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A influência do habitus conservatorial nas percepções sobre música e


educação musical de alunos do curso de Licenciatura em Música da UFMS
Marcus Vinícius Medeiros Pereira
UFMS
marcus.ufms@gmail.com

Resumo: O artigo apresenta um recorte de pesquisa em desenvolvimento que visa analisar os


questionários respondidos por alunos do curso de Licenciatura em Música da UFMS, na
perspectiva de mapear percepções sobre música e seu ensino, possivelmente influenciadas por
um habitus conservatorial. A metodologia de análise é orientada pelas técnicas da análise de
conteúdo, combinando abordagens quantitativas e qualitativas. As categorias elencadas para a
análise emergiram tanto do referencial teórico proposto como dos próprios dados empíricos.
O estudo aponta para a forte presença do habitus conservatorial nos alunos ingressantes no
Curso de Licenciatura em Música, caracterizado, principalmente, pela centralidade da música
erudita notada, pela primazia da performance, e pela caracterização do professor de música
como mestre de ofício. A concepção de professor mostra-se também com forte acento
tradicional, oscilando e hibridizando a visão de um professor transmissivo com outra mais
“pedagógica”, preocupada em fazer alguém aprender algo. A importância do estudo reside na
conscientização da presença deste habitus, que re-edita práticas tradicionais que dificultam a
compreensão da música como fenômeno social, cuja diversidade de produtos e processos é de
grande importância para a formação de cidadãos conscientes de si e do mundo que os cerca.
Palavras chave: habitus conservatorial, licenciatura em música, ensino de música.

Notas Introdutórias

Este artigo apresenta um recorte de pesquisa em desenvolvimento, que visa analisar


os questionários respondidos por alunos do curso de Licenciatura em Música da UFMS, na
perspectiva de mapear percepções sobre música e ensino de música, possivelmente
influenciadas por um habitus conservatorial.
Os questionários analisados neste primeiro momento da investigação foram
respondidos por duas turmas de alunos do referido curso: a turma que ingressou em abril de
2013, e a turma que tem a formatura prevista para agosto deste mesmo ano. Intentamos
comparar as respostas de cada turma e observar, a partir das análises, as possíveis influências
do percurso curricular estabelecido pelo projeto político pedagógico desta licenciatura nas
percepções dos estudantes sobre música e seu ensino.
Partimos da premissa de que o currículo da Licenciatura em Música da UFMS
apresenta forte influência do ensino tradicional de música instituído pelos Conservatórios,

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configurando-se como estrutura estruturada e estruturante de modos de pensar e agir


relacionados à música e à educação musical. Dito de outra maneira, este currículo é produto e
produtor de um habitus que influencia a relação entre pessoas e músicas, afetando suas
percepções e ações.
Em estudo anterior (cf. PEREIRA, 2012), chamamos este habitus de habitus
conservatorial, por sua forte ligação com as práticas institucionalizadas pelos Conservatórios
de Música e que, ainda hoje, podem ser observadas em ação no campo artístico-musical.
Nos limites deste texto, apresentamos a análise das respostas da turma ingressante
em abril de 2013. Para tal, organizamos o artigo em três partes: na primeira, apresentamos os
conceitos-chave que norteiam a análise dos questionários; na segunda, explicitamos a
metodologia de pesquisa empregada para a coleta dos dados e para a sua análise; por fim,
apresentamos os resultados iniciais da investigação.

O Habitus Conservatorial

O conceito de habitus conservatorial foi construído na perspectiva de oxigenar a


visão de que um modelo estático seria reproduzido, ao longo do tempo, nas instituições de
ensino musical.
Dessa forma, trabalhamos, inicialmente, a partir da noção de “modelo
conservatorial”, apresentado por Vieira (2000) e da ideia de “forma conservatorial”, defendida
por Jardim (2008). Ambas identificaram a reprodução desta forma/modelo na formação de
professores de música.
Discordamos que as práticas conservadoras passíveis de serem observadas nas
instituições de ensino musical contemporâneas fossem produto de modelos que seriam
reproduzidos indistintamente e sem reflexão.
O conceito de habitus, apresentado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, acabou
por constituir-se como ferramenta teórica que possibilitou a compreensão destas práticas
como resultado de disposições incorporadas que seriam re-produzidas – atualizadas – com o
passar do tempo, em contato com a instituição formadora, constituindo-se num “senso
prático” inconsciente e historicamente determinado.
Bourdieu (2009, p. 93) define habitus como:

