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SERVIÇO DE CENSURA DE DIVERSÕES PÚBLICAS / RJ

SÉRIE: SERVIÇO DE CENSURA (CENSURA


PRÉVIA)-

SUB SERIE: PECAS TEATRAIS

NOTAÇÃO:

TITULO: MflCp EK 5-Ob(Dd c-

CERT. ND: -

ANO:

FOLHAS N°: 4?
BRAIM RIOTM CPR.PTE _ p. 1

MOCO EM ESTADO DE SÍTIO

Oduvaldo Vianna Filho

la. Parta

*
BAHIA,COM MAOACSO DE OPBRÍRIO, ABRAÇADO COM SÜZANA - OS DOIS TENSOS.

BAHIA Eu tenho de ir embora. ••

SÜZANA Não dá mais, Miroj êles estão ai, estão aí... (BAHIA TENTA DAR

UM PASSO. ENTRAM MAIS SEIS OtT SETE OPERÍRIOS. LÚCIO ENTRE


• • • , » , 4

ÊLES) Nao... (DIRIGINDO-SE A UM DÊLES) ...8, Ze Jorge, não.

Miro não fez nada, nao.

UM Delatou Otaniel. Otoaie.l foi preso. Não adiantou delatar que

a greve saiu mas êle alcaguetou.


' ' ' • ' ' ê
3UZANA Não... não foi o Miro... (OS OUTROS AVANÇAM. UM DA UMA PANCA

DA EM BAHIAf SÜZANA PROCURA INTERVIR) Nao4 Covarde... Deixa o

Miro... Não... (DSO PANCADA EM BAHIA. BAHIA CAIDO, SEMI DES-

FALECIDO)

t melhor mudar com êle prá p mais longe que tiver daqui. (SU

ZANA VAI FALAR) Razão êle pode ter. Sejjt dinheiro, apertado

na polícia, na fábrica. Pode estar assim de razão. Mas são as

dele. Não saõ as da gente. (SAEM. LUZ ESMORECE. HUIDO DE PAI-


* * * 4
MAS - GRITOS "DELATOR} DELATOR4") A LUZ ESMORECE. ABRE.)

OS ATORES SENTADOS, TIRAM O MACACãO,GUARDAM COISAS \ LÜCIO NO MEIO.

VOZES Viu uma mulher na primeira fila? Gritam delator veado} Dela-

tor veado} (RISOS) - Quase subiu no palco}

SÜZANA Olha aí... olha aí... (LÊ RESPOSTAS NUM PAPEL) Gostou ao es-

petáculo? Sim. Já tinha visto teatro? Nunca. Miro mereceu -


* * • é
apanhar? Sim. Eu batia mais. Aríinda Silva. Tecelã.
UM (LERDO OUTRA) Não merecia. Delatou mas não tinha o^iscn,(Jeito. ••

Não sei o que Ramos. Pedreiro. '

VOZES Muita gente acha que êle não devia apanhar. OppWT*ri|‘ e, ca-

ra muito pequeno burguês, viu? - Vamos desmonta^ od refleto -

res, gente, o último ônibus prá cidade I meia noite - Voltar

i Úe Ônibus de novo, pôl (SAEM LÜCIO TAMBÉM. SÜZANA ARRUMA OS


MACACÕES. BAHIA ENTRA)

BAHIA Já estou por aqui com essa história de companheiro, companhei-

ro.

I
BRAN;R!0 TN.CPR.PTE__2?M—P- *2
2
r
SUZANA Que foi?

BAHIA fcLes não tem dinheiro prá pagar a gente* Que gastaram muita

propaganda no bairro, deram entrada de graça* Bem, não pagaram

que daqui um mis, sei lá* Entende, companheiro, e difícil tra-

aer a massa pro teatro* Difícil o escambau* files quase vomitam

de tanto gostar* Esses caras pensam que massa foi feita sé pra

fazer revolução* Ah, meu saco* Briguei com eles, a gente não

vem mais aqui* (LUCIO ENTROU* FICA PARADO. UMA LãMPADA NA MãO)
* * t
SUZANA PÔ, sé de madeira a gente deve uns cinquenta contos**. (MOSTRA

OS PAPÉIS) Cos taram da tua peça**. A maioria acha que não de-

viam bater no Miro*.. ( SUZANA ABRAÇA BAHIA* BEIJA SEU ROSTO*

PERCEBE LUCIO. TEMPO)

LUCIO Queimou mais uma lâmpada*

BAHIA fi*(TEMPO) Precisa ensaiar a cena final de nlvo. Voeis estão ba-

tendo como se fosse uma obrigação j não e, é um prazer. (VAI

SAINDO)

LUCIO ffie arruma um dinheiro?

BAHIA Não dá

LUCIO Tres mil


* reis* , *
4

BAHIA Não aá. files não pagaram. (BAHIA SAI .LUCIO PARADO.SUZANA ARRU-

MA)

LUCIO Então porque fiz o espetáculo, heim? (TEMPO) A filosofia qual

á? Sem dinheiro, se mete em subúrbio, faz um espetáculo, não

volta mais - se voltar e daqui um ano*** A filosofia qual é,

Suzana?

SUZANA Bahia brigou compeles*

LUCIO Bahia escreveu a peça, Bahia dlrigu, Bahia brigou com êles, -

Bahia não ms perguntou, Bahia ê um estado. Bahia. (TEMPO)

SUZANA Você não vai nas reuniães , Lúcio. Pala lá. Você não ia fazer

um plano prá levantar dinheiro?

LUCIO Dinehrio prá montar uma peça que prova que

feia? Isso, acho que tem gente dizendo desde

Judas, um palestino, lembra dele? (SILflNCIO)


J
trar num bairro sé, Suzana* Pazer um clube, uma

o povo, 3ei o que... mão não sair de lá...

SUZANA Isso custa dinehro, Lucio. Você mesmo disse isso na última

reunião que foi... Disse que o melhor mesmo era fazer o ue a

gente está fazendo - levar a peça nos bairros, ganhar apoio,


ü,< AN.RIO ÍN.CPR.PTE_ P- 3

depois fazer tua teatro.,.


* » < , « y
LUCIO Disse a3sim, não e?,** Prá ver como eu sou contraditório... (TEM

PO) LTJCIO BEIJA SUZANA• SUZAJTA SE APASTA. TEMPO) Meu pai quando

tinha vinte anos foi repórter. Deu um foro* que o Rodrigues Alves,

eleito presidente, estava morrendo. A família não queria que ni-

nhem soubesse atá ele tomar posse... Fez essa reportagem, nunca

mais fez nada... Volta e meia êle conta essa história.,• A gente,

volta e meia, vai contar que fazia teatro no subúrbio.• • (PICAM

PARADOS SCZAJTA ASSOMA, A LUZ ESMORECE. ABRE).

àH DE LTJCIO, CRISTOVãO, COTA, SUA MÍB E LÚCIA, SOA IRMS.

CRISTOV.Ja disse que não quero que você dê mais dinheiro para o lúciol

COTA Jí um empréstimo,9 Cri st...


ê 4
CRISTOV.Tem vinte e quatro anos, tem de se sustentari Ontem pediu dinheiro

.emprestado para o porteiro do prédio!

LÚCIO Um empréstimo. Um empréstimo. Já expliquei, comecei a fazer a crí-

tica de cinema prá ■uma revista» Vou ganhar dinheiro. 0 grupo vai

levar uma peça minha.

CRISTV, Paz três anos que êle dia isso, Cotai Três anos!

COTA O porteiro á muito amigo de Lucio, e ...

CRISTOV.Eu falei com o Btchevorrieta Guimarães. Ele está guardando uma va-

gaprá você no escritório dele. (SILÜNCIO) file não quer ir? (Ã CO-

TA, LÚCIA) êle não quer ir?

LUCIO Não gosto de Direito, pai.

CRISTOV.Não gosta de Direito? Não gosta de justiça?

LTJCIO Advocacia, pal,

CRISTOV.Mas êle se formou advogado, Cotai Posso fazer o que? Quiz arranjar

prá êle um lugar de interino lá no Ministério. "Não, funcionário

público, não". Agora não quer ser advogadol Qual ê a sua profis-

são? Ser meu filho? Os dois o dia inteiro metidos num bar mudando

o mundo. Não! Está bem. Não quer me dar satisfação, está bem, Mas

a tranquilidade de sua mãe que passas as noites chorando, naot

(SILÊNCIO) Tinha Vinte anos. Piz uma reportagem sêbre

Alves. Me pagaram trinta mil rlis... e a República Vel

ia terminando... Heroísmo á mal pago... (SILÊNCIO)

COTA Quer um copo de leite? (LUCIO PAZ QUE NSO) Nao quer..,

jada, prefere?.,, fonho uma pedra de gêlo. (SILÊNCIO) üm minul

eu espremo... (AGORA A LUCIA. TEMPO) Quer leite? (LUCIA PAZ QUE t * 4


NãO) Está tão magra, filha, Batido no liquidificador, com canela.••

(TEMPO) Quase nada de canela.•• (TEMPO) Lúcia está tão abatida,

não acha?
JO TN.CFR.PTE r>. *4
4
CRISTOV. Olha a hora, Cota, ascende a televisão* (COTA ASCENDE) Não roda o

botão prá caf Cota. Prá lá*.. Assim... (ASCENDE UM FOCO DE LUZ*

COTA SENTA-SE AO LADO DO MARIDO.OS DOIS OLHANDO A LUZ ESMORECE


é *
ABRE EM LÚCIO, DEITADO NUMA 0AJW. OLHA O TETO.)

HUUxt LÚCIO Lado Paulo Bastos Beabra... Lácio Paulo Bastos Seabra...

LONGO TEMPO LÚCIA APARECE. OLHA O IHMãO UM TEMPO GRANDE)

LUCIA Como vai o grupo? (SILÊNCIO) E a Suzana? (SILENCIO) Sabe quanto

fez hoje em Bangu? Quarenta gráus e dois décimos... (SILÊNCIO)

laício... eu estou grávida... (SILÊNCIO. LUCIO OLHA) É de Esteli-

ta. (SILENCIO) Você acha que eu devo ter o filho? (LÚCIO, TEMPO,

PAZ QUE NãO SABE. LUCIA PICA UM POUCO.SAl. LÚCIO DE OLHO PREGADO

NO TETO)
* •
A LUZ ESMORECE. ABRE NUMA MESA DE BAR. ESTXO JEAN LUC, ESTELITA ABRAÇADO

COM LUCIA. UM TABULEIRO DE XADRÊS NA MESA. BEBEM CHOPE. LUCIO E ESTELITA

DISCUTEM. *
4
OS DOIS Você quer tirar o direito do homem de contemplar! Contemplação não

existe! Contemplação...1 É a maior conquista do homem, não existe!

Contemplação e o anti-homeml O An ti!

ESTELITA NÜstificadoreS| vocês sãol Atrás desse Bahia que é um mistificaor e

um mistificado!

LÚCIO Olha aí, Estelita, olha aí, o Bahia é uma pessoa, eu sou outra.

êle é Sagitário, eu sou (Gêmeos. Estamos no mesmo grupo mas...

ESTELITA Aqui nessa mesa, Lucio Paulim aqui mesmo você me disse que essa

peça do Bahia era a maior obra do teatro brasileiro cuíca univer-

sal.

LUCIO Jamais de la viel Nunca disse issoi Eu quero fazer teatro políti-

co, não é aquela gemedeira do Bahia, nãi!

JEAN LUC Entendeu? 0 Bahia é um equívoco, êle, não.

LUCIO Tevd alguma graça, Jean Luc. Teatro é...



ESTELITA 0 que á que Ssse Bahia quer? Ir prê céu? Ele não é materialista?

JENA LUC Boa, boa. Vamos falar mal do Tonico e Tinoco agora.

Este] a Teatro político não existe 1 Política é a circunstância, meu Deus!

xk Teatro é sobre as eternidades que nés, os gregos, os troianos,

os dominicanos, botafoguenses é a mesma coisa.


I
s
BRAN.RIOTN.CPR.PTE £UB— p-

LUCIO Nos somos circunstânciasf atenção, nós somos passagem, A etemi-

da de é hoje, é agora. Só que o Bahia acha que o homem á uma emo-

ção* E o homem 4 uma consciência* Uma consciênciaI

JfíNN 1130 PÔ, o tonico e Tinoco, vai***


* •
LÚCIA ll« diz isso, mas quando o Bahia telefona prá casa, êle sai do fc

banho prá atender* (RISOS)

1UCI0 Não enche meu saco» Lúcia *

JEAN LUC Meu Deys, até que enfim uma briga com os dois presentes*

LUCIA Está aporrinhado que o Bahia não anda querendo levar peça dele*

LUCIO Ah, lucia, ah, você tem dor de cômo que o Bahia não qj&z nada

contigo, não vem prá mim, não* (SILENCIO)

JENA LUC Viu? Briga com os dois presentes pão dá mais que três, quatro

frases. Tonico e Tinoco, vai*.* ( UM POUCO BE SILÊNCIO)

LUCIA Querem fechar o bar* (SILENCIOO 0 mais difícil 4 fazer o que

a gaite fala*** Combinar os dois* Ninguém sabe o numero do cola-

rinho. (TEMPO* JOGAM XADRES) #

LUCIO Segui-me os devorados de insônia* Para cima* A cabeça em chamas*•*

Maiakovskio (TEMPO) Iluminar sempre* Iluminar tudo* t a minha

palavra de ordem* E a do sol* Maiakovski*** (TEMPO)

ESTELITA Onde você comprott essa camisa?

LUCIO Mandei fazer* Vinte e dois mil* Emprestado do porteiro* (SORRI-

SOS. JOGAM. A LtJZ ESMORECE* UM FOCO BE LUZ EM ESTELITA E LUCIA*)

ESTELITA Tem certeza? (LUCIA FAZ QUE SIM. TEMPO)

LUCIA Acho que vou ter êle*** (SILENCIO) Vou ±k cjdldar dele sózinha***

ESTELITA Está falando sério? (LUCIA FAZ QUE NãO SABE* RI) Hein?
ê ' ‘4
LUCIA Não sei*** Que foi?

ESTELITA Olha essa luz da madrugada... |areee que está me invadindo.

Parece que eu estou nascendo*•• Pum, como se ela fosse um

coisa só*** às vezes eu consigo ficar uma coisa só***

LUCIA Eu também, sabe*** Teve um dia, não sentia meu corpo*•• como se

eu estivesse do nutro lado*.* (SORRIEM. SE BEIJAM. FICAM OLHANDO)

A LUZ ESMORECE*
• ABRE EM LUCIO. OLHO
* NO TETO. TEMPO LONGO. COTA APARECE BE

CAMISOLA. OLHA4 LUCIO LONGO TEMPO. VAI SAIR

LUCIO Mãe*( TEMPO) Podia me arranjar uns cinco contos? PifcliAla&J£0®&rar

um livro prá minha peça* (TEMPO) Minha peça acho cp

sabei Faltava uma faísca nela*., qcho que agora.•• M^jgirs$Kfa?

COTA E se seu pai acordarf ( OS DOIS SE OLHAM. RIEM. COTA SAI. UM

TEMPO VOLTA. SILENCIOSA «ENTREGA 0 DINHEIRO.OS DOIS RIEM MUITO.


*
LUCIO SOmpre eu digo que é última vez, não I? (COTA SORRI) Mutter*

COTA Ve se dorme, t «arde. (LUCIO FAZ QUE SIM. COTA SAI. LUCIO CANTA
BRAN.RIOTN.CPR.PTE. .aiL -P-

SOLA 0 TRENZINHO CAIPIRA BE VILALOBOS* COTA FICA PARADA. UM

SEMI SORRISO ESTÁTICO NOS LÍBIOS. OUVE. A LUZ ESMORECE.

SUZANA ENTRA VESTIDA COM MACACÃO. CONTRACENA COM BAHIA.

SUZANA Você passou três anos prá poder ser operário especializado,
* * v 7
Miro. Se tiver essa greve, já disseram que quem entrou na fá-

brica faz seis meses, vai pra rua.. Você não tem nada com a greve'

A polícia diz que á você porque seu tio á do Sindicato. Vai lá,

explica tudo, Miro, vao lá.


