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La revuleta de Kronstadt

DESTAQUES

em 14 jun

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A Revolução Russa coloca de uma forma inteiramente nova o problema dos


mecanismos da revolução socialista. Por Ante Ciliga

Ante Ciliga (pronuncia-se “Tsiliga”) foi um militante político e escritor croata.


Nascido em 1898 numa família de camponeses, foi membro do Comitê Central e
do Politburo da Liga de Comunistas da Iugoslávia (LCI), ao qual aderira em
1920, e também editor-chefe do jornal do partido, o Borba (Combate). Mudou-se
para Viena em 1925 como representante da LCI, e em outubro de 1926 migrou
para a Rússia. Em seus três primeiros anos de estadia, ensinou numa escola
para comunistas iugoslavos emigrados, e em 1930 foi ser professor na
Universidade Comunista de Leningrado. Preso ainda em 1930 por sua oposição
a Stálin e sua proximidade com a Oposição de Esquerda, foi enviado para o
isolador — nome dado às prisões políticas Stálinistas — de Verkhneuralsk,
depois para o exílio siberiano em Ienisseisk em 1933, até sua definitiva expulsão
da Rússia em 1935. Publicou em 1938 No país da mentira desconcertante
(disponível em espanhol aqui), um relato minucioso de sua vida nas prisões
soviéticas, cuja primeira edição foi queimada pelos nazistas. Retornou à Croácia
em 1941, onde foi preso pela polícia ustasha e enviado ao campo de
concentração de Jasenovac, de onde foi libertado em 1943. Fugiu para Berlim, e
receando a chegada do Exército Vermelho, escapou para Paris; por ter também
nacionalidade italiana, passou os anos do pós-guerra entre Paris e Roma,
sempre temendo a ação dos partidos comunistas contra ele. Sua última
publicação sobre a revolução russa foi Lênin e a revolução, de 1948 (disponível
em francês aqui); daí em diante, já tendo se afastado das organizações e da
ideologia comunista, passou a ocupar-se da questão das nacionalidades sob a
Iugoslávia, estabelecendo um paralelo entre a dominação russa na URSS e a
dominação sérvia neste país. Morreu em 1992 em Zagreb; um obituário (em
inglês aqui) mostra pormenorizadamente os zigue-zagues políticos de Ciliga
depois dos anos 1940.

Trótski
A correspondência trocada entre Trótski e Wendelin Thomas (um dos líderes da
revolta na Marinha alemã em 1918 e membro do Comitê Americano de
Investigação dos Processos de Moscou) sobre o significado histórico dos
eventos ocorridos em Kronstadt em 1921 deram início a uma ampla discussão
internacional. Somente isso, por si mesmo, já demostra a importância da
questão. Por outro lado, não é acidente que um interesse especial seja
demonstrado pela revolta de Kronstadt hoje; que há uma analogia, até mesmo
um elo direto, entre o que aconteceu 17 anos atrás em Kronstadt, e os recentes
julgamentos em Moscou, é muito claro. Hoje nós assistimos o assassinato dos
líderes da Revolução Russa; em 1921 as massas que formaram a base da
revolução é que foram massacradas. Seria possível hoje caluniar e eliminar os
líderes de Outubro sem o menor protesto por parte do povo, se esses líderes já
não tivessem silenciado pela força das armas os marinheiros de Kronstadt e os
trabalhadores por toda a Rússia?

A resposta de Trótski a Wendelin Thomas mostra que infelizmente Trótski (que


é, junto com Stálin, o único dos líderes da revolução de outubro envolvido com
a eliminação de Kronstadt que permanece vivo) ainda se recusa a olhar o
passado de forma objetiva. Ainda mais, em seu artigo Muito Barulho sobre
Kronstadt (disponível em espanhol aqui), ele aumenta o abismo que criou
naquela época entre si próprio e as massas trabalhadoras; ele não hesita, depois
de haver ordenado o bombardeio em 1921 em descrever esses homens hoje
como “elementos completamente desmoralizados, homens que usavam calças
elegantes e penteavam seus cabelos como cafetões”. Não! Não são com
acusações desse tipo, que fedem à arrogância burocrática, que uma contribuição
útil pode ser feita às lições da grande Revolução Russa.

