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Racismo Ambiental: diálogos sobre

educação, justiça ambiental e cultura

Profa. Dra. Valeria dos Santos Moraes


Ornellas (UFPA)
Introdução
• Momento atual em que se identificam diversas crises: crise global,
crise ambiental – uma crise de identidade humana, dentro da qual o
desrespeito à própria espécie humana é um importante sintoma,
bem como a degradação do ecossistema Terra;

• Por que designar uma crise de identidade humana? Porque ela se


evidencia pelos dois sintomas mencionados – o desrespeito à
espécie humana e a degradação do planeta.
É crise de identidade, pois, a
condição humana denota falta de
conexão com a própria natureza
humana – somos seres sociais e,
portanto, necessitamos uns dos
outros: quanto maior a qualidade
de vida de todos/as, maior é o
bem-estar da sociedade como um
todo;

= mas, tal princípio parece estar


esquecido em uma sociedade na
qual predomina a desigualdade,
causada pela ganância e o desejo
por dominação.
• É crise de identidade, pois, a ser humano tem vivido principalmente
sob a crença em uma suposta dualidade entre a natureza e a
humanidade, quando na verdade não somos diferentes das demais
espécies no que diz respeito à relação de dependência que temos
para com nosso ecossistema natural, a Terra;

• O tema do racismo ambiental diz respeito a essas duas dimensões


da crise de identidade humana, pois ele se refere à ganância pela
dominação sob os recursos naturais, mesmo que para tanto seja
preciso destituir grupos sociais, comunidades e populações de seus
valores, de sua integridade, de sua felicidade.
Conceitos importantes

- Racismo ambiental
- Injustiça ambiental
O que é racismo?
Pressupõe
preconceito,
discriminação ou
antagonismo de um
grupo social ou uma
pessoa para com
outro grupo social ou
pessoa; e uma atitude
de hostilidade em
relação à determinada
categoria de pessoas.
Racismo ambiental:
- Ações com intenção racista (como o Marco Temporal) e ações que
tenham impacto racial (como grandes empreendimentos na
Amazônia);
- Tais ações são causadas por um processo de discriminação, que
hostiliza (quando há intenções racistas) ou desconsidera a
importância dos afetados, por discriminá-los (quando há impacto
racial);
- São ações injustas, pois, todos somos sujeitos de direito,
independentemente de nossa condição social e cultural;
Injustiça ambiental: a maior carga dos danos ambientais do
desenvolvimento é destinada às populações de baixa renda,
aos grupos sociais discriminados, aos povos originários e
comunidades tradicionais, aos bairros operários e às
populações marginalizadas e vulneráveis (Declaração da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental);
• Conceito de justiça ambiental surgiu nos EUA – pobres, negros e
etnias socialmente discriminadas mais expostas a riscos ambientais,
por habitarem nas vizinhanças de depósitos de lixos químicos e
radioativos ou indústrias com efluentes contaminantes;

• No início dos anos 1980, uma pesquisa “mostrou que a distribuição


espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, bem como a
localização de indústrias muito poluentes nada tinham de aleatório:
ao contrário, se sobrepunham à distribuição territorial das etnias
pobres nos Estados Unidos e a acompanhavam” (HERCULANO, 2006);
Motivações do racismo e da injustiça ambiental:

