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O [SPIRITISMO
por
Yvonne CASTELLAN
Le Spiritisme
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO 1. - Nascime,nto e definição do espiritismo 9
Que é espiritismo?, 13. - Alguns casos espíritos, 17.
CAPÍTULO li. - Os médiuns . 25
O desdobramento, 27. - Os médiuns de "ouro", 31.
- Os vários processos de comunicação com os espí-
ritos, 37. - A invocação, 41.
CAPÍTULO Ili. - Allan, Kardee e a filosa,fia espírita . 45
Cosmogonia, 48. - Os espíritos, 50. - A morte,
o encarnação e o reencarnação, 54. - A moral, 59.
- Antiguidade e novidade do espiritismo, 62.
CAPÍTULO IV. - O espiritismo depois de Allan Kardec,
de 187•0 até nossos dias . 73
A teosofia, 78. - O coo-doismo, 84. - Difusão, 89.
CAPÍTULO V. - O ~,piritismo dfonte da ciência 95
A tentação metafísica, 96. - Os f~tos espíritas.
-Os subterfúgios, l 02.
CAPÍTULO VI. - A posição das doutrinas contrárias 113
A Igreja Católica, 113. - O ocultismo hindu, 117.
- O espiritismo e a medicina, 123.
CONCLUSÃO 129
5
INTRODUÇÃO
7
Nos dois últimos capítulos, daremos a palavra
aos detratores do espiritismo, que sâo, geralmente,
respeitáveis: médicos, sábios, homens de igreja, fi
lósofos. Quem se espantará se forem menos nume
rosos que os espíritas praticantes? Para reunir
os materiais dêste livrinho, tornaram-se necessárias
inúmeras experiências, entrevistas, debates, leituras,
confrontos, riscos, hipóteses, retôrnos ao princípio ...
Quanto tempo perdido!
Seja-me permitido agradecer, aqui, a todos os
que me auxiliaram de maneira tão desinteressada,
sem distinção de grupos.
E, agora, abramos o debate. O leitor será o
juiz.
*
* *
8
CAPÍTULO I
9
ferrado no porão. Chegou a indicar seus assassinos,
um vizinho que havia, realmente, ali morado alguns
anos antes, mas que era conhecido como um bom
homem. Revolveu-se o porão e nêle foram encontra
dos cal, carvão, restos de louça, um punhado de cc
belos e alguns ossos, nos quais se pretendeu reco
nhecer fragmentos de crânio, o que não convenceu
os Fox a prosseguir suas buscas identificadoras ou
a avisar a polícia.
Tôda a família ficou maravilhada. Depois dela,
os vizinhos e, mais tarde, os amigos. A repercussão
daquelas conversas com os mortos propagou-se como
um rastilho de pólvora por tôdo a América. O êxi
to foi extraordinário.
O escândalo também. Excluída solenemente da
Igreja metodista, a família emigrou para Rochester,
sempre acompanhada, se assim posso dizer, pelo Es
pírito Haynes. A carreira de médium de Margaret
e Katie continuou, cada vez mais triunfante, tão vito
riosa que, revelando, por onde .passavam, muitos mé
diuns que ignoravam possuir essa qualidade, a fa
mília Fox instalou-se em Nova York, a caminho da
fortuna. As exibições públicas se multiplicaram, di
rigidas pela irmã mais velha das duas jovens, Leah,
de vinte e três anos. A . celebridode das irmãs Fox
expandia-se com a difusão extraordinária da grande
novidade. Em 1852 realizou-se o I Congresso Espí
rita em Cleveland. Em 1854, os espíritas já conta
vam, na América, com três milhões de fiéis, arrebata
dos por mais de dez mil médiuns.
A partir de 1852, uma missão de médiuns ame
ricanos percorreu a Inglaterra e provocou o mesma
emoção. Em 1853, uma outra missão desembarcou
na Alemanha e criou umo corrente que deitou raí
zes instantâneamente na França. Em breve, a me-
10
lhor sociedade discutia o assunto com calor. Em
1854, a Academia de Ciência, com Chevreul e Fara
day, insurge-se contra os fenómenos. Todos os sa
lões, porém, discutem e tentam fazer com que as me
sas se movam... A Senhora Girardin, convertida
das primeiras horas, transmite sua fé espírita a Vic
tor Hugo e a seus amigos, Auguste Vocqueríe entre
outros na casa de exílio de Jersey. Entre os adeptos,
Boucher de Perthes, o pai da pré-história, do qual a
«Re,vista: Espírita:» de 1904 publicou algumas linhas
muito eloqüentes. Mais tarde, Victorien Sardou con
sente em presidir o Congresso Espírita de 1900, e o
coronel Conde de Rochas efetua muitas experiências
célebres. Atrás dêles, grande grupo de médicos, en
tre os quais o eminente Charles Ríchet, muitos milita
res e alguns sacerdotes, correndo o risco da interdi
ção, como, por exemplo, o Abade Pétit, fiel historiador
de reuniões espíritas da Duquesa de Pomar. Muitas
mulheres célebres, Rufina Noggerath, a Baronesa
Cartier de Saint-René, Senhorita Amélie Desormeaux,
convertida ao espiritismo por Victor Hugo durante o
sítio de Paris, em 1870; e vários outros burgueses e
burguesas de boa sociedade.
Em 1854, um Iionês, Léon Rivail, foi iniciado por
um magnetizador seu amigo, Forestier. Dotado de
um temperamento didático e sério, Rivail, sob o pseu
dónimo de Allan Kardec, iria dar, à novel revela
ção, contornos precisos e o seu dogma.
Em 1906, dando um balanço, J. Malgras (2), his
toriador dos primórdios do espiritismo, podia citar,
espalhados pelas grandes nações, mestres eminentes
dos diversos ramos, científicos ou não, como adeptos
conhecidos do espiritismo. (1)
(1) De modo um tanto extensivo, J. Malgras conta entre os es
píritas todos aquêles que, àquela época, se debruçavam com Interês
se sôbre os fenômenos espiritas.
11
Na: América: O Juiz Edmonds, ex-Presidente da
Côrte Suprema de Nova York e ex-Presidente do
Senado;
- Mapes, da Academia, Nacional, professor de
Química;
- Robert Hare, professor da Universidade de
Pensylvania, autor de «Experiment,a:l InViestigiatiiom
of the S,pirit Manilestcruons.»;
- Robert Dale Owen, sábio e escritor de no
meada, autor de «Fcrlls on the B,oundary of aniother
W,orld» (1877); e mais de 22 jornais ou revistas, o
principal dos quais era o «Bcmnor of Light», de Boston.
!'ia Inglaten,a: Em 1860, a Sociedade Dialética
de Londres nomeou uma comissão de trinta e três
membros para «destruir para sempre (os fenômenos
espíritas) que não passam de produtos da imagina
ção». Após dezoito meses de trabalho, a comissão
concluiu. . . a favor do espiritismo e da realidade dos
fatos espíritas! Faziam parte dessa comissão entre
outros:
- Sir John Lubbock, da Royal Society (Institu
to Inglês);
- A. Russel Wallace, competidor de Darwin e,
depois dêle, o mais eminente representante do evo
lucionismo. Em seguida a essa investigação, escre
veu: «Mimdes cmd Mod,ern Spiritu,a:lism»;
- A. de Morgan, Presidente da Sociedade Ma
temático de Londres, com o seu livro From Mast,er to
Spârit; ~
- William Crookes, da Sociedade Real, o mais
brilhante homem de ciência que os espíritas tiveram
em suas fileiras, por essa época. Crookes, graças ao
heliómetro de Greenwich, foí a primeira pessoa a fo
tografar os corpos celestes. Seus estudos giraram em
tôrno da espectroscopia, da descoberta do tálium e
do quarto estado da matéria. Foi, pois, um sábio que
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num livro intitulado «Becherches sur les phênomêíilieS
du sp:mitualisme», escreveu, discorrendo sôbre os fe
nómenos: «Eu não digo que isso é possível, eu afir
mo que isso existe.» Seu testemunho, evidentemen
te, pesou bastante.
Na Alemanha, o astrónomo Zollner, os Proíessô
res Ulrici, Weber e Seckner, da. Universidade de Leip
zig e o Professor e Filósofo Carl du Prel, da Univedsi
dade de Munich, a princípio céticos, converteram-se
depois.
Na Espanha., ainda em 1906, tôdo cidade de al
guma importância, possuía uma Sociedade e um
jornal de estudos psíquicos. O grupo mais impor
tante foi o «Centro Barcelonês», ao qual se prende a
«Union Escolar Espiritista», com seu órgão, a «Revis
ta de Estudiios psic1oló,giaos». A federação dos grupos
da Catalunha era presidida pelo Visconde de Tor
res-Solanot, escritor e experimentador;
· Na Itália aponta-se: Lombroso, o eminente cri
minalista;
Schiaparelli, diretor do Observatório de Milão;
- Gerosa, físico;
- de Amicis, fisiologista, etc.
Na Rússia: Boutlerow, Wagner e Ostrogradsky,
proíessôres da Universidade de Petersburgo;
- Aksakof, lingüista e escritor, conselheiro se
creto de Alexandre III;
- O Conde de Bodisco, camareiro-mor do Im
perador, etc ...
~ue é espiritismo?
Vamos às fontes e ouçamos Allan Kardec (3):
«O espiritismo é a doutrina fundada sôbre a existên
cia, as manifestações e o ensino dos Espíritos». De-
13
pois desta, muitas definições foram dadas por vários
autores que estudaram o espiritismo, mas nenhuma
vale mais, penso eu, que a do próprio criador da
teoria espírita.
O Espírito é apenas a alma imperecível do ho
mem; êste é construído de três elementos princi
pais (1):
A ,alma humana, centelha, elemento imaterial,
imortal, mas que sofre, pensa e deseja, está engasta
da num oorpo físico., elemento material e grosseiro,
por intermédio de um corpo astral ou corpo de de
sejo, ou corpo etérico, ou períspírito, expressão esta
mais familiar aos espíritas. O perispirito é de u'a
matéria infinitamente ténue e sutil, muitíssimo dife
rente do limo terrestre; não obedece a leis, como a
da gravidade e outras. t «energético», é o «fluido
vital», parcela do fluido universal, presente em nosso
corpo sob a forma de energia nervosa. O perispírito
contém a energia animal que faz nosso corpo viver.
É modelado' à semelhança do corpo humano. Está
com êste em relações tão estreitas que as grandes
mutilações (operações, amputações, marcas de tor
turas das idades passadas, continuam visíveis. sôbre
a sua substância. Êle representa, em suma, a indi
viduação de uma porção do fluido cósmico universal.
t êle, verdadeiramente, o intermediário entre o mun
do material grosseiro, ao qual pertence o corpo Iísí
co, e o mundo imaterial, da alma.
No estado habitual, nos sêres vivos, os três envol
tórios continuam engastados uns nos outros, sem
que seja possível distiguí-los. A alma governa e
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o corpo físico, animado de vida, obedece: o cor
po físico é, sôbre a terra, o único visível e atuante.
No momento da morte, o corpo físico desfalece.
Como uma roupa usada, êle cai, descompõ-se, e não
pode mais abrigar a alma imortal que retoma sua li
berdade. Esta se afasta envolvida no corpo etérico que
a individualiza, mantendo sua forma humana. É
esta alma, envolvida no seu perispírito, que recebe o
nome de Espírito. Um Espírito é a:pena!S um ser hu
mano, despojcdo de seu corpo Iísioo,
Sôbre êste princípio, a definição de espiritismo
comporta três elementos diferentes:
O espiritismo é uma doutrina espiritualista: -
'Inútil falar em espiritismo a um adepto de qualquer
filosofia materialista. Antes de começar a discussão
sôbre êste terreno, é necessário fazer ao interlocutor
três perguntas (eu cito):
"Crê em' Deus?
Acredita possuir uma alma?
Acredita na sobrevivência da alma depois da morte?
Se êle (o interlocutor) responde negativamente, ou se diz
simplesmente: nõo sei, desejava que assim fôsse, mas nõo es
tou certo, o que equivale, na maioria das vêzes, a uma nega
çõo educada. . . será inútil prosseguir, como inútil seria demons
trar as propriedades da luz a um cego que não a admite. Porque,
de uma vez por tôdas, as manifestações espíritas sõo apenas efei
tos das propriedades da alma." Algures ainda: "Tomamos nos
so ponto de partida na existência, sobrevivência e individualida
de da alrrla, das quais o espiritualismo é a demonstraçõo teó
rica e dogmática e o espiritismo a demonstração patente (4)"
15
do movimento, baseavam-se, · no fundo, no caráter
«sobrenatural» dos fenómenos espontâneos ou provo
cados. A partir de Allan Kardec, tudo mudou. Des
de o instante em que se admite a existência dos Espí
tos, sua humanidade e sua constituição irmã da nos
sa, por que, pergunta o mestre, não admitir sentirem
êles a necessidade, ou o desejo de se manifestar a
nós? Por que não lhes emprestar nossa ternura, nos
sa fidelidade às recordações, nosso desejo de fazer
o bem - ou o mal- aos nossos semelhantes? Por
que: os meios de comunicação, até aquela época, não
tinham sido descobertos. Quem, no tempo de Luís
XIV poderia supor que os membros de uma mesma
família, dispersados e separados através de milha
res de quilómetros, pudessem entrar em cantata
em algumas horas ou alguns minutos? Porque o te-
. légrafo (e, nos nossos dias, o telefone e o rádio) não
tinha sido inventado ainda. Na época de Luís
XIV, se alguém se vangloriasse de realizar êsse pro
dígio, seria queimado como feiticeiro. Eis como se
passa, pelo progresso técnico, do sobrenatural ao na
tural. Eis como o espiritismo fêz passar o mundo
dos Desencarnados, que antigamente pertencia ao
domínio do maravilhoso religioso ou mágico, para o
terreno objetivo e cotidiano. Allan Kardec nega aos
fatos espíritas, das batidas até às aparições, inclusi
ve os fenómenos de levitação das mesas e outros,
o menor caráter irracional.
Enfim, 10s Espmtos nos doutrmiam. - Como êles
são os únicos que conhecem, por experiência, os úl
timos fins dos homens, compreende-se o pêso e o al
cance de um tal ensino. Eis-nos diante de uma nova
revelação. Por aqui, ingénuamente e sem mesmo
o desejar, a princípio, o espiritismo instalou-se no
terreno da Igreja. Para esta, o período da revelação
16
1
terminou com a morte de Cristo. Para os espíritas,
poder-se-ia dizer, ela recomeça em dezembro de
1847.
Em resumo, o espiritismo, ciência dos Espíritos,
surge, no princípio, como um movimento ao mesmo
tempo espiritualista e racional, implicitamente reno
vador de todo pensamento religioso ou filosófico pe
la espécie de revelação científica em que se baseia.
Êste o aspecto nobre do espiritismo. Ê o
que reteremos para o nosso estudo, e não perdere
mos tempo atacando as diferentes teorias. O leitor,
todavia, enganar-se-á bastante se se limitar a êste
único ponto de vista doutrinal. Para conhecer o es
piritismo prático e cotidiano, é necessário ler algu
mas revistas espíritas, amplamente abertas à narra
ção de manifestações obtidas em França e noutros
lugares. Vejamos êsses fatos espíritas, o clima dos
círculos que enxameiam por todos os recantos. Só
depois disto, melhor informados, poderemos atingir
o cume.
17
opencs com a amizade. Quando percebeu que alimentava assim
sentimentos que não desejava corresponder, ela rompeu a ami
zade. O jovem ficou tão chocado que começou a definhar e
morreu. Isto se passou em 17 43. Dêmos a palavra à senho
rita Clairon:
"Dois anos e meio escoororn-se entre o nosso conhecimen
to e sua morte. Êle me fêz prometer dar, aos seus últimos ins
tantes, o encanto da minha presença. As pessoas da minha
intimidade impediram-me de cumprir a palavra e êle morreu,
rodeado pelos seus empregados e por uma velha amiga. Mora
va, então, em Chaussée-D'Antin e eu à Rua de Bussy (sie), pró-
xima à Abadia Saint-Germain. ·
"Naquela noite, minha mãe e muitos amigos jantavam
comigo. Acabara eu de cantar umas árias muito bonitas que
deixaram meus amigos maravilhados, quando, por volta das 11
horas, ouviu-se um grito lancinante. Suo modulação sombria
e sua duração espantaram todo o mundo: senti desfalecer-me
e fiquei inconsciente pelo, espaço de um quarto de hora.
"Todos os meus criados, amigos e vizinhos, até mesmo a
Polícia, ouviram êsse grito, sempre à mesmo hora, sempre par
tindo de baixo de minhas janelas, parecendo emergir do vazio
do ar. Raramente eu ceava fora de casa, mas quando o fazia,
ninguém ouvia nada e muitas vêzes, indagando do grito à mi
nha mãe e aos meus empregados, quando entrava para meu
quarto, êle ecoava no meio de nós todos. . . Numa outra
ocasião, pedi ao meu amigo Rosely que me acompanhasse à
Rua Sclnt-Honorá para escolher fazendas. O único assunto de
nossa conversa foi o meu fantasma. Aquêle jovem, cheio de
espírito, não acreditando em nada, estava, no entanto, pertur
bado com a minha aventura; insistia para que eu evocasse o
espectro, prometendo crer no caso se êste respondesse ao meu
apêlo. Seja por franqueza, seja por audácia, fiz o que êle pe
dia: o grito ecoou por três vêzes, terrível por causa do fragor
e da rapidez. À nossa volta, foi preciso a ajuda de todo o
pessoal da casa para nos retirarmos do carro em que nos acháva
mos, um e outro, inconscientes".
Ao grito, sucederam-se explosões e, alguns meses após,
palmas. Ao fim de dois enes e meio tudo entrou novamente
em ordem. Algum tempo depois, a Senhorita Clairon teve co
nhecimento pela velha senhora que havia assistido ao Sr. S ...
do relato de seus últimos momentos: "Êle cantava todos as
minutos, disse-lhe ela, até que, às 1 O horas e meia, seu em
pregada veia lhe comunicar, que, decididamente, a senhora nõo
viria. Após um Instante de silêncio, êle tomou-me as mãos com
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um desespêro redobrado que me gelou e disse: "A bárbara!
Ela não ganhará nada com isso. Persegui-lo-ei depois de, m.inha
morte durante o mesmo tempo em que a persegui em, vida!
"Procurei acalmá-lo, mas êle já não era dêste mundo."
19
- Oh, não! Ainda não! t·'1ão sou tão perfeita! ...
A MÃE - Você não fêz mal algum durante sua vida.
Por que sofreu tanto?
- Provação, provação! Suportei-a com paciência, por
minha confiança em Deus. Estou bem feliz agora. Até breve,
mãe querida!
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ram durante dezoito meses, constituiram o objeto de
uma conferência no College de France, sob o título:
«A fisiologia chamada supranormal».
"Da bôca descia lentamente até os joelhos de Eva um
cordão de substância branca, da largura, aç,roximada, de dois
dedos. Êsse cordão tomava, a nossos olhos, as formas mais
variadas: às vêzes parecia um grande tecido membranoso per
furado, com vazios e tumescências, outras vêzes êle se retraía
e se afinava para, depois, voltar a se alongar. Aqui e ali, da
massa, saíam prolongamentos, espécies de pseudópodos que re
vestiam, por vêzes, durante alguns segundos, a forma de dedos,
um esbôço de mãos que, depois, tornavam a entrar na massa.
Finalmente n cordão se ergueu sôbre si mesmo, se alongou sô
bre os joelhos de Eva, a sua extremidade se avolumou, desta
cou-se da médium e avançou para mim. Vi, então, aquela ex
tremidade engrossar sob a forma de intumescimento dum bo
tão terminal que se transformou em u'a mão perfeitamente mo
delada. Toquei-a e tive uma sensação normal; senti-lhe os os
sos e os dedos providos de unhas. Depois, a mão se retraiu, di
minuiu e desapareceu no fim do cordão. Êste fêz ainda algu
mas evoluções, enconheu-se e tornou a penetrar na bôca da
médium." Uma outra vez: "Uma cabeça apareceu, de súbi
to, a 75 centímetros da de Eva, acima dela e à direita. Era
uma cabeça de homem de dimensão normal, bem constituída,
com seus relevos habituais. O alto do crânio e a testa estavam
claramente materializados. A testa era grande e alta, e os
cabelos, cortados à escovinha, abundantes, castanhos ou pre
tos. Sôbre as arcadas superciliares, os contornos se esfumavam;
só se via bem a testa e o crânio. A cabeça ocultou-se um instan
te atrás de uma cortina, depois reapareceu nas mesmas condi
ções. A face, porém, incompletamente maferializada, estava ta
pada por uma tira de substância branca. Estendi a mão.
Passei os dedos pelos cabelos e apalpei os ossos do crâhio ...
um instante após, tudo havia desaparecido."
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Pergunta: - É você, querida?
Resposta: - Sim, meu "velho" (é o seu modo favor'ito
d,e m,e cham,ar)
P. - Está vendo os objetos que me rodeiam?
R. - Perfeitamente. Sinto-me feliz por estar com você.
Espero que esteja bem agasalhado. (Eram 11 horas e meia, es
tava che.gando de Arms, a lareira não estava acesa. Conservava
o guarda-pó de viagem e nem, mesmo o eeche-nez hevle tiredo.)