Para podermos avaliar a influência que Kronstadt teve no desfecho da


revolução, é necessário evitar todas as questões pessoais, e dirigir a atenção
para três questões fundamentais:

1. Em que circunstâncias a revolta de Kronstadt eclodiu?

2. Quais eram os objetivos do movimento?

3. Através de quais meios os insurgentes tentaram alcançar esses objetivos?


As massas e a burocracia em 1920-21

Todos agora concordam que durante o inverno de 1920 a 1921 a Revolução


Russa estava passando por uma fase extremamente crítica. A ofensiva contra a
Polônia havia se encerrado com uma derrota em Varsóvia, a revolução não
havia deslanchado no Ocidente, a Revolução Russa tinha sido isolada, fome e
desorganização se espalharam por todo o país. O perigo da restauração
burguesa batia na porta da revolução. Nesse momento de crise, as diferentes
classes e partidos que existiam dentro do campo revolucionário apresentaram
cada um sua solução para resolvê-la.

O Governo Soviético e os altos círculos do Partido Comunista aplicaram sua


própria solução de aumentar o poder da burocracia. A atribuição de poderes
aos Comitês Executivos que até então pertenciam aos Sovietes, a substituição da
ditadura de classe pela ditadura do partido, o deslocamento da autoridade
mesmo dentro do partido dos seus membros para os quadros dirigentes, a
substituição do duplo poder da burocracia e dos trabalhadores nas fábricas pelo
poder unívoco da primeira — aplicar essas medidas era “salvar a Revolução!”
Foi nesse momento que Bukhárin levou adiante seu pedido por um
“Bonapartismo proletário”. Ao colocar restrições sobre si próprio, o
proletariado iria, de acordo com ele, facilitar a luta conta a contrarrevolução
burguesa. Já se manifestava aqui o enorme e quase messiânico senso de
importância que a Burocracia Comunista se dava.

O IX e X Congressos do Partido Comunista, bem como o ano entre eles,


transcorreram sob os auspícios dessa nova política. Lenin rigidamente a levou
adiante, Trótski a elogiou. A burocracia impediu a restauração burguesa…
eliminando o caráter proletário da revolução. A formação da Oposição Operária
no interior do partido, que era apoiada não apenas pela fração proletária do
próprio partido, mas também pela grande massa de trabalhadores não
organizados, a greve geral dos trabalhadores de Petrogrado logo antes da
revolta de Kronstadt e, finalmente, a própria insurreição expressavam os
desejos das massas que percebiam, mais ou menos claramente, que um “terceiro
grupo” estava prestes a destruir suas conquistas. O movimento de camponeses
pobres dirigido por Makhno na Ucrânia foi a consequência de uma resistência
similar em condições similares. Se os enfrentamentos de 1920-1921 são
examinados sob a luz do material histórico agora disponível, espanta o modo
como essas massas dispersas, esfomeadas e enfraquecidas pela desorganização
econômica ainda assim tiveram a força para formular para si próprias com
tamanha precisão sua posição política e social, e ao mesmo tempo defender-se
contra a burocracia e contra a burguesia.

O programa de Kronstadt

Não vamos nos contentar, como Trótski, com simples declarações, por isso
vamos apresentar aos leitores a resolução que serviu como programa para a
revolta de Kronstadt. Nós a reproduzimos na íntegra, por causa da sua imensa
importância histórica. Ela foi adotada em 28 de fevereiro pelos marinheiros do
navio de batalha Petropavlovsk e foi subsequentemente aceita por todos os
marinheiros, soldados e trabalhadores de Kronstadt.

Após haver escutado os delegados eleitos pela assembleia geral das tripulações
dos navios para relatarem a situação em Petrogrado, essa assembleia tomou as
seguintes decisões:

1. Tendo em vista que os atuais sovietes não expressam a vontade dos


trabalhadores e dos camponeses, organizar novas eleições para os sovietes com
voto secreto e propaganda eleitoral gratuita para todos os trabalhadores e
camponeses.

2. Garantir liberdade de expressão e de imprensa para os trabalhadores e


camponeses, para os anarquistas e para os partidos socialistas de esquerda.

3. Assegurar liberdade de reunião para os sindicatos e organizações


camponesas.

4. Convocar uma Conferência não-partidária dos trabalhadores, soldados do


Exército Vermelho e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e da província de
Petrogrado até 10 de março de 1921.
5. Liberar todos os prisioneiros políticos dos partidos socialistas, bem como
todos os trabalhadores, camponeses, soldados e marinheiros presos durante as
revoltas operárias e camponesas.

6. Eleger uma Comissão para rever os casos daqueles detidos em prisões e


campos de concentração.

7. Abolir toda politidoteli [propaganda oficial], pois nenhum partido deve ter
privilégios especiais na propagação de suas ideias ou receber apoio financeiro
do governo para esse propósito. Em seu lugar devem ser estabelecidas
comissões educacionais e culturais, eleitas localmente e financiadas pelo
governo.

