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À nossa frente, estava projectada uma imagem fixa da praça Bellecour, em Lyon. A
surpresa era mínima. Mal tive tempo de dizer para o meu companheiro: “E
arrastaram-nos para isto? Há mais de dez anos que vejo coisas destas!” Mal tinha
direcção a nós, seguido por outros veículos e peões, toda a animação da praça.
Estas palavras foram ditas por Georges Méliès depois de ter visto La Place des Cordeliers à
Lyon (1895), um dos filmes mostrados pelos irmão Auguste e Louis Lumière na primeira
Paris e foi composta por dez filmes: La Sortie des usines Lumière à Lyon (A Saída da Fábrica
L’Arroseur arrosé (O Regador Regado), Le Repas de bébé (O Almoço do Bebé), Le Saut à la couverture,
Sainte-Victoire feitas pelo pintor pós-impressionista Cézanne, não são uma simples
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representação da montanha, mas materializam o olhar dele sobre ela, o modo como ele
a viu ou foi vendo. Podemos dizer que o cinema nasce no cruzamento destes dois
Irmãos Lumière
Em La Sortie des usines Lumière à Lyon (A Saída da Fábrica Lumière em Lyon, 1895), a distância
respondendo assim a duas das questões fundamentais do cinema: o que filmar e como
filmá-lo, para onde apontar a câmara e onde colocá-la, questões estéticas e éticas, que
um filme como Photographe (Fotografia, 1895) ilustra tão bem. Saída do Pessoal Operário da
Fábrica Confiança (1896) do pioneiro português Aurélio Paz dos Reis, tendo o mesmo
tema, demonstra de modo cabal a importância deste tipo de decisões, já que a sua
quando assistiram aos primeiros filmes dos irmãos Lumière (e talvez muitos
espectadores de hoje tenham perdido a consciência deste mistério fascinante, do
mistério das imagens que mexem) foi verem imagens em movimento, possibilitadas por
tecnológicas.
reconheciam nas imagens, pelas pessoas, pelos objectos, pelos lugares. Por outro lado,
viram-se também interpelados por uma certa forma de olhar. Estes dois aspectos, o
Lumière. O teórico Jean-Louis Schefer chama a atenção para a origem baixa, proletária,
vulgar do cinema, não porque os seus criadores sejam assim, mas porque assim é o seu
espectador-alvo. Daí que o teórico Jean-Louis Schefer chame a atenção para a origem
baixa, proletária, do cinema. Não porque os seus criadores sejam assim, mas porque
cultural, mas não do ponto de vista social. Os dez filmes mostrados na primeira sessões
e nas que se seguiram são variados quando vistos a partir do segundo ponto de vista.
Ainda assim, vale a pena reconsiderar o que diz Schefer na medida em que o cinema
mostrando como podem estar ligadas. O cinema teve desde logo o potencial de mudar o
modo como os pobres, que não tinham acesso à educação, se viam a si mesmos e ao
mundo.
Em Barque sortant du Port (1895), o movimento das ondas ganha uma força
da composição do plano está no modo como não é desvendado o local onde a câmara
está assente, antecipando o modo como muitas vezes o cinema nos faz sentir que uma
câmara nos deu acesso ao que estamos a ver ao mesmo tempo que a sua presença como
L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat (Chegada de um Comboio, 1896) é um dos filmes
mais famosos dos Lumière. Ao contrário do que por vezes se pensa, não foi um dos
filmes projectados na sessão de Dezembro de 1895. O enquadramento enfatiza a
dinamismo próprio do comboio que se aproxima. O plano foi rodado numa altura do
dia em que o sol estava alto. Por isso, a sombra projectada pelo comboio não é
demasiado longa ou intensa. Não tapa ou esconde as pessoas. Pelo contrário, permite-
nestes termos sobre as pinturas pré-históricas de Lascaux também. Este filme foi
acidentalmente projectado de trás para a frente e depois refeito de modo a incluir esse
efeito no próprio filme, isto é, a acção que acabámos de ver anda para trás. Démolition
d’un mur demonstra que os irmãos Lumière eram já cineastas (enfim, Louis Lumière era
Esta decisão, intencional, de utilizar o acidental é semelhante à que levaria Jean Renoir
Georges Méliès
cinema dos Lumière foi Georges Méliès. Méliès era um mágico que tinha uma sala de
espectáculos. Para controlar melhor a sua arte cinematográfica, ele mandou construir
EUA e a Espanha no final do séc. XIX e um aquário entre a cena e a câmara simula que
tudo se passa debaixo de água. No entanto, o cinema era para ele principalmente um
meio que lhe permitia criar sequências mágicas como as de L’Homme orchestre (1900),
Lua, 1902), onde elementos como a lua adquirem grande expressividade e o cenário
Cinetoscópio. O filme The Kiss (O Beijo, 1896), realizado por William Heise para a
filme provocou polémica, não só por mostrar um beijo em público, mas sobretudo por
sessão dos Lumière, revela como desde o princípio do cinema houve um desejo de
séc. XVI: Execution of Mary, Queens of Scots (1895), realizado por Alfred Clark para a
O cinema dos primórdios mostrava já uma grande vitalidade. Em Inglaterra, Birt Acres
e Robert W. Paul realizaram Rough Sea at Dover (1895), semelhante a Barque sortant du
Port, mas ainda mais abstracto, sem presença humana e apenas alimentado pelo
movimento violento das ondas. That Fatal Sneeze (1907), de Lewin Fitzhamon, produzido
pela companhia de produção do britânico Cecil Hepworth, foi feito quase uma década
depois. O cinema ainda estava a dar os primeiros passos, mas este filme revela como já
criador da câmara móvel. As primeiras câmaras eram suportadas por tripés rígidos
que não permitiam o movimento da câmara, nem sequer para fazer panorâmicas. Em
1896, Promio fez uma série de filmes colocando a câmara em barcos e registando a
viagem. Daí o nome que ainda hoje damos a estes movimentos de câmara em que o
eixo se move: travelling. Um desses filmes é Panorama du Grand Canal vu d’un bateau.
denominado passeio fantasma, porque dava ilusão de que o espectador estava a viajar.
Este género tornou-se popular em Inglaterra e noutros países. View from an Engine
Front - Barnstaple (1898), produzido pela Warwick Trading Company, mostra uma
viagem de comboio através de uma pequena cidade no sul de Inglaterra. A câmara foi
câmara sobre carris para a poder mover num estúdio de cinema tornar-se-ia comum
Filmou três crianças a brincar com um peixe no jardim de família, entre outras cenas
foi considerado pouco apurado. As imagens projectadas eram a cores, mas ficavam
desfocadas devido aos filtros e à sobreposição. O seu trabalho foi assim esquecido
proeminentes desta escola eram fotógrafos como G. A. Smith. James Williamson tinha
feito o mesmo percurso profissional. O seu The Big Swallow (1901) é um óptimo exemplo
por não querer ser filmado. Avança, com a boca aberta, comendo o operador e a
câmara. O título refere-se a este gesto como uma “grande deglutição”. É o cinema já