disse?

— Você me ouviu.

— Vocês dois, parem com isso, por favor.

— Tá.

— Certo.

Eu os fiz se acalmar e então dei um passo para trás.

— Bem, então, vou indo. — Preciso me apressar para o próximo país; afinal,
sou uma viajante. Com um sorriso forçado, comecei a sair.

Mas então…

— E-ei! Espere um minuto.

— Você não vai nos pagar?

Os dois irmãos me pararam.

Hã? Pagar?

— Vocês vão me cobrar pelo show de mágica?

Me virei e os dois irmãos deram de ombros ao mesmo tempo.

— Mas é claro.

— Ver nossos truques incríveis de graça seria bom demais para ser verdade,
né? Né?

— Né.

O que aconteceu com as duas pessoas que estavam rosnando uma para a outra
até alguns minutos atrás? Os homens na minha frente estavam em perfeita
sincronia.

De repente, fiquei muito desconfortável.

— Espera, vocês nunca disseram uma única palavra sobre pagamentos…

— Também não me lembro de dizer que era de graça — disse o irmão mais
novo, bufando.

— Espere só um minuto. Vamos revisar, tá? Vocês dois queriam que eu


escolhesse o ilusionista melhor e me fizeram ser a juíza. Estou correta até
agora?

— Sim, está correto. — O irmão mais velho assentiu.

— Certo — continuei. — O que significa que foi uma competição entre vocês
dois, não um show de mágica. Por que eu deveria pagar alguma coisa?

— Não seja ridícula. Nossos truques de mágica são sempre uma competição
entre nós. Certo?

— Certo.

Sério…?

Eles armaram para mim. Planejaram me enganar desde o início.

Entre em uma discussão, chame um viajante, então force-o a assistir ao


seu show de mágica e cobre… Sem dúvida, esta foi a décima sexta vez que
deram esse pequeno golpe. Eles deveriam ter vergonha de si mesmos.

— Bem, quanto é…? — Decidi perguntar, apenas por acaso. Não significa que
aceitei a explicação deles.

— Quatro peças de prata.

— Para cada um, ou seja, oito peças de prata.

— Uau, que caro.

Como uma prata era suficiente para uma noite em uma pousada, os dois
estavam me dizendo para jogar fora dinheiro suficiente para mais de uma
semana de hospedagem. O que eles estão pensando?

— Mostramos a você um show de mágica itinerante de primeira classe. Eu


diria que é um bom negócio, não é? — disse o irmão mais velho.

Bem, não posso negar que as ilusões foram incrivelmente hábeis.

—…

Estou muito, muito relutante, mas, infelizmente, eles não estão errados.
Tecnicamente, poderiam dizer que a culpa foi minha por não perguntar sobre o
preço, e eu não teria como argumentar.

Mas não quero pagar por algo tão estúpido, especialmente quando estão me
forçando…

Pensei sem parar até ficar exausta.

— Pare aí. — Me virei e me deparei com o homem musculoso gigante do outro


dia parado ali, igual um herói.

O que está acontecendo…?

— Hum, ei você. — Fiz uma pequena reverência e ele reagiu um pouco


timidamente.

— É bom ver você de novo, Madame Bruxa.

— Já faz um tempo, Musculoso.

“Musculoso” era o homem incrivelmente musculoso que conheci alguns dias


atrás. Eu chamava ele assim porque só o vi uma vez e nem mesmo perguntei
seu nome. Ele parecia gostar de ouvir a palavra músculo e estufou o peito.

— Hmm, isso mesmo. Eu sou um homem musculoso.

Nossa, ele é tão burro.

Assustados com o súbito aparecimento do misterioso fisiculturista, os dois


vigaristas começaram a visivelmente tremer.

— E-ei… quem é esse cara?

— O quê? Não me diga que ele é seu namorado.

— De jeito nenhum. — Fui muito clara. Estúpidos não fazem o meu tipo.
O homem musculoso não se importou nem um pouco com a minha atitude (na
verdade, provavelmente nem ouviu o que eu disse) e falou para os dois
mágicos:

— Enfim, vocês aí! Mesmo que os deuses os perdoem por enganar as pessoas
para ganhar dinheiro fácil, eu não perdoarei. Preparem-se. — Era difícil ouvi-
lo, em mais de uma maneira. Virei minha cabeça.

— Por que você desviou seus olhos…? — Ele percebeu.

— Uh, sem motivos — falei. — A propósito, por que você está aqui, Musculoso?

— Ah, a verdade é que eu estava prestes a derrotar um dragão lendário que


supostamente vive no próximo país. Estava correndo para lá, correndo contra o
vento, quando vi você…

— E a sua irmã?

— Irmã? — Depois de ficar quieto por um momento, ele disse: — Ah, minha
irmã… minha irmã, sim. Eu estava pensando em procurá-la depois de derrotar
o dragão lendário. Ha-ha-ha! — Sua risada foi forçada, falsa e muito alta.

Você obviamente se esqueceu dela.

Até seu cérebro havia se transformado em músculo, mas isso não era surpresa.

— Nesse caso, este homem não tem nada a ver com isso, certo…?

— Sim. Nada mesmo. É por isso que você precisa sair.

Os dois começaram a ser abertamente diretos. Quero dizer, quando você de


repente é confrontado por um homem musculoso, é compreensível se sentir um
pouco ameaçado.

— Silêncio! — gritou o Musculoso.

Os dois irmãos gritaram de terror e quase comecei a rir.

— Extorquir dinheiro de garotas amáveis como ela não é algo que as pessoas
deveriam fazer! Vamos colocar suas personalidades em forma, começando
agora! — Então ele agarrou os dois irmãos pela nuca e saiu correndo.

— Ah, espera… Ei, isso dói! Pare!

— Ele é musculoso! Todo musculoso!


— Vou mostrar o esplendor do mundo dos músculos! Bwah-ha-ha-ha!

— Ai! Me deixe ir! Solte!

— Wahhh! Eu sinto muito! Não vamos mais enganar as pessoas!

— Bwah-ha-ha-ha-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha!

Parei no local onde havia mordido a isca e acenei para os dois vigaristas que
choravam. Mesmo quando os três pareciam tão pequenos quanto grãos de
arroz, suas lamentações ecoavam interminavelmente pela extensa campina.

Bem, tive sorte. Me pergunto o que será dos dois irmãos e do homem
musculoso.

Mas, é claro, isso não era da minha conta.


Majo no Tabitabi 6
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Capítulo 06 – Felicidade Engarrafada


O vento soprava sobre um prado suavemente inclinado, tingindo tudo de verde
brilhante. As flores silvestres cintilavam à luz do sol como a superfície de água
parada, balançando ao vento.

Quando olhei para cima, notei uma nuvenzinha vagando vagarosamente pelo
céu, e senti até que poderia estender a mão e tocá-la.

Uma bruxa estava voando por esta vista cativante em sua vassoura. Ela estava
no final da adolescência e usava um chapéu pontudo e um robe preto com um
broche em forma de estrela sobre o peito. Não preciso nem mencionar quem
era ela, né — Isso aí. Euzinha.

Agora, podemos tirar um tempo para realmente apreciar este cenário incrível,
mas vamos seguir com a história…

Vi uma pessoa parada sozinha no meio da campina. E quando me viu, acenou.

Ele não parece hostil. Vou acenar de volta – da forma mais elegante possível, é
claro.

— Heeey! Heeeeey! — A pessoa estava pulando, balançando os braços e


tentando o seu melhor para chamar a atenção… Acho que ele realmente quer
que eu vá até lá.

Mudei um pouco o curso da minha vassoura e fui naquela direção.

— Yay! Você veio!

Quando cheguei lá, encontrei um menino abraçando uma garrafa.

— Olá. — Desci da minha vassoura e me curvei um pouquinho.

— Hiya! Uau, senhorita, você é uma bruxa de verdade! — O menino olhou para
meu broche e sorriu.

— O que você está fazendo? — perguntei.

— Estou em uma caça à felicidade!


— O que quer dizer com isso?

— Uma caça à felicidade é uma caça pela felicidade — disse o menino. — A


propósito, senhorita, você está ocupada?

Ele está… me convidando para sair? Não, não, claro que não.

— Acho que você pode dizer que estou livre, mas também pode dizer que estou
ocupada.

— Então você está livre!

— A propósito, tem alguma aldeia ou cidade próxima onde moram pessoas? —


Se eu não encontrasse um lugar para ficar, teria que acampar neste prado, e
não posso dizer que seria uma opção muito atraente.

— Se você está procurando uma aldeia, tem uma ali. — Ele apontou, e havia de
fato uma pequena aldeia… ou algo parecido com uma. Parecia muito isolada.

— Aham.

— Na verdade, aquela é a minha aldeia.

— Ah, então você é o chefe da aldeia? Prazer em conhecê-lo. Meu nome é


Elaina. Sou uma viajante.

— Ah, prazer em conhecê-la. Me chamo Emil… Espera, não, não foi isso que eu
quis dizer! Quis dizer que é a aldeia onde eu moro. — Emil estufou as
bochechas.

— Eu sabia. Era só uma piada — falei sorrindo.

Emil ficou de mal-humor e abraçou sua garrafa em vez de responder.

Quando olhei mais de perto para a garrafa, mal consegui distinguir a forma de
algo se contorcendo dentro dela, era uma espécie de névoa branca flutuante
que se movia como uma coisa viva.

— O que é isso aí? — perguntei enquanto apontava para a garrafa.

Ele provavelmente queria que eu perguntasse. Com um bufo orgulhoso, Emil


me deu uma resposta.
— É a garrafa em que estou guardando a felicidade! No instante em que uma
pessoa ou animal sente felicidade, eu a transformo com um feitiço e a coloco
bem aqui.

— Hmm…

A magia pode mover objetos, transfigurar coisas em chamas ou gelo, ou…


qualquer outra coisa, na verdade, e duplicar coisas bem diante dos olhos. É
possível usá-la para voar em uma vassoura, fazer o vento soprar ou se
transformar em um rato. Mas reunir a felicidade no momento em que ela é
sentida significa transformar a emoção usando um feitiço.

Isso pode ser interessante.

— Posso abrir e olhar?

— C-claro que não!

Quando estendi minha mão, Emil apertou a garrafa ainda mais forte em seus
braços e recuou um pouco. Com um olhar hostil em seus olhos, e proclamou:

— Estou fazendo isso para uma garota que gosto, então não vou deixar você
tocar!

— Uhum.

— Hmm, você ficou brava?

— Não, na verdade fiquei até um pouco impressionada.

Me lembrei de um livro que li há muito tempo. Era a história de um marido que


caminhava mundo afora, duplicando magicamente as belas imagens no
momento em que as via e levando-as para casa para mostrar à sua esposa
doente que não podia sair de casa. Bem, como é que essa história terminava
mesmo? Era uma história de muito, muito tempo atrás, então eu esqueci
tudinho.

— Então você gosta desta garota?

— Hmm? Sim, é uma empregada chamada Nino, uma que trabalha na minha
casa. Ela sempre parece tão triste, então vou dar um pouquinho de felicidade
para ela.

É por isso que ele está colocando felicidade em uma garrafa.


O garoto segurou a garrafa bem alto para eu ver e olhou para ela com amor.
Ele parecia bastante contente; se pudesse transformar a expressão que estava
mostrando naquele momento, poderia engarrafar um pouco de felicidade de
ótima qualidade.

Depois disso, nós montamos em nossas vassouras e nos dirigimos para a


aldeia. Emil realmente era um mago, mas desde que já tinha mencionado
feitiços mágicos, não havia necessidade de perguntar sobre isso. Fiquei muito
curiosa para saber o que o menino estava fazendo no meio da campina.

— Eu estava testando para ver se também conseguia pegar a felicidade das


plantas — disse Emil, voando atrás de mim.

— E como foi? — perguntei.

— Mais ou menos. O feitiço me deixou transformar algo parecido com emoção,


mas estava meio turvo, e a cor também era meio embaçada. Então deixei pra
lá.

— Ora, ora.

Bem, são plantas, afinal. Se perguntasse a alguém se as plantas têm emoções


distintas, simplesmente olhariam para você e ririam. Além disso, se você
descobrir que a resposta é sim, talvez nunca mais consiga comer uma salada.
Talvez seja melhor deixar alguns mistérios permanecerem como mistérios.

— Ah, aí está. — Ele apontou para a aldeia que eu já podia ver à frente.

Era uma aldeia minúscula, pequena o suficiente para que alguém


provavelmente pudesse percorrer a circunferência da lamentável cerca do
perímetro em menos de uma hora. Havia apenas cerca de dez casas esparsas
pela área, todas de madeira. E também alguns pequenos campos e poços
intercalados entre elas, como se fosse para preencher as lacunas.

Ah, uau.

— Que aldeia pacífica.

— Não é?

Descemos das vassouras e passamos entre duas árvores que serviam de portão
para a aldeia. Bem à nossa frente na estrada ficava uma casa que era uma
grande e esplêndida mansão quando comparada às outras. Quero dizer – bem,
era quase do mesmo tamanho que a maioria das casas normais dos outros
países.
— Essa é a casa do chefe da aldeia?

Apontando para a casa, Emil assentiu.

— Isso mesmo. E também é a minha casa.

— Eh? — Então não era necessariamente errado dizer que esta aldeia era a
aldeia do Emil.

— Você não parece nada impressionada, senhorita…

— Ah, eu deveria ter ficado surpresa? Uau, isso é incrível, você deve ser muito
rico!

— Hmm… quero dizer, não é isso… — Uma sombra caiu sobre a expressão do
menino.

— De qualquer forma, Emil, quando você vai dar a garrafa para a garota? —
perguntei, e ele se animou de novo. Seus altos e baixos emocionais eram
divertidamente extremos.

— Hoje! Vou dar para ela depois do almoço. Ah, sim, você deve ficar! A comida
da Nino é a melhor!

— Fico feliz por você querer me convidar, mas acabei de comer.

— Certo, vou pedir para que a Nino prepare uma porção pequena para você!
Tem alguma coisa que você não come? Vou pedir para ela não colocar!

Parecia que ele queria que eu ficasse para o almoço, não importava o
quê. Bem, eu não tenho nenhum motivo para recusar, tenho?

— Não, qualquer coisa serve para mim, mas realmente acabei de comer, então,
por favor, peça para que ela prepare pouco, tá?

— Deixe comigo! Vou preparar algumas coisas realmente gostosas!

Mas não é você quem faz a comida. É a Nino.


E foi assim que me tornei hóspede da casa do chefe da aldeia

Apesar da aparência externa luxuosa e exuberante da casa, o interior era


totalmente normal. A sala de jantar que Emil me mostrou era decorada com
móveis antigos e a casa do chefe parecia levar uma vida modesta, assim como
o resto da aldeia. Na verdade, estava ficando com a impressão de que a
propriedade era apenas um grande pedaço de terra com o qual não sabiam o
que fazer.

— Certo, sente-se. — Emil puxou uma cadeira e gesticulou em minha direção, e


eu me sentei.

— Obrigada. A propósito, onde está a sua empregada?

— Eu me pergunto… Ela provavelmente estará aqui logo, logo.

— E o chefe da aldeia?

— Ele também não deve demorar.

— E o que há com essa sua atitude evasiva?

Depois de passar algum tempo conversando com Emil, senti alguém


aparecendo atrás de mim. Mas não foi uma forma de sexto sentido; acabei
ouvindo um barulho. Enfim, me virei.

— Ah…

Era uma jovem. Quando nossos olhos se encontraram, ela deu um pulo de
surpresa e fez uma pequena reverência assustada. Para ser sincera, isso foi
meio patético.

A julgar por suas roupas, esta é a empregada em questão. Ela usava um


vestido com avental (o traje clássico de uma empregada doméstica) que era um
pouco grande para seu corpo pequeno.

— Como vai? Você é do Leste?

Seu cabelo preto brilhante era liso e seus olhos eram de um castanho escuro e
profundo. Parecia uma certa aprendiz de bruxa que encontrei em outro país,
também do Leste. Só que o cabelo daquela aprendiz era um pouco mais curto.

— Ah? Uh, hmm…

Talvez tenha sido rude de minha parte perguntar de onde ela era. A garota
confusa olhou para Emil em busca de ajuda.

— Sim, ela é. Meu pai encontrou Nino em um país oriental.

— Ouvi dizer que eles estão fazendo você trabalhar como empregada
doméstica nesta casa, é verdade?

A garota chamada Nino deu um breve aceno de cabeça.

— S-sim… o chefe da aldeia cuida de mim com muito cuidado.

Sua resposta foi mecânica, como se ela estivesse sendo compelida a ler um
roteiro.

— E cadê o chefe da aldeia?

— Ah, hmm… Agora ele está no escritório, trabalhando… — disse Nino,


segurando a barra do vestido. — Hmm, você tem algum negócio com ele?

— Não, na verdade não. — Balancei minha cabeça.

Provavelmente irei encontrá-lo quando for hora de comer, de qualquer


maneira, então não tenho motivos para pressionar.

Quando esse pequeno diálogo terminou, Nino baixou o olhar, parecia querer
evitar qualquer contato visual. Ela não parecia muito boa em conversar com as
pessoas.

Mas o menino que a amava não se importou nem um pouco ao se aproximar


dela e se abaixar para ver seus olhos.

— Ei, ei, Nino, o que tem para o almoço de hoje? — Não consegui ver sua
expressão porque ele estava de costas para mim, mas tenho certeza de que
tinha um sorriso enorme.

— Ah, h-hoje é… peixe grelhado, a pedido do chefe da aldeia.

— Yay! Diga, se estiver tudo bem, posso pedir para você fazer um pouco para
aquela garota também? — Emil apontou para mim. Nino me observou por um
momento e acenou com a cabeça.

— Viu, senhorita?

— Eu agradeço. Obrigada, mas não estou com muita fome, então, por favor,
faça uma porção pequena para mim.

— S-sim, senhorita… — Como Emil havia dito, Nino realmente parecia triste.
Se alguém entrasse naquele momento e visse seu rosto, poderia supor que nós
dois estávamos a intimidando.

— Ah, sim! Ei, Nino, depois do almoço de hoje, tenho um presente para você.

— Ah, p-para mim…?

— Sim. Espero que fique animada!

— N-não… está tudo bem. S-se você der algo a uma serva como eu… o chefe da
aldeia ficará bravo… — Mesmo por trás da resposta humilde, essa era uma
coisa particularmente servil para se dizer.

— Sem problemas, sem problemas. Vou explicar tudo ao meu pai.

— Ah… mas…

Impaciente, Emil jogou seu trunfo contra a garota mansa.

— Bem, então é uma ordem minha. E aí?

—…

Seus sentimentos deviam ter chegado até ela; afinal, ele foi muito direto, talvez
até exagerado. Nino balançou a cabeça lentamente.

— Se é uma ordem… — disse ela, então sorriu levemente.

O menino sorriu de volta.

Pelos próximos momentos fiquei bem entediada.

Emil foi ajudar Nino, deixando a convidada (eu) sozinha na sala de jantar. Eu
também tinha ido à cozinha para dar uma mão, mas ele me rejeitou com um
sorriso deslumbrante.

— Vá se sentar, senhorita! Nós dois vamos cozinhar!


Não tinha com quem conversar e nada a fazer a não ser esperar o tempo
passar, de maneira extremamente improdutiva. Não consigo ficar parada.
Quero ler um livro ou algo assim. Mas eu não carrego nenhum comigo…

Acabei passando o tempo sem fazer nada além de sentar na minha cadeira.

Já estava esperando há vários minutos quando um homem gordo se sentou à


minha frente.

— Ah, uma convidada.

Ele não era especialmente velho ou jovem, devia estar no final dos trinta ou no
início dos quarenta. Talvez. Será?

— Boa tarde. Por acaso você é o chefe da aldeia? — perguntei, convencida de


que ele deveria ser.

— Exatamente. — Viu só?

— Me chamo Elaina, sou amiga do seu filho. Sou uma viajante. Prazer em
conhecê-lo.

— É um prazer conhecê-la. Sou o pai de Emil.

Eu sei disso. E agora ele havia feito sua aparição no momento perfeito.
Exatamente quando precisava de algo para fazer.

— Sr. chefe da aldeia, há quanto tempo está no comando daqui?

— Desde o começo.

— Ah, é mesmo?

— Mm.

— É uma aldeia adorável.

— Mm.

— Vocês têm alguma especialidade culinária local pela qual são conhecidos?

— Não.

— Nenhuma?
— Mm.

— Sério mesmo…?

Sinto que continuei essa tentativa fútil de conversar com o chefe, mas não
tenho absolutamente nenhuma lembrança do que discutimos.

Para ser franca, não descobri nada.

Depois de um tempo, Nino e Emil apareceram com a comida. Enquanto os dois


preparavam a mesa, minha leve sensação de fome foi acompanhada por uma
inquietação indescritível.

—…

Eu poderia jurar que só pedi uma porção pequena.

— Hã? Nós fizemos pouco! — respondeu Emil, olhando para mim perplexo. —
Olha, o peixe é pequeno, e demos a você um pouco menos de salada.

Bem, agora que você mencionou, posso dizer que me deu um pouco menos,
mas eu teria ficado bem com menos da metade do que você preparou.

— Hmm… t-talvez seja realmente demais…? Se você não conseguir terminar,


sinta-se à vontade para deixar no prato…

—…

Fui silenciada antes que pudesse dizer qualquer coisa.

Ao lado de Nino, Emil estava olhando para mim. E seus olhos diziam: “Não
ouse deixar nada para trás.”

Eu comi. Limpei meu prato, na verdade. Foi realmente uma refeição deliciosa,
mas só provei as primeiras mordidas. Depois disso, enfiar o restante no
estômago provou-se uma tarefa árdua. Que desperdício.

— Obrigada pela refeição! Estava realmente delicioso, Nino.


— O-obrigada… — Nino fez uma pequena reverência envergonhada. — Vou
lavar a louça… — Ela se levantou e juntou os pratos e copos. Emil deu uma
mão, como se fosse algo natural.

Nesse caso, também ajudarei. Comecei a me levantar, mas, novamente, Emil se


virou para mim com um sorriso e disse:

— Está tudo bem, senhorita.

Enquanto os dois se dirigiam para a cozinha, fiz uma pergunta ao chefe da


aldeia:

— Onde você encontrou a Srta. Nino?

Depois de esvaziar o resto da água de seu copo, o chefe me respondeu:

— Eu a comprei no Oriente — disse, como se fosse a coisa mais comum do


mundo.

Comprou. Em outras palavras…

— Ela é uma escrava?

— Mm. Eu a peguei há alguns anos. Minha esposa nos deixou e, por um tempo,
não consegui cuidar de todo o trabalho de casa.

—…

Havia muito que eu queria dizer, mas me contive. Silenciosamente, o incitei a


continuar.

— Naquela época, eu viajava para o Leste de vez em quando, a trabalho, e foi


onde a encontrei. O preço estava um pouco mais alto do que eu esperava, mas
ela era adequada aos trabalhos domésticos e, mais importante, tinha um rosto
bonito e parecia que ia crescer e ser uma mulher bonita. A comprei sem pensar
duas vezes, e foi uma boa decisão. Ela é uma boa empregada.

O chefe soltou uma risada vulgar.

— Emil sabe disso?

— Acho que disse a ele, mas o menino não parece se importar muito se a sua
companheira for uma escrava.

Emil havia dito que o chefe havia “encontrado” Nino, então ele podia não ter
percebido que ela era uma escrava.

Mas mesmo que Nino tivesse sido comprada, eu tinha a sensação de que o
garoto não mudaria seu comportamento em relação a ela. Ele parecia tratar a
todos da mesma forma.

Nino voltou silenciosamente da cozinha no momento em que nossa conversa foi


interrompida, olhou nossos copos para se certificar de que estavam vazios e
depois os tirou, um por um, da mesa. Ela manteve a cabeça baixa o tempo
todo. Acho que ouviu nossa conversa.

— Ei, Nino, onde devo colocar este prato grande?

— Eek…!

Houve um estrondo ensurdecedor.

Emil saiu repentinamente da cozinha e Nino colidiu com ele enquanto


retornava, deixando os copos em suas mãos caírem. Fragmentos de todos os
tamanhos acabaram espalhados pelo chão.

— O que diabos você está fazendo?! — rugiu o chefe do outro lado da mesa. Ele
se levantou furioso e agarrou a estupefata Nino pelas lapelas do avental. —
Limpe isso agora mesmo, sua garota inútil! Quanto tempo terei que esperar até
que você possa completar todas as suas tarefas direito?!

— S-sinto muito, sinto muito, sinto muito, sinto muito…

— Pare, pai! A culpa foi minha, não foi?! Não culpe só a Nino…

— Cale a boca, garoto! — Emil estremeceu e abaixou a cabeça.

Pelo visto, decidindo que já havia gritado o suficiente, o chefe largou Nino e
apontou com o queixo para o vidro.

— Limpe isso.

Com lágrimas nos olhos, Nino acenou com a cabeça e curvou-se várias vezes
para os dois e para mim.

— Sinto muito, sinto muito, sinto muito… — repetiu, como se as palavras


fossem um feitiço de proteção.

Isso é extremamente desagradável. Sério, que desconfortável.


Empurrei minha cadeira para trás, agachei-me sobre os destroços dos copos e
peguei minha varinha.

— Não foi nada demais. Contanto que você tenha todas as peças, não precisa
limpar.

Usei um feitiço de reversão do tempo convenientemente projetado para


consertar feridas e coisas quebradas. Uma substância branca como a névoa
roçou os cacos transparentes. Com a reversão do tempo, as peças se juntaram
e voltaram à sua forma original.

Entreguei os copos restaurados a Nino.

— Da próxima vez, tome cuidado para não deixá-los cair, tá?

Eu poderia dizer que ela não fazia ideia do que havia acontecido.

— Ah, obrigada. Você consertou os copos mesmo depois de testemunhar


aquela desgraça. — O chefe interrompeu ao meu lado com uma voz calma. —
Ei, você, agradeça também.

Espere, você não deve forçar as pessoas a dizerem obrigado.

— Sinto muito… — Além do mais, Nino não entendeu o assunto e disse a coisa
errada. Ela estava se curvando profundamente.

— Não se desculpe, agradeça, Nino — falei.

Nino ergueu a cabeça e forçou as palavras para fora com uma voz chorosa.

— Muito… obrigada.

— Eu também posso fazer esses feitiços, sabe.

Depois que o chefe se trancou em seu escritório e Nino voltou a lavar a louça,
Emil ficou calado.

Você não precisa mostrar uma coragem de fachada.


— Ah não, sinto muito. Nesse caso, você não precisava da minha ajuda.

— Não, eu não podia fazer nada. Obrigado senhorita.

— Não foi nada.

— Mas, só para você saber, eu posso fazer aquilo.

—…

Deve ser constrangedor ter sua fraqueza exposta na frente da garota de quem
você gosta.

— Você realmente não tem nada com que se preocupar. — Coloquei a mão em
seu ombro. — De qualquer forma, agora Nino deve estar muito chateada. Não
é sua melhor chance de dar a ela o seu presente?

— Senhorita, você é genial…

— Ehe, vá em frente.

Suas esperanças reacenderam, o humor de Emil melhorou na mesma hora. Ele


é uma criança tão simples. Sério, que adorável.

Escondendo a garrafa nas costas, Emil esperou que Nino terminasse seu
trabalho.

— Ah… — Nino saiu da cozinha e se encolheu de surpresa quando Emil


apareceu de repente diante dela, como um animalzinho. Talvez ela ainda se
lembrasse do encontrão que deu com ele.

Emil deu um passo em sua direção.

— Nino, eu disse que tinha um presente para você depois do almoço, não
disse?

— S-sim… — respondeu Nino, hesitante.

— Aqui. Este é o seu presente.

Emil estendeu a garrafa para ela. Nino olhou, perplexa, para a névoa branca
que se contorcia dentro do objeto. Ela claramente não fazia nem ideia do que
era.

— É uma garrafa que enchi com felicidade. — Emil colocou a mão na tampa. —
Dentro está cheio de felicidade. Andei por toda parte coletando isso das
pessoas.

— Felicidade das pessoas…?

Nino inclinou a cabeça, confusa, e Emil sorriu.

— Você só pode ver uma vez, então observe atentamente, tá?

Com uma sacudida satisfatória, ele destampou a garrafa. Agora que estava
livre, a névoa branca voou para fora da garrafa, até o teto. Quando o teto ficou
completamente coberto por nuvens brancas, pequenas partículas começaram a
girar lentamente na névoa.

Como cacos de vidro, as partículas brilharam com a luz refletida para criar
uma tela fantástica. As partículas brilhantes eram os fragmentos de felicidade
que Emil havia coletado, projetando as cenas que o inspiraram.

Alegria pelo nascimento de uma criança. O contentamento de ver uma


paisagem pitoresca. O sutil deleite ao se encontrar uma linda flor. A satisfação
de superar uma dificuldade. O prazer tranquilo de se esparramar ao sol para
ler um livro em um dia de folga e cochilar sem se preocupar.

— O mundo exterior está cheio de muita felicidade, sabe? — Emil segurou a


mão de Nino. — Então, não fique tão triste o tempo todo. Também estou aqui
para te fazer feliz.

Quanto a Nino, ela observava as luzes brilhantes com espanto e, em pouco


tempo, começou a chorar em silêncio. Ela cobriu a boca com a mão para abafar
o som enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto.

Emil sorriu, um pouco confuso, e gentilmente a abraçou.

As lágrimas escorrendo por seu rosto brilharam como os fragmentos de


felicidade.
— Você poderia ficar um pouco mais.

Estávamos nas duas árvores que ficavam no lugar de um portão. Emil tinha ido
para a periferia da aldeia para se despedir de mim e estava fazendo beicinho
como um cachorrinho abandonado. Ao lado dele estava a empregada, Nino. Ela
nunca foi muito expressiva, então não pude dizer se ficou triste com a minha
partida.

Balancei minha cabeça.

— Desculpe, mas não posso ficar mais — disse, pegando minha vassoura.

— Então venha nos ver de novo, tá bom…? Nino e eu cozinharemos para você
de novo, e da próxima vez ficará ainda melhor, entendeu?

— S-sim… estaremos esperando. — Nino fez uma pequena reverência.

Peguei minha vassoura e a segurei no ar.

— Pode deixar. Eu voltarei. Algum dia, com certeza.

Quando minhas viagens chegarem ao fim, quem sabe.

Os dois acenaram para mim enquanto eu recuava, Emil balançando os braços


freneticamente e Nino acenando com calma e delicadeza.

— …?

Acidentalmente fiz contato visual com a garota.

Seus olhos eram como a escuridão profunda, e quero dizer mais do que apenas
a cor. Eles estavam ansiosos, desesperados, como se ela estivesse em um
estado de desespero inimaginável. Como se já estivesse morta. Não era nada
parecido com quando nos encontramos na mansão do chefe da aldeia.

Me pergunto o motivo…

Eu já estava vendo a próxima estrada quando me lembrei do final daquele livro


que li há muito tempo.
A história de um marido que caminhava mundo afora, capturando
magicamente belas paisagens no momento em que as via, e levando-as para
casa para mostrar à sua esposa doente, que não podia sair de casa.

Como foi que esqueci daquilo? Aquilo me deixou uma sensação horrível.

A história terminou quando a esposa, que ansiava por ver o cenário por si
mesma, forçou seu corpo enfraquecido a se mover e morreu mais cedo do que
deveria. Era uma fábula, e a moral era: “As coisas que pensamos que fazemos
para o bem dos outros nem sempre são o melhor para as pessoas”.

O que será que Nino ficou pensando depois de ver o conteúdo daquela garrafa?
A que decisão ela chegou? Ela não poderia…

—…

De jeito nenhum. Ela não iria.

Quando olhei para trás, o vento soprava através da ampla campina de um


verde brilhante. As flores silvestres brilhavam ao sol, como a superfície da
água parada balançando ao vento.

Realmente era um lugar lindo. Mas eu não tinha motivos para voltar.

Se voltasse, acabaria ficando triste.


Majo no Tabitabi 7
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Capítulo 07 – Antes do Início da Competição


Cheguei a um certo país pela manhã. Acabei o encontrando por coincidência
enquanto voava pelas planícies com a minha vassoura, e por ter o encontrado
do nada, não tinha a menor ideia de como era este lugar.

Em aldeias tão pequenas que não precisavam nem de um portão, uma inspeção
de imigração era desnecessária, mas sempre que alguém entrava em um país
com um grande território, os guardas do portão fariam perguntas. Então, a
menos que algo incomum estivesse acontecendo, perguntariam sempre as
mesmas coisas.

— Nome?

— Elaina.

— País de origem?