P. - Está contente por ter vindo sem seu corpo?
R. - Sim, meu "velho", eu lhe agradeço. Tenha meu
corpo fluídico, meu perispírito.
P. - É você que me faz escrever? Onde está você?
R. - Perto de você. Certamente sua mõo ainda sente
dificuldade em se mover.
P. - Dormiu bem?
R. - Não, ainda não.
P. - Seu corpo a retém?
R. - Sim, sinto que êle me prende. Meu corpo está um
pouco doente, mos meu Espírito não sofre.
·P. - Você teve, durante o dia, a intuição que eu a in
vocaria esta noite?
R. - Não; no entanto não posso· definir o que me dizia
que eu o veria. (Nesse momento sofri um ataqu,e de tosse).
Continua tossindo, hein? Trate-se um pouco! ...
P. - Sente mêdo de ficar sozinha em casa?
R. - Adêle está comigo (Esta criatura, uma parenta, nãa
dorm.e nunca em casa. Vemo-la m.ui rarame•nte,. Pude verificar,
quan,do voltei, que ele, efetivamente, h.avia do,rmido em casa
naquefo noite).
Um pouco depois de meia-noite:
R. - Adeus, meu "velho", sou obrigada a deixá-lo."
22
A princípio, a mãe não deu atenção à criança. Vendo, po
rém, que não conseguia acalmá-la, conduziu-a à casa do prefei
to; a menina contou novamente o sonho, acrescentando haver
reconhecido dois de seus vizinhos entre os camponéses, e que o
acontecimento havia se desenrolcdo à entrada duma floresta.
O prefeito logo mandou alguém à casa das vizinhos que,
realmente, estavam oüsentes. Depois, a fim de certificar-se da
verdade, mandou emissários na direção indicada pela menina, os
quais encontraram cinco cadáveres nos confins de um bosque.
Eram os dois pais com as filhas e o cocheiro que os conduzia. Os
cadáveres tinham sido atirados sôbre um brazeiro para se tor
narem irreconhecíveis. Imediatamente a polícia iniciou as in
vestigações. Prenderam-se os dois camponeses indicados pela
criança no momento em que tentavam trocar dinheiro manchado
de sangue. Uma vez presos, confessaram, afirmando reconhecer
o· dedo de Deus na pronta descoberta de seu crime."
23
CAPíTULO II
OS MÉDIUNS
25
Os leitos apareciam revolvidos, as senhoras Faure
eram transportadas em suas cadeiras, as tijelas que
bravam-se-lhes nas mãos. A lança, os móveis, tudo
valsava, dançava, se espalhava. Êstes fatos extraor
dinários, pronto conhecidos, provocaram a vinda do
Sr. Maxwell ( 1) que iniciou minuciosas pesquisas: tô
da fraude foi reconhecida impossível. Decidiu-se,
então, evacuàr a casa assombrada. No momento da
partida, espêssa fumaça escapava de um quarto do
primeiro andar: todos se precipitaram, mas nãó ha
via o menor vestígio de incêndio. Um jornal, po
rém, encontrado no quarto, apresentava manchas de
sangue. A criada recebera, no instante em que saía,
violenta cacetada nas costas. No dia em que Marie
Pascarel deixou o serviço das Senhoras Faure, tudo
entrou novamente em ordem. A honestidade da jo
vem estava acima de qualquer suspeita, pelo que se
concluiu ter desempenhado ela o papel de médium
involuntário. (5) ·
Agora, é o caso de uma confissão do próprio Es
pírito perturbador. No ano de 1860, uma casa da
Rua Noyers, em Paris, era teatro de desordens seme
lhantes: pedras que quebravam vidros das vidraças
e outras coisas. Allan Kardec recebeu, de um Espírito
superior, autorização para evocar o Espírito desman
cha-prazeres, para a doutrinação que se pudesse ti
rar de suas respostas. Transcrevo um extrato do
diálogo:
P - Na Rua Nayers havia alguém que lhe servia de au
xiliar para lhe facilitar os sustos que você pregava aos habitan
tes da caso?
R - Certamente, encontrei um bom instrumento e ne
nhum Espírito douto, sábio ou hipócrita para me impedir; por
que eu sou alegre, gosto, por vêzes, de me divertir.
(1) Não o eminente físico, mas um advogado de Bordeus, doutor
em medicina, muito versado nas pesquisas sôbre os fenômenos es
píritas.
26
P - Qual foi a pessoa que lhe serviu de instrumento?
R - Uma criada.
P - Ela o auxiliava sem saber?
R - Oh, sim! A pobrezinha ero a mais amedrontada! (4)
O desdobromentc
Um médium de desdobramento tem a faculdade
de se dissociar. Em certas condições, a alma e o
perispírito abandonam o invólucro físico, que conti
nua imóvel, dotado de uma vida mais lenta, ligado
ainda a seus invólucros sutis por um liame tênue: o
vínculo vital. Esta ligação é o cordão urnbelicol pelo
qual a energia da vida se derrama francamente no
invólucro carnal e impede a morte. Esta não deixa
rá de sobrevir no caso de ruptura do vínculo vital.
O médium de inc;o rpom.ção é, neste gênero, o
1
27
ta como ser humano completo. Terminada a comu
nicação, o Espírito se retira e o hipnotizador acorda
seu paciente com tôdcs as precauções necessárias.
É esta espécie de médium que permite as grande3
experiências públicas. Com a prática, uma espé
cie de parentesco se estabelece entre o hipnotizador
e o seu dócil paciente, o médium. Chega-se, assim,
a resultados espantosos, cuja segurança é quase
infalível. São êstes os fenômenos escolhidos para as
grandes exibições espíritas.
O médium de ,exp10r1ação díneto, ao contrário, é
muito raro. Por vêzes em estado de hipnose, às vê
zes em consciência perfeita, o que torna o fenêmeno
raríssimo, o paciente se desdobra. Enquanto o corpo
vive fracamente, em vigília, os elementos sutis ex
plorern os planos proibidos aos humanos.
Um exemplo, aliás complexo: Mireille, médium
do célebre Coronel de Rochas. Adormecida, ela fa
la: ei-la desdobrada, vagando nos espaços interpla
netários. . . Aproxima-se do planêta Marte. . . cai
de súbito em síncope. Imediatamente o coronel a
reanima, sempre adormecida. Com voz completamen
te diversa da sua, grave e viril, ela retoma o diá
logo:
"Você escapou de boa! Por que não a reteve? Você sabe
bem que ela é muito curiosa. Se eu não estivesse aqui, ela
estava perdida, tanto para você como para mim.
P - Quem é você?
R - Sou Vincent, assisto a tôdas as suas experiências,
que me interessam por cousa de Mireille.
P - Que fêz ela? Onde se encontra neste momento?
R - Ela quis penetrar na atmosfera de Morte àtravessan
do a camada elétrica e não sei o que teria resultado disso.
Precipitei-me no seu encalço e a reconduzi. Depositei seu Espí
rito no veículo que me serve para chegar à atmosfera da terro
e tomei seu corpo astral para entrar no seu corpo carnal e poder
me comunicar com o senhor.
28
P - Quer, agora, me devolvê-la?
R - Quero, tome-lhe as mãos e projete fluí dos em seu
corpo para me ajudar a me libertar". O que foi feita. (5)
29
nossos sentidos, a matéria sutil do perispírito dos
habitantes do espaço. São êles os especialistas dês
ses efeitos perturbadores, chamados materializações.
Eles dão à luz a ectoplasmas que, às vêzes, não pas
sam de um filamento, de uma musselina leve, u'o
mão, e, raramente, uma forma complexa. Ê pela
bôca do médium que freqüentemente se manifesta
a aparição: dir-se-ia gerada pelo céu da bôca, a face
interna do rosto, as gengivas. A forma, a princípio
esboçada, completa-se e se densifica. As cabeças
falam, as mãos tocam piano, distribuem pequenos
presentes. . . depois tudo se desfaz e some. Parece
que êsses partos produzem certo esgotamento físico,
o que não é para admirar, pois, em doutrina, o enri
quecimento do perispírito só pode se produzir à cus
to do gasto de energia vital do médium.
Citemos a médium Florence Cook dando à luz
a Katie King, ectoplasma extraordinàriamente tangí
vel e completo. A jovem Desencarnada fala, anda,
toca os assistentes, enquanto a médium jaz inerte,
gemendo, privada de vida, como uma trouxa de rou
pa. Depois, Katie King desaparece no gabinete es
curo após haver distribuído beijos e se ter despedido
de uma maneira tocante. Êstes fenômenos se pro
duziram durante três anos, têrno fixado, desde o iní
cio, pela própria Katie King. No momento de sua
desaparição definitiva, o fantasma distribuiu a todos
os convidados um pedaço rasgado de seu véu, que
ela consertou com presteza, comprimindo o tecido
entre as mãos. Finalmente, antes de ser reabsorvida
para sempre, fêz detrás da cortina, curtos gestos de
adeus à médium, cujos soluços de desespêro os assis
tentes ouviram. Citemos, ainda, Eusapia Paladino,
médium napolitana manifestando uma «terceira mão
fluídica» ou, ainda, Bien-Boa, o fantasma da «villo»
30
Carmen, em Argel, invocado em 1906 por Marthe
Béraud e Aischa e estudado por Charles Richet (32).
Já vimos em pleno trabalho no primeiro capítulo,
essa mesma Marthe atuando com o Dr. Geley em
1917-1918 sob o nome de Eva. Com êstes fenómenos
foram feitos importantes arquivos fotográficos, pois
a placa sensível, como é análoga ao ôlho humano,
tem a vantagem de conservar as imagens (1).
Os médium; de "aura"
A riqueza dos fatos espíritas não se limita a és
ses três casos. Ou por outra, nem todos os médiuns
se desdobram; ao contrário: a grande maioria pro
duz fenómenos também curiosos, num género diíe
rente, sem se dissociar, num estado habitual e, por
assim dizer, como qualquer de nós.
Alguns exemplos? O célebre Dunglas Home,
que operava no Segundo Império, assentava-se numa
cadeira, que se elevava em seguida lentamente no
ar, até tocar o íôrro, onde êle traçava u'c marca com
um estilete, como prova do fato. As testemunhas
passavam e tornavam a passar sob a cadeira e, após
o fenómeno ter sido verificado à vontade por todos,
a cadeira voltava ao chão e tudo se acalmava. Do
mesmo modo, Eusapia Paladino, que operava em
muitas cidades italianas ou francesas, por volta de
1900, em presença de membros da aristocracia e
de sábios eminentes, erguia uma mesa do abeto a
dez centímetros do solo, com um simples toque de
dedo, antes de ser, ela própria, levantada, com sua
cadeira, à altura da mesa. Escolhi, de propósito, és
ses dois exemplos por serem extraordinários, mas,
31
bem entendido, o movimento das mesas se explica,
espiritualmente falando, da mesma maneira.
Que se passa? Allan Kardec propôs o problema
aos Espíritos e, em algumas sessões, obteve a teoria
completa. Não é, como se poderia crer, sustentando
a mesa ocultamente ou movendo-a de algm modo
que os invisíveis realizam essas experiências: os Es
píritos, como êles próprios o lembram, não possuem
músculos ou mãos, nada que lhes possa servir de
ponto de apoio; impossível manipular diretamente a
matéria inerte. Os médiuns, de efeitos físicos, no
entanto, apresentam, em relação aos outros homens,
uma particularidade: a de difundir a energia de seu
perispírito fora do corpo físico, em uma espécie de
«aura» ou esfera de irradiação. Desta maneira, por
contato direto entre semelhantes, os Espíritos rece
bem daí a energia vital e «animalizam» os objetos,
mesas, etc. Temporóriornente. a matéria inerte se
anima, pois, de um frémito de vida. E assim -corno
o corpo etérico ou perispírito obedece aos impulsos
da alma, os objetos «onímolizodos» obedecem ao
pensamento dos Desencarnados, que só têm o tra
balho de dar ordens mentalmente.
Uma vez que os fenómenos dependem de um
pensamento, sua amplitude somente deveria conhecer
o limite da ordem mental dada. De fato, as fôrças
do médium têm limites. O desperdício de energia vi
tal é para êle tanto maior quanto o objeto a «anima
lizar» fôr mais importante. A fôrça de manifestação
de um médium é diretamente proporcional à sua
difusão energética.
Mas por que a intervenção do médium? Os Es
píritos não poderiam colher no perispírito de seus
semelhantes Desencarnados a energia etérea de que
têm necessidade? Não poderão colhê-la diretamente
32
na energia cósm ico, que é da mesma natureza? Não.
Eles têm necessidade de combinar a sua própria
energia etérica, enriquecida ou não às expensas do
Cósmos com o fluido de uma pessoa viva. Isto é
indispensável, é uma condição sine qua n,0111. Dir
se-ia que o fluido vital se acha enriquecido pela vi
da física. Não posso deixar de relacionar esta lição
com um trecho da «Odisséio» (canto :XI): Ulisses, na
confluência de dois rios, numa região desolada e sel
vagem, evoca os mortos de Hades para, por seu in
termédio, conhecer o futuro e receber seus conselhos.
A borda de um poço, êle degola vários animais, o
sangue quente corre aos borbotões e, ao redor da
fossa, as sombras comprimem-se. Ulisses mantém
nas quietas, com seu punhal: um a um, os mortos.
«cabeças sem Iôrço», dominados, vêm beber o san
gue que fumega. Depois, tendo readiquirido, assim,
o aspecto de vivos, êles falam, cada um por sua vez,
antes de descporecerern à chegada da sombra se
guinte. No fundo, e sob outra forma, a lição é a
mesma: o vivo ou o sangue quente, seu símbolo,
possuem uma fôrça, necessária ao desencamado
para se manifestar.
Os fenômenos de transportação; raros, apresen
tam um problema um pouco mais complexo. A sala
está fechada, vazia, e os assistentes se agrupam em
tôrno do médium. De súbito aparecem os mais ines
perados objetos, como Ilôres frescas, frutos, bom
bons perfeitamente comestíveis, uma carta com al
gumas palavras, jóias. . . e até pássaros vivos ou
peixes vermelhos, ainda gotejantes de água.
São Luís e Erasto, Espíritos eminentes, teóricos,
tiveram o trabalho de examinar longamente êste pon
to (4): não se poderia beber em fonte melhor. Os
transportes continuam e continuarão sendo casos rc-
33
3
ros, porque êles exigem um médium ou melhor, vá
rios médiuns formando a cadeia, dotados ao máximo
de um poder de expansão de sua fôrça etérica, ou,
çomo dizem elegantemente êsses Espíritos, de seu
aparelho elect:romediúnico. A presença, na assistên
cia, de pessoas mais ou menos refratárias, constitui
um obstáculo intransponível ao fenómeno. Eis por
que os transportes quase nunca se realizam em ses
são pública.
Constitui um dom especial do fluido mediúnico
ou perispíritico contrair ou dilatar indefinidamente
a matéria. Todos sabem, na nossa época, _que a mo
lécula dos corpos mais densos oferece muito mais
partes ôccs que partículas sólidas; é com nossos
sentidos grosseiros, com nossos instrumentos primá
rios qué devemos conceber o mundo sob seu aspecto
resistente. Se tomarmos o vapor que se escapa de
um recipiente, e o contrairmos, teremos água. Esta
comparação ajudará, sem dúvida, a compreender
como os Espíritos, encontrando na ambiência da ter
ra os elementos simples da motérícr, chegam a lhes
dar densidade para formar objetos. Estes não são
«agregados» senão na medida em que o fluido pe
rispirítico assim os conservar. Eis porque êles se dis
solvem e desaparecem muito ràpidamente, sob pena
de esgotar o médium.
Surpreendamos em flagrante um ilustre médium
de efeitos físicos em tôdas as suas atividades. Escu
temos a apresentação, feita por AUan Kordoc aos lei
tores. da «Revista Espm.ta», em 1858, do célebre Dun
glas Home:
34
excêntrico. Possui com pleição m uito delicada, costum es sim ples
e suaves, caráter afável sôbre o qual o contato com as gran
dezas não criou nem arrogância nem ostentação. . . Suas facul
dades se m anifestaram desde a m ais tenra infância. Quando
tinha seis meses, seu berço se balançava sozinho, na ausência
da am a, e m udava de lugar. Em seus prim eiros anos, era tão
débil que sentia dificuldade em se manter: sentado num topête,
os brinquedos que êle não conseguia pegar vinham por si m esm os
colocar-se ao seu alcance. Tinha nove anos quando suo fo
m í lia foi se fixar nos Estados Unidos. Aí continuaram os m es
mos fenôm enos, com intensidade mais forte à medido que êle
crescia, m as suo reputação com o médium som ente se estabele
ceu em 1850, no época em que os m anifestações espíritos com e
çaram o se tornar populares nesse país.
Em 1854 foi à Itália por cousa da saúde e espantou Flo
rença e Rom a com verdadeiros prodígios. Convertido ao catoli
cism o, em Rom a, teve de prom eter que rom peria os relações
com os Espíritos. Durante um ano, efetivam ente, parecia que
seu poder oculto o havia abandonado. Com o, porém , êsse poder
era superior à sua vontade, no fim dêsse tem po, conform e lhe
havia anunciado o espírito do mãe, os manifestações se repro
duziram com novo energia.
Os fenôm enos manifestavam -se, às vêzes, espontâneam ente,
em ocasiões em que nado se esperava, enquanto que, em ou
tros oportunidades, êle se mostrava incapaz de provocá-los, cir
cunstância pouco favorável o quem desejava fazer exibições com
hora rncrccdo. O coso seguinte, tom ado entre mil, é o provo
do que afirm am os: depois de mais de quinze dias, o Sr. Hom e
não havia obtido qualquer manifestação quando, jantando em
coso de um am igo, com duas ou três pessoas de seu conheci
m ento, algum as batidos se fizeram , subitam ente, ouvir nos
paredes, nos móveis e no fôrro. Parece, disse êle, que êles es
tão voltando. O Sr. Home estava, nesse instante, sentado num
sofá com um amigo. Um criado trouxe o bandeja de chá e
se dispunha o colocá-lo no centro do- salão, sôbre uma mesa.
Esta, embora bem pesado, ergueu-se de repente, alterando-se
do solo de 20 o 30 centímetros, como se fôsse otr ri do pelo ban
deja. O empregado, tomado de pânico, deixou-a escapar e o
mesa, de um golpe, se lançou sôbre o sofá e caiu diante do Sr.
Home e do seu amigo, sem que nodo do que estava sôbre elo
houvesse se mexido. Êste é um coso espontâneo, acontecido em
reunião íntimo.
O Sr. Home começo suas sessões verdadeiros, em geral, pe
los manifestações conhecidas: estolidos em mesas eu em qual-
35
quer porte do safa. Aparece, em seguidc, a levitação da me
sa, que é feita, a princípio, pela imposição das mãos, só dêle
ou de várias pessoas reunidas; depois, à distância, e sem contato.
É uma espécie de preparação. Freqüentemente, êle não conse
gue nada mais. Depende da disposição em que se encontra e,
às vêzes também, da disposição dos assistentes. Subitamente,
após algumas oscilações ou balanços, a mesa se destaca do
chão, eleva-se gradual e lentamente, por pequenas sacudi
delas, não mais de alguns centímetros, mas até o teto e fora do
alcance das mãos. Depois de estor suspensa alguns segundos
no ar, ela desce como subiu, lenta e gradualmente. . . O Sr.
Home, como a mesa, também elevou-se até o teto e depois des
ceu do mesmo modo, e isto durante várias ocasiões, em Floren
ça e na França, nomeadamente em Bordeus, na presença de tes
temunhas dignas de fé. Êle próprio nos confessou não se aper
ceber de nada e julga estar sempre sôbre o solo, a não ser
quando olha para baixo. Unicamente as testemunhas vêem-no
se elevar. Quanto a êle, experimento, nessa ocasião, a impres
são produzido pelo movimento de um navio sôbre as ondas.
Não é do nosso conhecimento que o Sr. Home tenha feito
aparecer, pelo menos visível para todo o mundo, outras partes
do corpo, a não ser as mãos. O aparecimento de u'a mão se
manifesta, geralmente, em primeiro lugar, sob o tapête do mesa,
pelos ondulações que faz quando percorre a superfície. Depois,
ela se mostra sôbre a borda do tapête, que levanta. Em
certas ocasiões a mão vem se colocar sôbre o próprio tapête.
Freqüentemente, pega um objeto que carrega para debaixo do
móvel. Essa mão, visível para tôdo a gente, não é nem vaporo
so, nem translúcida; tem a côr e a opacidade naturais. Acaba,
à altura do punho, no vazio. Se é tocada com precaução, con
fiança e sem prevenção hostil, elo oferece a resistência, a so
lidez e a impressão de u'a mão viva. Seu calor é suave, úmido e
comparável ao de um pombo morto há uma meio hora. Não é
inerte, agita-se, presto-se aos movimentos que se lhe imprime
ou resiste a êles, acaricia e aperta. Se, ao contrário, você quiser
agarrá-lo bruscamente e de surprêsa, sómente encontrará o va
zio. . . Com freqüêncio, a mão vai se pousar em você, você o vê
ou, se não a vê, sente o pressão dos dedos. Algumas vêzes elo
o acaricío, outras, belisco-o até doer. O Sr. Home, no presença
de vários pessoas, sentiu-se segurado pelo punho e os assisten
tes puderam ver suo pele repuxado. Segundos depois, sentiu
se mordido e a marca de dois dentes ficou visível durante mais
de uma hora ... "
36
Os vários processos de comunicação com
os espíritos
37
ra. Formavam-se, dessa maneira, palavras e fra
ses. É exatamente o princípio dêsse apafêlho que, na
França, é conhecido como «10,ui-jà», mostrador de
agulha, como a mezinha redonda da Sra. de Girar
din.
