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Desta forma, para Mill o costume “não educa nem desenvolve nele nenhuma das qualidades
humanas” (Mill, John Stuart. Sobre a Liberdade, pág. 89), consequentemente, sendo prejudicial a um
regime, como a democracia, em que vigora-se a liberdade. Ao passo que o costume coloca-se como
uma armadilha educadora à natureza humana, o desenvolvimento da individualidade através da
constante racionalização das ações retoma a integridade das capacidades mentais do ser humano.
Nota-se no argumento de Mill, que a educação racional e autônoma é chave central para a
conservação do bem-estar social em uma democracia, pois à medida em que se nega o costume,
partindo da racionalidade, adquire-se a autonomia de decidir o que é bom para sí e assim, portanto,
¹ Cidadania inclusiva: A nenhum adulto com residência pennanente no país e sujeito a suas leis podem ser
negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às cinco instituições políticas: funcionários eleitos,
eleições livres, justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para
as associações. (Dahl, Robert. (1998), Sobre a Democracia. Editora UnB, pág 100)
estimulando a capacidade de autogovernança e igualdade civil. À vista disso, para a obtenção e
conservação de um campus mais democrático, na perspectiva de Mill, bastaria apenas a promoção de
uma educação liberal, visando a constante liberdade de racionalização à qualquer ação para assim
distanciar-se de qualquer estrutura tirânica.
Em complementaridade à perspectiva de liberal de Mill, o sociólogo Seymour Lipset, em sua
obra “Alguns requisitos sociais da democracia: desenvolvimento econômico e legitimidade política”,
também responsabiliza a educação como estrutura essencial para o desenvolvimento e conservação da
democracia. No entanto, para que tal fato ocorra, o sociólogo enumerou uma sequência de fatores que
segue do início do processo de urbanização até o desenvolvimento econômico de um país, fundando a
teoria da modernização. Para ele, esta sequência de casualidades estaria relacionada à permanência de
um campus social mais democrático. Em síntese, o principal argumento da teoria da modernização
resume-se em quanto maior o desenvolvimento enconômico “maior segurança econômica e estudos
superiores, possibilitando o desenvolvimento de perspectivas de longo prazo e de pontos de vista
políticos mais complexos e reformistas.”(Lipset, Seymour. (1959), “Alguns Requisitos Sociais da
Democracia”,pag.216). De uma maneira ainda mais geral, Lipset creditou à educação,
especificamente à alfabetização, a habilitação para as tarefas de uma sociedade moderna, desde o
desenvolvimento de habilidades em setores microssociais, como o trabalho, até a criação de
instituições políticas. Desta forma, quanto mais “alfabetizada” uma sociedade mais capaz de
desenvolver-se economicamente e interessar-se politicamente ela se torna, já que a igualdade de
acesso à informação se torna mais frequente.
Em geral nos argumentos tratados até agora, a educação, visando a autonomia e igualdade de
condições, é suficiente para a conservação de uma democracia. Todavia, autores como Carole
Pateman e Louis Althusser argumentam contra esta perspectiva, para eles a educação liberal, pautada
no desenvolvimento das habilidades individuais, não é insuficiente para o desenvolvimento e
conservação de sistemas mais igualitários. Iniciando por Althusser, o qual constrói a sua tese a partir
do pensamento marxista, a conservação da democracia só se torna possível a partir da transformação
da realidade social. O autor identifica a escola como um aparelho ideológico, em que: "aprendem-se
portanto saberes práticos e [...] também regras dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo
agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar”
(Althusser, Louis. (1970), Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, pág 21). Desta forma, em
uma sociedade em que vigora-se o sistema capitalista a ideologia dominante em todo o campus social,
inclusive na escola, atua para permanência dos saberes práticos e costumes necessários para o
desenvolvimento de um sistema capitalista. Em outras palavras, a ideologia dominante do sistema
capitalista atua para adequação de indivíduos à indústria moderna, ou seja, nas escolas os cidadãos são
formados para atuar em respectivas carreiras. Neste caso, a educação não é o principal fator para a
apreensão e conservação de ambientes democŕaticos, mas sim uma força repressiva que amplia ainda
mais as desigualdades sociais.
Ainda pensando na sociedade capitalista, a filósofa Carole Pateman, em sua obra Participação
e Teoria democrática, retoma a importância da autonomia do indivíduo para a conservação de
ambientes democráticos. Segundo a autora, “para o funcionamento de uma política democrática a
nível nacional, as qualidades necessárias aos indivíduos somente podem se desenvolver por meio da
democratização das estruturas de autoridade em todos os sistemas políticos” (Pateman, Carole.
(1970), Participação e Teoria Democrática, pág 51), entendendo desta forma, a conservação da
democracia só se dá pela manutenção constante da forças de autoridade, ou seja, a partir da
participação dos indivíduos nas estruturas de poder, como por exemplo a participação nas decisões
pessoais ou coletivas em ambientes de trabalho. Para isto, a autora propõe o estímulo à uma educação
participativa, colocando o indivíduo não como suborninado à educação, mas sim como autoridade
atuante, de tal modo que a participação dos estudantes na tomada de decisões nas escolas “de algum
modo torna o indivíduo psicologicamente melhor equipado para participar ainda mais no futuro”
(Pateman, Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática, pág 65). Em suma, segundo a autora,
a experiência de uma educação participativa contribui para o reconhecimento da importância da
participação individual no processo de escolhas no campus social:
Como resultado da articulação dos inúmeros argumentos citados, conseguimos visualizar que
a educação tem um papel fundamental na conservação de um regime democrático. Como Althusser
identifica, os ambientes escolares atuam como centros de expansão ideológica, ou seja, formadores de
saberes práticos e comportamentais, logo sendo essencial para expansão da consciência participativa,
a qual Pateman destaca como crucial para a conservação da democracia. Isto posto, o papel da
educação na conservação da democracia não se dá apenas na concessão da autonomia e na igualdade
de acesso à informação, mas sim no constante incentivo à prática da participação.
Referencias bibliográficas
Dahl, Robert. (1998), Sobre a Democracia. Editora UnB.
Lipset, Seymour. (1959), “Alguns Requisitos Sociais da Democracia”.
Mill, John Stuart. (1859), Sobre a Liberdade. Martins Fontes, 2000.
Pateman, Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática. Paz e Terra, 1992
Althusser, Louis. (1970), Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Martins Fontes,