8. Abolir imediatamente todas as zagryaditelniye otryadi [unidades armadas


que requisitavam grãos dos camponeses].

9. Igualar as rações de todos aqueles que trabalham, com exceção dos que estão
empregados em tarefas prejudiciais à saúde.

10. Abolir os destacamentos comunistas em todos os ramos das forças armadas,


assim como os guardas comunistas nas empresas e fábricas. Caso tais guardas
sejam necessários eles devem ser nomeados pelo exército, a partir de suas
fileiras, e nas fábricas de acordo com a vontade dos trabalhadores.

11. Dar aos camponeses completa liberdade de ação em relação a sua terra e
também o direito de criar gado sob a condição de que os camponeses usem
apenas os seus próprios meios, isto é, sem empregar trabalho assalariado.

12. Requisitar que todos os ramos das forças armadas, assim como nossos
camaradas das kursanti [escolas] militares aceitem nossas resoluções.
13. Demandar que a imprensa dê grande publicidade às nossas resoluções.

14. Nomear uma comissão móvel de controle.

15. Permitir a produção artesanal livre, desde que não empregue trabalho
assalariado.

Estas são formulações pouco desenvolvidas, sem dúvida ainda insuficientes,


mas todas estão impregnadas do espírito de Outubro; e nenhuma calúnia no
mundo pode pôr em xeque a conexão íntima que existe entre esta resolução e os
sentimentos que guiaram as expropriações em 1917.

A profundidade dos princípios que animam estas resoluções é demonstrada


pelo fato de que elas ainda são, em grande medida, aplicáveis atualmente.
Pode-se, na verdade, opô-las tanto ao regime de Stálin em 1938 quanto ao de
Lenin em 1921. Mais ainda: as acusações do próprio Trótski contra o regime de
Stálin são apenas reproduções, de fato tímidas, das reivindicações de Kronstadt.
Além disso, qual outro programa completamente socialista poderia fazer frente
à oligarquia burocrática senão o de Kronstadt e da Oposição Operária?

Revolucionários de Kronstadt

O surgimento destas resoluções demostram a estreita conexão que existia entre


as revoltas de Petrogrado e de Kronstadt. A tentativa de Trótski de colocar os
trabalhadores de Petrogrado contra aqueles de Kronstadt para tentar confirmar
a lenda da natureza contrarrevolucionaria da revolta de Kronstadt se volta
contra o próprio Trótski: em 1921, Trótski, como justificativa, apela à
necessidade sob a qual se punha Lenin de suprimir a democracia nos sovietes e
no partido e acusa as massas dentro e fora do partido de simpatizarem com
Kronstadt. Ele admite, portanto, que nessa época os trabalhadores de
Petrogrado e a oposição, ainda que não tenham resistido pela força das armas,
apoiavam Kronstadt.
A afirmativa posterior de Trótski de que ”a insurreição foi inspirada pelo desejo
de obter rações privilegiadas” é ainda mais insana. Dessa maneira, é uma
daquelas pessoas privilegiadas do Kremlin, cujas rações eram muito melhores
do que as dos outros, que se atreve a lançar semelhante acusação, e ainda por
cima contra os homens que no ponto 9 das suas resoluções demandam
explicitamente a igualdade das rações! Esse detalhe revela o tamanho
desesperador da cegueira burocrática de Trótski.

Os artigos de Trótski não se desviam nem um pouco da lenda criada há muito


tempo pelo Comitê Central do Partido. Trótski certamente merece a estima da
classe trabalhadora internacionalmente por ter se recusado desde 1928 a
continuar participando da degeneração burocrática e dos novos “processos”
que eram destinados a livrar a Revolução de todos os seus elementos de
esquerda. Ele merece ainda mais ser defendido contra as calúnias e assassinatos
de Stálin. Mas nada disso dá a Trótski o direito de insultar as massas
trabalhadoras de 1921. Pelo contrário! Mais do que ninguém, Trótski deveria
conceber uma nova apreciação da iniciativa que foi tomada em Kronstadt. Uma
iniciativa de grande valor histórico, uma iniciativa tomada por militantes de
base na luta contra o primeiro “processo” manchado de sangue levado a cabo
pela burocracia.

A atitude dos trabalhadores russos durante o trágico inverno de 1920-1921


demonstra um profundo instinto social, e um nobre heroísmo inspirou as
classes trabalhadoras russas não apenas nos píncaros da Revolução, mas
também na crise que a colocou em perigo mortal.

