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Coleção " S A B E R A T U A L "

O [SPIRITISMO
por

Yvonne CASTELLAN

Tradução de Alcântara Silveira


-kc·

DIFUSÃO EUROPÉIA DO LIVRO


Rua Morquês de ltu, 79
SÃO PAULO
1955 ·
Título do original:

Le Spiritisme

Direitos Exclusivos poro o língua portuguêsa:


Difusão Européia do Livro, São Paulo
Copyright
by Presses Uníversitaires de Fronce
tNDICE
PAG.

INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO 1. - Nascime,nto e definição do espiritismo 9
Que é espiritismo?, 13. - Alguns casos espíritos, 17.
CAPÍTULO li. - Os médiuns . 25
O desdobramento, 27. - Os médiuns de "ouro", 31.
- Os vários processos de comunicação com os espí-
ritos, 37. - A invocação, 41.
CAPÍTULO Ili. - Allan, Kardee e a filosa,fia espírita . 45
Cosmogonia, 48. - Os espíritos, 50. - A morte,
o encarnação e o reencarnação, 54. - A moral, 59.
- Antiguidade e novidade do espiritismo, 62.
CAPÍTULO IV. - O espiritismo depois de Allan Kardec,
de 187•0 até nossos dias . 73
A teosofia, 78. - O coo-doismo, 84. - Difusão, 89.
CAPÍTULO V. - O ~,piritismo dfonte da ciência 95
A tentação metafísica, 96. - Os f~tos espíritas.
-Os subterfúgios, l 02.
CAPÍTULO VI. - A posição das doutrinas contrárias 113
A Igreja Católica, 113. - O ocultismo hindu, 117.
- O espiritismo e a medicina, 123.

CONCLUSÃO 129

BIBLIOGRAFIA SUMARIA 131

5
INTRODUÇÃO

Recente, apenas com um século, o espiritismo é


um acontecimento de nossos dias, um acontecimen­
to social, na realidade, notável. Quase desde o seu
aparecimento êle se expandiu pelos cinco continentes.
Seus adeptos, que se contavam por milhares, hoje
formam ~ilhões. Possui seus fanáticos, seus dissi­
dentes, seus detratores, todos apaixonados. Os pri­
meiros nada fazem sem, primeiramente, consultar a
mesa. Os últimos aludem a sanções legais e ace­
nam até mesmo ... com prisão! Entre ambos, todos
os motizes,« da benevolência à recusa, passando pe­
lo ceticismo.
Nós ficaremos, bem entendido, fora de tôda e
qualquer querela. Dividiremos nosso estudo em duas
partes:
Os quatro primeiros capítulos compreenderão o
exame positivo do espiritismo. Veremos, à saciedade,
os fatos e as doutrinas, colocando-nos num ponto de
vista por assim dizer «interno» e nada crítico. A ex­
posição basear-se-á ao mesmo tempo sôbre a expe­
riência, a freqüentação dos médiuns, depoimentos
e leiturcts. Entraremos no âmago do sistema espíri­
ta com tôda lealdade.

7
Nos dois últimos capítulos, daremos a palavra
aos detratores do espiritismo, que sâo, geralmente,
respeitáveis: médicos, sábios, homens de igreja, fi­
lósofos. Quem se espantará se forem menos nume­
rosos que os espíritas praticantes? Para reunir
os materiais dêste livrinho, tornaram-se necessárias
inúmeras experiências, entrevistas, debates, leituras,
confrontos, riscos, hipóteses, retôrnos ao princípio ...
Quanto tempo perdido!
Seja-me permitido agradecer, aqui, a todos os
que me auxiliaram de maneira tão desinteressada,
sem distinção de grupos.
E, agora, abramos o debate. O leitor será o
juiz.

*
* *

N. B. - No texto, os algarismos sem grifo condu­


zem às notas de pé da página, e os grifados, à biblio­
grafia, que não pretende ser exaustiva, mos se limita
às obras diretamente utilizcrdos.

8
CAPÍTULO I

NASCIMENTO E DEFINIÇÃO DO ESPIRITISMO

Em 1847, numa fazenda de Hydesville, Estado


de Nova York, vivia a família Fox: os pais e duas
filhas, Margaret e Katie, de quinze e doze anos, res­
pectivamente. A fazenda era tida como assombrada.
Ouviam-se golpes - ou «rcps» em linguagem espí­
rita - nas paredes e nos móveis que, às vêzes, muda­
vam de lugar sozinhos.
No ,:lia seguinte àquele em que (o suposto fantasma) ha­
via se mostrado particularmente incómodo, narra a Sra. Fox,
resolvemos nos recolher cedo e não pensar no caso. Meu mari­
do ainda não tinha se deitado. Nossa filha mais moça - en­
tão com doze anos - divertia-se em bater palmas para ouvir
o som ser repetido pelo muro. Disse eu, então, ao som: "Con­
te até vinte" E assim se fêz. Pedi-lhe, ainda, caso fôsse um
ser humano, que dêsse uma pancada. Houve um silêncio· com­
pleto. Se fôsse um Espírito, que desse duas pancadas. E ou­
vimos duas pancadas ... (1)

O comêço do alfabeto espírita tinha sido encon­


trado, e os Espíritos entraram imediatamente em con­
tato com os vivos. Éste dizia chamar-se Charles
Haynes - ou Charles Ryan, segundo os autores -
viúvo, pai de cinco crianças, bufarinheiro assassina­
do por um precedente locatário daquela casa e en-

9
ferrado no porão. Chegou a indicar seus assassinos,
um vizinho que havia, realmente, ali morado alguns
anos antes, mas que era conhecido como um bom
homem. Revolveu-se o porão e nêle foram encontra­
dos cal, carvão, restos de louça, um punhado de cc­
belos e alguns ossos, nos quais se pretendeu reco­
nhecer fragmentos de crânio, o que não convenceu
os Fox a prosseguir suas buscas identificadoras ou
a avisar a polícia.
Tôda a família ficou maravilhada. Depois dela,
os vizinhos e, mais tarde, os amigos. A repercussão
daquelas conversas com os mortos propagou-se como
um rastilho de pólvora por tôdo a América. O êxi­
to foi extraordinário.
O escândalo também. Excluída solenemente da
Igreja metodista, a família emigrou para Rochester,
sempre acompanhada, se assim posso dizer, pelo Es­
pírito Haynes. A carreira de médium de Margaret
e Katie continuou, cada vez mais triunfante, tão vito­
riosa que, revelando, por onde .passavam, muitos mé­
diuns que ignoravam possuir essa qualidade, a fa­
mília Fox instalou-se em Nova York, a caminho da
fortuna. As exibições públicas se multiplicaram, di­
rigidas pela irmã mais velha das duas jovens, Leah,
de vinte e três anos. A . celebridode das irmãs Fox
expandia-se com a difusão extraordinária da grande
novidade. Em 1852 realizou-se o I Congresso Espí­
rita em Cleveland. Em 1854, os espíritas já conta­
vam, na América, com três milhões de fiéis, arrebata­
dos por mais de dez mil médiuns.
A partir de 1852, uma missão de médiuns ame­
ricanos percorreu a Inglaterra e provocou o mesma
emoção. Em 1853, uma outra missão desembarcou
na Alemanha e criou umo corrente que deitou raí­
zes instantâneamente na França. Em breve, a me-

10
lhor sociedade discutia o assunto com calor. Em
1854, a Academia de Ciência, com Chevreul e Fara­
day, insurge-se contra os fenómenos. Todos os sa­
lões, porém, discutem e tentam fazer com que as me­
sas se movam... A Senhora Girardin, convertida
das primeiras horas, transmite sua fé espírita a Vic­
tor Hugo e a seus amigos, Auguste Vocqueríe entre
outros na casa de exílio de Jersey. Entre os adeptos,
Boucher de Perthes, o pai da pré-história, do qual a
«Re,vista: Espírita:» de 1904 publicou algumas linhas
muito eloqüentes. Mais tarde, Victorien Sardou con­
sente em presidir o Congresso Espírita de 1900, e o
coronel Conde de Rochas efetua muitas experiências
célebres. Atrás dêles, grande grupo de médicos, en­
tre os quais o eminente Charles Ríchet, muitos milita­
res e alguns sacerdotes, correndo o risco da interdi­
ção, como, por exemplo, o Abade Pétit, fiel historiador
de reuniões espíritas da Duquesa de Pomar. Muitas
mulheres célebres, Rufina Noggerath, a Baronesa
Cartier de Saint-René, Senhorita Amélie Desormeaux,
convertida ao espiritismo por Victor Hugo durante o
sítio de Paris, em 1870; e vários outros burgueses e
burguesas de boa sociedade.
Em 1854, um Iionês, Léon Rivail, foi iniciado por
um magnetizador seu amigo, Forestier. Dotado de
um temperamento didático e sério, Rivail, sob o pseu­
dónimo de Allan Kardec, iria dar, à novel revela­
ção, contornos precisos e o seu dogma.
Em 1906, dando um balanço, J. Malgras (2), his­
toriador dos primórdios do espiritismo, podia citar,
espalhados pelas grandes nações, mestres eminentes
dos diversos ramos, científicos ou não, como adeptos
conhecidos do espiritismo. (1)
(1) De modo um tanto extensivo, J. Malgras conta entre os es­
píritas todos aquêles que, àquela época, se debruçavam com Interês­
se sôbre os fenômenos espiritas.

11
Na: América: O Juiz Edmonds, ex-Presidente da
Côrte Suprema de Nova York e ex-Presidente do
Senado;
- Mapes, da Academia, Nacional, professor de
Química;
- Robert Hare, professor da Universidade de
Pensylvania, autor de «Experiment,a:l InViestigiatiiom
of the S,pirit Manilestcruons.»;
- Robert Dale Owen, sábio e escritor de no­
meada, autor de «Fcrlls on the B,oundary of aniother
W,orld» (1877); e mais de 22 jornais ou revistas, o
principal dos quais era o «Bcmnor of Light», de Boston.
!'ia Inglaten,a: Em 1860, a Sociedade Dialética
de Londres nomeou uma comissão de trinta e três
membros para «destruir para sempre (os fenômenos
espíritas) que não passam de produtos da imagina­
ção». Após dezoito meses de trabalho, a comissão
concluiu. . . a favor do espiritismo e da realidade dos
fatos espíritas! Faziam parte dessa comissão entre
outros:
- Sir John Lubbock, da Royal Society (Institu­
to Inglês);
- A. Russel Wallace, competidor de Darwin e,
depois dêle, o mais eminente representante do evo­
lucionismo. Em seguida a essa investigação, escre­
veu: «Mimdes cmd Mod,ern Spiritu,a:lism»;
- A. de Morgan, Presidente da Sociedade Ma­
temático de Londres, com o seu livro From Mast,er to
Spârit; ~
- William Crookes, da Sociedade Real, o mais
brilhante homem de ciência que os espíritas tiveram
em suas fileiras, por essa época. Crookes, graças ao
heliómetro de Greenwich, foí a primeira pessoa a fo­
tografar os corpos celestes. Seus estudos giraram em
tôrno da espectroscopia, da descoberta do tálium e
do quarto estado da matéria. Foi, pois, um sábio que

12
num livro intitulado «Becherches sur les phênomêíilieS
du sp:mitualisme», escreveu, discorrendo sôbre os fe­
nómenos: «Eu não digo que isso é possível, eu afir­
mo que isso existe.» Seu testemunho, evidentemen­
te, pesou bastante.
Na Alemanha, o astrónomo Zollner, os Proíessô­
res Ulrici, Weber e Seckner, da. Universidade de Leip­
zig e o Professor e Filósofo Carl du Prel, da Univedsi­
dade de Munich, a princípio céticos, converteram-se
depois.
Na Espanha., ainda em 1906, tôdo cidade de al­
guma importância, possuía uma Sociedade e um
jornal de estudos psíquicos. O grupo mais impor­
tante foi o «Centro Barcelonês», ao qual se prende a
«Union Escolar Espiritista», com seu órgão, a «Revis­
ta de Estudiios psic1oló,giaos». A federação dos grupos
da Catalunha era presidida pelo Visconde de Tor­
res-Solanot, escritor e experimentador;
· Na Itália aponta-se: Lombroso, o eminente cri­
minalista;
Schiaparelli, diretor do Observatório de Milão;
- Gerosa, físico;
- de Amicis, fisiologista, etc.
Na Rússia: Boutlerow, Wagner e Ostrogradsky,
proíessôres da Universidade de Petersburgo;
- Aksakof, lingüista e escritor, conselheiro se­
creto de Alexandre III;
- O Conde de Bodisco, camareiro-mor do Im­
perador, etc ...

~ue é espiritismo?
Vamos às fontes e ouçamos Allan Kardec (3):
«O espiritismo é a doutrina fundada sôbre a existên­
cia, as manifestações e o ensino dos Espíritos». De-

13
pois desta, muitas definições foram dadas por vários
autores que estudaram o espiritismo, mas nenhuma
vale mais, penso eu, que a do próprio criador da
teoria espírita.
O Espírito é apenas a alma imperecível do ho­
mem; êste é construído de três elementos princi­
pais (1):
A ,alma humana, centelha, elemento imaterial,
imortal, mas que sofre, pensa e deseja, está engasta­
da num oorpo físico., elemento material e grosseiro,
por intermédio de um corpo astral ou corpo de de­
sejo, ou corpo etérico, ou períspírito, expressão esta
mais familiar aos espíritas. O perispirito é de u'a
matéria infinitamente ténue e sutil, muitíssimo dife­
rente do limo terrestre; não obedece a leis, como a
da gravidade e outras. t «energético», é o «fluido
vital», parcela do fluido universal, presente em nosso
corpo sob a forma de energia nervosa. O perispírito
contém a energia animal que faz nosso corpo viver.
É modelado' à semelhança do corpo humano. Está
com êste em relações tão estreitas que as grandes
mutilações (operações, amputações, marcas de tor­
turas das idades passadas, continuam visíveis. sôbre
a sua substância. Êle representa, em suma, a indi­
viduação de uma porção do fluido cósmico universal.
t êle, verdadeiramente, o intermediário entre o mun­
do material grosseiro, ao qual pertence o corpo Iísí­
co, e o mundo imaterial, da alma.
No estado habitual, nos sêres vivos, os três envol­
tórios continuam engastados uns nos outros, sem
que seja possível distiguí-los. A alma governa e

(1) Ou quatro, ou cinco, ou sete, segundo as escolas, mas o


problema é secundário, pois em tôdas podemos reconhecer os três
elementos fundamentais_, dos espíritas clássicos.

14
o corpo físico, animado de vida, obedece: o cor­
po físico é, sôbre a terra, o único visível e atuante.
No momento da morte, o corpo físico desfalece.
Como uma roupa usada, êle cai, descompõ-se, e não
pode mais abrigar a alma imortal que retoma sua li­
berdade. Esta se afasta envolvida no corpo etérico que
a individualiza, mantendo sua forma humana. É
esta alma, envolvida no seu perispírito, que recebe o
nome de Espírito. Um Espírito é a:pena!S um ser hu­
mano, despojcdo de seu corpo Iísioo,
Sôbre êste princípio, a definição de espiritismo
comporta três elementos diferentes:
O espiritismo é uma doutrina espiritualista: -
'Inútil falar em espiritismo a um adepto de qualquer
filosofia materialista. Antes de começar a discussão
sôbre êste terreno, é necessário fazer ao interlocutor
três perguntas (eu cito):
"Crê em' Deus?
Acredita possuir uma alma?
Acredita na sobrevivência da alma depois da morte?
Se êle (o interlocutor) responde negativamente, ou se diz
simplesmente: nõo sei, desejava que assim fôsse, mas nõo es­
tou certo, o que equivale, na maioria das vêzes, a uma nega­
çõo educada. . . será inútil prosseguir, como inútil seria demons­
trar as propriedades da luz a um cego que não a admite. Porque,
de uma vez por tôdas, as manifestações espíritas sõo apenas efei­
tos das propriedades da alma." Algures ainda: "Tomamos nos­
so ponto de partida na existência, sobrevivência e individualida­
de da alrrla, das quais o espiritualismo é a demonstraçõo teó­
rica e dogmática e o espiritismo a demonstração patente (4)"

Os Espíritos se mcmiiest,am ,a nós - É o imenso


domínio dos fatos espíritas, sôbre os quais começou
êste livrinho. Mas, aqui, é preciso distinguir:
O espiritismo, no seu nascimento, viveu do ma­
ravilhoso. Tôda a celebridade das irmãs Fox e o êxito

15
do movimento, baseavam-se, · no fundo, no caráter
«sobrenatural» dos fenómenos espontâneos ou provo­
cados. A partir de Allan Kardec, tudo mudou. Des­
de o instante em que se admite a existência dos Espí­
tos, sua humanidade e sua constituição irmã da nos­
sa, por que, pergunta o mestre, não admitir sentirem
êles a necessidade, ou o desejo de se manifestar a
nós? Por que não lhes emprestar nossa ternura, nos­
sa fidelidade às recordações, nosso desejo de fazer
o bem - ou o mal- aos nossos semelhantes? Por­
que: os meios de comunicação, até aquela época, não
tinham sido descobertos. Quem, no tempo de Luís
XIV poderia supor que os membros de uma mesma
família, dispersados e separados através de milha­
res de quilómetros, pudessem entrar em cantata
em algumas horas ou alguns minutos? Porque o te-
. légrafo (e, nos nossos dias, o telefone e o rádio) não
tinha sido inventado ainda. Na época de Luís
XIV, se alguém se vangloriasse de realizar êsse pro­
dígio, seria queimado como feiticeiro. Eis como se
passa, pelo progresso técnico, do sobrenatural ao na­
tural. Eis como o espiritismo fêz passar o mundo
dos Desencarnados, que antigamente pertencia ao
domínio do maravilhoso religioso ou mágico, para o
terreno objetivo e cotidiano. Allan Kardec nega aos
fatos espíritas, das batidas até às aparições, inclusi­
ve os fenómenos de levitação das mesas e outros,
o menor caráter irracional.
Enfim, 10s Espmtos nos doutrmiam. - Como êles
são os únicos que conhecem, por experiência, os úl­
timos fins dos homens, compreende-se o pêso e o al­
cance de um tal ensino. Eis-nos diante de uma nova
revelação. Por aqui, ingénuamente e sem mesmo
o desejar, a princípio, o espiritismo instalou-se no
terreno da Igreja. Para esta, o período da revelação

16
1
terminou com a morte de Cristo. Para os espíritas,
poder-se-ia dizer, ela recomeça em dezembro de
1847.
Em resumo, o espiritismo, ciência dos Espíritos,
surge, no princípio, como um movimento ao mesmo
tempo espiritualista e racional, implicitamente reno­
vador de todo pensamento religioso ou filosófico pe­
la espécie de revelação científica em que se baseia.
Êste o aspecto nobre do espiritismo. Ê o
que reteremos para o nosso estudo, e não perdere­
mos tempo atacando as diferentes teorias. O leitor,
todavia, enganar-se-á bastante se se limitar a êste
único ponto de vista doutrinal. Para conhecer o es­
piritismo prático e cotidiano, é necessário ler algu­
mas revistas espíritas, amplamente abertas à narra­
ção de manifestações obtidas em França e noutros
lugares. Vejamos êsses fatos espíritas, o clima dos
círculos que enxameiam por todos os recantos. Só
depois disto, melhor informados, poderemos atingir
o cume.

Alguns casos espíritas.


1 - Eis um caso espontâneo, colhido na «Revis­
ta Eispuita», de 1863. Seu mérito e interêsse ••provêm
da circunstância de terem sido relatados pela Senho­
rita Clairon em suas Memórias ( 1), num tempo em
que o espiritismo ainda não havia nascido:
A senhorita Clairon, cantora e atriz trágica de grande
talento e muita beleza, havia inspirado a um jovem nobre bre­
tão, Sr. S. . . uma peixão avassaladora, à qual ela correspondia

(1) A Sta. Clairon, nascida em 1723, morreu em 1805. Deixou o


teatro em 1765, com 42 anos. Tinha, cêrca de 60 anos quando escre­
veu êste trecho.

17
opencs com a amizade. Quando percebeu que alimentava assim
sentimentos que não desejava corresponder, ela rompeu a ami­
zade. O jovem ficou tão chocado que começou a definhar e
morreu. Isto se passou em 17 43. Dêmos a palavra à senho­
rita Clairon:
"Dois anos e meio escoororn-se entre o nosso conhecimen­
to e sua morte. Êle me fêz prometer dar, aos seus últimos ins­
tantes, o encanto da minha presença. As pessoas da minha
intimidade impediram-me de cumprir a palavra e êle morreu,
rodeado pelos seus empregados e por uma velha amiga. Mora­
va, então, em Chaussée-D'Antin e eu à Rua de Bussy (sie), pró-
xima à Abadia Saint-Germain. ·
"Naquela noite, minha mãe e muitos amigos jantavam
comigo. Acabara eu de cantar umas árias muito bonitas que
deixaram meus amigos maravilhados, quando, por volta das 11
horas, ouviu-se um grito lancinante. Suo modulação sombria
e sua duração espantaram todo o mundo: senti desfalecer-me
e fiquei inconsciente pelo, espaço de um quarto de hora.
"Todos os meus criados, amigos e vizinhos, até mesmo a
Polícia, ouviram êsse grito, sempre à mesmo hora, sempre par­
tindo de baixo de minhas janelas, parecendo emergir do vazio
do ar. Raramente eu ceava fora de casa, mas quando o fazia,
ninguém ouvia nada e muitas vêzes, indagando do grito à mi­
nha mãe e aos meus empregados, quando entrava para meu
quarto, êle ecoava no meio de nós todos. . . Numa outra
ocasião, pedi ao meu amigo Rosely que me acompanhasse à
Rua Sclnt-Honorá para escolher fazendas. O único assunto de
nossa conversa foi o meu fantasma. Aquêle jovem, cheio de
espírito, não acreditando em nada, estava, no entanto, pertur­
bado com a minha aventura; insistia para que eu evocasse o
espectro, prometendo crer no caso se êste respondesse ao meu
apêlo. Seja por franqueza, seja por audácia, fiz o que êle pe­
dia: o grito ecoou por três vêzes, terrível por causa do fragor
e da rapidez. À nossa volta, foi preciso a ajuda de todo o
pessoal da casa para nos retirarmos do carro em que nos acháva­
mos, um e outro, inconscientes".
Ao grito, sucederam-se explosões e, alguns meses após,
palmas. Ao fim de dois enes e meio tudo entrou novamente
em ordem. Algum tempo depois, a Senhorita Clairon teve co­
nhecimento pela velha senhora que havia assistido ao Sr. S ...
do relato de seus últimos momentos: "Êle cantava todos as
minutos, disse-lhe ela, até que, às 1 O horas e meia, seu em­
pregada veia lhe comunicar, que, decididamente, a senhora nõo
viria. Após um Instante de silêncio, êle tomou-me as mãos com

18
um desespêro redobrado que me gelou e disse: "A bárbara!
Ela não ganhará nada com isso. Persegui-lo-ei depois de, m.inha
morte durante o mesmo tempo em que a persegui em, vida!
"Procurei acalmá-lo, mas êle já não era dêste mundo."

2 - Uma evocação particular ( «Revista Espíri­


ta», ano de 1858):
A MÃE - Em nome de Deus todo poderoso, Espírito de
Julie X ... , minha filha querida, suplico-lhe vir, se Deus o
permite.
- Mamãe, aqui estou!
A MÃE - É você mesma quem me responde? Como
posso saber?
- Lili (Era o apelido familiar dado à jovem, desde, a
infância. Ela ere conheeide minha, nem do médium - AUan
Kardec).
Mamãe, por que se aflige? Sou feliz, muito feliz! Não
sofro mais e vejo-a sempre.
A MÃE - Mas eu não a vejo. Onde está você?
- Aqui, ao seu lado, minha mão sôbre Madame X (a
médium) para fazê-la escrever o que lhe digo. Veja minha le­
tra (a letra era, com e.fe,ito, da jovem),
A MÃE - Você diz minha mão. Você, então, tem um
corpo?
- Não tenho mais o corpo que me fazia soffer, mas te­
nho a sua aparência. Não se sente contente por eu não sofrer
mais e poder falar com a senhora?
A MÃE - Se eu a visse, reconhecê-lo-ia, então?
- Sim, sem dúvida, e você já me viu diversas vêzes em
seus sonhos.
A MÃE - Realmente, a revi em sonhos, mas parecia que
era efeito da minha imaginação, uma lembrança.
- Não, sou eu, que estou sempre ao seu lodo e que procuro
consolá-la. Fui eu quem lhe deu a idéia de me invocar. Tenho
tanto que lhe dizer. Desconfie do senhor Z ... ; êle não é
leal. (Êste senhor era conheeido unic,am,e,n,te da mãe, e, e,r·a as­
sim chamado es.pontân,eam,ente).
A MÃE - Que pode fazer contra mim êsse Senhor Z ... ?
- Não posso lhe dizer, isto me é proibido. Só posso avi­
sá-la para desconfiar dêle.
A MÃE - Você está entre os anjos?

19
- Oh, não! Ainda não! t·'1ão sou tão perfeita! ...
A MÃE - Você não fêz mal algum durante sua vida.
Por que sofreu tanto?
- Provação, provação! Suportei-a com paciência, por
minha confiança em Deus. Estou bem feliz agora. Até breve,
mãe querida!

3 - Uma sessão na Sociedade Dialética de Lon­


dres., reunida em Reunião de Estudos, a 9 de março
de 1869:

Nove membros presentes. Reunião às 8 horas, Produzi-


ram-se os seguintes fenômenos:
Os assistentes, de pé, pousaram unicamente a pon­
ta dos dedos sôbre a mesa, que fêz um movimento considerá­
vel;
2 - Conservaram as mãos a uma distância de vonas po­
legadas acima da mesa, e sem que ninguém a tocasse, ela se
moveu a mais de um pé;
3 - Para tornar a expenencia completamente convin­
cente, todos os assistentes se mantiveram bastante afastados da
mesa e dirigindo suas mãos estendidas sôbre ela, sem a tocar,
fizerem-no deslocar-se como anteriormente numa distância maior.
Enquanto isso, um dos membros, abaixados sôbre a assoalho,
vigiava atentamente a subida do móvel, enquanto outros, co­
locados fora do círculo, observavam se alguém se aproximava
da mesa. Nestas condições, executou ela vários movimentos,
fora de um possível cantata de quem quer que fôsse;
4 - Enquanto se mantinham assim, a distância da me­
sa, mas com a ponta dos dedos acima dela, todos, a um sinal,
levantaram as mãos ao mesmo tempo, e o móvel, por várias
vêzes, elevou-se do assoalho até uma polegada de altura;
5 - Todos conservaram as mãos a pouéo distância
acima da mesa, mas sem tocá-la. A uma ordem, levantaram­
nas bruscamente, e o móvel ergueu-se como precedentemente.
O associado abaixado sôbre o assoalho e os que observavam de
fora do círculo, continuaram a vigiar atentamente, e verificaram
que o fenômeno era incontestável.

4 - Uma sessão de materialização com Eva, mé­


dium especializada, no Gabinete do Dr. Geley, duran­
te o inverno de 1917/ 18. Os trabalhos, que prossegui-

20
ram durante dezoito meses, constituiram o objeto de
uma conferência no College de France, sob o título:
«A fisiologia chamada supranormal».
"Da bôca descia lentamente até os joelhos de Eva um
cordão de substância branca, da largura, aç,roximada, de dois
dedos. Êsse cordão tomava, a nossos olhos, as formas mais
variadas: às vêzes parecia um grande tecido membranoso per­
furado, com vazios e tumescências, outras vêzes êle se retraía
e se afinava para, depois, voltar a se alongar. Aqui e ali, da
massa, saíam prolongamentos, espécies de pseudópodos que re­
vestiam, por vêzes, durante alguns segundos, a forma de dedos,
um esbôço de mãos que, depois, tornavam a entrar na massa.
Finalmente n cordão se ergueu sôbre si mesmo, se alongou sô­
bre os joelhos de Eva, a sua extremidade se avolumou, desta­
cou-se da médium e avançou para mim. Vi, então, aquela ex­
tremidade engrossar sob a forma de intumescimento dum bo­
tão terminal que se transformou em u'a mão perfeitamente mo­
delada. Toquei-a e tive uma sensação normal; senti-lhe os os­
sos e os dedos providos de unhas. Depois, a mão se retraiu, di­
minuiu e desapareceu no fim do cordão. Êste fêz ainda algu­
mas evoluções, enconheu-se e tornou a penetrar na bôca da
médium." Uma outra vez: "Uma cabeça apareceu, de súbi­
to, a 75 centímetros da de Eva, acima dela e à direita. Era
uma cabeça de homem de dimensão normal, bem constituída,
com seus relevos habituais. O alto do crânio e a testa estavam
claramente materializados. A testa era grande e alta, e os
cabelos, cortados à escovinha, abundantes, castanhos ou pre­
tos. Sôbre as arcadas superciliares, os contornos se esfumavam;
só se via bem a testa e o crânio. A cabeça ocultou-se um instan­
te atrás de uma cortina, depois reapareceu nas mesmas condi­
ções. A face, porém, incompletamente maferializada, estava ta­
pada por uma tira de substância branca. Estendi a mão.
Passei os dedos pelos cabelos e apalpei os ossos do crâhio ...
um instante após, tudo havia desaparecido."