* ' *
BAIIIA Não sei, não sei... (SUZANA SAI DE CENA. A LUZ MORRE EM BAHIA.

LÚCIO VESTIDO' DE MACACÃO, OUTROS FIGURANTES POR ALI. DE FORA,

VEM VOZES DA REPRESENTAÇÃO •

SUZANA (MANCANDO) Tem uma tábua solta no palco, merda... (LÚCIO SE

AJOELHA VÊ O FERIMENTO. PEGA NA PERNA DE SUZANA. TEMPO) Nçao

está na hora de você entrar?


' * é
LUCIO Falta ainda. (TEMPO) Está saindo sangue. Dói? ( TEMÇO. SUZANA

QUER TIRAR A PEHH) Porque você fica com o Bahia? Quem gosta de

(CONTINUA) voce sou eu, ele não... Ontem êle saiu coou a Laura.

Sai com a minha irmã. (SORRIEM. SILENCIO) 0 Bahia te falou da

rainha peça?

SUZANA Falou, tle nSo gosta.


*. ,
LUCIO Porque? (SUZANA FAZ QUE NÃO SABE. LUCIO FICA PARADO. ABATIDO)

UM (VEM RÃPIDO) Ei, Lucio, esta na tua hora. Já passou* Vai.

LUCIO (SAI CORRENDO) Ei, pessoal* Pessoal! A seção de montagem esta

fechada com a gente I Greve


4
I
* , 4
ESCURECE. CRISTOVSO NO TELEFONE. UM JORNAL NA MÃO. COTA AO LADO DELE.

LUCIA NUM CANTO PARADA. UMA REVISTA NO COLO.


i~,f ' .
CRXSTOV. Dr. Silvio Rabelo? Bom dia, doutor. Estou telefonando para cura»
• í 0 Í V " .
primenta-lo pelo seu aniversário* Está falando Cristóvão Paulo

Bastos Seabra. Bastos Seabra. Chefe da seção de orçamento da Di-

visão do Material do Ministério da Educação. Obrigado. Parabéns,

doutor. (DESLIGA. OLHA O JORNAL) Antonio Gama, Rui Batista,

Silvio Rabelo. (DISCA) Dr. Dagmar de Monte mor, sim? ^g^JPO)

Doutor Dagmar? Estou telefonando para transmitir s


pelo falecimento da senhora sua mãe. Está fá

Paulo.,. Alo, alô ... (DESLIGA. VÊ O JORNAL) Ani fa-


leoimentos, conferências.** Mais nada.*. (COMEÇA aIJI^UAR)

Lucio já acordou?
COTA Êle chegou tarde.

CRISTOV. ( NO FONE) Dr. Etchevarrieta Guimarães, sim? (OLHA 0 REL(5gIQ)


7
Meio dia e vinte e dois. ( NO FONE) Rr, Btchevarrieta? Cristó-

vão Panlo. Olhe, doutor, já encaminhei o processo da concorrên-

cia. Voces devem ganhar... Ora, á legal, nada a agradecer, e le-

gal. •• Como vai indo o Lucio Paulo no seu escritório. Doutro?

Não foi?... Mas êle ae promeu que... naè, não.•• estou fazendo

confusão,.• é esta semana que Sle vai... e... êle me avisou, eu

n» esqueci, desculpe, que cabeça... Esta aemanft gem falta.

Guarde a vaga, o rapaz está entusiasmado... Obrigado. Muito obri-

gado. (PARA COM 0 FONO AINDA NO AR. DESLIGA j)

COTA (ARRUMA COISAS) É melhor você levar capa e guarda chuva. A meteo

rologia disse que vai haver pancadas no fim do período.( CRISTG-

VãO PARADO) Não vai agora, Cristo? Vai chegar atrasado... (CRIS-

TOVSO NãO RESPONDEJ SHBN0I0, 03 TRÊS PARADOS UM TEMPO GRANDE.

LUCIO ENTRA. ACORDOU AGORA.)

LUCIO Que horas são?

COTA Meio dia.

LUCIO Ah, aãã, ah, hão pedi prá me acordar às dez horas? Tinha de ir

numa reunião. Tinha de ir.

COTA Eu chamei, chamei e...

LUCIt * Mhs eu tinha de ir, tinha de ir... Não me dá o despertador e..«


CRISTOV. Bom dia. (SILERCIO) Corno vai indo 1$ no escritório do Etchevari

rieta?

LUCIO Mais ou menos.


CRISTOV. Você não foi lá.

LUCIO Fui.

CRISTOVf *«* Não foi.

LUCIO Fui.

CRISTOV. Falei com o ftcheverrieta agora*

LUQIO Eu fui, se êle não tem memória. ••


• ■ i
CRISTOV. Quase um mês guardando una vaga, menino,

nha, que vergo...

LUCIO 0 senhor quer conseguir um favor do moço, consegue,

nã© precisa me pôr no meio...

CRISTOV. Pavor?• •. Quef fa... Você ouviu?

COTA Olha sua hora, Cristo.

CRISTOV, Tenho cinquenta e sete anos e nunca pedi favor prá

Com dezessete anos recebi ameqça de morte porque denunciei pe-

los jornais que o Rodrigues Alves estava morrendo e.«.

LUCIO Chega, pai, eu vou lá, eu vou,,.

CRISTOV. Chega, nãol Chega, não, moço...


BR AN,RIO TN.CPR.PTE P- ^

■1 'i ' * 8
COTA Vinte prá uma, Cristo, vinte...
ê
CRISTOV. Tem que dizer "bom dia, tem que ne dizer bom dia.

LÜCXO Buenos dias, pode fizer em espanhol? Buenos dias, buenos...

CRISTOV. Na minha casa se diz bom dia e se trabalha, e se tra...

LUCIO é Que trabalha? Trabalha no que? No que se trabalha aqui?

*5 CRISTOV. Lúcio Paulo, eu...


LUCIO Eu vou trabalhar* Trabalhar, não vou sé ganhar dinheiro, Nao
4
ê sou papa níquel do mundo#

CRISTOV* 0 que é isso? 0 que é...

LUCIO Ninguém vai enfiar moeda no meu nariz, não. Não vou ser pago

prá não incomodar ninguém, fechadoo dentro de casa, lembrando a

única vez que minha vida foi ameaçada*. (LUCIO SAI. SILÊNCIO

LONGO. LÚCIA VEM ATÉ 0 PAI COM A REVISTA)


LÚCIA Olha, pai. Aqui. t um artigo dele. A revista que êle falou, t

* crítica de cinema#

CRISTOV. (UM LONGO TEMPO* RESOLVE TOMAR CONHENCIMENTO. LÊ) Enquete é

galicismoj,.. chance também... (A LÚCIA) Compra mais uma, Vou

mandar prá seu tio... (LÚCIA SAI. SILENCIO. CRISTOVãO PARADO)


ESCURECE* NOEMIA APARECE DE TOALHA DE BANHO, NSO DEIXA LUCIO ENTRAR.

NOEMIA Não quero mais ficar com você, Lucio, não,.*

LUCIO Vai noemi, deixa disso ...


* *
NOEMIA Não querot Não quero* (LUCIO ENTRA) Sai daqui. Você sempre diz

te amo, amanha telefoneno e some. Minha casa não é bordel. Vai kbd

em...
)
LUCIO Não faz assim, Noeraia, não faz assim que...

NOEMIA Virou minha cabeça. Já vivia sem esperança, sossegada# Prá que

você faz isso comigo? Porque não arranja outra mulher? Porque

eu sempre, sempre#•#

LUCIO Não fala assim de vooê, Noemia, não...

NOEMIA Sove^ aqui de poyre ou de saoo cheio e fala bonito e fala Si,

oi... Não acreditava que alguám pudesse ser assim tão fácil...

tão exagerado.,• Príncipe a gente so aguenta ser cinco minutos*

Dizer coisa que não sente sé pra... ~


LUCIO Estou escrevendo numa revista, tem o teatro, me
jtudo,
uma peça minha,., não posso largar... Te telefon

NOEMIA Telefonou. >


LUCIO Não quero que vooê nunca fale assim ... Está bonita.

NOEMIA Telefonou ... nao saio daqui. Enterrada aqui dentro.


► .N.RIOTN.CPR.PTE &H2. p. V
V . 9

LUCIO Gosto mais assim, sem pintura#.. 0 rosto fica mais magro#

NOEMIA Emagreci... (SORRI# LUCIO SORRI# BEIJA NOEMIA) Pui trabalhar...

Arrancei um emprego, sabe? (LUCIO BEIJA NOEMIA) Juro que prefiro

atá sair de noite com homem, Lúcio# Emprêgo i pior, me seguram e

roçam e olham minha perna# Deixa eu contar# Tinha o seu Amadeu,

me botou no carro dêle.e começou a me passar a não -guiando - eu

dizia, ouidado, seu Amadeu, olha o transito que essa hora í difi-

cil# Ouve, lúcio#•• Está com o rosto quente, meu amor» Não desci

no meio da rua porque ele á um senhor de idade, não Ú? Pico em


* t ••
casa# Oiço solo de violoncello# Costa de cello? Vem morar aqui?#.#

(ÊLE BEIJA, PAZ QUE SIM) Não quer# So me quer prá.•# Porque? Por-

que eu sou espírita? è parisso? Mas eu sou a favor dos pobres#••

(ÊLE BEIJA# ELA BEIJA, BEIJA) Vem morar comigo# Lúcio#

J LUCIO Venho#

NOEMIA Quando?
* * • ,
LUCIO Logo. Juro, juro. (SE BEIJAM# UM TEMPO ENORM. LUSIO SE DESLIGA.,

PICA SÕZINHO DEITADO. NOEMIA SAI,j LUCIO CHEIRA LANÇA

j JEKN LUC ENTRA. SENTA NO CHãO# ^CHEIRA LANÇA tÀmbÍÍÓ

LUCIO Me dá um aparte? Um aparte, companheiro* Tem que pedir apartes,

Jean Luc. Api demora, aí e sua vez.## você fala mas você não ex-

plica direito.*• AÍ, um diz - companheiro, que oportunismoi AÍ,

você não pode mais responder que não a e mais sua vez*.# Um apará

tet Quero um aparte, pelo amor de Deusl Então a gente aprende a

não arriscar, a não dizer nada inteligente, a#.# E eis—nos.

) recém-chegados, em $Lena mediocridade, no mar#..

JEAN LUC Desiste, rapaz* Voo! é oovarde demais prá desistir#

LUCIO Demorou duas reuniões prá saber se fazia questionário em papel

jornal ou papel oouchá#.# Um aparte- papel jornal hão atrai a

massa# Um aparte- acho mais justo papel couchá? Não é mais

justo couohe, Jean Luo? Então. •• Toma o poder, povo# Toma o po-

der. Preciso resolver logo, Jean, senão eu entrego os

acredito menos# menos...

JEAN LUC Entrega os pontos, sim# Pique súzinho, mordaz#

Tome-se uma sibilaao#

LUCIO Sábado fiquei em casa prá não ir no cinema

sentar num bar sozinho# #♦


\ '
JEAN LUC Desiste antes que seja tarde.."# antes da indignidade,.#
b RiO TN.CPR.PTE ÍIÈIS. p. JO
Io

E0CIÔ 0 Bahia não gosta da minha peça porque ela é fria,*. Uma lâmina,

Um estilete, (SILÊNCIO).Você acha que eu estou no grupo só por

causa da Suzana? Discuto, me mordo, subo em caminhão vai ver é

só por causa da Suzana. Serei tão pulha assim?( TEMPO) E ae vo-

ce? porque nao fala de prá isso tém mais coragem,

nío é? (SILENCIO) |~CHSIRAM 0 tENfrÕLUZ ESMORECE. CRISTOVSO

, E COTA ENTRAM. SENTAM-SE EM SILENCIO. TEMPO)


CRISTQV. Que horas são? (COTA NÍO RESPONDE) Pare de chorar... 0 que é que

vocesse aos vizinhos? Que* o Lúcio viajou? (COTA PAZ QUE SIM) O

botão da minha camisa despregou hoje no escritório. Pus o botão


. * * * *■
no bolso d* chavis da calça, a listrada... (SILENCIO LONGO. CHIS

TOTXO PEGA 0 JORNAL) Meu Deus, hoje* era a missa de sétimo dia da

avó do Diretor da Caixa... nem tinha lido o jornal...

ESCURECE. SUZANA APARECE VESTIDA DE DORMIR. UMA CAMPAINHA TOCA COM INSISTÊN

CIA. SUZANA ASCENDE UMA LUZ BAÇA. PÕE A CARA)

SUZANA Quem é?... Quem á?,f, (LUCIO APARECE. JEAN LUC MAIS ATRÁS) Lucio ?

Que foi?... Voce sumiu, ontem teve espetáculo... São três horas

da manhã...
LUCIO Vem oá.
SUZANA Que você tem?
LUCIO Vem cá, por favor.
SUZANA Mas que foi... (LUCIO SEGURA SUZANA) Que é isso* (Suzana PROCURA

SE DESPRENDER) Me deixa, LucioI (LUCIO BEJA SUZANA) Sai. (Dá-LHE

UM TAPA. LUCIO AGARRA COM MAIS FORÇA) Sai, seu.•• Sai... (JEAN

LUC SENTADO, PUMA CACHIMBO. LUCIO BEIJA SUZANA. PASSA A MãO NO

PEITO DE SUZANA. BEIJA SEU PEITÇ. SUZANA CONSEGUE SE DESVENCI-

LHAR.ENTRA. LUCIO PARADO, FELIZ. ESCURECE. ABRE EM COTA E CRIS

TOVãO)

CRISTOV, 0 que e que eu vou dizer ao Dr. Itchevarrieta? Nao tenho coragem

de telefonar.*•

GOTA Diz 4 que Lucio está doente.


* * *
CRISTOVãO Nao. Mentiras, nSo... doente de que?

COTA Não sei...

CRISTOVSO Ele não está doente, está?

COTA Não, graças a Deus.

CRIST0V30 Ê. (SILENCIO. LUCIA ENTRA)

LUCIA 0 Estelita viu êle terça feira. 0 Rogério encontrou com êle an-

tes de ontem. Ninguém sabe mais dele. Acho bom telefonar pro -
TN.CPR.PTE L_p. ii
n
v w
distrito. Êle estava sem dinheiro»

CRISÍOVSQ Não, distrito» não*


0 *' * '
LÚCIA Vai ver êle foi atropelado, íoi roubado.**

CRISTOVXO Distrito, não. (SILENCIO)

ASCENDE UMA LUZ EM LUCIO E JEAN 1UC, COMEM PXOCOM QUEIJO. RUIDQ DE RUA

UM HOMEM IDOSO ESTA PARADO NUM PONTO DÉ ÔNIBUS.

JEAN LUC Dom dia.

SBDHO Bosadia.

JEAN LUC Ja vai trabalhar? (O HOMEM MEIO SORRI) 0 senhor trabalha aonde?

VELHO No correio.

LUCIO O senhor e estafeta?

VELHO Como?
LUCIO O senhor abre as cartes e lê?( 0 VELHO VIRA AS COSTAS) Tem saca-

nagem & beesa, não tem? (O VELHO SE AFASTA)


#
VELHO / Mal eduoado.
* '
LUCIO Hei, seu estafetaI Quero pôr uma carta no correio. Hei, seu
W
< * *
estafeta. Vou pôr um selo na carta comigo nu| Virado de bundal

Não fica boa? Um sêlo comigo nu virado de bunda? ( ESCURECE)

ABRE EM CRISTOVEO. CHICARA DE CAFÉ NO COLO. JORNAL NA MãO. FALA NO TELE-

FONE.

CRISTOVãO Estou telefonando para cumprimentar o senhor pelo seu ingresso

na Academia Maranhense de Letras. Parabéns. Seu discurso de

posse? Com muita honra... Obrigado. Passar bem. (DESLIGA. COTA


E LUC IA SIÍSRARAM. LUC IA SE APOIANDO EM COTA) Vai me mandar o

> discurso de posse... (TSíPO) Que foi?