Êste processo alfabético, preciso mas moroso,
sofre algumas acomodações. Por exemplo: a assem
bléia, apressada, acaba, ela mesmo, a palavra co
meçada. Se está certo, o Espírito nada diz ou diz
«sim». Se o vocábulo inspirado é diferente da pala
vra transcrita, batidas apressadas na mesa ou movi
mentos desordenados da agulha ou do estilete cha
mam a atenção dos adeptos e convidam-nos a reti
ficar.
A psicografia oferece bastante variedade. Supo
nhamos que se adapte um estilete a uma mezinha re
donda: o médium coloca os dedos ou a mão, o mó
vel oscila e tra.ça letras ou sinais sôbre uma fôlha
de papel. A mezinha pode ser substituída por um
cêsto ou uma prancheta ainda mais leves, que per
mitem escrita mais rápida e mais nítida.
Mas simplifiquemos ainda. Suponhamos que
o médium se conserve inerte e com o pensamento
vazio, de lápis na mão, diante de uma fôlha de pa
pel: é muito mais simples para o Espírito -cornunicrrr
lhe diretamente seu pensamento, por contato peris
pirítico, do que «animalizar» qualquer matéria pesa
da. E eis-nos diante de escrita automática, tão difun
dida. Isto supõe, naturalmente, o desaparecimento
completo do pensamento do médium diante do ditado
do Além. O Espírito deposita no seu cérebro
os elementos explícitos da mensagem. Para uma
comunicação científica, por exemplo, um médium cul
tivado e habituado à linguagem científica, encontra
rá palavras correspondentes à manifestação mental
38
do Espírito. Acontece, no entanto, às vêzes, que co
municações de sábios e de filósofos sejam captadas
por médiuns incultos que traduzem o pensamento
como podem. Tais mensagens enchem de alegria o
mundo espírita. São as mais puras, e nas quais, di
zem os espíritas, há pouca margem para suspeitas
de que o médium exprima o seu pensamento pessoal.
Nem todos os organismos mediúnicos são orien
tados para o mesmo género de atividade. Eles são,
mesmo, em geral, muito especializados. Allan Kardec
assim os classifica:
- Médiuns de eíeito físi1c,o propriamente ditos:
transportes de objetos, levitação, batidas;
- médiu:ns seilliSitiV1ots ou impriessionáveis: cap
tam a presença do Espírito por meio duma impressão
pessoal, suave se o Espírito é bom, angustiante quan
do êle é mau;
- médiuns ,auditivos: ouvem a voz dos Espíritos,
tanto dentro dêles mesmo, como do exterior. Chegam
a reconhecer um Espírito pela voz.
- médiuns fa1aintes.: não são, como se poderia
crer, uma variedade dos precedentes. Os médiuns
falantes não ouvem o ditado dos espíritos que agem
sôbre êles pelos órgãos da fala, como, sôbre um
médium escritor, pelo braço ou pela mão;
- médiuns videntes: tanto acordados, como dor
mindo, têm uma impressão visual, mas, na realidade
entram, por seu perispírito, em contato com o peris
pírito dos Desencarnados. A melhor prova é que
êles enxergam também com os olhos fechados;
- médiuns cumdoress cuja fôrça vital, unida e
combinada com a fôrça perispirítica dos Espíritos, se
transmite ao corpo do paciente e reanima sua vida
animal;
39
- médiuns escritores ou psic6grafos, dos quais
já analisamos a ação;
- médiuns ,~eciais, ou melhor, especializados
num determinado gênero de comunicação, médica,
poética, musical. moral, artística ...
No exercício de sua faculdade, os médiuns po-
dem ser:
- noviços, formados ou improdutivos;
- lacónicos ou explícitos;
- flexíveis (utilizáveis de muitas maneiras) ou
exclusivos;
- Calmos, velozes ou convulsivos.
E, por mais diferentes que sejam dos humanos,
os médiuns não escapam a certos defeitos. Alguns
lhes são próprios, mas êles partilham outros cones
co. São:
- médíuns obseoadose que não podem se desfa
zer de um Espírito importuno;
- médiuns fasoinaidos: iludidos por um Espírito
enganador;
- médiuns subjugiald:os: que sofrem a domina
ção moral ou material de um mau Espírito;
- médiuns ágeis: que se servem da sua facul
dade por passatempo;
- méd~ns oirgulhOS1os: convencidos de suas ap
tidões e de suas comunicações;
- médiuns suscetíveis. não suportam crítica;
- médiuns p:!8Sunços1os: que se julgam infalíveis
e visitados unicamente pelos Espíritos superiores;
- médiuns mercenários: que fazem pagar seus
serviços;
- médíuns de má fé: ou «tapeadores»;
40
- médiuns egoístas: que guardam para êles sua
faculdade e suas comunicações;
- médiuns ciumentos: de seus confrades mais
poderosos. . . e todos os matizes das imperfeições hu
manas.
A invoceçdo
Como o médium entra em serviço? Não há fór
mula sacramental, mas algumas condições são ne
cessárias para que uma reunião espírita seja pro
dutiva.
No plano prático, é preciso uma sala escura, es
pecialmente para os fenómenos de materialização e
de transporte. E isto por muitas razões. Primeiro,
porque a luz do dia poderia tornar menos visível uma
aparição ligeira. Além disso, a luz parece ferir í'si
comente os ectoplasmas. Não é de admirar, dizem
os espíritas, uma vez que, no domínio cotidiano, a
revelação das placas fotograficas necessita também
do escuro, pois a luz vela as imagens captadas pelo
filme. Tratar-se-ia de uma reação de certo modo
química no próprio tecido de perispírito. Lembre
mos Eliphas Levi, que indica também a obscuridade
como elemento indispensável à evocação de um mor
to em seu «Rituel die ha:ute ma:gie» (6).
Um certo número de médiuns exige o «gabinete
escuro». Num ângulo da sala, dispõe-se em diagonal
um varão metálico, onde se colocam duas cortinas
pretas que isolam e fecham completamente um can
tinho. t neste que parmanece o médium, com
seu hipnotizador, quando êste é preciso. A assistên
cia se recolhe e faz a cadeia, dando-se as mãos, pe
lo resto da sala. De súbito, a voz do médium se ele-
41
va, rápida ou lenta, grave ou aguda, de acôrda oom
as incorporações. Ou então as cortinas se entreabrem
para exibir uma aparição.
Fora das manifestações espontâneas - raras -
a assembléia deve manter grande recolhimento. Os
assistentes dão-se as mãos, cantam suavemente um
cântico, às vêzes discretamente acompanhados de
instrumento musical: a unidade de pensamento é nes
cessária. Também a paciência: não é caso de desâ
nimo se o Espírito não responde imediatamente à cha
mada. Os Espíritos recomendam, muitas vêzes, a
prática de pequenas reuniões íntimas, em que a uni
dade de pensamento se faz fàcilmente, de preferên-.
eia às grandes exibições públicos dos tempos heróicos
do espiritismo. A atmosfera é ainda mais perturba
da se as pessoas se reunem por acaso. Ê preciso não
esquecer que os médiuns não atraem qualquer Es
pírito. A atração se faz por afinidade perispirítica e
esta afinidade é, em grande parte, uma afinidade de
alma, pois os sêres materiais possuem um perispírito
mais grosseiro que os sêres evoluídos. Se se deseja
comunicação séria, instrutiva e de valor, é necessá
rio um bom médium que seja sério, instruído e te
nha boa moral. Mas é preciso, também, que nada
na assistência possa dar uma nota dissonante.
Evoquemos, aqui, aquela impressionante Dança
do lama morto que Percheron descreve em sua obra
«Dieu et démons de Mo:ng,ol:iie». Uma noite de luar,
os monges de um mosteiro mongol se reuniram em
um vasto círculo de mais de um quilómetro de diâ
metro. Ao centro, um grupo: um comprido embrulho
colocado no chão, dois ou três monges. Um cheiro
pronunciado de decomposição afeta as narinhas. Um
dos monges se deita sôbre o cadáver, colocando seus
lábios nos lábios mortos. Um tempo interminável.
42
Depois, ergue-se e põe-se a dar voltas, lentamente,
sustentando de leve o cadáver pelas axilas. Uma,
duas vêzes, êle percorre o círculo. Na terceira vez,
Percheron vê, com espanto, o homem e o morto gira
rem um diante do outro, separados e sem nenhum
ponto de contato. A lição desta macabra experiên
cia? O morto foi reanimado pela transmissão da
energia vitol do monge operante, mas também, ex
plica um adepto a Percheron, por «sua energia vital,
captada sem que o senhor o percebesse.»
Parece que um fenómeno desta ordem intervém
na cadeia dos praticantes espíritas, contribuição ener
gética e associação ao trabalho específico do mé
dium.
E, agora, quem é invocado?
A identificação do Espírito é fácil quando se
chama um morto recente e bem conhecido de um dos
assistentes. O tom da narração do Desencarnado e o
relato das lembranças pessoais, mais ou menos íntimas
bastam. A literatura espírita é abundante nestas
reaparições comoventes em que antigos afetos, cruel
mente interrompidos pela morte, tornam a se encon
trar e se renovam. A bem dizer, é êste o objetivo das
-p equenas sessões entre amigos, que se realizam em
tão grande número e que não têm outra finalidade
além do reconfôrto moral.
Existem, todavia, círculos mais ambiciosos. Os
livros de Allan Kardec, ~ Rufina Noggerath, as re
vistas espíritas estão repletos de grandes nomes:
Vicente de Paulo, São Luiz, Joana D'Arc, Napoleão ...
até mesmo Cakya Muni. Isto faz refletir. O sábio
Allan Kardec dá, ainda uma vez, a decifração do enig
ma: realmente, os Desencarnados são infinitamente
mais numerosos que os vivos sôbre a terra. Êles va
gam no Além, reunindo-se por suas afinidades mo-
43
rais. A nossa necessidade de exatidão lhes pare
cem ociosas, inúteis e o interrogatório identificador
lhes é até um pouco odioso. f:les nos atiram um
nome que é, de certo modo, o nome genérico de uma
família do Espírito, ou o mais representativo desta
família para nós, sêres terrenos. Uma comunicação
assinada « Vicente de Paulo» não significa, forçosa
mente, que Vicente de Paulo tenha ocorrido, mas um
Espírito em harmonia consigo. A comunicação, po
rém, é de tal forma, que Vicente de Paulo poderia
assiná-la.
É grande a probidade crítica dos melhores cír
culos espíritas. As comunicações são peneiradas e
submetidas a uma espécie de exegese. Se alguma
coisa, no fundo ou na forma, não parece em harmo
nia com a assinatura, o círculo concluí que o médium
foi vítima de um Espírito burlador ou maroto, e a
mensagem é desprezada. Um médium sério deve
se submeter, de bom grado, a êste trabalho impie
doso.
Vejamos, agora, o teor dessas mensagens, que
revelam, para nós, o que se pode chamar a filosofia
espírita ou visão espírita do universo e de suas leis.
44
CAPíTULO III
45
lebre Prof. Pestalozzi, de quem se tornou colaborador
e discípulo. Trabalhou na divulgação de seu siste
ma de educação que estendeu sua influência sôbre
a reforma dos estudos na Alemanha e na França.
Católico, criado em país protestante, sofreu atos de
intolerância que o ligaram à idéia da unificação das
crenças.
Terminados os estudos, regressou à França. Ca
sou-se, aos vinte e oito anos, com a filha de um ta
belião, sua vizinha, que também exercia o magisté
rio. Ambos instalaram um pequeno curso, orientado
pelos novos princípios pedagógicos. Reveses da for
tuna e falta de sorte fizeram-nos atravessar horas
de amargor. Fechou-se a escolinha. Allan Kordec
teve que exercer o magistério fora; traduziu para o
alemão -diversas obras de educação e de moral, den
tre as quais as de Fenelon. (1) Depois, sua situação·
financeira melhorou. Foi membro de várias associa
ções culturais, como a Academia Real de Arras, que
õ premiou, em 1831, por sua monografia sôbre a
questão: «Qual é o sistema de estudos mais em har
monia com as necessidades da épocc?» De 1835 a
1840, fundou, em sua casa, sempre auxiliado pela
espôsa, cursos gratuitos de física, astronomia, ana
tomia, etc. Em 1854, um amigo médium revelou-lhe
a mesa que gira. O pseudónimo de Allan Kardec foi
lhe revelado no deéorrer -de uma comunicação assi
nada Espírito de Verdade que, após lhe mostrar ter
sido êsse o seu nome, ao tempo dos Drúidas, conci
tou-o a trabalhar no sentido iniciador que lhe era
próprio depois de várias encarnações.
46
Desde logo tôda sua atividade foi colocada a
serviço do espiritismo. Obras principais:
Abril de 1857: «Le Livrie deis espríís»
Janeiro de 1861: «Le Livre des médiums»
Agôsto de 1864: «L'ElviangiLe seLon 1e spiritisme»>
Janeiro de 1868: «La G,enes,e,, les mir1a:clies et Les
prédictions selon 1e spiritisme», etc.
Além disso:
19 de janeiro de 1868: fundação da «Revista Espí
rita» (ou jomo! de estudos psicológicos).
l 9 de abril de 1868: fundação da «Sociedade pari
siense de estudos espíritas», sob sua presidência.
Morreu em Paris, a 31 de março de 1869, com a
idade de sessenta e cinco anos, de uma moléstia do
coração, agravada pela estafa. Repousa no cemité
rio «Pére Lachaise», sob uma espécie de dolmen e
seu túmulo é objeto de grande veneração.
Existência virtuosa e trabalhadora. Apaixonada,
é verdade, mas nunca manifestando os exagêros e
o sectarismo dos seus sucessores. Todos os seus li
vros· revelam não só amor pela humanidade inteira,
quaisquer que sejam as divergências de pensamen
to, mas também generosidade e tolerância. Sua
probidade mental não admite contestação: em seus
escritos, sempre dedicou espaço às críticas possíveis
ou efetivas, mencionando, corajosamente, as fraudes
a que, desde aquela época, os fatos espíritas deram
lugar. Sua obra é apenas a transcrição das mensa
gens recebidas dos Espíritos. O autor não fêz mais
que sistematizar a doutrina, agrupar as respostas de
maneira lógica e dirigir as perguntas de um jeito que
satisfizesse as exigências do nosso cérebro terreno.
Seu «Le livre des esprits». do qual nós extraímos a
essência da exposição da doutrina, apresenta-se co
mo um catecismo comentado. O sistema é completo
47
e compreende uma metofísico, inteiramente reple
ta de considerações físicas ou genéticas, e u'o moral.
Cosmogonia
Deus é a inteligência suprema, causa primeira
de tôdas as coisas. A harmonia universal é a prova
evidente de sua existência. Êle é eterno, infinito, imu
tável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente
justo e bom: é pelo menos neste máximo de perfeição
que a nossa fraqueza humana pode concebê-lo. Por
que Deus é inacessível à inteligência do homem.
Mas, embora não possamos saber quem êle é, pode
mos, pelo menos, saber quem êle não é. Ou melhor:
a matéria lhe é exterior: é a condenação expressa
do panteísmo emanatista, como na ortodoxia católica.
O universo é uma trindade, Deus criador, o espí
rito e a matéria, mais um quarto elemento, o fluido,
fonte de vida animal, intermediário entre o espírito
e a matéria, matéria, porém, de natureza elétrica ou
magnética, da qual já vimos uma forma no perispí-
ilio. 1
Tôda a matéria provém, aliás, de um único ele
mento simples. O que nós chamamos ainda corpos
simples não são elementos verdadeiros; consideramo
los assim, por causa do estado imperfeito de nossas
ciências.
O universo foi criado por um ato de vontade di
vina. Os sêres vivos são provenientes da eclosão de
germes que se encontravam, a princípio, dissemina
dos no éter, antes que a terra existisse, incluídos
posteriormente no cáos primitivo, até o dia em que
as circunstâncias tornaram-se favoráveis à sua eclo
são. Essas mesmas circunstâncias atualmente estão
48
,.
muito modificadas (1) e o homem transformou pro
fundamente a terra parp: se nutrir de seus elementos,
de tal forma que hoje a aparição espontânea de ho
mens é impossível.
O ser humano surgiu em diversos pontos, em
várias épocas, nascido de germes análogos, mas li
geiramente diferentes, o que produziu as diferentes
raças. Adão é um mito.
Na natureza, os minerais representam a matéria
não vitalizada, . provida unicamente de fôrça mecâ
nica latente. Os vegetais representam a matéria vi
talizada. Os animais a matéria vitalizada enriquecida
de uma espécie de inteligência inferior, inteiramente
aplicada às necessidades imediatas da vida, chama
da inteligência instintiva. As categorias não são bem
demarcadas, as transições são insensíveis. A sen
sitiva, por exemplo, embora vegetal, apresenta traços
de uma atividade inteligente instintiva.
Os animais têm alma, ou melhor, uma espécie
de alma, princípio individual que sobrevive ao cor
po, dando-lhe uma certa inteligência, variável com
as espécies, e uma liberdade muito limitada. No
Além, êles sobrevivem, individuais, mas errando ao
acaso, cegos e inconscientes.
A alma do homem comporta a vida moral e uma
grande liberdade de julgamento e de ação. A al
ma humana e a do animal provêm do mesmo princí
pio inteligente universal. Mas êste sofreu, no homem,
uma elaboração considerável numa série de existên
cias que precederam o período da humanidade. Ês
te período pode ter-se passado algures, fora do nosso
planêta, em estados de que não temos nem idéia.
49
4
Mas não há trocas incarnacionais entre ó reino hu
mano e o animal, um não deriva do outro, êles eram
diferentes no início. Sobretudo, não pode ter havido
regressão do corpo de um homem para o corpo de
um animal de uma para outra existência: «Um rio
nunca volta à sua fonte.» É a condenação explícita
da metempsicose hindu, como é comumente entendi
da (1).
Os Espíritos
Os Espíritos ou almas provêm, por um ato da
vontade divina, do princípio espiritual que poderia
ser chamado a inteligência universal. Os Espíritos
tiveram um comêço e, sem dúvida, terão um fim,
mas êsse princípio e êsse término são um mistério
para êles próprios. O mundo espiritual é preexisten
te ao natural: são independentes um do outro, em
bora oicm, constontemente, um sôbre o outro, com
penetrando-se no homem. Os Espíritos são dotados
de instantaneidade do pensamento, mas não exata
mente de ubiqüidade. Quando lhes acontece mani
festar-se em vários lugares ao mesmo tempo, isto se
dá em virtude de uma espécie de irradiação: êles,
porém, continuam sendo um só.
Os Espíritos estão longe de serem semelhantes. Cria
dos iguais no princípio, simples e ignorantes, alguns na
da aprendem mais tarde, continuam ignorantes, pesa
dos, desejosos da matéria e completamente enredados
em seus atrativos. Outros, ao contrário, progridem.
O progresso admite naturalmente, inúmeros matizes,
mas pode-se fazer uma idéia do caminho a percor-
(1) Isto na escola kardecista. Outros espíritas (veja-se especial
mente "La Survie", de Rufina Hoggerath, história de Black, pág. 122)
admitem a evolução única e universal de tôda a alma, do mineral
ao homem, passando pela planta e pelo animal.
50
rer por meio da escada espírita, ou classificação' dos
Espíritos dada por êles próprios em muitas comuni
cações. A escada espírita é um dos pontos impor
tantes da novel revelação.
Três categorias essenciais, de baixo para cima:
- Espíritos imperfeitos;
- Bons espíritos;
- Puros espíritos.
Esprltios ímperíeítos - Predominância da maté
ria sôbre a inteligência. Propensão para o mal. Ig
norância, orgulho, egoísmo, ciúme e tôdas as deleté
rias paixões que se lhes seguem. Êles têm a intuição
de Deus, mas não o compreendem. Sua linguagem
trai seu pensamento mau, no fundo ou na forma. Não
são felizes: a visão das delícias terrestres que êles
perderam pela morte, e a visão da felicidade dos
bons, a qual não podem alcançar, é, para êles, um
tormento. Como progridem pouco e muito lentamen
te, sentem-se sempre sofredores. É a origem da
crença num inferno eterno. Estão êstes espíritos divi
didos em cinco classes: os impuros (viciados e trapa
ceiros), os espíritos ligeiros, os pseudo-eruditos, os
neutros (que, sem prejudicar positivamente, conti
nuam essencialmente unidos à matéria), os batedores
e perturbadores (como aquêle da Rua des Noyers).
São todos êstes Espíritos inferiores que formavam,
nas antigas mitologias, o grupo dos dernônios, dos
anjos e dos génios maus.
Os bons Espíritos - Predominância do espírito
sôbre a matéria. Vontade de fazer o bem. Não es
tando ainda completamente desmaterializados, con
servam mais ou menos, de acôrdo com sua categoria,
os traços da existência corporal nos hábitos do pen
samento. Compreendem Deus e o infinito e já des
frutam da felicidade dos bons. Sentem-se felizes
quando praticam o bem ou impedem a prática do mal.
