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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA


SUPERINTENDÊNCIA-GERAL
 

Anexo – Nota Técnica nº 36/2021/CGAA8/SGA2/SG/CADE

Este documento é parte integrante da Nota Técnica nº


36/2021/CGAA8/SGA2/SG/CADE (SEI nº 0877631)

EMENTA: Inquérito Administrativo. Supostas violações à ordem


econômica. Coordenação de mercado e troca de informações
comerciais concorrencialmente sensíveis entre concorrentes no
mercado de trabalho empregado na indústria de produtos,
equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (health
care) em nível nacional e, em especial, no Estado de São Paulo na
Região Metropolitana da Cidade de São Paulo, incluindo o Município
de Sorocaba e Região. Instauração de Processo Administrativo.

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SEPN 515 Conjunto D, Lote 4, Ed. Carlos Taurisano


Cep: 70770-504 – Brasília/DF – www.cade.gov.br
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Inquérito Administrativo nº 08700.004548/2019-61

Representante: Cade ex officio

Representados: (i) Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. (“Abbott”); (ii) Acelity L.P. Inc.
(“Acelity/KCI”); (iii) Alcon Laboratórios do Brasil Ltda. (“Alcon”); (iv)
Alere S.A. (“Alere”); (v) Bard Brasil Industria e Comercio de Produtos
para a Saúde Ltda (“Bard Brasil”); (vi) BL Industria Otica, Ltda. (“Bausch
& Lomb”);(vii) Baxter Hospitalar Ltda. (“Baxter”); (viii) Bayer S.A.
(“Bayer”); (ix) Becton Dickinson Indústrias Cirúrgicas Ltda. (“BD” ou
“Becton Dickinson”); (x) BioMérieux Brasil Industria e Comércio de
Produtos Laboratoriais Ltda. (“BioMérieux”); (xi) Biotronik Comercial
Médica Ltda. (“Biotronik”); (xii) CCI Centro Covidien de Inovação e
Educação para Saúde Ltda. (“Covidien”); (xiii) Dia Sorin Ltda.
(“DiaSorin”); (xiv) Edwards Lifesciences Comércio de Produtos Medico-
Cirurgicos Ltda. (“Edwards Lifesciences”); (xv) GE Healthcare do Brasil
Comércio e Serviços para Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda. (“GE
Healthcare”); (xvi) Getinge do Brasil Equipamentos Médicos Ltda., atual
denominação de Maquet do Brasil Equipamentos Médicos Ltda. (“Gentige
do Brasil”); (xvii) Guerbet Imagem do Brasil Ltda. (“Guerbet”) (xviii)
Hospira Produtos Hospitalares Ltda. (“Hospira”); (xix) Johnson & Johnson
do Brasil Indústria e Comércio de Produtos para Saúde Ltda. (“Johnson &
Johnson Medical”); (xx) Life Technologies do Brasil Ltda. (“Life
Technologies”);(xxi) Maquet Cardiopulmonary do Brasil Comércio Ltda;
(“Maquet Cardiopulmonary”); (xxii) Medtronic Comercial Ltda.
(“Medtronic”); (xxiii) Nipro Medical Ltda. (“Nipro Medical”); (xxiv)
Novartis Biociência S.A. (“Novartis”); (xxv) Olympus Optical do Brasil
Ltda. (“Olympus”); (xxvi) PerkinElmer do Brasil Ltda. (“PerkinElmer”);
(xxvii) Phadia Diagnóstico Ltda. (“Phadia”); (xxviii) Promedon do Brasil
Produtos Médico-Hospitalares Ltda. (“Promedon”); (xxix) QIAGEN
Biotecnologia Brasil Ltda. (“QIAGEN”); (xxx) Roche Diagnóstica Brasil
Ltda. (“Roche”); (xxxi) Shimadzu do Brasil Comércio Ltda.
(“Shimadzu”); (xxxii) Siemens Healthcare Diagnósticos Ltda. (“Siemens
Healthcare”); (xxxiii) Smith & Nephew Comercio de Produtos Medicos
Ltda. (“Smith & Nephew”); (xxxiv) Stryker do Brasil Ltda. (“Stryker”);
(xxxv) Terumo Medical do Brasil Ltda. (“Terumo”); (xxxvi) Thermo
Fisher Scientific Brasil Instrumentos de Processo Ltda. (“Thermo Fisher”);
(xxxvii) Valeant Farmacêutica do Brasil Ltda. (“Valeant”) - e outros.

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SUMÁRIO
I. RELATÓRIO ..................................................................................................................... 3
II. ANÁLISE .......................................................................................................................... 5
II.1. Direito da Concorrência e Mercados de Trabalho ................................................ 5
II.1.1 Mercados de Trabalho como um objeto do Direito Concorrência................. 5
II.1.2 O Poder de Mercado do Empregador – Monopsônio.................................... 10
II.1.3 Condutas Anticompetitivas nos Mercados de Trabalho ............................... 17
II.1.3.1. Condutas Horizontais ...................................................................................... 17
II.1.3.1.1. Acordos de Fixação de Remuneração (Wage Fixing Agreements) .......... 17
II.1.3.1.2. Acordos de Não Contratação de Trabalhadores (No-Poach Agreements)
................................................................................................................................... 18
II.1.3.1.3. Trocas de Informações Concorrencialmente Sensíveis ............................ 22
II.1.3.2. Condutas Unilaterais ....................................................................................... 25
II.1.3.2.1. Cláusulas de Não Concorrência ............................................................... 25
II.1.3.2.2. Outras Formas de Abusos do Poder de Monopsônio ............................... 27
II.2. Aspectos Gerais da Infração de Troca de Informação Comercial
Concorrencialmente Sensível ............................................................................................ 28
II.2.1 Definição de Informação Concorrencialmente Sensível ............................... 28
II.2.1 A Infração Autônoma de Troca de Informações Concorrencialmente
Sensíveis ........................................................................................................................... 31
II.2.1.1. Regra de Análise Aplicável à Infração Autônoma de Troca de Informações
Concorrencialmente Sensíveis ...................................................................................... 40
II.3. Da Conduta Investigada ........................................................................................ 44
II.3.1 Descrição sumária da conduta [ACESSO RESTRITO] ............................... 44
II.3.2 Descrição detalhada da conduta [ACESSO RESTRITO] ............................ 44
II.4. Aspectos Finais sobre a Conduta Relatada [ACESSO RESTRITO]................. 44
III. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO AFETADO [ACESSO RESTRITO]
44
IV. DA RECOMENDAÇÃO DE ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO
.................................................................................................................................................. 45
IV.1. Pessoas Jurídicas participantes da conduta [ACESSO RESTRITO] .................. 45
IV.2. Pessoas físicas participantes da conduta [ACESSO RESTRITO]........................ 45
V. CONCLUSÃO ............................................................................................................... 45

I. RELATÓRIO

1. Trata-se de Inquérito Administrativo instaurado para apurar a prática de condutas


anticompetitivas no mercado brasileiro de trabalhadores empregados na indústria de produtos,
equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (healthcare), notadamente, de
um grupo de empresas localizadas na região metropolitana da cidade de São Paulo (incluindo
o município de Sorocaba e região), estado de São Paulo (“Mercado de Trabalho Afetado”).

2. O inquérito foi iniciado a partir da celebração, em 02 de setembro de 2019, de


Acordo de Leniência firmado entre a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de
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Defesa Econômica (SG/CADE), o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) e as


pessoas jurídicas Getinge do Brasil Equipamentos Médicos Ltda., atual denominação de
Maquet do Brasil Equipamentos Médicos Ltda., e Maquet Cardiopulmonary do Brasil
Comércio Ltda., atual denominação de Maquet Cardiopulmonary do Brasil Indústria e
Comércio Ltda., além de alguns de seus funcionários e/ou ex-funcionários (“Signatários”).
Por meio do referido acordo, os Signatários trouxeram ao conhecimento da SG/CADE fatos
ora investigados com vistas a obter, em contrapartida, os benefícios referidos nos artigos 86 e
87 da Lei n. 12.529 de 30 de novembro de 2011 e no Regimento Interno do CADE
(Resolução nº 22, de 19 de julho de 2019). Tendo em conta política de integridade
empresarial, as pessoas jurídicas signatárias do Acordo de Leniência renunciaram ao sigilo de
identidade do colaborador por meio da petição encartada em SEI n. 0691421.

3. [ACESSO RESTRITO].

4. Quanto ao mercado afetado, a conduta investigada expôs a risco ou dano


especificamente o mercado de provimento de mão de obra para a indústria de produtos,
equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (healthcare), com
destaque para o envolvimento de empresas sediadas na região metropolitana da cidade
de São Paulo (incluindo o município de Sorocaba e região), estado de São Paulo
(“Mercado de Trabalho Afetado”), bem como, pela via da elevação do poder de
monopsônio, o próprio mercado da própria indústria de produtos, equipamentos e
serviços correlatos para cuidados com a saúde (healthcare).

5. Tal conduta anticompetitiva teria ocorrido, pelo menos, a partir do final de 2009, e
teria durado até, pelo menos, o início de 2018. No total, há evidências de participação de,
ao menos, 36 (trinta e seis) empresas, com graus distintos de envolvimento, além de 108
pessoas físicas funcionárias ou ex-funcionárias das empresas.

6. Existem fortes indícios, até o momento, da prática


de condutas anticompetitivas consistentes em (i) sistemática troca de informação
comercial e concorrencialmente sensível entre concorrentes, a respeito de remunerações,
reajuste salariais e benefícios oferecidos aos funcionários e/ou futuros funcionários do
Mercado de Trabalho Afetado, e (ii) episodicamente fixação de preços e condições
comerciais, por meio de ação coordenada/alinhada relativa a condições de contratação de
mão de obra e gestão de pessoas, salários e benefícios, e reajustes salariais.

7. Essa conduta teria sido operacionalizada por meio de um grupo de cooperação


sem personalidade jurídica auto-identificado como “MedTech” ou Grupo “MedTech”. A
finalidade inicial do Grupo Medtech seria substituir a contratação de consultoria com vistas a
prover conhecimento de mercado acerca dos termos de contratação de profissionais da
indústria do healthcare. A metodologia básica para geração destes dados de mercado eram
envios de mensagens de e-mail às empresas concorrentes para fornecimento de informações
sobre as práticas vigentes e futuras segundo cargo e especialização (política de remunerações
e vantagens, auxílios e benefícios). Tais envios de mensagens recebiam denominação interna
de “consultas rápidas” e os membros dos Grupo Medtech recebiam os dados recentes e/ou
futuros de forma individualizada com respeito ao tratamento dispensado pelos associados aos
profissionais segundo o tipo de função em consulta. Para sistematização, frequentemente eram
encaminhadas em anexo planilhas para preenchimento pelos destinatários das mensagens.

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8. O grupo MedTech era formado por pessoas físicas e jurídicas e, a despeito da


ausência de personalidade jurídica, buscava se organizar de forma relativamente
institucionalizada, incluindo, a título exemplificativo: logo oficial, reuniões presenciais
periódicas, troca de informações sobre política de remunerações e vantagens, auxílios e
benefícios, principalmente por meio de e-mails e tabelas/planilhas padronizadas, lista oficial
de membros do grupo, subgrupos de trabalho para temas específicos, projeto de criação de um
website, regras internas para ingressar e deixar de participar do grupo entre outros elementos
descritos ao longo do Histórico da Conduta. As informações compartilhadas eram (i)
diretamente compartilhadas entre os membros do grupo MedTech; (ii) atuais e/ou sobre
planos futuros das empresas Participantes da Conduta Relatada; (iii) desagregadas e
individualizadas; e (iv) ficavam adstritas ao acesso dos membros do grupo MedTech (não
eram publicizadas ou públicas). Em alguns episódios explorados ao longo desta nota técnica
é possível perceber que a troca de informações tinha objetivo e aplicação comercial e serviu
de subsídio relevante para decisões estratégicas das empresas participantes - inclusive
facilitando a adoção de comportamentos similares ou uniformes entre elas. Os potenciais
prejudicados pela conduta relatada foram [ACESSO RESTRITO].

9. As pessoas jurídicas e físicas contra as quais há elementos de participação da


suposta conduta anticompetitiva são descritas na Seção IV ("Da Recomendação De Abertura
De Processo Administrativo") abaixo.

10. É o relatório.