1.Expropriação dos territórios tradicionais


2.Desprezo pelo espaço comum, pelo meio ambiente, pelas
pessoas e comunidades
3.Lógica perversa, capitalista e etnocêntrica
1. Expropriação dos territórios tradicionais
✓Separação do produtor do seu meio de produção,
formando grandes concentrações de recursos nas mãos de
poucos e de grande contingente de indivíduos despossuídos
dos seus meios de produção;
✓Constituição e expansão da base social capitalista, que
reconhece os territórios tradicionais como obstáculo para a
expansão econômica, como algo a ser apropriado e
reorganizado, segundo interesses hegemônicos.
Grandes
empreendimentos
(rodovias, hidrelétricas,
mineração, etc.) trazem a
expansão do modo de
vida capitalista,
especulação imobiliária,
exploração turística e
perspectivas para novos
empreendimentos
empresariais.
2. Desprezo pelo espaço comum, pelo meio
ambiente, pelas pessoas e comunidades
• Vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, a morte
de rios/lagos e baías, a destruição das florestas, a extinção de
espécies da fauna e da flora, as doenças e mortes causadas pelo uso
de agrotóxicos e outros poluentes que afetam a saúde do solo e das
águas, a emissão de poluentes atmosféricos, a contaminação dos
oceanos, a expulsão das comunidades tradicionais pela destruição
dos seus locais de vida e trabalho, a mudança climática.
3. Lógica perversa, capitalista e etnocêntrica
- Penaliza as condições de saúde da população trabalhadora,
moradora de bairros pobres e excluída pelos grandes
projetos de desenvolvimento;
- Mantém grandes parcelas da população às margens das
cidades e da cidadania, sem água potável, coleta adequada
de lixo e tratamento de esgoto.
- Permite que grandes
empresas lucrem com
a imposição de riscos
ambientais e
sanitários aos grupos
que, embora
majoritários, por
serem pobres, têm
menos poder de se
fazer ouvir na
sociedade e,
sobretudo, nas
esferas do poder;
- Segrega as populações
pobres ambientalmente,
residindo em terrenos
menos valorizados e
geotecnicamente
inseguros, utilizando-se
de terras agrícolas que
perderam fertilidade e
antigas áreas industriais
abandonadas, via de
regra contaminadas por
aterros tóxicos
clandestinos.
Possíveis ferramentas de luta:
• Educação
• Justiça ambiental
• Cultura
Cultura
• Surgimento do conceito de raça associado a um padrão de
poder mundial, o capitalismo colonial/moderno e
eurocentrado, que culmina hoje com o processo da
globalização: a ideia de raça como construção mental –
justificativa ideológica da hierarquização da força de
trabalho e da distribuição desigual da recompensa;
• Repressão das formas de produção de conhecimento dos
colonizados e escravizados: controle da subjetividade e da
cultura = uma única ordem cultural, uma monocultura da
mente, em torno da hegemonia europeia ocidental -
codificação de categorias binárias: primitivo-civilizado,
mítico-científico, irracional-racional, antigo-novo,
tradicional-moderno, oriente-ocidente = iluminar as trevas
dos povos dominados justifica a colonização;
- Expropriação dos territórios
tradicionais, desprezo pelo
espaço comum e a lógica
perversa do capitalismo
destrutivo e ambientalmente
injusto: cultura pós-moderna
eurocentrada, que esmaga
outras expressões culturais
que não se adequem ao
padrão hegemônico perverso,
repressivo e ambientalmente
racista.
Justiça ambiental
Declaração da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (Colóquio
Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, Niterói,
2001) define princípios e práticas que:

a) Asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de


classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências
ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de
políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da
ausência ou omissão de tais políticas;
b) Asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos
recursos ambientais do país;

c) Asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre


o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e
localização de fontes de riscos ambientais, bem como
processos democráticos e participativos na definição de
políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem
respeito;
d) Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos,
movimentos sociais e organizações populares para serem
protagonistas na construção de modelos alternativos de
desenvolvimento, que assegurem a democratização do
acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu
uso.
Educação
- Todos têm direito à educação de qualidade e a se
manterem estudando, com direito à equidade e a um
tratamento diferenciado, no sentido de adequado às
necessidades;
- Alfabetização científica = conhecimento dos riscos e dos
efeitos das tecnologias sobre a saúde humana, e da
dimensão social e política presente na construção dos riscos;
- Conservação da
diversidade biocultural
= superar o modelo
hegemônico imposto da
oposição homem-
natureza, estreitando
elos entre a diversidade
cultural e a diversidade
biológica, vendo cultura
e homem como aliados:
reforçando identidades
socioculturais e
ecológicas, sem que
haja empobrecimento
da sociedade humana;
- Fortalecimento da
compreensão ecológica
política das
comunidades para a
luta pelos direitos
socioambientais.
Conclusão
- Ainda dá tempo para mudar os padrões que destroem a Terra, a
dignidade étnica e a diversidade da sociedade humana;
- Dentro disso, é preciso saber identificar na prática as tendências ao
racismo ambiental, para participar com consciência, de alguma
maneira prática, de tal processo de mudança do que destrói a
natureza e a humanidade;
- Eventos como esse nos chamam à ação;
- Ao abordar o tema do racismo ambiental, intercruzando educação,
justiça ambiental e cultura, pensei em uma crise de identidade, a qual
precisa ser superada.
Obrigada!!

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