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2023
Resumo
A medicina possui uma terminologia adequada às suas necessidades, mas que se afigura hermética
ao leigo. No presente artigo, defenderemos o estudo dos afixos e radicais latinos e gregos no auxílio da
tradução médica. Nossa metodologia consistirá em dois eixos: o estudo etimológico e morfológico de afixos
e radicais gregos e latinos na fase de tradução intralinguística; e a análise comparativa e contrastiva de textos
publicados no MSD Manuals, um site que fornece informação médica em inglês, português e espanhol, e
permite alternar entre dados para profissionais e pacientes. Na fase tradutória, será possível observar como a
decodificação é amplamente facilitada. Na fase comparativa, ao perscrutarmos versões dos textos de
divulgação nas três línguas e para diferentes destinatários, será possível observar uma tendência em inglês de
reservar os cultismos latinos e gregos apenas para os médicos; enquanto em português e espanhol, os termos
derivados das línguas clássicas estão mais presentes. Além da compreensão mais rápida e preliminar que o
estudante terá através do estudo dos afixos, nossa proposta metodológica visa dotar o tradutor em formação
com estratégias para aprimorar a precisão terminológica e a (des)terminologização conforme cada língua.
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Resumen
La medicina posee una terminología funcional a sus necesidades, pero que resulta hermética para los
legos. En este artículo, defenderemos el estudio de los afijos y radicales grecolatinos en favor de la
traducción médica. Nuestra metodología se dividirá en dos ejes: el estudio etimológico y morfológico de
afijos y radicales grecolatinos en la fase de traducción intralingüística; y el análisis comparativo y contrastivo
de textos publicados en MSD Manuals, una página web que ofrece información médica en inglés, portugués
y español, y permite alternar entre datos para profesionales y pacientes. En la fase traductoria, notaremos
cómo este abordaje facilita la decodificación. En la fase comparativa, al cotejar textos de divulgación en los
tres idiomas y para distintos destinatarios, observaremos una tendencia en inglés a reservar los cultismos
latinos y griegos para los médicos; mientras que en portugués y español, los términos derivados de las
lenguas clásicas están más presentes. Además de la comprensión más rápida y preliminar que tendrán los
estudiantes a través del estudio de los afijos, nuestra propuesta metodológica pretende brindar estrategias a
los traductores en formación para mejorar la precisión terminológica y la (des)terminologización según cada
lengua.
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Introdução
Em terceiro lugar, a maior rigorosidade do cenário regulatório global faz com que
as empresas que fabricam produtos farmacêuticos e dispositivos médicos devam apresentar
documentação nos idiomas nacionais dos países nos quais planejam comercializar seus
produtos, o que exige serviços de tradução médica especializados e precisos.
Um último motivo que pode ser atribuído a crescente demanda destes serviços é
que grande parte dos esforços das políticas sanitárias modernas estão voltados para a
prevenção, diferentemente do passado em que apenas o aspecto curativo era comtemplado.
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Nesse sentido, embora no passado o conhecimento científico estivesse restrito às elites,
agora o público não especializado também deseja ter acesso a essas informações para
cuidar de sua saúde, o que tem levado à crescente importância da divulgação nas últimas
décadas (Campos Andrés, 2013; Montalt Resurrecció e González-Davies, 2007; Muñoz-
Miquel, 2012).
Estima-se que mais de 90% dos termos técnicos utilizados em medicina e outras
disciplinas relacionadas correspondem a palavras de origem grega e latina. Não se trata de
exigir que todo tradutor médico tenha um doutorado em filologia clássica, com certeza, mas
sim de conhecer as diferenças mais importantes em relação à forma como nossas línguas de
trabalho refletem essa herança greco-latina (Navarro, 2012, tradução nossa).
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como o conjunto de conhecimentos teóricos, ao passo que a técnica tem mais a ver com o
procedimento para fazer alguma coisa. Nesse sentido, o gênero textual da ciência por
antonomásia é o paper, e da técnica é o manual de instruções. Outrossim, a técnica
costuma estar ancorada na ciência, sendo estas disciplinas em ocasiões indivisíveis.
