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— anticolonialismo e
alternativa socialista
na Palestina
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“A causa palestina não é uma causa apenas dos
palestinos, mas uma causa para todo revolucionário
e revolucionária, onde quer que esteja, uma causa
das massas exploradas e oprimidas de nossa era.”
Ghassan Kanafani
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FICHA TÉCNICA
Organizador:
Yasser Jamil Fayad
Tradução do árabe:
Khader Othman, Abed El Rahman Ali Mustafa Aref Kardo, Ayman Abdalla
Salem Mady, Jamil Abdalla Fayad, Dauli Baja e Jadallah Safa.
Tradução do inglês:
Yasser Jamil Fayad e Gercyane Mylena Pereira de Oliveira.
Revisão geral:
Yasser Jamil Fayad e Jamil Abdalla Fayad
Designer gráfico:
André Jaime Lopes
ISBN: 978-65-00-51290-8
I. Causa palestina.
II. Socialismo e luta anticolonialista.
III. Literatura palestina.
1ª edição: 2022
Fedayin Editora
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Apresentação
O projeto que o leitor brasileiro tem em mãos é o resultado de uma articulação
entre as esquerdas brasileiras e as palestinas sob o legado anticolonialista, anti-
imperialista, internacionalista e por uma alternativa socialista representados na figura
de Ghassan Kanafani. Um dos nossos esforços como Movimento pela Libertação
da Palestina - Ghassan Kanafani no Brasil foi e, continua sendo, o de aproximar as
esquerdas brasileiras da nobre causa palestina.
Neste ano de 2022, mais precisamente no dia 8 de julho, completam 50 anos do
martírio de Ghassan Kanafani. Este livro tem também como objetivo congregar todas as
dimensões dessa rica figura histórica palestina que foi jornalista, militante, dramaturgo,
pintor, escultor, escritor, intelectual e político. O simbolismo da data, o desejo de “reve-
lar” uma totalidade de Ghassan Kanafani ao Brasil e a necessidade de reforçar nossos
laços de solidariedade com a luta do povo palestino, enquanto campo político brasilei-
ro, produziu esse belo projeto. Nele dezenas de militantes, intelectuais e dirigentes de
importantes organizações políticas de esquerda, na Palestina e no Brasil, contribuíram
de forma decisiva. As páginas que condensam esse esforço conjunto também ocultam
a ajuda de tantos camaradas, que articularam em prol deste livro, e fazemos questão de
registrar nosso profundo agradecimento. Não citamos nomes, pois não podemos fazê-lo
dada a perseguição colonialista aos palestinos se aqui fossem apresentados.
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, o leitor terá em mãos textos
em árabe e português, diretamente, produzidos para esse projeto:
Da Palestina:
• Uma compilação de textos de importantes intelectuais e dirigentes das organizações
partidárias da esquerda Palestina, notadamente, a Frente Popular de Libertação
da Palestina (FPLP), Frente Democrática de Libertação da Palestina (FDLP) e o
Partido do Povo Palestino (PPP). Todos expressam a importância e significado
de Ghassan Kanafani e de seu legado para luta de libertação na Palestina.
• Um texto do atual editor-chefe da revista Al Hadaf, fundada e dirigida nos seus
primeiros anos por Ghassan Kanafani, discorre sobre o significado e impacto
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cultural da revista em seus primeiros anos de fundação e o papel crucial que
Ghassan desempenhou nela.
• Um texto produzido por um intelectual e dirigente palestino fora do campo da
esquerda, ligado ao HAMAS - Movimento de Resistência Islâmica, que explicita
a envergadura do intelectual militante palestino Ghassan Kanafani para além da
esquerda, como herói e mártir do povo palestino. A presença desse texto reforça
a unidade dos que realmente lutam pela libertação dentro de uma frente política
unificada, assim como ensina a todos da esquerda brasileira que organização
terrorista é a entidade colonialista de Israel e as suas ações, não quem luta contra
ela, tampouco quem o imperialismo define como tal.
Do Brasil:
• Uma compilação de textos de organizações partidárias, movimentos populares
e sindicais da esquerda brasileira, reforçando seus laços de solidariedade
com o povo palestino em sua luta de libertação. As notas e textos foram
assinados por dirigentes nacionais das seguintes organizações: PT (Partidos
dos Trabalhadores), PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados),
PC do B (Partido Comunista do Brasil), PCB (Partido Comunista Brasileiro),
UP (Unidade Popular pelo Socialismo), MAB (Movimento dos Atingidos por
Barragens), MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e CSP-Conlutas
(Central Sindical e Popular Conlutas). Foram convidados movimentos sociais,
sindicais e outras organizações partidárias, contudo não obtivemos respostas
apropriadas.
• Textos dos apoiadores: Organizações que apoiam a causa palestina e o projeto
desse livro: IBRASPAL e MEMO.
• Textos de intelectuais e escritores brasileiros ligados à nobre causa palestina. São
vozes importantes na defesa da Causa, na análise e divulgação dela no nosso país.
A presença do camarada Jamil Murad nessa seção também é uma homenagem a
sua trajetória de luta em favor da nobre causa palestina no Brasil.
• Textos de literatura política e poesias de combate ligadas a nobre causa palestina
no Brasil. Textos que ligam arte e luta de libertação no Brasil com o claro sentido
de seguir os passos de Ghassan Kanafani.
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Terminando essa primeira parte no livro, o leitor terá em mãos uma série de
cartazes e arte produzidos em homenagem a Ghassan Kanafani, por artistas palestinos
e do mundo inteiro.
A segunda parte do livro traz as contribuições mais próximas de Ghassan Kana-
fani, tendo como sentido geral, aproximar o público brasileiro desse grandioso escritor
e intelectual palestino em suas diversas facetas:
• Temos um relato biográfico feito por sua viúva Anni Kanafani, publicado um ano
após a morte de Ghassan Kanafani. O texto sintetiza uma biografia de ambos,
aspectos da vida familiar e traz à tona os últimos momentos da vida de Ghassan
Kanafani.
• Carta de Anni Kanafani para o esposo após seu assassinato. Trata-se de uma de-
claração de amor ao seu companheiro e camarada.
• Carta de Fayez Ghassan Kanafani, ainda menino, para o Pai. Mostra a relação afe-
tuosa da criança com seu pai, ampliando assim a dimensão humana de Ghassan
Kanafani, aqui apresentada.
• Carta escrita, logo após a sua morte, por George Habash, icônico dirigente da
esquerda palestina, presta solidariedade à família e dá significado ao martírio de
Ghassan Kanafani.
• A carta aberta de Imad Shehadeh, uma demonstração pública de respeito ao mártir
Ghassan Kanafani e uma amostra de como foi e é lembrado.
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lho de verem seus filhos lutarem para libertar a Palestina, ao mesmo tempo que
sofrem pelo medo da morte e das condições miseráveis nos campos. “O jasmim
cresceu, rapazes” se trata da memória da cidade de Akka e da casa da família Ka-
nafani, que o autor traduz uma dor comum a tantos palestinos expulsos de suas
casas, vilas, cidades e pátria.
• Entrevista: Entrevistado por Richard Carleton. Nessa icônica entrevista, fa-
cilmente acessível em plataformas de vídeos, Ghassan deixa clara a intransigên-
cia revolucionária que marcou sua postura como porta-voz oficial e dirigente da
FPLP.
Para ajudar o leitor a organizar uma linha temporal temos dados e nota biográfi-
cas, bibliografia simplificada e fotos de Ghassan Kanafani:
• Dados e breve nota biográfica de Ghassan Kanafani
• Bibliografia de Ghassan Kanafani
• Fotos de Ghassan Kanafani e família.
O livro ainda traz fotos, pinturas, frases, poesias... como elementos necessá-
rios à iniciativa revolucionária. Todo o projeto político revolucionário também é um
projeto cultural. Os aspectos de luta cultural e de identidade do povo palestino estão
presentes nessa obra.
Não poderíamos deixar de agradecer profundamente ao professor e amigo Emir
Sader, importante intelectual da esquerda brasileira e latino-americana, por sua con-
tribuição ao livro e defesa sempre intransigente da nobre causa palestina. Também nos
honra, imensamente, a introdução dessa obra ser feita por nada mais nada menos do
que Leila Khaled, militante histórica e icônica da esquerda palestina e árabe, engrande-
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cendo muito esse projeto, que carrega as marcas do legado de Ghassan Kanafani e, por
isso mesmo, cumpre determinadas exigências que gostaríamos de explicitar:
a) Aglutinadora: Ghassan sempre foi uma figura política que aglutinou em torno
de si intelectuais, artistas e militantes em defesa da causa palestina. Esse livro também
pretende ser aglutinador dos defensores da nobre causa palestina no Brasil, dadas as
óbvias limitações de um livro, como a de não poder contemplar todos, optamos por
deixá-lo mais representativo possível do campo da esquerda. Não é, portanto, um livro
de uma corrente, grupo, fração ou partido. É uma iniciativa que não precisa e não nega
os outros, diante da necessária grandeza que essa nobre Causa carrega.
b) Conscientizadora: Todo esforço para clarificar o significado profundo da luta
do povo palestino foi uma marca de Ghassan Kanafani. O livro também tem esse pro-
pósito, além de ser um marco na reafirmação de solidariedade com a luta Palestina por
parte do campo da esquerda brasileira, também que ser fonte de conscientização para
todos os seus leitores sobre a justeza e dignidade dessa Causa. Desta forma abastece a
todos com elementos históricos e análises desse rico processo de libertação.
c) Multiplicador: Uma das características mais relevantes de Ghassan Kanafani é
multiplicar apoiadores e lutadores da nobre causa palestina. Como jornalista a primazia
da linguagem que se comunica com o outro, que se interessa em explicar a mais aguda
análise de forma a ser compreendido; como escritor, suas obras queriam sempre tocar e
convencer seus leitores da importância da luta e da justeza da Causa. Esse livro também
pretende diálogar como os eleitores nessa mesma direção - multiplicar a militância
política em favor da nobre causa palestina no Brasil.
d) Articulador: O livro também se inspira em Ghassan Kanafani ao preten-
der articular sua existência com outros momentos e movimentos em defesa da nobre
causa palestina no Brasil. Todo o exercício de diálogo entre os grupos políticos, a
construção de espaços de lançamento do livro e debate, a utilização do mesmo como
formação política,... são alguns dos desdobramentos necessários para que o livro não
se encerre em si.
e) Reflexiva: Essa iniciativa e os desdobramentos dela têm de ser necessariamen-
te reavaliadas no sentido de melhoramento político, de buscar maior eficácia das nossas
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ações. Qualquer revolucionário deve ter essa capacidade de corrigir seus erros tendo
como horizonte o aperfeiçoamento da luta. A evolução histórica de Ghassan Kanafani
demonstra isso também.
f) Ligação entre arte e política: É uma das marcas mais importantes de Ghassan
Kanafani, talvez o campo em que mais contribuiu para com a nobre causa palestina. Ele
imprimiu em todo o movimento de libertação da Palestina, em especial para a esquerda
Palestina, a ideia de que a arte era essencial para a construção de uma identidade de
luta do povo palestino. Esse livro é composto por cartazes, poesias, caligrafias, fotos,
pinturas, bordados, cerâmicas... que remetem à cultura Palestina, sua resistência à colo-
nização e a positiva autoestima de um povo milenar inabalável na certeza de sua vitória
e justeza de sua causa.
g) Socialismo: É necessário pensar uma alternativa para Palestina, que seja capaz
de criar paz, justiça, dignidade, solidariedade, equidade social,... o socialismo é a melhor
síntese que representa isso, além de ser a antítese perfeita da colônia monstro Israel. Ghas-
san Kanafani sempre compreendeu a alternativa socialista como a mais adequada para re-
solução saudável da questão Palestina e mais, a viu como parte integrante de um processo
maior do mundo árabe e além. Superar o sistema capitalista inventor, promotor e aprofun-
dador do colonialismo e de outros tantos desastres sociais, ambientais, econômicos é uma
questão que o livro também traz em seu centro sem tergiversar.
h) Internacionalismo: A nossa luta converge contra o sistema capitalista e nesse
sentido nos solidarizamos uns com os outros, independentemente de nossas origens
culturais, idiomas, etc. Esse é um livro essencialmente internacionalista, unindo tradi-
ções brasileiras e palestinas no que temos de melhor. Ghassan era um ardoroso defensor
do internacionalismo proletário.
A escolha do “anticolonialismo” é para reforçar essa concepção essencial do
melhor da produção histórica da esquerda mundial. Isso não exclui o que de impor-
tante se produziu e produz, contemporaneamente, como pensamento decolonial ou
descolonial. Para as forças revolucionárias socialistas o anticolonialismo nunca foi
um fim em si mesmo.
O livro também carrega uma das marcas da cultura árabe palestina, da qual
Ghassan Kanafani tanto se orgulhava: a generosidade. Um projeto como esse tem de ser
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generoso com as forças políticas que o integram e com os seus leitores. Generosidade
que se inscreve também no fato desse livro, não ter fins lucrativos, não se interessar por
direitos autorais, seu papel é ajudar a luta Palestina no Brasil, por isso a reprodução e a
fotocópia são liberadas em favor da nobre causa palestina.
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Sumário
Apresentação...................................................................................................... 4
Introdução por Leila Khaled........................................................................... 16
PARTE 1
Poema:
Espírito dos livres....................................................................................... 22
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Poemas:
A chave.......................................................................................................194
O verbo.......................................................................................................197
O escritor de Akka......................................................................................200
PARTE 2
Poema:
Razão de viver................................................................................................ 497
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Introdução ao livro Ghassan Kanafani
– anticolonialismo e alternativa
socialista na Palestina.
Escrever sobre Ghassan Kanafani é doloroso e triste, mas é incrível, porque não
importa o quanto tentemos as palavras ficam aquém de descrevê-lo.
Os romances ou obras políticas de Ghassan Kanafani são adequadas para todos
os tempos e para todas as gerações. Se quisermos resumir o personagem Ghassan, o
mínimo que se pode dizer é que é um personagem épico da história palestina, que escre-
veu para a Palestina e sobre a Palestina. Ele mesmo afirmou de forma eloquente: “Com
sangue, escrevemos a Palestina”.
Os artigos de Ghassan, desde o início de seu mandato, na imprensa, têm sido
sobre a Palestina e todos os eventos estão relacionados a ela. Quanto aos seus roman-
ces, são criativos para além da criatividade e se debruçam sobre a Nakba e suas re-
percussões. Sua obra-prima “Homens ao Sol” é a chave para entender o efeito claro
da migração de refugiados palestinos que continua sem parar. O tema é a migração
para os países do petróleo, qualquer país do Golfo. Em meio a essa tentativa, surge
o oportunista “Abu Al Khayzaran”, que aproveita da necessidade dessas pessoas para
transferi-las ao exílio em direção à fonte de sustento (“petróleo”), não se importando
com o que lhes acontecesse posteriormente.
A maioria dos romances de Ghassan deixa o leitor com uma pergunta, e o leitor
deve dar a resposta, “Bata no tanque”, que ressoa sempre quando “as circunstâncias se
tornam mais difíceis”. É assim que a genialidade de Ghassan se reflete em sua herança
literária. Desde seu martírio (seu assassinato), alguns dos romances de Ghassan Ka-
nafani foram transformados em filmes e se espalharam globalmente depois de serem
traduzidos para muitas línguas. O mais importante, tornaram-se parte dos cursos li-
terários em muitas universidades, não apenas em nível local, mas também em nível
regional e internacional.
Mulheres: A mulher ocupou um amplo espaço na literatura de Ghassan. O ro-
mance “Mulheres de Ameixa” foi inspirado na história da amiga Wedad Qamri que con-
seguiu escapar das garras da ocupação, quando saiu de Al Quds. O trabalho não foi
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concluído, porque Ghassan foi martirizado há apenas dois dias antes da publicação e a
companheira Wedad deixou a vida depois de cair doente após uma trajetória cheia de lu-
tas. O romance “Umm Sa’ad” também testemunha o interesse de Ghassan Kanafani pelas
mulheres palestinas e seu papel na luta. “Uma tenda para uma tenda que separa” - é o
ditado de Ghassan na boca da protagonista do romance, “Umm Sa’ad”. O leitor descobri-
rá as implicações deste dito.
A Criança: A literatura de Ghassan também tratou do tema das crianças e suas
peças, sendo a mais importante “A Lanterna” e, neste campo, podemos concluir que os
romances de Ghassan descrevem sobre todas as gerações e todas as classes sociais.
Revolução: Seu livro sobre a revolução de 1936-1939, na Palestina, é uma das
melhores análises desse episódio histórico que foi liderado por um curto período pelo
Sheikh Izz Al Din Al Qassam, nela Ghassan esclarece os principais erros que os líderes
daquela fase cometeram.
Um texto não é suficiente para falar sobre Ghassan Kanafani, o jornalista, o escri-
tor, o romancista, o político, pois suas obras e visão revelam um jornalista com robusta
formação intelectual de esquerda. Não vamos esquecer que Ghassan Kanafani também
foi pintor e o conteúdo de suas pinturas simbólicas é sobre a Palestina e a revolução.
Conclusão
Leila Khaled –
militante histórica e icônica da luta pela libertação da Palestina,
da esquerda revolucionária e da Frente Popular de
Libertação da Palestina (FPLP).
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ليىل خالد تكتب
مقدمة لكتاب عن غسان كنفاين
الكتابة عن غسان كنفاين مؤملة وموجعة لكنها مذهلة إذ مهام حاولنا فالكلامت عصية
.عن وصف غسان كنفاين
.أعامل غسان كنفاين الروائية أو السياسية تصلح لكل األزمان ولكل األجيال
فإذا أردنا وصف شخصية غسان فأقل ما يقال إنه ملحمة تاريخية فلسطينية ،هو كتب
.لفلسطني وعن فلسطني .ولخص ذلك بقوله "بالدم نكتب فلسطني" إنه أبلغ وصف
مقاالت غسان منذ بدء عهده بالصحافة كانت حول فلسطني ،وكل حدث متعلق بفلسطني،
أما رواياته فهي إبداع ما بعده إبداع .هي عن النكبة الفلسطينية وتداعياتها .وما رائعته
"رجال يف الشمس" إال مفتاح لفهم نتاج واضح لهجرة الالجئ الفلسطيني املستمرة .واألهم
.هو الهجرة نحو بالد النفط .أي دول الخليج
ويف غامر هذه الهجرة يربز االنتهازي "أبو الخيزران" الذي استغل حاجة هؤالء لنقلهم من
.منفاهم إىل مصدر الرزق "النفط" غري آبه مبا سيحدث لهم فيام بعد
"وهنا يربز السؤال لكل قارئ لهذه الرواية "ملاذا مل يطرقوا باب الخزان؟
معظم روايات غسان ترتك للقارئ سؤاالً ،وعىل القارئ أن يعطي الجواب "اطرقوا الخزان"
.يرتدد صداها كلام اشتد "الظرف صعوبة ".هكذا تتجىل عبقرية غسان يف تراثه األديب
ومنذ استشهاده (اغتياله) تحولت بعض روايات غسان كنفاين إىل أفالم ،كام أنها انترشت
عامليا بعد ترجمتها للعديد من اللغات .واألهم أنها أصبحت جزءا من مساقات أدبية يف
.العديد من الجامعات ال عىل املستوى املحيل ،بل عىل املستوى اإلقليمي والدويل
املرأة :أخذت املرأة يف أدب غسان حيزا واسعا – رواية "برقوق نساء" مستوحاة من قصة
الرفيقة وداد قمري التي متكنت من اإلفالت من قبضة االحتالل عندما غادرت القدس –
ومل تستكمل الرواية ألن غسان استشهد [فقط قبل يومني غادرت الرفيقة وداد الحياة بعدما
أقعدها املرض بعد حياة حافلة بالنضال] كام أن رواية "أم سعد" تشهد عىل اهتامم غسان
.كنفاين باملرأة الفلسطينية ودورها بالنضال
خيمة عن خيمة بتفرق" هذه مقولة غسان عىل لسان بطلة الرواية "أم سعد" وهي رواية"
.حقيقية من خالل سرية حياة أم سعد
.سيتكشف القارئ مدلوالت هذه املقولة
الطفل :أدب غسان تناول موضوع األطفال أيضا ومرسحياته ،وأهمها "القنديل الصغري"
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.وبهذا املجال تختم روايات غسان الذي كتب عن كل األجيال ولكل الطبقات يف املجتمع
إن كتابه عن ثورة ١٩٣٦يف فلسطني من أرقى التحليالت لتلك الثورة التي قادها لفرتة قصرية الشيخ
وبي غسان األخطاء الكبرية التي وقعت به قيادات تلك املرحلة
.عز الدين القسامّ ،
ال تكفي مقالة واحدة للحديث عن غسان كنفاين الصحفي واألديب والروايئ والسيايس ،إذ إن مقاالته
.السياسية ومبراجعة لها تفصح عن صحايف ذي خلفية فكرية يسارية
.ال ننىس أن غسان كنفاين كان رساما أيضا ،ومضمون لوحاته الرمزية هي عن فلسطني والثورة
إنني وقد ترشفت بالكتابة عن غسان كنفاين ،أنصح القراء بالعودة إىل رواياته ،ففيها تتجىل عبقرية
.فذة إلنسان هو القضية بعينها
"إذ بعد اغتياله قالت غولدمائري" :تم تصفية كتيبة مسلحة
.األعداء يخافون الفكر ،الكلمة ،كام يخافون السالح
نحن محكومون باألمل وهم محكومون بالخوف
– Leila Khaled
militante histórica e icônica da luta pela libertação da Palestina,
da esquerda revolucionária e da Frente Popular de
Libertação da Palestina (FPLP).
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20
Parte 1
21
Espírito dos livres
22
Quero morrer
na minha terra natal.
No solo
de meus antepassados.
pois nunca
me curvei ao invasor.
Quero ser
enterrado junto
aos rebeldes,
guerrilheiros,
aos que sempre lutaram,
pois ali
o solo é sagrado.
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Quero que na lápide
do meu túmulo
esteja escrito:
“Aqui jaz
um verdadeiro palestino,
nunca
abandonou a luta
e deixou
como sua maior herança
o espírito dos livres”.
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As esquerdas
palestinas
e o legado
de Ghassan
Kanafani
25
Artista: Ismail Shammout
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“Descobrimos, primeiro e sempre, que no fundo
de sua consciência, ele compreendia que a cultura
é uma das várias origens da política e que não há
projeto político sem projeto cultural.”
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Al Kanafaniya
Documento de nascimento
Inteligência imparcial
Inteligência unida
Inferno da verdade
Inteligência insignificante
Batalha de conscientização
O significado da Palestina
Narração e ideologia
A literatura do lutador
Vimos, vivemos e não apenas lemos o livro “Tudo o que resta para
você” e a “Morte na cama número 12” e o que foi escrito “Sobre homens e
armas”. Vimos “Umm Sa’ad” ir para as fronteiras e “Homens ao sol” que se
recusam a morrer como mercadorias contrabandeadas em guetos racistas,
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“Retorno a Haifa”, que confirma sua identidade nacional e qual é a pátria
onde tudo isso não acontece! E o “Chapéu e o Profeta”, “A Porta” e “Um
mundo que não é nosso” e a “A terra das laranjas tristes”.
Queremos que essa literatura criada por Ghassan provoque uma re-
volução na semântica, de modo que o romance se torne um espaço de li-
berdade tanto em seu absurdo e aleatoriedade, bem como em seu equilíbrio
e sua conexão com a realidade, com o privado e público, humano e exis-
tencial; apontando para a impossibilidade de diálogo e convivência entre o
filho legítimo da terra e seu usurpador.
Al Kanafaniya cultural constituiu um escudo protetor contra o peso
da experiência contemporânea, que desencadeia gemidos das gargantas
abatidas, o grito raivoso reprimido das profundezas e o riso inocente das
crianças. Se nossa capacidade não permitir a violência, então momento de
paz! Nem em momentos de recuo, trégua ou descanso significa que o conflito
parou. Queremos que a literatura aborde a questão da existência, não como
uma tragédia digna de pena, mas, sim, como a profundidade da consciência
humana, realidade e sonho, preservando a existência... para preservar a si
mesmo. Porque o conflito é contínuo, é uma fusão contínua, é assim que
Ghassan o define, significando que essa fusão, que é o conflito, ainda tem
as razões para sua continuação objetivamente. Pode ser adiado, mas não
cancelado, se não for um objetivo imediato e declarado.
Lealdade a Ghassan Kanafani é o despertar de seu projeto cultural inte-
grado, um projeto de carne, sangue e sonho, vindo da vida, misturado com a
experiência humana, não somente filho de seu momento, como relembrando
seu passado e sonhando com o futuro, sem separar a literatura e política de
sua realidade ou história, para não nos tornarmos prisioneiros de um idea-
lismo. Diante desse projeto integrado, é necessária uma visão alternativa e
moderna para renovar e enraizar o conflito com novas ferramentas de ações
capazes de impulsionarem inovações.
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Precisamos de Ghassan, o intelectual revolucionário com sua estra-
tégia cultural abrangente, que partidos e instituições inteiras não consegui-
ram alcançar. Ele teceu, a partir de fios coloridos contendo sonhos coleti-
vos, desejos políticos, valores e objetivos nobres um tecido onde todas as
coisas o celebram e permanecem ligadas às grandes questões existenciais.
Afinal, o ser humano é uma causa e a Palestina não é uma recordação de
memórias, mas uma fábrica de futuro.
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الكنفانية
الحنني اىل أنتلجسيا التحدي
الوفاء الحقيقي بإكامل درب غسان وليس بتحويله إىل كليشهات ونسخ مصورة عنه وإقامة
تعني تحويل استعادة الكنفانية طقوس سنوية وتكرار نصوص ومقوالت وعبارات وكفى!
ذكرى االستشهاده اىل وثيقة ميالده وسجل خلوده يف نقطة التقاطع الفردي والجامعي والثقايف
والسيايس .كام قال فيه الشاعر الفلسطيني محمود درويش“ ،نكتشف ،أوالً ودامئاً ،أنه يف عمق
وعيه ،كان يدرك أن الثقافة أصل من عدة أصول للسياسة ،وأنه ما من مرشوع سيايس دون
مرشوع ثقايف” .ألن غسان منوذج "مل يكتمل"؛ كان يكتب ويناضل ويرسم ويحرر مجلة وهو
يف حالة جريان ،فلسطيني مطارد باألمكنة واألزمنة ،حتى أن هناك روايات واعامل ودراسات
ومشاريع لتوصيات واقرتاحات كتبها غسان ومل تكتمل! وأفكار مل تكتمل كأنها يف حالة جدل،
وجمل صاغها كأنها تنتهي بفاصلة وليس بنقطة يك تنهي الجملة! وأكرث من ذلك عمر غسان
مل يكتمل! مل يرد األعداء أن يكتمل فقتلوه يف عمر ال 36سنة ،مع ذلك أسس ومل يكمل ومنذ
املراحل األوىل لبلورة اسرتاتيجية الرصاع ،مع بدايات الحركة الوطنية الفلسطينية التي اعتربها
.الحاضن الجمعي والوطني للمرشوع التحرري
يف كل ذكرى لغيابه وحياته الخاطفة نبحث عنه وفيه ،بأبعاده وخلفياته ،يف فكره وحلمه،
ولنكتشف كل مرة أن خسارتنا فيه تكرب وحزننا يتسع ،وأن مثة قصة مل تكتمل ،وحكاية تضاف،
وسؤال يشتعل .علقت رئيسة وزراء االحتالل ،غولدا مائري ،عىل عملية اغتياله قائلة" :اليوم
تخلصنا من لواء فكري مسلح ،فغسان بقلمه كان يشكل خطرا ً عىل إرسائيل أكرث مام يشكله
".ألف فدايئ مسلح
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انتلجنسيا الحيادية
تتجوف من محتوها بان السياسة نقدي لألوضاع االجتامعية والسياسية القامئة . الكنفانية تعلمنا،
بيد السياسيني حرصا ً ،ويغيب عنها املثقف بصيغته العضوية كرقيب مجتمعي ترتك وقيمتها عندما
اللعب يعكس حضور الضمري املنبه واملوجه يف ذات الوقت .لجعل احتكار السياسة لفئة متتهن
أما رجال الفكر فينحتون زمنهم الفردي عىل الفردي . مقاس زمنها بالزمن الجامعي وتطويعه عىل
مقاس الزمن الجامعي.مهمتها ان تحلل دون التدخل املبارش ،تدعو اىل الحيادية يف عملها الفكري،
او حتى االديب ،وال وتحديد التخوم بني ان تكون انتلجنسيا حيادية وانتلجسيا متحدية ؛ كام يبني
"ميالن كونديرا" ،أن دور الروايــة نقد النظُم الســائدة ،وليس نسخ بل قلب مــا هــو طبيعـي ،ومدخالً
ملقاومة األفكار املسبقة .فالكتابـة الروايـة هـي مساحة لخلـق الشـخوص ،وهذا ال ميكن ان يفعله
الروايئ املؤدلج باملعنى املستهلك لاليدولوجيا ،بل املتتج لها والذي باستطاعته ان يتدخل يف النص
بشكل مبدع ،حتى ال تتخول الرواية إىل خطاب آيديولوجي مكرر ،فتك ّرس خطابًا سياسيا واجتامعيا
ممال وباهتا .من عرفه عن قرب يعرف كم كان متمردا ً عىل االنغالق والطفولة اليسارية التي كانت
الرنانة والتطرف واملزايدة . تحكم سلوك بعض القيادات الغري مؤهلة فكرياً فاختبأت وراء الشعارات
كام كان يتمتع بروح منفتحة عىل االخرين ومهيأة للحوار والتفاعل والعطاء .االيديولوجيا املبنية عىل
.فكر ال ينقطع عن الواقع .و األكرث حرصاً عىل تطابق الفكر مع الواقع
انتلجنسيا متحدًّية
الثقافية يف صياغة وعي الجامعة وأجيال مازالت تتلمذ عىل يديه .دخلت يف اللغة تكون الكنفانية
كان السياسية من موردها األديب ،دراسات وابحاث ومقاالت ونصوص وحكايات ومفردات ورموز،
عبت عن سطوع الحقيقة
براءة اخرتاعها وإبداعها .مثل غسان االنتلجنسيا املتحدية ّ له فيها بصمة
الفلسطينية ونطقت باسم الحق الفلسطيني ،كواقع قبل ان يكون ايديولوجياً ،فاملثقف الذي يدير ظهره
للمجتمع لن يكون جديرا بتسمية املثقف الحقيقي ،وبالتايل فإن “املثقف” هو ذاك الذي ال يرىض أن
يكون شاهدًا عىل الحدث بل فاعالً إيجابيا متمرسا يف قضاياه وأحداثها وعياً وتأثريا ً ،ويحولها اىل قيمة
فنية مبعزل عن أنه مناضل ،بل من باب قراءة نصوص يف أدبه كانت ومازالت تعكس قيمة نضالية،
نعيشها وعياً ومامرسة ،كلام استغرقت فيام كتب وبحثت عن أدواته املعرفية والفنية واإلبداعية تعرف
األيديولوجية تختفي كم كان مناضالً ،بل ملاذا صار شهيدا ً ؟؟ "لقد كان قادرا ً عىل ان يجعل املادة
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وراء النكهة الفنية و القصة املاتعة والخرب الجذّاب ،كام تختفي الفيتامينات يف برتقالة يافاوية او
صيداوية شهية .ويا له من مه ّرب حاذق يحسن سوق املفيد يف لفائف املثري واملخدر واملستطاب".
.كام وصف كتابات غسان كنفاين املفكر العرويب منح الصلح
التي تعيش يف عامل من صنع ذاتها ال يتقاطع والواقع إال ما ندر ،ولكن ليس من طراز االنتلجنسيا
أن تعيش يف عامل من صنع أحالمنا تسعى جاهدا لتحقق هذا الحلم عىل أرض الواقع ،أما وقد
أختارت االنتلجنسيا الخيار السلبي بدالً من التعاطي االيجايب ،تكون املحصلة أن الشقة بينها وبني
كرؤية يفرق بني األيديولوجيا املقفلة وااليديولوجيا الجامهري التي تعتمد الفطرة تتسع يوماً بعد يوم.
شاملة للحياة وللمعتقدات وللخربات اإلنسانية ولبناء املجتمعات .لكن الكنفانية اعادة تعريف هذا مفهوم
أولئك املثقفني الذين حصلوا عىل تعليم عال وتخصصوا يف ال تتوقف عند من جديد ،ان املسألة
العلم ،بل ال ميكن للشهادات العلمية املجردة أن تجعل حاملها مثقفا بالرضورة ،بقدر ما تجعله مصابا
لكنه يشمل الذين انخرطوا باملامرسة الثقافية واالجتامعية مبرض “التَعالُم” كام أسامه مالك بن نبي.
.النقدية وبوصفهم طليعة سياسية أو قوة تقدمية تحررية
جحيم الحقيقة
بحث يف معركة الرسد الروايئ عن عنارص فنية عالية ،أضاءت دروب ومسارات أجيال من الروائيني
الفلسطينيني .يف مطلع الستينيات من القرن املنرصم كانت رشيحة واسعة من ال ُنخَب الثقافية العربية،
ذات التو ّجه القومي عموماً ،قد انخرطت فجأة يف اكتشاف الفلسفة الوجودية الفرنسية وفكرة العبث،
كام مثّلتها الرتجامت العربية جان بول سارتر وألبري كامو الفلسفية والروائية واملرسحية .ويف القطب
املقابل كان املثقفون املاركسيون يواصلون الدعوة إىل «األدب امللتزم» بالقضايا االجتامعية وتحرير
ويبشون باملدرسة الواقعية و بـ «الواقعية االشرتاكية» كام يف روايات مكسيم غوريك
ّ اإلنسان،
وميخائيل شولوخوف .شكّلت روايته «رجال يف الشمس» التي صدرت عام 1963عالمة فاصلة يف
األدب الفلسطيني ،وقفزة نوعية يف الشكل واملحتوى ،رواية اللجوء ،وقضية العودة من "جحيم الحقيقة"
اىل "نعيم الوهم " ،باب الجنة يف فلسطني وليس يف املنفى او بالصحراء القاحلة ؟ العودة اىل فلسطني
؟ قال:انها قصة عندما سأل :اين انتم هاربون هي الجنة ؟ الشخصيات االنتهازية يف الرواية،
طويلة؟ هكذا كانت إجابة االكرثهم وعياً .واألخر قال" :القرش أوال ثم االخالق" ،واالناين أبو الخيزران
واملراهق الذي يبحث عن حياة جديدة .لذلك مل ننتظر ان يقرعوا جدران الخزان ،النهم شخصيات
مستسلمة ومهزومة من داخلها! بحيث ميكن الحديث عن طور ما قبل «رجال يف الشمس» وما بعدها
ضمن املشهد العام لألدب الفلسطيني والعريب .وهذه الرواية جمعت ،مبهارة رفيعة ،بني اله ّم القومي
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الوجودي واله ّم االجتامعي السيايس عند مجموعة متثيلية منتقاة من الفلسطينيني «الفعليني» ،الغري
.امل َؤ ْسطَرين واملج ّردين من كامل التجريدات الرثائية والرتاجيدية والرومانتيكية وامليلودرامية
انتلجنسيا التفاهة
انتشار يف مواجهة الثورية املتحدية ،حاملة الوعي اىل الجامهري، غسان شكل رمزا ً لألنتلجنسيا
حاملة التالعب بالوعي اىل الرأي العام وما تحمله من ثقافة اليأس، انتلجنسيا الثورة املضادة
والتفاهة ،بتظريها للعنرصية والطائفية والفنت والتجزئة وتناقضها مع الوحدة ،والتطبيع مع العدو ،وكرثة
وتتحول اىل " انتلجنسيا نص كُم" ناقصة تصطف خلف الكالم والتنظري والرثثرة بدون مامرسة،
وتتنقل عىل كل الشاشات بصفات متتعدة من املختص CNN ،طوائفها وتقرأ الواقع حسب ما تردده
التي سخر منها غسان عرب كل والوسائل االعالمية اىل الخبري اىل املحلل ،والناشط والكاتب
بقوله "من يدفع يركب! مثل سيارة االجرة" .هذه االنتلجنسيا كنفاين يوما اطلق عليه اعالم التكيس
االنتلجنسيا، بينام من ينطبق عليهم تخون ليس فقط ذاتها ودورها كأنتلجنسيا ,بل تخرس نفسها.
فهم املتحدرون من الكهنة واألنبياء والرهبان واملتعلمني أو هم ورثتهم .إنهم املعنيون بكتابة التاريخ
وقراءة التجارب واسترشاف املستقبل وبالدرجة األوىل بالبحث عن الحقيقة واالحتفاظ بها ،كام هم
معنيون بالقيم الجمعية واملقدسة ،تلك التي تتحكم يف جامعة ويف مجتمع ويف حضارة .ولكن غسان
“املثقف” الذي تحول إىل حالة من االلتزام بالقضايا الحيوية يف املجتمع والسياسة والثقافة ،نريد ان
نقرأه كمفكر للثورة التي مارست دورا مغايرا يف مصري حياتنا ،وحولتنا يف لحظة خاطفة من اطفال اىل
التمسك
ُّ ال ُحلْم يُحفِّز البرش إىل تحقيق املستحيل ،فال ُحلْم هنا هو دون املرور مبرحلة الصبا. رجال
باألمل يف السعي إىل مستقبل عامل أفضل ،كأمنا نجري عملية بحث ذايت لحياتنا او ننظر اىل مرآة
تظهر لنا وجوهنا يف صورة املستقبل وليس املايض التي يخترصها مثقف غري قابل لالختزال ،غسان
كنفاين الكاتب املناضل ،املثقف املناضل ،األديب املناضل ،املفكر املناضل .وليس من باب أن
عظمة إبداعه جاءت من كونه مناضالً أو شهيدا ً؛ جسدت تجربته مفهوم النخبة الثقاقية الطليعية التي
.تستحق ان يطلق عليه كرمز “األنتلجنسيا” ومن املثقفني ذوي النزعة التحررية ،النقدية والتقدمية
امتزج نشاطه األديب بنشاطه السيايس والتنظيمي مع نشاطه الصحفي ،وبدا يف أكرث من طور أن
شخصيته تتوزّع عىل هذه األنشطة الثالثة بطريقة متساوية ومتكاملة .أصدر حتى تاريخ وفاته املبكّر
مثانية عرش كتاباً ومئات املقاالت يف الثقافة والسياسة جرس من خاللهم الهوة بني األدب والسياسة،
وكشف دور األدب يف تحفيز وشحذ الخيال السيايس
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معركة الوعي
مازالت مستمرة يف دراساته امل ُوثقة نصف قرن مضت ومعركة الوعي التي اشعلها غسان كنفاين
تقرأ بعنوان «ثورة 36-39يف فلسطني :خلفيات وتفاصيل وتحليل» للمراجعة النقدية والتاريخية
تاريخ القضية الفلسطينية .جاءت كتحليل سيايس ُمعمق حول خلفيات الثورة الفلسطينية الكربى 1936
ضد االستعامر الربيطاين وإرساء دعائم الدولة الصهيونية .ومتكني اليهود عىل حساب الفالحني
والعامل وامل ُثقفني العرب وحرب 1948والنكبة ومن ثم حرب 1967والنكسة ،فكان السقوط املتكامل
ملعركة الجغرافيا والتاريخ م ًعا ،يفرض عملية االلتزام يف األدب كإلتزام بروح جامليات النص أوالً،
ثم برصد الثورات التي تندلع منه محدثه التغيري ومن ثم اإلبداع .يحمل غسان براءة اخرتاع مصطلح
«أدب املقاومة» واستخدمه أول مرة يف العامل إذ ذكره ألول مرة يف مقال له نرشه عام ،1966ودافع
عن مفهوم أدب املقاومة يف أعامله كلها .أنجز دراسات هامة ال تقل أهمية عن رواياته ،ومجموعاته
القصصية أبرزها أدب املقاومة يف فلسطني املحتلة ،وكتاب يف األدب الصهيوين" أدب املقاومة يف
فلسطني املحتلة» ،1966 ،و«األدب الفلسطيني املقاوم تحت االحتالل» .1968 ،هذان الكتابان
قاما يف حقل الدراسة األدبية مبا قامت به رواية «رجال يف الشمس» يف حقل التخييل اإلبداعي ،أي
تعريف الشارع العريب العريض عىل أدب متميّز يف أماكن مثل حيفا ويافا وعكا والجليل .ولقد لعب
الكتابان ،وما تض ّمناه من نصوص كانت تُنرش للم ّرة األوىل يف العامل العريب ،دور حلقة الوصل
الذهبية بني الداخل الفلسطيني والعمق العريب من املحيط إىل الخليج
واو العطف
يعتمد عىل البالغة، املثقف الحقيقي ليس مجرد فارس منابر ،وأسلوب “املثقف” الجديد ال
كمحرك خارجي مؤقت للمشاعر والعواطف ،بل يجب عليه أن يعتمد عىل املشاركة اإليجابية
يف الحياة العملية كبان ومنظم لها”ومن هذا التصور للمثقف العضوي يخاطب غراميش املثقفني
بدعوتهم إىل االلتزام السيايس ،فيقول “مل يعد باإلمكان ان يتمحور نسق حياة “املثقف” الجديد
حول الفصاحة واإلثارة السطحية واآلنية للمشاعر واألهواء .بل صار لزاما عليه ان يشارك مبارشة
يف الحياة العملية كبان ومنظم مقنع دامئا ،لذلك يف تقدميه ألعامل غسان كنفاين األدبية الكاملة،
مفردت «الكاتب»
َْ أشار محمود درويش إىل معضلة حرف العطف« ،الواو» ،الذي يفصل بني
.و«املناضل» يف تعريف كنفاين
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يعني األدب الذي قدمه أدباء وشعراء عرب فلسطني املحتلة عام .48مل تلبث أن اتسعت دائرة
الضوء املسلطة عىل هذا األدب ومتدد زمكانياً ليشمل كل ما كتب من أدب يف القضية الفلسطينية
باللغة العربية أو بغريها سواء أكان الكاتب فلسطينياً أم عربياً أم أجنبياً .غسان كنفاين بهذا املعنى
منح السياسة بعدا ً جديدا ً ومغايرا ً ،يف القدرة عىل صياغة املفهوم األعمق واألدق للعمل السيايس،
حني كان مشاركاً يف املراحل األوىل لبلورة اسرتاتيجية الرصاع ،وبناء الحركة الوطنية الفلسطينية
كحامل وطني للمرشوع التحرري ..مل يكن مكانه بني املثاليني الذين يكتفون بالرثثرة ،املقيمني يف
صالونات وقاعات املؤمترات املدفوعة الكلفة واألبحاث ،وزمن الثقافة املدفوعة األجر من صناديق
.الدول املانحة وبنوك التمويل الدولية وشيكات التسول لصناعة مفردات الرتويض والتطبيع والتمييع
رصخة شجاعة
وصف غسان هذا األدب بـ"رصخة شجاعة" ،جسدت حالة من حاالت "الصمود للمحتل يف الحياة
اليومية" ،وأن "االلتزام بالقضية ،االلتزام الواعي ،هو اإلطار الذي أستطاع أن يقود خطوات أدب
املقاومة" ،وأنه استطاع يف فرتة مبكرة الربط بني البعدين السيايس االجتامعي ،والربط كذلك بني
قضية مقاومة املحتل اإلرسائييل وقضايا التحرر يف البالد العربية والعامل .هو األدب "املعرب
عن الذات (الواعية بهويتها) و(املتطلعة إىل الحرية) يف مواجهة اآلخر العدواين ،عىل أن يضع
الكاتب نصب عينيه جامعته وأمته ،ومحافظًا عىل كل ما تحفظه من قيم عليا ..ليس متطل ًعا إىل
".الحرية مبعنى الخالص الفردي
الكنفانية انتلجنسيا متلك براءة اخرتاع أدب املقاومة بوصفه ليس مفهوماً شعارتياً وال هو مهنة وال مادة
"األدب هو علم جامل" املقاومة ،كموقف وقضية التعبئة العامة او التفويض السيايس ،بل عرب مفهوم
إنسانية مكنت غسان أن يجرتح من هذا الواقع أسطورته الخاصة ،مؤمناً بقول بريخت" :من يكتب أدبًا
رديئًا فإنه يخون الجامهري" .متواليات أدبية عديدة يربطها فهم إنساين ،عميق وحزين وشجاع ،وانفتاح
غري محدود عىل اإلنسان يف قوته وضعفه ،يف إميانه وجحوده ،ويف كل لحظة يتعرض لها إحساس
هذا اإلنسان الذي ال يستطيع أن يكون فوق املنرب كل لحظات حياته ،وال بد له من أن يعيش مع
.الناس ..ويفهم كيف يعيشون
لذلك ظل النص األديب عنده محتفظ بعفويته وابداعيته وقيمته الجاملية وعمقه الوجداين دون أن
يتنازل عن نقد العوامل االجتامعية السائدة وطرح حياة الشعب الذي ينطق باسمه ،وسرب أغوار الروح
الفلسطينية العميقة والبعيدة وطرق تفكريها وأساليبها وأمناطها التعبريية .صارت الرواية يف يده منشورا ً
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رسياً تتداوله الجامهري يصل بها حد امتالك الوعي الكامل ،واألمل والثقة الراسخة بانتصار الحق
والخري والعدالة ..صارت فسحة نتأمل فيها تجربتنا ،ندون عليها مآسينا ..صار لها بعدا ً جاملياً لهويتنا
.ولنشيدنا امللحمي
تحدي األدب يكمن يف القدرة عىل االستجاب ِة لحرك ِة الواقع املتغري باستمرار ،واالستفادة بقراءة
األدب ويرتقي إىل مستويات أعىل املايض ،ولكن يف إطار مجرى الزمن اإلنساين ،فحني يتجد ُد
وبقيمة أغنى وأكرث إنسانية ،ترقى كلامته إىل املبتغى منه ،وما التطو َر التدريجي الذي جرى عىل
.منط الرواية العربية عموما فقد أوصلها إلی ٍ
حد صارت فيه قابل ًة للقراءة علی املستوی اإلنساين
عىل أسلحة التطويع واالغراء واالخرتاق .و تخر َجها من اإلقصائية متمردة كصياغ ٍة جديد ٍة االكنفانية
أو التضاد ،إىل عالقة تواصل واستمرارية بني ذاكر ٍة كالسيكي ٍة وأخرى حديثة ،عامودية وأفقية ،زمانية
ومكانية ،وإن الذاكر َة القدمي َة ُسجلت بواسطة الرسد التسجييل املعاش الذي ُوجدت له مكانة مازالت
تقلّصت إىل مستوى أن مفتاح الجملة بات أهم تو ّرث وتخلّد يف الذاكرة الجامعية ،وبني ذاكرة حديثة
من الجملة ،والسطر األخري يلخص النص ،كأننا أمام جيلٍ مل يعد بحاجة ملعرفة كل يشء بل من
كل يشء يشء ،يحاول ابتكار ذاكرته الخاصة التي ليس لها عالقة باألصل .إن النموذج الصحيح
الفلسطيني املقاوم
ُّ األدب
ُ يكون من بوابة تحويل العواطف من ذاكرة جامدة إىل ذاكرة حية ،كتجربة
وعنب الخليل ،وزيتو ُن جبل
ُ ُ
وبرتقال يافا وحجار ُة القدس شعرا ً ورواي ًة وفكرا ً ،عندما تحولت بياراتُ حيفا
األدب املقاو ُم ذاكرة اإلنسا َن الفلسطيني
ُ النار إىل حرك ٍة عقلية تنويرية ،وثم إىل فعلٍ مقاوم ،وبذلك نقل
من السلبي إىل اإليجايب وأوصل بني ذاكرتني ال انقطاع بينهام يف معركة تحرير أرضه ،صيان ًة لرتاثه
.و ُهويته وبقائه ،مطالباً بحقوقه الوطنية يف العودة والحرية واالستقالل
معنى فلسطني
بوصف الكنفانية كقوة ثقافية مؤسسة للمرشوع الثقايف فهي ايضاً متتلك القيمة املضافة من خارج
الرشوط الشكلية للمعنى إىل املعنى ذاته ،تحدي صيانة وبناء وإنتاج املعنى ،أسست ألدب
ال يقف عند النحيب السلبي اإلستحواذي والبكاء عىل األطالل ،أو االستمرار املقاومة ،الذي
استيعاب
ُ بصيغ ِة املبالغة بالوجع ووصف األمل ،معتقدا ً أنه إذا جعل النكبة أكرث إيالماً ونزفاً كان
للقضية أكرثَ وبصورة أعظم .فاألدب املقاوم يكون مقاوماً يف مواجهة التخلف ،وكل رواسب العامل
االنحطاط والفساد والرجعية ،ويكون األدب مقاوماً حني يكون تحرريا بامتياز وتقدميا ينطلق يف
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رحاب الحياة الجرتاح معجزة التقدم اإلنساين ،كام أن خسارة املعنى هي املقدمة األوىل لخسارة
لتلك من أجل إنتاج الغاية الجامعة والفكرة املحفزة الحرب ،رشط النرص هو يف استمرار الكفاح
" .القوة الروحية يف ميزان املعنى واملعنويات مثل "معنى فلسطني
وتعيد إنتاجه باستمرار يف العقل إن الرصاع مستم ٌر بني جبهتني ،واحدة تحمي معنى فلسطني،
والوجدان والروح ،وأخرى تسعى لخلق التباس بني النضال ومعناه الوطني ،وبني معنى الوطن من أجل
يف وعي الهزمية من دون املبالغ ِة نفي وجوده وتدمريه ومحوه إن استطاع .إن األدب املقاو َم ساهم
بالوجع أو املبالغة بالبطولة ،ألن الهدف ليس صناعة سوبرمان أو شخصية املنترص الوهمي ،بل
هو يقدم شهادة حية عن سؤال الذات وعن من نكون ،فهل نحن أبطال أم مالحقون؟ بحارة أم غرقى،
رص قد يكون رشيرا ً وليس بالرضورة أن يكون عفيفاً،
مقاتلون أم قتىل؟ والحقيقة تقول :إن املنت َ
فهناك أشخاص صاغوا بدمهم نظرية الحرية ،وصانوا املعنى من الرسقة و التزوير عرب الوعي
الشكل املك ّم ُل للجهلِ والقهر واالستعباد
ُ التفاؤيل اإلنساين يف مواجهة الظلم والظالم والظالمية ،ألنها
.واالحتالل ،فإذا كان يف األدب اإلبداع الذي هو توأم الحرية فإن املعنى هو غاية اإلنسانية
الرسد وااليديولوجيا
رغم تبدل األحوال وتطور وسائل الخداع واختالف األشكال ما زالت معركة راهنة وقامئة من أجل
عوائق الزمان واملكان " هكذا
ُ التحرر والحرية " إن أنصار الحرية يلتقون عىل الدوام مهام كانت
الشمس أقوى من الظالم ،الثورة الحقيقة من
َ قال تيش غيفارا ،لن ننتظ َر دو َرنا يف املذبحة ،ألن
تصون قيم اإلنسان ورفعة املعنى ودالالتها النبيلة ،وتشق طريقاً لنهضة تقدمية بروح متجددة،
وحدها الطريق الصالح إىل تحقيق األهداف العظيمة التي حلم بها العظامء يف الصميم ،فكان
.رجال القلم والفكر والكلمة
كيف السبيل اىل إعادة تركيب املايض املتناثر؟ هل ميكن ؟ وأين يكمن الفارق يف الرصاع بني
روائيي يستخدمان ذات املوضوع التاريخي ،ولكن الضمون
ْ رسديتني؟ ومن يقدر؟ قد يكون الشكل بني
ملاذا مييل الرصاع بأتجاه هذه الجهة يتحقق يف كيفية االستدالل عىل النص الحقيقي والنص املزيّف.