51
O amor que os une é, para êles, uma fonte de alegrias
inefáveis, não alteradas nem pela inveja, nem pelo
remorso, nem por qualquer das outras paixões más
que são o tormento dos Espíritos imperfeitos; todos,
entretanto, precisam, ainda, sofrer as provações, até
que atinjam a perfeição absoluta e façam desapa
recer os efeitos de seus atos anteriores. Corno Espíri
tos, êles suscitam bons pensamentos, desviam os ho
mens do caminho do mal, protegem na vida aquêles
que se tornam dignos e neutralizam a influência dos
Espíritos imperfeitos, desde que se não preste a êstes
muita atenção. São êles os génios bons, os proteto
res e os anjos da guarda das diferentes religiões.
Existem, entre êles, quatro classes: os benfazejos
(bondade), os cultos (inteligência), os prudentes, no
sentido da Sabedoria antiga, e os superiores, pos
suindo conhecimentos, sabedoria e bondade. Os ul
timas reremente se encarnam, têm sempre uma mis
são de progesso. Jesus é o seu modêlo, com Cokya
Muni e alguns outros.
Os pul:'IOIS Espíritos - Influência da matéria, nu
la. Superioridade intelectual e moral absoluta em
relação aos Espíritos de outras ordens. São êles os
anjos, os arcanjos e os seroíins.
Sàmente as provações da encarnação, a passa
gem através da matéria e as missões concedidas, po
dem instruir e esclarecer os Espíritos - os homens
- e fazê-los percorrer os degraus da escada. A inte
ligência e .a educação da alma crescem com as pro
vações suportadas; a regressão é impossível. Como
se vê, nem os anjos podem criar anjos, nem os demó
nios podem criar demónios para a eternidade. Nada
mais que almas no caminho da perfeição.
No Além, os Espíritos vivem em comum. Não
existe o mundo dos Espíritos Superiores, o mundo dos
52
Espíritos Superiores, o mundo dos Espíritos ligeiros,
etc, mas êles se agrupam espontâneamente, por afi
nidades, em famílias espirituais. As afinidades são
evidentes e infalíveis: impossível usar u'o máscara,
nada está oculto ou é dissimulável, como na terra.
A qualidade dos Espíritos e sua classe é tão evidente
quanto a côr branca ou preta da nossa pele. Quanto
mais se sobe na escada, mais aumenta o amor recí
proco dos Espíritos da mesma categoria: os Espíritos
das classes inferiores afastam-se muitas vêzes uns
dos outros, devido às pirraças que fizeram mútua
mente neste mundo. Os Espíritos inferiores estão
submetidos aos Espíritos Superiores dos quais rece
bem ordens e missões. A comunicação entre os Es
píritos se estabelece pela transmissão de pensamento.
A vida dos Espíritos é errante. O homem, des
pojado de seu corpo, é essencialmente ambulante,
seja qual fôr sua classe como Espírito. Enquanto êle
erra, aprende, mede suas faltas, executa missões aqui
e alí, sua experiência é mais variada que na terra
onde estava fixado no espaço, obsecado pelo seu
corpo. Passado, presente e futuro são, para êle,
um único tempo, um presente, mas nenhum conhece
seu destino ou outros destinos. Isso depende dos
conhecimentos gerais e de sua posição na escada.
Os Espíritos experimentam sensações morais, mas
que se ligam, às vêzes, especialmente se são infe
.
\\
riores, a lembranças de antigas percepções terrestres.
Éles, têm conhecimento de tudo quanto conhecemos
pelos nossos sentidos, mas, naturalmente, trata-se
de uma captação sutil que nada tem de comum com
nossa visão, nossa audição ou outra percepção ter
restre. Poder-se-ia dizer que êles entram em conta-
53
to direto e instantâneo com tudo o que captamos
pelos nossos sentidos.
Quais são as missões às quais se consagram
os Espíritos de uma ponta a outra de sua hierarquia?
As de concorrer poro a harmonia universal. Os Es
píritos superiores pensem e ordenam esta harmonia,
depois as necessidades vão se individualizando e
diminuindo de importância. Para os Espíritos infe
riores, trata-se, quase sempre, de obedecer sem com
preender. Se êles fraquejam em seu papel, deverão
reparar o prejuízo causado e sofrer em proporção
ao mal que fizeram.
As missões podem ser realizadas no estado er
rante ou na encarnação. A paternidade ou a ma
ternidade, por exemplo, são consideradas como mis
sões de preferência. De u'o maneira geral, a encar
nação entra nos planos da harmonia universal, per
mitindo aos Espíritos avançar. Raros são os Espíritos
que têm, na terra, u'o missão direta sôbre o aperfei
çoamento dos homens. Quando a tarefa deve ser rea
lizada no Além, ela consiste em inspirar os vivos, pe
la transmissão do pensamento, o mais das vêzes, e
sem que êles desconfiem ou a preparar os acasos e
os grandes acontecimentos geradores de úteis trans
formações de uma vida terrestre.
54
se produz em um dia. No curso da 'doenço, os órgãos
ou o órgão doente se destroem pouco a pouco: o
impulso vital, porém, é tão forte, que o fluido cósmi
co circula assim mesmo, durante algum tempo, po
dendo certos órgãos, às vêzes, suprir numa dada
medida, os enfraquecidos. Mas, quando a doença
ou a ferida se agravam, a destruição fisiológica é de
tal sorte, que se verifica um corte nítido no caminho
erçôníco da corrente vital: é a morte.
O desprendimento da alma, envôlta em seu pe
rispírito, não é instantâneo, pois é uma questão de
evolução psíquica. Os sêres evoluídos abandonam
prontamente, em algumas horas, a prisão carnal.
Os sêres materiais, às vêzes, os que morrem de mo
do violento, deixam-na depois de bastante tempo:
é o período da «perturbação espírita». Os mortos
não compreendem que estão. mortos e ficam próxi
mos do corpo, protestando e moldizendo. Nos casos
maus, essa perturbação pode durar muito tempo,
tempo perdido para a evolução.
"Revista Espírita de 1958 - Um Espírito assiste ao p,róprío
entêrro - O Sr. X. . . foi acometido de um ataque de apople
xia. Algumas horas depois de sua morte, o Sr. Adrien, um de seus
amigos, encontrava-se em seu quarto, acompanhado da viúva.
Êle percebeu distintamente o Espírito do morto andar de um lado
para o outro, olhar alternadamente seu corpo e as pessoas presen
tes, depois sentar-se numa poltrona. Tinha exatamente a mesma
aparência de quando vivo. Vestia-se com as mesmas roupas
pretas. Tinha as mãos nos bolsos e um semblante preocupado.
"Durante êsse tempo, a viúva procurava um papel na es
crivaninha. O marido olhou-a e disse: "Não adianta procurar.
Você não encontrará nado." Ela não percebia, obsolutamente,
o que estava se passando, pois o Sr. X ... era visível apenas ao
Sr. Adrien.
"No dia seguinte, durante os exéquias, o Sr. Adrien re
viu o Espírito do amigo andando ao lado do caixão, mas sem
as roupas da véspera: envolvia-o uma espécie de tapeçaria. Es
tabeleceu-se entre· ambos êste diálogo:
55
P - Diga-m e um a coisa, caro Espírito, que está sentindo
agora?
R - Sinto bem estar e sofrim ento.
P - N ão com preendo bem isso ...
R - Sinto que estou vivo, m as, entretanto, vejo m eu
corpo aqui, neste caixão. Apalpo-m e e não m e sinto, m as per
cebo estar vivo, existindo. Sou, então, duplo? A h! Quero sair
deste im passe, tenho pesadelo!
P - E você vai ficar assim por m uito tem po?
R - Oh! não, graças a Deus. Sinto que em breve acor
darei: será horrível também. Tenho as idéias confusas, tudo é
nevoeiro. Pense na grande divisão que acaba de ser feita ...
Ainda não compreendo nada!
P - Que sensação lhe deu a morte?
R - A morte? Mas ainda não morri, meu cara amigo,
você está enganado! Levantei-me e fui surpreendido por um
nevoeiro que desceu sôbre os olhos, depois acordei e imagine
o meu espanto ao me ver, aa me sentir vivo e ao ver, no chão,
meu outro eso deitado. Vi minha mulher chegar, velar, la
mentar-se e eu não sabia por quê. Consolei-a, falei-lhe, mas
ela nada respondia nem compreendia; era isto que me tortura
va. Só você me fêz bem, porque me entende e compreende, a
que quero. Mas por que os outros "não fazem o mesmo? É isso
que me tortura. O meu cérebro está esmagado por esta dor ... "
56
nos é inferior, que Vênus é mais adiantado e que
Júpiter é infinitamente mais odícntodo ainda. Pode-se
retrogradar de posição social, de uma existência pa
ra outra, mas nunca, nós, o sabemos, retrogradar de
classe espiritual, pois a posse da alma é definitiva.
Do mesmo modo não guardamos, numa nova exis
tência, a lembrança exata de nossas provações an
teriores, mas a experiência geral continua em nossa
posse. Há coisas que não faremos, porque o nosso
ser se levanta contra elas, sem que, contudo, possa
sempre explicar a si mesmo a razão .
Os Espíritos, naturalmente, não têm sexo, passa
mos de um para outro sexo, de uma para outra vida
sem qualquer alternativa: é uma determinação físi
ca. Assim também os pais são os pais carnais. Até
certo ponto, os espíritos atraem as almas que têm,
com as suas, uma afinidade, mas isto não é impera
tivo. A importância do papel dos pais vem de sua
influência, de seu exemplo, das tendências que êles
suscitam, das possibilidades que dão, a uma alma
nova, de desenvolver suas melhores faculdades.
Chega uma ocasião, na sua vida errante, em que
o Espírito sente pesar o imperativo da reencarnação.
Se êle ainda se encontra em estado inferior, recebe
uma designação precisa e só lhe resta escolher en
tre a aceitação ou a fuga das provações que o espe
ram: é claro que esta última solução nada resolve,
afinal. Enquanto é inferior, o espírito pode almejar,
em todos os casos, a grandes provas; equivale a
recuar para saltar melhor. Os Espíritos mais escla
recidos podem, numa medida cada vez maior, esco
lher livremente a sua nova vida com conhecimento
de causa: escolhem então quase sempre as prova
ções mais difíceis para atingir o aperfeiçoamento de
..f 57
modo mais rápido. Eles chegam a antecipar, com
seus desejos, a época da sua reencarnação.
O renascimento é precedido de uma perturba-
ção bem maior, bem mais profunda que a da morte. '
Se é sempre penoso mudar de estado, mais doloroso
ainda é abandonar um estado etéreo por. um estado
de provações e de aprisionamento na matéria. «A
alma é como o viajante que parte para uma travessia
perigosa, sem saber se irá encontrar a morte nas
vagas que enfrenta.» Se a alma é de qualidade,
é ela rodeada pelas suas semelhantes, naquele mo
mento, e por estas será muitas vêzes seguida e guia-
da. Nas esferas inferiores, impera o «cada um por
si».
A união da alma com o corpo começa no momen
to da concepção, mas só se realiza no instante do
nascimento. Nesse intervalo de nove meses, a alma
ffcã: num entorpecimento espiritucl profundo e a lem
brança do passado desaparece. O Espírito, porém,
guia a construção do seu corpo. De acôrdo com
uma expressão tomista, a alma é a forma, a idéia
real do corpo. A matéria se organiza segundo sua
lei. O crescimento infantil, aperfeiçoando os cen
tros do pensamento e da vontade, dá lentamente ao
Espírito seus instrumentos.
Não falaremos sôbre a interpretação espírita de
certo número de estados: o sono e os sonhos, a letar
gia, a catalepsia, o sonambulismo, o êxtase, que
repousam sôbre a libertação antecipada da alma
desde a vida terrestre, quando o corpo está momen
tâneamente neutralizado.
58
A moral
O edifício espírita é coroado por u'o moral con
substanciada em dez leis que formam, em seu con
junto, a lei divina ou natural, sintetizada nesta res
posta de Jesus: «Amarás o Senhor teu Deus de to
do o teu coração, de tôda a tua alma e de tôdas as
tuas íôrços, e amarás teu próximo como a ti mesmo,
pelo amor dêle.»
A noção do bem e do mal é simples. Deus não
tem necessidade de punir os homens pelo mal e
recompensá-los pelo bem. O bem vai cio seu en
contro, no sentido do amor, da criação, e oomporta
uma semente de felicidade. O mal vai em sentido
contrário e contém o sofrimento. Cada qual sofre as
conseqüências de seus atos materiais e de seus pen
samentos, que são atos do Espírito. As conseqüências
podem relacionar-se com uma existência anterior
e continuam enquanto não forem extintas. São trans
portadas de uma vida para a outra. Assim se expli
cam, em grande parte, as condições felizes ou infeli
zes, tão desiguais, em que vemos os homens se de
bater.
Vejamos, ràpidamente, as dez leis morais, uma
a uma:
Lei da adior,açã10 - pertencendo ao fundo reli
gioso da humanidade, é uma fusão da alma com
Deus. A prece atrai junto de nós os bons Espíritos
que nos ajudam.
Lei do trabalho - provém da corporalidade do
homem e dos sêres vivos no seu aspecto terrestre,
mas é comum a todos os mundos de provações, sob
diferentes formas. É o caminho do progresso.
59
I
60
R - Senti-me aliviado.
P - Qual o motivo que te levou ao suicídio?
R - Estou morto? Ainda não! Estou em meu corpo ...
Vocês não sabem quanto sofro... Sufoco... Que u'a mão pie
dosa acabe comigo!
P - Por que não deixaste algum sinal para seres reconhe
cido?
R - Fugi do sofrimento e encontrei a tortura. . . Estou
abandonado. . . -Nõo ponham ferro em brasa numa ferida que
sangra ..•
P - Tiveste alguma hesitação no momento em que te ma
taste?
R - Tinha sêde da morte. . . Almejava o repouso.
P - Que reflexões fizeste na ocasião em que sentiste a vi
da se extinguir?
R ~ Não refleti, apenas senti. . . Mas a minha vida
não se acabou, minha alma está ligada ao corpo. . . Sinto os
vermes que me roem ... "
61
desde que compreendamos que as criamos, em gran
de parte, pelos nossos atos.
Lei da libietidade - somos determinados pela
nossa vida material, mas nossa alma nos dá a liber
dade de pensar e de julgar. Esta liberdade é sagrada
e os maiores castigos estão reservados aos opresso
res dos espíritos e das consciências.
Lei da justiça 1e do ,amoa:- - o critério desta jus
tiça, independente de qualquer justiça terrestre, é:
querer para os outros o que desejamos para nós mes
mos, com seu corolário já lembrado: amar os outros
como a nós mesmos pelo amor de Deus. Lei de tal
forma fundamental que o maior defeito humano, pa
ra um espírita, é o egoísmo.
Em resumo: sôbre uma metafísica, em muitos
pontos revolucionária, u'o moral cristã tradicional.
62
Saul (1), violando suas próprias defess que, à
véspera de sua derrota, em uma página célebre, de
triste poesia, evoca a sombra de Samuel, pela bôca
da mágica de Endor. Homero, na Odisséia. mostrou
nos Ulisses em ação. No século V a. C., Ésquilo, em
Os Persas, descreve a viúva de Dario, auxiliada pelo
Côro, invocando seu nobre esposo do Reino das Som
bres. Ela preside às libações: leite e mel, óleo, vi
nho. Depois, o Côro inicia um cento selvagem e Da
rio aparece. É preciso pressa, pois êle dispõe ape
nas de alguns instantes, antes de regressar a Hades.
Contràriamente a Samuel, êle não é perspicaz na
morte, e são a Rainha e o Côro que lhe revelam as
desgraças de seu país, a frota dispersada e a fuga
de seu filho Xéres. f:le, porém, deixou uma tal recor
dação de sabedoria que foi por seus conselhos que
o povo se orientou, como antigamente. Os assírios
fornecem-nos exemplos ainda mais antigos; é o herói
Gilgamesch, espécie de Hércules, que faz voltar do
Além seu amigo Enkidu para se entreter consigo e
conhecer a sorte dos mortos. Para os Assírios e os
Babilónios, os mortos eram um sôpro, um vapor. Po
diam tornar as casas assombradas. Os destinos de
nosso mundo eram decididos num outro mundo, os
mortos conheciam nosso destino e podiam dar-nos
conselhos. (5)
Os egípcios criam num «Kho», no qual os eru
ditos viram o duplo perispírito do morto, É êste «Khc»
que êles tentavam reter no túmulo, apresentando-lhe
oferendas. Em certas condições, invocavam os mor
tos para deles obter sonhos premutórios (2)
(1) "A Bíblia" - 1.0 Livro de Samuel, ca. XXVIII, p. 274, tradu
ção do Abade Crampon.
(2) Segundo o Dr. Contenau, Papiros do Louvre 3229 e Papiros
gnóstico de Leyde.
63
A magia evocativa, divinatória, fazia parte, aliás,
da magia propriamente dita e era especialmente
proibida em Israel por perturbar o repouso dos· mor
tos.
O mundo romano, que se entregava, à vontade,
às práticas mágicas, condenou-as em suas leis, a
partir da Lei das XII Tábuas, mas esta não pareêe
visar aos necromantes.
'
O regime imperial, autoritário, não apreciava os
J adivinhos que, tal como os vendedores de filtros e
de encantos, podiam encorajar os ambiciosos ao as
salto do poder: Tibério, Nero, Cláudio, Diocleciano
procederam com rigor, mas sem êxito, como teste
munham numerosos processos sôbre feitiçaria. Em
319, Constantino afirmou: a magia oficial, cerimonial,
praticada nos templos, subsiste. A outra é proibido.
Também não teve êxito. Depois dêle, Teodósio e
Constantino lutaram em vão.
O triunfo geral do cristianismo iria mudar profun
damente êsse clima. A magia só é concebível, com
efeito, com um politeísmo confessando: os deuses são
mais ou menos poderosos, mais ou menos antagonis
tas, nenhum é soberano, logo, pode-se almejar pren
der a Divindade, por encantos mais fortes do que ela.
A prática da magia caminha em sentido contrário ao
da natureza; constrange a fôtça à qual se dirige. O
Deus cristão é único, suporta o conjunto da criação,
é onipotente, infinitamente perfeito e regula a pró
pria Natureza. Tudo o que é contrário à Natureza
deve ser- tido como demoníaco, mau, revolta ímpia e,
aliás, votada ao fracasso e ao castigo. A ordem na
tural é viver, e depois desaparecer na morte: ir ao seu
encontro é um crime contra Deus. A partir dêsse
tempo a magia não desapareceu, nem mesmo a ma
gia por meio da invocação, como veremos. Tornou-
64
se porém, uma ação vergonhosa, apanágio de feiti
ceiras que acabam na fogueira.
Deixemos de lado os terríveis autos dos processos
de feitiçaria e abramos Shakespeare. Macbeth, já
carregado de crimes, vai, numa charneca da Escócia,
reencontrar as três feiticeiras que, outrora, lhe predis
seram tão bem o futuro. As horrendas criaturas, avi
sadas màgicamente de sua vinda, preparavam os sor
tilégios que tomam os Espíritos seus escravos: sapos,
morcegos, serpentes, um ôlho de macaco, uma lín
gua de cachorro, uma pata de lagarto e a asa de
uma coruja, uma escama de dragão, um dente de
lôbo, um maxilar de tubarão, u'cr múmia de feiticei
ra, uma raiz de cânhamo venenoso, a bile de uma
cabra e o fígado de um judeu, galhos de um ciprestre
de cemitério, o dedo de uma criança morta, mais o
sangue de um bugio, o sangue de uma porca que
devorou os crias, e, na lareira, a gordura que gote
jou da fôrca de um assanino.
Tudo isto para invocar o puro Banco, que acaba
va de ser assassinado, bem como a linhagem de
seus filhos, futuros reis da Escócia. O horror desta
cozinha traduz a reprovação que rodeava tais prá
ticas.
Neste sentido, o espiritismo é revolucionário, pois,
revirando bruscamente uma corrente de quinze séculos,
fêz, da invocação dos mortos, uma prática séria, mo
ral, nobre, uma fonte de conhecimentos e até de sa
bedoria: «O espiritismo é uma ciência, uma fi
losofia. . . O estudo da teoria mostra imediatamen
te a grandeza do objetivo e a elevação desta ciên
cia. . . (como) doutrina regeneradora da humanida-.
de» (4). Ou ainda: «O espiritismo é uma coisa res
peitável e sagrada da qual ninguém deve se aproxi
mar senão com recolhimento e piedade. Temido
65
5
no passado como uma emanação diabólica, deve,
atualmente, ser considerado como penhor de Santi
dade» (8). A adivinhação antiga foi ultrapassada:
trata-se de receber uma doutrinação filosófica. A
condenação medieval foi abolida: trata-se de reco
nhecer nossos guias e inspiradores, de ouvi-los, de
nos tornarmos dignos dêles e até mesmo, oh! mara
vilha! trata-se, algumas vêzes, de lhes fazer o bem,
pois nós o podemos: a benevolência que testemunha
mos a um Espírito inferior é um bálsamo para êle.
66
ê um homem como os outros, mds revestido de um
perispírito de propriedades conhecidas, em lugar de
ser revestido de carne. Uma vez analisado o perispí
rito em suas propriedades, nenhuma ação dos Espí
ritos não explicável «fisicamente» pode sê-lo de mo
do sobrenatural.
Eis o que é novo.
Do ponto de vista doutrinal, a questão é comple
xa. A doutrina apresenta, à primeira vista, elementos
tradicionais do ocidente e elementos do oriente.