5 - Evocação de um vivo. ( «Revista Espírita»,


janeiro de 1863):
"Aos 11 de janeiro último, encontrando-me em Lille - é
o Sr. Delanne, médium titular do grupo Allan Kardec quem con­
ta - evoquei às 11 e meia da noite o espírito de minha espô­
sa, que tinha ficado em nossa casa. Eis a entrevista:

21
Pergunta: - É você, querida?
Resposta: - Sim, meu "velho" (é o seu modo favor'ito
d,e m,e cham,ar)
P. - Está vendo os objetos que me rodeiam?
R. - Perfeitamente. Sinto-me feliz por estar com você.
Espero que esteja bem agasalhado. (Eram 11 horas e meia, es­
tava che.gando de Arms, a lareira não estava acesa. Conservava
o guarda-pó de viagem e nem, mesmo o eeche-nez hevle tiredo.)
P. - Está contente por ter vindo sem seu corpo?
R. - Sim, meu "velho", eu lhe agradeço. Tenha meu
corpo fluídico, meu perispírito.
P. - É você que me faz escrever? Onde está você?
R. - Perto de você. Certamente sua mõo ainda sente
dificuldade em se mover.
P. - Dormiu bem?
R. - Não, ainda não.
P. - Seu corpo a retém?
R. - Sim, sinto que êle me prende. Meu corpo está um
pouco doente, mos meu Espírito não sofre.
·P. - Você teve, durante o dia, a intuição que eu a in­
vocaria esta noite?
R. - Não; no entanto não posso· definir o que me dizia
que eu o veria. (Nesse momento sofri um ataqu,e de tosse).
Continua tossindo, hein? Trate-se um pouco! ...
P. - Sente mêdo de ficar sozinha em casa?
R. - Adêle está comigo (Esta criatura, uma parenta, nãa
dorm.e nunca em casa. Vemo-la m.ui rarame•nte,. Pude verificar,
quan,do voltei, que ele, efetivamente, h.avia do,rmido em casa
naquefo noite).
Um pouco depois de meia-noite:
R. - Adeus, meu "velho", sou obrigada a deixá-lo."

6 - Um aviso do outro mundo - narrado pela


de Arad (Hungria) em novembro de 1858:
«Giaz,eUe»,

"Dois irmãos israelitas, de Gyek (Hungria) tinham ido a


Grosswardein levar, para um pensionato, suas duas filhas de ca­
torze anos. Durante a noite que se seguiu à partida, uma meni­
na de dez anos filha de um dêles, dcordou sobressaltada e narrou,
entre lágrimas, à mãe, que vira, em sonho, o par e o tio
rodeados de camponeses que queriam maltratá-los.

22
A princípio, a mãe não deu atenção à criança. Vendo, po­
rém, que não conseguia acalmá-la, conduziu-a à casa do prefei­
to; a menina contou novamente o sonho, acrescentando haver
reconhecido dois de seus vizinhos entre os camponéses, e que o
acontecimento havia se desenrolcdo à entrada duma floresta.
O prefeito logo mandou alguém à casa das vizinhos que,
realmente, estavam oüsentes. Depois, a fim de certificar-se da
verdade, mandou emissários na direção indicada pela menina, os
quais encontraram cinco cadáveres nos confins de um bosque.
Eram os dois pais com as filhas e o cocheiro que os conduzia. Os
cadáveres tinham sido atirados sôbre um brazeiro para se tor­
narem irreconhecíveis. Imediatamente a polícia iniciou as in­
vestigações. Prenderam-se os dois camponeses indicados pela
criança no momento em que tentavam trocar dinheiro manchado
de sangue. Uma vez presos, confessaram, afirmando reconhecer
o· dedo de Deus na pronta descoberta de seu crime."

7 - Um caso análogo, mas no qual (coisa rara


numa pessoa não vidente) a visão aponta um evento
futuro, sem ligação pessoal com a testemunha.
"Camille Flammarion, em seu livro "L'inconnu et les problê­
mes Psyehiques", narra o caso do Sr. Bérard, antigo magistrado
e deputado: obrigado, pela fadiga, durante uma excursão, a dor­
mir numa miserável hospedaria, no meio de montanhas cobertas
de matas, viu, em sonho, tôdas as minúcias de um assassínio
que deveria ser praticado três anos mais torde, no- quarto que
êle ocupava, e cuja vítima foi o Sr. Victor Arnaud, advogado.
Graças à lembrança dêsse sonho, o Sr. Bérord fêz descobrir os
assassinos. Êste fota também é contado pelo Sr. Goron, antigo
chefe de Polí eia, em suas "Mémoire,s", t. 11, p. 338".

23
CAPíTULO II

OS MÉDIUNS

Que vem a ser um médium? É a ser, é a indivíduo que


serve de traço de união aos Espíritos para que êles possam
se comunicar com os homens. Sem médium, é impossível a co­
municação tangível, mental, descritiva, física, ou de qualquer
outra espécie (4).

Eis o que é claro. Na imensidade da literatura


espírita, jamais esta afirmação foi desmentida. Pelo
contrário. Regressando à origem de todos os fenó­
menos: em Hydesville. a presença de Margaret e de
Katie Fox, especialmente desta, era indispensável à
produção dos fenómenos. Mais tarde, sob a direção
de sua irmã mais velha, às duas puderam repetir mui­
tas vêzes, em público, experiências análogas e até
cada vez. mais sensacionais.
O médium nem sempre tem consciência da sua
tarefa. Um exemplo? Em maio de 1895, em Objat, na
Corréze, duas velhas senhoras que viviam sozinhas
em urna casa, empregaram uma jovem criada de
dezessete anos, Marie Pascarel. Em breve, algumas
batidas foram ouvidas nas paredes, depois a desor­
dem foi-se agravando, sob os olhos estupefatos de tes­
temunhas de tôdo a espécie, vizinhos e até o prefei­
to local, pouco inclinado a suportar brincadeiras.

25
Os leitos apareciam revolvidos, as senhoras Faure
eram transportadas em suas cadeiras, as tijelas que­
bravam-se-lhes nas mãos. A lança, os móveis, tudo
valsava, dançava, se espalhava. Êstes fatos extraor­
dinários, pronto conhecidos, provocaram a vinda do
Sr. Maxwell ( 1) que iniciou minuciosas pesquisas: tô­
da fraude foi reconhecida impossível. Decidiu-se,
então, evacuàr a casa assombrada. No momento da
partida, espêssa fumaça escapava de um quarto do
primeiro andar: todos se precipitaram, mas nãó ha­
via o menor vestígio de incêndio. Um jornal, po­
rém, encontrado no quarto, apresentava manchas de
sangue. A criada recebera, no instante em que saía,
violenta cacetada nas costas. No dia em que Marie
Pascarel deixou o serviço das Senhoras Faure, tudo
entrou novamente em ordem. A honestidade da jo­
vem estava acima de qualquer suspeita, pelo que se
concluiu ter desempenhado ela o papel de médium
involuntário. (5) ·
Agora, é o caso de uma confissão do próprio Es­
pírito perturbador. No ano de 1860, uma casa da
Rua Noyers, em Paris, era teatro de desordens seme­
lhantes: pedras que quebravam vidros das vidraças
e outras coisas. Allan Kardec recebeu, de um Espírito
superior, autorização para evocar o Espírito desman­
cha-prazeres, para a doutrinação que se pudesse ti­
rar de suas respostas. Transcrevo um extrato do
diálogo:
P - Na Rua Nayers havia alguém que lhe servia de au­
xiliar para lhe facilitar os sustos que você pregava aos habitan­
tes da caso?
R - Certamente, encontrei um bom instrumento e ne­
nhum Espírito douto, sábio ou hipócrita para me impedir; por­
que eu sou alegre, gosto, por vêzes, de me divertir.
(1) Não o eminente físico, mas um advogado de Bordeus, doutor
em medicina, muito versado nas pesquisas sôbre os fenômenos es­
píritas.

26
P - Qual foi a pessoa que lhe serviu de instrumento?
R - Uma criada.
P - Ela o auxiliava sem saber?
R - Oh, sim! A pobrezinha ero a mais amedrontada! (4)

Os médiuns devem esta faculdade estranha à sua


constituição especial. Os Espíritos, dizem-nos êles
mesmos, devem-na ao seu perispírito, pedra angular
do edifício espírita.
Com efeito, sendo o homem tríplice, como vimos,
suponhamos que sêres humanos, vivos, tenham a
faculdade de se dissociar, COD).O os moribundos. Su­
ponhamos, ainda, que outros tenham a faculdade
de difundir as propriedades «animantes» de seu corpo
etérico, habitualmente integrada:; na matéria inerte
do corpo físico, e teremos as duas grandes categorias
de médiuns, que chamarei, para maior comodidade:
médiuns de desdobramento e médiuns de «aura».

O desdobromentc
Um médium de desdobramento tem a faculdade
de se dissociar. Em certas condições, a alma e o
perispírito abandonam o invólucro físico, que conti­
nua imóvel, dotado de uma vida mais lenta, ligado
ainda a seus invólucros sutis por um liame tênue: o
vínculo vital. Esta ligação é o cordão urnbelicol pelo
qual a energia da vida se derrama francamente no
invólucro carnal e impede a morte. Esta não deixa­
rá de sobrevir no caso de ruptura do vínculo vital.
O médium de inc;o rpom.ção é, neste gênero, o
1

mais comum. Êle se desdobra, geralmente, sob a in­


fluência de um hipnotizador, e no seu inv6lucro
carnal adormecido, de certo modo desocupado, um
Espírito se incarna e fala, age, circula e se compor-

27
ta como ser humano completo. Terminada a comu­
nicação, o Espírito se retira e o hipnotizador acorda
seu paciente com tôdcs as precauções necessárias.
É esta espécie de médium que permite as grande3
experiências públicas. Com a prática, uma espé­
cie de parentesco se estabelece entre o hipnotizador
e o seu dócil paciente, o médium. Chega-se, assim,
a resultados espantosos, cuja segurança é quase
infalível. São êstes os fenômenos escolhidos para as
grandes exibições espíritas.
O médium de ,exp10r1ação díneto, ao contrário, é
muito raro. Por vêzes em estado de hipnose, às vê­
zes em consciência perfeita, o que torna o fenêmeno
raríssimo, o paciente se desdobra. Enquanto o corpo
vive fracamente, em vigília, os elementos sutis ex­
plorern os planos proibidos aos humanos.
Um exemplo, aliás complexo: Mireille, médium
do célebre Coronel de Rochas. Adormecida, ela fa­
la: ei-la desdobrada, vagando nos espaços interpla­
netários. . . Aproxima-se do planêta Marte. . . cai
de súbito em síncope. Imediatamente o coronel a
reanima, sempre adormecida. Com voz completamen­
te diversa da sua, grave e viril, ela retoma o diá­
logo:
"Você escapou de boa! Por que não a reteve? Você sabe
bem que ela é muito curiosa. Se eu não estivesse aqui, ela
estava perdida, tanto para você como para mim.
P - Quem é você?
R - Sou Vincent, assisto a tôdas as suas experiências,
que me interessam por cousa de Mireille.
P - Que fêz ela? Onde se encontra neste momento?
R - Ela quis penetrar na atmosfera de Morte àtravessan­
do a camada elétrica e não sei o que teria resultado disso.
Precipitei-me no seu encalço e a reconduzi. Depositei seu Espí­
rito no veículo que me serve para chegar à atmosfera da terro
e tomei seu corpo astral para entrar no seu corpo carnal e poder
me comunicar com o senhor.

28
P - Quer, agora, me devolvê-la?
R - Quero, tome-lhe as mãos e projete fluí dos em seu
corpo para me ajudar a me libertar". O que foi feita. (5)

Iniciada em exploração direta, a do «plano Mar~


cíono», esta curiosa experiência terminou em incor­
poração, a do Espírito de Vincent.
Sophie, explaradora direta dos planos sutis, des­
creveu-me assim sua experiência pessoal: após um
longo treino técnico e ascético (yoga), que veio in­
serir-se nas suas disposições naturais ela conseguiu
se desdobrar, à vontade, sem sono, com tôda lucidez.
Seus envolt6rios sutis, porque Sofhie possui, ao redor
da alma, além do perispírito ou corpo etérico, um
«duplo» mais sutíl ainda, abandonam o corpo carnal.
Depois o corpo etérico e o duplo permanecem pró­
ximos do corpo físico, a alguns metros, e a alma nua
alcança os planos onde nenhuma alma pode pene­
trar com um envoltório qualquer. Aqui, por impreg­
nação, a exploradora recebe a doutrina dos Mestres
da Sabedoria, ou aquela que emana da própria vida
dos Espíritos. Se algo de insólito se passa sôbre a
terra, como uma possível interrupção, um barulho
violento, a intervenção intempestiva de um importu­
no, imprevistos êstes muito perigosos neste estado, os
invólucros sutis, que vigiam, próximo ao corpo, avi­
sam a alma para reintegrar seu veículo. Êste pro­
cedimento exclui tôda descida de um Espírito, seja
êle qual fôr, ao corpo carnal durante sua viuvez.
Trata-se de um contato direto com as esferas supra­
terrestres.
O médium de edopLasma é, se assim posso di­
zer, uma variedade extremamente singular. Por uma
transferência de energia especial emprestada ao pla­
no vital, êstes médiuns têm a propriedade de tornar
mais densa, mais tangível e, por isso, perceptível aos

29
nossos sentidos, a matéria sutil do perispírito dos
habitantes do espaço. São êles os especialistas dês­
ses efeitos perturbadores, chamados materializações.
Eles dão à luz a ectoplasmas que, às vêzes, não pas­
sam de um filamento, de uma musselina leve, u'o
mão, e, raramente, uma forma complexa. Ê pela
bôca do médium que freqüentemente se manifesta
a aparição: dir-se-ia gerada pelo céu da bôca, a face
interna do rosto, as gengivas. A forma, a princípio
esboçada, completa-se e se densifica. As cabeças
falam, as mãos tocam piano, distribuem pequenos
presentes. . . depois tudo se desfaz e some. Parece
que êsses partos produzem certo esgotamento físico,
o que não é para admirar, pois, em doutrina, o enri­
quecimento do perispírito só pode se produzir à cus­
to do gasto de energia vital do médium.
Citemos a médium Florence Cook dando à luz
a Katie King, ectoplasma extraordinàriamente tangí­
vel e completo. A jovem Desencarnada fala, anda,
toca os assistentes, enquanto a médium jaz inerte,
gemendo, privada de vida, como uma trouxa de rou­
pa. Depois, Katie King desaparece no gabinete es­
curo após haver distribuído beijos e se ter despedido
de uma maneira tocante. Êstes fenômenos se pro­
duziram durante três anos, têrno fixado, desde o iní­
cio, pela própria Katie King. No momento de sua
desaparição definitiva, o fantasma distribuiu a todos
os convidados um pedaço rasgado de seu véu, que
ela consertou com presteza, comprimindo o tecido
entre as mãos. Finalmente, antes de ser reabsorvida
para sempre, fêz detrás da cortina, curtos gestos de
adeus à médium, cujos soluços de desespêro os assis­
tentes ouviram. Citemos, ainda, Eusapia Paladino,
médium napolitana manifestando uma «terceira mão
fluídica» ou, ainda, Bien-Boa, o fantasma da «villo»

30
Carmen, em Argel, invocado em 1906 por Marthe
Béraud e Aischa e estudado por Charles Richet (32).
Já vimos em pleno trabalho no primeiro capítulo,
essa mesma Marthe atuando com o Dr. Geley em
1917-1918 sob o nome de Eva. Com êstes fenómenos
foram feitos importantes arquivos fotográficos, pois
a placa sensível, como é análoga ao ôlho humano,
tem a vantagem de conservar as imagens (1).

Os médium; de "aura"
A riqueza dos fatos espíritas não se limita a és­
ses três casos. Ou por outra, nem todos os médiuns
se desdobram; ao contrário: a grande maioria pro­
duz fenómenos também curiosos, num género diíe­
rente, sem se dissociar, num estado habitual e, por
assim dizer, como qualquer de nós.
Alguns exemplos? O célebre Dunglas Home,
que operava no Segundo Império, assentava-se numa
cadeira, que se elevava em seguida lentamente no
ar, até tocar o íôrro, onde êle traçava u'c marca com
um estilete, como prova do fato. As testemunhas
passavam e tornavam a passar sob a cadeira e, após
o fenómeno ter sido verificado à vontade por todos,
a cadeira voltava ao chão e tudo se acalmava. Do
mesmo modo, Eusapia Paladino, que operava em
muitas cidades italianas ou francesas, por volta de
1900, em presença de membros da aristocracia e
de sábios eminentes, erguia uma mesa do abeto a
dez centímetros do solo, com um simples toque de
dedo, antes de ser, ela própria, levantada, com sua
cadeira, à altura da mesa. Escolhi, de propósito, és­
ses dois exemplos por serem extraordinários, mas,

(1) Sôbre a fotografia de Espíritos veja página 107.

31
bem entendido, o movimento das mesas se explica,
espiritualmente falando, da mesma maneira.
Que se passa? Allan Kardec propôs o problema
aos Espíritos e, em algumas sessões, obteve a teoria
completa. Não é, como se poderia crer, sustentando
a mesa ocultamente ou movendo-a de algm modo
que os invisíveis realizam essas experiências: os Es­
píritos, como êles próprios o lembram, não possuem
músculos ou mãos, nada que lhes possa servir de
ponto de apoio; impossível manipular diretamente a
matéria inerte. Os médiuns, de efeitos físicos, no
entanto, apresentam, em relação aos outros homens,
uma particularidade: a de difundir a energia de seu
perispírito fora do corpo físico, em uma espécie de
«aura» ou esfera de irradiação. Desta maneira, por
contato direto entre semelhantes, os Espíritos rece­
bem daí a energia vital e «animalizam» os objetos,
mesas, etc. Temporóriornente. a matéria inerte se
anima, pois, de um frémito de vida. E assim -corno
o corpo etérico ou perispírito obedece aos impulsos
da alma, os objetos «onímolizodos» obedecem ao
pensamento dos Desencarnados, que só têm o tra­
balho de dar ordens mentalmente.
Uma vez que os fenómenos dependem de um
pensamento, sua amplitude somente deveria conhecer
o limite da ordem mental dada. De fato, as fôrças
do médium têm limites. O desperdício de energia vi­
tal é para êle tanto maior quanto o objeto a «anima­
lizar» fôr mais importante. A fôrça de manifestação
de um médium é diretamente proporcional à sua
difusão energética.
Mas por que a intervenção do médium? Os Es­
píritos não poderiam colher no perispírito de seus
semelhantes Desencarnados a energia etérea de que
têm necessidade? Não poderão colhê-la diretamente

32
na energia cósm ico, que é da mesma natureza? Não.
Eles têm necessidade de combinar a sua própria
energia etérica, enriquecida ou não às expensas do
Cósmos com o fluido de uma pessoa viva. Isto é
indispensável, é uma condição sine qua n,0111. Dir­
se-ia que o fluido vital se acha enriquecido pela vi­
da física. Não posso deixar de relacionar esta lição
com um trecho da «Odisséio» (canto :XI): Ulisses, na
confluência de dois rios, numa região desolada e sel­
vagem, evoca os mortos de Hades para, por seu in­
termédio, conhecer o futuro e receber seus conselhos.
A borda de um poço, êle degola vários animais, o
sangue quente corre aos borbotões e, ao redor da
fossa, as sombras comprimem-se. Ulisses mantém­
nas quietas, com seu punhal: um a um, os mortos.
«cabeças sem Iôrço», dominados, vêm beber o san­
gue que fumega. Depois, tendo readiquirido, assim,
o aspecto de vivos, êles falam, cada um por sua vez,
antes de descporecerern à chegada da sombra se­
guinte. No fundo, e sob outra forma, a lição é a
mesma: o vivo ou o sangue quente, seu símbolo,
possuem uma fôrça, necessária ao desencamado
para se manifestar.
Os fenômenos de transportação; raros, apresen­
tam um problema um pouco mais complexo. A sala
está fechada, vazia, e os assistentes se agrupam em
tôrno do médium. De súbito aparecem os mais ines­
perados objetos, como Ilôres frescas, frutos, bom­
bons perfeitamente comestíveis, uma carta com al­
gumas palavras, jóias. . . e até pássaros vivos ou
peixes vermelhos, ainda gotejantes de água.
São Luís e Erasto, Espíritos eminentes, teóricos,
tiveram o trabalho de examinar longamente êste pon­
to (4): não se poderia beber em fonte melhor. Os
transportes continuam e continuarão sendo casos rc-

33
3
ros, porque êles exigem um médium ou melhor, vá­
rios médiuns formando a cadeia, dotados ao máximo
de um poder de expansão de sua fôrça etérica, ou,
çomo dizem elegantemente êsses Espíritos, de seu
aparelho elect:romediúnico. A presença, na assistên­
cia, de pessoas mais ou menos refratárias, constitui
um obstáculo intransponível ao fenómeno. Eis por­
que os transportes quase nunca se realizam em ses­
são pública.
Constitui um dom especial do fluido mediúnico
ou perispíritico contrair ou dilatar indefinidamente
a matéria. Todos sabem, na nossa época, _que a mo­
lécula dos corpos mais densos oferece muito mais
partes ôccs que partículas sólidas; é com nossos
sentidos grosseiros, com nossos instrumentos primá­
rios qué devemos conceber o mundo sob seu aspecto
resistente. Se tomarmos o vapor que se escapa de
um recipiente, e o contrairmos, teremos água. Esta
comparação ajudará, sem dúvida, a compreender
como os Espíritos, encontrando na ambiência da ter­
ra os elementos simples da motérícr, chegam a lhes
dar densidade para formar objetos. Estes não são
«agregados» senão na medida em que o fluido pe­
rispirítico assim os conservar. Eis porque êles se dis­
solvem e desaparecem muito ràpidamente, sob pena
de esgotar o médium.
Surpreendamos em flagrante um ilustre médium
de efeitos físicos em tôdas as suas atividades. Escu­
temos a apresentação, feita por AUan Kordoc aos lei­
tores. da «Revista Espm.ta», em 1858, do célebre Dun­
glas Home:

"Daniel Dunglas Home nasceu a 15 de março de 1833,


próximo a Edimburgo. Descendente da antiga e nobre família
dos Dunglas da Escócia, antigamente soberana. É um jovem de
altura comum, louro, cuja fisionomia melancólica nada tem de

34
excêntrico. Possui com pleição m uito delicada, costum es sim ples
e suaves, caráter afável sôbre o qual o contato com as gran­
dezas não criou nem arrogância nem ostentação. . . Suas facul­
dades se m anifestaram desde a m ais tenra infância. Quando
tinha seis meses, seu berço se balançava sozinho, na ausência
da am a, e m udava de lugar. Em seus prim eiros anos, era tão
débil que sentia dificuldade em se manter: sentado num topête,
os brinquedos que êle não conseguia pegar vinham por si m esm os
colocar-se ao seu alcance. Tinha nove anos quando suo fo­
m í lia foi se fixar nos Estados Unidos. Aí continuaram os m es­
mos fenôm enos, com intensidade mais forte à medido que êle
crescia, m as suo reputação com o médium som ente se estabele­
ceu em 1850, no época em que os m anifestações espíritos com e­
çaram o se tornar populares nesse país.
Em 1854 foi à Itália por cousa da saúde e espantou Flo­
rença e Rom a com verdadeiros prodígios. Convertido ao catoli­
cism o, em Rom a, teve de prom eter que rom peria os relações
com os Espíritos. Durante um ano, efetivam ente, parecia que
seu poder oculto o havia abandonado. Com o, porém , êsse poder
era superior à sua vontade, no fim dêsse tem po, conform e lhe
havia anunciado o espírito do mãe, os manifestações se repro­
duziram com novo energia.
Os fenôm enos manifestavam -se, às vêzes, espontâneam ente,
em ocasiões em que nado se esperava, enquanto que, em ou­
tros oportunidades, êle se mostrava incapaz de provocá-los, cir­
cunstância pouco favorável o quem desejava fazer exibições com
hora rncrccdo. O coso seguinte, tom ado entre mil, é o provo
do que afirm am os: depois de mais de quinze dias, o Sr. Hom e
não havia obtido qualquer manifestação quando, jantando em
coso de um am igo, com duas ou três pessoas de seu conheci­
m ento, algum as batidos se fizeram , subitam ente, ouvir nos
paredes, nos móveis e no fôrro. Parece, disse êle, que êles es­
tão voltando. O Sr. Home estava, nesse instante, sentado num
sofá com um amigo. Um criado trouxe o bandeja de chá e
se dispunha o colocá-lo no centro do- salão, sôbre uma mesa.
Esta, embora bem pesado, ergueu-se de repente, alterando-se
do solo de 20 o 30 centímetros, como se fôsse otr ri do pelo ban­
deja. O empregado, tomado de pânico, deixou-a escapar e o
mesa, de um golpe, se lançou sôbre o sofá e caiu diante do Sr.
Home e do seu amigo, sem que nodo do que estava sôbre elo
houvesse se mexido. Êste é um coso espontâneo, acontecido em
reunião íntimo.
O Sr. Home começo suas sessões verdadeiros, em geral, pe­
los manifestações conhecidas: estolidos em mesas eu em qual-

35
quer porte do safa. Aparece, em seguidc, a levitação da me­
sa, que é feita, a princípio, pela imposição das mãos, só dêle
ou de várias pessoas reunidas; depois, à distância, e sem contato.
É uma espécie de preparação. Freqüentemente, êle não conse­
gue nada mais. Depende da disposição em que se encontra e,
às vêzes também, da disposição dos assistentes. Subitamente,
após algumas oscilações ou balanços, a mesa se destaca do
chão, eleva-se gradual e lentamente, por pequenas sacudi­
delas, não mais de alguns centímetros, mas até o teto e fora do
alcance das mãos. Depois de estor suspensa alguns segundos
no ar, ela desce como subiu, lenta e gradualmente. . . O Sr.
Home, como a mesa, também elevou-se até o teto e depois des­
ceu do mesmo modo, e isto durante várias ocasiões, em Floren­
ça e na França, nomeadamente em Bordeus, na presença de tes­
temunhas dignas de fé. Êle próprio nos confessou não se aper­
ceber de nada e julga estar sempre sôbre o solo, a não ser
quando olha para baixo. Unicamente as testemunhas vêem-no
se elevar. Quanto a êle, experimento, nessa ocasião, a impres­
são produzido pelo movimento de um navio sôbre as ondas.
Não é do nosso conhecimento que o Sr. Home tenha feito
aparecer, pelo menos visível para todo o mundo, outras partes
do corpo, a não ser as mãos. O aparecimento de u'a mão se
manifesta, geralmente, em primeiro lugar, sob o tapête do mesa,
pelos ondulações que faz quando percorre a superfície. Depois,
ela se mostra sôbre a borda do tapête, que levanta. Em
certas ocasiões a mão vem se colocar sôbre o próprio tapête.
Freqüentemente, pega um objeto que carrega para debaixo do
móvel. Essa mão, visível para tôdo a gente, não é nem vaporo­
so, nem translúcida; tem a côr e a opacidade naturais. Acaba,
à altura do punho, no vazio. Se é tocada com precaução, con­
fiança e sem prevenção hostil, elo oferece a resistência, a so­
lidez e a impressão de u'a mão viva. Seu calor é suave, úmido e
comparável ao de um pombo morto há uma meio hora. Não é
inerte, agita-se, presto-se aos movimentos que se lhe imprime
ou resiste a êles, acaricia e aperta. Se, ao contrário, você quiser
agarrá-lo bruscamente e de surprêsa, sómente encontrará o va­
zio. . . Com freqüêncio, a mão vai se pousar em você, você o vê
ou, se não a vê, sente o pressão dos dedos. Algumas vêzes elo
o acaricío, outras, belisco-o até doer. O Sr. Home, no presença
de vários pessoas, sentiu-se segurado pelo punho e os assisten­
tes puderam ver suo pele repuxado. Segundos depois, sentiu­
se mordido e a marca de dois dentes ficou visível durante mais
de uma hora ... "

