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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

O CAMPO E A CIDADE NA FOTOGRAFIA: AS PAISAGENS BRASILEIRAS

NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889 – 1899).

Projeto de Tese apresentado ao Programa


de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Minas Gerais.

Linha de pesquisa: História Social da


Cultura

BELO HORIZONTE
2022
0
OBJETO
Desde a chegada da Missão Francesa em 1816, a criação de representações pictóricas das

paisagens brasileiras passa a ser uma prática especialmente importante para a

consolidação da imagem do Brasil dentro e fora de seu território. Ao longo do século

XIX, as cenas brasileiras foram representadas pelas artes visuais, expondo as contradições

de uma nação dividida entre as dualidades e antagonismos dos espaços rurais e urbanos.

Das obras de Nicolas-Antoine Taunay passando pelas telas de Jean-Baptiste Debret, a

espacialidade brasileira era evidenciada ora por seus aspectos naturais, ora por seus

aspectos citadinos. Tais imagens revelar-se-iam significativas para consolidar temas e

abordagens comuns nas representações das paisagens do Brasil, tanto nos oitocentos

quanto depois no século XX. As imagens brasileiras do campo e cidade travaram uma

batalha para estabelecer as identidades visuais que deveriam representar a nação ao longo

dos anos.1

E a partir do estabelecimento da fotografia no Brasil, as imagens produzidas pelos

fotógrafos também começaram a participar desta disputa travada no campo das imagens,

com o objetivo de formar uma identidade visual para a nação2. Durante todo o Segundo

Reinado, a fotografia colaborou com a construção de uma retórica imagética que buscava

consolidar as paisagens do território brasileiro como símbolos nacionais. E expunha a

fotografia como um instrumento do governo imperial capaz de construir uma imagem

polivalente do Brasil, que apresentava tanto as paisagens da natureza exuberante quanto

das cidades em franco progresso.

Como afirma a historiadora Natalia Brizuela: “O Brasil moderno e paradisíaco que surge

nas fotografias de Marc Ferrez, entre tantos outros”3 fotógrafos oitocentistas

1
MIGLIACCIO. Arte e classicismo no Brasil: ciando paisagens e relendo tradições, p. 48.
2
BRIZUELA. Fotografia e Império: Paisagens para um Brasil Moderno, p. 43.
3
Idem, p. 57.

1
evidenciaram a diversidade das paisagens brasileiras. O campo e a cidade refletidos,

respectivamente, na natureza virginal e “pitoresca”, de um lado, e de outro, os esforços

governamentais para o embelezamento e progresso das cidades brasileiras.4

Em resumo, o projeto nacionalista de d. Pedro II buscou revelar o Brasil através da

fotografia. E, com isto, atestar a singularidade das paisagens brasileiras por meio da

divulgação e circulação das representações fotográficas produzidas durante o Segundo

Reinado.5

Diante desta premissa, o presente projeto de tese pretende se debruçar sobre as fotografias

de paisagens do campo e da cidade produzidas durante os 10 primeiros anos da Primeira

República do Brasil. Tendo como objetivo investigar se, também durante este período, as

fotografias foram tomadas como instrumento para gerar visibilidade para as paisagens

que deveriam ser tidas como símbolos da nação e capazes de criar identidades nacionais.

O eixo central deste trabalho consiste em pesquisar as imagens fotográficas de vistas

urbanas e rurais buscando entender se os governos de Deodoro da Fonseca, Floriano

Peixoto, Prudente de Morais e Campos Sales delegaram à fotografia a responsabilidade

de criar uma imaginação acerca da geografia e do território brasileiro. Com isso, busca-

se compreender o papel da fotografia como meio de construção e reafirmação de

identidades nacionais do Brasil durante os anos de 1889 e 1899.

Segundo o historiador francês Peter Burke:

Desde o início da história da fotografia o novo meio de comunicação


foi discutido como uma forma de auxílio à História. Numa conferência
proferida em 1888, por exemplo, George Francis recomendou a coleção
sistemática de fotografias como “a melhor forma possível de retratar
nossas terras, prédios e maneiras de viver”.6

4
BRIZUELA. Fotografia e Império: Paisagens para um Brasil Moderno, p. 53.
5
Idem, p. 60.
6
BURKE. A Testemunha Ocular. p. 35.

2
Portanto, pretende-se aqui dar inteligibilidade aos usos e funções da fotografia como

instrumento de construção de identidades nacionais durante os 4 primeiros governos

republicanos. E partindo do estudo das fotografias de paisagens, perceber se houve

durante a República, tal qual no Império, um projeto nacionalista que se baseava no uso

de imagens, especialmente fotografias, que auxiliariam na consolidação de símbolos do

Brasil e na formação de um imaginário social acerca das espacialidades que deveriam

representar a nação.