A educação protestante de Allan Kardec impri
miu sua marca a tôda sua obra. As Escrituras, tã.o
bem conhecidas, foram pessoalmente aprofundadas.
Especialmente essa doutrina que estabelece a comu
nicação entre o Além no mesmo nível com o nosso
mundo é também pouco mística e cerimonial. t co
tidiana, simples, pouco exigente à vista das grandes
escolas contemplativas católicas. Dirige-se inteira
mente para o útil. É individual, dispensa ministros
e qualquer culto, pois a própria invocação exclui
qualquer fórmula sagrada. Sua originalidade está
na importância atribuída ao serviço de outrem: para
esquematizar as idéias, um oficial do Exército da
Salvação segue uma via de aperfeiçoamento, bem
mais produtiva que a seguida por uma carmelita.
O fundo cristão, evidentemente, sofreu profunda
modificação, menos talvez nos livros do Antigo Tes
tamento que no Novo. Jesus é um Espírito de elite,
é evidente, que nos é proposto a todo instante como
modêlo, um Espírito incomparável, o máximo dos
Espíritos sublimes, mas um Espírito como qualquer
homem. O Evangelho é explicado em função da
constituição perispírita do homem e mediúnica de
Jesus. Jesus é médium, toumoturqo e vidente. Os
milagres, as predições, o sacrifício e até a doutrina
67
-•
68
forma. Como a primeira, esta respeitava os acon
tecimentos históricos da tradição sagrada, e como
aquela, exigia o direito de examiná-los livremente
para melhor extrair dêles tôda a riqueza e explicar o
seu mistério. Esta classificação de «protestantismo»
não é uma idéia do nosso espírito. Apesar de algu
mas restrições, quantos elogios Léon Denis não faz
à Igreja reformada!
A analogia não deve ser levada mais longe. A
Reforma admitia uma revelação interior do homem,
em sua consciência (Lutero) ou eu seu intelecto, no
exame dos textos sagrados (Calvino). A revelação
espírita, pelo contrário, é exterior, pois coloca em
cena uma personalidade extra-humana, o Espírito,
e material, pois intervém sob a forma de contatos
perispiríticos. As sutilezas teológicas que dividem
entre si os protestantes e talvez até mesmo cada cons
ciência protestante, o problema da justificação pela
fé, dos sacramentos, não se colocam: os sacramentos
são inúteis, é preciso aperfeiçoar-se pelo esfôrço mo
ral, e tôda criqtura será justificada de acôrdo com as
suas boas ações, seja qual for a sua fé, pois o que
interessa, como nos diz um instinto profundo, é ca
minhar no sentido da criação. O mesmo se dá com o
terrível problema da predestinação: todo homem é
julgado como Espírito, e acabará no seio de Deus,
isto é uma questão de tempo e de dívida Karmica,
que é preciso tratar de saldar e não de aumentar.
Bem entendido, nem todo homem está predestinado
a receber as mensagens espíritas, mas isto é uma
questão de constituição perispirítica, logo, material
e secundária. Nunca o espiritismo ocidental conce
deu aos seus médiuns um lugar de destaque na hie
rarquia espiritual. Cada qual pode alcançar a verda
de através dos médiuns, e isto é o essencial.
69
Os elementos orientais da doutrina - além de
uma grande tolerância - são reconhecíveis sem es
fôrço atualmente: a sobrevivência do Espírito (ou
Atman) num veículo semi-material, a noção de Kor
ma, ou efeitos de nossas ações que persistem até sua
extinção, a passagem das almas desencarnadas para
um outro mundo, e volta para ex terra numa nova en
carnação, até o nirvana, ou beatitude final, isto tu
do faz parte do hinduísmo tradicional, de inspiração
védica (11 e 12).
Teria Allan Kardec conhecimento intelectual dês
te fundo oriental? Podemos responder sim, sem qual
quer hesitação.
Não esquecemos que no Ocidente os estudos
hindus sofreram um eclipse total de, aproximadamente,
quinze séculos. Mas ao tempo em que Allan Kordec
trabalhava e escrevia, êles saíam dêste sono profun
do. Os inglêses foram os primeiros, por razões evi
dentes, a começar seus trabalhos, a partir do século
XVII. Em 1805, Colebrooke publicou o primeiro li
vro em língua européia, um brilhante ensaio sôbre
os Vedas. Um alemão, Rosen, publica, em 1830, a
primeira tradução do Rig Veda. A partir de 1824,
Champollion revela o Egito. Burnouf, primeiro india
nista francês, introduz a literatura sânscrita e budis
ta na França, entre 1830 e 1860. Anquetil Dupeyron,
por volta de 1800, estudou o Iran. Certamente, êstes
conhecimentos não estavam difundidos, como hoje, e
constituíam o apanágio de centros intelectuais.
Admitindo-se que Allan Kardec, homem de es
tudos, não tenha ouvido falar disso, é necessário não
esquecer os , víncul~s que o pensamento antigo, do
qual procedemos, sempre manteve com o Oriente.
A Escola de Alexandria, por exemplo, desempenhou
papel importantíssimo nos primeios passos do pensa-
70
mento cristão. A idéia do perispírito, encontramo-la
formulada explicitamente em Orígenes (século II de
pois de Jesus Cristo), assim como a do progresso
ilimitado das almas, que acabam por fundir-se no
bem e na felicidade. Para êsse teólogo «um só e
mesmo fim último unirá todos os Espíritos criados
no seio de Deus, nosso criador» ( «De principiis, » VI).
As obras gnósticas, de outro lado, sempre circula
ram mais ou menos exatamente reproduzidas. En
fim, nos últimos anos do Século XVII, os escritos anó
nimos, «Coníessío», «Fome frateirnitaiiis», etc, difun
diram em todo Ocidente o pensamento rosacrucia
no impregnado de magia e de Oriente. Em resumo,
não se pode afirmar que o pensamento hindu, pelo
menos em suas grandes linhas e nos seus elementos
representativos mais originais, tenha estado total
mente ausente do nosso mundo ocidental.
Assim, a filosofia espírita, «ditada pelos próprios
Espíritos» bebe o essencial de seus elementos na
fonte ocidental cristã. Dela se afasta pela explicação
dada aos fatos de tradição e aos fenómenos, à luz de
noções orientais, egípcias ou indianas, védicas e
vedânticas. U'a moral tradicional, de tendência ati
va, coroa o edifício.
71
CAPÍTULO IV
73
P - Sentes necessidade de comer e de beber?
R - Necessidade, não, mas vontade sim, sempre ...
P - O tempo, às vêzes, não te parece longo demais?
Não te aborreces?
R - Não, gosto de passear um pouco por aí. Percorro
as praças, os mercados, uma vez ou outra vou espiar a maré.
Isto me ocupa, e bastante ...
2 - Numa sessão espírita íntima que se realizou em casa
de um de nossos colegas da Sociedade (de Estudos Espíritas),
a 6 de fevereiro de 1861, o médium escreveu espontâneamen
te o que segue:
"Quanto maior é o espaço dos céus, maior é a atmosfera,
mais belas as flôres, mais doces os frutos, e as aspirações são
satisfeitas além da ilusão. Salve, nova pátria, salve vida nova,
salve felicidade, amor! Como esta breve parada pela terra é
frágil e como aquêle que exalou o último suspiro deve se achar
feliz, por trocar o Tártaro pelo· céu! Salve, verdadeira baêmia,
salve, verdadeira indolência, salve, sonhos realizados! Adorme
ci alegre, porque sabia que ia acordar feliz. Ah! obrigado aos
amigos pela carinhosa lembrança!"
Henri Murger.
74
amostras do pensamento eram de tom elevado, res
pirando o amor universal, o desprêzo pela matéria e
o respeito pelas leis morais explicadas atrás. As ou
tras eram atribuídas aos Espíritos inferiores: troeis
tas, ignorantes, brincalhões ou mergulhados no êrro
e no sofrimento causados por suas faltas. Graças a
esta precaução, os grandes fundamentos, lançados
entre 1857 e 1869, puderam ser salvaguardados; to
dos os espíritas franceses professam em massa, ainda
atualmente, as teorias filosóficas de Allan Kardec.
Com o correr dos anos, no entanto, importantes
variações apareceram.
Nascido em 1847, Léon Denis, sucessor de Allan
Kardec no papel de patriarca, tinha dezoito anos
quando leu o «Livre des Esprits». Maravilhado, con
sagrou-se desde êsse instante ao espiritismo. De
origem modesto. trabalhou sozinho, leu, refletiu e
acabou por adquirir não somente entre os espíritas,
mas na sociedade «avançada» de sua época, certa
reputação filosófica. Conheceu [oures. Camille Florn
marion. Presidiu aos dois congressos espíritas de Pa
ris de 1900 e 1925 e morreu em 1927, cumulado de
anos e de honrarias. Sua obra (13 a 18) confirmou no
dogma os escritos de Allan Kardec, mas o tempo ha
via mudado. A imensa tolerância dêste foi um pou
co abandonada. Malgrado as lutas do início, jamais
Allan Kardec cessou de estender a mão à Igreja. Em
sua mente, o espiritismo era um cadinho no qual o
Oriente e Ocidente vertiam o melhor de si mesmo pa
ra fundir uma verdade única e universal. Léon Denis
levou as teorias kardecistas a conclusões extremas: a
divindade de Jesus foi explkitamente negada, a reli
gião romana repudiada e transformada em motivo de
escárnio, como a mais culpável deformação das pa
lavras de Cristo, cheias de sentido esotérico. Deve-
75
· mos confessar que o clima não se prestava a concilia
ções! O século XIX acaba, com efeito, no meio de
uma extraordinária efervescência de idéias.
A América, mãe do espiritismo, enviava à Eu
ropa os primeiros evangelistas Mormons (1850), um
pouco mais tarde as primeiras Testemunhas de Jeová
(1879), depois o Adventismo, com a viagem da Sra.
Whit à Europa, aí por 1885, depois a ciência cris
tã, com Mary Baker Eddy, cuja atividade se prolon
gou até 1910. Enquanto isso, a Sra. Blavatsky, de
pois de alguns ensaios no Cairo, em 1871, lançava, em
Nova York, em 1875 e depois em Londres, em 1888,
a Teosofia, filha natural do espiritismo e a respeito
da qual falaremos daqui a pouco. Isto, com referên
cia às correntes «revekicionistos». Sem falar das
filosofias oficiais: a revolução positivista de Augusto
Comte prosseguia seu caminho nos círculos intelec
tuais, antes que Bergson, em sentido contrário, res
taurasse a intuição. Entre a medicina e a psicologia,
num terreno que podia fazer vacilar tôda a filosofia
existente, é preciso mencionar, por volta de 1880, as
pesquisas de Charcot, na «Salpêtáere» e de Du
mont-Pallier, na «Pitié», sôbre os fenômenos da hip
nose. Mais tarde, as descobertas psico-fisiológicas
de Ribot, de Pierre Janet . . . Do lado materialista
e social, o manifesto comunista de Karl Marx, publi
cado em 1848, penetrava lentamente nas massas tra
balhadoras. O socialismo ateu de Jules Guesde opu
nha-se aos tímidos ensaios do catolicismo social de
La Tour du Pin e Albert de Mun. Acrescentemos, ain
da, a recrudescência da atividade maçónica, vaga
mente deísta, ritualista e imbuída de cientismo. A
Igreja, sentindo seu prestígio ameaçado, sua autori
dade negligenciada ou discutida até no seio dos fiéis
ignorantes, que até então a seguiam de olhos fecha-
76
dos, lançava anátemas pelos lábios dos pregadores e
redobrava de intransigência.
De "O Akhbar", jornol de Argel, no dio l O de fevereiro
de 1863: "S. E. o Bispo de Argel ocoba de publicar, para a
quaresma de 1863, uma carta pastoral que trata do espiritismo,
assunto muito em voga atualmente, a respeito do qual o clero
da África até aqui vinha guardando silêncio.
É 'o demônio que dita a filósofos de renome essas doutri
nas malsãs de dois princípios iguais, o bem e o mal, governando
com a mesma autoridade, mas em sentido oposto, o espírito e
a matéria; do materialismo, que dó valor só ao corpo e nada
admite para além do túmulo; do ceticismo, que tudo duvida; do
fatalismo, que desculpa tudo, negando a liberdade e a respon
sabilidade humanas; da metempsicose, da magia e da invocação
dos Espíritos, tristes e vergõnhosos sistemas que inteligências
desorientadas procuram reviver em nossos dias ...
Que lamentável história não se poderia escrever a respeito
dos cometimentos diabólicos, a datar do cenáculo, principiando
da sina_goga e dos truques de Simão, o MáQico, para cheqor, atra
vés de perseguições, de cismas, das heresias e das incredulida
des de tôda espécie, ao espiritismo de nossos dias, tão tolamen
te renovado do paganismo anterior a Moisés, e por êle justa
mente acusado como uma abominação diante de Deus!"
77
reduzimos os profetas da antiga lei ao nível dos médiuns, colo
camos no lugar certo o que foi indevidamente elevado, e re
tificamos um sentido desnaturado. E ainda mais, se nos fôsse
exigida uma escolha, daríamos de bom grado preferência ao
que escrevem diàriamente os médiuns de agora e não ao que
escreveram os médiuns do Antigo Testamento." (19)
A Teosofia
Como o espiritismo tinha se metido no terreno
da Igreja, a teosofia, por seu lado, interferiu com o
espiritismo. Sem dúvida, os teosofistas não repelem
os espíritas, mas consideram-nos dum ponto de vis
ta superior. Um fato sintomático: existe em Paris uma
Casa dos Espíritas ou Centro Espiritualista, e uma
Sociedc;rde Teosófica, cada qual em seu bairro. (])
As duas organizações possuem, em parte; os mesmos
conferencistas e, numa certa medida, o mesmo públi
co curioso de ocultismo, sob tôdas as suas formas.
Mas não se confundem.
A Sra. Heléne Blavatsky, russa e viúva, viveu
nas Índias onde, segundo disse, foi iniciada no ocul
tismo. Depois de curta estada no Cairo, em 1871, foi
para Nova York onde suas manifestações espíritas,
como levitação, dança das mesas, escritos, etc. des
pertaram grande curiosidade. Ela, porém, tinha am
bição diferente: queria possuir, como médium; a ce
lebridade das irmãs Fox. Após haver espantado
multidões e seduzido, com seu poder, poderosos per
sonagens, publicou suas revelações, transmitidas, se
gundo ela, pelos seus mestres hindus: ao têrmo dessas
revelações, os poderes supra normais corriam parelha
com a iniciação esotérica. O Coronel Alcott testemu-
78
nha desses prodígios, declarou: « Vi se reproduzirem
à vontade, em pleno dia, por intermédio de uma pes
soa que estudou as ciências ocultas na índia e no
Egito, os fatos mais espantosos da arte dos rnédiuns» .
A partir daí, a Sra. Blavatsky fundou, em 1875, em
Nova York, a Sociedade Teosófica e redigiu sua dou
trina «Isís dévoilée». «La C1é de La 'Iíhéosophiie» e a
«Doctrirse Secrête» em seis volumes. Baseava seus co
nhecimentos sôbre o estudo de textos hindus, secre
tos e muitos antigos, anteriores mesmo a qualquer tex
to conhecido, como as «Stcmces de, Dzy,an» e sôbre
a meditação estática. Fiel até o fim ao seu sistema,
criou -um centro iniciador em Adyar, Índia Inglêsa.
Depois dela, Annie Besant, inglêsa, espírito ao mes
mo tempo prático e apaixonado, completou a doutri
na com suas experiências pessoais e classificou os
teósofos em uma hierarquia maçónica. O grau da
iniciação de cada adepto marcava sua posição na
Loja. A maleabilidade e a disciplina desta instituição
permitiram que a Teosofia fôsse consideràvelmente
divulgada, sempre sob a Iérulo de Annie Besant, mor
ta em 1933.
Trata-se, como se vê, de uma forma anglo-saxô-
. nica das idéias espíritas, como Allan Kardec havia en
carnado a escola francesa. O espiritismo, tal como era
praticado pelas irmãs Fox, reduzido a exibições, não po
dia sustentar por muito tempo o interêsse que suscitara
no comêço. Mas Allan Kardec salvou o espiritismo
em sua originalidade essencial: as camunicações com
os Espíritos que ensinavam, êles próprios, com a auto
ridade da experiência, a doutrina supraterrestre. Qual
era o lugar dos Espíritos entre os teósofos? Em que
medida a doutrina hindu, revista num país anglo-sa
xão, correspondia à dos espíritas?
79
Uma primeira diferença: a cosmogonia, muito
complexa e formalmente emanatista: «Assim, foi
dito numa escritura sagrada oriental, havendo pene
trado todo o universo com um fragmento de mim mes
mo, eu permaneço.» (20) A divindade suprema en
volve-nos, suporta-nos, penetra-nos, mas nada co
nhecemos dela, pois tudo está em seu seio, matéria
e espírito. Esta maneira de falar, dualista, está cheia
de erros; tudo é matéria ou tudo é espírito, é a mes
ma coisa.
No comêço, o Todo-Poderoso manifestou-se em
uma única substância material: o éter. Após um pe
ríodo que excede a imaginação, êle introduz, nesse
éter, a sua respiração (Aum); assim nasce a matéria
fundamental, substância física impregnada de ener
gia. O Brahma supremo comunica-se, em seguida, a
várias divindades ou Logos, emanações de si mes
mo: cada Logos se transforma em nebulosa solar. O
Sol é o corpo físico do nosso Logos.
Num dado momento, cada Logos solar, ainda
sob a forma não dividida de nebulosa, mistura a ma
téria primordial por meio de sucessivos torvelinhos,
condensando-a diferentemente a cada impulso. O
primeiro mundo formado, o mais leve e menos den
so, é o mais imaterial. O segundo reune átomos
mais pesados e assim sucessivamente. O sétimo é
o nosso mundo sensível. Cada mundo sutil penetra
no sistema, pois os átomos leves circulam livremente,
e são filtrados através dos espaços deixados livres
pelos átomos mais pesados da matéria física. Cada
nebulosa solar se. acha, assim, constituída de sete au
réolas de matéria cada vez mais pesada, ficando no
centro a mais pesada, o mundo físico. Embora esta
nebulosa se fragmente em seguida em planêtas, cada
um dêstes leva consigo suas sete esferas de matéria
80
cada vez mais sutil. De agora em diante, falaremos
destas esferas, ou planos, com relação à terra, não
ignorando que todo planeta, do nosso sistema solar
ou de outro (pois existem milhões) possui outros
tantos.
Distingue-se:
- o plano divino;
o plano monódico;
o plano espiritual;
o plano búdico ou da intuição;
- o plano mental;
- o plano astral ou emocional;
- o plano físico.
Cada um dêles, possuindo sua estrutura parti
cular de matéria, tem ondulações próprias. Uma
oscilação mais pesada implica uma molécula mais
pesada, logo um mundo mais material. Com êste sistema
ondulatório, os habitantes do nosso mundo físico,
por exemplo, construídos para ·vibrar às oscilações
da oitava física, são geralmente surdos e cegos aos
outros mundos que, entretanto, nos penetram por
tôdas as partes.
A alma humana é uma centelha que escapou do
mundo monódico, parcela da alma global do uni
verso. Quando o homem deve nascer, sua alma aban
dona o plano monódico e deve atravessar os vários
planos, cada vez menos sutis, antes de alcançar a
terra. Em cada um dêsses planos, sua alma se reveste
de um envoltório de acôrdo com êsse plano. Os três
primeiros, os mais elevados, lhe dão, em seu con
junto, o corpo c ausial. Depois, sempre descendo, êle
1
81
6
seio de sua mãe humono, um corpo de carne. O cor
po mental lhe serve para emitir os pensamentos de
sinteressados, mas concretos. O corpo cstrcl, ou cor
po de desejo, contém os impulsos materiais, as pai
xões, tôda a afetividade motora dos órgãos físicos e
regístra as emoções que daquêles resultam.
Na morte, o homem abandona o corpo físico e,
desde logo/ por uma série de mortes sucessivas/ vai
exaurir o resultado de suas ações e de seus pensa
mentos nos diversos planos de que êles derivam.
Revestido de seu períspíríto, esgotará suas emo
ções e suas paixões carnais no plano astral. Se viveu
muito, durante a vida material, seu corpo astral será
vigoroso e o reterá por muito tempo. É neste estado,
tão inferior, que se manifestam os Espíritos como o
entendem os espíritas. Onde estão os nobilíssimos
ditados de São Paulo, de São Luís, de Sócrates ou
de Cakya Muni? São unicamente os Espíritos pesa
dos de matéria, impotentes para se desprender que
giram em tôrno dos homens no pleno astral, o mais
próximo do nosso. "
Quando se extinguem as fôrças do corpo astral,
desejos inúteis, o homem morre nesse plano e ascen
de ao plano mental, onde encontra uma vida tão
longa e tão elevada quanto maior foi o seu empenho
em ter desenvolvido, na terra, as tendências corres
pondentes. Aí encontra afeições puras, suas buscas
desinteressadas; aí a existência é só inteligência e
puro amor. Os planos astral e mental são êles pró,
prios divididos em sete subplonos, mas a alma hu
mana não é filtrada através de cada um dêles: al
cança diretamente· o subplcno ao qual seu grau de
evolução lhe dá direito.
