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Sentada ao seu lado estava Mãe Parvati lhe fazendo companhia. Ela trajava
seu belo sári, uma tradicional roupa feminina indiana, ricamente decorado e
colorido. Estava coberta de joias de ouro dos pés a cabeça, com anéis nos
dedos das mãos e pés, tornozeleiras, pulseiras, braceletes, colares, brincos e
um belo brinco circular preso em um dos lados do nariz. Seus braços e mãos
recobertos com pinturas escarlates representando flores de vários formatos.
Seus belos e longos cabelos negros ondulados chegavam à sua cintura. Ela
também admirava a bela paisagem de onde podia ver o templo de
Annamalaiyar, da tradição Shaiva do Hinduísmo, aos pés do morro. Aquele é
um templo tradicionalmente dedicado ao Senhor Shiva.
Mãe Parvati viu quando seu filho saiu do sagrado templo onde foi prestar
reverência a Shiva, seguiu calmamente pela estrada subindo o morro e passou
pela caverna onde habitou Sri Ramana Maharshi, um dos homens santos da
tradição Shaiva. Na caverna o jovem deus prestou homenagem ao antigo guru
e depois continuou caminhando morro acima até chegar à presença do Divino
Casal.
Pássaros podiam ser ouvidos cantando. Era manhã e o Sol estava para nascer
trazendo calor e luz. Uma brisa gélida percorreu o ambiente anunciando o
último frio da noite antes da alvorada. Era a hora mais fria da noite, os últimos
momentos antes do raiar do dia. Em todos os ciclos esta é conhecida como “a
hora mais negra” para todos os seres, pois é o momento em que o atual ciclo
dá seus últimos suspiros antes de morrer. É a hora da última tentação, quando
o incauto se perde e cai. A hora da última provação, quando um ciclo morre e o
outro nasce, onde a vitalidade será renovada. Os homens bons acordarão e se
porão a trabalhar em prol do bem maior. Os seres celebrarão a vida e a
existência com gratidão pelo fim das trevas e pelo retorno da luz.
Quando Ganesh chegou diante de Mãe Parvati ela pôde ver seu filho em todos
os detalhes. Sua imagem despontava radiante na escuridão contra as pedras e
árvores que circundavam a rocha sobre a qual o Divino Casal estava sentado.
Aquele ser singular e gigantesco, com seu corpo extremamente musculoso e
seus braços grossos, estava agora parado de pé diante dos dois. Suas grandes
e poderosas mãos poderiam carregar um rochedo facilmente, sua volumosa
barriga era o sinal da fartura com que é amado por seus devotos, seu rosto de
elefante possuía apenas uma presa. Longos cabelos negros ondulados caíam
por sobre seus ombros. Ele usava uma calça dourada de seda e estava
descalço. Sobre sua cabeça descansava uma coroa dourada com um disco
sobre sua frente. No disco vários raios saindo de seu centro apontavam em
todas as direções, representando a luz do Sol, mostrando que Ganesh é um
deus solar. Por todo o seu corpo estavam pequenos cordões, pulseiras e
braceletes como os de Shiva. Ele usava um japamala feito de largas contas de
madeira escura com um belo ornamento de fios vermelhos na base do cordão.
Em sua fronte havia uma pintura feita de vibhuti. Eram três linhas como que
pintadas por dedos que passaram de um lado para o outro da testa. No centro
havia um grande disco vermelho carmim. Ele também tinha várias pinturas de
vibhuti pelo seu corpo e braços.
Ganesh então se curvou diante do Divino Casal, fazendo uma reverência com
suas duas mãos postas. Ele respirou fundo, ergueu a cabeça e falou.
“Mãe, Pai! Pranam! Om Sai Ram! Saudações! Sua benção, eu suplico!” disse o
poderoso deus com sua voz macia e tranquila tal qual o mar calmo.