No tocante do acesso aos acervos fotográficos para o desenvolvimento desta pesquisa,

uma parte considerável dos documentos que deverão ser analisados se encontra

disponível na internet, através dos sites brasilianafotografica.bn.br e ims.com.br. Outras

fontes também importantes para a continuidade deste trabalho estão guardadas na

Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República e nos

arquivos paulista e carioca do Instituto Moreira Salles.

RECORTE ESPAÇO TEMPORAL

Estabelecemos como o recorte temporal o período compreendido entre os anos de 1889 e

1899. E valendo-se das fotografias produzidas nestes 10 primeiros anos do período

republicano, procuraremos perceber como a temática das paisagens urbanas e rurais

durante os governos de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais e

Campos Sales.

A última década do século XIX, época inserida no delineamento cronológico deste

trabalho, foi marcada por importantes reformas urbanísticas. Sendo muitas delas

amplamente documentadas por fotografias e álbuns que registraram os processos de

embelezamento e modernização das cidades brasileiras. Neste contexto, insere-se os

álbuns das cidades de Belo Horizonte e Belém.

3
A respeito disso, a historiadora Viviane Araújo destaca que:

Com objetivos comerciais, fotógrafos e editores de álbuns, de postais e


de diversos tipos de publicações ilustradas reproduziram imagens
fotográficas, contribuindo para uma difusão cada vez mais ampla das
cenas urbanas. Além disso, órgãos do poder público e empresas
privadas responsáveis por construções de avenidas, espaços de
circulação e lazer, pela ampliação dos transportes, do fornecimento de
energia, etc., utilizaram a fotografia como forma de registrar,
publicizar, conferir visibilidade e perenidade aos seus
empreendimentos, construindo uma espécie de síntese a respeito do
processo de transformação das cidades retratadas.7

Não obstante, se as fotografias urbanas ressaltavam o lado moderno do Brasil, as

fotografias rurais iam na contramão desta tendência, e apresentam a face atrasada e pobre

da nação. Como podemos notar no caso das fotografias de Flávio de Barros sobre os

moradores de Canudos em 1897.

Assim sendo, também lançaremos mão das fotos de moradores das áreas rurais para

analisá-las e compará-las com as fotografias urbanas produzidas nestes 10 anos. O estudo

das fotografias produzidas entre 1889 e 1899 poderá nos ajudar a pensar a função da foto

como instrumento produtor de estereótipos sobre as populações e localidades.

EXPLICITAÇÃO DO PROBLEMA

A fotografia, desde o início, foi encarada como um documento fidedigno. Um tipo de

registro munido de grande objetividade e exatidão, capaz de atestar a veracidade daquilo

que representava sem dar espaço para contestação ou dúvida latente. Parte deste caráter

fidedigno adveio justamente da sua natureza mecânica, que reduz a possibilidade de

intervenção humana na criação da imagem, principalmente se comparado a outras artes

visuais, como a pintura e o desenho.8

7
ARAUJO. O papel da fotografia na construção simbólica das reformas urbanas. p. 48.
8
ROUILLÉ. A fotografia, p. 62.

4
O deputado francês Dominique Arago, no seu discurso em defesa da aquisição dos

direitos sobre a invenção do daguerreótipo, feito na Câmara dos Deputados da França,

em julho de 1839, já havia destacado a natureza fiduciária e fidedigna das imagens obtidas

através dos processos fotográficos. Para Arago:

Estes desenhos superarão em todo o lado, quanto fidelidade e cor local,


as obras dos mais hábeis pintores, e as imagens fotográficas, regendo-
se, na sua formação, pelas leis da geometria, permitirão, com o concurso
de um reduzido número de dados, reproduzir nas dimensões exatas as
partes mais elevadas, mais inacessíveis, dos edifícios.9

O relato de Arago nos possibilita perceber as concepções oitocentistas acerca dos

empregos e aplicações da fotografia. A ideia de que a representação fotográfica é uma

simples reprodução fiel da realidade deu a ela o status de prova irrefutável de fatos e

eventos históricos. Desde o século XIX, a fotografia se transformou em um documento

acima de qualquer suspeita, um testemunho impassível de falsificação. Por isso, ela pode

ter sido utilizada como uma forma de atestar os contrastes entre campo e cidade durante

os primeiros anos da República.