Enfim, o próprio corpo mental caí e o homem se
encontra com seu corpo causal, nos planos superio-
82
res. Aí reina tanta luz e, na grande maioria, estamos
tôo longe de uma tal pureza de alma, que permane
cemos inertes e quase inconscientes, como privados
de vida. E é precisamente o instinto vital que. con
duz o homem para uma outra descida no plano físico,
em sua nova encarnação.
A formação dos mundos, dos continentes e das
raças é complexa e nos afastaria do objetivo do nosso
estudo.
A concepção de Deus, da matéria, do gênesis,
difere muito da concepção clássica ocidental, de tra
dição judaico-cristã, da qual o espiritismo é herdeiro.
A viagem da alma entre duas encarnações não é a
viagem espírita. Os Espíritos em manifestação são
qualificados como inferiores, e andam pagando o
seu grande agarramento à Terra. A teosofia con
dena explkitamente a invocação dos mortos (21): es
ta prática atrai porct junto dos homens os elementos
desencarnados mais materiais, os mais grosseiros,
os mais perniciosos, as «Larvas»; as almas mais ele
vadas passam ràpidamente do astral para o mental.
Quanto aos mortos recentes, que é possível chamar,
porque atravessam obrigatoriamente o plano as
tral, a circunstância de fazê-los voltar ao plano fí
sico é contrária à sua evolução, retarda seu acesso
aos planos superiores e à beatitude. O maior mal
que se pode fazer a um ente amado que morre é pre
cisamente chamá-lo à terra.
Somente num detalhe, espíritas e teosofistas se
encontram. Léon Denis, em «CrustiatmSme et Spiritis
me» (16), Annie Besant, em seu «Chistirmísme ésoté
ríque» atribuem cos Evangelhos um sentido secreto,
esotérico, de origem hindu, que Jesus teria conheci
do através dos Essénios.
83
Espiritismo e Teosofia, doutrinas próximas e lon
gínquas, em todo caso, interferentes.
O cco-doísmo
Nascido na Cochinchina, o cao-daísmo (22 a 25)
representa umà forma extremo-oriental do espiritis
mo profundamente original, enxertada numa civili
zação pouco mística dada ao culto dos antepassados
e à magia, apoiada sôbre uma filosofia mista de
tauísmo e de budismo bastante vago: o espiritismo
aí se expandiu com rapidez. Subitamente, por volta de
1926, assumiu aspecto religioso e político. Atualmente,
possui seus templos, seu clero, seus fiéis, seus ofícios,
sua Revelação - suas alianças, suas hostes, exatamen
te ao contrário do espiritismo ocidental que sempre quis
ser racional em suas concepções, independente de
todo poder como de qualquer religião.
Foi nas margens do Gôlfo de Sião, em 1919, que
Ngo-Van-Chieu, funcionário anamita do govêrno da
Cochinchina, recebeu, pela primeira vez, uma men
sagem do Espírito Cao-Dai. Ngo-Van-Chieu já se
entregava à prática das mesas dançantes desde 1902,
mas a doutrinação de Cao-Dai pareceu-lhe de uma
elevação sem par, pràpriamente divina. A 24 de
dezembro de 1925, Cao-Dai manifestou-se bastante
longe desta região, a um grupo saigonês de funcio
nários anamitas, também espíritas praticantes. Apre
sentou-se como uma hipóstase de Jesus Cristo, indi
cando a seus adeptos sua primeira testemunha, Nqo-'
-Van-Chieu. Esta mensagem fundou a seita dos pri
meiros adoradores de Cao-Dai.
Alguns meses mais tarde aconteceu um milagre.
Um industrial de reputação duvidosa, bebedor, li
bertino e opiômano, às portas da bancarrota, reçe-
84
beu em Cholon, no decorrer de uma sessão espírita
a missão de dirigir a nova seita dos cao-daístas. Es
tupefato, depois tocado pela graça, Le-Van-Trung
mudou radicalmente seu método de vida, abandonan
do ao mesmo tempo seus antigos prazeres e seus ne
gócios, para se consagrar à sua nova missão. Al
gum tempo depois, o grupo Ngo-Van-Chieu recebeu
ordem de reconhecer como chefe êsse Le-Van-Trung,
de reputação vergonhosamente célebre. Os primeiros
cao-daístas ficaram tão surpresos quanto inquietos.
O milagre, porém, aconteceu e a incrível conversão
de Le-Van-Trung confirmava os intentos celestes sô
bre o novel chefe do cao-daísmo. A 7 de outubro
de 1926, Le-Van-Trung fêz, ao Governador da Co
chinchina, a declaração oficial do seu movimento.
O êxito foi rápido. Em 1927, os fiéis eram cêrca
de cem mil. Hoje, são perto de duzentos e cinqüenta
mil, dos quais um bando de vinte mil homens criado,
mais modestamente, sob a égide japonêsa, em 1943.
Excluiremos do nosso estudo, como assunto estra
nho ao caso, os aspectos políticos da atividade coo
daísta, embora bastante importantes (1). Mas é pre
ciso saber que terríveis rivalidades pessoais dilace
raram logo a nova religião. Existem, pelo menos, seis
seitas dissidentes de certa importância, das quais a
primeira teve por chefe Ngo-Van-Chieu afastado, con
forme vimos, por Le-Van-Trung. Cada cisão existente,
abalou as bases do movimento, não tanto pelos rom
pimentos, mas principalmente pelas acusações le
vantadas contra os chefes. Houve escândalos, casos
de simonia, denúncias apresentadas em 1933 ao Tay
-Ninh, a «Santa Sé» cao-daísta, sôbre trapaças, des
vio de salários, vendas fictícias de terrenos, etc. An-
(1) Assinalaremos que, após haver servido os japoneses, os
cao-daistas se aliaram à causa de Bao-Daí, no Congresso de Cantão.
em março de 1947.
85
tes dêsses contratempos, Le-Van-Trung teve tempo de
dar uma hierarquia ao seu clero e construir, na «San
ta Sé», um templo de um valor considerável e de
uma arquitetura policrômíco de grande efeito, inou- .
gurado em março de 1927. Morreu êle em 1934, dei
xando a sucessão a Pham-Cong-Tac, que é, ainda,
na hora atual, o papa do eco-doismo.
Antigo funcionário, Le-Van-Trung deu aos seus
fiéis um enquadramento administrativo. Além do
papa, os grandes dignitários escalonavam-se assim:
- um grão-mestre dos Ritos e ministro da Jus-
tiça;
três cardeais suplentes;
três arcebispos principais;
um arcebispo principal do sexo feminino;
seis bispos femininos;
- oitenta e dois arcebispos e bispos masculinos;
- cêrca de seis mil padres, sacerdotisas e pe-
quenos curas ecônomos.
Nem todos os ·adeptos são igualmente iniciados.
O grau superior, ou «Thuonqthuo» é, geralmente, o
dos religiosos. O grau inferior ou «Ho-thuo» é o dos
leigos.
Além do grande templo da «Santa Sé» e dos tem
plos de aldeia mais modestos, os cao-daístas possuem
uma residência papal, uma casa para os viajantes,
uma tipografia, uma central elétrica, uma biblioteca,
um templo dos Espíritos femininos, um abrigo de ve
lhos, um curso de catecismo, um local de comunica
ção com os Espíritos, etc. O templo cao-daísta, de
uma construção alegórica, abriga essencialmente a
«Lâmpada Thoi-Cuc», símbolo não revelado de Deus.
É uma esfera oca, .em vidro ou em tecido esticado,
transparente e azul. Uma luz eterna brilha no inte
rior. Sôbre êste símbolo da matéria, Deus está pre-
86
sente sob a forma de um ôlho desenhado, cercado
de raios e de constelações. As preces rituais cotidia
nas são feitas perante êste altar, às 6 horas, meio-dia,
18 horas e meia-noite. Muito irregularmente sôo rea
lizadas festas que consistem em oferendas simbólicas
de incenso, de flôres, de álcool de arroz, e de infu
são de chá, acompanhadas de saudações a tôdas as
divindades e da adoração de Cao-Dai.
As práticas espíritas são, paro a massa, a princi
pal atração das cerimónias. Os médiuns titulares
caem em transe no meio de preces. A «corbeille à
bec» ( 1) prescrita pelo próprio Cao-Dai, treme entre
seus dedos, depois desenha hieroglifos com água
de cal sôbre a mesa das evocações. As mensagens
são sempre sutis e alambicadas, por vêzes bastante
desdenhosas da forma. Prudente, a novel religião
regulamentou sua Revelação. Conforme explica a
«Revista Coo-Doisto» de fevereiro de 1931, para pre
servar seus fiéis da poluição dos espíritos inferiores
sempre à espreita, Cao-Dai escolheu seus médiuns,
em número de doze. Somente êstes, no templo, sob
o contrôle dos sacerdotes, podem fazer a invocação
ritual. Embora não estejam presos à ascese religio
sa, é-lhes recomendado abster-se de álcool e de car
ne, afastar-se das mulheres e consagrar-se o mais
possível à meditação.
O conteúdo filosófico do cao-daísmo é simples e
constitui uma cópia do espiritismo ocidental.
A necessária unificação das religiões, êsse so
nho kardecista, é lembrado em primeira plana. Cao
Dai fundou, levando em conta as raças e as épocas,
cinco «Crcndes Caminhos» que conduzem à Verdade:
- o confucionismo;
- a religião dos Génios;
87
- o cristianismo;
- o tauísmo;
o budismo.
O mundo atual, todavia, tende para a sua unifi
cação, e aqui intervém ainda Cao-Dai para fundir
essas cinco religiões em uma única e univer
sal. Deus é assistido, na administração do mundo,
por três auxiliares: o GuE,rreiro, o Papa E, a Deusa.
Vêm, depois, todos os santos, sábios, os «boddhitsot
vos», os grandes homens de diferentes civilizações,
até Joana d'Arc, até Victor Hugo, revelado aos fiéis,
em sua eminente dignidade celeste, por uma mensa
gem de 22 de maio de 1927. Gabriel Gobron nos
diz: «A aliança espiritual das religiões do Oriente
e do Ocidente aí se afirma a cada passo, a todo ins
tante, pois os pagodes cao-daístas estão franqueados
à veneração de Cristo, de Buda, de Lao-Tseu, de Con
fúcio, de Maomé, e de todos os mensageiros de Deus
sôbre a terra, sejam êles espíritas (Victor Hugo, Ca
mille Flammarion) ou benfeitores da humanidade».
(22)
Como o espiritismo, o cao-daísmo é monoteísta,
e, sôbre esta base, aberto a tôdas as grandes reli
giões. Como o espiritismo, êle se baseia na sobrevi
vência, no karma e nas reencarnações sucessivas.
Como o espiritismo, êle é a terceira revelação da lei
divina, desta vez após Cakya Muni e Cristo. Esta
terceira revelação não tem necessidade de uma nova
encarnação divina: estamos na idade dos médiuns.
O cao-daísmo tem algnus representantes na Fran
ça. Além de Gabriel Gobron, «Instrutor credencia
do do coo-deísmo em França», professor, historiador
do movimento, jornalista, espírita ativo e cao-daísta
convicto, falecido a 8 de julho de 1941, existe uma
pequena célula em Paris e outras em Nantes.
88
Difusão
Ao falarmos do princípio do espiritismo em Fran
ça, citamos grandes nomes: a aristocracia, a nata in
telectual e burguesa, e até mesmo alguns religiosos
se debruçaram com interêsse sôbre os novos proble
mas. Não se deve acreditar, no entanto, num espiri
tismo de salão. A voga das reuniões mundanas ao
redor de uma mesinha redonda passou, como tantas
outras, e a alta sociedade divertiu-se com outras coi
sas (26). Alguns escândalos puseram em dúvida a
honestidade de médiuns célebres e o receio de cho
car os sentimentos religiosos dos convivas ou de ser
logrados por subterfúgios grosseiros, afastaram lo
go as donas de casa dêste perigoso passa tempo.
O espiritismo propagou-se, entretanto, como um
rastilho de pólvora. A «Reviist1a Bspírit1a» dá-nos conta
da existência desde 1858/59, de sociedades espíritas
em Bordeus, Lion, Metz, Tours, Poitiers, Angers, Biar
ritz e até de uma Sociedade Africana de Estudos Es
píritas, de Constantine. A «Reviste Espírita» de março
de 1854 publica correspondência recebida de Cons
tantinopla, da Ilha Maurício e do Rio de Janeiro. Em
1861, Allan Kardec, nessa mesma revista, comunica
nos a existência de grupos trabalhadores de espíritas já
ativos, trazendo à nova revelação a seriedade e a fé
que se podem esperar das massas trabalhadoras.
«Revista Bspírit,a», de outubro de 1861:
89 _
to seus pois em ouvir nossos palavras. Isto não é tudo: o nú
mero de metamorfoses morais entre os operemos é quase tão
grande quanto o número de adeptos. Viciados reformados, pai
xões acoimadas, ódios apaziguados, lares arranjados, em uma
palavra, os virtudes mais cristãs desenvolvidos. . . Não há en
tre êles uma fé vulgar, mos a fé que se baseia numa convicção
arraigado, razoável El consciente."
(Resultado de uma visita de Allen Kardec aos grupos lio
neses, e especialmente, aos grupos de Saint-Just, de Brotteaux,
etc.)
90
revelações um tom taumatúrgico e conheceu, como
curador, êxito prodigioso (1). Não conseguiu s.opitar
o desejo de fundar uma seita, o Antoinismo, da qual
tornou-se o «Pai». Suo doutrina, das mais vagas,
kardecista com tintura de evangelismo e ocultismo
elementar, é coroada por uma moral em todos os pon
tos tradicional. O essencial do seu êxito residia na
imposição das mãos, acompanhada de uma prece
que sempre fazia efeito se a pureza do operador e do
operado fôsse suficiente. Em 1910 colheu, na bacia
mineira belga, mais de cento e cinqüenta mil assina
turas de simpatizantes. O Antoinismo, atualmente,
conta com perto de cento e cinqüenta mil adeptos. O
núcleo principal continua na Bélgica, com algumas fi
liais na França, na Alemanha e na Inglaterra (25).
Entretanto, não é o meio proletário que oferece,
hoje, ao espiritismo, a maioria de seus adeptos. No
fim do Século XIX e no comêço do Século XX, o triun
fo da agitação social e das greves, que conseguiram
as primeiras medidas de humanidade e de proteção
dos trabalhadores, conduziram para o materialismo
marxista a massa da classe operária.
Restava, e ainda resta, a imensa classe das pes
soas tão livres quanto possível, tanto do esnobismo
mundano, como da tirania materialista. As sessões
espíritas de tôda e qualquer espécie reunem essen
cialmente representantes da burguesia, até mesmo a
mais humilde, como empreqcdos, burocratas, artesãos,
funcionários, comerciantes, aposentados, muitas mu
lheres, quase sempre idosas, todos os que, em suas pre
ocupações cotidianas, esperam um auxílio e um con
sôlo espirituais. É preciso, aqui, distinguir:
(1) Ver os médíuns curadores, p. 39. Com excessão dos Antoí
nistas, não falaremos do espiritismo taumatúr'gíco: seria preciso um
estudo considerável para esgotar o assunto da medicina "espiritualis
ta" no século XIX.
91
A teosofia congrega tanto os mais apaixonados
do ocultismo como também os mais instruídos. A
doutrina teosófica não é simples. Ela pode permitir
a todos o acesso aos grandes segrêdos, mas dêles
exige estudos longos e árduos, o abandono do mun
do e até um ascetismo rigoroso, para a aquisição dos
poderes supra normais. Quem pode palmilhar êste
caminho? E para falar de uma coragem mais aces
sível, quem pode se vangloriar de haver lido a «Doe
trine Secrête», da Senhora Blavatsky, de fio a pavio?
A freqüência das salas de teosofia revelem um pú
blico sério, amante da reflexão e do estudo, quase
sempre apaixonado por uma forma especial de pes
quisa, como a grafologia, a astrologia, a quirologia,
uma vez que «Tudo está em tudo», como diz Annie
Besant. As salas espíritas, ao contrário, estão reple
tas de tôdcs as angústias da vida, quando não são
sacudidas por uma curiosidade inesgotável e bas
tante mórbida pelos fenómenos, sempre os mesmos
e eternamente novos. Com o coração aos saltos, os
infelizes enxergam, nas manifestações espíritas, a
prova tangível do Além consolador, e esperam uma
palavra, uma revelação que os guie. Mulheres ar
rancadas aos maridos, mães privadas dos filhos, aí
estão, ansiosas, ávidas, procurando o fio diretor da
vida, que perderam. Poderiamas citar lugares, da
tas . . . A diferença entre os amadores da teosofia
e os espíritas praticantes, com relação à experiência
direta, é sensível.
Em 1927, Charles Richet (27) avaliava os espíritas
espalhados pelo mundo, em três ou quatro milhões,
os quais publicavam e liam cêrca de cento e cinqüen
ta jornais espíritas. Em 1943, o Dr. Philippe Encau
se (43) calculava em seiscentos mil somente os espí
ritas franceses que se interessavam por êste proble
ma. É impossível aproximarmo-nos mais da verdade,
92
porém, de acôrdo com a nossa experiência, essa ci
fra nos parece pequena, pois pensamos num milhão,
pelo menos. É preciso, realmente, nos lembrarmos
não só dos espíritas «cultos», dos assinantes de revistas
e freqüentadores de bibliotecas espíritas, de conferên
cias e de cenáculos conhecidos, mas também dos
Círculos íntimos, «burgueses», em tôrno de um mé
dium benévolo que é um amigo. Êsses freqüentado
res não se exibem e suas reuniões, extraordinària
mente esfalhadas, poderiam passar por reuniões de
«bridço».
93
CAPÍTULO V
95
fera dos séculos passados, inclusive na magia. A
interpretação espírita dos fatos paranormais jamais
será de natureza científica.
A cada passo, um sábio como Freud fala de coi
sas das quais confessa quase tudo ignorar (28). Pa
ra êle, o inconsciente, o subconsciente, são revelados
por fragmentos, por ocasião de alguma nevrose. Êle
agiu quase corno um cego, construindo uma hipótese,
verificando-a pela ação que poderia ter sôbre um
doente naquela linha de pensamento. Apesar deste
mistério quase absoluto, ninguém terá a idéia de
contestar a qualidade de homem de ciência de
Freud. Mas se Freud houvesse dito: «Tal doença
revela a presença de uma entidade estranha no cor
po de tal doente», êle teria saltado o muro e passa
ria para o espiritismo. Deus sabe se o próprio terre
no de suas observações não poderia conduzi-lo para
lá! Na realidade, porém, a distância era enorme,
o salto prodigioso.
É êste o falso problema do espiritismo, a eterna
querela.
Já estudamos a construção espírita. Antes de
abordar o exame crítico dos fatos de base, é necessá
rio distinguir uma poderosa corrente dissidente, de
intenção científica: a corrente metapsíquica.
96
ver uma fôrça sobrenatural, uma alma, empreqor sua
energia perispirítica para levantar móveis ou pa
ra fazer toques fantasistas. O Dr. Locard chegou a
dizer: « Visto sob o aspecto da dança dos móveis, o
Além aparece como um quarto de crianças ou como
hospício.»
Precedidas pelos trabalhos de Broíd, em 1841, as
investigações de Charcot, na «Solpêtriêre», e de Du
montpallier, na «Pitié» (29), puseram em relêvo, na
hipnose histérica, o apagamento da personalidade
habitual e o aparecimento de uma nova personali
dade. Impressionado, o próprio Léon Denis, começou a
levar em consideração essas interpretações médicas.
tle narra o caso de uma jovem, muito inteligente,
Alma X. . . atacada por uma moléstia em conseqüên
cia de esgotamento. Havendo perdido o apetite e as
fôrças, jazia sempre prostrada no leito. Nessa oca
sião, surgiu nela a personalidade n? 2, que se dizia
natural da Índia e tinha, com o primeiro «eu», os
maiores cuidados, como, por exemplo, comer por êle
e encorajá-lo a se tratar. Em dados momentos, surgia
a personalidade nº 3, do gênero brincalhão, mas
sempre atraente, e que agradava à primeira. Que
tentação fazer intervir dois Espíritos falando pelos
lábios da jovem! Léon Denis, porém, resistiu ao de
sejo, contentando-se com a explicação psiquiátrica
do caso.
O médium Dunglas Home deixou-nos um depoi
mento inestimável. O Dr. Phili.ps Davis, que tratou
dêle durante os três últimos anos de vida, conser
vou a narrativa da seguinte entrevista:
97
7
"Para que fazes isto? perguntei-lhe. Não sabes que é
inútil te apegares à existência de Espíritos que sàmente exis
tiram pelo poder dêsse admirável cérebro que ordena à maté
ria inerte: "Faça isto", e ao qual esta obedece? A Antiguidade
colocou-o no número dos semi-deuses!"
Eu sabia como prendê-lo e o elogio foi-lhe agradável, pois
me respondeu:
"É verdade que esta multidão de Espíritos, diante da qual
se ajoelham as almas crédulas e supersticiosas jamais existiu!
Pelo menos eu nunca os encontrei à minha frente. Servi-me
dêles para dar às experiências a aparência de mistério que, em
todos os tempos, satisfez as massas e especialmente as mulhe
res, mas nunca acreditei na sua intervenção nos fenômenos que
eu produzia e que todos atribuíam a influências do outro mundo.
