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tcrna.cionals da Gato:Jilo~ç.

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Bibliosn.fi;L
ISBN 85- 7~96-{J69- I

fiaJ I.

Ol-l917 CDD - 401 . 41


CA PÍ TU LO • DO IS

A FIL OS OFI A DA LIN GU AG EM

A referê ncia de um nome própr io ê o própr io


objeto que por seu interm édio desig namo s; a
repre senta ção que dele temos é inteir amen te
subje tiva; entre uma e outra está o sentid o que,
na verda de, não é tão subje tivo quan to a
io
repre senta ção, mas que tamb ém não é o própr
objeto .

FREGE

REFERÊNCIA E CAM PO DISCURSIVO


DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
signo por Saus sure
oi expo sto anter iorm ente que a conc epçã o de
F é estre ita e parti cular , pode ndo ser cons idera
relaç ão com a conc epçã o cláss ica de signo
da sem qual quer
, que está na orige m dos
sécu lo XX, de que tra-
dois cami nhos da filoso fia da lingu agem do
tarem os a segu ir.
agem (da qual Freg e
Nos domí nios da filoso fia anal ítica da lingu
nte), o privi légio dado
pode ser cons idera do o mais notáv el repre senta
iosos ao proje to de cons tru-
à ques tão da refer ência levou os estud
a com exati dão a form a
ção de uma lingu agem rigor osa que reflit
fatos . Segu ndo o prog ra-
lógic a do pens amen to ou a estru tura dos
42 A QUESTAO DA REFER!l:N CIA

ma da filosofia analític a de Frege e Russell, e também do primeiro


1·, Wittgen stein 1 , na análise correta da "forma lógica" das sentenç as
estaria a chave da estrutu ra dos fatos. Se uma proposi ção (aquilo
que é express o por uma enuncia ção, um pensam ento ou uma es-
critura) é verdade ira, deve existir uma identida de de estrutu ra en-
tre ela e o fato a que se refere. Os nomes e adjetivo s possuem um
conjunt o de traços semânti cos que permite m selecion ar um referen-
te, o que equival eria a dizer como Frege (1978a, 1978b) que o sen-
tido determi na a referênc ia, ou que o sentido é um conceito da refe-
rência. A referênc ia de um nome, segundo Frege, é uma função do
sentido do nome 2 , ou, ainda, o sentido é uma condiçã o necessá ria
(mas não suficien te) para a determi nação da referênc ia.
O sentido e a referênc ia são, para Frege, dois aspecto s da sig-
nificaçã o. Os objetos de referênc ia devem ser indepen dentes do su-
jeito psicológ ico que pensa sobre eles e preexis tentes a ele. As leis
que regem esses não são, pois, leis psicológ icas, sujeitas ao desen-
volvime nto dos estados e acontec imentos psíquic os daquele que
pensa, mas são leis lógicas, circuns critas ao interior da própria lin-
guagem . Em outras palavra s, a teoria da signific ação fregean a é
sustent ada pela relação que a linguag em, concebi da como uma
estrutu ra lógico-s emântic a, deve ter com o "verdad eiro", cuja exis-
tência deve ser indepen dente das circuns tâncias discursi vas, ou
seja, de um emissor , do quando , do onde etc.
Essa separaç ão radical entre o fato (psicoló gico) de se pensar e
aquilo que é pensado , ou o fato em si mesmo (objetos de referên-
cia), é o que distanc ia em sua essênci a o program a da semânti ca
lógica de Frege e Russell da concepç ão lógica de signific ação, tal
como foi formula da pelos clássico s, e express a em La logique ou l'art
de penser, por Arnauld e Nicole (1970). Essa luta contra o psicolo-
gismo cartesia no anula toda a possibil idade de o signo represe ntar-
se na represe ntação e procura garantir a transpa rência do signo na

1. Faz-se referência , aqui, ao autor de Tractatus logico-phi losophicu s (WrrrGENST EIN,


1993}.
2. O principio segundo o qual a referênci a é uma função do sentido das
expres-
sões lingüístic as não admite exceções, segundo Frege, nem mesmo quando
se
trata de demonstr ativos, como isto e aquilo, ou nomes próprios de pessoas.
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 43

relação com seu objeto de referência. O resultado é um objetivismo


rigoroso, uma interdição total da reflexidade pela lógica. Esse ob-
jetivismo, que pode ser expresso pelo novo esquema X a Y, pode ser
assim interpretado: a linguagem refere-se a um fato, seu objeto, mas
não pode, ao mesmo tempo, referir-se a si mesma. No entanto, essa
linguagem pode ser objeto de outra linguagem (metalinguagem) e,
assim, sucessivamente: X a Y (X' a Y').
Nesse projeto filosófico de busca da verdade em si, a anãlise
lógica das sentenças tem como tarefa superar as limitações da aná-
lise lógica tradicional, de base aristotélica (circunscrita à forma
gramatical dos enunciados, que, segundo os lógicos modernos, pode
esconder as verdadeiras relações estabelecidas pelo pensamento),
por intermédio de um esquema mais rigoroso de uma gramática
universal que reflita a estrutura dos fatos. Esse esquema leva ao
interesse pelas linguagens formais, já que as línguas naturais não
se prestam inteiramente a essa análise, segundo o próprio Frege vai
constatar.
A tese do paralelismo completo entre o mundo dos fatos e as
estruturas da linguagem, ou seja, de que a linguagem figura mes-
mo a realidade dos fatos, é defendida, com o máximo de requinte,
na obra de 1921, Tractatus logico-philosophicus, de Wittgenstein
( 1993), filósofo que havia sido discípulo de Russell (por sugestão do
próprio Frege). A importância do Tractatus para a investigação que
aqui se faz sobre a questão da referência reside no fato de que essa
obra vai influenciar consideravelmente as teses fundamentais dos
filósofos do chamado Círculo de Viena, o qual, por sua vez, exerce-
rá alguma influência sobre o Círculo Lingüístico de Praga, herdei-
ro da lingüística saussuriana.
Segundo Wittgenstein, entre a figuração (a linguagem) e o afi-
gurado (os fatos da realidade) deve haver uma mesma multiplicidade
lógica ou matemática, o que se deve entender que nas proposições
da linguagem deve haver o mesmo número de elementos que nos
fatos afigurados. A realidade somente pode ser afigurada através das
sentenças, constituídas, por sua vez, de "nomes", que representam
"objetos", entidades consideradas na sua mais absoluta simplicida-
de e que formam a "substância do mundo", não podendo, portanto,
ser decompostos em entidades menores.
44 A QUESTA O DA REFERll: NCIA

Essa base epistem ológica , segund o a qual a linguag em em sua


estrutu ra lógica e formal nos diz como as coisas realme nte são,
isto
é, a linguag em determ ina a realida de através das condiç ões de
ver-
dade de seus enunci ados, vai ser mais tarde duram ente contes
ta-
da no interio r da própria filosofi a da linguag em. Começ ou a
ser
derrub ada pela ação de filósofo s como Quine, o qual, ao suspei
tar
da distinç ão entre julgam entos analític os e sintétic os, mostro u
que
não há como susten tar a noção de uma necess idade lógica a priori.
O próprio Wittge nstein, com Investi gações filosófi cas e outros
tra-
balhos , propõe uma reversã o total da tese antes defend ida, com
base
no formal ismo lógico de Frege e Russel l. O "segun do" Wittge nstein,
um dos mentor es dos filósofo s de Oxford e de toda a pragmá
tica,
segund o se verá adiante , vai defend er, nesse segund o momen
to, o
funcio namen to da linguag em através de seus variado s usos, o
que
equiva le a dizer que a linguag em não pode ser unifica da segund
o
uma estrutu ra lógico- formal, e que de nada vale indaga r sobre
os
signific ados das palavra s, seu sentido e sua referên cia, mas,
vale,
sim, indaga r sobre "os jogos da linguag em" ou as múltip las lingua-
gens que são verdad eiras formas de vida.