دون غريها؟ وملاذا تتألف رواية أحدهام فيام تفشل األخرى؟ ال بد من العودة اىل الخلفية الفكرية ،قوة
امنا هو خزانة قيم االنتلجسيا ،العقل الذي يقف خلف االدب ،فهو ليس مجرد لغو، ووعي وثورية
األمة وتاريخها وتراثها لذا يعترب البعض من النقاد بأن الرواية التاريخية هي رواية أيديولوجيا؛ يعني
أن الروايئ قد يتدخل يف نصه ،من خالل شخوصه ومواقفهم ،إىل درجة إلباسهم معاطف آيديولوجية
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مقاسا من أجسادهم العادية ،وال تتناسب مع منط هذه الشخصيات وبساطتها،
ً ثقيلة ،قد تبدو أكرب
فكيف ميكن لجم انفالت اآليديولوجيا يك ال تعيث بالنص خرابًا ،كيف نحمي النص الروايئ من
االنتلجنسيا التي جعلت كل سنوات الغياب تفشل من انتزاعه انتهاكه آيديولوج ًيا ،امنا مل تدرك رس
من زمنه الفلسطيني ،قوة الرسدية ،التي تجلت يف حكاياته وكتاباته وأبطاله ،وجدناها حية يف لزمن
.قادم من سيف القدس اىل غزة و جنني وانتفاضة البطولة يف كل فلسطني
االدب املقاتل
وعشنا ومل نقرأ فقط ما تبقى لكم وموت رسير رقم ،١٢وما كتب للرجال والبنادق .رأينا أم شاهدنا
سعد تذهب إىل الحدود و لرجال يف الشمس يرفضون املوت كبضاعة مهربة يف غيتوات عنرصية،
وعائد إىل حيفا الذي يؤكد هويته الوطنية ،وعام هو الوطن حيث ال يحدث ذلك كله! والقبعة والنبي
والباب وعامل ليس لنا ،والربتقال الحزين .نريد لهذا االدب كام ابدعه غسان أن يحدث انقالباً يف
الداللة ،فتغدو الرواية مساحة حرية وانطالق يف عبثيتها وعشوائيتها ،كام يف اتزانها وارتباطها بالواقع
ويف ربطها بني الشخيص والعام واإلنساين والوجودي ..نريد لألدب لن يكون له شكال ًرافضاً مقاتالً
لرشط الوطن املصادر من احتالل نيو استعامري ،مشريا ً إىل استحالة الحوار والتعايش بني ابن
..األرض الرشعي ومغتصبها
درعاً حامياً من وطأة التجربة املعارصة التي تطلق آهات الحناجر املذبوحة، شكلت الكنفانية الثقافية
ورصخة األعامق الغاضبة املكبوتة ،وضحكة األطفال الربيئة ..نريد لألدب أن يطرح أسئلة كبرية
وعميقة ،وأن يعرض مفهوم الزمن ،حرباً أم اشتباكاً ..أي الرصاع املستمر بأشكال ال رضورة أن تكون
عنيفة إن مل تسمح قدرتنا بها ،لذلك فلحظة السالم! وال لحظات التقهقر أو الهدنة أو الراحة تعني أن
الرصاع قد توقف ..نريد لألدب أن يعالج سؤال الوجود ،ليس كأمساة تستحق الشفقة ،بل عمق اإلنسان
وجودا ً ووجدان ،واقعاً وحلم ،حفظ الوجود ..أن تحتفظ بنفسك .وما عدا ثانياً ..أي ما تستطيعه قدرتك
وليس رغبتك .ملاذا؟ ألن الرصاع مستمر ،هو التحام متواصل ،هكذا يعرفه غسان ،أي أن هذا االلتحام
وهو الرصاع ما زال ميتلك أسباب استمراره موضوعياً وإال ملاذا الفضيلة بحفظ البقاء وما عدا يأيت؟
.هو مؤجل ولكن ليس ملغياً إن مل يكن هدفاً آنياً ومعلناً
الوفاء لغسان كنفاين هو استنهاض مرشوعه الثقايف املتكامل ،مرشوع من لحم ودم وحلم ،قادم من
الحياة ،معجون بتجربة البرش ،ليس ابن لحظته بل يتذكر سابقه ويحلم بالقادم ..أن يكون برزخاً بني
عاملني ،حيث القطائع غري نهائية وال انعطافية ،بل تكميلية باتجاه االرتقاء ،دون قطع األدب والسياسة
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عن واقعهم ،أو عن التاريخ ،ودون جعلهم أرسى الطارئ الدخيل حتى ال منوت معه وفيه .أمام مرشوع
.متكامل ،مطلوب رؤية بديلة وحديثة تجدد وتؤصل الرصاع وأدوات فعل جديدة قادرة عىل االبتكار
الثقافية الشاملة ،التي عجزت عنها أنظمة وأحزاب باسرتاتيجيته نحتاج غسان املثقف الثوري
ومؤسسة كاملة .وصاغها من خيوط ملونة فيها أحالم جامعية وحوافز إنسانية ورغبات سياسية وقيم
وغايات نبيلة ولكن يف بوتقة واحدة ،قامشة تسمى األسطورة حيث تحتفي بها كل األشياء وتظل
مرتبطة باألسئلة الوجودية الكربى .فاإلنسان يف نهاية األمر هو قضية ،وأن فلسطني ليست استعادة
.للذكريات ،بل هي صناعة للمستقبل
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Ghassan Kanafani,
a dualidade do criativo revolucionário.
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paredes”, “Tenda sobre tenda que separa”... e muitas outras. Ghassan saltou
dos textos de seus romances para os espaços da vida dos palestinos em exílio,
na terra Palestina e no exterior, contemplando e se inspirando neles, aquelas
expressões que transbordavam dor e sofrimento, viajavam em sua língua,
mudando seus contextos nos zigue-zagues da sua causa e nas etapas, motivando
e indicando o caminho da salvação. Fez isso na consciência de gerações e era
como uma escola de mobilização com conteúdo de libertação nacional, não
perdeu seu brilho nem a força de sua influência, desde o início até o momento
das mudanças sofridas pela Causa. A narrativa palestina da história da sua
causa versus a contra-narrativa sionista aprofundou uma consciência nacional
e as atitudes de solidariedade dos povos e intelectuais, em todo o mundo.
É por isso que a inteligência inimiga apressou seu assassinato e desapa-
recimento, em 1972, quando estava no início de sua carreira e tinha apenas
trinta e seis anos à época.
Eles sabiam que se o fuzil do rebelde fosse baseado na cultura se tor-
nariam mil fuzis, agregando mais credibilidade e legitimidade. Sua morte foi
uma vitória para a narrativa colonial.
Ele se foi cedo, mas e se vivesse mais? Talvez amadureceríamos melhor,
seríamos mais criativos ao escrever o texto sobre a nossa causa, englobarí-
amos e elevaríamos amplamente nossa credibilidade através de sua criati-
vidade textual como a de um Neruda, Lorca, Nazim Hikmet e Mahmoud
Darwish, para horizontes mais amplos do que foi possível em sua curta vida.
Ele teria vivido as curvas da Causa, suas vitórias e insucessos, a que se de-
dicou desde a primeira juventude, depois perceberia com a experiência dos
idosos que há um estoque de fatores de retrocesso, que dificulta o progresso
e é matéria real para o espírito e o gênio do pensador.
Ismael Hashhash –
Comitê Central da Frente Democrática
de Libertação da Palestina (FDLP).
53
غسان كنفاين ،ثنائية املبدع الثائر
هذا التالزم بني السمتني ،املبدع يف النص والثائر الوطني ،هو ما رسم صورة غسان كنفاين ،يف
العقل والوجدان الفلسطيني ،بل وقدمه اىل عرشات الثقافات األممية األخرى
كتاباته التي كنا نلتهمها التهاما ،نتأملها فتلهب وجداننا ،نحن أبناء الجيلني الثاين والثالث للنكبة ،
ليس فقط ألنها متس جروحنا املفتوحة ،بل ألنها تيضء عقولنا ،وأدب راق من صنف السهل املمتنع.
فكيف استطاع بهذا الرسد املتدفق يف تفاصيل الرواية الفلسطينية ووضوحها حول أحداث النكبة
نخبا وتيارات أممية بل وشعوبا بأكملها يف االصطفاف وما تداعى عنها ،أن يضعنا بل وميوضع
يف وجه الرواية األخرى ،الرواية الصهيونية االستعامرية ،بكل هذا االمتداد واإلرصار أمام صلف
.الرواية املصطنعة
غسان كنفاين رسم معاناة الشعب الفلسطيني ،استقرأها يف ذاته ،وقرأها يف حياة اإلنسان الفلسطيني
من حياة املدينة والقرية بكل ما متلكه من تاريخ ورسوخ املجتمع التي قلبتها النكبة رأسا عىل عقب.
املتجذر يف بيئته التاريخية ،إىل حياة الترشد واللجوء ،بحثا عن مأوى ولقمة عيش ،كأنه ينظر إىل
املرآة فريى واقع الشعب الذي آل إليه حياتيا وهوية وطنية .فهو من عاش النكبة بتفاصيل حدثها
نضج وعيه عىل اليومي ،ذلك الفتى ابن مدينة عكا والذي تهجر من يافا ،ليجد نفسه طفال مرشدا.
واقع مرير ،ثم عاش انبثاق الثورة ،التي حولت مخيم اللجوء إىل معسكر للثورة التي انخرط فيها
يف بداياتها .فأفرغ معايشاته بل ورؤاه نحو الخالص يف منتجات أدبية غزيرة ،يف الرواية والقصة
.القصرية واملقالة الصحفية
تفتح وعينا األول عىل التعبريات اإليحائية املختزلة يف نصوص وروايات كنفاين " ،اإلنسان قضية
" " ،ملاذا مل تطرقوا جدران الخزان " " ،خيمة عن خيمة بتفرق " ...وكثري غريها .قفزت من نصوص
رواياته إىل فضاءات حياة الفلسطينيني يف منافيهم ،يف األرض الفلسطينية وخارجها ،يتأملونها
ويستوحونها ،تلك التعبريات التي فاضت بالوجع واملعاناة ،ثم رست يف لغتهم تأخذ سياقاتها يف
تعرجات قضيتهم ويف سياقات مراحلها ،تحفز وتشري إىل طريق الخالص وتدفع نحو امتشاق أدواته.
فعلت فعلها يف وعي األجيال .كانت كأنها مدرسة تعبوية باملضامني الوطنية التحررية ،مل تفقد ألقها
أو قوة تأثريها منذ البدايات وحتى اللحظة عرب تقلبات حال القضية .تعمق الرسد الفلسطيني لتاريخ
.القضية مقابل الرواية املضادة يف الوعي الوطني ويف مواقف الشعوب والنخب الحرة حول العامل
لهذا عجلت استخبارات العدو يف اغتياله وتغييبه عام ، ١٩٧٢وهو يف بدايات عطائه ،مل يكن قد
.تجاوز عامه السادس والثالثني حينها
كانوا يدركون أن بندقية الثائر إن استندت إىل الثقافة ،تصبح ألف بندقية ،بل تضيف مزيدا من
.املصداقية والرشعية وفيها انتصار للرواية
رحل مبكرا ،لكن ماذا لو عاش عمرا أطول ؟ رمبا لنضج إبداعيا أكرث يف كتابة النص املنحاز
54
لقضية ،وتعومل أكرث وحمل قضيته عىل جناح إبداعه النيص كام نريودا ،ولوركا ،وناظم حكمت
،ومحمود درويش ،إىل آفاق أوسع مام تسنى له يف عمره القصري .ولكان قد عايش إنحناءات
القضية ،انتصاراتها وانكساراتها ،التي كرس ذاته من أجلها منذ شبابه األول ،ثم كان قد أدرك بخربة
الكهل ان هناك مخزون من عوامل الشد إىل الخلف ،ما يعيق زخم التقدم إىل األمام ،وساهم يف
.عالجها مبا أويت من روح ومن عبقرية املفكر الثائر
– Ismael Hashhash
Comitê Central da Frente Democrática
de Libertação da Palestina (FDLP).
55
Ghassan Kanafani: um ser
humano e uma causa
56
convicções humanas e patrióticas, que é sintetizado no ditado popular:
“Uma pessoa que não se vende, nem se compra”.
Após a difusão dos escritos e criações de Ghassan Kanafani, que
contribuíram para iluminar diversos caminhos em nível nacional e
humanitário, seus romances foram traduzidos para vários idiomas,
entre eles: “A terra das laranjas tristes, Homens ao sol, Umm Sa’ad,
Tudo o que resta para você, Um mundo que não é nosso... e outros,
foram traduzidos em alemão, inglês, dinamarquês, italiano, espanhol,
francês e, agora, em português.
A contribuição de Ghassan Kanafani, como outros ativistas e
criadores ilustres, levou à difusão da causa palestina em grande escala,
estimulando e fortalecendo a solidariedade internacional com ela. Por
tudo isso, Ghassan se tornou modelo proeminente da cultura nacional
e da literatura de resistência palestina, bem como da literatura e valo-
res de luta por liberdade em todos os níveis.
Ghassan Kanafani dedicou seus escritos para transmitir o sofri-
mento dos palestinos na diáspora e sempre enfatizou que o exílio nos
campos não é uma solução para o povo palestino. Assim, em seu ro-
mance “A morte na cama número 12”, descreveu como pessoas se trans-
formam em números no exílio e acabam vivendo em estado de solidão
sem pensar em uma solução coletiva para o retorno: “eles não tinham
sentimento de pertencimento e os outros não se sentiam árabes.”
Ele foi assassinado pelas mãos das forças de ocupação sionistas
na manhã de sábado, 08/07/1972, após a explosão de um grande arte-
fato explosivo que foi colocado em seu carro em sua casa. Essa ação
resultou em sua morte quando tinha apenas 36 anos, juntamente com
o martírio de sua sobrinha Lamis Hussein Najm, 17 anos. São capítu-
los de sua épica luta em que Ghassan Kanafani pagou com a vida um
alto preço, por suas posturas e seus ilustres escritos.
57
Hoje, passados cinquenta anos desde seu assassinato, cujos ob-
jetivos, não alcançados, eram calar sua voz, apagar seu legado revolu-
cionário, que tanto contribuiu para destacar e proteger a identidade
nacional do povo palestino.
Fahmi Shaheen –
Comitê Central do Partido do Povo Palestino (PPP).
58
غسان كنفاين ..انسان وقضية
يعد كنفاين واحدا من أبرز رموز "الكلمة الفلسطينية املقاومة ،الكلمة املقاتلة" يف مجابهة ومقاومة
االحتالل الصهيوين وروايته املزيفة ،وأول ضحايا عمليات االغتيال والتصفيات الجسدية التي قامت
.بها أجهزة االحتالل بعد العام 1967
إنه األديب واملناضل الثوري التقدمي الذي التزم يف مواقفه وكتاباته بقضايا األرض واإلنسان ،وهو
الشاهد والشهيد عىل درب النضال ضد االحتالل وجميع أشكال االستغالل واالضطهاد القومي
والطبقي ،والدفاع عن هوية وحقوق شعبه ،وهو الذي أكد مجددا َ مع غريه من املبدعني واملناضلني
الفلسطينيني ،أن الكلمة أمىض عىل أعداء االنسان وكرامة ومصالح الشعوب من السالح ،ولهذا
.أغتيل
لقد مثل غسان كنفاين بأعامله الذاخرة والرثية ،منوذجاً خاصاً للروايئ والقاص والناقد ،والكاتب
السيايس امللتزم واملتمكن بدرجة عالية من الوعي ،وهو صاحب إنتاج أديب متفاعل دامئاَ مع حياته
وحياة وهموم الجامهري الشعبية ،مراهناَ عىل طاقاتها وتعليمها والتعلم منها ،وكثري ما عكست كتاباته
.واقعا عايشته وعايشه أو تأثر به
عن ذلك يقول كنفاين :إننا نتعلم من الجامهري ونعلمها ،ومع ذلك فإنه يبدو يل يقينا أننا مل نتخرج
بعد من مدارس الجامهري؛ املعلم الحقيقي الدائم الذي تكون الثورة يف صفاء رؤياه جزءا ال ينفصم
.عن الخبز واملاء وأكف الكدح ونبض القلب
كل هذا إىل جانب ما متيزت به شخصيته من مثابرة بالعمل ،حس مرهف ،تواضع ونظافة يد،
وتضحية ووفاء لقناعاته االنسانية والوطنية ،وهو الذي ينطبق عليه قول :اإلنسان الذي ال يباع وال
.يشرتى
بعد انتشار كتابات وابداعات غسان كنفاين التي أسهمت يف أضاءت دروبا عدة عىل املستوى
الوطني واالنساين ،جرى ترجمة رواياته إىل العديد من اللغات ،وبينها" :أرض الربتقال الحزين ،رجال
يف الشمس ،أم سعد ،ما تبقى لكم ،عامل ليس لنا ..وغريها ،إىل األملانية واإلنكليزية والدامناركية
،واإليطالية واإلسبانية والفرنسية
إن ذلك أدى إىل اسهام غسان كنفاين كغريه من املبدعني واملناضلني املميزين يف نرش القضية
الفلسطينية عىل نطاق واسع ،وتحفيز التضامن األممي معها وتعزيزه .وبسبب كل ذلك أصبح غسان
رمزا َ بارزا َ من رموز الثقافة الوطنية وأدب املقاومة الفلسطينية ،وكذلك أدب وقيم النضال والحرية عىل
.األصعدة كافة
لقد كرس غسان كنفاين كتاباته لنقل معاناة الفلسطينيني يف الشتات ،وكان دامئاَ يؤكد أن اللجوء يف
املخيامت ليس حال للشعب الفلسطيني .فعىل سبيل املثال وليس الحرص ،كتب يف روايته "موت
رسير رقم "12كيف يتحول الغرباء إىل أرقام باملنايف ،ويعيشون حالة الوحدة دون التفكري يف حل
59
".جامعي بالعودة" ،فهم مل يكونوا يشعرون باالنتامء ،واآلخرون مل يشعروهم بأنهم عرب
لتكتمل فصول ملحمته الكفاحية ،دفع غسان كنفاين حياته مثناَ باهظاَ نتيجة مواقفه وكتاباته املميزة،
فقد تعرض لجرمية اغتيال عىل يد أجهزة االحتالل الصهيوين صباح يوم السبت املوافق ،8/7/1972
إثر إنفجار عبوة ناسفة كبرية كانت وضعت يف سيارته تحت منزله ،ما أسفر عن استشهاده وهو بعمر
.الـ 36عاماَ فقط ،إىل جانب استشهاد إبنة شقيقته مليس حسني نجم 17عاماَ
اليوم وقد مر خمسون عاماَ عىل جرمية اغتياله التي اريد منها اسكات صوتاَ ،إال انها مل تستطع ان
.تطمس اسامَ وإرثاَ ثورياَ أسهم يف إبراز وحامية الهوية الوطنية لشعبه
فهمي شاهني – فلسطني
– Fahmi Shaheen
Comitê Central do Partido do Povo Palestino (PPP).
60
Revista Al Hadaf:
A Marcha Contínua
61
Nacionalista Árabe (MNA), surgida devido a uma série de contradições, sen-
do a mais proeminente:
Ghassan Kanafani conta que sua vida política começou em 1952, aos
quatorze ou quinze anos, quando conheceu o Dr. George Habash, em 1953,
pela primeira vez, em Damasco. Assim que começou sua vida política, tra-
balhava como revisor em uma gráfica, quando decidiu se juntar às fileiras
do Movimento Nacionalista Árabe (MNA).
Durante a permanência de Ghassan no Kuwait, exerceu atividades
políticas dentro do movimento e, em 1960, foi convidado a mudar para
o Líbano para trabalhar no jornal do partido. Em 1967, após a derrota de
junho, foi convidado a se juntar à Frente Popular de Libertação da Palesti-
na (o braço palestino do Movimento Nacionalista Árabe), que foi fundado
em dezembro de 1967, e continuou a trabalhar na comunidade jornalística
libanesa até a fundação da revista Al Hadaf, chefiando sua redação.
De acordo com Ghassan, Al Hadaf fazia parte da estrutura midiática
da FPLP, segundo o conceito de mídia, que não se limita apenas à propa-
ganda, mas vai além na educação, formação política etc. Essa foi sua missão,
confiada pelo Comitê Central de Mídia, que Ghassan representou através
de sua presidência, auxiliado por um grupo especializado em ler e avaliar a
Al Hadaf, escrever artigos e discutir editoriais conjuntamente.
Além do benefício geral das massas com as matérias publicadas
nas páginas da revista, segundo Ghassan, os membros do partido que
trabalhavam no campo organizacional também se beneficiaram na orga-
nização de palestras, programa educativo interno, reuniões e formação
de comunicadores para expressar o ponto de vista da Frente Popular de
Libertação da Palestina. Além do fato de que pelas regras da organização,
eles eram consultados sobre materiais que poderiam ser usados na comu-
nicação de massas.
63
Ghassan diz:
Vale notar que a revista não preencheu todas as suas páginas com arti-
gos e escritos políticos, desde a edição do primeiro número, arte e literatura
de todos os tipos teve presença permanente em suas páginas. Assim duas
páginas foram dedicadas à literatura, crítica de cinema, arte teatral, desenho
e outros. Ghassan dizia que achava esses dois jornalistas que integravam a re-
vista, os mais populares, porque muitos dos integrantes da FPLP conheciam
a linha de pensamento de esquerda através deles.
64
Os escritores críticos: com fome
ou saciados juntos
Pausa e continuidade em
um processo sucessivo
Wissam Al Faqawi –
editor-chefe da revista Al Hadaf.
67
د .وسام الفقعاوي
قد ال تكون الكتابة عن تجربة مجلة الهدف بعد 52عا ًما عىل تأسيسها أم ًرا يس ًريا ،خاصة يف
ضوء شح املصادر التي ميكن أن يعتمد عليها الكاتب الذي يتحرى املوضوعية ويعمل عىل إعطاء
معلومات شافية حول اإلرهاصات التي واكبت بداية تأسيسها ،خاصة وأن مؤسسها ورئيس تحريرها
األول ،وبالتايل من ميلك مفاتيح بعض النوافذ املغلقة عىل تجربة إعالمية :فكرية وسياسية وأدبية
فريدة؛ تم اغتياله بعد أقل من ثالث سنوات من تأسيسها ،وعليه فإن استقاء املعلومات حول هذه
سهل أو يس ًريا ،لكنه عكس ذلك ،خاصة وأن من بقي عىل قيد الحياة ممن
التجربة قد يبدو للبعض ً
واكب تجربتها األوىل أو كتب عنها ،إما مل يعارص تفاصيل وكواليس عملية التأسيس أو غيبه املوت
ومل يعد مبقدرتنا العودة إليه يف بعض تلك التفاصيل ،لكن عملنا قدر اإلمكان عىل تحري املعلومات
والتفاصيل التي رأيناها مفيدة للقارئ – من وجهة نظرنا – وتضعه أمام حصيلة ال بأس بها من تجربة
تأسيسا وتجرب ًة ومسريةً ،رغم قناعتنا التامة أن تجرية 52عا ًما من عمر “الهدف” املتواصل؛
ً الهدف:
.تستحق تسجيلها فيام هو أكرث من مقال
بدأ التفكري جديًا يف رضورة وجود مجلة أو صحيفة ناطقة باسم الجبهة ،يف عام ،1968لكن مل يكن
األمر قد تبلور بصورته الكاملة إال يف عام ،1969عندما اكتملت متطلبات إطالق املجلة ،فإىل
جانب أن الجبهة (الحزب) الناشئ بحاجة ملجلة أو صحيفة إعالمية تعرب عن آرائه السياسية وتكون
مصدر تعبئة لقواعده ولجامهري الثورة الفلسطينية ،فإنه ال ميكن تجاوز األزمة الداخلية التي كانت قد
عصفت بحركة القوميني العرب ،والتي نشأت بسبب عدد من التعارضات وكان أبرزها؛ تبني مجموعة
من الكوادر فك ًرا جديدًا؛ حاولت طرحه داخل صفوف الحركة ،مام أثار نقاشً ا وجدلً واس ًعا يف صفوفها
يف كل أقاليمها ،وقامت املجموعة التي كانت مرشفة عىل إصدار مجلة الحرية “الناطقة باسم الحركة”
ومسيطرة عليها ،بتكريس املجلة لطرح وجهة نظر واحدة حول التحول إىل تنظيم “ماركيس لينيني”؛
دون إفساح املجال لوجهة النظر املخالفة لتأخذ حي ًزا عىل صفحاتها ،وكانت الجبهة قد ورثت هذه
األزمة منذ بداية تأسيسها ،والتي ُع ّب عنها من خالل انشقاق الجبهة الدميقراطية واستمرار سيطرتها
عىل مجلة الحرية ،مام عجل عند جورج حبش ووديع حداد التفكري برضورة العمل إلصدار مجلة
خاصة بالتنظيم الفلسطيني لحركة القوميني العرب ،ولها اهتاممات قومية وأممية وكلف املناضل
68
الراحل أبو ماهر اليامين بالبحث عن “امتياز إصدار صحيفة” لرشائه ،حيث كانت االمتيازات يف
لبنان محدودة وكان قد أُوقف إصدار امتيازات جديدة؛ فأصبحت سوق االمتيازات سوقًا محدودة
وارتفعت أسعارها بشكل كبري ،لكن أحد أصدقاء حركة القوميني وهو املناضل الراحل توفيق الطيبي،
كان ميلك امتياز إصدار صحيفة باسم “الهدف” ،حيث جرى جمع مبلغ االمتياز من بعض أصدقاء
حركة القوميني العرب يف األردن ،وكُلف بسام أبو رشيف ،ببحث أمر رئاسة املجلة أو الصحيفة ،مع
غسان كنفاين وكان غسان حينها ،من أملع الصحفيني يف الوسط اللبناين؛ فقد كان يحمل الجنسية
اللبنانية – بسبب مهارته وتفوقه -خاصة وأن صاحب االمتياز يجب أن يكون لبنانيًا واملدير املسؤول
كذلك أيضً ا يجب أن يكون لبنان ًيا ،بحسب القوانني املعمول بها يف لبنان ،لذلك ُسجل امتياز الهدف
باسم غسان كنفاين ،وغدا رئيس تحريرها ،بينام وافق صحفي لبناين عىل شغل موقع املدير املسؤول
أمام املحاكم( ،بسام أبو رشيف) ويف عام 1969صدرت أوىل أعداد مجلة الهدف التي بارش غسان
رئيسا لتحريرها (غسان كنفاين -املقابلة
).عمله ً
يروي غسان كنفاين بأن حياته السياسية بدأت عام 1952عندما كان يف الرابعة عرشة أو الخامسة
عرشة من عمره ،حيث كان قد التقى بالدكتور جورج حبش عام 1953يف دمشق ألول مرة عن طريق
الصدفة ،وكان يعمل يومها مصح ًحا يف مطبعة ،وانخرط يف صفوف حركة القوميني العرب وهكذا
.ابتدأت حياته السياسية
خالل إقامة غسان يف الكويت ،مارس نشاطات سياسية ضمن الحركة ،ويف عام 1960طُلب منه
أن ينتقل إىل لبنان للعمل يف صحيفة الحزب .ويف عام ،1967وتحددًا بعد هزمية يونيو/حزيران؛
طُلب منه أن يعمل مع الجبهة الشعبية لتحرير فلسطني (الفرع الفلسطيني لحركة القوميني العرب) التي
كانت قد تأسست يف كانون أول/ديسمرب ،1967واستمر يف العمل يف الوسط الصحفي اللبناين إىل
.أن تأسست مجلة الهدف التي ترأس تحريرها
بحسب غسان؛ فقد شكلت “الهدف” جز ًءا من البنية اإلعالمية للجبهة ،حسب مفهوم اإلعالم الذي ال
يقترص عىل الدعاية فقط ،بل يتعداها إىل التثقيف والتعليم إلخ ...لهذا كانت مهمتها؛ مناطة باللجنة
املركزية لإلعالم ،التي مثلها غسان من خالل رئاسته لتحريرها ،حيث كانت هناك لجنة تقرأ “الهدف”
.وتقيّمها وتكتب املقاالت وتناقش االفتتاحيات
إىل جانب االستفادة العامة من قبل الجامهري من املواد الصادرة عىل صفحات املجلة ،بحسب ما
يروي غسان؛ كان يستفيد أيضً ا العاملون يف املجال التنظيمي منها ،يف ترتيب املحارضات والربنامج
التعليمي الداخيل واللقاءات واالتصاالت مع الجامهري للتعبري عن وجهة نظر الجبهة الشعبية،
إضافة إىل أن القواعد التنظيمية كان تستشريهم يف املواد التي ميكن أن يستفاد منها يف التواصل
69
.مع الجامهري
يقول غسان“ :إن العمل [يف الصحيفة] مرهق جدا ً .هذا هو شعوري اآلن وقد أمتمت عدد هذا األسبوع.
إنني أشعر باإلرهاق وأنه ألمر مروع ألي كان أن يعمل يف صحيفة كهذه .ففي اللحظة التي تنهي بها
آخر جملة من العدد اآلخر؛ تجد نفسك فجأة تجاه عرشين صفحة فارغة عليك أن متألها .كام أن كل
سطر وعنوان وصورة يف الصحيفة تناقش من قبل [أعضاء] الجبهة ويرصد أقل خطأ كان .فالصحيفة
إذن عرضة للنقد والعمل بها ال يشبه العمل يف صحيفة عادية .ففي الصحيفة العادية عليك فقط أن
تنجز عملك أما يف صحيفتنا فإن أدق التفاصيل توضع موضع النقاش من قبل الدوائر [املختلفة داخل
الجبهة] إذ أنها تقرأ بإمعان ،وبالتايل من الصعب جدا ً عىل اإلنسان أن يقوم بعمل متكامل أمام هذه
املحكمة الكبرية التي تتألف من [سائر] أعضاء الجبهة ،وبالتايل يشعر اإلنسان بأن عليه أن يبذل جهدا ً
أكرث ...وإنه ملن الصعب أن يصدق اآلخرون بأن ثالثة أشخاص فقط ،يقومون بتحرير الهدف ...ونحن
نحصل عىل مساعدة [إضافية] من شخص رابع أحيانًا؛ غري أنه يُسحب منا ثم نحصل عىل غريه وتعاد
الكرة من جديد ،وبالتايل نحن مل نحصل يف أحسن الحاالت عىل أكرث من أربعة أشخاص كان عليهم
أن ميلؤوا عرشين صفحة ..ال أظن أن أيًا من الرفاق يعمل أقل من 13-14ساعة يف اليوم ،وذلك بال
”.توقف وبال عطلة وبال شفقة من الناقدين
ومن الجدير ذكره ،أن املجلة مل متأل جميع صفحاتها باملقاالت والكتابات السياسية؛ فمنذ صدور العدد
األول ،كان للفن واألدب بأنواعه حضو ًرا دامئًا عىل صفحاتها ،حيث كانت صفحتني منها مخصصة
لألدب والنقد السيناميئ والفن املرسحي والرسم وغريه ،ويقول غسان :بأنه كان يظن أن هاتني الصحفيتني
.هام األكرث روا ًجا ،ألن الكثريين من أعضاء الجبهة يتعرفون عىل خط التفكري اليساري من خاللهام
من املعامل املضيئة التي تستوقف املرء وتسجل من مسرية وتجربة مجلة الهدف التي رفعت شعار
“كل الحقيقة للجامهري” ،وهي التي ربطت النضال التحرري الفلسطيني بالنضال التحرري العريب
والعاملي ،بحيث شكلت عنوانًا ورافدًا للثوريني عىل املستويني العريب والعاملي؛ انه خالل فرتة وجيزة
من انطالقتها استطاعت أن تستقطب الكثري من ال ُكتَّاب واملثقفني العرب ،والذين وصل عددهم يف
النصف األول من سبعينيات القرن املنرصم؛ إىل نصف العاملني يف املجلة ،واملفارقة هنا أيضً ا أن
معظمهم من املعارضني ألنظمتهم السياسية؛ تلك األنظمة التي كانت الجبهة تقيم مع بعضها عالقات
رسمية ،مثل :العراق أو هناك نوع من أنواع االتصال والتواصل ،مثل :لبنان وسوريا؛ فبحسب ما
روى الراحل هاين حبيب (نبيل شنينو) ،وأكده املخرج العراقي قاسم حول ،حينام التقاه غسان كنفاين
قائل له :تعال معنا ،جوع معنا عندما نجوع ،واشبع معنا عندما نشبع ،وهذا ما
بعد هربه من العراقً ،
وقدمت أول مرسحية “طفل بال عنوان” ،وهي التجربة األوىل
ُ حصل ،حيث تم تأسيس فرع للسينام
70
.لقاسم مع “الهدف” ،بعد أن تم تأسيس مدرسة لتعليم املرسح للشباب واألطفال
ويذكر “حول”“ :أنه طوال عميل يف مجلة الهدف ،مل يحذف غسان كنفاين من مقااليت حرفًا واحدًا ،فإذا
كان يرغب بالتعديل ،يُعدّل بعض الكلامت لغويًا .غسان مل يكُن يتدخّل يف إبداعنا ،وهو من الصحفيّني
ُ
يقول لنا :إ ّن العنوان يجب أن يكون األفذاذ ،الذين يتقنون ف ّن ال َعنونة ،أي كيف يعن َون املقال .وكان
غامضً ا غري مبارشٍ ،وكذلك ُمش ّوقًا” .ويكمل “حول”“ :لقد تعلّمنا من غسان الطيبة والتواضع؛ خالل فرتة
الدوام ما تشوف إال غسان كنفاين يتجول بني األقسام ،كُ ّنا نأكل ونح ُن نعمل؛ فرتاه يأخذ حبة زيتون من
”.هذا ،وقطعة خبز من ذاك؛ فخلق أرس ًة كاملة؛ مل نكُن موظفني يف مجلة الهدف ،بل كُ ّنا أرسة الهدف
نذكر من أسامء ال ُكتَّاب واملثقفني العرب والذين ما يزال منهم العديد عىل قيد الحياة؛ غري قاسم حول،
عبد الحسني شعبان ،سعد املالح ،عدنان بدر حلو (عمل كسكرتري تحرير للهدف) ،نبيل زيك ،محمود
داورجي (املخرج الفني للهدف حينها) ،محمد جامل باروت ،أحمد سعيد نجم ،هاين دانيال ،قيس
العزاوي ،يوسف النارص ،الجمعي القاسمي أبو الصابر ،حسن م .يوسف ،عدنان حسني ..والقامئة
.تطول
مل تتخذ مسرية الهدف خطًا متصاعدًا لجهة استمرار صدورها ،حيث تعرضت مسريتها إىل العديد من
عمليات االنقطاع عن الصدور؛ بسبب الظروف املوضوعية التي عاشتها الثورة الفلسطينية ومنها
الجبهة الشعبية ،وأقصد الحرب التي شنها العدو الصهيوين ضدها يف لبنان عام ،1982عىل الرغم
من أنها تحولت طيلة أيام الحرب التي قاربت الثالث شهور؛ من مجلة تصدر مرة أسبوعيًا إىل مجلة
تصدر يوم ًيا ،إال أن خروج قوات الثورة الفلسطينية ومنها الجبهة أوقف صدور املجلة ،إىل أن أعيد
صدورها مرة أخرى من دمشق عام ،1983وكذلك تعطلت عن الصدور يف بداية سنوات التسعينيات؛
بسبب األزمة املالية التي عصفت بالجبهة ،حيث مل تستطع يف حينه اإليفاء بااللتزامات املالية
املستحقة لصدور املجلة؛ يف حني قد يكون من املفيد ذكر ،أنه يف منتصف السبعينيات كانت العوائد
املالية من ريع بيع املجلة يف الواليات املتحدة وحدها؛ تغطي مصاريفها وتزيد .وكذلك ،أعيد إصدارها
آخرها استمر إىل سبع سنوات إىل أن ا ُتخذ قرار بإعادة مجددًا وتكرر انقطاعها أيضً ا أكرث من مرة؛
إصدارها مجددًا -رقم ًيا وورق ًيا -يف شهر آذار/مارس ،2019وحتى كتابة هذا املقال؛ صدر منها
رقيم ( )1511عددًا بالتسلسل العام ..وما تزال مسرية الهدف مستمرة
)37(.عددًا ً
– Wissam Al Faqawi
editor-chefe da revista Al Hadaf.
71
Ghassan Kanafani
- para além da
esquerda na
Palestina
72
Artista: Nabil Anani
73
“A luta pela libertação da Palestina, por um Estado
laico, democrático e livre de todas as formas de
discriminação racial e religiosa é uma parte vital da
luta internacional por justiça e igualdade.”
Ghassan Kanafani
74
Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
Salah Al Bardawil –
Doutor em Literatura Árabe, membro sênior
do Bureau Político do HAMAS, porta-voz
do Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS),
deputado legislativo da Palestina.
77
بسم الله الرحمن الرحيم
غسان كنفاين
من منظور حمساوي
أنا د .صالح الربدويل أحمل رسالة الدكتوراة يف األدب الفلسطيني ،وما زلت عضوا ً يف املكتب
.السيايس لحركة حامس ،ودرست أدب غسان كنفاين
وباملناسبة فقد رأست تحرير صحيفة الرسالة التي تصدر يف غزة ،وكتبت فيها عمودا ً قصصيا
واقعياً سياسياً ساخرا ً تحت عنوان (من شوارع الوطن) وصل عدد القصص التي كتبتها عىل
مدار خمس سنوات حوايل ( )500قصة قصرية جدا ً ،وقد حازت عىل أعجاب القراء يف حينه
وأثرت يف مشاعرهم وال سيام الطبقات الشعبية منهم ،كام أن الرموز التي تخللتها حازت عىل
.إعجاب املثقفني منهم
وألنني كذلك فإين اشعر بشكل كبري بغسان كنفاين وأدبه وقصصه التي تحمل يف طياتها مخزوناً
من ذكريات الالجئ ومعاناة الفلسطيني واإلحساس بالظلم والتحريض عىل الظامل واألسلوب الرائع
الساخر البايك أحيانا املفعم باالنتامء وااللتزام واملشاعر الفياضة والذكاء يف التقاط املشاهد
.املكتنزة باملعاين العميقة والرموز التي تتم عن ثقافة عالية وفهم راق
أكتب عن غسان كنفاين بحب كبري ،وال أناقش الفارق الفكري بيني كإسالمي وبينه كيساري ولكني
أنظر إىل مخرجات فنه فأجد نفيس فيها وأتلمس أحاسيسه فأجدين أحس بها نفسها وأقرأ الثورة بني
.سطوره وأجدين منخرطاً يف تيارها
غسان كنفاين رغم أنه مل يعمر طويالً يف حياته فقد ترك أثرا ً انسانياً ووطنياً رائعاً ما زال حتى هذه
اللحظة حارضا ً فينا فنجد أنفسنا نكرر مقوالته كأنها وليدة اللحظة رغم أنه مىض عليها أكرث من
خمسة عقود من الزمان ،ونعيد قراءة أعامله ،ونعيد انتاجها يف ضوء الواقع املرير املتكرر واألمل
.الكبري املتجذر فينا كام كان متجذرا ً فيه
.آالف املقاالت والكتب والقراءات كتبت يف أعامله وما زال عشقه يتجدد فينا وحكمته تخالج صدورنا
78
رصخ فينا :ملاذا مل تدقوا جدران الخزان ،فاستدركنا الخطأ الجسيم ومحونا عارنا واعتمدنا عىل
أنفسنا وطرقنا جدار الكون فأصبحت طرقتنا مدوية يف كل مكان ومل منت ،لقد مات من أسلمونا
للموت ومل منت ،ومات من خذلونا ومل منت ،ومات من راهنوا عىل موت كبارنا ونسيان أوالدنا،
.فلم ننىس ولن ننىس
غسان علمنا أن ال منوت قبل أن نكون ندا ً يف املعركة القامئة ،معركة الوجود ،فكنا وكانت
املقاومة خري ند ،ودُكت تل أبيب بآالف الصواريخ و ُرفع سيف القدس عالياً وتوارى عرابو التنسيق
.خلف غياهب العار ولن تقوم لهم قامئة
ماذا نقول يف غسان وقد قالت دماؤه أكرث مام ميكننا أن نشهد عليه ،قالت :إن املحتل أجنب من
،أن يواجه فكرا ً أو فناً أو شعورا ً صادقاً
أمل يقتل غسان؟
أمل يقتل ناجي العيل؟
أمل يقتل ماجد أبو رشار؟
!وغريهم وغريهم ،فهل ماتوا؟
لقد عاشوا وبثوا الروح يف أجساد كثرية كادت أن تنطوي يف لحود الجنب والخوف والرتدد حتى قال
:فيهم نزار قباين
حي رخام القرب مسكنه ورب ميت عىل أقدامه انتصبا
رب ّ
يا ُ
نصيحتي لكل من يقرأ غسان أن يكتب عنه أن ال تعميه الحزبية الضيقة أو الزوايا الفكرية املتبلدة،
وأن يفتح صفحة غسان كنفاين عىل مرصاعيها لريى فيها املأساة ويرى التعايل عىل املأساة ويرى
فيها الفن الجميل ويتعلم كيف يرسم بالكلامت ما استطاع هذا الفنان أن يرسمه لألجيال ويتفحص
فيها غسان االنسان ويتعلم منه كيف لإلنسانية أن تخرتق ال ُجدر واآلذان الصامء لترتجم أعامله إىل
عدد كبري من اللغات وتؤثر يف أصحابها ،وتقرأ يف صفحته وصحيفته شكالً من أشكال املقاومة
التي تقهر املحتل ،وسالحاً أمىض من السيف ،إنه القلم وإنه الفن الذي يشبه بالنسبة للعدو مرآة
مقعرة يرى فيها نفسه صغريا ً وحقريا ً فيعمل بكل ما أويت من قوة لكرسها فيجد أنها مرايا تتجدد مع
.الزمن ويظل العدو صغريا ً ويظل صاحب الحق خالدا ً كبريا ً
79
رحم الله غسان كنفاين
صالح الربدويل.د
عضو املكتب السيايس لحركة حامس
Salah Al Bardawil –
Doutor em Literatura Árabe, membro sênior
do Bureau Político do HAMAS, porta-voz
do Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS),
deputado legislativo da Palestina.