COTA Essa menina, Cristo, enjoa, pálida... Que foi, filha?
LUC IA Nada.

CRI3TOVSO Como, nada? Médico eu arranjo. Mais de três me devem favores...

O Lupáreio, e...

LUC IA Ê que eu estou grávida. (SILÊNCIO)

cristovSO Ora, menina...

LUC IA á verdade. (TEMPO DE SILÊNCIO)


»« «
COTA ^ Ah, minha filha, isso deve ser estômago... (SILENÇ

ESCURECE* UMA VELHA PASSA COM UMA CÊSTA DE FEIRA PERTO DE


LUCIO
LUCIO Bom dia. (A VELHA CUMPRIMENTA SORRINDO) Deixa eu

VELHA Não, na o precisa.

LUCIO Faça o favor, ê muito pesada prá senhor,a faça o favor*

VELHA Muito obrigada, meu filho. (D Â A BOLSA) Até que I pesada mesmo.
í . RIO TN.pPR.PTE _p. ,j 0

12
Meu marido foi aposentado, ganha a metade, nao posso ter mais
• * *
empregada} e empregada também usa aquele perfume forte,., (LüCIO

E JEAN LBC SAEM CORRENDO) Ei, moço,,. Tolte aqui 1 Ladrão! Pega

ladrão! Ladrão bem vestido! Pega ladrão bem vestido!

ESCURECE. ABRE. BAHIA ESTÁ ESCREVENDO A MÁQUINA• TRADUZINDO X-9 . BATEM NA


* * *
PORTA COM FORÇA. BAHIA VAI ABRIR| LUCIO ENTRA. A CESTA NA Hão. RINDO)

LUCIO Acho que pegaram o Jean Luc. E agora, Luoio, êle dizia, e agora?

Agora, vamos correr, seu padre, Olha a couve, quer couve? (DEITA.

TEMPO)Você não gosta da minha peça, não é, canalha? Que á? Falta

sofrimentof

BAHIA Saco. Falta saco.

LUCIO Alho porá? Vai alho porá? (TEMPO) Qual ê o saco? Ir de subúrbio

em subúrbio prá dizer que delatar • ooisa feita? Você não sabe

que todos nos somos delatores?Esse não pagou as contas, acusado

aquele deixando a mulher. Porque a sua pença não i sobre a dela»

ção obrigatória?

BAHIA Saco. Me faltou saco*

LUCIO Bahia, eu te amos mas você é um cruzado, um Barba Roxa, Vamos

arriscar sózinho, Bahia,

BAHIA Sózinho, só faço pi pi.

LUCIO Sozinho, sim, sozinho eu ando encima dágua de novo, multiplico

pão. Em grupo você fica no seu canto, falando mal do mundo e


* * * * *
mais o que... A gente não fica igual aos outros e não entende.••

BAHIA Não quero ser como os outros são. Quero ser como todo mundo já

pode ser.

LUCIO Cruzado, manje, papa, freira...

BAHIA Tem de ser egoísta paca, Lucio. Nao pode viver só a vida, tem
de viver a vida toda, em bando, cada vez mais e3 o faca
cortando banha.

LUCIO Porque é que você não gosta da minha peça?

BAHIA Sacanagem. (LUCIO VEM VER O QUE BAHIA ESTA FAZEN^^l

LUCIO Traduzindo o X-9? Quem é o assassino? Não, pomba, me

pra mim quem ó o assassino, pelo amor de Deuxl Ah, quem ê o as—

sasjfeino? ^ ,
t/miq Otimn^o soei a$TitfSsi &?/>i ppcano pgoaj t/occ v# soz*r/r# (s/te/rcà))
LUCIO Que» foi?,,. Aconteceu alguma coisa com ela...? Me diz... Que

foi que aconteceu?( BAHIA PICA EM SILENCIO, UM TEMPO. SUZANA


* * ' « * *
ENTRA. TEMPO LONGO) Você contou, Suzana? Mas... Suzana, você...

Eu não... (LONGO SILENCI0) Fui fazer uma crítica de cinema prá


BR AN RfOTN.CPR.PTE. fi* 13

13
uma revista, nao tive coragem*•• copiei a crítica do Cahier...

(SILENCIO) Eu.,* (LUCIO OLHA SÜZANA LONGAMENTE E, COM VERGONHA

SENTA-SE. MEIO ESCONDE 0 ROSTO. ÜM OUTRO TEMPO* BAHIA PEGA


* *
LUCIO. DELICADO* LUCIO SE APOIA EM BAHIA. SAEM)

ESCURECE.
# LUCIA ACORDADE, CRISTOVE0 MEIO CABECEIA DE SONO SOBRE O TELE-
• *
FONE. COTA, MEIO DORMINDO NUM CANTO. ENTRAM LUCIO E BAHIA. LUCIO SEMI-
• • * 0
DESFALECIDO. OS OUTROS VÊEM. LEVANTAM-SE EM SILÊNCIO. UM TEMPO. LUCIO

SORRI PARA ÊLES)

LUCIO ' Acusado, meu pai, Bahia, á êle* Acusado.

CRISTOV. O Senhor trabalha no que?

BAHIA Eu...
* * «.
CRISTOV. Porque meu filho trabalha. Não é desocupado, não. Meu filho é

um advogado e...

LUCIO X8, pai, x$, xo...

LUCIA 0 Bahia trouxe o Lucio, pai.

GRISTOY. Trouxe mas antes levou e...


* • r
LUCIO Ninguém me levou porra! Tenho perna! Ninguém me leva! (SILENCIO)

BAHIA Tcháu, Lúcio. (MEIO SE DESPEDE)


0 0
LUCIO Me empresta um dinheiro? (BAHIA FAZ QUE NÍO TEM. SAI. LONGO SI

LENCIO. COTA E LUCIA SAEM. CRISTOYSO DE COSTAS SENTADO, TEMPO)

LUCIO Pai, amanhã eu vou no escritório do Br. fttthevarrieta.


* • » •
CRISTOV. (PAUSA) Como você achar melhor, Lucio... (TEMPO) Almoçou, filho?

LUCIO Comí aí...

CRISTOV. (TEMPO) Vooê veio da rua agora, seré que vai chover?

LUCIO NSo vi direito.

CRISTOYS Li uma crítica de cinema que você fez. Fui ver o fil

dei com a# crítica.

LUCIO Obrigado.

CRISTOV. Você tem* o endereço certo do Etcheverrieta?

LUCIO Tenho.

CRISTOV. Êle é um homem inteligente. Era fooa da Noite quando^ltr"publi -

quei a reportagem sobre Rodrigues Alves. Já conte, nao contei?

LUCIO Mais ou menos.

CRISTOV* 0 Rodrigues Alves foi eleito mas estava morrendo. A família

nao queria que ninguém soubesse. Fui pré Guaratingueta disfarça-

do e fiz a reportagem. Quando descobriram, até ameaça de morte

recebi...

LUCIO Mas fez, nao é? (LONGO SILENCIO) Ê capaz de chover, sim.


•em

r:- n|0TM CPR.PTE, â^JJL p. H


14

CRI3T0V. á, não é? Melhor levar o guarda chuva, não é?

LUCIO Ê ‘bom, sim. Até mais tarde, pai» . \

CRISTOV. Até mais tarde» Dorme um pouco. (LUCIO FA8 QUE SIM. SORRI. SAI.

LUCIO ENTRA. CRISTOVÍO AINDA FICA UM POUCO. VAI VER 0 TEMPO.

OUTRA LUZ. LÜCIA ESTif DEITADA NO SEU QUARTO. LUGIO CHECA NA PORTA, FICA

PARADO OLHANDO PARA ELA.

LUCIO Alguém me telefonou?

LUCIA Não.

LUCIO Tem certeza?( LÜCIA FAZ QUE SIM. TEMPO) Me empres

(TEMPO. LUCIA DA UM DINHEIRO) Amanhã eu... (TEMPO.

FU DA PRIMEIRA PARTE
brí *■ n.rio tn.cpr.pte o&12_ _p. 16 15
2> Parte

LUCIO ESTá NO ESCRITÓRIO DO ADVOGADO. NUM CANTO, UM OPFICE-BOY DORME.

ruído de maquinas vindo de outra parte do escritório.

LUCIO (LÊ, CORRIGINDO) O senhor Raul de Vicenzi usou então da pala-7

vra para concordar am o proposto aumento de capital da firma.

0 senhor Otávio Lemos Brito, vírgula, dirige então consulta à

mesa para saber..i se era possível mijar num cantinho da sa-

la* • • se havia necessidade de novos esclarecimentos. Ponto.

Ponto, senão ninguém entende que £ prá parar de ler*.. Qual o

outro canalha que vai ler isso? Eu e quem?... (0 MENINO OLHA

ABÚLICO) *«#
Escolhe
4 0 um nome aí...

MENINO Her...me.. .ne..valdo?

LUCIO (AGORA ESCREVE) E o senhor Hermene vai do Garcia usou da pala-

vra, declarando-se satisfeito com as informações prestadas.

Disse isso e mostrou as nádegas de felicidade para a assem-

bléia... (PINGE QUE ESCREVE. 0 MENINO SE DIVERTE)

MENINO Todo dia voce tem de inventar essas atás, é? Eles nunca fazem

assembléia? Porque, heim?

LUCIO (Dá DE OMBROS) Poi na primeira varo? (0 MENINO PAZ QUE SIM.

ENTREGA UMA PASTA. LUCIO COMEÇA A LER. CRISTOVãO PASSA CCM

ETCHEVARRIETA. VãO SE SENTAR NO FUNDO. CRISTOVãO PALA)

MENINO Ih, aquele homem...

LUCIO Que tem?

MENINO Dr. Etchevarrieta não aguenta mais. Êle vem todo dia. Chega

uma hora, espera até uma e dez. Nunca viu, não? Dr. ^tohevar-

rieta agora, de propósito chega uma e meia... Mas cSSTw

veio às seis... (TEMPO Paz umais uma ata, vá...

TEMPO) Até amanhS... (O MENINO SAI. LUCIO AINDA

PASTA. VAI SAIR, NãO QUER SER VISTO. PÍRA PARA V«JT,UX7j

CRISTOV. Sou um homem de velhas convicções, Dr. Etchevarrieta ,*/Eu sei, o

senhor vai dizer, é mais fácil ser antigo. Não sei... mas

quando subornaram o primeiro deputado nesse país eu... não

era mais o meu lugar... Sei, não enfrentei, desisti, mas...

Estou lá na minha seção doze anos, arquivando processos, edi-

tais... Por mim, me aposentava, pronto. Mas é meu filho, en-

tende, Etchevarrieta? Que estimulo ele póde ter? 0 pai traba-

lhou, faltou oito vezes, foi jornalista, abalou o país... e

vai terminar chefe de uma seção sem muita importância.•«


BR
AN,Rio TN.CPR.PTE B p j£ 16
i 4 • f
ETCHEVAR. Sx Ã..*

CRISTOVÃO Eu sei9 você e governo, eu vou morrer oposição* Mas eu ajudei

você* Despachei dois protocolos fora de prazo* Nunca fiz isso*

Mas precido de um reconhecimento* Palavra - meu filho não gos-

ta de min, Etchevarrieta.*. Vai haver uma vaga no Conselho do

Ensino Secundário* •• üm lugar onde eu opinexxx e*«* Se eu fos-

se moço e me visse assim, não continuava... (XiUCXO SAI* CRIS-

TOVÍO CONTINUA FALANDO* ETCHEVARRIETA CONTRARIADO. LÜCIO FICA

PARADO* ESPERANDO 0 ELEVADOR* A LUZ ESMORECE. BAHIA E LUCIA

ENTRAM;)

LUCIA 0 que e que eu faço?

BAHIA Es*e Estelita aonde anda?

LUCIA De vez em quando encontro com


4 ele.•• Ele á tão chato.

BAHIA Faz o que você tem vontade*

LUCIA Não tenho vontade de quase nada... Aoho que eu quero ter um fi-

lho. Será?
4
BAHIA Então. .

LUCIA Meu pai não quer, s6 me diz bom dia e boa noite agora. Estamos

de mal. Não á engraçado?..• Vou ter de trabalhar, arranjar di-

nheiro. .. Datilégrafa ganha quanto.•*? Não sei datilografia. ••

(RI. TEMPO.
* FICA PARADA.
4 BAHIA SENTA
4 AO LADO DELA. LUCIA BEIJA 4

BAHIA. BAHIA SUAVE. BAHIA DEIXA. LUCIA COMEÇA A ABRIR A CAMISA.

BAHIA PARA. LUCIA* TEMPO) Se eu tiver de sair de casa, você

deixa eu morar aqui? (BAHIA QUIETO) Eu preciso ter bastante

coisas acontecendo ccanigo.•• aí eu fico olhando, fico vendo.••

(TEMPO. LEVANTA) Tcháu.


K
BAHIA Tcháu. (LUCIA SAI)

ESMORECE A LUZ. AS6ENDE NA PORTA DO ELEVADOR. CRISTOVSO

CRISTOVSO Ue, Lúcio, você estava aí?

LUCIO E. Fiquei até mais tarde, tinha umas coisas a\

CRIST0V80 0 Etchevarrieta me ohamou. Quer que eu aceite

Conselho do Ensino Secundário*

LUCIO Puxa, que bom, pai*

CRISTOVKO Quer, quer, quer* Que eu tenho de estar lá. Eu fico pensando...

a maioria é deles, Lucio, Essa poftica de colégio estadual.

Eles querem usar meu nome. Vou recusar.

LUCIO Não, pai.

CRISTOVIO Vou, vou recusar. Indispensável, você é indispensável, Cristó-

vão. Essa proposta tem água no bico. Ah. (LONGO SILENCIO)


bran.riotn.cprpte. _p-
17
LUCIO 0 elevador está sempre lotado*
* ' * » *
CRISTOVXO fgtjfxiBBxminna» á*(OUTRO SILENCIO) Pus uma camisa sua*#* só

reparei no Ministério..* (OUTRO SILENCIO) Você falou com a

LUCIAf .

LUCIO Não, pai.

CRISTOVXO Você me prometeu, Lucio* Que ia falar com ela e com o rapaz*

Nós precisamos resolver esse problema, Ducio. Sua irmã, onde

ela está com a cabeça que*##

LUCIO Deixei um processo sem assinar*•• volto já***

CRISTOVXO Eu espero*

LUCIO Vou demorar* (SAI. CRISTOVAO PARADO* TEMPO. ENTRA NO ELEVADOR)

CRISTOVXO Tem um lugar?

A LUZ ESMORECE. SÜZANA ENTRA EM CENA, PICA SENTADA PERTO DE LUCIO. LUCIO

LÊ UMA PEÇA. JEAN LUC SENTADO NUH CANTO.

LUCIO GOVERNADOR — Senhor Embaixador, meu se levantou em armas e

chegou ao poder* Como todos que chegam ao poder também não que

remos sair* EMBAIXADOR - Senhor Governador, pessoalmente xmxk

amo e respeito seu povo* Mas meu país tem amigos e tem inte-

resses. Precisamos das reservas de petróleo da região. Â Sé-

tima Esquadra está a cento e vinte milhas daqui. Se vossa de-

cisão for negativa, amanhã será constituído um govêmo no exí

lio. Êsse govêmo fatalmente pedirá nossa ajuda. E, fatalmen

te, viremos. GOVERNADOR - Nós pediremos ajuda da União Sovié-

tica* EMBAIXADOR - Ê uma bela medida, Governador* Mas se V*-

Excia. pedir ajuda aos russos, perderá a metade do apêio que

tem dos comerciantes, dos homens de indústria* Metade, ou es-

tou sendo otimista, Excelência? 0 Governador fica em silêncio*

0 Embaixador sorri. Levanta* Paz uma reverência. Sai* 0 Go-

vernador, imóvel* Pim do S* ato. (SILÊNCIO)

JEAN LUC Embaixador sacana, sê* Ia tudo tão bem.** veio o lêbo mau*,.