ALGU NS ASPECTOS DA SIGNI FICAÇ ÃO


EM FREGE E RUSSELL

As investi gações de Frege (1978a , 1978b, 1978c) , de um lado,


sobre as noções de objeto, conceit o e função e as relaçõe s sobre
es-
tas, e, de outro lado, sobre as noções de sentido e referên cia,
são
explici tadas em três artigos , que podem ser consid erados frutos
da
fase de maturi dade do pensam ento do autor: "Funçã o e conceit
o",
origina l de 1891, "Sobre o sentido e a referên cia", origina l de 1892,
e "Sobre o conceit o e o objeto" , também origina l de 1892.
O que verdad eirame nte import a no projeto fregean o é a verda-
de: "é a busca da verdad e, onde quer que seja, o que nos dirige
do
sentido para a referên cia". Daí a import ância do trajeto sentido
à
referên cia: o sentido (meio) é apenas o trajeto para se chegar à
re-
ferênci a (fim). Por isso adverte , em "Funçã o e conceit o", parece
r ser
"uma norma de rigor científi co cercar- se dos devido s cuidad os
para
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 45

que uma expressão nunca seja carente de referência, para que, inad-
vertidamente, nunca se calcule com sinais vazios, na crença de que
se esteja lidando com objetos" (p. 48).
Um projeto centrado na referência (Bedeutung) já é evidente
mesmo em trabalhos anteriores aos três famosos artigos, como em
Fundamentos da aritmética (trabalho de 1884, em que ainda não
aparece a distinção entre sentido e referência), quando Frege já
defendia a determinação da Bedeutung de um termo num contexto
mais amplo (proposição), através do processo de "contribuição" das
palavras no contexto proposicional em que elas ocorrem.
Todo esse processo, que tem como meta chegar aos valores de
verdade dos enunciados, depende do ponto de origem, que é a lin-
guagem, o que equivale a afirmar que não há acesso inteligível à
realidade exceto pelo caminho das estruturas da língua. O enten-
dimento das palavras de acordo com as regras que são logicamente
evidentes por si mesmas dá o sentido das palavras para o usuário
da língua. Qualquer um que domine as propriedades de verdade
semântica pode avaliar a verdade objetiva.
O artigo "Função e conceito", em que Frege defende que a arit-
mética é um desenvolvimento expansivo da lógica, faz a importan-
te distinção entre função e objeto, distinção crucial para se enten-
der a questão do sentido e da referência tal como vai ser formulada
em "Sobre o sentido e a referência". Tudo quanto existe, Frege afir-
ma em "Função e conceito", ou é função ou é objeto. Função e obje-
to são os dois únicos aspectos da realidade. Objeto é tudo aquilo
que não é uma função, de modo que uma expressão dele jamais
contém um lugar vazio. Função é sempre algo incompleto, insatu-
rado, necessitando sempre de um argumento para prover sua satu-
ração. O argumento não é parte da função, mas compõe o todo com
a função. Os nomes próprios designam os objetos e as expressões
funcionais designam as funções. Os nomes próprios não admitem
decomposição lógica, sendo somente possível indicar o que querem
dizer. Pode-se, pois, dizer que aquilo que é saturado se refere a um
objeto, e aquilo que não é saturado se refere a uma função, neces-
sitando de um argumento para prover a sua saturação.
As funções cujos argumentos são e devem ser funções são cha-
madas de "funções de segundo nível"; as funções cujos argumen-
46 A QUESTÃ O DA REFERl l:NCIA

tos devem ser objeto s e nada mais podem ser são chama das
de "fun-
ções de primei ro nível".
Já nesse artigo, embor a mais preocu pado com questõ es da
arit-
mética , Frege empen ha-se em demon strar que "a divers idade
de de-
signaç ões não justifi ca, por si só, uma divers idade de design
ados",
ou seja, que o sentid o não deve ser confun dido com seu
objeto de
referên cia, que o leva a propo r uma distinç ão muito clara
entre os
numer ais (roma nos, arábic os etc.), os objeto s matem áticos
de refe-
rência , que são os númer os, e os modos de aprese ntação
desses ob-
jetos, que consti tuem seus difere ntes sentid os ou expres
sões. As-
sim, 3 + 4, 5 + 2 e 6 + 1 são difere ntes expres sões ou sentid
os da
mesm a referê ncia, o númer o 7. 2. 2 + 6, por sua vez, é um
sentid o,
uma expres são ou um modo de aprese ntação do númer o
1 O (objeto
de referên cia}.
Para se reconh ecer uma função , é necess ário decom por
a ex-
pressã o em que ela ocorre , sendo a possib ilidade da decom
posiçã o
sugeri da pela própri a estrut ura da expres são. Exemp lo:
para o ar-
gumen to 1, a função 2.x 2 + x tem como referê ncia 3; para
o argu-
mento 2, tem como referê ncia 10.
O valor de uma função é um valor de verdad e (o verdad eiro
ou
o falso}. 2 2 =4, 2>1, 2 4 =4 2 se refere m ao mesm o objeto :
o verdad ei-
ro. 2 2 =1, 2>1. 2:4=4 .2 també m têm o mesm o objeto de referên
cia: o
falso. As funçõe s devem ter um valor de verdad e para
cada argu-
mento . Muita s vezes, como em x 2 4x = x (x 4), duas funçõe
s po-
dem ter valor idênti co. Qualq uer argum ento que substi
tua x vai
result ar no mesm o valor.
Trans portan do-se para o plano da lingua gem ordiná ria
(não
formal }, pode-s e dizer que "Estre la da Manhã " e "Estre la
da Tarde"
são dois nomes própri os que têm a mesm a referê ncia (Vênus
}, mas
que se distin guem, pela difere nça de sentid o ou pelos
conce itos
difere ntes que expres sam, ou seja, pelas possív eis distinç
ões que
tornam possív el a identif icação do objeto . Assim como 2 4
e 4.4 não
são iguais na design ação do design ado 16, "Estre la da
Manhã " e
"Estre la da Tarde " não são iguais na design ação do
design ado
"Vênu s".
A expres são "a capita l do impéri o alemã o" tem como referê
ncia
um objeto , que é Berlim . Pode- se dizer que "a capita l
do impéri o
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 47