Ambos, Shiva e Mãe Parvati, sorriam felizes ao ver seu filho novamente,
erguendo a mão direita e mostrando a palma para ele.
“Seja bem vindo de volta, meu filho!” disse Mãe Parvati com um sorriso de pura
felicidade.
“Mãe, Pai,” disse Ganesh, “eu venho até vocês para suplicar que me permitam
retornar à Terra e tomar uma forma humana em um local que não é solo
sagrado, fora da sagrada terra de Bharat. As circunstâncias vindouras
requerem isto. Sei que é um pedido incomum, mas por favor, escutem meu
apelo! Assim como a noite deve ter um fim, a hora da Kali Yuga é chegada!
Logo minha Mãe retornará àquele mundo e a mudança da profecia deve se
realizar. Mãe, Pai, estou aqui para me oferecer em serviço e sacrifício em Seu
nome, para carregar feliz o peso do grande fardo da Criação sobre estes
ombros, para sorver do veneno de todos os venenos, que vem sendo destilado
desde o início da marcha do tempo pela vontade daqueles que caíram deste
céu em direção a infinitos universos para jogar o Jogo de Você! Jogando eles
se perderam e esqueceram o caminho de volta até seu lugar de origem: Bhuva
Loka, o céu original.”
“Meu filho, é isso mesmo que você quer fazer?” perguntou Shiva sério.
Então Mãe Parvati olhou para o jovem deus com raiva, seus olhos em fogo,
suas belas feições transformadas pela emoção, sua testa franzida enquanto se
inclinava um pouco para frente, encarando Ganesh diretamente.
“Saiba, Ganesh, que aquilo que nos pede é muito mais sério e severo do que
carregar a Lua sobre sua cabeça, algo que só seu Pai pode fazer! A
quantidade de dor e sofrimento, de horror e perversão que você enfrentará é
sem fim! Seus inimigos também serão sem fim! Infinitas almas querem,
desejando ardentemente, estar onde estão, fazendo o que fazem, sem se dar
conta do inferno que criaram para si mesmas!” falou alto Mãe Parvati.
Mãe Parvati franziu sua testa novamente e olhou seu filho com firmeza nos
olhos. Ela estava furiosa e isso fez com que sua imagem mudasse
completamente. Sua pele escureceu, se tornando totalmente negra, enquanto
um terceiro olho se abriu em sua testa. Um longo colar de crânios surgiu ao
redor de seu pescoço. Vários braços com armas também surgiram. Uma de
suas mãos segurava uma cabeça decepada ainda sangrando. Seu corpo todo
começou a emitir fogo como se estivesse em chamas. Agora ela era Mãe Kali,
a Mãe Morte. Um ser menor teria sentido horror profundo e enlouquecido ao
contemplar os olhos da Morte no momento em que ela está furiosa.
“E ainda assim nos pede isso? ME pede isso?” disse Mãe Kali com ainda mais
raiva. “Eu lhe dei todo meu poder, Ganesh! Toda minha Shakti, assim como dei
a seu Pai, para que use como quiser, mas é ISTO que você quer realmente
fazer? Se tornar Kalki, o guerreiro do fim dos tempos? Tem alguma ideia do
sofrimento que você impõe a mim por ter que ver meu querido filho descer até
o inferno para salvar aquelas almas que DESEJAM estar lá?” protestou Mãe
Kali em voz alta, seus vários braços se movendo ameaçadoramente.
“Sim, Mãe, eu sei. Peço que me perdoe por isto, mas este é o propósito de
minha existência,” respondeu Ganesh se curvando novamente.
Ela se virou e olhou para ele e seu sorriso a acalmou. Shiva olhou fundo nos
olhos dela e ela entendeu, fazendo que sim com a cabeça. Ela retomou sua
forma anterior de Mãe Parvati, se levantou da pedra onde estava sentada e
veio andando graciosamente até Ganesh.