— O País Pacífico de Robetta.

— Motivo da visita?

— Passeio turístico.

— Tempo de permanência?

— Provavelmente três dias.

Normalmente as perguntas terminariam por aí, pagaria a taxa de entrada, se


tivesse, e o guarda diria algo como: “Bem-vinda e tome cuidado” enquanto
dava um passo para trás para dar espaço para que entrasse…

— No café da manhã, você come pão ou arroz?

Mas, as perguntas continuaram… E foi uma muito estranha.

— Oi…? — Fiz uma careta e demonstrei que não entendi a questão.

Sem sequer piscar, o guarda repetiu:

— No café da manhã, você come pão? Ou come arroz? Essas informações são
necessárias, então responda honestamente.

Deve estar tendo alguma competição de gastronomia. Bom, ele disse que é
uma informação necessária, então devo responder honestamente. Mesmo que
eu ache que a pergunta seja um pouco estranha demais.

— Não tenho preferência. Sou uma viajante, por isso sempre como a comida
dos lugares que visito.

Quer dizer, não posso dizer “Eu só como pão!” em um país onde sempre
comem arroz. E o contrário também. Vou manter uma posição neutra.

— Hmm… Que incomum. — disse o guarda, acariciando sua barba antes de


continuar. — Entendo. Nesse caso, vou colocar que come os dois. — Então deu
um passo para trás e falou: — Por favor, cuide-se, senhorita bruxa.

Depois de me curvar ao guarda, passei pelo portão.

Na mesma hora entendi a razão por trás da estranha pergunta.

Parecia que existiam duas culturas em um mesmo lugar.

Quando saí do portão, vi um grande canal bem na minha frente. Com o canal
como linha divisória, as casas à direita eram todas no estilo oriental, enquanto
as casas à esquerda eram todas no estilo ocidental.

Logo em frente ao portão, existiam duas estradas. A placa à direita dizia:


CIDADE LESTE: COMEDORES DE ARROZ AQUI!, enquanto a outra dizia:
CIDADE OESTE: COMEDORES DE PÃO AQUI!

Parece que o país está dividido em duas facções: arroz e pão.

— Hmm… — Eu travei. Realmente não me importava mesmo quanto a comer


pão ou arroz.

Mas, pensando bem, esta seria minha primeira vez visitando uma cidade ao
estilo oriental. Estou sempre viajando por cidades ao estilo ocidental. Beleza,
já decidi.
Tomei a direita.

A estrada estava revestida por pedras quadradas bem colocadas e dignas casas
de madeira formavam filas ordenadas. Eu podia ver o palácio real à frente,
construído no centro da divisa, assim como o canal.

Mais ou menos na metade da estrada para o palácio, havia uma ponte. Ela não
combinava muito com a paisagem histórica. Pude ver um pequeno barco
passando no meio do círculo formado pela ponte e seu reflexo na água.

— …?

Fiquei um pouco confusa quando vi pessoas estranhas no barco.

Tinha um homem sentado no corrimão tomando café da manhã. Ele estava


vestido com roupas orientais, então, provavelmente, era um residente da
Cidade Leste. Mas quando voltei a olhar, ele definitivamente estava segurando
um pedaço de pão. Uma pessoa do arroz está comendo pão.

Ao lado do homem, uma mulher enchia a boca com um bolinho de arroz, que
parecia muito gostoso. Ela parece ser membro da facção do arroz, mas está
usando um vestido de estilo ocidental.

Fiquei intrigada. A cena era muito estranha.

— Hmm, com licença? — chamei os dois.

Depois de trocar um olhar com a mulher, o homem me respondeu.

— Pois não?

Você está comendo pão, mas está vestindo roupas orientais. Isso é estranho.

Fiz uma pergunta simples e clara:

— Que tipo de país é esse?

— Que tipo de país? Hmm. — O homem cruzou os braços e deixou a resposta


para a mulher ao seu lado. — Como você responderia essa pergunta?

— Um ótimo país.

— Sim! É um ótimo país. Srta. Viajante, você está em um ótimo país.

Não era isso que eu queria como resposta. Quis dizer mais como, bem…
— A paisagem é ótima, mas você é ainda melhor.

— Nããão, você que é.

— Oh-ho-ho!

— Ah-ha-ha…

.​.​.​

Parece que sou um incômodo. Provavelmente deveria sair agora.

Além disso, acho que não vou conseguir a informação que quero com esses
dois pombinhos aí, então não é como se estivesse saindo no meio da nossa
conversa, né?

De qualquer forma, agradeci a eles e saí.

Andei pelas partes oriental e ocidental da cidade, na esperança de encontrar


algumas informações.

Porém, quanto mais andava, mais estranho ficava. Eu não conseguia dizer o
motivo pelo qual tinha tão pouca gente por aí durante a manhã, mas à tarde,
quando as ruas ficavam cheias, apareciam tantas pessoas atravessando a ponte
que parecia que não existia qualquer divisão.

Ainda mais estranho, apesar de suas próprias placas dizendo NÃO VENDEMOS
PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ, as barracas de pão estavam
descaradamente vendendo seus produtos para pessoas vestindo roupas
orientais.

Não eram apenas nas barracas, todas as lojas da cidade pareciam ter um
regulamento em vigor, desde a mercearia até o verdureiro. Todas tinham
placas proibindo o atendimento aos clientes que vinham do lado oposto da
cidade. No entanto, todos ignoravam. As placas não tinham absolutamente
nenhum propósito.

Voltando da Cidade Oeste para a Cidade Leste, abri a cortina de uma loja de
bolinhos.

— Bem-vinda. Como posso ajudá-la?

Sentei em uma cadeira e uma jovem vestida com roupas orientais se agachou
diante de mim. Apontei para a placa do lado de fora que dizia NÃO
VENDEMOS PARA MEMBROS DA FACÇÃO DO PÃO, e disse:
— Eu sou comedora de pão.

— Isso é uma piada? — A garçonete cobriu a boca educadamente com uma das
mãos e soltou uma risadinha.

— Uma piada?

Ela sorriu para mim e disse:

— Ninguém presta atenção a essas decorações!

Claro. Posso ver isso só por observar o estado da cidade. Mas então qual é o
sentido das placas?

— Seu pedido?

— Ah, quero três bolinhos de arroz doce com soja, por favor.

— É para já.

Ainda me sentindo desconfortável, procurei uma pousada no lado ocidental da


cidade.

Têm pousadas no lado oriental também, mas não posso ficar lá. Só consigo
dormir em camas confortáveis. Ou talvez apenas tenha mais dificuldade em me
ajustar a quartos de estilo oriental. Também não sou grande fã de andar
descalço em tapetes de palha.

Andei pela cidade e depois entrei em uma pousada barata. Havia uma placa na
frente que dizia: RECUSAMOS MEMBROS DA FACÇÃO DO ARROZ.

Bem, vamos ignorar essa placa.

— Noite. — Quando entrei, o dono da pousada, que parecia indiferente, estava


apoiando o queixo nas mãos sobre o balcão.

— Uma noite de estadia, por favor — disse, pegando uma moeda de prata.
— Obrigado. Agora preencha o formulário.

— Pode deixar.

Já estava acostumada com esses formulários. Terminei de preenchê-lo com


uma série de traços rápidos de caneta. Ao entregar o formulário preenchido ao
homem, perguntei:

— Se não se importa, posso pedir que me fale um pouco sobre este país?

— Nunca te vi por aqui antes, senhorita… Você é uma viajante?

— Sim. E esta terra é tão estranha que mal consigo pensar direito.

O estalajadeiro ficou quieto por um momento, então disse:

— O que você quer saber?

Oh, ele entendeu. Como seria de esperar de uma pessoa que regularmente faz
negócios com viajantes.

— Tudo bem, diga-me por que a Cidade Oeste e a Cidade Leste são tão
diferentes uma da outra.

O homem finalmente me deu a informação que eu procurava.

— Antigamente, esta terra era composta por dois países vizinhos que se
estendiam pelo canal. O país do lado leste herdou uma cultura oriental, e o
país do lado oeste, uma cultura ocidental. Cada um tinha seu próprio rei. Os
dois reis se davam bem e o relacionamento entre os dois países era ótimo,
bem, não era tão diferente de como é agora.

— Uhum. — Simples o suficiente.

— Um dia, os dois começaram a conversar. Disseram: “Por que não


transformar os dois países em um?” Ninguém reclamava disso, já que Oeste e
Leste queriam a mesma coisa. Na verdade, parecia que a decisão estava até
atrasada.

— Foi então que as pontes entre as duas cidades foram construídas?

O estalajadeiro assentiu.

— Sim. Os reis construíram para comemorar a fusão.


— Entendi. — Deve ser por isso que elas são tão novas e estranhas.

— Um pouco depois, os dois reis tiveram um filho cada. O rei do lado ocidental
teve uma filha e o rei do lado oriental teve um filho. Os filhos se davam tão
bem quanto seus pais e acabaram se casando. Construíram um palácio bem no
canal, exatamente no meio do país unido, e começaram a morar lá. Agora os
dois se tornaram um símbolo de nossa terra. E isso é tudo que sei — disse o
homem, colocando a chave do meu quarto no balcão.

Peguei e disse:

— Muito obrigada. A propósito, senhor, posso perguntar mais uma coisa?

— O que seria?

Contei a ele sobre a estranha pergunta que me fizeram quando entrei no país,
e sobre as placas estranhas no portão e na frente das lojas, e sobre o casal que
encontrei na ponte.

— No início, pensei que o país estava dividido internamente, mas olhando por
aí, parece que as pessoas não prestam atenção nenhuma às placas. Cruzam as
pontes e se misturam. Então, de que adianta ter essas placas?

O homem ouviu em silêncio enquanto eu falava e acenou com a cabeça quando


terminei.

— Hmm. Essas placas são uma preparação para uma grande competição.

Ele disse isso com tanta naturalidade que me perguntei se tinha ouvido errado.

— Grande competição? O que isso deveria significar?

— Ouvi dizer que querem unificar o país sob a cultura oriental ou ocidental.
Bem, é por isso que os guardas do portão estão fazendo perguntas estranhas, e
é a razão por trás das placas.

Talvez depois que este país foi fundido pelos reis da geração anterior, tenha
aparecido um movimento para separá-los de novo.

Mas por quê?

— Aqueles dois não sabem o significado da palavra compromisso — disse o


homem com uma risada.

A propósito, depois de tudo isso, ele me cobrou uma “taxa de informação”.


Depois de passar vários dias lá, comecei a me preparar para partir novamente.
Essa mistura de culturas ocidental e oriental era, sem dúvidas, fascinante,
mas, se posso ser franca, era a única coisa que havia de bom.

Senti que já tinha visto o suficiente.

No final das contas, estava saindo sem entender uma parte essencial do lugar,
mas tudo bem… né? Não me importei o suficiente para realmente procurar
respostas. Mesmo que pudesse ouvir se alguém se importasse em explicar por
que as placas estavam por aí.

Bem, está tudo bem. Tentando me convencer de que não me importava, passei
pelo portão…

— Ah, espere um minuto, por favor, Senhorita Bruxa.

E fui parada… O guarda estava segurando sua lança na frente dele,


bloqueando meu caminho.

— Hmm, por que disso…? — Tenho certeza de que havia algo de estranho.

— Se você puder, poderia nos dar um pouco mais do seu tempo?

— …? E por que eu faria isso?

Dependendo do tempo, da situação e do motivo, não me opus a ouvir o que ele


tinha a dizer. Se for algo bobo, vou dizer não e ir embora.

— Você foi convocada pelo lorde e pela lady.

— Mas o quê…?

Bem, parece que a razão não é boba.

Andamos pelo canal, onde fui levada ao castelo entre as duas culturas. Eles me
conduziram pelo interior do palácio, uma mistura de estilos oriental e
ocidental, e finalmente chegamos a um enorme salão de recepção.

O salão parecia uma sala de estilo ocidental e uma sala de estilo oriental, que
foi dividida em duas, e depois colada.
Não combina nadica de nada…

Ouvi alguém fechando a porta atrás de mim quando entrei e pude ver dois
tronos um pouco mais à frente. O homem e a mulher sentados ali pareciam
estar no meio de uma discussão. Não pareciam ter me notado.

— Estou te dizendo, a competição deve ser um jogo de shogi! Não tem outro
jeito!

— Isso é porque você é melhor no shogi! Quantas vezes tenho que dizer que
devemos jogar xadrez!

— E quantas vezes eu tenho que te dizer, você é melhor no xadrez!

— Grrr…

— Rrrr…

A atmosfera parecia poder resultar em violência a qualquer minuto, enquanto


os dois se encaravam de seus tronos. Limpei a garganta para que notassem a
minha presença. Não é a coisa mais educada a se fazer na presença da realeza,
mas foi eficaz para fazer com que me notassem.

— Hã? Você deve ser…

— A viajante, não é? Ora, ora…

Eu me curvei.

— Disseram que Vossas Altezas tinham alguns negócios comigo, então vim
assim que fui chamada. Como posso ser útil?

— Hmm. A verdade é…

O rei abriu a boca para falar, mas a rainha o interrompeu.

— Vou contar para a bruxa, você fica quieto.

— O que…? Eu vou explicar…

— Não, eu vou.

Alguém vai me contar o que está acontecendo? Não me importo com quem
seja… Olá…?
Eventualmente, depois de discutirem, o rei assumiu a liderança e me contou
tudo.

— O fato é: esta terra está à beira de uma guerra. Como você pode ver, esta
mulher e eu não estamos nos dando bem. Combinamos de acertar as coisas
com uma disputa, mas agora não podemos decidir como será. Ouvi dizer que
você é neutra, não associada a nenhuma facção, então queremos que decida
como devemos proceder.

— Vocês não podem decidir como fazer a competição…? — Não, antes


disso… — Em primeiro lugar, poderia começar me contando por que quer
realizar esta competição?

O rei ergueu a voz:

— Porque ela insultou o povo do lado ocidental! Ela disse: “Pessoas que não
comem arroz no café da manhã não são humanas”!

Sem demora, a rainha o interrompeu com uma objeção:

— Não, é porque você disse: “Pessoas que não comem pão no café da manhã
são mais baixas do que cachorros”!

— Tá bom, chega. Vocês dois, fiquem quietos por um momento, por favor.

—…

Isso estava ficando desgastante, então calei a boca deles e assumi o controle
da situação. Voltei a conversa para o rei.

— Alteza, quando entrei neste país, a primeira coisa que vi foi uma placa
estranha. Era uma placa desconcertante, destinada a dividir a facção do arroz
e a facção do pão, mas me diga, qual é a serventia exata daquilo?

— Isso torna mais fácil ver qual lado tem mais pessoas.

— Nós as colocamos em prática para que pudéssemos saber qual era mais
influente.

Por que a rainha está respondendo também? Bem, tanto faz. Chamar a atenção
dela seria muito problemático.

— E qual foi o resultado? — perguntei.

O rei respondeu:
— Tem mais pessoas no lado ocidental.

— Tem mais pessoas com influência no lado oriental. — A rainha acrescentou.

— É por isso que eu disse que deveríamos decidir com base no maior número
de pessoas.

— Não. Devemos decidir um vencedor com base na influência financeira. É


claro.

— Você não entende nada e nunca entendeu.

— Eu poderia dizer o mesmo sobre você.

—…

—…

Enquanto os dois se encaravam de novo, de repente me lembrei de algo. Sobre


o que estavam gritando quando cheguei? Era xadrez e shogi, não era?

Se a discussão é sobre decidir por meio da regra da maioria ou por meio de


poder financeiro, então por que estavam falando sobre jogos de tabuleiro?

Sem nem mesmo esperar minha resposta, os dois retomaram obstinadamente a


discussão.

— Por causa disso, não podemos decidir. Nesse caso, quero escolher o método
para determinar a competição com um jogo de xadrez.

— Não. Shogi.

—…

— Você não entende. Se jogarmos shogi, você será beneficiada!

— Você não entende, você sempre ganha no xadrez!

—…

Senti como se só estivesse bisbilhotando. Para ter certeza, perguntei ao rei e à


rainha:

— A propósito, quando essa briga começou?


Os dois se viraram para mim e responderam simultaneamente:

— Dois anos atrás.

— Ah, entendo. Bem, então acho que deveriam deixar pra lá, não vão resolver
isso nunca — falei, e deixei o palácio. Os dois continuaram gritando e não
tentaram me impedir.

Agora eu entendia porque os residentes de cada cidade ignoravam totalmente


as placas. Passaram-se dois anos desde que o rei e a rainha disseram que iriam
realizar uma competição e unificar o país sob uma cultura ou outra. O tempo
passou e nada aconteceu, e nenhum dos cidadãos parecia se importar com o
monte de placas colocadas por causa de uma discussão.

As placas já haviam se tornado nada mais do que decorações.

Olhando de outra forma, era um sinal de que a autoridade da coroa havia


perdido o sentido. No momento, ninguém do país estava prestando atenção ao
que a realeza dizia.

— Ah, Madame Bruxa. Gostou do nosso país?

O guarda saiu para me cumprimentar quando voltei para o portão do palácio.


Passei direto por ele e só me virei depois de colocar os pés no mundo exterior.

Olhando para a curiosa colisão de culturas, falei:

— É um lugar agradável e tranquilo. — Embora eu não possa falar sobre seu


futuro.

Talvez o rei e a rainha perceberiam que estavam perdendo tempo e voltariam


sua atenção para o governo. Talvez continuassem essa discussão e o país todo
ficaria cada vez mais estranho. Ou talvez tudo continuasse como estava.

O que quer que acontecesse, não era da minha conta.

— Isso mesmo. É um lugar legal, não é?


O guarda do portão assentiu com satisfação.
Majo no Tabitabi 8
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Capítulo 08 – Na Estrada: O Conto de Dois


Homens que Brigaram por Uma Garota

A chuva fez a fragrância de flores flutuar pela floresta. A grama e as árvores


cintilavam à luz do sol que se filtrava pela cobertura verde. Uma linda garota
passou voando em sua vassoura, indo até seu destino.

Em seu peito estava um broche em formato de estrela. Do chapéu pontudo,


que segurava com uma das mãos enquanto voava, até o robe preto que cobria
seu corpo, parecia uma bruxa. Quem poderia ser?

Isso mesmo. Euzinha.

Eu estava voando na minha vassoura, rumo ao país mais próximo daquele que
saí há alguns dias – aquele dividido entre as culturas oriental e ocidental. Pelo
que tinha ouvido, o país à frente era muito, muito simples. Apenas um lugar
comum, cheio de pessoas ligeiramente mais musculosas do que a média.
Agora, o que há de normal nisso, já não sei.

Bem, se eles são parecidos com um certo indivíduo que conheci, cujos
músculos substituíram seu cérebro, suponho que sejam felizes, mas…
Provavelmente ficarei apenas um dia e depois irei embora.

Esses pensamentos vagaram pela minha mente enquanto eu olhava para a


paisagem passando sem parar.

Para ser sincera, eu não tinha nada para fazer. É por isso que meus ouvidos se
animaram quando ouvi um ruído distante na floresta silenciosa.

— Certo, vamos repassar as regras mais uma vez. Nós dois vamos dar uma
volta na estrada da floresta, e a primeira pessoa a voltar a este lugar será o
namorado dela. Entendido?

— S-sim. Sem problemas para mim.

— Sem trapaça, certo…?

— N-naturalmente. E-eu nunca faria algo assim.

— Imagino…
Um homem tinha uma voz animada e enérgica, enquanto a do outro parecia
pesada e abafada. Parece que eles vão apostar uma corrida. Isso pode ser
interessante, pensei, quando ouvi outra voz.

— Hã? Quer dizer que tenho que esperar aqui sozinha? Isso é chaaaaaaato!

A voz doce e manhosa de uma jovem ecoou claramente pelo ar, me pegando de
surpresa. Meu foco mudou de meus próprios pensamentos de volta para o
mundo exterior, e fiquei surpresa de novo quando me vi fazendo contato visual
com ela.

— Parece que hoje é meu dia de sorte — murmurou a linda garota de cabelo
preto.

Ugh…

Parecia errado voar depois de fazer contato visual, então pousei. Infelizmente,
esse foi meu primeiro erro. Quando cheguei mais perto da garota de cabelo
preto, ela me agarrou e me puxou para baixo.

— Kyah! Tão bonitinha! Eh, esse broche é algo que só as bruxas podem usar,
não é? Uau! Isso significa que você é uma bruxa, né?

— Hmm, sim.

— Que incrível! Você é tão fofa, mas também é uma bruxa?! Isso é tão legal!

— Uh, obrigada…

— Então você pode fazer magia, não é? Quero dizer, você estava voando em
uma vassoura! Uau!

— Claro, sim…

— A propósito, você tem um momento, tipo, agora?

— Não, hmm…
— Yippee! Agora eu tenho alguém com quem esperar!

— Hmm… — Só um segundo! Escute o que estou dizendo!

A garota praticamente me arrastou até onde os dois caras estavam parados, o


tempo todo me chamando de “fofa” e me circulando sem parar. Os dois caras
me olharam de cima a baixo.

— Você vai esperar com uma bruxa, hein? Bem, acho que não teremos que nos
preocupar se você for atacada por um urso ou algo do tipo. Bom, muito bom —
disse o homem bonito.

— S-sim. É um alívio. Nossa — disse o homem gordo, respirando pesado.

Sussurrei para a garota ao meu lado:

— O que está acontecendo aqui?

— Como assim? — perguntou ela, confusa. — Foi mal, ainda não expliquei,
expliquei? Esses dois estão brigando por mim.

Não, não é isso. Pude ouvir quando estava chegando. Não é isso que estou
perguntando.

— Esses dois estão brigando por você, não é? — falei baixinho para que os dois
homens não pudessem me ouvir.

— Sim…? — Eu podia ouvir a pergunta silenciosa em seu tom: Isso é estranho?

Sentindo um turbilhão repentino e muito complicado de emoções, dei uma


segunda olhada nos dois homens. O homem formoso deu um largo sorriso, tão
brilhante que até seus dentes brilharam. E ao lado deste homem imaculado, o
gordo estava encharcado de suor. Ele parecia fedorento. Um verdadeiro
trabalhador.

Apesar do abismo enorme entre suas aparências externas, a garota os fazia


competir entre si. Ela é uma idiota? Não tenho certeza do que ela está
pensando. Mas talvez o homem gordo tenha algum tipo de talento oculto. Ou
será que o eloquente tem uma personalidade muito ruim?

Infelizmente, meu interesse foi despertado.


— Entendo, entendo. Pois bem, assumirei a responsabilidade de protegê-la.

O que quer que estivesse acontecendo, passei a fazer parte.

— Pronto, vai!

Quando bati palmas, os dois saíram correndo ao mesmo tempo.

— Raaah! O coração dela é meu! — O Senhor Perfeito começou com


entusiasmo.

— Ngh, ufa… hah, hah. — O Senhor Gordinho ficou exausto no momento em


que começaram a correr.

Hã? Que estranho. Eu esperava que o Senhor Gordinho já fosse libertar seu
incrível poder oculto.

Depois que os dois desapareceram de vista, me virei para questionar a garota.

— Por que você os está fazendo competir?

— Hmm? — Ela falou enquanto tomava um gole de água, despreocupada. E


apontou para a garrafa de água. — Quem você acha que pegou essa água para
mim?

— Você mesma?

Ela balançou a cabeça.

— O Gorducho comprou para mim. Ele não cuida da aparência, mas vive atento
às pequenas coisas, sabe.

— Gorducho? — Ela deve estar se referindo ao Senhor Gordinho. Esse é um


apelido muito… direto. Mas não está errado.

— A propósito, tem para você também.

— Por que tem para mim…? — Fiquei confusa. Mas eu só estava de passagem.

— Ele me entregou um pouco antes do início da corrida. Parece que trouxe


uma de reserva, então vou dar para você. — Ela empurrou a garrafa em
minhas mãos.

Não estou com muita sede, mas vou aceitar mesmo assim. A água dentro da
garrafa cintilava, refletindo a luz do sol. Mas agora eu entendo. Ele realmente
é atento. Quem pensaria que teria uma garrafa de água até para mim?

— Então você ficou encantada com o coração e a alma do cara gordo, e a


aparência e maneiras do cara elegante, é isso? Que belo problema para se
ter. — Mas não estou com ciúme.

A garota riu secamente.

— Eu realmente não gosto do Gorducho, sabe? — Ela logo descartou minhas


suposições.

Ahn…?

— Do que está falando?

Eu tinha certeza que ela estava colocando eles um contra o outro porque não
conseguia se decidir.

— Fwah. — A garota terminou de beber toda a água da garrafa e me respondeu


alegremente: — Só passei algum tempo com o Gorducho porque não tinha
nada melhor para fazer.

—…

— Mas ele é inútil. Ele achou que essa garrafinha de água seria o suficiente?
Ainda estou com sede. — Ela jogou a garrafa vazia na floresta.

Claro, em meus pensamentos não fui muito gentil com o gordinho e não estava
orgulhosa disso, mas naquele exato momento, um único desejo encheu meu
coração. Enviei um apelo ao universo:

Deixe esta mulher receber o castigo divino.

E cara, deu certo.

Aconteceu vários minutos depois que a garota jogou a garrafa vazia na


floresta. Percebi que ela bocejou dramaticamente de repente e continuou se
inclinando, até cair para trás com um baque surdo.

Felizmente, a vegetação rasteira era uma boa almofada, então ela não bateu a
cabeça com muita força.

A repreendi por dentro, e então comecei a entrar em pânico e me perguntar se


ela estava morta por ter caído tão de repente. Mas quando cheguei mais perto,
pude ouvir um som distinto de ronco.

E foi assim que me encontrei relaxando com a cabeça de uma garota no meu
colo à sombra das árvores.

— Wheeh… músculos, tantos músculos…

A atitude dessa garota é horrível, e a maneira como ela dorme é igualmente


horrível. Que visões do inferno ela deve ter para não ter nada além de
músculos?

Perdi vários minutos olhando para seu rosto coberto de baba e ouvindo sua
terrível conversa durante o sono. Então, uma única silhueta apareceu à
distância. Quem será? Bem, não tem necessidade de se perguntar, o primeiro a
retornar obviamente será…

— Ah… — Pisquei algumas vezes e olhei de novo para a silhueta correndo em


minha direção. Mas não importava quantas vezes eu verificava, a pessoa que
se aproximava de nós era ele.

Era o Senhor Gordinho.

Era o Gorducho.

Como…?

Bufando, coberto de suor e gordura, ele finalmente nos alcançou com um


sorriso triunfante.

— Heh, hah… eu consegui, eu ganhei… heh…

Ah, fui idiota por ter sentido simpatia. Quando ele olhou em volta e confirmou
que o Senhor Perfeito ainda não havia retornado, sua expressão foi
extremamente revoltante.

A frase “fisicamente impossível” passou pela minha cabeça. Sim, isso


é fisicamente impossível.
Mas onde estava o Senhor Perfeito? Meu olhar seguiu o rastro de suor do
Senhor Gordinho e me levou à resposta quando vi uma silhueta se
aproximando com tremenda velocidade.

— É o Senhor Perfeito.

Quando ele viu o Senhor Gordinho zombando, o Senhor Perfeito começou a


chorar. Se tivesse apenas ele, ou se tivesse uma linda garota esperando por ele
no destino, a cena de um homem de terno correndo em lágrimas poderia ter
sido uma bela cena, mas como a pessoa à sua frente era um homem gordo, a
cena foi extremamente surreal.

O homem alcançou a linha de chegada e imediatamente começou a lamentar.

— Droga… Por quê, por quê…?! Por que tirei um cochilo no meio da corrida?!

Um cochilo? Você é idiota?

O conto de fadas da tartaruga e da lebre passou subitamente pela minha


cabeça. Pelo que me lembro, a história acabou com a lebre descuidada que
tirou um cochilo e a tartaruga que continuou dando tudo e venceu no final. Era
uma história emocionante que deixava o leitor frustrado e xingando a lebre.

Isso era uma repetição daquela fábula?

— Você não foi descuidado?

Enxugando o brilho de suor e lágrimas que cobriam seu rosto, o Senhor


Perfeito respondeu:

— Não… Eu fiquei com sono no meio da corrida e desmaiei, e quando acordei,


estava deitado. — Ele deu de ombros.

Hmm. Isso é o que eu acho que é? Me perguntei.

O Senhor Perfeito devia ter pensado a mesma coisa. Ele balançou um dedo
para apontar para o Senhor Gordinho e gritou:

— Você colocou drogas naquela água para me deixar com sono, não foi?!

Sim, é isso. Na verdade, tinha mais uma pessoa que bebeu a água que ele
forneceu e estava dormindo profundamente no meu colo.

O Senhor Gordinho deu de ombros para o Senhor Perfeito em uma dramática


demonstração de desprezo.
— Heh, hah… Você tem alguma prova? — Por alguma razão, foi incrivelmente
irritante para mim, ele de repente decidiu ficar tagarela depois que a corrida
acabou.

Mas parece que ele cavou sua própria cova. Tomando cuidado para não
acordá-la, retirei a cabeça da garota adormecida do meu colo e me levantei.

— Se você quer uma prova, aqui… — Assim que as palavras deixaram minha
boca e empurrei a garrafa para ele, percebi que já estava vazia. Claro, não
tinha nenhuma prova lá.

Tive um mau pressentimento sobre isso, então tinha jogado a água fora.

Que erro.

Enquanto eu estava lá, sem jeito, o humor do Senhor Gordinho pareceu


melhorar ainda mais.

— Viu?! Você não tem nenhuma prova! Tudo bem, ela é minha! Hee-hee!

— Ugh…

— Ugh…

Infelizmente, não tinha como provar que ele fez algo errado… Espere, não. Não
tinha mais uma coisa?

Larguei a garrafa e peguei a garota adormecida.

— Espere um minuto. Aqui a prova.

— Hee… Seja sensata. Ela certamente ficou cansada e acabou tirando um


cochilo.

— Não, ela dormiu depois de beber a água que você trouxe.

— Onde está a sua prova? Isso é tudo que tem a dizer? Estou esperando.

—…

Aah, ele me deixa irritada…!

Bem, a garota não era uma boa pessoa, com certeza, mas ele conseguiu
superá-la. Ele era genuinamente mau. Eu deveria explodi-lo com magia.
Ah, sei exatamente o que fazer…

Eu podia ter perdido a calma, mas o Senhor Gordinho era irritante e, além
disso, ele que tinha começado.

Fiquei furiosa.

Peguei minha varinha…

— Espere aí.

Uma voz soou – uma que eu podia ou não ter ouvido antes.

Quando olhei para cima, o gigante do outro dia estava parado ali, imponente.
Flanqueando-o estavam dois homens idênticos que diferiam apenas na cor de
suas roupas.

Eh? O que temos aqui?

Desta vez (e apenas desta vez) realmente senti como se fossem meus
salvadores.

— Olá mais uma vez. — Curvei-me rapidamente para os três que apareceram, e
o grandalhão flexionou os músculos faciais… Quero dizer, ele sorriu.

— Já faz um tempo, Madame Bruxa.

— De fato, sim, Musculoso.

Era o homem incrivelmente musculoso que conheci vários dias antes. Eu não
sabia seu nome verdadeiro, mas não acho que ele realmente se importasse. Era
uma pessoa estranha cujo coração saltava de excitação ao som da própria
palavra músculo.

Ele estufou o peito.

— Mm, isso mesmo. Eu sou um homem musculoso.


Parece que o crânio dele também está cheio de músculos.

— É bom ver vocês dois de novo também. — Fiz uma reverência para os dois
homens em pé de cada lado do Musculoso.

— Bom te ver.

— É, olá de novo.

Parecia que os dois haviam ganho mais massa muscular. Eles tentaram me
enganar, mas ao ver seus novos físicos vigorosos, senti um pouco de pena.

— Irmão, sua pele não está um pouco bronzeada?

— Digo o mesmo para você.

— Ha-ha-ha.

— Ha-ha-ha.

Eh, parem já…

Eles pareciam estar vivendo uma vida de treinos. Ignorei os dois enquanto eles
começavam uma conversa trivial e calmamente expliquei os detalhes da
situação para o Musculoso.

Musculoso ficou lívido.

— Oh-ho, então o gordo fedorento é o culpado, não é? Hmm?

— D-de jeito nenhum! Eu n-n-não fiz nada! Ganhei de forma justa!

— Não minta. — O Musculoso o agarrou pelo colarinho.

— Reeee! — O Senhor Gordinho soltou um gemido que mais parecia um grito.


— E-eu não estou mentindo!

— Bem, suponho que terei que questioná-lo até acreditar na sua história.