Embaixador lêbo mau* Chapeuzinhos vermelhos do mundo, uni-

vos* (TEMPO) Vem cá, os caras foram tomando o poder, essas

coisas, eles não sabiam que o Embaixador ia entrar âfe-feutca?

(SILÊNCIO. JEAN LUC SEMI DEITA)


* * j.
SÜZANA Eu gostei, lúcio* Gostei paca*

LUCIO Ah.

SÜZANA Estou dizendo* Ê assim mesmo que eu acho - teatro didático,

direto, sem volta*

LUCIO 4, só que nada é direto, sem volta, nada*


I AN,RIO TN.CPR.PTE_ p. \3
18
-■ui
SUZANA Mas tem que fazer assim» ora» senão ninguém entende e..,

LUCIA Então fique sem entender, então morra "burro. Hás quando entender,

entenda que dá volta, que é complicado, que oitocentos bilhões de

pessoas já passaram pelo mundo e sé começaram a resolver. Carti-

lha I até os sete anos, sé, entende?

SUZANA Não, lúcio, a peça é boa.

SUGIO Não é, Suzana* Isso é claro como água. Não sinto nada disso, não..,

Chamei você porque eu sabia que voei ia gostar, mesmo que não

gostasse..«

SUZANA A peça é boa.

JEAN LUC Ê uma merda.

LÚCIO Eu fico encima da máquina, fico e sai isso... cada letra é uma lu-

ta, uma... Pô, como eu queria que ela ficasse boa... (LUCIO FICA

PARADO. SUZANA CHEGA PERTO DELE. POE A MIO NO SEU CABELO, PASSA A
* • ■
MÍO NO ROSTO DE LUCIO. SENTA-SE AO LADO DELE. ENCOSTA SEU ROSTO

NO DELE. BEIJAM-SE SUAVEMENTE. BEIJAM-SE. TEMPO)

JEAN LUC Essa mulher não I do teu amigo, Ô...? Ei... Se eu incomodo, eu

saio da minha casa... (TEMPO) P$, das vantagens de escrever peça

ruim...

ENTRAM PESSOAS DO GRUPO E SE SENTAM. A LUZ MUDOU. SUZANA SENTA-SE AO LADO

DE BAHIA. LUCIO, NERVOSO, LÊ SUA PEÇA.

LUCIO EMBAIXADOR - £ uma bela medida, Governador. Mas se V.Exeia pedir

ajuda dos perderá a metade do apõio que tem dos comer —

ciantes, dos homens de indústria. Metade, eu estou sendo otimis-

ta, Excelência? ô Governador fica em silêncio. O Embaixador sorri.

Levanta. Paz uma reverência. Sai. O Governador imóvel. Fim do

3* ato. (SILÊNCIO)
f '* ' •
UM Eu quero começar. Achei a peça muito importante. Parabéns ao

companheiro. Dramáticamente talvez haja algum senão mas p sentido

anti-imperalista me pareeeu justo. £ uma denuncia. Ac]j4Ç^q$ffc>qla..v

BAHIA Que denuncia? Denuncia de que?

SUZANA Deixa êle falar.

BAHIA Que denuncia?

VOZES Deixa êle falar, Bahia - Espera a vez, Bahia.

UM l Denúncia da política do big stick, denúncia. ••

BAHIA Prá mim ela denuncia que política é uma coisa simples como água

e que nós somos uma mal ti dão de imbecis l

V
■„' v
8RAN!RIOTN.CPR.PTE_J?5ll p. H
19

VOZES Abeolutamentel Deixa ele falar 1- JM de cada vez* um de cada,,#

SUZANA Tlãurguesla vacilante está lá, o medo da massa está lá, isso á

simples?

0 povo tem consciência mas nao tem força, isso que eu •••

Se êle tem consciência, êle tem força, companheiro,,,

Não! - Quem disse isso, quem? - A peça á simplista, meu velho,.

Simples é ssa erítioa, não aceito assim, não aceito,

0 que eu quero dizer I que a peça não mostra os erros do povo.

Intenção em política não 4 nada. Em polítiéa erroujnt pagou na

hora, *

VOZES Mas á outra peça! - Assim não é possível! - A peça á didática!

t simples, mas não e simplista,,,

BAHIA Política nao e tragédia, não. Tragédia nem os gregos escreveram,


)
/ 0 negócio é errou ou acertou, Essa revolução da peça entrou pelo

cano porque Sles erraram e o autor não sabe disso,

LÚCIO y Eles erraram, pensaram que tinham força demais,

BAHIA Isso você está me dizendo agora que na peça não tem, não,

VOZES Como não tem? - A peça 4 didática! Nao pode querer obra-prima!

SUZANA A peça tem Srros, sim, A peça do Bahia não tem eixos? SÓ o Bahia

aoertou nessa praça? Isso não é maneira de tratar um trabalho de

um companheiro, A peça 4 boa,

BAHIA Não é boa, não, Que tem uma peça pão ser boa? (LUGIQ PALA, AS

LUZES m VOLTA DOS OUTROS COMEÇAM A APAGAI),

LUCIO Boa é a sua peça sôbre delação, não é?/&Iinha peça é sobre uma /

r revolução^ pomba. Ou só pode se escrever sobre delação aquí?

Algumas colocações eu aceito, mas invalidar tudo? Não aceito,


V
QUANDO ASCENDE A LUZ, ESTffO JEAN LUC, ESTELITA E LÚCIA NO BARJ

ESTELITA LÊ A PEÇA,
*
0 que é que eles querem? Então escreve uma peça dizendo que o

americano invade os países, tema conta, come o fígado e não^

tá bom? Não serve prá nada. Aqueles medíocres olhsuado

tem um sentido trágico e não pode ser trágico, ah,,,

JEAN LUC Mas você nao acha também que a sua peça é uma merda?

LUCIO Sei lá,,, sei lá,., é que 4 tanta mediocridade*,, Um me

que a peça nao é cósmica, (ESTELITA TERMINA DE LÊR A PE'


BR AN.RIO TN.CPR.PTE p Jfc 20

ESTELITA Deixa eu ver se peguei a filosofia da peça - em cada pedaço de

terra um trator* uma alcachofra por mês pra cada cidadão, dois

sabonetes* um lata de talco.• •

JEAN LTJC Tem mai, tem mais, não é tão pobre assim - tem um coito por se-

mana, uma bonita vacina anti-rábica cada quatro anos na bunda

ou no braço, escolha livre###

ESTELITA Casa com duas janelas, vaso no parapeito*.#

LUCIO (PUXA ESTELITA PORTE) Você, não! Jean luc pode me gozarl Você,

não* Tu 4 um poeta medíocre, um rebutalho» 0 que e que voce fez

com a IrtScia, Hein? Hein? Hão vivo em dizendo ditos irônicos,

não* yivo fazendo# Medieval# (LARGA ESTELITA HA CADEIBÂ# LONGO

SILÊNCIO) ,

JEAN LDC Fazendo, a Fundação Leão UII também vive# (A ESTELITA) Voce

não vai resolver o problema com a Lúcia, seu?

ESTELITA Isso I com a gente# ...

JEAN LTJC (A LÚCIO* TEMPO) Desanima, não# Vai piorar mais.#. (TEMPO# IIBA

ODHfHEIEO) Vocl não me pediu lo contos? #•• Vai comprar cami-

sa, *? (POE A CABEÇA HO OMBRO DE LTJC 10# TEMPO)

A LUZ ESMORECE# CRISTOVXO LÊ A FEÇÀ.T&ÍP0. LÚCIO DEITADO HA CAMA#

OLHO PREGADO NO TETO# COTA DE DENTRO#

COTA Lucio# Lucio Paulo* Não quer comer?### Lucio### (TEMPO# COTA
APARECEt I NA
* SALA) Hão responde. Passou o sábado e o domingo no

quarto#•• (SILENCIO) t boa a peça dele? “ \

CRISTOVIO è# Muito interessante* Um governador quer chamar os russos, ima-

gina# 0 que os russos não fizeram na Hungria*#* Quer ler? /

COTA ü Eu li ua pouco# (SILENCIO)

CRISTOVKO O Lucio acha que eu devo aceitar a indicaçao para o Conselho

do Ensino#

CONTA Viu, ele também acha###

CRÍSTOVIO Não sei. Afinal a gente tem convicções, Cota.

COTA Seria tão bom você aceitar, Oristovão# . . .

CRISTOVKO NSo insiste, Cota. Não insiste, t um convite honroso mas.#. Não.

Não insiste, nãb. Cota, por favor# (UM TEMPO. LUCIA ENTRA* SI-

LENCIO# NãO SE CUMPRIMENTAM. LUCIA PASSA PARA Dl


sampa-
COTA (TEMPO) Porque você não fala com ela?#.. Esta ta<
rada... (CRISTOVJtO EM SILENCIO. TBMPO). ^
precisa
CRISTOVKO Ê verdade que o Etchevarrieta esta insistindo
de Tnitu no Conselho. Mas a proposta leva agua no Não vou#
BRAN.RiO TN.CPR.PTE ciflff—p. &? |
21

(COTA VAI PARA DENTRO. CRISTOVãO PEGA 0 TELEFONE, JORNAL. DIS-

CA).
••• - ■ « ...
COTA (DE DENTRO) Lúcio... Quer um copo de leite...? Lucio?... (UM

TEMPO) Lucia... Quer comer alguma coisa?... Lueia...?

CRISTOVJO Dr. Almeida Comer, por favor? Dr. Almeida Gomes. Estou telefo-

nando para cumprimenta—lo pelas suas bodas de prata, Dr.

Está falando Cristovão...


A LUZ ESMORECE. LÜOIO ENTRA, SUZANA B JBAN LÜC.

LUCIO Ccaao nao e justo, Suzana? 0 grupo não ganhou uma verba? Não

•vão montar a peça do Teixeira sé porque ele e cupincha do -

Bahia? Então tem que montar a minha peça também. Eu reescre-

vi. Me disseram que tem um deputado do PTB que ficou louco

com a peça.
JEAN 1DC Deputado é cara que entende desses troços, viu?
iüOIO Tem que montar minha peça.

SUZANA Não sei. Í que vai áifidir o grupo. A maioria não vai querer.

LUCIO Então eu vou ficar sentado vendo o Bahia experimentar o mundo?

Não. Se dividir o grupo, dividiu, Não estou no mundo de coro,

não.

LUCIO Tem que montar minha peça. 0 Jean Luc disse que arranja um

empréstimo num banool (VAI PEGAR BEBIDA)


SUZANA Você arranja mesmo um empréstimo?
4
JEAN LUC Não sei. Estou sabendo disso agora.
JEAN LUC Não sei... Acho que Sle não quer fazer uma vidaj quer fazer

mais uma biografia... 2S cronista dele mesmo... E você? Porque

e que srocl está com êle? Está fazendo êle ficar muito político.

0 Bahia e melhor prá você. Melhor deixar o Lúcio. (OS DOIS SE

OLHAM. JEAN LUC SORRI. A LUZ ESMORECE. ASCENDE EM BAHIA E SU-

ZANA)

BAHIA á melhor parar de frescura. Do grupo não sai um tostão prá

montar a peça do Lucio* Se o moço esta frustrado*

ve na Legião Estrangeira. Mas dinheiro, não.

SUZANA Tem gente que acha a peça boa.

BAHIA Dane-se. Engula o sapo.

SUZANA Precisa é acabar com sxxs esse negócio de só você -decidir aqui

dentro.
BAHIA Precisa e acabar com a sua mania de concordar com quem você

dorme.
: RAN.RIOTN.CPR.PTE p
22

SUZANA A Bahia, vá, fala, não passa a vida acusando,.. (T©£PO) Pre-

cisa ajudar o Lúcio, Bahia*

BAHIA \ Sou revolucionário, não sou psicanalista*

SUZANA Vá a merda. (SUZANA SAI. ESMORECE A LNZ)

ASCENDE m LÚCIO, JEAN LUC, SDZANA* SDZANA PALA NO TELEFONE* OS DOIS EM

VOLTA DELA.
* « >
SDZANA E agent está querendo montar a peça do Lucio. Êle r«escreveu

ela. Eu sei, Lite, eu sei* A gente vai continuar o resto da

vida montando espetáculo uma vez por semana em subúrbio? At!

quandoT Bu sei que á prá conseguir apoio nos sindicatos,

mas*.*

LUCIO Êle não gostou da peça?

SUZANA Você não gostou da peça? Então*

JEAN LUC Que êle vai fazer o governador* \«»*»*

SDZANA A gente tinha pensado prá você fazer o papel do governador*

(SDZANA DESLIGA)

LUCIO Tem um amige que arranja dinheiro*

SDZANA Êle vai pensar* (LIGA DE NOVO) Me deixa falar*.. Ligar pro

Jorge* Jorge gostou da peça*

LDCIO Fala do dinheiro* Já tem o dinheiro. Você não disse que con-

segue um pouco com seu pai, tambÓm?

JEAN LUC Fala menos zangada, menina, mais doída*.•

SDZANA Jorge? É a Suzana* Estou telefonando para saber se você quer

montar a peça do Lucio* A gente queria que você dirigisse***.


JEAN LUC Se êle nao dirigir ,jE3QgK nao monta a peça* * * Diz isso*

SDZANA Se você não dirigir, não quero montar..*

JEAN LUC Isso, isso* Frustrados de todo o mundo, uni—voe* Ai, meu

Deus. Que sacanagem* Que sacanagem imensa!

A LDZ ESCURECE. ABRE NO ESCRITÓRIO. LDCIO ESCREVE UMA ATAJDE ASSEMBLÉIA,

BAHIA ENTRA. LUCIO 0 VÊj

LDCIO 0, mestre*

BAHIA Óomo vai?

LUCIO Estou aqui enfiado nesse escritório* Prá dar ájfcgüfef"satisfação

la em casa* Tenho de começar a fazer trabalho político aqui*

Pegar esses escriturários... Tem boas posições, viu?

BAHIA Olha aí, eu nem vinha Êlar com você* Mas decidiram que eu de-

via falar* O que ê que vooê está arranjando, Lucio? (LDCIO

NlO ENTENDE) Vocês vão montar a sua peça, lúcio?


3RAN RIOTN CPR.PTE- affilS p.
23

LTJCIO Minha peça? Quem? (BAHIA QUIETO) Quem?

BAHIA A Suzana ontem alugem um teatro*

LTJCIO Tenho nada que ver com isso* não*

BAHIA Não sai fora* Lúcio*

LTJCIO Disse que não sei e chega* não é?

BAHIA A gente está há três anos com Ssse grupo marombando; na hora

. que cai de fazer um negocio de importância vocês vão montar a

sua peça?

LTJCIO Quer parar com esse vocês?

BAHIA t coisa s6 da Suzana* não á?


'~ 4*4
LTJCIO Ho começo eu queria* Você me mordeu fera» forte na reunião*••

Deve ser malentendido. Eu sou do brupo e pronto*

BAHIA j* Antes mal acompanhado do que sê* (BAHIA LEVANTA)

LTJCIO Eu vou ver isso**. Você está hoje de noite na sua casa? Qual 4

o teatro* não sabe qual e?

BAHIA Tcháu, mestre* (BAHIA SAI* TEMPO LONGO)

A LUZ ESMORECE* ABRE EM BAHIA E 2

BAHIA Dou porrada nele e nelal Dou porrada*

2 Não faz assim* Bahia* não faz* Precisa compreender e maneirar*

BAHIA Quase um mês parados por causa deles* e diz que me diz e

2 Mas 4 aesimf Bahia* 4 assim*»*

BAHIA Assim» uma***

2 Bahia,tu vai arrebentar o grupo todo* A gente precisa da Suzana*

do Jorge, do Lucio***
•RATTTA Não tem esse assunto,w não* *
2 A gente deoidiu que tem de manter a unidade*

BAHIA Decidiu errado* Sacanagem 4 no pau*

2 Todo mundo faz besteira» Bahia* Você já cansou de tomar decisão

sázinho* 4
BAHIA Me diz umal Me diz*

2 Ah» assim vai se tornando mais dificil, não e» Bahia?’Você bri-

gou com muito dirigente sindical sem consultar oce -


inibe as pessoas* Po, tu não á o oráculo» não*

Vai devagar mas 4 a única coisa que vai*

A LUZ ESMORECE. ABRE EM EETJNIIO. ESTSO TODOS DA PRIMEIRA

SUZANA Eu fui falar com o Bahia. 0 Bahia não me tratou 6 companhéiraç

Não admito ser tratada assim*

BAHIA Vai, Suzana, não faz demagogia.