II. ANÁLISE

II.1. Direito da Concorrência e Mercados de Trabalho

II.1.1 Mercados de Trabalho como um objeto do Direito Concorrência

11. A Lei nº 12.529/2011 dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a


ordem econômica, em cumprimento aos ditames constitucionais de livre concorrência e
repressão ao abuso do poder econômico,1 a fim de assegurar a competitividade dos mercados
e, por conseguinte, menores preços aos consumidores, bem como maior variedade e qualidade
de produtos, além de incentivar a inovação.2

12. Esta mesma lógica também se aplica aos mercados de trabalho. De forma similar
ao modo como as empresas competem para que os consumidores comprem seus produtos,

                                                                                                               
1
Lei n.12.529/2011. Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe
sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais
de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão
ao abuso do poder econômico.
2
Confira-se: CADE, Cartilha do CADE, 2016: “Além disso, as empresas atuantes em um mercado de livre
concorrência tendem a ficar afinadas com os desejos e expectativas dos consumidores, porque estão
permanentemente ameaçadas por produtos de qualidade superior ou por novos produtos. Portanto, a livre
concorrência, além de garantir os menores preços para o consumidor e maior leque de escolha de produtos,
também estimula a criatividade e a inovação” (p. 7).
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elas também concorrem para contratar ou reter seus empregados.3 Nesse sentido, do mesmo
modo que a competitividade no âmbito dos produtos proporciona melhores condições aos
consumidores, a concorrência entre empregadores pelos empregados leva a melhores
condições de salário e benefícios trabalhistas, bem como maiores oportunidades de trabalho.4

13. A principal diferença, assim, está no nível em que se dá a concorrência, isto é,


enquanto a competição pelos consumidores ocorre no mercado da venda dos produtos, a pelos
empregados se verifica no mercado de compra de insumos, como a matéria-prima ou
quaisquer outros fatores necessários à produção do bem ou comercialização do serviço, dentre
eles, o insumo laboral. Desse modo, tal como o exercício de poder de mercado na venda –
monopólio ou oligopólio – pode causar o aumento de preços de produtos e reduzir o bem-
estar dos consumidores, o exercício do poder de mercado na compra – monopsônio ou
oligopsônio – de insumos laborais também pode restringir artificialmente as condições
profissionais e remuneratórias dos trabalhadores, dado o incentivo dos empregadores de
aumentar sua receita através da diminuição de custos.5

14. Embora a Lei Antitruste tenha sido tradicionalmente aplicada mais a mercados de
venda de produtos, as disposições concorrenciais aplicam-se igualmente aos mercados de
compra de insumo, visto que compradores também podem incorrer em condutas
anticompetitivas. 6 Não obstante, historicamente, as autoridades concorrências não têm
endereçado efeitos anticompetitivos nos mercados de trabalho.7

15. Naidu, Posner e Weyl apresentam quatro possíveis explicações para esse
desequilíbrio entre o tratamento do antitruste em relação a mercados de produtos e em relação
ao mercado de trabalho:
                                                                                                               
3
FTC, Antitrust Guidance for Human Resource Professionals, Divisão Antitruste do Departamento de Justiça
Americano, outubro de 2016: “Do ponto de vista antitruste, as empresas que competem na contratação ou
retenção de funcionários são concorrentes no mercado de trabalho, independentemente de as empresas
fabricarem os mesmos produtos ou competirem para fornecer os mesmos serviços” (p. 2, tradução nossa).
4
“Um mercado competitivo leva a melhores preços, produtos e opções para todos. Da mesma forma, a
concorrência entre empregadores por empregados leva a melhores condições de emprego (por exemplo,
salários mais altos ou benefícios mais favoráveis) e maiores oportunidades para os funcionários.” (HONG
KONG. Competition Commission Advisory Bulletin. Competition concerns regarding certain practices in the
employment marketplace in relation to hiring and terms and conditions of employment. Abril de 2018, p. 5,
tradução nossa).
5
Nesse sentido: “Quando falamos de uma empresa competitiva, geralmente começamos pensando em sua
posição no mercado de venda. Mas as empresas podem exercer poder de mercado tanto do lado da compra
quanto do lado da venda. Assim como uma empresa com poder de mercado ou um cartel restringe o comércio
reduzindo a produção e aumentando o preço no mercado de venda, também ela pode restringir o comércio
reduzindo suas compras em um mercado de insumos para diminuir preços, incluindo o preço do trabalho”
(HOVENKAMP, Herbert. Competition Policy for Labour Markets. Escola de Direito da Universidade da
Pensilvânia, Instituto de Direito e Economia, Artigo de Pesquisa nº 19-29, 2019, p. 3, tradução nossa).
6
Veja: “A clara maioria dos casos envolveu esforços para impedir que os vendedores cartelizassem ou
monopolizassem os mercados de produtos. No entanto, a lei e os casos não se limitam a comportamentos
anticompetitivos por parte dos vendedores. Tribunais reconhecem que compradores podem se envolver em
comportamento anticompetitivo” (NAIDU, Suresh; POSNER, Eric & WEYL, E. Glen. Antitrust Remedies for
Labor Market Power. Harvard Law Review, Vol. 132, 2018, p. 569, tradução nossa).
7
“Historicamente, as leis antitruste raramente foram invocadas com foco nas restrições do empregador com
base nos efeitos anticompetitivos do mercado de trabalho” (STUTZ, Randy M. The Evolving Antitrust Treatment
of Labor-Market Restraints: From Theory to Practice. Instituto Antitruste Americano. Julho de 2018, p. 2,
tradução nossa. Stutz, Randy, The Evolving Antitrust Treatment of Labor-Market Restraints: From Theory to
Practice (31 de julho de 2018). Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3332642. Acesso em 03/11/2020).
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(i) enquanto a teoria econômica trata os mercados de produtos e de trabalho de


maneira semelhante, a teoria jurídica deu mais ênfase aos mercados de produtos;
(ii) os economistas do pós-guerra presumiram – equivocadamente – que os mercados
de trabalho são razoavelmente competitivos e, portanto, que a força do mercado de
trabalho não era um problema social importante;
(iii) a abordagem legal tradicional para proteger os trabalhadores, que ocorreu “fora”
da lei antitruste, pode ter parecido suficiente;
(iv) litígios antitruste contra empregadores são mais difíceis do que litígios antitruste
com base na concentração de mercado do produto, talvez dando a ilusão de que o
último problema é mais significativo do que o anterior.8

16. Ademais, em linha com a terceira explicação acima, Stutz ressalta a crença de que
as políticas concorrencial e trabalhista devem ser mantidas separadas porque seriam
conceitualmente distintas e representariam uma escolha entre valores concorrentes.9 Nesse
sentido, cabe ressaltar a isenção antitruste conferida às negociações coletivas trabalhistas
realizadas por meio de sindicatos devido ao objetivo social que elas perseguem, qual seja,
melhorar as condições de trabalho.10

17. Não obstante, a doutrina é uníssona ao ressaltar que a isenção antitruste deve ser
interpretada de forma restrititiva e não abrange o lado da demanda dos mercados de trabalho,
ou seja, os empregadores como compradores do insumo laboral, 11 e nem condutas
anticompetitivas de múltiplos sindicatos, exceto as hipóteses legalmente previstas de acordo
coletivo ou convenções coletivas de trabalho nos termos da lei trabalhista.12 Dessa forma, em
situações não relacionadas à atividade legítima das organizações trabalhistas, o Direito
Concorrencial pode tanto proteger trabalhadores de salários artificialmente reduzidos, quanto

                                                                                                               
8
NAIDU, Suresh; POSNER, Eric & WEYL, E. Glen. Antitrust Remedies for Labor Market Power. Harvard Law
Review, Vol. 132, 2018, pp. 541-550.
9
“Uma explicação é a crença de estudiosos conservadores de que as políticas trabalhistas e antitruste devem
ser mantidas separadas porque são conceitualmente distintas e representam uma escolha entre valores
concorrentes” (Op. cit., STUTZ, p. 2, tradução nossa).
10
“É geralmente aceito que as leis de concorrência se aplicam igualmente às restrições da concorrência no
lado da demanda e no lado da oferta dos mercados6 e que “padrões legais semelhantes” deveriam ser
adotados. Nos mercados de trabalho, no entanto, os funcionários que vendem sua mão-de-obra e os acordos que
celebram com o objetivo de melhorar as condições de trabalho e emprego normalmente não estão sujeitos à
aplicação da lei da concorrência. O objetivo desta exclusão é proteger as atividades de negociação coletiva do
direito da concorrência, em vista do objetivo social que buscam. A exclusão do direito da concorrência não se
estende, entretanto, a indivíduos autônomos que se qualifiquem como empresas, nem, normalmente, a quaisquer
acordos coletivos entre trabalhadores que não tenham como objetivo melhorar as condições de trabalho ou de
emprego.” (OCDE, Competition Concerns in Labour Markets – Nota de referência da Secretaria. Junho de
2019, p. 6, tradução nossa).
11
“É importante ressaltar, no entanto, que a inaplicabilidade da lei de concorrência aos empregados em sua
atividade de negociação coletiva não tem implicação para sua aplicabilidade aos empregadores como
compradores de mão-de-obra, geralmente considerada como estando dentro do âmbito de aplicação da lei de
concorrência.” (Id, p. 8, tradução nossa).
12
“A isenção trabalhista é concedida a um único sindicato que atue isoladamente no interesse de seus
associados. A isenção não deve ser estendida para isentar a conduta anticompetitiva de múltiplos sindicatos da
responsabilidade antitruste. Além disso, o fato de que a isenção trabalhista é uma isenção às leis antitruste
gerais sugere que a isenção deve ser lida de forma restrita.” (SMITH, Larry. Collusion to Fix Wages and Other
Conditions of Employment: Confrontation between Labor and Antitrust Law. Journal of Air Law and Commerce,
Vol. 49, Edição 1, Artigo 9, 1983, p. 313, tradução nossa).
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consumidores de preços elevados, ampliando, portanto, o benefício social de ambas as


políticas trabalhista e antitruste.13

18. Além disso, outra possível razão para a falta de aplicação da Lei Antitruste ao
mercado de trabalho é uma interpretação equivocada da finalidade de bem-estar do
consumidor.14 Uma vez que as empresas possuem incentivos para diminuir os custos, o
exercício do poder no mercado de trabalho tende à redução dos salários, o que leva muitas
pessoas a pensarem institintivamente, embora de modo equivocado, que isto levaria a preços
menores para os consumidores, ao passo que maiores salários causariam preços mais altos. No
entanto, conforme destaca Hovenkamp, esta correlação é altamente imperfeita e
frequentemente equivocada.15

19. Ao contrário do que se possa pensar, a supressão dos salários dos trabalhadores
nem sempre é repassada para os consumidores na forma de preços menores. Como explicam,
por exemplo, Naidu, Posner e Weyl, o monopsônio aumenta os preços para os consumidores
na medida em que as empresas empregam menos trabalhadores e, por conseguinte, produzem
menos, bem como repassam o custo marginal total de um trabalhador adicional nos preços dos
produtos.16

20. Ainda que as empresas não possuam poder de mercado downstream, o exercício
do poder de monopsônio, ou até mesmo o comportamento colusivo, acarreta na futura redução
da oferta do produto final que, por sua vez, gerará preços de varejo mais altos, afetando assim
o consumidor final.17

21. Nesse sentido, Hovenkamp defende que o princípio do bem-estar do consumidor


deve ser medido em termos de produção, de forma a se encorajar a produção máxima
consistente com a competição sustentável, o que levaria tanto a menores preços para os
consumidores, quanto maior demanda para os trabalhadores.18

22. Assim, como explicam Marinescu e Hovenkamp, o exercício do poder de de


monopsônio no mercado de trabalho também prejudicará os consumidores no mercado de
produtos em alguns casos. Por exemplo, se a empresa possuir poder em ambos os mercados, o
seu exercício no mercado de trabalho levará à diminuição de demanda por empregadores e,
                                                                                                               
13
Op. cit., STUTZ, pp. 2-3.
14
Para maior detalhes em relação à discussão doutrinária sobre a interpretação adequada do princípio do bem-
estar do consumidor nos mercados de trabalho (e até propostas de seu abandono), confira-se: op. cit. OCDE, pp.
11-14).
15
“Enquanto o moderno princípio do bem-estar do consumidor favorece preços baixos, a política antitruste em
relação ao trabalho é prejudicada principalmente por salários muito baixos. Além disso, muitas pessoas
relacionam instintivamente salários mais altos a preços mais elevados ao consumidor, embora essa correlação
seja altamente imperfeita e muitas vezes errada” (HOVENKAMP, Herbert. Competition Policy for Labour
Markets. Escola de Direito da Universidade da Pensilvânia, Instituto de Direito e Economia, Artigo de Pesquisa
nº 19-29, 2019, p. 14, tradução nossa).
16
Op. cit., NAIDU et al, 2018, p. 558.
17
Vide voto do Conselheiro Relator no caso do Cartel de Frigoríficos (Processo Administrativo
08012.008215/2006-45).
18
Se o bem-estar do consumidor for medido em termos de produção e não de lugar, então se pode facilmente ver
um elo entre o bem-estar do consumidor e o bem-estar do trabalhador. Em geral, o princípio do bem-estar do
consumidor deve encorajar a produção máxima consistente com a concorrência sustentável. Esse resultado
produziria preços mais baixos para os consumidores e maior demanda por trabalhadores.” (Op. cit.,
HOVENKAMP, p. 6, tradução nossa).
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por conseguinte, menos produção no lado do produto.19 Ademais, a redução de bem-estar do


consumidor pode persistir mesmo quando as empresas não concorram no mesmo mercado de
produto.20

23. Não obstante, como já visto, o Direito da Concorrência foi historicamente pouco
aplicado a mercados de trabalho. Diante desse cenário, Marinescu e Posner argumentam que o
antitruste tem falhado com os trabalhores. Segundo os autores, apesar de a lei concorrencial
ser, em geral abrangente e aplicável ao mercado de trabalho, a doutrina e os tribunais são
inexperientes em casos de monopsônios trabalhistas, visto que se desenvolveram para os
mercados de produtos. Isto seria ainda mais preocupante porque, se o foco antitruste está no
mercado de produtos, as empresas, como agentes racionais maximizadores de lucros, tendem
a buscar aumento de renda em outros mercados, como o de trabalho.21

24. Tal cenário, contudo, vem se alterando nos últimos anos. Verifica-se uma
concordância cada vez maior de que a concorrência deve abordar de forma mais incisiva as
preocupações com o poder de monopsônio no mercado de trabalho. Nesse sentido, cabe
ressaltar os guias para atuação de profissionais de recursos humanos feitos pelas autoridades
concorrenciais dos Estados Unidos,22 em 2016, e do Japão23 e de Hong Kong,24 ambos em
2018, bem como a Nota da OCDE sobre preocupações concorrenciais em mercados de
trabalho, em 2019.