— P-pare com isso. Você está sendo injusto. Você só pensa que um cara feio
como eu não consegue arrumar uma namorada, e está rindo de mim na sua
cabeça! Mas lutei muito e venci. Essa é a verdade! Por que você não pode
simplesmente acreditar em mim?! — Partículas de saliva voaram de sua boca
enquanto ele falava.
Isso pareceu perturbar o Musculoso ainda mais e, acredite em mim, eu
percebi.

Nesse ritmo, o covarde Senhor Gordinho estaria pedindo por uma execução
pública.

Por mim tudo bem.

— Hmm… — Eu estava assistindo distraidamente enquanto o Musculoso


pegava o Senhor Gordinho no ar quando ouvi uma voz atrás de mim. Talvez
fosse porque o cara nojento estava fazendo barulho, ou talvez porque ela
finalmente tivesse dormido o suficiente, mas a garota abriu os olhos no
momento perfeito.

— Você é tão barulhento… — Arrumando o cabelo preto levemente


despenteado, ela se endireitou vagarosamente, examinou os arredores e
perguntou: — Ah, quem ganhou?

Houve um breve silêncio. Eventualmente, contei o resultado.

— Ah sim. O Gorducho venceu.

A resposta da garota foi simples. Depois de olhar para o céu por um momento,
ela respondeu despreocupadamente:

— Ah, tudo bem. Não vou sair com ele mesmo. — Franca e impiedosa.

Tudo congelou. O Gorducho congelou e tombou como um peixe morto; o


Senhor Perfeito ficou todo confuso; os dois irmãos estavam, como sempre,
dando um discurso animado sobre exercícios; e apenas um dos homens
respondeu.

Era o Musculoso.

— O que está fazendo aqui?

Hein…?

— Ah, irmãozão. O que te traz aqui?

Irmãozão…?

— Você não foi sequestrada por um grupo de homens musculosos?

— Ah, eram meus namorados. Eu estava namorando todos eles ao mesmo


tempo.

O que você quer dizer com namorados, no plural?

— Entendi. E agora?

— Eu estava procurando um novo namorado.

— Você encontrou?

— Sem sorte. Os músculos deles são todos fracos — disse ela, olhando para o
Senhor Perfeito.

Eu coloquei a mão no ombro do Senhor Perfeito. Seu rosto estava sem cor e ele
ainda chorava.

— Hmm, esta é a irmãzinha de quem você me falou? — perguntei, só para ter


certeza.

O Musculoso assentiu.

— Sim, é ela.

—…

Mas que diabos?

Tendo encontrado sua irmãzinha, finalmente, o Musculoso voltou para sua


cidade natal com sua irmã e seu novo namorado, onde todos viveram felizes
para sempre.

Hã? Quem era seu novo namorado, você pergunta? Ora, era o Senhor Perfeito.

— E-espere, por favor! Tenho trabalhado muito para obter a aprovação do seu
irmão, então você não pode me deixar ir com você? — Enxugando as lágrimas
enquanto ele avançava, sua figura galante era um espetáculo. Não importa o
que ele fizesse, era perfeito.
Os irmãos musculosos se entreolharam.

— Hmm, então você quer fortalecer os seus músculos. Entendo. — Musculoso


acenou com a cabeça em compreensão, então bocejou desinteressadamente e
deixou sua irmã tomar a decisão final.

O que ele vê nessa garota? Bem, dizem que o amor é cego, então tenho certeza
que ele vai abrir os olhos e seu coração vai se acalmar. Embora quando isso
acontecer, provavelmente estará completamente musculoso.

Acenei enquanto os três iam embora, então ouvi um gemido estranho atrás de
mim. Ah, eu esqueci do outro cara.

Quando me virei, o Senhor Gordinho estava rolando desajeitadamente no chão.

Ele não me inspira exatamente a consolá-lo, então vamos deixá-lo aí.

— Ei, irmãozão, o que você acha daquele porco?

— Não tem músculos suficientes, ei… Ah, ei, espere um minuto. Nosso mentor
muscular não está aqui.

— Você está certo. Ele não está aqui, está?

— Não me diga que ele nos deixou aqui?

— O que nós faremos?

— Ahhh!

Os dois irmãos mágicos finalmente terminaram sua discussão de treino. Eles


olharam em volta, confusos com o que havia acontecido, então eu
generosamente expliquei para eles. Blá, blá, blá, blá.

— O quê?! Nesse caso, nosso mentor muscular já completou sua jornada.

— O que isso significa para nós? Esta é uma situação realmente grave.

— Bem, é isso — falei. — Milagrosamente, ele alcançou seu objetivo final.


— Tenho certeza de que aqueles três vão voltar para sua cidade natal e viver
uma vida musculosa. Mas isso não é da minha conta, certo? — Agora que
foram liberados da tutela do Musculoso, vocês dois vão retornar em uma turnê
como mágicos?

Os dois pareceram confusos com a sugestão.


— Mágicos?

— Mágicos?

Não me diga.

— Quando eu conheci vocês dois, vocês eram mágicos, não eram? Esqueceram
de como costumavam enganar as pessoas para tirar o dinheiro delas?

— Ah…

— Ah…

— Isso mesmo… Éramos mágicos…

— Gah… eu tinha esquecido porque nossas vidas giraram em torno de malhar


por tanto tempo…

Os músculos são uma força a ser reconhecida. Bem, os dois já passaram por
muita coisa.

Eles se lembraram de quem costumavam ser, e o trio continuou como uma


trupe de ilusionistas viajantes. E todos eles viveram felizes para sempre.

—…

Isso mesmo. Como você deve ter adivinhado, o terceiro homem era o Senhor
Gordinho.

— Por que você não vem conosco?

— Isso, você está na mesma sintonia que nós. Você definitivamente será um
bom mágico.

Os dois colocaram a mão nos ombros caídos do Senhor Gordinho e fizeram a


sugestão com muito cuidado. Por sua vez, o Senhor Gordinho apenas gemia,
coberto de ranho e sem a menor ideia do que estava acontecendo. Que feio.

Mas os dois irmãos pareciam entender.

— Ah, está tudo bem. Não se preocupe. Ensinaremos tudo o que você precisa
saber.

— No momento em que te vi, percebi que você tinha um dom natural. Venha
conosco.
Finalmente, o Senhor Gordinho assentiu rigidamente.

E assim, o trio de mágicos iniciou sua jornada. Chamando-se Irmãos e o Barril,


só para evitar o problema de combinar seus nomes, aqueles homens logo
construíram uma guilda de circo que circundaria o globo.

Ou talvez não. Não sei o que aconteceu de verdade.

Afinal, essa história não era da minha conta.


Majo no Tabitabi 9
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Capítulo 09 – Bruxa Noviça Elaina


Minha história pessoal começou com uma conversa, e acho que até lembro
como foi.

— Parabéns por passar no exame de habilidades práticas, Elaina.

— Você se tornou a mais jovem bruxa noviça de todos os tempos. Isso é


incrível! Estamos orgulhosos de você! — Quando voltei para casa com um
broche de corsage no peito, os dois ficaram visivelmente felizes por mim. Mas,
ainda agora, lembro que meu estado de espírito estava estranho naquela
época.

Provavelmente suspirei bem fundo e disse algo como: “Mas não me sinto muito
realizada.” Não estava escondendo meu constrangimento, acho; tenho certeza
de que era assim que realmente me sentia. Não me sentia como uma
vencedora – a coisa talvez nem parecesse real.

Resumindo, não estava lá muito feliz.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou meu pai.

— Todas as outras eram fracas demais — respondi. — Então foi meio que
decepcionante. Agora, suponho que virar uma bruxa vai ser só questão de
tempo.

— Ah…

— Ora, ora…

Acho que não sabiam nem o que dizer.

Tenho certeza de que foi com aquela conversa que tudo começou, e o que
aconteceu depois foi, pelo menos em parte, culpa do meu próprio orgulho e
arrogância. Essas duas coisas me levariam a algumas situações complicadas.

Mas, depois de tanto tempo, essas coisas não passavam de memórias.


Isso aconteceu há cerca de quatro anos.

Eu ainda tinha quatorze anos de idade e não usava meu chapéu pontudo nem
meu robe preto de agora. Naqueles tempos, costumava usar uma blusa branca
com uma saia preta.

Depois de passar no exame prático de magia na minha primeira tentativa,


decidi que começaria a estudar na mesma hora e virar uma bruxa de verdade.
Porém, por vários motivos, não poderia pedir ajuda para nenhuma das bruxas
que viviam em minha terra natal, no País Pacífico de Robetta. Bem, para ser
mais específica, até pedi ajuda, mas todas negaram.

Então decidi usar um truque secreto… Bem, tudo que fiz foi ouvir as fofocas. E,
de acordo com os rumores…

— Ouvi dizer que há uma mulher misteriosa chamada Bruxa do Pó Estelar


morando na floresta perto de Robetta.

Assim que ouvi isso, decolei na minha vassoura. Se ela não for de Robetta,
então talvez me aceite como sua aluna, pensei.

De acordo com os rumores, a Bruxa do Pó Estelar vivia nas profundezas da


floresta; era uma andarilha que se instalou por conta própria em uma casa
abandonada acima das árvores. Eu só acreditava um pouquinho na sua
existência, e foi por isso que fiquei bastante surpresa quando encontrei uma
bruxa de verdade na floresta.

— Oh-ho-ho… ah-ha-ha…

—…

Seu cabelo era tão preto quanto o escuro da meia-noite, usava um robe preto e
um chapéu pontudo, que combinavam muito bem, e usava um broche em forma
de estrela no peito. Eu poderia dizer, só pelas roupas dela, que a mulher
vivendo isolada na casa na árvore da floresta era uma bruxa, mas não
conseguia imaginar a sua idade.

E ela estava brincando com as borboletas que voavam sobre a grama.


Pensei seriamente em voltar para trás, mas de todas as bruxas que poderia
procurar, a pessoa estranha diante de mim era a única que restava.

Finalmente, após pensar bastante, a chamei.

— Um…, com licença?

Ela me notou e inclinou a cabeça para o lado, ainda sorrindo.

— Oh-ho-ho… Hein? O que é isso? Será que você seria… a Elaina?

Fiquei surpresa. Nunca tínhamos nos encontrado; como ela sabia o meu nome?

— Você sabe sobre mim?

Considerando com quem estava falando, eu já imaginava qual seria a resposta


e, infelizmente, meu palpite estava correto.

— Sim, você é bastante famosa. Você é a pirralha atrevida que superou a


competição e passou no exame prático de magia mesmo tendo só quatorze
anos, não é?

—…

— Claro, na minha opinião isso não é grande coisa. Sinto muito se te magoei.

— Não, já me acostumei…

Como o exame era muito rígido e só permitia que uma pessoa passasse de cada
vez, como a pessoa mais jovem a ser aprovada, recebi muita atenção – atenção
negativa.

Depois de dar um jeito em um monte de magas mais velhas que eu, sem nem
suar, não consegui me dar muito bem com as bruxas que viviam na minha terra
natal. Depois que todas recusaram meus pedidos de aprendizado, tive que
fazer isso: depositar minhas esperanças em uma bruxa misteriosa que vivia na
floresta.

Mas se os boatos já chegaram tão longe, ela de forma alguma me aceitaria. Já


estava até começando a desistir.

— Bem, e então, o que você quer?

— Nada… — Comecei a dar meia volta. Eu já tinha certeza de que seria


impossível.
Mas ela me disse:

— Será que veio até aqui para pedir um pouco de aprendizado? Se for isso,
então não me importo. Estou com bastante tempo livre.

— Ah. — Fiquei chocada… tanto que nem consegui entender o que ela disse.

— Ficou surpresa? Ah, você tinha vindo pedir outra coisa?

— Não, definitivamente queria pedir para virar sua aprendiz, mas…

— Ora, ora. Então tá bom. A partir de hoje, você é minha aprendiz.

— Ah, mas… um, hein? — Meu cérebro ainda não estava conseguindo
acompanhar esse desenvolvimento inesperado. Eu esperava que, se ela
soubesse sobre mim, me recusaria, assim como as bruxas de Robetta.

— Você parece estar sentindo algo complicado quanto a isso. Sei no que está
pensando, mas pode relaxar. Não sou como aquelas bruxas fraquinhas da sua
cidade. Não me importo se minha aprendiz for uma pirralha atrevida ou não. —
disse ela decisivamente.

Mesmo agora, ainda lembro como suas palavras tocaram meu


coração. Ah, finalmente consegui encontrar alguém que pode me reconhecer
por minhas verdadeiras habilidades, pensei.

— Bem? Você vai virar minha aprendiz? Ou vai rastejar de volta para aquelas
bruxas fracas?

Me curvei para ela.

— Não voltarei para casa… Por favor, faça-me sua aprendiz.

E foi assim que conheci a Bruxa do Pó Estelar – minha professora, Senhorita


Fran.

Vários dias se passaram desde que comecei meu treinamento.

O treinamento normal de uma bruxa noviça envolve aprender feitiços com sua
professora e fortalecer suas habilidades técnicas. Naturalmente, pensei que
era isso que iria fazer.

Mas meu relacionamento com a Senhorita Fran era meio incomum.

Não, era muito incomum… Naquela época, um dia típico era mais ou menos
assim:

— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.

— O que você quer…? — Preparar as refeições da Senhorita Fran virou uma de


minhas lições diárias.

— Vejamos… Estou com vontade de comer bife.

— Isso não é muito pesado para o café da manhã?

— Nesse caso, aquelas ervas daninhas ali vão servir.

— Não acha que sua vontade mudou demais?

Por fim, decidimos comer o pão que havíamos assado no dia anterior. Então, eu
estudaria magia sozinha até a hora do almoço. Quanto à minha professora, ela
faria algum tipo de pesquisa estranha ou sairia para coletar plantas silvestres
comestíveis, ou simplesmente faria o que bem entendesse.

— Hoje eu realmente queria aprender um pouco de magia… — costumava


dizer.

— Ah, desculpa, não posso parar o que estou fazendo agora, então que tal
cuidarmos disso mais tarde? — Mesmo quando eu pedia ajuda, ela acabava se
desviando dos problemas. Nunca me ensinou nenhum feitiço.

Na verdade, encorajava a fazer o oposto.

— Elaina, você vai se cansar se estudar muito. Que tal se divertir um pouco de
vez em quando?

As condições que uma bruxa noviça deveria cumprir para se tornar uma bruxa
eram estabelecidas pela própria professora, mas exatamente o que eu tinha
que fazer para obter a aprovação da Senhorita Fran não estava lá muito claro.
Ela nunca me contou.

Tudo que eu podia fazer como sua aprendiz era dar o meu melhor. Mas em
quê, quer saber? Tudo, pelo visto.

Concluí que ela poderia não estar me ensinando magia como uma forma de
promover minha independência, então parei de fazer perguntas mesmo quando
aparecia algo que não conseguia entender. Mas as exigências da Senhorita
Fran ficaram mais e mais extremas.
— Elaina, não temos comida. Vá comprar alguma coisa.

— Elaina, vá para a floresta e pegue cinco lagartos. Preciso deles para


continuar a minha pesquisa.

— Elaina, o jantar já está pronto?

— Elaina, há uma aranha no banheiro. Extermine-a. Isso me assusta.

— Elaina, massageie meus ombros.

Disse a mim mesma que essas coisas também eram necessárias para me tornar
uma bruxa e, dia após dia, atendia aos pedidos ridículos da Senhorita Fran,
parecia até uma criada. Agora, olhando para o passado, acho que suportei bem
a situação.

Às vezes duvidava dela, me perguntava se não queria simplesmente me usar


como uma serva. Mas, mesmo tendo minhas dúvidas, não poderia fugir.
Poderia tentar ir para casa, mas ninguém por lá aceitaria me ensinar.

Paciência, paciência.

Me dediquei apenas ao estudo e à prática.

Uma noite, antes de ir para a cama, fiz uma pergunta à Senhorita Fran.

— Por que você não está me ensinando nenhuma magia?

Ela bocejou e então me respondeu com indiferença:

— Porque não há necessidade de te ensinar.

Naquela hora não entendi o que isso significava.

Suportei dia após dia e, antes que percebesse, já tinha passado um mês inteiro
como sua aprendiz.

Aquilo aconteceu enquanto eu estava passando por minhas lições diárias e sem
sentido, usando magia do vento para derrubar e cortar árvores para fazer
lenha, depois queimá-la com magia de fogo e, finalmente, apagar o fogo com
água.

— Ora, ora. Você é bastante imprudente, não é?

A Senhorita Fran estava bem atrás de mim. Pelo que me lembro, foi a primeira
e última vez que ela ficou por perto enquanto eu praticava o uso de magia.
Parei o que estava fazendo e corri em sua direção. Achei que ela, talvez,
tivesse finalmente decidido me ensinar alguma coisa.

Entretanto, minha pouca esperança foi destruída em um instante.

— O que você quer? Sabe, eu realmente não tenho nadinha para te ensinar.

No final, ela realmente não tinha intenção de me ensinar nenhuma magia, e


ficou lá atrás de mim só para me ver praticando.

Tem que haver algum significado por trás disso, disse a mim mesma várias
vezes, entoando essas palavras em meus ouvidos como se fossem um
encantamento, e continuei me aplicando àquela rotina absurda.

— Em pouco tempo, vai chegar a hora… — pensei ter ouvido ela resmungando.

Na tarde do dia seguinte, a Senhorita Fran me deu um tapinha no ombro e


disse:

— Agora vou te testar.

Fiquei surpresa com este anúncio repentino e fiquei me perguntando o que é


que isso significava. Porém, mais do que confusa, me senti feliz. Aposto que se
me sair bem neste teste, ela vai me ensinar um pouco de magia, pensei.

A Senhorita Fran me levou até uma campina. A linda e exuberante grama


verde balançava seguindo a brisa, e ia até onde a vista alcançava. De pé na
minha frente, ela agarrou sua varinha e sorriu como sempre fazia.

— A partir de agora, você e eu vamos começar a batalhar.

Fiquei perplexa. Contra alguém como eu, ela seria invencível. Estava certa
disso.

— Isso é sério…?

— Ora, ora. Você acha mesmo que eu iria brincar com uma coisa tão séria?

Você não me ensinou nada de magia e agora vamos batalhar? Que absurdo.

— Mas, Senhorita Fran, não importa como você olhe para isso, isso é…

— Certo, vamos começar.


Minhas pífias objeções foram prontamente ignoradas.

Ela bateu palmas para dar o sinal de início e imediatamente avançou pela
distância entre nós, e então começou a disparar uma enxurrada de feitiços à
queima-roupa.

Fui pega totalmente desprevenida e em pânico.

O teste repentino, os ataques deliberados a curta distância – parando para


pensar nisso, a Senhorita Fran devia ter feito tudo de propósito para me tirar
da minha zona de conforto.

Essa era uma tática desleal.

— Eek…! — E a Elaina daqueles tempos foi completamente dominada por


aquelas táticas desleais.

Um feitiço depois do outro cruzava o ar, cada um representava um perigo


mortal. Bolas de magia. Correntes de calor. Lâminas de vento. Chuvas de
pedras. Raios.

Naturalmente, eu estava em desvantagem na batalha, e tudo o que podia fazer


era me defender. Alguns de seus feitiços me fizeram rolar pela grama, outros
me atiraram no ar, mas o tempo todo eu só observei e esperei pela minha
chance de contra-atacar.

— Algo de errado? Isso é o melhor que consegue fazer? Pensei que você tinha
superado todos no exame prático. Isso não é lá muito impressionante. — Fran
falou com gentileza, revelando seu sorriso de sempre, mesmo enquanto
continuava com seus ataques implacáveis. Aquilo foi muito, muito assustador.

Parece até que ela gosta de me atormentar, pensei. No final, essa mulher e
aquelas bruxas da minha terra são exatamente iguais… Ela me deixou ser sua
aprendiz apenas para que pudesse me esmagar mais tarde, não é? Não me
ensinou nada e me negligenciou, não foi?

Durante o mês anterior, mantive dúvidas em meu coração o tempo todo, mas
as ignorei de propósito. Ela é diferente. Posso acreditar nela, disse a mim
mesma para poder perseverar.

—…

Então, tudo ficou escuro.

Quando acordei, estava estirada no chão, atordoada. A Senhorita Fran parou


seu ataque e zombou de mim.

— Ora, ora. Só isso?

Essa foi a gota d’água. Um monte de emoções confusas brotaram dentro de


mim, não pude mais contê-las: desespero por sua traição à minha confiança;
frustração por não conseguir acertar um único ataque na bruxa; tristeza por
ser rejeitada, evitada e ignorada, apesar de todo o meu esforço, só por ser
muito jovem. Não pude evitar que tudo isso fluísse e sufocasse meu senso de
razão. Não aguentava mais nada disso.

— Urgh… uwaaaaaahhh… — chorei. Me amuei ali onde estava mesmo e


comecei a soluçar. Limpei e enxuguei meus olhos, mas as lágrimas não
paravam de escorrer. Tentei morder o lábio para não chorar e soar ainda mais
patética, mas não sabia como parar. Só fiquei lá, sentada na campina,
chorando. Tenho certeza que foi algo bem chato de se assistir.

— Eh? Hein? Um… — A Senhorita Fran olhou para mim enquanto eu chorava,
seus olhos buscando ao redor com surpresa e confusão. Ela cautelosamente se
aproximou de mim. — F-f-foi mal! Eu não imaginei que você ia começar a
chorar…

Ambas suas mãos estavam inquietas enquanto ela falava.

— Waaaaaahhh…

— Ahhhhhh…

Eu não queria que ela me visse chorando, então escondi meu rosto com as
duas mãos. Claro, isso não serviu para impedir as lágrimas. Desta vez, mordi
os lábios com ainda mais força, mas continuei tremendo. Nada do que eu
tentava funcionava; continuei chorando, apesar de todos os meus esforços para
parar.

E quanto à Senhorita Fran – quem sabe o que ela estava pensando – começou a
procurar por qualquer meio que fosse de conter minhas lágrimas.

— C-certo…! Ei, olha aqui, Elaina. Eu fiz uma daquelas borboletas que você
ama! — Fran conjurou um pouco de gelo, esculpiu-o na forma de uma
borboleta e me mostrou. Mas nem sou eu quem gosta de borboletas.

Continuei chorando.

— Hein…? Não funcionou…? Então, que tal isso? Uma coroa feita de ervas
daninhas! — Com um único movimento, ela cortou as ervas daninhas que
cresciam ao nosso redor usando magia do vento, as enrolou e as transformou
em uma coroa para mim. Tentou até colocar a coroa em cima do meu chapéu
pontudo, mas fiz o possível para evitar que isso acontecesse.

— N-não serve…? Então, que tal isso? Olha, uma bola de fogo! — Eu não fazia
ideia do que ela queria com isso. — Estou ficando sem opções… Vou fazer
caretas engraçadas! Olha aqui, ei! Ei!

A ignorei.

— Um, bem então… nesse caso… Ah, já sei! — Finalmente, depois de tentar
todos os métodos possíveis, ela me abraçou. Parecia uma medida desesperada,
algo que só faria se não houvesse mais nada para tentar, mas teve um efeito
instantâneo. Tanto minhas lágrimas quanto emoções desenfreadas começaram
a se acalmar na mesma hora.

— Mnnn… — Tentei empurrá-la para longe com todas as minhas forças.

— Calma, calma. Acalme-se, Elaina.

— Pare com isso…! O… o que você está tentando fazer…?!

Ela provavelmente pensou que eu estava envergonhada, mas não era nada
disso. Estava rejeitando seu abraço porque ela me odiava. Mas seus braços
estavam me envolvendo, me apertando com uma força surpreendente. Não
tinha nem como escapar.

— Sinto muito, muito mesmo. Exagerei um pouquinho, não é?

— Não brinca…! Você estava se divertindo bastante enquanto me intimidava, e


agora quer pagar de legal? Você nunca teve a intenção de me ajudar a me
tornar uma bruxa!

— Me divertindo? Eu nunca…

— Me solta…! Odeio isso! Odeio todo mundo! Todas as bruxas de Robetta, e


até você! Vocês são todas iguais. Ugh, e eu acreditei em você quando disse que
era diferente das bruxas lá de casa!

—…

— Você nem sabe o quanto eu trabalhei! Só viu o resultado final e ainda ficou
zombando! Por que ninguém consegue me ver como eu sou?! Eu… eu só… só
queria ser aprovada, mas…
Seus braços me apertaram com ainda mais força.

— Realmente sinto muito, Elaina. E entendo muito bem como você se sente. —
Ela alisou meu cabelo. — Você conseguiu suportar tudo muito bem.

— Já disse para você parar com isso…! Está tentando me enganar de novo, não
é? — Minha voz estava vacilando.

— Não, vou parar de te enganar. Vou te contar tudinho. Também não aguento
mais — disse ela, colocando as mãos nos meus ombros e olhando nos meus
olhos. Seu sorriso de sempre estava, desta vez, tingido de tristeza.

E então ela abriu a boca, sem pressa, para falar.

— Fiz isso porque seus pais… me pediram.

Depois que voltamos para a sua casa na floresta, a Senhorita Fran me contou
tudo.

— Conheci seus pais há cerca de um mês. Me fizeram esse pedido, e também


me deram um bom tanto de dinheiro. “Por favor, coloque nossa filha em um
treinamento extremamente rígido”, disseram.

“Eu não tinha absolutamente nenhuma ideia do que eles estavam tentando
dizer, então tentei perguntar. Seus pais me disseram que estavam preocupados
com o que você faria daqui para frente. Temiam que, se seguisse em frente
como estava, sem nunca ter fracassado, no caso de acabar se desviando do seu
caminho em algum momento, poderia começar a ter problemas de verdade.

“Seus pais merecem algum crédito; quero que você entenda que não criaram
esse plano porque queriam que eu te intimidasse, viu?

“Eles tiveram seus próprios motivos para levar seu plano até alguém como eu.
Sua cidade natal, se não me engano, é no País Pacífico de Robetta, certo? As
bruxas de lá ficaram intimidadas com as suas habilidades. Ouvi dizer que todas
disseram que não poderiam ensinar uma garota como você. Afinal, aquele país
é muito, bem… pacífico, então não tem nenhuma bruxa de alto calibre por lá…
“Então seus pais previram que todas as bruxas de seu país te rejeitariam e
vieram até mim. Para encurtar a história, disseram que você era muito cheia
de si e, por isso, elaboraram um plano para fazê-la passar por algumas
dificuldades, ao menos no começo. Eu relutantemente concordei.

“E depois você apareceu. Seus pais me passaram a impressão de que você era
uma pirralha atrevida e medíocre, então meu plano era ser rígida até destruir
a sua força de vontade.

“Mas, quando começamos a passar algum tempo juntas, percebi que você não
era nada do que imaginei. Você não hesita e se esforça tanto quanto for
necessário para alcançar seus objetivos, e tem uma mente brilhante e
insaciável. Além da capacidade de corresponder às suas ambições. Eu podia
ter te aprovado na mesma hora.

“Mas, já que está aqui comigo, desisti de tentar ensinar sobre o fracasso para a
“Elaina Arrogante”. Tenho certeza de que seus pais queriam que eu te
ensinasse a lição de que “às vezes as coisas não acontecem como você espera”,
mas percebi que isso seria inútil.

“Não importava quantas vezes eu te fizesse falhar; já conseguia ver o


resultado. Você, todas as vezes, continua lutando e nunca desiste. É capaz de
suportar qualquer problema. Não tem como destruir a sua vontade.

“Além do mais, há outro problema que só consegui descobrir porque sou sua
professora.

“Elaina, você suporta muito as coisas. Tem plena consciência tanto de sua
idade quanto de suas verdadeiras habilidades, então me permite tratá-la de
forma irracional.

“Não importa o quão ridícula eu tenha sido, não importa quantos pedidos
idiotas tenha feito, você não reclamou nenhuma vez, não foi? Afinal, pensou
que não poderia pedir para que mais ninguém te treinasse, certo?

“Quando você foi rejeitada pelas bruxas de Robetta, o que decidiu? Desistiu
delas e partiu sozinha, não foi? Tentou conversar com elas, uma vez que fosse?

“Decidi esperar para ver o quanto você ia suportar. E ontem, quando vi seus
feitiços, imaginei que logo chegaria ao seu limite. E o teste de hoje foi a cereja
no topo do bolo.

“A propósito, eu esperava que você continuasse até ver que não tinha como
ganhar, e então, se ainda assim não reclamasse, estava pensando em te dar um
sermão. Isso seria completa e obviamente injusto.
“Você não pode só esconder seus verdadeiros sentimentos e seguir em frente,
porque em algum momento vai acabar quebrando. Bem, eu não esperava que
você começasse a chorar… mas te tratei muito mal, não foi? Você é tão
madura, então acabei esquecendo que ainda é só uma garotinha de quatorze
anos. Eu sinto muitíssimo.”

E então a Senhorita Fran acrescentou mais uma coisa:

— Você não devia suportar tudo. Se não aguenta alguma coisa, então lute
contra ela. Aprenda a se posicionar e a dizer quando as coisas não estão boas.
Desabafe quando for necessário. Proteja a si mesma.

Não consigo mais me lembrar de como me senti ao ouvir as palavras da minha


professora, mas, naquela hora, ela me falou coisas que eu nunca tinha ouvido
na vida toda.

Não fique só suportando.

Essas palavras eram provavelmente a razão para eu estar aqui. É, acho que
sim.

Mas, bem, mesmo agora, ainda tenho tendência a acumular estresse.

Treinei com a Senhorita Fran por um ano inteiro. Após aquela conversa no meu
primeiro mês, o treinamento de verdade finalmente começou.

— Bom dia, Elaina. Estou com fome, por favor, faça algo para comer.

— Aqui, pegue algumas ervas daninhas.

— Um, essa é a sua maneira de me fazer ter uma vida difícil…?

— Me disseram para não ficar mais suportando todos os abusos, então decidi
ser mais honesta com os meus sentimentos. Para ser mais específica, ter que
preparar o café da manhã para a minha professora é um saco.

—…
— Brincadeirinha.

No final das contas, decidimos comer o pão que tínhamos feito no dia anterior.

Como antes, às vezes eu me sentia um pouco como a criada da Senhorita Fran,


mas se pensasse nisso como uma compensação por toda a magia que ela
finalmente estava me ensinando, não poderia reclamar.

Oh-ho, isso não é uma tortura! É como pagar pelo ensino.

— Você tem habilidade e talento — disse a Senhorita Fran. — Mas não tem
experiência.

E, para corrigir isso, lutei com ela várias vezes. Cada dia era mais
enriquecedor do que o outro.

E os muitos dias que passei lá, depois, pareceram muito mais curtos do que
aquele primeiro mês infernal. Quase todos os dias tínhamos um treinamento
intensivo em magia, e depois voltávamos para a casa na floresta, só para
estudar magia. Era tão divertido.

Durante o meu treinamento com ela, teve até um incidente que me deixou com
uma impressão especialmente forte. Eu estava praticando magia na frente de
casa, como sempre.

— Elaina — disse abruptamente a Senhorita Fran —, tem umas garrafas bem


ali, certo? Consegue vê-las? — Claro, havia duas garrafas de vinho no lugar
para onde ela estava apontando.

— Sim, posso vê-las, mas… o que tem isso?

— Ataque uma com um feitiço de vento.

—…

A distância entre as duas garrafas era parecida com a largura do tronco de


uma árvore. Para ser mais clara, havia espaço de sobra. Havia tanto espaço
para manobras que pensei até que ela estava zombando de mim.

— Tá bom. — Balancei minha varinha e manipulei o vento. A massa de ar fez


um hyoom! enquanto ia direto para as garrafas, atingindo uma em cheio,
conforme já tinha planejado fazer. Ela voou e caiu no meio do mato. — Pronto,
consegui.

Mas a Senhorita Fran deu de ombros, parecia até que estava falando: “Minha
nossa.”

— Eu disse para você jogar ela para longe?

— Hã, mas não disse para acertar aquilo…?

— Vou te contar uma coisa. Se você é uma bruxa noviça, então passa no teste
se a derrubar. Mas bruxas de verdade devem ter habilidades mais precisas e
confiáveis do que isso.

— Huh…

— Uma bruxa não derruba a garrafa; ela aponta para o ponto intermediário
entre derrubar e não a derrubar. Para simplificar, faz assim…

Ela acenou com a varinha e o ventou foi na direção da outra garrafa e a


acertou com tudo. Mas a garrafa não caiu. Só balançou um pouquinho e depois
se estabilizou.

A Senhorita Fran sorriu.

— Ah, ainda bem, deu certo… É, bom, isso mesmo. Bruxas devem controlar sua
magia precisamente. Então nada de derrubar ou atirar.