80
As esquerdas
brasileiras e
a nobre causa
palestina
81
Artista: Nabil Anani
82
“Tudo neste mundo pode ser roubado e retirado, exceto uma
coisa; esta coisa é o amor que emana de um ser humano
para um compromisso sólido com uma convicção ou causa.
Você tem algo neste mundo, então defenda isso.”
Ghassan Kanafani
83
Ghassan Kanafani, a FPLP e a
Revolução Palestina
84
árabe com o colonialismo/imperialismo, sua tendência à realização de acor-
dos e compromissos ficando de fora o povo e suas legítimas organizações. As
elites palestinas sempre procuravam interromper qualquer processo efetiva-
mente revolucionário de libertação nacional, pois quando as massas popu-
lares tomavam consciência, se organizavam e ampliavam sua capacidade de
mobilização, como foi entre 1936 e 1939, essas elites perdiam o controle do
processo de luta, que avançava na direção de ruptura com o colonialismo/
imperialismo, tal posicionamento ameaçava os acordos estabelecidos entre
a burguesia comercial, agrária e industrial palestina e as autoridades colo-
nialistas. É impressionante a atualidade das reflexões de Kanafani, pois um
segmento dessa burguesia palestina empurrou a Organização para a Liber-
tação da Palestina (OLP) para os famigerados e fracassados Acordos de
Oslo (1993/1994), em que somente os palestinos fizeram concessões, e um
setor da direção política do movimento nacional palestino, representado
por Yasser Arafat e um grupo de seu partido, o Movimento de Libertação
Nacional (FATAH), decidiu aceitar as imposições de Israel, às quais destru-
íam direitos históricos e inalienáveis do povo palestino, como o direito de
retorno e à recuperação de todas as suas terras, tomadas ilegalmente, pelo
colonialismo israelense.
Ghassan Kanafani foi um formador de novas lideranças políticas da es-
querda marxista palestina, no interior do movimento de libertação nacional.
É impossível separar sua atividade de jornalista, comunicador popular, for-
mador político e escritor de sua atividade como dirigente da Frente Popular
de Libertação da Palestina (FPLP). Era um intelectual orgânico do movimen-
to de libertação nacional e um representante do marxismo árabe-palestino,
mas também o porta-voz da FPLP no Líbano, a figura pública de maior im-
portância nesse país repleto de refugiados palestinos, com dezenas de cam-
pos em Beirute e em outras cidades do país. A FPLP mostrou a necessidade
de combinar a luta por libertação nacional com a luta pelo socialismo; afir-
mando que a Revolução Palestina era parte da Revolução no Mundo Árabe e
dos processos revolucionários em curso em diferentes países, como em Cuba,
85
Vietnã, Nicarágua, El Salvador e outras regiões do mundo onde, nos anos 60
e 70, a luta anti-imperialista/anticolonialista se desenvolvia intensamente. A
FPLP de Ghassan Kanafani soube se integrar a essas lutas, e tornou-se a mais
importante organização política marxista no interior do movimento nacional
palestino, sendo até hoje a segunda força política dentro da OLP e a terceira
força política no Conselho Legislativo Palestino (parlamento).
A Unidade Popular pelo Socialismo (UP) celebra a divulgação do pen-
samento de Ghassan Kanafani para a classe trabalhadora brasileira. É mais
um dos mártires da luta internacional contra o imperialismo. O governo do
chamado “Estado de Israel” vem praticando, desde 1948, uma política de ge-
nocídio, de apartheid e de limpeza étnica contra o povo palestino.
A Unidade Popular pelo Socialismo (UP) reafirma sua solidariedade
com o povo palestino, apoiando as diversas formas de luta para que um dia
seja conquistado o Estado Palestino Laico e Democrático, em todo o terri-
tório originário, desde o Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão, para que assim
exista uma paz justa e duradoura com muçulmanos, judeus, cristãos, ateus
ou membros de outras religiões vivendo com direitos iguais, sem racismo,
sem colonialismo, em uma República Palestina com independência nacional
e justiça social.
Vivian Mendes –
dirigente nacional da Unidade
Popular pelo Socialismo (UP)
86
Em memória de Ghassan Kanafani
Edmilson Costa –
Secretário-Geral do Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
88
“Corrigir a marcha da história”:
da resistência popular palestina à luta de todos
os povos oprimidos contra o imperialismo
5-Idem.
6-V. Nota 4.
7-Kanafani, Ghassan (1971) “On the PFLP and the September Crisis”, em New Left
Review, 1(67), pp. 50-57
90
Como outros pensadores e combatentes da resistência anticolonial
e anti-imperialista - Che Guevara, Patrice Lumumba etc. - Kanafani foi
assassinado em sua juventude, aos 36 anos, na turbulenta Beirute de 1972,
junto com a sua jovem sobrinha Lamis Najm. Com a família, aos 12 anos de
idade, foi obrigado a fugir do “terror sionista” para a Síria, comprometendo-
se desde cedo com a luta do seu povo desde, ao menos os anos 50, portanto,
ainda jovem, Kanafani tomou o seu lugar na história do movimento de
libertação nacional palestino atuando nas principais entidades da resistência,
estandartes da insubmissão, desde o Movimento Árabe Nacionalista até e
especialmente a FPLP, um pilar da luta genuinamente nacional palestina, de
que foi dirigente, sob a liderança de George Habash.
Engajado na literatura de resistência, Kanafani ofereceu ao seu povo
elementos cruciais para revigorar o legado cultural árabe-palestino, tan-
to para brandi-lo contra a propaganda sionista e imperialista antipalestina
quanto para fortalecer a cultura nacional como componente fundamental
edificante de uma nova sociedade. Para além do resistir, trata-se de definir
e implementar a estratégia que impulsionará o progresso histórico rumo à
libertação nacional e à emancipação social.
Daí a significância da adoção do marxismo-leninismo pela FPLP, no
decisivo 1967, ano do grande revés materializado pela ocupação do restante
da Palestina e demais territórios árabes por Israel. O anti-imperialismo, se
não for abandonado em meio à batalha, como disse Kanafani, deve levar ao
socialismo, porque a luta contra o imperialismo depende das classes que lu-
tam tanto pela dignidade quanto pela sobrevivência.8
Acrescentou Kanafani, em icônica entrevista: a causa da paz deve
ser uma causa pela liberdade, pela libertação, pelos direitos mais básicos
- violados diariamente sob qualquer regime de opressão e dominação,
colonialista e capitalista - e pelos direitos mais avançados.9 Por isso, assim
como a luta de outros povos resistindo às versões locais dos mesmos
8-Idem.
9-Ver Notas 2 e 6
91
carrascos (colonialismo, imperialismo e reacionarismo burguês) sem o qual
os primeiros não subsistem, a luta pela qual Kanafani deu a vida era a luta pela
emancipação do seu povo e de todos os povos oprimidos, uma emancipação
por completo.
Ana Preste –
secretária de Relações Internacionais do Comitê Central
do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
92
Ghassan Kanafani: a palavra como arma
para libertação da Palestina
94
A história está fazendo seu julgamento e deu razão a Kanafani. De
onde ele quer que esteja, assiste o julgamento de Israel pelos seus crimes.
Palestina Livre! Kanafani Vive!
95
Nossa homenagem ao revolucionário
socialista Ghassan Kanafani
96
pan-árabe servia de catalizador do espírito revolucionário das massas
palestinas, os regimes estabelecidos nos países árabes faziam de tudo para
impedir e minar o movimento de massas palestino”.
Esta análise e esta estratégia que une a luta palestina com as massas
árabes em oposição à burguesia palestina, aos regimes árabes e ao sionismo/
imperialismo marca o pensamento do revolucionário palestino e influenciou
a esquerda marxista palestina que popularizou esta estratégia com os slogans:
“Combater o inimigo em toda a parte” e “O caminho para Al Quds (Jerusa-
lém) começa no Cairo, Damasco e Amã”.
Kanafani não apenas desenvolve uma análise de classe a nível local e
regional, mas também opera sob uma lógica internacionalista. Ele escreveu:
97
Com certeza, no calor de novas Intifadas palestinas e revoluções ára-
bes, as ideias pelas quais Kanafani lutou vão se tornar o guia para milhões de
trabalhadores e trabalhadoras árabes, e o povo trabalhador palestino poderá
derrotar seus três inimigos e se reunificar em uma Palestina laica e democrá-
tica, do rio ao mar, parte de um mundo árabe socialista.
Esta luta é de todos e todas nós. Como escreveu Kanafani:
“A causa palestina não é uma causa apenas dos palestinos, mas uma
causa para todo revolucionário e revolucionária, onde quer que este-
ja, uma causa das massas exploradas e oprimidas de nossa era.”
Zé Maria –
dirigente nacional do Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU).
.
98
Ao povo palestino,
do(as) Atingidos(as)
por Barragens (MAB).
99
Ghassan Kanafani e o MST
100
Durante esse período dividiram a mesma pouca comida e muita revol-
ta, empunhando a bandeira do MST lado a lado à bandeira Palestina, repre-
sentando a solidariedade e o apoio de cada Sem Terra à causa palestina.
Nesses 20 anos que separam esse momento histórico, que marca pro-
fundamente a cultura internacionalista do MST, fortalecemos nossos laços de
solidariedade e irmandade com o povo palestino.
Nossa identidade com a luta e a resistência palestina vem de nossos
objetivos comuns: a luta pela terra, contra todo o tipo de colonialismo e im-
perialismo e por transformações sociais. Os mais de 70 anos de resistência
palestina são uma grande inspiração para o MST e para todos os povos em
luta do mundo.
Essa identidade está presente nas várias articulações nacionais e in-
ternacionais em solidariedade à Palestina das quais o MST faz parte. Está
presente na nossa estreita relação com a UAWC – União dos Comitês
Agrícolas da Palestina, uma das principais organizações articuladoras da
Via Campesina na região do Magreb e do mundo árabe ou na experiência
dos vários militantes e dirigentes do MST que foram à Palestina e pude-
ram conviver, pessoalmente, com a luta popular do povo palestino contra
a ocupação israelense.
Está presente também em cada assentamento e acampamento do
MST, em cada bosque plantado em nossas áreas em homenagem ao Dia
da Terra Palestina, em cada bandeira palestina pendurada ou hasteada em
nossos Centros de Formação, encontros, cursos, lutas etc. Está presente
em nossas crianças, que cantam que a Palestina Livre também é um sonho
brasileiro, a ser conquistado de mãos dadas.
Mas voltando à nossa decisão de 2011, decidimos levar nossa contri-
buição para a Campanha de Colheita de Azeitonas, oferecer nossa militância
– o maior patrimônio de nossa organização – para a luta do povo palestino
e proteger, com nossos corpos, as oliveiras e os camponeses e camponesas
palestinas contra os ataques do exército e dos colonos israelenses.
101
E como toda Brigada Internacionalista do MST, que são nomeadas em
homenagem a processos de luta ou lutadoras/es locais, essa também precisa-
va de um nome, de uma identidade, porém ainda que tivéssemos essa forte
relação com a luta palestina, conhecíamos muito pouco dos homens e mu-
lheres que ofereceram sua vida a essa causa.
Foi então que, depois que alguém sugeriu o nome de Ghassan Kana-
fani, estudamos e conhecemos a história desse lutador e soubemos que real-
mente se identificava com a proposta da Brigada e do próprio MST.
E assim Kanafani entrou definitivamente na vida do MST.
Internacionalista convicto, como é nossa Brigada, Kanafani dizia que
“a causa palestina não é uma causa apenas dos palestinos, mas uma causa
para todo revolucionário e revolucionária, onde quer que esteja, uma causa
das massas exploradas e oprimidas de nossa era”, e sempre defendeu que “o
problema da Palestina não poderia ser resolvido de forma isolada de toda a
situação social e política do mundo árabe”.
Kanafani desempenhou um papel importante no aumento da
consciência na luta anti-imperialista internacional: “O imperialismo pousou
seu corpo sobre o mundo, a cabeça na Ásia oriental, o coração no Oriente
Médio, suas artérias atingindo a África e a América Latina. Onde quer que
você o golpeie, você o enfraquece e serve à Revolução Mundial”.
Essa é a concepção de internacionalismo que o MST também defende!
Como um princípio, um valor, mas também uma estratégia central na luta
revolucionária!
Através de Kanafani conhecemos tantos outros e outras, mulheres e
homens (in)comuns que defenderam sua terra e sua liberdade com uma dig-
nidade e persistência inquebrantáveis!
Um deles é Abou Othman, o “barbeiro de Ramallah”. Em “Visão de
Ramallah” (Cartas da Luta Palestina), Kanafani conta que “quando começou
a última guerra da Palestina, [Abou Othman] vendeu tudo o que tinha para
comprar armas, que distribuía entre os parentes, pedindo-lhes que cumpris-
sem seu dever. A barbearia se transformou em depósito de armas e muni-
102
ções. Ele nunca pediu nada em troca desses sacrifícios”. Sua esposa e filha fo-
ram executadas na sua frente por soldados sionistas na tomada de Ramallah.
Abou Othman carregou sozinho os corpos para serem enterrados no cemi-
tério da cidade, onde ele mesmo queria ser enterrado. Enterrou-os com um
lençol branco, que pegou na sua barbearia.
Depois “entrou no escritório do comandante sionista para um inter-
rogatório. Quando colocou os pés lá dentro, todos ouviram uma pavorosa
explosão. O prédio inteiro desabou e o corpo de Abou Othman desapare-
ceu entre os escombros. Mais tarde, minha mãe contou, enquanto cami-
nhávamos pelas montanhas rumo à Jordânia, o que houve. Abou Othman,
ao entrar na barbearia antes de enterrar sua mulher, não havia retornado
somente com o lençol branco”.
Ghassan Kanafani foi assassinado pelo Mossad no dia 8 de julho de
1972, aos 36 anos. 36 anos! Uma vida curta que tanto viveu e produziu! Um
jovem com experiência de sábio ancião. Um escritor-revolucionário e revo-
lucionário-escritor. Um nacionalista-internacionalista.
Nenhum outro nome poderia honrar mais nossa Brigada Internacio-
nalista do que o dele! E não há melhor forma de honrar seu legado do que
seguir, incansavelmente, na luta anti-imperialista e revolucionária!
Obrigada Ghassan, por sua vida e por dar vida a Abou Othman e tan-
tos homens e mulheres que empenham a luta cotidiana.
103
A classe trabalhadora e a questão palestina
Fabio Bosco –
Dirigente da Central Sindical
e Popular (CSP – Conlutas).
106
Notas de
apoiadores desse
projeto
107
Artista: Nabil Anani
108
“Minha posição política brota de eu ser um romancista.
No que me diz respeito, a política e o romance são um
caso indivisível e posso afirmar, categoricamente, que
me comprometi politicamente porque sou romancista,
não o contrário. Comecei a escrever a história da
minha vida palestina antes deencontrar uma posição
política clara ou ingressar em qualquer organização”.
Ghassan Kanafani
109
Martírio de Ghassan Kanafani é lembrar
que a luta não pode parar até a vitória final
114
Artista: Nabil Anani
115
“O imperialismo pousou seu corpo sobre o mundo, a cabeça
na Ásia oriental, o coração no Oriente Médio, suas artérias
atingindo a África e a América Latina. Onde quer que você
o golpeie, você o enfraquece e serve à Revolução Mundial.”
Ghassan Kanafani
116
A heróica luta do povo palestino para
a conquista de seu estado soberano
117
e armamentos, por ano, a Israel. A diplomacia americana se comporta sem-
pre a favor de Israel. Seja um governo republicano ou democrata dos EUA,
sempre garantem esse compromisso de defesa de Israel, independentemente
dos crimes praticados por este. Nada é aprovado no Conselho de Segurança
da ONU para punir os crimes de Israel.
O imperialismo norte-americano tem Israel como sua ponta de lança
na disputa por seus interesses no Oriente Médio, principalmente, quanto
ao petróleo.
Israel e o imperialismo norte-americano sempre atuam, aberta ou
secretamente, para impedir a existência de um Estado Palestino soberano,
embora os EUA procurem camuflar a sua posição. Com isso Israel já tem o
controle de mais de 80% do território da Palestina. As ações expansionistas
de Israel não se limitam à Palestina. Além de ocupar uma parte do território
da Síria, desde 1967 até hoje, Israel ocupou também parte do Líbano, mas foi
expulso pelo Hezbollah com apoio do Irã.
A resistência do povo palestino já tem mais de um século de lutas e
organização para garantir suas terras, casas, direito de viver em paz na sua
própria pátria Palestina. A resistência, nas suas mais variadas formas, nunca
foi interrompida: O povo palestino tem seu Conselho Nacional, declarou sua
independência, tem sua bandeira e suas instituições, é uma sociedade organi-
zada; conquistou o direito de ser membro da ONU como observadora, além
de participar de seus departamentos.
Os palestinos construíram a OLP (Organização para Libertação da Pa-
lestina) que era composta pelo Al FATAH e FPLP (Frente Popular de Liber-
tação da Palestina), FDLP (Frente Democrática de Libertação da Palestina)
e PPP (Partido Popular Palestino). Mais recentemente foi organizado o HA-
MAS e a Jihad de orientação islâmica, que não participam da OLP.
Após a dissolução da União Soviética, em 1991, o mundo ficou sob
comando da única potência política, militar e econômica - os EUA, aliado
incondicional de Israel.
118
O povo palestino continuou sua luta em período muito mais adverso,
todos os crimes de Israel contra os palestinos foram justificados pela super-
máquina de propaganda do ocidente, a serviço dos EUA.
Atualmente os EUA estão em declínio, seu poder unipolar já é contra-
posto pela ascensão da China e seus aliados como a Rússia, Irã entre outros
países, configurando um mundo multipolar, o que contribui com a luta pela
libertação da Palestina.
A causa do Estado Palestino é uma LUTA NACIONAL, compreender
isto é chave da vitória tão almejada e esperada. As forças políticas e sociais
palestinas são plurais em seus projetos para o seu futuro ideal, mas não há
futuro ideal, se não houver o primeiro e principal passo que é a conquista de
seu ESTADO NACIONAL. Se cada força buscar e trabalhar pelo seu projeto
de sociedade, as forças coletivas se dividem e enfraquece a luta de EMANCI-
PAÇÂO NACIONAL. Israel tem se beneficiado desta divisão.
Só os palestinos podem decidir que é a união de forças que potenciali-
za e garante a vitória pelo seu Estado Palestino Independente.
Jamil Murad -
médico, sindicalista, ex-deputado estadual e ex-federal por São Paulo, mi-
litante histórico do Partido Comunista do Brasil (PC do B), presidente do Centro
Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ), autor do
livro Palestina ao vivo: Relato da
viagem parlamentar oficial aos territórios ocupados
(Editora da Câmara dos Deputados) – 2005.
119
Resistência palestina expõe
as veias abertas da academia
120
Não há imparcialidade possível, quando se trata de denunciar a opressão do
ponto de vista do oprimido. O silêncio é conivente com o poder.
A “questão palestina”, como expressão da opressão exercida sobre todo
um povo, não diz respeito, unicamente, aos palestinos, mas concentra todas
as contradições de um recente passado colonial francamente em vigor até os
anos 70, e que não foi ainda superado. Ao contrário, o passado colonial tende
a ser retomado com ainda mais força no século 21, graças à lógica de um
sistema econômico mundial de concentração de riquezas sem precedente.
Estatísticas da organização internacional Oxfam (uma confederação de 19
organizações que atua em mais de 90 países) mostram que oito indivídu-
os concentram mais riqueza em suas mãos do que a metade mais pobre da
humanidade. Enquanto Elon Musk se diverte com o envio de foguetes para
o espaço, um bilhão seres humanos passa fome, mais de cem milhões são
refugiados, um sem número é completamente destituído do direito às suas
próprias terras, ao exercício pleno da cidadania, a uma vida digna. São todos
dilemas vividos há décadas pela Palestina.
A tremenda desigualdade só pode ser mantida às custas da desumani-
zação das vítimas. Elas perdem a sua densidade humana e são transformadas
em fantasmas. Não precisamos ir muito longe para verificar como se dá esse
processo. No Brasil, segundo dados divulgados pela Organização das Nações
Unidas (ONU), cerca de 60 mil pessoas são assassinadas por ano. Dessas,
pelo menos 75% são jovens de cor preta, com idade variando entre os 15 e
30 anos, vivendo nas periferias das grandes cidades. Em outros termos, no
Brasil está em curso, há décadas, um processo de extermínio da juventude
negra pobre. Mas, qual a visibilidade que esse processo adquire nos grandes
veículos de comunicação? Quantos brasileiros têm consciência disso? Quan-
tos se deixam sensibilizar por um quadro tão desolador, tão absurdo? Tudo
se passa, de fato, como se os negros das periferias não fossem humanos, ou,
pelo menos, não tão humanos quanto o componente branco da população.
É o que ocorre quanto existe o apagamento da humanidade do ser humano,
quando ele é reduzido a um espectro de si mesmo. Nenhum intelectual tem o
121
direito de silenciar sobe uma questão como essa. Ao contrário, tem a obriga-
ção e o dever de denunciar. Os jovens negros, que são mortos nas periferias
das grandes cidades brasileiras, são, nesse sentido, os “nossos palestinos”.
Trata-se do mesmo processo que, em escala planetária, coloca na peri-
feria do mundo, na condição de subumanos os quase 2 bilhões de seguidores
da fé islâmica, sempre tratados pela mídia como “suspeitos de terrorismo”
simplesmente por serem seguidores do Corão. Não por acaso, aliás, o Islã
cresce nas periferias brasileiras, especialmente entre os jovens, como nota a
jornalista Eliane Brum, em excelente reportagem publicada na revista Época,
intitulado “O islã na laje”, em 30 de janeiro de 2009:
132
Ghassan Kanafani, o mártir palestino
que uniu literatura e revolução,
a caneta e o fuzil
1-DARWICH, Marmoud. Ainda é longo o caminho. Revista Brasileira, Fase VIII, Ano
II, n. 77, p. 183, out./nov./dez. 2013. Disponível em: https://www.academia.org.br/sites/
default/files/publicacoes/arquivos/revista-brasileira-77.pdf. Acesso em: 21 abr. 2022.
2-TENORIO, Sayid Marcos. Palestina, do mito da terra prometida à terra da resistência.
2. ed. São Paulo: Anita Garibaldi, IBRASPAL, 2022. p. 92.
133
Mais tarde, Kanafani escreveria sobre aquelas lutas no seu livro A Re-
volta de 1936-1939 na Palestina, no qual ele avalia que:
Ao dizer que são apenas questões sobre a pátria, Kanafani aponta para
a essência da luta de libertação do seu povo, que envolve as fronteiras da Pa-
lestina Histórica e o status da cidade sagrada e ecumênica de Jerusalém, que a
Organização das Nações Unidas (ONU) pretendeu internacionalizar no con-
junto de injustiças e ilegalidades decorrentes do Plano da Partilha de 1947,
no qual o território destinado ao “estado judeu” ficou com aproximadamente
57% das melhores terras da Palestina, embora os sionistas possuíssem apenas
7% da terra privada na Palestina naquele momento.
No entanto, a decisão transitou no sentido oposto das aspirações ára-
bes por um grande estado independente e unitário, que surgiria da união das
antigas províncias do Império Otomano. Esse desejo foi traído pelo Acordo
Sykes-Picot, sacramentado pelo imperialismo britânico e francês, com a cria-
ção de Estados separados e artificiais, abrindo caminho para a criação dessa
aberração, a que deram o nome de “Estado de Israel”, sobre os escombros
provocados pela usurpação de terras, casas, vidas e sonhos palestinos.
Sobre a traição de Sykes-Picot, o oficial da Força Aérea Britânica Tho-
mas Edward Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia, que exercia o
cargo de Consultor de Assuntos Árabes da Divisão Oriente Médio do De-
partamento Colonial do governo britânico, relata, em seu livro Sete Pilares
da Sabedoria, que os árabes confiaram na promessa do governo britânico de
uma recompensa após a Guerra.
8-Haniyeh regrets Abbas’ decision to cancel Palestinian votes, calls for national meeting.
Disponível em: https://hamas.ps/en/post/3379/Haniyeh-regrets-Abbas-decision-to-
cancel-Palestinian-votes-calls-for-national-meeting. Acesso em: 23 abr. 2022.
138
significa abolir e aproveitar o direito do povo palestino de exercer seu direito
natural garantido por todas as normas e leis internacionais”. Ele disse, ainda,
que o HAMAS não tinha nenhum desacordo com o FATAH ou qualquer
outro partido sobre a necessidade de realizar as eleições palestinas em Jeru-
salém, “mas Abu Mazen sucumbiu à vontade da ocupação israelense.”
No segundo aspecto, aquele que diz respeito aos regimes dos estados
árabes vizinhos, o que se tem observado, ao longo dos anos, é uma marcha de
traições das dinastias árabes contra os objetivos estratégicos do povo palesti-
no. Estimulados pelos EUA, alguns países árabes iniciaram negociações para
a normalização de relações com o estado sionista: Emirados Árabes Unidos,
Bahrein, Sudão e Marrocos. Ou seja, essas ditaduras árabes decidiram fazer,
à luz do dia, aquilo que faziam na surdina, em traição aos irmãos palestinos,
vítimas do apartheid racista do autoproclamado “Estado judeu”.
Uma das “normalizações” que mais causaram indignação foi a do Rei-
no do Marrocos, anunciada dias após a retomada da guerra pela Frente POLI-
SARIO9, cansada de esperar pela implementação das cláusulas do cessar-fogo
negociado em 1991. Por incrível que pareça, o rei do Marrocos, Mohamed
VI, é o presidente do Comitê de Al Quds, criado em 1975 para defender(!) a
cidade sagrada de Jerusalém das agressões do ocupante sionista.
Por seu lado, a Arábia Saudita e seus apoiadores afirmam que ela é a
protetora dos muçulmanos sunitas, incluindo o HAMAS e os palestinos. Es-
ses mesmos sauditas mantêm mais de 60 palestinos encarcerados, entre eles
o representante do HAMAS no Reino, Dr. Mohammed Al Khodari, que é um
homem doente com mais de 80 anos, e seu filho. Como acreditar que a Ará-
bia Saudita, a exemplo de Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, está
pronta para apoiar os palestinos quando “se lança, cada dia mais, nos braços”
do inimigo sionista e adota um tratamento tão desumano, dispensado por
autoridades sauditas a palestinos presos?
142
Dos tristes laranjais, o desabrochar
de um revolucionário
Adab Al Mukawama
148
recimento e entusiasmo”. A maioria dos poetas árabes participantes nessas
noites, contudo, como descreve Kanafani, foi levado muitas vezes aos gover-
nantes militares de seus vilarejos para interrogatórios, e proibiu-se a realiza-
ção dessas atividades.
A resistência a essa ordem preparou o terreno para a adab Al Mukawa-
ma se firmar enquanto movimento cultural em cinco anos. Para Kanafani, o
outro lado do que se dava também no exílio.
Internamente, emoções fluíram através da produção literária a partir
da percepção de que passaram a ser uma minoria indefesa remanescente em
meio a uma estranha multidão com amargo sentimento de perda, solidão e
alienação que se transformaram em sua força e existência. Esse movimento
foi seguido pelos palestinos nas áreas que viriam a ser ocupadas militarmente
por Israel em 1967 - Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental.
Ele cita que em território ocupado essa literatura foi formulada com a
participação de mulheres e carregava no estilo “persuasivo, profundo, podero-
so e mais próximo da terra”. Assimilada a catástrofe que se abatera sobre toda a
sociedade palestina, dos escombros resultantes e cerco cultural, nasce a litera-
tura de resistência nos anos 1950.
Entre os diversos gêneros literários, Kanafani considera em sua obra
“Literatura de resistência na Palestina ocupada 1948-1966” a poesia como
“uma força pioneira no chamado à resistência”, por ser facilmente memori-
zada e transmitida boca a boca. Com boa recepção em culturais orais como
as dos palestinos, muitas poesias eram vertidas para canções populares ou
recitadas e mesmo incluídas nos currículos escolares, sobretudo em cam-
pos de refugiados.
Para Kanafani, a adab Al Mukawama que norteará sua produção lite-
rária se enquadra na prática cultural denominada sumud (palavra árabe que
significa firmeza ou persistência). O sumud integra uma consciência coletiva
de luta aliando resiliência à resistência, como sinônimo de existência.
Sob ocupação, sumud aponta para forte determinação em não deixar
a terra e sobrepujar todas as dificuldades impostas pela ocupação israelense
149
na afirmação cotidiana da vida, seja replantando uma oliveira derrubada
ou recusando-se a deixar a terra mesmo que sua casa seja demolida, seja
tentando viver apesar do apartheid, sem contudo normalizar essa situação. Na
diáspora, implica não permitir que sua identidade seja apagada, mas manter
vínculos com suas raízes e sentimento de pertencimento, propugnando o
direito inalienável e inegociável ao retorno aos refugiados.
Sumud ressoa as vozes e narrativas. Sumud é a resistência permanente,
sob todos os meios, rumo à Palestina livre, do rio ao mar e à revolução socia-
lista mundial, projeto ao qual Kanafani dedicou sua vida.
Soraya Misleh–
jornalista e doutora em estudos árabes,
autora do livro Al Nakba – Um Estudo Sobre a
Catástrofe Palestina (Editora Sundermann) – 2017.
150
Ghassan Kanafani e a FPLP: as vozes mais
coerentes do movimento de libertação
nacional palestino
151
a situação política na Palestina, sendo que as contradições sociais e a luta de
classes acabavam se tornando temas secundários, fato que favorecia a elite/
burguesia palestina, que estava à frente do movimento nacionalista. Kanafani
identifica a existência de alguns conflitos de interesses entre a “liderança local
feudal/clerical” e o imperialismo britânico, que estava no controle daquele
território desde 1918, através do Mandato Britânico na Palestina, um resul-
tado do Acordo Sykes-Picot, assinado em 1916 (entre França e Inglaterra). O
imperialismo britânico teria encontrado nos sionistas um aliado mais con-
fiável e adequado aos seus propósitos e, nesse sentido, a nascente burguesia
palestina se via contrariada com a concentração de poder econômico “nas
mãos da máquina sionista”. A relação da administração colonial britânica
com a burguesia comercial, industrial e financeira judaico-sionista só se am-
pliava, gerando lucro, benefícios e privilégios que desagradavam setores im-
portantes da elite palestina, que vivia um período de transição de “sociedade
semifeudal para capitalista” (Idem, p. 28 e 29). Essa burguesia judaico-sionis-
ta foi controlando o processo de industrialização, que estava se iniciando, e
os comunistas palestinos vivenciaram uma situação de isolamento tanto dos
trabalhadores árabes quanto dos trabalhadores judeus.
O sionismo atua em conjunto com o imperialismo britânico para im-
pedir, a qualquer preço, a unidade entre trabalhadores árabes e judeus, tese
defendida pelo Partido Comunista Palestino (PCP). As forças progressistas
vão sendo enfraquecidas no interior do movimento sindical, e o surgimen-
to da Histradut (a Federação Geral dos Trabalhadores Judeus/de Israel), em
1920, um instrumento da colonização sionista, separa de vez a classe operária
árabe e judaica. Histradut vai negociar a substituição gradativa de trabalha-
dores árabes por trabalhadores judeus-sionistas em várias empresas, durante
o período do Mandato Britânico na Palestina.
Segundo Kanafani, em 1935 “os judeus controlavam 872 de um total
de 1.212 estabelecimentos industriais na Palestina, empregando 13.678 tra-
balhadores, enquanto os demais eram controlados por árabes-palestinos e
empregavam 4 mil trabalhadores”. Nesse mesmo ano “o capital judeu contro-
152
lava 90% das concessões do governo do mandato britânico” (Ibidem, p. 33).
O crescimento do número de desempregados árabes-palestinos entre 1920
e 1935 era acompanhado por uma situação de diminuição do número de
fábricas sob o controle da burguesia nativa (árabe-palestina). Tudo isso agra-
vou as condições de vida da ampla maioria da população. Milhares de cam-
poneses vendiam suas terras e eram expulsos de seus vilarejos por grupos e
milícias sionistas que ampliavam o controle da zona rural, com a colaboração
do exército britânico.
A análise de Ghassan Kanafani continua atual, pois os inimigos da
causa palestina continuam os mesmos. Foi a colaboração entre esses três ini-
migos (liderança palestina local reacionária, regimes árabes vizinhos e impe-
rialismo-sionismo) que sempre dificultou ou interrompeu uma vitória con-
tundente da resistência popular palestina. Setores majoritários da burguesia
palestina historicamente optaram pelo controle rigoroso do movimento de
libertação nacional, buscando evitar e coibir o surgimento de novas lideran-
ças, especialmente entre a juventude, com posições políticas que pregavam
uma ruptura revolucionária com o colonialismo, imperialismo, sionismo. A
burguesia palestina também vive sob a influência de um desenvolvimento
capitalista tardio. A integração da Palestina ao processo de expansão mundial
do capital, entre os séculos XIX e XX, ocorre de maneira submissa e subordi-
nada aos interesses externos, dos colonialismos Turco-Otomano e Britânico.
Diante dessa situação percebemos que os movimentos de libertação nacio-
nal com forte potencial revolucionário sempre foram uma ameaça não só
ao colonialismo, mas também para seus aliados internos e regionais. Não é
incomum, na história da resistência anticolonialista na Palestina, encontrar
lideranças da burguesia palestina fazendo acordos, concessões e cooperando
em várias áreas com a potência colonial do momento, o que revela a inca-
pacidade da burguesia de países coloniais, semi-coloniais ou dependentes
de levar até as últimas consequências um processo de luta pela libertação
nacional. Sob a direção política de qualquer força burguesa - ou inspirada
nas ideias burguesas - será improvável (ou impossível) a efetiva libertação
153
nacional e a construção de uma República Democrática com independência
econômica e política em relação a qualquer potência imperialista.
A burguesia palestina e os governos árabes e/ou muçulmanos que são
aliados históricos do imperialismo e do sionismo (com destaque, na atualida-
de, para Arábia Saudita e monarquias árabes, e também para a representante
da OTAN na região, a Turquia) são aqueles que buscam pressionar e influen-
ciar nas decisões do movimento nacional palestino no sentido de convencer,
empurrar e/ou chantagear suas lideranças na direção de uma saída negociada
para o conflito existente, um acordo baseado em “concessões de ambos os
lados”. Essa posição da maioria da burguesia palestina e setores/partidos/go-
vernos árabes e muçulmanos da região da Ásia Ocidental (“Oriente Médio”)
levou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) para os fracassados
Acordos de Oslo. Fracasso para o povo palestino, vitória para o governo da
Entidade Sionista (“Estado de Israel”). Apesar de todas as experiências histó-
ricas demonstrarem que o meio mais eficaz para se derrotar o colonialismo
e o imperialismo é uma guerra popular prolongada de libertação nacional,
partidos e governos árabes, aliados ao imperialismo-sionismo ou adeptos das
posições equivocadas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),
empurraram o movimento de libertação nacional palestino para reavivar ou
fazer renascer a ilegal posição conhecida como “solução de dois Estados”.
De um lado a pressão econômica, financeira, midiática, cultural, política e
militar imperialista-sionista e das monarquias árabes, de outro a pressão da
URSS e seus partidos comunistas aliados no mundo árabe, entre eles o Par-
tido Comunista Palestino (PCP) e o Partido Comunista da Jordânia (PCJ).
Ghassan Kanafani e a Frente Popular de Libertação da Palestina
(FPLP) tiveram o mérito e a ousadia de construir uma análise crítica
de todas essas posições que sugeriam ou queriam impor uma solução
negociada na base da Resolução 181 da ONU, de 29 de novembro de 1947.
Kanafani tinha certeza da legitimidade da causa palestina e olhava para
todos os cantos do planeta e observava como cada povo estava resolvendo
seu conflito com o colonialismo: guerra popular prolongada de libertação
154
nacional. Foi assim para libertar a Indochina e a Argélia do domínio
colonial francês, estava sendo assim para libertar Angola, Moçambique e
Guiné Bissau do colonialismo português e, especialmente, estava sendo o
caminho para derrotar o imperialismo estadunidense no Vietnã. Kanafani e
a FPLP também se apropriavam da experiência das lutas anti-imperialistas
na América Latina, seja a vitória da Revolução Cubana ou o processo em
curso em países como a Nicarágua, onde a Frente Sandinista de Libertação
Nacional (FSLN) toma o poder e derruba a ditadura em 19 de julho de
1979. Em seu escritório em Beirute, estavam os posters de Marx, Engels
e Lenin, ao lado de Mao Tsé Tung, Che Guevara, Ho Chi Minh e George
Habash (médico palestino de origem cristã, um dos fundadores da FPLP).
A FPLP sempre teve a mais coerente análise sobre o conflito Palestina-
Entidade Sionista (“Israel”), afirmando que a Revolução Palestina era parte
indissociável da Revolução no Mundo Árabe e do movimento revolucionário
e anti-imperialista mundial. Portanto, Kanafani não foi daqueles que só
fez uma boa reflexão, foi um dos construtores e protagonistas de uma
experiência organizativa, foi um intelectual organicamente vinculado
ao movimento real da classe trabalhadora árabe e palestina. Construiu
um partido político marxista com influência nas massas populares, no
proletariado e em setores da pequena burguesia rural e urbana, elaborando
uma Estratégia de Libertação Nacional que levava em conta, também, os
problemas sociais e a situação das classes sociais e da luta de classes na
Palestina. Isso contribuiu muito para que a FPLP não alimentasse ilusões
sobre as lideranças palestinas que representavam os interesses da burguesia
local, mais interessados, muitas vezes, em acumular capital, fazer negócios,
obter lucro do que financiar ou apoiar uma Revolução Palestina.
155
Ghassan Kanafani e a impossibilidade
de aceitar a entrega da sua pátria ao
colonialismo sionista-israelense
Marcelo Buzetto –
cientista social, doutor e professor do IFSP
autor do livro A Questão Palestina: guerra,
política e relações internacionais
(Editora Expressão Popular) – 2015.
158
Sugestão de Leitura:
159
• MUSALLAM, Dr. Sami Fayez (1987). Organizacion para la Liberacion
Palestina.
• PAPPE, Ilan (2007). História da Palestina Moderna: uma terra, dois po-
vos. Lisboa, Caminho.
160
Uma experiência de solidariedade
com a causa palestina em SP
1-Esse episódio redundou em um dos meus livros, cujo título é E se Gaza cair... de 2012,
da Editora Anita Garibaldi, que lançamos no Fórum Social Mundial Palestina Livre
em 29 de novembro de 2012. Esse livro é prefaciado pelo embaixador da Palestina no
Brasil, meu amigo Prof. Dr. Paulo Daniel Farah, da USP. Ele pode ser adquirido neste
endereço: <https://bit.ly/3fRWbLp>;
161
Praticamente em todas essas atividades, invariavelmente, formávamos
um Comitê, seja de solidariedade, seja de luta, seja contra a guerra. Sempre
formado pelas entidades gerais representativas de todos os setores e
segmentos da sociedade brasileira.
Era comum nós dizermos, entre militantes e ativistas da causa pales-
tinas e demais causas internacionalista, que os comitês eram formados “a
quente”, no sentido que sempre que havia mortes e cadáveres no caminho,
uma primeira reação acontecia. No entanto, nunca houve uma continuidade
nessas manifestações de solidariedade.
A seguir eu relato uma história do Comitê de Solidariedade ao Povo
Palestino mais longeva que fui testemunha da existência, participante e mes-
mo da coordenação executiva. Foi o que chamamos de Comitê “Estado da
Palestina Já”, formado por sugestão do Movimento dos Trabalhadores sem
Terra - MST, em 2011 e que durou até janeiro de 2014.
A seguir o meu relato, publicado no meu livro sobre a história da Pa-
lestina, este prefaciado pelo meu amigo e décadas, Dr. Ibrahim Al Zeben,
embaixador do Estado da Palestina no Brasil.2
2-Editora Apparte, 2019, com 510 páginas, tendo tido uma segunda edição. O texto
acima está publicado nas páginas 53 a 67.
162
Em seguida a esse início a Força Sindical integrou-se de forma mais
intensa, juntamente com diversas entidades árabe-brasileiras e muitos ati-
vistas e militantes da causa palestina que não integram entidades.
O CEP tem uma concepção frentista, não sendo ele próprio uma en-
tidade, mas um conjunto de entidades. Seu objetivo mais geral é apoiar
todas as iniciativas para a criação do Estado da Palestina.
A campanha teve seu lançamento público realizado no dia 29 de
agosto deste mesmo ano, às 17h, no Sindicato dos Engenheiros do Estado
de SP, que contou com a presença de 150 pessoas e mais de 50 entidades
nacionais e estaduais, além de parlamentares de todas as instâncias.
Nesse mesmo dia uma coletiva de imprensa foi concedida e informa-
ções sobre a campanha foram publicadas em centenas de páginas e blog na
Internet, além de notas em jornais impressos. Neste livro, no encarte foto-
gráfico, publicamos as principais imagens desse lançamento.
O CEP é integrado por cerca de 30 entidades gerais e nacionais de
todos os setores e segmentos da sociedade civil brasileira, em especial
os partidos políticos do campo progressista, todas as centrais sindicais,
as organizações de jovens e de estudantes, as entidades de mulheres, de
negros, movimentos comunitários, de moradia e de luta pela terra, bem
como organizações de luta pela paz e entidades nacionais e culturas da
comunidade árabe e palestina no Brasil. Além disso, outras 40 entidades
regionais e instituições integram o CEP.
O Comitê tem dado orientação em plano nacional para que nos es-
tados surjam comitês unitários, composto pelas mesmas entidades em pla-
nos regionais. Isso acabou por acontecer em alguns estados brasileiros, mas
também todos esses comitês estaduais vivem com altos e baixos em seus
funcionamentos.
Alguém já disse certa vez, que a mobilização mais ampla em
solidariedade aos palestinos ocorre sempre “a quente”, o seja, quando temos
“cadáveres” deixados pelo caminho por Israel. Eu lamento isso. No entanto, a
experiência do CEP é a mais longeva de todos os períodos que o velho Comitê
163
de Solidariedade de 1982 funcionou de forma ininterrupta. Registro, para
efeitos históricos, que o MST, fundador do Comitê, participou até a quinta
reunião, tendo se retirado do mesmo, ainda que tenha sempre comparecido a
todas as suas atividades de massa, de rua, debates etc.
O que unifica todas as entidades, partidos, personalidades que inte-
gram o Comitê pelo Estado da Palestina desde o seu surgimento foi o pedi-
do feito pela Autoridade Palestina junto ao Conselho de Segurança e à As-
sembleia Geral da ONU para que a Palestina fosse admitida como seu 194º
Estado-Membro ou mesmo Estado não membro, que acabou sendo votado
somente no dia 29 de novembro de 2012.
No total, são 71 entidades nacionais, estaduais e regionais integram
o Comitê pelo Estado da Palestina Já! Algumas participam ativamente de
todas as suas reuniões mensais e outras se fizeram presentes nos debates que
ocorrem em lista específica para essa finalidade. O CEP sempre teve uma
pequena coordenação executiva, que se reunia semanalmente nas entidades
e nos partidos que integravam a sua direção. Tive a honra, como militante, de
ser fundador do CEP e integrar o seu comitê executivo.
O CEP organizou a 1ª Missão de Solidariedade ao Povo Palestino in-
tegrada por seis brasileiros que visitou a Palestina ocupada entre os dias 10
e 20 de junho de 2012. O seu coordenador foi o engenheiro Emir Mourad,
também ele fundador do CEP e antigo militante da causa palestina, além de
secretário geral da FEPAL.