alemão" é um sentido de Berlim. Essa expressão compõe-se de uma


parte insaturada "a capital de", cuja referência é uma função, e de
uma parte saturada, "império alemão", cuja referência é um obje-
to. Também pode-se dizer que "A capital de x" é a expressão de uma
função, e "império alemão" é a expressão de um objeto. Satura-se
essa função com o argumento "império alemão", que preenche o
lugar de x.
A sentença assertiva é assimilada a um nome próprio, cujo
sentido é um pensamento e cujo objeto de referência é um valor de
verdade. Como existem apenas dois valores de verdade, o verdadeiro
e o falso, toda sentença assertiva, que expressa, pois, uma propo-
sição, acaba sendo nome do verdadeiro ou do falso. As sentenças
não assertivas não possuem valor de verdade, ou seja, não possuem
referência, não sendo, portanto, nem verdadeiras, nem falsas.
Uma sentença assertiva como "César conquistou as Gálias" não
contém lugar vazio, por isso equivale a um nome próprio e tem como
referência um objeto, que é um valor de verdade (o verdadeiro). Essa
sentença é formada de uma parte não saturada "conquistou as
Gálias" (a referência desta parte é uma função), que contém um
lugar vazio (x conquistou as Gálias), e de uma parte saturada
"César" (a referência desta parte é um objeto). Preenchendo-se esse
lugar vazio com o argumento "César", provê-se a saturação e che-
ga-se a um valor de verdade. Em outras palavras, poder-se-ia dizer
que para o argumento "César", a função "x conquistou as Gálias"
tem como referência o verdadeiro; para o argumento "Aristóteles",
a mesma função tem como referência o falso.
Em "Sobre o conceito e o objeto", Frege esclarece o que se deve
entender por conceito e objeto e como o conceito e objeto se excluem
mutuamente. A distinção entre as designações de um objeto e as
designações das propriedades dos objetos correspondem, no plano
lingüístico, à distinção entre nomes próprios e expressões predicati-
vas. O conceito é sempre predicativo. Opõe-se a um nome próprio
na medida em que o conceito é a referência de um predicado gra-
matical e a referência de um nome próprio nunca pode ocorrer como
um predicado gramatical, mas somente como um objeto. O nome
próprio jamais pode ser um predicado, embora possa fazer parte de
um. O objeto não pode, portanto, ser a referência total de um pre-
48 A QUEST AO DA REFER~NCIA

dicad o, mas pode ser a refer ência total de um


sujei to. O conce ito,
dado à sua natur eza predi cativ a, jama is pode
ser refer ência de um
sujei to gram atica l. Para ser sujei to deve, antes
, ser conv ertido em
objet o.
Em "A estre la matu tina é um plane ta", "um plane
ta" é um ter-
mo conc eitua l ou uma expre ssão predi cativ a,
que tem como refe-
rênci a um conce ito. "A estre la matu tina" é um
nome própr io de um
objet o (Vênu s). Sob o conce ito, que é a refer ência
do predi cado gra-
matic al "um plane ta", cai Vênu s, o objet o de
refer ência do sujeit o:
"a estre la matu tina" .
Não se deve confu ndir essa relaç ão de um nome
própr io com
um termo conc eitua l, em que um objet o cai sob
um conce ito (pre-
dicaç ão), com a relaç ão de ident idade . Na relaç
ão de ident idade ,
não se predi ca, ou seja, não se tem uma relaç
•'"'•.,
ão em que um objet o
cai sob um conce ito. O que se tem é uma relaç
ão de dois. nome s
próp rios para o mesm o objet o, como em "A
estre la matu tina é
Vênu s".
A natur eza predi cativ a do conce ito deve ser
enten dida como
"insa turaç ão". Conf orme expo sto em "Fun ção
e conce ito", tudo o
que exist e ou é funçã o ou é objet o. O conc eito
é funçã o, porta nto
insat urad o.
Sob um conc eito pode cair um objet o ou outro
conce ito. Ao
conce ito sob o qual cai um único objet o Frege
cham a de "conc eito
de prime iro nível" , ao conce ito sob o qual cai outro
conce ito cham a
de "conc eito de segun do nível" . No prime iro caso,
tem-s e uma pre-
dicaç ão sobre um conce ito, e, no segun do, uma
predi cação sobre
um objet o. São predi caçõe s distin tas. A predi
cação que é feita de
um conce ito não é adeq uada a um objet o. Em
"Há pelo meno s uma
raiz quad rada de 4" tem-s e um conce ito de segun
do nível. "Uma raiz
quad rada de 4" ê um termo conc eitua l cuja refer
ência não é o nu-
mera l 2. Nada se pred icado objet o 2. Predi ca-se
algo de outro con-
ceito , refer ência de "raiz quad rada de 4". Diz-s
e que esse conce ito,
"raiz quad rada de quatr o", não é vazio , ou
seja, que exist e pelo
meno s uma coisa que é raiz quad rada de 4. Como
um conce ito não
pode ser subst ituíd o por um objet o, não se pode
subs tituir a sen-
tença origin al por outra do tipo: "Há pelo meno
s 2". Já na sente nça
"O conce ito raiz quad rada de 4 não é vazio ", tem-s
e um conce ito de
-------------------'Ac:..:.F...;;IL:.;O=.S=.O.::::.FIA DA LINGUAGEM 49

primeiro nível. "Não é vazio" tem como referência um conceito sob


o qual cai o objeto de referência do nome próprio, "o conceito raiz
quadrada de 4".
Apoiado por distinções lingüísticas, faz ver que o artigo defini-
do singular indica um objeto, ao passo que o artigo indefinido acom-
panha um termo conceitual ou uma expressão predicativa. O arti-
go definido expressa univocidade lógica, "existe um e apenas um",
condição para o nome próprio.
O artigo definido oferece, no entanto, algumas dificuldades, já
que muitas vezes acompanha não um nome próprio, mas um ter-
mo conceitual. "O cavalo é um animal quadrúpede" deve ser enten-
dido não como a expressão de uma univocidade lógica, mas como
um juízo universal: "Todo cavalo é um animal quadrúpede", ou
"Aquilo que é cavalo é um animal quadrúpede", ou, ainda, "Se algo
é cavalo é um animal quadrúpede". "Todo", "cada", "nenhum", "al-
gum" se antepõem a termos conceituais e não a nomes próprios. Em
sentenças universais e particulares, afirmativas e negativas, expri-
mem-se relações entre conceitos. Daí se poder afirmar que em "o
cavalo é um animal quadrúpede" predica-se de um conceito e não
de um objeto, tratando-se de um caso de conceito de segundo nível
(sob um conceito cai outro conceito).
Frege chama atenção para o fato de que "todo", "cada", ."ne-
nhum", "algum", logicamente falando, se relacionam mais à senten-
ça como um todo do que aos termos conceituais que as seguem. É
por essa .razão que a negação de uma sentença como "Todos os
mamíferos são animais terrestres" deve incidir não sobre o predicado
"são animais terrestres", mas sobre "todos" (já que "todos" perten-
ce logicamente ao predicado): "Nem todos os mamíferos são animais
terrestres", ou "É falso que todos os mamíferos sejam animais ter-
restres".
Ainda neste artigo, Frege esclarece o que se deve entender por
"propriedade" e "nota" de um conceito. Os conceitos sob os quais
cai um objeto são propriedades deste objeto. Se um objeto determi-
nado tem as propriedades "x", "y", "z", por exemplo, essas proprie-
dades podem ser combinadas num só conceito "w", formado pelas
notas "x", "y", "z". Em vez de se dizer que "2 é um número positivo",
"2 é um número inteiro" e "2 é menor que 1 O", pode-se dizer que "2
50 A QUES TÃO DA REFER !l:NCI A

é um num ero intei ro posit ivo men or que 10".