V08ÊS Calma - Bahia — Calma - 15 melhor a gente ficar calmo*


B^ÀN.RIOTN.CPR.PTE »^Hg n
24
1/

SUZANA Não adiante* É assim que êle trata quem nao tem a opinião dele#

BAHIA Olha, o que a gente está discutindo e que vocês vão montar a

peça do Luoio sem autorização do grupo# Se eu sou grosso ou

não, deixa prá quinta feira#

SUZANA A gente vai montar a peça, sim»

BANIA Inmnri x pedai4


■ 4
*
VOZES Mas não podei - Isso e absurdo! - Porque nao pode montarI -

Ninguém leu a peça direito#

SUZANA Vai montar porque a peça é boa# Não á da linha que o Bahia quer

impor aqui, mas e boa# E o companheiro Lucio precisa* ver a pe-

ça dele no palco#
*
UM Eu li a peça três vezes, meus companheiros, isso é que precisa#

SUZANA Está colocando mal, Suzana# Bahia aqui não impSe nada# 23 a -

maioria que não quer a peça#

BAHIA Eu quero saber se o lúcio não vai falar? Ontem êíe me disse que

nao era verdade que iam montar a peça*

LUCIO Eu não disse isso, um momento, um momento, companh.»#

BAHIA Ontem você me disse que não sabia*


LUCIO E não sabia»••

SUZANA Sabia, como nSo?

LUCIO Não, não sabia certo# Isso não quer dizer que eu seja contra#

SUZANA Um momentojcompanehrio#

VOZES A Suzana me disse que você sabialftr Prá mim também, Lúcio#

LUCIO Um momento, um momento, eu sabia# Assim não e possível falar#

Eu sabia, aó não sabia que a coisa estava assim provocando di-

visão#

SUZANA Não, companheiro, nós queremos montar a peça dê no que der».#

LUCIO Disso eu não sabia, companheira#

SUZANA Que ó isso, Lucio?

VOGES Como á? - Sabia ou não sabia, Lucio? - Isso não

nha gente#

LUCIO Assim n£o é possível# Me recuso * a• * falar» Me

DOIS Por favor, o assunto não á êsse»»»

BAHIA Ê esse, sim, fica quieto que o Calderon de la

explicar#

LUCIO VAI ABA BAHIA PARA BRIGAR, SEPARAM.

VOZES Que ó isso? - Para com isso!

xxxx
BR AN,RIO TN.CPR. PTE
.p. •<!>
25

LUCIO Aqui á assim* Bahia, Bahia, Bahia* Se não concorda e oportunista,

é sectário* Cada um tem mêdo de pensar aózinho mas ê todo mundo acre
w
dita que tem idáias próprias* Chega prá miml Chegai

BAHIA Chega prá você, os cambáu. Chega prá násl (NOVA BRIGA* NOVA SEPA-

RAÇÃO. CABA GRUPO LEVA BAHIA E LÚCIO PARA FORA* PICAM DOIS E SU-

ZANA)

DOIS Viu em que viagem a gente se meteu, Suzana? Você devia ter pensan-

do duas vezes* Lúcio não sabia de tudo?

SUZANA Sabia* Êle quis se acertar na reunião porque, sei Xá**« file não

importa, não* A peça i boa* Isso e que importa, Nicola*

DOIS Está, Suzana* A gente ainda nSo sabe ser grupo*•• É aprender mais*

A LUZ ESMORECE* ABRE M LUCIO E NOMEA. NOMEA DEITADA LÊ A PEÇA. LUCIO -

LARGADO. TEMPO*

NOEMIA A peça á contra os Estados Unidos, hão á? Eu gosto mais dos Esta-

dos Unidos que da Rússia* Na Rússia tem mãe exemplar e gente ti-

rando fotografia rindo de propósito* Não vou ler atá o fim, não*

Você fica chateado? £ bonita a cortina nova que eu pus na sala?

LUCIO £*
1
NOEMIA Você sumiu* Eu fico*** (BEIJA LUCIO) Cigarro dá câncer?

LUCIO Não sei.

NOEMIA Pala comigo, Lúcio* Você não fala *** (LUCIO OLHA PARA ELA* SORRI)

Você á espirita?

LUCIO Não.
)
NOEMIA Ouve* 0 católico, entendeu? cada um se salva por sua conta mas to-

dos nós fazemos parte do Espírito Geral. Então a gente tem de sal-

var o Espírito Geral e não a alma de cada um, então..*

A LUZ ESMORECE. ABRE. CRISTÚVKO E LUCIA. NUM CANTO, COTA.

CRISTOV. Estou sendo seu amigo, Lúcia*

LUCIA Eu sei, pai. Porque o senhor á meu amigo há um mês que só fala

nisso, ontem me acordou no meio da noite* (LUCIO

CRISTOV* Olha, filha, porque a vida não jode ser um aoaso* Ei/^íàssM

vida pisando na risca, acreditando, com respeito **' K&fò/na

minha casa tem tona mãe solteira? Então tudo pote &c<

todos? £ uma Babilônia? Então**•

LUCIA Pai, o senhor complica só as coisas fáceis, pai. 0 que á complica-

do mesmo o senhor nem quer saber, nem quer saber*


BR AN,RIO TN:CPR.PTE . J^ÜLI. o.
26

CRISTOV. Porque na minha casa não vai ser, Lucia• Aqui, não. Já falei

com sua tia Alcina. Você pode passar lá um tempo. Não quero ver

tudo se desmoronar na mi nha. frente •

LUCIA Não vou sair daqui, pai.

CRISTOV. Vai. Vai.

LUCIA Precisa me botar lá fora.

CRISTOV, Ponho na rua agora se quiser. Ponho. (LUCIt ENTRA. CRISTOVSO,

UM ÜTMPO, OLHA LÜOIO DESAMPARADO, LONGO TEMPO) Porque e que

ela nSo faz como você, lucio? Porque?,..

LÜOIO Vá a merda* Deixa a menina em paz. ( CRISTOVRO TEMPO, NlO PODE

FALAR, LONGO TEMPO, VAI SE SENTAR. TMPO, COTA VEM PARA FRENTE

DE LUCIO. FUZILA-0 COM O OLHAR. TEMPO. VAI PARA PERTO DE CRIS-

TOVXO, DÂ A IXO PARA ELE, SEDÍO AS MSOS. A LUZ FICA UM POUCO

NELES, JSSMORBCE. ABRE 'SE LUCIQ EjSTIg&pO NA CAMA. OLHO PREGADO

NOTBTO ^LENÇO NA MÍO, CHEIRA ^^BAH^TOFALA NO TELEFONE.


JEAN LUC Lucio esta quí. Ruim. Ruim mesmo. Ve se arranja algiTmg coisa

pra ele fazer. Você não faz parte daquele grupo que vai fa-

zer uma suplemento literário e tal... Põe o lucio, lá. Eu sei

que vocês brigaram aanxx mas êle não chegou a dar na sua cara.

Afinal você estrumbicou a irmã dele, nSo á? Pãe o Lucio nesse

suplemento. NSo quero êle assim.•• (DESLIGA. SENTA PERTO DE

LUCIO. TIRA 0 LENÇO) Quer comer alguma coisa?

LUCIO Eu amo a Suzana, Jean Luc...

JEAN LUC Ama porque ela á mulher do Bahia.


)
LUCIO Chorei por causa dela... passei vexame... corno á que eu fiz

uma coisa dessas? Deixei ela sozinha... Como e que eu faço

isso?

JEAN LUC Você ainda há de fazer coisas piores.

LUCIO Bu escrevia ásse tm todo lugar... esse de Suzana,,. depois,


A
disfarçava. . .
JEAN LUC Foi ela quem meteu na sua cabeça a Ideia de montar aqí

ça ridícula, não vê? Prá aporrinhar o Bahia? Não

da 9 bom demais... Cada um tem que aceitar o demi

lhe (TEMPO) Querendo pode ficar aqui..,

ABRE, NUMA REONISO. ESTãO ESTELITA. JEAN LUC, LUCIO. MAIS CINÇOjD&^eTTlS'

PESSOAS, NÍVEA E BANDEIRA.

BANDEIRA O nosso suplemento vai ser publicado aos sábados. A partir de

quando, Híveia?
• AN.RIO TN.CPR.PTE D.
27
NIVEA Daqui um mês* Falai com meu irmão ontem. Êle garantiu - daqui

um mês. Mas dono de jornal, nunca juro encima. Eu nunca sei o

que meu irmão pensa. Nem êle nunca sabe. Ser irmã de dono de

jornal não 4 tarfa das mais fáceis, não... (SORRISOS)

BANDEIRA Queremos fazer um movimento de arte lúcido. Sem paixão mas

também com gâometria pura. Empenhado. Atingir as coisas antes

de seu significado provisório. A concretude das coisas. Aqui

estamos, no mundo, carregados de responsabilidades, para nada.

Não viemos para a felicidade, nem para a tranquilidade. Ê ter-

rível mas io viemos para a verdade•

VOZES Isso- Não há dávlda - Precisa um movimento assim.

BANDEIRA Aceitamos a colaboração de quem queira trabalhar conosco. Con-

cordando conosco. Esteláta está na secretaria. Nívea na edito-

rla de arte. A responsabilidade geral 4 minha.

JEAN LUC Muito interessante, Bandeira. Muito.

VOZES Estou a disposição, tenho feito pesquisas nesse sentido. - Da

maior importância, da maior importância. - Eu sempre pensei as-

sim*

ESTELITA Quem não concorda á o Lúcio Paulo. Não quer falar?

LUOIO Estou de acêrdo. Estou a disposição. Não sei se sou capaz...

ESTELITA Saqp Não, capaz 4*


™ *
NIVEA Já vi que os dois não se dão. Não 4 verdade? Um não gosta do

outro.
ESTELITA Não, mas isso é contra tudo o que êle pensa. Só isso.
LUCIO De maneira nenhuma.

JEAN LUC De jeito nenhum. ,

LUCIO Acho que aprendi uma coisa. 0 mundo 4 êle mesmo, todo aberto

mas sem motivo. Nao há mais nenhuma comodidade

mais em que acreditar. E á preciso se empenhar,


V
que todos não precisem mais acreditar. Goneordoj

tranquilidade mas será pelo menos a verdade.

BANDEIRA & exatamente isso.

NIVEA Viu, Estelita? Feio menos êle fala mais bonito que voèê.

RISOS) Meu Deus, se meu marido me vê nessa reunião com verdades,

tranquilidades — têm uma sícope.


LUCIO Voces me perdoe», (1 NIVEA) desculpe, mas eu queria colocar um

problema. Do plano que você mostrou, Bandeira, eu acho que es-


tá muito fechado em si mesmo... Serão artigos, trabalhos de vo-
* * *
\) ces... Mas se o objetivo é influir acho que falta violência...
BR/®l\J.RIOTN.CPR.PTE sftis p. £8
28

Criticar tudo o que está sendo feito» cada livro» cada artigo»

Disso eu não atro mão» as coisas são para todos ou não são*
■» ■ 0 •v
NÍVEA S um agitador» Bandeira* Ate que enfim um agitador em carne

e osso*
*
BANDEIRA Eu poisei muito nisso* Tenho medo de cair em radicalizações

de cada lado» na falta de diálogo* ••

NIVEA Estou de acordo com o agitador* Isso aquf e um museu» agitador*

VOZES Mas o suplemento é de estudo - Vai virar fia - Flu - Tem que

manter distância, não? - Vai virar Fla-Flu - Tem de enfrentar

isso - Melhor que passar desapercebido*

BANDEIRA S verdade que a polemica será inevitável*

VOZES Isso á - A polâmica á inevitável - Nada e inevitável, nada.

Não I?

JEAN LUC Estou de aoSrdo* Isso á* Viemos para a verdade* ( DIZ ISSO

PRA TODO MONDO* ENQUANTO DOSOS FALAM» NIVEA E LÜCIO TÊM W

DIÁLOGO ENTRE ÊLES)

OS DOIS Eu sempre disse isso. Mas mulher continua com prestígio mui-

to baixo» mesmo sendo irmã do dono de jornal .-Você concorda? -

Com tudo* - Vou expor uma escultura minha» claro que vai -

haver polêmica? - Você faz escultura? - Você pensou que eu

era sá irmã do dono? Vem ver» quer? - (OS DOIS SAEM PARA DEN«

TRO. A DISCUSS3X0 CONTINUA. JEAN LUC PARA DE FALAR. FICA

OLHANDO. A LUZ ESMORECE)

LUCIA ESTX SENTADA. LUOIO AO LADO DELA. COTA LÊ UMA POESIA DE LÜCIO.

LUCIO Êsse Bandeira e um cara genial» Lucia* Compreende? Era isso,

era isso que eu tinha na cabeça me queimando. Era isso, meu

Deus do seu* É a sintaxe* Vocêr quer dizer uma coisa, tem

a sintaxe, que não á você, que á patrimônio, não deixa nin-

guém ser sozinho» amarra as palavras, o sentido fica o mesmo

de sempre* ÊLe quer acabar com isso, enten^dã^B|lavra, jo-

gada uma contra a outra, usando o espaço/^g^f^Lnta com

palavras. (TIRA 0 PAPEL DA MO DA MÂE) Dom; lãl^aJ Olha aí.

Mostrei prô Bandeira* Êle quer que eu trabaihar cqm ele • 0 -

Bstelita está na secretaria do suplemento* M%g/ êle á Zenbu-

dista, pomba. Amarra tudo, Não e uma arte d# olhar umbico»

não* & participante* Estelita amarra* (DEVOLVEU 0 PAPEL Ã -

MÊE).
2
BR AN RIO TNTCFR.PTE n $

COTA Não entendo, Lúciol Ah. 3?ame amarela, fome fome, fome céu...

Você entende, Lucia?

LUCIA Ah, maef

COTA Isso é espiritismo. Sabe que dona A delia do 703 faz sessão es-

pirita? Aguela gorda, de Slho pequenininho*. *

LÜCIO Fome amarela é a fome, mãe. Fome fome são as duas se Juntando.

Fome céu é a fome da gente. De não sair de dentro da gente e

tarde aceitar e..‘.

COTA Creio em Deus Padre. Creio em Deus Padre. (RIEM) Porque é que

fome céu está nesse cantinho da página, menino? Tem a página

toda, Sle pBe aqui no cantinho. Creio em Deus Padre. (RIEM.

CRISTOTãO ENTRA. CHISTOVXO FICA PARADO) Cristo, olha isso...

Do Luclo, que vai ser publicado, que o Bandeira gostou muito.•*


>
Fome amarela, fome fome...

CRISTOV. Lucio, Você não está de férias.

LÜCIO Heim?

CRISTOVJ 0 Dr. Etchevarrieta me telefonou. Queria saber de você. Uma se-

mana que não aparece. Atrasou um processo, êle perdeu, passou

em julgado. Uma porção de documentos nao focram registrados.

Çle me destratou no telefone e.«. Como é que você faz isso?

LüCIO Arranjei outro trabalho,pai.

CRISTOV. Irresponsável, Irresponsável.

LÜCIO Vou trabalhar num jornal.

) CRISTOV. Prá fazer isso, menino? Essas besteiras de novo, irresponsável?

LüCIO £. Essas besteiras.

CRISTOV. Irresponsável. Irresponsável. Claro que êle não falou mais no

convite para o Conselho do Ensino Secundário. Claro. E m se

eu qulzesse aceitar?

LÜCIO 4 Você não foi convidade, pai. Hunea foi.

CRISTOV. 0 que éf... 0 que.*.