A 2ª Missão ocorreu entre os dias 17 e 28 de abril de 2013 e foi inte-
grada por 22 pessoas de todos os segmentos da sociedade brasileira, inclusive
parlamentares e tive a honra de ser o seu coordenador. Ela visitou Emirados
Árabes Unidos, Jordânia e Palestina, onde ficou oito dias em intensas ativida-
des, contatos políticos com organizações da resistência palestina, instituições
da sociedade civil e governo do Estado da Palestina. Por fim, tivemos a 3ª e
última Missão, realizada 25 de março a 4 de abril de 2014 e foi integrada por
oito representantes de entidades da sociedade civil, da qual também tive a
honra de coordenar.
164
Informações sobre a história e as realizações do CEP:
Início: a ideia de sua constituição ocorreu no dia 6 de junho de
2011, com a presença de 11 pessoas na sala de reuniões do CC do PCdoB.
Ali estavam PT e PCdoB; CUT e CTB, FEPAL, FEARAB e o MST entre
outras entidades;
Lançamento público: ocorreu na sede do Sindicato dos Engenheiros
do Estado de São Paulo no dia 29 de agosto de 2011 com a presença de 150
pessoas e dezenas de entidades;
Passeata: reuniu três mil pessoas no dia 20 de setembro de 2011 que
desfilou pelas ruas centrais da cidade de São Paulo;
Solidariedade na Assembleia Legislativa: ocorrido no Plenário da As-
sembleia Legislativa do Estado de São Paulo no dia 29 de novembro de 2011
que contou com a presença de 200 pessoas e mais de 60 entidades;
Dia da Terra: em 30 de maro de 2012 foi realizado no teatro da Fun-
dação Cásper Líbero na Avenida Paulista e que contou com a presença de
500 pessoas e em 30 de março de 2013 ocorreu um debate com 50 pessoas
na BibliASPA;
Sabra e Shatila: lembramos os 30 anos do massacre de Sabra e Sha-
tila no Líbano, ocorrido em Beirute em 18 de setembro de 1982. Reali-
zamos um ato de recordação no auditório do Clube Homs, no dia 18 de
setembro de 2012, que contou com a presença de 100 pessoas. Concomi-
tante a isso foi realizado uma mostra de fotos sobre o massacre na Biblio-
teca Alceu Amoroso Lima, organizado por Cláudio Daniel com centenas
de visitantes ao local.
Fórum Social Mundial Palestina Livre - Organizado na cidade de
Porto Alegre-RS, no Brasil entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro
de 2012, contou com a participação de pelo menos 10 mil pessoas. O Comi-
tê e suas entidades participaram ativamente desse evento. O CEP organizou
o maior evento do FSMPL que foi a sua Plenária pelo Estado da Palestina
com 300 pessoas e dezenas de entidades nacionais.
165
São as seguintes as entidades que integraram o
Comitê de Campanha:
Lejeune Mirhan–
sociólogo, doutor e professor aposentado da UNIMEP,
autor de Palestina: história, sionismo e suas perspectivas
(Editora Apparte) - 2019.
173
literatura
e poesia de
combate pela
nobre causa
palestina no
Brasil
174
Artista: Sliman Mansour
175
“Ele foi um dos que lutou sinceramente pelo desenvolvimento do
movimento de resistência, de um movimento de libertação nacionalista
palestino para um movimento socialista revolucionário pan-árabe do
qual a libertação da Palestina seria uma componente vital. Sempre
salientou que “o problema da Palestina não poderia ser resolvido de
forma isolada de toda a situação social e política do mundo árabe”.
176
Carta para Ghassan Kanafani
Depois de muito pensar e refletir sobre o que aconteceu, como uma res-
posta necessária creio, decidi tomar a iniciativa de escrever uma carta para Ka-
nafani. Isso mesmo, caro leitor, escrever para uma pessoa que foi assassinada há
50 anos! Uma carta! Sim... com claro objetivo de preencher a lacuna que o sonho
deixou em aberto. Você, meu amigo leitor, pode achar estranho o caminho que
tomei, mas creio que o conteúdo lhe será também interessante se a forma não lhe
contentar. Além do mais, Ghassan adorava cartas e escreveu várias como forma
de literatura, desse modo me sinto autorizado a fazer o mesmo. Então, vamos lá:
179
“Querido camarada Ghassan Kanafani,
Nosso encontro não terminou como desejava, por isso, me sinto na
obrigação de retomá-lo. É verdade, a culpa foi minha e não sua para o desfe-
cho não satisfatório e assumo-a. Como tenho muito a lhe dizer acabei fican-
do com um gosto amargo na boca e espero, francamente, que essa carta me
faça reverter essa desagradável sensação.
Primeiro vou responder as suas questões feitas no sonho:
- Estou me sentindo bem! Muito obrigado por perguntar.
- De fato venho de longe, de um país do outro lado do Atlântico, o Brasil.
Descendo de libaneses... como você suspeitou. Meus avós deixaram essa terra
rumo ao Brasil e acredite você, nem eles ao certo me souberam dizer o porquê
dessa emigração. Gosto de imaginar, Ghassan, que isso tem a ver conosco, com
a nossa cultura árabe, essa ideia bonita de sair em caravana pelo mundo como
se ele fosse nosso quintal.
Você deve estar se perguntando por que lhe dei essa foto em particular?
Preciso dizer que a foto é de um rapaz em uma cadeira de rodas, com
ambas as pernas amputadas, lançando uma pedra com seu estilingue caseiro,
em di reção ao exército invasor israelense. É possível perceber, na imagem,
que se trata de uma paisagem de conflito dada a fumaça preta de pneus quei-
mando ao fundo. Depois de retratada, devido à forma como nos comunicamos
no mundo moderno, ela se espalhou rapidamente. Hoje, usamos computado-
res, celulares e outros dispositivos eletrônicos capazes de difundir, velozmen-
180
te, uma imagem como essa. “Viralizar” é o termo usado e acredite em mim,
Ghassan, quando lhe digo que milhões e milhões de pessoas viram essa mesma
imagem ao redor do mundo. O fotógrafo Mahmud Hams que, notavelmente,
a registrou assim como as outras fotos dessa sequência, recebeu elogios e prê-
mios internacionais como aclamado 25º Prêmio de Correspondentes de Guer-
ra Bayeux-Calvados. É uma imagem forte... Você concorda?
Também preciso lhe dizer algo a mais sobre a pessoa nessa foto: o nome
dele é Saber Al Ashqar, teve as pernas amputadas após um bombardeio isra-
elense à Faixa de Gaza, em 2014, e tinha à época da foto 29 anos de idade.
Tinha?
Sim. Ele foi dado como assassinado pelos israelenses naqueles dias de
maio de 2018 e outras fotos surgiram apresentadas como sendo de seu funeral
em Gaza. O que aconteceu, Ghassan, é que os jornais vinculavam a foto que lhe
dei e a do funeral como sendo a mesma pessoa, contudo não era.
Recapitulando, o homem da foto não foi assassinado como disseram os
veículos de comunicação mundo afora. Como poderia se produzir um erro des-
se tipo? Dado que essa foto havia se tornado “famosa” e o homem em questão ser
um cadeirante com ambas as pernas amputadas?
Para que você possa entender isso preciso lhe contar, mais especificada-
mente, sobre quem aparecia nas fotos em um funeral, erroneamente atribuído a
Saber Al Ashqar. As fotos da cerimônia de adeus eram de um rapaz, coincidente-
mente, de 29 anos de idade (30 anos dependendo de outras fontes), também com
ambas as pernas amputadas em consequência, igualmente, de um bombardeio
israelense, andava de cadeiras de rodas na mesma época e região que se encon-
trava Saber Al Ashqar... em maio de 2018 na Faixa de Gaza.
Você pode estar ficando confuso ou me achando confuso? Calma. Escla-
recerei melhor.
O funeral em questão era de um homem de nome Fadi Hassan Abu Salah.
Ele havia perdido as duas pernas em uma amputação traumática para lhe salvar
a vida após um bombardeio israelense na Faixa de Gaza, como Saber Al Ashqar
identicamente o foi, mas o ano noticiado era distinto: 2008. Mais uma vez se
181
produziu um erro, pois ambos factualmente foram vítimas dos bombardeios de
2014. Você deve estar pensando o porquê desse novo erro? Aqui preciso fazer
uma digressão sobre a Faixa de Gaza, pois ela não é a mesma que você conheceu,
Ghassan. Só assim, creio que ficará mais clara a razão desse segundo equívoco.
O território agora se restringe a 41 quilômetros de comprimento por 6 a 12
quilômetros de largura e concentra 1,9 milhões de pessoas sendo, atualmente, a
maior densidade humana por Km² do planeta. Ela se tornou uma imensa prisão
a céu aberto, um verdadeiro campo de concentração gigantesco, todo sitiado por
terra, ar e mar. Pior, Ghassan, é um laboratório tenebroso em que seres humanos
são cobaias para testes de armamentos de guerra e equipamentos de controle
populacional. Essa execrável situação construída e planejada, milimetricamente,
pelos sionistas produziu dezenas
e dezenas de experimentos
macabros sobre o povo palestino.
Entre esses estão os sucessivos
bombardeios à Faixa de Gaza em
2008, 2012, 2014, 2021 e 2022.
São tantos que é compreensível
a confusão, acerca de qual
bombardeio gerou a amputação
dos nossos dois cadeirantes,
concorda comigo? Agora,
isso não explica o porquê de
tantos bombardeios, também
há de concordar comigo? Para
entender esses acontecimentos Mapa da Faixa de Gaza
tenho que lhe falar sobre a função
social da guerra para Israel.
Muito mudou de sua época para os dias de hoje, Ghassan. Se a expansão
em guerras de alta intensidade foi a tônica israelense, de 1948 até 1967/1973,
depois continuou em baixa intensidade, permanentemente até os dias de hoje,
182
nesse processo de expansão lenta, contudo confinado ao território histórico da
Palestina em uma limpeza étnica, cultural, histórica, patrimonial, arqueológica
da existência do povo palestino. Dessa forma, a expansão foi a primeira função
evidenciada. Você vivenciou na pele essas incursões que fabricaram assassina-
tos, chacinas, tristezas e refugiados. Visivelmente, Ghassan, outro papel é o uso
de armas e técnicas novas nesses momentos de alta intensidade contra a Faixa
de Gaza, como serve também à repressão e à tentativa de controle das forças de
resistência e libertação nacional palestinas. Dessa maneira, inovação tecnoló-
gica de guerra, controle, evidenciamento da real força de resistência e liberta-
ção do povo palestino foram a segunda e terceira funções evidenciadas. Esses
ataques, em alta intensidade, também servem para coesionar, internamente, os
israelenses pelo ódio aos palestinos, além de servir como forma de recruta-
mento e treinamento militar de combate, visto que o exército israelense aplica,
fundamentalmente, uma ação de polícia colonial. Desse jeito, a coesão do teci-
do social heterogêneo interno israelense pelo ódio ao colonizado, associado ao
treinamento militar maciço constituem a quarta e quinta funções evidenciadas.
A sexta função é manter a tensão interna e o clima belicoso para obter consen-
sos dos mais variados. Não é à toa que em épocas eleitorais e diante de crises
internas os ataques contra Gaza funcionam como uma antessala de novo acordo
interno ou uma cortina de fumaça. A sétima função é um dos propósitos da
existência desse enclave colonialista no Oriente próximo: sabotar, desestabilizar,
assassinar lideranças políticas, vigiar, infiltrar agentes, atos de terrorismo etc. em
toda a região, servindo aos interesses do imperialismo.
Além do mais suponho, Ghassan, que a data de 2008 foi noticiada, equi-
vocadamente, como sendo aquela em que Fadi Hassan Abu Salah teria sido gra-
vemente ferido, pois foi uma das ações mais genocidas de Israel. Por isso, lhe
conto mais sobre ela. De dezembro de 2008 a janeiro de 2009, Israel perpetuou
mais um gigantesco crime contra Gaza, se valendo desta vez, até mesmo de ar-
mas químicas. Dá para acreditar, Ghassan? Usaram fósforo branco e as imagens
das queimaduras químicas sobre os corpos de civis são atrozes. Acho, inclusive,
impróprio mostrá-las nessa carta além, é claro, de ser repugnante. Espero que
183
você me entenda. Deixaram mais de 1400 mortos e milhares de feridos, en-
tre esses últimos se noticiou, erroneamente, Fadi Hassan Abu Salah. É comum,
você bem sabe, aos bombardeios desse tipo multiplicarem feridos com sequelas
permanentes e a nossa velha Gaza é um reduto desses. São milhares e milhares
de amputações e deformações em mãos, braços, pés, pernas, olhos, surdos, quei-
mados, etc. Mais uma criação nefasta de Israel!
Voltemos a história que lhe contava. Esse último rapaz, Fadi, era filho de
refugiados, assim como você, Ghassan. Tinha perdido a perna como Nádia, fato
mencionado em sua poderosa e magnífica “Visão de Gaza”, que sintetiza muito
bem você e aqueles da sua geração que optaram em ficar e lutar pela Palestina.
Você deve estar se perguntando: o quê dois homens, em cadeiras de ro-
das, com ambas as pernas amputadas, localizados na Faixa de Gaza, próximo à
linha de fronteira, em maio de 2018... estavam fazendo ali?
Para isso, meu querido Ghassan, tenho que lhe revelar que eles não es-
tavam sozinhos, e mais, tenho que lhe explicar a Grande Marcha do Retorno.
Após tanto tempo inventando e reinventando formas de resistir e de lutar, o
povo palestino criou um movimento lindo para lembrar os 70 anos da Nakba,
protestar contra a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém e reafirmar
o seu direito inalienável de retornar a seu território original. Essa linda Marcha
se iniciou em 30 de março, o Dia da Terra Palestina, que recorda o ano de 1976,
quando no norte da Palestina camponeses reagiram ao roubo contínuo de suas
terras por parte de Israel. A Grande Marcha do Retorno, já lhe explico pron-
tamente, não era composta apenas por amputados fisicamente como Saber Al
Ashqar ou Fadi Hassan Abu Salah, mas por centenas e milhares de palestinos
na Faixa de Gaza, acompanhados na Cisjordânia e nos campos de refugiados
dos países árabes circunvizinhos. Apesar da afirmação acima, Ghassan, já foi
dito que o exílio é uma sensação permanente de falta, de um vazio de algo que
lhe é fundamental, é uma incompletude... uma “amputação”, metaforicamente,
falando. Nesse sentido, a Grande Marcha do Retorno congregou milhares de
palestinos que são também amputados, física e/ou metaforicamente.
184
A resposta sionista foi a mesma de sempre: violência e mais violência,
morte e mais morte. O nosso Fadi Hassan Abu Salah foi assassinado, em 14 de
maio de 2018, uma segunda-feira, o dia mais sangrento de ataques à Grande
Marcha do Retorno, totalizando 61 mortos em um único dia. Atiraram em uma
pessoa de cadeira de rodas! Dá para acreditar nisso? Como sempre invocaram
a carta preferida para esconder os crimes, a tal “segurança de Israel”, atribuíram
a Fadi e aos outros 60 assassinados a pecha de terroristas perigosos. Um cadei-
rante com ambas as pernas amputadas carregando uma bandeira da Palestina
era uma ameaça iminente a segurança de Israel – segundo eles. Ghassan, ele
foi morto em Abasan Al Jadida, perto de Khan Yunis, ao sul da Faixa de Gaza,
com o disparo efetuado por um atirador de elite em seu peito, enquanto rezava
embaixo de uma árvore! Fadi deixou a mulher, Amina Abu Salah e cinco filhos,
sendo três meninos e duas meninas.
Atiraram em uma pessoa de cadeira de rodas enquanto rezava! Dá para
acreditar nisso, Ghassan?
Ele não foi o único. Naqueles dias as cenas de assassinatos à céu aberto
eram aterrorizantes. Os números de mortos e feridos aumentavam de hora em
hora, pessoas desarmadas, em um protesto pacífico sendo abatidos como “in-
setos”. Naquela segunda-feira, de 14 de maio, já se somavam um total de 118
mortos e mais de 1800 feridos. As cifras, nesses casos, sempre escondem mais
do que revelam e deixam ocultos nomes, idades, parentescos, laços de amizade,
relações amorosas, enfim histórias de vida e as sequelas que ficarão para sempre.
Bestialmente, os sionistas continuaram perpetrando crimes até mesmo
contra um bebê... Sim, Ghassan! Dá para acreditar nisso? Um bebê foi envene-
nado com gás lacrimogêneo. As reportagens escondiam essa história entre as
cifras ou, raramente, citavam “um bebê”. Mais um palestino sem nome e sem
história que a mídia cúmplice desinforma, em oposição às dramáticas e longas
reportagens das “vítimas israelenses”. Esse é um papel teatral que conhecemos
muito bem dos sionistas, sempre se apresentando como eternas vítimas, quando
na verdade são somente carrascos sádicos e cínicos.
185
Foto do funeral de Fadi Hassan Abu Salah, incorretamente,
associado à famosa foto de Saber Al Ashqar
186
A criança se chamava Laila Anwar Al Ghandour, uma menina de apenas
oito meses de idade, cuja a família era do campo de refugiados de Al Shati,
na Faixa de Gaza. Laila... é também o nome de sua filha, Ghassan. A mãe da
criança a havia deixado adormecida junto a parentes a mais de um quilômetro
da fronteira, no que considerou ser uma distância “segura” das manifestações.
Não existe essa certeza para nenhum palestino sob colonização. Segurança é
uma palavra sempre relativa para os palestinos sob limpeza étnica israelense. A
quantidade imensa de gás lacrimogênio lançado naquele dia terrível, segunda-
feira 14 de maio de 2018, transformou toda a região em uma espécie de enorme
câmara de gás aberta. Foi assim que executaram a pequena Laila. Ghassan... não
lhe parece que as crianças palestinas, antes mesmo de saber quem são, já carregam
o fardo de onde nascem? São tratadas pelo colonizador como potenciais adultos
palestinos e assim, corriqueiramente, torturadas, presas e assassinadas.
Diante daquele festival diabólico e indigno conduzido pelos israelenses,
esses não escondiam a satisfação por cada morte, comemoraram como cães se-
dentos por sangue. Isso porque durante os dias da gloriosa Grande Marcha do
Retorno, os militares israelenses testaram novos dispositivos e armas, entre elas
a chamada “chuva de gás lacrimogêneo”, que intoxicou a pequena Laila.
Você deve estar se perguntando: Como aqueles que se classificam na con-
dição de “ocidente político”, de maneira geral, reagiram a tudo isso?
Da maneira de sempre Ghassan, diante do trágico se retira da vítima sua
humanidade e, assim se torna aceitável, o horror como algo trivial. Você sabe
mais do que ninguém que essa foi a forma deles de “resolução” do trágico na
modernidade, não reconhecendo a tragédia, pela desumanização do outro. Os
palestinos foram vítimas dessa ação. Como no livro de Franz Kafka em que a
personagem Greta Samsa não reconhece, em determinado momento, humani-
dade em seu irmão “metamorfizado” e, assim, pode pedir para varrê-lo para fora
como a um “inseto” qualquer. A “metamorfose” que os palestinos sofreram é o
orientalismo que os apresenta como seres incapazes, menores, agressivos, vio-
lentos, terroristas, irracionais, etc. Com essa falsa imagem construída fica fácil
aceitar seus assassinatos e varrê-los em uma limpeza étnica à céu aberto, à luz do
dia e a olhos vistos.
187
Início da chuva de gás lacrimogêneo- Foto de Mahmud Hams
Isso, obviamente, nada tem em comum para eles com o horror do assassi-
nato de milhares de europeus que professavam o judaísmo cometido por outros
europeus, durante a Segunda Guerra. Tanto que registraram protestos em livros,
filmes, palestras, museus, memoriais, etc. sobre tal tema. É um horror que tem
nome (holocausto), as vítimas têm suas histórias humanas contadas e se nega a
“metamorfose” produzida pelo nazismo. Aquela que dizia que o europeu judeu é
portador de todas as maldades. Contudo, meu caro Ghassan, para os palestinos
que, notoriamente, não são europeus, o destino é o apagamento dos horrores por
eles sofridos. Nada diferente do destino comum dos demais povos originários
vítimas do colonialismo desses mesmos europeus nas Américas, África e Ásia.
188
Não lhe parece ironia da histó-
ria, Ghassan, que as falsas e ca-
luniosas acusações nazistas em
parte tenham se transformado
em verdades pelas mãos dos
judeus sionistas na Palestina?
Sabemos quantas e quantas
maldades esses colonizadores
fizeram e fazem na terra santa.
Não existe o trágico, não
existe limpeza étnica, nem ge-
nocídios, os eventos históricos
não possuem nomes, tam-
pouco as vítimas têm nomes e
histórias de vida. A vítima no Foto de Laila Anwar Al Ghandour
190
Apesar disso a questão permanece: se ele não nutria tolas ilusões e nem
se auto enganava na correlação de forças desproporcionais que tinha à frente; se
tinha clareza na incongruência dos seus instrumentos, uma velha e débil cadeira
de rodas e um estilingue caseiro, para a tarefa de libertar a Palestina inteira e se
compreendia, minimamente, a seu modo as exigências de uma práxis revolucio-
nária... por que ele continuava a arremessar pedras, Ghassan?
Dito de outra forma: Por que não abdicou da luta diante da falta de instru-
mentais apropriados e eficientes? Ou dada a correlação de forças estar momen-
taneamente desfavorável? Por que não reduziu a sua luta a um pretenso realismo
político? Por que não optou pela prudência como conselheira?
Imagino que todas as lutas de libertação colonial que triunfaram, e mais
ainda as revoluções sociais vencedoras, tenham em algum momento se apresen-
tado como tarefas impossíveis ou improváveis para a prudência de um tipo de
realismo político covarde, que se multiplica na esquerda em todo o planeta. Sob
o pretexto de um realismo que sempre restringe as possibilidades, o que se faz é
se acomodar e se adequar as demandas do Capital em uma esquerda da ordem
ou da regra do jogo. Esse nunca foi nosso caminho, Ghassan. Arrisco a dizer que
nenhum revolucionário foi chamado de prudente na história.
Quanto ao nosso Saber Al Ashqar, não sei ao certo a resposta meu amigo,
nunca cheguei a conversar com ele, mas gosto de pensar que compreendeu a sua
literatura. Digo isso, pois que ele descobriu, a seu próprio modo, que poderia
sobreviver sobre uma velha e débil cadeira de rodas em uma vida desfeita pela
colonização sionista ou optar por lutar contra ela. O que inclui a possibilidade
real da morte, assassinato, tortura e o que nos remete ao seu personagem Ab-
dul-Jabbar, na peça teatral “Breve conclusão”, em que o mesmo clarividenciou:
“Mais importante (...) É achar um nobre ideal, antes da morte.”
Além de ter um nobre ideal para se viver, existem momentos na história de
um indivíduo e mesmo de um povo, em que a morte não é antagonizada pela vida,
mas pela luta. É como se só está vivo realmente quem luta, como o pássaro do seu
conto “Muros de Ferro”.
191
Além do mais é preciso ter clareza que as configurações políticas, que sus-
tentam Israel regional e mundialmente, mudarão e que a história está aberta. Há
momentos em que um povo deve resistir para que no passo seguinte possa der-
rotar o inimigo. Nesse quesito nenhum povo, no século XX, foi mais bravo do
que os palestinos, que enfrentaram uma colonização de substituição apoiada por
vários impérios. Apesar de todo o esforço empregado por esses para apagarem
da existência o povo palestino, não conseguiram e nem conseguirão. O povo
palestino me lembra o velho, sábio e sereno Ho Chi Minh que compreendia que
venceria todos os impérios e a colonização, somente com um povo unido na
luta. Sem luta não há existência e nem tampouco libertação.
Para a história de um povo é fundamental também que a geração pre-
sente saiba que os seus do passado lutaram – esse é o legado precioso a ela re-
passado. É a ligação necessária para contar a história a contrapelo, para salvar
a memória dos que lutaram e lutam pela libertação. A geração presente pre-
cisa dessa certeza do passado, que a dignifica e orgulha no presente, pois são,
fundamentalmente, os que não se resignaram que servem de exemplo para o
presente, os outros são esquecidos.
Quando examinamos o conteúdo de todos esses legados existem aqueles
que se sobressaem. Por sua capacidade de projetar não uma Palestina do pas-
sado que se perdeu, mas uma de um futuro solidário, fraterno, amoroso, com
equidade, sem exploração e sem opressões de todos os tipos. Uma Palestina
que é sinteticamente antítese de Israel. Capaz de radiar valores generosos para
os demais árabes, outros povos da região como os persas, turcos entre outros...
para o mundo todo. Essa poderosa visão de uma Palestina socialista é um legado
precioso que você ajudou a nos deixar, meu querido Ghassan.
É isso que imagino que Saber Al Ashqar compreendeu: ter na digna e
linda causa palestina o seu nobre ideal, lutar para antagonizar a morte como
produto do vil colonizador e como condição necessária para vencê-lo, por fim,
se impregnar do legado precioso do passado de luta do nosso povo como fonte
inspiradora do presente. É exatamente essa conjunção que sinteticamente melhor
192
lhe representa para mim, Ghassan Kanafani. Nesses 50 anos de seu martírio,
lanço luzes no seu legado precioso, que é exemplo vivo na memória e no coração
dos que lutam no presente por um nobre ideal onde quer que estejam.
P.S: Ghassan quero que saiba de duas coisas: primeiro que voltei a estudar o
idioma árabe e espero de coração que em nosso próximo encontro já consiga falar com
desenvoltura e, segundo, que vou publicar essa carta, pois acho que devem existir leitores
desejosos em ter um encontro como esse. Espero que possa inspirar as cartas deles
para você e, assim quem sabe, publicarmos, em um futuro breve, um livro de Cartas a
Ghassan Kanafani.
193
A chave
Homenagem a
Ghassan Kanafani
194
Perseguiram suas pegadas
como uma caça desejada.
Queriam calar-lhe
a voz de protesto, lucidez
e sua literatura combatente.
195
Quebrar, para sempre, sua esperança
de libertação.
Ghassan,
você é a chave que nos liberta!
196
O verbo
Homenagem a
Ghassan Kanafani
197
Conjugue um verbo precioso para todos os palestinos –
diz o professor.
O aluno responde:
Eu resisto
Tu resistes
Ele resiste
Nós resistimos
Vós resistis
Eles resistem
Ótimo!
Parabéns!
198
Conjugue um verbo que congrega o significado
de resistir, lutar, libertar e construir uma sociedade
equânime, fraterna, solidária e justa
na Palestina.
199
O escritor
de Akka
Homenagem a
Ghassan Kanafani
200
Sou
escritor
dos mortos
em batalhas,
dos torturados,
dos refugiados,
dos bombardeados,
dos presos políticos.
Faço
da minha voz
a dos outros
Sou escritor
do meu povo
de sangue árabe
espesso e grosso
da montanha e do deserto.
201
Sobretudo
sou escritor
da profecia.
E como tal
condiciono os caminhos do presente
ao futuro desejado.
Se, e somente, se
continuarmos a luta
seremos livres!
202
Cartazes em
homenagem
a Ghassan
Kanafani
203
Artista: Ismail Shammout
204
“Voltar a escrever histórias? Eu escrevo bem
porque acredito em uma causa, em princípios.
No dia em que eu deixar estes princípios, as
minhas histórias ficarão vazias.”
Ghassan Kanafani
205
Tradução do árabe: Festival / Primeiro aniversário do
martírio do herói Ghassan Kanafani – 1973.
Autor: desconhecido.
206
O texto em árabe são títulos literários de
Ghassan Kanafani – 1977.
Autor: Jamal Al Abtah.
207
Tradução do árabe: “Ghassan Kanafani - O julgamento ...
a testemunha e o mártir” – 1980.
Autor: Marc Rudin.
208
Nona comemoração do martírio do camarada Ghassan – 1981.
Publicado pela Frente Popular de Libertação da Palestina.
Autor: Marc Rudin.
209
“O homem das cartas” – 1990.
Autor: Adnan Al Zubaidy (1951-2007).
.
210
“Um homem de literatura” – 1995.
Autor: Adnan Al Zubaidy (1951-2007).
.
211
Tradução árabe: “O ser humano, no fundo, é a causa.”
Frase de Ghassan Kanafani – 2012.
Autor: desconhecido
212
Tradução do árabe: “Ghassan Kanafani - De tenda
em tenda para defesa” – 2012.
Autor: Hafez Omar.
213
Tradução do árabe: “Com nosso sangue
escrevemos pela Palestina” – 2012
Autor: desconhecido
214
Tradução do árabe: “Estou falando
de liberdade ...e a liberdade é em si a
recompensa” – 2016.
Autor: Qasem Abdelqader.
215
Kanafani: 46º do Martírio – 2018.
Autor: Charbel Barakat.
216
2018
Autor: Nidal El Khairy.
217
“O imperialismo colocou o seu corpo sobre o mundo.
Onde quer que você o atinja, o fira, estará servindo a
revolução mundial - Ghassan Kanafani” – 2020.
Autor: Danya Zituni.
218
Cultura da resistência – 2021.
Autor: Kyle Goen.
219
Ancestrais - Kanafani – 2021.
Autor: Zelda Edmunds.
220
Cartaz em homenagem aos 50 anos do martírio de
Ghassan Kanafani – 2022.
Autor: Movimento pela Libertação da Palestina – Ghassan
Kanafani (MLP – Ghassan Kanafani).
221
Cartaz em homenagem aos 50 anos do martírio de
Ghassan Kanafani – 2022.
Autor: Movimento pela Libertação da Palestina – Ghassan
Kanafani (MLP – Ghassan Kanafani).
222
Cartaz em homenagem aos 50 anos do martírio de
Ghassan Kanafani – 2022.
Autor: Movimento pela Libertação da Palestina – Ghassan
Kanafani (MLP – Ghassan Kanafani).
223
Cartaz em homenagem aos 50 anos do martírio de
Ghassan Kanafani – 2022.
Autor: Movimento pela Libertação da Palestina – Ghassan
Kanafani (MLP – Ghassan Kanafani).
224
Cartaz em homenagem aos 50 anos do martírio de
Ghassan Kanafani – 2022.
Autor: Movimento pela Libertação da Palestina – Ghassan
Kanafani (MLP – Ghassan Kanafani).
225
226
Parte 2
227
Lembranças
sobre
Ghassan
Kanafani
228
Artista: Nabil Anani
229
“Nós escrevemos com o sangue pela Palestina.”
Ghassan Kanafani
230
Ghassan Kanafani –
por Anni Kanafani
231
O texto que se segue foi publicado 1 ano após o assassinato
de Ghassan Kanafani e se trata de um relato de sua viúva Anni
Kanafani. Nele temos uma síntese biográfica de ambos, relatos
da intimidade da família e a descrição dos últimos momentos
de vida de Ghassan e Lamis (sua sobrinha).
O objetivo é nos familiarizarmos com a história de vida
de Ghassan Kanafani e ampliarmos nossa visão sobre as outras
dimensões de sua existência para além da política.
Nota do organizador
232
Ghassan Kanafani1
4-Primeira marcha, ocorreu no dia 7 de abril de 1958, com cerca de 15 mil pacifistas
protestando diante do centro de pesquisas nucleares de Aldermaston contra a
construção e o emprego de armas atômicas. Iniciando assim a tradição das chamadas
“Marchas de Páscoa”, com forte apelo pela paz e contra as armas nucleares durante a
guerra fria.
5-O Movimento Nacionalista Árabe (MNA) foi uma organização nacionalista pan-
árabe influente em grande parte do mundo árabe , particularmente, no movimento
palestino e libanês . Fundada por estudantes da Universidade Americana de Beirute
tendo como referências George Habash e Wadie Haddad.
6-Não há nenhum artigo na Carta das Nações Unidas que permita a partilha de qualquer
país contra a vontade de seu povo. A partilha da Palestina foi única na história das
Nações Unidas – é o primeiro e único exemplo. (Nota do original)
235
votarem a favor. Assim, o Estado colonialista de Israel se implantou forço-
samente no limiar do emergente Terceiro Mundo, sem obter o reconheci-
mento voluntário de um único Estado árabe, africano ou asiático, além da
África do Sul, racista do regime do aparthaid.
Em seguida, Ghassan começou a me contar sobre sua amada Palestina
e como foi forçado a deixá-la, em 1948, junto com seus pais e cinco irmãos.
Ele nasceu em Akka, no dia 9 de abril de 1936, no início da revolta ára-
be palestina contra as forças sionistas e a autoridade do Mandato Britânico.
Durante este tempo, os árabes palestinos fizeram uma greve geral - talvez a
mais longa da história - que durou meio ano. Quando, em 1939, a revolta foi
reprimida, 5.032 árabes foram mortos e 147.760 feridos, enquanto 110 foram
enforcados pelas autoridades britânicas.
Ghassan me contou sobre terrorismo israelense, como forçaram seu
povo a sair. Sua cidade natal, Akka, havia sido atribuída, de acordo com o
plano de partilha das Nações Unidas, aos árabes, contudo, como muitas
outras cidades e aldeias árabes, foi conquistada pelas forças sionistas e seus
habitantes expulsos pela força física ou psicológica.
Os árabes da Palestina estavam naquele momento em pânico após o
massacre da pacífica e desarmada aldeia Deir Yassin. Uma testemunha ocu-
lar, representante da Cruz Vermelha, Jacques de Reynier, relata como 254
mulheres, crianças e velhos foram, deliberadamente e a sangue frio, massa-
crados e muitos de seus corpos jogados em um poço pelos grupos terroristas
sionistas de nomes Irgun e Stern7.
As autoridades sionistas oficiais qualificaram o massacre como um “in-
cidente”. O Irgun, cujo líder Menachem Begin8, mais tarde integrou vários
governos israelenses, convocou uma entrevista coletiva para anunciar a ação,
enquanto os aldeões capturados, sobreviventes de Deir Yassin, foram despi-
dos e desfilaram nus pelos bairros judeus de Al Quds para serem cuspidos.
9-Menachem Begin. A revolta (New York: Henry Schuman, 1953). (Nota do original)
10-Sir John Bagot Gkubb em Um soldado com os árabes (New York: Harper and
Brothers, 1957). (Nota do original)
11-Lídice é uma pequena cidade da antiga Tchecoslováquia, hoje República Tcheca,
famosa durante a Segunda Guerra Mundial quando foi totalmente destruída e a
grande maioria de seus habitantes assassinados, em junho de 1942, pelos alemães
nazistas como vingança pela morte de seu comandante e segunda maior autoridade
na SS nazista, Reinhard Heydrich. Lídice se tornou um símbolo da crueldade nazista
durante a guerra e diversos países batizaram cidades e vilas com o seu nome, para que
ela jamais fosse esquecida.
12-O massacre de My Lai foi um assassinato em massa de civis vietnamitas desarmados
por tropas dos Estados Unidos no distrito de Sơn Tịnh, província de Quảng Ngãi,
Vietnã do Sul. Considerado um dos tantos crimes de guerra dos Estados Unidos, em
16 de março de 1968, cerca de 504 civis vietnamitas inocentes, sendo 182 mulheres (17
grávidas) e 173 crianças, foram executados com requintes de crueldade por soldados
do exército dos Estados Unidos.
237
tinuaram a fugir, as mulheres e as crianças em primeiro lugar – os homens fi-
caram para defender as cidades e aldeias. Logo Jaffa, Haifa, Lydda etc... foram
“limpas” (a palavra é de Yigael Allon) de sua população árabe.
Quando a família de Ghassan foi expulsa da Palestina, saíram de mãos
vazias. Seu pai escolheu ficar em uma pequena vila libanesa, Ghazie, perto da
fronteira. Queria estar entre os primeiros a voltar para casa após os combates,
como todos os refugiados se tornaram autorizados a fazer de acordo com
a Resolução das Nações Unidas sobre Refugiados Palestinos (194,III, 11 de
dezembro de 1948). Todos sabemos que isso não aconteceu. As autoridades
israelenses não permitiram que nenhum árabe palestino retornasse. Os sio-
nistas queriam o país, mas não seu povo, e assim foi desde o início.
O pai de Ghassan mudou-se com toda a família para uma aldeia nas
montanhas, Zabadanie, na Síria. A vida ali era dura, fome e frio era a dieta di-
ária. Mais tarde, se mudaram para Damasco. O irmão mais velho de Ghassan
e ele começaram a montar livros de bolso para ganhar um pouco e ajudar no
sustento da família de oito membros e de outros oito parentes, que moravam
juntos. Depois de um tempo, ambos continuaram seus estudos na escola no-
turna, trabalhando durante o dia.
Naquela época, tinha treze anos. Sua irmã Fayzeh (mãe de Lamis) ob-
teve seu diploma de ensino médio e, em 1952, foi para o Kuwait, onde se
tornou uma das primeiras professoras do país, sendo uma das muitas palesti-
nas a contribuir para o desenvolvimento dos países árabes como professoras,
engenheiros, médicos, etc.
Depois de passar seu alistamento militar aos dezesseis anos, Ghassan
começou a ensinar em uma escola da UNRWA13 (Agência das Nações Unidas
de Assistência aos Refugiados da Palestina); junto com outro professor foi
responsáveis pelo ensino de 1.200 crianças refugiadas palestinas, porém seu
objetivo mais importante era conscientizar as crianças politicamente.
13-A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente
(UNRWA ) é um órgão da ONU, fundado 8 de dezembro de 1949, em apoio aos
refugiados palestinos. Sua ação abrange as crianças deslocadas na Guerra da Palestina
de 1948 e os conflitos subsequentes, bem como seus descendentes. Pelos dados de
2019, mais de 5,6 milhões de palestinos estão registrados na UNRWA como refugiados.
238
Setenta por cento dos alunos de Ghassan na escola da UNRWA se tor-
naram guerrilheiros.
Antes de ingressar na escola da UNRWA, Ghassan trabalhava como
aprendiz em uma gráfica, em Damasco. Em 1955, se tornou membro do
MNA após ser convidado a trabalhar como editor do jornal Al Rai e na im-
pressão do mesmo.
No ano seguinte, juntou-se a sua irmã Fayzeh e a seu irmão Ghazi, no
Kuwait. Os três enviavam a maior parte de seus salários para a família em Da-
masco, assim a família tinha uma renda mensal para o sustento. Nesse meio
tempo, seu pai obteve a permissão para exercer advocacia, em Damasco, local
em que a maioria de seus clientes eram palestinos e pobres.
Durante os seis anos seguintes, no Kuwait, Ghassan continuou seu tra-
balho político. Estava ensinando arte e esporte, e de fato, aqueles anos prova-
ram ser uma parte muito importante de sua vida. Todo o seu tempo livre era
gasto pintando, escrevendo e lendo, principalmente política: Marx, Engels,
Lenin e outros. Em 1960, o Dr. George Habash convenceu Ghassan a deixar
o Kuwait para Beirute para trabalhar no Al Hurriah.
Desde os primeiros dias, em que encontrei Ghassan me senti conforta-
da por um ser humano excepcional. Nosso relacionamento evoluiu através da
causa palestina para um relacionamento pessoal. Apesar de uma situação in-
segura, como palestino, Ghassan não tinha passaporte, nem permissão para
trabalhar, não tinha dinheiro e, o pior de tudo, sofria de uma doença incu-
rável, diabetes. Logo percebemos que só a morte seria capaz de nos separar.
Comecei a dar aulas no jardim de infância. Dois meses depois da
minha chegada ao Líbano, nos casamos e não nos arrependemos. Como a
maioria dos outros palestinos, tivemos dificuldades econômicas e outras.
Em janeiro de 1962, quando a situação política era particularmente instá-
vel, Ghassan teve que permanecer escondido em casa por mais de um mês
por causa da falta de documentos oficiais. Nesse período, escreveu o ro-
mance Homens ao sol, que mais tarde se tornou conhecido em quase todo
o mundo árabe e o dedicou a mim.
239
Ghassan traduzia todos os seus romances e contos para mim enquanto
os escrevia, e também me familiarizei com seus escritos políticos. Sua
compulsão para escrever era ilimitada. Era como se tivesse uma fonte de
palavras e ideias das quais ele queria preencher página após página sobre a
Palestina, seu país e seu povo. Estava sempre ocupado, trabalhando como se
a morte estivesse ao virar da esquina. Ghassan era pintor e designer também.
Uma de suas pinturas desse período mostra o homem crucificado no tempo...
Fui muito influenciada pelas ideias de Ghassan, mas nunca por im-
posição. O mesmo acontecia com nossos amigos estrangeiros, que desco-
bririam a causa palestina por meio dele. Muitos, mais tarde, assumiram a
causa em seus próprios países. Minha relação com a família de Ghassan,
tornou-se muito próxima desde o início, me acolheram com toda hospita-
lidade e cordialidade. Passei a amá-los muito.
Nossa vida de casados foi baseada em confiança, respeito e amor, por
isso sempre foi significativa, bonita e forte. Nosso primeiro filho, um meni-
no, nasceu em 24 de agosto de 1962. Fayez – que significa Victor – recebeu o
nome de seu avô paterno.
Ghassan estava agora mais ocupado do que nunca e, completamente,
envolvido em seu trabalho como escritor e jornalista e, em 1963, lhe oferece-
ram o cargo de editor-chefe de um novo diário, Al Muharrer, representante
de forças nasseristas e progressistas. O jornal logo se tornou o segundo diário
no Líbano e também foi amplamente distribuído para outros países árabes.
Trabalhou por cinco anos neste jornal, ao mesmo tempo em que publicava o
semanário Falastina, o braço palestino da MNA.
Durante 1963-64, a MNA estava a caminho do socialismo científico e,
em 1964, decidiu se preparar para a luta armada na Palestina. Pouco depois, o
primeiro grupo de guerrilheiros foi estabelecido, embora no início não fosse
sensato realizar operações militares, mas contatar os árabes em Israel e criar
uma base para a luta armada que se aproximava.
A MNA logo daria seus primeiros mártires na luta pela libertação da
Palestina. Ghassan dedicou seu romance Tudo o que resta para você (mais
240
tarde receberia o prêmio de literatura libanesa de 1966) a um desses mártires
Khaled Al Haj – “o primeiro a voltar e que ainda está marchando”.
Em 1965, Ghassan foi oficialmente convidado para ir à China e à Índia,
onde conheceu o Ministro do Exterior chinês Chen Lee, o Primeiro-ministro
indiano Shastri e outros líderes políticos desses países. Discutiu o problema
palestino com eles e sem dúvida foi muito influenciado por esta viagem.
Depois de sua segunda viagem à China, participou da Conferência de
Escritores Afro-asiáticos. Fayez, de 4 anos, ganhou uma linda irmãzinha, em
1966. Nós a chamávamos de Laila, em homenagem à heroína de uma das his-
tórias mais famosas do folclore árabe. Laila também é um nome escandinavo,
comum entre os lapões ao norte do Círculo Polar Ártico.
Ghassan adorava seus filhos e comumente escrevia sobre eles. Mesmo
que seu tempo conosco fosse limitado, costumava brincar com as crianças e
lhes ensinava muitas coisas. Raramente perdia a paciência e nunca os batia.
Tinha um imenso prazer com a companhia deles e se estendia para incluir
seus amigos, muitas vezes os levava para o cinema ou participava de suas
brincadeiras em casa.
Uma semana antes da Guerra de Junho de 1967, a mãe de Ghassan
morreu subitamente de ataque cardíaco, em Damasco. Embora o amor por
sua mãe fosse muito real, não derramou uma lágrima durante o funeral,
em vez disso, tentou encorajar seu pai e toda a família. Contudo no
caminho de volta para Beirute, Ghassan desmoronou e pela primeira vez
vi lágrimas em seus olhos. Da mesma forma, quando o presidente Nasser
anunciou sua renúncia, após a Guerra de Junho, o que fez muitas pessoas
perderem a esperança. Ghassan se recusou a sucumbir ao derrotismo.
Em momentos críticos, era incrivelmente forte e tentava dar um pouco
dessa força aos outros. Somente mais tarde expressaria seu sentimento em
escritos políticos e literários.
Nunca tive dúvidas de que Ghassan havia escolhido o caminho correto.
Se tivesse tentado impedi-lo de sua luta e compromisso revolucionário, ainda
poderia ser meu marido, mas não a boa pessoa honesta que eu amo e admiro.
241
Fiz o meu melhor para me juntar a Ghassan e sua luta. Fiz contatos
com pessoas do Ocidente interessadas em saber a verdade sobre a luta pa-
lestina. Uma revista de esquerda dinamarquesa me pediu para escrever um
artigo sobre a Palestina, seria o primeiro de vários. Desde a Guerra de Junho,
escrevi centenas de cartas para velhos e novos amigos na Escandinávia e em
outros países. Uma dessas nossas correspondências foi com o conhecido es-
critor judeu antissionista nos Estados Unidos, Moshe Menuhim (autor de “A
decadência do judaísmo em nosso tempo”). Passamos a considerá-lo como
um de nossos amigos pessoais.
No outono de 1967, Ghassan ingressou no conselho editorial do Al
Amwar, um importante jornal nasserista e se tornou editor-chefe desta
revista semanal. Ao mesmo tempo, começou a desempenhar um papel de
liderança nas atividades informativas palestinas e da FPLP. É fato conhe-
cido que qualquer jornal ou revista para o qual tenha contribuído com
artigos ou editoriais elevaria seus padrões e distribuição rapidamente.
Seus artigos semanais em Al Amwar, “Por detrás das cenas”, devido a sua
análise política precisa, eram regularmente traduzidos pela França e em
outras embaixadas de Beirute.