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História incorporada, feita natureza, e por isso esquecida como tal, o habitus
é a presença operante de todo o passado do qual é o produto: no entanto, ele
é o que confere às práticas sua independência relativa em relação às
determinações exteriores do presente imediato. Essa autonomia é a do
passado operado e operante que, funcionando como capital acumulado,
produz história a partir da história e garante assim a permanência na
mudança que faz o agente individual como mundo no mundo.

Nesta perspectiva, o habitus conservatorial

[...] seria próprio do campo artístico musical e estaria transposto (convertido)


ao campo educativo na interrelação estabelecida entre estes dois campos. E
seria incorporado nos agentes ao longo do tempo no contato com a
instituição, com suas práticas, com seu currículo enquanto objetivação de
uma ideologia. Assim as instituições de ensino musical – como resultado da
história iniciada pelos conservatórios – podem ser entendidas como opus
operatum: campo de disputas que tem no habitus conservatorial o seu modus
operandi (PEREIRA, 2012, p. 135).

Logo, as percepções que estes alunos trazem para o curso superior são resultado de
incorporações realizadas no contato com a família, com amigos, com a escola (seja ela a
escola regular ou escolas especializadas no ensino musical). E podem ser reforçadas e
oficializadas pelos currículos e práticas no ensino superior.

Metodologia de Pesquisa

Gil (1999, p. 128) define o questionário como “a técnica de investigação composta


por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo
por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas,
situações vivenciadas, etc”.
Os questionários que serão aqui analisados foram respondidos no primeiro dia de
aula dos alunos do primeiro semestre do curso, em abril de 2013. Os alunos foram informados
sobre a utilização de suas respostas em pesquisas científicas, e um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido foi assinado por cada um deles, garantindo-lhes o anonimato, o
acompanhamento do desenvolvimento da pesquisa, o livre acesso ao pesquisador e a
liberdade de retirar, sem qualquer prejuízo pessoal, seu consentimento de participação.
O questionário foi estruturado em vinte questões abertas e catorze questões mistas
(questões fechadas com espaço reservado para comentários). Foram coletados vinte e dois
questionários (o que corresponde a 88% dos alunos aprovados no Vestibular 2013).

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As respostas foram analisadas a partir das técnicas da análise de conteúdo, que


relacionam abordagens quantitativas e qualitativas. De acordo com Capelle et alli (2003, p. 3
– 4), a abordagem quantitativa corresponde à “contagem da manifestação dos elementos
textuais que emerge do primeiro estágio da análise de conteúdo”, servindo para a organização
e sistematização dos dados, enquanto que “as fases analíticas posteriores permitirão que o
pesquisador apreenda a visão social de mundo por parte dos sujeitos, autores do material
textual em análise”.
De acordo com Bardin (1979, p. 42), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas
de análise de comunicação que visa obter indicadores que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção de mensagens a partir de
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.
Na presente investigação, transcrevemos todas as respostas dos questionários e as
agrupamos em categorias que emergiram tanto do referencial teórico como dos próprios dados
empíricos. Realizamos a contagem da frequência de termos específicos em cada resposta e,
por último, estabelecemos as relações possíveis entre os dados coletados e as características
das percepções orientadas por um habitus conservatorial.

