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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Disciplina: Organização Social e Política do Brasil


Professora: Kátia Alves Fukushima
Autores: Árbio Lima - DRE: 120131238
Elisimara Cristina - DRE: 120128845
Karen Guimarães - DRE:120133175

Colonialidade e Racismo Ambiental no Brasil: uma análise a partir


dos quilombos

O mapa de conflitos produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)1


apresenta que a população quilombola é alvo de 138 conflitos espalhados pelo
território brasileiro, de acordo com um levantamento que vem sendo realizado desde
2006. A ferramenta mapeia conflitos de injustiça ambiental, abordando o tipo de
população atingida - como povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos - tipo de dano à
saúde - contaminação por chumbo, desnutrição, violência física, etc -, impactos no
território - tais como poluição do recurso hídrico, desmatamento, queimadas,
contaminação do solo-, assim como o contexto do conflito e os envolvidos no
processo.

Para demonstrar como estes conflitos se materializam, abordaremos o caso


da comunidade quilombola de São Domingos, no Espírito Santo2. Formados por
cerca de 144 famílias, eles foram expropriados do seu território devido à
monocultura de eucalipto. Por consequência, possuem dificuldade de exercer suas
atividades de subsistência e coletar resíduos de eucalipto para produção de carvão
vegetal - uma alternativa encontrada pela comunidade para gerar renda. A ocupação
realizada no território é irregular, dado que não houve a titulação de suas terras,

1
Disponível em:<https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/>. Acesso em 19 de jun. de 2023.
2
Disponível
em:<https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/es-comunidade-de-sao-domingos-quilombolas-co
ntinuam-perdendo-a-luta-contra-as-monoculturas/>. Acesso em: 20 de jun. de 2023.
apesar do processo ter sido solicitado no INCRA em 20053. Durante todo esse
processo, a comunidade quilombola enfrenta a insegurança alimentar e são
ameaçados de morte, como denunciou o Conselho Estadual de Direitos Humanos
do Espírito Santo (CEDH-ES)4.

Nesse sentido, o modo de vida desta comunidade é ameaçado. Não somente


pelas empresas de celulose que atuam na região, mas por toda uma estrutura
política, social e econômica. De acordo com Souza e Silva (2021), o crescimento
econômico demandou a extração de recursos que estão, em sua maioria, presentes
em países periféricos. Esta exploração, centrada na monocultura e commodities,
afeta os territórios de diversas formas. Contaminam o solo, promovem o
desmatamento, ameaçam a biodiversidade, assim como promovem a violência
contra os povos que ali habitam. As comunidades tradicionais são diretamente
afetadas por este modo de produção, pois seu modo de vida é vinculado com o
território, e este, por sua vez, é continuamente ameaçado por esta estrutura
exploratória.

Em vista disso, cabe ressaltar que as consequências desses processos vão


atingir principalmente as populações marginalizadas, como negros e indígenas
(SOUZA e SILVA, 2021). De acordo com os autores, o processo de ocupação dos
territórios para o desenvolvimento econômico em vista de recursos naturais, não é
precisamente de domínio administrativo dos colonizadores. Entretanto não deixa de
ser uma atualização das “relações de subserviência político-econômica”.

Experienciamos nesta fase neoliberal do capitalismo, uma ruptura das


fronteiras econômicas entre países, por meio do avanço da tecnologia, da livre
concorrência, do forte estímulo ao consumo, que resultam em inúmeras
consequências, como o crescimento da desigualdade econômica e social, por
exemplo (SOUZA e SILVA, 2021). Observamos na contemporaneidade, populações
que vivem à margem da sociedade, desapropriadas de seus direitos e refém desta
estrutura econômica que objetiva o acúmulo de capital. Esta estrutura vai configurar
uma série de condições de vida, em que o acesso aos direitos fundamentais, tais

3
<https://www.palmares.gov.br/sites/mapa/crqs-estados/crqs-es-22082022.pdf>
4
Idem a nota 2.
como a saúde, educação, segurança, moradia, trabalho e alimentação serão
ameaçados.

O Quilombo de São Domingos, é um dos exemplos - dentre vários que


poderiam ser elencados- no território brasileiro de populações que continuam
resistindo a este modelo exploratório, através de outros modos de vida. A tentativa
de desapropriação de seu território, por vias burocráticas, ameaça sua existência e
viola direitos fundamentais, como a alimentação². Como esta população promove
sua existência se o seu território é tomado por outras instituições que passam a ditar
sua presença no mesmo, através de concessões? *

Analisando a questão quilombola no Brasil, não podemos deixar de


mencionar as reflexões produzidas por Clóvis Moura (2014) em "Rebeliões da
Senzala: Quilombos, insurreições e guerrilhas”. Através da análise historiográfica, o
autor enfatiza os quilombos como uma ferramenta de resistência e negação ao
sistema escravocrata no Brasil colonial. Apesar de não ser mais um sistema
presente, o interesse em deslegitimar espaços como quilombos segue atual. Além
disso, as dinâmicas de violência se configuram de outras formas, como é
presenciado no Quilombo São Domingos. Em 2006, houve uma operação que
prendeu cerca de 100 quilombolas por ignorarem um mandado de reintegração de
posse das empresas de celulose, que havia sido acatado pela justiça.5

Dessa forma, apesar das perseguições e ataques, os quilombos são locais de


resistência que foram e permanecem sendo uma forma de organização para sua
(re)existência. Através da conexão com a terra e saberes ancestrais, os quilombos
se configuram como núcleos de luta contra o sistema capitalista.