                                                                                                               
19
“Entretanto, o caso de monopsônio pode semear alguma confusão, pois preços de compra suprimidos são
mais baixos do que altos. Em alguns casos, o exercício do poder de monopsônio no mercado de trabalho
também prejudica os consumidores no mercado de produtos. Isso ocorre quando a empresa pós-fusão tiver
poder de mercado de ambos os lados. Nesse caso, o exercício do poder de mercado do lado trabalhista
implicará na compra de menos mão-de-obra. Ceteris paribus, menos mão de obra levará a menos produção do
lado do produto. Se as empresas tiverem poder nesse lado, o resultado também seria preços mais altos dos
produtos, e o dano ao consumidor seria óbvio” (MARINESCU, Iona & HOVENKAMP, Herbert.
Anticompetitive Mergers in Labor Markets. Indiana Law Journal, Vol. 94, 2019p. 1062, tradução nossa).
20
“O princípio do bem-estar do consumidor também orienta os casos em que as duas empresas não são
concorrentes no mercado de produto. Por exemplo, na hipotética fusão eBay/Intuit discutida acima, a aquisição
não reduz a concorrência entre as duas empresas no mercado do produto. No entanto, como as duas
contratarão menos engenheiros de software (ou outros funcionários afetados), muito provavelmente produzirão
menos no mercado de produtos. Supondo que as empresas tenham algum poder nos mercados de produtos em
que vendem, os preços também subiriam, mesmo que as empresas não sejam concorrentes nesse mercado.” (Id.,
tradução nossa).
21
“A lei antitruste tem falhado com os trabalhadores. O problema é menos a lei, que é amplamente redigida, do
que a doutrina desenvolvida pelos tribunais, que tem sido orientada para o litígio de mercado de produto, e a
inexperiência de juízes e advogados com casos de monopsônio trabalhista. A fragilidade da lei levanta a
suspeita de que a onda de fusões ocorrida nas últimas décadas, bem como outras práticas anticompetitivas,
podem ter sido motivadas em parte por uma estratégia corporativa de obter retornos anticompetitivos nos
mercados de trabalho. Afinal, se o governo e advogados particulares estão focados no comportamento do
mercado de produtos, uma corporação racional que maximiza os lucros buscaria rendas nos mercados de
trabalho” (MARINESCU, Iona & POSNER, Eric. Why Has Antitrust Law Failed Workers? Cornell Law
Review, Vol. 105, 2020, p. 1382, tradução nossa).
22
ESTADOS UNIDOS. FTC, Antitrust Guidance for Human Resource Professionals, Department of Justice
Antitrust Division, October 2016.
23
JAPÃO. Japan Fair Trade Commission. Report of the Study Group on Human Resource and Competition
Policy. Competition Policy Research Center. February 2018.
24
HONG KONG. Competition Commission Advisory Bulletin. Competition concerns regarding certain
practices in the employment marketplace in relation to hiring and terms and conditions of employment. April
2018.
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25. Dessa forma, visto que mercados de trabalho não só podem, como devem ser
objetos do Direito da Concorrência, no próximo tópico será explorado de que formas o poder
de monopsônio de empregadores podem impactar a concorrência.

II.1.2 O Poder de Mercado do Empregador – Monopsônio

26. Conforme visto no tópico anterior, as empresas podem exercer poder de mercado
tanto no mercado de venda de produtos quanto no de compra de insumos, tal como a força de
trabalho.25 Nesse sentido, Naidu, Posner e Weyl explicam que o poder no mercado de trabalho
é a imagem espelhada do poder de mercado em relação a um produto. Neste último, quando
existe um pequeno número de vendedores ou apenas um vendedor desses produtos, considera-
se que cada vendedor tem poder de mercado (em relação ao produto), o que lhe permite
cobrar um preço superior ao custo marginal, ou o preço que prevaleceria em um mercado
competitivo. Da mesma forma, quando há um pequeno número de empresas que contrata um
grupo de trabalhadores de determinada qualificação em uma determinada área, os
empregadores possuem poder sobre a dinâmica de mercado (também chamado, em sentido
estrito, de poder de compra ou poder de monopsônio).26

27. Em um mercado perfeitamente competitivo, isto é, em que os trabalhadores


podem se demitir e obter um emprego alternativo comparável sem qualquer custo, o
empregador paga um salário igual ao produto da receita marginal do trabalhador – ou seja, a
quantidade de valor que o trabalhador agrega aos resultados financeiros do empregador.27
Assim, um empregador possui poder de mercado se puder reduzir os salários de seus
empregados abaixo do que seria cobrado em um mercado competitivo.28

28. Marinescu e Posner explicam que, na ausência de evidências do poder de


mercado, conforme descrito acima, pode-se presumir que se o empregador:
(1) emprega mais de 90% dos trabalhadores ou anuncia mais de 90% das ofertas de
emprego em um mercado de trabalho, presumivelmente possui poder de mercado
de trabalho significativo;

(2) emprega entre 50% e 90% dos trabalhadores ou anuncia entre 50% e 90% das
vagas de emprego em um mercado de trabalho, presumivelmente com poder
moderado de mercado de trabalho.

Um empregador pode refutar a presunção de poder de mercado de trabalho


significativo ou moderado, mostrando que se impusesse uma redução significativa
de salário a seus funcionários, um número substancial iria pedir demissão.29

                                                                                                               
25
Confira-se, novamente, op. cit. HOVENKAMP, p. 3.
26
Op. cit. NAIDU et all, p. 537.
27
MARINESCU, Iona & POSNER, Eric. A Proposal to Enhance Antitrust Protection Against Labor Market
Monopsony. Roosevelt Institute Working Paper. December, 2018, pp. 2- 3. Disponível em:
https://rooseveltinstitute.org/publications/a-proposal-to-enhance-antitrust-protection-against-labor-market-
monopsony/. Acesso em: 22/10/2020
28
Id., p. 12.
29
Id.
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29. O exercício do poder de mercado pelo comprador, isto é, pelo empregador


enquanto demandante da força de trabalho, cria as condições para um monopsônio, se houver
apenas um empregador, ou oligopsônio, se houver mais de um empregador, embora ambos os
termos sejam utilizados de forma indistinta pela doutrina nesse contexto.30 Cabe pontuar,
ainda, que, embora o salário seja utilizado como parâmetro por ser mais facilmente
quantificável, o poder no mercado de trabalho pode ser verificado em relação à remuneração
trabalhista em geral. Inclusive em relação a benefícios não monetários, também chamados de
“remuneração indireta”. São exemplos: a contratação de planos de saúde pelo empregador em
favor do empregado, o provimento de alimenção, seguros, entre outros.

30. De forma análoga ao monopólio, o monopsônio no mercado de trabalho tem como


efeitos (i) a redistribuição de renda dos empregados para os empregadores através da redução
de salários e (ii) o desperdício, devido ao aumento do desemprego ou não-emprego dos
trabalhadores que consideram os salários vigentes inaceitáveis e saem da força de trabalho ou
se recusam a aceitar os empregos disponíveis.31 Ainda, devido aos baixos salários e à redução
de oportunidades de emprego, o monopsônio diminui a produção e o crescimento econômico,
bem como cria barreiras à entrada e danos a empresas que precisam contratar trabalhadores
através da redução artificial da mobilidade dos empregados.32

31. Assim, de modo análogo aos efeitos do monopólio, o monopsônio causa o


emprego de poucos recursos. Ausente o poder de monopsônio, as forças de oferta e demanda
– a combinação do nível competitivo de salário e da quantidade ideal de contratação – levam
à maximização do bem-estar social.33

32. O monopsônio tem três causas que, como será visto adiante, são ainda mais
agravadas em mercados de trabalho: (i) concentração; (ii) custos de busca; e (iii)
diferenciação de postos de trabalho.

33. A concentração do mercado significa que há poucos empregadores que contratam


determinados tipos de trabalhadores na área que estes residem e se deslocam, de modo que, os
empregados não têm outra alternativa de trabalho caso estejam sendo mal remunerados, o que
permite a redução dos salários abaixo do nível competitivo. 34 Assim, quanto maior a
concentração no mercado de trabalho, menores serão os salários.35

34. Isto é ainda mais preocupante diante das evidências empíricas de que os mercados
de trabalho são altamente concentrados. Um estudo nos Estados Unidos, por exemplo,
constatou que, em 2016, 60% dos mercados de trabalhos estadunidenses excederam o limite
                                                                                                               
30
Veja op. cit. NAIDU et al., p. 538, tradução nossa: “A concentração do mercado de trabalho cria condições de
monopsônio (ou, no caso de mais de um empregador, oligopsonia, mas os termos são usados de forma
equivalente) em que o poder do mercado de trabalho é exercido pelo comprador e não pelo vendedor (como no
exemplo dos postos de gasolina). Os empregadores são compradores de mão-de-obra que operam dentro de um
mercado de trabalho.”
31
Op. cit. NAIDU et all, p. 558.
32
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2018, p. 2.
33
BLAIR, Roger & HARRISON, Jeffrey. Monopsony in Law and Economics. Cambridge University Press,
Cambridge, 2010, pp. 43-44.
34
Id., p. 3.
35
“Além disso, os salários são forçados a cair à medida que a concentração do mercado de trabalho aumenta,
da mesma forma que as margens do produto aumentam à medida que a concentração aumenta.” (Op. cit.
HOVENKAMP, p. 5, tradução nossa).
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de alta concentração de 2.500 HHI. Ademais, verificou-se que o aumento de 10% no HHI em
um determinado mercado de trabalho está associado a uma redução nos salários anunciados
por vagas de emprego de 0,4% para 1,5%.36

35. Nesse mesmo sentido, um estudo na França, publicado em 2020, descobriu que
um aumento de 10% na concentração do mercado de trabalho diminui as contratações em
12,4% e reduz os salários das novas contratações em quase 0,9%.37

36. Além disso, muito longe de um ambiente perfeitamente competitivo – ou sequer


razoavelmente competitivo, os mercados de trabalho também são influenciados por vieses
discriminatórios. Nesse âmbito, há evidências de que mulheres, além de receberem menos,38
têm menor mobilidade profissional do que homens.39

37. Já os custos de busca referem-se às dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores


de encontrar novos empregos caso estejam insatisfeitos com seu posto atual ou sejam
demitidos. Isto porque os funcionários podem não saber de oportunidades alternativas; ou,
embora possam saber que outros empregadores estão contratando, eles podem ter problemas
para comparar os postos devido a vários fatores intangíveis, como o ambiente de trabalho.40

38. Dessa forma, como o custo de busca é alto, o empregador pode reduzir a
compensação do trabalhador – como salário, benefícios e amenidades do local de trabalho –
ou deixar de aumentá-la, incorrendo em um baixo risco de perder funcionários, dada a
dificuldade de encontrar empregos alternativos.41

39. Nesse sentido, importa destacar também evidências de vários países de que a
elasticidade da oferta de trabalho é baixa, ou seja, os trabalhadores tendem a não mudar de
emprego mesmo com a diminuição de salários.42 Possíveis explicações para isto, além do
custo de busca, são sensibilidade a outros fatores não relacionados ao salário (por exemplo, o
ambiente de trabalho), custos de troca, falta de poder de barganha nas negociações com
empregadores e aversão ao risco.43

                                                                                                               
36
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2020, pp. 1356-1368.
37
MARINESCU, Ioana; OUSS, Ivan & PAPE, Louis-Daniel. Wages, Hires, and Labor Market Concentration.
IZA Discussion Paper No. 13244, Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3602420. Acesso em 27/10/2020.
38
Em 2019, no Brasil, “os homens tiveram um rendimento médio mensal real de R$2.555, enquanto as mulheres
receberam em média R$1.985. Isto significa que as mulheres receberam 77,7% em proporção ao que os homens
receberam.” (https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18314-trabalho-e-rendimento.html.
Acesso em 05/11/2020).
39
“Em um artigo subsequente, Webber mostrou que as mulheres têm menor mobilidade profissional do que os
homens e descobriu que a elasticidade da oferta de trabalho residual para as mulheres é 0,15 menor do que
para os homens, o que também é inconsistente com a hipótese de mercados de trabalho competitivos.106 Em um
mercado de trabalho competitivo, as empresas pagariam a mulheres e homens com qualificação igual
exatamente a mesma quantia, o salário competitivo” (Op. cit. NAIDU et al., p. 562, tradução nossa).
40
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2018, p. 3.
41
Op. cit. NAIDU et all, p. 554.
42
“Estudos recentes apoiam a observação de que os trabalhadores não podem mudar facilmente de emprego
como uma reação a reduções salariais. Estudos também estimam que o nível de capacidade de resposta dos
trabalhadores às quedas de salários é geralmente baixo na Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália
(Sokolova e Sorensen, 2018; Hirsch et al., 2018).” (Op. cit. OCDE, pp. 4-5, tradução nossa).
43
Id, pp. 9-10.
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40. Ademais, como pontuam Blair e Harrison, “o trabalho é uma mercadoria


extremamente perecível – uma hora não trabalhada hoje nunca pode ser recuperada”.44 Além
disso, em conformidade com as evidências descritas acima, os autores afirmam que, em
relação a commodities perecíveis, a suposição de oferta inelástica é inteiramente apropriada.45
Isto porque, como a mercadoria é perecível, não há como reter ou suprimir a oferta sem
incorrer no custo de perder o produto, no caso, a hora não trabalhada e, por conseguinte, não
remunerada.

41. Dessa forma, considerando que o emprego é, em geral, essencial para o sustento
dos indivíduos e suas famílias, os custos de não trabalhar são muito elevados, o que torna as
pessoas menos propensas a incorrer no risco de procurar outro posto alternativo mesmo diante
da supressão artificial de sua remuneração. Este cenário pode afetar ainda mais trabalhadores
pouco qualificados e de baixa renda, uma vez que eles têm menos opções de emprego e menor
poder de barganha,46 bem como, possivelmente, menos acesso a transporte, habitações bem
situadas, opções de creches e informações sobre empregos.47

42. Isto é ainda mais preocupante no contexto brasileiro atual devido ao alto índice de
desemprego e à baixa remuneração geral dos trabalhadores. No segundo trimestre de 2020, a
taxa de desocupação no Brasil chegou a 11,8%, correspondendo a 12,8 milhões de
desempregados. Além disso, o mesmo período apresentou 5,7 milhões de desalentados, isto é,
pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém, desistiram de procurar
emprego.48 Dessa forma, diante do alto nível de desemprego no país, os trabalhadores terão
ainda mais aversão ao risco elevado de migrar para postos alternativos de trabalho.

43. Assim, se encontrar um trabalho é difícil e arriscado, os trabalhadores tendem a se


contentar com salários baixos ao invés de contintuar com a busca49 ou, ainda, sequer cogitam
a troca. Verifica-se, assim, que, devido à baixa elasticidade da oferta de trabalho, os
empregadores podem facilmente exercer seu poder de mercado e diminuir tanto salários
quanto outros benefícios trabalhistas sem perder funcionários.