Análise dos dados

Procuramos investigar, nas respostas aos questionários, qual a concepção que os


alunos têm sobre o que é ser um “educador musical”, evidenciando, dessa forma, a imagem da
docência que é trazida para o curso de licenciatura.
Encontramos algumas percepções fortemente marcadas pelo habitus conservatorial.
A principal delas é a compreensão do professor de música como um músico que é professor,
ou seja, os alunos têm a concepção de ensino fortemente marcada pelo molde do ofício
medieval, onde o artista (mestre de ofício), por dominar a prática de sua arte, torna-se o mais
indicado para ensiná-la.
A visão do professor de música como mestre do ofício é evidenciada, por exemplo,
quando um aluno define a Licenciatura como um curso responsável pela “(...) formação de
um bom músico, com grande habilidade de transmitir aquilo que sabe”. E, também, em: “[O
educador musical é] Alguém que, no seu desenvolvimento musical, chegou ao ponto de

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ensinar o que aprendeu e passar [esse conhecimento] nas melhores condições que direcionar-
se.”
A docência aqui é considerada o ápice do aprendizado musical: ponto alto de um
desenvolvimento que permite ao indivíduo passar adiante aquilo que aprendeu; ao mesmo
tempo em que é possível notar uma preocupação didática, ao ressaltar que o conhecimento
deve ser “passado” nas “melhores condições” possíveis.
A representação do conceito de ensinar está bastante próxima do que Roldão (2007,
p. 95) chama de postura tradicional do “professor transmissivo”, um entendimento que, para a
autora, deixou de ser socialmente útil e profissionalmente distintivo dessa função, uma vez
que estamos, hoje, num tempo de alargado acesso à informação e no qual as sociedades se
estruturam em torno do conhecimento enquanto um capital global. Esta visão do professor
estaria ligada a um tempo em que o acesso ao conhecimento era limitado a um pequeno
número de pessoas, que o professavam e o “liam” para os demais:

Num passado mais distante, pelo contrário, essa interpretação de ensinar


assumia um significado socialmente pertinente, quando o saber disponível
era muito menor, pouco acessível, e o seu domínio limitado a um número
restrito de grupos ou indivíduos. Nesses contextos – que, de um modo
global, caracterizaram o desenvolvimento da escolaridade até finais da
primeira metade do século XX – era socialmente justificada a associação da
ideia de ensinar com a de passar conhecimento, de “professar” o saber, de
torná-lo público, de “lê-lo” para os outros que não o possuíam (ROLDÃO,
2007, p. 95).

É possível encontrar esta visão em outras respostas do questionário aplicado, como:


“[Ser um educador musical] É transmitir a riqueza musical a quem está aprendendo, mostrar
os benefícios trazidos e o conhecimento. Também acredito ser um meio de terapia”. Aqui,
temos a “transmissão” da riqueza musical ligada aos benefícios trazidos pela música, o que
chega até a ser visto como algo terapêutico.
A visão do professor como aquele que “professa” e “lê” o conhecimento musical
para os não iniciados também está presente na resposta que se segue, que, além disso,
evidencia uma concepção tradicional de conhecimento musical: “É ser um conhecedor de
todos os aspectos relacionados ao fenômeno musical – estética, contato histórico, harmonia,
contraponto, etc. – capaz de expressar tal conhecimento de alguma forma inteligível.”
Nota-se, mais uma vez, o entendimento do professor como um mestre de ofício, que
conhece “todos os aspectos relacionados ao fenômeno musical”. Sendo este fenômeno

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dividido disciplinarmente de acordo com a tradição do conservatório: estética, história da