O sociólogo alemão Siegfried Kracauer lembra, em seu artigo sobre fotografia, que:

No século XIX, em França, a ascensão da fotografia coincidiu com a


difusão do positivismo: este corporizou não tanto um sistema filosófico
quanto uma atitude intelectual, partilhada por muitos pensadores, que
desencorajava a especulação metafísica a favor de uma tomada de
posição científica, encontrando-se, assim, em perfeita sintonia com o
desenvolvimento da industrialização em curso. (...) O pensamento
positivista aspirava a uma reprodução fiel e totalmente impessoal da
realidade.10

Muito presente na sociedade brasileira da Primeira República, a mentalidade positivista

contribuiu bastante para a adoção da fotografia como documento verídico, insuspeito e

incontestável. Esta mesma ideologia positivista confiava nas imagens capturadas pelas

lentes objetivas por serem fruto de um processo físico-químico, em grande parte alheio a

9
ARAGO. Relatório. p. 37.
10
KRACAUER. Fotografia, p. 269.

5
ação humana. E, como lembra a historiadora portuguesa Maria Medeiros, “a crença no

poder de verdade proporcionado pela fotografia decorre, em grande parte (...), da

dimensão automática e mecânica do seu dispositivo”.11

De acordo com Boris Kossoy, as fotografias apresentam uma segunda realidade ao seu

observador. Esta outra realidade seria aquela representada pelo documento. Pois:

o sentido deste documento não reside no fato de representar unicamente


um ‘objeto estético de época’, mas sim um artefato que contém um
registro visual, formando um conjunto portador de informações
multidisciplinares, inclusive estéticas. Porém, ao comparar os
conteúdos fotográficos do passado aos demais documentos pictóricos
ou escritos, se estará diante do desconcertante verismo da informação
visual fotográfica, o que diferencia em essência as fontes fotográficas
das demais. É que as fotografias mostram, em seus conteúdos, o próprio
passado.12
A segunda realidade da fotografia, descrita por Kossoy, se relaciona ao “isto-foi”13

barthesiano, e remete à ideia de que o referente fotográfico, de fato, esteve um dia diante

das lentes objetivas da câmera. Em razão disso, se configurou como documento

irrefutável, que potencialmente pode ter sido instrumentalizado pela República como

meio de testificar determinados discursos sobre o Brasil e sua espacialidade.

Portanto, faz-se mais uma vez indispensável lembrar que a Primeira República vivenciou,

em várias regiões, intervenções urbanísticas que embelezaram as cidades brasileiras. E

que tais intervenções foram narradas em álbuns fotográficos que, além de propagandear

tais obras, teriam tido a intenção de preservar a memória das cidades.

O desenvolvimento dos estudos sobre história e fotografia lança luz


ainda a uma importante vertente da fotografia documental que permite
ampliar as reflexões acerca das relações entre representação fotográfica
e imaginários urbanos: o registro de reformas urbanas. A contratação
de fotógrafos com a finalidade de documentar o desenvolvimento de
reformas foi uma prática muito frequente desde a segunda metade do
século XIX. Ao acompanhar o curso das obras, reproduzindo projetos
e retratando os arquitetos e engenheiros responsáveis por estes,
registrando o trabalho dos operários, os equipamentos utilizados, as
cerimônias de inauguração e os aspectos gerais dos locais antes, durante
e após a conclusão desses trabalhos de construção ou reforma, os

11
MEDEIROS. Fotografia e Verdade, p. 111.
12
KOSSOY. História e Fotografia, p. 168.
13
BARTHES. A câmara clara, p. 68.

6
fotógrafos atenderam à demanda de que tais intervenções fossem
documentadas, a partir de um meio capaz de promover seu registro e
divulgação da maneira considerada, então, a mais irrefutável de que se
dispunha.14

Ademais, como já foi frisado anteriormente, buscaremos ainda estudar o poder do

documento fotográfico como meio de perpetuação de estereótipos sobre determinadas

populações. Aqui, especialmente, as sertanejas. E neste caso específico, as imagens feitas

por Flávio de Barros, fotógrafo contratado pelo exército para registrar a Guerra de

Canudos, em 1897, serão fonte importante para investigar o uso da fotografia como

ferramenta ideológica capaz de legitimar discursos de grupos hegemônicos que

difamavam e rebaixavam os moradores das áreas rurais do Brasil.

Numa sociedade de classes, os sistemas de representação que deveriam


explicitar os fenômenos já estão ele próprios contaminados pela luta de
classes e, por consequência, tornam-se sistemas necessariamente
“deformadores”, isto é, dotados de intencionalidade, formados pela
estratégia classista e atravessados pelo crivo da classe que os forjou e
que, na maior parte das vezes, coincide com aquela que detém o poder
político. O sistema simbólico que os homens constroem para
representar o mundo são ideológicos exatamente porque, longe de
constituírem entidades autônomas e transparentes, estão sendo
determinados, em última instância, pelas contradições da vida social.15

O uso da fotografia como instrumento ideológico das classes dominantes poderá ser

evidenciado através do estudo da fotografia intitulada 400 jagunços prisioneiros, feita por

Barros, em outubro de 1897, nos momentos finais da Guerra de Canudos. Esta imagem

demonstra a intenção de forjar, através da fotografia, determinados juízos e preconceitos

sobre os moradores de Belo Monte.

Ao fazer uso do termo “jagunço” para se referir aos conselheiristas que se renderam aos

batalhões do exército para não morrer, o fotógrafo tenta passar a ideia de que a população

de Belo Monte era formada por pessoas violentas e naturalmente agressivas. Com isto, é

14
ARAUJO. O papel da fotografia na construção simbólica das reformas urbanas, p. 49.
15
MACHADO. A ilusão espetacular, p. 16.