LÜCIO ... foi pedir o emprego, pai, foi pedir o lugar

CRISTOV. Cala a bocal

LÜCIO Foi, mãe, foi pechinchar, ia no escritório todo o

4 varrieta fugia dele*.•

CRISTOV. Mentira? Menti...

LüCIO 4 Sabe que êle fugia como o diabo da cruz?.*.

CRISTOVI Mentira.

LÜCIO Ia lá, todo dia, todo dia...


ân,riotn.cpr.pte_ .p- 30
30

CRISI0VI0 Vocè é mau, menino*• • Porque você não serve prá nada você i mau**
<■ . .»
LUCIO 0 ofice boy dizia quando ele chegava lá - ih, chegou o chato*••

Me empurrou prô escritório prá ver se conseguia alguma coisa na

vida*** á tarde, pai, á tarde***

CRISTOVãO Nao vai dar certo em nada, menino, vai ficar roendo seu raho,

roendo o rabo • ••

LUCIO viu sua familia? Esea menina parada, grávida*** Dona Cota

não sabe pegar ônibus, tem medo de Ônibus*•• Eu vou chegar aon-

de você nem pisou, nem viu***

CRISTOVXO file pensa que vai dar certo em alguma coisa, Cotat file pensai

LUCIO Porque tem que ter espinha dorsal, pai***

CRISTOVKO S não me apareça mais***

LUCIO (SAINDO) Espinha dorsal, meu pai! Precisa uma, espinha dorsal

cravada nas costasl (LÚCIA VAI AÉ8AS DELE. SE ABRAÇA 'Efü LUCIO)

LUCIA Deixa eu ir com você***

LUCIO Sai, Lúcia... (LUCIO SAI. LONGO SILÊNCIO.)

CRISTOVXO file não vai dar certo, Cota* Não vai* Não dai d nada*

(NOVO SILENCIO)

Fim da segunda parto* ,


PR AM,RIQ TN.CPR.PTE p. 3j
31

3» P&rte

BANDEIRA S 10CIO. RUÍDO DE JORRAI. BANDEIRA COU 0 SUPLEMENTO NA IfflO.

BANHEIRA Falei sexta feira* Sábado falei de novo, Porque | que o Este-

lita não publicou a resposta do J* Otávio?

LÚCIO Sei láv Bandeira*

BANDEIRA Na primeira página* corpo dois* os dois artigos* Ele sé pu-

blicou o artigo que e a favor do suplemento* Eu não sou as-

sim* Quer discordar* discorde* Porque é que o Estelita não

publicou a resposta do J* Otávio? Pica mal* Pica muito mal*

êle falou alguma coisa com você? Pala* lucio*•• Eu tenho de

saber que o suplemento precisa sair melhor* Essa margem ti-

nha ga de ter quatro dedos*


)
LUCIO 0 suplemento está ótimo* Bandeira* Tem três meses e a gente

está recebendo carta


* ate de Raraima. Olha essa carta de Ro -

raiaoa* Bandeira*

BANDEIRA Mas tinha que ter a resposta do J* Otávio* Aqui tinha que

ter quatro dedos*

LUCIO 0 Estelita acha que quatro dedos á insólito demais* Acha que

o suplemento não devia ter linha polêmica* Acha que o J* Otá-

vio á poeta de terceira categoria*

BANDEIRA E á,

LUCIO E Sle acha que opinião de terceira categoria não se publica*

Acha o suplemént® muito participante* que á coisa minha* que

eu estou influindo demais*•* *


BANDEIRA Mas eu estou aquí prá dar porrada* Lucio* Porrada*

LUCIO Ele gosta de zenbudismo, Bandeira*

BANDEIRA Zenbudismo á aristocracia* Lucio* £ coisa de eleito* Prá sair

de tudo* quero mudar*

LUCIO Tambám acho*

BANDEIRA You tirar o Estélita da secretaria*

LUCIO Não faz isso* Bandeira* Estelita á meu amigo*

BANDEIRA Ele á meu padrinho de casamento*

LUCIO file vira noite* Tem coisa que sai errado* Mas á!

ÈLe á um braço* Vai por quem? V

BANDEIRA Você*

LUCIO De geito nenhum* De jeito nenhum* Não tenho um quinto da capa-

t
.1 AN,RIO TN.CPR.PTE tffMf _p. Sã.

32
cidade de trabalho do Estelita, Bandeira* Estou com a tabela

de crítica e chega* A fllvea me arrancou prs ser copy-desk

aqui no jornal* t suficiente.


BANSEIHA Estelita é aristocrata*
■ * *
LUCIO Pelo amor de Deus, Bandeira, nSo me pãe nisso. Estelita é um

braço*..

BANDEIRA Está bem. Vou aguentar mais um tempo... (BANDEIRA SAI)

VOZ Iucio, telefone. (LUCIO ATENDE)

LUCIO Alo* &L, Nívea. Tfai pouco, tenJho que terminar uma matéria...

Veio uma carta de Roraima* Serio. 0om poesia... Como é? Ter-

minou a sua escultura que se mexe... Claro que e difícil...


ma
Heint Arranjou telefone prá mim? É. Te amo, Nívea... Teu -

rido que conseguiu? Que era prá quem?... Você... Onde você

esta? Pala mais alto... Galeria Vila Rica? Han. Que quadros?..*

Maurício o que?... Na o, não conheço... Não adianta me contar

a pintura, Nívea, não vou entender... Está bem, fala. Sei,

sei... Preto, e? Bichos?.,. Hum... Estou, mais ou menos..•

Não posso ir prá ir agora, Nívea, prá ver os quadros... Tenho

que terminar uma matéria... Nívea... Está bem... Eu vou te bus-

car e vejo... Vinte minutos... Tcháu... (DESLIGA. TMPO)

Afonso, termina isso aqui prá mim... Pico te devendo uma lau-

da... (LEVANTA. SAI)


A LUZ ESMORECE. ABRE EMCHISTOVÍO SENTADO NA SALA* UM TEMPO. COTA ENTRA.

INCHADA DE TANTO CHORAR.

COTA A Lucia esta bem... Chorou tanto, coitada, A enfermeira olhava

espantada. Mas foi melhor, Ela sabe que é melhor. Não foi me-

lhor? A gente chora que... (SENTA. UM TEMPO DE SILENCIO) Lei o

suplemento hoje? Saiu uma poesia do Lucio. Fui ontem no aparta-

mento dele. 5 pequeno. Camisa no chão, uma torneira que não

sai agua, coitado... Mas tem telefone agora* (TEMPO DE SILÊNCIO)

Você não tem vontade de falar? Porque? Não era melhor ir num

medico? Sem falar assim..*? Sabe, ontem foi polícia no f>02. Que

era jogo. Lembra que você dizia que tinha uma coisa esquisita?

(TEMPO DE SILENCIO) Poi melhor prá Lucia, não foiirCristo? Tm».

ginou* ter uma criança aquei, o trabalho..,? V

teiro sabe de uma porção de coisas do 502... (TT*

melhor ver um médico? (SILENCIO. COTA SAI. UM T

T0V20 LEVANTA, VAI A Tá 0 QUARTO DE LUCIA. TEMPO.

PO)
8RAN.RI0TN.CPR.FTE_ 33
33

GRISTOV. Se cobfe, menina. (TEMPO. VOLTA A SE SENTAS. PARADO)

A LUZ ESMORECE. NIVEA E LUCIO SENTADOS. PARADOS. JEAN LÜC ANDA. PALA.

JEAN LÜC Eu tenho um amigo imbecil que trabalha numa imobiliária. Se -

você me avisasse, êle arranjava, um apartamento melhor prá você...

Esse e uma merda... Quanto você paga?

LUCIO Duzentos.

JEAN LÜC Ah, mas tem telefone. Muito bem. Deixa eu tomar nota do numero...

Se não e sua irmã, nSo conseguia teu endereço.*. Encontrei com

o Estelita... Você está no lugar dele no Suplemento, não á?

LUCIO t.

JEAN LÜC êle me disse.... Você vê que eu continuo sabendo das suas coi-

sas* .. apesar de não ver você... Nos fomos muito amigos, sabe,

Nívea? Ele ficava na minha casa quando aparova...

NIVEA Lucio me contou.

LUCIO Não tenho te visto, Jean Luc que estou de trabalho que...

JEAN LUC 27-8937.•• (TOMA NOTA) VocS já viu a peça do Bahia que estreiou?

Diz que e boa... Que a Suzana é a melhor atriz brasileira...

Conhece a Suzana?

NIVEA Suzana.•• Suzana de que...?

JEAN LUC Ê a grande paixão do lucio, não á?... Tenho lido o suplemento..

A gente morre de rir.

NNIVEA Não tem motivo pra rir.

JEAN LUC Tem.

NIVEA Não sei porque. Nunca vi nada que tivesse tanta mepercussão,
)
Jean Luc, você não acha?

JEAN LUC Sem motivo prá rir paca. Ouvi dizer que depois dessa escultura

que você fez que se mexe sempre, você vai fazer uma que faz coco,

é verdade?

NIVEA Que grosseria, Jean Luc. (JEAN LUC VÊ UM CARTAZ)

JEAN LUC (LÊ) Pome amarela, fome, fome, fome cáu. (TEMPO Vai pregar na

rua? ... Interessantíssimo.*• Quem pagou os cartazes?..y (SENTA)

Esse apartamento á mal iluminado, Lucio.•• (LONGO,

mais... (LONGO TEMPO. LEVANTA)Vcu embora quo vocqSliJàffÇrfí!Ç9&fo..»

Posso levar um? (PEGA UM CARTAZ) Tchau*

NIVEA Tcháu, Jean Luc.

JEAN LUC (À LUCIO) Tcháu.

LUCIO Tcháu. (JEAN LUC SAI. TEMPO)

NIVEA (PARA 0 CARTAZ) Picou bom,não á? Eu aumeatei esse espaço aqui,

não é melhor? ( TEEPO) VocS podia ter respondido pro Jean Luc,
3RANI.RiOTN.CPR.PTE p M

34

não e, Lucio?

LUCIO Êle estava meio bêbado, Nívea»

NIVEA Podia ter respondido»

LUCIO Tem cá. (TEMPO) Tem oá, Nívea. (NIVEA VEM) (ÊLE BEIJA NIVEA)

Jean Luc não pode se provocar, viu? ( BEIJA NÍVEA» BEIJAM-SE)

NIVEA Meu irmão quer te conhecer, Lucio. Está estourando de alegria com

0 suplemento» (BEIJAM-SE) Ba próxima vez, responde, de qualquer

jeito... (BEIJAM-SE)

A LUZ ESMORECE. ABRE EM BANDEIRA E LUCIO, BANDEIRA COM CARTAZES E UMA LATA

DE COLA NA MãO.

BANDEIRA Estou cansado»•• meu braço, poxa... Êsse tapume á bonito, hein?

Um dia êle toma um sol..»

LUCIO Tapume genial. (RIEM. BANDEIRA SE DISTANCIA)

BANDEIRA Tem ver..» (LUCIO SE AFASTA TAMBÉM) Picou bem, o cartaz, Lucio»

(TBS5P0) Onde está a Nivea?

LUCIO No carro, dormindo»

BANDEIRA NÍvea. Nívea»

NITEA (DE FORA) Hein?

BANDEIRA De todos, lese tapume e a nossa obra prima, Hein?

NIVEA Lindo. (TMPO) Querem um sanduíche? (OS DOIS OLHAM 0 CARTAZ»

NIVEA ENTRA COM SANDUÍCHES. COMEM, OLHAM)

BANDEIRA A cidade devia ser toda assim, Lucio. Poesia nas paredes..•

Não está frio, não? (LUCIO TIRA 0 CASACO. Dá PRÓ BANDEIRA)

LUCIO Põe*.

BANDEIRA E você?

LUCIO Meu calor % de dentro.•• (RIEM)

BANDEIRA Vamos pregar na 6entraiI

NIVEA Cinco horas da manhã, Bandeira»

BANDEIRA Central. (TEMPO)

nivea Está frio o sanduíche, não é?

BANDEIRA Nunca comi nada tio bom, NÍvea. Hein, Lucio?

LUCIO É. (SORRIEM. PASSA UM SUJEITO. OLHA 0 CARTAZ.

SUJEITO Rafa» Rafa, vem cá» Vem cá ver uma sacanagem.

OLHAM UM TEMPO. RIEM» SAEM. OS TRÊS, RIEM)

ABRE EM CRISTOVãO / COTA LÊ UM JORNAL

COTA Os cartazes permaneceram pregados menos tempo que o normal» 0

povo ou ria ou rasgava» Mas criaram muita agitação na cidade»

Consultado pela reportagem, o presidente da Academia declarou

que isso ainda afasta mais o povo da poesia verdadeira que es-
BR AN,RIO TN.CPR.PTE —„p. 35

35

ses jovens negam. Já o escritor Rildo Pedrosa declarou que

ontem a poesia brasileira atingiu sua dignidade universal, 0

esoritor Otaviano Bahia delcarou — pode—se ser insolito com o

povo desde que se use os valores do povo - mas não quebrando

suas tradições, seus costumes e seu senso de real, Otaviano

Bahia, acho que á aquele Bahia,,.

CRISTOVãO Esse Bahia e um imbecil, Cota,

COTA (TEMPO) Sabe? No 502 começou o jogo de nôvè. famxm Que tem um

comissário que i amigo da dona... (LUCIO ENTRA) Ô, Lucio, fi-

lho,,, Olha, Cristo, o Lucio, Olha,

LUCIO Como vai, pai?

CRISTOVãO Como vai. (TEMPO Não quer sentar? (LUCIO ZK2ÜEE SENTA)

Meie Estava passando.,, 0 senhor vai bem?

CEI.jTOVjTo Me aposentei mesmo.•• de chinelo,,, a vida que queria de Deus..

Está fazendo sucesso, hein, filho?


LUCIO Não... Olha, mãe... (Dá UM DINHEIRO)

COTA Não precisa, Lucio.

LUCIO Prá alguma despesa extra aí...

COTA Não.

LUCIO Por favor.

COTA Obrigada. (TEMPO)

CRISTOVãO Sabe, Lucio? Estava prá te procurar. Você deve ter muito tra-

balho ©,.. 0 vizinho do 403 viu a Lucia com um rapaz num bar...

Me descreveu o sujeito. Sabe quem e? 0 Estelita.


COTA 0 Estelita, não, a Lucia.

CRISTOVãO á o Estelita, Lucio,


LUCIO ftLes são amigos, pai.

CRISTOVSO Vocí acha, á?

LUCIO á, sim, pai. (TEMPO)

COTA Quer tomar um copo de leite, filho? Você emagrecí

acha, Cristo?

CRISTOVÍO Mas £ assim mesmo... (TOCA 0 TELEFONE) Eu tinha

anos e um mês emagrecia, outro engordava. (COTA FoV-fejíÍBER)

Quando eu fiz a reportagem do Rodrigues Alves tinha o que?

53 quilos?... É, Magro assim*..


COTA Telefone prá você, filho. Tfcna moça. Nivea.
LUCIO Nivea? Como á que ela sabe que eu estou aqui... (LUCIO VAI

ATISNDER) (COTA VOLTA. OLHA CRISTOVãO. OS DOIS SE SORRIEM)


BRAN,RIOTN.CPR.PTE_ <&!&—p. ia
36

ABRE NO BAR. ESTãO JEAN LUC, ESTELITA E LUCIA. JOGAM XADRES. JEAN LUO

RUIM.

JEAN IUC Eu disse pro Lucio - para antes da indignidade... eu disse...

Pui na casa dele, com telefone.•• 27-8937*.» me olhou com pena.,

Aquele pobre coitado, sitiado, me olhou com pena... Gabe? Dei

dinheiro prá ele, quantas vêzes ficou na minha casa? Êle quer

ser alguma coisa de qualquer jeito. Prá ter mulher, não en-

trar em fila, receber convite de avant-premiére.. . Humanidade

filha da mae que nao confia nela mesmo... So tem confiança em

eleitos... Seu irmão e um bonito, que mais? Um merda* rr'í?&)


ESTELITA Sua vez de jogar, Jean. . J.