—…

Eu entendo o que você está tentando dizer, e parece razoável, mas tinha
mesmo que me contar isso só depois de eu falhar uma vez…?

Depois de passar cerca de um ano como sua aprendiz, cheguei ao ponto em


que poderia começar a competir com a Senhorita Fran.

E fui até capaz de vencer – uma vez. Aquele foi o último dia dos meus
aprendizados. Com seu sorriso de sempre, ela disse:

— Não tenho mais nada para te ensinar. Você ficou muito forte.

Até hoje, não me lembro como consegui vencer naquela última vez.
Provavelmente foi só sorte. A Senhorita Fran tirou o broche de corsage do meu
peito e, no lugar dele, prendeu a prova de que eu era uma bruxa de verdade.
Era um broche em forma de estrela.

— Parabéns, Elaina. A Bruxa do Pó Estelar te reconhece como uma bruxa


oficial… A propósito, o que acha de “a Bruxa Cinzenta” para ser o seu título de
bruxa?

— Não é um pouco simples demais…?

Você decidiu só olhando para a cor do meu cabelo?

— Hã? Mas eu achei tão legal…

— Pensando bem, como você conseguiu o nome de Bruxa do Pó Estelar,


Senhorita Fran?

— Escolhi ele porque parece legal, é óbvio!

—…

— Bem, e então? Bruxa Cinzenta.

— Tá, tá bom. — Eu, particularmente, não me importava.

— Então está decidido. Elaina, a partir de agora você é a Bruxa Cinzenta. Faça
o seu melhor a partir de agora, viu? — Ela colocou a mão no meu ombro.

Respirei bem fundo e respondi:

— Eu farei.

Conversando sobre as memórias que havíamos feito durante meu treinamento,


voltamos para a casa na floresta, e a Senhorita Fran fez as malas na mesma
hora. Parece que era errante só em nome e, na verdade, era uma bruxa
conhecida de um outro país. Foi a primeira vez que ouvi falar sobre isso.

E ela me disse, ainda sorrindo, que ficar longe de casa por um ano todo foi
muito difícil.

Isso não é motivo para sorrir… pensei, mas provavelmente só estava sorrindo
por minha causa.

— Nesse caso, por que você veio para o País Pacífico de Robetta? — Tentei
perguntar.

— Porque havia alguém que eu precisava ver, não importa o que acontecesse
— respondeu, recusando-se a dizer mais. — Gostaria muito de ficar mais um
tempo, mas tenho que ir. Tem muita gente esperando por mim lá em casa.
Então isso é um adeus.

Assim, se virou para sair daquele mesmo lugar onde a encontrei correndo atrás
de borboletas há um ano.

— Adeus, Senhorita Fran. — A despedida me fez sentir um frio na barriga,


parecia até que estava soprando uma brisa glacial.

— Adeus, Elaina. Algum dia a gente vai se ver de novo. Por favor, aguarde por
isso e espere por mim.

— Certo…!

E então minha professora montou em sua vassoura e voou para o céu.

Acenei e continuei acenando conforme ela lentamente ficava menor, indo cada
vez para mais longe, e no final desapareceu no céu azul.

Dessa vez, não tentei conter minhas lágrimas.


Majo no Tabitabi 10
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Capítulo 10 – Uma Morte Suave se Aproxima


Lentamente
Em uma floresta primitiva cheia de árvores altas, o musgo denso estava por
todos os cantos aos meus pés. Raios de sol se infiltravam pelas brechas na
cobertura vibrante, mas a luz no caminho estreito era, no máximo, escassa.

Eu estava manuseando minha vassoura habilmente, evitando as árvores


enquanto seguia por aquele caminho. A brisa morna acabava sendo muito,
muito desconfortável quando batia na minha pele.

—…

Depois de avançar um pouco mais, cheguei a uma clareira. Havia um vilarejo


nela.

Um muito, muito pequeno. Era um vilarejo tão pequeno que dava para ver
quase tudo lá da entrada.

— Ey.

Quando desci da vassoura, o solo coberto de musgo cedeu suavemente ao meu


peso. Não parecia haver um portão, então pude entrar ao simplesmente passar
por baixo de uma treliça.

Havia uma casa de madeira aqui e outra acolá, todas eram cabanas feitas de
toras que não tinham nenhum detalhe desnecessário. Pareciam ter sido
construídas para servir de abrigo e nada mais.

Dizer que não havia nada de extraordinário no vilarejo já seria o suficiente.

Afinal, não vou ficar aqui – espera, não tenho certeza se há algum lugar onde
eu poderia passar a noite. Na verdade, não tenho certeza nem se tem gente
morando aqui. Será que é uma cidade fantasma?

Andei sem rumo ao redor do vilarejo deserto e um único aldeão emergiu de


uma das casas. Ah, bom, alguém mora aqui.

Com algum alívio, me virei para olhar para o aldeão e vi um homem na flor da
idade com um machado pendurado no ombro.
— …!

Estranhamente, assim que o homem me viu, abriu a boca, estupefato, como se


não acreditasse no que estava vendo.

…? O que isso poderia significar?

Minha cabeça estava inclinada em confusão quando ele apontou um dedo


trêmulo para mim e gritou:

— Mina…! Ei, você é a Mina, não é?!

…? Hein?

Ele jogou o machado no chão e correu na minha direção.

— Graças à deusa…! Graças à deusa! Você encontrou a cura-tudo, certo?


Chegou bem na hora! Abel vai ficar tão feliz, Mina!

— Hã? Um…

Imediatamente, entendi que o homem devia ter me confundido com outra


pessoa. Quem diabos é Abel?

Mas quando estava prestes a abrir a boca, o homem gritou de novo.

— Eeeei! Pessoal! A Mina voltou!

Em um piscar de olhos, sua voz alta chegou a todos os cantos do vilarejo, como
se para despertar a própria floresta primitiva. As árvores mais próximas
começaram a farfalhar e pude ver os pássaros fugindo.

Era um vilarejo muito, muito pequeno. Se uma única pessoa gritasse, era
provável que todos do local conseguiriam ouvir. E o povo começou a sair de
suas casas aos montes.

Velhos, crianças, casais – quando avistaram a mim e ao homem, correram até


nós com movimentos tão ágeis e deliberados que tudo pareceu planejado.
Antes que eu percebesse, fiquei completamente cercada. Ah não, isso é
assustador.

A movimentada assembleia de pessoas olhou para mim implacavelmente, com


o tipo de admiração de coração puro que sempre era reservada para heróis
que voltam da guerra. Ah não, isso é assustador.
— Irmãzona Mina! Você trouxe algumas lembrancinhas da cidade?

— Nossa, você realmente se tornou uma beldade no pouco tempo que esteve
fora.

— Você ficou mais baixa?

— Não importa, o que é isso que você está vestindo?

— Vamos lá, Pai. Claro que essa deve ser a última moda na cidade.

— Então você comprou a cura-tudo?

— Ei, não a sufoque.

Os aldeões tagarelaram tanto quanto queriam.

Ah, eu desisto, decidi, então ignorei o resto do que estavam dizendo e deixei as
vozes clamorosas dos aldeões me alcançarem como se fosse nada mais do que
barulho. Após passar um tempinho, os gritos alegres cessaram.

O homem que convocou todos os aldeões gritou:

— Vocês são muito barulhentos, fiquem quietos!

Você é o mais barulhento aqui. Fique quieto você.

— Sério, pessoal, a Mina deve estar cansada de sua longa jornada… Deem um
tempo para ela.

O que é isso? Agora você quer falar como se tivesse bom senso? Não é você o
líder deles? Espera, o mais importante…

— Acho que vocês estão enganados sobre algo. — Quando a multidão se


acalmou, aproveitei a oportunidade para falar e fazer uma correção. Se o mal-
entendido continuasse por mais tempo, eu entraria em apuros.

— Enganados? Sobre o quê? — O homem olhou para mim com um rosto


inexpressivo. Eu podia ouvir uma agitação se espalhando pelos aldeões ao meu
redor.

Falei tão claramente quanto possível:

— Sou uma simples viajante. Não sou essa “Mina” de quem vocês estão
falando. — Achei que estava soando muito séria, mas parecia que um ou outro
meio à multidão tinha realmente ouvido o que eu tinha a dizer. Uma risada
explodiu logo atrás de mim.

— O que diabos esta criança está dizendo?

Então não vão acreditar em mim. E se eu usar magia para fazê-los se


ajoelharem e me obedecerem? Enquanto os ouvia, concluí que o vilarejo nunca
foi visitado por uma bruxa, então isso, por si só, causaria um bom impacto.

Bem, esse é o último recurso.

—…

E então, depois que todos, exceto eu, deram umas boas risadas, um dos
aldeões falou:

— Hmm? Agora que ela disse isso, parece um pouco mais jovem do que a
Mina…

A pessoa ao meu lado entrou na conversa e concordou.

— Pensando bem, ela também é um pouco mais reta do que a Mina…

Minha inquietação foi ficando cada vez maior.

— Pensei que ela tinha ficado mais bonita enquanto estava fora, mas talvez…

— E se for pensar nisso, diminuir o tamanho é completamente impossível…

— E o que há com essa roupa…?

— Vovó, onde está a minha comida?

— Pare com isso; você já comeu ontem.

—…

Não demorou muito para que minha ansiedade me envolvesse por completo.

Antes que eu percebesse, uma atmosfera sombria e fúnebre permeou a


multidão.

— Você realmente não é a Mina…? — perguntou miseravelmente o homem à


minha frente.
— Eu te disse isso desde o começo. Disse que você tinha se enganado.

— Então, isso significa… — o homem se encolheu no local e sua voz começou a


tremer —, que não podemos fazer mais nada para ajudar o Abel…?

— Do que diabos você está falando? Em primeiro lugar, quem é Abel?

Ignorando minha pergunta, alguém murmurou:

— Não, espera… Ainda tem um jeito.

Várias das pessoas ao meu redor deixaram o círculo e se amontoaram em outro


lugar, depois voltaram e disseram:

— Temos algo para discutir com você, então gostaríamos que viesse conosco.
— Isso foi tudo que me disseram.

Fosse por causa de seus incríveis poderes de persuasão ou porque os rostos


dos adultos estavam todos mortalmente sérios, concordei em ir com eles antes
mesmo de perceber.

O homem e vários outros adultos me levaram à maior casa do vilarejo.


Entramos na sala de jantar, onde um jovem puxou uma cadeira e disse: “Por
favor, sente-se.” E então eu sentei.

Duas pessoas se sentaram à minha frente. O da esquerda, da minha


perspectiva, era o homem na casa dos trinta ou mais que encontrei assim que
tinha chegado… Ele se acalmou, como se o fogo dentro dele tivesse se
apagado, e de repente parecia uma pessoa diferente.

O velho de barba branca sentado à direita (possivelmente o chefe do vilarejo)


cruzou os braços e abriu a boca para falar.

— Agora entendemos que você não é a Mina. Nossas mais sinceras desculpas.

— Tudo bem. — Entender isso é o primeiro passo.

— No entanto, você parece exatamente como ela; a semelhança foi suficiente


para que os aldeões confundissem vocês duas. Igual às ervilhas de uma mesma
vagem, por assim dizer.

O homem na casa dos trinta balançou a cabeça vigorosamente.

O velho acariciou a longa barba.


— Primeiro, deixe-nos fazer um pedido. Viajante, apenas por uma noite; até
menos do que uma, na verdade… poderia fingir ser a Mina?

— Por quê…?

Tive a impressão de que poderia ter a ver com o famoso Abel.

— Mina tinha um namorado. O nome dele é Abel e ele é muito sério, muito
gentil. Para o bem dele, gostaríamos que você fizesse uma pequena atuação.

Captei. Devemos tentar adivinhar a próxima reviravolta na história?

— A vida de Abel está em perigo, então você quer que eu finja ser sua
namorada voltando para casa depois de se mudar para a cidade?

Mas o velho balançou a cabeça lentamente.

— Não, Mina não foi morar na cidade. Ela foi para obter a cura-tudo.

— Hmm… — Pensando bem, os aldeões e o homem na flor da idade haviam dito


a mesma coisa sobre conseguir alguma cura-tudo.

— No momento, Abel está deitado em seu leito de enfermo.

— Mm… — incitei a continuar.

— O que está o destruindo parece ser uma doença incurável. É algo ruim o
suficiente para fazer o médico local querer jogar a toalha. Não importa que
tipo de remédio seja administrado, não tem absolutamente nenhum efeito. Na
verdade, a condição de Abel só piora. No início, ele tinha só uma febre
qualquer, mas agora não consegue nem ficar em pé.

Entendo.

— E quanto a essa cura-tudo?

— Mm. Logo depois de percebermos que o remédio que tínhamos não estava
fazendo bem a ele, Mina saiu voando, dizendo: “Vou buscar a cura-tudo.”

— E onde se consegue essa cura-tudo?

— Se você for para o norte daqui, encontrará um enorme país. Há rumores de


que pode conseguir a cura-tudo lá, mas é uma jornada de dois dias inteiros.
Ninguém deste vilarejo foi lá para verificar se isso é ou não verdade.
— Então Mina saiu correndo daqui, contando com apenas essa informação
questionável.

— Ela devia estar disposta a correr o risco. Queria muito ajudar o Abel, mas…
— O homem na casa dos trinta terminou o resto da frase com uma voz bem
fraca, baixando a cabeça. — Duas semanas se passaram desde que ela saiu
daqui. Mina, minha filha, deveria ter voltado há muito tempo, mas não voltou.

Filha…? Ele disse filha?

— Huh, você é o pai dela? — Isso foi uma surpresa. O homem na casa dos
trinta assentiu em silêncio. É muito ruim confundir sua própria filha com uma
completa estranha… Bem, ele deve estar muito exausto.

— Quanto mais o tempo passa, mais perto Abel fica da morte — disse o velho.
— O médico do vilarejo está dizendo que ele tem no máximo mais três dias.

Três dias. Mina voltará a tempo?

Para chegar ao país que tem a cura-tudo precisaria de dois dias, depois mais
outros dois para retornar com o remédio. Mas já passaram duas semanas.

Voltar dez dias atrasada (e contando) era realmente algo. Não pude evitar de
pensar que ela tinha se deparado com algum tipo de problema – ou coisa pior.
Será que Mina poderia voltar antes que o tempo acabasse? Não, as duas
pessoas sentadas à minha frente já tinham certeza de uma coisa:

Mina nunca mais voltará…

— Até agora, Abel estava lutando contra sua doença com tudo que tinha, mas…
sua namorada estava ao seu lado como uma família o tempo todo. Se ele
morrer sem ser capaz de vê-la, seria insuportavelmente triste.

—…

— Desde que ele perdeu a família quando era pequeno, Mina foi a única que o
apoiou. E ela é a única que consegue acalmar a sua mente. Uma Mina falsa
serve; só queremos que você o deixe feliz, ao menos nos últimos momentos —
disse o velho.
Apesar de não ter concordado no início, acabei decidindo realizar o pedido.
Não havia qualquer risco para o meu lado, e recusar algo do tipo me tornaria
uma pessoa horrível.

Dito isso, eu era uma viajante. Não queria passar um dia inteiro em um vilarejo
enfadonho, sem sequer uma pousada. Se possível, queria pegar minha
vassoura e voar para o país que diziam ter a tal cura-tudo.

Foi por isso que logo apresentei as minhas condições.

— Vou cooperar. Mas só um pouquinho. Depois de encontrar o Abel, vou


retomar minha viagem na mesma hora.

Os dois disseram que era o suficiente. Assim que isso foi decidido, corremos
para nos preparar. Fui levada da casa grande para outra residência, onde me
aguardavam várias meninas e mulheres do vilarejo. A idade delas era muito
variada, de menininhas a velhotas.

Entre elas, uma mulher particularmente velha parecia ser a responsável.


Pequenas rugas revestiam seu rosto enquanto ela falava.

— Tudo bem então, vamos nos preparar. Homens, fora!

Em uma impressionante demonstração de violência, as mulheres da casa


começaram a usar varas para espancar todos os homens da aldeia que tinham
aparecido para ver o espetáculo, incluindo o velho e o pai de Mina, e
assumiram o controle de tudo.

A velha fechou a porta e trancou-a para que ninguém pudesse entrar, depois
fez um sinal para os demais, só com os olhos. Quando fez isso, todos, menos
eu, começaram a fechar todas as cortinas da casa e a porta dos fundos.

Assim que a casa ficou escura, a velha se aproximou de mim.

— Tire tudo. — Ela de repente pegou um robe.

— Oi?

— Anda logo e tira essas roupas estranhas! Se você ficar assim, o Abel saberá
que você não é ela!

Ah, então é isso que você quer dizer. Eu não estava esperando por algo assim.

Tive o cuidado de remover o precioso broche que anunciava que eu era uma
bruxa do meu robe. Com ele ainda na minha mão, tirei a roupa até ficar só com
roupas de baixo.

Uma garotinha muito jovem educadamente pegou minhas roupas, que só


joguei para o lado, e começou a dobrá-las.

— Certo, peça para ela colocar isso.

Outra garota pegou um pacote da velha e correu até mim, depois me entregou
as roupas.

— Certo, pessoal. Vou colocar isso na viajante, então me ajudem.

Hein? Eu posso me vestir sozinha.

Mas antes que eu pudesse falar, uma multidão de mulheres já estava me


cercando por todos os lados. Não havia nada que eu pudesse fazer a não ser
calar a boca.

Assim, tornei-me uma boneca de vestir.

— Certo, levanta a perna dela.

— Pode colocar o braço dela pela manga da blusa? Uh… ah, isso é do tamanho
errado.

— Ela realmente é a cara da Mina.

— Ela é ainda mais bonita do que a Mina.

— Pois é.

— Que cor de fita usamos? Ah, vermelha, claro.

Na minha opinião, todas pareciam um pouco entusiasmadas demais. Eu


poderia jurar que estavam fazendo isso apenas para se divertir.

Depois que a roupa estava mais ou menos no jeito, olhei para baixo e descobri
que estava usando um vestido com uma blusa branca e uma saia longa de cor
marrom-oliva. Eu podia ter me vestido sozinha, mas…
— Certo, hora dos retoques finais. Senhorita Viajante, isso pode doer um
pouco, mas aguente firme, tá? — Enquanto falava em um tom de voz alegre, a
mulher atrás de mim envolveu algo preto ao meu redor.

— …?

O que acha que era? Um espartilho. Antes que eu percebesse, a coisa já estava
no meu torso.

— Huh, um, espera um…

Ignorando minha perplexidade com a mudança repentina dos acontecimentos,


as garotas ao meu redor agarraram meu corpo e puxaram as cordas nas
minhas costas com toda a força. Parecia que minhas costelas estavam sendo
esmagadas.

— I-isso dói! Ai! Se precisam apertar, pelo menos façam isso com mais
cuidado!

— Ah, vamos lá. Não resista.

— Aguente, aguente firme.

— Você vai se acostumar.

— Dê o seu melhor, Senhorita Viajante.

Com isso, o trabalho de trocar de roupa chegou ao fim e todas pareciam


satisfeitas, menos eu.

Depois, a velha disse:

— Parece que você não tem peito suficiente, então o que acha de colocarmos
um pouco de enchimento? — Após isso, estendeu chumaços de algodão para
mim. Pelo visto, isso era sério. Dei um tapa e joguei aquelas coisas no chão.
Havia uma casinha na periferia do vilarejo.

Parecia completamente independente e, quando me aproximei, esmaguei a


grama que batia nos joelhos ao pisar nela. Comparada com as outras casas,
esta era bem velha. Provavelmente seria possível quebrar aquelas tábuas com
um único golpe. Parecia menos com a casa onde alguém moraria, e mais com
um armazém abandonado.

Me disseram que Abel estava de quarentena no local.

Um dia, ele adoeceu repentinamente e os moradores não sabiam se a doença


era contagiosa ou não. Por isso o trancaram nesta casinha, para diminuir a
possibilidade de contágio. Pelo visto, era o pai de Mina que estava cuidando
dele. No início, o rapaz ficou sob os cuidados de sua namorada da manhã à
noite, mas ela deixou o vilarejo assim que sua condição começou a piorar.

Alguns aldeões se perguntaram se Mina poderia ter fugido, mas ninguém sabia
se isso era verdade ou não.

Depois de respirar fundo algumas vezes na frente da cabana, abri a porta.


Aquilo fez um som agudo que machucou os meus ouvidos.

—…

Entrei e fechei a porta com a mão nas costas.

Um homem estava deitado na cama. Ele era jovem e tinha cabelo preto. Era
fácil notar que, quando saudável, seu rosto era bonito – mas agora era apenas
a sombra de seu antigo eu. O homem, voltando seus olhos vazios para mim,
tinha bochechas encovadas e nenhuma luz em seu olhar.

— Mina…? — Seus lábios se moveram um pouco, soltando o nome de sua


amada.

— Sim. Sou eu — menti. — Tudo bem?

As tábuas do assoalho rangeram sob os pés quando me movi para sentar na


cadeira ao lado da cama.
Ele sorriu debilmente.

— Você voltou… Pensei… pensei que nunca mais te veria.

— Sou sua namorada. Claro que eu voltaria, não importa o quê.

— Claro…

Ele olhou pela janela.

Lá, não se via nada. Apenas ervas daninhas enormes e a floresta primitiva lá
longe. A pequena cabana não parecia apenas decrépita; estava realmente se
desintegrando, e uma corrente de ar que soprou de algum lugar fez o cabelo
do homem farfalhar.

— Encontrei o remédio cura-tudo — falei, como se estivesse lendo um roteiro


preparado. — Vou trazê-lo com o seu jantar esta noite, então, por favor, tome
um comprimido depois de comer bastante. Pode levar algum tempo, mas você
com certeza deve melhorar. — Isso também era mentira.

O pai de Mina havia escrito o roteiro. Ele achou que seria suspeito se Mina
voltasse sem o remédio cura-tudo, então me fez agir como se tivesse o remédio
em mãos, só para tranquilizar Abel.

A pílula que seria servida com o jantar seria um simples sonífero. Queriam que
ele pudesse falar com sua amada em seus últimos momentos e, após isso, os
aldeões fariam algo – mas não disseram o quê. Não era preciso perguntar.

— Diga, Mina. — Ele olhou nos meus olhos. — Você seguraria a minha mão? —
Com movimentos pesados, ele tirou a mão de debaixo da colcha. Não era a mão
musculosa de um jovem, mas sim uma murcha e ossuda.

Não devo vacilar.

Na mesma hora a agarrei com as duas mãos. Seu corpo estava tão frio que era
difícil imaginar que havia algum sangue correndo por ali.

— Tão quente… meu sangue já deve estar esfriando… — disse ele. — Diga,
Mina — o homem chamou o nome de sua amada —, você me daria um beijo?

— Huh, um beijo? — perguntei involuntariamente. Logo comecei a sentir um


enorme arrependimento.

— Sim, um beijo… Você não quer? — Pensei ter visto um lampejo de suspeita
nas profundezas de seus olhos. Pensei muito. O que devo fazer? Se sou sua
namorada, é claro que devo beijá-lo, mas sou… Ahhh, se eu hesitar, ele vai
desconfiar. O que faço, o que faço…?

Ele olhou para mim enquanto eu me debatia e riu.

— Desculpa, eu só estava brincando. Por favor, não se importe. — De alguma


forma, parecia que ele havia recuperado ao menos um pouco da sua energia.

Depois disso, sorriu e disse:

— Não vou incomodar alguém que não é minha namorada para me beijar.

Fiquei chateada ao perceber que ele havia detectado a farsa devido a alguma
falha em meu desempenho, e neguei a acusação várias vezes, mas Abel estava
certo disso.

— Você não é a verdadeira Mina. Não precisa se forçar — disse, seguro, apesar
de todos os meus esforços para manter o teatro. — Em primeiro lugar, não é
como se ela fosse voltar para mim. Eu sou um tolo.

Eu não tinha certeza de com quem ele estava falando, mas suspeitei que havia
algo mais acontecendo. Desisti de fingir ser a Mina e revelei tudo sobre mim –
que era uma viajante, que era uma bruxa, que me pediram para fingir ser a sua
namorada porque éramos parecidas. Não escondi nada.

— Hmm — disse ele —, você realmente é a cara da Mina.

— Nós parecemos tanto assim?

— Sim. Poderia até dizer que são ervilhas da mesma vagem. Mas… —
acrescentou ele —, o que é uma bruxa…?

— As pessoas deste vilarejo realmente não sabem sobre as bruxas, não é?

— Não, é a primeira vez que ouço falar delas.

Bem, suponho que não seja impossível não saberem sobre bruxas, já que este é
um vilarejo remoto a dois dias inteiros de viagem do país mais
próximo. Expliquei em detalhes, produzindo minha varinha do nada e
realizando um pouco de magia para que fosse fácil para entender.

— Incrível…! Ha-ha, nunca soube que pessoas assim existem!

Abel riu, esforçando-se ao máximo para falar alto. Sua risada seca logo ficou
presa na garganta, onde se transformou em uma tosse.
— Você está bem?

— Sim, foi mal. Fiquei um pouco excitado demais. Bem, então, sobre Mina e
eu…

— Certo… O que aconteceu? Você disse que ela não voltaria.

Ele olhou para o teto.

— Essa história de cura-tudo, eu que inventei. Isso nem existe.

— Isso não existe…?

Ele balançou a cabeça.

— Mina era…

E então calmamente me contou a história.

— Ela era muito gentil, fofa e boa. Estava perdendo tempo comigo. Era a única
que me apoiava.

“Mesmo depois que adoeci, ela cuidou de mim e nunca agiu como se a tarefa
fosse desagradável. Mina vinha ao meu quarto todos os dias, dava-me comida
caseira para comer e trazia livros para que eu não ficasse entediado depois de
ficar acamado. Ela ficava sentada do meu lado até eu adormecer. Era a minha
salvação, cuidando de mim com tudo de si.

“Mas minha doença só piorava… não importava quanto remédio me dessem ou


o quanto eu descansasse. Logo, não conseguia mais nem comer direito. Mina
continuou me trazendo refeições caseiras, e eu ainda assim não conseguia ter
apetite. Na verdade, eu sentia que ia vomitar. Era óbvio que não aguentaria
mais por muito tempo. Eu já estava sentindo.

“Mas ela tentou o seu melhor para me animar. Eu a adorava, mas também me
sentia péssimo por ela. Mina estava desesperada para que eu sobrevivesse.

“Um dia, falei: ‘Minha doença não pode ser curada com os remédios que temos
no vilarejo. Não estou melhorando. Conhece o grande país a dois dias ao norte
daqui? Ouvi dizer que eles têm um remédio eficaz contra qualquer tipo de
doença. Se estiver tudo bem, poderia ir buscar para mim?’

“Mina ficou perplexa. Ela se perguntou se tal cura realmente existia. Além
disso, se ela tentasse eu poderia melhorar, ou ao menos é nisso que acreditou.
“E a ignorei. Assim que pude, coloquei em suas mãos uma carta e o dinheiro
que havia economizado para nós dois um dia fazermos uma viagem juntos, e
disse: ‘Com esse dinheiro você deve conseguir comprar. Traga aquilo para
mim. Não se atreva a voltar até que tenha a cura-tudo em suas mãos. Quanto à
carta, abra-a se não encontrar o remédio e realmente não tiver ideia do que
fazer.’

“Mina era realmente uma boa garota. Depois de se preocupar mais e mais, ela
finalmente aceitou o meu plano. ‘Vou encontrar o remédio e trazer ele; pode
esperar por isso’, falou. Mas, na realidade, esse medicamento não existe.

“No dia seguinte, minha situação mudou. Mina saiu em busca da cura-tudo e,
aos poucos, espalhou-se pela aldeia a notícia de que meu estado de saúde
estava piorando. Algumas pessoas vieram e disseram que minha doença podia
ser contagiosa, e o resultado final foi este. Fiquei em quarentena e apenas o
pai da Mina cuida de mim. Mas por mim tudo bem.

“Eu realmente, realmente amo a Mina… Amo tanto que chega a doer. Claro, é
doloroso ficar tão distante, mas ainda mais do que isso, odeio deixar ela triste.
Não quero que ela chore sobre o meu cadáver. Quero que possa sorrir tanto
quanto for possível. Por isso decidi enviar ela para longe do vilarejo.

“Se eu tivesse dito: ‘É melhor você não vir mais me ver’, ela nunca
concordaria, eu sabia. Mesmo se conseguisse mandá-la embora para que não
viesse mais ficar ao meu lado, ficaria com o coração partido, é claro. E eu não
queria que os outros aldeões se envolvessem.

“Acima de tudo, não achei que ela pudesse realmente viver feliz no vilarejo
onde meu cadáver ficará descansando. É uma coisa arrogante de se pensar, eu
sei, mas imaginei que ela pudesse ficar sobrecarregada pela minha memória.

“Tenho certeza de que Mina chegou ao país a dois dias de caminhada daqui e
procurou a cura-tudo por lá. Tenho certeza de que ela caminhou pelo país por
horas, dias a fio, sem sucesso. E tenho certeza de que então abriu a minha
carta.

“Coloquei todos os meus sentimentos naquela mensagem. Disse que


certamente estaria morto assim que ela parasse para ler a carta, e que queria
que ela fosse, de alguma forma, feliz naquele novo país.

“Eu acredito que ela será capaz de encontrar um homem maravilhoso e que
poderá curar seu coração naquele grande país. Deve haver alguém capaz de
fazê-la sorrir novamente.

“É tão egoísta, não é? Mas eu já vinha pensando nisso há algum tempo. Ela
merece muito mais do que um vilarejinho como este. Merece ver o mundo
todo.

“A propósito, Senhorita Viajante, se você está fingindo ser a Mina, isso deve
significar que ela não voltou, certo? Acredito que duas semanas se passaram
desde que ela partiu.

“Nesse caso, isso deve ter acontecido. Ela deve ter encontrado a felicidade.”

Depois de terminada a história, o homem doente olhou pela janela com olhos
cansados e vazios. O vento soprou; as folhas murchas dançaram e, por fim,
caíram.

— Você está de acordo com isso? — Eram palavras banais, mas não consegui
encontrar nada melhor para dizer.

— Claro que não. Ficar longe de quem você ama é tão triste.

—…

Nesse caso… Eu ia falar, mas me contive.

Tanto Mina quanto Abel estavam tristes por ficarem separados, mas teriam
que superar isso. E pareciam estar fazendo o seu melhor para sobreviver. Uma
estranha não deveria se intrometer em um assunto tão pessoal.

— Fico feliz por ter te conhecido, Senhorita Viajante. Você não é a Mina, mas
ainda assim, sinto que a vi uma última vez.

— Também fico feliz por ter te conhecido…

— Isso é bom… — murmurou, e então disse: — Senhorita, você é uma bruxa


errante. Isso significa que tem poderes mágicos misteriosos?

— Hmm? Sim, tenho. — Fiquei um pouco surpresa com a pergunta repentina,


mas respondi afirmativamente. Afinal, magia não é algo com que qualquer um
possa lidar.

— A magia que você me mostrou antes foi realmente incrível. Foi como estar
em um mundo dos sonhos.

— Obrigada por dizer isso. Fico feliz que você tenha gostado.

— Diga, o que mais você pode fazer com magia? Poderia, por exemplo…?
Saí da cabana e voltei direto para a casa onde havia trocado de roupa. Em
seguida, fiz a multidão de mulheres tirar o espartilho. Prenderam ele com
muita força para que eu pudesse tirar sozinha.

— Deu tudo certo? — A velha me questionou logo após eu colocar minha roupa
de novo.

Eu dei uma resposta falsa.

— Sim. Ele não suspeitou de nada.

— Ainda bem. Ele deve ter ficado feliz em poder ver a Mina em seus últimos
momentos.

—…

Últimos momentos?

— Então, o que o Abel está fazendo agora?

— Ele estava cansado por falar depois de tanto tempo, então disse que ia
dormir. Por favor, deixe-o sozinho até esta noite.

— Entendo. Certo. Vou avisar ao chefe do vilarejo.

O chefe deve ser o velho de barba branca.

— Por favor, faça isso.

Coloquei meu broche em forma de estrela e meu chapéu pontudo, e minha


transformação estava completa. Estava de volta ao meu estado normal.

— O que você vai fazer agora? Se ficar por aqui, minha casa estará de porta
aberta para você, mas…

Fiquei feliz com a sugestão, mas balancei a cabeça.

— Não, obrigada. Já vou embora. Estou com pressa. — Além disso, quero
tentar chegar a esse grande país.
— É uma pena…

— Sinto muito.

— Você vai embora sem nem ver o chefe e os outros?