7
possível que Flávio de Barros tenha buscado reunir argumentos que justificassem o

genocídio contra a comunidade de Canudos por parte do exército brasileiro.

Curiosamente, a própria fotografia consegue “desmentir” o fotógrafo, pois retrata um

povo pobre, fraco e acuado, formado majoritariamente por mulheres e crianças. Muito

distante do que poderia vir a ser, de fato, jagunços.

OBJETIVOS

O presente estudo tem a intenção de pensar a produção de imagens fotográficas como

instrumento narrativo responsável por formar uma determinada memória sobre a

espacialidade do Brasil. Assim sendo, podemos explicitar e enumerar nossos objetivos da

seguinte forma:

1. Investigar se a imagem fotográfica, no período da República, corroborou com a

criação de identidades nacionais que buscavam estabelecer os espaços geográficos

que seriam admitidos como símbolos da nação. E compreender até que ponto a

fotografia participou do processo de produção de imagens com o objetivo de

apresentar e representar o Brasil para o público entre os anos de 1889 e 1899.

2. Pensar a função da fotografia como forma de divulgação do processo de

modernização das cidades brasileiras desenvolvido no período da República.

3. Perceber se, de fato, a fotografia foi utilizada como testemunha ocular dos

processos de embelezamento das cidades brasileiras. Numa possível tentativa de

uso das representações fotográficas como meio de ratificação, perante a opinião

pública, da ideia de que o Brasil definitivamente ingressara em uma era de

progresso promovido pelas reformas urbanas, ocorridas a partir do final do século

XIX. Como sugere a historiadora Annateresa Fabris, a fotografia:

esteve presente no registro do novo, daquilo que representasse


transformação. No mesmo espírito foram fotografados não apenas

8
edifícios, mas obras de grande porte. Esse tipo de registro de obras
acabadas, ou de acompanhamento de obras públicas relevantes, só fez
consolidar-se com o incremento do ritmo de construções e
modernização do Brasil. Prédio oficiais, fontes, chafarizes, praças,
estátuas, novas avenidas, intervenções urbanas, demolições saneadoras,
instalações de redes de transportes, tudo passou a ser registrado com
frequência crescente, para culminar na virada do século numa
intensidade proporcional ao ritmo das obras.16

4. Pensar o uso dos clichês fotográficos como formas de preservação da memória

nacional, a fim de buscar os entrelaçamentos da fotografia com a memória

coletiva. Já que

não importando qual seja o objeto da representação, a questão


recorrente é o aspecto (consciente ou inconsciente) da captura ilusória
do tempo, ou da preservação da memória. É uma memória coletiva
nacional, preservada através da documentação fotográfica de seus
monumentos, arquitetura, de suas vistas e paisagens urbanas, rurais e
naturais, de suas realizações materiais, de sua gente, de seus conflitos e
de suas misérias.17

5. Por último, temos como objetivo identificar a fotografia como instrumento de

conformação do imaginário social, com o propósito de consolidar a imagem do

sertão como o lugar do atrasamento civilizacional. Especialmente, em contraponto

a imagem da cidade, que, como já foi dito anteriormente, seria o lugar do

progresso e da civilização. Desta forma, busca-se compreender a fotografia como

instrumento ideológico.

HIPÓTESE

1. Entre as hipóteses levantadas neste projeto, observa-se uma possível capacidade

da fotografia de representar a espacialidade do território brasileiro para o público,

criando uma opinião pública interessada em visualizar e reconhecer as paisagens

e cenas do Brasil República. “O que está em pauta é observar como ‘espaço e

16
FABRIS. Fotografia: usos e funções no século XIX, p. 165.
17
KOSSOY. Tempos da fotografia, p. 132.

9
território foram figurados, configurados e reconfigurados por meio da fotografia

no século XIX’, há malícia evidente na compreensão do meio e das imagens”18.

2. Teria a fotografia sido instrumentalizada para representar o processo de

modernização promovido pela República durante a sua primeira década de

história no Brasil. E utilizada como uma “testemunha ocular” do progresso

civilizacional vivido pelo Brasil durante os anos de 1889 e 1899.

Com o fim do período imperial e o início da República, criam-se as


condições favoráveis para a implantação de um projeto político que
viria alterar a fisionomia dos principais centros urbanos brasileiros,
imprimindo-lhes uma nova imagem representativa da visão cultural da
nova elite governante – os republicanos – visão esta marcada por uma
abordagem positivista que implicava no reordenamento das estruturas
urbanas e na adoção de uma estética que demonstrasse a nossa
modernidade.19

3. A imagem fotográfica poderia ter sido utilizada como instrumento ideológico das

elites dominantes, da Primeira República, para forjar determinadas visões de

mundo acerca dos espaços e das gentes do campo e da cidade.