"Ser um num ero po-
sitivo ", "ser um num ero intei ro" e "ser meno
r que 10" são prop rie-
dade s do objet o 2 e, simu ltane amen te, nota
s do conc eito "num ero
intei ro posit ivo men or que 1 O".
Mas é em "Sob re o senti do e a refer ência
" (trad ução de Ober
Sinn und Bede utun g) que o obje to de inve stiga
ção se volta espe ci-
ficam ente para a disti nção entre senti do e refere
nc:ia. Com base num
siste ma ternã rio, form ado de nome própr io,
senti do e referenc:ia, Frege
apre sent a uma disti nção cruc ial para a cons
truçã o de uma das mais
impo rtant es teori as da signi ficaç ão de todo
s os temp os. Cham a de
nome próp rio qual quer expr essã o signi ficat iva
(pala vra, expr essão ,
grup o de pala vra ou sent ença asser tiva)
cuja refer ência seja um
obje to sing ular. Cham a de senti do "o modo
de apre senta ção do ob-
jeto" . Cham a de refer encia de uma expr essão
o objet o do qual a
',c, expr essã o é o nom e. Sent ido e refer ência
são os dois aspe ctos da
signi ficaç ão de um nom e. É poss ível dizer
com Freg e que uma ex-
pres são (nom e próp rio) nome ia a sua refer
ência e expr essa o seu
senti do.
Nest e artig o, Freg e parte da impo rtant e disti
nção kant iana entre
juízo s analí ticos , que Freg e vai repre senta r
pela expr essão a= a, e
juízo s sinté ticos , repre senta dos por a = b. Kant
já havi a apre goad o
que some nte os juízo s sinté ticos a prior i têm
inter esse para a teo-
ria da ciênc ia. Não send o tauto lógic os como
os juízo s analí ticos (cujo
pred icado perte nce ao sujei to como algo conti
do ness e conc eito, ou
seja, nos juízo s analí ticos afirm ativo s a cone
xão entre o pred icado
e o sujei to é pens ada por iden tidad e ou inten
são), e não send o con-
tinge ntes e parti cula res como os juízo s sinté
ticos a poste riori (que se
refer em a expe riênc ias que se esgo tam em
si mesm as), mas send o
nece ssári os e univ ersai s, os juízo s sinté ticos
a prior i cons titue m o
verd adeir o nucl eo da teori a do conh ecim ento
.
O objet ivo do artig o "Sob re o senti do e a
refer ência " é demo ns-
trar que a relaç ão de igua ldad e é uma relaç
ão entre nome s de obje-
tos e não entre objet os. Som ente admi tindo
-se isso, é possí vel afir-
mar que sent ença s do tipo a =a, anal ítica
s a prior i, têm valo r
cogn itivo difer ente das sent ença s do tipo
a= b. A expr essão a== b
signi fica que a e b são dois nome s difer entes
do mesm o objet o, ou
seja, a refer ência do nome a é a .mes ma refer
enda do nome b. Em
A FILOSOFIA DA UNGUAGEM 51

outras palavras, a e b têm sentidos diferentes, mas o mesmo objeto


de referência. Se a sentença a = b (que contém extensões valiosas
de nosso conhecimento) e·a sentença a a (tautológica) diferem
quanto ao pensamento (sentido), elas não só têm valor cognitivo
diferente, como expressam juízos diferentes, entendendo-se por juizo
a trajetória do pensamento para seu valor de verdade.
Em outras palavras, os enunciados referenciais do tipo a = b
têm interesse científico se se puder demonstrar que as proprieda-
des ligadas a a e as propriedades ligadas a b são propriedades de
um único ser (objeto de referência). A ciência, quando constrói enun-
ciados que combinam designações de objetos, tem em consideração
os sentidos (ou "pensamentos") pelos quais os objetos são represen-
tados. As ciências apriori apóiam-se exclusivamente nesses senti-
dos, ou "pensamentos"; as investigações empíricas apóiam-se par-
cialmente neles.
Como já afirmado, Frege isenta o sentido de todo o subjetivismo.
Para defender a objetividade e a universidade do sentido (conven-
cional, lógico, pertencente a um dado sistema), contrapõe sentido
a representação. A representação, que é constituída de imagens
internas subjetivas, sendo, portanto, vinculada a um portador e a
uma época determinada, não tem validade lógica numa teoria de
significação, que pretende, antes de tudo, ser uma defesa a qual-
quer tipo de subjetivismo e individualismo. O sentido, sendo inde-
pendente do sujeito que o engendra, ou das circunstâncias de sua
enunciação, nunca é a expressão do psiquismo individual, criação
de um sujeito, ou a expressão de sua vida interior. Existem muitas
representações (individuais, subjetivas, psicológicas) associadas a
um mesmo sentido (objetivo, convencional). No entanto, essas não
contam no processo de determinação da referência. A eloqüência e
a arte poética, com seus "coloridos" e "sombreados" pertencem ao
plano das representações.
Deve-se entender que a "representação" que Frege combate é
no sentido de "idéia subjetiva". A linguagem, por intermédio de suas
expressões, deve representar seus objetos de referência. Trata-se do
esquema X a Y, devendo-se entender que X (o sentido) determina Y
(a referência), ou que X representa Y. A isenção de toda a subjetivi-
dade é que permite, segundo Frege, a tradução de um mesmo sen-
52 A QUEST ÃO DA REFER~NCIA