Nessa perspectiva, a justiça social está intrinsecamente vinculada ao


território. A degradação do ambiente, por meio da exploração e contaminação de
seus recursos, afeta diretamente sua população. As consequências desta
superexploração em prol do “progresso econômico” incidem seus efeitos sobre as
populações tradicionais, periféricas e marginalizadas. Desastres ambientais e
remoções compulsórias são alguns exemplos das marcas provocadas por este
projeto (SOUZA e SILVA, 2021). Não é coincidência quando tragédias seguem o

5
Idem ao item 2.
mesmo padrão de vítimas. Um exemplo de racismo ambiental foi o desastre em
Petrópolis, que ocorreu em fevereiro de 2022 e matou 233 pessoas6 por descaso de
órgãos públicos em assegurar a segurança da população que reside em áreas
suscetíveis a deslizamentos.

A discussão acerca do racismo ambiental no Brasil passa por um conceito


intrínseco à própria palavra: a ideia de raça. Quijano (2005) apresenta o conceito de
raça como um fator fundamental para a legitimação da relação de dominação, ou
seja, a estrutura social se divide com base na raça. A posição branca nessa
estrutura é justificada por uma ideia de superioridade quase inata, que ignora os
processos de colonização e exploração na construção dessa lógica. Ou seja,
institui-se dinâmicas de relações de poder pautadas na classificação e
hierarquização dos corpos. Isso se torna quase como um filtro, onde os brancos
são colocados em uma posição superior por mérito, enquanto os negros: “Ah, eles
precisam se esforçar um pouco mais!”.

A lógica eurocêntrica capitalista, em uma tentativa de se afirmar em uma


superioridade construída sem a exploração, ignora os processos ocorridos ao longo
da história brasileira, sendo o principal deles a escravidão. O sistema escravocrata
foi um aspecto crucial da história para a legitimação da classificação racial, ao tornar
corpos negros como objetos e mercadorias.

No caso do Brasil, um dos últimos países a abolir a escravidão, os impactos


do modelo escravagista se reproduzem no tecido social até a atualidade. Não
somente pela longa duração do sistema em nosso território, mas também pela
perpetuação de seus efeitos. Ao contrário da transição ocorrida na Europa, onde
ocorreu uma transição gradual do feudalismo para o capitalismo, o Brasil passou
diretamente do modelo colonial e escravista para o capitalista (ANDRADE, 1978),
gerando um modelo estrutural racista de divisão social.

Nessa perspectiva, em que o capitalismo se constrói em torno da exploração


e da escravidão (QUIJANO, 2005), a lógica da divisão social do trabalho cristaliza o
corpo negro em patamares inferiores no tecido social. Inclusive, direitos básicos para

6
“Após um ano, Petrópolis ainda se recupera da maior tragédia da cidade”. Disponível
em:<https://netdiario.com.br/noticias/apos-um-ano-petropolis-ainda-se-recupera-da-maior-tragedia-da
-cidade/>
as condições de vida são negados. O que às vezes é apontado pelos liberais mais
ávidos como uma falha do “glorioso” sistema capitalista, Quijano apresenta como um
projeto de exploração. O capitalismo eurocêntrico baseia suas atividades na
exploração, incluindo, fundamentalmente, os recursos naturais de áreas periféricas
afetadas por suas cruéis imposições.

Refletindo sobre o contexto brasileiro, quem são os mais afetados por essas
dinâmicas exploratórias? Os povos negros e indígenas. Isto é, pessoas que não
enxergam possibilidade da “mágica ascensão social”, baseada no esforço e no
mérito, que são condenadas a viver em condições degradantes, condenadas a
esgotos a céu aberto e paredes de madeirite (RACIONAIS MC´S, 2002) nas
periferias das metrópoles. Estes processos também se evidenciam nas condições de
existência ofertadas aos povos originários, como no caso dos Yanomamis7.

Em suma, se compreende a complexidade de todo o processo exploratório


que as populações racialmente marginalizadas são submetidas no tecido social.
Seja no campo ou na cidade: lutam contra a monocultura do agronegócio, são
encurralados nas vielas de metrópoles ou lutam contra o garimpo ilegal. São estas
populações mais afetadas pelo racismo ambiental, seja pelos agentes que executam
as ações que impulsionam essas condições ou pelas autoridades que não agem em
relação à elas.

7
Crianças Yanomamis foram intubadas em uma UTI em Boa Vista com quadros graves de
desnutrição e longe de seus pais. A situação evidencia a preocupante condição de saúde enfrentada
por essas crianças indígenas. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/01/criancas-yanomamis-sao-intubadas-em-uti-de-boa-v
ista-com-desnutricao-grave-e-longe-dos-pais.shtml>
BIBLIOGRAFIA

SOUZA, L.; SILVA, C. Racismo ambiental: colonialidade na exploração territorial.


Boletim do Museu Integrado de Roraima (Online), v. 14, n. 01, p. 15–21, 10 jul. 2021.

MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 5a ed.


São Paulo: Anita Garibald / Fundação Maurício Grabois, 2014. Quilombos e
Guerrilhas. P.87 a 127.

QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina”, in E.


Lander (org.), 2005. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, pp. 117-142.

ANDRADE, Manuel Correia de. "O processo de modernização agrícola a


proletarização do trabalhador rural no Brasil." Geografia (1978): 31-41.

RACIONAIS MC´s. “Negro Drama”. São Paulo. 2002. 6´42”.

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