— Se eu os visse, provavelmente tentariam me impedir, certo? Eu deveria


simplesmente ir embora. Se você vir o chefe e o pai da Mina, por favor, passe
os meus cumprimentos.

— Mas já vai? — disse uma das garotas que me ajudaram a tirar o espartilho.

— Que pena — comentou outra garota.

— Volte outra hora, tá bom?

Quanto a mim:

— Claro, com certeza vou voltar — murmurei sem muita convicção.

E então deixei a aldeia. Voei para o norte, direto pela floresta primitiva, e não
olhei para trás. Minha mão estava segurando a vassoura, mas eu ainda podia
sentir os dedos frios de Abel.

E ele…

— Você realmente está me pedindo isso…?

Fiquei perplexa após ouvir seu pedido.

— Sim, isso é sério… Vou morrer logo, não vou? Não tenho dúvidas de que o
fim está próximo para mim. Isso é insuportavelmente assustador. Dia após dia
adormeço pensando que pode ser o dia em que não vou mais acordar. Não
poder fazer nada a respeito é assustador. — De onde estava deitado na cama,
ele continuou: — Além disso, eu sei. Todos do vilarejo, até o pai da Mina, não
têm nenhuma simpatia por mim. Em algum lugar no fundo de seus corações,
todos estão esperando pela minha morte. Quando eu finalmente morrer, não
terão mais que cuidar de mim, é nisso que estão pensando. Eu não aguento
mais. Estou no meu limite. É por isso que… Posso pedir…? Posso pedir que
você me mate?

Ele não estava brincando.

Estava falando sério.

O homem já estava no limite.

Contudo…

— Eu recuso.

Não havia como aceitar tal pedido. Não me tornei uma bruxa para sair por aí
matando os outros. Mesmo que fosse seu pedido final, eu não poderia fazer
isso.

— Que pena… — Ele estava calmo; acho que nunca esperou que eu aceitasse.

— Sinto muito.

— Não, não precisa pedir desculpas. Mesmo se você não me matar, os aldeões
farão isso em pouco tempo. Talvez esta noite mesmo. Vão me dar veneno ou
algo assim, e vai parecer que eu simplesmente adormeci em paz.

— Sem chances…

— Não, tenho certeza disso. Uma pessoa que fica deitada na cama e não
consegue se levantar não tem valor algum neste vilarejo. Não posso fazer
nada, exceto esperar pela morte.

—…

— A única razão pela qual consegui aguentar até agora é porque os moradores
estavam esperando que Mina voltasse. Estavam convencidos de que ela tinha
um apego persistente por mim… mas agora acabou.

Entendi o que ele queria dizer…

— E então eu apareci…

— Espera, não me entenda mal. Realmente não estou te culpando, viu? Seria o
meu destino, mais cedo ou mais tarde.

—…
E então ele sorriu.

— Idealmente, eu morreria enquanto a irmã gêmea da Mina está cuidando de


mim, mas… não quero te forçar. Sinto muito por fazer um pedido tão estranho.

— Não, não se preocupe com isso… — falei.


Majo no Tabitabi 11
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Capítulo 11 – O País Que Persegue a Feiura


Havia um caminho pela floresta cortando um trecho de árvores quase
uniforme. Ele não era pavimentado e era todo irregular, não passando de uma
brechinha onde não tinha árvores crescendo.

Acima dele, voava uma única garota em sua vassoura. Os galhos balançando
sussurravam enquanto ela passava, e as árvores jogavam suas folhas para o ar
como se estivessem comemorando um brinde.

A adorável jovem era uma bruxa e uma viajante.

Seu cabelo cinza cintilava à luz do sol, e seus olhos lápis-lazúlis pareciam estar
olhando além de seu caminho, para algum lugar distante. Ela usava um robe
preto, um chapéu pontudo e um broche em forma de estrela, e não seria
exagero dizer que sua aparência de bruxa apenas aumentava o seu charme.

Esta jovem, que ninguém poderia descrever como outra coisa senão adorável…
quem será?

Isso aí. Euzinha.

—…

Eu já tinha conseguido algumas informações sobre o país que deveria estar à


frente. Entre os mercadores que ganhavam a vida nesta área, era chamado de
todos os tipos de nomes estranhos: “O grande, mas pequeno país”, “O país só
de homens bonitos e belas mulheres”, “O país murado”, “O antiquado país
moderno”, “O país proibitivo”, “O país curioso”, e assim por diante. Eu queria
que eles fossem pelo menos um pouco mais consistentes.

De qualquer forma, a única coisa de que tinha certeza era que um lugar
estranho estava diante de mim. Me perguntei que tipo de estranheza
encontraria, e também o que a tornava tão misteriosa. Tentei interrogar os
comerciantes, mas não adiantou. No final das contas, se quisesse saber como o
lugar realmente era, não havia nada a fazer a não ser ir lá e conferir por mim
mesma. Fiquei meio ansiosa com isso.

Um pouco mais de tempo se passou e meu destino apareceu no horizonte.


Consegui distinguir uma muralha relativamente baixa e o portão de madeira
aberto.
Estacionei minha vassoura em frente ao portão e desmontei.

Um guarda apareceu do nada e começou com uma saudação excessivamente


entusiasmada.

— Você aí… Ah, uma bruxa? Que incomum. — Ele olhou para o broche no meu
peito e arregalou os olhos. — O que a traz a essas partes?

— Sou uma viajante.

— Oh-ho, isso é ainda mais incomum.

— É mesmo?

O guarda acenou com a cabeça duas ou três vezes.

— De fato. A propósito, Senhora Bruxa, você sabe alguma coisa sobre este
país?

— Bem, eu sei um pouco.

— Ah, sério? Nesse caso, tenho certeza de que ficará tudo bem.

— …? — Espera, o que vai ficar bem? Fiquei confusa.

— Bem, então, Senhorita Bruxa, por favor, responda a algumas perguntas


simples antes de entrar. Em primeiro lugar…

As perguntas rotineiras dissiparam quaisquer dúvidas que eu estava sentindo.


As que ele me fez eram coisas comuns, como meu nome, minha idade, quanto
tempo planejava ficar e o motivo da minha visita. Respondi tudo de modo
sucinto.

— Tudo bem, isso é tudo de que precisamos. Pode entrar.

— Valeu.

Incitada pelo guarda, entrei em uma nova terra.

Pois bem, que tipo de lugar é este?


Apenas dar um passeio por ali não seria suficiente para mostrar se este país
era tão estranho quanto ouvi. Ao cruzar o portão, tudo parecia
excepcionalmente comum, embora fosse mais apropriado chamar o lugar de
uma vila murada do que de um país qualquer.

Quase tudo era construído de madeira e todas as casas pareciam ter sido feitas
com um estilo rústico. Era provável que as pessoas simplesmente limparam o
caminho pelo qual eu tinha acabado de passar e usaram as árvores para
construir casas. O problema é que estavam todas caindo. Estavam tão
malcuidadas que pareciam ter dado de cara com o Grande Lobo Mau.

Aliás, as pessoas que moravam nas casas… eram porcos!

Não, eram humanas, é claro…

Uma mulher magra saiu de uma das residências enquanto segurava uma cesta.
Depois de olhar para mim por apenas um momento, ela se virou e partiu.

Que reação mais desinteressada. Parece que visitantes não são tão raros por
aqui.

E não foi só a mulher segurando a cesta. Todos que encontrei pareciam


totalmente indiferentes. Ou talvez fosse melhor dizer que estavam agindo de
forma absolutamente normal.

Lá estava a mulher pendurando sua roupa para secar em um varal entre duas
árvores em um jardim. Lá estavam os homens sentados ao redor de uma
fogueira distante, conversando amigavelmente e jogando galhos nas chamas.
Havia também o jovem que estava intensamente focado em cortar lenha com
um machado.

Vi os moradores do país só de longe, mas assim que se deparavam com o meu


olhar, desviavam os olhos, como se estivessem pensando: Ah, uma viajante. Ho-
hum.

Como me disseram, todos pareciam ser homens e mulheres bonitos, e


provavelmente eram um pouco antiquados. No entanto, no momento, eu não
tinha achado nada do local, só estava o vendo como totalmente comum e um
tanto quanto chato. Isso não está bem à altura das críticas, não é?
— Ora, ora, que raro.

Enquanto eu caminhava sem rumo, alguém me chamou. Olhei na direção de


onde a voz tinha soado e vi uma mulher mais velha, claramente uma maga,
caminhando em minha direção. Quando meus olhos encontraram os dela, ela
sorriu. Era um sorriso transbordando com uma certa bondade enigmática. A
julgar por sua aparência, provavelmente tinha a mesma idade que os meus
pais.

Olhei para trás apenas no caso de ela estar falando com outra pessoa. Depois
de ter certeza de que não iria me envergonhar, perguntei:

— Eu?

A mulher concordou com um aceno de cabeça.

— Sim, você. Você é uma viajante, certo? Se veio para este país, deve ter
gostos realmente estranhos.

— É mesmo?

— Com certeza.

— Ouvi dizer que era um lugar estranho, então chamou minha atenção.

— Hmm, você é estranha.

— É mesmo?

— Com certeza.

A maga inexplicavelmente iniciou uma conversa amigável, então me acusou de


ser uma pessoa estranha com gostos esquisitos. O que está acontecendo? Não
entendi.

— Mas isso aqui não parece nada estranho. Acho que é só um lugar simples,
comum e normal.

— A propósito, o que você ouviu sobre nós antes de vir aqui?

— Um… — Contei os diferentes nomes que os comerciantes usavam para se


referir ao país.

— Hmm… “O país só de homens bonitos e belas mulheres”, hein… Oh-ho-ho,


estou corando.
— … — Você só está escutando as partes que quer?

— Bem, então — disse a maga —, você veio com grandes expectativas e ficou
desapontada, certo?

— Sim, bem, algo assim.

— Entendo… Nesse caso, acho que você deveria dar uma olhada no interior.
Suspeito que será capaz de encontrar o que esperava.

— No interior…? O que quer dizer com isso?

— Quero dizer exatamente o que eu disse. Venha comigo.

— Um, espera…

Ela agarrou minha manga com força, depois me vi sendo arrastada por uma
maga cujo nome nem sabia.

Por que eu…?

Ela me levou a um portão.

Não era aquele pelo qual passei na entrada do vilarejo, mas sim um mais
extravagante. O topo do portão de madeira era adornado com uma moldura de
ferro. De alguma forma, o muro ao seu redor parecia mais alto do que aquele
pelo qual passei primeiro.

O portão estava aberto e uma carroça puxada por cavalos estava estacionada
ao seu lado. Homens mais velhos e gordos descarregavam pacotes de todos os
tamanhos, enquanto o cavalo mastigava grama, já que não tinha nada melhor
para fazer.

Mas o que no mundo é isso?

— Existe outro país dentro deste país…? — perguntei, e a maga soltou minha
manga.

— Sim. E o território além deste portão é o país real.

— Nesse caso, o que há neste lado? — Apontei para o chão.

— Vou te contar se você escutar o que estou dizendo.

— … — Tenho um mau pressentimento quanto a tudo isso.


— Você não quer fazer negócios comigo?

— Esta é uma transação de negócios?

— Com certeza.

— Depende do que você tem a dizer — falei, e os olhos da maga brilharam


como se dissessem: Entendi.

— Vá me comprar um livro. Te darei o dinheiro.

— Um livro…? — Achei que ela fosse pedir algo meio doido, mas era um item
muito normal. — Por que não compra você mesma? Ou há algum motivo pelo
qual não pode comprá-lo?

— Sim, eu tenho um motivo. Posso contar com você?

Eu estava prestes a perguntar qual era o motivo, mas poderia dizer, pelo olhar
em seus olhos, que ela apenas se esquivaria da pergunta e prometeria me
contar depois que eu aparecesse com o livro.

Bem, se é uma tarefa tão simples, então não tem problema.

Não me senti bem por deixar essa maga me colocar em sua incumbência, mas
também estava muito curiosa sobre o que havia do outro lado daquele portão.

— Eu aceito.

Passei pelo cavalo que parecia ser bem lento e também pelos homens gordos,
cruzando o portão secundário.

Dentro havia um outro mundo, tão diferente que me fez imaginar o que diabos
estava acontecendo com o vilarejo abandonado pelo qual eu havia passado.

A terra crua e não pavimentada pela qual eu estava andando… sumiu. Tijolos
cor de ferrugem e aparentemente sólidos estavam alinhados formando a
estrada.

Não, eles não parecem sólidos, eles são sólidos.


As casas construídas ao longo da estrada suavemente sinuosa também eram
feitas de tijolos, e não de madeira. Com certeza poderiam enfrentar qualquer
lobo que soprasse e bufasse.

Enquanto eu caminhava, o aroma de café alcançou meu nariz e avistei uma


cafeteria. Várias pessoas lá dentro sorriram para mim.

Prosseguindo, vi uma padaria, uma do meu tipo favorito. Este país não parecia
ter barracas de rua ou qualquer outro comércio de beira de estrada. A própria
padaria foi montada dentro de uma casa comum. Pensando bem, não comi
nada desde esta manhã.

Mas eu deveria dar uma olhada antes de colocar qualquer coisa na minha
boca. Além disso, desde que me dei ao trabalho de vir aqui, quero comer
alguma especiaria local famosa.

— Ei, ei, Mãe, tem uma feiosa ali. Olha como ela é feia!

— Shh! Não olhe.

—…

Hein…? O que foi isso?

Quando me virei para quem havia feito aquele comentário muito, muito rude,
vi uma mãe e uma criança obesas de mãos dadas e franzindo o nariz para mim,
cheias de nojo.

Falaram aquilo sobre mim? A mãe e a criança cruzaram olhares comigo


enquanto se afastavam, e a criança começou a gritar:

— Eek, a feiosa me encarooooou!

— Ei, pare de olhar! Você vai ficar feio!

Mas o que foi isso…?

Fiquei intrigada com isso, mas nenhuma resposta surgiu. Por fim, concluí que
estava imaginando coisas.

Quanto mais adentro eu ia, pior ficava.

Ou, devo dizer, por quanto mais pessoas eu passava, mais olhos
desaprovadores se voltavam para mim. As pessoas às vezes diziam algo
apontando para mim e zombavam, e às vezes sussurravam com quem estava ao
lado delas.

Feia, diziam.

— Ah, minha nossa! Dói só de olhar!

— Santa mãe, que rosto horrível. Ela não deveria mostrar isso a ninguém.

— Como ela ousa andar por aí como se não houvesse nada de errado? Tenha
um pouco de respeito.

— Quanta magreza.

— Aquela garota parece um esqueleto.

— Ela é uma má influência para as crianças. Alguém pode mandar ela embora?

— Mas ela é uma bruxa.

— Ah, ela é. Uma bruxa feia.

Bem, já deu para entender o cenário.

Como seria de se esperar, não me importei nem um pouco por estar os


incomodando.

O quê, vocês estão com inveja? Queria dizer a eles. Mas quando se está
caminhando por um ambiente em que a discriminação é clara e socialmente
aceita, é natural esperar que coisas questionáveis acabem acontecendo.

Por exemplo, ter um homem (que se parece com um porco inchado) rindo de
você.

— Hya-ha-ha! Ela é horrível demais! Parece até com uma servente!

Por exemplo, assustar um velhote (que se parece com um porco inchado).

— Eek! É a ceifadora! Não me diga… Minha hora chegou…?

Por exemplo, fazer com que uma criança (que se parece com um porco
inchado) atire pedras em você.

— Saia daqui, feiosa!

A criança ao menos não arremessou com muita força, então foi fácil desviar
das pedras.

A propósito, usei magia de ar para soprá-las de volta com o vento. Isso me


ajudou a aliviar um pouco o estresse, e ele era tão gordo que eu achei que
poderia amortecer o impacto todinho.

Mas as coisas desagradáveis não acabaram depois da minha modesta


vingança.

— Ei, você está no caminho, maldita feiosa — rosnou alguém, batendo seu
ombro em mim enquanto passava.

Que belo espécime está me chamando de feia desta vez?

Quando me virei para olhar, me deparei com uma mulher grande e carnuda.

Uau, mas quanta carne. Ela parece uma leitoa pronta para o abate.

Colocando de outra forma, era uma jovem extremamente gorda com um rosto
extremamente suíno. Seu corpo perfeitamente roliço estava coberto com um
vestido de babados, e ela caminhava pelo centro da estrada com uma
expressão de orgulho.

No entanto, estava sendo banhada de elogios.

— Nossa, que beldade!

— É desse jeito que uma garota deve ser.

— Ela não está meio gorda?

— Isso é o melhor. Você não entende?

— Que incrível… Eu quero que ela seja minha esposa.

— Comparado a ela, o que há com aquela bruxa?

— Aquela bruxa está só a pele e osso.

— Tão magrinha.

Foi isso que aconteceu. Achei muito, muito desagradável que seus comentários
de alguma forma começaram a me incluir.

— Fu…
Com o tempo, voltei à estrada por onde havia chegado e entrei na cafeteria.
Tive que fugir. Isso tudo era muito desconfortável.

— Bem-vinda. O que deseja…? Tch… — Um homem com uma cara de cachorro


(gordo, é claro) me perguntou, um sorriso assustador se espalhou por seus
lábios.

— Um, vou querer o café da manhã. — Escolhi a primeira coisa do menu. E a


mais barata.

— Certamente. — O garçom logo saiu de perto de mim e começou a sussurrar


alguma coisa com outro garçom.

Bem, suponho que estão zombando da minha aparência.

—…

Não era algo importante o suficiente para me fazer pensar ou dizer qualquer
coisa a respeito. Qual é o problema com este país? Além do segundo portão, o
conceito de feiura era bem diferente do normal.

— Ei, olha… uma feiosa está sentada ali.

— Seu idiota! Tenha cuidado ao falar sobre os feios. E se você for infectado?

— M-merda… sinto muito!

— Céus…

Deixando de lado a questão de saber se a feiura era contagiosa, mesmo dentro


da cafeteria, os outros clientes estavam me olhando de um jeito bem afiado. Eu
realmente não estava entendendo nada, mas parecia que tinha me tornado um
alvo para preconceito.

— Sinto muito pela demora. Aqui está seu combo matinal. — O garçom olhou
de canto de olho para mim enquanto colocava o café e o pão na mesa. E geleia.

Um combo modesto. Como esperado da coisa mais barata do menu.

Ainda mantendo seu sorriso assustador, ele disse:

— Perdão pelo pedido, senhorita, mas quando terminar de comer pode, por
favor, ir embora? Os outros clientes estão reclamando, então…

— Um…
Ouvi risadas vindo de algum lugar.

Depois de terminar meu café da manhã, que tomei lenta e delicadamente, fui a
uma livraria.

Não posso negar que queria fugir o mais rápido possível, mas eu tinha feito
uma promessa, então ainda não podia ir embora. Caminhei pela cidade,
relutante, mantendo meu olhar fixo no caminho enquanto mais pessoas riam e
apontavam, até que finalmente cheguei na livraria.

Do lado de dentro, a loja estava quase silenciosa – como seria de se esperar de


um local tão sagrado. As senhoras e senhores dentro do local (todos gordos,
sem exceção) estavam absortos vasculhando as prateleiras ou lendo os livros
que tinham em mãos, e nem ao menos me cumprimentaram.

Um espaço seguro.

— Hmm… — Vaguei pela loja tentando lembrar o título do livro que a maga me
pediu para comprar. Depois de um tempo, o encontrei. Sua capa estava sendo
exibida na vitrine de novas publicações. Peguei uma cópia e me dirigi ao
balcão.

— Bem-vinda. — A balconista pegou o livro com uma atitude devidamente


educada. — Devo embrulhar?

— Sim, por favor.

Ela não foi abertamente rude comigo, mas imaginei que devia estar rindo por
dentro.

À toa, por um momento, desviei o olhar e me deparei com uma pilha de


marcadores um tanto quanto estranhos… Olhando mais de perto, eram
aranhas empalhadas, todas achatadas. Tinham “ISTO É UM MARCADOR”
escrito nelas, então aquelas coisas nojentas de fato eram marcadores. Sem
dúvidas.

— Ah, posso pedir para colocar um desses marcadores a cada cinquenta


páginas?

— Você com certeza tem mau gosto, hein?

Bem, então por que eles estão aqui?

Quando eu estava saindo da livraria, um grupo de adultos me cercou. Eu não


sabia o que estavam me dizendo, nem exatamente o que havia acontecido. A
multidão era composta por pessoas (todas gordas, sem exceção) que eu havia
encontrado antes.

— Ei, você é aquela viajante que entrou aqui escondida, certo? — perguntou
um dos homens gordos.

Tentei me lembrar de quem ele era e então percebi que era um dos homens
que estava descarregando pacotes da carroça perto do segundo portão.

— Entrou escondida? — Mas quanta presunção.

— Você passou despercebida enquanto nós, guardas, pegávamos os pacotes de


fora, certo? E sabe muito bem que gente feia não tem permissão para entrar
nesta parte do país. O que foi, está tentando nos irritar?

— Hein? — Não tem permissão?

— Não se faça de besta. Quando você passou pelo primeiro portão, o guarda de
lá deveria ter explicado. O segundo portão marca um lugar especial onde
apenas pessoas selecionadas podem entrar. Quebrar essa regra de propósito é
um ato extremamente malicioso.

— Aham. — Com certeza, lembrei-me do guarda no primeiro portão me


perguntando se eu sabia alguma coisa sobre esta terra.

— Como você pode ter essa atitude conosco? Você está causando muitos
problemas aos residentes só por estar aqui. Ande logo e vá embora.

— Não precisa me pedir isso. Eu já estava indo. — Já cumpri com minha


incumbência.

— Hmph, não volte mais…

Não precisa se preocupar. Eu não voltaria mesmo se você me implorasse,


quase respondi. Mas, como não sou estúpida o suficiente para jogar lenha na
fogueira, só disse: “Sim, claro”, e deixei por isso mesmo.
— Ora, ora, você finalmente voltou.

Eu havia retornado ao vilarejo antiquado que cercava a florescente cidade do


interior.

Ela estava esperando por mim na frente do portão secundário quando saí.
Fiquei feliz por a maga ter me poupado do esforço de procurá-la, mas tive a
sensação de que tudo, até mesmo o momento em que iria encontrá-la, havia
sido de alguma forma previsto. Era como se eu estivesse correndo na palma da
mão dela o tempo todo.

Mas provavelmente era só a minha imaginação.

— Olá. Peguei o livro, como prometido.

— Ótimo, obrigada. — A mulher se moveu para pegá-lo de minhas mãos.

— Mas, primeiro, poderia me falar sobre este lugar? Te entregarei isso depois
— falei, suspendendo o livro bem alto no ar.

Ela puxou sua mão de volta para trás.

— Parece justo. Certo, devemos ir a algum lugar onde possamos nos sentar?

Então a maga me levou a um banco particularmente indescritível. Ele com


certeza já estava ali há muito tempo. Havia musgo crescendo em suas pernas,
as tábuas estavam cheias de buraquinhos, e ele rangeu quando me sentei.
Fiquei até com um pouquinho de medo de, a qualquer momento, o banco ruir.

Meu coração estava batendo tão forte que parecia até que eu estava segurando
uma bomba-relógio, mas a maga me ignorou e olhou para o cenário quieto e
tranquilo.

— Aqui é muito melhor do que lá, não é? É pacífico.

— Bem, suponho que sim…

Mas não acha que é um pouco pacífico demais?

— O que você quer perguntar?


— Acho que você já sabe, não é?

A maga ficou em silêncio por um tempo. E então, aos trancos e barrancos, me


contou a história.

— Há muito tempo, quando esta terra ainda não estava dividida, havia uma
rainha muito feia…

— Uma rainha feia? — Inclinei a cabeça, perguntando silenciosamente: Para os


padrões de quem?

— Bem, as pessoas do outro lado daquele portão a teriam chamado de bonita,


mas a rainha era feia por causa das suas sensibilidades.

— Você não está poupando palavras, eh?

— É só a verdade.

—…

— Voltando à história, a rainha sempre se sentiu inferior, já que era muito feia.
Naquela época, todo mundo pensava que as rainhas deveriam ser bonitas,
então ela sentia muita vergonha da sua aparência.

Mm…?

A maga continuou falando:

— E então, ela fez um pedido a uma certa bruxa errante. “Deixe meu rosto
bonito”, pediu. No entanto, a bruxa recusou. Ela não conhecia nenhum feitiço
para mudar o rosto das pessoas; além disso, pensou que seria antiético.

— E aquela bruxa errante era você?

Ela balançou a cabeça.

— Não. Sou uma simples maga. Olha, eu não tenho um broche nem nada,
tenho? — A mulher puxou a frente do seu robe e me mostrou. E, conforme dito,
não havia nada lá.

— Então, como você sabe que a rainha pediu à bruxa errante para fazer isso?

— Porque eu sou amiga dela. Nós nos demos bem quando ela veio para este
país, embora tenhamos ficado juntas só por um tempinho. Afinal, ela era uma
viajante.
— Ah.

— Nós tínhamos quase a mesma idade que você, e ela era parecida com você.
E também era muito inteligente e bonita.

— Ahhh…

Ela está tentando me agradar? Não sei…

— De qualquer forma, a bruxa recusou o pedido da rainha. Pelo visto, a rainha


não aceitou o não como resposta, e até acabaram discutindo por causa disso.
Num acesso de raiva, a rainha disse: “Como se atreve a recusar um pedido
meu!” e a impediu de retornar ao país.

— A propósito, também acabaram de me banir de lá.

— Foi o que imaginei.

—…

Como eu suspeitava, ela sabia exatamente o que aconteceria quando me


mandasse em sua pequena incumbência.

— Depois disso, a rainha inverteu os conceitos de feiura e beleza e mandou as


pessoas que considerava feias para morar do lado de fora do portão. E então
viveu em paz, feliz para sempre.

—…

— O que achou?

— Um, não sei nem o que dizer… — Minha cabeça começou a doer.

Vamos começar perguntando as coisas que quero saber.

— Então ela simplesmente exilou todos para a área além do portão, e ficou
tudo bem? Imagino que alguns dos moradores iriam se queixar.

— Claro, alguns reclamaram. Mas ninguém pensou em se revoltar.

— Ah…

— As pessoas que ficaram chateadas com a decisão foram mandadas embora


com grandes quantias de dinheiro. Então provavelmente conseguiram se
estabelecer em algum outro lugar, não acha? Mas eu não posso dizer que essa
foi uma das melhores ideias. Se quisessem viver no conforto, a melhor opção
seria ficar aqui. Aqui você pode conseguir alimentos básicos e dinheiro, mesmo
sem trabalhar. Parece um vilarejo pobre, mas na verdade é o outro lado do
portão que está perdendo.

—…

— Graças à infeliz rainha impondo seus valores a todos, vivemos uma vida
pacífica e sem intercorrências, e as pessoas de lá podem viver suas vidas livres
de decepções. Nos desprezar é algo que faz com que se sintam melhor.

— Ah… — Entendo.

Então, para quem está olhando do outro lado, todos aqui vivem uma vida
horrível que os deixa pensando: Não quero ser assim nunca. Cada lado
mantém a ideia de que as pessoas além do portão estão em situação pior do
que elas, e isso mantém a paz.

É inteligente, mas patético, e simplesmente… ridículo.

— Bem, isso conclui minha história. O que achou? Respondi todas as suas
perguntas? — Ela estendeu a mão.

Ao colocar o livro que comprei em suas mãos, falei:

— Sim, a maioria. Não tenho mais perguntas. — Mas ainda estou estressada. —
A propósito, por que você queria este livro?

— É a última novidade, mas só vendem lá dentro. Então, pedi a ajuda de uma


viajante que estava só de passagem.

—…

Entendo. Ela me usou para algo muito trivial, não foi?

— E você não ficou feliz por ver como é do lado de lá?

— Sim… mas fiquei um pouco brava quando começaram a me discriminar tão


abertamente.

— Ah… S-sinto muito por isso — desculpou-se sinceramente.

— Sem problemas.

Além disso, tenho uma vingancinha te esperando a cada cinquenta páginas


desse livro.

— Como uma viajante, o que achou desta terra? — perguntou a maga enquanto
abria o livro.

É muito pacífica, mas é meio esquisita. Dois lugares em um. Se eu fosse


expressar meus pensamentos em uma palavra, seria…

— Estranha. Acho que é um país estranho.

Senti que essa palavra resumia tudo.

— Também acho — concordou a mulher, virando a página.


Majo no Tabitabi 121
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Capítulo 12 – A Rainha de um País Vazio

Se você usar este mapa, deverá conseguir chegar ao próximo país. Boa sorte,
mocinha.

O chefe da aldeia onde eu tinha ficado no dia anterior havia dito algo parecido
e colocado um mapa em minhas mãos, então tentei o meu melhor para segui-
lo.

Passei meio dia voando com minha vassoura em uma baixa altitude, roçando o
solo com o mapa em uma das mãos. E, com certeza, finalmente cheguei ao meu
destino, sem nenhum incidente.

Ainda assim, bem, como devo dizer…?

—…

Este lugar está em ruínas, não está? Não há nada aqui.

Estava tudo morto. O portão que se fechava para o mundo exterior foi deixado
aberto, e voei direto para dentro sem nem descer da vassoura. A parte de
dentro estava na mesma situação – algumas casas não tinham telhado, estavam
cobertas de musgo; algumas não passavam de estruturas esqueléticas; e outras
foram reduzidas a um monte de escombros. Lixo, escombros e destroços por
toda parte.

Não havia nenhum sinal de vida, muito menos de pessoas. Os residentes,


decerto, já tinham partido há muito tempo. O palácio, o símbolo de qualquer
nação, mantinha um exterior comparativamente decente, embora, é claro,
também tivesse sido abandonado. A muralha externa estava tão cheia de
rachaduras que parecia que ia desmoronar com um único toque. A porta de
madeira do palácio, entretanto, continuava inflexível, indiferente aos meus
puxões e empurrões.

— Hmm…

Eu estava acabada. Sério.

Vejamos, o que eu devo fazer? Sentei-me na escada que levava ao palácio e


comecei a fazer beicinho, mas não havia ninguém por perto para perguntar se
eu estava bem, então só fiquei de cabeça baixa.

Passo mais meio dia voltando por onde vim? Ou passo a noite aqui? Essas eram
as minhas duas opções em aberto. E eu não queria escolher nenhuma delas. Se
tentasse seguir a estrada pela qual cheguei, a noite cairia antes que chegasse
a algum lugar para ficar. Mesmo se voltasse para a aldeia sem me deparar com
qualquer incidente, não sabia se havia uma pousada na qual poderia ficar. Mas
deixar o retorno à aldeia de lado e dormir onde estava também era algo
preocupante.

Digo, o lugar estava em ruínas.

— Uff…

Infelizmente, passar a noite no palácio abandonado era o menor dos males, e


foi o que escolhi.

Quando a coisa fica feia… Realmente não quero, mas não tenho como evitar.

Vou ficar aqui.

Me levantei. Precisava procurar um lugar para dormir.

Depois de examinar a cidadezinha enquanto estava montada na minha


vassoura, concluí que a construção que estava mais inteira era o palácio. As
casas não eram uma opção. A maioria delas estava tão acabada que se tornava
inútil.

A porta do palácio estava bem fechada, mas, pensando bem, o lugar já estava
desabitado.

Seria um problema…? Posso fazer isso, né…?

— Hng… — Depois de verificar se não havia ninguém por perto, usei um feitiço
para incendiar a porta, reduzindo-a a cinzas em instantes. — Sinto muito pela
intrusão… — E entrei.

Apesar do exterior acabado, o interior do palácio continuava em boas


condições. Estava cheio de poeira, mas eu não teria problemas em dormir ali.

Pois bem, vamos começar a busca. O primeiro passo é garantir um quarto.

O castelo vazio estava preenchido com uma atmosfera misteriosa. Estava


vagamente inquietante, como se alguma coisa estranha pudesse saltar sobre
mim a qualquer momento. Sentindo um arrepio curioso, procurei pelas
escadas. Eu já tinha entrado em alguns palácios enquanto viajava, então sabia
muito bem que não haveria nenhum lugar que serviria ao meu propósito no
primeiro andar. Se houvesse um quarto, estaria no segundo andar. Os quartos
da família real também deveriam estar no andar superior.

Encontrei a escada poucos minutos depois de iniciar minha busca e subi ao


longo do carpete empoeirado.

E assim…

— Quem é você?

Ouvi uma voz…

Cambaleando como se tivesse sido apunhalada no coração, olhei para cima e vi


uma garota parada na escada.

Eu estava a ponto de começar a chorar, e era por mais de um motivo.

— Não achei que alguém morasse aqui.

— Eu não esperava que alguém aparecesse.