36
Os vários processos de comunicação com
os espíritos

Os efeitos produzidos com o auxílio dos médiuns


de «aura» são quase inumeráveis.
As primeiras manifestações, nomeadamente as
de Hydesville, não passavam de batidas ou «rcps».
Desde, porém, que as irmãs Fox instituíram um có­
digo, um diálogo principiou entre elas e o Espírito
que fazia as batidas: é a tiptologia ou linguagem das
batidas. A partir daí, criou-se todo o sistema de co­
municação e não se lhe acrescentou nada, a não ser
arranjos secundários.
As mesas que giram obedecem ao mesmo sis­
tema: elas se levantam em presença do médium, e
seu pé bate em resposta às perguntas dos assisten­
tes, uma batida significando «sim», duas batidas,
«não». Espíritos engenhosos, limitados em suas in­
vestigações pela secura do «sim ou não», criaram
um verdadeiro código alfabético em morse, logo ado­
tado pelos Espíritos. Isto não exclui as variedades: a
mesa se ergue violentamente se o espírito está colé­
rico. Uma série de golpes rápidos indica aos assis­
tentes que ela se engana. Um movimento harmonioso
da mesa que se inclina para um adepto, indica a
alegria do Espírito em ver esta ou aquela pessoa. É
a sematologia, ou linguagem dos sinais.
A Sra. de Girardin inventou uma mezinha de
centro, cuja tampa girava facilmente sôbre seu eixo,
à maneira de roleta. Sôbre a circunferência, esta­
vam traçadas, como sôbre um mostrador, as letras,
os números e as palavras «sim» e «não». Sendo ela
própria médium, colocava seus dedos sôbre a borda
da tampa da mesa que girava e parava quando a
letra desejada se encontrava sob a agulha indicado-

37
ra. Formavam-se, dessa maneira, palavras e fra­
ses. É exatamente o princípio dêsse apafêlho que, na
França, é conhecido como «10,ui-jà», mostrador de
agulha, como a mezinha redonda da Sra. de Girar­
din.
Êste processo alfabético, preciso mas moroso,
sofre algumas acomodações. Por exemplo: a assem­
bléia, apressada, acaba, ela mesmo, a palavra co­
meçada. Se está certo, o Espírito nada diz ou diz
«sim». Se o vocábulo inspirado é diferente da pala­
vra transcrita, batidas apressadas na mesa ou movi­
mentos desordenados da agulha ou do estilete cha­
mam a atenção dos adeptos e convidam-nos a reti­
ficar.
A psicografia oferece bastante variedade. Supo­
nhamos que se adapte um estilete a uma mezinha re­
donda: o médium coloca os dedos ou a mão, o mó­
vel oscila e tra.ça letras ou sinais sôbre uma fôlha
de papel. A mezinha pode ser substituída por um
cêsto ou uma prancheta ainda mais leves, que per­
mitem escrita mais rápida e mais nítida.
Mas simplifiquemos ainda. Suponhamos que
o médium se conserve inerte e com o pensamento
vazio, de lápis na mão, diante de uma fôlha de pa­
pel: é muito mais simples para o Espírito -cornunicrrr­
lhe diretamente seu pensamento, por contato peris­
pirítico, do que «animalizar» qualquer matéria pesa­
da. E eis-nos diante de escrita automática, tão difun­
dida. Isto supõe, naturalmente, o desaparecimento
completo do pensamento do médium diante do ditado
do Além. O Espírito deposita no seu cérebro
os elementos explícitos da mensagem. Para uma
comunicação científica, por exemplo, um médium cul­
tivado e habituado à linguagem científica, encontra­
rá palavras correspondentes à manifestação mental

38
do Espírito. Acontece, no entanto, às vêzes, que co­
municações de sábios e de filósofos sejam captadas
por médiuns incultos que traduzem o pensamento
como podem. Tais mensagens enchem de alegria o
mundo espírita. São as mais puras, e nas quais, di­
zem os espíritas, há pouca margem para suspeitas
de que o médium exprima o seu pensamento pessoal.
Nem todos os organismos mediúnicos são orien­
tados para o mesmo género de atividade. Eles são,
mesmo, em geral, muito especializados. Allan Kardec
assim os classifica:
- Médiuns de eíeito físi1c,o propriamente ditos:
transportes de objetos, levitação, batidas;
- médiu:ns seilliSitiV1ots ou impriessionáveis: cap­
tam a presença do Espírito por meio duma impressão
pessoal, suave se o Espírito é bom, angustiante quan­
do êle é mau;
- médiuns ,auditivos: ouvem a voz dos Espíritos,
tanto dentro dêles mesmo, como do exterior. Chegam
a reconhecer um Espírito pela voz.
- médiuns fa1aintes.: não são, como se poderia
crer, uma variedade dos precedentes. Os médiuns
falantes não ouvem o ditado dos espíritos que agem
sôbre êles pelos órgãos da fala, como, sôbre um
médium escritor, pelo braço ou pela mão;
- médiuns videntes: tanto acordados, como dor­
mindo, têm uma impressão visual, mas, na realidade
entram, por seu perispírito, em contato com o peris­
pírito dos Desencarnados. A melhor prova é que
êles enxergam também com os olhos fechados;
- médiuns cumdoress cuja fôrça vital, unida e
combinada com a fôrça perispirítica dos Espíritos, se
transmite ao corpo do paciente e reanima sua vida
animal;

39
- médiuns escritores ou psic6grafos, dos quais
já analisamos a ação;
- médiuns ,~eciais, ou melhor, especializados
num determinado gênero de comunicação, médica,
poética, musical. moral, artística ...
No exercício de sua faculdade, os médiuns po-
dem ser:
- noviços, formados ou improdutivos;
- lacónicos ou explícitos;
- flexíveis (utilizáveis de muitas maneiras) ou
exclusivos;
- Calmos, velozes ou convulsivos.
E, por mais diferentes que sejam dos humanos,
os médiuns não escapam a certos defeitos. Alguns
lhes são próprios, mas êles partilham outros cones­
co. São:
- médíuns obseoadose que não podem se desfa­
zer de um Espírito importuno;
- médiuns fasoinaidos: iludidos por um Espírito
enganador;
- médiuns subjugiald:os: que sofrem a domina­
ção moral ou material de um mau Espírito;
- médiuns ágeis: que se servem da sua facul­
dade por passatempo;
- méd~ns oirgulhOS1os: convencidos de suas ap­
tidões e de suas comunicações;
- médiuns suscetíveis. não suportam crítica;
- médiuns p:!8Sunços1os: que se julgam infalíveis
e visitados unicamente pelos Espíritos superiores;
- médiuns mercenários: que fazem pagar seus
serviços;
- médíuns de má fé: ou «tapeadores»;

40
- médiuns egoístas: que guardam para êles sua
faculdade e suas comunicações;
- médiuns ciumentos: de seus confrades mais
poderosos. . . e todos os matizes das imperfeições hu­
manas.

A invoceçdo
Como o médium entra em serviço? Não há fór­
mula sacramental, mas algumas condições são ne­
cessárias para que uma reunião espírita seja pro­
dutiva.
No plano prático, é preciso uma sala escura, es­
pecialmente para os fenómenos de materialização e
de transporte. E isto por muitas razões. Primeiro,
porque a luz do dia poderia tornar menos visível uma
aparição ligeira. Além disso, a luz parece ferir í'si­
comente os ectoplasmas. Não é de admirar, dizem
os espíritas, uma vez que, no domínio cotidiano, a
revelação das placas fotograficas necessita também
do escuro, pois a luz vela as imagens captadas pelo
filme. Tratar-se-ia de uma reação de certo modo
química no próprio tecido de perispírito. Lembre­
mos Eliphas Levi, que indica também a obscuridade
como elemento indispensável à evocação de um mor­
to em seu «Rituel die ha:ute ma:gie» (6).
Um certo número de médiuns exige o «gabinete
escuro». Num ângulo da sala, dispõe-se em diagonal
um varão metálico, onde se colocam duas cortinas
pretas que isolam e fecham completamente um can­
tinho. t neste que parmanece o médium, com
seu hipnotizador, quando êste é preciso. A assistên­
cia se recolhe e faz a cadeia, dando-se as mãos, pe­
lo resto da sala. De súbito, a voz do médium se ele-

41
va, rápida ou lenta, grave ou aguda, de acôrda oom
as incorporações. Ou então as cortinas se entreabrem
para exibir uma aparição.
Fora das manifestações espontâneas - raras -
a assembléia deve manter grande recolhimento. Os
assistentes dão-se as mãos, cantam suavemente um
cântico, às vêzes discretamente acompanhados de
instrumento musical: a unidade de pensamento é nes­
cessária. Também a paciência: não é caso de desâ­
nimo se o Espírito não responde imediatamente à cha­
mada. Os Espíritos recomendam, muitas vêzes, a
prática de pequenas reuniões íntimas, em que a uni­
dade de pensamento se faz fàcilmente, de preferên-.
eia às grandes exibições públicos dos tempos heróicos
do espiritismo. A atmosfera é ainda mais perturba­
da se as pessoas se reunem por acaso. Ê preciso não
esquecer que os médiuns não atraem qualquer Es­
pírito. A atração se faz por afinidade perispirítica e
esta afinidade é, em grande parte, uma afinidade de
alma, pois os sêres materiais possuem um perispírito
mais grosseiro que os sêres evoluídos. Se se deseja
comunicação séria, instrutiva e de valor, é necessá­
rio um bom médium que seja sério, instruído e te­
nha boa moral. Mas é preciso, também, que nada
na assistência possa dar uma nota dissonante.
Evoquemos, aqui, aquela impressionante Dança
do lama morto que Percheron descreve em sua obra
«Dieu et démons de Mo:ng,ol:iie». Uma noite de luar,
os monges de um mosteiro mongol se reuniram em
um vasto círculo de mais de um quilómetro de diâ­
metro. Ao centro, um grupo: um comprido embrulho
colocado no chão, dois ou três monges. Um cheiro
pronunciado de decomposição afeta as narinhas. Um
dos monges se deita sôbre o cadáver, colocando seus
lábios nos lábios mortos. Um tempo interminável.

42
Depois, ergue-se e põe-se a dar voltas, lentamente,
sustentando de leve o cadáver pelas axilas. Uma,
duas vêzes, êle percorre o círculo. Na terceira vez,
Percheron vê, com espanto, o homem e o morto gira­
rem um diante do outro, separados e sem nenhum
ponto de contato. A lição desta macabra experiên­
cia? O morto foi reanimado pela transmissão da
energia vitol do monge operante, mas também, ex­
plica um adepto a Percheron, por «sua energia vital,
captada sem que o senhor o percebesse.»
Parece que um fenómeno desta ordem intervém
na cadeia dos praticantes espíritas, contribuição ener­
gética e associação ao trabalho específico do mé­
dium.
E, agora, quem é invocado?
A identificação do Espírito é fácil quando se
chama um morto recente e bem conhecido de um dos
assistentes. O tom da narração do Desencarnado e o
relato das lembranças pessoais, mais ou menos íntimas
bastam. A literatura espírita é abundante nestas
reaparições comoventes em que antigos afetos, cruel­
mente interrompidos pela morte, tornam a se encon­
trar e se renovam. A bem dizer, é êste o objetivo das
-p equenas sessões entre amigos, que se realizam em
tão grande número e que não têm outra finalidade
além do reconfôrto moral.
Existem, todavia, círculos mais ambiciosos. Os
livros de Allan Kardec, ~ Rufina Noggerath, as re­
vistas espíritas estão repletos de grandes nomes:
Vicente de Paulo, São Luiz, Joana D'Arc, Napoleão ...
até mesmo Cakya Muni. Isto faz refletir. O sábio
Allan Kardec dá, ainda uma vez, a decifração do enig­
ma: realmente, os Desencarnados são infinitamente
mais numerosos que os vivos sôbre a terra. Êles va­
gam no Além, reunindo-se por suas afinidades mo-

43
rais. A nossa necessidade de exatidão lhes pare­
cem ociosas, inúteis e o interrogatório identificador
lhes é até um pouco odioso. f:les nos atiram um
nome que é, de certo modo, o nome genérico de uma
família do Espírito, ou o mais representativo desta
família para nós, sêres terrenos. Uma comunicação
assinada « Vicente de Paulo» não significa, forçosa­
mente, que Vicente de Paulo tenha ocorrido, mas um
Espírito em harmonia consigo. A comunicação, po­
rém, é de tal forma, que Vicente de Paulo poderia
assiná-la.
É grande a probidade crítica dos melhores cír­
culos espíritas. As comunicações são peneiradas e
submetidas a uma espécie de exegese. Se alguma
coisa, no fundo ou na forma, não parece em harmo­
nia com a assinatura, o círculo concluí que o médium
foi vítima de um Espírito burlador ou maroto, e a
mensagem é desprezada. Um médium sério deve
se submeter, de bom grado, a êste trabalho impie­
doso.
Vejamos, agora, o teor dessas mensagens, que
revelam, para nós, o que se pode chamar a filosofia
espírita ou visão espírita do universo e de suas leis.

44
CAPíTULO III

ALLAN KARDEC E A FILOSOFIA ESPíRITA

É nas obras de Allan Kardec que reside o mais


antigo, o mais completo e, digamos. mesmo, o mais al­
to memorial da filosofia espirita.
Léon Denis, sucessor de Allan Kardec no papel
de pensador do espiritismo ocidental, choca-nos por
causa de sua violência anti-religiosa e, em resumo,
à parte o seu ódio à Igreja, «a grande prostituída»,
não acrescentou novidades revolucionárias ao monu­
mento do primeiro mestre. Depois dêles, conforme
veremos, os espíritas cindiram-se em vários movi­
mentos que viveram, mais ou menos, com base na
fonte comum antiga, dando às suas atividades, um
aspecto particular, taumatúrgico ou outro qualquer.
Sem falar nos inumeráveis Círculos, cuja atenção se
dirige unicamente às mensagens pessoais ou às pre­
dições do futuro.
Hippolyte-Léon-Denizart Rivail nasceu em Lion,
aos 3 de outubro de 1804, numa família burguesa de
magistrados e advogados. Fêz seus primeiros estu­
dos na cidade em que nasceu, depois inclinou-se pa­
ra as ciências, a medicina (2) e a filosofia completan­
do seus estudos em Yverdun, Suíça, junto do cé-

45
lebre Prof. Pestalozzi, de quem se tornou colaborador
e discípulo. Trabalhou na divulgação de seu siste­
ma de educação que estendeu sua influência sôbre
a reforma dos estudos na Alemanha e na França.
Católico, criado em país protestante, sofreu atos de
intolerância que o ligaram à idéia da unificação das
crenças.
Terminados os estudos, regressou à França. Ca­
sou-se, aos vinte e oito anos, com a filha de um ta­
belião, sua vizinha, que também exercia o magisté­
rio. Ambos instalaram um pequeno curso, orientado
pelos novos princípios pedagógicos. Reveses da for­
tuna e falta de sorte fizeram-nos atravessar horas
de amargor. Fechou-se a escolinha. Allan Kordec
teve que exercer o magistério fora; traduziu para o
alemão -diversas obras de educação e de moral, den­
tre as quais as de Fenelon. (1) Depois, sua situação·
financeira melhorou. Foi membro de várias associa­
ções culturais, como a Academia Real de Arras, que
õ premiou, em 1831, por sua monografia sôbre a
questão: «Qual é o sistema de estudos mais em har­
monia com as necessidades da épocc?» De 1835 a
1840, fundou, em sua casa, sempre auxiliado pela
espôsa, cursos gratuitos de física, astronomia, ana­
tomia, etc. Em 1854, um amigo médium revelou-lhe
a mesa que gira. O pseudónimo de Allan Kardec foi­
lhe revelado no deéorrer -de uma comunicação assi­
nada Espírito de Verdade que, após lhe mostrar ter
sido êsse o seu nome, ao tempo dos Drúidas, conci­
tou-o a trabalhar no sentido iniciador que lhe era
próprio depois de várias encarnações.

(1) René Guenon (L'erneur spirite) coloca-o à testa do teatro


Folias Marigny (p. 32) Na realidade êle teve, para poder viver, que
trabalhar -em contabilidade, em sua casa, e a escrita daquêle teatro,
como· tantas outras, ajudou-o a comer. Veja-se Claude Varéze, bí-
bliografia (1).

46
Desde logo tôda sua atividade foi colocada a
serviço do espiritismo. Obras principais:
Abril de 1857: «Le Livrie deis espríís»
Janeiro de 1861: «Le Livre des médiums»
Agôsto de 1864: «L'ElviangiLe seLon 1e spiritisme»>
Janeiro de 1868: «La G,enes,e,, les mir1a:clies et Les
prédictions selon 1e spiritisme», etc.
Além disso:
19 de janeiro de 1868: fundação da «Revista Espí­
rita» (ou jomo! de estudos psicológicos).
l 9 de abril de 1868: fundação da «Sociedade pari­
siense de estudos espíritas», sob sua presidência.
Morreu em Paris, a 31 de março de 1869, com a
idade de sessenta e cinco anos, de uma moléstia do
coração, agravada pela estafa. Repousa no cemité­
rio «Pére Lachaise», sob uma espécie de dolmen e
seu túmulo é objeto de grande veneração.
Existência virtuosa e trabalhadora. Apaixonada,
é verdade, mas nunca manifestando os exagêros e
o sectarismo dos seus sucessores. Todos os seus li­
vros· revelam não só amor pela humanidade inteira,
quaisquer que sejam as divergências de pensamen­
to, mas também generosidade e tolerância. Sua
probidade mental não admite contestação: em seus
escritos, sempre dedicou espaço às críticas possíveis
ou efetivas, mencionando, corajosamente, as fraudes
a que, desde aquela época, os fatos espíritas deram
lugar. Sua obra é apenas a transcrição das mensa­
gens recebidas dos Espíritos. O autor não fêz mais
que sistematizar a doutrina, agrupar as respostas de
maneira lógica e dirigir as perguntas de um jeito que
satisfizesse as exigências do nosso cérebro terreno.
Seu «Le livre des esprits». do qual nós extraímos a
essência da exposição da doutrina, apresenta-se co­
mo um catecismo comentado. O sistema é completo

47
e compreende uma metofísico, inteiramente reple­
ta de considerações físicas ou genéticas, e u'o moral.

Cosmogonia
Deus é a inteligência suprema, causa primeira
de tôdas as coisas. A harmonia universal é a prova
evidente de sua existência. Êle é eterno, infinito, imu­
tável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente
justo e bom: é pelo menos neste máximo de perfeição
que a nossa fraqueza humana pode concebê-lo. Por­
que Deus é inacessível à inteligência do homem.
Mas, embora não possamos saber quem êle é, pode­
mos, pelo menos, saber quem êle não é. Ou melhor:
a matéria lhe é exterior: é a condenação expressa
do panteísmo emanatista, como na ortodoxia católica.
O universo é uma trindade, Deus criador, o espí­
rito e a matéria, mais um quarto elemento, o fluido,
fonte de vida animal, intermediário entre o espírito
e a matéria, matéria, porém, de natureza elétrica ou
magnética, da qual já vimos uma forma no perispí-
ilio. 1
Tôda a matéria provém, aliás, de um único ele­
mento simples. O que nós chamamos ainda corpos
simples não são elementos verdadeiros; consideramo­
los assim, por causa do estado imperfeito de nossas
ciências.
O universo foi criado por um ato de vontade di­
vina. Os sêres vivos são provenientes da eclosão de
germes que se encontravam, a princípio, dissemina­
dos no éter, antes que a terra existisse, incluídos
posteriormente no cáos primitivo, até o dia em que
as circunstâncias tornaram-se favoráveis à sua eclo­
são. Essas mesmas circunstâncias atualmente estão

48
,.
muito modificadas (1) e o homem transformou pro­
fundamente a terra parp: se nutrir de seus elementos,
de tal forma que hoje a aparição espontânea de ho­
mens é impossível.
O ser humano surgiu em diversos pontos, em
várias épocas, nascido de germes análogos, mas li­
geiramente diferentes, o que produziu as diferentes
raças. Adão é um mito.
Na natureza, os minerais representam a matéria
não vitalizada, . provida unicamente de fôrça mecâ­
nica latente. Os vegetais representam a matéria vi­
talizada. Os animais a matéria vitalizada enriquecida
de uma espécie de inteligência inferior, inteiramente
aplicada às necessidades imediatas da vida, chama­
da inteligência instintiva. As categorias não são bem
demarcadas, as transições são insensíveis. A sen­
sitiva, por exemplo, embora vegetal, apresenta traços
de uma atividade inteligente instintiva.
Os animais têm alma, ou melhor, uma espécie
de alma, princípio individual que sobrevive ao cor­
po, dando-lhe uma certa inteligência, variável com
as espécies, e uma liberdade muito limitada. No
Além, êles sobrevivem, individuais, mas errando ao
acaso, cegos e inconscientes.
A alma do homem comporta a vida moral e uma
grande liberdade de julgamento e de ação. A al­
ma humana e a do animal provêm do mesmo princí­
pio inteligente universal. Mas êste sofreu, no homem,
uma elaboração considerável numa série de existên­
cias que precederam o período da humanidade. Ês­
te período pode ter-se passado algures, fora do nosso
planêta, em estados de que não temos nem idéia.

(1) Allan Kardec mostra-se, aqui, de acôrdo com Jean Rostand,


bibliografia !34).

49
4
Mas não há trocas incarnacionais entre ó reino hu­
mano e o animal, um não deriva do outro, êles eram
diferentes no início. Sobretudo, não pode ter havido
regressão do corpo de um homem para o corpo de
um animal de uma para outra existência: «Um rio
nunca volta à sua fonte.» É a condenação explícita
da metempsicose hindu, como é comumente entendi­
da (1).

Os Espíritos
Os Espíritos ou almas provêm, por um ato da
vontade divina, do princípio espiritual que poderia
ser chamado a inteligência universal. Os Espíritos
tiveram um comêço e, sem dúvida, terão um fim,
mas êsse princípio e êsse término são um mistério
para êles próprios. O mundo espiritual é preexisten­
te ao natural: são independentes um do outro, em­
bora oicm, constontemente, um sôbre o outro, com­
penetrando-se no homem. Os Espíritos são dotados
de instantaneidade do pensamento, mas não exata­
mente de ubiqüidade. Quando lhes acontece mani­
festar-se em vários lugares ao mesmo tempo, isto se
dá em virtude de uma espécie de irradiação: êles,
porém, continuam sendo um só.
Os Espíritos estão longe de serem semelhantes. Cria­
dos iguais no princípio, simples e ignorantes, alguns na­
da aprendem mais tarde, continuam ignorantes, pesa­
dos, desejosos da matéria e completamente enredados
em seus atrativos. Outros, ao contrário, progridem.
O progresso admite naturalmente, inúmeros matizes,
mas pode-se fazer uma idéia do caminho a percor-
(1) Isto na escola kardecista. Outros espíritas (veja-se especial­
mente "La Survie", de Rufina Hoggerath, história de Black, pág. 122)
admitem a evolução única e universal de tôda a alma, do mineral
ao homem, passando pela planta e pelo animal.

50
rer por meio da escada espírita, ou classificação' dos
Espíritos dada por êles próprios em muitas comuni­
cações. A escada espírita é um dos pontos impor­
tantes da novel revelação.
Três categorias essenciais, de baixo para cima:
- Espíritos imperfeitos;
- Bons espíritos;
- Puros espíritos.
Esprltios ímperíeítos - Predominância da maté­
ria sôbre a inteligência. Propensão para o mal. Ig­
norância, orgulho, egoísmo, ciúme e tôdas as deleté­
rias paixões que se lhes seguem. Êles têm a intuição
de Deus, mas não o compreendem. Sua linguagem
trai seu pensamento mau, no fundo ou na forma. Não
são felizes: a visão das delícias terrestres que êles
perderam pela morte, e a visão da felicidade dos
bons, a qual não podem alcançar, é, para êles, um
tormento. Como progridem pouco e muito lentamen­
te, sentem-se sempre sofredores. É a origem da
crença num inferno eterno. Estão êstes espíritos divi­
didos em cinco classes: os impuros (viciados e trapa­
ceiros), os espíritos ligeiros, os pseudo-eruditos, os
neutros (que, sem prejudicar positivamente, conti­
nuam essencialmente unidos à matéria), os batedores
e perturbadores (como aquêle da Rua des Noyers).
São todos êstes Espíritos inferiores que formavam,
nas antigas mitologias, o grupo dos dernônios, dos
anjos e dos génios maus.
Os bons Espíritos - Predominância do espírito
sôbre a matéria. Vontade de fazer o bem. Não es­
tando ainda completamente desmaterializados, con­
servam mais ou menos, de acôrdo com sua categoria,
os traços da existência corporal nos hábitos do pen­
samento. Compreendem Deus e o infinito e já des­
frutam da felicidade dos bons. Sentem-se felizes
quando praticam o bem ou impedem a prática do mal.