44. Como se não bastasse, há evidências de que grande parte da força de trabalho
brasileira é pouco qualificada e de baixa renda, o que a torna mais vulnerável ao exercício do
poder de mercado do empregador. Em 2016, por exemplo, 51% da população acima de 25
anos possuía no máximo o ensino fundamental completo.50 Ademais, em 2019, o rendimento

                                                                                                               
44
Op. cit. BLAIR & HARRISON, p. 81.
45
Id.
46
“A supressão de salários aumenta a desigualdade de renda porque cria uma barreira entre a renda das
pessoas que trabalham em mercados de trabalho concentrados e a renda das pessoas em mercados
competitivos, e muitas vezes afeta mais os funcionários de baixa renda, pois eles têm menos opções e menor
poder de barganha.” (Op. cit. NAIDU et al., p. 537, tradução nossa).
47
“Trabalhadores com baixa qualificação podem ter menos acesso a transporte, mercados habitacionais bem
situados, opções de creches e informações sobre empregos, e ser mais dependentes de redes locais informais,
que tornam os empregos menos substituíveis e os empregadores mais diferenciados” (Id. p. 555, tradução nossa).
48
Confira-se: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em 05/11/2020.
49
“Se encontrar um emprego é difícil e arriscado, os trabalhadores se contentarão com uma oferta de baixo
salário em vez de continuar procurando.” (Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2018, p. 3, tradução nossa).
50
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-
continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-no-maximo-o-ensino-fundamental-
completo. Acesso em 05/11/2020.
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domiciliar per capita no Brasil foi de R$ 1.439,00, sendo que 12 estados registaram uma
média menor que o salário mínimo nacional vigente no ano, que foi de R$ 998,00.51

45. Além disso, outro fator que gera o monopsônio é a diferenciação de postos de
trabalho, isto é, os diferentes pacotes de benefícios que os empregadores podem oferecer, tais
como flexibilidade de turno, creche para crianças, alimentação, ambiente e atmosfera geral no
trabalho, entre outros. Desse modo, os trabalhadores podem se tornar vulneráveis à supressão
de salários porque não podem ameaçar com credibilidade trocar um emprego por outro no
qual as amenidades são bastante diferentes.52

46. Há evidências, ainda, de que a diferenciação é mais significativa em mercados de


trabalho do que em mercados de produtos. Tanto o empregador quando o empregado se
importam com a identidade e as características um do outro, de modo que há um conjunto
duplo de preferências que faz com que o mercado de trabalho seja duplamente mais
diferenciado, bem como mais restrito, visto que as pessoas não são tão intercambiáveis quanto
as mercadorias.53

47. O mercado de trabalho, portanto, é, em geral, ainda mais vulnerável ao poder de


monopsônio do que os mercados de produto ao monopólio.54

48. Feitas essas considerações sobre as causas e os problemas anticompetitivos do


poder de monopsônio dos empregadores, resta analisar qual o mercado relevante em que se dá
a competição pelo trabalho.

49. Nesse sentido, importa ressaltar que o mercado relevante do trabalho é distinto do
mercado relevante do produto ou serviço ofertado pelas empresas. Isto porque as empresas
concorrem entre si para contratar ou manter funcionários independentemente de fabricarem os
mesmos produtos ou competirem para fornecer os mesmos serviços.55

50. Algumas empresas, assim, podem ter significativo poder de mercado no lado da
venda dos produtos, mas não no lado da compra de insumos, como o laboral, e vice-versa,
bem como os limites dos mercados nos quais a mesma empresa atua podem diferir
                                                                                                               
51
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/28/renda-domiciliar-per-capita-foi-de-r-1439-em-2019-diz-
ibge.ghtml. Acesso em 05/11/2020.
52
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2018, p. 3.
53
“Esse conjunto duplo de preferências relevantes significa que os mercados de trabalho são duplamente
diferenciados pelas preferências idiossincráticas de empregadores e trabalhadores. Em certo sentido, esse
conjunto duplo de preferências “equilibra” a diferenciação que existe nos mercados de produtos, naturalmente
tornando os mercados de trabalho mais estreitos do que os de produtos. Esse estreitamento relativo significa
que o custo de entrada em uma transação — em relação aos ganhos do comércio — é em média maior nos
mercados de trabalho do que nos mercados de produtos porque as pessoas não são tão intercambiáveis quanto
as mercadorias” (Op. cit. NAIDU et al., p. 555, tradução nossa).
54
“Nossa discussão até agora pode dar a impressão de que os mercados de trabalho e os mercados de produtos
são semelhantes: ambos são vulneráveis ao poder de mercado (monopsônio no primeiro caso, monopólio no
segundo) e pelas mesmas razões. Mas há razões para acreditar que os mercados de trabalho são mais
vulneráveis ao monopsônio do que os mercados de produtos são ao monopólio, graças a uma literatura
diferente em economia” (Id. p. 554, tradução nossa).
55
“Do ponto de vista antitruste, as empresas que competem na contratação ou retenção de funcionários são
concorrentes no mercado de trabalho, independentemente de as empresas fabricarem os mesmos produtos ou
competirem para fornecer os mesmos serviços.” (Op. cit. FTC, p. 2, tradução nossa). No mesmo sentido, op. cit.
HONG KONG, p.1.
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substancialmente conforme a faceta que esteja sendo analisada.56 Além disso, a concentração
no mercado de produtos não coincide, necessariamente, com a concentração no mercado de
trabalho. Desse modo, não se pode confiar nos dados sobre a concentração do mercado de
produtos para capturar o grau de concorrência no mercado de trabalho.57

51. Segundo Marinescu e Posner, a definição do mercado relevante de trabalho possui


três elementos: (i) o tipo de trabalho (ou habilidades necessárias); (ii) âmbito geográfico; e
(iii) tempo.58

52. Tal qual a definição do mercado relevante de produtos, o tipo de trabalho se refere
à substituibilidade, ou seja, à possibilidade de troca de um emprego por outro alternativo caso
haja uma redução significativa na remuneração. Nesse sentido, para compreender se um
trabalho é substituível por outro, é necessário analisar se as habilidades ou os requisitos para o
desempenho desses cargos são similares ou compatíveis entre si. Uma determinada empresa
que demanda funcionários administrativos, por exemplo, não compete com um hospital que
contrata médicos. Porém, se este último estiver demandando um administrador, pode ser que
eles concorram entre si. A dimensão competitiva, assim, se dá em função do tipo de trabalho
em questão.

53. A doutrina, para pesquisas empíricas em geral, embasa-se em classificações


governamentais do tipo de ocupação profissional, tal como a Standard Occupational
Classifications (SOC) – mais especificamente as ocupações de seis dígitos, mantida pela
Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos, equivalente à Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO), 59 fornecida pelo Ministério do Trabalho. Não obstante,
Marinescu e Posner alertam que mesmo essas definições podem ser amplas demais, visto que
um contador sênior, por exemplo, pode não considerar postos ao nível júnior. De toda forma,
os autores reconhecem a conveniência de tais classificações para pesquisas empíricas, fazendo
a ressalva de que, porque consideram mercados provavelmente muito amplos, também servem
como uma suposição conservadora, com o resultado de que a literatura provavelmente
subestima o grau de concentração do mercado de trabalho.60 Destaca-se, ainda, que embora
muitas ocupações pareçam similares e exijam habilidades semelhantes, o custo de troca é alto
e as mudanças são dificultadas por outros tipos de custos de entrada, como a necessidade de
retreinamento e o licenciamento ocupacional exigido para prática de várias profissões.61

54. Além disso, a concorrência no mercado de trabalho também se dá em um


determinado âmbito geográfico. Nos Estados Unidos, tal escopo geralmente é delimitado com
                                                                                                               
56
Op. cit. HOVENKAMP, p. 3.
57
“Por vezes, parte-se do princípio de que a concentração do mercado de trabalho e do mercado de produtos
coincidem, pelo que a aplicação da legislação antitruste que visa a concentração do mercado de produtos
também zelaria pela concentração do mercado de trabalho. No entanto, os dados mostram que a concentração
do mercado de trabalho é distinta da concentração do mercado de produto e que é a concentração do mercado
de trabalho, e não a concentração do mercado de produto, que tende a desvalorizar salários. Embora a
concentração do mercado de trabalho seja maior para indústrias mais concentradas em produtos do que para
indústrias menos concentradas em produtos, esse padrão não é muito forte. [...] Isso mostra que a fiscalização
antitruste não pode depender da concentração do mercado de produtos para capturar o grau de concorrência
no mercado de trabalho.” (Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2020, p. 1359, tradução nossa).
58
Id., p. 1352.
59
Confira-se: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/downloads.jsf; Acesso em 06/11/2020.
60
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2020, p. 1353.
61
Id., pp. 1353-1352.
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base nas zonas de comutação, áreas geográficas determinadas pelo Departamento de


Agricultura estadunidense que compreendem grupos de condados com base em padrões de
deslocamento da população. 62 Comutação, assim, é basicamente definida como o
tempo/distância gasto de casa até o trabalho, diariamente.63

55. Vale pontuar que os mercados de trabalho têm, em geral, um âmbito geográfico
consideravelmente restrito. Considerando que o trabalhador precisa se deslocar de sua
residência para o trabalho, bem como retornar, todos os dias, dificilmente aceitaria um
emprego em uma cidade distante. Mesmo que aceitasse, o custo de mudar para outra cidade é
alto e envolve variáveis não econômicas pessoais de cada indivíduo. Cabe pontuar que esta
situação pode variar conforme o tipo de trabalho, em especial para funções atreladas a um
certo tipo de indústria ou empresas que se concentrem em certas regiões ou cidades do país.
Nestes casos, a própria oferta de emprego é reduzida aos pólos industriais e comerciais em
questão e a amplitude geográfica do mercado de trabalho depende de quanto o trabalhador
está disposto a migrar dentro desta área. Há ainda mercados de construção, onde a
disponibilidade de trabalho é naturalmente temporária e associado a locais em que estejam
ocorrendo obras, com exigências maiores para movimentos migratórios por parte do
contratado.

56. É compreensível, assim, que a área de comutação seja relacionada ao tamanho da


remuneração do cargo. Por exemplo, Marinescu e Posner pontuam que pouquíssimos
mercados de trabalho, como o de CEOs, podem ter escopo nacional ou internacional.64

57. A comutação, ainda, pode estar relacionada à posição socioeconômica dos


indivíduos. Há evidências, nesse sentido, de que trabalhadores com melhor posição
socioeconômica comutam pouco e por menores distâncias, visto que geralmente residem perto
de seus locais de trabalho e dos grandes centros urbanos. Já trabalhadores com baixa posição
socieconômica comutam mais e por maiores distâncias, uma vez que residem afastados dos
locais em que se concentram as oportunidades de emprego.65 Este perfil, portanto, bem como
o tipo de trabalho associado, podem influenciar no escopo geográfico do mercado de trabalho.

58. Ainda, mesmo em trabalhos remotos, ou seja, nos quais não há a exigência de que
o funcionário esteja presencialmente em um determinado local, apesar de o escopo geográfico
poder ser mais amplo, é importante verificar a existência de outras barreiras, como a
linguística, a de nacionalidade ou a regulatória, como a necessidade de licenciamento
profissional em órgãos reguladores estaduais ou nacionais.

59. Por fim, Marinescu e Posner ressaltam que o mercado de trabalho deve ser
limitado no tempo, porque os candidatos a emprego só podem ficar desempregados por um
período limitado de tempo. Os autores definem esse tempo com base nos dados de duração
mediana do desemprego que, por exemplo, nos Estados Unidos, em 2016, foi de cerca de um
trimestre. Dessa forma, um mercado de trabalho é definido como a combinação de uma

                                                                                                               
62
Id., p. 1354.
63
GAMA, L. C. D., & BRAZ GOLGHER, A. Traçando o perfil dos commuters no Brasil. Revista Brasileira De
Estudos De População, Vol. 37, 2020, p. 2.
64
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2020, p. 1354.
65
Confira-se, nesse sentido, as conclusões do já citado artigo de GAMA & BRAZ GOLGHER.
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ocupação de seis dígitos da Standard Occupational Classifications (SOC) em uma zona de


comutação e em um determindo trimestre.66

60. Visto, portanto, as características dos mercados de trabalho que os tornam mais
propensos ao monopsônio e ao exercício abusivo do poder de mercado pelos empregadores,
bem como o âmbito em que se dá a competição, isto é, o mercado relevante trabalhista, no
tópico a seguir, passa-se a analisar possíveis condutas anticompetitivas.

II.1.3 Condutas Anticompetitivas nos Mercados de Trabalho

II.1.3.1. Condutas Horizontais

61. De acordo com a OCDE, o conluio é a prática anticompetitiva mais prejudicial


nos mercados de trabalho.67 Ademais, as características típicas desses mercados vistas no
tópico anterior, em especial, a alta concentração, aumentam o riscos de que colusões entre
empregadores, o que tem levado, inclusive, alguns autores a defenderem parâmetros
probatórios mais brandos para a sua configuração.68

62. As formas típicas de conluio, ou seja, condutas horizontais nos mercados de


trabalho são (i) acordos de fixação de remuneração; (ii) acordos de não contratação de
trabalhadores; e (iii) troca de informação para coordenar parâmetros competitivos. Tais
condutas serão analisadas em mais detalhes nos tópicos a seguir.

II.1.3.1.1. Acordos de Fixação de Remuneração (Wage Fixing Agreements)

63. Concorrentes que cheguem a um acordo em relação a qualquer aspecto ou


elemento da remuneração de seus funcionários estão fixando o preço da mão de obra e, nesse
sentido, incorrendo na infração de cartel.

