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Amaldiçoado

Dizem que bebês conseguem escutar a voz de sua mãe, por mais que não seja frases
completas ainda escutam enquanto estão na barriga, e isso aconteceu com ele, mas ao
invés de escutar um "eu te amo", "você é meu tesouro", "eu vou proteger você", ele
escutava apenas promessas de raiva, ódio, maldições.
Até que um dia a voz de sua mãe mudou, ao invés de apenas a tristeza habitual, a ira
em seu tom, a voz dela mudou para um estado pior:
"Eu não aguento mais… Me deixou… Fardo… Se talvez… Culpado… Eu amo ele…"
Choros ecoavam enquanto uma melodia tocava ao fundo, uma melodia melancólica que
mencionava um tipo de sol, ele sentiu os movimentos de sua mãe, ele sentiu o andar
apreensivo, ela arrastando algo,ela subindo, e um tipo de pulo e após isso, nada.
Ninguém pede para nascer, para abrir os olhos e respirar o ar puro, e com ele não foi
diferente, nascido de um corpo morto, um garoto tido como amaldiçoado, aquele que
nasce de um corpo morto muitas vezes é olhado com olhares de desgosto, sendo
chamado de escória, pária, uma criança amaldicoada desde o ventre até a sua vinda ao
mundo.
Assim que os médicos viram a criança ao chão, nem pensaram muito, pegaram ele e
levaram para o hospital, era incrível um bebê estar vivo após ter caído de uma altura
daquelas, uma espécie de milagre para os médicos, o caso repercutiu por muito tempo,
“Um bebê nascido de um corpo morto”.
Seu primeiro orfanato foi “Sol feliz”, onde um dos funcionários deu o seu nome, Getúlio
Gragas, um bebê com a cara rosada, por mais que a sua mãe foi encontrada como um
corpo mal nutrido, ele era um bebê bem gordinho, já tinha um cabelo loiro e cacheado,
ele era a descrição de um querubim, um bebê que por mais que fosse fofo era
problemático, no começo de sua vida por algum motivo desconhecido para os
funcionários do orfanato, ele não bebia leite, não aceitava de jeito nenhum, quando não
vomitava, virava a cara, até que em uma medida desesperada, deram a ele um suco de
uva, que pareceu servir como um substituto, seu choro deixava todos ao seu redor
tontos e nauseados.
Conforme crescia as coisas estranhas seguiram a acontecer, plantas pareciam reagir ao
seu humor, plantas mortas cresciam e voltavam a vida quando ele estava feliz, porém,
quando estava triste ou zangado, as plantas morriam, bebidas fermentavam demais e
estouravam quando ficava bravo, as bebidas ficavam mais doces quando estava feliz,
sempre dizia que consegui ver coisas escondidas nas matas, passando correndo,
criaturas que não pareciam ser desse mundo, por conta disso as crianças não
conversavam com ele, para elas, ele era um monstro, um amaldiçoado.
Getúlio nunca pediu para existir, não tinha mãe, não conhecia seu pai, esperava que
alguma pessoa entrasse pela porta do orfanato procurando pelo seu filho, e fosse ele o
escolhido, coisa que não parecia que aconteceria com ele, casais entravam e saiam, e
nenhum deles sequer olhava para Getúlio com um olhar caloroso, apenas com pena,
como se fosse um cão machucado, ele passou a odiar as pessoas, os órfãos que
estavam com ele por o tratarem diferente, os casais que entravam por não o adotar, sua
mãe por morrer e ter o deixado sem ao menos uma única explicação de quem era o seu
pai, e claro, seu próprio pai, um covarde que teria engravidado uma mulher e fugido.
Getúlio sempre foi tratado mal por todas as crianças, menos uma, Mariana, uma garota
que sempre tratou Getúlio com carinho, em uma noite Mariana pediu para Getúlio
encontrar ela ao lado de fora do orfanato, era uma noite fria, um céu estrelado, parecia
que essa seria a única coisa boa que iria acontecer com ele até então, o encontro se
daria na estufa do orfanato, o único lugar quente ao lado de fora, ao chegar na estufa, lá
estava ela, Mariana, uma das garotas mais lindas que Getúlio já tinha visto, sem nem
ao menos pensar, ele se aproximava dela, quando de repente, ele é empurrado, ele não
esperava um ataque ainda mais em aparentemente um encontro, um lugar onde deveria
ter apenas os dois, a triste realidade atingiu Getúlio, era uma armadilha, um jeito
doentio de machucá-lo, machucar um garoto que não fez nada, ao cair no chão seu
mundo havia quebrado, ele não tinha mais lugar ali, no mundo em si, as crianças que
haviam armado tudo isso estavam rindo enquanto alguns o empurravam com os pés,
impedindo que ele levantasse, em um momento de fúria e tristeza, ele solta um grito
altissimo, fazendo os vidros da estufa quebrarem, e as videiras começarem a crescer
em uma velocidade alarmante amarrando os pés das crianças e os levantando, antes
que o pior acontecesse, algumas silhuetas surgem a frente dele e tudo escurece.
Quando acorda, está em um quarto diferente, em um lugar aonde não conhece, mas
sente de alguma maneira, uma aura reconfortante, ele escuta passos no corredor até
que a porta abre, quem abre a porta é um senhor com um poodle no colo.
“Seja bem vindo Getúlio, eu sou o regente deste orfanato”

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