51
O amor que os une é, para êles, uma fonte de alegrias
inefáveis, não alteradas nem pela inveja, nem pelo
remorso, nem por qualquer das outras paixões más
que são o tormento dos Espíritos imperfeitos; todos,
entretanto, precisam, ainda, sofrer as provações, até
que atinjam a perfeição absoluta e façam desapa­
recer os efeitos de seus atos anteriores. Corno Espíri­
tos, êles suscitam bons pensamentos, desviam os ho­
mens do caminho do mal, protegem na vida aquêles
que se tornam dignos e neutralizam a influência dos
Espíritos imperfeitos, desde que se não preste a êstes
muita atenção. São êles os génios bons, os proteto­
res e os anjos da guarda das diferentes religiões.
Existem, entre êles, quatro classes: os benfazejos
(bondade), os cultos (inteligência), os prudentes, no
sentido da Sabedoria antiga, e os superiores, pos­
suindo conhecimentos, sabedoria e bondade. Os ul­
timas reremente se encarnam, têm sempre uma mis­
são de progesso. Jesus é o seu modêlo, com Cokya
Muni e alguns outros.
Os pul:'IOIS Espíritos - Influência da matéria, nu­
la. Superioridade intelectual e moral absoluta em
relação aos Espíritos de outras ordens. São êles os
anjos, os arcanjos e os seroíins.
Sàmente as provações da encarnação, a passa­
gem através da matéria e as missões concedidas, po­
dem instruir e esclarecer os Espíritos - os homens
- e fazê-los percorrer os degraus da escada. A inte­
ligência e .a educação da alma crescem com as pro­
vações suportadas; a regressão é impossível. Como
se vê, nem os anjos podem criar anjos, nem os demó­
nios podem criar demónios para a eternidade. Nada
mais que almas no caminho da perfeição.
No Além, os Espíritos vivem em comum. Não
existe o mundo dos Espíritos Superiores, o mundo dos

52
Espíritos Superiores, o mundo dos Espíritos ligeiros,
etc, mas êles se agrupam espontâneamente, por afi­
nidades, em famílias espirituais. As afinidades são
evidentes e infalíveis: impossível usar u'o máscara,
nada está oculto ou é dissimulável, como na terra.
A qualidade dos Espíritos e sua classe é tão evidente
quanto a côr branca ou preta da nossa pele. Quanto
mais se sobe na escada, mais aumenta o amor recí­
proco dos Espíritos da mesma categoria: os Espíritos
das classes inferiores afastam-se muitas vêzes uns
dos outros, devido às pirraças que fizeram mútua­
mente neste mundo. Os Espíritos inferiores estão
submetidos aos Espíritos Superiores dos quais rece­
bem ordens e missões. A comunicação entre os Es­
píritos se estabelece pela transmissão de pensamento.
A vida dos Espíritos é errante. O homem, des­
pojado de seu corpo, é essencialmente ambulante,
seja qual fôr sua classe como Espírito. Enquanto êle
erra, aprende, mede suas faltas, executa missões aqui
e alí, sua experiência é mais variada que na terra
onde estava fixado no espaço, obsecado pelo seu
corpo. Passado, presente e futuro são, para êle,
um único tempo, um presente, mas nenhum conhece
seu destino ou outros destinos. Isso depende dos
conhecimentos gerais e de sua posição na escada.
Os Espíritos experimentam sensações morais, mas
que se ligam, às vêzes, especialmente se são infe­
.
\\
riores, a lembranças de antigas percepções terrestres.
Éles, têm conhecimento de tudo quanto conhecemos
pelos nossos sentidos, mas, naturalmente, trata-se
de uma captação sutil que nada tem de comum com
nossa visão, nossa audição ou outra percepção ter­
restre. Poder-se-ia dizer que êles entram em conta-

53
to direto e instantâneo com tudo o que captamos
pelos nossos sentidos.
Quais são as missões às quais se consagram
os Espíritos de uma ponta a outra de sua hierarquia?
As de concorrer poro a harmonia universal. Os Es­
píritos superiores pensem e ordenam esta harmonia,
depois as necessidades vão se individualizando e
diminuindo de importância. Para os Espíritos infe­
riores, trata-se, quase sempre, de obedecer sem com­
preender. Se êles fraquejam em seu papel, deverão
reparar o prejuízo causado e sofrer em proporção
ao mal que fizeram.
As missões podem ser realizadas no estado er­
rante ou na encarnação. A paternidade ou a ma­
ternidade, por exemplo, são consideradas como mis­
sões de preferência. De u'o maneira geral, a encar­
nação entra nos planos da harmonia universal, per­
mitindo aos Espíritos avançar. Raros são os Espíritos
que têm, na terra, u'o missão direta sôbre o aperfei­
çoamento dos homens. Quando a tarefa deve ser rea­
lizada no Além, ela consiste em inspirar os vivos, pe­
la transmissão do pensamento, o mais das vêzes, e
sem que êles desconfiem ou a preparar os acasos e
os grandes acontecimentos geradores de úteis trans­
formações de uma vida terrestre.

A morte, a encarnação e a reencarna.ção


Ser Espírito ou homem é apenas uma questão
de mudança de estado, que se opera pela morte ou
pelo nascimento.
Os órgãos físicos de um moribundo apresentam
uma tal falha, que a circulação do fluido vital, levado
pelo perispírito, interrompe-se. Geralmente isto não

54
se produz em um dia. No curso da 'doenço, os órgãos
ou o órgão doente se destroem pouco a pouco: o
impulso vital, porém, é tão forte, que o fluido cósmi­
co circula assim mesmo, durante algum tempo, po­
dendo certos órgãos, às vêzes, suprir numa dada
medida, os enfraquecidos. Mas, quando a doença
ou a ferida se agravam, a destruição fisiológica é de
tal sorte, que se verifica um corte nítido no caminho
erçôníco da corrente vital: é a morte.
O desprendimento da alma, envôlta em seu pe­
rispírito, não é instantâneo, pois é uma questão de
evolução psíquica. Os sêres evoluídos abandonam
prontamente, em algumas horas, a prisão carnal.
Os sêres materiais, às vêzes, os que morrem de mo­
do violento, deixam-na depois de bastante tempo:
é o período da «perturbação espírita». Os mortos
não compreendem que estão. mortos e ficam próxi­
mos do corpo, protestando e moldizendo. Nos casos
maus, essa perturbação pode durar muito tempo,
tempo perdido para a evolução.
"Revista Espírita de 1958 - Um Espírito assiste ao p,róprío
entêrro - O Sr. X. . . foi acometido de um ataque de apople­
xia. Algumas horas depois de sua morte, o Sr. Adrien, um de seus
amigos, encontrava-se em seu quarto, acompanhado da viúva.
Êle percebeu distintamente o Espírito do morto andar de um lado
para o outro, olhar alternadamente seu corpo e as pessoas presen­
tes, depois sentar-se numa poltrona. Tinha exatamente a mesma
aparência de quando vivo. Vestia-se com as mesmas roupas
pretas. Tinha as mãos nos bolsos e um semblante preocupado.
"Durante êsse tempo, a viúva procurava um papel na es­
crivaninha. O marido olhou-a e disse: "Não adianta procurar.
Você não encontrará nado." Ela não percebia, obsolutamente,
o que estava se passando, pois o Sr. X ... era visível apenas ao
Sr. Adrien.
"No dia seguinte, durante os exéquias, o Sr. Adrien re­
viu o Espírito do amigo andando ao lado do caixão, mas sem
as roupas da véspera: envolvia-o uma espécie de tapeçaria. Es­
tabeleceu-se entre· ambos êste diálogo:

55
P - Diga-m e um a coisa, caro Espírito, que está sentindo
agora?
R - Sinto bem estar e sofrim ento.
P - N ão com preendo bem isso ...
R - Sinto que estou vivo, m as, entretanto, vejo m eu
corpo aqui, neste caixão. Apalpo-m e e não m e sinto, m as per­
cebo estar vivo, existindo. Sou, então, duplo? A h! Quero sair
deste im passe, tenho pesadelo!
P - E você vai ficar assim por m uito tem po?
R - Oh! não, graças a Deus. Sinto que em breve acor­
darei: será horrível também. Tenho as idéias confusas, tudo é
nevoeiro. Pense na grande divisão que acaba de ser feita ...
Ainda não compreendo nada!
P - Que sensação lhe deu a morte?
R - A morte? Mas ainda não morri, meu cara amigo,
você está enganado! Levantei-me e fui surpreendido por um
nevoeiro que desceu sôbre os olhos, depois acordei e imagine
o meu espanto ao me ver, aa me sentir vivo e ao ver, no chão,
meu outro eso deitado. Vi minha mulher chegar, velar, la­
mentar-se e eu não sabia por quê. Consolei-a, falei-lhe, mas
ela nada respondia nem compreendia; era isto que me tortura­
va. Só você me fêz bem, porque me entende e compreende, a
que quero. Mas por que os outros "não fazem o mesmo? É isso
que me tortura. O meu cérebro está esmagado por esta dor ... "

Passado êste estágio de perturbação, ao qual


ninguém escapa, a alma se vê no mundo dos Espí­
ritos. Ela se vê tal qual é, toma consciência de suas
fa'.tas, de seu ·lugar, do que lhe resta a aprender,
e começa, como Espírito, sua perambulação cheia
de ensinamentos. Bem entendido: a encarnação ou
escola da matéria, é a provação da escolha, a me­
lhor ocasião de se instruir. Ê numa pluralidade, nu­
ma multidão de encarnações, que a alma atinge o
conhecimento e a pureza.
As encarnações sucessivas não se fazem tôdas
aqui na terra, mas em diferentes mundos, e, mesmo,
se for necessário, em mundos estranhos ao sistema
solar. Sôbre êste ponto é preciso saber que Marte

56
nos é inferior, que Vênus é mais adiantado e que
Júpiter é infinitamente mais odícntodo ainda. Pode-se
retrogradar de posição social, de uma existência pa­
ra outra, mas nunca, nós, o sabemos, retrogradar de
classe espiritual, pois a posse da alma é definitiva.
Do mesmo modo não guardamos, numa nova exis­
tência, a lembrança exata de nossas provações an­
teriores, mas a experiência geral continua em nossa
posse. Há coisas que não faremos, porque o nosso
ser se levanta contra elas, sem que, contudo, possa
sempre explicar a si mesmo a razão .
Os Espíritos, naturalmente, não têm sexo, passa­
mos de um para outro sexo, de uma para outra vida
sem qualquer alternativa: é uma determinação físi­
ca. Assim também os pais são os pais carnais. Até
certo ponto, os espíritos atraem as almas que têm,
com as suas, uma afinidade, mas isto não é impera­
tivo. A importância do papel dos pais vem de sua
influência, de seu exemplo, das tendências que êles
suscitam, das possibilidades que dão, a uma alma
nova, de desenvolver suas melhores faculdades.
Chega uma ocasião, na sua vida errante, em que
o Espírito sente pesar o imperativo da reencarnação.
Se êle ainda se encontra em estado inferior, recebe
uma designação precisa e só lhe resta escolher en­
tre a aceitação ou a fuga das provações que o espe­
ram: é claro que esta última solução nada resolve,
afinal. Enquanto é inferior, o espírito pode almejar,
em todos os casos, a grandes provas; equivale a
recuar para saltar melhor. Os Espíritos mais escla­
recidos podem, numa medida cada vez maior, esco­
lher livremente a sua nova vida com conhecimento
de causa: escolhem então quase sempre as prova­
ções mais difíceis para atingir o aperfeiçoamento de

..f 57
modo mais rápido. Eles chegam a antecipar, com
seus desejos, a época da sua reencarnação.
O renascimento é precedido de uma perturba-
ção bem maior, bem mais profunda que a da morte. '
Se é sempre penoso mudar de estado, mais doloroso
ainda é abandonar um estado etéreo por. um estado
de provações e de aprisionamento na matéria. «A
alma é como o viajante que parte para uma travessia
perigosa, sem saber se irá encontrar a morte nas
vagas que enfrenta.» Se a alma é de qualidade,
é ela rodeada pelas suas semelhantes, naquele mo­
mento, e por estas será muitas vêzes seguida e guia-
da. Nas esferas inferiores, impera o «cada um por
si».
A união da alma com o corpo começa no momen­
to da concepção, mas só se realiza no instante do
nascimento. Nesse intervalo de nove meses, a alma
ffcã: num entorpecimento espiritucl profundo e a lem­
brança do passado desaparece. O Espírito, porém,
guia a construção do seu corpo. De acôrdo com
uma expressão tomista, a alma é a forma, a idéia
real do corpo. A matéria se organiza segundo sua
lei. O crescimento infantil, aperfeiçoando os cen­
tros do pensamento e da vontade, dá lentamente ao
Espírito seus instrumentos.
Não falaremos sôbre a interpretação espírita de
certo número de estados: o sono e os sonhos, a letar­
gia, a catalepsia, o sonambulismo, o êxtase, que
repousam sôbre a libertação antecipada da alma
desde a vida terrestre, quando o corpo está momen­
tâneamente neutralizado.

58
A moral
O edifício espírita é coroado por u'o moral con­
substanciada em dez leis que formam, em seu con­
junto, a lei divina ou natural, sintetizada nesta res­
posta de Jesus: «Amarás o Senhor teu Deus de to­
do o teu coração, de tôda a tua alma e de tôdas as
tuas íôrços, e amarás teu próximo como a ti mesmo,
pelo amor dêle.»
A noção do bem e do mal é simples. Deus não
tem necessidade de punir os homens pelo mal e
recompensá-los pelo bem. O bem vai cio seu en­
contro, no sentido do amor, da criação, e oomporta
uma semente de felicidade. O mal vai em sentido
contrário e contém o sofrimento. Cada qual sofre as
conseqüências de seus atos materiais e de seus pen­
samentos, que são atos do Espírito. As conseqüências
podem relacionar-se com uma existência anterior
e continuam enquanto não forem extintas. São trans­
portadas de uma vida para a outra. Assim se expli­
cam, em grande parte, as condições felizes ou infeli­
zes, tão desiguais, em que vemos os homens se de
bater.
Vejamos, ràpidamente, as dez leis morais, uma
a uma:
Lei da adior,açã10 - pertencendo ao fundo reli­
gioso da humanidade, é uma fusão da alma com
Deus. A prece atrai junto de nós os bons Espíritos
que nos ajudam.
Lei do trabalho - provém da corporalidade do
homem e dos sêres vivos no seu aspecto terrestre,
mas é comum a todos os mundos de provações, sob
diferentes formas. É o caminho do progresso.

59
I

A Lei da :riep!tlodução ..:____ é uma lei sagrada, que for­


nece o veículo da carne aos Espíritos desejosos de
se aperfeiçoar. Eis porque o celibato não é admiti­
do pelos espíritas, a menos que seja um alto sacri­
fício em prol da humanidade, tal como Jesus ou Vi­
cente de Paulo. Aí está, também, porque o abôrto
constitui crime, por menor que seja o feto.
A 1ei da ooinserva.çã,o obriga os homens a respei­
tar a vida de seus semelhantes como a sua própria,
até em suas necessidades materiais. O ascetismo
egoísta não tem valor aos olhos dos espíritas. Como
também o suicídio é uma das maiores faltas que po­
dem ser cometidas contra o aperfeiçoamento e a
harmonia universal. Serão infelizes todos os que
levarem um homem a êsse gesto: por êle responde­
rão, como por um ossossimo. Em geral, o suicídio
tem, como conseqüência, o prolongamento da confu­
são espírita, o arrependimento, o desapontamento
(pois nada está, em suma, resolvido, e a provação
terá que ser sofrida em uma nova vida), e as alucina­
ções resultantes do estado violento em que o suicida
abandonou a vida:
«Reviski: Espírita», 1858: um suicida.

lnvocoção de um suicida, para a doutrinação:


"Rogo a Deus todo-poderoso permitir ao Espírito do indi­
víduo que se suicidou no dia 7 de Abril de 1858, nos banhos pú­
blicos da Samaritano (cortou o pescoço numa banheira), comu­
nicar-se conosco. Esperem, êle aqui está.
P - Onde estás agora?
R - Não sei, digam vocês ...
P - Estás na Rua de Valois, Palais-Royal, n.0 35, numa
reunião de pessoas que se ocupam de estudos espíritas e que
são bondosas contigo.
R - Digam-me se estou vivo, pois me sufoco neste túmulo.
P - O que te impeliu a vir até nós?

60
R - Senti-me aliviado.
P - Qual o motivo que te levou ao suicídio?
R - Estou morto? Ainda não! Estou em meu corpo ...
Vocês não sabem quanto sofro... Sufoco... Que u'a mão pie­
dosa acabe comigo!
P - Por que não deixaste algum sinal para seres reconhe­
cido?
R - Fugi do sofrimento e encontrei a tortura. . . Estou
abandonado. . . -Nõo ponham ferro em brasa numa ferida que
sangra ..•
P - Tiveste alguma hesitação no momento em que te ma­
taste?
R - Tinha sêde da morte. . . Almejava o repouso.
P - Que reflexões fizeste na ocasião em que sentiste a vi­
da se extinguir?
R ~ Não refleti, apenas senti. . . Mas a minha vida
não se acabou, minha alma está ligada ao corpo. . . Sinto os
vermes que me roem ... "

Lei dia destruição - é uma lei da matéria. Os


Espíritos geralmente têm horror à destruição. Pelos
sofrimentos que implica, ela ativa o aperfeiçoamento
geral.
Lei da secíedode - o homem não pode se aper­
feiçoar senão no meio de seus semelhantes, e prestan­
do-lhes serviço. Os espíritas condenam expressamen­
te a misantropia e os votos de silêncio, inúteis aos
seus olhos.
Lei do prog11esso - é absoluta, apesar das apa­
rências, mas lenta em sua marcha. A civilização é
um meio de progresso. A inteligência e as faculda­
des morais são duas fôrças que não avançam para­
lelamente, mas que acabam sempre por se equilibrar.
Lei da igu,ald1C1de - a igualdade é natural e ori­
ginal. As desigualdades são transitórias, materiais,
sociais, psicológicas, etc. São, para nós, uma escola,

61
desde que compreendamos que as criamos, em gran­
de parte, pelos nossos atos.
Lei da libietidade - somos determinados pela
nossa vida material, mas nossa alma nos dá a liber­
dade de pensar e de julgar. Esta liberdade é sagrada
e os maiores castigos estão reservados aos opresso­
res dos espíritos e das consciências.
Lei da justiça 1e do ,amoa:- - o critério desta jus­
tiça, independente de qualquer justiça terrestre, é:
querer para os outros o que desejamos para nós mes­
mos, com seu corolário já lembrado: amar os outros
como a nós mesmos pelo amor de Deus. Lei de tal
forma fundamental que o maior defeito humano, pa­
ra um espírita, é o egoísmo.
Em resumo: sôbre uma metafísica, em muitos
pontos revolucionária, u'o moral cristã tradicional.

Antiguidade e novidade do espiritismo


Tudo isto não é inteiramente novo.
O próprio fato de se entrar em relações com os
Espíritos dos mortos é velho como a humanidade.
Sempre se dcreditou em fantasmas, em casas assom­
bradas e o mundo sempre oonheceu profetas e viden­
tes. AUan Kardec o recorda: «Quando os fenômenos
estranhos do espiritismo começaram a se produzir,
ou melhor, a serem renovados nestes últimos tem­
pos ... » (4) e cita, adiante, Tertuliano que, no século
II afirmava, diante do Senado romano, a existência
da adivinhação pelas mesas, e disso falava como de
uma prática corrente. O mesmo disseram Plínio e
Aristóteles. E referências a tais fatos encontram-se
na antiga literatura, a partir do comêço da nossa ci­
vilização, de base mediterrôneo.

62
Saul (1), violando suas próprias defess que, à
véspera de sua derrota, em uma página célebre, de
triste poesia, evoca a sombra de Samuel, pela bôca
da mágica de Endor. Homero, na Odisséia. mostrou­
nos Ulisses em ação. No século V a. C., Ésquilo, em
Os Persas, descreve a viúva de Dario, auxiliada pelo
Côro, invocando seu nobre esposo do Reino das Som­
bres. Ela preside às libações: leite e mel, óleo, vi­
nho. Depois, o Côro inicia um cento selvagem e Da­
rio aparece. É preciso pressa, pois êle dispõe ape­
nas de alguns instantes, antes de regressar a Hades.
Contràriamente a Samuel, êle não é perspicaz na
morte, e são a Rainha e o Côro que lhe revelam as
desgraças de seu país, a frota dispersada e a fuga
de seu filho Xéres. f:le, porém, deixou uma tal recor­
dação de sabedoria que foi por seus conselhos que
o povo se orientou, como antigamente. Os assírios
fornecem-nos exemplos ainda mais antigos; é o herói
Gilgamesch, espécie de Hércules, que faz voltar do
Além seu amigo Enkidu para se entreter consigo e
conhecer a sorte dos mortos. Para os Assírios e os
Babilónios, os mortos eram um sôpro, um vapor. Po
diam tornar as casas assombradas. Os destinos de
nosso mundo eram decididos num outro mundo, os
mortos conheciam nosso destino e podiam dar-nos
conselhos. (5)
Os egípcios criam num «Kho», no qual os eru­
ditos viram o duplo perispírito do morto, É êste «Khc»
que êles tentavam reter no túmulo, apresentando-lhe
oferendas. Em certas condições, invocavam os mor­
tos para deles obter sonhos premutórios (2)

(1) "A Bíblia" - 1.0 Livro de Samuel, ca. XXVIII, p. 274, tradu­
ção do Abade Crampon.
(2) Segundo o Dr. Contenau, Papiros do Louvre 3229 e Papiros
gnóstico de Leyde.

63
A magia evocativa, divinatória, fazia parte, aliás,
da magia propriamente dita e era especialmente
proibida em Israel por perturbar o repouso dos· mor­
tos.
O mundo romano, que se entregava, à vontade,
às práticas mágicas, condenou-as em suas leis, a
partir da Lei das XII Tábuas, mas esta não pareêe
visar aos necromantes.
'
O regime imperial, autoritário, não apreciava os
J adivinhos que, tal como os vendedores de filtros e
de encantos, podiam encorajar os ambiciosos ao as­
salto do poder: Tibério, Nero, Cláudio, Diocleciano
procederam com rigor, mas sem êxito, como teste­
munham numerosos processos sôbre feitiçaria. Em
319, Constantino afirmou: a magia oficial, cerimonial,
praticada nos templos, subsiste. A outra é proibido.
Também não teve êxito. Depois dêle, Teodósio e
Constantino lutaram em vão.
O triunfo geral do cristianismo iria mudar profun­
damente êsse clima. A magia só é concebível, com
efeito, com um politeísmo confessando: os deuses são
mais ou menos poderosos, mais ou menos antagonis­
tas, nenhum é soberano, logo, pode-se almejar pren­
der a Divindade, por encantos mais fortes do que ela.
A prática da magia caminha em sentido contrário ao
da natureza; constrange a fôtça à qual se dirige. O
Deus cristão é único, suporta o conjunto da criação,
é onipotente, infinitamente perfeito e regula a pró­
pria Natureza. Tudo o que é contrário à Natureza
deve ser- tido como demoníaco, mau, revolta ímpia e,
aliás, votada ao fracasso e ao castigo. A ordem na­
tural é viver, e depois desaparecer na morte: ir ao seu
encontro é um crime contra Deus. A partir dêsse
tempo a magia não desapareceu, nem mesmo a ma­
gia por meio da invocação, como veremos. Tornou-

64
se porém, uma ação vergonhosa, apanágio de feiti­
ceiras que acabam na fogueira.
Deixemos de lado os terríveis autos dos processos
de feitiçaria e abramos Shakespeare. Macbeth, já
carregado de crimes, vai, numa charneca da Escócia,
reencontrar as três feiticeiras que, outrora, lhe predis­
seram tão bem o futuro. As horrendas criaturas, avi­
sadas màgicamente de sua vinda, preparavam os sor­
tilégios que tomam os Espíritos seus escravos: sapos,
morcegos, serpentes, um ôlho de macaco, uma lín­
gua de cachorro, uma pata de lagarto e a asa de
uma coruja, uma escama de dragão, um dente de
lôbo, um maxilar de tubarão, u'cr múmia de feiticei­
ra, uma raiz de cânhamo venenoso, a bile de uma
cabra e o fígado de um judeu, galhos de um ciprestre
de cemitério, o dedo de uma criança morta, mais o
sangue de um bugio, o sangue de uma porca que
devorou os crias, e, na lareira, a gordura que gote­
jou da fôrca de um assanino.
Tudo isto para invocar o puro Banco, que acaba­
va de ser assassinado, bem como a linhagem de
seus filhos, futuros reis da Escócia. O horror desta
cozinha traduz a reprovação que rodeava tais prá­
ticas.
Neste sentido, o espiritismo é revolucionário, pois,
revirando bruscamente uma corrente de quinze séculos,
fêz, da invocação dos mortos, uma prática séria, mo­
ral, nobre, uma fonte de conhecimentos e até de sa­
bedoria: «O espiritismo é uma ciência, uma fi­
losofia. . . O estudo da teoria mostra imediatamen­
te a grandeza do objetivo e a elevação desta ciên­
cia. . . (como) doutrina regeneradora da humanida-.
de» (4). Ou ainda: «O espiritismo é uma coisa res­
peitável e sagrada da qual ninguém deve se aproxi­
mar senão com recolhimento e piedade. Temido

65
5
no passado como uma emanação diabólica, deve,
atualmente, ser considerado como penhor de Santi­
dade» (8). A adivinhação antiga foi ultrapassada:
trata-se de receber uma doutrinação filosófica. A
condenação medieval foi abolida: trata-se de reco­
nhecer nossos guias e inspiradores, de ouvi-los, de
nos tornarmos dignos dêles e até mesmo, oh! mara­
vilha! trata-se, algumas vêzes, de lhes fazer o bem,
pois nós o podemos: a benevolência que testemunha­
mos a um Espírito inferior é um bálsamo para êle.

Um exemplo entre mil (9): "Um tal François Bertin mani­


festou-se uma primeira vez a um médium do Havre, em Um terrí­
vel desespêra, implorando preces. Ressaltava de suas declara­
ções entrecortadas que êsse homem havia se afogado no mar,
numa noite de tempestade, expiando, assim, antigos crimes.
Dois meses mais tarde, aos 2 de fevereiro de 1_864, êle ditou,
espontâneamente, ao mesmo médium, as seguintes linhas:
"A piedade que tiveste por meus sofrimentos tão horríveis,
consolou-me bastante. Compreendo a esperança, entrevejo o
perdão, mas após o castigo da falta ccmetida. Continuo a sofrer
e se Deus permite que, durante alguns instantes, eu entreveja
o fim da minha desgraça, devo êsse oto inefável sàmente às
preces das almas caridosas, comovidas com a minha infelicidade.
Ah! o abismo se entreabre, o terror e o sofrimento fazem desapa­
recer a lembrança da misericórdia. . . Noite, sempre noite!
A água e o barulho das vagas que afogaram meu corpo não são
nada, apenas uma pálida imagem do horror que envolve meu
pobre Espírito! Sinto-me mais calmo quando estou perto de ti,
porque assim como um terrível segrêdo depositado nos ouvidos
de um amigo alivia aquêle que estava por êle oprimido, assim
também tua piedade acalma meu mal e repousa meu Espírito.
Tuas preces fazem-me bem, não mas recuses. Não quero mergu­
lhar neste horrendo sonho que se faz realidade quando o vejo ... "

A atividade por meio da invocação, atualmen­


te séria, moral e filosófica, é, também «científica».
Como já vimos, Allan Kardec afasta vivamente a
idéia de uma ação contra a natureza na intervenção
dos Espíritos. Um Espírito não é um ser sobrenatural,

66
ê um homem como os outros, mds revestido de um
perispírito de propriedades conhecidas, em lugar de
ser revestido de carne. Uma vez analisado o perispí­
rito em suas propriedades, nenhuma ação dos Espí­
ritos não explicável «fisicamente» pode sê-lo de mo­
do sobrenatural.
Eis o que é novo.
Do ponto de vista doutrinal, a questão é comple­
xa. A doutrina apresenta, à primeira vista, elementos
tradicionais do ocidente e elementos do oriente.
A educação protestante de Allan Kardec impri­
miu sua marca a tôda sua obra. As Escrituras, tã.o
bem conhecidas, foram pessoalmente aprofundadas.
Especialmente essa doutrina que estabelece a comu­
nicação entre o Além no mesmo nível com o nosso
mundo é também pouco mística e cerimonial. t co­
tidiana, simples, pouco exigente à vista das grandes
escolas contemplativas católicas. Dirige-se inteira­
mente para o útil. É individual, dispensa ministros
e qualquer culto, pois a própria invocação exclui
qualquer fórmula sagrada. Sua originalidade está
na importância atribuída ao serviço de outrem: para
esquematizar as idéias, um oficial do Exército da
Salvação segue uma via de aperfeiçoamento, bem
mais produtiva que a seguida por uma carmelita.
O fundo cristão, evidentemente, sofreu profunda
modificação, menos talvez nos livros do Antigo Tes­
tamento que no Novo. Jesus é um Espírito de elite,
é evidente, que nos é proposto a todo instante como
modêlo, um Espírito incomparável, o máximo dos
Espíritos sublimes, mas um Espírito como qualquer
homem. O Evangelho é explicado em função da
constituição perispírita do homem e mediúnica de
Jesus. Jesus é médium, toumoturqo e vidente. Os
milagres, as predições, o sacrifício e até a doutrina

67
-•

sao apresentados sob esta perspecíivo. Ó céu é o


clima de amor e de alegria no qual os Espíritos ele­
vados cumprem sua missão de harmonia universal.
O inferno não é constituído de fogo, nem é eterno:
são as alucinações e os sofrimentos morais dos Espí­
ritos culpados que se purificam na dor e sobem até
à compreensão e à luz. Isto, já sensível na obra de
Allan Kardec (9 e 10), seria levado às últimas con­
seqüências com Léon Denis.
Jamais Allan Kardec julgou ser necessário romper
com a Igreja, mesmo sôbre êsses pontos. Ele admi­
tia todos os eventos bíblicos e evangélicos e se con­
tentava em lhes dar um novo esclarecimento, parti­
cularmente luminoso, segundo escrevia, que fizesse
desaparecer até os mistérios: «O espiritismo vem es­
tabelecer o reino da caridade e da solidariedade
anunciado pelo Cristo. A moral que prega é, pois,
essencialmente cristã. Não é mais que o desenvolvi­
mento e a aplicação da moral de Cristo, cuja superio­
ridade ninguém nunca contestou. O que Jesus disse
por parábolas, o espiritismo anuncia em têrmos cla­
ros e sem equívocos». E ainda: «Se a Lei do An­
tigo Testamento é personificada por Moisés e a do
Novo Testamento pelo Cristo, ,o ,espiritismo ,é ,a t1er,oeirra
rev,e,laçã,o da Lei de Deus.» (1). No pensamento do
Mestre, a Igreja não poderia deixar de adotar, cedo
ou tarde, esta opinião; filosófica por essência, mas
científica pelo caráter de sua revelação. Depois de
muitas lutas, presentes em tôdas as memórias, não
precisou ela se seguir Galileu, na concepção da Ter­
ra girando ao redor do Sol?
O cristianismo, que já havia conhecido a Refor­
ma, conheceu, com os espíritas, uma segunda Re-

(1) Extraído do esquema do primeiro número da nova "Revis­


ta Espírita".