Como poderia crer nisso? Sempre fiz os objetos, aos quais in
fluenciava com meu fluido, falar tudo quanto quis! Não, um
médium não pode crer nos Espíritos; êle é, mesmo, o único
que não pode, jamais, acreditar nisso! Como o cntiqo drúida
que se ocultava num carvalho' para fa.zer ouvir a voz temida de
Teutates, o médium não pode crer em sêres que existem unica
mente por sua vontade."
Após haver pronunciado essas palavras com esfôrço e como
se monologasse, calou-se. . . Quando voltou a si, disse-me:
"Não publique isso antes que eu morra." ( 1)
(1) Dr. Philips Davis - "La fin du Monãe des Esprits", citado
por Mainage, bíblíogr. (5).
98
Procuraram ligar os fenómenos espíritas é, em porti
cular, os fenómenos físicos, a uma propriedade es
pecial, até então desconhecida do psiquismo huma
no. Mens agit1at molem. lembrou Flammarion. Me11:1S.,
aqui, no sentido lato, de «faculdades psíquicas» e não
mentais. As faculdádes mediúnicas revelam-se sem
pre nos sêres pouco desenvolvidos, por vêzes iletra
dos, (como Eusapia Paladino, analfabeta, e incapaz
de articular algumas palavras em francês, depois de
vários anos de estada na. França). Elas podem ma
nifestar-se na infância, atingindo o máximo na ado
lescência (Florence Cook tinha dezessete anos) para
desaparecer em seguida. A adolescência não é uma
idade mental importante, mas um momento crítico da
vida física e psíquica. ·
A posição científica era delicada, Camille Fkrm
marion não a desconhecia:
"De um lodo, os céticos não abandonam a sua negativa,
convencidos de que conhecem tôdos os fôrços do natureza, de
que todos os médiuns são forçantes e de que os experimentadores
não sobem observar. Do outro, os espíritos crédulos, que ima
ginam ter Espíritos constantemente à suo disposição numa mesa,
e que invocam, sem pestanejar, Platão, Zoroostro, Jesus Cristo,
Santo Agostinho, Carlos Mogno, Shakespeare, Newton ou Napo
leão, vão me insultar mais uma vez, afirmando que me vendi
ao Instituto por uma ambição inveterada e que não ouso con
cluir o favor do identidade dos Espíritos poro não contrariar
amigos ilustres. Êstes, como os primeiros, não ficarão satisfei
tos."
99
Florenco C ook que materializou pctra E§ le o fontcsmo
Katie King durante três anos.
Foram tomadas ds mais severas precauções con
tra a fraude: os «rcps» as levitações, a mudança de
objetos, os sons espontâneos de instrumentos musi
cais, as materializações, as esculturas à distância se
sucederam.
A incapacidade de concluir cientlficcrnente e
também, sem dúvida, as razões sentimentais, lutos
dolorosos dificilmente superados, conduziram, final
mente, a moiorio dos estudiosos para os braços do
espiritismo. Lombroso, Aksakof, F. Myers, Oliver Lod
ge, confessaram-se publicamente espíritas. Camille
Flammarion hesitou durante muito tempo, tendo ofír
mado, pensativamente, após uma sessão com o mé
dium russo SaÍnbor, em maio de 1902:
"Não posso deixar de me sentir enternecido ao pensar no
russozinho Sombor. O ex-empregado dos telégrafos, emagreci
do pelos seis ou sete invernos passados em São Petersburgo, teria
sido o escolhido pelo natureza ceoc poro ser o intermediário en
tre o nosso mundo e o duvidoso Além? Ou pelo menos um ou
tro mundo de sêres cujo natureza preciso - que não se zan
guem os espíritos - serio para mim um enigma, se eu nisso
crêsse rea I mente."
100
racional e fundaram uma ciência metapsíquica, total
mente diferente do espiritismo. Sob o impulso de
Charles Richet, na França, secundado por seus ami
gos, os Drs. Geley, Osty, Gibier e vários outros, criou
se em Paris um Instituto Internacional de Metapsíqui
ca, teatro de longas e apaixonantes experiências.
Neste sentido, em Londres, em 1882, sob a égide de
Sigdwick, professor de Filosofia Moral em Cambridge,
abriu-se o «Institut for Psychical Research». Nos Esta
dos Unidos, em 1930, o Departamento de Psicologia
da Duke University empreendeu uma série de pesqui
sas sôbre os videntes, sob a direção do Prof. Rhine.
Essas investigações escapam do nosso objetivo, pois
rompem nitidamente com o espiritismo e se colocam
num ponto de vista científico, quanto mais não seja
para apresentar uma interrogação.
Na hora atual, evidentemente, a corrente me
tapsíquica se enfraquece cada dia que passa e não
mais perturba os espíritas praticantes. Fatos sintomá
ticos: o Centro Espiritualista e o Instituto Internacio
nal de Metapsíquica constituem, ambos, uma funda
ção Jean Meyer, mecenas que as dotou de um sun
tuoso prédio e uma biblioteca. O Centro Espiritualis
ta é um formigueiro, mas o Instituto de Metapsíquica
cerrou suas portas da Avenida Niel ( 1).
Para um Alexis Carrel, que sustenta (33) a exis
tência de fatos de telepatia e de fôrças desconhecidas
no homem, quantos Jean Rostand, assegurando, repe
tidas vêzes, a inexistência dêsses mesmos fatos? (34
e 35). Isto, sem dúvida, por duas razões:
O trabalho dos antepassados não trouxe muito
esclarecimento sôbre a questão. Discerniram-se cl-
101
guns dados, discutiu-se, mas não se pode explicar
verdadeiramente nada. E essas doutrinas, com ex
ceção das freudianas, suas' vizinhas - combatidas,
elas próprias, por psiquiatras contemporâneos - não
produzem tratamentos e, portanto, não são nem fe
cundeis, nem verificáveis em seus efeitos. Tais estu
dos conduzem a conclusões mais filosóficas e metafí
sicas que verdadeiramente científicas. Desde logo
perdem seu valor e entram em concorrência com o
sistema espírita, que é cómodo.
Finalmente, ninguém quer passar por tolo. A
fraude dos médiuns, freqüente, provada, mas tão di
fícil de ser percebida, é, certamente, o grande escô
lho. Os homens de boa fé afastam-se, inquietos. É
fácil aos irónicos crivar os investigadores com seus
sarcasmos. Risco difícil de aceitar!
102
porta! Nesta mesma ordem de idéias, a necessida
de de uma obscuridadé quase completa para a pro
dução da maioria dos fenômenos de materialização
e para vários efeitos físicos, assim como o isolamento
do médium atrás de uma cortina, produzem natu
ralmente desconfiança.
Os casos de vidências, já o sabemos, compor
tam erros. Nada mais fácil que colocar as asser
ções ex-a tas na conta de coincidência, da sorte e da
lei do maior número. Charles Richet sempre afastou
esta objeção, com uma paciência inesgotável, mas
nem todo o mundo se convenceu. (1)
A escrita automática não é um «fato espírita»,
mas um exemplo clássico, em psiquiatria, de desdo
bramento de personalidade. Que dizer das inumerá
veis comunicações que descrevem os Espíritos, sua
vida anterior até mil anos antes de nossa época, si
tuações e personagens históricos? Minúcias exatas,
assimiladas pelo médium durante suas leituras ou
seus contatos mundanos, caídos em sua memória
subconsciente, ressurgem, misturados ao romance cria
do, com tôda boa fé, por sua imaginação. Ê preciso
não esquecer, com efeito, que a faculdade rnediúni
ca pressupõe, geralmente, um certo estado histérico.
A leve embriaguez do «segundo estado» faz passar
tudo, e os assistentes sómente desejam crer. (2)
Vem, finalmente, a fraude característica do mé
dium. Só ela encheria vários volumes. Deve ser bas
tante antiga, contemporânea dos primeiros fatos es
píritas. Em 1857, Allan Kardec termina seu «Livne dies
Médiwms» com o capítulo: «Charlatanismo e trornóícs».
103
«Fraudes, «topioçôss», falcatruas, v,e füacarias, tra
paças e mistificicações», escreve Flammarion em lon
go capítulo de um de seus estudos (30). Todos
os espíritas, todos os metapsíquicos convictos fala
ram disso, quanto mais não seja para desprezá-los
com indignação e estcbelecer a diferença com os
fenómenos autênticos.
Vejamos, porém, os fatos.
O «New York Hemld», de 24 de setembro de 1888
publicou uma entrevista de Margaret Fox, na qual
esta dizia: « Vou lhe contar a história do espiritismo,
desde a sua verdadeira fundação. Quando isso co
meçou, Katie e eu éramos crianças e essa senhora
idosa, que é nosso irmã, aproveitou-se de nós. Nos
sa mãe era uma tôlo, uma fanática. Refiro-me a ela
nestes têrmos porque era de boa fé e acreditava nes
sas coisas. Nossa irmã servia-se de nós nas exibi
ções e embolsava o dinheiro.»
Depois, Katie Fox: «O espiritismo é, do principio
ao fim; uma trapaça. É a maior falcatrua do século.
Magie e eu kmçcmo-nos em seus braços como crian
ças, muito jovens e inocentes para saber o que fa
zíamos. Nossa irmã Leah tinha vinte e três anos.
Atiradas nesse caminho de mistificações e, encoraja
das por ela, continuamos.»
Com espantosa confirmação, Margaret Fox or
ganizou, em 21 de outubro de 1888, na Academia de
Música de Nova York, uma reunião, durante a qual,
trepada numa caixa de ressonância, produziu todos
as «rops» que quis, usando os dedos do pé. ·
Pode-se ficar espantado diante desta mania de
verdade que se opoderou das irmãs Fox, ao fim de
sua carreira. Como quer que seja, elas acabaram
sucessivamente em 1892 e 1893 na miséria, na desor
dem e no deboche alcoólico.
104
A teosofia, no seu comêço, não teve melhor sor
te. A Senhora Blavatsky foi desmascarada pela «So
ciety for Psychical Reseorch», de Londres, e acusa
do de mistificação em seus fenômenos de escrita.
Êste acontecimento .foi confirmado por um grupo de
íntimos seus. Cometeu ela a imprudência de inten
tar um processo, que perdeu, pois os peritos em gra
fologia, unânimemente reconheceram como suas as
mensagens «espíritas». (25)
Todos os grandes médiuns fizeram trapaças. O
próprio Dunglas Home, freqüentador da alta socie
dade, e que trabalhou diante de Napoleão III, foi sur
preendido, em Biarritz, em 1860, simulando conta
tos com o pé recoberto por uma luva, tendo sido con
vidado á deixar o país. Eusapia Paladino, uma das
mais condescendentes às exigências dos experimen
tadores, foi, por duas vêzes, surpreendida em flagran
te delito. Na primeira, aos 16 de novembro de 1898,
durante uma sessão em casa de Flammarion, ela
atraiu a si um pêso para papel. . . com um cabelo.
A segunda vez aoonteceu em 1906 e Gustave Le Bon,
a êste respeito, fêz um relato a seu amigo Flamma
rion:
"Por ocasião de sua estada em Paris, consegui com que
Eusapia realizasse três sessões em minha casa. Pedi a um pe
netrante observador, meu conhecido, o Sr. Dastre, membro do
Academia de Ciências e professor de Fisiologia da Sorbonne,
que assistisse às experiências. Também o meu preparador, o
Sr. Michaux, esteve presente.
Além da levitação da mesa, vimos, por diversas vêzes, e
quase em pleno dia, u'o mão aparecer, primeiramente a 1 cen
tímetros mais ou menos abaixo ela cabeça de Eusapia, depois
ao lado da cortina que a cobria parcialmente, a 50 centíme
tros, aproximadamente, do seu ombro.
Para a segunda sessão, organizamos métodos de contrôle,
que foram decisivos. Graças à possibilidade de se produzir,
atrás de Eusapia, uma claridade, por ela ignorada, pudemos
105
ver um de seus braços hobillssimomente subtraído à nosso ob
servação, alongar-se horizontalmente por trás do cortina e to
car o ombro do Sr. Dostre e, numa segunda vez, dor uma pal
mada na minha mão.
Concluí mos, por essas observações, que êstes fenómenos
nodo tinham de sobrenatural." Em seguida o esta noto, Gus
tove Le Bon declarou-me verbalmente que, poro êle, tudo é
uma fraude nessas experiências."
106
fia Transcendental», fundada por Emmanuel Vauchez
e presidida pelo Dr. Fóveau de Courmelles, tendo, por
finalidade, «encorajar e recompensar as fotografias
dos sêres e' das irradiações do espaço». (36) (1). O
testemunho da fotografia, embora possa afastar a hi
pótese de uma alucinação coletiva, parece-nos, ver
dadeiramente, uma fonte de truques e de erros muito
fácil para ser retida. O próprio Richet diz: «A dupla
exposição, que qualquer fotógrafo, por menos mali
cioso que seja, pode produzir, dá o perfeita ilusão
de um fantasma ou de uma figura materializada».
(31) Mas, até a nossa época, até a «Recviist,a Espírita»
de janeiro-fevereiro de 1954, vêem-se experimentado
res ensaiar, sem desccnso. células infravermelhas
ou ultravioletas, câmaras múltiplas, de angulos sà
biamente calculados. . . Os espíritas contam, no en
tanto, a história do jovem lorde, desesperado com a
morte da amada, que após vários meses de prostra
ção, se dedicou à arte fotográfica e, tirando uma fo
tografia de uma janela do castelo.. . aí descobriu
sua bem-amada, suspensa no ar, envôlta em longos
véus! A . semelhança era notável, malgrado uma leve
tremura, que se podia atribuir ao seu novo estado
desencarnado. Passada a primeira emoção, o jovem
percebeu que havia utilizado um velho filme, meio
usado, mais ou menos velado.
A veracidade das materializações suscita graves
problemas. Têm sido desmascaradas fraudes gros
seiras. A sra. Williams, médium americana, recebida
em Paris, em 1894, na casa da Duquesa de Pomar,
e em contato com a melhor sociedade, foi descoberta
em flagrante, quando agitava cabeças de madeira
107
pintada, rodeadas de véus. O caso de Florence Cook
materializando Katie King, merece porém ser exami
nado (1).
· O Padre Mainage (5) apresenta contra ela dois
argumentos, concluindo que Florence Cook traiu;
Perante a Associação dos Espíritos de Londres, em 1880,
uma Sra. Comer, adormecida e amarrada a uma cadeira, fazia
aparecer o Espírita de uma criança morta há doze anos. De
súbito, um espectador, cujo fluido provàvelmente não era sim
pático, interpõe-se entre a aparição e a clássica cortina, cui
dadosamente fechada. Aberta esta, surgiu uma cadeira vazia:
o Espírito e seu médium eram apenas uma mesma e única en
tidade de carne e osso. Quem era, então, aquela Sra. Comer?
Florence Cook, a antiga médium de Sir William Crookes,
108
início do sessõo, cpresentondo o aparência de um ser comple
tamente insensível. Não se moveu quando tomei-lhe o mão e
cheguei o luz poro perto do rosto, continuando a respirar tron
qüilomente.
Alçando a lâmpada, olhei ao redor e vi ICatie que se.
encontrava de pé, próximo do Sta. Cook e atrás desta. Trajava
vestido branco e esvoaçante, como a víramos durante a sessão.
Segurando uma das mãos da Sta. Cook nas minhas, e ainda
ajoelhado, suspendi e baixei a lâmpada, tanto para clarear to
do o rosto de Katie, como poro me conyencer, plenamente, que
estava vendo a verdadeira Katie e não o fantasma de um cére
bro doentio. Ela nodo falou, mas moveu a cabeça em sinal de
reconhecimento. Por três vêzes diferentes examinei a Sta. Cook
deitada diante de mim, para me certificar que a mão que
segurava, era reolmente a de uma mulher viva, e nesses
três diferentes vêz es, volvi a lâmpada para Katie, a fim de
examiná-la com uma atenção que sustentei até que não tives
se m,ais a menor dúvida de que ela alí estava à minha frente.
No fim, a Sta. Cook esboçou um ligeiro movimento e, imedia
tamente Katie, fêz-me sinal para que me afastasse. . . (30)
109
do prestidigitador, os meninos eram constantemente
solicitados a verificar seus bolsos, suas mangas,
seus aparelhos ou mesmo a colaborar nas mágicas.
Tudo aparecia e desaparecia aos nossos olhos: o
copo com água, a vela acesa, o lenço de sêda e até
uma grinalda de lâmpadas elétricas acesas! A esca
moteação, às vêzes, não é tão perfeita. Em 1901, a
Princesa Karadja apresentou, em sua casa, uma mé
dium alemã, Anna Rothe: um amigo de Flammarion
(que não assistira à sessão) desmascarou a médium,
que retirava galhos de sob as saias, para jogá-los no
salão, e tirava, do seu corpinho, laranjas «ainda
quentes»! (30)
Colinon (25) lembra, com humor, que o público
gosta de quimeras e não acredita nunca que o seu
mágico seja um escamoteador. De qualquer forma,
a prestidigitação tem seus limites. O Sr. Minville de
dicou-se, em seu tempo, a distinguir os domínios da
prestidigitação e da vidência pura. Robert Houdin,
ilustre prestidigitador, acedeu em acompanhá-lo à
casa de Alexis, famoso médium de hipnose, onde
foram feitas várias experiências de adivinhações, a
princípio com baralhos novos fornecidos pelo próprio
Houdin, depois com assuntos de família. Em seguida,
Robert Houdin escreveu as duas seguintes cartas:
"Sinto-me no dever de declarar que os fatos relatados abai
j
xo (a relação das experiências) são da mais completa exatidão
e que, quanto mais sôbre êles reflito, mais me vejo impedido
de colocá-los entre os que fazem parte de minha arte e de
meus trabalhos."
4 de maio de 1847. a) Robert Houdin.
Quinze dias mais tarde:
Senhor,
Como tive a honra de lhe dizer, fui a uma segunda ses
são ontem, em casa de Marcillet, oinda mais maravilhosa que
llO
a precedente, e que não deixa dúvida algum,a sóbre o lucidez
de Alexis. Fui a essa sessão com a idéia preconcebida de vi
giar a jôgo de cartas, que tonto me impressionara. Desconfian
do de mim mesmo, fiz-me acompanhar de um de meus ami
gos, cujo temperamento colmo, podia apreciar tudo friamente
e estabelecer uma espécie de equilíbrio paro o meu julgamen-
to ...
Voltei dessa sessão tão maravilhado· quanto poderia ficar,
e persuadido de ser totalmente impossível que o acaso ou a
destreza possam produzir efeitos tão surpreendentes.
Recebo, Senhor, etc ...
a) Robert Houdin (37)
lll
também o receio de decepcionar e o orgulho de sus
tentar uma reputação.
O amor próprio não é, aliás, o apanágio dos mé
diuns sàmente.
D'Arsonvol, durante uma sessão do Instituto Psicológico
de Paris, contou espirituosamente a história do grande Ampere
que, numa das suas experiências de eletricidade diante de uma
comissão acadêmica, como a agulha do aparelho não andasse,
contràriamente ao que êle antecipara, e desejando, a todo custo,
pô-la em movimento, empurrou-a liqeiram:ente com o dedo.
Tempos depois, repetindo a mesma experiência, agora com êxi
to, disse triunfalmente, mostrando a agulha: 'Desta vez ela
está andàndo sàzinha!" (31 ).
112
CAPíTULO VI
A Igreja Católica
Os fatos, mesmo naquilo que apresentam de mais prodigio
so, parecem-nos fora de constestação: quem os nega, fá-lo
apenas para escgpar a conclusões que teme. Atribui-los indis
tintamente à intJ'posturo, parecendo admiti-los, é ainda negá-los.
As teorias que se esforçam por explicá-los por um impulso mus
culor consciente, são incompletas, gratuitas, pueris, contrárias
à experiência. As . agitações puramente físicas ao conta to
das mãos poderiam provir de uma emanação vital. Mas os mo
vimentos que nenhuma influência real do homem pode deter
minar, as manifestações intelectuais que ultrapassam a capaci
dade humana, escapam a esta interpretação e acusam a pre
sença de motores invisíveis, que somente podem ser os maus
Espíritos. '
113
8
dísrboliques» (38). Tôdo a posição da Igreja se con
tém nessas poucas linhas.
Já em 1853, o Bispo de Viviers, mais tarde Car
deal Guibert, Arcebispo de Paris, assinalava o cará
ter e os perigos das mesas que giram. Após alguns
meses de intervalo, coube a palavra ao Bispo de Mans,
teólogo, e aos Bispos de Autun, de Cambrai, de Ruão,
de Marselha, de Verdum, de Abil, de Rennes, de Or
léans, de Dijon e de Poitiers. As «Revistas Espíri
tas» de 1862/63 estão repletas de indignação contra
os ataques cotidianos e violentos que, do alto do púl
pito, caíam sôbre o espiritismo. Em seus estudos, os
Abades Bautain, Thibaudet, Lecanu, Poussin e os
Padres Matignon e Pailloux, apoiados por uma coar
te de leigos piedosos, os Srs. de Benezet, de Mirville,
etc., chegaram à conclusdo que tudo não passava
de intervenção diabólica.
A Igreja jamais abandonou essa linha de condu
ta, tão e=do adotada. Se ela admite a produção
fraudulenta de muitos fatos espíritas, reconhece, po
rém, um «resíduo» irredutível, que condena vigoro
samente como obra do demónio. (5).