tido em difer entes língu as ou em difer entes lingu


agens . Expr essõe s
ex:n difer entes língu as ou difer entes lingu agen
s pode m ter como re-
ferên cia o mesm o objet o, de acord o com o que se
deve enten der como
a= b.
Nesse senti do, nenh um signo pode ser consi derad
o índic e puro.
Todo s os nome s, até mesm o os "nom es própr
ios genu ínos" , como
"Sócr ates" , "Aris tótele s", são "mod os de apres
entaç ão", expre ssões
ou descr ições . Isso porqu e Frege não conce be
qualq uer desig nação
indep ende nte do meca nism o descr itivo, ou seja,
não conce be qual-
quer form a de conh ecim ento direto sem a inter
medi ação dos senti -
dos, que se aloja m no inter ior da lingu agem .
As propo siçõe s são relac ionad as aos nome s própr
ios atrav és do
princ ípio da comp osici onalí dade (func ional idade
), segun do o qual
a signi ficaç ão das propo siçõe s é funçã o da signi
\._.. ..' ficaç ão dos elem en-
tos que a comp õem. É por isso que, confo rme
irã demo nstra r, se se
subs tituir uma palav ra da sente nça por outra
que tenha a mesm a
referê ncia, mas senti do difer ente, o senti do muda
, mas sua referê n-
cia perm anece a mesm a; do mesm o modo , se
faltar refer ência em
um dos nome s própr ios que comp õem uma sente
nça asser tiva, a
sente nça toda serã sem referê ncia. Entre "A Estre
la da Manh ã é um
corpo ilumi nado pelo Sol" e "A Estre la da Tard
e é um corpo ilumi -
nado pelo Sol" exist e uma ident idade de referê
ncia, mas não de sen-
tido. Em "Ulis ses profu ndam ente adorm ecido
foi desem barca do em
1taca ", o todo tem senti do, mas não tem refer ência
, jã que "Ulis ses"
não tem refer ência , o que faz com que toda a sente
nça tamb ém não
tenha .
Ao senti do de uma sente nça Frege cham a de "pens
amen to" {com
suas duas parte s: sujei to e predi cado) e ao seu
objet o de sua refe-
rênci a cham a de "valo r de verda de". Conf orme
jã havia defen dido
em "Fun ção e conce ito", a sente nça asser tiva
equiv ale a um nome
própr io, sua refer ência ou é o verda deiro ou é
o falso, os dois úni-
cos valor es de verda de que exist em. Dess e modo
, todas as sente n-
ças verda deira s têm a mesm a refer ência (o verda
deiro ) e todas as
falsa s tamb ém têm a mesm a refer ência {o falso)
.
Nem semp re, porém {Freg e vai recon hecer ), a refer
ência de uma
sente nça é um valor de verda de. Isso acon tece
com as sente nças
subo rdina das, de algun s tipos . Tais sente nças
subo rdina das têm
como sentido não um pensamento, mas parte de um pensamento,
e, conseqüentemente, nenhum valor de verdade como referência.
Na anãlise das subordinadas, Frege vai constatar que a razão
de alguns tipos dessas sentenças não terem pensamento (sentido)
independente ou completo e não terem um valor de verdade como
referência, mas um pensamento como referência, é que ou elas têm
referência indireta (um caso especial que se verá adiante) ou con-
têm um indicador indefinido, ou seja, uma parte da sentença apenas
indica indefinidamente em vez de ser um nome próprio. Os indi-
cadores indefinidos servem para unir as duas sentenças, a subor-
dinada e a principal, as quais, sozinhas, não têm nem sentido in-
dependente, nem valor de verdade. Somente o todo, contendo a
sentença principal e a subordinada, encerra um pensamento e pode
ter um valor de verdade como objeto de referência.
Existe indicação indefinida nas sentenças substantivas com
"quem", do tipo "Quem descobriu a forma elítica das órbitas plane-
tárias morreu na miséria" ("Quem" (sujeito) não tem sentido inde-
pendente, tendo apenas a função de mediar a relação com a sen-
tença "morreu na miséria"), nas sentenças adjetivas (que equivalem
a adjetivos, os quais não indicam isoladamente), nas sentenças
adverbiais de lugar e de tempo, nas adverbiais condicionais.
As subordinadas, segundo Frege, que têm sentido completo e
valor de verdade como referência, são as adverbiais concessivas (in-
troduzidas por embora) e as adjetivas que determinam um nome
próprio 3 , como em "Napoleão, que reconheceu o perigo para seu flanco
direito, comandou pessoalmente sua guarda contra a posição ini-
miga".

3. Trata-se, neste caso, de orações adjetivas apositivas (explicativas), que deve-


riam ser consideradas coordenadas e não subordinadas do mesmo tipo das
adjetivas restritivas. No caso das concessivas, Frege também não considerou
sua semelhança com as coordenadas. A diferença entre uma "coordenada"
adversativa e uma "subordinada" adverbial, segundo a lingüística mostrará
anos mais tarde, está na estrutura argumentativa e não propriamente no do-
mínio do sentido e da referência. Na argumentação com adversativas, apre-
senta-se primeiro aquilo que se quer refutar (A) e depois aquilo que se defende
(B). introduzido por mas: A mas B. Na argumentação com concessivas, intro-
duz-se o que se refuta (B) com uma concessiva do tipo embora e o que se de-
fende (A) constitui a oração principal: A, embora B ou Embora B, A.
54 A QUESTÃO DA REFER€NC IA