No entanto, em 1969, Ghassan deixou a segurança de seu emprego no
Al Amwar, para iniciar o semanário político Al Hadaf, mesmo que represen-
tasse uma queda na sua renda. Nunca trabalhou por questões financeiras, sua
inspiração para escrever e trabalhar, incessantemente, foi à luta árabe pales-
tina, a libertação da Palestina. Em julho de 1969, as primeiras edições de Al
Hadaf apareceram com Ghassan como editor-chefe. Estava convencido de
que o jornal transmitiria a mensagem da FPLP e de outras forças progres-
sistas às massas árabes e à opinião pública mundial. Estava certo. Nos dois
anos seguintes, Al Hadaf se tornou um dos melhores semanários políticos do
mundo árabe, onde foi amplamente citado. Muitos de seus artigos e editoriais
foram traduzidos para outros idiomas.
Como teórico político, Ghassan participou da formulação dos progra-
mas políticos e manifestos da FPLP. Grande parte de seu trabalho fazia em
242
casa para estar perto de nós. Muitos de seus artigos e cartazes da FPLP foram
desenhados em casa, com Fayez e Laila como ajudantes dispostos e felizes ao
ver seu pai pintando e desenhando.
Ghassan trabalhou continuamente, contribuindo bastante para Al Ha-
daf. Quando também se tornou porta-voz oficial da FPLP, tinha cada vez me-
nos tempo para mim e para as crianças. Então o tempo que tínhamos juntos
sempre foi muito precioso. Eu não tinha vontade de detê-lo. Diariamente,
seus camaradas davam suas vidas na luta ou acabavam sob tortura nas pri-
sões israelenses. Era seu dever contar ao mundo sobre a Revolução Palestina.
Como o Daily Star colocou em 9 de julho de 1972:
“Ghassan era um soldado que nunca disparou uma arma. Sua arma era
uma caneta esferográfica e sua arena as páginas de jornal. E, mesmo assim,
ele feriu o inimigo mais do que uma coluna de soldados.”
Durante uma ação FPLP de sequestro de quatro aeronaves de com-
panhias ocidentais, não vimos Ghassan por mais de uma semana. Este se
tornou o período mais movimentado em sua ativa vida de porta-voz. Havia
retornado de Amã no último voo, às vésperas do terrível massacre instigado
pelo regime jordaniano contra o povo palestino e seu movimento de resis-
tência, na Jordânia.
Se nenhuma das centenas de correspondentes estrangeiros que ocupa-
vam o então lendário escritório de Al Hadaf, não conseguiram dobrar Ghas-
san em um diálogo, foi porque as respostas que deu sempre foram penetran-
tes, afiadas e precisas. A principal razão é que a causa que estava defendendo,
a luta revolucionária palestina, é justa. Muitos jornalistas e outros que, ho-
nestamente, tentaram entender o conflito no Oriente Médio nos visitaram
em casa, muitos voltaram, alguns se tornaram nossos amigos pessoais.
Ghassan foi um dos que lutou sinceramente pelo desenvolvimento do
movimento de resistência de um movimento nacionalista de libertação Pa-
lestina para um movimento revolucionário socialista pan-árabe, no qual a
Libertação da Palestina seria um componente vital. Ele sempre enfatizou que
o problema da Palestina não poderia ser resolvido, isoladamente, de toda a
situação social e política do mundo árabe.
243
Apesar dos protestos dos sindicatos de escritores e de jornalistas,
Ghassan foi preso em novembro de 1971, por um artigo na Al Hadaf, sobre
o regime reacionário em um determinado país árabe. A imprensa libanesa
registrou seus protestos contra sua prisão em artigos e editoriais.
Por causa de sua doença, passou o encarceramento no hospital da pri-
são, onde teve tempo para ler algumas das peças de Strindbergr e o longo
romance do vencedor islandês do Prêmio Nobel, Halldor Laxness, mas, fora
isso, não conseguia relaxar. Teve que trabalhar e escreveu uma parte de seu
romance inacabado sobre a Palestina. Neste romance, O amante, queria es-
crever sobre toda a luta palestina desde o início contra as autoridades britâ-
nicas e forças sionistas até a presente luta revolucionária pela libertação da
Palestina. Esse projeto estava em sua mente há vários anos. Entrevistou pales-
tinos de toda a Palestina, nos campos e em outros lugares, incluindo os com-
batentes da Revolta Palestina em 1936-39 e que ainda estavam lutando. Havia
planejado terminar O amante durante o verão de 1972. Uma parte dele já está
sendo publicada e, segundo os leitores, é um trabalho forte e comovente.
Além de escrever, pintava muito, principalmente, cavalos. O cavalo
desempenhou um papel importante em algumas de suas histórias e ro-
mances, pois para nós, árabes, disse ele, simboliza beleza, coragem, ho-
nestidade, inteligência, verdade e liberdade. Para mim, o próprio Ghassan
tem todas essas características. Seus cavalos, fez mais de vinte nos últimos
anos, agora estão pendurados nas paredes de nossa família e amigos na
Escandinávia e nos países árabes, nas paredes dos guardas, médicos e en-
fermeiras do hospital da prisão.
A obra literária de Ghassan andou lado a lado com suas atividades
jornalísticas e políticas. Muito antes de sua morte, era considerado um
dos melhores escritores árabes e palestinos. Geralmente, construía toda
a história, romance ou peça em sua mente e só então escrevia tudo em
pouco tempo, fazendo pouquíssimas correções. Todos seus textos foram
manuscritos, nunca fez nenhuma cópia.
244
No Líbano e no mundo árabe em geral, é proibido questionar a religião
e confessionalismo, mas Ghassan, em sua peça Al Bab (“a porta”), conseguiu
fazer isso por meio de uma metafísica árabe que trata da religião e do exis-
tencialismo. Aliás, embora fosse muçulmano e eu cristã, isso não foi obstácu-
lo para nosso relacionamento, pois partilhávamos do mesmo ponto de vista
sobre religião. Em 1964, Al Bab foi traduzido para o francês e apareceu na
revista literária L’Orient em Paris.
O amor de Ghassan pelas crianças foi expresso em sua coleção de con-
tos de 1965, “Um mundo que não é nosso”, dedicado a “Fayez, Lamis e todas
as outras crianças para quem queremos um mundo”. No mesmo ano, publi-
cou “Ensaios sobre a Literatura de Resistência na Palestina”; revelando pela
primeira vez ao mundo árabe a existência de fortes e determinados poetas
árabes palestinos, dentre eles estavam Mahmoud Darwish, Samih Al Kasem,
Tawfik Zayad e vários outros que, mais tarde, se tornaram conhecidos no
mundo árabe e em outros países.
Em 1969, Ghassan escreveu Umm Sa’ad (mãe de Sa’ad) inspirada na
homônima que era uma querida e velha amiga nossa, para ele é o símbolo da
mulher palestina nos campos de refugiados e da classe trabalhadora. O livro
fala diretamente do povo que ela representa, em cujos diálogos, Umm Sa’ad,
é a mulher analfabeta que fala, ele é o intelectual que ouve e faz as perguntas.
Ghassan amadureceu como marxista em sua obra literária. Umm
Sa’ad é escrito por um romancista marxista, mas vinha se desenvolvendo
ideologicamente desde os primórdios da Falastina, de modo que, em seus
últimos anos, também se tornara um analista marxista.
Em 1970, veio seu último romance, Retorno a Haifa, mas deixou dois
romances inacabados e uma peça inédita. Não há dúvida de que Ghassan era
um escritor muito talentoso, reconhecido em todo o mundo árabe. Estou certa
de que um dia esse reconhecimento se estenderá também ao resto do mundo.
Eles o mataram enquanto ainda estava em desenvolvimento, sentiam
que ele era perigoso demais como jornalista, porta-voz, artista e ser humano.
245
O suplemento do Daily Star14, de 16 de julho de 1972, dizia:
“Israel usou o ataque ao aeroporto de Lydda para construir a imagem de
Ghassan como o homem responsável, embora seu campo de trabalho dentro
da FPLP não o tenha envolvido mais diretamente do que os líderes mais anti-
gos. Os israelenses, provavelmente, foram motivados por 2 fatos: primeiro, era
um alvo fácil; segundo, não apenas justificariam (seu assassinato) para o mun-
do exterior, mas também apareceriam como tendo conseguido vingar o ataque
de Lydda”. O mesmo jornal também comentou que a imprensa ocidental, no-
tadamente, o Die Hamburger, Zeitung, La Stampa e The Daily Mail, fizeram o
jogo dos israelenses ao publicar provas falsas do envolvimento de Ghassan na
ação de Lydda, o que dá certa responsabilidade pelo que aconteceu.
Por que tiveram que matar Ghassan dessa maneira?
“Ele era como uma montanha e uma montanha só pode ser destruída
com dinamite”, escreveu um jornal de Beirute sobre ele.
Apenas uma hora após o assassinato, a rádio israelense anunciou que o
porta-voz oficial da FPLP havia sido morto, juntamente com sua esposa, após
a explosão de uma bomba em seu carro.
Os assassinos nos observaram por muito tempo? Sabiam que eu costu-
mava ir ao centro com meu marido todos os sábados? Durante a semana eu
trabalhava em uma escola para crianças com necessidades especiais. Só que
naquele sábado, em particular, não fui com Ghassan. Será que os assassinos
notaram que a garagem costumava ser o playground para todas as crianças
do prédio? Por um acaso as crianças tinham saído naquele dia pouco antes
da explosão. Se o carro tivesse explodido dentro da garagem, uma parte do
prédio teria sido completamente destruída.
Tenho sido uma viúva por quase um ano. O grande apoio moral e aju-
da de nossa família, do movimento de resistência palestino, vizinhos, amigos
conhecidos e desconhecidos de todo o mundo me consolaram muito neste
período. Ainda não é possível para as crianças e para mim acreditar que nos-
so amado Ghassan e nossa querida Lamis não estão mais conosco.
14-O Daily Star era um jornal de Língua Inglesa no Líbano que foi distribuído em todo
o Oriente Médio. Foi fundado 1952 e encerrou suas atividades 2021.
246
O assassinato aconteceu na manhã de sábado, 8 de julho. No dia ante-
rior, Ghassan havia levado Fayez, Lamis, eu e as crianças para a praia. Éramos
oito no carro, poderia ter acontecido naquele dia... na mesma noite voltou
para casa mais cedo, algo que vinha fazendo nas semanas anteriores.
O amor à vida exige violência. Ghassan não era um pacifista. Ele foi
morto na luta de classes como Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Ernst
Thalmann, Lumumba e Che Guevara, como eles, amava a vida. Como eles,
viu a necessidade de violência contra a opressão das classes exploradoras e
apesar das recorrentes ameaças contra sua vida, não foi subjugado.
O movimento de libertação palestino foi forçado a responder à violên-
cia com violência, sacrificando-se em uma luta desigual, enfrentando a morte
todos os dias. Um correspondente ocidental perguntou a Ghassan pouco an-
tes de seu assassinato: “A morte tem algum significado para você?”
“É claro que a morte significa muito. O importante é saber o porquê.
O auto sacrifício, dentro do contexto da ação revolucionária, é uma expres-
são da mais alta compreensão da vida e da luta para tornar a vida digna do
ser humano. O amor pela vida de um indivíduo torna-se um amor pela vida
das massas de seu povo, e a rejeição de que a vida persista em ser cheia de
contínua miséria, sofrimento e dificuldades. Assim, sua compreensão da vida
se torna uma virtude social, capaz de convencer o lutador militante de que
o auto sacrifício é uma redenção da vida de seu povo. Esta é uma expressão
máxima de apego à vida.”
Frequentemente visitamos os túmulos de Ghassan e Lamis. Eles estão
enterrados nas sombras das árvores, a terra está seca e vermelha como o solo
da Palestina, de onde seu povo foi expulso. Por sua luta para dar ao povo pa-
lestino a possibilidade de retornar as suas casas na Palestina, teve que pagar
com a vida. As pessoas o amavam e ele expressou suas esperanças e sonhos
provando que a vida pode ser diferente da miséria dos campos de refugiados.
As dezenas de milhares que acompanharam Ghassan ao túmulo, a
maior manifestação popular desde a morte do presidente Nasser, eram tra-
balhadores e camponeses, intelectuais, refugiados em campos no Líbano,
membros de diferentes grupos do movimento de resistência palestino, repre-
247
sentantes da maioria dos partidos políticos e personalidades da vida pública.
São os mesmos que afluíram às centenas para nossa casa, nos arredores de
Beirute, nos dias que se seguiram ao assassinato. Trabalhadores, intelectu-
ais, artistas conhecidos e membros de partidos políticos de todo o mundo
expressaram sua solidariedade com o movimento de libertação e com sua
família, ao mesmo tempo, prometeram continuar a luta pela qual Ghassan
dedicou sua vida.
Às vezes, passo a manhã no pequeno jardim que era o orgulho de
Ghassan. Lembro-me de como Hussein, o pai de Lamis, chegou feliz, na-
quela noite de sábado, para dizer à filha que ela havia sido aceita na Facul-
dade de Medicina de Amã para começar depois das férias de verão. Quando
chegou, sua filha estava morta. Agora, quando os pais de Lamis falam sobre
sua filha e Ghassan, seus olhos brilham e suas vozes são fortes. É impor-
tante para eles que outros saibam sobre Lamis e Ghassan, sobre suas vidas,
sobre a esperança e o desejo de que o povo palestino se una, disperso como
está pelo mundo árabe.
As atividades literárias de Ghassan começaram de fato com um pe-
queno livro para Lamis. Durante toda a sua vida ela foi sua musa. Naquele
sábado, 17 anos depois, foram mortos pela mesma bomba. Quando, após o
funeral, tentei confortar Hussein, ele disse: “Ela sempre amou Ghassan, sua
morte junto a ele foi seu presente para ele”. Quase todos os anos, Ghassan
enviava um livro para Lamis, escrito apenas para ela. Foram escritos à mão e
ilustrados com seus próprios desenhos.
Mesmo que Ghassan tivesse muitos oponentes políticos, não tinha
inimigos pessoais, pelo contrário, era querido e respeitado até mesmo por
aqueles com quem discordava. Seus oponentes costumam se encontrar com
ele, o seguiram até o túmulo e eu os encontrei em nossa casa, quando vieram
expressar sua solidariedade.
Os assassinos de Ghassan esperavam encorajar o derrotismo entre
os refugiados palestinos e uma divisão no movimento de resistência, no
entanto não conseguiram. As pessoas entendiam a grandeza de Ghassan,
o amavam e mostravam seu amor fechando fileiras na luta.
248
Para Ghassan, meu marido
e professor -
de Anni Kanafani
249
A carta aberta escrita, em 1973, por Anni Kanafani,
viúva de Ghassan Kanafani, aproximadamente um ano
após sua morte remete a dimensão afetuosa entre ambos, o
significado da vida e do assassinato de Ghassan.
É possível, a partir do relato do funeral e da análise de
Anni, compreender a dimensão, que só se agigantará ao longo
dos anos, da figura dele não só para esquerda palestina, mas
para todo o povo palestino.
Nota do organizador
250
Para Ghassan - meu marido e professor,1
Sua, Anni.
252
Ao meu pai, Ghassan
Kanafani -
de Fayez Kanafani
253
Mesmo diante da severidade e do rigor exigidos na luta
para libertar a Palestina, Ghassan Kanafani não deixou de ser
uma figura amorosa, para além da figura icônica do militante
aguerrido, sagaz intelectual orgânico da nobre causa palestina
e brilhante escritor - o que queremos demonstrar é o aspecto
afetuoso das relações humanas que ele nutriu ao longo da vida.
A carta aberta escrita, em 1973, por Fayez, seu filho,
que à época era apenas uma criança de 10 anos de idade
demonstra a relação paternal afetuosa entre ambos.
Nota do organizador
254
Ao meu pai, Ghassan Kanafani,1
256
Carta para Anni -
de George Habash
257
Na dura luta para libertar a Palestina, a camaradagem
e a solidariedade entre os que continuam na luta e aos que
são martirizados é expressa também pela proteção às famílias
desses lutadores assassinados.
A Carta de George Habash (Lida, 2 de agosto de 1926
- Amã, 26 de Janeiro de 2008), figura central na história da
esquerda palestina e famoso secretário-geral na Frente Popular
de Libertação da Palestina, o maior partido da esquerda
Palestina, para a viúva de Ghassan, Anni Kanafani, logo após
o funeral em Julho de 1972, é uma declaração de lealdade e
camaradagem para com um mártir da nobre causa palestina
e sua família.
Nota do organizador
258
Querida Anni,1
Irrita-me tanto que o inglês, não sendo minha língua materna, não me
permita expressar tudo o que sinto, tudo o que quero dizer, neste momento
crucial e difícil.
Ghassan, para mim pessoalmente e para nossa Frente como um todo,
era tão querido, tão precioso, tão indispensável... Devo confessar que recebe-
mos um golpe doloroso.
Agora Anni, todos nós, você em particular, enfrentamos a seguinte
pergunta: O que devemos fazer pelo homem, por um camarada, tão precioso
e tão sincero? Só há uma resposta: sofrer corajosamente todas as coisas que
nenhum de nós pode evitar e depois trabalhar mais e trabalhar melhor, lutar
mais e lutar melhor.
Você sabe muito bem, querida irmã, que Ghassan estava lutando por
uma causa justa, e que o povo palestino, há mais de 50 anos, luta uma guerra
justa. Recentemente, verdadeiros revolucionários em todo o mundo estão de-
fendendo e apoiando nossa justa luta. Isso significa que o sangue de Ghassan,
somado ao grande fluxo de sangue que nosso povo vem pagando há 50 anos,
é o preço que devemos pagar para conquistar a liberdade, justiça e paz.
Não preciso dizer que a experiência dos oprimidos em todo o mundo
diz que esta é a única maneira de derrotar o sionismo, o imperialismo e as
forças reacionárias.
Anni, eu sei muito bem o que a perda de Ghassan significa para você, mas
lembre-se que você tem Fayez, Laila e milhares de irmãos e irmãs que são mem-
bros da FPLP e, acima de tudo, tem a causa pela qual Ghassan estava lutando.
O que mais me dói, neste momento, é que Hilda e eu não podemos
estar ao seu lado. As razões são bem conhecidas para você... eu suponho. É
260
Carta aberta -
de Imad Shehadeh
261
O assassinato de Ghassan Kanafani gerou uma série
de manifestações públicas entre elas na importante imprensa
libanesa, que historicamente possui relevância em todo
mundo árabe.
A carta que se segue representa, em sentido geral, essas
manifestações e evidencia a relação de respeito que jornalistas,
intelectuais e artistas tinham para com mártir palestino.
Nota do organizador
262
Para Anni de Imad Shehadeh1
Quando seu marido perdeu seu país, ele não o despediu com uma lá-
grima. Ele sabia que as lágrimas nunca corrigem um erro ou recuperam um
direito, que a dor seria uma consagração de sua perda, que a dor seria um
anúncio público da derrota. Seus olhos estavam secos, quando ele se compro-
meteu com seu país e seu povo.
Perdemos seu marido. Não o despediremos com uma lágrima. Cho-
rar por ele agora seria negar tudo o que ele representava, tudo pelo que
ele morreu.
Ghassan Kanafani morreu sozinho. Seu povo vive e, através dele, sua
esperança, sua coragem e sua determinação sobrevivem. Ghassan Kanafani,
falecido, foi dotado de onipresença por seu povo.
Quando seu povo perder de vista as esperanças dele, quando perder a
firmeza da coragem dele, quando abdicar da determinação dele — esse será
o momento de lamentá-lo.
Você perdeu o marido. Seus filhos perderam o pai. Para confortá-los,
podemos apenas oferecer o pensamento de que seu marido e o pai deles não
viveu em vão, nem teve uma morte sem sentido. Sua vida e sua morte deixa-
ram milhões de pessoas orgulhosas de sua identidade.
Atenciosamente,
Imad Shehadeh
264
Artista: Nabil Anani
265
“Temos uma causa pela qual vale lutar... Isso é muito!
O povo palestino prefere morrer de pé do que perder a causa.”
Ghassan Kanafani
266
Análise histórica marxista:
A Revolta de 1936-1939
na Palestina
267
Texto clássico de análise marxista do principal momento
histórico de luta do povo palestino contra o colonialismo
sionista e britânico, anterior à Nakba. Ghassan expõe de forma
brilhante o movimento das classes sociais palestinas, assim
como as articulações com forças externas, desnudando os
atores, sujeitos, instrumentais e objetivos.
Trata-se de seu texto político mais importante, que serviu
e serve para a formação política de esquerda na Palestina e em
todo o mundo.
Nota do organizador
268
Entre 1936 e 1939, o movimento revolucionário palestino sofreu severo
revés nas mãos de três inimigos que se constituíram, juntos, na principal
ameaça ao movimento nacionalista na Palestina, em todos os estágios
subsequentes de sua luta: a liderança local reacionária; os regimes dos estados
árabes vizinhos e o inimigo imperialista-sionista. Este estudo concentra-se
nas estruturas de cada uma dessas forças e na relação dialética entre elas.
A intensidade da experiência nacionalista palestina, que começou
em 1918 e foi acompanhada de certa forma pela luta armada, não pode se
refletir na superestrutura do movimento nacional palestino, que permaneceu
virtualmente sob controle da liderança semifeudal e semiclerical. Isso se deu
basicamente devido a dois fatores interligados:
1-A existência e a efetividade do movimento sionista, que deu à questão
nacional uma predominância relativa sobre as contradições sociais.
O impacto dessa questão era sistematicamente sentido pelas massas
árabes palestinas, que foram as principais vítimas da invasão sionista
apoiada pelo imperialismo britânico;
2-A existência de um conflito de interesses significativo entre a
liderança local feudal/clerical e o imperialismo britânico. Era de
interesse da classe dominante a promoção e o apoio a um certo grau
de luta revolucionária, ao invés de aliança completa com o poder
imperialista. Os imperialistas britânicos encontraram nos sionistas
“um aliado mais adequado”.
Tais fatores imprimiram à luta do povo palestino características par-
ticulares que não se aplicavam à luta nacionalista árabe em geral. Como
resultado, a liderança tradicional participou de uma forma mais avançada
de ação política (a luta armada) – ou ao menos a tolerou. Levantou reivin-
dicações progressivas e, ao fim e ao cabo, apesar de sua natureza reacio-
nária, proveu uma direção progressiva durante uma fase crítica da luta
nacional palestina. Entretanto, é relevante explicar como essa liderança
feudal/clerical conseguiu permanecer à frente do movimento nacionalista
Texto gentilmente cedido os direitos de tradução pela Editora Sundermann: A revolta de
1936 -1939 na Palestina – 2015. Mantido com todas as notas dessa publicação.
269
por tanto tempo (até 1948). A transformação da estrutura econômica e
social da Palestina, que ocorreu rapidamente, afetou basicamente o setor
judaico e se deu às expensas da pequena e média burguesia palestina, bem
como da classe trabalhadora árabe. A transição de sociedade semifeudal
para capitalista foi acompanhada por uma crescente concentração de po-
der econômico nas mãos da máquina sionista e, consequentemente, da
sociedade judaica na Palestina. É significativo que os árabes palestinos
defensores da conciliação, que se fizeram conhecidos nos anos 1930, não
eram fazendeiros ou camponeses ricos, mas sim elementos da alta bur-
guesia urbana, cujos interesses gradualmente coincidiram com os interes-
ses expansionistas da burguesia judaica. Essa última, através do controle
do processo de industrialização, foi criando seus próprios agentes.
Enquanto isso, os países árabes ao redor da Palestina jogavam dois
papéis conflitivos entre si: por um lado, o movimento de massas pan-árabe
servia de catalisador do espírito revolucionário das massas palestinas, já que
existia uma relação dialética entre os palestinos e as lutas árabes em geral. Por
outro lado, os regimes estabelecidos nos países árabes faziam de tudo para
impedir e minar o movimento de massas palestino.
O conflito cada vez mais agudo na Palestina ameaçava contribuir para
o desenvolvimento mais violento da luta nesses países, criando um potencial
revolucionário que suas classes dirigentes não podiam desprezar.
As classes dominantes árabes foram forçadas a apoiar o imperialismo
britânico contra seus similares na Palestina, que lideravam o movimento na-
cionalista em curso naquelas terras.
Em consonância, a aliança sionista-imperialista continuou a crescer.
O período entre 1936-1939 foi testemunha não só da cristalização do cará-
ter militarista e agressivo da sociedade colonial implantada firmemente pelo
sionismo na Palestina, mas também da relativa contenção e derrota da clas-
se trabalhadora local. Isso teve um efeito radical no curso da luta. Durante
esse período, o sionismo, em colaboração com o poder mandatário britâni-
co, conseguiu minar o desenvolvimento de um movimento sindical judaico
270
progressivo e uma unidade proletária árabe-judaica. O Partido Comunista
Palestino foi efetivamente isolado tanto dos trabalhadores árabes como dos
judeus, e a reacionária Histadrut dominou completamente o movimento sin-
dical judaico. A influência das forças progressivas árabes dentro de suas fede-
rações sindicais em Haifa e Jaffa diminuiu, o que deixou o espaço aberto ao
controle de lideranças reacionárias que monopolizaram a ação política.
Antecedentes: os trabalhadores
4-Ibid.
5-Liras palestinas (N. do E.).
6-Himadeh, op. cit., pp. 26, 27.
7-Weinstock, op. cit.
272
Um censo oficial de 1937 indicava que um trabalhador judeu recebia
145% a mais em salários que um árabe-palestino. Na indústria têxtil, a dife-
rença entre trabalhadoras judias e árabe-palestinas atingia 433%, e na indús-
tria de tabaco, 233%8. “Em julho de 1937, o salário real de um trabalhador
árabe-palestino comum caiu 10%, enquanto o do judeu cresceu 10%.”9
A situação levou a um colapso quase completo da economia árabe na
Palestina, afetando basicamente os trabalhadores árabes-palestinos. Em seu
depoimento à Comissão Real Peel, George Mansour, secretário da Federação
de Trabalhadores Árabes-Palestinos de Jaffa, indicou que 98% dos trabalha-
dores árabes-palestinos tinham um nível de vida “bem abaixo da média”.
Baseada num censo abrangendo mil trabalhadores em Jaffa em 1936, a
federação descobriu que a renda de 57% dos trabalhadores árabes era menor
que PL 2,75 (a renda média mínima para uma família era de PL 11); de 12%
era inferior a PL 4,25; de outros 12%, a PL 6; de 4%, a PL 10; de 1,5%, a PL 12;
e de 0,5%, a PL 1510.
Quando o mandato proibiu uma manifestação de quase mil trabalha-
dores desempregados em Jaffa em 6 de junho de 1935, a federação emitiu
um comunicado alertando que, a menos que seus problemas fossem resol-
vidos, “o governo seria obrigado rapidamente a dar pão ou balas”11. Com a
deterioração contínua das condições de vida dos trabalhadores um levante
parecia iminente.
George Mansour (que fora anteriormente um membro do Partido
Comunista) incluiu dados chocantes em seu relato para a Comissão Peel: ao
final de 1935, 2.270 trabalhadores e trabalhadoras estavam desempregados
apenas na cidade de Jaffa, cuja população era de 71 mil habitantes12. Mansour
18-Ibid., p. 59.
19-Yehuda Bauer, “The Arab Revolt of 1936”, New Outlook, vol. 9 nº 6 (81). Tel-Aviv,
1966, p. 50.
20-Ibid., p. 51.
21-Op. cit., p. 323.
22-Em 1930, o número de árabes trabalhando na construção civil em Jerusalém caiu de
1.500 para 500, enquanto o número de judeus subiu de 550 para 1.600.
275
camponeses árabes-palestinos era despejada e expulsa de suas terras, como
resultado da colonização judaica de áreas rurais.23 Eles emigravam para as
cidades, enfrentando desemprego crescente. A máquina sionista aproveitou-
se da rivalidade entre os trabalhadores palestinos e judeus. Posteriormente,
esquerdistas “israelenses” observaram que os trabalhadores judeus não
se mobilizaram uma única vez por questões materiais ou pela federação
sindical num período de 50 anos de forma a desafiar o regime “israelense”.
“O proletariado judeu não conseguia se mobilizar por suas próprias causas.”24
Essa situação era resultado do eficiente planejamento sionista. Relem-
brando as palavras de Herzl: “Terras privadas em áreas alocadas para nós têm
que ser tomadas de seus donos. Habitantes pobres têm que ser rapidamente
evacuados para fora das fronteiras após assegurar-lhes empregos nos países
de seu destino. Deve-se negar-lhes emprego em nosso país. Quanto aos gran-
des proprietários, eles terminarão juntando-se a nós.”25
A síntese da política da Histadrut está expressa em sua declaração de
que “permitir que árabes penetrem no mercado de trabalho judeu implicaria
que o fluxo de capitais judeus seria empregado a serviço do desenvolvimento
árabe, o que é contrário aos objetivos sionistas. Além disso, o emprego de
árabes nas indústrias sionistas levaria à divisão de classes e de raças na Pales-
tina: capitalistas judeus empregando trabalhadores árabes. Se isso for permi-
tido, nós estaremos introduzindo na Palestina as condições que levaram ao
surgimento do antissemitismo.”26 Assim, a ideologia e prática que caracteri-
zavam o processo de colonização desenvolviam características fascistas nas
organizações sionistas, diante da escalada do conflito com a sociedade árabe
na Palestina. O sionismo usava as mesmas ferramentas que o fascismo na Eu-
ropa. O trabalhador árabe estava na base de uma complexa pirâmide social e
28-Documents of the Palestine Arab Resistance (1918-1939), Beirute, pp. 22, 23, 24, 25.
29-Action Among The Peasants And The Struggle Against Zionism, The Palestine
Communist Party Theses for 1931, Communist Internationalism and the Arab
Revolution, Dar a1-Haqiqa, Beirute, p. 54.
278
de massas árabe-palestino como o resultado de um “desvio influenciado pelo
sionismo, que impediu a arabização do partido”. Os documentos mencionam
“os esforços oportunistas para bloquear a arabização do partido”. O congresso
adotou a visão de que era obrigação do partido expandir os quadros das
forças revolucionárias capazes de direcionar a atividade dos camponeses
(isto é, quadros trabalhadores árabes-palestinos). A “arabização” do
partido, transformando-o em um partido real das massas trabalhadoras
árabes-palestinas, era a primeira condição para o sucesso de sua atividade
nas áreas rurais.30
O partido, entretanto, provou ser incapaz de cumprir com a tarefa de
mobilizar os árabes-palestinos, e os slogans revolucionários adotados pelo
congresso nunca se traduziram em ação: “Nem um único dunum31 para os
usurpadores sionistas e imperialistas”, “Expropriação revolucionária da terra
que pertence ao governo, aos ricos desenvolvedores judeus, às facções sionis-
tas e aos grandes latifundiários e fazendeiros árabes”, “Não ao reconhecimen-
to dos acordos de venda de terras”, “Luta contra os usurpadores sionistas”.32
O congresso também decidiu que “solucionar todas as questões candentes
e eliminar a opressão somente é possível através da revolução armada sob a
liderança da classe operária”.33
O Partido Comunista Palestino, então, nunca se “arabizou”. O campo
estava aberto para que as lideranças feudais e clericais dominassem o movi-
mento de massas árabe-palestino. Talvez uma razão por trás da linha e prá-
ticas do partido naquele período tenha sido a atitude revolucionária intran-
sigente pela qual o Comintern era famoso entre 1928 e 1934. Mas, apesar
de seu pequeno número, relativo isolamento e fracasso em atingir as massas
árabes-palestinas, particularmente nas áreas rurais, os comunistas jogaram
todo o seu peso na revolta de 1936. Eles mostraram grande coragem, coope-
raram com líderes locais e apoiaram o Mufti. Muitos foram mortos e presos.
Antecedentes: os camponeses
280
Não obstante, o status da população rural árabe-palestina foi seriamente
prejudicado. A propriedade de terras urbanas e rurais por grupos judeus
elevou-se de 300 mil dunums em 1929 para 1,250 milhão de dunums
em 1930. As terras adquiridas eram insignificantes do ponto de vista da
colonização maciça e da solução da “questão judaica”. Mas a expropriação de
quase 1 milhão de dunums - quase um terço da área agricultável - levou a
um severo empobrecimento dos camponeses e beduínos árabes. Em 1931, 20
mil famílias camponesas tinham sido despejadas pelos sionistas. Além disso,
a vida agrícola no mundo subdesenvolvido, e no mundo árabe em particular,
não é simplesmente um modo de produção, mas também um modo de vida
social, ritual e religioso. Então, além da perda de terras, a sociedade rural
árabe-palestina estava sendo destruída pelo processo de colonização.
Até 1931, apenas 151 em mil judeus dependiam da agricultura para so-
breviver, comparado com 637 em mil árabes. Dos quase 119 mil camponeses,
cerca de 11 mil eram judeus.34 Em 1931, enquanto 19,1% da população judia
viviam da agricultura, 59% dos árabes-palestinos viviam da terra. É claro que
a base econômica desse conflito é muito perigosa. Mas, para compreendê-la
totalmente, nós temos que ver sua face nacional.
Em 1941, 30% dos camponeses árabes-palestinos não possuíam terras,
enquanto quase 50% dos demais possuíam terrenos que eram muito peque-
nos para garantir sua sobrevivência. Enquanto 250 latifundiários feudais pos-
suíam 4 milhões de dunums, 25 mil famílias camponesas não tinham terras, e
46 mil possuíam uma média de 100 dunums. Quinze mil trabalhadores agrí-
colas trabalhavam para latifundiários. De acordo com pesquisa em 322 vilas
árabes-palestinas efetuada em 1936, 47% dos camponeses possuíam menos
que 7 dunums e 65%, menos que 20 (o mínimo necessário para alimentar
uma família média era de 130 dunums).35
Embora eles vivessem sob a tripla pressão da invasão sionista, da pro-
priedade feudal árabe da terra e das taxas pesadas impostas pelo governo do
34-Himadeh, Ibid., p. 39.
35-Communist Internationalism, pp. 135-145.
281
mandato britânico, as massas rurais palestinas eram basicamente conscientes
dos desafios nacionais. Durante os levantes de 1929 e 1933, muitos pequenos
camponeses árabes-palestinos venderam suas terras para latifundiários para
comprar armas para resistir à invasão sionista e ao mandato britânico. Foi
essa invasão que, por ameaçar o modo de vida no qual religião, tradição e
honra jogam um papel importante, capacitou os líderes feudais e clericais a
permanecerem em uma posição de liderança, apesar dos crimes que come-
teram. Em muitos casos, foram os elementos feudais que compraram a terra
para revendê-la ao capital judeu.
Entre 1933 e 1936, 62,7% de todas as terras compradas pelos
sionistas pertenciam aos proprietários de terra residentes na Palestina,
14,9% a proprietários ausentes e 22,5% a pequenos camponeses. Entre
1920 e 1922, 20,8% pertenciam a proprietários de terra residentes, 75,4% a
proprietários ausentes e 3,8% a pequenos camponeses.36 As leis aprovadas
pelo governo do mandato destinavam-se a servir aos objetivos dos
assentamentos judeus. Embora fossem elaboradas de forma a sugerir que
os camponeses estavam protegidos contra despejos ou venda forçada, na
verdade não garantiam tal proteção. Isso pode ser verificado nos casos de
Wadi Al Hawarith, uma área de 40 mil dunums; na vila de Shatta, com seus
16 mil dunums; e em muitas outras onde a terra foi tomada pelos sionistas
depois de expulsarem seus habitantes. Como resultado, 50 mil judeus que
viviam em assentamentos agrícolas possuíam 1,2 milhão de dunums - uma
média de 24 por habitante -, enquanto 500 mil árabes possuíam menos
que 6 milhões – uma média de 12 dunums por habitante37. O caso dos
8.730 camponeses despejados de Marj Ibn Amer (240 mil dunums), onde
a terra foi vendida aos sionistas pela família feudal Sursock, de Beirute,
permaneceu suspenso até o fim do mandato, em 194838.
36-Weinstock, Ibid.
37-Collection, p. 34.
38-A Sublime Porta havia dado esta terra para a família Sursock, do Líbano, em
retribuição por serviços prestados. Ver também: Hadawi, Palestine Under the
Mandate. 1920-1940, Palestine Studies, Kuwait Alumni Association, pp. 34, 36.
282
“Cada pedaço de terra comprado por judeus se transformava em terra
estrangeira para os árabes, como se fosse amputada do corpo da Palestina e
removida para outro país.”39 Essas eram as palavras de um grande líder feudal
palestino. Ele completou: “De acordo com os judeus, 10% da terra foi com-
prada de camponeses, e o resto, de latifundiários. Mas, de fato, 25% da terra
pertencia a camponeses.”40 Essa atitude apologética da parte dos feudalistas
não muda o fato que (tal como relatado por fontes judaicas) do total de terra
adquirido pelas três grandes companhias judaicas em 1936 (que contabili-
zava metade da terra comprada por capitais judeus até então), 52,6% per-
tenciam a proprietários ausentes, 24,6% a proprietários residentes, 13,4% ao
governo, a igrejas e companhias estrangeiras e 9,4% a camponeses41.
Essa transferência de propriedade da terra criou uma crescente clas-
se de camponeses despossuídos, transformados em trabalho assalariado de
temporada. A maioria eventualmente foi para as cidades e buscou trabalho
não especializado. “Para um camponês despejado de sua terra, era impos-
sível arranjar outro pedaço de terra, e a compensação era sempre muito
pequena, exceto nos casos em que o Mukhtar (prefeito) ou outros notáveis
da vila estavam envolvidos.”42
A maioria dos camponeses despossuídos então se mudou para as ci-
dades. “Em Jaffa, a maioria dos limpadores de rua veio das aldeias. A com-
panhia árabe de cigarros e tabaco em Nazaré relatou que a maioria de seus
trabalhadores também era das aldeias.”43 Isso ilustra o destino dos campo-
neses migrantes: “Nós perguntamos à companhia quantos trabalhadores ela
empregava, e a resposta foi 210. O total de salário pago semanalmente era de
PL 62, e o salário médio era de 29,5 piastras por semana.”44 No mesmo perí-
odo, a média do salário das trabalhadoras judias nas fábricas de tabaco era
39-Collection, p. 34.
40-Ibid., p. 39.
41-Hadawi., op. cit., p. 29.
42-Collection, p. 25.
43-Ibid., p. 56.
44-Ibid., p. 58.
283
de 170 a 230 semanais.45 Mesmo em empregos públicos, a média de um tra-
balhador judeu era 100% maior do que de um árabe.46 Em 1930, a Comissão
Johnson-Crosby estimou que a média anual de ingresso de um camponês era
de PL 31,37 antes do desconto de impostos. O relatório indica que a média
anual de impostos era PL 3,87. Se deduzimos PL 8 referentes à média de pa-
gamento de juros nos empréstimos dos camponeses, a renda líquida seria de
PL 19,5 anuais. De acordo com o mesmo relatório, a soma média necessária
para cobrir as despesas da família era de PL 26. “Os camponeses de fato eram
o grupo mais pesadamente taxado na Palestina... A política perseguida pelo
governo claramente buscava colocar o camponês em uma situação econômi-
ca que garantiria o estabelecimento de um lar nacional judeu.”47
A imigração judia e a transformação da economia palestina de uma
economia essencialmente agrícola e árabe para uma economia industrial
dominada por capitais judeus afetou principalmente os pequenos campone-
ses árabes-palestinos. Ao mesmo tempo, isenções fiscais eram concedidas a
imigrantes judeus e às importações necessárias para as indústrias judias, tais
como matérias-primas, produtos inacabados, carvão etc.. O imposto sobre
bens de consumo importados subiu, em média, de 11% no início do mandato
para mais de 26% em 1936: 110% sobre o açúcar, 149% sobre o tabaco, 208%
sobre a gasolina, 400% sobre o fósforo e 26% sobre o café.48
Este relato do arcebispo Gregorius Hajjar à Comissão Peel é um
exemplo da política do governo: “Certa vez, eu estava na vila de Roma, no
distrito de Akka, onde os habitantes vivem da produção de azeite de oliva.
Por muito tempo, eles reclamaram ao Alto Comissariado sobre a compa-
nhia de azeite que recebia ajuda do governo através de isenções fiscais sobre
suas importações de nozes, das quais ela extraía óleo, misturava ao azeite
de oliva e o vendia a preços mais baixos. O povo na aldeia pediu que sua
produção fosse protegida da produção da companhia. O governo for-
49-Ibid., p. 44.
50-Ibid., p. 63.
51-Rony E. Gubbay, A Political Study of the Arab-Jewish Conflict, Librairie de Droz,
Genebra, 1959, p. 29. 109. Sifrl, op. cit., pp. 131-132.
285
empobrecimento e da fome constante, eles estavam sempre à beira de levan-
tes armados. Sua participação no levante de agosto mostrou que eles pode-
riam jogar um papel dirigente numa revolta de massas e, ao mesmo tempo,
evidenciou claramente que os líderes dessas tribos poderiam ser comprados
por dinheiro. Eles estavam sempre provendo o exército de camponeses sem
terra e semiproletários com novas mãos e bocas.”52
Concomitantemente, a pequena burguesia urbana árabe encontra-
va-se num estado de confusão, indecisão e fragmentação. A velocidade
com que a sociedade se transformava em uma sociedade industrial ju-
daica não deu nem à crescente burguesia nem aos feudalistas a chance de
tomarem parte ou lucrar com esse processo. Não foi surpresa, de forma
alguma, que a maioria dos líderes palestinos que testemunharam ante a
Comissão Peel em 1937 e as comissões anteriores elogiou o imperialismo
otomano e o modo como eram tratados em comparação com o imperia-
lismo britânico. Eles eram instrumento da Corte – o baluarte do sultão e
parte integral do sistema de dominação, opressão e exploração, enquanto
o imperialismo britânico os demitiu do posto de agentes-chefes, porque
encontrou no movimento sionista um agente mais qualificado, mais soli-
damente estabelecido e mais organizado.
Dessa forma, o papel que a liderança feudal-clerical deveria cumprir
estava estabelecido – seria uma “luta” por uma melhor posição dentro do
regime colonialista. Mas não poderia levar essa “luta” sem reunir por trás
de si as classes que estavam ansiosas por livrar-se do jugo da colonização.
Com esse horizonte, esses líderes elaboraram um programa claramente
progressista, adotaram slogans de massas – os quais não desejavam nem
eram capazes de levar até o seu final lógico – e seguiram um tipo de luta que
não estava de acordo com seu caráter.
É claro que essas lideranças não tinham liberdade de ação absoluta,
como muitos sugerem. Ao contrário, estavam expostas a todas as pressões
que moldavam o curso dos acontecimentos, até a crescente intensidade dos
Antecedentes: os intelectuais
288
O conflito entre os defensores da revolução e reacionários nas áreas
rurais, e entre militantes revolucionários e elementos derrotistas nas cidades
se desenvolvia em favor da revolução. Não temos conhecimento de um único
escritor ou intelectual palestino nesse período que não tenha participado da
resistência contra o inimigo colonialista. Não há dúvida de que os intelectuais,
mesmo não sendo, em geral, mobilizados por um partido revolucionário,
desempenharam um papel importante na luta nacional.
A posição dos intelectuais palestinos era única. Tendo completado os
seus estudos e retornado para suas cidades, eles se tornaram conscientes da
incapacidade da classe a que pertenciam de liderar a luta nacional. Mas, ao
mesmo tempo, sofriam de sua impossibilidade de participar e se beneficiar
do processo de desenvolvimento industrial que foi essencialmente controla-
do por uma comunidade estranha e hostil. Por outro lado, nas áreas rurais da
Palestina, os camponeses, submetidos durante séculos à opressão social e na-
cional, viviam em uma sociedade arcaica na qual os líderes feudais e clericais
locais exerciam autoridade absoluta. A poesia popular refletia muitas vezes a
submissão dos camponeses55, que os intelectuais palestinos, e em particular
os poetas, não conseguiam combater facilmente. Alguns intelectuais tenta-
ram superar o estado de espírito submisso das massas rurais e desempenha-
ram um papel de destaque na disseminação de uma consciência progressista.
Wadi Al Bustani, um poeta de origem libanesa, que se formou na Uni-
versidade Americana de Beirute e se estabeleceu na Palestina, desempenhou
papel importante como um intelectual progressista. Ele foi o primeiro a aler-
tar contra a Declaração Balfour e os seus perigos, no mesmo mês em que essa
foi emitida. Seu período, no qual a Palestina estava à beira de uma revolta
armada, produziu uma poderosa vanguarda de poetas revolucionários, cujas
55-Exemplos de tais provérbios: Aquele que come do pão do sultão esgrime sua espada;
Que nenhuma grama cresça após a minha; O ovo de hoje é melhor do que a galinha
de amanhã (mais vale um pássaro na mão do que dois voando); Quando começamos
a venda de caixões, as pessoas começaram a morrer; A mais grave das dores é a atual;
Ele corre atrás do pão e o pão corre antes dele; A vida vai bem para quem fez bem
feito (“Arab Society”, do Dr. Ali Ahmed Issa, citado em Yusra Arnita, Folcloric Arts in
Palestine, Beirute, Palestine Research Center, OLP, p. 187).
289
obras tornaram-se parte da herança cultural das massas56. Em 29 de janeiro
de 1920, o governo do mandato britânico enviou uma carta para o editor da
revista cultural Karmel, que era publicada em Haifa, solicitando a publicação
de um poema do célebre poeta iraquiano Ma’ruf Al Risafi, dedicado ao Alto
Comissariado britânico, no qual o aclamava e o elogiava, juntamente com
um orador judeu chamado Jehuda.
O editor concordou em publicá-lo, juntamente com uma resposta. Al
Bustani redigiu a resposta na forma de um poema que dizia o seguinte:
58-Ibid., p. 237.
59-Taufiq Ziyad descreveu esse poema com as seguintes palavras: “Eu não conhecia
uma obra de poesia equivalente na força, sacrifício e coragem desse grande poema.”
(Literatura e Literatura Popular, Dar Al Awda, p. 30).
