Você está na página 1de 8

PRÓLOGO I

PRANAM! OM SAI RAM!

Monte Arunachala, Tamil Nadu, Índia, manhã de 03 de Dezembro de 1973.

Estava o Senhor Shiva no alto da pequena montanha admirando a paisagem


calmamente. Seu belo corpo magro de cor azulada tinha uma pele de tigre ao
redor da cintura. Enrolada em seu pescoço, mais parecendo repousar sobre
seus ombros do que enrolada propriamente, estava Vasuki, a serpente, o rei,
pai e divindade maior da raça dos nagas, homens serpentes expulsos da
superfície por Krishna há 3060 anos. Shiva usava vários japamalas, os cordões
de 108 contas do hinduísmo e budismo, e pulseiras, todos feitos de sementes
enrugadas de rudraksha, a árvore sagrada de Shiva. Seu corpo era recoberto
por cinzas, o vibuthi, a cinza sagrada. De seus longos cabelos negros vertia a
água que alimenta o sagrado Ganges e sobre sua cabeça um crescente
brilhante podia ser visto, mostrando que Shiva sustenta a Lua sobre si mesmo.
Ele estava sentado sobre uma rocha larga e plana em padmasana, a postura
de lótus do Ashtanga Yoga.

Sentada ao seu lado estava Mãe Parvati lhe fazendo companhia. Ela trajava
seu belo sári, uma tradicional roupa feminina indiana, ricamente decorado e
colorido. Estava coberta de joias de ouro dos pés a cabeça, com anéis nos
dedos das mãos e pés, tornozeleiras, pulseiras, braceletes, colares, brincos e
um belo brinco circular preso em um dos lados do nariz. Seus braços e mãos
recobertos com pinturas escarlates representando flores de vários formatos.
Seus belos e longos cabelos negros ondulados chegavam à sua cintura. Ela
também admirava a bela paisagem de onde podia ver o templo de
Annamalaiyar, da tradição Shaiva do Hinduísmo, aos pés do morro. Aquele é
um templo tradicionalmente dedicado ao Senhor Shiva.

Mãe Parvati viu quando seu filho saiu do sagrado templo onde foi prestar
reverência a Shiva, seguiu calmamente pela estrada subindo o morro e passou
pela caverna onde habitou Sri Ramana Maharshi, um dos homens santos da
tradição Shaiva. Na caverna o jovem deus prestou homenagem ao antigo guru
e depois continuou caminhando morro acima até chegar à presença do Divino
Casal.

Pássaros podiam ser ouvidos cantando. Era manhã e o Sol estava para nascer
trazendo calor e luz. Uma brisa gélida percorreu o ambiente anunciando o
último frio da noite antes da alvorada. Era a hora mais fria da noite, os últimos
momentos antes do raiar do dia. Em todos os ciclos esta é conhecida como “a
hora mais negra” para todos os seres, pois é o momento em que o atual ciclo
dá seus últimos suspiros antes de morrer. É a hora da última tentação, quando
o incauto se perde e cai. A hora da última provação, quando um ciclo morre e o
outro nasce, onde a vitalidade será renovada. Os homens bons acordarão e se
porão a trabalhar em prol do bem maior. Os seres celebrarão a vida e a
existência com gratidão pelo fim das trevas e pelo retorno da luz.