Portanto, é muito frequente diretamente descrever este âmbito como técnico-científico.
Em segundo lugar, vamos definir o gênero escolhido e justificar porque ele pertence
ao âmbito da tradução científica. Segundo Sevilla e Sevilla (2003), inicialmente pode-se
chamar de discurso técnico-científico à forma de falar empregada pela comunidade de
cientistas e técnicos na prática profissional. Contudo, isso não significa que todas essas
manifestações do registro sejam cultas, pois o grau de formalidade vai depender da
situação de comunicação.
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significado das palavras; intercâmbio científico entre as nações com diferentes idiomas de
cultura (Rezende, 2004).
O segundo objetivo envolve a precisão da linguagem, onde cada termo usado deve
ter uma única interpretação, uma definição estabelecida e aceita pela comunidade
científica, ao contrário do que acontece na linguagem literária ou coloquial, na qual as
palavras podem ter várias interpretações, dependendo do contexto. Voltando para o
exemplo anterior, ao empregar o termo “colecistectomia laparoscópica”, a significação é
biunívoca (cada conceito é adscrito a uma única denominação e vice-versa) para toda a
comunidade científica (Torre, 2004).
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Antes de iniciar a nossa análise propriamente dita, cumpre salientar algumas noções
morfológicas e semânticas básicas dos prefixos, sufixos e radicais latinos que podem
auxiliar os tradutores no seu trabalho. Nesta secção só comentaremos algumas questionas
básicas que consideramos elucidárias para a análise a seguir. Para obter mais informações,
vide o anexo.
Declinação
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atribuído aos adjuntos adverbiais e o vocativo é empregado para expressar um apelo direto
ao sujeito. Em grego, o caso ablativo é substituído pelo genitivo ou pelo dativo.
Nesta etapa, nossa proposta visa que o aluno faça uma tradução intralinguística, isto
é que tente desverbalizar (Averbach, 2011) o conteúdo para compreender o sentido sem
pensar em como redigirá isso na língua de chegada. Além disso, como o estudante se
defrontará com terminologia desconhecida, sugerimos que essa fase de desverbalização
seja impulsionada inicialmente por uma decodificação morfológica-etimológica, fazendo
uso de listas de afixos accessíveis na Internet. Resumindo, nossa proposta para abordar o
texto antes de traduzir é a seguinte: decomposição morfológica + pesquisa etimológica +
desverbalização para construir sentido. Uma vez perfeitas essas etapas, o tradutor poderá
passar para a fase de pesquisa terminológica monolíngue e bilingue, para depois focalizar
na fase de expressão na língua de chegada, levando em consideração as diferentes
exigências de cada língua, além da revisão antes de finalizar o trabalho.
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Afixo Significado etimológico
Hematological haimato- gr. ‘sangue’ + -logíā gr. ‘estudo’ →
relacionado com a hematologia
⚠︎≠sanguineous/blood = hemático
Anemia gr. anaimíā ‘carência de sangue’ [an- ‘no’ + -haimíā
‘sangue’] → vocábulo de formação etimológica
imprópria, pois hoje é empregado no senso de
“conteúdo de hemoglobina baixo em sangue”
Leukopenia: forma abreviada de leukocytopenia → leuko- gr.
‘branco’, gr. cient. ‘glóbulo branco’ + peníā
gr.‘carência’, ‘pobreza’
Brucellosis Brucell(a) + -ōsis gr. ‘processo patológico’
Acute (lat. acūt-u(m)/-a(m) [acū- ‘aguçar’ + -t-um/-am
Pancytopenia pân gr. ‘tudo’ [eritrócitos + leucócitos + plaquetas], +
kyto- gr. cient. ‘célula’ + peníā gr.‘‘carência’
Thrombocytopenia trombocito + peníā gr. ‘carência’ → trombócito =
plaqueta
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pancytopenia and trombocitopenia son menos trombocitopenia são menos
thrombocytopenia are less frecuentes. frequentes.
frequently encountered
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Comecemos, então, observando um fragmento muito breve de um texto sobre a
conjuntivite, retirado da versão para profissionais da saúde, para favorecer a clareza,
vamos identificar os termos e suas traduções em cores diferentes.