O clero, em conjunto, seguiu a hierarquia, e os
sacerdotes imprudentes que, a princípio, foram atraí
dos pelas mesas giratórias, abandonaram qualquer
cantata com os Espíritos. Há uma exceção, men
cionada org'úlhosamente pelo Livro de Ouro dos pio
neiros do espiritismo: o Abade Rocca, «cónego tole
rante e profundamente caridoso que, no congresso
espírita de 1890, tomou a palavra para afirmar suas
crenças espíritas e cristãs.»
A reação religiosa foi ainda mais forte no estran
geiro que na França. O Arcebispo. de Quebec foi o
primeiro a assinalar e condenar as práticas espíritas
quase no início, em 1854, numa ordem detalhada que
114
teve grande repercussão no mundo católico. Seu ra
ciocínio é simples: quem pode responder por intermé
dio da mesa? Não a própria mesa, inerte e destituída
de inteligencia. A alma dos mortos? Mas os eleitos não
abandonam sua beatitude para satisfazer nossa vil curi
osidade. Os danados também não, retidos, como es
tão, sob a garra do demónio. As almas do Purgató
rio também não, separadas de nós de tôdcs as manei
ras pela vontade de Deus e para as quais apenas
podemos suplicar a clemência divina. E então? E então,
resta o próprio diabo as legiões de demónios que zom -
bam da credulidade e da imprudência dos homens,
chegando até a ditar comunicações de um tom ele
vado, a fim de atrair os ingénuos para a queda. E
conclui, em latim: «Quem se diverte com o diabo ja
mais será admitido a alegrar-se em Jesus Cristo.»
Aos 4 de agôsto de 1856, o Tribunal da Inquisi
ção romana dirigiu aos bispos de todo o mundo uma
carta condexondo solenemente os «abusos do mag
netismo».
Em 1861, uma remessa, feita por Allan Kar
dec, de trezentos volumes de suas obras e de diver
sas publicações espíritas a Maurice Lachatre, livrei
ro em Barcelona, foi apreendida pelas autoridades
eclesiásticas, que efetuavam naquele tempo, em Es
panha, o policicmento das livrarias. O Bispo de Bar
celona ordeôcu sua queima pública, em um auto-de
fé medieval:
f
115
"Frogm ents d'une sonete dietée por l'Esprit de Mozart";
"Lettre d'un cotholique sur 1e espiritisme'", pelo Dr. Grand,
"L'histoíre de Jeanne D'Arc, dictée por elle-même à Mlle.
Ermonce Dufau;
" La réolité des esprits démont'rée, par l'écriture d!irecte",
pelo Barão de Guldenstubbe.
Assistiram ao auto-de-fé:
--,- um padre envergando os hábitos sacerdotais, levan
do a cruz em u'a mão e, na outra, uma tocheira;
- um notário, encarregado de redigir o processo verbal
do auto-de-fé;
o amanuense do notário;
- um funcionário superior da Alfândega;
- três empregados da Alfândega, encarregadas de man-
ter o fogo;
- um agente da Alfândega, representando o proprietá
rio das obras condenadas pelo Bispo.
Uma multidão considerável enchia os passeios e cobria a
imensa esplanada, onde se levantou a fogueira.
Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e publica
ções espíritas, o padre e os ajudantes se retiraram ...
- "Revista Espírita", novembro, 1861.
Sôbre o Espiritismo
24 de abril de 1917
116
Em sessão plenário foi perguntado aos Eminentíssimos e
Reverendíssimos Senhores Cardeaes, Inquisidores Gerais da Fé
e dos Costumes:
Se é permitido, por um médium, conforme é chamado, ou
sem médium, usando ou não hipnotismo, assistir a qualquer ma
nifestação espírito, embora esta apresente aspecto de honesti
dade ou de piedade, quer interrogando as almas ou Espíritos, quer
escutando-lhes as respostas, quer como observador, mesmo com
a afirmação, tácita ou expressa, de não desejar nenhum trato
com os Espíritos malignÕs.
Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Padres responderam
NÃO a tôdas as perguntas.
No dia 26 do mesmo mês, S. S. Benedicto XV aprovou a
resolução dos Eminentes Padres que lhe foi submetida.
(Texto latino em Colinon) (25)
O ocultismo hindu
117
com o veículo tântrico que atigimos o ocultismo hin
du na sua fórmula mais completa.
Para a Igreja, o espiritismo é obra do Maligno.
Quanto à tradição tântrica é um êrro, ou melhor,
uma série de erros, em parte corrigida na teosofia.
"A alma pensa, sofre, e vive", disse Allan Kcrdee por di
versas vêzes (3). E Annie Besante encarece: "O Espírito aparece
como vontade, sabedoria, atividade criadora." (39)
118
da um contém uma de suas «consciências»: sua de
composição sucede à do corpo físico. A consciência
do homem é, pois, um fenómeno temporário e variá
vel que acompanha a vida, também temporária, de
cada um de seus envoltórios. É de notar, também,
que a viagem do Além é feita em sentido inverso da
das escolas ocidentais. Segundo os «Livres du Bardc»
o homem percebe primeiro, após a morte, a «Branca
Luz» e a, felicidade, em um instante brevíssimo, an
tes de ser atraído para baixo pela lembrança de suas
emoções e de seus pensamentos carnais.
Dizer que o atman, êsse «nada», êsse reflexo, não
se modifica em sua passagem pela vida encarnada
não é, entretanto, completamente certo. Quanto, no
máximo do seu despojamento, êle abandonou o últi
mo corpo de sua última encarnação, os corpos sutis
que recriou para descer novamente à Terra não são
insensíveis: são êles que lhe dão, em cada plano, seu
karma. Os conjuntos energéticos não são os de sua
precedente existência, pois os elementos pertence
ram a outros corpos, inclusive, a coisa é possível, a
corpos animais ou até mesmo, vegetais. É sob esta
forma complexa que muitas escolas hindus entendem
a metempsicose. Poder-se-ia dizer, por comparação,
que o atman é igual a um diamante, cujas faces se
riam polidas sucessivamente na medida da experiên
cia adquirida. E isto talvez indefinidamente.
O problema da individualidade permite-nos to
car numa diferença fundamental entre o Oriente e o
Ocidente. Êste tem a tendência de dar ao pensa
mento e à personalidade, uma importância primor
dial. Nos escritos espíritas, a coisa é explícita: o pen
samento e a alma são uma e a mesma coisa, ela é
o seu· atributo essencial. A tal ponto que o homem,
mutilado em seu cérebro, provação kármica, de nas
cença ou acidentalmente, é privado sómente do ins-
119
trumento de exteriorização, de formação comum, de
seu pensamento, e sofre por esta privação. (3). Aos
olhos dos psicólogos e dos psiquiatras, esta afirmação
é, a1iás, fantasista.
Para o Oriente, ao contrário, o pensamento é ma
téria, função de u@ órgão e dependente do testemu
nho dás sentidos. O mental é um espelho das atra
ções diversas que dividem o homem, um gerador de
imagens. O essencial da ascése do ioga é justamen
te destinado a vencer êsse mental atulhado de re
presentações materiais, a esvaziá-lo de seu conteúdo
que impõe suas fantasmagorias à consciência do
homem. É êle, aliás, que transforma a impressão
cenestésiccr de unidade - temporária - em um con
ceito falaz da personalidade. Acreditar que o ser
sobrevive sob sua forma pessoal e pode falar legi
timamente como indivíduo consciente e «centraliza
do», é apenas uma ilusão vulgar.
O conhecimento búdico não é dado pelo pensa
mento. O espiritismo incita tôdas as. almas, encar
nadas ou não, a trabalhar para se instruírem, e o
aperfeiçoamento moral com o consôlo do karma de
ve se acompanhar de um aperfeiçoamento das con
cepções intelectuais. Para a sabedoria hindu, po
rém, não se trata disso, mas sim de fixar a fôrça dis
ponível no homem ou «kundclini», habitualmente des
pendida pelo sexo, em um centro de vidência frontal,
justaposto à glândula pineal. Nesse momento, no si
lêncio da afetividade e do mental, a função de vidên
cia, pwdigiosamente dinamizada, permite ao iogue
coincidir com as esferas mais elevadas que têm sob
seu domínio o conjunto do cosmos. Nesse momen
to simultâneamente êle «vê», êle «sabe» e êle «pode».
É a iluminação.
120
A vidência, no sentido em que a entendemos, é
um fenômeno espalhado, que não requer o ditado
de um Desencarnado. Cada homem possui seus cor
pos sutis de seu karma e seu destino, como seus pen
dores, está inscrito em seus «duplos». O sábio, o
«rishi» sabe. ler o duplo dos vivos: é tudo. Em ma
téria de · fatos físicos o ocultismo hindu conhece to
dos os prodígios, dos quais dá conta o espiritismo.
J
Como Home, que conservava entre as mãos e contra
o rosto tições acesos sem se queimar ( 1), os adeptos
atravessam de pés nus extensas fogueiras cheias de
brasas. (31). Como Home, ainda, que podia alongar
seus membros, 25 centímetros e mesmo mais (31),
Alexandra David-Neel contou-nos a história daque
la feiticeira tibetana que esquecera, em casa, sua
colher do festim do sabr.d. «Mãe, disseram-lhe as ou
tras feiticeiras, basta alongar o braço para pegá-la»,
e imediatamente o braço da feiticeira alongou-se do
cemitério, onde festejavam, até sua casa, e pegou a
colher. (41). A levitação é um incidente cotidiano
da meditação profundo. Êsse domínio da matéria é,
geralmente, o prêmio de um certo grau de iniciação.
Fato típico: os lamas escondem os prodígios de que
são capazes e conservam essa fôrça preciosa, · de na
tureza psíquica, ao serviço de sua evolução poste
rior. São os faquires, os pequenos feiticeiros, os ini
ciados de grau inferior, que os gastam em «mágicas».
E se essa fôrça se difunde para o exterior, espontâ
neamente, como no caso de nossos médiuns involun
tários, é uma desgraça e uma fraqueza para o indi
víduo. (36)
121
Quanto à invocação dos mortos - salvo em ca
sos precisos e limitados de necromancia de intenção
mágica - os «Brohmos». corno dizem os espíritas, a
evitam rigorosamente. Que é a alma dos mortos?
Envoltórios alucinados, um cadáver em potência. O
espiritismo conhece bem essas alucinações. Se o
prudente Allan Kardec não lhes concedeu grande
lugar em suas obras, certos livros espíritas falam dês
te assunto longamente. «La Survie», de Rufino Nog
gerath, entre outros, coleção de comunicações apre
sentadas tal qual foram recebidas, regorgita de ce
nas penosas, em que o morto revive perpetuamente
êste ou aquêle episódio decisivo de sua vida encarna
da: a feiticeira da Idade Média revê seu suplício, o
suicida seu suicídio, o assassino o seu crime, o aci
dentado seu acidente, o soldado morto vagueia no
campo de batalha. E até mesmo a religiosa, obriga
da pelos seus a tomar os véus, revê eternamente a
hora dolorosa de sua separação do mundo. A dou
trina presta, diflcilmente, conta desses horríveis e
persistentes sonhos. Se o suicida e o assassino so
frem assim seu karma, por que razão as vítimas eter
nizam, elas também, seu sofrimento imerecido? O
prolongamento da «confusôo espírita» não se justi
fica mais para além de um certo limite.
O que nós, terrenos, atraímos a nós, é o envoltó
rio alucinado, o cadáver astral, o «preta» (36) hindu,
o «ob» dos antigos hebreus (1). Em todos os casos
há um centro de fôrças más que se esgota na vio
lência e no êrro. Fôrças errantes, que só desejam se
aglutinar aos vivos, suficientemente loucos para os
chamar: «Todos os casos de possessão que precisei
desfazer, dizia-se um adepto da ciência tântrica, to-
122
dos sem exceção, tiveram origem na prática do espi
ritismo».
Ficaremos por aqui nesta pesquisa que se pode
ria levar muito longe. Não é fácil encontrar-se na
tradição hindu uma condenação formal do espiritis
mo e de suas práticas. Os Tanttas são alusivos e,
como os Vieidas, constituem uma compilação de ma
gia, subentendendo uma doutrina completa, dada ou
silenciosamente transmitida do Mestre para o discí
pulo. Os diferentes Livres du Bardo sã.o pouco mais
explícitos. A crítica precedente precisou apoiar-se em
indianistas, professôres como L. Renou e von Glase
napp, viajantes, como Alexandre, David Neel ou Mar
ques Riviêre, vulgarizadores como Albert Schweitzer,
René Guenon e Jean Herbert. Esperamos não haver
traído, neste rápido apanhado, o sutil pensamento
hindu. ·
O espiritismo e ,a medicina
Não é a primeira vez, nestas páginas, que o es
piritismo e a medicina se encontram. Já vimos os
metapsiquistas, quase todos médicos, apaixonarem
se pelo estudo das eventuais faculdades desconheci
das do homem. De um outro ponto de vista, os efei
tos do espiritismo sôbre a saúde de quem o pratica,
especialmente sôbre sua saúde mental, não. tardaram
a alertar o corpo médico (43).
O grito de alarma foi dado, desde o início, em
algumas anotações esparsas na obra de Allan Kar
dec e, mais vigorosamente, por Léon Denis e, depois,
pela Sra. Blavatsky:
"Os fluidos pesados e malsãos (dos Espíritos inferiores) al
teram o estado geral da saúde dos médiuns, perturbam seu jul
gamento e sua consciência e, em certos ccsos, levam à obses-
123
são e à loucura." 04). E, mais preciso, Héléns Blovatsky:
"Os melhores, os mais poderosos médiuns sofreram, todos êles,
em seu corpo ou em sua olmo. Lembrai-vos do fim deplorável
de Ch. Forster, morto de loucura furioso num hospício, Recordai
vos de Slcde, epilético; de Eglington, o principal médiu do
Inglaterra, que neste momento, sofre do mesmo mal. Vêde,
ainda, o que foi o vida de Dunglos Home. . . Eis, enfim, os
irmãs Fox, os mais ontiqas médiuns, as fundadoras do espiritis
mo moderno. Após mais de quarenta anos de convivência com
os "Anjos", tornaram-se, graças a__ êles, loucas incuráveis." (44)
124
tal Louis Staudenmaier, que ficou para sempre deli
rante, após uma única sessão de escrita automá
tica. (47)
A passividade mediúnica é tão real, que não ·se
pode, nunca, ser, ao mesmo tempo, médium e hipno
tizador. Os dois temperamentos são ontinômiccs. Se
gundo um médico, Allan Kardec, caráter vigoroso,
de uma vontade poderosa, tinha tôdas as qualida
des de um excelente hipnotizador: êle projetava sô
bre seus médiuns um pensamento tão forte que tô
das as mensagens kardecistas apresentam . evidente
semelhança. Jamais, porém, Allan Kardec captou,
pessoalmente, uma só mensagem, isto é fato conheci
do.
O espectador também está sujeito a perigos. Os
débeis mentais aderem ao espiritismo por credu
lidade pueril e expõem-se ao delírio de caráter demo
nopático. Os desequilibrados, freqüentemente inteli
gentes, mas de vontade instável e discernimento fra
co, arriscam-se à exaltação e ao delírio de imagina
ção. Os esquizóides, enfim, dissociados da vida prá
tica e voltados para si próprios, encontram no oculto
o alimento de sua vida solitária (1). Em resumo, .:i
prática. do espiritismo anima a predisposição para
as perturbações mentais . E coube ao Dr. Marcel
Viollet descrever excelentemente a composição psi
quiátrica do salão espírita: (48) os débeis, vencidos
pela existência, que se entregam ao espiritismo como
à consolação suprema, sem freios, sem discernimen
to, acreditando em tudo, prontos a tôdas as obses
sões. . Os paranóicos, suscetíveis, orgulhosos, odio
sos na vida social, são atraídos como por um espe
táculo «nos salões escuros, em que os Espíritos se
125
invocam e onde se guardam, intatos, com o incóg
nito, seu orgulho íntimo e sua suscetibilidade, que
não é ferida pelos Espíritos». Os escrupulosos, os
tristes, os tímidos «chegam na obscuridade, silencio
sos, tranqüilos quando não são olhcrdos»: a melanco
lia os tocaia. Finalmente, os nevropatas, com tendên
cia para a crise larval de histeria,- de sonambulis
mo espontâneo ou fàcilmente provocável, simulado
res de bom grado, sentem-se, nas sessões, um possí
}
;! vel centro de interêsse. Podem tornar-se «assuntos»,
auxiliares do médium ou os próprios médiuns. Muitas
mulheres agitam-se, assim, ativas, importantes, mi
litantes, embaralhando tôdas as idéias.
O delírio espírita é mais geralmente alucinatório:
alucinações visuais, auditivas, olfativas, gustativas,
cenestésicos, genitais, psico-motoras, estas últimas so
bretudo de forma gráfica e verbal (escrita e palavra
automáticas). Um exemplo de alucinação cenesté
sica?
Os Espíritos roem-me o cérebro, declara um doente obser
vado pelos Drs. Levy Volensi e Henri Ey. Isto doe muito. Te
nho buracos no cérebro. Êles fazem sulcos e buracos nas vér
tebras da coluna vertebral. A traquéia está furada em baixo.
Tenho uma bôlsa com água podre perto do ânus. (43)
126
igualmente convencidas, que sustentam ter sido, cada qual, a
mais querida espôso do mesmo- augusto personagem. De minha
parte, tive a honra de encontrar pelo menos doze Maria Ante
nietas, seis ou sete Maria Stuarts, uma porção de São Luís e ou
tros reis, uma vintena de Alexandres e de Cesar. . . mas nun
ca um simples São João! (43)
127
CONCLUSÃO
129
li
Ê «Le Soir», de Bruxelas, que publica esta no
tícia, em seu número de 6 de abril de 1954: em Carne-.
rino, pequena cidade italiana, publica-se um jornal,
«L'Auzio,ra», com uma tiragem de mil e quinhentos .
exemplares, inteiramente ditado pelos Espíritos. Doze
espíritas da localidade, reunidos num Círculo, rece
beram a ordem de fundar êsse jornal, sem ter qual
quer idéia do que fôsse jornalismo. Os Espíritos pro .. .••...
meteram, então, ajudá-los.
Depois disso, tôda quinta-feira realiza-se a ses
são. Os «terrenos» trazem os artigos que preparam e,
através do médium, recebem a censura e as indica
ções do Além. Existem vários redatores celestes, al
guns bastante eminentes. Dentre êstes, Dante em
pessoa. Êle dita um poema: «Da tenia CllO céu», em
tercetos, como a «Divina Comédie», nessa língua difí
cil, antiga e rebuscada que é bem a do Florentino.
D'Annunzio dirige sempre mensagens à Itália, em seu
estilo complexo e imaginoso. Por fim, o próprio Duce
se revela, não sem estardalhaço, com b estilo, o tom,
a estridência de voz do tribuno e até com seu sem
blante, que transparece na fisionomia do médium
que se transfigura naquele momento. E o jornalis
ta conclui pensativamente: «Mesmo que o leitor não
tenha mais confiança do que eu nos espíritas e no
espiritismo, não deixará, contudo, de sorrir ao pensar
que, entre tantos jornais, eis um que vem do «outro
mundo», através do mistério do pensamento humano
que a análise não está próxima de esgotar ... »
130
BIBIJOGRAFIA SUMARIA
131
( l 5) Apres la mart.
( 16) Christianisme, et spiritisme.
( l 7) Le preblême de I'être et la desta·née.
( 18) Synthese dbctrin,al,e et pratique du spiritism.e..
(19) Alexandre Bellemare - Spir·ite et chrétien - Dentu,
ed. Paris, 1883.
(20) C. W. Leadbeater - Précis de théosa,phie, Publications
théosaphiques, Paris, 1913.
(21) De Campigny - Les baditions et les doctrines ésotéri
ques, edit. Astro, Paris, 1946.
(22) Gabriel Gobron - His~oire du ece-dersme, Edit. Dervy,
Paris, junho de 1948.
(23) Chochod - O•ccultisme et magie en Extrême,Orient Cin
de, lndochine et Chine), Payot, Paris, 1949.
(24) Devillers - Histoire du Viet-Nam (1940-1952), Edit. du
Seuil, Paris, 1952. ·
)25) Mourice Calinon - Foux prophêtes et seeres d'aujourd/hu!
Paris, Plon, 1953.
(26) Gabriel Delanne - Le spiritisme devant la science, edit.
Jean Meyer, Paris, 1927.
(27) Dr. Charles Richet - Notre sixiême sens, edit. Montaig
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(29) Dr. Eger Bérillon - La seienee de l'hypnotism,e,; 1 -
Hypnotism,e expérim.en.tal; 11 - Hyp,notism,e thérepeutique,
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Sciences psychiques, Paris, 1906.
(33--) Alexis Correi - L'l,o,mme, cet incon,nu, Plon, Paris, 1938.
(34) Jean Rostand - L'hom,me, introduction à l'étude de la
bielogie humaine, Gallimard, Paris, 1926.
132
(5) Jean Rostand - ~ que, [e crois - Grasset, Paris, 1953.
,.J6) René Guenon - L'erreur spirite - Les Editions tro
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;37) J-E. de Mirville - Dos espíritos e de suas manifestações
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(38) J. Ribet, chanoine honoraire - La miystique divine,, dis
'tinguée, des eontrefcçcns diiaboliques et des analo,gies hu
main,es - Poussielgue, edit. Paris, 1903.
(39) Annie Besant - La vie occulte de, l'hom1me, Edit. théo
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