Mãe Parvati segurou o rosto de Ganesh com as duas mãos e Ganesh, que
ainda estava curvado, abaixou sua cabeça em respeito e reverência.
Então Mãe Parvati ergueu o rosto dele gentilmente, dando um beijo na fronte
do poderoso deus, finalmente lhe dando sua bênção.
“Meu filho amado, saiba que estarei sempre contigo! Você é meu filho! Eu que
sou a mãe de todos e também o destino de todos! Todos nasceram de mim e
para mim devem retornar! Eu sou a vida e também sou a morte! Chame por
mim, meu filho!!! Chame pela sua mãe em sua hora mais negra e a própria
Morte virá a galope para salvá-lo! Você estará sempre protegido por mim!”
disse Mãe Parvati magnânima e orgulhosa.
“Seu fardo será imenso, mas você o aceitou com alegria! Por isso eu também
te abençoo, meu filho! Saiba que você terá a vitória contra tudo e contra todos
mesmo que esteja em desvantagem! No dia do seu casamento com aquela que
tem o nome deste monte sagrado nós iremos visitá-lo, pois esta montanha sou
Eu e ela serei Eu cuidando de meu filho! Aquela que proteger meu filho terá
minha proteção!” disse o Destruidor magnânimo.
“Obrigado, pai,” disse o jovem deus enquanto sorria fazendo uma nova
reverência.
Ganesh sabia que tudo estava feito e que agora seu destino o aguardava no
mundo dos humanos, perdidos, profanos, corrompidos e torturados pelo açoite
do demônio Kali pelos últimos 3060 anos, desde pouco depois da batalha nos
campos do Kurukshetra, quando Krishna ainda andava sobre a Terra. Mas não
só a Terra era vítima do cruel ser, mas todos aqueles que desceram
inocentemente para jogar o perverso Jogo de Você, iludidos pelos sentimentos
e sensações que o jogo lhes proporciona.
“Mãe, pai, então eu me vou! Mais uma vez obrigado!. Pranam! Om Sai Ram!”
Após dizer essas palavra Ganesh se virou e desceu pelo mesmo caminho por
onde veio, indo de encontrou ao mundo dos humanos. Da mesma forma que
veio foi-se.
“Tem certeza daquilo que fizemos? É cruel demais até para ele! O sofrimento é
sem fim!”
“É a vontade dele, Devi. Ele está correto! A hora é chegada! Veja, nosso filho
se tornou um valoroso homem! Ele é um adulto agora!” disse Shiva sem
conseguir esconder sua satisfação e orgulho.
“Mãe, Pai! Eu protesto!” disse Kartikeya, o outro filho de Shiva, que acabara de
chegar e estava indignado com o que havia visto. “Por que ele e não eu? Por
que SEMPRE Ganesh?”
“Porque Ganesh é aquele que deve vir sempre primeiro! Ele é Jaganath, o
Senhor e Guardião do Universo, o invencível Jugernauta! Esta é a minha
vontade e seu pai se submeteu a ela ou eu teria devorado a Criação!” disse
Mãe Parvati irritada com a insolência do deus da guerra.
“Sim, filho. Seu irmão está totalmente preparado para a tarefa a que ele se
dispôs. E ele veio a nós primeiro e pediu por nossa benção!” disse Shiva sério.
“Sim, Pai! Me perdoe, Mãe! Não falei por mal,” disse Kartikeya fazendo uma
reverência para o Divino Casal e depois se virando para olhar seu irmão
Ganesh enquanto ele se afastava.
Shiva olhava para o deus da guerra e franziu a testa, pois viu suas reais
intenções. Shiva então olhou para Mãe Parvati, que agora o confortou com um
lindo sorriso e acenou com a cabeça, ao que o Senhor do Fim sorriu
discretamente com total cumplicidade. Ambos voltaram a contemplar Ganesh
descendo pela montanha.
Ganesh caminhou firme e confiante até desaparecer. Ele nunca olhou para
trás.