64. Importa ressaltar que, uma vez que a conduta pode se estender a qualquer
elemento da compensação trabalhista, e não apenas ao salário, aqui se optou por denominar a
prática de acordo de fixação de remuneração, embora o termo mais comum na doutrina
estrangeira seja “wage fixing agreement”, isto é, acordo de fixação salarial.69 De toda forma,
há unanimidade no cenário internacional de que o preço do trabalho inclui, além do salário, os
demais benefícios oferecidos pelo empregador ao empregado.70

                                                                                                               
66
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2020, p. 1355.
67
Op. cit. OCDE, p. 19.
68
Nesse sentido: “O maior risco de conluio nos mercados de trabalho por causa de seu alto nível de
concentração justifica os padrões relaxados para a seção 1 em casos de mercado de trabalho porque o risco de
falsos positivos — responsabilidade antitruste imposta indevidamente — é correspondentemente menor do que
nos casos de mercado de produto da seção 1” (MARINESCU & POSNER, 2020, p. 1398, tradução nossa).
69
Confira-se: “Um acordo com um concorrente para determinar elementos de remuneração de funcionários é
um acordo ilegal de determinação de salários.” (Op. cit. FTC, p. 9, tradução nossa).
70
“Os empreendimentos que chegam a um acordo em relação a qualquer aspecto ou elemento de remuneração
ou que trocam informações sobre suas intenções a esse respeito estão, efetivamente, determinando o preço da
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65. Acordos de fixação de remuneração, tais como os demais cartéis, são consideradas
infrações por objeto pelas autoridades da concorrência de Hong Kong, do Japão e dos Estados
Unidos (per se rule).71 Ademais, como pontua a OCDE, casos desse tipo também foram
tratados como restrições pelo objeto pelos respectivos órgão competitivos do Reino Unido,
França e Itália.72

66. O tratamento por objeto se justifica porque essas condutas eliminam a


concorrência da mesma forma irremediável que os acordos para fixar preços de produtos ou
alocar clientes, que tradicionalmente têm sido investigados e processados como infrações de
cartéis.73 Não há, assim, sequer a necessidade de se perquirir os efeitos da conduta, visto a
presunção de ilicitude pelo próprio objeto anticompetitivo da prática.74

67. No ordenamento brasileiro, o acordo entre concorrentes para restringir o mercado


de trabalho poderia ser enquadrado no art. 36, inciso I ou II da Lei n. 12.529/201175, ou,
dentre as práticas mais específicas do rol exemplificativo, como um cartel ou uma influência à
adoção de conduta comercial uniforme (quando envolver, por exemplo, entidades de classe e
sindicatos), respectivamente, nos termos dos incisos I e II do § 3o do referido artigo76-77.

II.1.3.1.2. Acordos de Não Contratação de Trabalhadores (No-Poach Agreements)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
mão de obra. A remuneração neste contexto não se limita a salários e vencimentos, mas pode incluir benefícios
e subsídios, como benefícios de seguro, auxílio moradia, auxílio mudança, indemnizações ou pagamentos por
longos serviços.” (Op. cit. HONG KONG, p. 3, tradução nossa).
71
Confira-se, novamente, os Guias já citados neste trabalho, respectivamente, op. cit. HONG KONG; JAPÃO e
ESTADOS UNIDOS.
72
Op. cit. OCDE, p. 20.
73
Veja: “Daqui para frente, o Departamento de Justiça Americano (DOJ) pretende processar criminalmente
acordos de determinação de salários ou de não contratação. Esses tipos de acordos eliminam a concorrência da
mesma forma irremediável que os acordos para determinação de preços de produtos ou alocação de clientes,
que tradicionalmente têm sido investigados criminalmente e processados como conduta de cartel.” (Op. cit.
ESTADOS UNIDOS, p. 4, tradução nossa).
74
Confira-se: “Nesse caso, normalmente, não há espaço para considerar se tal ação tem efeitos pró-
competitivos, se tem uma finalidade de benefício público ou se seus meios são adequados.” (Op. cit. JAPÃO, p.
3, tradução nossa).
75
Lei n. 12.529/2011, Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos
sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não
sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
III - aumentar arbitrariamente os lucros.
76
Lei n. 12.529/2011, Art. 36 § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem
hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma;
II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes.
77
Nesse sentido, confira-se: “O inciso III, aumento arbitrário de lucros, poderia ser justificado pela diferença
existente entre o valor justo que deveria ser pago de salário ao empregado de um mercado afetado pela conduta
e o valor efetivamente pago, fruto desse arranjo entre concorrentes. Já o enquadramento no inciso I deveria
considerar que o mercado em que a livre concorrência afetada é no mercado de trabalho dos profissionais de
determinada função. Também é possível que seja vista essa prática como uma conduta comercial concertada
nos termos do inciso II do § 3o do art. 36 da Lei n. 12.529” (ATHAYDE, Amanda; DOMINGUES, Juliana.
MENDONÇA, Nayara. O improvável encontro do direito trabalhista com o direito antitruste, Revista do Ibrac,
Vol. 24, n. 2, 2018, pp. 83-83).
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68. Acordos de não contratação de trabalhadores78 são um tipo de conduta colusiva na


qual empresas concordam em se abster de solicitar, contratar ou recrutar trabalhadores umas
das outras, essencialmente renunciando à competição por este insumo (a força de trabalho).79
Em outras palavras, os empregadores pactuam que não irão contratar funcionários de outra
firma concorrente no mesmo mercado relevante na dimensão trabalho, mesmo que estas não
sejam concorrentes na dimensão produto.80

69. Como ressaltam Athayde, Domingues e Mendonça, “esses acordos podem ser
implementados de diversas maneiras, tais como: (i) não oferta do emprego, (ii)
monitoramento e repasse de informações sobre ofertas de emprego, (iii) não apresentação de
contraproposta a ofertas de emprego, e (iv) negativa de seleção e recrutamento de um
empregado de um concorrente”.81

70. Tais acordos, como explica Hovenkamp, são equivalentes a um acordo de divisão
de mercado no âmbito dos produtos. 82 Nesse sentido, também são considerados cartéis
clássicos, cuja importância de persecução adequada pelo Direito Concorrencial é
indiscutível. 83 Dessa forma, uma vez que acordos de não contratação de trabalhadores
possuem poucas ou nenhuma justificativa pró-competitiva, mas grande impacto na mobilidade
dos trabalhadores, 84 também são considerados ilícitos por objeto, ou, na concepção
estadunidense, sujeitos à análise per se.

71. Duas possíveis exceções à ilicitude pelo objeto desse tipo de conduta, contudo,
podem se dar no âmbito das franquias e no das alienações de empresas, estabelecimentos ou
fundos de comércio.

72. Importa ressaltar, assim, que mais da metade das principais empresas de franquia
nos Estados Unidos contém cláusulas de proibição de contratação de funcionários de outras
lojas da rede em seus contratos de franquia, e que esses contratos são mais frequentemente
adotados em setores de baixa remuneração. 85 Não obstante, por serem acordos entre
franqueador e franqueado, tais condutas podem ser consideradas como de natureza vertical e
serem justificadas por razões pró-competitivas, como a proteção de know-how, de
investimento, de treinamento, além de prevenir o efeito carona.

                                                                                                               
78
Para uma análise mais detalhada desse tipo de conduta, confira: POLDEN, Donald. Restraints On Workers’
Wages And Mobility: No-Poach Agreements And The Antitrust Laws. Santa Clara Law Review, Vol. 59, N. 3.
79
Op. cit. OCDE, p. 19
80
Op. cit. ATHAYDE et all, p. 75.
81
Id., pp. 78-79.
82
Op. cit. HOVENKAMP, p. 5.
83
Nesse sentido: “Não há discordância sobre a importância de as autoridades de concorrência perseguirem de
forma adequada as infrações nos mercados de trabalho que são tratados como cartéis, como acordos de
determinação de salários e de não contratação, e evitarem a concentração de poder nas mãos dos
empregadores que pode afetar negativamente os consumidores a jusante.” (Op. cit. OCDE, p. 14, tradução
nossa).
84
Nesse sentido: “No entanto, os acordos de não contratação entre concorrentes têm poucas justificativas pró-
competitivas e a regra per se, conforme argumentado pelo Departamento, e a análise rápida seriam adequadas
o suficiente para lidar com essas restrições aos salários, benefícios e mobilidade dos trabalhadores.” (Op. cit.
POLDEN, p. 595, tradução nossa).
85
Op. cit. OCDE, p. 21.
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73. Nesse sentido, nos Estados Unidos, a maioria dos acordos de não contratação
entre franqueadores e franqueados são geralmente considerados restrições verticais e, por
conseguinte, analisados pela regra razão, dado que o aumento da concorrência intermarcas
pode compensar as reduções da concorrência intramarcas geradas pelas restrições. No entanto,
tais acordos são considerados como alocações horizontais de mercado e, portanto, sujeitos à
análise per se, quando: (i) são concluídos por franqueados independentes da mesma rede; (ii)
são concluídos por franqueados pertencentes a diferentes redes e efetivamente ou
potencialmente competindo por funcionários; (iii) são concluídos pelo franqueador e pelo
franqueado quando são concorrentes por funcionários no mesmo mercado de trabalho
geográfico.86

74. Vários autores, no entanto, criticam esta abordagem mais leniente em relação a
acordos de não contratação de trabalhadores em franquias. Como indica Polden, o acordo
preclui a competição no mercado de trabalho de forma horizontal (por exemplo, quando o
franqueador também concorre intramarca com o franqueado) ou em um contexto vertical (por
exemplo, quando o franqueador concorda com os seus franqueados, por meio da cláusula de
no-poach inserida no contrato de franquia, em eliminar a competição entre estes últimos),
sendo difícil, em ambos os casos, imaginar justificativas ou evidências de benefícios pró-
competitivos dessas políticas. Mais ainda, o autor ressalta que relegar tais práticas a uma
análise de regra de razão simplesmente porque o franqueador está em uma relação vertical
com o impacto da fixação de salários ignora o fato de que os acordos são claramente
anticompetitivos na maioria dos cenários.87

75. Um dos aspectos que reforça esse argumento é a constação de que, como já visto
neste tópico, tais cláusulas de não contratação em franquias são mais frequentemente
utilizadas em indústrias de baixos salários e que empregam profissionais pouco qualificados.
Assim, não se sustentam os argumentos de que tais acordos seriam justificados pela proteção
de know how, de investimentos e de treinamento de funcionários. De fato, Marinescu e Posner
pontuam que tais cláusulas nas franquias só poderiam ser justificadas em casos restritos, por
exemplo, envolvendo funcionários com funções gerenciais que têm acesso a informações
protegidas sobre o método de negócios da franquia ou que receberam treinamento intensivo
no nível da franquia; por outro lado, quando são amplas, devem acionar a regra per se.88

76. Em sentido similar, Hovenkamp esclarece que, apesar dessas restrições parecerem
verticais por estarem em contratos individuais entre franqueador e franqueado, o fato de todos
contratos de franquia conterem disposições substancialmente idênticas e, na medida em que
envolvem restrições ao movimento entre os franqueados concorrentes, os acordos parecem ter
efeito horizontal.89 Assim, não se deve aceitar os argumentos padrões de que tal conduta
evitaria o efeito do carona sem uma prova clara de que essas justificativas se aplicam a um
caso particular. Isto porque, ao contrário do que alegam as franquias, a verdadeira justificativa
desses acordos abrangendo todos os tipos de funcionários não é a proteção do aprendizado,
mas sim uma supressão cartelizada dos salários.90

                                                                                                               
86
Id., p. 22.
87
Op. cit. POLDEN, pp. 604-605.
88
Op. cit. MARINESCU & POSNER, pp. 1387-1388.
89
Op. cit. HOVENKAMP, p. 11.
90
Id, pp. 12-13.
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77. Ainda, visto que seria possível enxergar as lojas de uma mesma franquia como
uma “entidade única”, há quem considere a colusão impossível, uma vez que um conluio
requer pelo menos duas empresas distintas agindo em cooperação. Entretanto, Naidu et al
ressaltam que, do ponto de vista da política concorrencial, a única questão que importa é se
vários franqueados em um único mercado de trabalho possuem poder de mercado e, portanto,
podem suprimir salários por conluio. Se puderem, deve ser irrelevante se são nominalmente
controlados por um único franqueador.91

78. Cabe pontuar, por fim, que acordos de não contratação podem ser permitidos entre
contratantes nos casos de alienações de empresas, estabelecimentos ou fundos de comércio. A
ideia aqui é que o contrato implica a transferência de um negócio e a sua capacidade de atrair
clientela, algo diretamente relacionado com o coletivo de empregados vinculados à iniciativa
empresarial transferida e a forma como ele foi organizado. Permitir que o alienante
concorresse pelos talentos como adquirente significaria esvaziar parte substancial do conteúdo
do contrato. É com base nesta justificativa que o Código Civil dispõe, mais amplamente, que
“Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer
concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência” (art. 1.147).

79. Inobstante, as cláusulas de não competição entre adquirente e alienante são objeto
de duradoura preocupação do Cade, o que pode ser visto mais comumente em processos de
controle de concentração. Há inclusive, súmula tratante a respeito, enunciando que “É lícita a
estipulação de cláusula de não-concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de
estabelecimento, desde que vinculada à proteção do fundo de comércio”.

80. A prática do Cade nesta situação, portanto, é exigir que as restrições à disputa
sejam diretamente relacionados e necessários à implementação de uma transação. Nesse
sentido, a cláusula de não contratação deve estar diretamente relacionada (economicamente
relacionada) com a concentração e ser estritamente necessárias para a sua implementação, por
exemplo, se sem ela haveria motivos razoáveis para esperar que a venda da empresa-alvo ou
de parte dela não poderia ocorrer, como em casos nos quais certos funcionários possuem um
know how importante que integra o valor do ativo em questão.

81. Além disso, a jurisprudência do Cade exige que as disposições de não


concorrência sejam material, temporal e geograficamente proporcionais ao negócio alienado.
Veja-se, neste sentido, que com justificativa semelhante o plenário do Cade já admitiu
restrição temporária e indenizada em contrato de não competição entre alienante e comprador
de estabelecimento :

“a cláusula de não-competição que submeta ex-empregado pode servir


como catalisador de atividades comerciais, na medida em que induz maior
grau de confiança na relação entre a empresa e o empregado que acessa
suas informações comercialmente sensíveis. Esta é, aliás, a rationale de
dispositivos da legislação de Alemanha, Espanha, Portugal e convenções
coletivas na França que admitem a imposição de não-competição a ex-
empregado que tenha acesso a informações sensíveis, desde adequada ao
objeto (acesso a informações sensíveis), indenizada e limitada a dois anos”
(AC 08012.011602/2011-26, unânime, Rel. Cons. Eduardo Pontual Ribeiro)
                                                                                                               
91
Op. cit. NAIDU et all, p. 598.
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82. Por fim, tais cláusulas também podem ser úteis quando relacionadas a remédios
em atos de concentração, isto é, em relação ao desinvestimento de ativos e à obrigação de não
solicitar o reter funcionários essenciais no negócio restante.92 De toda forma, a razoabilidade
de tais acordos de não contratação no cenário do controle de estruturas dependem de seu
prazo e de seu escopo de abrangência.93

II.1.3.1.3. Trocas de Informações Concorrencialmente Sensíveis94

83. Já as trocas de informações concorrencialmente sensíveis envolvem situações nas


quais se verifica o compartilhamento entre competidores de informações que poderiam
impactar em suas decisões competitivas no mercado de trabalho em questão. A presente
seção, portanto, compreende a conduta autônoma de troca de informações trabalhistas
sensíveis entre concorrentes,95 isto é, quando os dados repassados não estão inseridos em um
contexto mais amplo de fixação de preços ou de divisão de mercado.

