Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Cadernos Negros é uma série literária independente que veicula textos afro-
brasileiros. A série foi concebida por jovens estudantes que acreditavam no poder
de conscientização, sensibilização e acolhimento da literatura, e viam na poesia
uma possibilidade de expressar e promover uma arte propriamente negra. Os
Cadernos procuram, no seu cerne, combater a discriminação racial e, no campo das
Letras, resistindo de forma literária, social e política.
No Brasil, esse fator combativo foi intensificado pelo acesso da população negra às
universidades. O furor do surgimento de novas entidades de ensino superior no
período permitiu que uma pequena parcela daquela população quebrasse a inércia
social ingressando, mesmo que timidamente, nos espaços de formação cultural e de
ensino. Entre esses estudantes estava o escritor Cuti, então aluno do curso de
Letras da USP.
O que se apresentou como oportunidade foi, para Cuti e seus colegas, uma
experiência de desencanto: o curso de Letras não contemplava a cultura afro-
brasileira; os textos literários com temática racial não eram bem recebidos nem
pelos colegas nem pelas editoras; de viés afro-brasileiro só interessavam autores já
consolidados ou personagens estereotipadas a serviço da mentalidade dominante.
A área das Letras se mostrou mais um ambiente de exclusão, que descartava as
raízes africanas tanto quanto outros setores da sociedade.
Profundamente incomodado, Cuti se junta a seus colegas, que partilhavam de uma
mesma sensação de deslocamento, para questionar o pouco prestígio da literatura
afro-brasileira no Brasil. O grupo, que posteriormente se denominou
Quilombhoje[2] , passou a desenvolver debates que promoviam consciência sobre o
apagamento da figura do negro[3] e sua representação distorcida nos discursos
literários: como, afinal, poderia a maioria da população brasileira se identificar com
as personagens do próprio país se os livros conhecidos traziam figuras e narrativas
toscas, superficiais? E como combater esse distanciamento e essa intimidação num
cenário excludente, onde não interessava que as questões fossem discutidas ou
publicadas?
Como resposta a essa exclusão, Cuti se alia a Hugo Ferreira, seu colega, e estes
concebem o primeiro conceito dos Cadernos: uma publicação independente de
antologias com a temática do “ser negro no Brasil”; um espaço de expressão em
que coubessem as mazelas da população de cultura afro. A dupla se une a outros
sete autores-estudantes[4] e juntos financiam a primeira edição do projeto.
Militantes por excelência, os Cadernos Negros seguem vivos até hoje e seus
volumes anuais alternam o gênero literário a cada ano – nos anos pares são
publicados poemas e, nos anos ímpares, contos -, sempre tratando com sinceridade
e intensidade o que significa ser negro no Brasil.
Alguns exemplares da série encontram-se disponíveis para leitura na biblioteca do
CCSP, incluindo a primeira edição e uma seleção à parte, de dois volumes (“Os
Melhores Poemas” e “Os Melhores Contos”), que foi traduzida para o inglês.