Quando Ganesh chegou diante de Mãe Parvati ela pôde ver seu filho em todos
os detalhes. Sua imagem despontava radiante na escuridão contra as pedras e
árvores que circundavam a rocha sobre a qual o Divino Casal estava sentado.
Aquele ser singular e gigantesco, com seu corpo extremamente musculoso e
seus braços grossos, estava agora parado de pé diante dos dois. Suas grandes
e poderosas mãos poderiam carregar um rochedo facilmente, sua volumosa
barriga era o sinal da fartura com que é amado por seus devotos, seu rosto de
elefante possuía apenas uma presa. Longos cabelos negros ondulados caíam
por sobre seus ombros. Ele usava uma calça dourada de seda e estava
descalço. Sobre sua cabeça descansava uma coroa dourada com um disco
sobre sua frente. No disco vários raios saindo de seu centro apontavam em
todas as direções, representando a luz do Sol, mostrando que Ganesh é um
deus solar. Por todo o seu corpo estavam pequenos cordões, pulseiras e
braceletes como os de Shiva. Ele usava um japamala feito de largas contas de
madeira escura com um belo ornamento de fios vermelhos na base do cordão.
Em sua fronte havia uma pintura feita de vibhuti. Eram três linhas como que
pintadas por dedos que passaram de um lado para o outro da testa. No centro
havia um grande disco vermelho carmim. Ele também tinha várias pinturas de
vibhuti pelo seu corpo e braços.

Ganesh então se curvou diante do Divino Casal, fazendo uma reverência com
suas duas mãos postas. Ele respirou fundo, ergueu a cabeça e falou.

“Mãe, Pai! Pranam! Om Sai Ram! Saudações! Sua benção, eu suplico!” disse o
poderoso deus com sua voz macia e tranquila tal qual o mar calmo.

Ambos, Shiva e Mãe Parvati, sorriam felizes ao ver seu filho novamente,
erguendo a mão direita e mostrando a palma para ele.

“Saudações, meu filho!” disse Shiva satisfeito.

“Seja bem vindo de volta, meu filho!” disse Mãe Parvati com um sorriso de pura
felicidade.

“Mãe, Pai,” disse Ganesh, “eu venho até vocês para suplicar que me permitam
retornar à Terra e tomar uma forma humana em um local que não é solo
sagrado, fora da sagrada terra de Bharat. As circunstâncias vindouras
requerem isto. Sei que é um pedido incomum, mas por favor, escutem meu
apelo! Assim como a noite deve ter um fim, a hora da Kali Yuga é chegada!
Logo minha Mãe retornará àquele mundo e a mudança da profecia deve se
realizar. Mãe, Pai, estou aqui para me oferecer em serviço e sacrifício em Seu
nome, para carregar feliz o peso do grande fardo da Criação sobre estes
ombros, para sorver do veneno de todos os venenos, que vem sendo destilado
desde o início da marcha do tempo pela vontade daqueles que caíram deste
céu em direção a infinitos universos para jogar o Jogo de Você! Jogando eles
se perderam e esqueceram o caminho de volta até seu lugar de origem: Bhuva
Loka, o céu original.”

O Divino Casal observava Ganesh intensamente em silêncio.


“Como estarei sendo vigiado pelas forças que mantém o cruel jogo em
andamento, tanto por aqueles que jogam como por aqueles que trabalham para
que o jogo continue, peço que minha memória seja apagada e que meu poder
seja oculto de mim mesmo e dos outros. Eu preparei pistas para mim mesmo
que indicarão minha verdadeira natureza e o caminho de volta até vocês. Com
o tempo eu me lembrarei de tudo e recuperarei todo o meu esplendor. A cada
passo, a cada nova pista encontrada e resolvida, meu poder e minha memória
retornarão. Desta forma poderei caminhar por entre os homens livremente.
Assim eu os ajudarei a reencontrarem o Dharma, preparando a Terra para o
seu retorno, Mãe. Existe um corpo que me servirá para isso. A hora é chegada!
Por favor, suplico por sua benção e sua permissão!” disse o poderoso Ganesh
enquanto se curvava com as mãos postas ao centro do peito.

Um momento de silêncio se fez quando o tempo parou sua marcha. O Divino


Casal estava surpreso com aquele pedido estranho.