84. Nessa perspectiva, trocas de informações concorrencialmente sensíveis sobre os


termos e condições de trabalho podem equivaler a uma coordenação tácita. Seguem, nesse
sentido, as diretrizes para os profissionais de recursos humanos emitidas pelas autoridades
antitruste dos Estados Unidos, Japão e Hong Kong.96

85. Importa ressaltar, contudo, que no ordenamento estadunidense, por exemplo, as


trocas de informações sensíveis sobre termos e condições de emprego são, quando não
relacionadas a uma colusão anticompetitiva, objeto de análise pela regra da razão,
diferentemente das condutas de acordos de fixação salarial ou de não contratação de
funcionários, sujeitas à análise per se. 97 Isto porque, é possível projetar e realizar
compartilhamentos de informações em conformidade com as leis antitruste. Por exemplo, uma
troca de informações pode ser lícita se:
1) a troca envolve informações que são relativamente antigas,
2) as informações são agregadas para proteger a identidade das fontes, e
3) fontes são agregadas para evitar que os concorrentes vinculem dados específicos a
uma fonte individual.98

86. Ao revés, o acordo de troca de informações entre concorrentes, embora não seja
um ilícito per se, pode ser uma infração concorrencial quando tem – ou provavelmente teria –
um efeito anticompetitivo. Ainda, mesmo que não se concorde explicitamente em fixar algum
                                                                                                               
92
Op. cit. OCDE, pp. 20-21.
93
Confira-se: “Em que pese isso, é possível que tais acordos sejam considerados razoáveis no contexto do
controle de concentrações, a depender do seu prazo e do seu escopo de abrangência” (ATHAYDE et all, p. 79).
94
Para mais detalhes sobre os aspectos gerais da conduta de troca de informações concorrenciamente sensíveis,
confira o tópico II.2.
95
Cumpre destacar que, dentre a lista não exaustiva de informações que podem ser concorrencialmente sensíveis
constantes no Guia de gun jumping do CADE, um dos exemplos é justamente “dados específicos sobre salários
de funcionários” (CADE, Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica,
2015, p. 7. Disponível em http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/gun-jumping-versao-final.pdf. Acesso em 18/11/2020).
96
Op. cit. OCDE, p. 21.
97
Op. cit. ATHAYDE et all, p. 80.
98
Op. cit. ESTADOS UNIDOS, p. 5.
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elemento da remuneração trabalhista, a troca de informações concorrencialmente sensíveis


pode servir como prova de um acordo anticoncorrencial implícito.99 Nesse sentido, um dos
sinais vermelhos de condutas preocupantes no mercado de trabalho levantados pelo FTC é,
justamente, a “troca de informações específicas da empresa sobre remuneração de
funcionários ou termos de emprego com outra empresa”.100

87. Situação um pouco diferente ocorre nas jurisdições em que há as chamadas


práticas concertadas. Conforme explica o guia de práticas no mercado de trabalho emitido
pela Comissão de Competição de Hong Kong, o conceito de prática concertada abrange
qualquer forma de cooperação em que, embora não se chegue a um acordo, as empresas
substituem conscientemente os riscos da concorrência pela cooperação prática. O
compartilhamento de informações competitivas sensíveis, seja recíproco ou unilateral,
diretamente entre concorrentes ou por meio de terceiros, normalmente equivaleria a uma
prática concertada.101 Dessa forma, para a autoridade concorrencial de Hong Kong, a troca de
informações de intenções futuras relacionadas a salários e condições de trabalho, seja de
forma direta ou por meio de um terceiro independente, é considerada como tendo o objeto de
prejudicar a concorrência.102

88. De forma similar, também na União Europeia as trocas de informações


concorrencialmente sensíveis são consideradas, em geral, como práticas concertadas,103 as
quais, em regra, sujeitam-se à ilicitude por objeto.104

                                                                                                               
99
Id, p. 4.
100
FTC, Antitrust Red Flags for Employment Practices, 2016.
101
No original: “O conceito de prática concertada abrange qualquer forma de cooperação que não chegue a um
acordo, em que os empreendimentos substituem conscientemente a cooperação prática pelos riscos da
concorrência. O compartilhamento de informações competitivas sensíveis, seja de forma recíproca ou
unilateral, diretamente entre concorrentes ou por meio de terceiros, normalmente equivaleria a uma prática
concertada.” (Op. cit. HONG KONG, p. 2, tradução nossa).
102
Id, p. 4.
103
Destaca que a Corte Europeia de Justiça considera que conduta concertada neste sentido seria "uma forma de
coordenação entre empresas que, sem ter atingido a fase da celebração do acordo propriamente dito, substitui
conscientemente os riscos de concorrência pela cooperação prática entre elas (...) implica, além da concertação
das empresas entre si, o comportamento subsequente no mercado e uma relação de causa e efeito entre os dois"
(...) se pode presumir que as empresas participantes na concertação, e que se mantêm ativas no mercado, têm
em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento no
mercado”. Tradução livre de ""a form of coordination between undertakings which, without having reached the
stage where an agreement properly so-called has been concluded, knowingly substitutes practical cooperation
between them for the risks of competition (...) implies, besides undertakings’ concerting with each other,
subsequent conduct on the market, and a relationship of cause and effect between the two" (...) it can be
presumed that the companies taking part in the concertation, and which remain active on the market, take into
account the information exchanged with their competitors to determine their conduct on the market.”. Para mais
informações, veja: RIVAS, José, Geoffroy Van De Walle De Ghelcke, 9 March 2012, e-Competitions, N°43913.
Concerted practices and Exchange of information: An overview of EU and national case law. Disponível em
http://awa2013.concurrences.com/business-articles-awards/article/concerted-practices-and-exchange. Acesso em
12/11/2020.
104
“Uma prática concertada, como examinada no caso presente, que visa aumentar os preços de varejo ou
impedir a introdução de preços de varejo mais baixos tem, pela sua própria natureza, potencial para restringir
a concorrência. Por conseguinte, a visão preliminar da Comissão é que a prática concertada entre os Quatro
Editores e a Apple teve por objetivo impedir, restringir ou distorcer a concorrência dos livros eletrônicos no
EEE.” (COMISSÃO EUROPEIA, E-books case, Comissão Europeia, Decisão, Caso COMP/39.847, 2012, p. 19,
tradução nossa).
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89. No Brasil, verifica-se que a legislação concorrencial prevê condutas concertadas


entre concorrentes, juntamente com a influência à adoção de conduta uniforme:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os
atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir
os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese


prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem
econômica:

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou


concertada entre concorrentes;105

90. Ainda que não se verifique um precedente específico sobre prática concertada ou
troca de informações concorrencialmente sensíveis no cenário brasileiro, a conduta de
indução à conduta uniforme tem sido usualmente caracterizada como um ilícito por objeto
pelo CADE.106

91. Nessa perspectiva, “[a] troca de informações sensíveis sobre termos e condições
de trabalho pode representar uma conduta anticompetitiva no contexto em que é usada por
empregadores para diminuir e uniformizar salários de determinada categoria de
empregados”.107 Desse modo, se o compartilhamento de informações concorrenciais for uma
medida “com o objetivo de uniformizar a atuação de concorrentes em um dado mercado”,108
ele também se enquadraria na infração de influência à adoção de conduta uniforme.

92. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a troca de informações


concorrencialmente sensíveis sobre termos de trabalho, como uma conduta autônoma, podem
se enquadrar no inciso II do § 3º, art. 36 da Lei n. 12.529/2011, na medida em que promovam
ou influenciem a adoção de uma conduta uniforme ou concertada entre concorrentes.109
Ademais, em alguns casos, a depender da natureza e do conteúdo da informação e do uso (por
exemplo, o valor do salário de um determinado cargo em uma determinada empresa usado
para embasar decisões individuais que levem a paralelismo no mesmado) pode não não ser
sequer necessária a comprovação de efeitos da prática, visto que a potencialidade de efeitos
anticompetitivos pelo compartilhamento desses dados já é suficiente para violar a lei
antitruste. 110 Tal constatação, reforça a conclusão de que a conduta, nos termos da
                                                                                                               
105
BRASIL, Lei n. 12.529/2011, Art. 36, § 3º, II, grifou-se.
106
Confira-se: “Ademais, a jurisprudência do CADE também é razoavelmente consolidada no sentido de que a
conduta de influência à adoção de conduta uniforme é caracterizada como um ilícito por objeto. Em outras
palavras, não apenas a verificação de efeitos é dispensável, sendo suficiente a potencialidade em produzi-los,
como a intenção da parte ao praticar a conduta é irrelevante.” (CADE, 08012.004674/2006- 50, Voto-vista do
Cons. Mauricio Oscar Bandeira Maia).
107
Op. cit. ATHAYDE et all, pp. 81-82.
108
CADE, Perguntas sobre infração à ordem econômica. Disponível em:
http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas-sobre-infracoes-a-ordem-economica. Acesso
em 12/11/2020.
109
“A troca de informações confidenciais é crítica em mercados muito concentrados para contratação (ou seja,
mercados com pouquíssimas alternativas de empregadores). Às vezes, a mera troca de informações nesse
contexto pode acionar a lei por um crime antitruste (Lei 12.529 art. 36, § 3, II).” (OCDE, Competition Issues in
Labour Markets – Nota do Brasil, junho de 2019 p. 4, tradução nossa).
110
A título de exemplo: “A troca de informações confidenciais sobre os termos e condições de trabalho pode,
portanto, violar a Lei Antitruste quando for usada por empregadores para prejudicar ou potencialmente
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jurisprudência do CADE em relação à influência à adoção de conduta uniforme, também pode


estar sujeita à ilicitude pelo objeto. Isto porque, nesses cenários, mesmo ausente o acordo
expresso, o efeito anticompetitivo de uniformização do mercado é equivalente ao da
coordenação colusiva.

93. Não obstante, conforme a contribuição do Brasil para a discussão da OCDE sobre
preocupações concorrenciais no mercado de trabalho, as trocas de informações são
consideradas lícitas se cumprirem determinadas condições, ou seja, quando:
(i) forem realizadas por um terceiro neutro;
(ii) envolvem dados antigos;
(iii) existe uma agregação das informações para proteger a identidade das fontes;
(iv) existem fontes agregadas suficientes para evitar que os concorrentes sejam
capazes de identificar a fonte particular de cada informação;
(v) ou forem relacionadas a uma due diligence prévia a um ato de concentração
(uma fusão), com precauções prévias para gun jumping.111

94. Nesses termos, é possível que a troca de informações sensíveis sobre o mercado
de trabalho seja lícita, podendo ser até pró-competitiva ou, ao menos, concorrencialmente
neutra. Por outro lado, mesmo em situações nas quais a prática não promova ou influencie a
uniformização de conduta no mercado de trabalho, ainda sim é possível que cause outros tipos
de efeitos anticompetitivos, o que demanda uma análise caso a caso.

95. Mais detalhes sobre os aspectos gerais da infração de troca de informação


comercial concorrencialmente sensível serão vistos no tópico II.2 desta Nota Técnica.

II.1.3.2. Condutas Unilaterais


II.1.3.2.1. Cláusulas de Não Concorrência

96. Cláusulas ou acordos de não concorrência são impostas pelo empregador aos seus
empregado e restringem a capacidade deste de trabalhar para um empregador diferente caso
deixe o seu emprego atual. Trata-se de uma prática puramente vertical que envolve um único
empregador e seus respectivos funcionários e, portanto, geralmente é analisada pela regra da
razão, considerando-se a razoabilidade de seu escopo, alcance geográfico e duração.112

97. Tais cláusulas são, em geral, justificadas pela possibilidade de que empregados
tenham tido acesso a segredos comerciais do empregador ou que outras empresas possam se

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
prejudicar funcionários. Uma hipótese de dano é a redução de salários e outras condições de trabalho (como
seguro saúde, auxílio transporte).” (Id. p. 6, tradução nossa).
111
Idem.
112
“Um acordo de não concorrência é feito entre um empregador e um funcionário e restringe a capacidade
deste de trabalhar para um empregador diferente no caso de deixar seu emprego. A diferença entre um acordo
de não concorrência e um acordo de não contratação é que o primeiro é puramente vertical: refere-se a acordos
entre um único empregador e seus vários funcionários. O common law geralmente tratava dos acordos de não
concorrência de funcionários sob uma regra de razão e geralmente os mantinha se estivessem razoavelmente
confinados a uma área, alcance geográfico e duração específicos” (Op. cit. MARINESCU & HOVENKAMP,
p. 1054, tradução nossa).
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aproveitar do seu treinamento e know-how, 113 incorrendo, assim no efeito carona do


investimento feito pelo empregador atual. Diante disso, acordos de não concorrência têm sido
frequentemente avaliados como um tipo de proteção ao conhecimento empresarial.114

98. Não obstante, essas cláusulas podem impactar significativamente a mobilidade


dos empregados, causando uma série de efeitos anticompetitivos que têm sido objeto de
preocupação pelas autoridades mais recentemente. Nesse sentido, a Casa Branca, nos Estados
Unidos, emitiu um relatório em 2016, ressaltando que:
Além de reduzir a mobilidade profissional e o poder de barganha do trabalhador,
os acordos de não concorrência podem impactar negativamente outras empresas
ao restringir a fundo de mão de obra disponível. Os acordos de não concorrência
também podem impedir trabalhadores de abrirem novas empresas. Alguns críticos
também argumentam que esses acordos podem, na verdade, sufocar a inovação ao
reduzir a difusão de habilidades e ideias entre as empresas de uma região, o que
pode, por sua vez, impactar o crescimento econômico. Esses acordos também
podem ter um efeito prejudicial no bem-estar do consumidor ao restringir a sua
115
escolha.