De fato, para que a ideologia dominante possa aparecer como


dominante, ou seja, para que ela se imponha como sistema de
representação de toda a sociedade e não de uma classe em particular,
ela não pode se mostrar como ideologia. Aqueles que forjam a ideologia
dominante se dizem e se julgam fora dele: a imprensa se diz “objetiva”,
a religião se diz “universal”, o sistema político se diz “democrático”, a
instituição jurídica se diz “igualitária” e a produção intelectual se diz
“científica”.20

4. Poderíamos considerar a fotografia como um “lugar de memória” apto a construir

memórias coletivas a ponto de fixar na mente dos brasileiros paisagens que seriam

dadas como representações da própria nação. Pierre Nora, historiador francês da

Escola dos Annales, desenvolveu o termo “lugares da memória” para falar sobre

a prática dos Estados burgueses de desenvolver a memória coletiva em suas

populações a partir da materialização de espaços para a comemoração por suas

18
SÜSSEKIND. O ensaio como hiato, p. 8.
19
SIMÕES JUNIOR. Cenários de Modernidade, p. 06.
20
MACHADO. A Ilusão Especular, p 19.

10
respectivas comunidades. Nora destaca que “Se habitássemos ainda nossa

memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria lugares

porque não haveria memória transportada pela história”.21 Para ele, a “memória

se enraíza no concreto, no espaço, na imagem, no objeto”.22

EXPLICITAÇÃO DO MÉTODOS

Assim como ocorre com outras formas de comunicação, uma imagem carrega signos que

naturalmente comunicam com o grupo social no qual ela foi criada. Imagens são feitas de

códigos culturais que são identificados e lidos pelos indivíduos que fazem parte da

sociedade que as produziu.

Os processos de instituição, emissão, difusão e recepção das aéreas dos


sentimentos, das atitudes e dos pressupostos que marcam a cultura de
um determinado grupo, campo por excelência do historiador da cultura,
não constituem uma extensão pura e simples do universo das práticas
sociais. É mediante a análise dos processos simbólicos entre os
membros de uma mesma sociedade, como e porque a memória coletiva
pode unir e separar indivíduos de uma mesma sociedade ou grupo
social, como e porque o imaginário social reforça certas visões de
mundo mesmo quando as condições materiais para que elas existam já
tenham desaparecido. Esses modos de comunicação criam campos
comuns; funcionam como sinais de orientação inclusive para práticas
sociais.23

Para conseguir compreender as mensagens contidas em uma imagem é indispensável

contextualizar o seu período de produção. Desta forma faz-se necessário elencar uma série

de questionamentos que ajudarão a compreender melhor a imagem como documento

histórico.

Tais perguntas, fundamentais para a pesquisa que trata fontes como a fotografia, são

relacionadas a seguir, como: quando foi produzido o documento/imagem?; quem foi o

produtor do documento/imagem?; qual é o lugar que o produtor do documento/imagem

21
NORA. Entre Memória e História, p. 8.
22
NORA. Entre Memória e História, p. 9.
23
BORGES. História & Fotografia, p. 79.

11
ocupa na sociedade?; para qual público o documento/imagens se destina?; e quais são as

possíveis intenções do produtor do documento/imagem ao produzi-la? 24

Toda fotografia é um fragmento do real. Sendo assim, o fotógrafo necessariamente elege

aquilo que irá compor a imagem. Uma fotografia é sempre um recorte, e nunca consegue

reproduzir toda a cena. Por isso é trabalho do fotógrafo selecionar aquilo que será

registrado pela lente da câmera, e aquilo que ficará de fora da fotografia.

Sob este aspecto, todos os elementos representados numa fotografia devem ser encarados

como indispensáveis para o entendimento das intenções por trás da criação da imagem.

Todos os personagens e objetos que compõem o referente fotográfico devem ser vistos

como signos relevantes e capazes de comunicar algo ao observador da fotografia.

Neste sentido, o historiador que pretende lançar mão da fotografia como fonte primária

de suas pesquisas deve observar atentamente o enquadramento feito pelo fotógrafo. E

analisar tudo que se apresenta dentro deste enquadramento como referente da fotografia.

No tocante das coleções e álbuns de fotografias, faz-se imprescindível a análise da

sequência ou ordenação das imagens escolhidas pelo fotógrafo. A disposição das

fotografias nos álbuns nunca ocorre por acaso ou coincidência. Faz-se imperativo

entender o conjunto de clichês como uma forma de narrativa que contribuirá para uma

melhor compreensão das possíveis intenções daqueles que produziram e ordenaram as

imagens.

Outro ponto importante para o historiador que se propõe trabalhar com documentos

fotográficos é conhecer as processos e técnicas utilizadas pelos fotógrafos ao longo da

história da fotografia, tais como albumina, colódio e gelatina.