“É verdade que logo retornarei à Terra na forma do terceiro Avatar Sai,


marcando o fim da Kali Yuga e o início de uma nova Era da Verdade, uma
Sathya Yuga, como predito nos Vedas! Eu cumprirei aquilo que eu e seu pai
dissemos quando estivemos na Terra recentemente, no dia em que dissemos
que quando eu retornar a humanidade estará totalmente diferente! Mas antes
de meu retorno à Terra surgirá o último Avatar de Vishnu: Kalki, o Cavaleiro
Branco! Vindo da cidade perdida de Shamballa, oculta dos mortais no interior
da Terra, ele cavalgará seu corcel branco brandindo sua espada flamejante
contra o demônio Kali, o causador do mal que assombra e oprime os sábios e
os homens de bom coração, trazendo finalmente a vitória, a prosperidade e a
liberdade! Somente então haverá a paz!” disse Mãe Parvati de forma séria,
visivelmente incomodada.

“Meu filho, é isso mesmo que você quer fazer?” perguntou Shiva sério.

Então Mãe Parvati olhou para o jovem deus com raiva, seus olhos em fogo,
suas belas feições transformadas pela emoção, sua testa franzida enquanto se
inclinava um pouco para frente, encarando Ganesh diretamente.
“Saiba, Ganesh, que aquilo que nos pede é muito mais sério e severo do que
carregar a Lua sobre sua cabeça, algo que só seu Pai pode fazer! A
quantidade de dor e sofrimento, de horror e perversão que você enfrentará é
sem fim! Seus inimigos também serão sem fim! Infinitas almas querem,
desejando ardentemente, estar onde estão, fazendo o que fazem, sem se dar
conta do inferno que criaram para si mesmas!” falou alto Mãe Parvati.

“Sim, Mãe, eu sei,” respondeu calmamente o jovem Ganesh.

Mãe Parvati franziu sua testa novamente e olhou seu filho com firmeza nos
olhos. Ela estava furiosa e isso fez com que sua imagem mudasse
completamente. Sua pele escureceu, se tornando totalmente negra, enquanto
um terceiro olho se abriu em sua testa. Um longo colar de crânios surgiu ao
redor de seu pescoço. Vários braços com armas também surgiram. Uma de
suas mãos segurava uma cabeça decepada ainda sangrando. Seu corpo todo
começou a emitir fogo como se estivesse em chamas. Agora ela era Mãe Kali,
a Mãe Morte. Um ser menor teria sentido horror profundo e enlouquecido ao
contemplar os olhos da Morte no momento em que ela está furiosa.

“E ainda assim nos pede isso? ME pede isso?” disse Mãe Kali com ainda mais
raiva. “Eu lhe dei todo meu poder, Ganesh! Toda minha Shakti, assim como dei
a seu Pai, para que use como quiser, mas é ISTO que você quer realmente
fazer? Se tornar Kalki, o guerreiro do fim dos tempos? Tem alguma ideia do
sofrimento que você impõe a mim por ter que ver meu querido filho descer até
o inferno para salvar aquelas almas que DESEJAM estar lá?” protestou Mãe
Kali em voz alta, seus vários braços se movendo ameaçadoramente.

“Sim, Mãe, eu sei. Peço que me perdoe por isto, mas este é o propósito de
minha existência,” respondeu Ganesh se curvando novamente.

Shiva, o Destruidor, senhor absoluto da Criação, sorriu orgulhoso de seu filho


que mostrava fibra, devoção, humildade e auto sacrifício, as qualidades que lhe
são queridas.
“Devi...” disse Shiva para Mãe Kali calmamente com um sorriso amoroso.

Ela se virou e olhou para ele e seu sorriso a acalmou. Shiva olhou fundo nos
olhos dela e ela entendeu, fazendo que sim com a cabeça. Ela retomou sua
forma anterior de Mãe Parvati, se levantou da pedra onde estava sentada e
veio andando graciosamente até Ganesh.

Mãe Parvati segurou o rosto de Ganesh com as duas mãos e Ganesh, que
ainda estava curvado, abaixou sua cabeça em respeito e reverência.

Então Mãe Parvati ergueu o rosto dele gentilmente, dando um beijo na fronte
do poderoso deus, finalmente lhe dando sua bênção.