música, harmonia e contraponto. A tradição conservatorial também está clara na seguinte
resposta: “Ensinar sobre história da Música, a teoria, técnicas de execução”.
A complexidade é uma das propriedades atribuídas à música legítima no esquema de
valoração musical que compõe a eidos conservatorial – dimensão do habitus ligada aos
esquemas lógicos (cf. PEREIRA, 2012). Estas propriedades estão ligadas à ideologia musical
incorporada, como descrita por Green (1988, 2003). Nesta esteira, uma das respostas define o
“bom professor” de música como sendo aquele que “leciona música de forma que os alunos
compreendam o complexo mundo musical” (grifo nosso).
Para além da perspectiva do professor como um agente transmissivo, encontramos
outra leitura desse profissional, identificada por Roldão (2007, p. 95) como “mais
pedagógica”, ligada ao “fazer outros se apropriarem de um saber” – e que, como a visão do
transmissor, ainda não define satisfatoriamente o que seja ensinar, segundo a autora. Mais
próximos desta visão, alguns alunos concebem o professor como aquele que “sabe o que está
fazendo”, “alguém com a função de ensinar música de uma forma ciente e correta, visando
sempre aos seus alunos aprender música como um todo”, “aquele que te ensina música de
uma forma confiante e branda, conhecedor de técnicas que abrangem cada tipo de indivíduo
que venha a procurá-lo como educador”.
Outras imagens da docência também podem ser identificadas nas respostas
analisadas, como o entendimento do professor de música como qualquer outro professor
(“Muito além de passar princípios musicais, é assim como qualquer outro educador, fazer
parte do crescimento técnico do aluno e integridade”), e ainda como aquele que irá ensinar os
outros a “amar” e “gostar” de música (“Ensinar a música para alguém e fazê-la amá-la como
eu”).
Algo curioso que foi explicitado pelos alunos é a pouca relevância da formação
superior para atuar como professor, o que influencia negativamente a sua visão do mercado de
trabalho. Um aluno observa que existem muitos professores sem o curso superior que
possuem mais alunos que muitos egressos do curso.
Tal fato é bastante característico da área musical, reforçando a imagem do professor
como o mestre de ofício que se torna professor apenas por dominar a arte que pratica, sem a
necessidade de uma formação específica para a função docente.

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Perguntamos também a opinião dos alunos sobre o que deveria ser privilegiado na
formação deste professor de música. Grande parte das respostas (36,4%) levou em
consideração uma formação pedagógica, evidenciada por termos como “didática”,
“pedagogia”, “maneiras e etapas de como ele futuramente irá ensinar”. Um aluno respondeu
dizendo que nenhum aspecto deveria ser privilegiado, “O ideal seria o educador com
conhecimento pedagógico musical (teoria e prática) em um nível igual”, que, de certa forma,
rompe com a ideia do mestre de ofício. Ainda outro aluno reconhece essa figura e a nega
como ideal de professor (ainda que percebendo o professor como aquele que transmite
conhecimento), afirmando que deve-se priorizar “A didática, pois percebemos que existem
profissionais excelentes, mas que não tem didática para repassar seus conhecimentos”.
Entretanto, outras influências do habitus conservatorial podem ser claramente
percebidas nas respostas. Podemos observar a ideia de que, na licenciatura, o professor
aprenderá “A arte de poder passar a verdadeira cultura adiante”. A concepção de uma
“verdadeira cultura”, uma cultura legítima que deva ser passada adiante é característica do
conservatório, que oficializa a música erudita e a considera superior a todas as outras1.
A centralidade da teoria musical e da prática instrumental, além da técnica e da
história da música na formação do professor de música também são indícios da ação do
habitus conservatorial: [Deve-se priorizar, na formação do professor de música] “Teoria
musical, percepção e pedagogia”; “Técnica e prática instrumental, teoria musical”, “Teoria,
técnicas, história da música”.
Quando perguntados com quais estilos musicais os alunos gostariam de trabalhar no
curso de Licenciatura em Música, 59% deles se referiram à música erudita. E 72,7% dos
alunos afirmaram ser a música erudita o estilo com o qual acreditam que irão trabalhar
durante todo o curso. Assim, podemos observar que os alunos ingressam no curso já cientes
da centralidade ocupada pela música erudita no currículo da licenciatura. Pode-se especular, a
partir disso, uma possível ligação da música erudita com o ensino superior explicada pelas
propriedades legitimadoras do esquema de valoração musical apresentados por Green (1988):
complexidade, universalidade, eternidade e originalidade.

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Inferimos que “verdadeira cultura” na resposta deste aluno refere-se à música erudita a partir de suas outras
respostas ao questionário.