JEAN LDO Aqui que vocês são cole ti vistas. Aqui. 6. 0; Vocês não tem

sãde. Palta sede. Sabe o que í? De ver as coisas bem. Pega um

cara do povo. Êle não quer ele bem. Êle quer as coisas bem.

Sabe o que é? Comunico que somos dois bilhões no mundo. Dois


\
bilhões. (LEVANTA) Atenção, seus putos, uma comunicação — somos

dois bilhões no mundoI Atençãof

ESTELITA Vá, Jean Duo, vai... (PUXA JEAN LUC) \

JEAN LUC Lúcio Paulo não sabe que sapos dois bilhões. Dois bilhões.

Luclo. Dois bilhões, Lucio...

A LUZ ESMORECE. ABRE EM GALHARDO E NIVEA. OS DOIS OOM COPOS NA MãO.

GALHARDO Nívea, minha querida, eu te amo minh» limão. 0 rapaz e átimo.

Mas eu me informei,ele e esquerdista.

NIVEA Que, esquerdista, Galhardo. Você acha muito bom o que e esquejj

dista. 0 Lucio e moço, com gana. É o melhor copy— desk que


. i
você tem no jornal.

GALHARDO Esta bm, Nivea, esta bem. Voce tem certeza que não á permitido

eu casar com você? (NIVEA RI, BEIJA GALHARDO) Chama êle. (NIVEA

1 VEM ATÊ UMA PONTA DO PALCO.flHAMA.) (UM TEMPO. LUCIO ENTRA) Ah,

o agitador. Eis o agitador. (CUMPRIMENTAM-SE) (TÊm)[JM 5UPLEMEN

TO NA MãO) Esse seu artigo sobre a Academia Lu-

cio. (RI) Muito engraçado# Veja lá onde você e

me meter. Também sou escritor, quero terminar

Senta# Você é esquerdista, não é?

LUCIO Claro.

GALHA Eu logo senti. 0 suplemento ia ser bem comportado, conspícuo.

Você entrou, virou essa dinamite.

LUCIO O Bandeira é que quer assim. Eu so apoio.


BR AN,RIO TN.CPR.PTE_ ^1?
-p-3>
37

GALHARDO Claro (RI) Êsse artigo sobro a Academia* • • Isso vai dar pano

prá manga.»* Você e o copy-desk da página internacional também,

não ét

LUCIO f.

BA LHA EDO Claro que era você* Antes de ontem vocl me pÔs uma manchete -

Estados Unidos recusam a paz.

LüCIO f/A noticia era essa e.*.

GALHARDO f A notícia não era bem essa* NSo era bem. Mas nSo faz mal* Es»

querdismo,bem dosado, fatura. Não é bom ficar sé de um lado,

não. Não sou hemiplégico, sou tipo universal - dois braços,

duas pernas. £ verdade que uma cabeça sé, mas**. Eu tenho de

ir embora. 0 que eu quero de você, Lucio, é o seguinte - você

é esquerdista, sabe que no nosso país or órgãos que decidem


)
tudo estão fora do voto » fora da democracia - SÜMOC. BNDE,

Banco Central, Conselho disso, conselho daquilo. Eu quero uma

coluna aí. Dando notícia, falando, sondando» Trazer esse reino

Iatá mais prá gente, não •? Dividir o reino da terra que o

reino dos oéus já está garantido que é prá todos.•• Uma colma

diária, vocl escreve &o seu jeito largado. Fala de cinema, de

teatro, As notícias de lá de cima eu dou prá você.

LUCIO Eu fico com teatro, cinema e você fica com o Brasil.

GALHARDO Preciso* Coluna assinada com seu nome.

NIVEA Puxa, Lucio. (SILÊNCIO)

3 GALHARDO Não vou fazer imprensa marrom, não, Lucio. 0 que você não

quizer publicar, na o publica. Com o tempo você sozinho pega a

orientação da coisa, t prá evitar cambalacho e entrar nos cam-

balachos quando não se puder evitar. Hein? Começa hoje, ama-

nhã*, ontem? (TEMPO) Preciso de você, moço, você é bom joroa^

lista... Pode dar juma notícia esquerdista por semana.•• (RIEM.

LEVANTA 0 COPO) Saude.

LUCIO Saude.

BALHARDO (BEBE UM GOLE) Tenho de ir embora.(Dá A M£0)0 preço disso, vo-

cê combina amanha. (SAI) (TEMPO)

NIVEA A primeira notícia i a minha exposição em Buenos A^Lres.

LUCIO á. Acho que é.

NIVEA 3aua
** .
A LUZ ESMORECE. ABRE EM LUCIO NA REDAÇãO. NOTELEFONE.
BR AN,RIO TMCPR.PTE ^1# n ^ 1
38

LUCIO Quando á o lançamento do seu livro, Doralice? Dou mil notas,

claro* Vou* Vamos jantar depois, está bem*• Tchau..* (TOMA NO

TA) (DISCA CM NÚMERO) Dona Rejane toa, sim? Dona Rejane? Quem

está falando á Lucio Bastos Seabra. A senhora vai bem? E o -

resfriado? Já tem data a avant—première, dorna Rejane? 22*

Benefício do*** Padre^ Dona Rejane*** Viu a nota ontem? Qual-

quer coisa me avise••• Até logo, dona Rejane* •• (TOMA NOTA)

(ESCREVE* ENTRA UM SUJEITO) Sabe que a mulher do adido cultu-

ral da Itália toca collo excepcionalmente?

SUJEITO Tudo isso pra publicar amanhã* Esses convites são prá você*

LUCIO (BANDEIRA ENTRA* PICA PERTO DELES) Vou ficar sem coluna*

SUJEITO Que o Banco de Desenvolvimento está dando crédito prá tudo

quanto á pequena empresa que so faz fazer inflação* S uma jo-


V
gada desse Burico Pontes, de Conselho, que quer ser candidato*

BANDEIRA Quero falar com você, Lucio* |

LUCIO É um minuto* Desço a lença no Eurice Pontes* Quem mais entra? j

SUJEITO Esse a£* Que vai ser nomeado pro Instituto do Sal* Mas e um |

pulha* S esse aí. Esse é prá dar força. Que tem que ir pro
I
Tribunal de Securses*

LUCIO Pê, vou ficar sem coluna* (SUJEITO Dá DE OMBROS* SAI) (LUCIO

LÊ* ESCREVE* BANDEIRA ESPERA) Um segundo* (ESCREVE) Lá se foi

a mulher do adido
• 4 • cultural./ Tem que promover
4 um recital da mu-

lher, Bandeira*•• (ESCREVE* TERMINA) Manda*

BANDEIRA Eu queria saber da entrevista com os arquitetes*

LUCIO Bandeira* Bsqueci*

BANDEIRA Eles estão todos aí no Congresso, depois viajam*

LUCIO Me dá de chicote, Bandeira* Esqueci*

BANDEIRA Também •Hryha. «na matéria do Buller Souto sobre e Maiakovski*

Prometi que ia sair. Não saiu* O suplemento saiu com cinco

gravuras, essa poesia que já foi publicada* ••

LUOIO Eu disse, Bandeira, não dou prá isso*** Perdão*

BANDEIRA Olha. Vou escrever uma série de artigos sobre a Academia*

Esse é o primeiro*

LUCIO Genial*

BANDEIRA Olha mais* Isso é dum sujeito chamado Otavlano

estreiou um teatro e que é bom. Mandou um

gente mas á bom* Publica, viu? (BANDEIRA SAI*


BR AN,RIO TN.CPR.PTF p' 39

ARTIGO. POE NUMA GAVETA) (PEGA O TELEFONE)

LXJCXO Me dá uma linha, minha filha*• •

A LUZ ESMORECE, ABRE NO PAI, COTA, LtJCIA E NÍVEA VESTIDA A EIGOH. COTA

ANDA PELO APARTAMENTO, OLHANDO, LTJCIA INERME NUM CANTO, CRISTOVSO PALA

COM NÍVEA,

CRISTOV, Eu não aceitèà a indicação prô Conselho porlsse, Sabe como i

que fazem? (PALA PARA SER OUVIDO DENTRO) Está Ouvindo, Lucio?

TJm deputado arranja prá pôr uma escola no bairro dele, com -

preende? Em troca de um voto pro governo. Então aparece escola

com sarampo.

COTA Consertou a torneira do banheiro, hão á, filho?

CRISTOV, E os meninos vão prá osoola, com fome, o pai em casa hão sabe

V ler, a mãe prostituta. Vão na escola prá comer, entende? A me-


renda. (LUCIO ENTRA. DE SMOKING)

COTA Que geladeira bonita, Lucio? Onde vocg comprou?

CRISTOV, Espera aí, Cota estou falando com ele, ÊLe vai publicar isso.

V Va!? Então o menino vai à escola por causa da merenda e o


Conselho diz que o aproveitamento e bom. Compreende?

LUCIO Claro.

LUCIA Vamos embora, pai, oito horas, eles tem que ir no Municipal.••

CRISTOV. Mas isso á uma notícia, espera aíl É um escandalo. Jornal e

escandalo, Lucio. Siga meu conselho, 0 primeiro escândalo em

jornal quem fêz, fui eu, sabia?

NIVEA Não.

CRISTOV. Lucio não contou?

LUCIA Pai.

CRISTOV. Espera. (TOCA A CAMPAINHA. LUCIO VAI ATENDER) 0 Rodrigues Alves

foi eleito presidente. Mas êle estava morrendo em Guaratinguetá,

(CRISTOVSO CONTA SUA HISTÓRIA. MAIS BAIXO. LUCIO

JEAN LUC. RUIM.)

JEAN LUC Oi, Lucio, ooi. Oi.

LUCIO Oi, Jean Luc.

JEAN LUC (PEGA LUCIO) Vem, vem...

LUCIO Que?...

JEAN LUC Uma festa. Vem. Em Santa Teresa. Uma festa louca, seu. Vem.

Tem uns dinamarqueses. Vem.

LUCIO Não, Jean Luc...


v R!O TN.CHti. P y E. v?frUL P 70
40

JEAN LUC PSf vwi rapaz, faz três meses que a gente não s« vã. Vem.

LÚCIO Não posso. Meu pai está aí, agora ele vem sempre aqui e...

Tenho de aair...
JEAN LUC Tem uns dinamarqueses, rapaz. Tem faz tres meses que não te ve-

jo, ,.(PDIA LUCIO)

LUC 10 Jean...

JEAN LUC Dinamarqueses, rapaz. Em Santa teresa. Aquela merda de bondi-

nho, vem.

LUCIO Não posso, Jean Luo. (SE DESFAZ DE JEAN LUC) (TEMPO)

JEAN LUC Não vai ver os dinamarqueses? Eu avisei, hein... Dinamarqueses.

Nao vai ver... (PAUSA) Um dia desses me lembrei da bolsa da

velha que vocí roubou... (PAUSA) vem.. (?AI SAINDO) Tamos lá...

Em Santa Teresa... Uns dinamarqueses... Vem... (SAI. LUCIO FICA

PARADO UM POUCO. CRISTOVXO FALA. A LUZ ESMORECE)


ABRE. SUZANA ESTÍ SENTADA• TOMA UM CHOPE. TEMPO. LUCIO ENTRA)

LUCIO Ôi.
SUZANA Como vai?

LUCIO Bem. Desculpe o atrase, eu... (TEMPO) Como vai?

SUZANA Bem.

LUCIO Eu tenho lido. Está fazendo sucesso.

SUZANA $• Não viu a peça ainda?

LUCIO NSo tenho tido tempo e... (TEMPO LONGO)

SUZANA Porque voce marcou encontro comigo aqui? Prá seus amigos me ve-

rem com vocí?

LUCIO Pra te ver... Está bonita paca... Eu te amo, fazer o que*..?

SUZANA Porque á que o seu suplemento nSo publicou um artigo do Bahia?

LUCIO Artigo do Bahia... a gente não recebeu, não... (TEMPO) Se voce

continua assim zangada, porque í que você vaio?

SUZANA Piá (DA DE OMBROS) Prá me vingar...

LUCIO Se vinga, não. Eu ando meio... Toe8 tem lido a

Todo dia eu promovo livro político e... Já dei

br® o aumento dos remeâios... Andam querendo

do cinema brasileiro, vocí sabia? Deputado Li


M.
Um... Jornal e diferente, •• •. Claro que voce sa jornal i
diferente* Voces me largaram como se eu fosse um... um deser-

tor. • • Isso me come, Suzana. Não sei escrever prá teatro, não
bran.ríotn.cpr.pte, a2^!£ p- 41

sou ator*** As manchetes da página internacional sou eu que

dou..*
•s • i
SUZANA Acho que a gente não 4 só o que faz, Lucio* £ também o que não

faz*

LUCIO Não mudei de idéia, nãc.. •. Lá no jornal sou esquerdista, aqui

seu*** He sinto um degredado, um ***

SUZANA Se sente, Lucio?

LUOIO Ah, vá a merda, Suzana* (SUZANA SORHI. POE A MXO NA MÂO DE LÚ-

CIO* UM TEMPO* ENTRA BAHIA)

BAHIA Vai ficar com a minha mulher de nSvo? (RIEM«LUCIO SE LEVANTA.

SE ABRAÇAM) Está gordo, bonito, elegante, ainda não esta chei-

roso ,não usa abotoadura* Esta ótimo*

LUCIO Esse casaco ainda, Bahia* Você não está ganhando dinheiro?

Comprg outro casaco* (RUM) Estou aqui me defendendo, hein?

0 noticiário internacional e meu* Aquele m^rtian suplemento

louco eu faço que***

BAHIA Louco nada, mestre* O suplemento é bom. Aquele Bandeira é mui-

to bom* Aprendi à bessa* Vê se publica meu artigo lá*

XJffi&UH LUCIO Suzana falou, vou procurar êle, publico, claro*

BAHIA Vou levar a mulher embora que a gente está encima da hora*

Tcháu, Lúcio. Aparece* (SE ABRAÇAM PORTE) (TEMPO)

LUCIO Apareç# mesmo, hein? Tcháu. (OS DOIS SAEM) (LUCIO PICA* SORRI)

A LUZ ESMORECE. ABRE W GALHARDO QUE ANDA DE TJM LADO PARA 0 OUTRO* NIVEA

E LUCIO*

GALHARDO Você escreveu um artigo sobre a Academia* Bastava. Já deu bal-

burdla suficiente* Agora o Bandeira me escreve cinco artigos,

sobre a Academia! Eu disse prá não sair nem o primeiro, Lúcio!

LUCIO Eu segurei, êle insistiu*•• Eli disse prá você falar com êle*

Você não falou, eu não fou falar*•• Os artigos dão ótimos*

GALHARDO Mas eu quero entrar prá Academia, Lucio* Eu s^&$pa|*^uilo •


i ' • ’ ■ • '- . ' t -
uma bestoira mas eu quero ser acadêmico* Sal

quero fazor um jornal pelo menos honesto. ••

tidade*** SntSo eu preciso ter dinheiro, oompr)


> i
ter prestígio, ser imortal, cidadão carioca, dout^x

causa, rei momo, tudo**. Se não fazem do meu jornal uma porta

de tlnturaria, pintam tudo*** Mas eu vou ganhar dinehrio e


t
BRAN,R!OTN.CPR.PTE_J?M P U 42

aguentar qualquer pressão. Vou fazer as coisas acontecerem,


• iá • *
não publico o que aconteceu, nãol 0 segundo artigo do Bandei-

ra, não sai* Conversei com êle. Agora você fala* Êle vem de

novo falar comigo às sete horas*••


v *
LÚCIO Não vai adiantar, Galhardo*

GALHARDO De pleno acordo* E e você quem vai dirigir e suplemento, pelo

menos uns numeres até acabar sossegado*••

LUCIO Pô, Galhardo, Bandeira que me trouxe pré cá. Se êle sair, saio

com êle# Isso não se faz com Bandeira* Saio* Qualquer jornal

me quer*

A LUZ ESMORECE. LÜCIO E NÍVEA ESTSO DE PÉ. ESPERANDO. UM TEMPO LONGO.