99. Além disso, o relatório também destaca as seguintes razões pelas quais os
funcionários podem ser prejudicados por acordos de não concorrência: (i) quando cláusulas de
não concorrência são impostas a trabalhadores que provavelmente não possuem segredos
comerciais (em particular, posições de baixos salários); (ii) os trabalhadores são convidados a
assinar um termo de não concorrência somente após aceitar uma oferta de trabalho, quando
eles já recusaram outras ofertas e, portanto, têm menos poder de barganha para negociar; (iii)
as implicações e a aplicação da cláusula muitas vezes não são claras para os trabalhadores;
(iv) empregadores costumam escrever acordos de não concorrência que são excessivamente
amplos ou inexequíveis; (v) empregadores que exigem acordos de não concorrência, muitas
vezes não fornecem uma contrapartida além da promessa de continuidade no emprego; (vi)
em alguns casos, esses acordos podem impedir funcionários de encontrar novos empregos
mesmo quando são despedidos sem justa causa; (vii) em alguns setores, as cláusulas de não
concorrência podem ter um efeito prejudicial ao bem-estar ao restringir a escolha do
consumidor.116

100. Dentre as preocupações acima, destaca-se no âmbito concorrencial a de em


relação a qual funcionário a cláusula de não concorrência está sendo imposta. Nesse sentido,
nos Estados Unidos, pesquisas indicam que aproximadamente 15% dos trabalhadores sem
diploma universitário estão atualmente sujeitos a acordos desse tipo, e que 14% dos

                                                                                                               
113
Op. cit. HOVENKAMP, p. 9.
114
Op. cit. MARINESCU & HOVENKAMP, p. 1055.
115
ESTADOS UNIDOS, The White House, Washington, Non-Compete Agreements: Analysis of the Usage,
Potential Issues, and State Responses. Maio de 2016, p. 2, tradução nossa. Disponível em
https://millerlawpc.com/wp-content/uploads/2017/01/White-House-Report-on-Non-Compete-Agreements.pdf.
Acesso em 13/11/2020. Confira-se no original: “In addition to reducing job mobility and worker bargaining
power, non-competes can negatively impact other companies by constricting the labor pool from which to hire.
Non-competes may also prevent workers from launching new companies. Some critics also argue that non-
competes can actually stifle innovation by reducing the diffusion of skills and ideas between companies within a
region, which can in turn impact economic growth. Non-compete agreements may also have a detrimental effect
on consumer well-being by restricting consumer choice”.
116
Id., pp. 8-14.
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indivíduos que ganham menos de US $ 40.000 também estão sujeitos a eles.117 Tais fatos
contrapõe as justificativas de eficiência da cláusula, visto que, em relação a funcionários não
qualificados e de baixos salários, dificilmente se verificaria o efeito carona por outros
empregadores.

101. Diante disso, alguns autores sugerem banir as cláusulas de não concorrência para
empregados que recebem menos do que o salário médio de um determinado país, enquanto
outros sugerem que todos esses acordos sejam submetidos à uma proibição per se.118 De toda
forma, como pontua Hovenkamp, não parece irrazoável exigir que um empregador que se
utilize dessas cláusulas aponte precisamente as habilidades ou informações proprietárias que
um funcionário pode ter que justifiquem tal restrição substancial.119

102. Dessa forma, é necessário contrapor as razões que justificam a cláusula com a
restrição concorrencial por ela imposta, bem como a sua adequação ao caso concreto. Nesse
contexto, vale ressaltar a análise que o CADE já empreende em relação ao escopo material,
geográfico e temporal de cláusulas de não concorrência entre empresas inseridas em atos de
concentração.120

103. Dessa forma, também em relação ao controle de contudas, as cláusulas de não


concorrência firmadas entre empregador e empregado devem ser analisadas sob a regra da
razão considerando o seu potencial restritivo de mobilidade no mercado relevante de trabalho
afetado pela prática.

II.1.3.2.2. Outras Formas de Abusos do Poder de Monopsônio

104. Além das cláusulas de não concorrência vistas no tópico anterior, outras condutas
abusivas do poder de monopsônio do empregador também podem ocorrer no mercado de
trabalho. Dessa forma, neste tópico serão exploradas algumas possíveis práticas, de forma não
exaustiva.

105. Naidu, Posner e Weyl destacam que condutas anticompetitivas unilaterais


existentes no mercados de produtos também podem ter paralelos nos mercados de trabalho.
Nesse sentido, uma das condutas possíveis destacadas pelos autores é a prática de contratação
predatória, isto é, um empregador com posição dominante aumenta temporariamente os
salários acima do produto da receita marginal dos trabalhadores, impedindo, assim, a entrada

                                                                                                               
117
Idem p. 3.
118
“Embora sua legalidade e aplicabilidade dependam da jurisdição, acordos de não concorrência podem ser
usados por empresas que violem as leis de concorrência, para reduzir a mobilidade dos trabalhadores e
explorar o poder de monopsônio em certos mercados. Alguns comentaristas sugeriram a proibição de acordos
de não concorrência para funcionários que ganham "menos do que o salário médio" em um determinado país
(Krueger e Posner, 2018, p. 12), dado que nesses casos raramente são justificados pela proteção de segredos
comerciais ou pelos pesados investimentos em treinamento de trabalhadores pouco qualificados. Outros
comentaristas sugeriram tornar qualquer forma de acordo de não concorrência o objeto de uma proibição per
se (Steinbaum, 2018a). A Comissão Americana de Comércio (FTC) está agora considerando se a intervenção
regulatória pode ser apropriada.” (Op. cit. OCDE, p. 23, tradução nossa).
119
Op. cit. HOVENKAMP, pp. 9-10.
120
Enunciado 5 de Súmula do Cade e AC 08012.011602 2011-26.
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ou expansão de outras empresas que não conseguem contratar funcionários oferecendo o


salário no nível de um mercado competitivo.121

106. Já a conduta de fechamento de mercado, da mesma forma que em mercados de


produtos à jusante, pode ocorrer nos mercados de trabalho, principalmente após a
concentração gerada por fusões e aquisições. Nesse cenário, da mesma forma que um
fornecedor pode vender a compradores à jusante o produto mais caro, dando, assim, uma
vantagem competitiva a sua unidade verticalmente integrada, o empregador também pode
fazer o mesmo com a redução de benefícios trabalhistas.122

107. Ainda, compromissos de “paridade” salarial no mercado de trabalho também


podem gerar efeitos anticompetitivos. Há evidências de que uma promessa pública feita por
um empregador de que não se envolverá em discriminação salarial – que os salários serão
“travados”, com base em indicadores objetivos como antiguidade – enfraquece a competição
por trabalhadores e reduz os salários. Tal promessa desencoraja empregadores de competir
pelos empregados mais desajados, além de poder facilitar a colusão. Se todos os
empregadores souberem que seus concorrentes não pagarão a um trabalhador um salário
acima da taxa fixa, então os empregadores podem conspirar mais facilmente sobre os níveis
salariais, sabendo que se recusarem um salário mais alto a um determinado funcionário, eles
não precisam se preocupar com a possibilidade de um competidor o atrair com um salário
mais alto.123

108. Por fim, outras possíveis condutas anticompetitivas elencadas por Marinescu e
Posner são as seguintes:
(i) restrições à liberdade dos funcionários de divulgar informações sobre
salários e benefícios;
(ii) qualquer prática trabalhista injusta conforme definido na legislação
trabalhista;
(iii) classificação incorreta de funcionários como prestadores de serviços
autônomos;
(iv) proibição de ações coletivas e outras ações coletivas; ou
(v) qualquer outra ação que tenha o efeito de reduzir significativamente a
concorrência no mercado de trabalho por meio de restrições à mobilidade
dos empregados, exceto termos de emprego razoáveis, ou aumento da
concentração do mercado de trabalho.124

II.2. Aspectos Gerais da Infração de Troca de Informação Comercial


Concorrencialmente Sensível

II.2.1 Definição de Informação Concorrencialmente Sensível

109. Informações concorrencialmente sensíveis “são informações específicas (não


agregadas) e que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes

                                                                                                               
121
Op. cit. NAIDU et all, pp. 598-599.
122
Id, p. 599.
123
Id., pp. 599-600.
124
Op. cit. MARINESCU & POSNER, 2018, p. 14.
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econômicos”.125 São, portanto, dados de um determinado agente econômico – tais como


custos de produção, informações sobre precificação, clientes, fornecedores, estratégia
competitive entre outros – cujo compartilhamento com um concorrente poderia impactar na
sua atuação e em suas decisões comerciais.

110. Dentre as informações que podem ser consideradas concorrencialmente sensíveis,


é interessante destacar a lista não exaustiva constante no Guia para a Análise da Consumação
Prévia de Atos de Concentração Econômica do CADE:

a) custos das empresas envolvidas;


b) nível de capacidade e planos de expansão;
c) estratégias de marketing;
d) precificação de produtos (preços e descontos);
e) principais clientes e descontos assegurados;
f) salários de funcionários;
g) principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados;
h) informações não públicas sobre marcas e patentes e Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D);
i) planos de aquisições futuras;
j) estratégias competitivas, etc.126

111. Ademais, para que a informação tenha o potencial de interferir na estratégia dos
rivais, o dado deve ser recente ou relativo ao futuro. Isto porque a informação relativamente
antiga usualmente não provê indicações claras sobre como o competidor vem se comportando
ou como se comportará, de maneira a permitir acomodação competitiva pautada neste dado,
ainda que por decisão unilateral.

112. Informações futuras são as previstas para transações econômicas ainda não
ocorridas, enquanto que as recentes são aquelas ocorridas há pouco tempo em relação ao
momento em que são compartilhadas. O que se entende por pouco tempo depende do setor
econômico, já que isso varia segundo o tipo de negócio. Setores cujo conhecimento fica
superado mais rapidamente (alta tecnologia) tendem a tornar irrelevantes informações
concorrencialmente estratégicas em prazos mais curtos que dados relativos a negócios com
longos períodos de maturação.127

113. Não existe precedente do CADE para condenação de troca de informação sensível
como um ilícito autônomo, mas autoridades europeias costumam adotar a mesma posição aqui
sustentada, indicando que o prazo para a informação ser considerada histórica depende do
mercado em questão. Em precedente tratando de máquinas agrícolas, considerou-se
informação recente a que se referisse a fatos inferiores a um ano:

“Em um mercado em que a demanda é estável ou está em declínio, como é o caso


do mercado de tratores agrícolas no Reino Unido, as previsões das ações futuras
                                                                                                               
125
CADE, Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica, 2015, p. 7.
Disponível em http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/gun-
jumping-versao-final.pdf. Acesso em 18/11/2020.
126
Id.
127
Neste sentido, o voto do Conselheiro Eduardo Pontual no AC nº 08012.011602/2011-26, incorporação do
Grupo Mais pela Rede D´Or.
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dos concorrentes podem ser amplamente determinadas com base em transações


passadas. Todos os efeitos restritivos das trocas de informações acima resultam da
observação das ações e desempenho dos concorrentes no passado. Quanto mais
precisas e mais recentes forem as informações sobre as quantidades vendidas e as
quotas de mercado, maior o impacto dessas informações no comportamento futuro
das empresas no mercado (ver o acórdão do da Corte Europeia de Justiça em
Case 172/80, Zuchner v. Bayerische Vereinsbank AG [ 1981 ] ECR, p. 2021 0)

No entanto, a Comissão aceita que, a partir de um determinado momento, as


informações de mercado relativas às transações passadas se tornem
verdadeiramente históricas e não tenham mais nenhum impacto real no
comportamento futuro. No presente caso, a Comissão considera que o intercâmbio
de dados de vendas ocorridas há mais de um ano de concorrentes individuais no
Reino Unido, região do Ministério da Agricultura, e nível de uso da terra, com
agrupamentos estatísticos, pode ser aceita como dados comerciais sem efeitos
apreciáveis de distorção da concorrência entre os fabricantes ou entre os
revendedores que operam no mercado do Reino Unido.128”

114. Nos Estados Unidos, utiliza-se como referência para caracterizar a informação
recente no mercado de cuidados com a saúde o prazo de três meses.129 O documento feito pelo
Federal Trade Commision (FTC) e pelo Department of Justice (DOJ), intitulado Declarações
da Política de Fiscalização Antitruste na Área da Saúde, serve como balizador geral sobre
infração de troca de informação sensível naquele país.

115. Ademais, registre-se que influencia o potencial deletério de troca de informações


concorrencialmente sensíveis a frequência com que se dariam os intercâmbios. Trocas
frequentes são mais gravosas que a interação episódica, visto que é mais fácil prever e se
alinhar a comportamentos – trocas infrequentes aumentam incerteza sobre conhecimento de
comportamento do rival.

116. Outro fator relevante para a sensibilidade concorrencial da informação é a


especificidade do dado. Informações agregadas de mercado, é dizer, aquelas que apresentam
indicadores de mesmo tipo obtidos a partir do tratamento matemático dispensado a dados de
diferentes agentes econômicos permitem menos previsibilidade e por isso são menos
propensas a desencadear monitoramentos de mercado instrumentais a efeitos colusórios ou
tendentes à cartelização. No extremo oposto, informações vinculadas nominalmente a
                                                                                                               
128
Tradução livre de “In a market where demand is stable or declining as is the case for the agricultural tractor
market in the United Kingdom, forecasts of competitors' future actions can largely be determined on the basis of
past transactions. All the restrictive effects of the Exchange described above depend on the observation of
competitors' actions and performance in the past. The more accurate and the more recent the information on
quantities sold and on market shares, the more impact this information has on future behaviour of the firms in
the market (see the judgment of the Court of Justice in Case 172/80, Zuchner v. Bayerische Vereinsbank AG [
1981 ] ECR, p. 2021 0).
However, the Commission accepts that from a certain point in time, market information relating to past
transactions becomes truly historic and no longer has any real impact on future behaviour. In the present case,
the Commission considers that an annual exchange of one-year-old sales figures of individual competitors at the
United Kingdom, MAFF region and land use level and with a breakdown by model can be accepted as
commercial data with no appreciable distorting effect on competition between the manufacturers or between the
dealers operating on the United Kingdom market” (COMISSÃO EUROPEIA, Case IV/31.370, UK Agricultural
Tractor Registration Exchange, parágrafo 50).
129
FTC/DoJ Statements of Antitrust Enforcement Policy in Health Care, p. 45. Disponível em
https://www.justice.gov/atr/page/file/1197731/download, consulta em 16.01.2020.
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específico agente econômico ou a estabelecimento geograficamente individualizado


possibilita comportamento estratégico de proteção de lucratividade via aumento da certeza
quanto a reação de potenciais contestadores de mercado. Por isso se entende que o
intercâmbio de informações de matéria sensível, recente e desagregada deve ser considerado
infração à ordem econômica.