Ela me apresentou um quarto elegante. Quanto à mobília, havia apenas uma


mesa e uma cama, mas o cômodo era bastante espaçoso. Imaginei que toda a
casa em que eu tinha ficado na vila anterior caberia neste quarto. O que é isso?
O que está acontecendo? Ela dorme aqui? É tão luxuoso.

— De onde você veio? — Ela puxou uma cadeira (uma de aparência muito cara,
brilhando com um esplendor dourado inútil) e se sentou, então olhou para mim
suavemente.

— Vim de um país muito, muito distante — falei —, sou uma viajante.

— Posso perguntar seu nome?

— Elaina.

— É mesmo? Me chamo Mirarose. Prazer em conhecê-la. — Ela sorriu.


A garota tinha o cabelo vermelho como sangue e tão despenteado quanto se
tivesse sido eletrocutada. E ela também usava um vestido esfarrapado. Fiquei
ansiosa diante da possibilidade de essa pessoa ser violenta, mas ela parecia ser
muito mais legal do que eu tinha imaginado.

— Por que você está aqui, Mirarose?

— Também queria saber…

— Hã? Então quer dizer que você não sabe?

— Não sei por que estou aqui. — Mirarose torceu a cara. — Quando acordei,
estava neste lugar em ruínas.

— Isso é…

Deve ser amnésia. Mas como? O país não se deparou com a ruína da noite para
o dia. Mesmo em uma estimativa positiva, já estaria em ruínas há ao menos um
mês.

Perguntei a ela a primeira coisa que me veio à mente:

— Por que você não foi embora? Você provavelmente poderia viver uma vida
melhor caso se mudasse para outro lugar em vez de ficar aqui. Se precisar de
dinheiro, tenho certeza de que pode encontrar algum.

Se for necessário, também pode roubar objetos de valor do castelo.

—…

Ela parecia estar ponderando um pouco, e então se levantou. A garota puxou


um único pedaço de papel de uma gaveta da mesa e acenou para mim.

— Esta é a razão pela qual não posso sair.

Ela me mostrou o papel. Estava coberto de cima a baixo com uma caligrafia
confusa e sinuosa.

Parecia ser uma carta. Por insistência dela, eu li.

Você, lendo esta carta, é a rainha Mirarose. Você não sabe de nada, mas tenho
certeza disso.

Por que está aqui? Por que tudo que está vendo além da janela está em ruínas?
Por que não tem nenhuma memória?
Você deve estar confusa, diante de tantas incógnitas, mas quero que fique à
vontade. Vou me esforçar para explicar ao menos um pouco.

Se espera que esta carta desvende o grande emaranhado de mistérios que


você enfrenta, ficará desapontada. Mas você ao menos pode evitar que sua
vida acabe cedo demais graças a uma decisão ruim. Em outras palavras, se não
deseja morrer, continue lendo.

A propósito, neste exato momento, está de dia ou de noite?

Escreverei presumindo que estará de noite. Se acontecer de estar de dia, você


pode simplesmente armazenar o conhecimento que estou prestes a entregar
em um canto da mente e, mais tarde, diga se isso será de alguma importância.

Quero que você olhe pela janela. Você verá um monstro em fúria, tenho
certeza. Esse monstro é o demônio que destruiu esta terra e a fonte de sua
amnésia. Aquilo não tem nome. Se tomássemos o nome deste lugar e lhe
déssemos um nome provisório, poderíamos chamá-lo de Javalier.

Ele nasce ao pôr do sol e destrói tudo o que consegue até o amanhecer. Se
você sair do castelo em busca de comida, recomendo que vá durante o dia. Aí
dentro você está em segurança, já que é o único lugar em que o Javalier não
entrará.

O objetivo dele é matar todos desta terra. Ele aparecerá, em fúria, todas as
noites, procurando pela última pessoa que resta.

Essa pessoa, claro, é você.

Ele está caçando a última rainha de um país vazio. Eu imploro, por favor, não
saia deste lugar. Se o fizer, o Javalier irá te seguir para onde quer que vá. Este
é o único pedido que te faço.

Quero que você mate o Javalier usando seus poderes mágicos. Você ficará
presa até fazer isso, então não acho que tenha muita escolha mesmo. Como
uma bruxa, você tem sua magia, então deve ser capaz de derrubar o Javalier
facilmente. Por favor, mate aquele monstro por nós.

Para você mesma, para que você possa viver.

E por todos os que morreram em sofrimento.

A noite caiu.

A carta estava certa; o Javalier era realmente um monstro. Seu corpo era
enorme, quase da mesma altura dos edifícios em ruínas, e estava coberto de
escamas pretas como a meia-noite.

Ele havia sido chamado de Javalier, mas parecia exatamente como um dragão
sem asas. Não posso dizer com certeza, mas talvez essa semelhança fosse o
motivo para o seu terrível poder de cuspir fogo. Ele esmagou prédios com seus
grandes e fortes braços e arrasou casas jogando-as no chão, procurando pela
última pessoa remanescente: Mirarose. Era um ataque de plena fúria.

— Espere, Mirarose, você é uma bruxa?

— Espere, Elaina, você é uma bruxa?

— Vamos lá, dá para dizer que sou uma só de olhar para mim. — Eu estava
obviamente vestida igual a uma bruxa. Não viu o broche?

— Brincadeirinha. — Mirarose soltou uma risada breve enquanto


observávamos o monstro furioso do lado de fora.

Segui o olhar dela.

— A pessoa que escreveu aquela carta fez uma exigência realmente irracional,
você não acha?

— Com certeza fez. Lutar e derrotar um monstro daqueles é… uma missão sem
sentido.

— Parando para pensar nisso… — algo me incomodava —, por que disseram


que apenas o palácio é seguro?

— Não faço ideia.

Ah, sim, é verdade.

— Essa carta não é um pouco estranha? Tudo o que realmente te disse foi que
um monstro aparece à noite e que você tem que matá-lo, certo?

Embora todos os pequenos detalhes da situação atual de Mirarose estivessem


registrados na carta, estava faltando a informação mais importante.

Por que o Javalier apareceu e por que estava destruindo o lugar? Por que essa
garota era a única pessoa viva? Qual era a relação entre o Javalier e sua
amnésia?

Mistérios, mistérios e mais mistérios. A carta foi resumida de forma bem


inteligente, como se estivesse intencionalmente evitando contar toda a história
para Mirarose.

Por que diabos alguém faria isso?

— Há muita coisa que eu não sei, mas eu sou Mirarose, a rainha… e meu
país foi destruído por um monstro. Se esses são os fatos, então tenho a
obrigação de derrotá-lo… Você não acha?

— Você já lutou contra aquela coisa? — Apontei para o monstro do lado de fora
da janela e ela balançou a cabeça.

— Ainda não.

— Você nunca, jamais lutaria com uma coisa daquelas se pudesse evitar, não
é?

— Com certeza.

— Quantos dias se passaram desde que você viu o monstro pela primeira vez,
hein Mirarose?

— Só sete. Não passou muito tempo desde que eu acordei. E o lugar já estava
em ruínas.

Ela olhou para o céu. Uma lua cheia brilhava no céu tão negro quanto
azeviche, brilhando junto com a luz das estrelas. Me pergunto como ela está se
sentindo agora.

Eu não sabia. E nem teria como saber.

—…

Após um breve silêncio, Mirarose abriu a boca para falar:

— Amanhã à noite, vou lutar contra aquele monstro.

— Você tem alguma esperança de vencer?

Eu não sabia nem se eu mesma sairia vitoriosa após desafiar o Javalier sozinha.
Aquilo provavelmente era tão forte que alguém poderia matá-lo duas vezes e
ele ainda voltaria para no final vencer a luta.

— Claro que tenho. Na semana que passou, desde que acordei, fui me
lembrando, pouco a pouco, de como usar minha magia. Acho que eu devia ter
um certo domínio sobre isso antes de ter perdido a memória. — Ela colocou a
mão no quadril.

— Bem, dê o seu melhor. Estarei torcendo por você… de uma distância segura.

— Ah, você não vai me ajudar?

— Que bem isso me faria?

— Pelo menos você é honesta… Eu realmente não posso te culpar por isso.

— Bem, obrigada.

Depois disso, nós nos permitimos entrar em uma conversa amigável enquanto
assistíamos o enorme Javalier continuar com a sua agitação. Foi meio ridículo.

Como um lugar para dormir, Mirarose me permitiu usar uma das camas dos
antigos criados. Fiquei grata. Ela era macia e fofa.

Bem cedinho na manhã seguinte, acordei com um tremendo


barulho. Ataque inimigo! Ataque inimigo!, minha mente gritou. Meu coração
batia forte como se eu tivesse acabado de correr a toda velocidade. Pulei com
uma sensação sinistra no estômago e me dirigi para o primeiro andar, de onde
o barulho se originou, segurando minha varinha.

— Ah, bom dia. — Enquanto eu corria pelo primeiro andar toda arrepiada,
Mirarose me cumprimentou com um sorriso alegre. Desta vez ela estava
usando um vestido diferente, mas estava tão esfarrapado quanto o outro.

Ela só tem vestidos esfarrapados? Coitada.

Espera, isso não vem ao caso agora.

— O que foi aquele som? Um ataque inimigo?

— Inimigo…? — Ela inclinou a cabeça, confusa. — Eu só estava cozinhando. O


barulho foi tão alto assim?

— …? C-cozinhando?
Será que devo supor que o que você chama de cozinhar é algo tão violento
quanto o que estou imaginando?

— Sim, já está quase pronto. — Ela balançou a cabeça e voltou aos seus
afazeres. Eu a segui e chegamos à cozinha. — Pode esperar na sala de jantar, é
aqui ao lado. Vou levar a comida.

— Um, posso te ajudar…?

— Está tudo bem.

— Um, obrigada…

— Não se preocupe com isso.

—…

Recuei com o rabo entre as pernas – não era como se eu tivesse alguma
escolha. E então fui para a sala de jantar e sentei em uma das cadeiras à mesa.
Então pensei: Isso foi um erro. Eu não deveria ter saído de lá.

Um barulho incrível vinha da cozinha ao lado, como uma espécie de construção


em ritmo acelerado. Estalidos. Água escorrendo. Triturações. Esfregadas.
Batidas. Eu imploro, por favor, poupe a minha vida – Gyaaah! Esfregadas.
Tapas.

Coisas do tipo.

Esses com certeza não eram sons feitos ao se cozinhar.

E, para piorar as coisas, ouvi alguém gritar. Graças às ferozes habilidades de


cozinheira de Mirarose (ou o que quer que ela estivesse realmente fazendo), eu
acabei perdendo todo o apetite.

Ela trouxe a comida da cozinha enquanto mantinha um olhar satisfeito.


Também não preciso mencionar que eu estava tão branca quanto um lençol.

— Minha nossa, você está bem? Você não parece nada bem.

— O que diabos você estava fazendo lá…?

— Eu te disse, cozinhando. Aqui está. — Ela colocou um prato na minha frente.


Em cima do prato branco havia duas fatias de pão torrado. Um dos pedaços da
torrada marrom-dourada estava coberto com uma geleia vermelha e espessa. O
outro pedaço tinha um ovo frito sobre ele.
Cozinhando…? O que diabos foram aqueles sons…?

— Vamos comer.

Sentada à minha frente, ela apertou as duas mãos, em seguida, mastigou sua
torrada com geleia.

— Obrigada pela comida… — Também pressionei minhas mãos juntas,


imitando-a.

Quanto mais eu pensava nisso, mais me perguntava se estava perdendo a


cabeça à toa, então decidi não me preocupar com os detalhes. Me preocupar
com essas coisas provavelmente era perda de tempo.

Ao contrário de Mirarose, comecei com a torrada com ovo frito. Os sabores do


delicado e levemente doce trigo e do ovo frito se espalharam pela minha boca.
Era uma refeição comum e nada sofisticada, ou seja, fazia muito tempo que eu
não comia nada parecido. Apesar de tudo, acabei sorrindo.

Para simplificar, estava absolutamente delicioso.

— Pensei que poderíamos conversar esta noite, enquanto temos tempo — disse
Mirarose.

— Esta noite?

— Sim. Quero que você me ajude com os preparativos para o meu plano.

Depois de mordiscar minha torrada em todos os cantos ao redor da gema de


ovo, respondi:

— Você me deu onde dormir e o café da manhã; não precisa pedir para eu te
ajudar.

— Ah, então você vai derrubar o Javalier?

— Calma aí, vai com calma.

Por que você tem que lutar contra aquilo, em primeiro lugar? Não vejo
problema em simplesmente deixá-lo lá.

A expressão de Mirarose era gentil, provavelmente porque ela já havia previsto


que eu seria firme em minha recusa.

— Foi só uma piada, então você pode ficar tranquila. Eu devo cuidar dos
assuntos da minha própria nação. Tenho certeza de que é o que o escritor da
carta também desejaria.

—…

Não tenho tanta certeza.

Fiquei em silêncio. Não era porque estava tentando desesperadamente


mastigar sem deixar a gema de ovo escorrer pela minha boca. É sério.

— Não fico surpresa que você ache isso, Elaina. É óbvio que a carta não é
totalmente confiável. Seria tolice acreditar em tudo o que ela tem a dizer
quando deixa de fora todos os detalhes importantes.

Fiquei chocada. Foi como se ela tivesse lido minha mente.

Minhas palavras ficaram presas na minha garganta. Ignorando-me, ela


continuou:

— No entanto, sem nenhuma dessas informações, tudo o que posso fazer por
enquanto é lutar. Mesmo assim… de alguma forma, simplesmente não consigo
me convencer de que a carta está mentindo. O escritor realmente odiava o
Javalier e o queria morto, e é por isso que me escreveu aquela carta. Eu posso
dizer isso.

Bati no meu peito, angustiada, e Mirarosa silenciosamente me passou um copo


d’água. Ah, que gentil.

— Ufa…! Muito obrigada. — Depois de respirar fundo, falei: — Não importa o


que você decida, sou só uma humilde viajante, então isso não é da minha
conta. Entretanto, se me permitir dizer uma coisa, se eu estivesse no seu lugar,
ignoraria completamente tudo o que está naquela carta.

— Por quê? — Mirarose sorriu. Não era escárnio ou uma tentativa de disfarçar
alguma outra emoção desagradável; ela estava simplesmente gostando de
nossa conversa.

Mas que pessoa incrível. Sério.

— Porque isso é suspeito. Essa razão já basta. Você perdeu a memória, não
consegue distinguir a direita da esquerda, e ainda assim está aceitando tudo
que está escrito naquilo. Claro, é fácil para eu dizer isso. Não estou na sua
posição.

— Bem, o que você faria se fosse eu, Elaina?


— Fugiria. Fugiria com toda a minha velocidade e iria procurar asilo em outro
país — afirmei.

— Mas a carta dizia que, se eu partisse, o Javalier viria atrás de mim.

— Isso torna tudo ainda mais suspeito. Tudo que aquilo faz é destruir a cidade;
não tem um pingo de inteligência. Ele realmente poderia te rastrear? Além
disso, não faz sentido que não possa entrar no castelo, e o autor nem mesmo
assinou o nome… É uma carta verdadeiramente intrigante.

— Então você não acredita nela.

— Eu não. Mirarose, você decidiu mesmo lutar contra aquele monstro?

— Claro. — Ela balançou a cabeça.

Nesse caso, eu sabia o que tinha que fazer.

Dei uma mordida na minha torrada coberta de geleia. A geleia de sabor


estranho grudou no céu da minha boca.

Os preparativos correram sem demora. Entretanto, eu mesma que cuidei de


todos eles.

—…

Estou exausta…

Mirarose elegantemente tomava chá e me observava trabalhando.

— E então? — perguntou ela em um tom despreocupado. — Acha que você


consegue terminar?

Eu me virei, ainda balançando minha varinha como uma louca, e disse:

— D-de qualquer forma, por quanto tempo preciso fazer isso para terminar…?

Olhando para dentro do buraco, ela respondeu alegremente:

— Vamos ver. Parece que você está no meio da escavação.


— Eu vou morrer… — Tenho certeza de que é só a minha imaginação, mas
parece que há um desequilíbrio enorme entre a quantidade de trabalho manual
que estou fazendo e o que estou recebendo em troca.

Se quer saber o que ela estava me obrigando a fazer, então vou contar: eu
estava cavando um buraco. “Quero que você vá até a rua mais larga da cidade
e use magia para cavar um buraco grande o suficiente para o Javalier caber
completamente dentro.” Esses eram seus “preparativos”.

Segundo ela, o Javalier não tinha asas, então, se caísse em um buraco, devia
demorar um pouco para conseguir escalar de volta para cima.

“Se lançarmos feitiços mágicos nele sem parar enquanto ele estiver lá,
devemos ser capazes de enterrar o Javalier, certo?”

Esse era o seu plano.

A princípio, poderia ser considerado um plano imprudente, mas agora, essa


lamentável armadilha primitiva era nossa melhor aposta contra o monstro
misterioso. Apenas um ataque devia ser suficiente para destruir o Javalier,
então se Mirarose pudesse simplesmente bloquear qualquer tipo de contra-
ataque, poderíamos esperar que o plano fosse bastante eficaz.

Mas isso se os preparativos não me matassem primeiro.

— H-hup… urgggh…

Tínhamos recolhido cada pá e colher, e até mesmo baldes, da área, e eu estava


fazendo o meu melhor para operar todos de uma vez só usando minha magia.
Acho que merecia até um tapinha nas costas por causa disso. Queria ser
elogiada por meus esforços e trabalho árduo.

Bem, eu era a Bruxa Cinzenta e ganhei meu título por causa da minha
habilidade real. Claro, poderia ter feito isso com mais eficiência – escavando o
solo pessoalmente, por exemplo. Mas isso iria exaurir uma quantidade
extraordinária de poder mágico. Considerei as alternativas do meu próprio
trabalho físico contra esgotar minha magia e escolhi o trabalho duro.

E esse desastre foi o resultado.

— Guhaaa…

E, sim, eu me arrependi.

Isso é tão difícil que eu poderia realmente morrer.


Em algum momento, Mirarose começou a ajudar e fizemos um bom progresso.
Mesmo assim, demorou um bom tempo e só terminamos de fazer a cova
quando já estava anoitecendo. Nós duas ficamos ali, felizes, em frente ao nosso
lindo buraco. Depois de trabalharmos juntas, senti uma amizade um tanto
estranha nascendo entre nós. Talvez fosse só a minha imaginação.

— Não vai demorar muito… — disse Mirarose. Ela parecia um pouco nervosa e
tensa.

— Você está bem?

— Eu estou b-b-b-bem. Sim, estou bem.

De alguma forma, não estou convencida.

— Mas você está tremendo muito mesmo.

— Estou t-t-t-tremendo de excitação. N-não consegue perceber?

—…

Você realmente vai conseguir lutar assim?

Forcei meu cérebro a pensar em como acalmar seus nervos e tive a brilhante
ideia de mudar de assunto. Sou genial.

— Pensando bem, esqueci de te perguntar uma coisa.

— Oh? Que coisa?

— Por que você só usa vestidos esfarrapados, hein Mirarose? Não tem
nenhuma roupa bacana? — falei.

— Ah, não. É que minhas roupas sempre ficam assim quando eu cozinho, e me
trocar é um saco, então eu fico com elas assim mesmo.

— Que tipo de comida você anda fazendo…? — Fiquei desapontada com a


explicação trivial. Eu esperava que suas roupas estivessem escondendo um
grande segredo.

— De qualquer forma, isso servirá como meu uniforme para a batalha.

— Mas agora elas estão esfarrapadas e enlameadas.

— Na verdade, minhas roupas íntimas também fazem parte do uniforme.


— Você está planejando mostrar elas para o Javalier?

— Será um ataque com apelo sexual.

— Como se isso ao menos fosse funcionar.

Enquanto continuávamos nossa conversa ridícula, o sorriso voltou ao rosto


dela.

Ainda bem. Minha estratégia foi um sucesso.

No entanto, assim que o alívio se instalou, ela disse:

— Obrigada.

— Hein…? Pelo quê? — Virei meu rosto para longe dela. O calor que senti nas
minhas bochechas era apenas por causa do pôr do sol. Definitivamente.

— Eu sei o que você está tentando fazer. Você está tentando acalmar meus
nervos.

— Ei, só estávamos batendo um papo. Sinto muito se você pensou isso aí. Não
fique chateada.

— Você é ridiculamente franca e, mesmo assim, não consegue ser honesta. —


Mirarose me cutucou com sua varinha. Isso fez cócegas. — Estou bem. Não
vou morrer — disse ela. — Depois vamos nos encontrar de novo. Vou levar
minha comida caseira para você na hora do jantar.

— Está tudo bem. Esta noite eu faço o jantar — falei. — Então, não morra, viu?

— Claro que não vou. — Enquanto ela falava, Mirarose usou magia para
esconder a superfície do buraco. Dessa forma, o Javalier devia dar de cara com
ele sem perceber nada.

Os últimos raios do sol poente pintaram o céu distante de vermelho. O


horizonte se dividiu em metades distintamente vermelhas e azuis, ambas as
quais logo seriam substituídas pela escuridão. E não muito depois disso, o
Javalier viria.

— Tudo bem, pode ir. — Mirarose me empurrou.

— Te vejo mais tarde — falei, e ela voltou a sorrir gentilmente para mim. E
então eu virei minhas costas para ela e fui embora.
Espera aí – quem disse que eu estava indo embora?

Isso foi uma piada. Se eu partisse em um momento desses, então não teria
mais nenhum pingo de humanidade. Embora eu ache que estava sendo muito
sensata quando recusei o pedido de ajuda.

No momento, eu estava dentro de uma casa do outro lado do buraco,


esperando em silêncio pelo momento certo para atacar. A estratégia era fazer
um ataque concentrado. Para ser honesta, eu não estava planejando ajudar
caso pudesse evitar. Digo, a situação não tinha nada a ver comigo. Eu não fazia
ideia se valia a pena arriscar minha vida ou se havia alguma necessidade real
de derrotar o monstro.

Mas meus sentimentos mudaram, só um pouquinho. Eu não queria deixar


aquela garota maravilhosa morrer. É por isso que iria lutar.

E eu lutaria com força suficiente para sobreviver, é claro.

Mesmo agora, não poderia simplesmente me oferecer para ajudar, mas espero
que essa seja uma ofensa perdoável.

—…

Em pouco tempo, ouvi um rugido terrível que parecia estar saindo do próprio
inferno. Estava muito perto. Quando dei uma espiada lá fora, pude ver escamas
pretas lentamente se movendo.

Se continuar no mesmo caminho, vai cair direto no buraco.

— Ufa… — suspirei profundamente.

Isso foi estranho. Mesmo só tendo a conhecido no dia anterior, realmente


queria que Mirarose sobrevivesse. Quando isso acabasse, faríamos o jantar
juntas e eu aproveitaria a oportunidade para ver seu estilo feroz de cozinhar.
Fiquei realmente intrigada com isso.

Enquanto me perdia em pensamentos, finalmente chegou a hora e ouvi o uivo


do monstro. O som de seu ataque estava mais fraco do que antes, mas as
reverberações ainda chegavam ao meu esconderijo.
Eu furtivamente dei uma espiadinha do lado de fora, onde Mirarose estava
travando uma incrível batalha. Ela estava lançando feitiço após feitiço, sem
qualquer piedade, no Javalier, enquanto ele tentava rastejar para fora do
buraco. Lanças de gelo, bolas de fogo, espadas e machados feitos com magia,
lâminas de vento e relâmpagos e outros feitiços choveram sobre o monstro.

Eh? Hein? Parece que ela pode ganhar, pensei por um momento, mas minha
primeira impressão foi equivocada. Ela estava definitivamente fazendo o seu
melhor, mas Mirarose estava com dificuldade.

O Javalier estava soprando chamas para o céu, resistindo aos feitiços de


Mirarose enquanto tentava rastejar de volta para fora do buraco.

Se eu quiser ir lá, minha chance é agora. Se o atacarmos juntas, poderemos


mandá-lo de volta para o fundo do buraco. E então vamos enterrar essa coisa.

Fechei meus olhos e voltei a respirar fundo. Segurei minha varinha com
força. Vamos fazer isso.

— Mirarose! — Me preparei e saltei para fora do meu esconderijo.

Assim que fiz isso, algo passou zunindo ao meu lado, alcançando uma
velocidade inacreditável.

Vooosh. Manchando meu rosto com algo enquanto passava, aquilo bateu na
casa atrás de mim com um barulho estrondoso.

Passei minha mão no rosto e senti um ligeiro cheiro de ferro. E também um


líquido morno e viscoso: sangue.

Sangue… Sem chances. Não, não pode ser…

Lutando para manter meu coração disparado sob controle, me virei.

— Ah…

Lá, enterrada em uma montanha de escombros… estava…

A cabeça negra parecida com a de um dragão do Javalier… A decapitação


correu de forma limpa, foi quase como se tivesse sido feita por uma lâmina
muito afiada; sangue fresco escorria do ferimento e formava uma enorme poça
abaixo daquilo.

Por que a cabeça do Javalier está aqui? Hein? Não me diga… não me diga que
ela ganhou sem minha ajuda?
Eu estava ali, incapaz de compreender totalmente a situação, quando ouvi uma
voz.

— Enquanto eu estava lutando contra o Javalier, me lembrei… — Seu tom


gélido me enviou arrepios pela espinha, e no começo eu até duvidei que fosse
mesmo a Mirarose.

Mas quando me virei, era ela quem estava ao lado do Javalier sem cabeça.

— Lembrei-me de tudo, de tudo, tudo, tudo. Ah-ha, ah-ha-ha-ha, ha-ha!

Me perguntei se essa garota era realmente aquela que eu conhecia.

Arrancando seu próprio cabelo, Mirarose lançou mais feitiços.


Instantaneamente, os quatro membros do Javalier sem cabeça foram
arrancados e voaram em direções diferentes. Os pedaços de carne voando
espirravam sangue para todo lado, cobrindo a cidade já destruída com seus
restos.

—…

Estremeci.

Ela estava sorrindo, banhada em sangue. Sua expressão não mostrava o sorriso
gentil que me mostrou durante a manhã, mas sim algo sombrio e distorcido.

— Ah-ha, ah-ha-ha-ha! Ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha!

Fiquei sem palavras. Não pude fazer nada além de cair em um estado de
choque.

Depois que retornamos ao castelo, Mirarose me contou tudo.

Era uma história e tanto, e ela me contou todos os detalhes.

Há vários anos, ela teve um amante.

No entanto, ele era um servo, e mantiveram seu relacionamento em segredo de


todos. Se seu pai descobrisse que ela se apaixonou por um garoto de outra
classe social, ele a teria renegado. Por medo, a garota manteve sua relação em
segredo, fez de tudo para não ser descoberta.

Os dois não tinham nada além de confiança e amor um pelo outro.

No entanto, todos os segredos vêm à tona mais cedo ou mais tarde, e o deles
não foi exceção. O fato de estar apaixonada por um servo tornou-se uma fofoca
bem conhecida.

Então Mirarose engravidou dele. Percebendo que não era mais possível
esconder seu amor, os dois confessaram tudo para o pai dela, o rei.

O rei ouviu a história em silêncio, balançando a cabeça seriamente várias


vezes, e quando terminaram, ele anunciou: “O servo será executado.”

Ninguém poderia apaziguar sua ira.

O próprio rei executou a punição. Ele montou um cavalo e arrastou o servo


pela cidade atrás de uma carruagem, cuidadosamente arrancou suas unhas,
uma a uma, quebrou seus dentes, submergiu-o na água, deu-lhe apenas comida
o suficiente para evitar que morresse de fome, mantendo-o oscilando entre a
vida e a morte, que foi dois meses depois, e torturou-o de todas as formas
imagináveis, até que o jovem enlouqueceu, e então finalmente pôs fim à sua
vida miserável, queimando-o na fogueira na frente de Mirarose e de todos os
cidadãos.

Então, depois que acabou com o servo, foi a vez de Mirarose.

Como ela era sua filha amada e a única bruxa do país, o rei não a matou, mas
não a perdoou por carregar um filho de um servo na barriga. O rei pagou uma
grande quantia a um médico local para interromper secretamente a sua
gravidez. Naturalmente, a criança nunca nasceu, não importa quantos meses
ela tenha esperado.

E assim, tendo perdido tudo, Mirarose fez um voto. Uma promessa de que
mataria todos.

E cuidadosamente montou um plano. A primeira coisa que fez foi bloquear o


castelo. Para o propósito de seu plano, o castelo teria que se tornar um porto
seguro e confiável. Já que as outras pessoas que moravam lá estavam
atrapalhando seus preparativos, ela trancou todos no porão.

Todos, isto é, exceto o rei.

Ela o expulsou do castelo e o selou do lado de fora. Era um selo tão forte que
apenas um indivíduo com fortes poderes mágicos poderia quebrá-lo – razão
pela qual eu, uma bruxa, pude entrar.

Em seguida, ela escreveu uma carta para seu futuro eu – digo, escreveu uma
carta para si mesma. Ela tirou um dos residentes do castelo da prisão
subterrânea e ordenou que escrevesse enquanto ficava ao seu lado ditando. Se
a carta fosse escrita por ela mesma, isso poderia acabar prejudicando seu
plano.

Então, depois de esconder a carta que havia escrito em uma gaveta da


escrivaninha, olhou da janela de seu quarto para o rei, que tentava
desesperadamente entrar no castelo. O rei a viu e sua ira voltou a aumentar.
Ele gritava coisas horríveis para ela: “Isso tudo porque você engravidou de um
filho de uma empregada” e “Você não é mais minha filha!”

Ela calmamente abaixou sua varinha na direção do rei clamoroso e lançou um


feitiço nele… trocando sua própria memória pelo poder do feitiço.

A energia mágica nascida das memórias e desespero de Mirarose tomou conta


do rei e o transformou. Ele ficou extremamente grande, escamas apareceram
em sua pele e parecia ter perdido toda a sua inteligência humana. Ele se
tornou um dragão negro.

O nome do rei era Javalier. E o nome do monstro ser o mesmo não era uma
simples coincidência. Com a criação do monstro que só ficaria ativo à noite,
seu plano estava completo. Sua magia quase se exauriu e ela caiu em um sono
profundo.

Na próxima vez que Mirarose abriu os olhos, havia esquecido tudo. No entanto,
tudo correu de acordo com o plano. Nesse ponto, não havia nada a fazer a não
ser percorrer o caminho que ela havia traçado para si mesma. Sua batalha
contra o dragão negro também fazia parte do plano, assim como o fato de que,
durante a batalha, as memórias ligadas ao monstro voltariam para ela.

No entanto, ainda restaram algumas perguntas.

Por que ela desviou de seu caminho para transferir suas memórias? Mirarose
devia ter ficado bastante perturbada por ter acordado com amnésia. Além
disso, me perguntei se reter suas memórias não teria tornado isso menos
desagradável.

Quando perguntei isso, ela soltou uma risadinha.

— Eu dei minhas memórias para o rei, assim ele poderia sentir minha angústia.
Na verdade, o Rei Javalier não havia perdido toda sua inteligência humana
quando se tornou um dragão negro. Pelo visto, embora seu corpo tivesse sido
tomado pela transformação, sua consciência humana ainda existia em um
canto da mente da fera. Esse era o plano que Mirarose havia preparado para
ele.

Ela devia ter realmente desejado atormentar o rei, já que seguiu adiante com
uma trama tão complicada. Depois de se tornar um monstro furioso, o Rei
Javalier esmagou seus súditos com as próprias mãos. Com a cabeça cheia de
memórias que Mirarose forçou nele, massacrou tudo o que uma vez amou, e
então…

E então o resto procedeu perfeitamente de acordo com o plano dela, e a


história chegou ao fim. Ela se tornou a rainha de um país vazio, tudo por sua
própria iniciativa…

Na manhã seguinte, deixei o castelo sem sequer tocar no café da manhã que
Mirarose havia preparado para mim.

— Você já está indo, não está? — disse ela calmamente. A garota não parecia
particularmente triste com isso.

— Sinto muito. Afinal, sou uma viajante. Devo me apressar e ir para o próximo
lugar.

— Ah, então é isso? Que pena. Foi muito divertido conversar com você.

—…

— Não pode ficar um pouco mais de tempo por aqui?

— Pare, por favor.

— Só estou brincando. — Ela sorriu, mas não havia mais nenhuma gentileza
nessa ação. Isso estava distorcido e repleto de escuridão. A garota que eu
conheci não estava mais em lugar nenhum.

— O que você vai fazer agora, Mirarose?


— Vamos ver, o que devo fazer…? Se eu sentir vontade, acho que posso
começar a viajar.

— Não recomendo isso.