BANDEIRA SAI.

LUOIO Como é que foi?

BANDEIRA Eu concordei, Não vou publicar mais nenhum artigo sobre a Aca-

demia* Posso publicar em outro lugar*

LUCIO Então,
r m está tudo certo* é
BANDEIRA Não, Êle pediu uma retificação*

LUCIO Retificação?

BANDEIRA Uma espécie de retificação,*# Algumas palavras boas para a

Academia*,. Eu me demiti. (SILENCIO. BANDEIRA COMEÇA A PEGAR

SUAS COISAS. UM TJaffFO LONGO. OLHA LUCIO. LUCIO QUIETO) Você

vai ficar?

LUCIO (LONGO TEMPO) (NÂO DIZ NADA)

NIVEA A gente precisa aceitar algumas coisas, Bandeira.*•

BANDEIRA (TEMPO) Algumas... (BANDEIRA PEGA SUAS ULTIMAS COISAS. SAI. OS

DOIS QUIETOS* A LUZ ESMORECE. TODO O ELENCO ENTRA NO PALCO.

ESTELITA E LÚCIA. OLHA POR UMA PORTA. UM GUARDA NA PORTA. UM

CORPO COBERTO POR UM LENÇOL)

VOZES Que ooisa? - Meu Deus - Quando foi? - De manhã, parece que

sete horas da manhã*.• Éle está nu? -(LUCIQfÊNftòu LUCIA VEM

PARA ÊLE, SE ABRAÇAM. ESTELITA VEM)

LUCIO É verdade?

ESTELITA t, A empregada encontrou êle as sete ho: Tomou


dois tubos de Nubertal. (AS PESSOAS VÍO SA iUCIO

VAI OLHAR PICA OLHANDO( (ESTELITA SE APROXÍMA^Êle deixou

êsse bilhete prá você. (LÊ NO ENVELOPE) Sé pro Lucio. (LUCIO

ABRE. LÊ. NSO DIZ NADA PICA OLHANDO PELA PORTA. ATERRADO.
BRAN.RIOTN.CPR.PTE £11$ . p.
«3

ESTELITA PEGA 0 BILHETE. VM PARA LÜCIA) (LÊ) Lucio, aviso aos

meus amigos em geral que não vou prá Gabo Frio neste fim de se-

mana conforme o bombinado* Acabo de pedir pinico* Jean Luc*

(OS DOIS PARADOS. SE AFASTAM LENTOS LUCIO PARADO. UM TEMPO ENOR

ME. ATERRADO* Ò GUARDA NA PORTA. A LUZ ESMORECE)

BALHARDO E LUCIO, GALHARDO DE ROBE DE CHAMBRE, COPO DE WHISKI.

LUCIO Não quero* Galhardo. Não quero. Sai prá lá.

BALHARDO Você faz dois, tris números, ganha dois milhões, tris milhões. ••

LUCIO Quem 4 que está dando o dinheiro prá isso?

GALHARDO Não interessa. Ê um revista mensal anti-comunista. Se você não

aceitar, não faz mal, não tiro a sua coluna, não deixo de ser

seu fiador, continuo a dizer bem dia...

LUCIO jS claro. Ê claro que não aceito. Não adiai to nem essa propostat

GALHARDO Êles quérem uma coisa boa* Sai a revista e aí vocô dá uma nota

na sua coluna contra a revista. Ninguém diz que 4 você. E põe

dinheiro no bllso, Lucio* Independência. Da próxima, não preci-

sa aceitar. Precisa engulir cada vez menos. Vocês detestam que

i; se Alga que as coisas são assim* Mas sãol Precisa admitir tudo

se quer alguma coisa* Eu estou pondo meu dinhhJrro na re-

vista* Estou* Tem dinehro meu nessa nojeira. Mas eu vou impor-

tar rotativa| sem cobertura cambial*.. Quando eu tiver tudo

meu, quero ver*..

LUCIO Atá amanhã, Galhardo.

GALHARDO Pensa, Lucio.

LUCIO ISas nem pensar.

GALHARDO Vai prá casa e pensa. Eu disse prá êles que ia convençar com

você.

PÔ, Galhardo, isso se faz? Disse meu nome?

Tenho tempo. Pensa, t melhor fazer anti-comuniamo num pasquin-

zinho do que ter de fazer no meu jornal, não e? Eu sei que isso

não se pode prá amigo... Mas se pede prá quem? Não posso cha-

mar qualquer um.*. Precisa ser um profissionalJfa|e»^ Êles po-

dem arranjar um outro mas era melhor que eu a pessoa.)

(LONGA PAUSA) (LUCIO VAI SAINDO) Olha. 0 ma vista.••

(LUCIO PEGAi (SAI) A LUZ ESMORECE)


NA
ABRE EM CRISTOVãO, COTA, NIVEA. LUCIO MAIS AFASTADO C0M*0 MA

SUA FRENTE. LUCIA PARADA. INEHME.


*
CRISTOV. Então eu descobri o seguinte. Falta água às terças e quintos,
BR ANI.RiO TM.CPR.PTE .2^1# n 44
44

não é, Cota?

COTA t

CRISTOV. Três semanas. Terças e quintas. Sabe porque? Terças e quintas

é um manobre ir o, nos outros dias é outro. E êle desvia agua

prá Constante Ramos. Pagam pré ele. Tem um deputado Federal.

NÍVEA Veja o senhor.

CRISTOV • Terças e quintas. 0 nome do manobreirof Lucio e Serafim Jose

Vergueiro. Você publica isso» Lucio* "è um absurdo» nao e? Eu

descobri. Serafim José Vergueiro. Viu escrever num papelzinho

prá você» quer Lucio? Tem um papelzinho, filho...?

(LUCIO SAI NUM ROMPANTE. CRISTOVãO NãO ENTENDE. NIVEA VAI ATRÁS)

Será que êle foi embora? Não disse até logo, disse?.••

GOTA Sabe o que a Lucia disse, Cristovão. Que o Bstelita desapareceu.

4 Paz tris semanas•

CRISTOV. Será que êle se matou também? (A LUZ ESMORECE NELES. ABRE EM

NIVEA QUE ALCANÇA LUCIO)

NIVEA Onde você vai?

LÜCIO Por favor, Nívea* Me dá sossêgo. Você também tode dia metida na
minha casa. Meu pai... Pica um pouco com teu marido por favor,

Nivea, me deixa em paz. Você não ia fazer uma exposição em

Buenos Aires, pô?


t
NIVEA Ninguém fala assim comigo. (NIVEA SAI) (TEMPO)

LUCIO Nivea.•• Nivea.•• Nivea, meu amor... (UM TMPO) ( A LUZ ESMORE)

CE)

ABRE NUMA REUNISO DO GRUPO. ESTãO TODOS JUNTOS DE NOVO. MENOS JORGE (UM)

LUCIO MEIO BÊBADO ENTRE ÊLES.

BAHIA / Eu sou4 contra. Acho que essa greve dos estudante é uma porralo-

quiee*

DOIS \ Mas a greve existe, Bahia, todo mundo entrou no Brasil intoiro.

LUCIO Ê verdade. Lá no jornal eu soube. Os estudantes no Brasil in-

teiro en. •

BAHIA Espera um pouco» Lucio» e Nicola esta &lando.«.

DOIS Os estudantes querem fazer uma concentração na Q:i


querem «ma peça nossa explicando a greve deles# A

falhar. Todos os Diretórios vendem entrada pro

greve está na rua. Agora é apoiar.

LUCIO Agora é apoiar. Não tem duvida, não» Ele disse tudo e*«.
BRAN.R10TN.CPR.PTE.. sWj $$ 45

DOIS A concentração não tem autorização da polícia»

LUCIO Isso» Confirmado» Lá no jornal chegou um ofício da Secretaria de

Segurança e...

BAHIA Luci0,. espera,.•

LUCIO Hão, Bahia, não tem autorização da polícia, eu confirmo»

BAHIA Esta hem* Ohr&dado* É o seguinte nós temos um teatro funcionan-

do* Vamos prá Ginelância, prum troço proibido. Nosso teatro pode

sofrer com isso. Essa greve e <k de nível muito alto.'*. Querer

estudante também dirigindo a faculdade é objetivo ainda, não

da pra conseguir agora*••

SUZANA Você fala, Bahia, como se ainda houvesse alternativa* A greve

está aí»

LUCIO Está tudo em movimento. Tem de apoiar» A polícia não deixou»

Mas de apoiar que já está em movimento* Essa á minha opinião*

Chegou um ofício da Secretaria de Segurança lá no jornal*••

BAHIA Lucio, por favor, você veio aqui, £ ótimo mas... e melhor que só

a gente do grupo fale, viu, que».*

LUCIO Eu sou do grupo» Sou fundador» Voltei prá cá* Acho que tem de

ir» Lá no jornal chegou um»»»

BAHIA Espora um pouco, Lucio» •»

TRÊS Ê difícil. Difícil decidir.

SU2ANA Eu tenho uma alternativa — a gente vai prá lá, mas lá, mas faz
a
V P®ça só com quem não £ conhecido. Não se apresenta como grupo*
AÍ xptíc não complica e a gente vai»»»

TRÊS £» Não á ruim, nao» .» /

LUCIO Tem <£ae ir com 0 nome, senão á o mesmo que não ir»»»

BAHIA Espera, Luoio, Po». •

SUZANA A tua opinião, Bahia?

BAHIA Não sei» Não consigo saber»

DOIS Tem outro jeito, não» Vamos lá, com polícia e tudo

LUCIO Isso. Vamos lá. Assim» Vamos lá. (AS PESSOAS SE L:

ARRUMAM) Sabe © que á, Bahia? Viu, Suzana? Eu pení

!' falta muito na esquerda brasileira £ 0 momento.••

agora! Sabe? 0 risco d© fósforo... A gente tem paciência


• ' so-
mais... Hein? Não, fala o que você acha... (A LUZ APAG-A-r^SlRENE

DE POLÍCIA ENTRA POSTE. UM TEMPO DE ESCURIDSO, ABRE. LUCIO ENTRA

NA SUA CASA. SUADO» CORRENDO, VAI COMO UM AUTÔMATO PARA A SUA

CAMA. CAI. UM TEMPO LONGO. MEIO CHORA. ESTENDIDO. NIVEA APARECE.


(

BRAN,RIOTN.CPR.PTE_ laFtlft p. ^
46

A SIRENE SUMIU DE TODO)

NIVEA Demorou prá voltar. • «

LÜOIO Nívea* •• Nívea* ••

NIVEA Que foi?

LUCIO Eu amo a Suzana, estava com ela, aí êles vieram com cavalaria..*

Cavalaria no safalto*** Eu amo a Suzana.,, Não sei omde estava


\
o Bahia? Onde S que ele estava?* •• Suzana segurou na minha mão.
f* ■<]
Nicola pegou uma mesa de bar e atirou encima do cavalo*., os

copos cairam.** estilhaçou vidro*., eu vinha com a Suzana».,

Mas eles iam cercar a praça... eu vi que iam cercar a praça*.•

Eu larguei a mão da Suzana e comecei a correr... e ficando ge-

lado. .. a gargante seca... o ar começa a passar difícil... o

ar gruda na garganta... essa greve é è nível muito alto... não

esta certo*•« Me deu ânsia de vêmito... eu deixei a Suzana* •*

entra um frio de gelo, -uma dormência... todo mundo tem medo...

quem não tem medo, hein? quem..*? o ar gruda na garganta,.*

na reunião eu falava por falar, não era nada daquilo... entrei

num taxi.,* estou me sentindo mal.** quero ficar quieto*•• pre-

ciso ficar quieto... (LONGO SILÊNCIO. NIVEA PARADA, TOCA 0 TE-

LEFONE, NIVEA LEVANTA) Não atende, não.** deixa tocar.,* (0 -

i*i* TELEFONE TOCA. TOCA) (NIVEA VAI ATENDER) Não atende...

não,.. (NIVEA ATENDE)

NIVEA Cr(UM TEMPO) Ê o meu irmão* Quer falar com você,,. (LONGO SILÊN
)
CIO)
• • * ... * t *
LUCIO Não estou.•* Não estou.,• nao***

NIVEA Não está, Galhardo, Está bem, (DESLIGA, TEKPO)AEle quer saber

que você decidiu* Precisa duma resposta. (LUCIO PARADO. QUASE


t MORTO, UM LONGO TEMPO/ NIVEA SE APROXIMA) Que você tem, Lucio?

ÊBfltt LUCIO Nada**, eu vou prá casa do Jean Luc... daqui., a pouco meu pai
4
vem aqui •*.. eu vou prá oasa do Jean Luc*/i |Éo sei... Diz

que eu não estou, Nívea*•• Pelo amor de Deus «k que eu não


■ 7jBFf xy\\ "Vfcx
estou*** Não estou.** (LONGO SILÊNC10, NIV3& PiiiAD A * OLHA
*
FRIA. LUCIO HIRTO)

\
fim- 6 de junho de 1965

i,\
BR AN,RIO TN.CPR.PTE_ -M_p. 4*

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

SERVIÇO DE CENSURA DE DIVERSÕES PUBLICAS

PARECER RO

ASSUNTO IIRSAIO GERAL


TITULO t-KOÇO EM ESSADO DE SITIO"
AUTOR i ODUVALDO VIARRA PILHO
CLASSIPICAÇXOlLIBERADA COM A IMFROFRIEDADE DE 18 ANOS
JUSTIFICATIVA DE impropriedade*sugerir a POLITIZAÇXO das massas,

PROPAGANDA ESQUERDISTA

A poça em epígrafe gira era tomo dos problemas políti


co-soclais d© ura grupo de Jovens que se dedicava ao teatro a fim de
conseguir expor suas idéias esquerdistas,contestando os valoreB bur
gueses e se propondo a politizar as massas.montando espetáculos no
subúrubio.
A ação ee inicia nos priradrdios do governo Juaoelino.e
finaliza com a asoensao de Joao Goulart ao poder.
Durante este espaço de tempo se desenvolve o espetáculo,
que se mantém fiel ao texto aprovado anteriorrnente pela DCDP,e que
mostra como certos ideais,até mesmo aqueles pregados por grupos sec
tários.se anulam em faoe de certas solioitaçoes materiais .
Os cortes foram respeitados.nao havendo nenhuma alusão
a téxicos.
i
Roupast macacões de operários e roupas oumuns.
Marcação iAa cenas amorosas são leves,com as artistas m
apresentando de combinação*
0 suicídio do personagem Jean-Luc é feito com o ator no
centro do palco,entre os mdveis,despindo~s© de oostas,sentado,enquan
to a atenção do espectador é desviada para ô diálogo que se trava à
esquerda.Ele cai,nu,porém de costas.Ao término da cena,levanta-se e
sai de costas.Es nenhum momento fica de perfil ou de frente,© esta /
sequência é bem rápida.
Cenáriotires posters gigantes com as figuras dos Presiden
tes cuja época é retrajíada, ficando um pôster ao fundo com a imagem
de João Goulart,um à esquerda(retrato de Juscelino) e outro à direi-
ta (Janio Quadros).Ros posters vê-se um grande coração vermelho pin-
tado,sendo que o deste último apresenta a famosa "vassourinha** orava
da no coração.
BRAN.RIOTN.CPR.PTE affifg p ^2

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL


STBVIÇO DS CENSURA DE DIVERSÕES FÜBLICAS

Ao fundo e â diroita apareçam onbides com roupas penduradas,


que os artistas vao usando a recolocando nos lugares.Além desta par
te fixa, também há um cenário mdveltcama,mesa,cadeiras,etc. Rn alguns
momentos desfazem-se destes adveis © colocam um tablado com um pano
vermelho.à medida em que faz necessário,colocam novamente o mobiliá
rio ©m cena.

impropriedade de 18 ai
Rio de Janeiro,25 de novembro de 1981

Bal. Sônia Mana Gaio Mandas


T. Censura - SCDP/SR/RJ
Mat. 2,415.820

B«f. Maria Jcz6 âs IWour»


í. Censura - SCDP/Sfí/Rj
Mat. 2.070.372

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