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Uma vez facilitada a compreensão através do estudo dos afixos, podemos observar
algumas questões interessantes na comparativa dessas três versões. Resulta evidente que os
três textos são muito semelhantes entre si em termos de terminologia, só constatando-se
uma preferência do inglês no uso de “discharge” e “itching” ao invés de “secretion” e
“pruritus”, que poderiam ser opções logicamente possíveis também. Nesse sentido, é
patente que as línguas clássicas funcionam como um elo de sentido entre as três línguas, o
que demonstra a pertinência da inclusão deste abordagem na formação de tradutores.
Em seguida, vejamos o que acontece no mesmo texto, mas adaptado para pacientes.
Antes de aprofundar na análise, convém definir o processo de desterminologização, um
conceito intimamente vinculado à acessibilidade do conhecimento e à disseminação do
conhecimento científico. Campos Andrés (2012) define a desterminologização da seguinte
forma:
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bacterium or virus. (literalmente, ojo rosa) para conjuntivite aguda causada
la conjuntivitis aguda, por infecção bacteriana ou
causada por la infección viral.
con una bacteria o un virus.
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conjuntivite. Portanto, ambos os dicionários de tradução médica em português e espanhol
recomendam traduzir “pink eye” por “conjuntivitis/conjuntivite aguda” (Cosnautas, 2023).
Por último, o termo “discoloration” não mantém a significação atribuída nas línguas
clássicas, e o tradutor deverá procurar o significado do termo que, conforme advertido
pelos dicionários médicos (Cosnautas, 2023) é um falso cognato, pois não significa
“descoloração” ou “decoloración”, mas sim “alteração da cor”.
Considerações finais
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das línguas clássicas e as diferenças ao desterminologizar o texto e adaptá-lo para
pacientes.
Nossa abordagem pretende ser apenas mais uma ferramenta para refletirmos no
trabalho como tradutores, especialmente nas instancias de formação, em que os estudantes
podem alavancar seus conhecimentos incipientes de latim e/ou grego para criarem pontes
com a tradução médica. Aliás, os tradutores em formação têm conhecimentos ativos de
morfologia, motivo pelo qual o estudo de afixos pode ser revelador.
Contudo, esta abordagem não pretende ser uma solução mágica nem uma
perspectiva prescritivista que tente substituir a pesquisa terminológica e conceptual, mas
pode ser muito útil para refletir e aprimorar a especialização. Como já comentamos, a
pesquisa tradutória tem muitas camadas diferentes. Neste trabalho, salientamos as
seguintes etapas: pesquisa terminológica-etimológica, desverbalização, procura conceptual
em sites especializados, análise de estratégias de (des)terminologização, reexpressão na
língua de chegada (que obviamente incluirá uma revisão). Acreditamos que é essencial que
o tradutor conheça todas essas camadas e saiba justamente até que nível de
aprofundamento deve chegar. De qualquer forma, a dúvida continua a ser o melhor aliado
do tradutor, e encorajamos qualquer tipo de abordagem conducente à reflexão.
Referências bibliográficas
14
BUJALKOVA, Mária. (2018). “The Coexistence of Latin and English in Medical
Terminology and its Contribution to ESP Teaching”, International Journal of
Humanities Social Sciences and Education (IJHSSE), Volume 5, Issue 6, June
2018, PP 7-14
MOLINER, María. Diccionario de Uso del Español . Madrid, 1982. Ed. Gredos.
Disponível em: https://www.ucm.es/plataformaele/sufijos-y-prefijos-derivativos.