291
Ibrahim Tuqan, Abu Salma (Abd Al Karim Al Karmi) e Abd Al Rahim
Mahmud foram, desde o início dos anos 1930, o ponto alto da onda de poetas
nacionalistas que inflamavam toda a Palestina com a consciência e agitação
revolucionárias, tais como As’af Al Nashashibi, Khalil Al Sakakini, Ibrahim Al
Dabbagh, Muhammed Hasan Ala Al Din, Burhan Al Abbushi, Muhammed
Khurshid, Qayasar Al Khuri, o padre George Bitar, Bulos Shihada, Mutlaq
Abd Al Khaliq e outros.
O trabalho de Tuqan, Al Karmi e Mahmud exibe um extraordinário
poder de apreciação do que estava acontecendo, o que só pode ser explicado
pela profunda compreensão do que fervia nos círculos das massas. O que
parece ser a profecia inexplicável e um poder de predição em seus poemas é,
na verdade, apenas a sua capacidade de expressar essa relação dialética entre
seu trabalho artístico e o movimento na sociedade.
O fato de nos concentrarmos no papel desempenhado pela poesia,
inclusive popular, não significa que outras manifestações culturais na Palestina
não desempenharam qualquer papel, ou que seu papel era insignificante.
Jornais literários e artigos, estórias e traduções, todos desempenharam um
significativo papel pioneiro. Por exemplo, em um editorial publicado por
Yusuf Al Isa em Al Nafa’is em 1920, lemos:
Foram expressões desse tipo, no início dos anos 1920, que formaram a
maré cultural revolucionária na década de 1930 desempenhando papel im-
portante na sensibilização e deflagração da revolta. Escritores como Arif Al
Arif, Khalil Al Sakakini (um escritor sarcástico de prosa ardente, filho de um
mestre carpinteiro), As’af Al Nashashibi (um membro da alta burguesia que
foi influenciado por Al Sakakini e adotou muitos dos seus pontos de vista),
292
Arif Al Azzuni, Mahmud Saif Al Din Al Irani e Najati Sidqi (um dos primei-
ros escritores de esquerda que, em 1936, exaltou o materialismo de Ibn Khal-
dun e deplorou o idealismo. Ele foi, provavelmente, o primeiro cronista que
o movimento nacionalista árabe teve desde o início do renascimento que fez
uma análise materialista dos acontecimentos. Publicou suas pesquisas em Al
Tali’a em 1937 e 1938). Abdullah Mukhlis (que em meados da década de 1930
chamou a atenção para a visão de que o colonialismo é um fenômeno de clas-
se, e que a produção artística deve ser engajada), Raja Al Hurani, Abdullah
Al Bandak, Khalil Al Badiri, Muhammad Izzat Darwaza e Isa Al Sifri (cujo
epitáfio de Al Qassam teve um significado profundamente revolucionário).
Essa efervescência na atmosfera cultural palestina atingiu o seu clímax
na década de 1930 e foi expressa de várias formas, mas, por diversos motivos
relacionados com a história da literatura árabe, a maior influência foi sempre
exercida pela poesia e pela poesia popular.
Isso por si só explica o papel que a poesia tomou para si nesse período,
que foi de pregação política quase direta.
Ibrahim Tuqan, por exemplo, comentando sobre a criação, em 1932,
do “fundo nacional” para impedir que a terra da Palestina fosse vendida aos
sionistas (esse fundo foi estabelecido pelos líderes feudais e clericais sob pre-
texto de impedir que a terra de pobres camponeses caísse nas mãos dos sio-
nistas), afirma: “Oito dos responsáveis pelo projeto desse fundo eram corre-
tores de terra para os sionistas.”
Já em 1929, Ibrahim Tuqan expôs o papel que os grandes proprietários
de terra estavam desempenhando na questão da terra:
“Eles venderam o país a seu inimigo por causa de sua ganância. São
seus lares que eles venderam. Eles poderiam ser perdoados se tivessem
sido obrigados a fazê-lo pela fome. Mas Deus sabe que eles nunca
sentiram fome ou sede.”
“Se apenas um dos nossos líderes jejuasse como Gandhi, talvez o jejum
fizesse algo de bom. Não há necessidade de se abster de alimentos -
293
na Palestina, um líder morreria sem comida. Que ele se abstenha de
vender a terra e mantenha um terreno para enterrar seus ossos.”60
60-Ibid., p. 283.
294
Menção também deve ser feita ao poeta popular “Awad” que, na noite
anterior a sua execução em 1937, escreveu nas paredes de sua cela, em Akka
(Acre), um poema esplêndido, terminando com as linhas:
61-Our Popular Songs, por Nimr Sirhan, Jordan Ministry of Culture and Information,
p. 157.
62-Ibid.
295
cas e pobres, venda a sua mãe para comprar uma arma. Uma arma vai ser
melhor do que a sua mãe quando a revolta aliviar seus cuidados.”63
À medida que o conflito se tornou mais e mais agudo, a “arma” se
transformou no instrumento que destruiu as muralhas antigas do chamado
à submissão, de repente, capaz de penetrar no coração da questão, e a revolta
se tornou a promessa para o futuro - mais do que as coisas mais fortes do
passado: a mãe e a família.
Mas, acima de toda essa efervescência, o feudalismo patriarcal foi os-
sificado com sua liderança impotente, sua autoridade e sua dependência em
relação ao passado.
Em meio a esses conflitos complexos e calorosos, que foram tanto se
expandindo como se aprofundando e afetaram principalmente os campo-
neses e trabalhadores árabes, embora também tenham pressionado forte-
mente a pequena e a média burguesias e os camponeses médios do país, a
situação foi se tornando cada vez mais crítica, expressando-se em surtos
armados ao longo do tempo (1929-1933).
Por outro lado, os líderes feudais e clericais palestinos sentiram que
seus próprios interesses também estavam ameaçados pela crescente força
econômica: o capitalismo judeu aliado ao mandato britânico. Mas seus in-
teresses também eram ameaçados pelo lado oposto - as massas pobres ára-
bes que já não sabiam a quem seguir. A burguesia urbana árabe era fraca
e incapaz de liderança nessa fase de transformação econômica que estava
ocorrendo com uma rapidez sem precedentes, e uma pequena parte dessa
burguesia tornou-se parasitária e permaneceu à margem do desenvolvimen-
to industrial judeu. Além disso, suas condições tanto subjetivas quanto obje-
tivas passaram por mudanças contraditórias em relação à direção geral que a
sociedade árabe perseguia.
Os jovens intelectuais, filhos das ricas famílias rurais, desempenharam
um papel de destaque em incitar a revolta popular. Eles haviam retornado de
suas universidades para uma sociedade que rejeitava a fórmula dos antigos
63-Ibid., p. 301.
296
relacionamentos, que se tornou obsoleta, assim como as novas fórmulas que
começaram a tomar forma no âmbito da aliança sionista-colonialista.
Assim, a luta de classes se tornou mista, com rigor extraordinário, com o
interesse nacional e os sentimentos religiosos, e essa mistura eclodiu no âmbito
da crise objetiva e subjetiva que a sociedade árabe na Palestina vivia. Devido
a isso, a sociedade árabe-palestina permaneceu prisioneira das lideranças
feudais-clericais. Tendo em vista a opressão social e econômica sobre os
pobres árabes-palestinos nas cidades e aldeias, era inevitável que o movimento
nacionalista assumisse formas avançadas de luta, adotasse slogans de classe e
uma ação baseada em conceitos de classe. Da mesma forma, diante da aliança
firme e cotidiana expressa entre a sociedade invasora construída pelos colonos
judeus na Palestina e o colonialismo britânico, era impossível esquecer o caráter
essencialmente nacionalista dessa luta. E tendo em vista o fervor religioso
terrível em que a invasão sionista da Palestina foi baseada, e que era inseparável
de todas as suas manifestações, era impossível que o subdesenvolvido mundo
rural palestino não praticasse o fundamentalismo religioso como uma
manifestação de hostilidade à incursão colonialista sionista.
Comentando sobre o surgimento do movimento dos Panteras Ne-
gras em “Israel”, a revista esquerdista de língua hebraica Matzpen (nº 5, de
abril de 1971) afirma: “Os conflitos de classe em Israel, por vezes, tendem
a assumir a forma de conflitos confessionais. Os conflitos de classe, mes-
mo quando expressos em termos confessionais, desde o início têm como
alvo o sionismo.” É claro que essa afirmação se aplica em grande medida
ao papel desempenhado pela religião contra a incursão sionista, como uma
forma de resistência nacional e de classe. Por exemplo: “Um dos produtos
do sionismo foi a transformação das celebrações do aniversário do Profeta
em comícios nacionalistas sob a direção do Mufti de Haifa e do poeta Wadi
Al Bustani e com a participação de todos os líderes e notáveis cristãos, não
sendo um único judeu convidado. Dessa forma, os dias santos, tanto mu-
çulmanos como cristãos, tornaram-se festas populares com um tom nacio-
nalista nas cidades da Palestina.”
297
As lideranças feudais-clericais começaram a impor-se à frente do mo-
vimento de massas. Para tanto, aproveitaram a inadequação da burguesia
urbana árabe e do conflito que era, até certo ponto, candente entre eles e
do colonialismo britânico, que estabeleceu a sua influência por meio de sua
aliança com o movimento sionista, dos seus atributos religiosos, do pequeno
tamanho do proletariado árabe e da inadequação de seu Partido Comunista,
que não estava apenas sob o controle dos líderes judeus, mas seus elementos
árabes tinham sido submetidos à opressão e intimidação por parte da lide-
rança feudal desde os anos 1920. Foi nesse contexto complexo no qual os
conflitos interligados e extremamente complicados foram inflamando-se que
a revolta de 1936 tomou lugar na história da Palestina.
A Revolta
70-Collection, p. 96.
71-Hadawi, op. cit., p. 38.
300
em relação às demandas mínimas e parciais que frequentemente os colo-
nialistas não hesitavam em ceder, na expectativa de absorver a frustração.
(Os britânicos levaram muito tempo para perceber o valor dessa mano-
bra; ainda assim, seus interesses foram salvaguardados através da existên-
cia de agentes sionistas competentes).
Em terceiro lugar, a violência sionista (os bandos armados, o slogan
“Somente trabalho judeu” etc.), além da violência colonialista (a maneira
como foi suprimido o levante de 1929).
Em qualquer discussão sobre a revolta de 1936-1939, deve ser reserva-
do um lugar especial para o Sheikh Izz Al Din Al Qassam. Apesar de tudo o
que já foi escrito sobre ele, não é demais dizer que essa personalidade única
ainda é muito desconhecida e provavelmente seguirá sendo assim. A maioria
do que já se escreveu sobre ele foi apenas a partir do exterior e, em função
dessa superficialidade no estudo de sua personalidade, muitos historiado-
res judeus não hesitaram em classificá-lo como “dervixe fanático”, enquanto
muitos historiadores ocidentais o ignoram por completo. Na verdade, está
claro que a incapacidade de compreender as conexões dialéticas entre reli-
gião e as tendências nacionalistas é a responsável por diminuir a importância
do movimento Qassamista.
Todavia qualquer que seja o ponto de vista sobre Al Qassam, não há
dúvidas de que o seu movimento (de 12 a 19 de novembro de 1935) represen-
tou momento decisivo na luta nacionalista e desempenhou papel importante
na adoção de uma forma mais avançada de luta no confronto com a direção
tradicional, que se tornou fragmentada diante das crescentes lutas.
Provavelmente, a personalidade de Al Qassam, por si, constituiu o
ponto simbólico de encontro daquela grande massa de fatores interligados,
os quais, por simplificação, vieram a ser conhecidos como a “questão palesti-
na”. O fato de que ele era “sírio” (nascido em Jabala, na periferia de Latakia)
constitui exemplo do elemento do nacionalismo árabe presente na luta; era
Azharista (ele estudou em Al Azhar) exemplifica o elemento nacionalista-re-
ligioso representado por Al Azhar no começo do século, por ter uma história
301
de envolvimento na luta nacionalista (participou da revolta Síria contra a
França em Jabal Horan em 1919-1920 e foi condenado à morte) ilustra a uni-
dade da luta árabe.
Al Qassam chegou a Haifa, em 1921, com os egípcios Sheikh Mu-
ammad Al Hanafi e Sheikh Ali Al Hajj Abid e, imediatamente, começou a
formar grupos secretos. O que é notável nas atividades de Al Qassam é a sua
avançada inteligência organizacional e sua paciência de ferro. Em 1929, ele se
recusou em precipitar-se a anunciar que estava armado e, a despeito do fato
de que sua recusa levou à divisão da organização, obteve sucesso em manter
o grupo unido e permanecer clandestino.
De acordo com um conhecido Qassamista72, Al Qassam programou
sua revolta em três estágios - preparação psicológica e a disseminação do es-
pírito revolucionário, a formação de grupos secretos, a formação de comitês
para recolher contribuições e outros para adquirir armas, comitês de treina-
mento, de segurança, espionagem, propaganda, informação e para contatos
políticos - e, então, revolta armada.
A maioria dos que conheceram Al Qassam afirma que quando ele par-
tiu para as colinas de Ya’bad com 25 de seus homens na noite de 12 de novem-
bro de 1935, seu objetivo não era declarar a revolta armada, mas disseminar
o chamado à revolta. Entretanto um encontro acidental levou à revelação
de sua presença e, a despeito da heroica resistência de Al Qassam e de seus
homens, uma força britânica facilmente os destruiu. Aparentemente, quan-
do percebeu que não poderia mais expandir a revolta com seus camaradas,
Sheikh Al Qassam adotou o seu famoso slogan: “Morrer como um mártir.”
É graças a Al Qassam que devemos entender esse slogan não em um
sentido “guevarista”, se podemos usar a expressão, mas num sentido nacio-
nalista comum. A pouca evidência que possuímos da conduta de Al Qassam
demonstra que ele estava ciente da importância de seu papel, enquanto ini-
ciador de um foco revolucionário avançado.
73-Ibid., p. 22.
74-Kayyali, op. cit. p. 296.
303
demonstrado em seu funeral e tomaram parte nos protestos e discursos na
cerimônia do quadragésimo dia.
Evidentemente, Hajj Amin Al Hussaini se manteria consciente sobre
essa lacuna, posteriormente. Mesmo 20 anos mais tarde, à revista Filastine, o
porta-voz do Alto Comitê Árabe tentou dar a impressão de que o movimen-
to Qassamista não era nada mais do que parte do movimento liderado pelo
Mufti, e que este e Al Qassam haviam sido “amigos pessoais”.75
Quanto aos britânicos, contaram a história de Al Qassam no relatório
dos incidentes de 1935 enviados a Gênova como segue:
“Havia rumores de que uma gangue terrorista havia sido formada
sob inspiração de fatores políticos e religiosos e em 7 de novembro de
1935, um sargento-policial e um policial estavam seguindo um ladrão nas
colinas do Distrito de Nazaré, quando duas pessoas desconhecidas atira-
ram contra eles, matando o sargento... Esse incidente logo levou ao des-
cobrimento de uma gangue operando nesse bairro, sob a direção de Izz
Al Din Al Qassam, um refugiado político sírio que gozava de considerável
prestígio como líder religioso. Ele havia sido objeto de fortes suspeitas
alguns anos antes e dizia-se que tinha as mãos metidas com atividades
terroristas.”
“No funeral de Sheikh Al Qassam em Haifa, estiveram presente multi-
dões e, apesar dos esforços feitos por influentes mulçumanos para manter a
ordem, houve manifestações e pedras foram atiradas. A morte de Al Qassam
levantou uma poderosa onda de sentimento entre os círculos políticos, den-
tre outros, do país e os jornais árabes concordaram em chamá-lo de ‘mártir’
nos artigos que escreveram sobre ele.”76
Os britânicos também estavam cientes do desafio representado pelo
assassinato de Al Qassam e tentaram fazer retroceder o relógio, como de-
monstrado pelo ponto de vista expresso pelo Alto Comissário em uma carta
escrita ao Ministro das Colônias. Nessa carta, disse que caso as demandas dos
75-Palestine, nº 94. Jan 1, 1969. Arab Higher Committee, Beirute.
76-Ibid., nº 94. p. 19.
304
líderes árabes não fossem atendidas, “eles perderiam toda a sua influência e
qualquer possibilidade de pacificação por meios moderados anteriormente
proposto desapareceriam”.77
Mas era impossível fazer retroceder o relógio, porque o movimento
Qassamista era, na verdade, uma expressão do padrão natural capaz de fazer
face à escalada do conflito e resolvê-lo. Não demorou muito antes que isso se
refletisse em números de comitês e grupos, a ponto da direção tradicional ser
obrigada a escolher entre confrontar essa escalada de vontade de lutar entre
as massas ou sufocá-la colocando-as sob seu controle.
Embora os britânicos tenham reagido rapidamente, propondo a ideia
de uma assembléia legislativa e suscitado interromper a venda de terras, já
era muito tarde: o movimento sionista, que começara a se cristalizar de forma
contundente no período, desempenhou seu papel em diminuir a efetividade
da proposta britânica. Da mesma forma, a direção do movimento naciona-
lista palestino não havia ainda decidido sobre sua atitude, mas foi extraordi-
nariamente vacilante, e até 2 de abril de 1936, os representantes dos partidos
palestinos estavam preparados para formar uma delegação e ir a Londres in-
formar ao governo britânico seu ponto de vista.
As coisas explodiram antes do que previa a direção do movimento na-
cionalista no entanto, quando as primeiras chamas foram acesas em Jaffa, em
fevereiro de 1936, os líderes do movimento nacionalista palestino acredita-
vam que ainda poderiam obter concessões parciais dos britânicos através de
negociações.
Mas eles foram surpreendidos pelos eventos subsequentes. Todos
aqueles intimamente associados com os eventos de abril de 1936 admitiram
que a erupção de violência e desobediência civil foi espontânea e, com exce-
ção dos atos instigados pelos Qassamistas sobreviventes, tudo o que ocorreu
foi expressão espontânea do nível crítico que o conflito havia atingido.
Mesmo quando a greve geral foi declarada, em 19 de abril de 1936, a
direção do movimento nacionalista ficou para trás. Ainda assim, eles rapi-
311
lismo, a Grã-Bretanha finalmente aceitou, ao que parece, em 19 de junho de
1936, a “importância do vínculo orgânico entre a segurança dos interesses da
Grã-Bretanha e o sucesso do sionismo na Palestina”.85 A Grã-Bretanha deci-
diu intensificar suas forças na Palestina e aumentar as medidas repressivas.
Assustada com essa decisão, a liderança do movimento nacionalis-
ta palestino vacilou e perdeu as estribeiras. Hajj Amin Al Hussaini, Raghib
Nashashibi e Auni Abd Al Hadi se apressaram em encontrar o Alto Comissário
Britânico. É evidente pelos relatórios que esse enviou a seu governo no período
que eles confirmaram que estavam prontos a acabar com a revolta se os reis
árabes lhes pedissem. Eles não ousavam, no entanto, admitir às massas que
eram os autores dessa trama tortuosa e repetidamente negaram o fato.
Depois disso, um grande número de tropas britânicas, estimado em
20 mil, verteu para a Palestina e a 30 de setembro de 1936, quando todos ha-
viam chegado, um decreto foi emitido impondo a lei marcial. As autoridades
mandatárias intensificaram a sua política de implacável repressão, setembro
e outubro presenciaram batalhas de grande violência - as últimas cobrindo
praticamente a totalidade da Palestina.
Em 11 de outubro de 1936, o Alto Comitê Árabe distribuiu declaração
chamando o fim da greve e, assim, da revolta: “Na medida em que a submis-
são à vontade de Suas Majestades e Altezas, os reis árabes, e cumprir com os
seus desejos é uma das nossas tradições árabes hereditárias, e na medida em
que o Alto Comitê Árabe acredita firmemente que Suas Majestades e Altezas
só dariam ordens que estivessem em conformidade com os interesses de seus
filhos e com o objetivo de proteger os seus direitos; o Alto Comitê Árabe,
em obediência à vontade de Suas Majestades e Altezas, os Reis e emires e de
sua crença do grande benefício que resultará da sua mediação e cooperação,
exorta o nobre povo árabe a acabar com a greve e os distúrbios, em obediên-
cia a essas ordens, cujo único objetivo é o interesse dos árabes.”86
Exatamente um mês depois (a 11 de novembro de 1936), o “Comando-
-Geral da revolta Árabe no Sul da Síria-Palestina” anunciou que “chama a que
85-Kayyali, op. cit. p. 319.
86-Documents, p. 454.
312
todos os atos de violência sejam completamente interrompidos, e que não de-
veria haver provocações direcionadas a nada passível de perturbar a atmosfera
de negociações, a qual a nação árabe espera que será bem-sucedida e obterá
todos os direitos nacionais”.87 Dez dias depois, o comando lançou outra decla-
ração, de que “havia abandonado o campo, em sua confiança nas garantias dos
reis árabes e emires e para proteger a segurança das negociações”.88
Como diz Jamil Al Shuqairi: “Então, em obediência às ordens dos reis
e emires, foi chamado o fim da greve, e as atividades da revolta vieram se
encerraram no intervalo de duas horas da publicação da declaração.”89
Embora na época os britânicos desafiassem a direção palestina exata-
mente no ponto em que haviam enganado as massas - a questão da imigra-
ção judaica para a Palestina - e apesar de esses líderes terem decidido boi-
cotar a Comissão Real (a Comissão Peel), os reis árabes e emires obrigaram
essa direção a obedecê-los pela segunda vez em menos de três meses. O rei
Abdul Aziz Al As’ud e o rei Ghazi escreveram cartas a Hajj Amin AlHussaini
dizendo: “Em vista de nossa confiança nas boas intenções do governo britâ-
nico em fazer justiça ao povo árabe, é nossa opinião de que o seu interesse re-
quer que você se encontre com a Comissão Real.” Esse incidente, que parece
trivial, despedaçou a aliança na direção do movimento nacionalista, já que as
forças à direita de Hajj Amin Al Hussaini, lideradas pelo Partido da Defesa,
imediatamente se opuseram à decisão de boicotar a Comissão Peel e deram
numerosas indicações de seu desejo de aceitar o acordo que os britânicos
proporiam. Os líderes desse partido, que representavam principalmente os
effendis urbanos, se apoiaram no descontentamento sentido pelos grandes
mercadores nas cidades e no deslocamento dos interesses da burguesia urba-
na, que dependia de sólidas relações econômicas materializadas nas agências
de empresas industriais britânicas, e às vezes, judaicas, que mantinham.
Os regimes árabes, especialmente o da Transjordânia, apoiaram
fortemente as posições da ala direita, e Hajj Amin Al Hussaini e o que ele
87-Ibid., p. 457.
88-Ibid., p. 458.
89-Collection, p. 8.
313
representava não tinham nenhuma inclinação em direção à ala esquerda,
que, na verdade, ele havia começado a liquidar. Logo, suas atitudes passaram
a ser crescentemente vacilantes e hesitantes, e estava claro que ele havia
chegado a uma posição em que não poderia dar um único passo à frente com
a revolta e, igualmente, retroceder não lhe faria bem algum. Ainda assim,
quando os britânicos pensaram que poderiam naquele momento atingir
a liquidação política do Mufti no período de quietude, que seguiu ao fim
da greve, eles perceberam que isso não era verdade e que a ala à direita do
Mufti era ainda muito frágil para controlar a situação. O Alto Comissário
Britânico, maliciosamente, seguiu percebendo o grande papel que o Mufti
poderia cumprir enquanto estivesse restrito à posição entre o Partido da
Defesa a sua direita, o Partido da Independência (a sua ala esquerda) e os
movimentos de jovens intelectuais à sua esquerda. O Alto Comissário
implementou a habilidade britânica de tomar vantagem da grande margem
entre “a inflexibilidade (obstinação) dos aldeões que resistiram por seis
meses, recebendo baixos pagamentos, mas não se entregando à pilhagem e
à fraqueza ou não existência de grandes qualidades da liderança dentre os
membros do Alto Comitê Árabe”.90
A exatidão da visão do Alto Comissário do papel limitado que a ala
direita do Mufti poderia cumprir foi demonstrada quando o Partido da De-
fesa falhou em tomar posição inequívoca contra o relatório da Comissão
Peel, publicado em 7 de julho de 1937, recomendando a partilha [da Pales-
tina] e o estabelecimento de um estado judeu.
Ao mesmo tempo, ficou claro que o temor do Alto Comissário de que
a pressão vinda da ala esquerda do Mufti pudesse levar a ruídos para aban-
donar a sua atitude moderada não era infundado. Essa pressão, no entanto,
não era exercida pelo quartel de onde esperava o Alto Comissário, mas dos
quadros médios que ainda estavam representados tanto nos comitês nacio-
nais quanto, cotidianamente, por grupos de camponeses despossuídos e tra-
balhadores desempregados nas cidades e no campo.
97-Em maio de 1938 os rebeldes ocuparam Hebron (Al Khalil), após terem já ocupado
o porto velho de Jerusalém(Al Quds). Em 9 de setembro, eles ocuparam Beersheba
e libertaram prisioneiros. Em 5 de outubro, eles ocuparam Tiberias; no começo de
agosto, partes de Nablus etc.
98-Bouyissir, op. cit., p. 247.
99-Ibid., p. 247.
318
a qualquer momento. É claro, Jamal Al Hussaini não foi sozinho à Conferên-
cia da Mesa-Redonda em Londres, estava acompanhado pelos representan-
tes dos países árabes “independentes”. Logo, os regimes árabes, sujeitos ao
colonialismo, estavam destinados pela segunda vez em menos de dois anos a
impor a sua vontade aos árabes da Palestina através da identidade (latente e
potencial) de interesses de todos aqueles que sentaram em volta da mesa-re-
donda em Londres.
Os discursos feitos por Jamal Al Hussaini, Emir Faisal (Árabia
Saudita), Emir Hussein (Iemen), All Mahir (Egito) e Nuri Al Sa’id (Iraque) -
que declarou que estava falando enquanto amigo próximo da Grã-Bretanha
não queria dizer uma palavra sequer que pudesse ferir os sentimentos de
nenhum britânico, porque era seu amigo do fundo do peito100 - somente
confirmaram o sucesso da política que a Grã-Bretanha havia por tanto
tempo cuidadosamente perseguido cara a cara com a direção do movimento
nacionalista palestino; ela não o abandonou e o manteve constantemente
no final de uma ponte aberta. Os britânicos estavam confiantes de que o
Iraque e a Arábia Saudita “estavam preparados para usar sua influência
sobre os líderes palestinos com o intuito de pôr fim à revolta e assegurar o
sucesso da conferência”.
No entanto, a revolta na Palestina não retrocedeu (de acordo com
números oficiais, em fevereiro de 1939, 110 foram mortos e 112, feri-
dos em 12 combates com os britânicos, 39 vilarejos foram vasculhados,
toques de recolher foram impostos em três cidades por três vezes, cer-
ca de 200 aldeões foram presos, cinco departamentos governamentais
incendiados, dez árabes executados sob acusação de porte de armas,
houve ataques a dez assentamentos sionistas, o oleoduto foi explodido,
um trem entre Haifa e Lydda foi minado, e um posto de busca foi esta-
belecido na Mesquita de Al Aqsa).
Os números britânicos apresentados pelo Secretário Colonial demons-
tram que “entre 20 de dezembro e 29 de fevereiro, houve 348 incidentes de
100-Ibid., p. 258.
319
assassinato, 140 atos de sabotagem, 19 sequestros, 23 roubos, explosões de
nove minas e 32 bombas, enquanto o Exército teve 18 mortos e 39 feridos, e
os palestinos, 83 mortos e 124 feridos; esses números não incluem baixas do
lado dos rebeldes”.101
A situação continuou assim até setembro de 1939, o mês em que a Se-
gunda Guerra Mundial eclodiu. Nesse ínterim, os palestinos-árabes sofreram
perdas insubstituíveis; a liderança, muito longe do espírito de conciliação
que prevalecia, estava fora do país, os recém-constituídos comandos locais
estavam caindo um após o outro nos vários clímax, e a violência sionista
estava num crescente constante desde meados de 1937. Não há dúvidas de
que a presença ostensiva dos britânicos e sua persistência na arena palestina
exauriu os rebeldes, os quais, com sua direção, não sabiam mais contra quem
exatamente estavam lutando ou porquê. Por um momento, a direção falaria
da tradicional amizade e interesses comuns com os britânicos, em outro, iria
tão longe quanto concordar em garantir a autonomia aos judeus nas áreas
onde estes estavam assentados. Não há dúvidas de que a hesitação da direção
e sua inabilidade em determinar um objetivo claro pelo qual lutar teve sua
parte em enfraquecer a revolta.
Mas isso não deve nos levar a negligenciar o fator objetivo: os britâni-
cos usaram duas divisões das tropas, muitos esquadrões aéreos, a polícia e a
Força Fronteiriça da Transjordânia, além de forças quase-sionistas com 6 mil
membros; tudo para ganhar o controle sobre a situação. (A Comissão Peel
admitiu que gastos com segurança na Palestina haviam aumentado de PL
826.000 em 1935 para PL 2.223.000 em 1936).
Essa campanha de terrorismo e os esforços que foram feitos para cor-
tar os elos dos rebeldes com os vilarejos exauriram a revolta. O assassinato
de Abd Al Rahim Al Hajj Muhammad, em março de 1939, representou um
golpe esmagador sobre a revolta, privando-a de um dos mais bravos, mais
sábios e mais honestos dos líderes revolucionários populares. Depois dis-
so, os comandos locais começaram a entrar em colapso e deixar o campo.
116-Ibid., p. 373.
329
pela primeira vez perto de Irbid, em 15 de julho de 1936. Este foi depois
explodido diversas vezes perto dos vilarejos de Kaukab, Hawa, Mihna Israil,
Iksal, entre at-Ufula e Bashan, em Tell Adas, Bira, Ard Al Marj, Tamra, Kafr
Misr, Jisr Al Majami, Jinjar, Bashan e Ain Daur. Os britânicos eram incapazes
de defender esse oleoduto vital e admitiram o fato, tanto que o “cano”, como
os árabes-palestinos o chamavam, foi consagrado no folclore que glorificava
atos de heroísmo popular.
De qualquer maneira, os britânicos asseguravam proteção mínima
para o oleoduto em dois sentidos. Dentro da Palestina esse foi defendido por
grupos sionistas, enquanto no território jordaniano a tarefa de guardá-lo foi
dada a “Sheikh Turki ibn Zain, chefe da subdivisão Zain da tribo Bani Sakhr,
a quem a companhia autorizou a patrulhar o deserto por quaisquer meios
necessários”.117
Ben Gurion quase revelou esse fato diretamente, quando falou sobre os
esforços britânicos em estabelecer uma força aérea sionista, a qual teria por
tarefa salvaguardar tais interesses.
Os britânicos, em um estágio inicial, foram capazes de enxergar a
estratégia chamada 30 anos mais tarde pelos americanos de “vietnamização”.
Isso teve extrema importância, porque foi esse incidente que fortaleceu a
convicção britânica de que a formação de uma força de combate sionista
resolveria muitos problemas ligados à defesa dos interesses imperialistas,
acompanhado pelos esforços para formar as forças armadas sionistas para
proteger tais interesses.
Nesse terreno, o oficial britânico Charles Orde Wingate desempenhou
papel proeminente traduzindo a aliança anglo-sionista em ação prática. Histo-
riadores sionistas tentam dar a impressão de que os esforços de Wingate foram
consequência de temperamento pessoal e devoção “idealista”. Mas é óbvio que
a esse oficial inteligente, que foi mandado a Haifa pelos seus chefes no outono
de 1937, foi confiada uma tarefa em especial - a formação de um núcleo de
forças de ataque para as forças armadas sionistas que já existiam há pelo menos
seis meses, mas que precisavam de cristalização e preparação.
117-Sifri, op.cit., pp. 131-132.
330
O oficial britânico, que os soldados “israelenses” consideram o real
fundador do exército “israelense”, fez do problema do oleoduto a sua tarefa
especial. No entanto, essa tarefa levou a uma série de operações envolvendo
terrorismo e assassinato, e foi Wingate quem tomou para si a tarefa de ensi-
nar seus pupilos em Ain Daur - dentre os quais estava Dayan - a se torna-
rem experts em tais operações.
Não há dúvidas que, além de suas qualificações como um experiente
oficial imperialista, Wingate estava munido de ilimitado ódio racista pelos
árabes. É evidente, a partir das biografias escritas por aqueles que o conhe-
ciam, que ele se deliciava em matar ou torturar camponeses árabes ou humi-
lhá-los de qualquer forma118.
Através de imperialistas como Wingate e de líderes reacionários do
tipo de Emir Abdullah, os britânicos possibilitavam ao movimento sio-
nista tornar-se, no campo militar e econômico, o posto avançado para
seus interesses. Tudo isso aconteceu devido à convicção de todos os en-
volvidos de que a liderança do movimento nacionalista palestino não era
suficientemente revolucionária a ponto de capacitá-lo a levantar-se con-
tra esses inimigos intimamente unidos.
Em meio a tudo isso, o movimento nacionalista palestino, paralisado
por fatores subjetivos que mencionamos e pelos violentos ataques lançados
tanto por britânicos quanto pelos sionistas, estava em situação difícil às vés-
peras da Segunda Guerra Mundial. As afirmações de alguns historiadores de
que os árabes “pararam” sua revolta para permitir aos britânicos travarem
sua guerra mundial contra o nazismo são tolas e refutadas não somente pelos
fatos, mas também por Hajj Amin Al Hussaini ter se refugiado na Alemanha
nazista durante toda a guerra.
Esse quadro como um todo representa o mapa político e social que pre-
valeceu durante os anos de 1936-1939. É essa situação, com as relações dialé-
ticas envolvidas, que explica a estagnação do movimento nacionalista palesti-
no durante a guerra. Quando a guerra acabou, os britânicos pensavam que o
movimento nacionalista palestino já estava bem domesticado: sua liderança
333
Texto que expõe as diferenças da literatura produzida na
Palestina, no período anterior à Nakba ainda muito atrelada
às formas clássicas árabes, pós-Nakba, refletindo temas de dor
e sofrimento (mais realistas) e a de resistência que ganhava
relevância maior naquele momento histórico, com especial
atenção à produção poética.
De certa forma, seguindo e revelando o movimento
político do povo palestino que deixa de se lamentar (poesia pós-
Nakba) para reorganizar a luta (poesia de resistência).
Nota do organizador
334
A queda da Palestina nas mãos dos sionistas, em 1948, conduziu a uma
mudança desastrosa no número e na estrutura social da população árabe da
Palestina ocupada. Cerca de três quartos dos 200 mil árabes que permanece-
ram em sua terra natal eram camponeses. As cidades foram em sua maioria
evacuadas durante a guerra ou logo depois. Este fato levou a uma revoltante
deterioração das condições sociais dos árabes, pois as cidades se constituíam
em centro de difusão tanto política como cultural.
Tendo os ocupantes sionistas fechados seu anel militar, começaram
a impor suas medidas opressivas - a atmosfera lhes era conveniente. Seu
propósito principal era a erradicação de qualquer traço da personalidade
árabe e a implantação de novas tendências, que pudessem crescer e se
integrar a vida política e literária sionista.
A literatura palestina havia sido, até a trágica Nakba, parte integrante
da corrente principal do movimento literário árabe, cujo florescimento se
dera durante a primeira metade do século XX. Havia buscado suas fontes no
Cairo e sofrera influência dos escritores egípcios, sírios e libaneses, que lide-
ravam o movimento literário à época. Mesmo os escritores palestinos mais
conhecidos deviam sua fama em grande parte ao capital árabe, que os rece-
biam e patrocinavam suas produções artísticas. Vários fatores contribuíram,
na verdade, para diminuir o valor da literatura palestina, em uma época em
que a Palestina gozava de uma posição de relevo na arena política e na luta
pelo nacionalismo árabe.
Depois de 1948, a literatura palestina foi bem sucedida em lançar as
fundações de um novo movimento literário, que pode ser mais bem descrito
como “literatura do exílio” do que uma “literatura palestina” ou “dos refugia-
dos”. A poesia, principal elemento desse movimento, pode testemunhar, em
anos recentes, um progresso notável na qualidade e técnica. O curto período
de silêncio, após a guerra de 1948, foi seguido por um grande despertar e
a poesia nacional transbordava, refletindo o fervor nacional popular. Sofria
Texto extraído da obra: Lamentos dos oprimidos - poemas palestinos. Missão da
Liga dos Estados Árabes: Rio de Janeiro, 1971. É um fragmento do estudo de Ghassan
Kanafani produzido em 1966.
335
influência das tendências literárias árabes e estrangeiras e foi, gradualmente,
quebrando as regras tradicionais da técnica, repelindo as velhas explosões
sentimentais e emergindo como um sentimento ímpar de profunda tristeza,
mais de acordo com a realidade da situação vivida.
Por outro lado, a literatura da resistência na Palestina ocupada con-
frontava-se com diferenças radicais de opinião. A espinha dorsal da literatura
árabe, na Palestina ocupada, havia desaparecido com a imigração de toda
uma geração de escritores e homens de cultura. Os nãos imigrantes constitu-
íam uma sociedade rural, em sua maior parte sujeita a perseguições políticas,
sociais e culturais sem paralelo em qualquer outra parte do mundo.
Os fatos abaixo podem lançar alguma luz sobre a verdadeira situação
dos árabes dentro da Palestina ocupada:
1. A maioria dos palestinos que permaneceu não tinha, devido a sua con-
dição social, um padrão cultural que permitisse a criação de uma nova
geração de escritores e artistas.
2. As cidades árabes, que recebiam e encorajam os jovens talentosos pro-
cedentes do setor rural, haviam se transformado em cidades proibidas
pelo inimigo.
3. A população árabe se achava completamente isolada, sem nenhum
contato com outros países árabes.
4. O regulamento militar sionista impunha restrições tirânicas à popula-
ção árabe e censurava suas produções literárias.
5. Os meios de publicação e distribuição haviam sido limitados ou colo-
cados sobre restrições severas.
6. A oportunidade de aprender idiomas estrangeiros não existia para os
árabes. Muito poucos podiam ingressar nas escolas secundárias e qua-
se nenhum nas universidades.
Deve ser lembrado, ao ler a literatura que foi capaz de emergir da-
quela situação, que a população árabe tem estado lutando na escura noite
da perseguição e da tortura para consolidar sua existência e poder expres-
sar-se. Conseguiu, agora, formar sua expressão própria, cristalizando-a em
uma palpitante literatura de resistência.
336
Sobre o severo cerco, fácil é imaginar por que a poesia se constituiu
o primeiro arauto do apelo da resistência, pois a poesia brota de boca em
boca e vive sem ser publicada. Isso também explica por que essa poesia se
restringia, a princípio, à forma tradicional, mais fácil de ser apreendida e gra-
vada, capaz de mais rapidamente atrair os sentimentos. A primeira explo-
são se caracterizava principalmente pelos poemas de amor, mas a partir da
poesia tradicional, os poemas populares começaram a surgir para formar a
primeira semente das manifestações de resistência. De fato, a poesia popular
desempenhou um importante papel na história da Palestina desde os anos 20
e se tornou famosa em todo o mundo árabe. Quase todo palestino conhece
e recita o poema popular abaixo transcrito, improvisado por um combatente
palestino, pouco antes de ser executado pelas autoridades do Mandato Britâ-
nico, em 1936:
340
Romance:
Retorno a Haifa
341
Texto que expõe uma literatura política mais madura
de Ghassan Kanafani, produzido em sua fase final, quando
já era um marxista revolucionário. Os personagens adentram
em diálogos densos que tocam em temas profundos para os
palestinos do pós-Nakba. Essas feridas não são tangenciadas
no texto, mas expostas como condição necessária para cura.
É uma obra que revela a evolução política do autor e sua
capacidade de relacionar política revolucionária e arte.
Nota do organizador
342
Quando Said adentrou à entrada da cidade, vindo de carro pelo cami-
nho de Al Quds, sentiu algo indescritível que lhe travou a língua, levando-o
ao silêncio e a uma tristeza que tomou seu corpo. Por um momento, quis vol-
tar e sem olhar em seus olhos, sabia que chorava em silêncio, enquanto ouvia
o barulho do mar como no passado. A memória não veio aos poucos, mas
chegou como uma enxurrada em sua mente, um mundo de pedras ruindo
sobre ele. As situações e acontecimentos surgiram de forma abrupta e caíram
sobre ele, tomando todo seu corpo. Então, disse a si mesmo que sua esposa,
Safia, sentia a mesma coisa e, por isso, o pranto.
Desde que deixou Ramallah, naquela manhã, não parou de conversar.
Tampouco sua esposa, com os campos que transpassavam o para-brisa sob
seu olhar e aquele sufocante calor que o fez sentir queimar o rosto, como os
pneus do carro no asfalto. Acima dele, o sol escaldante daquele mês de junho
distribuía sua fúria sobre a terra.
Durante o extenso percurso, ele não parava de falar. Falava com Saifa
sobre tudo: sobre a guerra e a derrota; sobre o portão de entrada de Man-
delbaun1 que os tanques demoliram e sobre o inimigo que se expandiu des-
de o rio e o Canal de Suez, até a entrada de Damasco.2 Falava sobre o cessar
fogo, rádio, roubo de joias e objetos pelo exército invasor, toque de recolher,
o primo que estava no Golfo com suas preocupações, vizinho que pegou
suas coisas e fugiu, sobre soldados árabes que combateram durante dois
dias sozinhos no morro próximo ao Hospital, homens que tiraram seus
uniformes e lutaram nas ruas de Al Quds e sobre um camponês morto. Sua
esposa falou sem parar sobre muitas outras coisas durante o caminho. Ago-
ra, quando chegaram finalmente à entrada de Haifa, ambos emudeceram e
notaram, naquele instante, que não disseram uma palavra sequer sobre o
assunto que os trouxera ali.
Tradução: Jamil Abdalla Fayad.
1-O Portão de Mandelbaun era a principal passagem entre Al Quds Ocidental e a
Oriental. Tomado do controle jordaniano pelos judeus sionistas, em junho de 1967,
em uma manobra expansionista do Estado colonizador de Israel.
2-Nos eventos de junho de 1967, as forças colonizadoras e expansionistas israelenses
invadiram e roubaram terras em Al Quds Oriental, Península do Sinai, Cisjordânia,
Faixa de Gaza e até mesmo nas Colinas de Golã da Síria.
343
“Então, esta é Haifa, depois de vinte anos!”
Na tarde de 30 de junho de 1967, um carro pequeno com placas bran-
cas da Jordânia viajava para o norte, adentrando a planície cujo nome, há
vinte anos, era Marj Bin Emir. Ele subia a estrada costeira, em direção ao
sul de Haifa, quando o carro adentrou à rua principal. Sentiu que todas as
paredes caíram e a rua se dissolveu em uma enxurrada de lágrimas. Ele disse
a sua esposa:
“É Haifa, Safia!”
Sentindo o volante pesado nas mãos, suadas como nunca, murnurrou:
“Eu a conheço, esta é Haifa, contudo ela não me reconhece mais” e
trocou de assunto.
Depois de um tempo, veio-lhe um pensamento e disse:
“Sabe? Por vinte longos anos, imaginei que o Portão de Mandelbaum se-
ria aberto algum dia... porém nunca imaginei que seria aberto pelo outro lado.
Isso não passava pela minha mente; por isso, quando o abriram, a situação foi
assustadora, esdrúxula e, de certa forma, humilhante... Posso estar maluco ao
dizer que todas as portas devem se abrir de um só lado e, se forem abertas pelo
outro, temos de considerá-las como se estivessem fechadas, essa é a verdade.”
Falava com a esposa, contudo estava alheia, com o olhar fixo na rua
ora à direita, onde as propriedades agrícolas se estendiam além da visão, ora
à esquerda, onde o mar, distante por mais de vinte anos, soava perto. Repen-
tinamente, ela disse:
“Nunca imaginei que fosse ver Haifa novamente.”
Ele reagiu:
“Você não a vê, eles apenas a mostram para você.”
Nesse instante, pela primeira vez, ela perdeu o controle e gritou:
“Que divagações são essas que você concebeu durante todo o dia?! Por-
tões, visões e tudo o mais. O que aconteceu com você?”
“O que me aconteceu?”
Disse a si mesmo, tremendo, porém conseguiu controlar os nervos e
voltou a dizer, calmamente:
344
“Eles abriram os portões logo que concluíram a ocupação, de forma
rápida, e isso não aconteceu em qualquer outra guerra na história, pois você
sabe das coisas horrendas que ocorreram naquele abril de 1948. E agora, por
que isso? Para os meus olhos e para os seus olhos? Não. Aquilo era a guerra.
Eles nos diziam em tom provocador: entrem e vejam como somos melhores
e mais evoluídos. Vocês devem aceitar a posição de ser nossos serviçais, pois
vocês nos admiram... Mas você pode ver: nada mudou... poderíamos ter feito
por Haifa algo muito melhor...”
“Então por que você veio?”
Olhou para a esposa com um olhar ríspido, e ela se calou.
Se sabia, então por que perguntou? E, mais, foi ela que implorou para
que viessem. Por vinte longos anos, ela evitou conversar sobre isso. Vinte
anos. Então, o passado explodiu como um vulcão em atividade...
Enquanto dirigia pelas ruas de Haifa, o odor da guerra permanecia
forte o suficiente para fazer com que a cidade parecesse escura, abalada e
agitada, com os rostos duros e selvagens. Depois, percebeu que dirigia seu
carro com a nítida sensação de que nada naquelas ruas havia mudado. Ele a
reconhecia, pedra por pedra, esquina por esquina, enquanto percorria suas
ruas com seu antigo Ford 1946 de cor verde.
Ele a conhecia muito bem e, agora, dirigindo seu carro, de forma habi-
tual, sentia como se não estivesse estado distante por vinte anos, nem estado
ausente por todos aqueles tristes anos.