A "referênc ia indireta" trata-se de um mecanism o particula r


de significaç ão. Diz-se que um nome próprio (ou palavra, conjun-
to de palavras , sentença assertiva etc.) possui referênci a indireta
quando tem por objeto de referênci a o sentido que usualme nte ex-
pressa. Em se tratando , por exemplo, de uma sentença , sua refe-
rência não serã um valor de verdade, mas um pensame nto. Frege
não especific a claramen te as condiçõe s que determin am que uma
expressã o lingüísti ca tenha referênci a indireta. Apenas dã como
certos os nomes que figuram em sentença s assertiva s subordin a-
das a alguns tipos de verbos, os verbos de dizer e alguns outros
("dizer", "ouvir", "pensar" , "estar convenci do", "inferir", "parecer" ,
"alegrar- se", "lamenta r", "consent ir", "desapro var", "ter esperan-
ça", "temer", "ordenar ", "pedir", "proibir" , "duvidar que", "não sa-
ber que" e "palavra s semelhan tes").
No caso do discurso indireto, as palavras têm sempre referên-
cia indireta, que coincidem com o que é seu sentido. Nesse caso, a
referênci a da subordin ada ê um pensame nto, não um valor de ver-
dade, o qual é apenas uma parte do pensame nto da sentença com-
posta como um todo. Também as adverbia is finais (as subordin a-
das introduzi das por "a fim de que") têm como referênci a seu sentido
e não um valor de verdade. Devem ainda ser consider adas as su-
bordinad as com "que" depois de "ordenar" , "pedir", "proibir" (equi-
valentes ao imperativ o no discurso direto), cuja referênci a não é um
valor de verdade, mas uma ordem, um pedido, uma proibição . E
ainda as interroga ções indiretas após expressõ es como "duvidar
que", "não saber que", as interroga tivas indiretas introduzi das por
"quem", "o que", "onde", "quando" , "como" etc., com o verbo no sub-
juntivo.
Nesses casos de referênci a indireta com sentença s subordin a-
das, para a verdade do todo, é indiferen te se tal pensame nto é ver-
dadeiro ou falso, ou seja, a verdade do todo não implica nem a ver-
dade nem a falsidade da sentença subordin ada. Numa sentença
como "Copérni co acreditav a que as órbitas planetári as eram circu-
lares", "que as órbitas planetári as eram circulare s" pode ser subs-
tituído por "que o movimen to aparente do Sol era produzid o pelo
movimen to real da Terra", sem que se altere o valor de verdade do
todo.
É com a referência indireta que se resolve no interior da teoria
de Frege o famoso paradoxo da denotação, tema de muitos debates
e controvérsias. Segundo Frege, a prova de que dois nomes próprios
com a mesma referência podem ter sentidos distintos é que, substi-
tuindo-se um nome por outro, o valor de verdade dos enunciados
ficará inalterado. Em outras palavras, uma expressão poderá ser
substituída por outra, sem que se altere o valor de verdade, se ambas
forem co-referenciais. Russell acusará a teoria de Frege de não dar
conta desse princípio, servindo-se em seu argumento do exemplo
"George IV quis saber se Scott era o autor de Waverley", no qual,
substituindo-se "o autor de Waverley" por "Scott" (outro sentido para
a mesma referência), obtém-se "George IV quis saber se Scott era
Scott", alterando-se o valor da verdade. Parece evidente que uma
pessoa como George IV, argumenta Russell, não indagaria tal boba-
gem. O paradoxo, no entanto, resolve-se se se considerar que "o autor
de Waverley" tem referência indireta (ou, usando-se uma terminolo-
gia mais moderna, "está num contexto intensional"), ou seja, a sua
referência é o sentido que o nome usualmente expressa ("autor" =
"aquele que escreveu"). Obviamente George IV não queria saber se
Scott era Scott, mas se Scott tinha escrito Waverley.
Não se deve confundir esses casos (pertencentes a uma causa
lógica) em que a expressão se refere, embora de uma maneira indi-
reta, já que seu referente é o que nos contextos diretos constitui o
"sentido" que expressa, com os casos em que falta a referência. Em
momento algum Frege ignorou o mágico dom das línguas naturais
de permitir que se fale significativamente de coisas inexistentes,
casos que chamou de "sentidos sem referência", e que procurou
isolar de uma causa estritamente lógica. "A vontade do povo", "o
corpo celeste mais distante do Sol" são exemplos dados por Frege
de "sentidos sem referência". Qualquer sentença constituída des-
sas expressões, as quais não têm uma referência universalmente
aceita, será sem referência, isto é, sem valor de verdade. Deve-se,
pois, considerar uma ressalv~:~. feita por Frege ao princípio segundo
o qual o sentido determina a referência. A ressalva é que a referên-
cia é concebida como sendo um pressuposto existencial, o que equi-
vale a afirmar que, embora o sentido preceda e determine a refe-
rência, nem sempre ele a assegura.
Por não ser lingüi sta, mas lógico , não questi onou se os
casos
de "senti do sem referê ncia", por ele classif icados , não deveri
am ser
explic ados por um funcio namen to lingüí stico sistem ático,
o que
equiva le a dizer, regula r, das língua s natura is. Como lógico
, atri-
buiu esses casos de sentid o sem referê ncia à "imper feição
", "irre-
gulari dade", ou a "exceç ões".
As língua s natura is, segun do irá afirma r, têm o defeito
de ori-
ginar expres sões que, por sua forma grama tical, parece
m perfei tas
para design ar um objeto , sem que o façam de fato. Daí
defend er o
ideal de uma língua perfei ta logica mente , uma "ideog
rafia". A
ideogr afia tem a finalid ade de substi tuir a lingua gem
natura l ou
ordiná ria em determ inadas ativid ades científ icas. Trata-
se de uma
lingua gem sem qualq uer instab ilidad e refere ncial, em que
se exige
que toda expres são constr uída como um nome própri o,
;. a partir de
sinais previa mente introd uzidos , e de manei ra grama
ticalm ente
corret a, design e de fato um objeto .
Outro ponto de "irregu laridad e", margi naliza do em função
de
uma língua perfeit a, foram os signos dêitico s, consid erados
incon-
venien tes do ponto de vista lógico, pela razão de tais signos
deman -
darem o conhe cimen to do contex to da situaç ão para a determ
inação
de sua "referê ncia". O seu sentid o, sozinh o, é incapa z de
determ inar
sua referên cia. Um signo "reaju stado" ou "comp letado "
por fatores
contex tuais, na concep ção de Frege, foge ao escopo de
uma causa
estrita mente lógica. O sentid o deve determ inar as condiç
ões de ver-
dade da senten ça, indepe ndente mente das circun stânci as
de uso ou
do contex to.
Essas "irreg ularid ades" todas serão mais tarde recons iderad
as
no interio r da própri a filosof ia da lingua gem, e, invert
endo- se a
equaç ão, isto é, em vez de se afirma r como Frege que as
língua s na-
turais não se presta m à causa lógica, foi possív el dizer que
uma teo-
ria de signifi cação como a de Frege não serve ao estudo das
língua s
natura is. Os trabal hos da pragm ática e da lingüí stica da
enunc ia-
ção, confor me se verá adiant e, vieram derrub ar o mito lógico
de que
os enunc iados com dêitico s consti tuem a exceçã o. Esses
mesm os
trabal hos procu raram mostr ar que não existe enunc iado
sem enun-
ciação , o que se permi te afirma r que todo enunc iado
de algum a
forma está subor dinad o a um "disse que", ou, em outras
palavr as,
usando-se a própria terminologia de Frege, que a referência de qual-
quer enunciado, por mais objetivo que este pareça ser, é de algu-
ma maneira indireta.
Encerrando-se essas considerações sobre Frege, é possível di-
zer que a separação entre sentido e referência foi a tentativa fregeana
de solucionar o dilema da questão da relação entre a linguagem e
seu referente: como conhecer o objeto do pensamento fora do pen-
samento? Ou: como conhecer o objeto da linguagem fora da lingua-
gem? A possibilidade objetiva e independente de ser do referente com
relação ao pensamento e à linguagem é garantida pela possibilida-
de de diferentes discursos visarem ao mesmo referente. Sentidos di-
ferentes visam ao mesmo referente. Por isso foi possível a Frege afir-
mar que as sentenças do tipo a b contêm extensões valiosas para
o conhecimento. O referente, podendo ser concebido como preten-
são comum de dois sentidos diferentes (mesmo como pretensão co-
mum de duas línguas diferentes), torna-se fundamentalmente di-
ferente daquilo que dele se fala.
Parece evidente o quanto a solução de Frege para o dilema da
referência se diferencia da solução de Saussure. Frege baseia-se na
universalidade dos sentidos, o que, para Saussure, seria uma so-
lução totalmente inviável. Se, para os lógicos, as idéias universais
podem adquirir o estatuto de "sentido" (lingüístico), para Saussure,
enquanto lingüista, essas idéias não podem adquirir o estatuto de
"significado". Só pelo fato de serem universais, já se colocam como
entidades exteriores, estranhas, anteriores à língua. Os conceitos,
as idéias, só se constituem no interior de cada sistema lingüístico,
pelo jogo de diferenças. A saída de Saussure, que garante a auto-
nomia da língua, é, contudo, problemática, segundo se comentou
acima, pelo fato de excluir os próprios referentes da língua, confun-
didos com a materialidade da substãncia amorfa, o que compromete
consideravelmente o caráter simbólico da linguagem, impedindo que
a língua se coloque em relação com o mundo. Em outras palavras,
impedindo que a língua funcione e que tenha uma história.
Russell sustenta em muitos pontos uma posição análoga à de
Frege. Todavia, de uma forma original, faz oposição entre nomes
próprios, os quais, segundo o autor, de fato denotam um objeto, e
expressões denotativas (do tipo "o tal e tal", como "o atual rei da
França", "o astro que ilumina a Terra", "o autor de Waverley"), que
parecem denotar um objeto sem, contudo, fazê-lo. A partir dessa
distinção, somente os nomes próprios podem figurar como sujeitos
lógicos de orações que tenham a forma sujeito-predic ado. O senti-
do dos nomes próprios ê o próprio objeto designado. Um nome so-
mente tem sentido se de fato designa alguma coisa. O nome e o
objeto que ele designa se acham inseparáveis um do outro, o que
equivale a dizer que ter valor referencial é desempenhar a função de
nome próprio. As expressões denotativas, em contrapartida , não têm
um uso referencial individualizad or. Diferentemen te dos nomes pró-
prios, não servem para se fazer referência e não podem figurar como
sujeito lógico da mesma forma que os nomes próprios.
A tese de Russell sobre a questão da significação se encontra
expressa na sua célebre teoria das descrições, exposta no artigo "On
denoting", de 1905, com a qual procura demonstrar que o erro
categoria! de confundir nomes próprios com descrições levou Frege
a construir uma teoria da significação que admite sentidos sem
referência e orações significativas sem valor de verdade. Frege te-
ria confundido, segundo Russell, os verdadeiros nomes próprios, que
designam objetos, independente mente da frase em que ocorrem, com
as descrições, que, não sendo nomes, não denotam nada. As des-
crições, dirá Russell, são símbolos incompletos, que não têm sen-
tido independente , mas somente têm sentido no contexto da frase
em que são empregadas. Mesmo em tal contexto, continuam não
denotando, apenas contribuem para com o sentido da frase em que
figuram, frase que denota um certo estado de coisas.
A intenção de Russell, nesse artigo, foi responder à questão de
como é possível que uma frase significativa como "O atual rei da
França é careca" seja considerada significativa quando não há nada
no mundo que lhe corresponda à descrição. Russell vai dizer que
tal frase é de fato significativa, mas não é sem referência4 • É uma
frase falsa, jà que essa asserção implica a existência de um rei da
França quando a França não é monarquia. Em outras palavras,