— Você não se importaria se eu me juntasse a você, não é?

— Sério, pare.

— Só estou brincando de novo. A verdade é que ainda não pensei em nada. Por
enquanto, quero saborear minha vingança. — Ela esfregou a barriga, como
uma mãe nutrindo uma nova vida.

Não havia mais nada que eu pudesse dizer, então decidi encerrar as coisas.

— Bem, então tchau. Se cuida. — Peguei minha vassoura enquanto ainda


falava.

— Você também.

Decolei e tomei um atalho ao seguir o fluxo do vento.

Ela deve estar acenando, dando seu adeus. Mas não estou com vontade de
olhar para trás.

Saí daquele lugar o mais rápido que pude, passando rapidamente pelos
escombros de sua terra arruinada.
Majo no Tabitabi 13
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Capítulo 13 – O início de Uma Jornada


Quando eu era jovem, adorava livros.

Nem me lembro quando comecei a ler, mas sou uma leitora ávida desde que
me lembro. Sempre que tinha tempo livre, pegava um livro na estante de casa
e lia, e quase todas as vezes que minha família saía, importunava meus pais
por um livro novo.

Talvez seja por isso que não tinha muitos amigos da minha idade. Eu não
brincava, optando por passar meu tempo enfurnada no meu quarto. Meus pais
se preocupavam comigo, mas eu tinha tudo que queria na vida. Afinal, sempre
tive um livro ao meu lado.

Entre meus livros, eu tinha uma série favorita chamada As Aventuras de


Nique. Uma coleção de contos em cinco volumes, que continha as aventuras de
uma bruxa chamada Nique, que viajou para vários locais exóticos em todo o
mundo.

O nome da autora era Nique, igual no título. Mas era um pseudônimo; seu
nome verdadeiro era completamente diferente. No posfácio de cada volume,
ela escrevia: “Escrevi essas histórias com base em minhas próprias
experiências”.

Para a jovem Elaina, uma garota que não deu um único passo para fora do País
Pacífico de Robetta, a heroína Nique, que vagava de um lugar para outro como
queria e via o mundo amplo e bonito, era um farol brilhante. Eu amei aqueles
livros talvez um pouco demais e os li muitas vezes. Os livros até começaram a
se desfazer.

E, finalmente, decidi que queria ser como Nique.

Quero tentar viajar assim também, comecei a pensar.

E então a jovem Elaina falou para sua mãe:

— Quando eu crescer, vou embarcar em uma aventura como a de Nique.

Afagando suavemente minha cabeça, minha mãe respondeu:

— Tudo bem, quando você crescer. — Ela sorriu e acrescentou: — Mas se


quiser viajar, primeiro terá que se tornar uma bruxa como Nique, entendido?

— Se eu me tornar uma bruxa, posso ser uma viajante?

— Sim. É por isso que você deve dar o seu melhor em seus estudos de magia.

— Estudar bastante, me tornar uma bruxa e então poderei viajar?

— Exatamente.

— Sério?

— Sim, sério.

— Sério, sério?

— Sim, sério, sério.

— Eba!

Tudo começou de uma coisa tão pequena, mas meu desejo de ver o mundo me
estimulou ao longo dos anos que passei trabalhando para me tornar uma
bruxa.

Passei quase todos os dias estudando sozinha.

Minha mãe me fez companhia enquanto eu praticava minha magia.

Ela era tão habilidosa em magia que qualquer um ficaria surpreso em saber
que nunca teve nenhum treinamento formal. Minha mãe era uma boa
professora e, antes que percebesse, eu fiquei muito boa no uso de magia. Tão
boa, na verdade, que fui capaz de me tornar uma noviça aos quatorze anos.

Foi um caminho longo e árduo, mas nunca pensei em desistir. Simplesmente


continuei trabalhando o máximo que pude.

Então completei meu treinamento com a Senhorita Fran e me tornei uma


bruxa por completo.
Acredito que tenha acontecido vários dias depois que voltei para a casa dos
meus pais com o broche em forma de estrela em meu robe. Eu estava sentada
em frente a eles na mesa depois que terminamos o café da manhã e disse:

— Agora sou uma bruxa, então, por favor, me permitam viajar.

Meu pai ergueu a cabeça do jornal e franziu a testa. Minha mãe não pareceu
particularmente surpresa e calmamente bebeu seu chá após o café da manhã.

Meu pai observou a reação de minha mãe, depois pigarreou com força, dobrou
o jornal e o colocou na mesa.

— V-você não acha melhor não se apressar? — perguntou, agindo o mais


neutro possível.

Eu fiquei um pouco irritada.

— Não foi isso que vocês disseram, foi? Vocês não me prometeram que quando
eu me tornasse uma bruxa, poderia viajar?

— Bem, prometemos isso, mas… nunca pensamos que você se tornaria uma
bruxa tão cedo…

— O que importa? Trabalhei o mais duro e rápido que pude para poder ir e ver
o mundo quando terminasse.

— Hunf…

Derrotado, meu pai caiu para trás e, depois de resmungar um pouco, colocou a
mão no ombro de minha mãe. Ela ainda estava bebendo seu chá graciosamente
ao lado dele.

— A-agora, você diz algo também, Mamãe.

Minha mãe colocou a xícara de chá na mesa.

— Caramba. Você é o único que é contra a Elaina sair, Papai. Acho que não
tem problema em ela ir viajar.
— Mas…

— E, além disso, não dissemos isso a ela desde que era uma garotinha?
Dissemos que permitiríamos que viajasse assim que se tornasse uma bruxa.

— Talvez você tenha feito essa promessa…

— Você concordou com isso também. Esqueceu?

— Mas…

— Você concordou, não foi?

—…

Meu pai ficou em silêncio. Bem, estava mais para silenciado, na verdade.

— Elaina, você está falando sério sobre isso, certo? — perguntou minha mãe.

Eu concordei.

— Claro.

— Então vá ver o mundo.

— Certo!

Após uma breve pausa, minha mãe disse:

— No entanto, quero que você me faça três promessas.

— Promessas…? — Inclinei minha cabeça, um pouco confusa.

Minha mãe se virou para mim e ergueu três dedos.

— Sim. Se você não puder cumprir essas promessas, não tem como deixá-la ir
em uma jornada, sendo bruxa ou não. Afinal, o mundo é perigoso.

— O que eu preciso te prometer…? — Eu com certeza não iria desistir.

— Bem, ouça. — Minha mãe dobrou o dedo anelar. — Primeiro, quando parecer
que você está encaminhando para uma situação perigosa, você fugirá sempre
que possível. Não enfie o nariz onde não é chamada. Caso contrário, pode
acabar morrendo.

— Pode deixar.
Isso é bom senso. Eu faria isso mesmo se você não me fizesse prometer. Não
estou pronta para morrer, sabe.

Minha mãe continuou, dobrando o dedo médio.

— Em segundo lugar, nunca comece a pensar que está acima de todo mundo,
você pode ser uma bruxa, mas ainda será uma visitante. Você não deve ser
arrogante e nunca se esqueça de que você é igual a todos.

— Tudo bem. — Graças à minha experiência treinando com a Senhorita Fran, a


versão estranhamente arrogante de Elaina já era coisa do passado. Eu também
não pensei que haveria qualquer problema em manter essa promessa.

— Terceiro… — Minha mãe deixou cair o punho frouxamente dobrado para o


lado e sorriu. — Você deve voltar… Volte e deixe-nos ver seu sorriso
novamente.

—…

— Você promete?

— Prometo. — Acenei lentamente.

Foi aí que meu pai começou a chorar.

— V-você está realmente indo, Elainaaa…?!

— Papai, ela tomou sua decisão. Vamos dar uma forcinha, tá bom? Além disso,
fomos nós que prometemos que ela poderia ir. Os pais não quebram
promessas.

— Eu tinha certeza de que o papai ia quebrar há um minuto… — murmurei.


Felizmente, ele não pareceu me ouvir.

Enxugando as lágrimas, meu pai disse:

— Minha preciosa filha única já está deixando o ninho, hein? Já posso sentir
um buraco se abrindo em meu coração…

— Bem, voltarei mais cedo ou mais tarde.

— Você vai morrer com o choque quando Elaina se casar, não é, querido?

— Pare! Nem fale sobre ela se casar; está muito cedo! — Meu pai começou a
chorar de novo.

Então foi mais ou menos assim.

Ficou oficialmente decidido que eu iniciaria minha jornada.

No dia seguinte, me vesti com uma roupa nova.

— Sim, o tamanho está perfeito.

Meu chapéu preto pontudo e meu robe preto eram roupas de segunda mão de
minha mãe.

— Não é um pouco simples? — Dei uma volta na frente do espelho.

— Uma aparência simples é perfeita para uma viajante. Além disso, combina
com você.

— Obrigada.

— Você tem dinheiro?

— Um pouco.

— Não o desperdice.

— Claro que não.

— E então… ah, isso mesmo. Por precaução, leve isso com você.

— …?

Ela colocou um chapéu pontudo na minha mão. Era exatamente do mesmo


modelo do outro chapéu que minha mãe já havia colocado na minha cabeça um
momento atrás… Mas por quê…?
— Para o caso de seu primeiro chapéu voar com o vento, você pode usar este
— disse minha mãe enquanto eu ficava ali, parada e confusa.

Em outras palavras:

— Um sobressalente?

— Isso aí.

Tá bom, eu levo.

E então, com meus preparativos completos, parei à porta.

Os dois estavam parados lá quando olhei para trás.

— Boa viagem, Elaina. — Minha mãe estava acenando com um sorriso no rosto.

— Uu, guw… waaahhh… — Meu pai começou a chorar de novo.

Afagando a cabeça de meu pai, minha mãe falou comigo com um sorriso gentil.

— Sempre que você voltar, não se esqueça de nos contar tudo sobre a Jornada
de Elaina.

— Pode esperar por isso.

— Nós vamos. Viaje com segurança.

Tirei meu chapéu, mostrei o maior dos meus sorrisos e disse:

— Estou indo.
Majo no Tabitabi 14
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Capítulo 14 – Celestelia Real


Enquanto eu navegava sobre os campos em minha vassoura, uma ondulação
percorreu as flores e marcou o meu progresso. Banhadas pela luz do sol, as
flores passaram com um brilho e um som parecido ao de um riacho
balbuciante.

Respirei bem fundo, enchendo os pulmões de ar, e abri os olhos.

Do outro lado dos campos estava um país cercado por uma muralha.

Quão enorme é este lugar?

Pensei em tentar voar pelo lado de fora na minha vassoura, mas duvidava que
conseguiria retornar antes do pôr do sol, então desisti dessa ideia.

Mais importante ainda, o portão estava bem na minha frente, então não havia
necessidade de sair do meu caminho para ficar voando por aí. Continuei em
frente, curtindo a paisagem, e pousei.

Um guarda do portão apareceu e silenciosamente fez uma reverência para


mim.

— Bem-vinda ao nosso país, Madame Bruxa. Perdoe a intrusão, mas posso


saber seu nome?

Era a usual inspeção de imigração.

— Elaina.

— Quanto tempo você pretende ficar?

— Cerca de três dias, eu acho.

— Qual é o seu título de bruxa?

— Bruxa Cinzenta.

— Bruxa Cinzenta…? — O guarda olhou para mim.

— Algo de errado? — Eu provavelmente parecia confusa.


— Ah, não, não é nada. Perdão.

O guarda pareceu confuso, mas me permitiu entrar sem perder a compostura.

Parece que isso era tudo que ele tinha a perguntar. Paguei uma prata pela taxa
de entrada e passei pelo portão. Atrás de mim, ouvi alguém dizer:

— Bem-vinda à Celestelia Real.

Fiquei meio desconfiada por causa do nome todo formal do país, mas a cidade
estava fervilhando de energia.

Celestelia Real era só mais um nomezinho esquisito.

As passarelas de tijolos estavam cheias de pessoas – casais aparentemente


felizes segurando bebês, crianças mais velhas correndo atrás umas das outras,
idosos saindo para passear. Todos estavam cuidando de suas vidas diárias.

Comecei a caminhar.

Prédios altos se alinhavam em ambos os lados da rua, com cordas esticadas


entre eles. As roupas estavam penduradas nas cordas ao sol; alguém tinha
colocado elas para secar.

Respirei fundo e senti um cheiro ligeiramente adocicado. Vi um vaso de flores


no parapeito de uma janela, cheio de lindas flores multicoloridas.

A cidade diante de mim era tão maravilhosa que parecia que eu poderia perder
a noção do tempo.

Fiquei vagando sem rumo até que me deparei com um prédio muito elegante.
Tinha uma enorme torre de relógio, e o lugar era tão grande que pensei que
poderia ser um palácio. O amplo terreno era cercado por uma cerca de ferro,
então eu não conseguia chegar perto do prédio em si.

Olhando para a torre do relógio, caminhei ao longo da cerca e encontrei a


entrada.
ACADEMIA REAL DE MAGIA

É isso que está escrito no portão, então suponho que seja mesmo. Interessante
encontrar uma academia de magia aqui… Não existia tal coisa em meu país.
Com certeza não uma tão sofisticada.

Mas foi o suficiente para me deixar com inveja das crianças que moravam por
perto.

Estou um pouco curiosa para ver isso por dentro… Será que tem problema se
eu entrar? Devo entrar?

Bem, vou entrar.

Pisei no terreno.

— Ei, você. O que está fazendo?

Ainda não tinha ido longe quando alguém me agarrou firmemente pelo ombro.

— A entrada de pessoas não autorizadas é proibida. Não tem problemas dar


uma olhada, mas vou te pedir para que não entre.

Quando me virei, me deparei com um homem musculoso parado bem ali. Sua
roupa estava bem esticada sobre os músculos protuberantes. Ele parecia ser o
porteiro.

—…

— Ah… — Ele olhou para o meu peito e sua atitude mudou na mesma hora. —
Peço perdão. Eu não sabia que você é uma bruxa… Por favor, desculpe a minha
grosseria.

— Sem problemas. — Afastei sua mão de mim e voltei a caminhar na direção


da escola.

— Sinto muitíssimo, mas, por favor, não entre aí. — Mais uma vez fui parada.

— Ah, então é proibido?

— Sim.

— Até mesmo para bruxas?


— Minhas ordens ditam que a entrada de qualquer pessoa de fora é
absolutamente proibida.

— Quem lhe deu essas ordens?

— A grande bruxa que dirige esta Academia.

— Huh…

— Ela não quer que os segredos do currículo da Academia vazem. E ela


também não suportaria que seus métodos fossem roubados por algum tipo de
imitadora.

— Bem, então, que tal fechar o portão da frente?

— Não podemos fazer isso. Está quase na hora da grande bruxa chegar.

— Huh… — Saí com relutância.

Que pena.

Ainda está muito cedo para encontrar uma pousada para passar a noite, hmm?

Continuei caminhando sem rumo. Passear por este país se provou divertido.

—…

Olhei para cima e vi uma vassoura sobrevoando as casas, mas não parecia que
aquilo estava só dando uma voltinha. O homem nela estava ziguezagueando
pelas casas, deixando cair um monte de coisas enquanto fazia isso. Quando vi
alguém saindo pela varanda e pegando o que ele jogou, percebi que se tratava
de um entregador de jornais.

Desci a rua principal e encontrei uma rua cheia de barracas de ambos os lados:
barracas de frutas, mercearias, açougues e muito mais. Havia também uma
barraca de pão, com uma placa que dizia: RECÉM-ASSADOS!

Não existe nenhuma mentira maior do que essa, hein? Aposto que está tudo
velho.

— Com licença. Vou querer um pão, por favor.

A mulher de aparência amigável atrás do balcão sorriu para mim.

— Isso vai custar um cobre.


Tirei uma moeda de cobre da carteira e entreguei a ela.

A mulher pegou o meu pão e o enfiou em uma bolsa… com a mão nua.

— Aqui está. Obrigada.

— Sim… obrigada.

Peguei aquilo e vaguei pelo distrito comercial enquanto mastigava o pão. O pão
longo e fino evidentemente não estava recém-assado, já que estava duro e
velho. Continuei, lutando com ele e, finalmente, deixei a área comercial.

Então vi outro mago. Este homem tinha um grande embrulho amarrado à


vassoura e estava falando com o proprietário de uma cafeteria.

— Entregue isso na casa da Senhorita Amana, que mora no lado oeste da


cidade. Leve com cuidado! O almoço dela está aí dentro, entendeu?

— Certo!

— Ah, não tenho tanta certeza sobre isso…

Dando um olhar de soslaio ao dono da cafeteria, o homem lentamente decolou


com sua vassoura e voou para algum lugar.

Então, pelo que vejo, fazem entregas de vassoura. Por algum motivo este país
deve ter muitos magos.

Achei que era porque tinham uma escola ensinando magia.

Os magos não estavam apenas lidando com jornais e entregas de pacotes;


alguns também carregavam pessoas em carrinhos presos às vassouras. Claro,
não era prático para uma pessoa carregar uma carga tão pesada sozinha,
então trabalhavam em duplas. Uma pessoa parecia estar encarregada de
operar a vassoura, enquanto a outra parecia estar aliviando o peso do carrinho
usando magia.

Havia magos não apenas no céu, mas também no chão. Alguns faziam
demonstrações de magia no acostamento da rua principal, para o deleite de
todas as pessoas que passavam. Estavam usando magia para manipular
fantoches e apresentar uma peça.

Alguns cantavam animando o local com efeitos mágicos (produzindo neve e


afins), deixando a multidão animada.
E todos estavam trabalhando energicamente.

A propósito, havia algo pesando um pouquinho na minha mente.

Eu acho ótimo que os magos daqui possam desfrutar de suas vidas, mas isso
não é taxado?

Então decidi perguntar. Perguntar a alguém é a maneira mais rápida de


descobrir algo que não sabe, certo?

— Com licença — falei com uma garota maga que estava sentada em um banco
lendo um livro (ela não tinha um broche nem um corsage, então provavelmente
era uma noviça). Eu estava em uma praça que havia encontrado por
coincidência.

— Sim? O que foi? — Ela se virou para mim com uma expressão suave.

— Sou uma viajante e há algo me incomodando. Se estiver tudo bem, posso te


perguntar sobre isso?

— Nossa, que viajante mais fofinha que você é. — Ela soltou uma risadinha. —
Tudo bem, o que é? Se eu souber, vou responder.

Parei por um momento, então disse:

— Os magos deste país não têm dificuldades para voar?

Ela inclinou a cabeça, confusa.

— Dificuldade para voar…? Não, na verdade não.

— Mesmo com aquilo? — Apontei para as cordas amarradas entre os edifícios


altos e as roupas penduradas nelas.

Seu olhar seguiu meu dedo, e ela soltou um som de compreensão.

— Ah… Elas foram colocadas de propósito.

— De propósito?

— Sim. Este país tem muitos magos, certo? É por isso que criamos alguns
obstáculos para quem fica voando por aí.

— …? — Fiquei sem saber o que dizer.


— Minha nossa. Essa explicação não foi boa?

— Sim, se você pudesse me explicar a lógica…

Ela colocou o livro de lado.

— Quanto mais você se afasta do solo em sua vassoura, mais exaustivo se torna
o voo, certo? Portanto, todos desejam voar o mais baixo possível.

— Certo — concordei.

— Mas se todos ficassem voando baixo, as ruas ficariam congestionadas. E


alguém poderia acabar até batendo em uma casa ao tentar evitar um acidente
com outra pessoa. Quando existem tantos magos assim, esse risco acaba se
tornando real.

Ah, entendi.

— Então, para evitar que as pessoas voem entre as casas, vocês colocaram
cordas e roupas para bloquear o caminho?

Ela disse com um sorriso:

— Exatamente. Neste país, acreditamos que os magos devem ter consideração


por aqueles que não podem usar magia.

— E nenhum dos magos vê problema nisso…?

— Você não consegue dizer isso só olhando como as coisas estão?

Puxei minha vassoura e voei para o céu. Eu não ia a nenhum lugar em


particular. Só queria ver o lugar lá de cima.

— Uau… — A visão do ar era totalmente diferente da visão do solo. Os telhados


multicoloridos estavam alinhados mais ou menos na mesma altura e em um
padrão de vermelho e azul, aqua e amarelo. O vento que soprava por mim era
agradável, e pensei em como seria bom me deitar em um daqueles telhados e
olhar para o céu.
Seria uma boa ideia procurar a pousada em que vou ficar enquanto estou aqui
em cima.

Voei sem rumo, cumprimentando os magos pelos quais passava e acenando de


volta para as crianças que balançavam as mãos para mim do interior dos
carrinhos.

Eu estava passando o tempo de maneira bastante agradável até que um


pensamento me ocorreu. Isso me lembra, em um dos países que visitei antes,
uma garota não bateu de repente em mim enquanto eu estava voando pelo ar?
O que será que ela anda fazendo? Talvez tenha voltado para a sua cidade natal
e esteja treinando para ser uma bruxa.

—…

Parei minha vassoura no ar, puxando o cabo com força. Fiquei sentimental ao
lembrar de Saya… Não, esse não era o motivo, é claro. Na verdade, as duas
pessoas que pararam na minha frente me lembravam dela.

— Um, posso ajudar?

Um garoto e uma garota bloquearam o meu caminho, e pelo visto foi de


propósito. Eles estavam usando capas pretas, camisas sociais brancas com
gravatas vermelhas e calça ou saia pretas. Nenhum tinha um broche, então
eram ambos noviços.

— Bom dia. Você é a Bruxa Cinzenta, eu presumo — disse o garoto.

— Uh, n-nós somos estudantes da Academia Real de Magia — disse a garota.

A Academia Real de Magia. Interessante. São daquela escola em que fui


barrada?

— Precisam de alguma coisa?

— Um… Podemos pedir para que venha conosco e não faça perguntas? — A
garota falava de um jeito muito tímido enquanto fazia um pedido bem ousado.

Isso é tão suspeito quanto parece.

— Por quê?

— Ah, eu disse para não fazer perguntas…

— Definitivamente não — respondi na mesma hora.


— Hein?! Por que não?! — O garoto ficou surpreso.

— Parece que há algo de errado com isso, então não vou.

Posso ter revelado minha identidade, mas por que de repente tenho que ir com
vocês? E ainda por cima sem fazer perguntas? Isso torna tudo ainda mais
suspeito, não é? Esquece.

— Um, mas…

— Primeiro, quero saber os seus motivos. Então vou decidir se vou ou não —
falei com firmeza para a garota tímida.

— Isso… não posso.

— Bem, então não posso ir com vocês.

O garoto me interrompeu.

— Ah, vamos lá! Estamos implorando, Bruxa Cinzenta! Venha conosco e, por
favor, não pergunte nada!

— Eu já disse… se não me darem um motivo, então não vou. Vocês são


persistentes demais.

—…

Eu podia ver que isso não estava levando a lugar nenhum. Se continuássemos
com a conversa da mesma forma, ela simplesmente não chegaria a um fim.

Hora de fugir?

É, acho que sim.

Girei minha vassoura abruptamente.

— Ah, foi mal. Acabei de lembrar que tenho que fazer uma coisa urgente —
menti. E então voei para longe daqueles dois.

— Hã…?!

Bem, eu ao menos tentei, mas meu caminho voltou a ser bloqueado por outros
magos. Havia vários pares de garotos e garotas vestidos exatamente como
aqueles dois.
Ah, o que temos aqui? As coisas estão ficando cada vez mais
estranhas. Olhando para a esquerda e para a direita, pude ver alguns pares de
alunos com as mesmas roupas se aproximando de mim, um após o outro. De
repente, fiquei completamente cercada por um misterioso grupo de cerca de
vinte alunos.

— Ei, vocês aí. Vamos atacá-la.

— Sim.

— Se trabalharmos todos juntos podemos pegar ela, eu acho.

— Certo.

— Pode deixar.

— Não fiquem com toda a glória.

— Digo o mesmo.

Os alunos estavam balançando para frente e para trás. Eu não tinha


absolutamente nenhuma ideia do que estava acontecendo, mas tinha certeza
de uma coisa: se ficasse onde estava, eles me pegariam. E eu não sabia o que
poderia acontecer se fosse pega.

—…

Lentamente inclinei minha vassoura para baixo, e então…

— Ey! — Bati nela e saí em uma velocidade explosiva. Segurei meu chapéu
pontudo com uma das mãos, para que não voasse enquanto eu disparava pelo
céu a todo vapor sobre a cidade.

Em outras palavras, fugi.

Quando olhei para trás, pude ver os estudantes disparando atrás de mim,
gritando uma coisa ou outra. E assim começou uma intensa perseguição, por
motivos que não entendi direito.

Mas para a surpresa de ninguém, uma bruxa de verdade tinha uma vantagem
esmagadora sobre um bando de noviços.

—…

Eles me perseguiram insistentemente, mas eu podia afirmar que estava aos


poucos criando alguma distância entre nós. Era só uma questão de tempo para
os deixar completamente para trás. Mas mesmo se eu pudesse despistá-los,
eles ainda continuariam com uma boa visão panorâmica enquanto ficavam para
trás. Não importa para onde eu fugisse, logo voltariam a me localizar.

Bem, o que devo fazer? E que tal isso?

— Certo… — Diminuí minha velocidade, virei para o lado e voei logo abaixo dos
telhados. Eu podia ver as cordas amarradas entre as casas, e as roupas
penduradas nelas balançavam com a brisa enquanto eu passava voando.

Nessa altura, os telhados dificultavam a visão à distância. Dessa vez, se me


perderem de vista, vai ficar bem difícil para me encontrarem de novo.

Quando olhei para trás, ainda havia vários alunos me perseguindo


persistentemente. Antes havia cerca de vinte deles, então será que os outros
desistiram?

Mas quando voltei a olhar para frente, percebi que não era o caso.

Vários deles estavam tentando me impedir.

— Ah…!

Se separaram e anteciparam os meus movimentos. Estavam em vantagem por


conhecer o território. Sem dúvidas.

Virei minha vassoura para a esquerda, disparando por um beco.

Se é assim que vai ser, vamos fugir de verdade!

Voei um pouco adiante e encontrei uma saída.

Contudo…

— Ah, eu a encontrei! — Uma garota apareceu, bloqueando a saída, e estendeu


a mão em minha direção.

Mais uma vez previram o meu curso. Mas se eles são tão bons…

— Apenas coopere e deixe-nos pegá-la… Hein?

Assim que a garota chegou a cerca de uma vassoura de distância de mim, pulei
no ar. Depois de ter passado pela noviça estupefata, chamei minha vassoura de
volta e saí voando.
Foi um movimento de fuga em pleno ar. Além de ser útil contra ataques
surpresa, era bem legal, então eu gostava de fazer isso de vez em quando.

Mesmo depois que perdi a garota de vista, meu caminho ainda continuava
sendo bloqueado e meus perseguidores estavam se aproximando pela frente e
por trás. Pensei que voar baixo iria me esconder, mas sabiam a minha posição
exata.

Bem, nesse caso… Desta vez resolvi voar bem alto no céu.

—…

Depois de chegar a uma certa altura, olhei para a cidade. Os alunos


perceberam que eu subi e começaram a sair do meio das casas e das estradas
para mais uma vez se unirem no meu encalço. Eles estavam diminuindo a
velocidade; pensei que estavam ficando cansados.

Continuei esperando lá no alto, até que retomaram a perseguição.

Finalmente, um estudante do sexo masculino voou até chegar bem ao meu


lado, gritando:

— Graaaaaahhh!

Facilmente desviei o curso da minha vassoura e me esquivei dele.

— Aaaaaaaaahhh! — Com um outro grito estranho, ele passou voando por mim.

Como se isso fosse algum tipo de sinal, todos os alunos atacaram de uma vez
só, de todas as direções. Eles eram cerca de… bem, depois dos dez fiquei com
preguiça de continuar contando. Todos aqueles que tinham me cercado na
primeira vez continuavam lá, pelo visto.

Pareciam ter perdido a capacidade de falar, pois tudo o que saía de suas bocas
era, na maioria das vezes, gritos estranhos.

— Gaaahhh!

— Nyaaahhh!

— Oraaahhh!

— Hyaaahhh!

— Shraaahhh!
— Drogyaaaaa!

E assim por diante.

Continuei calmamente fugindo dos meus perseguidores – esquerda, direita,


para cima, para baixo e, às vezes, em círculos, esquivando, esquivando e
esquivando.

Eles não tinham começado a me atacar ainda, então eu também não puxei
minha varinha e dediquei minha energia para simplesmente manter minha
vassoura longe deles.

— Gyaaahhh!

— Ahhhhhh…

— Ah…

— O qu…?

— Hah…

— Eeeeeek…

— N-nada bom…

Eu nem lembro por quanto tempo continuamos fazendo aquilo. Antes que eu
percebesse, os alunos estavam voando lentamente e, no fim, pararam de me
perseguir.

Parece que já basta.

Estavam todos voando juntos, em um grupinho.

— I-impossível… — ofegou alguém entre eles.

— E-eu vou morrer… — Outra pessoa estava branca feito papel.

— Exatamente qual é o objetivo de vocês? — Demandei uma resposta. — Que


negócios vocês têm comigo?

Mas não houve resposta, só respirações ofegantes.

— Agora já devem ter entendido que não vão conseguir me pegar, mesmo se
acabarem se unindo contra mim. Desistam — esclareci, mas não fiquei
surpresa quando ninguém me respondeu. Incomodada, continuei: — Bem,
então, quem diabos…? — Pediu para fazerem isso? Engoli as palavras que
estavam prestes a sair da minha boca.

Não consegui nem falar.

Uma bruxa havia aparecido.

Um dos alunos seguiu meu olhar e murmurou:

— Ah, é a Senhorita… — Assim que ouviram isso, os outros correram para


endireitar os uniformes e arrumar os cabelos.

A mulher puxou sua vassoura para perto dos alunos sem fôlego, com um
sorriso verdadeiramente radiante, e disse:

— Pessoal, bom trabalho. O que acharam? Vocês deram tudo de si para pegar a
bruxa, mas não tiveram a menor chance, não foi? Esta é a diferença de
habilidade entre uma bruxa e um estudante. Isso não tem nada a ver com
sorte. Isso é porque a Bruxa Cinzenta tem um genuíno e incomparável poder.

Ela tinha cabelos pretos como a meia-noite, um robe e um chapéu pontudo no


mesmo tom, e um broche em forma de estrela no peito. A bruxa sorriu para
mim, exatamente o mesmo sorriso que me mostrou há três anos.

Ela era a professora deles.

— Já faz um tempo, Elaina.

Senhorita Fran.

— Sinto muito, Elaina. Vou te explicar tudo. Mas, primeiro, poderia vir conosco
para a Academia? — A Senhorita Fran pediu desculpas enquanto conduzia a
mim e aos alunos para a Academia Real de Magia. Não havia como recusar seu
pedido. Afinal, eu tinha tantas coisas que queria dizer.

O aglomerado de vinte jovens magos voando juntos deve ter parecido um


bando de pássaros migratórios.
Olhei fixamente para as costas da Senhorita Fran, pensando comigo
mesma: Ela realmente não mudou nada desde aquele tempo,
hein? Refleti. Quantos anos será que ela já tem?

Antes que eu percebesse, chegamos à Academia.

Pousando sua vassoura no terreno da escola, a Senhorita Fran disse:

— Gente, isso conclui as atividades extracurriculares de hoje. Bom trabalho.


Preparem-se para dar o seu melhor amanhã.

Depois de responder com um som vazio de “Sim, senhora“ e “Obrigado”, os


alunos se dispersaram. Eles estavam claramente exaustos; alguns até
cambalearam no ar, enquanto outros desistiram de voar e voltaram para casa
andando.

Ao vê-los partir, a Senhorita Fran sorriu.

— Ora, ora. Acha que fomos muito duras com eles, Elaina?

— E isso é culpa minha?

— E minha.

— Então agora você está ensinando nesta escola, Senhorita Fran…?

— Sim. Pouco antes de eu ser convidada para te treinar, o rei me convidou


para vir para cá.

— … — Eu nunca tinha ouvido falar disso. — Quer dizer que você ficou fora da
escola por um ano inteiro? Então teve sorte por não ser demitida.

— Sim. Bem, normalmente não sou responsável por nenhuma classe, sabe.
Minha especialidade é orientar outros professores, e às vezes dou aulas
extracurriculares para os interessados, como você viu hoje. Além disso — a
Senhorita Fran olhou para mim —, os outros professores foram muito
compreensivos quando eu disse que estava ensinando magia para você —
acrescentou.

O que isso quer dizer?

— Me ensinando?

— Sim. Se fosse outro aluno, então provavelmente teria perdido o emprego.


— Não pensei que eu fosse tão importante.