E os nomes pareciam cair sobre ele, lavando a poeira e surgindo: Wadi
Nasnas, Rua Melik Faisal, Muraba’ Hanatir, Al Halisa e Al Hadar.3 Os nomes
se mesclavam em sua cabeça, contudo se manteve sóbrio e questionou a es-
posa em voz baixa:
“Bem, por onde iniciaremos?”
Contudo ela permaneceu em silêncio. Ele a ouviu chorando baixo, de
forma sutil, e compartilhou sua dor, mesmo que não conseguisse diferenciar
o sofrimento de ambos, que durou vinte anos e que agora ressurgia, como um
4-Os nomes são todos derivados do nome do primeiro filho, tendo a mesma origem
no árabe - comum, quando se quer preservar a memória de alguém. “Abu” significa
“pai de”, que tradicionalmente é usado para o filho primogênito, neste caso, Said seria
chamado de “Abu Khaldun”.
352
Vermelha, das forças de manutenção da paz e de amigos estrangeiros que
enviamos para lá. Não, não vou voltar a Haifa. É uma tragédia. Se é uma
catástrofe para as pessoas de Haifa, para nós dois, então, é uma dupla
catástrofe. Por que nos torturarmos?”
Soluçou alto, contudo ela permaneceu em silêncio. Passaram a noite
sem falar uma palavra sequer, ouvindo o som dos coturnos dos soldados ba-
tendo na estrada e o rádio noticiando.
Quando foi dormir, sabia em seu coração que não havia como fugir
daquilo. O pensamento que o atormentava por vinte anos veio à luz e não
havia mais como escondê-lo novamente. Mesmo sabendo que sua esposa não
estava dormindo e pensava na mesma coisa durante toda a noite - ele não lhe
disse nada. No início da manhã, dirigiu-se a ele de forma tranquila e disse:
“Se você quer ir, me leve com você… Não tente ir só.”
Ele sabia bem o jeito de como cada pensamento passava pela cabeça
de Safia. Mais uma vez, ela o deteve em seus caminhos. Durante madrugada,
decidiu ir só, e ela de forma instintiva descobriu sua decisão.
Os pensamentos sobre o assunto ficaram, dia após dia, por uma se-
mana. Eles os comiam com as refeições e dormiam com eles, contudo não
falavam nada sobre isso. Então, apenas um dia antes, Said disse:
“Vamos para Haifa amanhã, pelo menos para vermos. Talvez possamos
passar perto de nossa antiga residência. Acho que eles vão emitir uma ordem
restritiva proibindo o deslocamento logo. Seus cálculos estavam equivocados.”
Ficou em silêncio por um instante e não tinha certeza se queria mudar
de tema, mas ele mesmo se permitiu seguir falando:
“Em Al Quds, Nablus e aqui as pessoas falam todos os dias sobre suas
visitas a Yaffa, Akka, Tel Aviv, Haifa, Safad, cidades da Galileia e Muthallath.5
Todos falam a mesma história. Parece que viram com seus próprios olhos,
mas isso não os impediu de especular. A maioria deles reporta histórias de
insucesso. Aparentemente, o milagre de que os judeus reportavam não era
mais do que uma ilusão. Existe uma reação negativa neste país, exatamente o
370
da prisão, parecia como se eu estivesse sob um cerco. Não vi um único árabe
por aqui. Eu era uma pequena ilha, sozinha e isolada, em um oceano de hos-
tilidade. Você não viveu essa agonia, mas eu sim.
“Quando olhei a foto, encontrei alívio nela, um companheiro que con-
versava comigo, para me recordar das coisas de que eu poderia ter orgulho,
coisas que considerava serem as melhores em nossas vidas. Decidi alugar a
casa. Naquele instante, como agora, parecia-me que para um homem ter um
companheiro que pega armas e morre pelo seu país é algo muito precioso e
que não se pode abrir mão. Talvez fosse lealdade para com aqueles que luta-
ram. Senti que me livrar disso seria uma traição inaceitável. Isso me ajudou
não apenas a resistir como também a permanecer vivo. É por isso que a foto
ficou aqui como parte de nossas vidas. Eu, minha esposa Lamia, meus filhos
Badr e Saad, seu irmão Badr — somos todos uma grande família. Vivemos
juntos há vinte anos. Isso foi algo muito significativo para nós.”
Faris permaneceu lá até meia-noite, observando o irmão Badr sorrin-
do na foto, cheio de juventude, sob aquela faixa preta, como há vinte anos.
Quando Faris se levantou para ir embora, perguntou se poderia levar a foto.
O homem disse:
“Evidente. Ele é, acima de tudo, seu irmão.”
Levantou-se e retirou a foto da parede. Atrás dele, ficou um retângulo
pálido e sem sentido, um vazio perturbador.
Faris levou a foto para o carro e voltou para Ramallah. Durante todo o
trajeto, continuou observando ela, enconstada no assento ao lado. Badr apa-
rece sorrindo, com aquela expressão juvenil viva, e Faris continuou a olhá-lo,
enquanto passava por Al Quds, até a estrada que o levava a Ramallah. Subita-
mente, um sentimento o despertou e o fez ver que não tinha o direito de ficar
com a foto, embora não conseguisse explicar a si mesmo o porquê. Então,
pediu ao motorista que voltasse a Yaffa, chegou pela manhã.
Subiu os degraus novamente, devagar e bateu na porta. Quando pegou
a foto de Faris, o homem disse:
371
“Senti um vazio horrível quando olhei para a marca em retângulo dei-
xado na parede. Minha esposa chorou e meus filhos estão tristes. Lamenta-
mos por ter deixado você levar a foto. Afinal, ele é um de nós. Vivemos com
ele. E ele mora conosco, tornou-se parte da nossa família. À noite, disse a
minha esposa que se você quisesse reivindicar a foto, deveria também reivin-
dicar a casa, Yaffa e a nós... A foto não solveu seu problema, porém, no que
nos diz respeito, é uma ponte que liga você a nós e nós a você”.
“Faris voltou para Ramallah só”, disse Said a sua esposa: “Faris Al Lub-
da, se você soubesse. . .”
Ele sussurrou de forma audível:
“Agora ele pega em armas.”
Na rua, se ouvi um motor. Miriam entrou no quarto ao mesmo tempo
que seu rosto ficou pálido. Era tarde da noite e a velha caminhou devagar até
a janela, abrindo-a lentamente. Então, anunciou com uma voz vacilante:
“Dov chegou!”
Das escadas, era possível ouvir seus passos, cansados. Said ficou atento
aqueles passos, um após o outro, subindo os degraus da escada. Desde que
foi avisado da sua chegada, seus nervos afloraram em tensão, quando ouviu o
som do portão de ferro abrir e fechar.
Os minutos se prolongaram e o silêncio perdurou como de forma insu-
portável. Então, escutou o som da chave abrindo a porta. Olhou para Miriam
e viu-a, sentada ali, com o rosto pálido e trêmulo. Não teve força o suficiente
para olhar para Safia e manteve os olhos vidrados na porta. Sentiu, de uma
vez, o suor verter de cada poro de seu corpo.
Os passos oriundos do corredor eram silenciados e pareciam confusos.
Só então se escutou uma voz forte, chamando:
“Mãe!”
Miriam tremeu rapidamente e esfregou as mãos. Said ouviu Safia segu-
rando as lágrimas em silêncio. Os passos hesitaram por um momento como
se estivessem esperando por algo ou alguém. Mais uma vez, a mesma voz
falou e, logo depois ficou em silêncio, Miriam traduziu de maneira hesitante:
372
“Está questionando por que estou na sala a essa hora do dia.”
Os passos continuaram no sentido da sala. A porta estava aberta e Mi-
riam falou em inglês:
“Venha cá, Dov. Temos convidados que desejam vê-lo.”
A porta se abriu lentamente. No início, era difícil enxergar, já que a luz
que transpassava a porta era fraca, e aquele homem robusto deu um passo à
frente: trajava um uniforme militar e tinha consigo uma boina na mão. Said
se levantou, como se tivesse levado um choque que o arremessou para fora de
sua cadeira. O homem olhou para Miriam e falou com a voz ríspida:
“Essa é a surpresa? Essa é a surpresa que queria que esperássemos?”
Safia se virou para a janela e escondeu a face com suas mãos, chorando
abertamente.
O jovem ficou na porta, deslocando o olhar entre os três, confuso. Mi-
riam se levantou e disse lentamente, com uma calma incomum:
“Quero lhe apresentar os seus pais biológicos.”
O jovem deu um passo à frente, lentamente, e sua face mudou de cor,
aparentando ter perdido a confiança naquele mesmo instante. Olhou para o
uniforme, depois para Said, que permanecia de pé diante dele, observando-o
fixamente, e então disse com um tom de voz normal:
“Eu não reconheço nenhuma mãe além de você. Quanto ao meu pai, ele
foi morto na Guerra do Sinai, faz 11 anos, e não reconheço nenhum outro pai.”
Said recuou dois passos para trás, sentou-se e pegou a mão de Safia
entre as suas. Surpreendeu-se, internamente, com a destreza com que con-
seguiu recuperar a calma. Se alguém lhe contasse, dez minutos antes, que
estaria sentado ali, com toda a calma do mundo, não acreditaria, mas tudo
era distinto agora.
O tempo passou vagarosamente, enquanto tudo ficou imóvel. Então,
o jovem passou a caminhar devagar: três passos em direção ao centro da
sala, três passos em direção à porta, depois retornava o rito. Colocou a boi-
na sobre a mesa, de maneira inadequada, quase ridícula, ao lado do vaso de
madeira com as penas de pavão. Foi dominado por uma sensação esquisita,
373
como se estivesse assistindo a uma peça preparada com antecedência e em
detalhes. Tudo isso relembrava os melodramas banais, em filmes triviais,
com capítulos maus feitos.
O jovem se aproximou de Miriam e disse com uma voz firme, para que
fosse compreendido de forma clara:
“O que os dois estão fazendo aqui? Não me diga que querem me levar
de volta?!”
Com idêntico tom de voz, Miriam respondeu:
“Pergunte para eles.”
Ele se virou, rígido como um pedaço de madeira e, como se obedecesse
uma ordem, questinou Said:
“O que o senhor quer?”
Said manteve a compostura, que mais parecia ser nada além de uma
casca fina incapaz de evitar uma chama ardente. Sua voz se enfraquecia,
quando disse:
“Nada. Nada, apenas... curiosidade.”
Um silêncio rapidamente se alastrou e através dele emergiu o som dos
soluços de Safia, como se saíssem do assento de um espectador compene-
trado. O jovem retornou a olhar: de Said para Miriam, depois para a boina
deixada ao lado do vaso. Retrocedeu como se algo o forçasse a voltar para a
cadeira ao lado de Miriam. Então, acomodou-se e disse:
“Não. É impossível. É inconcebível.”
Tranquilamente, Said perguntou:
“Você está no exército? Contra quem luta? Por quê?”
O jovem rapidamente se levantou.
“Você não tem o direito de fazer essas perguntas. Você está do outro
lado.”
“Eu? Estou do outro lado?”
Riu com alegria. E com essa gargalhada explosiva, sentiu como se esti-
vesse afastando toda a dor e nervosismo, medo e apreensão para fora de seu
coração. Queria continuar a rir. Rir até que o mundo inteiro fosse colocado
374
de cabeça para baixo ou até dormir, ou morrer, ou correr para o seu automó-
vel, mas o jovem o interrompeu severamente.
“Não vejo motivo para sua risada.”
“Eu vejo.”
Ele riu um pouco mais, se conteve e ficou em silêncio tão subitamente
como quando começou; recostado em sua cadeira, sentiu a calma retornar e
procurou em seus bolsos por um cigarro.
O silêncio se alongou. Então, Safia compôs-se e perguntou com uma
voz submissa:
“Você não considera que somos seus pais?”
Ninguém sabia a quem a pergunta foi endereçada. Miriam não com-
preendeu, nem o jovem alto. Said não respondeu. Acabou o cigarro e foi até a
mesa para apagá-lo. Sentiu uma compulsão em retirar a boina de seu lugar, e
foi o que fez, sorrindo com desdém, para depois retornar a se sentar.
Então o jovem disse com a voz alterada:
“Vamos nos comportar como pessoas civilizadas.”
Mais uma vez, Said riu e disse:
“Você não quer negociar, não é mesmo? Você disse que estamos em
lados opostos. O que aconteceu? Você quer mesmo negociar?”
Agitada e sem entender ao certo, Safia perguntou:
“O que ele disse?”
“Nada.”
O jovem ficou de pé novamente e falou, como se tivesse ensaiado aque-
las frases há muito tempo.
“Eu desconhecia que Miriam e Iphrat não eram meus pais até três ou
quatro anos atrás. Desde muito criança, sou judeu. Vou à sinagoga, à escola
judaica, como comida kosher e estudo hebraico. Quando me contaram que
eu não era seu filho biológico, isso não mudou nossa relação em nada. Mes-
mo quando me contaram, mais tarde, que meus pais biológicos eram árabes,
mesmo assim, nada mudou. Não, nada mudou, isso é certo. Afinal, em última
análise, o homem é uma causa.”
375
“Quem falou isso?”
“Falou o quê?”
“Quem falou que o homem é uma causa?”
“Eu não sei. Não recordo. Por que?”
“Curiosidade. Na realidade, só porque é precisamente isso que passa
por minha cabeça neste momento.”
“O homem é uma causa?” “Precisamente.”
“Então, por que veio me procurar?”
“Não sei. Talvez porque ainda não soubesse no que de fato resultaria
isso tudo ou para estar mais certo do resultado. Não sei. De qualquer forma,
por que não continua?”
O jovem retornou a caminhar com as mãos cruzadas atrás de suas cos-
tas: três passos para lá, três passos para cá. Parecia estar tentando lembrar
uma longa lição de coragem aprendida. Interrompido no meio do raciocínio,
não sabia como concluir. Então, revisou a primeira parte em sua cabeça para
poder continuar. Então, disse:
“Depois de ficar sabendo que você é árabe, continuei me questionando:
como podem um pai e uma mãe abandonar seu filho de cinco meses e fugir?
E como podem aqueles que não são seu pai e sua mãe de sangue criá-lo e
educá-lo por vinte anos? Vinte anos! Deseja lhe dizer uma coisa, senhor?”
“Não”, Said retrucou breve e decididamente, sinalizando com um gesto
para que ele continuasse.
“Estou na reserva. Nunca entrei de um combate direto, até agora, para
que pudesse expressar meus sentimentos, mas talvez no futuro possa afirmar
o que estou prestes a dizer agora: sou deste lugar e esta mulher é minha mãe.
Não reconheço vocês dois e não sinto nada de especial por ambos.”
“Não há por que você descrever seus sentimentos para mim. Depois,
talvez seu primeiro combate seja contra um Fedayin17 chamado Khalid. Kha-
lid é meu filho. Espero que compreenda que eu não me referi a ele como seu
irmão, já que, como você disse, o homem é uma causa. Na semana passada,
377
O jovem saiu da cadeira derrotado e Said disse a si mesmo:
“Nós o perdemos, contudo certamente ele se perdeu depois de tudo
isso e nunca mais será o mesmo que foi há poucas horas.”
lsso lhe deu uma satisfação gigantesca e inexplicável, impelindo-o para
a cadeira onde o jovem estava sentado. Parou diante dele e disse:
“O homem, em última análise, é uma causa. Isso foi o que você disse
e é verdade. Contudo qual causa? Essa é a questão! Pense bem. Khalid do
mesmo modo é uma causa, não porque é meu filho, mas, de qualquer for-
ma, deixemos os detalhes de lado. Quando ficamos diante de um homem,
nada disso tem a ver com sangue, carteiras de identidades ou passaportes.
Você compreende isso? Bom. Imaginemos que você nos recebesse — como
idealizamos por vinte anos — com abraços, beijos e lágrimas. Isso faria al-
guma diferença? Mesmo que você nos tivesse aceitado, aceitaríamos você?
Que seu nome seja Khaldun, ou Dov, ou Ismael, ou qualquer outro... O que
muda? Apesar de tudo, não sinto qualquer desapreço por você. A culpa não
é somente sua. Talvez a culpa se torne seu destino a partir deste instante. E,
além disso, o que mais? O homem é composto do que é injetado nele, hora
após hora, dia após dia, ano após ano, e se me arrependo de algo é porque
acreditei, por vinte anos, no oposto disso!”
Voltou ao ritmo, se fazendo parecer o mais calmo possível, e sentou.
Nos poucos passos que deu, passando pela mesa, onde as penas de pavão
balançavam no vaso de madeira, sentiu que tudo parecia totalmente modi-
ficado desde que entrou por aquela sala, pela primeira vez, algumas horas
antes. Então, questionou a si mesmo: o que é a pátria? Sorriu com desgosto e
desmoronou na cadeira, como se fosse um objeto caindo. Safia, preocupada,
olhou com uma expressão de dúvida. Só então lhe ocorreu que poderiam
envolvê-la na conversa. Então, perguntou:
“O que é a pátria?”
Ela se curvou para trás, com o mesmo olhar de espanto, como se
não cresse no que tinha ouvido. Então, perguntou com uma delicadeza que
continha incertezas:
378
“O que disse?”
“Questionei: o que é a pátria? Pergunto-me isso há tempos. São essas
duas cadeiras que ficaram nesta sala por vinte anos? Essa mesa? Essas penas
de pavão? Aquela foto de Al Quds na parede? A fechadura de cobre? O carva-
lho? A varanda? Khaldun? Nossos sonhos sobre ele? Os pais? Seus filhos? O
que é pátria? A propósito de Faris Al Lubda, o que é a pátria? É a foto de seu
irmão pendurada na parede? São apenas questionamentos.”
Mais uma vez, Safia, repentinamente, começou a chorar, secando as
lágrimas com um pequeno lenço branco. Said olhou para ela e disse:
“Como essa mulher envelheceu. Desperdiçou sua juventude esperando
por este instante, sem saber que seria um momento terrível.”
Olhou para Dov novamente. Pareceu-lhe completamente impossível
que ele pudesse ter nascido de sua mulher e tentou achar alguma semelhança
entre Dov e Khalid, mas não conseguiu encontrar nenhuma. Em vez dis-
so, notou uma diferença em ambos que os torna totalmente opostos. Isso o
surpreendeu e fez com que perdesse qualquer sentimento por aquele jovem.
Imaginou que todas as suas recordações de Khaldun eram um punhado de
neve que o sol ardente logo derreteu.
Mantinha-se olhando para ele, quando Dov se ergeu e parou rígido
diante de Said, como se estivesse à frente de algum grupo militar. Fez um
empenho enorme para se acalmar e disse:
“Provavelmente nada disso acontecesse se você se comportasse como
um homem civilizado deveria se comportar.”
“Como?” - Questionou Said.
“Vocês não deveriam ter fugido de Haifa. Se fosse impossível, pois a
necessidade era o menos importante, então não deveriam ter deixado um
bebê de colo em seu berço; e se, ainda assim, isso também, nunca deveriam
ter parado de tentar retornar... Se isso também fosse impossível? Vinte anos
se passaram, senhor! Vinte anos! O que você fez durante esse tempo para
requerer seu filho? Se eu fosse você, teria pegado em armas por essa causa.
Existe alguma razão mais relevante? Vocês são covardes, covardes! Presos
379
por aqueles grilhões de atraso e apatia! Não me diga que nesses vinte anos
apenas choraram? Lágrimas não trarão de volta o que se perdeu e não fa-
rão milagres! Todos as lágrimas do mundo não os levarão até sua criança
perdida. Então você passou vinte anos chorando... Isso é o que você me diz
agora? Essa é sua arma insignificante?”
Said se curvou para trás, atordoado, ferozmente atingido e dominado
pela tontura. Seria verdade? Ou era apenas um sonho prolongado, uma es-
pécie de pesadelo tirânico, cobrindo-o como um animal imenso? Ele olhou
para Safia, cujo choque a fez parecer uma pessoa indefesa, e sentiu uma pro-
funda melancolia. Apenas para não parecer tolo, dirigiu-se até ela e disse com
a voz estremecida:
“Não quero me indispor com ele.”
“O que ele disse?”
“Nada... disse que somos covardes.”
Safia perguntou inocentemente:
“E por que somos covardes? Ele igualmente pode se transformar em
um covarde.”
Com isso, encarou o jovem que ainda estava de pé. As penas de pavão,
atrás dele, pareciam formar uma figura de um grande galo de cor cáqui com
cauda de pavão. Essa visão estranha animou Said, que disse:
“Minha esposa questiona se o fato de sermos covardes lhe dá o direito
de ser pior. Como você pode ver, ela, inocentemente, reconhece que fomos
covardes. Dessa perspectiva, você está correto. Contudo isso não significa que
você está certo, pois dois erros não fazem um acerto. Se esse fosse o caso, en-
tão, o que ocorreu com Iphrat e Miriam, em Auschwitz, foi certo. Quando vo-
cês vão parar de acreditar que a fraqueza e os erros dos outros são colocados
na conta de suas próprias atribuições? Esses velhos tópicos estão desgastados
e esses métodos aritméticos, cheios de trapaças... Primeiro, vocês falam que
nossos erros justificam os seus, depois dizem que uma injustiça não justifica
outra... usam a primeira lógica para justificar sua existência aqui e a segunda,
380
para evitar a penalidade que merecem. Parece-me que vocês apreciam muito
desse estranho jogo. Outra vez, você está tentando fazer de nossa fraqueza
um cavalo de corrida... Não, não estou falando com você como se fosse um
árabe, mas agora eu sei, melhor que ninguém, que o homem é uma causa,
não de sangue transmitidos de geração em geração, como um comerciante
e seu cliente negociando carne enlatada. Estou sustentando que, em última
análise, você é um ser humano, judeu ou o que seja. Deve entender as coisas
como elas deveriam ser... Eu sei que um dia entenderá essas coisas e saberá
que o maior crime que um homem pode cometer é acreditar, mesmo por um
momento, que a fraqueza e os erros dos outros lhe dão o direito de existir as
nossas custas e justificar seus próprios erros e crimes horrendos.”
Calou-se por um instante e olhou firmemente nos olhos de Dov.
“E você? Acredita que vamos continuar cometendo erros? Se, um dia,
pararmos de cometer erros, o que lhe restará então?”
Sentiu que deveriam se levantar e sair, porque tudo havia chegado
ao fim e não restava mais nada a dizer. Naquele instante, teve uma sau-
dade amorosa de Khalid e quis poder voar até ele, abraçá-lo, beijá-lo e
chorar em seu ombro, trocando os papéis de pai e filho de uma forma
única e inexplicável. “Isso é a pátria”, disse, rindo, para si mesmo. Depois,
voltou-se para sua esposa:
“Você sabe o que é a pátria, Safia? A pátria é onde nada disso pode
acontecer.”
E ela perguntou, um pouco preocupada:
“O que aconteceu com você, Said?”
“Nada. Nada. Eu só pensava alto. Procuro a verdadeira Palestina, uma
Palestina que é mais do que recordações, mais do que penas de pavão, mais
que um filho, mais do que rabiscos desenhados nas paredes. Dizia para
mim mesmo: o que é a Palestina em relação a Khalid? Ele nunca viu o vaso,
a foto, a escada, Halisa ou Khaldun. No entanto, para ele, a Palestina é algo
digno de um homem pegar em armas e dar a vida pela causa. E para nós,
381
para você e para mim, é apenas uma busca por algo soterrado sob a poeira
da memória. E veja o que achamos debaixo desse pó. Ainda mais poeira.
Estávamos errados, quando achamos que a pátria era apenas o passado.
Para Khalid, a pátria é o futuro. É assim que nós nos separamos, e é por isso
que Khalid quer pegar em armas. Dezenas de milhares como Khalid não
serão paralisados pelas lágrimas dos homens que procuram nas suas derro-
tas por fragmentos que lhes servem de escudos. Eles estão olhando para o
futuro, para que possam corrigir nossos erros e os erros do mundo inteiro.
Dov é nossa vergonha, mas Khalid é nossa honra. Não lhe disse desde o
princípio que não deveríamos vir — pois isso exigia uma guerra? Vamos!
Khalid compreendeu isso antes de nós ... Safia!”
Levantou-se e Safia ficou ao seu lado, torcendo o lenço, confusa, en-
quanto Dov ficou sentado e relaxado. Sua boina jogada parecia, por algum
motivo, mais ridícula ainda. Miriam disse lentamente:
“Vocês não podem sair assim. Não falamos o suficiente sobre a questão.”
Said respondeu:
“Não existe nada mais a dizer. Para você, talvez tudo tenha sido apenas
uma questão de má sorte, porém a história não é assim. Quando chegamos
aqui, resistimos como quando, admito, saímos de Haifa. No entanto, tudo isso
é apenas passageiro. Sabe de uma coisa, senhora? Todo palestino pagará um
preço. Conheço muitos que pagaram com os filhos. Agora sei que da mesma
forma paguei com um filho, de uma maneira diferente, mas paguei... Essa foi a
minha primeira parcela, e é algo que é difícil de explicar em palavras.”
Virou-se e viu Dov, ainda tranquilo em sua cadeira, segurando a cabe-
ça entre as mãos.
Quando se paroximou da porta, disse:
“Vocês dois podem ficar temporariamente em nossa casa. Será preciso
uma guerra para encerrar com isso.”
Então, desceu os degraus da escada olhando todas as coisas com cui-
dado. Tudo parecia menos relevante do que há poucas horas, incapaz de mo-
382
tivar qualquer sentimento profundo nele. Ouviu os passos de Safia atrás dele,
agora mais determinados do que antes. E a rua estava quase vazia. Entrou no
carro sem dar partida e desceu lentamente até o pé da encosta. Somente na
curva ligou o motor e foi em direção da Rua Malik Faisal.
Ficaram ambos em silêncio até o fim da viagem. Não trocaram ne-
nhuma palavra até chegarem à entrada de Ramallah. Só então olhou para a
esposa e disse:
“Desejo que Khalid tenha partido... durante nossa ausência!”
383
Teatro político:
Breve Conclusão
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Texto que sintetiza a moral militante e que expõe
elementos que o autor entendia serem necessários aos lutadores
da nobre causa palestina. O texto foi produzido em sua fase
pré-marxista, já militante do nacionalismo árabe do MNA.
As descobertas do personagem principal ante sua
vivência e a forma simples de expô-las se constituem em uma
rica síntese da opção militante.
Nota do organizador
PRIMEIRO ATO
- Bom dia! Meu nome é Abdul-Jabbar, fui criado por Ghassan Kana-
fani nos anos 60. As forças de colonização nos mataram anos mais tarde...
Estou aqui, hoje, e não vou tomar muito de seu tempo para contar minha
breve história, talvez ela lhe seja útil...
Eu sempre gostei de filosofar e costumava a filosofar muito. Deus pode
dissuadi-los pela filosofia... Desde criança já tinha o costume de fazer muitas
perguntas de diferentes tipos... Uma delas preocupou-me por semanas:
- “Por que não colocamos o sapato sobre a cabeça ao invés do chapéu?”
Então decidi colocar o sapato sobre minha cabeça e andar por minha casa.
Até que meu pai veio a mim e “delicadamente” disse:
O texto é uma peça teatral adaptada pelo diretor e ator Fadi Al Naji, baseada em um texto
escrito, em 1958, por Ghassan Kanafani. Tradução de Yasser Jamil Fayad.
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A filosofia continuava a crescer em minha cabeça como a árvore de figos
de meus avós... Seguia crescendo e nos alimentava de figo! Seguia crescendo e
nos alimentava de figo!!! Até ser destruída pelos tanques da ocupação.
SEGUNDO ATO
TERCEIRO ATO
Não foi tão difícil achar um rifle perto de nossa casa, em um local onde
as forças de ocupação enfrentam a resistência dos revolucionários. Quando
os tiros pararam, fui até o campo de batalha e encontrei um soldado das forças
de ocupação morto, com um rifle sob seu braço. Julguei que um cadáver não
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faria nada com um rifle. Aproximei-me do corpo, ergui seu braço e peguei
o rifle. Sentei-me em uma pequena colina e pensei: - Agora tenho meu rifle.
QUARTO ATO
QUINTO ATO
- “Você é rebelde?”
- Respondi: É claro.
- “Te amaldiçoo seu bastardo!”
- Você deseja, eu disse.
Aqui, sem meus camaradas e para me confortar disse:
- “Bater num prisioneiro é uma expressão de arrogância e medo”.
E esta é minha quinta breve conclusão, senhoras e senhores.
SÉTIMO ATO
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Abdul-Jabbar não nos traiu. Ele jogou na face do soldado que o torturava
uma breve conclusão:
- “Traição é uma morte desprezível!”
Em uma noite estávamos nos preparando para a batalha, vimos Ab-
dul-Jabbar nos portões da base. Atrás dele, duas linhas de soldados, ele gritou
mais alto do que as balas da morte:
-“Eu trouxe para você cinquenta soldados e deixei a pátria gritando!”
Nós não conseguimos definir de onde os tiros vinham, senti como se
fosse o fim do mundo. Nossas vozes ficaram insignificantes, nossos corpos
penetrados por balas... Aqueles que sobreviveram, não foram assassinados.
E, martirizados foram deixados para serem cuidados pela terra.
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Cartas:
A esposa;
Visão de Gaza;
Visão de Ramallah;
Curiosidade de uma criança ou o
destino de um homem;
O texto “a esposa” conta a história heroica de resistência
de um vilarejo palestino de forma literária, é uma das formas
de contar a história a contrapelo e como patrimônio cultural
da luta palestina. “Visão de Gaza” é uma carta ficcional que
expressa seu desejo de permanecer na Palestina mesmo com a
opção de outra vida, o que de certa maneira sintetiza a posição
de parte de sua geração. “Visão de Ramallah” lembra a Nakba,
a grande catástrofe planejada contra os palestinos, mesclando
memórias e histórias que o ligam ao que os autores árabes
chamam, de a “geração da Nakba”. Seus escritos refletem esse
evento trágico fundador de novas formas de expressão da
identidade e vida palestinas. “Curiosidade de uma criança
ou destino de um homem” é o momento comovente em que
Ghassan reconhece no filho a passagem da inocência da
infância à aspereza da vida adulta palestina como refugiado.
Nota do organizador
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A Esposa
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é para colocar você a par de toda história. E você tem o direito de saber tudo
o que eu sei, já que estou pedindo para me ajudar a encontrar esse homem.
Não me lembro mais de quando foi que o vi pela primeira vez, mas me
lembro nitidamente de sua aparência: o jeito de quem perdeu alguma coisa
importante. Andava com as costas um pouco arqueadas, as mãos abertas,
olhando desconfiado para os rostos das pessoas na rua. Foi uma espécie de
visão meio estranha, contudo me esqueci dele logo depois. Voltei a me lem-
brar, quando o vi pela segunda vez. Seu olhar me arrancou literalmente do
chão e me senti flutuando, como se fosse absorvido por uma nuvem invisível.
Nunca vou saber se era eu quem havia sido atraído em sua direção, res-
pondendo a um apelo irresistível, que vinha dos olhos dele ou se foi ele quem
veio a mim. Colocou a forte mão sobre meu ombro e perguntou:
- Você a viu?
- Quem?
- A esposa.
Tive certeza, naquele momento, de que se tratava de um louco. O que
senti, cruzando meu olhar com o olhar duro desse sujeito, foi o mesmo que se
experimenta quando a gente encara alguém que perdeu a razão, que não tem
mais o senso da realidade. Escolhi, naquela hora, uma saída fácil, dizendo:
- Não, eu não vi.
Ele soltou a mão pesadamente. Virou-se de costas e escutei o que falou,
como se conversasse consigo mesmo:
- Você diz isso...há mais de dez anos...
Depois, quando desapareceu na multidão, me senti de repente impres-
sionado pelo fato de que seu imenso corpo estava rodeado daquela coisa que
eu disse parecer poeira fluorescente, aquele halo luminoso que os pintores re-
nascentistas colocavam ao redor do Cristo debruçado sobre os pobres. Você
se lembra daqueles cartões de boas festas que a gente recebia?
Eu tentei, em vão, voltar a encontrar esse homem. Mas são coisas que
acontecem num piscar de olhos. Procurei como alucinado pelas ruas, andan-
do várias vezes do início até o fim daquela que havia visto. Havia centenas de
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homens que se pareciam com ele, mas já não adiantava mais nada.
Ainda continuo a procurar e peço que você me ajude. Sei que você está
bem longe daqui, que muitos quilômetros nos separam, mas o que impediria
esse homem de se dirigir, envolvido por sua luz inexplicável, a qualquer lugar
distante quilômetros daqui?
Pedi a mesma coisa a outras pessoas antes de escrever a você. E faço a
você o mesmo apelo que fiz a todo mundo. Já estou falando disso até mesmo
com gente que mal acabo de conhecer. Preciso confessar, Riad, que até acabei
indo mais longe.
Uma noite pensei: se esse homem pegou o costume, durante dez anos,
de interrogar as pessoas sobre a “esposa”, como ele fez comigo, com certeza
elas acabam sentindo o que eu senti, um dia, a caminhar pelas ruas. Meus
olhos se fixaram nos de um sujeito que passava, um desconhecido. Antes
mesmo que eu refletisse um pouco sobre o que fazia, parei o homem. Pus a
mão sobre seu ombro e perguntei:
- Você viu a esposa?
Pode me chamar de louco. Mas isso foi exatamente o que fiz. Aju-
dou-me a compreender mais coisas sobre aquele homem e a “esposa” per-
dida. O pior é que não consigo mais me livrar dessa vontade de parar as
pessoas na rua e fazer a mesma pergunta sobre a “esposa”.
Mas a coisa está feia. Agora preciso voltar ao ponto de partida, a esse ho-
mem envolvido por sua poeira luminosa e cujos olhos, lábios, sua mão pesada,
me colocaram pela primeira vez diante da estranha interrogação. Preciso rever
esse homem, Riad, porque consegui algumas informações sobre a “esposa”.
Riad, ele é da aldeia Shaab. Sua história começa, acho em um dia de
junho de 1948. A guerra fazia o sangue correr após seis meses de luta. Não sei
todo o seu nome, mas sei que se entregou ao combate como poucos. Esteve
por todo lado: na vanguarda, na retaguarda, no socorro aos feridos. Para seu
trabalho, ele precisava saber os horários das operações com pelo menos duas
horas de antecedência, o tempo necessário para fazer a entrega do armamen-
to. Todos os respeitavam pelo papel que cumpria. Era tão escrupuloso que
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chegava ao ponto de, antes de cada operação, encarregar um companheiro de
entregar a arma ao seu proprietário, caso caísse durante a luta. Era meticu-
loso, acertando detalhes como o funcionário de um banco respeitável, ainda
que nunca houvesse visto um banco, respeitável ou não. Por seis meses, não
teve problemas. Nem chegou a ser necessário que tivesse sua própria arma.
Não sei por que ele teve a ideia, num dia de junho, de se apoderar de
uma arma. Era até uma boa ideia, pois os combates mais sérios se concentra-
vam, na época, justamente naquela região da Galiléia. O inimigo havia atira-
do suas principais forças nessa batalha e as levas de emigrantes começavam a
crescer dia a dia, cruzando as colinas rumo ao norte.
Ele não demorou muito para se decidir. Antes do fim da primeira se-
mana de junho já tinha resolvido. Durante um combate cujo nome esqueci,
passou a arma a um companheiro e começou a rastejar sob as nuvens de fogo,
em direção ao lado inimigo. Ele sabia que muitos soldados deles haviam sido
mortos sobre as linhas avançadas. Se esperasse o fim dos confrontos poderia
perder a chance, pois o inimigo levava de volta os soldados mortos e suas
armas, puxando-os com cordas.
Conseguiu chegar às trincheiras calcinadas. Uma espessa escuridão o
envolvia. Deixou-se cair em uma das trincheiras e arrancou com os dentes o
fuzil de um soldado morto, examinando a arma à luz das explosões. A seguir,
voltou para junto dos companheiros.
A novidade logo se espalhou pelas aldeias da região, não porque fosse
a primeira vez que isso acontecia, mas por que o tal fuzil era de um tipo
desconhecido ali.
Não quero esticar muito a história. Depois, ele foi chamado à chefia
local, instalada em uma aldeia próxima. O oficial já estava sabendo do
famoso fuzil. Quando o teve em suas mãos, arregalou os olhos:
- Mas é fuzil tcheco!
Os outros se aproximaram para ver de perto a nova arma. O aço brilhava
a luz da lanterna. Tinha uma coronha escura, marrom, e uma correia amarela,
nova, feita por mãos cuidadosas. Seu tambor, sobre o gatilho, parecia uma coroa.
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Uma voz se ouviu no outro lado da sala:
- Então podemos concluir que eles receberam um novo carregamento de
armas dos países do Leste. Precisamos passar a informação ao quartel general.
O oficial aprovou, balançando a cabeça:
- Eu mesmo vou levar este fuzil ao quartel general.
Deixo que você imagine, Riad, o que aconteceu então. Nosso amigo se
agarrou ao fuzil, mas como você sabe, ordens são ordens. Ele lhes disse:
- Mas será que vão acreditar se vocês derem as informações sem mos-
trar o fuzil? Além disso, podem ganhar tempo... Eu mesmo posso, se quise-
rem, levar o fuzil...
Todos seus apelos deram em nada. O oficial tentou tranquilizá-lo jurando
que iria devolver o fuzil dois dias depois, com carga nova.
Os dois dias se passaram. Depois, uma semana inteira daquele mês em
que cada minuto contava, em que as pessoas morriam, as aldeias eram arrasa-
das, os campos ardiam. Nosso amigo ia de chefia local para casa e voltava de
casa para a chefia. Diziam-lhes: “Espere um pouco...”; depois: “Volte amanhã...”.
Mas os acontecimentos daquele mês decisivo, como você deve lembrar bem,
não esperaram. E dois desses acontecimentos desabaram sobre ele, de repente,
num mesmo dia. Uma manhã, ele descobriu que o oficial acabara de transferir
a chefia local para o norte, para um lugar desconhecido de todos. Mais tarde,
a aldeia de Shaab sofreu o primeiro ataque inimigo: os morteiros atingiram as
casas de barro seco e queimaram os olivais num abrir e fechar de olhos.
Quem poderia emprestar a nosso amigo um fuzil no meio de uma
tempestade assim? De nada vale um fuzil, nessas horas, para permitir a um
homem romper as barragens de fogo e achar abrigo seguro ou mesmo uma
morte honrosa. Fazer o quê, em meio aquele mar de chamas? Esperar a lou-
cura? Não lhe passava pela cabeça fugir, e a loucura não poderia lhe dar mais
do que ele já tinha em sua vida normal. Restava-lhe a morte. Mas a morte não
queria nada de quem havia estado sempre nas primeiras linhas de combate,
lutando com suas armas emprestadas.
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Então ele se sentou onde estava, sobre uma pedra no meio da praça
de sua aldeia. Ficou olhando as casas queimarem, os homens morrerem, sua
família fugir amparada pela noite, em busca de um refúgio.
Quando Shaab foi ocupada, eles apareceram. Vendo-o na praça, sen-
tado, acharam que era um louco. Foi espancando com as coronhas dos fuzis,
expulso para o norte.
Andou dia e noite através do que restava da Galiléia, procurando seu
fuzil por onde passava, perguntando a todos os combatentes que encontrava
pelo caminho. Era como se escavasse os rostos e as coisas em busca do fuzil
que havia guardado por apenas algumas horas e com o qual nunca havia
apontado para coisa nenhuma.
Você sabe o que a aconteceu com a aldeia de Shaab? Pouca gente sabe,
e é preciso você saber para que entenda toda a história. Nosso amigo foi
empurrado pelo calor sufocante até El Baroua, indo dali até Magd Al Kroum,
Al Boana, Dir El Assad, Kesra, Kafr Samii, sempre atrás de informações
sobre seu fuzil. Seguia as pegadas, guiado pelas histórias que ouvia e pelos
homens que as contavam. Quando chegou a Tarshiha, teve notícias recentes
de Shaab. Os quarenta combatentes da aldeia, que haviam sobrevivido ao
ataque, dirigiam-se ao alto comando do Exército de Libertação, no norte.
Solicitaram ali o alistamento. Mas quando perceberam que esse exército
não pretendia lutar pela retomada de Shaab, eles o abandonaram e voltaram
sozinhos. Atacaram as forças que ocupavam a aldeia e conseguiram libertá-
la, após uma batalha que durou a noite inteira.
Pode até parecer incrível para você. Mas foi assim mesmo. Os qua-
renta combatentes voltaram a sua aldeia queimada, conseguiram libertá-la e
perseguiram os soldados inimigos até a encruzilhada de Damon. Dez deles
morreram durante a caçada.
Foi isso que aconteceu, Riad, no coração de uma região toda cercada
pelas forças inimigas. Os trinta homens ficaram na aldeia destruída, repelin-
do noite e dia os ataques seguidos. Enquanto isso, o nosso amigo, em Tar-
shiha, farejava a trilha de seu fuzil. E já começava a sentí-lo bem próximo,
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quase ao alcance da mão. Àquela altura, ele achava que com mais um dia
encontraria sua arma e voltaria a Shaab.
Mas os acontecimentos nunca esperam. Um dia, o inimigo retomou
Shaab. Os homens que a defendiam tiveram que abandoná-la, após terem
perdido cinco dos seus. Esconderam-se nas colinas próximas, onde as pesso-
as da região costumavam, até pouco tempo atrás, levar as cabras para pastar.
Nesse dia nosso amigo soube que um novo fuzil tcheco andava em mãos
de um velho, em uma pequena aldeia ao norte de Tarshiha. Caminhando
sem descanso, chegou ao cair da noite, arrebentando de tanto andar. Ali,
disseram-lhe que os vinte e cinco sobreviventes de Shaab haviam deixado
as colinas. Apenas com seus fuzis e algumas facas, tinham lutado por toda
a manhã, reconquistando as ruínas. Estavam entrincheirados ali, depois de
terem sofrido mais três baixas.
Nosso amigo ainda acompanhava as notícias de seu fuzil de porta
em porta. Soube que o velho havia partido pela noite para cruzar as co-
linas. Talvez quisesse se juntar aos combatentes que se reuniam ao sul de
Tarshiha, esperando um ataque decisivo do inimigo. Ele, então, sem perder
mais um segundo, voltou a Tarshiha. Ficou sabendo que os homens de Sha-
ab, que lutavam nas ruínas de sua pequena e isolada aldeia, o esperavam.
Era sua aldeia, mas por ela não havia tido ainda a chance de disparar uma
única bala. Quando chegou a Tarshiha, teve notícias de Shaab. Os comba-
tentes, extenuados, haviam sofrido um ataque surpresa realizado por gran-
de número de soldados inimigos. Foram obrigados a abandonar mais uma
vez a aldeia, perdendo sete homens durante a retirada. Desapareceram nas
colinas, levando quatro feridos.
Nosso amigo achava que ia ficar louco, correndo de um lado para
outro, dividido entre as notícias de Shaab e as que falavam de seu fuzil.
Os combatentes que haviam escapado tentaram uma nova investida,
descendo das colinas somente duas horas depois de sua retirada.
Com um rápido ataque, retomaram suas posições, conseguindo ainda
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provocar pesadas perdas entre os homens do inimigo e apoderando-se
de uma boa quantidade de armas e munições.
Não sei quem foi que disse a ele em Tarshiha que os combatentes de
Shaab poderiam conseguir-lhe uma arma como aquela que procurava, mes-
mo se ele voltasse a sua aldeia de mãos vazias. Não sei também como foi que
ele reagiu a essa idéia. Nesse mesmo dia, em Tarshiha, ele reconheceu, as
costas de um homem que passava pela praça, seu fuzil.
Como havia feito no dia em que arrancou a arma do soldado morto
com seus dentes, ele tentou retomá-la. Mas o fuzil continuou sobre as cos-
tas do outro. Surpreendido pela ousadia daquele estabanado desconhecido, o
homem voltou-se para enfrentá-lo. Pressentindo a confusão que ia ter lugar,
agarrou-se com força ao fuzil, usando uma mão livre para proteger-se da
investidas do gigante.
Mas o pobre homem era incapaz até de falar naquele instante. Fiquei
sabendo que chorou, tremendo de febre. Seus lábios secos murmuravam pa-
lavras incompreensíveis.
- É meu fuzil! – conseguiu por fim articular com voz apagada.
Suas mãos estavam agarradas à arma e seus olhos se fixavam no outro
como que esperando uma aprovação. Ouviu de volta:
- Seu fuzil? Desgraçado! Paguei o preço dele com meu próprio dinhei-
ro, não faz dois dias...
A pergunta que nosso amigo era incapaz de fazer estava inscrita em
seus próprios olhos. A resposta não demorou:
- Isso mesmo, com meu dinheiro. Comprei, na frente de cinco teste-
munhas, de um oficial que ia para o norte. Custou cem libras...
As mãos relaxaram, mas ainda sem deixarem de tocar o fuzil. Pareceia
estar a ponto de desabar, mas fez um novo esforço para dizer:
- Preciso dele para voltar a Shaab...
- Shaab? Os sionistas a ocuparam outra vez, há poucos dias.
402
Nosso amigo então largou o fuzil lentamente e recuou uns dois passos.
Um pouco mais tranquilo, o outro perguntou:
- Era seu esse fuzil?
Em resposta, teve apenas o silêncio e um aceno de cabeça, que não
escondiam o desespero.
- Paguei por ele com o dote de minha única filha. Há muitos anos eu
recusava dar minha filha como esposa àquele velho estúpido. No fim fui obri-
gado a aceitar... Quando ele pagou cem libras. As cem libras com que com-
prei, um quarto de hora depois, este fuzil de um oficial.
Essa foi a última vez que o viram em Tarshiha. Seguiu depois para o
norte. Com certeza ouviu dizer, antes de atravessar a fronteira, que seus dez
camaradas sobreviventes de Shaab haviam descido as colinas dois dias mais
tarde e que conseguiram retomar, com armas improvisadas, sua pequena al-
deia destruída.