68
forma. Como a primeira, esta respeitava os acon­
tecimentos históricos da tradição sagrada, e como
aquela, exigia o direito de examiná-los livremente
para melhor extrair dêles tôda a riqueza e explicar o
seu mistério. Esta classificação de «protestantismo»
não é uma idéia do nosso espírito. Apesar de algu­
mas restrições, quantos elogios Léon Denis não faz
à Igreja reformada!
A analogia não deve ser levada mais longe. A
Reforma admitia uma revelação interior do homem,
em sua consciência (Lutero) ou eu seu intelecto, no
exame dos textos sagrados (Calvino). A revelação
espírita, pelo contrário, é exterior, pois coloca em
cena uma personalidade extra-humana, o Espírito,
e material, pois intervém sob a forma de contatos
perispiríticos. As sutilezas teológicas que dividem
entre si os protestantes e talvez até mesmo cada cons­
ciência protestante, o problema da justificação pela
fé, dos sacramentos, não se colocam: os sacramentos
são inúteis, é preciso aperfeiçoar-se pelo esfôrço mo­
ral, e tôda criqtura será justificada de acôrdo com as
suas boas ações, seja qual for a sua fé, pois o que
interessa, como nos diz um instinto profundo, é ca­
minhar no sentido da criação. O mesmo se dá com o
terrível problema da predestinação: todo homem é
julgado como Espírito, e acabará no seio de Deus,
isto é uma questão de tempo e de dívida Karmica,
que é preciso tratar de saldar e não de aumentar.
Bem entendido, nem todo homem está predestinado
a receber as mensagens espíritas, mas isto é uma
questão de constituição perispirítica, logo, material
e secundária. Nunca o espiritismo ocidental conce­
deu aos seus médiuns um lugar de destaque na hie­
rarquia espiritual. Cada qual pode alcançar a verda­
de através dos médiuns, e isto é o essencial.

69
Os elementos orientais da doutrina - além de
uma grande tolerância - são reconhecíveis sem es­
fôrço atualmente: a sobrevivência do Espírito (ou
Atman) num veículo semi-material, a noção de Kor­
ma, ou efeitos de nossas ações que persistem até sua
extinção, a passagem das almas desencarnadas para
um outro mundo, e volta para ex terra numa nova en­
carnação, até o nirvana, ou beatitude final, isto tu­
do faz parte do hinduísmo tradicional, de inspiração
védica (11 e 12).
Teria Allan Kardec conhecimento intelectual dês­
te fundo oriental? Podemos responder sim, sem qual­
quer hesitação.
Não esquecemos que no Ocidente os estudos
hindus sofreram um eclipse total de, aproximadamente,
quinze séculos. Mas ao tempo em que Allan Kordec
trabalhava e escrevia, êles saíam dêste sono profun­
do. Os inglêses foram os primeiros, por razões evi­
dentes, a começar seus trabalhos, a partir do século
XVII. Em 1805, Colebrooke publicou o primeiro li­
vro em língua européia, um brilhante ensaio sôbre
os Vedas. Um alemão, Rosen, publica, em 1830, a
primeira tradução do Rig Veda. A partir de 1824,
Champollion revela o Egito. Burnouf, primeiro india­
nista francês, introduz a literatura sânscrita e budis­
ta na França, entre 1830 e 1860. Anquetil Dupeyron,
por volta de 1800, estudou o Iran. Certamente, êstes
conhecimentos não estavam difundidos, como hoje, e
constituíam o apanágio de centros intelectuais.
Admitindo-se que Allan Kardec, homem de es­
tudos, não tenha ouvido falar disso, é necessário não
esquecer os , víncul~s que o pensamento antigo, do
qual procedemos, sempre manteve com o Oriente.
A Escola de Alexandria, por exemplo, desempenhou
papel importantíssimo nos primeios passos do pensa-

70
mento cristão. A idéia do perispírito, encontramo-la
formulada explicitamente em Orígenes (século II de­
pois de Jesus Cristo), assim como a do progresso
ilimitado das almas, que acabam por fundir-se no
bem e na felicidade. Para êsse teólogo «um só e
mesmo fim último unirá todos os Espíritos criados
no seio de Deus, nosso criador» ( «De principiis, » VI).
As obras gnósticas, de outro lado, sempre circula­
ram mais ou menos exatamente reproduzidas. En­
fim, nos últimos anos do Século XVII, os escritos anó­
nimos, «Coníessío», «Fome frateirnitaiiis», etc, difun­
diram em todo Ocidente o pensamento rosacrucia­
no impregnado de magia e de Oriente. Em resumo,
não se pode afirmar que o pensamento hindu, pelo
menos em suas grandes linhas e nos seus elementos
representativos mais originais, tenha estado total­
mente ausente do nosso mundo ocidental.
Assim, a filosofia espírita, «ditada pelos próprios
Espíritos» bebe o essencial de seus elementos na
fonte ocidental cristã. Dela se afasta pela explicação
dada aos fatos de tradição e aos fenómenos, à luz de
noções orientais, egípcias ou indianas, védicas e
vedânticas. U'a moral tradicional, de tendência ati­
va, coroa o edifício.

71
CAPÍTULO IV

O ESPIRITISMO DEPOIS DE ALLAN KARDEC


DE 1870 ATÉ NOSSOS DIAS

Pelo menos teoricamente, a revelação espírita


não se encerrou com a morte de Allan Kardec. To­
dos ós dias os médiuns continuavam e continuam
a receber mensagens, de teor infinitamente variávelâ
e até contraditório. O Além, por exemplo, êsse Além
comum a todos os homens, é suscetível de receber as
mais variadas e diversas interpretações, como teste­
munham três comunicações escolhidas, ao acaso, na
«Re,vista Espírita»:
l - Em uma sessão particular, um Espírito apresentou-se
espontâneamente com o nome de Baltasar. Ditou a seguinte
frase através de batidos: "Amo os festas e os mulheres. Solve
os bebidos e os iguoríos! Meus amigos, estou à frente de uma
grande mesa, mas vazio!
P - A mesa está vazio, é cloro, mos queres nos dizer
poro que serviria elo, se estivesse repleto de comido? Que fa­
rias com elo?
R - Sentiria seu perfume, como outrora experimentava
o seu gôsto.
P - Diante de uma mesa apetitosa, sentes vontade de
comer?
R - Ah! comer. . . não posso mais! Essas iguarias são,
para mim, como as flôres, para vocês ...

73
P - Sentes necessidade de comer e de beber?
R - Necessidade, não, mas vontade sim, sempre ...
P - O tempo, às vêzes, não te parece longo demais?
Não te aborreces?
R - Não, gosto de passear um pouco por aí. Percorro
as praças, os mercados, uma vez ou outra vou espiar a maré.
Isto me ocupa, e bastante ...
2 - Numa sessão espírita íntima que se realizou em casa
de um de nossos colegas da Sociedade (de Estudos Espíritas),
a 6 de fevereiro de 1861, o médium escreveu espontâneamen­
te o que segue:
"Quanto maior é o espaço dos céus, maior é a atmosfera,
mais belas as flôres, mais doces os frutos, e as aspirações são
satisfeitas além da ilusão. Salve, nova pátria, salve vida nova,
salve felicidade, amor! Como esta breve parada pela terra é
frágil e como aquêle que exalou o último suspiro deve se achar
feliz, por trocar o Tártaro pelo· céu! Salve, verdadeira baêmia,
salve, verdadeira indolência, salve, sonhos realizados! Adorme­
ci alegre, porque sabia que ia acordar feliz. Ah! obrigado aos
amigos pela carinhosa lembrança!"
Henri Murger.

3 - Comunicação recebida pela médium Sra. Coste:


"Eis-me aqui, a infeliz Claire. Que queres que· te diga?
Tua resignação e a esperança não são mais que palavras para
aquêle que sabe que, inumeráveis como as pedrinhas da praia,
seus sofrimentos durarão através da sucessão dos séculos inter­
minóvels. Posso suavizá-los, dizes tu? Que palavras vãs! Onde
encontrar a coragem e a esperança para tal? Trata, pois, cérebro
curto, de compreender o que é a noite que jamais terá fim! É
um dia, um ano, um século? Que sei eu? As horas não a di­
videm, as estações são invariáveis. Eterna e lenta como a água
que nasce do rochedo, esta noite execrável, êste dia maldito pesa
sôbre mim como um bloco de chumbo. . . Sofro. . . Nada
vejo em meu redor, a não ser sombras silenciosas e indiferen-
tes. . . Sofro!
Claire.

Qual das versões reter?


O Mestre evitou, hàbilmente, o rochedo, de en­
contro ao qual poderia se esfacelar o novel espiritis­
mo. As mensagens tomadas absolutamente como

74
amostras do pensamento eram de tom elevado, res­
pirando o amor universal, o desprêzo pela matéria e
o respeito pelas leis morais explicadas atrás. As ou­
tras eram atribuídas aos Espíritos inferiores: troeis­
tas, ignorantes, brincalhões ou mergulhados no êrro
e no sofrimento causados por suas faltas. Graças a
esta precaução, os grandes fundamentos, lançados
entre 1857 e 1869, puderam ser salvaguardados; to­
dos os espíritas franceses professam em massa, ainda
atualmente, as teorias filosóficas de Allan Kardec.
Com o correr dos anos, no entanto, importantes
variações apareceram.
Nascido em 1847, Léon Denis, sucessor de Allan
Kardec no papel de patriarca, tinha dezoito anos
quando leu o «Livre des Esprits». Maravilhado, con­
sagrou-se desde êsse instante ao espiritismo. De
origem modesto. trabalhou sozinho, leu, refletiu e
acabou por adquirir não somente entre os espíritas,
mas na sociedade «avançada» de sua época, certa
reputação filosófica. Conheceu [oures. Camille Florn­
marion. Presidiu aos dois congressos espíritas de Pa­
ris de 1900 e 1925 e morreu em 1927, cumulado de
anos e de honrarias. Sua obra (13 a 18) confirmou no
dogma os escritos de Allan Kardec, mas o tempo ha­
via mudado. A imensa tolerância dêste foi um pou­
co abandonada. Malgrado as lutas do início, jamais
Allan Kardec cessou de estender a mão à Igreja. Em
sua mente, o espiritismo era um cadinho no qual o
Oriente e Ocidente vertiam o melhor de si mesmo pa­
ra fundir uma verdade única e universal. Léon Denis
levou as teorias kardecistas a conclusões extremas: a
divindade de Jesus foi explkitamente negada, a reli­
gião romana repudiada e transformada em motivo de
escárnio, como a mais culpável deformação das pa­
lavras de Cristo, cheias de sentido esotérico. Deve-

75
· mos confessar que o clima não se prestava a concilia­
ções! O século XIX acaba, com efeito, no meio de
uma extraordinária efervescência de idéias.
A América, mãe do espiritismo, enviava à Eu­
ropa os primeiros evangelistas Mormons (1850), um
pouco mais tarde as primeiras Testemunhas de Jeová
(1879), depois o Adventismo, com a viagem da Sra.
Whit à Europa, aí por 1885, depois a ciência cris­
tã, com Mary Baker Eddy, cuja atividade se prolon­
gou até 1910. Enquanto isso, a Sra. Blavatsky, de­
pois de alguns ensaios no Cairo, em 1871, lançava, em
Nova York, em 1875 e depois em Londres, em 1888,
a Teosofia, filha natural do espiritismo e a respeito
da qual falaremos daqui a pouco. Isto, com referên­
cia às correntes «revekicionistos». Sem falar das
filosofias oficiais: a revolução positivista de Augusto
Comte prosseguia seu caminho nos círculos intelec­
tuais, antes que Bergson, em sentido contrário, res­
taurasse a intuição. Entre a medicina e a psicologia,
num terreno que podia fazer vacilar tôda a filosofia
existente, é preciso mencionar, por volta de 1880, as
pesquisas de Charcot, na «Salpêtáere» e de Du­
mont-Pallier, na «Pitié», sôbre os fenômenos da hip­
nose. Mais tarde, as descobertas psico-fisiológicas
de Ribot, de Pierre Janet . . . Do lado materialista
e social, o manifesto comunista de Karl Marx, publi­
cado em 1848, penetrava lentamente nas massas tra­
balhadoras. O socialismo ateu de Jules Guesde opu­
nha-se aos tímidos ensaios do catolicismo social de
La Tour du Pin e Albert de Mun. Acrescentemos, ain­
da, a recrudescência da atividade maçónica, vaga­
mente deísta, ritualista e imbuída de cientismo. A
Igreja, sentindo seu prestígio ameaçado, sua autori­
dade negligenciada ou discutida até no seio dos fiéis
ignorantes, que até então a seguiam de olhos fecha-

76
dos, lançava anátemas pelos lábios dos pregadores e
redobrava de intransigência.
De "O Akhbar", jornol de Argel, no dio l O de fevereiro
de 1863: "S. E. o Bispo de Argel ocoba de publicar, para a
quaresma de 1863, uma carta pastoral que trata do espiritismo,
assunto muito em voga atualmente, a respeito do qual o clero
da África até aqui vinha guardando silêncio.
É 'o demônio que dita a filósofos de renome essas doutri­
nas malsãs de dois princípios iguais, o bem e o mal, governando
com a mesma autoridade, mas em sentido oposto, o espírito e
a matéria; do materialismo, que dó valor só ao corpo e nada
admite para além do túmulo; do ceticismo, que tudo duvida; do
fatalismo, que desculpa tudo, negando a liberdade e a respon­
sabilidade humanas; da metempsicose, da magia e da invocação
dos Espíritos, tristes e vergõnhosos sistemas que inteligências
desorientadas procuram reviver em nossos dias ...
Que lamentável história não se poderia escrever a respeito
dos cometimentos diabólicos, a datar do cenáculo, principiando
da sina_goga e dos truques de Simão, o MáQico, para cheqor, atra­
vés de perseguições, de cismas, das heresias e das incredulida­
des de tôda espécie, ao espiritismo de nossos dias, tão tolamen­
te renovado do paganismo anterior a Moisés, e por êle justa­
mente acusado como uma abominação diante de Deus!"

É neste clima que é preciso recolocar a posição


violentamente anticatólica de Léon Denis, a qual cor­
respondia à posição anti-espírita de hierarquia ro­
mana. A partir dêsse momento, uma dupla corrente
dividiu os espíritas, como se pode ver por êstes dois
depoimentos escolhidos ao acaso:
O primeiro, conciliador, é, por isso mesmo, herdeiro de
Allan Kardec:
"Muitas pessoas perguntem se o espiritismo não se opõe
às religiões. O espiritismo, ao contrário, admite tôdas elas.
Êle não combate, absolutamente, sua finalidade, uma vez que
é a mesma em qualquer religião: a adoração do Deus
universal. . . Ora, êste é" o próprio fundamento de nossas con­
vicções. . . As religiões ensinam a crença na sobrevivência da
alma, e o espiritismo tem por missão fazer essa crença mani­
festar-se visivelmente (8)". O segundo, mais frágil: "Nós

77
reduzimos os profetas da antiga lei ao nível dos médiuns, colo­
camos no lugar certo o que foi indevidamente elevado, e re­
tificamos um sentido desnaturado. E ainda mais, se nos fôsse
exigida uma escolha, daríamos de bom grado preferência ao
que escrevem diàriamente os médiuns de agora e não ao que
escreveram os médiuns do Antigo Testamento." (19)

A Teosofia
Como o espiritismo tinha se metido no terreno
da Igreja, a teosofia, por seu lado, interferiu com o
espiritismo. Sem dúvida, os teosofistas não repelem
os espíritas, mas consideram-nos dum ponto de vis­
ta superior. Um fato sintomático: existe em Paris uma
Casa dos Espíritas ou Centro Espiritualista, e uma
Sociedc;rde Teosófica, cada qual em seu bairro. (])
As duas organizações possuem, em parte; os mesmos
conferencistas e, numa certa medida, o mesmo públi­
co curioso de ocultismo, sob tôdas as suas formas.
Mas não se confundem.
A Sra. Heléne Blavatsky, russa e viúva, viveu
nas Índias onde, segundo disse, foi iniciada no ocul­
tismo. Depois de curta estada no Cairo, em 1871, foi
para Nova York onde suas manifestações espíritas,
como levitação, dança das mesas, escritos, etc. des­
pertaram grande curiosidade. Ela, porém, tinha am­
bição diferente: queria possuir, como médium; a ce­
lebridade das irmãs Fox. Após haver espantado
multidões e seduzido, com seu poder, poderosos per­
sonagens, publicou suas revelações, transmitidas, se­
gundo ela, pelos seus mestres hindus: ao têrmo dessas
revelações, os poderes supra normais corriam parelha
com a iniciação esotérica. O Coronel Alcott testemu-

(1) A Casa dos Espíritas à Rua Copérnico, 8, e a Sociedade


de Teosofia na Praça Rapp, 1.

78
nha desses prodígios, declarou: « Vi se reproduzirem
à vontade, em pleno dia, por intermédio de uma pes­
soa que estudou as ciências ocultas na índia e no
Egito, os fatos mais espantosos da arte dos rnédiuns» .
A partir daí, a Sra. Blavatsky fundou, em 1875, em
Nova York, a Sociedade Teosófica e redigiu sua dou­
trina «Isís dévoilée». «La C1é de La 'Iíhéosophiie» e a
«Doctrirse Secrête» em seis volumes. Baseava seus co­
nhecimentos sôbre o estudo de textos hindus, secre­
tos e muitos antigos, anteriores mesmo a qualquer tex­
to conhecido, como as «Stcmces de, Dzy,an» e sôbre
a meditação estática. Fiel até o fim ao seu sistema,
criou -um centro iniciador em Adyar, Índia Inglêsa.
Depois dela, Annie Besant, inglêsa, espírito ao mes­
mo tempo prático e apaixonado, completou a doutri­
na com suas experiências pessoais e classificou os
teósofos em uma hierarquia maçónica. O grau da
iniciação de cada adepto marcava sua posição na
Loja. A maleabilidade e a disciplina desta instituição
permitiram que a Teosofia fôsse consideràvelmente
divulgada, sempre sob a Iérulo de Annie Besant, mor­
ta em 1933.
Trata-se, como se vê, de uma forma anglo-saxô-
. nica das idéias espíritas, como Allan Kardec havia en­
carnado a escola francesa. O espiritismo, tal como era
praticado pelas irmãs Fox, reduzido a exibições, não po­
dia sustentar por muito tempo o interêsse que suscitara
no comêço. Mas Allan Kardec salvou o espiritismo
em sua originalidade essencial: as camunicações com
os Espíritos que ensinavam, êles próprios, com a auto­
ridade da experiência, a doutrina supraterrestre. Qual
era o lugar dos Espíritos entre os teósofos? Em que
medida a doutrina hindu, revista num país anglo-sa­
xão, correspondia à dos espíritas?

79
Uma primeira diferença: a cosmogonia, muito
complexa e formalmente emanatista: «Assim, foi
dito numa escritura sagrada oriental, havendo pene­
trado todo o universo com um fragmento de mim mes­
mo, eu permaneço.» (20) A divindade suprema en­
volve-nos, suporta-nos, penetra-nos, mas nada co­
nhecemos dela, pois tudo está em seu seio, matéria
e espírito. Esta maneira de falar, dualista, está cheia
de erros; tudo é matéria ou tudo é espírito, é a mes­
ma coisa.
No comêço, o Todo-Poderoso manifestou-se em
uma única substância material: o éter. Após um pe­
ríodo que excede a imaginação, êle introduz, nesse
éter, a sua respiração (Aum); assim nasce a matéria
fundamental, substância física impregnada de ener­
gia. O Brahma supremo comunica-se, em seguida, a
várias divindades ou Logos, emanações de si mes­
mo: cada Logos se transforma em nebulosa solar. O
Sol é o corpo físico do nosso Logos.
Num dado momento, cada Logos solar, ainda
sob a forma não dividida de nebulosa, mistura a ma­
téria primordial por meio de sucessivos torvelinhos,
condensando-a diferentemente a cada impulso. O
primeiro mundo formado, o mais leve e menos den­
so, é o mais imaterial. O segundo reune átomos
mais pesados e assim sucessivamente. O sétimo é
o nosso mundo sensível. Cada mundo sutil penetra
no sistema, pois os átomos leves circulam livremente,
e são filtrados através dos espaços deixados livres
pelos átomos mais pesados da matéria física. Cada
nebulosa solar se. acha, assim, constituída de sete au­
réolas de matéria cada vez mais pesada, ficando no
centro a mais pesada, o mundo físico. Embora esta
nebulosa se fragmente em seguida em planêtas, cada
um dêstes leva consigo suas sete esferas de matéria

80
cada vez mais sutil. De agora em diante, falaremos
destas esferas, ou planos, com relação à terra, não
ignorando que todo planeta, do nosso sistema solar
ou de outro (pois existem milhões) possui outros
tantos.
Distingue-se:
- o plano divino;
o plano monódico;
o plano espiritual;
o plano búdico ou da intuição;
- o plano mental;
- o plano astral ou emocional;
- o plano físico.
Cada um dêles, possuindo sua estrutura parti­
cular de matéria, tem ondulações próprias. Uma
oscilação mais pesada implica uma molécula mais
pesada, logo um mundo mais material. Com êste sistema
ondulatório, os habitantes do nosso mundo físico,
por exemplo, construídos para ·vibrar às oscilações
da oitava física, são geralmente surdos e cegos aos
outros mundos que, entretanto, nos penetram por
tôdas as partes.
A alma humana é uma centelha que escapou do
mundo monódico, parcela da alma global do uni­
verso. Quando o homem deve nascer, sua alma aban­
dona o plano monódico e deve atravessar os vários
planos, cada vez menos sutis, antes de alcançar a
terra. Em cada um dêsses planos, sua alma se reveste
de um envoltório de acôrdo com êsse plano. Os três
primeiros, os mais elevados, lhe dão, em seu con­
junto, o corpo c ausial. Depois, sempre descendo, êle
1

adquire, sucessivamente, ,o ,c101rp,o memícd, o ocepo cs­


trcd (ou etérico, o perispírito dos espíritas), enfim, no

81
6
seio de sua mãe humono, um corpo de carne. O cor­
po mental lhe serve para emitir os pensamentos de­
sinteressados, mas concretos. O corpo cstrcl, ou cor­
po de desejo, contém os impulsos materiais, as pai­
xões, tôda a afetividade motora dos órgãos físicos e
regístra as emoções que daquêles resultam.
Na morte, o homem abandona o corpo físico e,
desde logo/ por uma série de mortes sucessivas/ vai
exaurir o resultado de suas ações e de seus pensa­
mentos nos diversos planos de que êles derivam.
Revestido de seu períspíríto, esgotará suas emo­
ções e suas paixões carnais no plano astral. Se viveu
muito, durante a vida material, seu corpo astral será
vigoroso e o reterá por muito tempo. É neste estado,
tão inferior, que se manifestam os Espíritos como o
entendem os espíritas. Onde estão os nobilíssimos
ditados de São Paulo, de São Luís, de Sócrates ou
de Cakya Muni? São unicamente os Espíritos pesa­
dos de matéria, impotentes para se desprender que
giram em tôrno dos homens no pleno astral, o mais
próximo do nosso. "
Quando se extinguem as fôrças do corpo astral,
desejos inúteis, o homem morre nesse plano e ascen­
de ao plano mental, onde encontra uma vida tão
longa e tão elevada quanto maior foi o seu empenho
em ter desenvolvido, na terra, as tendências corres­
pondentes. Aí encontra afeições puras, suas buscas
desinteressadas; aí a existência é só inteligência e
puro amor. Os planos astral e mental são êles pró,
prios divididos em sete subplonos, mas a alma hu­
mana não é filtrada através de cada um dêles: al­
cança diretamente· o subplcno ao qual seu grau de
evolução lhe dá direito.
Enfim, o próprio corpo mental caí e o homem se
encontra com seu corpo causal, nos planos superio-

82
res. Aí reina tanta luz e, na grande maioria, estamos
tôo longe de uma tal pureza de alma, que permane­
cemos inertes e quase inconscientes, como privados
de vida. E é precisamente o instinto vital que. con­
duz o homem para uma outra descida no plano físico,
em sua nova encarnação.
A formação dos mundos, dos continentes e das
raças é complexa e nos afastaria do objetivo do nosso
estudo.
A concepção de Deus, da matéria, do gênesis,
difere muito da concepção clássica ocidental, de tra­
dição judaico-cristã, da qual o espiritismo é herdeiro.
A viagem da alma entre duas encarnações não é a
viagem espírita. Os Espíritos em manifestação são
qualificados como inferiores, e andam pagando o
seu grande agarramento à Terra. A teosofia con­
dena explkitamente a invocação dos mortos (21): es­
ta prática atrai porct junto dos homens os elementos
desencarnados mais materiais, os mais grosseiros,
os mais perniciosos, as «Larvas»; as almas mais ele­
vadas passam ràpidamente do astral para o mental.
Quanto aos mortos recentes, que é possível chamar,
porque atravessam obrigatoriamente o plano as­
tral, a circunstância de fazê-los voltar ao plano fí­
sico é contrária à sua evolução, retarda seu acesso
aos planos superiores e à beatitude. O maior mal
que se pode fazer a um ente amado que morre é pre­
cisamente chamá-lo à terra.
Somente num detalhe, espíritas e teosofistas se
encontram. Léon Denis, em «CrustiatmSme et Spiritis­
me» (16), Annie Besant, em seu «Chistirmísme ésoté­
ríque» atribuem cos Evangelhos um sentido secreto,
esotérico, de origem hindu, que Jesus teria conheci­
do através dos Essénios.