Na verdade, nem os lutadores de Kronstadt, nem os trabalhadores de


Petrogrado, nem as fileiras de militantes comunistas podiam invocar naquele
inverno a mesma energia revolucionária que em 1917 a 1919, mas o que havia
de socialismo e de sentimento revolucionário na Rússia de 1921 era possuído
pelas bases. Em oposição a isso, Lenin e Trótski, alinhados com Stálin, junto
com Zinoviev, Kaganovitch e outros, responderam aos desejos e serviram aos
interesses dos quadros burocráticos. Os trabalhadores lutavam pelo socialismo
que a burocracia já punha em processo de liquidação. Este é o ponto
fundamental de todo o problema.

Kronstadt e a NEP

É comum acreditar que Kronstadt forçou a introdução da Nova Política


Econômica (NEP), um erro profundo. As resoluções de Kronstadt se
posicionavam em defesa dos trabalhadores, não apenas contra o burocrático
capitalismo de Estado, mas também contra a restauração do capitalismo
privado. Essa restauração foi demandada, em oposição a Kronstadt, pelos
sociais-democratas, que a combinaram com um regime de democracia política.
E foram Lênin e Trótski, em grande medida, quem a realizaram (mas sem a
democracia política) na forma da NEP. As resoluções de Kronstadt se
declaravam opostas a isso já que se opunham ao emprego de trabalho
assalariado na agricultura e nas pequenas indústrias. Essa resolução, e o
movimento que lhe servia de base, buscava uma aliança revolucionária do
proletariado e dos camponeses trabalhadores com o estrato mais pobre dos
trabalhadores rurais, para que a revolução pudesse se desenvolver rumo ao
socialismo. A NEP, por outro lado, era a união dos burocratas com as camadas
superiores das aldeias contra o proletariado; era a aliança do capitalismo de
Estado e do capitalismo privado contra o socialismo. A NEP é tão contrária às
demandas de Kronstadt, quanto, por exemplo, o programa revolucionário e
socialista da vanguarda dos trabalhadores europeus para a abolição do sistema
de Versalhes, é oposto ao encerramento do Tratado de Versalhes alcançado por
Hitler.

Revolucionários de Kronstadt

Vamos considerar, por fim, uma última acusação que é comumente lançada:
que ações como a de Kronstadt poderiam ter indiretamente libertado as forças
da contrarrevolução. É possível que, mesmo com uma firme base na democracia
operária, a revolução poderia ter sido derrubada; mas o que é certo é que a
revolução pereceu, e que ela pereceu por conta da política de seus líderes. A
repressão a Kronstadt, a supressão da democracia entre os trabalhadores e dos
sovietes pelo Partido Comunista russo, a eliminação do proletariado da
administração das indústrias e a introdução da NEP já significavam a morte da
revolução.

Foi precisamente o fim da guerra civil que produziu a cisão da sociedade pós-
revolução em dois agrupamentos fundamentais: as massas trabalhadoras e a
burocracia. Até onde as aspirações socialistas e internacionalistas eram levadas
em conta, a Revolução Russa estava paralisada: ela se desenvolveu e consolidou
a partir de suas tendências nacionalistas, burocráticas e de capitalismo de
Estado.
Foi desse ponto em diante, e sobre essa base, que a recusa bolchevique da
moralidade, tão frequentemente evocada, rumou para um desenvolvimento que
só poderia levar aos Processos de Moscou, como ficaria mais claro a cada ano. A
lógica implacável das coisas havia se manifestado. Os revolucionários, que só
mantinham o nome de fachada enquanto completavam de fato a tarefa da
reação e da contrarrevolução, foram compelidos, inevitavelmente, a ter de
recorrer às mentiras, calúnias e falsificações. O sistema de mentiras
generalizadas é o resultado, e não a causa, da separação do partido Bolchevique
do socialismo e do proletariado. Para corroborar com essa declaração, irei citar
o relato a cerca de Kronstadt de homens que eu conheci na Rússia soviética.

“Os homens de Kronstadt! Eles estavam absolutamente certos; eles interviram


para defender os trabalhadores de Petrogrado; foi um trágico erro da parte de
Lênin e Trótski os combaterem ao invés de concordarem com eles,” disse Dch.
para mim em 1932. Ele era um trabalhador sem partido em Petrogrado em 1921,
que eu conheci no isolamento político em Verkhne-Uralsk acusado de
trótskista.

“É um mito que, do ponto de vista social, a Kronstadt de 1921 tenha uma


população completamente diferente da de 1917,” me disse na prisão Dv., outro
homem de Petrogrado. Em 1921 ele era membro da juventude comunista, sendo
aprisionado em 1932 como um “cedesta” (um participante do grupo de
Sapronov, os Centralistas Democráticos).