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Estas características estão presentes nas respostas dos alunos à questão que explora o
valor em música: questionou-se se existe algum estilo de música mais importante (dotado de
maior valor artístico/cultural) do que outros e o porquê disso.
A complexidade e a eternidade da música erudita, tida como a-temporal e a-histórica,
pode ser observada em: “Eu considero a música erudita. Essas músicas que faz[em] muito
sucesso no momento (como por exemplo ‘Ai se eu te pego’) são esquecidas com o tempo,
porém a música erudita é muito bem elaborada e permanece sendo admirada por tempos”.
Ainda a complexidade aparece como razão para o maior valor da música erudita em: “Erudita,
devido a aprofundação (sic) do estudo e da prática”.
Já a universalidade, como a capacidade da música expressar a condição humana, fica
evidente em: “Blues e erudito, porque pra mim expressa a alma”. A originalidade, por sua
vez, entendida como o rompimento com a convenção para se estabelecer normas estilísticas
que influenciarão futuras gerações, é também apontada como razão do maior valor da música
erudita em: “Talvez o erudito, porque foi o começo de tudo”.
31,8% das respostas apontam a música erudita como dotada de maior valor do que as
outras músicas. Entretanto, é interessante observar um equilíbrio relativo com outras
afirmações, como a de que o valor da música depende do gosto – que corresponde a 36,4%
das respostas; e a de que o valor da música está relacionado ao contexto em que está inserida
– 22,7% das respostas.
A percepção da música erudita como dotada de maior valor, aliada ao fato de que
esta irá nortear o trabalho com música no ensino superior, compromete a formação de um
professor que deveria, em atendimento à legislação educacional vigente, respeitar, valorizar e
trabalhar com a diversidade cultural característica do país.

Notas Finais

A partir da análise das respostas coletadas, foi possível identificar, em muitas delas,
forte presença do habitus conservatorial orientando percepções e concepções sobre música e
seu ensino. O que fortalece a hipótese de que o habitus conservatorial está presente no senso
comum, transcendendo os muros das instituições de ensino musical e sendo incorporado
desde os primeiros processos de sociação.

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Dessa forma, os alunos já ingressam no curso de Licenciatura em Música levando


consigo concepções bastante tradicionais de música e de ensino de música, que, em muitos
casos, serão fortalecidas no decorrer do curso superior.
Apesar disso, foi possível perceber uma crescente conscientização da função da
licenciatura enquanto curso formador de professores. Ainda que não interessados por esta
profissão, os alunos demonstram conhecer a vocação pedagógica da licenciatura (ainda que
esta não se concretize totalmente em suas configurações curriculares) e acabam por ingressar
na licenciatura por ser a única modalidade de curso superior ligada à música que é oferecida
na região.
É também tradicional a concepção de professor evidenciada pelos alunos
investigados, oscilando e, por vezes, hibridizando-se entre/com as visões de professor
identificadas por Roldão (2007): a do professor transmissivo e outra mais pedagógica, que
entende o professor como aquele que faz os outros aprenderem alguma coisa.
Percebe-se, ao final da análise, que o questionário impede um maior detalhamento
daquilo que os alunos realmente pensam. A entrevista semi-estruturada pode aprofundar
melhor determinadas questões, esclarecendo algumas dúvidas que ficam latentes apenas com
a resposta escrita. Como apontam Chaer, Diniz e Ribeiro (2011, p. 262), a liberdade de
resposta oferecida pelos questionários é tanto positiva, possibilitando ao informante escrever
“aquilo que lhe vier à mente”; quanto negativa, pois depende da habilidade de escrita, de
formatação e construção do raciocínio. Além disso, as questões abertas esbarram, ainda, em
certa “preguiça” de escrever, que pode comprometer a qualidade das respostas.
Pretende-se, ainda, entrevistar estes mesmos alunos (agora ingressantes) ao final do
curso, previsto para 2016, a fim de compararmos com seu pensamento inicial, para
observarmos as mudanças que se operam (ou não) em suas concepções.
Com isso, espera-se fortalecer a conscientização de que os currículos da licenciatura
em Música, na forma como estão construídos, acabam por atualizar constantemente uma
tradição excludente, que privilegia uma música tida como legítima, e que não permite
compreender a música como fenômeno social, amplamente diversificada tanto em produtos
quanto em processos, e de grande importância na formação de cidadãos conscientes de si e do
mundo que os cerca.

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