Para fazê-la falar, o historiador precisa lançar mão do saber dos que
dominam a história das técnicas fotográficas. Seu conhecimento muito
contribuiu para desvendar a datação das imagens, a identificação de
suas possíveis filiações estéticas e, ainda, permite-lhe levantar questões
relacionadas com o uso de um determinado tipo de máquina fotográfica

24
BORGES. História & Fotografia, p. 82.

12
e a margem de liberdade do fotógrafo. Esses elementos técnicos
permitem ao analista saber, por exemplo, se uma imagem é, ou não,
fruto de uma montagem.25

O pesquisador que estuda as fontes imagéticas deve prestar atenção às legendas e escritos

contidos na imagem a ser analisada. Qualquer tipo de escritura presente no documento –

tais como título, data, nome de lugares ou de personagens retratados – são úteis para uma

leitura mais segura e objetiva dos significados contidos na imagem.

Exatamente por ser polissêmica, ambígua e conotativa por natureza,


gerando possibilidades de diversas interpretações, a maioria das
imagens, quando utilizada em mídias de comunicação, vem
acompanhada de títulos, legendas ou de algum outro tipo de
identificação. O texto, nesse caso, supre deficiências da imagem e
ambos se completam, permitindo inserir a imagem num contexto
histórico-documental – no qual se identifica o seu contexto real de
produção: como local, data, motivo, fato ou objeto representado etc. –
e/ou indicando claramente o sentido conotativo – concreto ou abstrato
– que o fotógrafo ou o editor de imagens quis dar a ela.26

Outras características da imagem fotográfica são consideradas importantes para uma

compreensão satisfatória da fotografia enquanto documento histórico. São elas:

tamanho, formato e suporte (na fotografia impressa estabelecer a


relação com o texto escrito), o tipo da foto (posada ou instantâneo), o
sentido da foto (horizontal ou vertical), a direção (direita e esquerda ou
centro), a distribuição dos planos, o arranjo e o equilíbrio (objetivo
central), foco, impressão visual (textura), iluminação.27

Os planos da imagem também devem ser levados em consideração. Identificar os

elementos do primeiro plano da imagem possibilitará compreender as pretensões do

fotógrafo ao produzir a foto. O tema central da imagem, seu principal referente,

invariavelmente ocupa o primeiro plano. Sendo os elementos acessórios da fotografia

comummente representados no segundo plano.

Outra tarefa e a ser empregada diz respeito a recepção das fotografias, ou de parte das

fotografias, analisadas. Neste sentido, buscaremos em jornais e periódicos produzidos

25
BORGES. História & Fotografia, p. 87.
26
RODRIGUES. Análise e tematização da imagem fotográfica, p. 72.
27
MAUAD. Sob o signo da imagem, p. 23.

13
entre 1889 e 1899 informações capazes de indicar como estas imagens foram recebidas e

interpretadas pelo público da época.

Por fim, deve-se observar o local retratado, o espaço físico e geográfico no qual a

fotografia foi feita. No tocante da análise da espacialidade da foto, possíveis oposições

entre cidade e campo serão aqui ainda mais importantes para alcançarmos os objetivos

propostos pela pesquisa.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O debate historiográfico e bibliográfico, que norteará o desenvolvimento do presente

estudo, é amplo pela própria natureza do tema e das fontes a serem trabalhadas. Logo,

áreas do conhecimento como a semiologia, a teoria da fotografia, a filosofia, a sociologia,

além da própria história, serão convenientemente utilizadas para elucidar questões e tratar

as nuances do nosso objeto.

Ao longo dos anos, a fotografia foi concebida como “duplo do real”.28 Todavia, longe de

ser isenta e ingênua, ela pode servir como instrumento ideológico das classes dominantes,

ajudar a construir o imaginário social e reforçar visões de mundo que vão ao encontro dos

interesses das mais variadas elites após o advento da fotografia.

As câmeras são aparelhos que constroem as suas próprias configurações


simbólicas, de forma bem diferenciada dos objetos e seres que povoam
o mundo; mais exatamente, elas fabricam “simulacros”, figuras
autônomas que significam as coisas mais do que reproduzem.29

E, exatamente, por enxergar a fotografia como um produto da cultura material, capaz de

reforçar a ideologia das classes dominantes, é que lançaremos mão da obra de Arlindo

Machado, autor de obras sobre semiótica e teoria da fotografia.

28
DUBOIS. O ato fotográfico e outros ensaios, p. 27.
29
MACHADO. A ilusão espetacular, p. 14.

14
No tocante a análise do uso da foto como instrumento que auxilia a criação de identidades,

a obra de Benedict Anderson será muito útil para dar luz ao processo de construção

imaginária da ideia de pertencimento dos indivíduos às comunidades. Através do debate

da função dos impressos, da imprensa e das publicações na criação da simultaneidade

pelo tempo vazio e homogêneo buscaremos entender o lugar da fotografia na

consolidação de identidades nacionais na República.