4. Frege diria que essa frase é sem referência, nem verdadeira, nem falsa.
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 59

afirma-se, com essa frase, que existe uma entidade (e apenas uma)
que é o rei da França, quando na realidade não existe nenhuma.
A análise proposta paFa essa frase (e tantas outras do tipo "o
tal e tal", que, segundo Russell não são orações de sujeito e predi-
cado) é uma análise existencial: há um rei da França (afirmação de
existência), não há mais do que um rei da França (afirmação de
unicidade), não há nada que seja um rei da França e que não seja
calvo. As formas lógicas das proposições existenciais são um tanto
complexas. No caso do exemplo em questão: "não é sempre falso de
x que x é o rei da França e que x é careca e que se y é o atual rei da
França y é idêntico a x é sempre verdadeiro".
Como se disse, Russell juntou numa só categoria sentido (sig-
nificado) e referência (denotação), reservando somente aos nomes
o privilégio de poderem exercer uma função referencial individuali-
zadora. Todavia, a dificuldade de isolar os verdadeiros nomes pró-
prios- tarefa empreendida por Russell em outros trabalhos, como
Significado e verdade ( 197 8, original em inglês de 1940), Human
knowledge (1948), para não se citarem outras obras do autor é
quase intransponível. Os candidatos mais prováveis, e assim mes-
mo não sem problemas, são os demonstrativos isto e aquilo, que fun-
cionam como signos demonstrativos, cujo significado assegura a
existência do objeto que pretende denotar. E é essa a função que
resta ao nome propriamente lógico, ser puramente demonstrativo.
Isso e aquilo pertencem ã problemática categoria dos dêiticos,
que Russell vai chamar de "particulares egocêntricos", dentre os
quais "eu", "aqui", "agora", "perto", "presente", "passado", "futuro"
etc. O que caracteriza os "particulares egocêntricos" é sua depen-
dência da relação do usuário da palavra com o objeto.
A instabilidade referencial de isto, em vez de ser um obstáculo
à sua consideração como nome próprio, como era de esperar, con-
corre a seu favor, já que isto somente pode ser aplicado a um obje-
to de cada vez:

A palavra "isto" não significa "o que é comum a todos os obje-


tos sucessivamente chamados 'isto'", pois em cada ocasião em que
a palavra "isto" é usada, há apenas um objeto a que a palavra se
aplica. "Isto" é aparentemente um nome próprio que se aplica a di-
60 A QUESTÃ O DA REFERE NCIA

ferente s objetos em quaisq uer duas ocasiõe s em que


é usado, e,
contud o nunca é ambígu o. Não é como o nome "Ricard
o", que se
aplica a muitos objetos ; o nome "isto" se aplica a um objeto
de cada
vez, e quando começa a aplicar -se a um novo objeto, deixa
de ser
aplicáv el ao antigo [RussELL, 1978, p. 99].

Os demai s "parti culare s egocên tricos" são consid erados


descri -
ções, defini dos a partir de isto: "eu" signifi ca "a biogra fia
a que isto
perten ce"; "aqui" signifi ca "o lugar de isto", "agora " signifi
ca "o tempo
de isto", e assim por diante .
Seguin do Tarsk i e Carna p, Russel l defend e, em Signifi cado
e ver-
dade, a neces sidade da hierar quia das lingua gens, que deve
esten-
der-se ascen dente e indefi nidam ente, mas não descen dente,
visto
que, se assim ocorre sse, a lingua gem jamai s teria um
começ o. A
"lingu agem- objeto " deve ser do tipo inferio r às que se
seguem em
hierar quia, ou seja, inferio r às "lingu agens secund árias",
"tercià rias",
e assim por diante . Se de fato existe uma "lingu agem primár
ia", ar-
gume nta Russe ll, ela deve ocupa r o lugar mais baixo da
hierar quia
e consis te, como é de se espera r, totalm ente de "palav ras-ob
jeto",
as quais se define m logica mente como palavr as que têm
signifi ca-
do, quand o isolad as, e psicol ogicam ente por palavr as apreen
didas
por ostens ão, ou seja, com o contat o direto com o objeto
de expe-
riência . A ostens ão é um tipo de conhe cimen to de base
empir ista
em que a palavr a aprend ida, o mais das vezes por repetiç
ão e estí-
mulo, é associ ada a traços recorr entes do ambie nte. Quand
o a as-
sociaç ão é estabe lecida , o objeto sugere a palavr a e a palavr
a suge-
re o objeto . Logo que a associ ação entre a "palav ra-obj eto"
e o que
ela signifi ca estive r estabe lecida , a palavr a será "comp
reendi da"
mesm o na ausên cia do objeto e o sugeri rá. Russe ll conceb
e as pala-
vras-o bjeto como sempr e transp arente s, de modo que seus
efeitos so-
bre nosso compo rtame nto depen dam somen te daquil o
que signifi -
cam, e sejam , de certa forma , idênti cos aos efeitos que result
ariam
na presen ça do objeto .
Muita s crítica s podem fazer desmo ronar esse edifíci o monta
do
a partir dos nomes própri os. A função puram ente demon strativ
a que
o autor reserv ou aos nomes própri os é difícil de susten tar.
Se uma
das condiç ões do nome própri o for a impos sibilid ade de
ser defini-
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 61

do nominalmente através de algum outro termo, conforme afirma


Russell, então isto não é de fato um nome próprio, porque isto pode
ser assim definido. A questão pode ser ilustrada pelo exemplo que
se segue. A professora, diante de sua turma de alunos, faz um mapa
bastante rude no quadro-negro e diz, apontando para o mapa: "Isto
seria a Espanha". Se alguém perguntar qual é o sentido de isto, no
exemplo em questão, não é possível dizer que o sentido é o objeto
desenhado, no caso o mapa da Espanha, ou a Espanha. A Espanha
pode ser o objeto de referência, mas não é o sentido de isto. Isto tem
um sentido constante, "o objeto para o qual eu estou apontando",
que não se confunde com seu objeto de referência. Ora, se o demons-
trativo tem um sentido, que não se confunde com seu objeto de
referência, então, tanto quanto os outros nomes, pode ser conside-
rado descrição 5 •
Uma outra crítica é que isto tanto pode ser empregado para
definir um outro "particular egocêntrico", como pode receber uma
definição nominal e tornar-se uma descrição a partir de um outro
"particular egocêntrico". O que impede, por exemplo, a definição de
isto a partir de eu: "o objeto de atenção de 'eu'"? O que impede a
definição de isto a partir de aqui-agora: "o objeto que está aqui e
agora"?
Muitas outras críticas têm sido feitas ao fato de Russell ter
confundido referência com significado. Ver-se-á, mais adiante, a
crítica ao trabalho de Russell feita por Strawson, o qual acusa
Russell de não ter enxergado que o significado das sentenças é fun-
ção da expressão lingüística como tal, ao passo que seu valor de
verdade (referência) é função do seu uso nesta ou naquela ocasião
particular, o que equivale a dizer que são os usuários da língua (e
não a língua através de suas expressões) que fazem referência.