83
Espiritismo e Teosofia, doutrinas próximas e lon­
gínquas, em todo caso, interferentes.

O cco-doísmo
Nascido na Cochinchina, o cao-daísmo (22 a 25)
representa umà forma extremo-oriental do espiritis­
mo profundamente original, enxertada numa civili­
zação pouco mística dada ao culto dos antepassados
e à magia, apoiada sôbre uma filosofia mista de
tauísmo e de budismo bastante vago: o espiritismo
aí se expandiu com rapidez. Subitamente, por volta de
1926, assumiu aspecto religioso e político. Atualmente,
possui seus templos, seu clero, seus fiéis, seus ofícios,
sua Revelação - suas alianças, suas hostes, exatamen­
te ao contrário do espiritismo ocidental que sempre quis
ser racional em suas concepções, independente de
todo poder como de qualquer religião.
Foi nas margens do Gôlfo de Sião, em 1919, que
Ngo-Van-Chieu, funcionário anamita do govêrno da
Cochinchina, recebeu, pela primeira vez, uma men­
sagem do Espírito Cao-Dai. Ngo-Van-Chieu já se
entregava à prática das mesas dançantes desde 1902,
mas a doutrinação de Cao-Dai pareceu-lhe de uma
elevação sem par, pràpriamente divina. A 24 de
dezembro de 1925, Cao-Dai manifestou-se bastante
longe desta região, a um grupo saigonês de funcio­
nários anamitas, também espíritas praticantes. Apre­
sentou-se como uma hipóstase de Jesus Cristo, indi­
cando a seus adeptos sua primeira testemunha, Nqo-'
-Van-Chieu. Esta mensagem fundou a seita dos pri­
meiros adoradores de Cao-Dai.
Alguns meses mais tarde aconteceu um milagre.
Um industrial de reputação duvidosa, bebedor, li­
bertino e opiômano, às portas da bancarrota, reçe-

84
beu em Cholon, no decorrer de uma sessão espírita
a missão de dirigir a nova seita dos cao-daístas. Es­
tupefato, depois tocado pela graça, Le-Van-Trung
mudou radicalmente seu método de vida, abandonan­
do ao mesmo tempo seus antigos prazeres e seus ne­
gócios, para se consagrar à sua nova missão. Al­
gum tempo depois, o grupo Ngo-Van-Chieu recebeu
ordem de reconhecer como chefe êsse Le-Van-Trung,
de reputação vergonhosamente célebre. Os primeiros
cao-daístas ficaram tão surpresos quanto inquietos.
O milagre, porém, aconteceu e a incrível conversão
de Le-Van-Trung confirmava os intentos celestes sô­
bre o novel chefe do cao-daísmo. A 7 de outubro
de 1926, Le-Van-Trung fêz, ao Governador da Co­
chinchina, a declaração oficial do seu movimento.
O êxito foi rápido. Em 1927, os fiéis eram cêrca
de cem mil. Hoje, são perto de duzentos e cinqüenta
mil, dos quais um bando de vinte mil homens criado,
mais modestamente, sob a égide japonêsa, em 1943.
Excluiremos do nosso estudo, como assunto estra­
nho ao caso, os aspectos políticos da atividade coo­
daísta, embora bastante importantes (1). Mas é pre­
ciso saber que terríveis rivalidades pessoais dilace­
raram logo a nova religião. Existem, pelo menos, seis
seitas dissidentes de certa importância, das quais a
primeira teve por chefe Ngo-Van-Chieu afastado, con­
forme vimos, por Le-Van-Trung. Cada cisão existente,
abalou as bases do movimento, não tanto pelos rom­
pimentos, mas principalmente pelas acusações le­
vantadas contra os chefes. Houve escândalos, casos
de simonia, denúncias apresentadas em 1933 ao Tay­
-Ninh, a «Santa Sé» cao-daísta, sôbre trapaças, des­
vio de salários, vendas fictícias de terrenos, etc. An-
(1) Assinalaremos que, após haver servido os japoneses, os
cao-daistas se aliaram à causa de Bao-Daí, no Congresso de Cantão.
em março de 1947.

85
tes dêsses contratempos, Le-Van-Trung teve tempo de
dar uma hierarquia ao seu clero e construir, na «San­
ta Sé», um templo de um valor considerável e de
uma arquitetura policrômíco de grande efeito, inou- .
gurado em março de 1927. Morreu êle em 1934, dei­
xando a sucessão a Pham-Cong-Tac, que é, ainda,
na hora atual, o papa do eco-doismo.
Antigo funcionário, Le-Van-Trung deu aos seus
fiéis um enquadramento administrativo. Além do
papa, os grandes dignitários escalonavam-se assim:
- um grão-mestre dos Ritos e ministro da Jus-
tiça;
três cardeais suplentes;
três arcebispos principais;
um arcebispo principal do sexo feminino;
seis bispos femininos;
- oitenta e dois arcebispos e bispos masculinos;
- cêrca de seis mil padres, sacerdotisas e pe-
quenos curas ecônomos.
Nem todos os ·adeptos são igualmente iniciados.
O grau superior, ou «Thuonqthuo» é, geralmente, o
dos religiosos. O grau inferior ou «Ho-thuo» é o dos
leigos.
Além do grande templo da «Santa Sé» e dos tem­
plos de aldeia mais modestos, os cao-daístas possuem
uma residência papal, uma casa para os viajantes,
uma tipografia, uma central elétrica, uma biblioteca,
um templo dos Espíritos femininos, um abrigo de ve­
lhos, um curso de catecismo, um local de comunica­
ção com os Espíritos, etc. O templo cao-daísta, de
uma construção alegórica, abriga essencialmente a
«Lâmpada Thoi-Cuc», símbolo não revelado de Deus.
É uma esfera oca, .em vidro ou em tecido esticado,
transparente e azul. Uma luz eterna brilha no inte­
rior. Sôbre êste símbolo da matéria, Deus está pre-

86
sente sob a forma de um ôlho desenhado, cercado
de raios e de constelações. As preces rituais cotidia­
nas são feitas perante êste altar, às 6 horas, meio-dia,
18 horas e meia-noite. Muito irregularmente sôo rea­
lizadas festas que consistem em oferendas simbólicas
de incenso, de flôres, de álcool de arroz, e de infu­
são de chá, acompanhadas de saudações a tôdas as
divindades e da adoração de Cao-Dai.
As práticas espíritas são, paro a massa, a princi­
pal atração das cerimónias. Os médiuns titulares
caem em transe no meio de preces. A «corbeille à
bec» ( 1) prescrita pelo próprio Cao-Dai, treme entre
seus dedos, depois desenha hieroglifos com água
de cal sôbre a mesa das evocações. As mensagens
são sempre sutis e alambicadas, por vêzes bastante
desdenhosas da forma. Prudente, a novel religião
regulamentou sua Revelação. Conforme explica a
«Revista Coo-Doisto» de fevereiro de 1931, para pre­
servar seus fiéis da poluição dos espíritos inferiores
sempre à espreita, Cao-Dai escolheu seus médiuns,
em número de doze. Somente êstes, no templo, sob
o contrôle dos sacerdotes, podem fazer a invocação
ritual. Embora não estejam presos à ascese religio­
sa, é-lhes recomendado abster-se de álcool e de car­
ne, afastar-se das mulheres e consagrar-se o mais
possível à meditação.
O conteúdo filosófico do cao-daísmo é simples e
constitui uma cópia do espiritismo ocidental.
A necessária unificação das religiões, êsse so­
nho kardecista, é lembrado em primeira plana. Cao­
Dai fundou, levando em conta as raças e as épocas,
cinco «Crcndes Caminhos» que conduzem à Verdade:
- o confucionismo;
- a religião dos Génios;

(1) Utensílio ritual dos cao-daístas.

87
- o cristianismo;
- o tauísmo;
o budismo.
O mundo atual, todavia, tende para a sua unifi­
cação, e aqui intervém ainda Cao-Dai para fundir
essas cinco religiões em uma única e univer­
sal. Deus é assistido, na administração do mundo,
por três auxiliares: o GuE,rreiro, o Papa E, a Deusa.
Vêm, depois, todos os santos, sábios, os «boddhitsot­
vos», os grandes homens de diferentes civilizações,
até Joana d'Arc, até Victor Hugo, revelado aos fiéis,
em sua eminente dignidade celeste, por uma mensa­
gem de 22 de maio de 1927. Gabriel Gobron nos
diz: «A aliança espiritual das religiões do Oriente
e do Ocidente aí se afirma a cada passo, a todo ins­
tante, pois os pagodes cao-daístas estão franqueados
à veneração de Cristo, de Buda, de Lao-Tseu, de Con­
fúcio, de Maomé, e de todos os mensageiros de Deus
sôbre a terra, sejam êles espíritas (Victor Hugo, Ca­
mille Flammarion) ou benfeitores da humanidade».
(22)
Como o espiritismo, o cao-daísmo é monoteísta,
e, sôbre esta base, aberto a tôdas as grandes reli­
giões. Como o espiritismo, êle se baseia na sobrevi­
vência, no karma e nas reencarnações sucessivas.
Como o espiritismo, êle é a terceira revelação da lei
divina, desta vez após Cakya Muni e Cristo. Esta
terceira revelação não tem necessidade de uma nova
encarnação divina: estamos na idade dos médiuns.
O cao-daísmo tem algnus representantes na Fran­
ça. Além de Gabriel Gobron, «Instrutor credencia­
do do coo-deísmo em França», professor, historiador
do movimento, jornalista, espírita ativo e cao-daísta
convicto, falecido a 8 de julho de 1941, existe uma
pequena célula em Paris e outras em Nantes.

88
Difusão
Ao falarmos do princípio do espiritismo em Fran­
ça, citamos grandes nomes: a aristocracia, a nata in­
telectual e burguesa, e até mesmo alguns religiosos
se debruçaram com interêsse sôbre os novos proble­
mas. Não se deve acreditar, no entanto, num espiri­
tismo de salão. A voga das reuniões mundanas ao
redor de uma mesinha redonda passou, como tantas
outras, e a alta sociedade divertiu-se com outras coi­
sas (26). Alguns escândalos puseram em dúvida a
honestidade de médiuns célebres e o receio de cho­
car os sentimentos religiosos dos convivas ou de ser
logrados por subterfúgios grosseiros, afastaram lo­
go as donas de casa dêste perigoso passa tempo.
O espiritismo propagou-se, entretanto, como um
rastilho de pólvora. A «Reviist1a Bspírit1a» dá-nos conta
da existência desde 1858/59, de sociedades espíritas
em Bordeus, Lion, Metz, Tours, Poitiers, Angers, Biar­
ritz e até de uma Sociedade Africana de Estudos Es­
píritas, de Constantine. A «Reviste Espírita» de março
de 1854 publica correspondência recebida de Cons­
tantinopla, da Ilha Maurício e do Rio de Janeiro. Em
1861, Allan Kardec, nessa mesma revista, comunica­
nos a existência de grupos trabalhadores de espíritas já
ativos, trazendo à nova revelação a seriedade e a fé
que se podem esperar das massas trabalhadoras.
«Revista Bspírit,a», de outubro de 1861:

"Declaramos bem alto que jamais assistimos, em qual­


quer lugar, a reuniões espíritos mais edificantes que as dos ope­
rários lioneses, sob o ponto de vista da ordem, do recolhimento
e da atenção que êles votam às instruções de seus guias espiri­
tuais. Havia alí homens, mulheres, velhos e mesmo crianças,
cujo semblante respeitoso contrastava com a sua idade. Ne­
nhuma delas perturbou, um instante, o silêncio das nossas reu­
niões, às vêzes bem extensas. Elas pareciam tão ávidas quon-

89 _
to seus pois em ouvir nossos palavras. Isto não é tudo: o nú­
mero de metamorfoses morais entre os operemos é quase tão
grande quanto o número de adeptos. Viciados reformados, pai­
xões acoimadas, ódios apaziguados, lares arranjados, em uma
palavra, os virtudes mais cristãs desenvolvidos. . . Não há en­
tre êles uma fé vulgar, mos a fé que se baseia numa convicção
arraigado, razoável El consciente."
(Resultado de uma visita de Allen Kardec aos grupos lio­
neses, e especialmente, aos grupos de Saint-Just, de Brotteaux,
etc.)

E, em Bordéus, em outubro de 1861, durante um


banquete espírita presidido por Allan Kardec - Dis­
curso do Sr. Desqueyrous, mecânico, em nome do
grupo dos operários espíritas bordeleses:
"Senhor Allen Kardec, nosso querido Mestre!

Permiti que, em nome de todos os operarias espíritas de


Bordéus, levante um brinde à vossa prosperidade. . . Estamos
no seio do espiritismo, e o espiritismo é, para nós, uma sólida
consolação para os nossos sofrimentos. Porque, é bom lembrar,
existem momentos na vida em que a razão poderio talvez nos
amparar, mas há outros em que temos necessidade de tôda a
fé que dá o espiritismo paro não sucumbrir. Em vão as filóso­
fos nos ensinam suas máximos pomposos. . . frocos consolações
Longe de suavizar a dor, êles a aumentam! O espiritismo, po­
rém, surge em nosso socorro e nos prova que a nossa aflição,
ela mesma, pode contribuir paro a nossa felicidade.
Recebei, prezado Mestre, estas poucas palavras saídas do
coração de vossos filhos, pois sois Pai de todos nós, o Pai da clas­
se tiabalhadoia e dos aflitos. Vós o sabeis, o progresso e o so­
frimento caminham de mãos dadas. Mas, enquanto o desespêro
sufoco nossos corações, vós apareceis para nos trazer fôrça e
coragem. Sabei, pois, que nós somos apóstolos devotados e
que, no presente como nos séculos vindouros, vosso nome será
bendito pelos nossos filos e nossos amigos, os operários."

Um pouco mais tarde, em 1888, em Jemmapes


Meuse, um operário metalúrgico belga de quarenta
e dois anos de idade, Antoine Louis, iniciou-se nas
mesas giratórias e revelou-se médium. Deu às suas

90
revelações um tom taumatúrgico e conheceu, como
curador, êxito prodigioso (1). Não conseguiu s.opitar
o desejo de fundar uma seita, o Antoinismo, da qual
tornou-se o «Pai». Suo doutrina, das mais vagas,
kardecista com tintura de evangelismo e ocultismo
elementar, é coroada por uma moral em todos os pon­
tos tradicional. O essencial do seu êxito residia na
imposição das mãos, acompanhada de uma prece
que sempre fazia efeito se a pureza do operador e do
operado fôsse suficiente. Em 1910 colheu, na bacia
mineira belga, mais de cento e cinqüenta mil assina­
turas de simpatizantes. O Antoinismo, atualmente,
conta com perto de cento e cinqüenta mil adeptos. O
núcleo principal continua na Bélgica, com algumas fi­
liais na França, na Alemanha e na Inglaterra (25).
Entretanto, não é o meio proletário que oferece,
hoje, ao espiritismo, a maioria de seus adeptos. No
fim do Século XIX e no comêço do Século XX, o triun­
fo da agitação social e das greves, que conseguiram
as primeiras medidas de humanidade e de proteção
dos trabalhadores, conduziram para o materialismo
marxista a massa da classe operária.
Restava, e ainda resta, a imensa classe das pes­
soas tão livres quanto possível, tanto do esnobismo
mundano, como da tirania materialista. As sessões
espíritas de tôda e qualquer espécie reunem essen­
cialmente representantes da burguesia, até mesmo a
mais humilde, como empreqcdos, burocratas, artesãos,
funcionários, comerciantes, aposentados, muitas mu­
lheres, quase sempre idosas, todos os que, em suas pre­
ocupações cotidianas, esperam um auxílio e um con­
sôlo espirituais. É preciso, aqui, distinguir:
(1) Ver os médíuns curadores, p. 39. Com excessão dos Antoí­
nistas, não falaremos do espiritismo taumatúr'gíco: seria preciso um
estudo considerável para esgotar o assunto da medicina "espiritualis­
ta" no século XIX.

91
A teosofia congrega tanto os mais apaixonados
do ocultismo como também os mais instruídos. A
doutrina teosófica não é simples. Ela pode permitir
a todos o acesso aos grandes segrêdos, mas dêles
exige estudos longos e árduos, o abandono do mun­
do e até um ascetismo rigoroso, para a aquisição dos
poderes supra normais. Quem pode palmilhar êste
caminho? E para falar de uma coragem mais aces­
sível, quem pode se vangloriar de haver lido a «Doe­
trine Secrête», da Senhora Blavatsky, de fio a pavio?
A freqüência das salas de teosofia revelem um pú­
blico sério, amante da reflexão e do estudo, quase
sempre apaixonado por uma forma especial de pes­
quisa, como a grafologia, a astrologia, a quirologia,
uma vez que «Tudo está em tudo», como diz Annie
Besant. As salas espíritas, ao contrário, estão reple­
tas de tôdcs as angústias da vida, quando não são
sacudidas por uma curiosidade inesgotável e bas­
tante mórbida pelos fenómenos, sempre os mesmos
e eternamente novos. Com o coração aos saltos, os
infelizes enxergam, nas manifestações espíritas, a
prova tangível do Além consolador, e esperam uma
palavra, uma revelação que os guie. Mulheres ar­
rancadas aos maridos, mães privadas dos filhos, aí
estão, ansiosas, ávidas, procurando o fio diretor da
vida, que perderam. Poderiamas citar lugares, da­
tas . . . A diferença entre os amadores da teosofia
e os espíritas praticantes, com relação à experiência
direta, é sensível.
Em 1927, Charles Richet (27) avaliava os espíritas
espalhados pelo mundo, em três ou quatro milhões,
os quais publicavam e liam cêrca de cento e cinqüen­
ta jornais espíritas. Em 1943, o Dr. Philippe Encau­
se (43) calculava em seiscentos mil somente os espí­
ritas franceses que se interessavam por êste proble­
ma. É impossível aproximarmo-nos mais da verdade,

92
porém, de acôrdo com a nossa experiência, essa ci­
fra nos parece pequena, pois pensamos num milhão,
pelo menos. É preciso, realmente, nos lembrarmos
não só dos espíritas «cultos», dos assinantes de revistas
e freqüentadores de bibliotecas espíritas, de conferên­
cias e de cenáculos conhecidos, mas também dos
Círculos íntimos, «burgueses», em tôrno de um mé­
dium benévolo que é um amigo. Êsses freqüentado­
res não se exibem e suas reuniões, extraordinària­
mente esfalhadas, poderiam passar por reuniões de
«bridço».

93
CAPÍTULO V

O ESPffiITISMO DIANTE DA CltNCIA

Os fenómenos que derivam das leis da ciêncio vulgar ma­


nifestam-se de tôdas as partes, e revelam em sua causa a ação
de uma vontade livre e inteligente.
A razão ensina que um efeito inteligente deve ter como
causa um poder inteligente. . . (3)

Eis colocado o problema. E mal colocado. Co­


mo qualificar um efeito como inteligente? Para. um
Pigmeu ou para um primitivo da Austrália, um robot,
na sua atividade, manifestaria efeitos inteligentes e
ser-lhe-ia, sem dúvida alguma, atribuída uma «cau­
sa inteligente», uma alma. Depois dêste prolegô­
meno, Allan Kardec pode dispender tesouros de en­
genhosidade e de boa fé para fazer entrar o espiri­
tismo no domínio da ciência: trabalho perdido. Não
é em vão que o Século XIX via justamente triunfar
a ciência pura, a que se prende à medida dos fenó­
menos, à determinação rigorosa das leis naturais, à
instituição de experiências indefinidamente reprodu­
zíveis, idênticas a elas próprias, tôdos as coisas iguais,
aliás. Admitir nos fatos, espíritas ou não, a interven­
ção do pensamento, da vontade extra-humana, se­
ria voltar ao antropomorfismo e mergulhar na otmos-

95
fera dos séculos passados, inclusive na magia. A
interpretação espírita dos fatos paranormais jamais
será de natureza científica.
A cada passo, um sábio como Freud fala de coi­
sas das quais confessa quase tudo ignorar (28). Pa­
ra êle, o inconsciente, o subconsciente, são revelados
por fragmentos, por ocasião de alguma nevrose. Êle
agiu quase corno um cego, construindo uma hipótese,
verificando-a pela ação que poderia ter sôbre um
doente naquela linha de pensamento. Apesar deste
mistério quase absoluto, ninguém terá a idéia de
contestar a qualidade de homem de ciência de
Freud. Mas se Freud houvesse dito: «Tal doença
revela a presença de uma entidade estranha no cor­
po de tal doente», êle teria saltado o muro e passa­
ria para o espiritismo. Deus sabe se o próprio terre­
no de suas observações não poderia conduzi-lo para
lá! Na realidade, porém, a distância era enorme,
o salto prodigioso.
É êste o falso problema do espiritismo, a eterna
querela.
Já estudamos a construção espírita. Antes de
abordar o exame crítico dos fatos de base, é necessá­
rio distinguir uma poderosa corrente dissidente, de
intenção científica: a corrente metapsíquica.

A tent a.ção metapsíquica


1

Muito cedo, os contemporâneos de Allan Kardec


levantaram algumas questões. Os homens de ciên­
cia sentiram a ambigüidade da posição espírita. Mes­
mo para o amador ordinário, os fenômenos espíritas
físicos têm freqüentemente um aspecto «gratuito» qua­
se desconcertante. Alguns sentem dificuldades em

96
ver uma fôrça sobrenatural, uma alma, empreqor sua
energia perispirítica para levantar móveis ou pa­
ra fazer toques fantasistas. O Dr. Locard chegou a
dizer: « Visto sob o aspecto da dança dos móveis, o
Além aparece como um quarto de crianças ou como
hospício.»
Precedidas pelos trabalhos de Broíd, em 1841, as
investigações de Charcot, na «Solpêtriêre», e de Du
montpallier, na «Pitié» (29), puseram em relêvo, na
hipnose histérica, o apagamento da personalidade
habitual e o aparecimento de uma nova personali­
dade. Impressionado, o próprio Léon Denis, começou a
levar em consideração essas interpretações médicas.
tle narra o caso de uma jovem, muito inteligente,
Alma X. . . atacada por uma moléstia em conseqüên­
cia de esgotamento. Havendo perdido o apetite e as
fôrças, jazia sempre prostrada no leito. Nessa oca­
sião, surgiu nela a personalidade n? 2, que se dizia
natural da Índia e tinha, com o primeiro «eu», os
maiores cuidados, como, por exemplo, comer por êle
e encorajá-lo a se tratar. Em dados momentos, surgia
a personalidade nº 3, do gênero brincalhão, mas
sempre atraente, e que agradava à primeira. Que
tentação fazer intervir dois Espíritos falando pelos
lábios da jovem! Léon Denis, porém, resistiu ao de­
sejo, contentando-se com a explicação psiquiátrica
do caso.
O médium Dunglas Home deixou-nos um depoi­
mento inestimável. O Dr. Phili.ps Davis, que tratou
dêle durante os três últimos anos de vida, conser­
vou a narrativa da seguinte entrevista:

Naquela noite, exausto de tanto falar, Home aproximou-se


da mesa, e pousando as mãos tornadas diófanas oela magreza,
disse-me: "Quero saber quanto tempo os Espíritos me deixarão
viver." E de tôdas as partes, as batidas principiaram a soar sô­
bre a mesa, ora como trovões, ora como tiros de metralha ...

97
7
"Para que fazes isto? perguntei-lhe. Não sabes que é
inútil te apegares à existência de Espíritos que sàmente exis­
tiram pelo poder dêsse admirável cérebro que ordena à maté­
ria inerte: "Faça isto", e ao qual esta obedece? A Antiguidade
colocou-o no número dos semi-deuses!"
Eu sabia como prendê-lo e o elogio foi-lhe agradável, pois
me respondeu:
"É verdade que esta multidão de Espíritos, diante da qual
se ajoelham as almas crédulas e supersticiosas jamais existiu!
Pelo menos eu nunca os encontrei à minha frente. Servi-me
dêles para dar às experiências a aparência de mistério que, em
todos os tempos, satisfez as massas e especialmente as mulhe­
res, mas nunca acreditei na sua intervenção nos fenômenos que
eu produzia e que todos atribuíam a influências do outro mundo.
Como poderia crer nisso? Sempre fiz os objetos, aos quais in­
fluenciava com meu fluido, falar tudo quanto quis! Não, um
médium não pode crer nos Espíritos; êle é, mesmo, o único
que não pode, jamais, acreditar nisso! Como o cntiqo drúida
que se ocultava num carvalho' para fa.zer ouvir a voz temida de
Teutates, o médium não pode crer em sêres que existem unica­
mente por sua vontade."
Após haver pronunciado essas palavras com esfôrço e como
se monologasse, calou-se. . . Quando voltou a si, disse-me:
"Não publique isso antes que eu morra." ( 1)

Assim, o ceticismo pairou nos arraiais do espm­


tismo. Nos anos de 1865 a 1906, um grupo de estu­
disos, do qual Camille Fkrmmcrion fazia parte, :?liou-se
se aos grandes médiuns - Florence Cook, Eusapia
Paladino, Dunglas Home e alguns outros - para
uma série de experiências sistemáticas. Esses sábios
- William Crookes, Sir Oliver Lodge, Lombroso, Zol­
lner, Schrenck-Notzing - às vêzes na presença de
Jules Claretie, Charles Richet, Victorien Sardou, de
Rochas, Ed. de Rotschild, Pierre e Marie Curie, Gusta­
ve Le Bon, buscaram, segundo a palavra do Padre
Mainage, o segrêdo do espiritismo sem Espíritos.

(1) Dr. Philips Davis - "La fin du Monãe des Esprits", citado
por Mainage, bíblíogr. (5).

98
Procuraram ligar os fenómenos espíritas é, em porti­
cular, os fenómenos físicos, a uma propriedade es­
pecial, até então desconhecida do psiquismo huma­
no. Mens agit1at molem. lembrou Flammarion. Me11:1S.,
aqui, no sentido lato, de «faculdades psíquicas» e não
mentais. As faculdádes mediúnicas revelam-se sem­
pre nos sêres pouco desenvolvidos, por vêzes iletra­
dos, (como Eusapia Paladino, analfabeta, e incapaz
de articular algumas palavras em francês, depois de
vários anos de estada na. França). Elas podem ma­
nifestar-se na infância, atingindo o máximo na ado­
lescência (Florence Cook tinha dezessete anos) para
desaparecer em seguida. A adolescência não é uma
idade mental importante, mas um momento crítico da
vida física e psíquica. ·
A posição científica era delicada, Camille Fkrm­
marion não a desconhecia:
"De um lodo, os céticos não abandonam a sua negativa,
convencidos de que conhecem tôdos os fôrços do natureza, de
que todos os médiuns são forçantes e de que os experimentadores
não sobem observar. Do outro, os espíritos crédulos, que ima­
ginam ter Espíritos constantemente à suo disposição numa mesa,
e que invocam, sem pestanejar, Platão, Zoroostro, Jesus Cristo,
Santo Agostinho, Carlos Mogno, Shakespeare, Newton ou Napo­
leão, vão me insultar mais uma vez, afirmando que me vendi
ao Instituto por uma ambição inveterada e que não ouso con­
cluir o favor do identidade dos Espíritos poro não contrariar
amigos ilustres. Êstes, como os primeiros, não ficarão satisfei­
tos."

Os trabalhos foram executados com grande cui­


dado: experiências com os médiuns do grupo Allan
Kardec (Gabriel Delanne, etc), experiências de Lom­
broso, em Milão, diante de um areópago de sábios,
tendo Eusopio. Paladino como médium. Experiências
da Sociedade Dialética de Londres, à qual se juntou
William Crookes, servindo Dunglas Home como médium.
Em 1873, William Cnookes tornou a encontrar-se com

99
Florenco C ook que materializou pctra E§ le o fontcsmo
Katie King durante três anos.
Foram tomadas ds mais severas precauções con­
tra a fraude: os «rcps» as levitações, a mudança de
objetos, os sons espontâneos de instrumentos musi­
cais, as materializações, as esculturas à distância se
sucederam.
A incapacidade de concluir cientlficcrnente e
também, sem dúvida, as razões sentimentais, lutos
dolorosos dificilmente superados, conduziram, final­
mente, a moiorio dos estudiosos para os braços do
espiritismo. Lombroso, Aksakof, F. Myers, Oliver Lod­
ge, confessaram-se publicamente espíritas. Camille
Flammarion hesitou durante muito tempo, tendo ofír­
mado, pensativamente, após uma sessão com o mé­
dium russo SaÍnbor, em maio de 1902:
"Não posso deixar de me sentir enternecido ao pensar no
russozinho Sombor. O ex-empregado dos telégrafos, emagreci­
do pelos seis ou sete invernos passados em São Petersburgo, teria
sido o escolhido pelo natureza ceoc poro ser o intermediário en­
tre o nosso mundo e o duvidoso Além? Ou pelo menos um ou­
tro mundo de sêres cujo natureza preciso - que não se zan­
guem os espíritos - serio para mim um enigma, se eu nisso
crêsse rea I mente."

