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Na primeira parte do curso, discutimos como as mídias digitais e o domínio das Big Techs

modificaram as formas de produção e de recepção na contemporaneidade em diversos


âmbitos. Nesta atividade, centrada em estudo de caso, solicita-se:
1) Escolha um feat (de qualquer gênero musical) - deve participar ao menos um(a) artista
brasileiro(a);
2) Redija uma resenha crítica, analisando o feat escolhido e sua história na indústria da
música massiva contemporânea - será necessário: refletir sobre os motivos da
predominância desse modelo musical (feat) na atualidade; discutir os impactos artísticos e
mercadológicos desse recurso; analisar os dados (visualizações, chart etc) do feat
escolhido; ponder sobre a reconfiguração da canção em virtude dos streamings musicais e
das plataformas audiovisuais, exemplificando com o feat escolhido; se o feat tiver videoclipe
com publicidade inserida, analisar as implicações dessa prática; dialogar com os textos
estudados em sala de aula.

Limites de extensão: mínimo de 3 páginas; máximo 4 páginas (excluindo as referências


finais). A página deve ser formatada com espaçamento entre linhas de 1,5 e o espaçamento
antes de depois de Opt.
Pontuação: 9 pontos. A atividade deve ser enviada em arquivo WORD.
• Plágios não serão tolerados. Veja a cartilha sobre plágio acadêmico, elaborada pela UFF.

A eleição do material artístico para análise se deu, em sua maioria, às suas implicações na
indústria da música nacional e internacional, ao atendimento quase integral dos pontos
propostos a serem discutidos, assim como os possíveis paralelos permitidos entre alguns
dos conhecimentos tratados em sala. O feat discutido leva o nome de “Conexões de Máfia”
do trapper cearense Matheus Brasileiro Aguiar, mais conhecido por seu nome artístico:
Matuê e do rapper e compositor Norte-americano Dimitri Roger, popularmente conhecido
como Rich The Kid.

O artista é proveniente do Trap. Subgênero do rap e tem sua origem no sul dos Estados
Unidos. Popularizado no Brasil em meados de 2015, a categoria se tornou referência entre
as gerações mais recentes, mas não se limita aos novos; nas plataformas de streaming
musical, os números, ouvintes mensais e devotos do segmento praticamente assumem a
liderança que se estende, para além disso, a moda e o ativismo social.

As narrativas apresentadas dialogam muito com o gênero hip-hop, variando desde a


ostentação de bens materiais, origens, linguagem explícita, ascensão social, criminalidade,
dentre outros.

Sua abrangência, apesar do curto tempo de nascimento e estética peculiar gerou e gera até
hoje uma avalanche de críticas negativas em torno da classe e tudo que venha decorrer
dela. É válido pontuar que o artista Brasileiro, Matuê, por sua vez, utiliza do acervo narrativo
proporcionado pelo gênero com maestria, sobretudo ao tratar de sua origem cearense, no
nordeste do país; esse detalhe se torna basilar para analisarmos integralmente o material
artístico referido.

No videoclipe são apresentadas duas máfias criminosas rivais, ambas com objetivos
similares de dominação. No clipe, um garoto presencia o assassinato de seu pai pela máfia
rival e enquanto o mesmo observa seu pai morto no chão, um mafioso rival o empurra de
cima do corpo falecido e arranca o anel do pai do garoto, representando que,
hierarquicamente, o domínio havia sido tomado por ele. O garoto testemunha todo o
acontecimento. O corte seguinte evidencia que o garoto retratado era o próprio Matuê que
agora crescido, lidera a gangue outrora gerida por seu pai. Fica claro, agora, o anseio por
vingança e a motivação compartilhada com seus comparsas que trabalham em prol disso.
Finalmente, após uma armadilha de sua gangue, Matuê cerca o líder da máfia rival e o
assassina friamente com um taco de baseball, a esposa de Matuê testemunha todo o ato; o
trecho do clipe enfatiza a remoção do anel do dedo do mafioso, representando a
reconquista da antiga gestão de seu pai e a meta cumprida por sua Máfia.

Por conseguinte, temos a introdução da trecho do famoso rapper Rich the kid, o qual é
introduzido como aliado de máfia de Matuê e por meio de uma ligação denuncia que sua
esposa estaria “running with your enemy”, ou seja, compactuando com o seu rival.
Revoltado, Matuê destrói o telefone ao perceber que havia sido traído e que sua guerra
ainda não havia sido finalizada. O decorrer do clipe nos revela que a esposa de Matuê era,
na verdade, filha do mafioso que ele tinha assassinado e agora estava, igualmente,
buscando vingança. Ao se encontrarem, Matuê remove o anel de seu dedo em tom de
despedida e o coloca nos dedos de sua esposa -representando a transferência do domínio
- a qual acaba por o assassinar ali mesmo.