5. A evidência de que existe um sentido, que não se confunde com o objeto de


referência, é tão forte, que o próprio Russell, em algumas passagens, parece
querer render-se (com alguma reserva) a esse ~significado constante" dos de-
monstrativos. No entanto, sempre acaba por afastar essa possibilidade, já que,
na sua perspectiva, o "significado constante", ou ~a descrição", tiraria do de-
monstrativo sua função egocêntrica, a de ~se aplicar a uma coisa de cada vez",
e sua função demonstrativa, de nome próprio. Em outras palavras, seria des-
mantelado todo o edificio de significação montado por Russell a partir de isto.
62 A QUES TÃO DA REFER~NCIA

TRIB UTO S À FEN OME NOL OGI A

Não é difíc il assin alar a distâ ncia entre a


semâ ntica lógic a de
Freg e e a lingü ístic a estru tura l inau gura
da por Saus sure , se se
cons idera rem as difer ença s na conc epçã o
de lingu agem , os objet i-
vos e méto dos de pesq uisa, e, sobr etud o,
se se cons idera r que o
estru tural ismo , por não esta r inter essad o
no valor de verd ade dos
enun ciad os (que é o objet ivo últim o da semâ
ntica lógic a), não faz
disti nção entre "juíz os analí ticos e sinté ticos
". No enta nto, é poss í-
vel fazer uma apro xima ção dess as duas form
açõe s discu rsiva s, se
for levad o em cont a que amb as elim inam
a reali dade socia l, com a
marg inali zaçã o dos fator es do cont exto e
da situa ção, o que traz
como cons eqüê ncia a conf inaçã o da signi
ficaç ão no inter ior de um
siste ma (form al para Saus sure e lógic o-for
mal para Frege ). Tant o a
lingü ístic a estru tural como a semâ ntica lógic
a trata m a lingu agem
num a persp ectiv a aistó rica, como um proc
esso sem sujei to, bem de
acor do com as poss ibilid ades epist êmic as
ou com as tend ênci as
objet ivas do camp o do discu rso de seu temp
o.
É possí vel aind a dizer que, ao prese rvar
certa s relaç ões cruci ais
entre o senti do e a nece ssida de lógic a, na
medi da em que proc ura
sua base epist emol ógic a nas estru turas dete
rmin adas de uma im-
plica ção lógic o-sem ântic a, Freg e coloc a em
segu ndo plan o a funç ão
refer encia l da lingu agem , o que pode ser clara
men te cons tatad o no
seu princ ípio o senti do deter mina a refer ência
, poss ível de ser inter -
preta do como "tend o-se um siste ma lógic o-sem
ântic o perfe ito, pres-
cind e-se da refer ência ", ou entã o, "um siste
ma lógic o-sem ântic o
perfe ito disp ensa o noss o olha r sobr e o
mun do". Com mais essa
obse rvaç ão, Freg e se apro xima ria aind a
mais de Saus sure , que
desp rezo u a funç ão refer encia l da lingu agem
em nom e das estru -
turas da língu a.
São muit os os estud iosos que atrib uem a
Huss erl (que, cont u-
do, não prod uziu uma teori a lingü ística ) a
conc epçã o de lingu agem
que está subj acen te ã lingü ística mode rna.
Kríst eva (1969 ) recon he-
ce a dívid a inco nfes sada do estru tural ismo
(ling üístic o) para com a
fenom enolo gia huss erlia na, dout rina que germ
inou , a parti r dos fins
do sécu lo XIX e come ço do sécu lo XX, como
uma nova etap a do pen-
same nto ocide ntaL É graç as ã fenom enolo
gia de Huss erl, segu ndo
A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 63

a autora, que a lingüística abandona os pressupostos históricos e


psicológicos de um momento anterior, tomando agora como exem-
plo o rigor dos modelos e os conceitos das ciências matemáticas.
Segundo Kristeva, a dívida revela-se, sobretudo, para com a
"gramática pura lógica" de Recherches logiques, em que Husserl
apresenta uma versão atualizada e mais elaborada da idéia da gra-
mática geral, universal, dos gramáticos racionalistas dos séculos
XVII e XVIII. A fenomenologia husserlíana, com sua concepção de
signo e de sentido, é, para a autora, a base da teoria da significa-
ção do nosso século.
Segundo Lyotard (1986b, original em francês publicado em
1954), é sobretudo a partir da crise do psicologismo, do irraciona-
lismo, do sociologismo, do pragmatismo e do historicismo que
Husserl empreende a tentativa de restituir a validade ã ciência em
geral e ãs ciências humanas. A fenomenologia constitui uma intro-
dução lógica às ciências humanas, na medida em que procura: de-
finir-lhe eideticamente o objeto, o que equivale a dizer, definir o
objeto anteriormente a qualquer experimentação, ao mesmo tempo
em que constitui uma retomada filosófica dos resultados da expe-
rimentação, enquanto procura apreender a significação fundamental
dessa experimentação com a análise crítica da ferramenta utiliza-
da. Constitui, em suma, uma filosofia do século XX, que pretende,
pelo anseio de uma mathesis universal, restituir a esse século sua
missão científica, considerando, para tanto,. como ponto de parti-
da, ou de apoio do conhecimento cientifico (concreto, empírico), os
dados imediatos da consciência.
Esses dados da consciência, elevados à categoria de raiz de que
se alimenta o conhecimento, constituem poderosa arma contra o
postulado empirista de que a única fonte de verdade para a expe-
riência é a experiência, e contra o psicologismo. A experiência, sem
essa fonte, acaba por fornecer somente o contingente e o particu-
lar, e o psicologismo, ao identificar o sujeito do conhecimento com
o sujeito psicológico, acaba por reduzir qualquer conceito a uma
experiência, qualquer verdade a uma crença resultante do êxito,
qualquer princípio a uma condição contingente do mecanismo psi-
cológico. Em outras palavras, o que verdadeiramente importa para
o raciocínio verdadeiro, universalmente vàlido (não falseado pela
§4 A QUESTAO DA REFERt!:NCIA

subjetividade, que em si é intransmissível) é definir as leis eidéticas


que orientam todo conhecimento empírico.
No entanto, esse psicologismo, rejeitado por Husserl, que re-
duz o necessário ao contingente, a verdade lógica do juízo à certe-
za psicológica experimentada por aquele que julga, já tinha sido
antes combatido veementemente por Frege, e é certo que Husserl
conhecia muito bem o trabalho de Frege, cuja importância chegou
a reconhecer.
Não parece incoerente afirmar que a lingüística moderna, as-
sim como a filosofia analítica da linguagem das primeiras décadas
do século, a primeira tributária a Saussure e a segunda a Frege,
desenvolveram-se na pretensão aistórica, no antipsicologismo de-
fendidos pela fenomenologia de Husserl e pelo próprio Frege, e na
ambição de uma mathesis universal, ambição já de Descartes e de
Leibniz, tendo sido transmitidas a Kant e, posteriormente, a Husserl.

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