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Educação Literária LDIA12

Letras em dia, Português, 12 .° ano DP ©

Porto

Editora

Álvaro de Campos
Lê atentamente o poema que se segue.

Trapo

O dia deu em chuvoso.


5 A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação? tristeza? coisa nenhuma?
10 Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.


15 Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser suscetível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Deem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros – isso tenho eu em mim.
20
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
25 Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? afetos? São memórias...


É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,


Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.

PESSOA, Fernando, 2010. Poesia dos Outros Eus.


2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 387-388)
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Sugestões de resolução
Letras em dia, Português, 12 .° ano

Educação Literária

Álvaro de Campos, p. 9
Nota: Questionário adaptado da Prova Escrita de
Português, 12.º ano, 2013, Época Especial, GAVE.
1. Na primeira estrofe do poema, a relação entre o
estado de espírito do sujeito poético e as condições
meteorológicas evolui de uma relação de contraste
para uma relação de semelhança: no início do dia, o
estado de espírito do sujeito poético é de alguma
tristeza (v. 4), mas o céu azul indicia alegria (v. 2);
no decurso do dia, há uma evolução das condições
meteorológicas («O dia deu em chuvoso» – vv. 1, 3
e 7), tornando-se mais parecidas com o estado de
tristeza do sujeito poético.
2. Nos versos 8 a 13, o sujeito poético assume uma
opinião que diverge da opinião dos outros
relativamente ao conceito de elegância associado ao
estado do tempo: os outros consideram que o tempo
chuvoso é elegante e o sol vulgar e desagradável; o
sujeito poético é indiferente a essa ideia de
elegância, preferindo inequivocamente o sol e o céu
azul, já que para tempo chuvoso basta o do seu
mundo interior.
3. A referência às memórias da infância permite
realçar o contraste entre um passado feliz e um
presente infeliz. A impossibilidade de recuperar o
bem perdido da infância, metaforizada em
«madrugada perdida» e «céu azul verdadeiro» (v.
22), acentua a infelicidade sentida no momento
presente. De facto, os afetos, que fazem parte das
memórias da infância do sujeito poético, contrastam
dolorosamente com um presente opaco e triste, que
se associa metaforicamente ao dia chuvoso.
(In Critérios específicos de classificação, Prova Escrita
de Português, 12.º ano, 2013, Época Especial, GAVE)

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