O clipe, por sua vez, com seu storytelling bem construído, produção de ponta e expectativas
criadas em torno do feat internacional, emplacou a maior estreia de rap brasileiro da história
do youtube Brasil, com mais de 253 mil pessoas assistindo a estreia simultaneamente. Por
um lado, tínhamos Matuê, o algoritmo fruto de todos seus números, somados aos ouvintes
mensais, simpatizantes, fãs e, também, o algoritmo determinante do rapper Americano Rich
The Kid, toda essa movimentação foi, em verdade, a premissa do sucesso e constituiu uma
efervescência que gerou um efeito catapulta nas plataformas de streaming dos artistas,
assim como em suas mídias sociais.

Atualmente o videoclipe do single acumula mais de 66 milhões de visualizações e 1,5


milhões de likes no site do YouTube, já no Spotify emplaca 113,935,625 plays individuais
desde o dia de seu lançamento há 5 meses atrás. Esse fenômeno de tirar o fôlego é digno
de reconhecimento e reflexão que nos permite pensar sobre o poder de influência do feat e
sua capacidade de popularizar nomes, reacender carreiras e evidenciar novos talentos,
explica, talvez, a busca compulsória de determinados artistas por grandes nomes a serem
cotados para seus álbuns.

É importante destacar que nesse episódio não houve nenhuma espécie de “ação
beneficente” ou benevolência de um pelo outro, motivações essas que podem acontecer
com muita facilidade dentro do modelo musical do feat, oposto a isso, ambos artistas já
dispunham de carreiras sólidas; As conexões, nesse caso, visam exclusivamente o
engrandecimento da cena do gênero em proporção nacional, por parte do artista Brasileiro,
assim como sua validação, o impulsionamento mútuo de suas carreiras e projetos com as
mesmas. Somado a isso, existe uma faceta interessantíssima a ser pontuada nesse
cenário: qual o limite do feat?! É válido evidenciar que a procura para uma possível
colaboração veio por parte do Norte-americano, Rich The Kid e não de Matuê. O qual é
oriundo de uma das regiões do Brasil menos favorecidas nos âmbitos da comunicação e da
arte, embora com carreira já estabelecida, por que um dentre milhares de outros artistas do
ramo tão competentes quanto?!

A resposta mora no alcance desempenhado pelo mesmo, na disruptividade da demanda


física com o esvaziamento dos processos industriais para a mais valiosa demanda digital
que mora num click ou, nesse caso, em um play. O que não necessariamente configura um
caráter negativo em termos mercadológicos/corporativos, pelo contrário, + views = +
dinheiro e + lucro, no entanto, nos possibilita refletir sobre as variadas implicações da
estratégia sobretudo em países e regiões subdesenvolvidas como o Brasil e o nordeste.

Me remete a crítica do artista baiano, Baco Exu do Blues, onde o mesmo, teve sua voz e
sua arte efetivamente validadas unicamente após uma diss -rimas escritas para atacar
alguém/algo-, denunciando as injustiças e o processo histórico de subalternização da
música e do rap nordestino na própria indústria do rap nacional, enquanto a mesma mantém
os olhos atentos nos talentos emergentes e já estabelecidos do eixo sul-sudeste,
atualmente Baco, assim como Matuê, se encontra no dito mainstream.

Como havia dito anteriormente, toda burocracia, barreira linguística e distância geográfica
parecem ser esvaziadas quando o cenário é tão financeiramente promissor para as
gravadoras/produtoras como foi com a música do artista Brasileiro. Durante as gravações
do clipe, o artista estadunidense permaneceu em seu país de origem assim como Matuê; a
construção do videoclipe, da história e da música em si, por outro lado, mascaram isso com
excelência, de forma a pensarmos que os mesmos estiveram juntos em dado momento.
Essa possibilidade do audiovisual por mais alegórica e usual que pareça ser materializa,
integralmente, a idéia de Byung-Chul Han quanto a virtualização das relações e da não-
mais distinção entre vida real e vida virtual. Como vimos anteriormente, vivemos a nova era
do digital e é de se esperar que manobras como essa sejam gradativamente mais presentes
na arte que consumimos. O recente feat. “Conexões de Máfia” cresce em números,
avaliações e posições em rankings até o dia presente e é exemplo referencial de como as
mídias eletrônicas elegeram o usuário como protagonista de uma fase que tende a trazer
muitos benefícios para o mesmo. Cabe a nós, usuários, criadores ou ainda meros
observadores dessa manobra histórica, tirarmos proveito da digitalização da realidade em
busca de uma contemporaneidade mais justa, democrática e oportunizadora.

Referência:
https://portalpopline.com.br/recorde-conexoes-de-mafia-matue-melhor-estreia-spotify-brasil/

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