Desta forma, a obra Comunidades Imaginadas, de Anderson, colaborará para pensarmos

o papel da reprodução de imagens, especificamente da fotografia, como meio de formar

narrativas acerca do passado e do presente das nações.

A fotografia, belo fruto da era da reprodução mecânica, é apenas mais


um definitivo exemplar dentre um enorme acúmulo moderno de
evidências documentais (certidões de nascimento, diários, fichas de
anotações, cartas, registros médicos e similares) que registra uma certa
continuidade aparente e, ao mesmo tempo, enfatiza a sua perda na
memória. Desse estranhamento deriva um conceito de pessoa, de
identidade (sim, você e aquele bebezinho são idênticos), a qual por não
poder ser “lembrada”, precisa ser narrada.30

Em relação à forma de abordar o tema, o cânone O campo e a cidade na história e na

literatura, de Raymond Willians, também contribuirá para discorrermos sobre a

construção de um imaginário no Ocidente acerca das contradições entre campo e cidade.

O autor britânico destaca como foi formada, ao longo dos séculos, o imaginário sobre a

áreas rurais e suas populações, sempre muito ligado a ideia de atrasamento civilizacional

e ignorância. Ao ponto que as cidades e seus cidadãos começaram a ser relacionados às

ideias de civilização, modernidade e progresso.

O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz,


inocência e virtudes simples. À cidade associou-se à ideia de centro das
realizações – de saber, comunicações e de luz. Também constelaram-se
poderosas associações negativas: a cidade como lugar do barulho,
mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e
limitação.31

30
ANDERSON. Comunidades Imaginadas, p. 278.
31
WILLIAMS. O campo e a cidade. p.11.

15
Outro texto mobilizado para auxiliar o estudo das fontes será A câmera clara, de Roland

Barthes. Através desta obra será proposto o debate a respeito das duas características

essenciais do documento fotográfico. A questão de ele tratar, simultaneamente, da

realidade e do passado. Como afirma semiólogo francês: “na Fotografia jamais posso

negar que a coisa esteve lá”.32

Ao analisar uma fotografia, não podemos duvidar que o referente fotográfico esteve

diante das lentes da câmera. Logo, o referente existe, ou melhor, existiu. Pois, para se

observar a foto no presente, necessariamente o objeto representado teve que ser

fotografado pela máquina em algum lugar do passado.

O nome do noema da Fotografia será então: “isto-foi”, oi ainda: o


Intratável. Em latim (pedantismo necessário porque esclarece nuances),
isso seria sem dúvida: “interfuit”: isso que vejo encontrou-se lá, nesse
lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (operator ou spectator);
ele este lá, e todavia de súbito foi separado; ele esteve absolutamente,
irrecusavelmente presente, e no entanto já diferido. O verbo intersum
quer dizer tudo isso.33

No tocante das relações entre memória e fotografia mobilizaremos aqui o trabalho da

antropóloga alemã Aleida Assmann, intitulado Espaços da recordação. Nesta obra é

ressaltado o emprego da fotografia como mídia de memória, ou mesmo como um artefato

de recordação e rememoração. Assmann descreve a fotografia como uma forma de

narrativa sobre o passado, que ainda se assume como um vestígio confiável do tempo

pretérito.

A fotografia, no entanto, funciona não apenas como uma analogia da


recordação, ela também se tornar o médium mais importante da
recordação, pois é considerada o indício mais seguro de um passado que
não existe mais, como uma estampa [Abdruck] remanescente de um
momento passado. A fotografia preserva desse momento do passado um
vestígio do real com que o presente está ligado por contiguidade, por
contato: “A fotografia é literalmente uma emanação do referente. De
um corpo real, que estava lá, partiram radiações que vêm atingir-me, a
mim, que estou aqui”. É nisto que a fotografia supera todos os demais
media da memória: por seu caráter indexador ela proporciona uma
comprovação (justamente criminosa) da existência de determinado

32
BARTHES. A câmera clara, p 67.
33
BARTHES. A câmera clara, p. 68.

16
passado. Esse auxílio à recordação pode ter contornos de granulação
fina e foco excelente, mas não fala. Eis por que a memória das
fotografias, excelente e inesgotável, assume vida própria como
recordação fantasmagórica, tão logo se suspenda o texto narrativo e
comunicativo que as emoldura. Só esse texto logra retraduzir as
imagens externas da memória em recordações viva.34

Este aspecto destacado por Assmann, a função da fotografia como vestígio ou indício do

passado, apresenta paralelismos com outra obra que também servirá de base para sustentar

nossas hipóteses e ideias a respeito dos usos da fotografia. A obra de Susan Sotag, Ensaios

sobre a Fotografia, lembra que a foto funciona como um rastro fantasmagórico, ou

mesmo como uma permanente imanência do passado. Sotag define a fotografia como

“Um museu portátil e peso-pena”.35

Outra ideia valiosa para a desenvolvimento deste trabalho é o conceito benjaminiano de

imagens dialéticas. Tentaremos aqui estabelecer associações entre a fotografia e as

imagens dialéticas de Benjamin para perceber a aptidão da imagem fotográfica como

narrativa do passado. Pois, tanto uma como a outra, seriam capazes de quebrar com a

cronologia e com a relação de causa e consequência presente nas formas mais tradicionais

de narrativa histórica.