Eu também tive a oportunidade de conhecer um dos mais destacados


participantes da rebelião de Kronstadt. Ele era um velho mecânico da marinha,
comunista desde 1917, que teve um papel ativo durante a guerra civil dirigindo
a Tcheka em uma província em algum canto do Volga, e em 1921 se encontrava
em Kronstadt como comissário político do navio de guerra Marat (antigo
Petropavlovsk). Quando eu o vi, em 1930 na prisão de Leningrado, ele havia
acabado de passar os últimos oito anos nas ilhas Solovietski.

Os métodos de luta

Os trabalhadores de Kronstadt perseguiam metas revolucionárias ao lutar


contra as tendências reacionárias da burocracia, e eles usaram métodos limpos e
honestos. Já a burocracia difamou odiosamente a insurreição, dizendo que ela
era conduzida pelo general Kozlovski. Na verdade, os homens de Kronstadt
desejavam honestamente discutir, como camaradas, as questões pertinentes
com os representantes do governo. Sua ação teve a princípio um caráter
defensivo, a razão pela qual não ocuparam Oranienbaum a tempo, situada na
costa oposta a Kronstadt.

Declaração de independência da república de Kronstadt revolucionária

Desde o começo, os burocratas de Petrogrado fizeram uso do sistema de reféns


ao prender as famílias de marinheiros, soldados do Exército Vermelho e
trabalhadores de Kronstadt que estavam em Petrogrado, uma vez que vários
comissários que estavam em Kronstadt foram presos (nenhum dos quais foi
morto). A notícia da captura dos reféns chegou em Kronstadt através de
panfletos lançados de aviões. Na sua resposta dada pelo rádio, Kronstadt
declarou em 7 de março “que não desejava imitar Petrogrado, pois considerava
que tal ato, mesmo quando cometido em um momento de desespero e ódio, é o
mais vergonhoso e covarde sob qualquer ponto de vista. A história ainda não
havia conhecido um procedimento similar”. O novo grupo dominante
compreendeu muito melhor do que os “rebeldes” de Kronstadt o significado do
conflito social que estava se iniciando, a profundidade do antagonismo de
classe que os separava dos trabalhadores. É nisto que reside a tragédia das
revoluções durante o período de seu declínio.

Mas, apesar de o conflito militar ter sido forçado sobre Kronstadt, eles ainda
encontraram forças para formular o programa para a “Terceira Revolução”, que
permanece desde então o programa do socialismo russo do futuro.

Balanço

Existem razões para se pensar que, uma vez dada a relação entre as forças do
proletariado e as da burguesia, do socialismo e do capitalismo, que existiam na
Rússia e na Europa no início de 1921, a luta pelo desenvolvimento socialista da
Revolução Russa estava destinada a fracassar. Nessas condições o programa
socialista das massas não poderia ser vitorioso, ele teria que ser determinado
pelo triunfo da contrarrevolução, seja ela abertamente declarada ou camuflada
enquanto um aspecto da degeneração (como de fato ocorreu).

Mas tal concepção do andamento da Revolução Russa não diminui nem um


pouco, no terreno dos princípios, a importância histórica do programa e dos
esforços das massas trabalhadoras. Pelo contrário, esse programa constitui o
ponto de partida através do qual um novo ciclo de desenvolvimento
revolucionário do socialismo irá começar. De fato, cada nova revolução se inicia
não sobre a mesma base que a anterior, mas do ponto no qual a revolução que a
antecedeu sofreu um revés moral.

A experiência da degeneração da Revolução Russa recoloca frente ao socialismo


internacional um importante problema sociológico. Na Revolução Russa, assim
como em duas outras grandes revoluções, as da Inglaterra e da França, o que
levou a contrarrevolução a triunfar a partir de dentro, no momento em que as
forças revolucionárias estavam exaustas, e através do próprio partido
revolucionário (limpo, é verdade, dos seus elementos de esquerda)? O
marxismo acredita que a revolução socialista, uma vez iniciada, vai através de
um desenvolvimento gradual e contínuo desembocar integralmente no
socialismo, ou vai ser derrotada pelos agentes da restauração burguesa.

No conjunto, a Revolução Russa coloca de uma forma inteiramente nova o


problema dos mecanismos da revolução socialista. Essa questão deve se tornar
a mais importante na discussão internacional. Nessa discussão o problema de
Kronstadt pode e precisa ter uma posição à sua altura.

Publicado originalmente em La Révolution Prolétarienne, nº 278, 10 set. 1938 e


disponível na internet em inglês aqui. Traduzido por Marco Túlio, Leo Rivers e
Bruno AP, e revisado pelo Passa Palavra. Este artigo faz parte do esforço
coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa
Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.

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