— Imagino — disse ela, sorrindo como sempre. E então acrescentou: — Bem,


entre. Há muito que quero discutir com você. — Ela apontou para o prédio da
escola atrás de nós.

E eu sentia a mesma coisa.

O interior do prédio da escola era muito simples.

Mesas e cadeiras estavam organizadamente dispostas em uma sala de aula


quadrada com um grande quadro negro na frente. Nem uma única decoração
adornava as paredes.

Salas de aula semelhantes estavam alinhadas ao longo de um lado do corredor.


Em frente a elas, havia janelas que davam para o amplo terreno da escola.

— Originalmente, esta escola era um lugar para ensinar matérias comuns —


disse ela. — Mas quando construíram uma nova, esta se tornou desnecessária.
Fizemos com que nos permitissem usá-la como uma escola para ensinar magia,
assim como assuntos mais mundanos.

— Então, os alunos que estavam tentando me pegar… eles estudam aqui,


certo?

Ela balançou a cabeça.

— Sim. Como parte do meu curso extracurricular, os instruí a te trazer até mim
sem dizer o porquê ou arrastá-la até aqui à força.

— Por quê…?

— Você não consegue descobrir por conta própria?

— Não sei.

Ela ficou em silêncio por um momento. Então colocou a mão no meu ombro.

— Porque eu queria ver você — disse em uma voz muito baixa, quase um
sussurro.

—…

Emoções complicadas se mesclaram dentro de mim. Esta mulher é astuta,


pensei. Ela sabe que não posso ficar com raiva se ela disser algo assim. Em vez
disso, mudei de assunto.

— Como você sabia que eu tinha vindo para esta cidade?

— Porque você tentou entrar na escola sem permissão.

— Ah…

Dava para ver o enorme portão pela janela. É claro. Eu fui parada por aquele
guarda corpulento. A Senhorita Fran seguiu meu olhar e balançou a cabeça.

— Isso mesmo. Assim que cheguei na escola, o guarda já me informou. Ele


disse: “Uma jovem bruxa com cabelos cinzentos estava tentando entrar. Acho
que ela pode ser uma espiã de outro país.”

— Uma espiã… — Ele realmente tirou conclusões precipitadas, hein…?

— Quando ele te descreveu, pensei: “Ah, deve ser a Elaina.” Fui direto até o
guarda no portão da cidade e confirmei que você realmente tinha vindo para
cá.

Chegamos ao final do corredor. A Senhorita Fran virou e subiu as escadas, e


eu a segui.

— Seu nome estava nos registros de imigração. Você chegou esta manhã, não
é?

— Sim. — Balancei a cabeça.

— “Minha aprendiz veio me visitar”, pensei, e então não consegui mais me


conter. Decidi te procurar… usando os meus alunos.

—…

— Quando voltei para a escola, cheguei bem a tempo para a aula extra que
ministro com meus alunos de melhor desempenho. Então passei uma tarefa
para eles.

Terminamos de subir as escadas e uma única porta apareceu diante de nós. A


Senhorita Fran colocou a mão na maçaneta e a abriu com um rangido alto e
desagradável. Parecia que a porta estava precisando de reparos.

— “Há uma garota neste país chamada Bruxa Cinzenta”, falei para eles.
“Tragam-na até aqui sem contar os motivos para ela.” Se tivessem, por algum
milagre, conseguido fazer isso, eu ia dar um ponto extra para eles.
— Por que você fez essa abordagem indireta…? — Poderia ter me procurado de
um jeito normal.

A Senhorita Fran bufou.

— Você não acha que seria quase impossível eu te achar, sozinha, neste país
enorme? — Ela se encostou na porta. — Bem, vá em frente. — E me incitou.

Passei por ela e entrei. Lá, havia uma sala que parecia uma combinação de
escritório e recepção. Bem no meio do cômodo havia um par de sofás na frente
de uma mesinha, e uma mesa com uma enorme pilha de papéis e livros
encostada na parede oposta.

Ouvi outro rangido ensurdecedor quando a porta se fechou atrás de mim.

— Algo de errado? Sente-se. — A Senhorita Fran passou por mim e se sentou


em um dos sofás.

— Ah, tudo bem. — Sentei-me no outro, de frente para minha ex-professora. O


sofá era macio e fofo.

— Eu sabia que você tinha se tornado uma viajante, mas fiquei realmente
surpresa ao descobrir que você tinha vindo para este país, sabe?

…? Hein?

— Você já sabia?

— Sim. Sabia.

— Acho que nunca falei sobre minhas viagens para você, Senhorita Fran.

Afinal, já faz tanto tempo desde que a vi. As únicas pessoas que sabiam de
minha jornada viviam no País Pacífico de Robetta, assim como meus pais. A
Senhorita Fran saber disso era bem estranho.

Minha ex-professora devia ter percebido que fiquei confusa.

— Elaina, ainda se lembra do que eu disse quando você terminou seu


treinamento?

“Adeus, Elaina. Algum dia a gente vai se ver de novo. Por favor, aguarde por
isso e espere por mim.” Quero dizer, sim, ela disse isso, mas…

A Senhorita Fran revelou um sorriso travesso.


— Eu tinha alguns negócios por lá, então, um ano após o seu treinamento,
voltei a Robetta. Enquanto estive lá, sua mãe me disse que você tinha
começado a viajar.

— Você viu a minha mãe?

— Sim. Ela estava muito preocupada com você. Se você passar perto de sua
casa, não deixe de a visitar.

— Estou planejando fazer isso.

Mas estou bem longe, então suspeito que vai demorar um pouco para voltar a
vê-la.

— Isso é bom. — Depois de uma pausa, a Senhorita Fran perguntou: —


Parando para pensar nisso… Elaina, por que você decidiu se tornar uma
viajante? Foi por influência da sua mãe?

…? Como minha mãe virou um tópico dessa conversa? Inclinei a cabeça,


confusa.

— Uh, não foi… Quando eu era pequena, li uma série de livros


chamada As Aventuras de Nique. E foi isso que me influenciou.

— Minha nossa… — A Senhorita Fran inclinou um pouco as sobrancelhas. —


Hmm… Entendo. — Ela parecia estar refletindo a respeito dessa informação.
Foi uma reação estranha.
— Um, o que foi?

Ela balançou a cabeça quando perguntei.

— Nada, não foi nada. As Aventuras de Nique, não é? Você tem bom gosto.
Também gosto daqueles livros.

— Oh-ho-ho… Já li eles tantas vezes que consigo recitar todas as histórias de


cada um dos cinco volumes de cabeça — falei, me gabando.

— Ora, ora. Nesse caso, qual é a sua história favorita? Gostei bastante da
última: “Fuura, a Bruxa Noviça”.

— …! Essa também é a minha favorita!

Se bem me lembro… nessa história, a bruxa Nique visita um certo país, pega
uma aprendiz, uma garota chamada Fuura, e a ajuda a treinar até que vire
uma bruxa. No final da história, Nique abandona a vida de bruxa e passa a
viver no campo como uma mulher normal. Então Fuura se torna uma bruxa e
começa uma nova série de viagens.

— A propósito, eu e Fuura somos bem parecidas. — A Senhorita Fran disse


algo estranho.

— O que quer dizer com isso?

— Vejamos… o que estou dizendo? — Ela riu. — As Aventuras de Nique é uma


obra famosa. Até neste país aqui ela é muito famosa.

— Mas é uma história muito antiga, não é?

— Bons livros envelhecem bem.

— Suponho que seja verdade… — Nada poderia dar mais felicidade aos fãs de
longa data.

Se eu quisesse, provavelmente poderia passar parte de minhas viagens


passeando por aí enquanto contava As Aventuras de Nique para os outros…
Mas minhas restrições de orçamento provavelmente acabariam causando
algum contratempo.

— De qualquer forma… — A Senhorita Fran interrompeu meus pensamentos.


— Quando você planeja partir, Elaina?

— Estava pensando em ir embora depois de amanhã…


— Depois de amanhã?

— Sim.

Não posso ficar por muito tempo. Especialmente porque a Senhorita Fran está
aqui.

— Quais são seus planos para amanhã? Precisa fazer alguma coisa?

— Amanhã? Na verdade, não…

— Então você está livre? — perguntou ela, entusiasmada.

O que está acontecendo?

Ainda um pouco confusa, respondi:

— Bem, estou livre… mas… — Não era como se eu não tivesse nada para fazer,
mas meus planos se baseavam em passeios turísticos. Eu, tecnicamente, tinha
tempo.

— Isso é ótimo! — A Senhorita Fran sorriu.

— O quê?

— Quero que você me ajude com algo amanhã.

— Ah. Claro, não me importo com isso… O que posso fazer?

— Quero que me ajude a ensinar.

—…

Isso é um pouco suspeito…

— Quero que me ajude a ensinar.

Por que ela disse isso duas vezes?

Muito suspeito…

Depois disso, conversamos sobre todos os tipos de coisas. Fiquei tão envolvida
na conversa que esqueci completamente da hora. Conversamos sobre todas as
pessoas que conheci em minhas viagens, contei-lhe sobre os lugares que havia
visitado e ela me falou sobre gente de outros lugares, cujos nomes eu não
sabia. A conversa não parou por nenhum momento.

Gostaria que o tempo parasse, mas ele sempre voa quando estamos nos
divertindo. Antes que eu percebesse, já estava escuro lá do lado de fora.

— Minha nossa, já está tão tarde. Por hoje vamos parar por aqui e ir para casa?

Mas eu ainda queria conversar mais.

Quando saímos do prédio da escola, a Senhorita Fran me convidou para ficar


em sua casa, mas recusei. Quanto mais ela cuidasse de mim, mais difícil seria
voltar para minhas viagens. A separação seria muito mais dolorosa.

No meio da escuridão, saí procurando por uma pousada. Durante minha busca,
a janela de uma casa chamou minha atenção. Iluminada pelo luar, a janela
projetava um reflexo claro, assim como um espelho.

Eu estava positivamente radiante.

E a manhã chegou.

Depois de acordar na pousada que encontrei após uma longa busca na noite
anterior, logo coloquei minhas roupas de bruxa e saí.

Do lado de fora, montei em minha vassoura e decolei para o céu, rumo à


Academia Real de Magia. Continuei voando, trocando saudações simples com
os rapazes que voavam por aí jogando jornais nas casas durante toda a manhã,
bem como com os pares de mensageiros que substituíam cavalos e carroças.
Eu ainda estava com um pouco de sono, mas a brisa fria do início da manhã
garantiu que acabasse ficando bem acordada.

Com a grande torre como meu marco, consegui chegar ao meu destino
rapidamente, sem me perder. Do meu ponto de vista panorâmico, pude ver um
monte de pessoas ao redor do campus. Eram os estudantes.

Havia cerca de vinte deles, o mesmo número de pessoas que havia me


perseguido na tarde anterior. E a Senhorita Fran estava entre elas.

Fui até o seu lado montada em minha vassoura e lá fiquei. Podia até sentir o
chão sólido sob os pés.

— Ah, bom dia. Você está bem adiantada. Não acredito que nem te falei um
horário específico. — A Senhorita Fran sorriu para mim.

— É por isso que vim bem cedo.

— Minha nossa. Você não está chateada comigo, está?

— Ah, não. Só quero que me elogie.

— Excelente. Bom trabalho.

— Obrigada.

— Bem, nesse caso, parece que podemos começar antes do planejado.

E então ela bateu palmas duas vezes. Clap, clap.

Quando fez isso, os alunos rapidamente pararam seus exercícios e se reuniram.


Na verdade, talvez fosse melhor dizer que correram tão rápido quanto
conseguiram. Também vi alguns se apressando para jogar fora a água que
estavam usando para praticar.

Voltando-se para os alunos reunidos, a Senhorita Fran me apresentou.

— Pessoal, esta é a Elaina, a Bruxa Cinzenta. Vocês a conheceram ontem,


então já sabem disso, certo?

Me apressei para fazer uma reverência.

— Ah, olá.

— Hoje eu gostaria que ela conduzisse um seminário especial. Ela pode não ser
muito mais velha que vocês, alunos, mas é uma bruxa esplêndida. Não a
subestimem. — Então, depois que todos os alunos concordaram várias vezes
com a cabeça, a Senhorita Fran perguntou: — Vocês têm alguma pergunta
para ela?

Um jovem aparentemente inteligente e eloquente levantou a mão na mesma


hora.

— Eu, euuu! Você tem um namorado? Tem?

Oops, erro meu. Era um garoto rude e com cara de estúpido.


— Não tenho. Afinal, sou uma viajante.

— Apenas questões relacionadas à magia. — A Senhorita Fran o interrompeu


categoricamente. — Alguém?

A próxima aluna a levantar a mão foi uma garota aparentemente tímida. Até
achei que ela era aquela que me abordou no dia anterior. Ela olhou para mim,
toda nervosa, e perguntou:

— Um… Que tipo de magia é a sua especialidade…?

Fiquei aliviada por ser uma pergunta normal.

— Não tenho nenhuma especialidade, na verdade. Posso lançar feitiços de


ataque, de manipulação e de transformação de todos os tipos.

— Mais alguma pergunta?

Alguém levantou a mão.

— De todos os lugares que você visitou até agora, de qual mais gostou?

— Este.

— Minha nossa. Esse é o cheiro de bajulação? — A Senhorita Fran entrou no


meio da conversa.

Mais mãos se levantaram, uma após a outra. Parecia até que não ia acabar
nunca.

— O que fez você querer se tornar uma bruxa?

— Li um livro chamado As Aventuras de Nique… Bem, esse é o meu motivo


principal.

— De que país você é, Elaina?

— Do País Pacífico de Robetta… Fica muito, muito longe.

— Me conte o segredo para fazer magia!

— Tudo depende de trabalho duro.

— É divertido ser uma viajante?


— Sim. Bem divertido.

— Eu, euuu! Como é a sua roupa de baixo? De que cor é a sua…?

A Senhorita Fran beliscou o garoto rude e com cara de estúpido até deixá-lo
quase morto e, assim que isso foi feito, o período de perguntas e respostas
chegou ao fim.

A aula extracurricular da manhã transcorreu sem incidentes.

No entanto, como eu estava completamente inseguro sobre a melhor forma de


instruir os alunos, convenci a Senhorita Fran a me deixar observar por um
tempo, de longe, e ver como ela os ensinava.

— Minha nossa. O fluxo de sua magia está totalmente fora de sintonia.


Trabalhe para acalmar sua mente e estabilizar sua energia.

— Você está soltando muita energia mágica. Segure-se um pouco mais.

— Ei! Não transforme a água em espadas. Pare com essa brincadeira.

Desse jeito, ela foi caminhando entre os alunos, fazendo as indicações


adequadas por onde passava…

Hmm, hmm, entendo. Então tá bom, vou tentar imitá-la. Vaguei vagarosamente
entre os alunos.

Eles pareciam estar no meio de uma série de exercícios para lidar com a
magia. Como antes, estavam fazendo a água se mexer dentro dos vasos. Era
um exercício básico, mas o primeiro passo para alcançar um alto nível de
habilidade em magia era ser capaz de mover as coisas da maneira desejada.

Eu estava andando casualmente quando um estudante perguntou:

— Uh, Senhorita Elaina? Minha bola de água não fica lisa. O que devo fazer? —
A água na ponta de sua varinha estava realmente flutuando no ar, mas
borbulhava como se estivesse fervendo.

Entendo, entendo.

— Você está colocando muita energia nisso. Relaxe um pouco.

— Certo!

Na mesma hora, uma poça d’água se formou aos pés do garoto, fazendo
um splash.

— Acabei perdendo o controle…

— Você relaxou demais.

Que pena, pensei, olhando para ele. O garoto parecia muito desapontado.

Atrás de mim, ouvi uma voz baixa e sem confiança.

— Uh, um…

Quando me virei, lá estava a garota tímida.

— O que foi? — Inclinei a minha cabeça.

— Um, sim… Um, há algo que eu gostaria que você me ensinasse…

— É claro. O que é?

Após uma breve pausa, ela respondeu, olhando para o chão.

— Um, não importa o que eu faça, realmente não consigo controlar a água…
Mal consigo mantê-la no ar… O que devo fazer?

Uhum.

— Deixe-me ver a sua tentativa.

— Hã? Um, tá bom…

Ela agarrou sua varinha com as duas mãos, encarou o vaso cheio de água e
projetou sua energia mágica. O vaso começou a se mover cerca de dez
segundos depois.

Primeiro o vaso todo deixou o chão, então, como se ela tivesse lembrado qual
era a sua intenção, a água começou a sair do recipiente. Então, quando ficou
na altura do rosto da garota, a esfera de água imediatamente caiu de volta no
chão.

— Minha nossa.

— O que devo fazer…? — Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela parecia


estar levando a situação muito a sério.
— Parece que você ainda não pegou o jeito. Acho que, no início, você deveria
passar mais tempo praticando como tirar a água do vaso.

— C-certo…

— Depois de tirar a água do vaso, coloque-a de volta na mesma hora e volte a


tirá-la. Conforme você for praticando, acho que vai começar a se acostumar.
Não apresse as coisas e encontre sua própria maneira de trabalhar. Esse é o
caminho mais curto para o sucesso. Faça o seu melhor, viu?

— S-sim, senhora…!

Esse foi o melhor conselho que pude dar. Depois de vê-la correr para pegar
mais água, voltei a andar. Ao fazer isso, ouvi uma voz me chamar por trás.

— Oh, ohhh! Olhe para mim, Senhorita Elaina! Não é legal? — Aquele garoto
rude e com cara de estúpido estava usando uma coroa que havia feito de água.
O ignorei.

Os alunos estavam muito entusiasmados (todos, exceto um) e vieram até mim
para pedir meus conselhos. É claro, tínhamos idades parecidas, e isso podia ter
tornado mais fácil para que me fizessem perguntas.

Isso não era ruim.

Os exercícios continuaram até que a Senhorita Fran voltou a bater palmas


duas vezes.

Assim que a aula extracurricular da manhã terminou, o trabalho dela naquele


dia também foi encerrado, pelo visto.

Com base no que havia acontecido no dia anterior, eu pensaria que ela também
tinha uma aula extracurricular à noite, mas de acordo com a Senhorita Fran:

— Se temos de manhã, não temos à noite. E se não tiver de manhã, então tem
de noite. É, basicamente, uma aula extracurricular por dia.

— Por que você só faz isso uma vez? — perguntei.

Ela respondeu:

— Isso é exaustivo, é claro.

— Você se preocupa que fazer isso duas vezes por dia possa exaurir os alunos?
— Entendo, entendo.
— Não, não fazemos mais de uma vez porque eu vou ficar cansada.

—…

Eu não tinha nem a palavra certa para expressar o que estava sentindo.

Depois que a aula extracurricular acabou, segui a Senhorita Fran para fora do
prédio da escola. Voamos sem pressa pelo céu, em direção a um terreno mais
elevado. Ela, eventualmente, pousou sua vassoura.

Fiz o mesmo, e a grama baixinha balançou suavemente. O verde-claro de uma


ampla campina se estendia ao nosso redor, desenhando um arco suave pelo
céu. Do outro lado de uma cerca de madeira simples ficava a cidade e suas
casas multicoloridas. As árvores perto de nós tremulavam com o vento,
enviando folhas flutuando pelo ar. Além das árvores, ficava o prédio da escola
com sua torre enorme, que eu estava usando como um marco local. Havia
nuvens flutuando no céu azul-claro, todas fofas e brancas.

— Não é lindo? Este é um lugar muito valoroso para o meu coração — disse a
Senhorita Fran.

— Sim, posso ver por quê.

— Fico feliz que tenha gostado daqui. — O cabelo preto dela esvoaçava
suavemente com a brisa que batia. Com um sorriso, a Senhorita Fran disse: —
Eu queria que você visse isso ao menos uma vez antes de deixar o país. Adoro
essa vista.

Seu sorriso era contagiante e eu senti os cantos da minha boca puxando para
cima.

— Obrigada.

— De nada. Então você estará partindo amanhã cedo?

— Sim. Não posso ficar por muito tempo.

— Que pena… Meus alunos parecem ter realmente gostado de você.


— Isso é só porque não estão acostumados a ver uma jovem bruxa. — Então
nem preciso mencionar uma jovem viajante.

— Mesmo assim, é maravilhoso que tenham gostado de você. Eles muitas vezes
parecem me evitar.

—…

Eles não a evitam; você simplesmente não entende a sensação de distância que
sua natureza elusiva cria. Mas não vou falar isso. Não posso falar.

— O que foi?

— Não, nada…

Como se quisesse escapar do olhar da Senhorita Fran, virei meus olhos para a
escola lá longe.

— De qualquer forma, você está ensinando magia na Academia, certo?

— Sim.

— O que os alunos fazem quando se formam?

— Normalmente trabalham aqui no país. Entregando pacotes ou transportando


as pessoas por aí, por exemplo. Se você deu algum passeio por aqui, deve ter
visto alguns magos voando acima dos telhados, sim?

Entendo.

— As pessoas que estavam fazendo demonstrações de magia também eram


graduadas da Academia? — Lembrei-me dos shows de rua, com pessoas
cantando e usando magia para operar fantoches e criar efeitos especiais. Me
perguntei se todos os magos que eu tinha visto na cidade tinham de fato
estudado na Academia Real de Magia.

A Senhorita Fran acenou com a cabeça.

— Sim, bem, aquelas pessoas estão se divertindo com seus hobbies. Esses, na
verdade, não são empregos de verdade.

— Hobbies, hein…? Mas eles ganham algum dinheiro com isso, certo?

— Bem, suponho que sim, mas tenho minhas dúvidas. Aquelas pessoas não
fazem magia porque querem dinheiro.
— Então, por quê?

— É porque amam isso — disse ela categoricamente. — Você está viajando


porque ama, certo, Elaina? É a mesma coisa. Estão fazendo essas coisas
porque gostam de fazer as pessoas felizes.

—…

Não pelo dinheiro, mas sim por eles mesmos ou pelos outros. Só porque
gostam disso.

Desde que cruzei a fronteira deste país, o pensamento de que este era um
lugar maravilhoso passou pela minha cabeça mais do que algumas vezes. A
paisagem urbana era adorável e tudo era exuberante. As pessoas passavam o
dia todo com sorrisos nos rostos. Meu coração dava uma guinada sempre que
eu via aqueles moradores locais felizes. Talvez porque meu tempo no país da
Celestelia Real tenha, de alguma forma, refletido as minhas próprias viagens.

— Parando para pensar nisso, o que é que você ama, Elaina? — perguntou de
repente a Senhorita Fran.

— Viajar, é claro — respondi.

— Além disso.

—…

Além de viajar, o quê? Bem, acho que aquela primeira coisa que inspirou a
minha jornada.

— Livros, eu acho.

— Livros… — A Senhorita Fran ficou em silêncio por um breve momento,


depois perguntou novamente: — E além dos livros? — Ela foi tão franca quanto
sempre.

— Um, o que é isso? Por que quer saber?

— Ah, só estou um pouquinho curiosa.

— Você vai me dar um presente de despedida ou coisa do tipo? — perguntei em


tom de brincadeira.

— Bem, sim — concordou ela na mesma hora, me colocando em uma posição


difícil.
Ah, não. O que é que eu fiz?

— Uh, não, tudo bem, eu não preciso de um presente de despedida… Só seus


desejos de boa sorte já me bastam.

— Ora, ora, não diga isso. Me diga, do que você gosta? Será que gosta de
flores ou coisa do tipo?

— Você já está me guiando a uma resposta.

— O que acha disso? Flores. Ah, e borboletas, isso seria bom.

— Essas são as coisas que você gosta, Senhorita Fran.

— Eu gosto delas, então minha aprendiz deve gostar delas também, certo?

— Sua lógica não faz sentido.

— Você não gosta de borboletas?

— Elas são boas.

— Entendo. Então você só as acha boas.

— Eu não as odeio, mas também não amo.

— E que tal flores?

— E agora voltamos para as flores.

— E então? Que tal elas?

— Bem, eu gosto delas…

— Ótimo.

— O que é ótimo?

— Isso é só para eu saber — disse a Senhorita Fran com seu sorriso de sempre.
Apesar de me fazer todos os tipos de perguntas aleatórias, ela não respondeu
nenhuma das minhas.

Mesmo depois de vivermos juntas por um ano inteiro, mesmo depois de nos
encontrarmos novamente depois de todo esse tempo, ela continuava a mesma
Senhorita Fran. Eu ainda não conseguia dizer que tipo de pessoa ela era. Mas
também não tinha certeza se ao menos ela sabia. E já estava acostumada com
isso.

— O que foi? Está planejando algo grande? — Eu sabia exatamente o que ela ia
dizer, mas mesmo assim perguntei.

E a Senhorita Fran respondeu exatamente como o esperado, revelando um


sorriso malicioso.

— Estou ansiosa para amanhã.

Deixe-me ver, como devo explicar isso…

— Amanhã de manhã vou deixar este país, então…

— Sim, e estou ansiosa para te ver antes da sua partida. Amanhã de manhã
vamos nos encontrar em frente ao portão.

O tempo passou e a manhã chegou.

Caminhando vagarosamente pela rua principal da cidade, fui até o portão pelo
mesmo caminho que havia seguido no dia anterior. Andei pela rua comercial,
olhando para todos os magos voando pelo ar. Passei por baixo das cordas
amarradas entre os prédios como se fossem vários arcos. Eu podia sentir o
cheiro doce de flores desabrochando em algum lugar.

Continuei andando – realmente não queria ir embora.

—…

Logo cheguei ao portão.

O guarda curvou-se assim que me notou. Também curvei minha cabeça, com
um pouco de atraso, claro.

Se continuasse um pouco mais, deixaria o país. No entanto, olhando ao redor,


não consegui ver a Senhorita Fran em lugar nenhum.

Não especificamos um horário, então ela provavelmente ainda não chegou…


—…

Deve ser melhor sair sem dizer nada. Não sei o que ela ia me dar, mas, pelo
que me disse, provavelmente planejava me dar flores. Mas mesmo se eu as
aceitasse, não passariam de um fardo.

Elas eventualmente apodreceriam, e então teria que me livrar delas, logo, não
existe uma razão para as aceitar. Além disso, se eu voltasse a ver aquele tipo
de flor em outro lugar, provavelmente começaria a pensar na Senhorita Fran e
neste lugar.

E isso não seria bom para uma viajante. Isso só me deixaria triste.

—…

Se eu partir logo, poderei seguir adiante sem levar nenhuma lembrança


dolorosa. Então é melhor ir…

— Hein…? — De repente parei.

Pétalas de flores dançavam enquanto caíam do céu. Vermelhas, azuis,


amarelas, rosas, roxas e de todas as cores que se pode imaginar, caindo como
flocos de neve. Um doce aroma flutuou pela brisa enquanto caíam.

Todo mundo sabe que algo assim não acontece naturalmente. E quando olhei
para cima, lá estava ela.

— Você chegou aqui muito cedo, Elaina. Quase não terminamos nossos
preparativos a tempo.

— Nossa.

A Senhorita Fran estava acenando para mim, e seus alunos voavam ao seu
redor, deixando cair pétalas de flores das cestas que seguravam nas mãos.
Estavam todos sorridentes.

— Elaina — disse a Senhorita Fran de cima de sua vassoura —, você escolheu a


vida de uma viajante para si mesma, então eu não tenho o direito de retê-la.
Isso é tudo que posso fazer.

— Senhorita Fran…

— Isso te deixou feliz?

Eu respondi, respirando fundo e de forma decisiva:


— Sim, um tantão.

Comecei a andar e atravessei o arco-íris de pétalas de flores girando ao meu


redor.

— Elaina — chamou novamente a Senhorita Fran. — Enquanto você viajar,


meus alunos e eu estaremos torcendo por você, de todo o coração. Nunca se
esqueça disso.

Olhei para o céu e respondi:

— Nunca vou esquecer!

E, finalmente, cheguei bem na frente do portão.

Depois de se curvar, o guarda abriu caminho.

As planícies suavemente inclinadas se estendiam além da muralha.

— Elaina — falou pela última vez a Senhorita Fran, permanecendo no ar —,


vamos nos encontrar novamente algum dia. Até então, viaje em segurança. —
Claro, como sempre, ela estava sorrindo.

E eu sorri de volta.

— Certo…!

Uma vassoura disparou sobre as planícies.

As flores cintilavam à luz do sol brilhante, balançando na brisa sob um céu


azul-claro e infinito.

Andando na vassoura estava uma bruxa – uma viajante. Ela ainda era muito
jovem – no final da adolescência, para ser mais precisa. Seu cabelo cinza
ondulava atrás dela, e seus olhos lápis-lazúlis estavam focados no horizonte
que dividia a vasta planície e o enorme céu azul. Usando um chapéu pontudo e
um robe preto, bem como um broche em forma de estrela, ela voou,
espalhando pétalas de flores por onde passava.
Ela virou sua vassoura na direção de partes do mundo que ainda não tinha
visto. Que tipo de país visitaria em seguida? Que tipo de pessoa acabaria
conhecendo? Talvez fosse um país cheio de magos, ou um onde tudo era caro,
ou até mesmo um país em ruínas.

Ponderando sobre essas coisas, a viajante continuou voando.

Aquela viajante… quem no mundo poderia ser?

Isso aí. Euzinha.


Majo no Tabitabi 15
https://lightnovelbrasil.com/majo-no-tabitabi-15/

Posfácio
Prazer em conhecê-lo; meu nome é Jougi Shiraishi. Este livro, Bruxa Errante: A
Jornada de Elaina, foi autopublicado na loja Kindle da Amazon no final de
2014, quando eu era um completo amador.

Minha história passou por emendas e revisões generalizadas nas mãos da


seção de edição da GA Books. Eles foram gentis o suficiente para apontar cada
erro, desde aqueles que eu não tinha percebido por conta própria até os de
digitação e caracteres omitidos que se infiltraram no manuscrito quando ele
foi upado na loja Kindle. Quando volto a ler o original sinto que há tanta coisa
estranha…

De qualquer forma, entre as reações daqueles indivíduos gentis o suficiente


para ler meu livro nesta era de autopublicação, a mais comum foi “Não consigo
ler o título.” Sinto muito. Os caracteres da segunda parte do título são lidos
como jornada. A princípio pensei: Já que é sobre uma bruxa que está viajando,
por que não chamar simplesmente de As Viagens da Bruxa? Parece bom –
vamos com isso mesmo. Mas isso era um pouco simples demais, e percebi que
tal título quase certamente se perderia com outros quando as pessoas
estivessem procurando, então inventei uma palavra duplicando o caractere
em kanji. Significa apenas jornada; não há um significado mais profundo.

Meu pseudônimo durante a autopublicação era Jougi, mas tenho certeza de


que você vai entender, eu não aparecia em nenhum resultado de pesquisa. É
por isso que adicionei meu nome de família ao meu pseudônimo.

E, portanto, devo agradecê-lo por pegar uma cópia de Bruxa Errante: A


Jornada de Elaina.

Este livro é composto de histórias estranhas nas quais personagens ainda mais
estranhos aparecem. Em suma, é um livro estranho, cheio de contos estranhos.
No entanto, nada me deixa mais feliz do que o fato de você ter adicionado ele à
sua coleção. A propósito, isso é apenas entre você e eu, mas este livro é
perfeito para uma estante (embora sua taxa de entrega possa variar).

Se um segundo volume desta história sair, e você alinhá-lo próximo a este,


acho que seria ainda melhor (novamente, sua taxa de entrega pode variar).

Bem, então, para os agradecimentos.


Ao meu empresário, M, obrigado por tudo o que você faz. Tenho certeza de
que continuarei a lhe causar dores de cabeça como sempre, mas ficaria muito
feliz se você ficasse ao meu lado nos próximos anos…

A todos na SB Creative que decidiram iniciar a seção de edição da GA Books,


vocês têm minha gratidão ilimitada por escolher meu livro. Além disso, nunca,
nem em meus sonhos mais selvagens, imaginei que minhas histórias seriam
incluídas na programação de lançamento de uma nova marca. Estou
divagando, mas quando vi essa formação, passei por um momento de pânico,
tipo: “Hã? É certo mesmo eu estar no meio de tantos escritores incríveis…?”
Na verdade, ainda me sinto assim.

E para Azure, que foi responsável pelas ilustrações, obrigado por desenhar
essas imagens adoráveis. Ahhh… a Elaina é tão fofa… Ah não, todos os
personagens são fofos… Eu fico sorrindo o dia todo, olhando para os encartes e
ilustrações, que são simplesmente adoráveis demais. Muito obrigado.

Finalmente, a todos que compraram este livro, fico feliz por conhecê-los aqui
por estas páginas. Vamos nos encontrar novamente algum dia, em algum
lugar. Até a próxima!

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