A crítica de Walter Benjamin à historiografia moderna vai no sentido de ela nivelar os

fatos e eventos do passado, criando um tempo vazio e homogêneo. Este, por sua vez,

tende a eclipsar as barbáries e violências desenvolvidas pelas classes dominantes contra

os dominados ao longo da história.36

A proposta apresentada por Benjamin é a criação de uma narrativa histórica que redima

o passado. Deste modo, o filósofo alemão defende a criação de uma narrativa histórica

que foque no fenômeno com o objetivo de exaltá-lo e destacá-lo dentro da história. Esta

34
ASSMANN. Espaços de recordação, p. 238.
35
SOTAG. Sobre a fotografia, p. 83.
36
GAGNEBIN. História e narração em Walter Benjamin, p. 12.

17
outra forma de contar os fatos busca ser, como o próprio Benjamin classificou, “um salto

de tigre em direção ao passado”.37

A proposta benjaminiana de desenvolvimento de uma narrativa histórica que ressalta os

eventos do tempo pretérito, e cria uma relação dialética entre o presente e o passado, se

inspira na fotografia. Desse modo, a narrativa fotográfica seria esta imagem dialética que

dá notoriedade ao fato histórico, e narra o passado de forma não cronológica e não causal,

sendo ela mesma o próprio “salto de tigre”.

Consequentemente mobilizaremos Walter Benjamin para explorar o potencial de

denúncia da narrativa histórica produzida pela fotografia. Pois, em teoria, a série de

fotografias sobre Canudos, feitas em 1897, teria conseguido “escovar a história da

República a contrapelo” ao denunciar a covardia do exército brasileiro contra a população

de Belo Monte. Mesmo que ironicamente elas tivessem sido criadas com o objetivo

contrário, ou seja, exaltar a campanha “heroica” dos militares contra os sertanejos em

Canudos.

Por fim, os escritos do filósofo francês Jacques Rancière também contribuirão para a

construção de interpretações sobre a função indicial da fotografia. Através do estudo de

O destino das imagens, procuraremos lançar luz sobre a aplicação do documento

fotográfico como um testemunho imediato da existência de seu referente.

A intenção é pensar as nuances que formam a relação entre a fotografia e verdade durante

o século XIX. E como a partir desta ideia de veracidade da imagem fotográfica este tipo

de documento foi instrumentalizado como prova irrefutável da existência daquilo que ele

representa.

E a fotografia, não há muito acusada de opor à carne colorida da pintura


seus simulacros mecânicos e sem alma, assiste à inversão da imagem.
A partir de então é percebida, diante dos artifícios picturais, como a
própria emanação dos corpos, como uma pele descolada de sua
superfície, substituindo positivamente as aparências da semelhança e

37
BENJAMIN. Sobre o conceito de história, p. 230.

18
driblando as táticas do discurso que quer fazê-la expressar uma
significação.38

ADEQUAÇÃO DO PROJETO À LINHA

Esta proposta se adequa à linha “História Social da Cultura” porque se situa no campo da

chamada “Nova História Cultural”, e isso devido tanto ao modo de abordagem das fontes

históricas como a forma de desenvolver o tema a ser tratado. Sendo uma das principais

intenções deste projeto de pesquisa é delimitar as relações entre a fotografia e a

construção do imaginário social durante a primeira década da Primeira República.

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem


à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada
caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza.39

A partir dessa abordagem culturalista, pretendemos revelar não somente a forma pela qual

a sociedade brasileira concebia o seu mundo, mas também o papel da fotografia na

construção de identidades nacionais. Tem-se aqui o objetivo de construir uma história

cultural da República que consiga identificar, por meio do documento fotográfico, a

construção da realidade social brasileira e a visão sobre o Brasil entre os anos de 1889 e

1899.

A fotografia, como um produto da cultura material, é uma representação da sociedade e

carrega em si inúmeras intencionalidades. Sendo ela capaz de contribuir para a construção

do imaginário social e forte o suficiente para auxiliar na formação de identidades

nacionais, desde a sua criação até os dias de hoje.

As percepções do social não são de forma nenhuma discursos neutros:


produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para
os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. (...) As lutas de
representações têm tanta importância como as lutas econômicas para

38
RANCIÈRE. O destino das imagens, p. 18.
39
CHARTIER. A História Cultural entre práticas e representações, p. 17.

19
compreender os mecanismos pelos quais um grupo se impõe ou tenta
se impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus,
e o seu domínio.40

40
Idem.

20
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