Em 1907 êle fala, algumas vêzes, da «interven­


ção aparente de uma inteligência estranha», mas con­
clui com firmeza: «Existe na natureza um elemento
psíquico em atividade variável e cuja essência con­
tinua ainda oculta para nós. . . Os fenômenos de
que falamos são manifestações do dinamismo uni­
versal» (30). Não é duvidoso, no entanto, que no
fim da vida, a doutrina espírita haja conseguido sua
adesã.o.
Em sentido inverso, outros sábios igualmente ilus­
tres recusaram-se, decididamente, a abandonar o

100
racional e fundaram uma ciência metapsíquica, total­
mente diferente do espiritismo. Sob o impulso de
Charles Richet, na França, secundado por seus ami­
gos, os Drs. Geley, Osty, Gibier e vários outros, criou­
se em Paris um Instituto Internacional de Metapsíqui­
ca, teatro de longas e apaixonantes experiências.
Neste sentido, em Londres, em 1882, sob a égide de
Sigdwick, professor de Filosofia Moral em Cambridge,
abriu-se o «Institut for Psychical Research». Nos Esta­
dos Unidos, em 1930, o Departamento de Psicologia
da Duke University empreendeu uma série de pesqui­
sas sôbre os videntes, sob a direção do Prof. Rhine.
Essas investigações escapam do nosso objetivo, pois
rompem nitidamente com o espiritismo e se colocam
num ponto de vista científico, quanto mais não seja
para apresentar uma interrogação.
Na hora atual, evidentemente, a corrente me­
tapsíquica se enfraquece cada dia que passa e não
mais perturba os espíritas praticantes. Fatos sintomá­
ticos: o Centro Espiritualista e o Instituto Internacio­
nal de Metapsíquica constituem, ambos, uma funda­
ção Jean Meyer, mecenas que as dotou de um sun­
tuoso prédio e uma biblioteca. O Centro Espiritualis­
ta é um formigueiro, mas o Instituto de Metapsíquica
cerrou suas portas da Avenida Niel ( 1).
Para um Alexis Carrel, que sustenta (33) a exis­
tência de fatos de telepatia e de fôrças desconhecidas
no homem, quantos Jean Rostand, assegurando, repe­
tidas vêzes, a inexistência dêsses mesmos fatos? (34
e 35). Isto, sem dúvida, por duas razões:
O trabalho dos antepassados não trouxe muito
esclarecimento sôbre a questão. Discerniram-se cl-

(1) O Instituto de Metapsíquica pensava reabrir as portas pelos


fins de 1954, na Praça Wagram, n. 1. Mas seus laboratórios, sua bi­
blioteca? Muitas são as perguntas que atualmente. continuam sem res­
posta.

101
guns dados, discutiu-se, mas não se pode explicar
verdadeiramente nada. E essas doutrinas, com ex­
ceção das freudianas, suas' vizinhas - combatidas,
elas próprias, por psiquiatras contemporâneos - não
produzem tratamentos e, portanto, não são nem fe­
cundeis, nem verificáveis em seus efeitos. Tais estu­
dos conduzem a conclusões mais filosóficas e metafí­
sicas que verdadeiramente científicas. Desde logo
perdem seu valor e entram em concorrência com o
sistema espírita, que é cómodo.
Finalmente, ninguém quer passar por tolo. A
fraude dos médiuns, freqüente, provada, mas tão di­
fícil de ser percebida, é, certamente, o grande escô­
lho. Os homens de boa fé afastam-se, inquietos. É
fácil aos irónicos crivar os investigadores com seus
sarcasmos. Risco difícil de aceitar!

Os f,atos espíritas. Os subterfúgios


Os fatos espíritas existem?
Alguns o negam. Mas. não se pode refutar com
uma palavra tantos depoimentos. Os argumentos
são múltiplos.
Antes de mais nada, para todos os fatos, sem ex­
ceção, especialmente para os contatos e as mate­
rializações, o médium somente entra em ação diante
de uma assistência pelo menos neutra, quando não
simpatizante. É preciso afastar, ao mesmo tempo,
os céticos, que são uma barreira mental, e os débeis,
que bebem em proveito próprio - e à sua revelia - a
energia perispirítica posta em comum. O curioso,
excluído de um Círculo sabe, por expcriôncio própria,
que não se sente disposto a dar g10nde crédito às
maravilhas que são produzidas. . do outro lado da

102
porta! Nesta mesma ordem de idéias, a necessida­
de de uma obscuridadé quase completa para a pro­
dução da maioria dos fenômenos de materialização
e para vários efeitos físicos, assim como o isolamento
do médium atrás de uma cortina, produzem natu­
ralmente desconfiança.
Os casos de vidências, já o sabemos, compor­
tam erros. Nada mais fácil que colocar as asser­
ções ex-a tas na conta de coincidência, da sorte e da
lei do maior número. Charles Richet sempre afastou
esta objeção, com uma paciência inesgotável, mas
nem todo o mundo se convenceu. (1)
A escrita automática não é um «fato espírita»,
mas um exemplo clássico, em psiquiatria, de desdo­
bramento de personalidade. Que dizer das inumerá­
veis comunicações que descrevem os Espíritos, sua
vida anterior até mil anos antes de nossa época, si­
tuações e personagens históricos? Minúcias exatas,
assimiladas pelo médium durante suas leituras ou
seus contatos mundanos, caídos em sua memória
subconsciente, ressurgem, misturados ao romance cria­
do, com tôda boa fé, por sua imaginação. Ê preciso
não esquecer, com efeito, que a faculdade rnediúni­
ca pressupõe, geralmente, um certo estado histérico.
A leve embriaguez do «segundo estado» faz passar
tudo, e os assistentes sómente desejam crer. (2)
Vem, finalmente, a fraude característica do mé­
dium. Só ela encheria vários volumes. Deve ser bas­
tante antiga, contemporânea dos primeiros fatos es­
píritas. Em 1857, Allan Kardec termina seu «Livne dies
Médiwms» com o capítulo: «Charlatanismo e trornóícs».

(1) Ver Marcel Boll, "L'occultisme devant la science", coleção


"Que sais-je?" e, em sentido oposto, Charles Richet (27 e 31).
(2) Tal a história de Interino, cheia de ensinamentos, narrada
por Colinon em seu livro, bíblíogr, (25).

103
«Fraudes, «topioçôss», falcatruas, v,e füacarias, tra­
paças e mistificicações», escreve Flammarion em lon­
go capítulo de um de seus estudos (30). Todos
os espíritas, todos os metapsíquicos convictos fala­
ram disso, quanto mais não seja para desprezá-los
com indignação e estcbelecer a diferença com os
fenómenos autênticos.
Vejamos, porém, os fatos.
O «New York Hemld», de 24 de setembro de 1888
publicou uma entrevista de Margaret Fox, na qual
esta dizia: « Vou lhe contar a história do espiritismo,
desde a sua verdadeira fundação. Quando isso co­
meçou, Katie e eu éramos crianças e essa senhora
idosa, que é nosso irmã, aproveitou-se de nós. Nos­
sa mãe era uma tôlo, uma fanática. Refiro-me a ela
nestes têrmos porque era de boa fé e acreditava nes­
sas coisas. Nossa irmã servia-se de nós nas exibi­
ções e embolsava o dinheiro.»
Depois, Katie Fox: «O espiritismo é, do principio
ao fim; uma trapaça. É a maior falcatrua do século.
Magie e eu kmçcmo-nos em seus braços como crian­
ças, muito jovens e inocentes para saber o que fa­
zíamos. Nossa irmã Leah tinha vinte e três anos.
Atiradas nesse caminho de mistificações e, encoraja­
das por ela, continuamos.»
Com espantosa confirmação, Margaret Fox or­
ganizou, em 21 de outubro de 1888, na Academia de
Música de Nova York, uma reunião, durante a qual,
trepada numa caixa de ressonância, produziu todos
as «rops» que quis, usando os dedos do pé. ·
Pode-se ficar espantado diante desta mania de
verdade que se opoderou das irmãs Fox, ao fim de
sua carreira. Como quer que seja, elas acabaram
sucessivamente em 1892 e 1893 na miséria, na desor­
dem e no deboche alcoólico.

104
A teosofia, no seu comêço, não teve melhor sor­
te. A Senhora Blavatsky foi desmascarada pela «So­
ciety for Psychical Reseorch», de Londres, e acusa­
do de mistificação em seus fenômenos de escrita.
Êste acontecimento .foi confirmado por um grupo de
íntimos seus. Cometeu ela a imprudência de inten­
tar um processo, que perdeu, pois os peritos em gra­
fologia, unânimemente reconheceram como suas as
mensagens «espíritas». (25)
Todos os grandes médiuns fizeram trapaças. O
próprio Dunglas Home, freqüentador da alta socie­
dade, e que trabalhou diante de Napoleão III, foi sur­
preendido, em Biarritz, em 1860, simulando conta­
tos com o pé recoberto por uma luva, tendo sido con­
vidado á deixar o país. Eusapia Paladino, uma das
mais condescendentes às exigências dos experimen­
tadores, foi, por duas vêzes, surpreendida em flagran­
te delito. Na primeira, aos 16 de novembro de 1898,
durante uma sessão em casa de Flammarion, ela
atraiu a si um pêso para papel. . . com um cabelo.
A segunda vez aoonteceu em 1906 e Gustave Le Bon,
a êste respeito, fêz um relato a seu amigo Flamma­
rion:
"Por ocasião de sua estada em Paris, consegui com que
Eusapia realizasse três sessões em minha casa. Pedi a um pe­
netrante observador, meu conhecido, o Sr. Dastre, membro do
Academia de Ciências e professor de Fisiologia da Sorbonne,
que assistisse às experiências. Também o meu preparador, o
Sr. Michaux, esteve presente.
Além da levitação da mesa, vimos, por diversas vêzes, e
quase em pleno dia, u'o mão aparecer, primeiramente a 1 cen­
tímetros mais ou menos abaixo ela cabeça de Eusapia, depois
ao lado da cortina que a cobria parcialmente, a 50 centíme­
tros, aproximadamente, do seu ombro.
Para a segunda sessão, organizamos métodos de contrôle,
que foram decisivos. Graças à possibilidade de se produzir,
atrás de Eusapia, uma claridade, por ela ignorada, pudemos

105
ver um de seus braços hobillssimomente subtraído à nosso ob­
servação, alongar-se horizontalmente por trás do cortina e to­
car o ombro do Sr. Dostre e, numa segunda vez, dor uma pal­
mada na minha mão.
Concluí mos, por essas observações, que êstes fenómenos
nodo tinham de sobrenatural." Em seguida o esta noto, Gus­
tove Le Bon declarou-me verbalmente que, poro êle, tudo é
uma fraude nessas experiências."

Flammarion mostrou como o médium consegue


soltar uma das mãos sem que, na escuridão mais ou
menos profunda, os observadores percebam algo.
Os irmãos Davenport ocuparam a crónica pari­
siense no ano de 1860. Felizmente, foram postos sob
suspeita desde o comêço pelos espíritas franceses,
por causa de sua venalidade e da sua publicidade
escandalosa. Foram desmascarados e tiveram suas
vidas em perigo, diante do furor dos assistentes. (1)
O famoso Slade, médium do astrónomo alemão
Zollner, muitas vêzes confundido, foi condenado, em
Londres, a três meses de trabalhos forçados por fal­
catruas e acabou seus dias numa casa de saúde do
Estado de Michigan, em setembro de 1905 (30). »Vi
com meus próprios olhos, diz Flammarion, Slade escre­
ver sob a mesa, num quadro negro camuflado. Vi
com meus próprios olhos, os clichês de Buguet, já
preparados.» (30)
f:ste Buguet, «fotógrafo de Espíritos», cujos mé­
todos indecentes fizeram escândalo, era, em suma,
um pioneiro. Desde seus primeiros passos, o espiri­
tismo procurou um auxiliar na placa sensível. O
«Le C,ourriier du BiCIIS-Rhin», de 3 de janeiro de 1863,
menciona esta prática como sendo corrente na Amé­
rica. Existiu uma «Sociedade de Estudos de Fotogra-

(1) "Revisba Espí'l'ita", Ano 1861.

106
fia Transcendental», fundada por Emmanuel Vauchez
e presidida pelo Dr. Fóveau de Courmelles, tendo, por
finalidade, «encorajar e recompensar as fotografias
dos sêres e' das irradiações do espaço». (36) (1). O
testemunho da fotografia, embora possa afastar a hi­
pótese de uma alucinação coletiva, parece-nos, ver­
dadeiramente, uma fonte de truques e de erros muito
fácil para ser retida. O próprio Richet diz: «A dupla
exposição, que qualquer fotógrafo, por menos mali­
cioso que seja, pode produzir, dá o perfeita ilusão
de um fantasma ou de uma figura materializada».
(31) Mas, até a nossa época, até a «Recviist,a Espírita»
de janeiro-fevereiro de 1954, vêem-se experimentado­
res ensaiar, sem desccnso. células infravermelhas
ou ultravioletas, câmaras múltiplas, de angulos sà­
biamente calculados. . . Os espíritas contam, no en­
tanto, a história do jovem lorde, desesperado com a
morte da amada, que após vários meses de prostra­
ção, se dedicou à arte fotográfica e, tirando uma fo­
tografia de uma janela do castelo.. . aí descobriu
sua bem-amada, suspensa no ar, envôlta em longos
véus! A . semelhança era notável, malgrado uma leve
tremura, que se podia atribuir ao seu novo estado
desencarnado. Passada a primeira emoção, o jovem
percebeu que havia utilizado um velho filme, meio
usado, mais ou menos velado.
A veracidade das materializações suscita graves
problemas. Têm sido desmascaradas fraudes gros­
seiras. A sra. Williams, médium americana, recebida
em Paris, em 1894, na casa da Duquesa de Pomar,
e em contato com a melhor sociedade, foi descoberta
em flagrante, quando agitava cabeças de madeira

1) A Sra. Gall, rso» Terre. La Vie de !'Au-De!á", publicou,


sob os auspícios desta Sociedade, em 1925, célebres trabalhos de foto­
grafias transcendentais.

107
pintada, rodeadas de véus. O caso de Florence Cook
materializando Katie King, merece porém ser exami­
nado (1).
· O Padre Mainage (5) apresenta contra ela dois
argumentos, concluindo que Florence Cook traiu;
Perante a Associação dos Espíritos de Londres, em 1880,
uma Sra. Comer, adormecida e amarrada a uma cadeira, fazia
aparecer o Espírita de uma criança morta há doze anos. De
súbito, um espectador, cujo fluido provàvelmente não era sim­
pático, interpõe-se entre a aparição e a clássica cortina, cui­
dadosamente fechada. Aberta esta, surgiu uma cadeira vazia:
o Espírito e seu médium eram apenas uma mesma e única en­
tidade de carne e osso. Quem era, então, aquela Sra. Comer?
Florence Cook, a antiga médium de Sir William Crookes,

Sempre segundo o Padre Mainage, e com apoio


no relatório escrito pelo próprio W. Crookes, Floren­
ce Cook e Katie King tinham extrema semelhança;
aliás, elas não se manifestavam com vida senão al­
ternadamente, pois a médium parecia uma trouxa
de roupa quando Katie King passeava e falava, bem
viva, e, inversamente, quando a médium voltava a
ter vida, a materialização desaparecia.
Mas, se lermos duas cartas enviadas por W. Cro­
okes ao jornal «The Spiritua:list» e publicadas em fe­
vereiro e março de 1874, não teremos as mesmas in­
dicações. E nomeadamente:
Katie garantiu que julgava ser capaz de se mostrar na
mesme ocasiã.o que .a Srta. Cook. Diminuí a luz do gás e,
em seguida, com minha lâmpada, penetrei na peça que servia
de gabinete. Entrei nela com precaução. Estava escuro e foi
às apalpadelas que procurei a Srta. Cook. Encontrei-a deita-
da no assoalho.
Ajoelhando-me, deixei entrar o ar na lâmpada, e à sua
luz, vi a jovem vestida de veludo prêto, como se encontrava no

(1) Veja, à página 30 a descrição desta materialização.

108
início do sessõo, cpresentondo o aparência de um ser comple­
tamente insensível. Não se moveu quando tomei-lhe o mão e
cheguei o luz poro perto do rosto, continuando a respirar tron­
qüilomente.
Alçando a lâmpada, olhei ao redor e vi ICatie que se.
encontrava de pé, próximo do Sta. Cook e atrás desta. Trajava
vestido branco e esvoaçante, como a víramos durante a sessão.
Segurando uma das mãos da Sta. Cook nas minhas, e ainda
ajoelhado, suspendi e baixei a lâmpada, tanto para clarear to­
do o rosto de Katie, como poro me conyencer, plenamente, que
estava vendo a verdadeira Katie e não o fantasma de um cére­
bro doentio. Ela nodo falou, mas moveu a cabeça em sinal de
reconhecimento. Por três vêzes diferentes examinei a Sta. Cook
deitada diante de mim, para me certificar que a mão que
segurava, era reolmente a de uma mulher viva, e nesses
três diferentes vêz es, volvi a lâmpada para Katie, a fim de
examiná-la com uma atenção que sustentei até que não tives­
se m,ais a menor dúvida de que ela alí estava à minha frente.
No fim, a Sta. Cook esboçou um ligeiro movimento e, imedia­
tamente Katie, fêz-me sinal para que me afastasse. . . (30)

O problema continua insolúvel. Para complicá­


lo ainda mais, Eliphas Levi ( «La clé deis g1:1a:nds myste­
res») assegura que várias pessoas tinham invocado,
por intermédio de Dunglas Home, os fantasmas de
parentes supostos, que jamais existiram. O que des­
loca 'a questão, sem e;clarecê-la.
Enfim, os fatos físicos: «rcps». levitações, telecine­
sias, podem depender de uma forma elegante de frau­
de: a prestidigitação ( 1). Quando o operador é de
classe, torna-se impossível descobrir o truque. Lem­
bra-me de uma sessão realizada num salão, diante
de uns quinze meninos de seis a dez anos, moder­
nos, positivos, travessos e zombeteiros. Alinhados em
meio círculo, no mesmo nível, e a menos de 1 metro

(1) Um depoimento importante sôbre êste assunto: Harrv Price


(engenheiro, diretor do Laboratório Nacional de Pesquisas Psíquicas
de Londres e prestidigitador de talento) : "Experiences scientifiques
avec un noveau médium", 1926. Igualmente: Henri Regnault, "Les
vivantes et les morts", capítulo "Espiritismo e Prestidigitação".

109
do prestidigitador, os meninos eram constantemente
solicitados a verificar seus bolsos, suas mangas,
seus aparelhos ou mesmo a colaborar nas mágicas.
Tudo aparecia e desaparecia aos nossos olhos: o
copo com água, a vela acesa, o lenço de sêda e até
uma grinalda de lâmpadas elétricas acesas! A esca­
moteação, às vêzes, não é tão perfeita. Em 1901, a
Princesa Karadja apresentou, em sua casa, uma mé­
dium alemã, Anna Rothe: um amigo de Flammarion
(que não assistira à sessão) desmascarou a médium,
que retirava galhos de sob as saias, para jogá-los no
salão, e tirava, do seu corpinho, laranjas «ainda
quentes»! (30)
Colinon (25) lembra, com humor, que o público
gosta de quimeras e não acredita nunca que o seu
mágico seja um escamoteador. De qualquer forma,
a prestidigitação tem seus limites. O Sr. Minville de­
dicou-se, em seu tempo, a distinguir os domínios da
prestidigitação e da vidência pura. Robert Houdin,
ilustre prestidigitador, acedeu em acompanhá-lo à
casa de Alexis, famoso médium de hipnose, onde
foram feitas várias experiências de adivinhações, a
princípio com baralhos novos fornecidos pelo próprio
Houdin, depois com assuntos de família. Em seguida,
Robert Houdin escreveu as duas seguintes cartas:
"Sinto-me no dever de declarar que os fatos relatados abai­
j
xo (a relação das experiências) são da mais completa exatidão
e que, quanto mais sôbre êles reflito, mais me vejo impedido
de colocá-los entre os que fazem parte de minha arte e de
meus trabalhos."
4 de maio de 1847. a) Robert Houdin.
Quinze dias mais tarde:
Senhor,
Como tive a honra de lhe dizer, fui a uma segunda ses­
são ontem, em casa de Marcillet, oinda mais maravilhosa que

llO
a precedente, e que não deixa dúvida algum,a sóbre o lucidez
de Alexis. Fui a essa sessão com a idéia preconcebida de vi­
giar a jôgo de cartas, que tonto me impressionara. Desconfian­
do de mim mesmo, fiz-me acompanhar de um de meus ami­
gos, cujo temperamento colmo, podia apreciar tudo friamente
e estabelecer uma espécie de equilíbrio paro o meu julgamen-
to ...
Voltei dessa sessão tão maravilhado· quanto poderia ficar,
e persuadido de ser totalmente impossível que o acaso ou a
destreza possam produzir efeitos tão surpreendentes.
Recebo, Senhor, etc ...
a) Robert Houdin (37)

Eis aí, imparcialmente relatada, uma crítica dos


fatos espíritas. Êstes continuam no entanto, ainda bas­
tante discutíveis. Se tudo é fraude, vimos grandes
espíritos deixaram-se prender por ela. Mas, que po­
de um homem de ciência contra a astúcia e a habili­
dade? O material de laboratório nóo possui tanta
malícia.
Inversamente, talvez possamos conceder ao mé­
dium trapaceiro algumas circunstâncias atenuantes.
A credulidade de certos Círculos é um encorajamento
à trapaça. De modo mais sério, os experimentado­
res, os metapsiquistas em portículor, os médicos, Ire­
qüentemente compreendem a que prova submetem
um organismo sempre hipernervoso, histérico, fàcil­
mente alucinável, fraco em suma. Eusapia Paladino
ficava, parece, esgotada pelas sessões. Acontecia­
lhe não poder reter no estômago nenhum alimen­
to sólido nos dois dias subseqüentes à sessão (30).
Segundo a confissão dos estudiosos, a faculdade me­
diúnica conhece eclípses misteriosos: como satisfazer
uma assistência seletã, da qual o médium é o centro
nesse dia? Tudo entra em jôgo: não só a tendência
natural dos histéricos à simulação e à mentira, mas

lll
também o receio de decepcionar e o orgulho de sus­
tentar uma reputação.
O amor próprio não é, aliás, o apanágio dos mé­
diuns sàmente.
D'Arsonvol, durante uma sessão do Instituto Psicológico
de Paris, contou espirituosamente a história do grande Ampere
que, numa das suas experiências de eletricidade diante de uma
comissão acadêmica, como a agulha do aparelho não andasse,
contràriamente ao que êle antecipara, e desejando, a todo custo,
pô-la em movimento, empurrou-a liqeiram:ente com o dedo.
Tempos depois, repetindo a mesma experiência, agora com êxi­
to, disse triunfalmente, mostrando a agulha: 'Desta vez ela
está andàndo sàzinha!" (31 ).

112
CAPíTULO VI

A POSIÇÃO DAS DOUTllli'l'AS CONTRARIAS

O espiritismo, renovador da tradição cristã à


luz oriental foi, desde o início, renegado por seus dois
co-autores espirituais: a Igreja Católica e o ocultismo
hindu.

A Igreja Católica
Os fatos, mesmo naquilo que apresentam de mais prodigio­
so, parecem-nos fora de constestação: quem os nega, fá-lo
apenas para escgpar a conclusões que teme. Atribui-los indis­
tintamente à intJ'posturo, parecendo admiti-los, é ainda negá-los.
As teorias que se esforçam por explicá-los por um impulso mus­
culor consciente, são incompletas, gratuitas, pueris, contrárias
à experiência. As . agitações puramente físicas ao conta to
das mãos poderiam provir de uma emanação vital. Mas os mo­
vimentos que nenhuma influência real do homem pode deter­
minar, as manifestações intelectuais que ultrapassam a capaci­
dade humana, escapam a esta interpretação e acusam a pre­
sença de motores invisíveis, que somente podem ser os maus
Espíritos. '

Assim se exprime o Cónego. Ribet, numa obra


magistral em quatro volumes, eloquentemente inti­
tulada «La mystique divine mstinguée, des contrefcçons

113
8
dísrboliques» (38). Tôdo a posição da Igreja se con­
tém nessas poucas linhas.
Já em 1853, o Bispo de Viviers, mais tarde Car­
deal Guibert, Arcebispo de Paris, assinalava o cará­
ter e os perigos das mesas que giram. Após alguns
meses de intervalo, coube a palavra ao Bispo de Mans,
teólogo, e aos Bispos de Autun, de Cambrai, de Ruão,
de Marselha, de Verdum, de Abil, de Rennes, de Or­
léans, de Dijon e de Poitiers. As «Revistas Espíri­
tas» de 1862/63 estão repletas de indignação contra
os ataques cotidianos e violentos que, do alto do púl­
pito, caíam sôbre o espiritismo. Em seus estudos, os
Abades Bautain, Thibaudet, Lecanu, Poussin e os
Padres Matignon e Pailloux, apoiados por uma coar­
te de leigos piedosos, os Srs. de Benezet, de Mirville,
etc., chegaram à conclusdo que tudo não passava
de intervenção diabólica.
A Igreja jamais abandonou essa linha de condu­
ta, tão e=do adotada. Se ela admite a produção
fraudulenta de muitos fatos espíritas, reconhece, po­
rém, um «resíduo» irredutível, que condena vigoro­
samente como obra do demónio. (5).
O clero, em conjunto, seguiu a hierarquia, e os
sacerdotes imprudentes que, a princípio, foram atraí­
dos pelas mesas giratórias, abandonaram qualquer
cantata com os Espíritos. Há uma exceção, men­
cionada org'úlhosamente pelo Livro de Ouro dos pio­
neiros do espiritismo: o Abade Rocca, «cónego tole­
rante e profundamente caridoso que, no congresso
espírita de 1890, tomou a palavra para afirmar suas
crenças espíritas e cristãs.»
A reação religiosa foi ainda mais forte no estran­
geiro que na França. O Arcebispo. de Quebec foi o
primeiro a assinalar e condenar as práticas espíritas
quase no início, em 1854, numa ordem detalhada que

114
teve grande repercussão no mundo católico. Seu ra­
ciocínio é simples: quem pode responder por intermé­
dio da mesa? Não a própria mesa, inerte e destituída
de inteligencia. A alma dos mortos? Mas os eleitos não
abandonam sua beatitude para satisfazer nossa vil curi­
osidade. Os danados também não, retidos, como es­
tão, sob a garra do demónio. As almas do Purgató­
rio também não, separadas de nós de tôdcs as manei­
ras pela vontade de Deus e para as quais apenas
podemos suplicar a clemência divina. E então? E então,
resta o próprio diabo as legiões de demónios que zom -
bam da credulidade e da imprudência dos homens,
chegando até a ditar comunicações de um tom ele­
vado, a fim de atrair os ingénuos para a queda. E
conclui, em latim: «Quem se diverte com o diabo ja­
mais será admitido a alegrar-se em Jesus Cristo.»
Aos 4 de agôsto de 1856, o Tribunal da Inquisi­
ção romana dirigiu aos bispos de todo o mundo uma
carta condexondo solenemente os «abusos do mag­
netismo».
Em 1861, uma remessa, feita por Allan Kar­
dec, de trezentos volumes de suas obras e de diver­
sas publicações espíritas a Maurice Lachatre, livrei­
ro em Barcelona, foi apreendida pelas autoridades
eclesiásticas, que efetuavam naquele tempo, em Es­
panha, o policicmento das livrarias. O Bispo de Bar­
celona ordeôcu sua queima pública, em um auto-de­
fé medieval:
f

Neste dia, 9 de outubro de L86 l, às l O horas e l /2 da


manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no local em
que são executados os criminosos condenados oo último suplício,
e por ordem do Bispo desta cidade, foram queimados trezen­
tos volumes e publica sôbre o espiritismo, a saber:
"A Revista Espírita", diretor Allan Kardec;
.. "A Revista Espiritu,alista", diretor Piérard;
"Le Livre des esprits", por Allan Kardec;
"Le Livre des médiuns", pelo mesmo;

115
"Frogm ents d'une sonete dietée por l'Esprit de Mozart";
"Lettre d'un cotholique sur 1e espiritisme'", pelo Dr. Grand,
"L'histoíre de Jeanne D'Arc, dictée por elle-même à Mlle.
Ermonce Dufau;
" La réolité des esprits démont'rée, par l'écriture d!irecte",
pelo Barão de Guldenstubbe.
Assistiram ao auto-de-fé:
--,- um padre envergando os hábitos sacerdotais, levan­
do a cruz em u'a mão e, na outra, uma tocheira;
- um notário, encarregado de redigir o processo verbal
do auto-de-fé;
o amanuense do notário;
- um funcionário superior da Alfândega;
- três empregados da Alfândega, encarregadas de man-
ter o fogo;
- um agente da Alfândega, representando o proprietá­
rio das obras condenadas pelo Bispo.
Uma multidão considerável enchia os passeios e cobria a
imensa esplanada, onde se levantou a fogueira.
Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e publica­
ções espíritas, o padre e os ajudantes se retiraram ...
- "Revista Espírita", novembro, 1861.