Não sei o nome da moça que foi vendida pelo preço de um fuzil. Não
sei o que foi que o outro homem fez com o fuzil, nem como foi que acabou a
história de Shaab para seus combatentes que sumiam como manteiga no fogo.
Nosso amigo sobreviveu como o único dos habitantes de Shaab? É bem
capaz... Eu não sei, para falar a verdade. Mas talvez seja possível que ele conti-
nue a procurar, com seu olhar estranhamente pesado, seu fuzil perdido, para
poder se juntar aos que o esperavam na aldeia em ruínas.
Por que você não procura esse homem comigo, meu caro Riad? Eu
repito: ele é grande, robusto... Não sei o nome, mas usa velhas roupas cáqui e
parece envolvido por uma fina poeira fluorescente. Ele fica cara a cara com as
pessoas na rua e pergunta: “Você viu a esposa?”. À primeira vista, a gente só
pode achar que é um louco.
Procure amigo, por onde for possível. Acabei de receber há pouco al-
gumas novas informações a respeito da esposa...
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Visão de Gaza
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Visão de Ramallah
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Curiosidade de uma criança ou o
destino de um homem?
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e senti, enquanto ouvia você chegar ao mundo chorando com lamento, que es-
tava repousando em meus ombros e me enraizando mais firmemente ao solo.
Aqui estou, no outro quarto, vendo você nascer de novo, sentindo você
repousar em meus ombros novamente e me empurrando ainda mais profun-
damente na terra.
Neste momento desejei poder ver como, em seu rostinho abundante
de inocência, estava sendo iniciada à tristeza… como que aquele - “Sim!”
Tal qual ferro em brasa erradicou a inocência da infância, enquanto incons-
ciente, você deslizava sobre as lâminas espalhadas a sua frente. Você estava
sendo criado naquele momento, diante dos olhos de sua mãe e meus dedos,
que tremiam como as páginas do livro, como se alguém lhe empunhasse uma
arma e dirigisse seus olhos para o gatilho.
Entre os dois quartos, através paredes, as veias da terra ramifica-
ram-se, unindo-nos novamente. Não podia me mover, mas eu sabia, mes-
mo que vagamente, por que você involuntariamente chorou.
Acredito nesse desconhecido que é transmitido por palavras, mas
que não é percebido por ninguém. Você, sem saber, sentiu o verdadeiro
significado dessa palavra: pertencer… e sofrimento. Isso pode representar
pra você, mais do que para mim, talvez a euforia de uma vitória.
Esses anos que me escaparam serão seus, e a esperança, dentro de mim,
não vai diminuir, mas será enviada para você, e adicionada a sua, crescerá den-
tro de você. Você sem dúvida sentiu isso, caso contrário, por que choraria?
Lembro-me sentado no outro quarto, ouvindo você renascer através
de seu choro - como eu também nasci de novo. Eu tinha apenas dez anos,
quando carros nos transportavam para a vergonha da fuga.
Eu não sabia nada, então, não sentia nada. Sem consciência, ainda des-
frutando da inocência da infância, mas naquele momento, deparei-me com
uma cena que jamais esquecerei: os caminhões haviam parado e desloquei-
-me para onde os homens estavam de pé, impulsionado talvez, pela curio-
sidade de uma criança ou mesmo pelo destino de um homem. Os vi, então,
entregando suas armas no posto da fronteira, para que entrássemos no mun-
414
do dos refugiados com as mãos vazias. Voltei deprimido, sem compreender o
que sentia. Minha mãe estava sentada com outras mulheres e me aproximei
dela como um refúgio, então, ela me perguntou:
- “Alguma coisa errada?”
- “Eles estão entregando suas armas” - disse a ela.
Da mesma forma que sua mãe disse “Sim”, para você, naquele dia mi-
nha mãe disse “Sim!” para mim.
O silêncio se abateu sobre nós como se algo tivesse caído e sob a in-
tensidade de seu olhar, me vi chorando. Naquele dia nasci novamente, esta-
va olhando os homens, mais uma vez, com um olhar que eles não estavam
acostumados a ver em mim e minha mãe - sozinha - estava me olhando,
com um olhar que eu não estava acostumado a ver.
Não acredito que o homem cresce. Não!
O homem nasce de repente. Uma palavra, num instante, penetra em
seu coração para lhe dar um novo pulso. Uma única cena pode lançar a pro-
teção inocente da infância para a áspera estrada da vida.
Da mesma maneira que aquele “Sim!” me recriou, outro “Sim!” recriou
você, e ouvi como você o aceitou, com gemidos de um homem que emerge de
um desconhecido a outro, num fluxo rítmico impossível de controlar.
Se sua pergunta foi como a minha… a curiosidade de uma criança ou
o destino de um homem? Não importa!
Nasceu, naquele instante, a antiga terra dentro de um novo homem…
testemunhei esse nascimento do outro quarto… senti que aquelas veias re-
sistiram e se enraizaram por outros campos, por corpos. E quando veio até
mim, parecia emergir de si mesmo e uma voz em seu íntimo lhe falou:
– “Siga!”
De início, isso causou em você pânico… mas colocou-lhe às portas do
caminho de seu destino.
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Contos e outros textos:
Muros de ferro;
A terra das laranjas tristes;
O jasmim cresceu, rapazes;
Amostra de contos da
personagem Umm Sa’ad:
A chuva;
A guerra acabou;
A proteção;
416
“Muros de ferro” sintetiza uma afirmação profunda que
Ghassan repetiria ao longo de seus textos e análises, só é um
palestino vivo aquele que luta para se libertar; a luta aparece
como antagonista da morte. “A terra das laranjas tristes”
famoso texto em que o autor utiliza elementos de sua própria
experiência pessoal e familiar para descrever os impactos
decorrentes da Nakba no tecido social palestino. “O jasmim
cresceu, rapazes” se trata da memória da cidade de Akka e
da casa da família Kanafani, em que o autor traduz uma dor
comum a tantos palestinos expulsos de suas casas, vilas, cidades
e pátria. Na amostra de contos da personagem Umm Sa’ad
(“A chuva; A guerra acabou e A proteção”), uma personagem
marcante de sua literatura, vemos como Ghassan reverencia as
mães dos campos de refugiados, orgulhosas de verem seus filhos
lutarem para libertar a Palestina, ao mesmo tempo que sofrem
pelo medo da morte e das condições miseráveis nos campos.
Nota do organizador
Muros de Ferro
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A terra das laranjas tristes1
Quando saímos de Jaffa para Akka, não houve nisso uma tragédia
anunciada. Partimos como quem vai todo ano de uma cidade a outra para
os feriados. Nossos dias em Akka, do alvorecer ao ocaso, foram bem banais
e talvez até por ser jovem na época, estava gostando daquilo de não poder ir
para a escola. De todo modo, na noite do grande ataque em Akka, a figura, de
mais a mais, começou então a tomar forma… Aquela noite implacável pas-
sou, pungente, por entre a prostração dos homens e as súplicas das mulheres.
Talvez eu, você e as crianças da nossa geração ainda fôssemos muito
novos para entender a história do início ao fim… mas os pontos começaram
a se ligar, e, pela manhã, no momento da retirada os judeus, que espumavam
nos ameaçando, ia parando uma caminhonete à nossa porta. Um amontoa-
do simples de coisas de dormir foi jogado de um lado para o outro sobre o
veículo, com movimentos ligeiros, febris… Eu estava parado, com as costas
escoradas na parede daquela antiga casa onde teríamos crescido, quando en-
tão vi minha mãe subir na caminhonete, depois minha tia, depois as crian-
ças, notei meu pai jogar você e seus irmãos sobre as bagagens no veículo, e
depois eu. Ele me resgatou do meu canto e me levantou acima de sua cabeça
até as grades de ferro sobre o teto da cabine do motorista, onde encontrei
meu irmão Ryad sentado tranquilamente. Antes que pudesse me acomodar,
o veículo já se movia… E a amada Akka desaparecia, pouco a pouco, nas cur-
vas da estrada que subia para Ras Al Naqoura… O tempo estava um pouco
nublado e uma sensação fria impelia meu corpo. Ryad estava sentado com
muita tranquilidade, suas pernas pendiam da borda das grades e escorado
nas bagagens, olhava para o céu. Eu estava sentado em silêncio, agarrando
aos meus joelhos, apoiando o queixo entre eles.
Laranjais orlavam todo o caminho… havia um medo que corroía a to-
dos nós. E a caminhonete, entre um solavanco e outro, subia pelo solo úmido.
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O jasmim cresceu, rapazes1
433
Amostra de contos da personagem Umm Sa’ad:
434
Fiquei imóvel diante daqueles olhos brilhantes que resistiam. Verdade: Nunca
vi ninguém chorar como Umm Sa’ad.
Ela chorava com toda a superfície da pele. Suas mãos secas choravam.
As gotas de água, que caiam de seus cabelos, eram lágrimas. Seus lábios, seu
pescoço, sua testa, aquela veia que marcava seu queixo como um sinal. Tudo
nela chorava, mas seus olhos não.
- Mas... você está chorando, Umm Sa’ad?
- Eu não choro, primo... gostaria muito de poder. Nós já choramos
muito, muito. Você sabe. Nossas lágrimas foram bem mais abundantes do
que as águas que cobriram o campo ontem. Uma manhã, Sa’ad partiu. Hoje,
ele tem um fuzil e a chuva que cai sobre ele não é só feita de água, mas tam-
bém de fogo. Ninguém chora mais agora. Mas eu fiquei velha, primo. Sinto
cansaço. Passei toda a noite entre a lama e a água... vinte longos anos.
As lágrimas deveriam obstruir sua garganta, impedindo a saída livre das
palavras. Ela estendeu as mãos para mim e engoliu a amargura. Achei que es-
tava mergulhando dentro de si mesma, em um mar de desgosto e sofrimento.
- Que posso dizer a você, primo? Esta noite me senti próxima do fim.
Não quero morrer aqui, na lama e na imundície das cozinhas do campo. Você
me entende, primo? Você, no caso, sabe como escrever... Eu nunca fui à es-
cola, mas sentimos as coisas da mesma maneira. Meu Deus, que posso dizer?
Passei a noite pensando em tudo isso... Encontrei as palavras que faltavam,
mas pela manhã já havia me esquecido delas. Você escreve sua opinião. Eu
não sei escrever, mas mandei meu filho para lá. Foi o meu jeito de dizer o que
você está escrevendo. Não é assim?
Eu podia sentir a lâmina cortante de suas palavras penetrando fundo
em meu peito. A faixa de lama em seu vestido havia se transformado em uma
coroa de espinhos.
- Venha, Umm Sa’ad. Sente-se aqui. Você está esgotada. Pode ser sua
vontade de ver Sa’ad, sua preocupação com ele. E esse tempo, também. Você
está chateada, porque sabe que a chuva vai durar o dia inteiro e vai precisar pas-
sar a noite limpando a lama. Venha. Sente-se aqui. Não desanime desse jeito.
435
Sentou-se e respirou profundamente, como para expulsar com uma
golfada de ar todas as nuvens negras que a atormentavam:
- Não, primo. Você sabe o que Sa’ad fazia, quando ainda estava no
campo? Ele olhava para os homens que limpavam a lama e dizia: “Uma
noite destas a lama vai enterrar todo mundo”. Um dia, seu pai lhe pergun-
tou: “Por que diz isso? Que quer que a gente faça? Você acha que existe um
buraco no céu e que temos de tapar?”. Todo mundo riu. Mas ao olhar para
seu rosto, alguma coisa me surpreendeu. Ele pensava sobre o que acabara
de ouvir, como se a ideia lhe agradasse, como se estivesse planejando fechar
aquele buraco dali a pouco.
- E foi fechar?
- Foi...
Ela me olhou dentro dos olhos. Percebi então uma mudança quase in-
crível. As lágrimas reprimidas haviam dado lugar a uma luminosidade que
vinha das profundezas de sua alma.
- Você sabe, primo, eu não estou preocupada... Ou melhor, estou e não
estou. Você, talvez, tenha a palavra certa para definir esse estado, você que
estudou. Ontem, um companheiro dele me procurou para dizer que tudo
estava bem.
- Ele a procurou?
- Não vi seu rosto. Estava muito escuro. Todo mundo estava mergu-
lhado na lama e água. Ele se aproximou de mim. Era alto, muito alto. Disse:
“Sa’ad mandou lembranças. Ele está bem. Amanhã vai lhe dar um presente”.
Depois foi embora.
436
A guerra acabou
Uma manhã triste. O sol parecia, visto através da janela, uma bola
de fogo pendurada no vazio. Era assustador. Estávamos recolhidos sobre
nós mesmos como bandeiras dobradas. Logo vi que ela surgia abaixo, na
trilha margeada por oliveiras. No espaço feito de ausência, de imobilida-
de, foi como se qualquer coisa se erguesse do chão. Levantei-me, fui até a
janela e a vi se aproximar, a longa silhueta lembrando uma lança trazida
por forças desconhecidas.
Minha mulher chegou perto de mim e ficou também a observar a trilha:
- Umm Sa’ad. Ela chegou.
Com a precisão de um relógio, essa mulher vinha sempre. Saía da terra
como quem vinha transpondo uma escadaria sem fim.
Estávamos acompanhando seus passos quando minha mulher perguntou:
- Que fim levarão todas essas mulheres agora?
Eu não sabia. Esperava Umm Sa’ad justamente para entender o que se
passava. Atrás de nós, os capacetes dos nossos soldados se amontoavam na
areia, abandonados. As filas de refugiados cumpriam uma nova etapa do êxo-
do. Os ruídos da guerra, encobrindo o silêncio dos combatentes, chegavam
através do rádio colocado na mesa, às minhas costas, e lamentando-se como
uma viúva.
O som fraco do aparelho penetrava em tudo o que havia no quarto: os
livros, a cadeira, a mulher, as crianças, o prato, os sonhos do futuro; chegava
a desbotar as cores.
- Ela sumiu logo no começo da guerra - disse minha mulher.
- Agora, com a derrota, voltou. Foi por ela que lutaram. Agora sua derro-
ta é dupla. Fico imaginando o que ela vai dizer... Por que vem com esse jeito de
quem vai nos cuspir na cara? Como será que encontrou o campo pela manhã?
Como aquela poeira suspensa ao sol, as perguntas ficavam no ar.
Afiadas e cortantes, flutuavam no raio prateado, que o sol atirava no quarto,
437
enquanto Umm Sa’ad avançava em nossa direção, trazendo na cabeça aquela
trouxa que nunca largava.
Sua estrada espalhou pelo quarto um cheiro de mato. Eu olhava para
ela como havia feito dez dias antes. Apenas dez dias! Meu Deus, como as coi-
sas podem mudar em dez dias! Ela botou sua trouxa em um canto. Apanhou
um galho que parecia bastante ressecado e me entregou:
- Colhi em um vinhedo. Ela disse.
- Um vinhedo que achei no caminho. Vou plantar diante de sua porta.
Daqui alguns anos você vai comer uvas.
Passei o galho de uma mão para outra. Era só um bastão imprestável.
Depois, perguntei:
- Já está na época, Umm Sa’ad?
Ela fez menção de puxar o lenço branco que lhe cobria a cabeça, como
sempre fazia quando queria tempo para pensar:
- Você não deve entender lá grande coisa de vinhedos – ela disse.
É uma planta fértil, não precisa de muita água. O excesso da água faz só
estragar. Se quiser saber como ela faz, eu digo: ela tira água necessária
da umidade do ar e da terra. Depois, dá uva à vontade.
- É um ramo seco - eu disse, interrompendo.
- Dá a impressão... mas é um ramo de vinha.
- Está bem. Mas isso não importa.
- Tudo acaba - disse ela de repente - não é assim?
- Certo. É isso mesmo.
- Isso é o que você pensa.
Virou-se de costas e foi até a varanda. Cheguei perto e perguntei:
- Como foram as coisas hoje, no campo?
Ela me olhou de frente, inesperadamente, e vi nossa história inscrita em
sua fronte cor de terra. Estendeu as duas mãos para mim:
- A guerra começou no rádio e terminou no rádio. Eu queria ar-
rebentar o rádio, mas Abu Sa’ad o arrancou de minhas mãos. Ah! Meu
primo, meu primo!
438
Ela se apoiou na balaustrada da varanda. Seu olhar se dirigiu às oliveiras
que cobriam toda a colina diante de nós. Apontou para elas:
- As oliveiras não precisam de muita água. Elas vão procurar a água
necessária lá nas profundezas da terra.
Olhou para mim:
- Sa’ad partiu, mas foi apanhado depois de dois dias. Eu achava que
estava combatendo... esta manhã soube que foi detido. Que vergonha! E eu
me perguntando se não estava morto...
- Como ficou sabendo que ele estava preso?
- Na segunda-feira, pela manhã, ele ouviu o rádio. Depois foi cuidar de
tudo. Reuniu seus companheiros e deixaram o campo em segredo, como se
fosse djinnis1. Eu o surpreendi pegando um galho para encontrá-los à saída
do campo. Precisava homenagear sua partida. Ele ficou rindo até o momento
em que não pude mais vê-lo. Mas não foi muito longe. Eles o apanharam e o
jogaram na cadeia.
- E agora?
- O chefe do campo foi procurar informar-se. Veio me ver pela ma-
nhã e disse: “Não precisa se preocupar, Umm Sa’ad. Vou trazer seu filho
de volta”. Imagine, achava que era isso o que eu queria. E achava que Sa’ad
queria isso também. Mas, à noite, ele voltou para me dizer: “Seu filho é um
maluco. Consegui tirá-lo da prisão e ele fugiu. Foi em direção da montanha
e cruzou a fronteira”.
- Cruzou a fronteira? Para onde?
Por um instante, tive a impressão de que ela procurava me indicar, com
movimento de seu braço, uma direção qualquer. Mas o seu braço voltou ao
ponto de partida. Depois passou a apontar os objetos ao redor: os livros, a
cadeira, as crianças, minha mulher, o prato e eu próprio.
Eu estava me sentindo um pouco confuso. Seus gestos davam a im-
pressão de estar exprimindo algo muito complicado que sua mente não
podia dominar.
1-Na tradição islâmica refere-se a um espírito, que pode ser maldoso ou bondoso.
439
- Cruzar a fronteira para quê? Interroguei.
Nos cantos de seus lábios vi surgir um sorriso que eu nunca havia visto
antes e que iria ser constante dali em diante. Tinha o corte de uma lâmina.
Ela não movia mais os braços.
- Como se não soubesse - disse. Como se não soubesse, primo! Cruzar
a fronteira para onde? Você me faz essa pergunta e eles também! Porque não
vai tomar o seu café da manhã?
A pergunta me pegou de surpresa. Voltei os olhos para o prato que me
esperava havia umas duas horas. O apetite tinha se transformado no amargo
gosto da derrota, para sempre.
Umm Sa’ad insistiu:
- Por que não toma seu café? Eu não quero. Estou esperando alguma
coisa que satisfaça meu apetite... Você sabe, somente Sa’ad podia conseguir!
Ela se retraiu por um momento, antes de murmurar como que falando
consigo mesma:
- Se Sa’ad voltar para casa hoje à noite, se ele voltar, eu não vou poder
comer... Você entende por que ele precisa cruzar a fronteira?
Outra vez apontou o horizonte e se voltou para os livros, a cadeira,
as crianças, a mulher, o prato e para mim. Deixou o braço esticado em uma
única direção, imóvel, como uma ponte, ou talvez uma barricada.
- E você, primo,perguntou -o que vai fazer? Vinte anos se passaram.
Eu me lembrei de você ontem à noite, ao saber, ouvindo rádio, que a guerra
acabou... Pensei:”Preciso ir vê-lo”. Se Sa’ad estivesse aqui, teria dito: “Desta
vez é ele quem deve vir nos ver”. Você vai?
Ela não esperou uma resposta. Apanhou o ramo que eu havia colocado
sobre a mesa. Ficou olhando para ele como para um objeto que visse pela
primeira vez e, depois, se dirigiu devagar para outra porta, dizendo:
- Vou plantá-lo. Você vai ver só as uvas que vai dar. Já disse que quase
não precisa de água, que espreme cada grão da terra para ter o que beber.
Atravessando o corredor, pareceu-me grande e majestosa. Não sei o que
me levou a pensar, de repente, no chefe do campo que havia libertado seu filho:
440
- O chefe do campo disse como conseguiu soltar Sa’ad ?
Ela se deteve no outro extremo do corredor, no vão da porta aberta. O
sol dava à sua silhueta um ar irreal, indefinido. Eu não podia ver seu rosto,
mas a ouvi dizer:
- Você ainda está pensando no chefe do Campo?
Foi a primeira coisa que eu vi na manhã seguinte. Ela chegou cedo,
como sempre. Eu estava dormindo, mas já era hora de levantar. Ela não quis
esperar e foi me contar na cama:
- Eu não disse para não se preocupar com o chefe do campo? Sabe o
que aconteceu? Ele foi pedir que eles assinassem um papel prometendo que
teriam comportamento honesto. Eles recusaram e não aceitaram sua autori-
dade. Foi expulso dali.
- Eles quem?
- Sa’ad e seus companheiros. O chefe do campo me disse que zomba-
ram dele e que Sa’ad lhe perguntou: “Que significa ter um comportamento
honesto?”. Começaram a rir e um deles, que o chefe do campo não conhecia,
disse: “Ser honesto... será que isso não quer dizer ser sensato?”. Outro lhe
perguntou: “Ser honesto significa levar um tapa e agradecer?”. Então Sa’ad se
levantou e explicou: “Ser honesto, meu caro, significa fazer a guerra. É isso
que quer dizer.”
Ela respirou fundo, com contentamento misterioso. Sentou-se na ca-
deira e continuou:
- Que Deus os guarde! O chefe do campo me contava toda história e
eu, ali, me controlando para não rir. No final, eu lhe disse: “Por sorte eles não
bateram em você! Dê graças a Deus por isso!”. Ele ficou zangado.
- Eles se recusaram a assinar?
- Claro que se recusaram. Disseram ao chefe: “Você perdeu o bon-
de...”. Ele ficou bem zangado! Especialmente quando, depois que ele lhes
perguntou se precisavam de alguma coisa, Sa’ad respondeu: “Lembranças à
família, meu filho...”. Ficou bem irritado, porque ele é muito mais velho que
441
Sa’ad. É da mesma geração que o pai dele. Achou que foi uma imensa falta de
respeito chamá-lo de “ meu filho”, como se fosse uma criança.
- Que você disse ao chefe?
- Disse que o coração de Sa’ad era muito puro, que ele não teve a inten-
ção de ofendê-lo ao dizer “ meu filho”. Que tudo o que ele havia querido dizer
era que tinha chegado sua própria vez de dar as cartas.
- Você tentou botar panos quentes e foi pior ainda...
- Mas falei assim de propósito!
- E agora? Sa’ad vai fazer o quê? Sua liberdade não era mais útil?
Ela se levantou e ficou me olhando, com um novo sorriso nos cantos
da boca.
- Você não está preso, está? E o que é que está fazendo?
Os jornais estavam jogados no chão e o rádio que eu havia ligado
transmitia um noticiário. Umm Sa’ad ainda continuava com os olhos fixos
em mim, antes de voltá-los para o rádio. Sua voz mudou de repente:
- Sa’ad foi preso, porque se recusou a assinar um documento e por ter
um comportamento honesto... Mas qual de vocês é honesto? Todos assina-
ram esse documento de um modo ou de outro. E vocês estão o tempo todo
na cadeia!
Seu corpo estremecia. Pela primeira vez eu a via em tal estado de cóle-
ra. Levantei-me e disse:
- Fique calma, Umm Sa’ad. Eu não quis ofender você.
- Todos me dizem agora: “Eu não quis...”. Então como foi que tudo
isso aconteceu? Por quê? Por que você não cedeu seu lugar para os que
sabem o que querem?
Chegou bem perto de mim e disse:
- Escute... eu sei que Sa’ad vai sair da prisão, de todas as prisões. Você
entende?
442
A proteção
Vi em seu rosto uma alegria que eu não podia comparar com nada
que houvesse visto antes. Ela colocou suas coisas em um canto e disse:
- Sa’ad chegou...
Caminhou um pouco pelo quarto, enquanto um alegre burburinho
anunciava, do lado de fora, a chegada do grupo que festejava. A seguir, ela se
sentou e deixou descansar as mãos enlaçadas sobre os joelhos. Eu imaginei
Sa’ad, os olhos brilhantes atrás da metralhadora, retornando coberto de pó,
depois de longas noites de ausências. Perguntei:
- Faz já um ano que ele partiu?
- Não. Nove meses e duas semanas.... voltou ontem.
- Vai ficar?
- Não. Ele teve um braço operado. Foi uma bala.
Ela arregaçou a manga para me mostrar a trajetória da bala que atra-
vessou a carne desde o punho até o cotovelo. Observei seu braço, ainda
forte. De repente, tive a impressão de estar mesmo vendo os traços de uma
ferida antiga, já cicatrizada, indo do punho ao cotovelo.
- Mas, você também... - eu disse.
- Eu? Ah, é uma velha ferida, desde a Palestina. Uma raposa tinha rou-
bado uma galinha e saí atrás dela. Tentei apanhá-la junto ao arame farpado e
rasguei o braço.
- E Sa’ad, agora?
- Diz que vai voltar assim que a ferida cicatrizar.
Percebi que ela havia dito “ele vai voltar” e não “ele vai partir”. Mas ela
não havia aprendido que o exílio criava seu próprio vocabulário e acabava
por se enfiar na vida cotidiana como o arado entra na terra.
- Deus o guarde. Ele veio mostrando o braço como se fosse uma
condecoração. Diz que agora é o chefe de seu grupo e que todo mundo
lhe pergunta: “Por que vai embora tão depressa?”. Ele estava sempre na
vanguarda... Eu lhe disse que ele era o verdadeiro filho de seu pai.
443
- Ele estava com muitas saudades de você?
- Sa’ad? Imagine... Ele me abraçou, rapidamente, e saiu logo depois. Eu
disse: “É assim então? Você não sente falta de mim nem mesmo depois de
tanto tempo fora?”. Sabe o que foi que ele respondeu? “Mas eu vi a senhora
por lá”. Depois começou a rir sem parar.
- Como é? Ele viu você lá?
- Ele disse que esteve no oeste da Palestina. Andou com quatro de seus
companheiros durante mais de uma semana. Contou que se aproximaram de
um povoado e se esconderam nos arredores. Não entendi o motivo. Falava e
eu só ficava olhando para ele. Deus o proteja! Que Deus proteja todos eles!
Enquanto falava eu pensei: “Eles estiveram lá, então por que razão tinham de
se esconder no campo?”. Ele me disse... Sentiram fome. Começava a chover.
Quando o aço das metralhadoras fica molhado, a gente sente o cheiro de pão.
Isso é o quê Sa’ad disse.
Em certo momento perceberam que era impossível uma retirada,
pois havia tropas por perto. Ficaram calmos no mesmo local, esperando
que o inimigo partisse logo. Mas as tropas ficaram por ali vários dias, e
eles já estavam morrendo de fome. Era preciso escolher: ficar ali sofrendo
sem parar ou um deles correr o risco de atingir o povoado vizinho para
conseguir alguma coisa.
Era uma escolha bem difícil. Decidiram deixar passar a noite antes
de tomar uma decisão. Lá pelo meio-dia, Sa’ad disse de repente aos outros:
“Minha mãe!”. Todos olharam para a extremidade da estrada estreita e si-
nuosa, que vinha da Colina, e viram uma mulher usando um longo vestido
negro das camponesas. Caminhava em direção deles e trazia uma trouxa na
cabeça e um feixe de ramos verdes na mão.
Ela parecia da mesma idade de Umm Sa’ad e tinha o mesmo corpo
grande e vigoroso. Naquele terrível silêncio, era possível ouvir o ruído de seus
pés descalços sobre o cascalho.
- Sua mãe? - disse um deles. Sua mãe está lá no campo a esta hora. Vai
ver que a fome afetou os seus olhos.
444
- Vocês não conhecem minha mãe - respondeu Sa’ad. Ela me segue o
tempo todo... É a minha mãe.
A mulher chegou logo perto do lugar onde estavam escondidos. Estava
bem perto e eles podiam ouvir o farfalhar do longo vestido bordado com linhas
vermelhas. Sa’ad olhou para ela através da folhagem que o protegia e gritou:
- Mãe!
Ela se deteve percorreu com os olhos o campo que a cercava. Eles pres-
tavam atenção a cada um de seus gestos. Um deles segurava Sa’ad pelo bra-
ço, para impedir que fizesse qualquer bobagem. Passou um minuto e depois
mais outro. A mulher estava perplexa, mas resolveu seguir o seu caminho.
Deu dois ou três passos antes que Sa’ada chamasse de novo:
- Mãe! Responda!
A mulher parou outra vez, indecisa. Sem conseguir enxergar nada, pôs
sua trouxa no chão. Colocou os ramos sobre ela e com as mãos nos quadris
tentou ouvir melhor os ruídos que a cercavam.
- Eu vou até lá - disse Sa’ad.
A velha olhou para o ponto de onde partia a voz. Voltou-se nessa di-
reção e ficou por alguns momentos assim, sem dizer nada. Apanhou então
um ramo e começou a desfolhá-lo. A seguir deu dois passos na direção deles
e perguntou:
- Por que você não sai daí? Não quer mostrar a cara?
Os outros olhavam para Sa’ad, que hesitava. De repente, ele apanhou
sua metralhadora e ficou em pé. Saiu caminhando de encontro à mulher:
- Sou Sa’ad, mãe... estou com fome...
A velha deixou cair o ramo das mãos assim que viu surgir do mato
aquele rapaz em uniforme militar e com uma metralhadora nas costas. Os
companheiros de Sa’ad já apontavam suas armas contra a mulher enquanto
ele se expunha de corpo inteiro. Foi então que ela gritou:
- Que Deus mate todos os seus inimigos de fome! Vem! Vem com sua mãe!
Sa’ad chegou mais perto dela. Quando se encontraram, ela o abraçou
com força:
445
- Que Deus te proteja, meu filho.
- Mãe, estamos precisando de comida.
A mulher se abaixou para abrir a trouxa. Mostrou-lhe o que tinha. Ele
viu seus olhos úmidos e disse:
- Em nome do profeta, não chore, mãe...
- Há outros como você? Dê-lhes de comer. Quando o sol cair eu volto
e deixo uma cesta ao lado da estrada. Que Deus proteja vocês, meus filhos!
Quando Sa’ad voltou, os companheiros não lhe notaram qualquer
sinal de surpresa no rosto. Comeram rapidamente e um deles propôs:
- Vamos mudar de esconderijo. Talvez ela volte com os soldados
inimigos.
Sa’ad não respondeu. Ficou um pouco em silêncio e depois disse apenas:
- É a minha mãe. Vocês viram com seus próprios olhos. Como é que ela
vai pensar em trazer os soldados inimigos?
À noite, ela voltou com uma cesta e fez o mesmo ao amanhecer. A cada
vez, Sa’ad agradecia:
- Benditas sejam suas mãos, mãe!
E ela respondia:
- Deus lhe proteja, meu filho!
- Essa mulher - disse Umm Sa’ad - lhes deu comida durante cinco
dias. Sa’ad me disse que ela nunca se atrasava. Quando o perigo do cerco
passou, ela foi até eles, colocou sua trouxa no chão e disse: “Eles partiram.
Que Deus mostre a vocês, agora, o caminho certo!”
Umm Sa’ad deixou outra vez cair sobre seus joelhos as mãos entrelaça-
das como duas criaturas que não podem viver separadas:
- Ele disse que me viu ali e que, se eu não tivesse levado comida, morre-
ria de fome. E disse que se eu não tivesse rezado por ele, a bala o teria matado,
em vez de apenas ferir seu braço.
Quando ela se levantou para sair, senti em torno de seu corpo o
perfume do mato onde Sa’ad se havia escondido, protegido por esse amor
descomunal.
446
- Ele vai retornar assim que o ferimento cicatrizar - disse Umm Sa’ad.
Pediu para não me preocupar, pois sempre vai me ver perto dele por lá. Que
mais eu podia dizer? Respondi: “Que Deus acompanhe e proteja você”.
Ela virou as costas e saiu andando. Ouvi minha própria voz dizer:
- Mãe!
Ela parou no mesmo instante.
447
Entrevista de Ghassan Kanafani ao
jornalista Richard Carleton
448
O texto que se segue é uma mostra do espírito combativo
que Ghassan Kanafani transparece em todas as suas ações
políticas, incluso na entrevista concedida a jornalistas
estrangeiros.
A intransigência revolucionária apresentada foi uma de
suas marcas como político da Frente Popular de Libertação da
Palestina (FPLP).
Esta entrevista foi conduzida por Richard Carleton,
jornalista da BBC, em Beirute em 1970. Ghassan Kanafani
àquela altura já era um prestigiado intelectual e porta-voz
oficial da FPLP, em Beirute.
Nota do organizador
Entrevistador: O líder de Beirute da Frente Popular (FPLP, Frente Popu-
lar de Libertação da Palestina) é Ghassan Kanafani. Ele nasceu na Palestina,
mas fugiu em 1948, como ele diz, do terror sionista. Desde então, ele planeja a
destruição de ambos: os sionistas e os árabes reacionários.
Ghassan Kanafani: O que eu realmente sei, é que a história do mundo é
sempre a história das pessoas fracas lutando contra as pessoas fortes. De pessoas
fracas que têm uma causa correta, lutando contra as pessoas fortes que usam
sua força para explorar os fracos.
Entrevistador: Parece que a guerra, a guerra civil tem sido bastante in-
frutífera...
Ghassan Kanafani: (Ele corta a conversa e interrompe) Não é uma guerra
civil. É uma luta popular, defendendo-se contra um governo fascista, que você está
defendendo só porque o rei Hussain tem passaporte árabe. Não é uma guerra civil.
Entrevistador: Ou um conflito?
Ghassan Kanafani: Também não é um conflito. É um movimento de li-
bertação lutando por justiça.
450
Entrevistador: Bem, seja lá o que for, mas...
Ghassan Kanafani: (interrompe rispidamente o entrevistador) Não é
“seja lá o que for”. Porque é aqui que começa o problema. Isto é o que você
tem em mente, enquanto me faz todas as perguntas. É exatamente aqui que o
problema começa. Este é um povo que é discriminado lutando por seus direitos.
Isso é histórico. Se você disser que é uma guerra civil, então suas perguntas
serão justificadas. Se você diz que é um conflito, então, é claro, que será uma
surpresa saber o que está acontecendo.
453
Dados e breve
nota biográfica
de Ghassan
Kanafani
454
Artista: Sliman Mansour
455
“Conseguimos ensinar a cada pessoa deste mundo que
somos uma pequena e corajosa nação que vai lutar até
a última gota de seu sangue para colocar justiça para
nós mesmos, depois que o mundo falhou em nos dar.”
Ghassan Kanafani
456
• Nome completo: Ghassan Fayez Kanafani;
• Nome do pai: Fayez Kanafani;
• Nome da mãe: Aisha Al Salem;
• Local de nascimento: Akka (Acre) / Palestina;
• Data de nascimento: 9 de abril de 1936;
• Data do martírio: 8 de julho de 1972 / Beirute – Líbano;
• Esposa: Anni Kanafani (Anni Hover) - casados em 1961. Ela per-
maneceu em Beirute após seu martírio e criou a Fundação Cultural Ghas-
san Kanafani.
• Filhos: Fayez (nascido em 24 de agosto de 1962) e Laila (nascida em
12 de outubro de 1966).
• Nacionalidade: Palestina.
• Profissão: Escritor, dramaturgo, jornalista e político palestino.
• Organizações políticas que integrou: Movimento Nacionalista Ára-
be (MNA) - adesão em 1954 e Frente Popular de Libertação da Palestina
(FPLP) - adesão em 1969.
• Prêmios recebidos: Ganhou o prêmio “Friends of Books in Leba-
non” de melhor romance, em 1966, por “O que resta para você.” Recebeu,
postumamente, o Prêmio da Organização Mundial da Imprensa, em 1974.
Em 1975, recebeu o Prêmio Lotus, concedido pela União de Escritores
da Ásia e da África. Premiado com a Ordem de Jerusalém para Cultura e
Artes, em 1990.
457
Breve nota biográfica de Ghassan Kanafani
458
A carreira docente de Kanafani deixou marcas profundas em sua per-
sonalidade, estilo de trabalho e aspirações políticas. Como um de apenas dois
professores em uma escola de 1.200 alunos (o outro era uma professora, Sa-
mia Haddad, futura esposa de Wadie Haddad, da Frente Popular de Liberta-
ção da Palestina), ficou sobrecarregado pelo volume de trabalho e pelos pro-
blemas que seus alunos enfrentavam no dia a dia - relacionados a vestuário,
comida, abrigo e doenças, além das dificuldades acadêmicas e das privações
culturais e emocionais. As imagens e as impressões que acumulou, durante
esse período, aparecem claramente em sua obra.
Em 1954, Kanafani aderiu ao Movimento Nacionalista Árabe, grupo
que recrutava, principalmente, adeptos nos meios intelectuais e defendiam
mudanças nas sociedades árabes. Posteriormente, o MNA se tornou o núcleo
das organizações de resistência palestinas. A revista semanária “A opinião”,
órgão oficial do MNA, dirigido por Hani Al Hindi e George Habash, tor-
nou-se a primeira tribuna literária de Kanafani, que escreveu 18 textos em
um ano e meio. Dentre eles destaca-se a coluna “O ser humano e os princí-
pios”, na qual criticava duramente os políticos árabes. Sua conscientização
política é permanentemente marcada pela divisão de classes. De um lado,
encontram-se os camponeses, que cultivam a terra palestina, que Kanafani
retrata com desvelo; do outro, os latifundiários, “parasitas”, donos tanto dos
camponeses quanto do campo, na opinião do escritor.
Em 1955, foi expulso da Universidade de Damasco, acusado de parti-
cipar de atividades políticas. Mais tarde, ele se formou na universidade e sua
tese foi intitulada “Raça e Religião na Literatura Sionista”. No mesmo ano,
aceitou uma proposta para lecionar na Cidade do Kuwait (capital kuwaitia-
na), onde permaneceu por cinco anos a partir de 1956.
Nesse país, descobriu que tinha diabetes. Necessitava de um tratamen-
to permanente e acreditava que não viveria muito tempo. À época, a idéia da
morte tornou-se uma obsessão - agravada pela solidão e frustração com a
situação da Palestina.
459
No Kuwait, reencontrou sua irmã Fayzeh e seu irmão Ghazi. Graças
aos três salários, a família Kanafani, que permanecera em Damasco, deixou
de passar necessidades. Em 1960, Habash o convenceu a deixar o Kuwait,
ir para Beirute e se dedicar à carreira de jornalista. Um ano mais tarde, ca-
sou-se com Anni Hover, professora cujo pai havia desempenhado um papel
importante na resistência dinamarquesa contra os nazistas. Em 1963, tornou-
-se editor-chefe do “O libertador”, o principal jornal nasserista fora do Egito.
Escreveu uma coluna semanal intitulada “O que está por detrás das notícias”
e editou o suplemento semanal “Palestina”, dirigido aos palestinos que viviam
no exílio. Pouco a pouco, tornou-se um dos mais renomados jornalistas de
Beirute. Como consequência, obteve o passaporte libanês, o que pôs fim à sua
situação de clandestinidade por não ter documentos oficiais.
Em 1965 e 1966, visitou a China. A principal figura política dessa épo-
ca, no mundo árabe, era Gamal Abd-Nasser. Kanafani não escondia sua ad-
miração pelo líder egípcio e defendeu, em seus escritos, uma amálgama de
nasserismo (essencialmente, pan-arabismo), socialismo e luta política. O ano
de 1967 foi decisivo para ele e para outros intelectuais árabes. Uma das con-
sequências imediatas da vitória israelense naquele ano foi sua mudança de
emprego. “O Libertador” dependia de financiamento egípcio, e o pequeno
salário era insuficiente para manter a família.
Kanafani vinculou-se ao “As luzes”, outro jornal de Beirute, de tendên-
cia nasserista, até 1969, quando se tornou editor chefe de “O objetivo”, jornal
semanal que expressava a opinião da Frente Popular de Libertação da Palesti-
na. (FPLP). Pouco depois, Kanafani tornou-se o porta-voz oficial da FPLP até
seu assassinato, em 8 de julho de 1972, num atentado. Uma bomba foi colo-
cada por terroristas oficiais de Israel debaixo de seu carro, estacionado diante
de um edifício em um bairro de Beirute próximo à estrada para Damasco. Ao
ligar o motor, Kanafani recebeu o impacto e morreu. A outra vítima foi uma
sobrinha de 17 anos que o acompanhava.
460
Bibliografia
de Ghassan
Kanafani
461
Artista: Maher Naji
462
“Para nós, libertar nosso país, ter dignidade,
ter respeito, ter nossos direitos humanos;
isto é algo tão essencial como a vida.”
Ghassan Kanafani
463
Em Língua Árabe:
• A porta (1964).
2 - Estudos e críticas
464
3- Outras publicações, incluso póstumas:
• Nosso verbo é lutar: somos todos palestinos. Editora: Fedayin, 2015. Poe-
sias de combate palestina de Yasser Jamil Fayad. Na seção “A voz que não
se cala”, em homenagem a Ghassan Kanafani temos: Visão de Ramallah
e Visão de Gaza.
• Men in the Sun and Other Palestinian Stories (translated by Hilary Kil-
patrick, 1978).
• All That’s Left to You: A Novella and Other Stories (translated by Jeremy
Reed, May Jayyusi, 1990).
• The Slave Fort’ in Arabic Short Stories, 1983 (translated by Denys John-
son-Davies).
• Palestine’s Children: Returning to Haifa & Other Stories, 2000 (with others,
translated by Barbara Harlow and Karen E. Riley).
Ghassan Kanafani foi traduzido para 17 idiomas. Sua produção inclui centenas
de artigos jornalísticos, contos, peças teatrais, cartas ficcionais, romances, estudos
sobre cultura e política na Palestina.
466
Fotos de Ghassan Kanafani.
467
Ghassan com seus filhos: Fayez e Laila.
468
Ghassan e sua esposa Anni.
469
Imagens do atentado terrorista contra
Ghassan Kanafani.
470
Cortejo fúnebre popular de
Ghassan Kanafani.
471
Cartazes
de Ghassan
Kanafani
472
Artista: Sliman Mansour
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“É claro que a morte significa muito. O importante é
saber o porquê. O auto sacrifício, dentro do contexto
da ação revolucionária, é uma expressão da mais
alta compreensão da vida e da luta para tornar a
vida digna do ser humano. O amor pela vida de um
indivíduo torna-se um amor pela vida das massas de
seu povo, e a rejeição de que a vida persista em ser
cheia de contínua miséria, sofrimento e dificuldades.
Assim, sua compreensão da vida se torna uma virtude
social, capaz de convencer o lutador militante de que
o auto sacrifício é uma redenção da vida de seu povo.
Esta é uma expressão máxima de apego à vida.”
Ghassan Kanafani
474
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1968.
475
1ª Versão
Tradução do árabe: “O caminho da luta armada é o
caminho para a libertação da Palestina”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1969.
476
2ª Versão
Tradução do árabe: “O caminho da luta armada é o
caminho para a libertação da Palestina”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
477
1ª Versão
Tradução do árabe: “Glória aos militantes que destruíram
os tanques dos fascistas”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
478
2ª Versão
Tradução do árabe: “Glória aos militantes quedestruíram
os tanques dos fascistas”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
479
1ª Versão
Tradução do inglês: “Apoie a luta heroica do povo palestino,
em Gaza, contra a repressão israelense”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
480
2ª Versão
Tradução do inglês: “Apoie a luta heroica do povo palestino,
em Gaza, contra a repressão israelense”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
481
Tradução do árabe: “Destrua os inimigos dos povos”.
Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) - 1970.
482
Pinturas
de Ghassan
Kanafani
483
Artista: Sliman Mansour
484
“Em toda a história da luta palestina, a revolta popular
armada nunca esteve tão perto da vitória quanto nos
meses entre o fim de 1937 e o começo de 1939.”
Ghassan Kanafani
485
486
Pintura intitulada: “Antar”.
Fundação Cultural Ghassan Kanafani - 1980.
487
488
Pintura intitulada: “O Leitor”.
Fundação Cultural Ghassan Kanafani - 1980.
489
Pintura intitulada: “O velho”.
Fundação Cultural Ghassan Kanafani - 1980.
490
Pintura intitulada: “Mulher”.
Fundação Cultural Ghassan Kanafani - 1980.
491
“Cavalo”
por Ghassan Kanafani.
492
Escultura
de Ghassan
Kanafani
493
Artista: Sliman Mansour
494
“A história de um povo não é obra de um indivíduo, mas
a vontade de se unir à luta incessante das massas para
derrotar todo tipo de exploração nacional e de classe.”
Ghassan Kanafani
495
Escultura
de Ghassan Kanafani.
496
Razão de viver
497
Não conheço seu nome,
mas sei por quem bate
seu coração livre.
No meio de tantos
não percebi os delicados movimentos
de seus ágeis braços,
porém sei quem eles desejam
abraçar livre.
Sei o nome
desse seu querer sem fim
que soa como uma prece.
498
E que nos faz mover,
sonhar,
desejar,
lutar,
resistir,
como uma bússola
nos norteia a vida.
Um nome
que é nobre causa.
É nossa
razão de viver...
Palestina!
499
Em memória da jornalista palestina-
americana Shireen Abu Akleh, do canal
Al Jazeera e dos outros 52 palestinos
assassinados nas operações militares
israelenses criminosas no campo de
refugiados de Jenin, no período de abril a
maio de 2022.
A jornalista morreu ao ser atingida por tiros
no dia 11 de maio de 2022.
500
Nota sobre o organizador
501
Yasser Jamil Fayad –
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503