Acesso em 10/20/2023
15
REZENDE, Joffre M. (2004). “Fundamentos da terminologia médica” em Linguagem
Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda. Disponível em
https://www.jmrezende.com.br/terminologia.htm. Acesso em 10/20/2023
SEVILLA, Manuel; SEVILLA, Julia. (2003). “Una clasificación del texto científico-
técnico desde un enfoque multidireccional”. Language Design. Journal of
Theoretical and Experimental Linguistics Núm. 5 Pág. 19-38
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Anexo
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sin- idéia de conjunto, síndrome, sincrônico, sincício.
simultâneo
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incompleto
sobre, super, supra- posição sobrepor, supercílio, suprapúbico, superinfecção
acima, intensidade
sub- posição inferior, ação subconsciente, subagudo, subliminar
incompleta
trans- através, além transmural, transaminase, transexual
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-atico <- aticum, pancreático, profilático, sintomático
adjetivos
-ção < -tione,- dissecção, hidratação, pigmentação
substantivos
-dade < -tate, enfermidade, fertilidade, insanidade
substantivos
-ento, -lento < -(l)entu, incruento, peçonhento, purulento
adjetivos
-eza < -itia, fraqueza, magreza, pureza
substantivos:
-ivo < -ivus, adjetivos nutritivo, regenerativo, supurativo
-ino < -inu, intestino, mediastino, masculino
substantivos e adjetivos
-io < -ivo, substantivos calafrio, doentio, sadio
e adjetivos
-mento, a < -mentu, a, aleitamento, corrimento, medicamento
substantivos
-oso < -osus, adjetivos aquoso, infeccioso, edematoso, membranoso
-ura < -ura, comissura, estatura, fissura, sutura
substantivos
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dia, em decorrência do progresso científico. Quase sempre os novos termos surgem em
países desenvolvidos, onde são feitas novas descobertas, e devem ser adaptados aos
idiomas de outros países, que os incorporam ao seu léxico. Na composição dos novos
termos usam-se dois ou mais elementos da língua grega, que podem ser prefixos, temas
nominais e sufixos:
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Tíbia - de tibia, flauta, tubo de órgão (instrumento musical).Gr. knéme
Pálpebra - de palpebra. Gr. Blépharon, utilizado em termos como “blefarite”
Intestino - substantivação do adj. intestino, do latim intestinu, interior. Gr.: énteron,
utilizado em termos como “enteropatia”
Reto - de rectus (sem flexuras). Gr. proctos, oû (inclui o ânus), utilizado em termos
como “Proctologia”
Ânus - de anus, anel
Ovário - de ovariu, portador de ovos. Gr. oophoros
Testículo - de testiculus, diminutivo de testis, testemunha. Gr. órkhis
Pênis - de penis, der. de pendere, pender. Gr. phallós
Vulva - de vulva. Gr. Hystéra
Músculo - de musculus, diminutivo de mus, rato. Gr. mys, myós
Útero - de uterus, ventre, ou de uter, odre. Gr.: métra, as; hystéra, as; delphýs, ýos
Veia - de vena, conduto. Gr.: phlebós, ou
Olho - de occulum. Gr. ophtalmós
Perna - de perna. Gr. skélos, ous
Coxa - de coxa, osso do quadril. Passou a designar o segmento femoral. Gr. merós
Fêmur - de femur, coxa. Gr. merós,
Pé - de pes, pedis. Gr. poús, podós
Mão - de manu. Gr. kheír, kheirós
Lábio - de labiu. Gr. kheîlos, ous
Barba - de barba. Gr. Pólon
Cabelo - de capillu. Gr. thrix, thrikhós
Punho - de pugnu. Gr. karpós, oû
Dente - de dente. Gr. odoús, ontos
Língua - de lingua. Gr. glôssa, e
Pele - de pelle. Gr. dérma, ato
Pulmão - de pulmone. Gr. pneúmon, ono
Coração - de cor. Gr. cardía
Rim - singular de renes, órgão duplo. Gr. nefros, utilizado em palavras como
“nefropatia”
Bexiga - de vesica. Gr. kýstis, eos, utilizado en palabras como “cistite”
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Escroto - de scrotu, bolsa. Gr. orkhis, ios
Ombro - de umero. Gr. ômos
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