No dia 19 de maio de 1864, a Sagrada Congrega­


ção do Index oondenou, em bloco, tôdas as obras
folhetos e jornais espíritas ou a respeito do espiritis­
mo.
Em 1866, a segunda reunião plenária dos bispos
americanos, em Baltimore, renovou a condenação
católica.
Enfim, a/24 de abril de 1917, Roma tomou a deci­
são oficial e definitiva, sob a forma de um decreto do
Santo Ofício, que se traduz textualmente assim:

Sôbre o Espiritismo
24 de abril de 1917

116
Em sessão plenário foi perguntado aos Eminentíssimos e
Reverendíssimos Senhores Cardeaes, Inquisidores Gerais da Fé
e dos Costumes:
Se é permitido, por um médium, conforme é chamado, ou
sem médium, usando ou não hipnotismo, assistir a qualquer ma­
nifestação espírito, embora esta apresente aspecto de honesti­
dade ou de piedade, quer interrogando as almas ou Espíritos, quer
escutando-lhes as respostas, quer como observador, mesmo com
a afirmação, tácita ou expressa, de não desejar nenhum trato
com os Espíritos malignÕs.
Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Padres responderam
NÃO a tôdas as perguntas.
No dia 26 do mesmo mês, S. S. Benedicto XV aprovou a
resolução dos Eminentes Padres que lhe foi submetida.
(Texto latino em Colinon) (25)

O ocultismo hindu

Já vimos o orientalismo espírita inspirar-se em


noções hindus, muito vagas, provenientes de fontes
védicas. Estas fontes, de um caráter mágico muito
adiantado, conheceram, em face do budismo, uma re­
novação filosófica. Inversamente, o budismo, a des­
peito das afirmações orgulhosas de sua doutrina,
desvirtuou-se por meio de práticas, do comércio de
imagens, de especulações nitidamente hinduista. (11)
Se, em teoria, é absurdo falar-se em sabedoria hindu,
englobando dois siste:rems tão diferentes como budis­
mo e vedismo, que se excluem reciprocamente, os
séculos de prática popular «gastaram» o budismo a
um ponto tal, que existe verdadeiramente, em uma
infinidade de seitas, um clima religioso hindu espe..:
cífico. Comparemos o espiritismo à mais rica corren­
te dêste clima religioso, à que conseguiu, com êxito,
a síntese da doutrina abstrata de Cakya Muni, e de
u'o magia coerente e vivaz: o budismo tântrico. E

117
com o veículo tântrico que atigimos o ocultismo hin­
du na sua fórmula mais completa.
Para a Igreja, o espiritismo é obra do Maligno.
Quanto à tradição tântrica é um êrro, ou melhor,
uma série de erros, em parte corrigida na teosofia.
"A alma pensa, sofre, e vive", disse Allan Kcrdee por di­
versas vêzes (3). E Annie Besante encarece: "O Espírito aparece
como vontade, sabedoria, atividade criadora." (39)

Erro fundamental. Com os teósofos, a substân­


cia cósmica foi revolvida, de maneira a constituir
várias espécies, cada vez mais pesadas, da mesma
matéria primordial. Com êles, também, a alma do
homem, descendo de um plano superior, rodeia-se
de envoltórios pertencentes aos diversos planos de
matéria a atravessar até o nosso limo terrestre. Mas,
na escola tântrica, a «mónada» teosófica, chamada
«otmcn», e rodeada de cinco envoltórios, é apenas
um reflexo, uma manifestação, na matéria, da divin­
dade, sob seu especto criador, uma centelha de von­
tade. Ela é indiferente, cega, simples veículo de uma
fôrça suprema de natureza dinâmica (12). Desce e
sobe as correntes de involução e de evolução cerno
um ludião, segundo uma lei que não depende dela.
Ela nã10 é ocnsciente,
Para retomar as palavras de Allan Kardec, ela
não «sofre»: é seu corpo astral ou corpo emocional
que sofre e sente. Êste corpo, que pode, com efeito,
recordar o perispírito, vive algum tempo, após a mor­
te física, uma vida fictícia, reflexo da vida encarna­
da, esgota as emoções armazenadas no plano físico,
e depois torna-se um «cadáver astral», cujas ener­
gias constitutivos se decompõem e voltam à fonte co­
mum dêsse plano, ao estado simples. E isto através
dos diferentes envoltórios do homem, dos quais co-

118
da um contém uma de suas «consciências»: sua de­
composição sucede à do corpo físico. A consciência
do homem é, pois, um fenómeno temporário e variá­
vel que acompanha a vida, também temporária, de
cada um de seus envoltórios. É de notar, também,
que a viagem do Além é feita em sentido inverso da
das escolas ocidentais. Segundo os «Livres du Bardc»
o homem percebe primeiro, após a morte, a «Branca
Luz» e a, felicidade, em um instante brevíssimo, an­
tes de ser atraído para baixo pela lembrança de suas
emoções e de seus pensamentos carnais.
Dizer que o atman, êsse «nada», êsse reflexo, não
se modifica em sua passagem pela vida encarnada
não é, entretanto, completamente certo. Quanto, no
máximo do seu despojamento, êle abandonou o últi­
mo corpo de sua última encarnação, os corpos sutis
que recriou para descer novamente à Terra não são
insensíveis: são êles que lhe dão, em cada plano, seu
karma. Os conjuntos energéticos não são os de sua
precedente existência, pois os elementos pertence­
ram a outros corpos, inclusive, a coisa é possível, a
corpos animais ou até mesmo, vegetais. É sob esta
forma complexa que muitas escolas hindus entendem
a metempsicose. Poder-se-ia dizer, por comparação,
que o atman é igual a um diamante, cujas faces se­
riam polidas sucessivamente na medida da experiên­
cia adquirida. E isto talvez indefinidamente.
O problema da individualidade permite-nos to­
car numa diferença fundamental entre o Oriente e o
Ocidente. Êste tem a tendência de dar ao pensa­
mento e à personalidade, uma importância primor­
dial. Nos escritos espíritas, a coisa é explícita: o pen­
samento e a alma são uma e a mesma coisa, ela é
o seu· atributo essencial. A tal ponto que o homem,
mutilado em seu cérebro, provação kármica, de nas­
cença ou acidentalmente, é privado sómente do ins-

119
trumento de exteriorização, de formação comum, de
seu pensamento, e sofre por esta privação. (3). Aos
olhos dos psicólogos e dos psiquiatras, esta afirmação
é, a1iás, fantasista.
Para o Oriente, ao contrário, o pensamento é ma­
téria, função de u@ órgão e dependente do testemu­
nho dás sentidos. O mental é um espelho das atra­
ções diversas que dividem o homem, um gerador de
imagens. O essencial da ascése do ioga é justamen­
te destinado a vencer êsse mental atulhado de re­
presentações materiais, a esvaziá-lo de seu conteúdo
que impõe suas fantasmagorias à consciência do
homem. É êle, aliás, que transforma a impressão
cenestésiccr de unidade - temporária - em um con­
ceito falaz da personalidade. Acreditar que o ser
sobrevive sob sua forma pessoal e pode falar legi­
timamente como indivíduo consciente e «centraliza­
do», é apenas uma ilusão vulgar.
O conhecimento búdico não é dado pelo pensa­
mento. O espiritismo incita tôdas as. almas, encar­
nadas ou não, a trabalhar para se instruírem, e o
aperfeiçoamento moral com o consôlo do karma de­
ve se acompanhar de um aperfeiçoamento das con­
cepções intelectuais. Para a sabedoria hindu, po­
rém, não se trata disso, mas sim de fixar a fôrça dis­
ponível no homem ou «kundclini», habitualmente des­
pendida pelo sexo, em um centro de vidência frontal,
justaposto à glândula pineal. Nesse momento, no si­
lêncio da afetividade e do mental, a função de vidên­
cia, pwdigiosamente dinamizada, permite ao iogue
coincidir com as esferas mais elevadas que têm sob
seu domínio o conjunto do cosmos. Nesse momen­
to simultâneamente êle «vê», êle «sabe» e êle «pode».
É a iluminação.

120
A vidência, no sentido em que a entendemos, é
um fenômeno espalhado, que não requer o ditado
de um Desencarnado. Cada homem possui seus cor­
pos sutis de seu karma e seu destino, como seus pen­
dores, está inscrito em seus «duplos». O sábio, o
«rishi» sabe. ler o duplo dos vivos: é tudo. Em ma­
téria de · fatos físicos o ocultismo hindu conhece to­
dos os prodígios, dos quais dá conta o espiritismo.
J
Como Home, que conservava entre as mãos e contra
o rosto tições acesos sem se queimar ( 1), os adeptos
atravessam de pés nus extensas fogueiras cheias de
brasas. (31). Como Home, ainda, que podia alongar
seus membros, 25 centímetros e mesmo mais (31),
Alexandra David-Neel contou-nos a história daque­
la feiticeira tibetana que esquecera, em casa, sua
colher do festim do sabr.d. «Mãe, disseram-lhe as ou­
tras feiticeiras, basta alongar o braço para pegá-la»,
e imediatamente o braço da feiticeira alongou-se do
cemitério, onde festejavam, até sua casa, e pegou a
colher. (41). A levitação é um incidente cotidiano
da meditação profundo. Êsse domínio da matéria é,
geralmente, o prêmio de um certo grau de iniciação.
Fato típico: os lamas escondem os prodígios de que
são capazes e conservam essa fôrça preciosa, · de na­
tureza psíquica, ao serviço de sua evolução poste­
rior. São os faquires, os pequenos feiticeiros, os ini­
ciados de grau inferior, que os gastam em «mágicas».
E se essa fôrça se difunde para o exterior, espontâ­
neamente, como no caso de nossos médiuns involun­
tários, é uma desgraça e uma fraqueza para o indi­
víduo. (36)

(1) Os "fire-walkers" são especialistas nessas mágicas. Muitos


viajantes notaram tais manifestações não sómente nas Indias, mas no
Japão, na África austral, nas Ilhas Fidji, Havai, Samoa, etc. (Dr.
Carton) (40).

121
Quanto à invocação dos mortos - salvo em ca­
sos precisos e limitados de necromancia de intenção
mágica - os «Brohmos». corno dizem os espíritas, a
evitam rigorosamente. Que é a alma dos mortos?
Envoltórios alucinados, um cadáver em potência. O
espiritismo conhece bem essas alucinações. Se o
prudente Allan Kardec não lhes concedeu grande
lugar em suas obras, certos livros espíritas falam dês­
te assunto longamente. «La Survie», de Rufino Nog­
gerath, entre outros, coleção de comunicações apre­
sentadas tal qual foram recebidas, regorgita de ce­
nas penosas, em que o morto revive perpetuamente
êste ou aquêle episódio decisivo de sua vida encarna­
da: a feiticeira da Idade Média revê seu suplício, o
suicida seu suicídio, o assassino o seu crime, o aci­
dentado seu acidente, o soldado morto vagueia no
campo de batalha. E até mesmo a religiosa, obriga­
da pelos seus a tomar os véus, revê eternamente a
hora dolorosa de sua separação do mundo. A dou­
trina presta, diflcilmente, conta desses horríveis e
persistentes sonhos. Se o suicida e o assassino so­
frem assim seu karma, por que razão as vítimas eter­
nizam, elas também, seu sofrimento imerecido? O
prolongamento da «confusôo espírita» não se justi­
fica mais para além de um certo limite.
O que nós, terrenos, atraímos a nós, é o envoltó­
rio alucinado, o cadáver astral, o «preta» (36) hindu,
o «ob» dos antigos hebreus (1). Em todos os casos
há um centro de fôrças más que se esgota na vio­
lência e no êrro. Fôrças errantes, que só desejam se
aglutinar aos vivos, suficientemente loucos para os
chamar: «Todos os casos de possessão que precisei
desfazer, dizia-se um adepto da ciência tântrica, to-

(1) Interpretação da René Guenon (36).

122
dos sem exceção, tiveram origem na prática do espi­
ritismo».
Ficaremos por aqui nesta pesquisa que se pode­
ria levar muito longe. Não é fácil encontrar-se na
tradição hindu uma condenação formal do espiritis­
mo e de suas práticas. Os Tanttas são alusivos e,
como os Vieidas, constituem uma compilação de ma­
gia, subentendendo uma doutrina completa, dada ou
silenciosamente transmitida do Mestre para o discí­
pulo. Os diferentes Livres du Bardo sã.o pouco mais
explícitos. A crítica precedente precisou apoiar-se em
indianistas, professôres como L. Renou e von Glase­
napp, viajantes, como Alexandre, David Neel ou Mar­
ques Riviêre, vulgarizadores como Albert Schweitzer,
René Guenon e Jean Herbert. Esperamos não haver
traído, neste rápido apanhado, o sutil pensamento
hindu. ·

O espiritismo e ,a medicina
Não é a primeira vez, nestas páginas, que o es­
piritismo e a medicina se encontram. Já vimos os
metapsiquistas, quase todos médicos, apaixonarem­
se pelo estudo das eventuais faculdades desconheci­
das do homem. De um outro ponto de vista, os efei­
tos do espiritismo sôbre a saúde de quem o pratica,
especialmente sôbre sua saúde mental, não. tardaram
a alertar o corpo médico (43).
O grito de alarma foi dado, desde o início, em
algumas anotações esparsas na obra de Allan Kar­
dec e, mais vigorosamente, por Léon Denis e, depois,
pela Sra. Blavatsky:
"Os fluidos pesados e malsãos (dos Espíritos inferiores) al­
teram o estado geral da saúde dos médiuns, perturbam seu jul­
gamento e sua consciência e, em certos ccsos, levam à obses-

123
são e à loucura." 04). E, mais preciso, Héléns Blovatsky:
"Os melhores, os mais poderosos médiuns sofreram, todos êles,
em seu corpo ou em sua olmo. Lembrai-vos do fim deplorável
de Ch. Forster, morto de loucura furioso num hospício, Recordai­
vos de Slcde, epilético; de Eglington, o principal médiu do
Inglaterra, que neste momento, sofre do mesmo mal. Vêde,
ainda, o que foi o vida de Dunglos Home. . . Eis, enfim, os
irmãs Fox, os mais ontiqas médiuns, as fundadoras do espiritis­
mo moderno. Após mais de quarenta anos de convivência com
os "Anjos", tornaram-se, graças a__ êles, loucas incuráveis." (44)

O médium é pois, o mais exposto. Seu papel,


realmente, se desenrole inteiramente na passividade.
Seu trabalho, espontâneo ou provocado, é um apaga­
mento de sua consciência e de sua vontade diante de
uma entidade, dizem os espíritas, diante do hipnoti­
zador ou das fantasmagorias do inconsciente, segun­
do os incrédulos.
O espiritismo realiza uma deseducação, enfraquece a vonta­
de e expõe o espírito de seus adeptos a tôdas as fantasias do
inconsciente automático. . . Nos estados de transe, os tendên­
cias, os idéias mais ou menos más, recalcados outrora pelo edu­
cação, esquecidos, às vêzes, mos conservados, no entonto, no
fundo do inconsciente, são libertados do contrôle voluntá­
rio (45).

O Dr. Paul Duhern, em sua tese de doutoramento


(46) e depois dêle o corpo médico, em sua grande
maioria, exprimem a mesma opinião. Porque, pou­
co a pouco, a faculdade de desaparecimento pessoal
do médium, passageira e obtida, a princípio, com es­
fôrço, para a duração das sessões, torna-se mais ou
menos intempestiva. O médium se desdobra e en­
tra em transe, não importa onde nem quando. As
«mensagens» se multiplicam e aumentam, mas o
desgraçado sente, cada vez mais, dificuldade em
readquirir sua primitiva personalidade. Às vêzes
êle não o consegue jamais, como aconteceu a um

124
tal Louis Staudenmaier, que ficou para sempre deli­
rante, após uma única sessão de escrita automá­
tica. (47)
A passividade mediúnica é tão real, que não ·se
pode, nunca, ser, ao mesmo tempo, médium e hipno­
tizador. Os dois temperamentos são ontinômiccs. Se­
gundo um médico, Allan Kardec, caráter vigoroso,
de uma vontade poderosa, tinha tôdas as qualida­
des de um excelente hipnotizador: êle projetava sô­
bre seus médiuns um pensamento tão forte que tô­
das as mensagens kardecistas apresentam . evidente
semelhança. Jamais, porém, Allan Kardec captou,
pessoalmente, uma só mensagem, isto é fato conheci­
do.
O espectador também está sujeito a perigos. Os
débeis mentais aderem ao espiritismo por credu­
lidade pueril e expõem-se ao delírio de caráter demo­
nopático. Os desequilibrados, freqüentemente inteli­
gentes, mas de vontade instável e discernimento fra­
co, arriscam-se à exaltação e ao delírio de imagina­
ção. Os esquizóides, enfim, dissociados da vida prá­
tica e voltados para si próprios, encontram no oculto
o alimento de sua vida solitária (1). Em resumo, .:i
prática. do espiritismo anima a predisposição para
as perturbações mentais . E coube ao Dr. Marcel
Viollet descrever excelentemente a composição psi­
quiátrica do salão espírita: (48) os débeis, vencidos
pela existência, que se entregam ao espiritismo como
à consolação suprema, sem freios, sem discernimen­
to, acreditando em tudo, prontos a tôdas as obses­
sões. . Os paranóicos, suscetíveis, orgulhosos, odio­
sos na vida social, são atraídos como por um espe­
táculo «nos salões escuros, em que os Espíritos se

(1) Descrição do médico-geral Frfbourg-Blanc, citado pelo


Dr. Philippe Encausse (43).

125
invocam e onde se guardam, intatos, com o incóg­
nito, seu orgulho íntimo e sua suscetibilidade, que
não é ferida pelos Espíritos». Os escrupulosos, os
tristes, os tímidos «chegam na obscuridade, silencio­
sos, tranqüilos quando não são olhcrdos»: a melanco­
lia os tocaia. Finalmente, os nevropatas, com tendên­
cia para a crise larval de histeria,- de sonambulis­
mo espontâneo ou fàcilmente provocável, simulado­
res de bom grado, sentem-se, nas sessões, um possí­
}
;! vel centro de interêsse. Podem tornar-se «assuntos»,
auxiliares do médium ou os próprios médiuns. Muitas
mulheres agitam-se, assim, ativas, importantes, mi­
litantes, embaralhando tôdas as idéias.
O delírio espírita é mais geralmente alucinatório:
alucinações visuais, auditivas, olfativas, gustativas,
cenestésicos, genitais, psico-motoras, estas últimas so­
bretudo de forma gráfica e verbal (escrita e palavra
automáticas). Um exemplo de alucinação cenesté­
sica?
Os Espíritos roem-me o cérebro, declara um doente obser­
vado pelos Drs. Levy Volensi e Henri Ey. Isto doe muito. Te­
nho buracos no cérebro. Êles fazem sulcos e buracos nas vér­
tebras da coluna vertebral. A traquéia está furada em baixo.
Tenho uma bôlsa com água podre perto do ânus. (43)

Surgem, finalmente, as reações de defesa do in­


feliz alucinado, disposto a tudo para escapar aos
seus fantasmas, decidido a se suicidar ou, mais fre­
qüentemente, a matar o médium. Isto tem aconteci­
do inúmeras vêzes.
Sem precisar ir muito longe, Dunglas Home fus­
tiga, com humor, a vaidade ingênua de alguns cren­
tes:
Uma senhora pode crer, tanto quanto quiser, haver sido
companheira de um imperador ou de um rei, numa existência
anterior. Mas existe sempre uma boa meia dúzia. de senhoras,

126
igualmente convencidas, que sustentam ter sido, cada qual, a
mais querida espôso do mesmo- augusto personagem. De minha
parte, tive a honra de encontrar pelo menos doze Maria Ante­
nietas, seis ou sete Maria Stuarts, uma porção de São Luís e ou­
tros reis, uma vintena de Alexandres e de Cesar. . . mas nun­
ca um simples São João! (43)

Manias de grandeza, manias de perseguição,


idéias melancólicas, tais são, no dizer dos médicos,
os perigos menores das sessões espíritas. E se é ver­
dade que êsses riscos tocaiam especialmente os pre­
dispostos, quem pode se vangloriar, em nossos tem­
pos de provações, de estar, no momento de uma ses­
são, em perfeito equilíbrio? Os aflitos, que perderam
um ente querido, atraídos muitas vêzes pelas invoca­
ções, deviam ser os últimos a procurar essas experi­
ências. Sua própria dor constitui uma fraqueza e
uma razão de menor resistência. Por que arriscar-se
a um delírio que, com um pouco de higiene mental,
nunca se manifestaria?
O espiritismo, no seu comêço, parece haver pa­
go um tributo muito pesado aos hospícios. Em 1855,
· em Zurich, em duzentos alienados, um quarto era
espírita. Em Gand, contavam-se noventa e cinco es­
píritas em duzentos e cinqüenta e cinco loucos (49).
Estes números correspondem à época frenética da
grande propagação espírita. Atualmente, os loucos
espíritas vêm logo depois dos loucos alcoólicos e si­
filíticas, em concorrência com os doidos místicos e
demonopatas de caráter religioso.

127
CONCLUSÃO

No final dêste estudo, podemos perguntar: que


vem a ser o espiritismo?
Vimo-lo nascer, desenvolver sua doutrina e logo
encontrar-se exposto às mais poderosas fôrças da so­
ciedade, em luta com a Igreja, com a ciência e com a
medicina. Mais tarde, os metapsiquistas, seus perigo­
sos rivais, desaparecem lentamente, enquanto o es­
piritismo não cessa de se expandir, ganhando sempre
terreno, até os campos mais remotos. Éle é fácil, con­
sola os que sofrem, apoia-se em sentimentos eternos:
a sêde do conhecimento, da esperança, de viver
e de amar até mesmo depois da morte. Con­
firma o homem contemporâneo em suas exigências
morais correntes e, por essa razão, acalma as almas
timorotos, um pouco amedrontadas com a sua sin­
gularidade. E que imagens vemos nós, pregadas na
parede das casas dos médiuns e dos videntes espí­
ritas? O venerável cura de Ars, Terezinha de Lisieux,
abraçando suas rosas, Joana D'Are, a Virgem de
Lourdes. . . O Santo Ofício lançou seus raios, mas
a vida cotidiana não se preocupa com êles!
O grande período dos · teóricos parece findo
e o espiritismo atual dá a impressão de viver das ri­
quezas acumuladas. A atividade dos espíritas pra­
ticantes é, entretanto, real. Daremos apenas um
exemplo:

129
li
Ê «Le Soir», de Bruxelas, que publica esta no­
tícia, em seu número de 6 de abril de 1954: em Carne-.
rino, pequena cidade italiana, publica-se um jornal,
«L'Auzio,ra», com uma tiragem de mil e quinhentos .
exemplares, inteiramente ditado pelos Espíritos. Doze
espíritas da localidade, reunidos num Círculo, rece­
beram a ordem de fundar êsse jornal, sem ter qual­
quer idéia do que fôsse jornalismo. Os Espíritos pro­ .. .••...
meteram, então, ajudá-los.
Depois disso, tôda quinta-feira realiza-se a ses­
são. Os «terrenos» trazem os artigos que preparam e,
através do médium, recebem a censura e as indica­
ções do Além. Existem vários redatores celestes, al­
guns bastante eminentes. Dentre êstes, Dante em
pessoa. Êle dita um poema: «Da tenia CllO céu», em
tercetos, como a «Divina Comédie», nessa língua difí­
cil, antiga e rebuscada que é bem a do Florentino.
D'Annunzio dirige sempre mensagens à Itália, em seu
estilo complexo e imaginoso. Por fim, o próprio Duce
se revela, não sem estardalhaço, com b estilo, o tom,
a estridência de voz do tribuno e até com seu sem­
blante, que transparece na fisionomia do médium
que se transfigura naquele momento. E o jornalis­
ta conclui pensativamente: «Mesmo que o leitor não
tenha mais confiança do que eu nos espíritas e no
espiritismo, não deixará, contudo, de sorrir ao pensar
que, entre tantos jornais, eis um que vem do «outro
mundo», através do mistério do pensamento humano
que a análise não está próxima de esgotar ... »

130
BIBIJOGRAFIA SUMARIA

Coleção completa do Revue spirite.


Coleção completa da Revue métapsychique.
(1) Cloude Vcrêze - Allan Kardec, Col. "La Vie des grands
illuminés". Athéna, edit.
(2) Les pionniers d u spiritism,e en- France, documentos coll­
1

. gidos por J. Malgras, Librairie des Sciences psychologi­


ques, Paris, 1906.
(3) Allen Kardec - Le livre des esprits, ed. du Griffon
d'Or, Paris, 1947.
(4) Allan Kardec - Le livre des médiums, Libr. des Sciences
psychiques, Paris, 1922.
(5) Mainage - La religion spirite, Revue des Jeunes, Paris,
1921.
(6) Eliphas Levi - Dogme et rituel de haute magie (2 veis.)
edit. Niclaus, Pai-is, 1948.
(7) Dr. Contenau - La divination chez les Assyriens et les
Babyloniens, Payot, Paris, 1940.
(8) Achille Borgnis - Au milieu des esprits - Leymarie,
edit. Paris, 1924.
(9) Allan Kardec - Le elel et l'enfer, ou la justice divine se­
lon l,e spiritisme, edit. de l'Union spirite, Paris, 1951 .
(1 O) Allan Kardec - lmitation de l'Evangile selon le spiritis­
me, Leymarie edit. Paris, 1865.
( 11) L. Renou - L'hindouis,m,e - col. "Que sais-je?"
(12} Renou et Filliozat - L'lnde clossique - Payot, Paris,
1947.
Léon Denis, edit. Jean Meyer (datas diversas):
( 13) Dans l'invisible
( 14) Spiriti.sme et méd!iumnité.

131
( l 5) Apres la mart.
( 16) Christianisme, et spiritisme.
( l 7) Le preblême de I'être et la desta·née.
( 18) Synthese dbctrin,al,e et pratique du spiritism.e..
(19) Alexandre Bellemare - Spir·ite et chrétien - Dentu,
ed. Paris, 1883.
(20) C. W. Leadbeater - Précis de théosa,phie, Publications
théosaphiques, Paris, 1913.
(21) De Campigny - Les baditions et les doctrines ésotéri­
ques, edit. Astro, Paris, 1946.
(22) Gabriel Gobron - His~oire du ece-dersme, Edit. Dervy,
Paris, junho de 1948.
(23) Chochod - O•ccultisme et magie en Extrême,Orient Cin­
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(24) Devillers - Histoire du Viet-Nam (1940-1952), Edit. du
Seuil, Paris, 1952. ·
)25) Mourice Calinon - Foux prophêtes et seeres d'aujourd/hu!
Paris, Plon, 1953.
(26) Gabriel Delanne - Le spiritisme devant la science, edit.
Jean Meyer, Paris, 1927.
(27) Dr. Charles Richet - Notre sixiême sens, edit. Montaig­
ne, Paris, 1927.
(28) S. Freud - Abrégé de psychanalyse - Presses Univer­
sitaires de France, Paris, 1951.
(29) Dr. Eger Bérillon - La seienee de l'hypnotism,e,; 1 -
Hypnotism,e expérim.en.tal; 11 - Hyp,notism,e thérepeutique,
edit. Jouve, Paris, 1947.
(30) Camile Flammarion - Les forces n,atu.reiles Incennues,
Flammarion edit. Paris, 1921.
(31) Dr. Charles Richet - Traité de métapsychique, Alcan,
edit. Paris, 1923.
(32) Dr. Charles Richet - Les phéno,mene,s dits de m,atériali­
sation de la Villa Carmen - Bureau des Annales des
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(34) Jean Rostand - L'hom,me, introduction à l'étude de la
bielogie humaine, Gallimard, Paris, 1926.

132
(5) Jean Rostand - ~ que, [e crois - Grasset, Paris, 1953.
,.J6) René Guenon - L'erreur spirite - Les Editions tro­
ditionelles, Paris, 1952.
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(38) J. Ribet, chanoine honoraire - La miystique divine,, dis­
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Evans-Wentz, tradução francesa de Marguerite de La
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Paris, 1933.
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Paris, 1904. ,,,,.
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(49) Dr Jean Lhermitte, da Académie de Médicine) - Mys.­
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133

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