“Meu filho amado, saiba que estarei sempre contigo! Você é meu filho! Eu que
sou a mãe de todos e também o destino de todos! Todos nasceram de mim e
para mim devem retornar! Eu sou a vida e também sou a morte! Chame por
mim, meu filho!!! Chame pela sua mãe em sua hora mais negra e a própria
Morte virá a galope para salvá-lo! Você estará sempre protegido por mim!”
disse Mãe Parvati magnânima e orgulhosa.

“Obrigado, Mãe,” agradeceu Ganesh com um sorriso discreto enquanto se


erguia.

O Senhor Shiva, que até aqui apenas observava, finalmente falou.

“Seu fardo será imenso, mas você o aceitou com alegria! Por isso eu também
te abençoo, meu filho! Saiba que você terá a vitória contra tudo e contra todos
mesmo que esteja em desvantagem! No dia do seu casamento com aquela que
tem o nome deste monte sagrado nós iremos visitá-lo, pois esta montanha sou
Eu e ela serei Eu cuidando de meu filho! Aquela que proteger meu filho terá
minha proteção!” disse o Destruidor magnânimo.
“Obrigado, pai,” disse o jovem deus enquanto sorria fazendo uma nova
reverência.

Ganesh sabia que tudo estava feito e que agora seu destino o aguardava no
mundo dos humanos, perdidos, profanos, corrompidos e torturados pelo açoite
do demônio Kali pelos últimos 3060 anos, desde pouco depois da batalha nos
campos do Kurukshetra, quando Krishna ainda andava sobre a Terra. Mas não
só a Terra era vítima do cruel ser, mas todos aqueles que desceram
inocentemente para jogar o perverso Jogo de Você, iludidos pelos sentimentos
e sensações que o jogo lhes proporciona.

“Mãe, pai, então eu me vou! Mais uma vez obrigado!. Pranam! Om Sai Ram!”

Após dizer essas palavra Ganesh se virou e desceu pelo mesmo caminho por
onde veio, indo de encontrou ao mundo dos humanos. Da mesma forma que
veio foi-se.

“Prabhu...” disse Mãe Parvati.

“Sim, Devi?” respondeu Shiva.

“Tem certeza daquilo que fizemos? É cruel demais até para ele! O sofrimento é
sem fim!”

“É a vontade dele, Devi. Ele está correto! A hora é chegada! Veja, nosso filho
se tornou um valoroso homem! Ele é um adulto agora!” disse Shiva sem
conseguir esconder sua satisfação e orgulho.

“Sim, Prabhu. Um adulto...” disse Mãe Parvati pensativa e melancólica


enquanto observava Ganesh descendo o morro.

“Mãe, Pai! Eu protesto!” disse Kartikeya, o outro filho de Shiva, que acabara de
chegar e estava indignado com o que havia visto. “Por que ele e não eu? Por
que SEMPRE Ganesh?”
“Porque Ganesh é aquele que deve vir sempre primeiro! Ele é Jaganath, o
Senhor e Guardião do Universo, o invencível Jugernauta! Esta é a minha
vontade e seu pai se submeteu a ela ou eu teria devorado a Criação!” disse
Mãe Parvati irritada com a insolência do deus da guerra.

“Sim, filho. Seu irmão está totalmente preparado para a tarefa a que ele se
dispôs. E ele veio a nós primeiro e pediu por nossa benção!” disse Shiva sério.

“Sim, Pai! Me perdoe, Mãe! Não falei por mal,” disse Kartikeya fazendo uma
reverência para o Divino Casal e depois se virando para olhar seu irmão
Ganesh enquanto ele se afastava.

Shiva olhava para o deus da guerra e franziu a testa, pois viu suas reais
intenções. Shiva então olhou para Mãe Parvati, que agora o confortou com um
lindo sorriso e acenou com a cabeça, ao que o Senhor do Fim sorriu
discretamente com total cumplicidade. Ambos voltaram a contemplar Ganesh
descendo pela montanha.

Ganesh caminhou firme e confiante até desaparecer. Ele nunca olhou para
trás.

Você também pode gostar