117. Por fim, a estrutura e a dinâmica do mercado também influenciam no dano à


concorrência ocasionado pela prática. Embora o mercado de muitos agentes não impeça o
efeito anticoncorrencial da troca de informação recente ou futura, desagregada e frequente, é
conhecido que o risco colusivo é maior em mercados concentrados. Além disso, a fim de
verificar a ilicitude das trocas, é importante levar em consideração, por exemplo, a
transparência do mercado, a simetria entre os concorrentes, as características do produto (a
colusão é facilitada quando os produtos são homogêneos), a dinâmica do mercado (mercados
que mudam com frequência tendem a gerar maior incerteza e criar uma série de incentivos a
diversos agentes, dificultando efeitos colusivos) e a inovação (quanto menor, mais fácil a
coordenação entre concorrentes)130.

II.2.1 A Infração Autônoma de Troca de Informações Concorrencialmente Sensíveis

118. Devido à sensibilidade comercial inerente aos tipos de dados visto no tópico
anterior, o seu intercâmbio entre competidores pode ensejar preocupações concorrenciais.
Nesse sentido, a prática de troca de informações sensíveis entre concorrentes pode se
enquadrar, em geral, em três diferentes cenários dentro do antitruste, conforme explica a
OCDE:

(i) como parte de um arranjo mais amplo de fixação de preços ou


divisão de mercado onde o intercâmbio de informações funciona
como um vetor de facilitação;
(ii) no contexto de um acordos amplos de cooperação como formação de
joint ventures, esforços de padronização e/ou pesquisa e
desenvolvimento de nova tecnologias;
(iii) como uma prática isolada na qual a troca das informações é o único
ato de cooperação entre os competidores.131

119. A troca de informações comerciais do primeiro tipo, como parte de um arranjo


mais amplo de fixação de preços ou divisão de mercado, é de ocorrência muito frequente na
casuística do Cade. Com efeito, uma das características comuns de cartéis institucionalizados
(também chamados de hardcore cartels) é a existência de mecanismos de monitoramento para

                                                                                                               
130
Neste sentido Guía COFECE para para el Intercambio de Informacion entre Agentes Económicos e CE
Guidelines on the Applicability of Art. 101 of the TFUE.
131
Tradução livre de “Generally, information exchanges among competitors may fall into three different
scenarios under competition rules: (i) as a part of a wider price fixing or market sharing agreement whereby the
exchange of information functions as a facilitating factor; (ii) in the context of broader efficiency enhancing
cooperation agreements such as joint venture, standardization or R&D agreements; or (iii) as a stand-alone
practice, whereby the exchange of information is the only cooperation among competitors” (OCDE, Information
Exchanges Between Competitors under Competition Law, 2010. Disponível em
http://www.oecd.org/competition/cartels/48379006.pdf, consulta em 9.1.2020).
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coibição das condutas que se desviem do planejado pelo arranjo de coordenação. Ainda, a
própria organização ou negociação dos termos do acordo anticompetitivo frequentemente
envolve a troca de informações sensíveis entre os concorrentes. Nesse âmbito, o
compartilhamento de dados sensíveis é um meio para a viabilização, implementação ou
monitoramento do cartel.132

                                                                                                               
132
Outros casos do mesmo tipo, com troca de informações sensíveis instrumentalizando meios de enforcement
do arranjo manipulador de mercado: PA nº 08700.001422/2017-73, julgado na 165ª SOJ realizada em
23/09/2020, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre forros e perfis de
PVC, PA nº 08700.007938/2016-41, julgado na 151ª SOJ realizada em 11/12/2019, no qual se apurou
cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços, reajuste de preços, produção e
faturamento no mercado nacional de módulos de airbags, cinto de segurança e volantes de direção. PA nº
08012.004280/2012-40, julgado na 148º SOJ realizada em 30/10/2019, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre propostas comerciais em licitações para contratação de serviços
terceirizados de tecnologia da informação, conduzidas por órgãos e empresas públicas sediados no Distrito
Federal. PA nº 08700.004617/2013-41, julgado na 146ª SOJ realizada em 08/07/2019, no qual se apurou
cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços, reajuste de preços, produção e
faturamento em licitações públicas destinadas à aquisição de material rodante e sistemas auxiliares e manutenção
de trens e metrô. PA nº 08700.010769/2014-64, julgado na 140ª SOJ realizada em 10/04/2019, no qual se apurou
cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preço de revenda de postos concorrentes e de
distribuidoras, entre outros no mercado de distribuição e revenda de combustíveis automotivos em Belo
Horizonte/MG e municípios vizinhos. PA nº 08700.004073/2016-61, julgado na 141ª SOJ realizada em
24/04/2019, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços praticados
no mercado nacional de amortecedores dianteiros e traseiros no setor automobilístico. PA nº
08012.011980/2008-12, julgado na 138ª SOJ realizada em 27/02/2019, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre preços praticados, custo de produtos, expectativas futuras acerca de
produtos, estoque das empresas, entre outros, no mercado de transistores de película fina para painéis de cristal
líquido (thin film transistor liquid crystal display – TFT-LCD). PA nº 08012.001377/2006-52, julgado na 137ª
SOJ realizada em 13/02/2019, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre
preços, propostas comerciais, tabelas de alocação de projetos por concorrente no mercado de comercialização de
produtos destinados à transmissão e distribuição de energia elétrica no âmbito do sistema elétrico de potência.
PA nº 08012.001395/2011-00, julgado na 136ª SOJ realizada em 30/01/2019, no qual se apurou cartelização
reforçada por troca de informações sensíveis sobre custo, preço, política comercial, entre outros, no mercado de
unidades de discos ópticos. PA nº 08700.002632/2015-17, julgado na 135ª SOJ realizada em 05/12/2018, no qual
se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços praticados no mercado de
serviço de emplacamento de veículos no município de Salvador. PA nº 08012.002414/2009-92, julgado na 128ª
SOJ realizada em 22/08/2018, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre
vendas e preços praticados no mercado internacional de tubos para imagem colorida. PA nº 08012.001376/2006-
16, julgado na 127ª SOJ realizada em 08/08/2018, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de
informações sensíveis sobre atuais e futuros projetos no mercado internacional de aparelhos eletroeletrônicos de
direcionamento de fluxo de energia elétrica com isolamento a gás (Sistemas GIS). PA nº 08012.004674/2006-50,
julgado na 126ª SOJ realizada em 04/07/2018, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações
sensíveis sobre preços e clientes no mercado de embalagens flexíveis. PA nº 08012.009382/2010-90, julgado na
106ª SOJ realizada em 07/06/2017, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis
sobre estratégias comerciais e preços praticados em licitações de serviços de execução de obras públicas no
Paraná. PA nº 08012.005255/2010-11, julgado na 95º SOJ realizada em 23/11/2016, no qual se apurou
cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços, capacidade de produção, estratégias de
venda, entre outras, no mercado internacional de memória dinâmica de acesso aleatório. PA nº
08012.005930/2009-79, julgado na 94ª SOJ realizada em 09/11/2016, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre preços, condições de mercado e de produção no mercado de
componentes de vidro para tubos de raios catódicos. PA nº 08012.003321/2004-71, julgado na 83ª SOJ realizada
em 13/04/2016, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços
praticados em licitações promovidas pelo Ministério da Saúde para aquisição de hemoderivados. PA nº
08012.001127/2010-07, julgado na 82ª SOJ realizada em 30/03/2016, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre ocupação da capacidade instalada, vendas, participação no mercado,
entre outras, mercado internacional de mangueiras marítimas. PA nº 08012.000820/2009-11, julgado na 81ª SOJ
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120. Além disso, dentro desse contexto mais amplo de um acordo de fixação de preços
ou de divisão de mercado, é possível que a troca de informações comercialmente sensíveis
entre concorrentes se dê de forma indireta, isto é, por meio de um terceiro facilitador do
cartel. Este é o caso de associações e sindicatos que facilitam a organização ou o
monitoramento de conluio e acabam se transformando em fóruns de encontro de membros do
cartel.133

121. Quanto à troca de informações que tem azo em situações do tipo (ii) referido na
citada publicação da OCDE, ou seja, no contexto de alianças de cooperação, como a formação
de joint ventures, esforços de padronização e ou pesquisa e desenvolvimento de nova
tecnologias também é muito frequente na casuística da autoridade da concorrência brasileira
em sede de controle de concentrações.

122. Em verdade, “reconhece-se que qualquer ato de concentração implica algum nível
de troca de informações entre os agentes, especialmente na condução de auditorias legais (due
diligence) que geralmente precedem fusões e aquisições”.134 É razoável, ainda, que algum
intercâmbio de dados seja necessário para negociar os termos da cooperação comercial
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
realizada em 16/03/2016, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre
níveis de produção, custos, condições de negociação com clientes, entre outras, no mercado internacional de
compressores herméticos. PA nº 08012.001029/2007-66, julgado na 80ª SOJ realizada em 24/02/2016, no qual se
apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre vendas realizadas e expectativa de vendas
mercado internacional de perboratos de sódio. PA nº 08012.011791/2010-56, julgado na 79ª SOJ realizada em
03/02/2016, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços e clientes
no mercado de autoescolas e despachantes no município de Santa Bárbara D’Oeste/SP. PA nº
08012.008850/2008-94, julgado na 79ª SOJ realizada em 03/02/2016, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre preços, propostas comerciais, carteira de contratos, entre outros, em
licitação para prestação de serviços de lavanderia para hospitais públicos no município do Rio de Janeiro. PA nº
08012.008821/2008-22, julgado na 78º SOJ realizada em 20/01/2016, no qual se apurou cartelização reforçada
por troca de informações sensíveis sobre preços e estratégias comerciais em licitações para aquisição de insumos
de medicamentos antirretrovirais. PA nº 08700.011276/2013-60, julgado na 75º SOJ realizada em 11/11/2015,
no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre vendas, estratégias comerciais,
entre outras, no mercado nacional de portas de segurança detectoras de metais. PA nº 08012.001273/2010-24,
julgado na 73ª SOJ realizada em 16/09/2015, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações
sensíveis sobre preços e custos em licitações de aquecedores solares da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do estado de São Paulo. PA nº 08012.009462/2006-69, julgado na 71ª SOJ realizada em
19/08/2015, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre volume de
produção no mercado nacional de fabricação e comercialização de brinquedos. PA nº 08012.007818/2004-68,
julgado na 68ª SOJ realizada em 14/07/2015, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações
sensíveis sobre clientes, volume de vendas e preços praticados no mercado brasileiro de peróxidos de hidrogênio.
PA nº 08012.008847/2006-17, julgado na 65ª SOJ realizada em 20/05/2015, no qual se apurou cartelização
reforçada por troca de informações sensíveis sobre preços praticados no mercado de revenda de combustíveis no
município de Vitória e região metropolitana. PA nº 08012.010932/2007-18, julgado na 59ª SOJ realizada em
25/02/2015, no qual se apurou cartelização reforçada por troca de informações sensíveis sobre preço e volume de
vendas no mercado de mangueiras marítimas de borracha.
133
A título de exemplo, confira-se o Processo Administrativo nº 08012.005882/2008-38, no qual se apurou uma
conduta colusiva com efeitos sobre toda a cadeia de produção e refino de sal comum no ocorreu no mercado
brasileiro, pelo menos, entre 1992 e 2012. Os envolvidos se reuniam frequentemente com o objetivo de definir
os preços praticados, controlar a oferta do produto e dividir o mercado entre si. A prática dessas condutas
contava com o apoio de uma associação e dois sindicatos do setor – Siesal, Simorsal e Abersal –, que
incentivavam a adoção de tabelas de preços e atuavam diretamente na organização e no monitoramento do
conluio.
134
CADE, Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica, 2015, p. 7.
Disponível em http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/gun-
jumping-versao-final.pdf. Acesso em 18/11/2020.
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legítima entre os concorrentes, como, por exemplo, as responsabilidades e as obrigações de


cada parte em uma joint venture.

123. Nesses cenários, verifica-se que o compartilhamento de informações é


instrumental à negociação e desenvolvimento de uma determinada iniciativa comercial. Isto
não quer dizer, contudo, que as requerentes de um ato de concentração podem compartilhar
livremente informações entre si. Pelo contrário, nos termos do art. 106, § 2º, do Regimento
Interno do CADE, é vedada a troca de informações concorrencialmente sensíveis que não seja
estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes.135

124. A preocupação antitruste, assim, é evitar que dados sensíveis sejam


desnecessariamente transmitidos entre as partes, de forma que a concorrência entre elas não
fique prejudicada caso o ato de concentração não seja consumado (seja por falta de aprovação
do Cade, seja por questões inerentes à própria negociação).136 Nesse sentido, o abuso na troca
de informações concorrencialmente sensíveis entre as empresas pode configurar a prática de
gun jumping, isto é, a infração de consumação de atos de concentração econômica
previamente ao aval da autoridade.

125. O Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração


Econômica do CADE elenca várias providências a serem tomadas pelas partes para minimizar
as preocupações concorrenciais na troca de informações sensíveis durante a negociação da
concentração tais como, agregação/anonimização dos dados para apresentação às
contrapartes, apresentação de dados com certa defasagem de tempo e também o
estabelecimento de clean teams e parlor rooms (em especial para operações mais complexas,
em que há necessidade de maior troca de informações entre as partes).137

126. A jurisprudência do CADE, ademais, também traz diversos exemplos de


mecanismos para diluir as preocupações concorrenciais ocasionadas por trocas de informação
entre competidores no âmbito de atos de concentração.138

127. Já na terceira situação (iii), a troca de informações concorrencialmente sensíveis é


um ilícito autônomo, ou seja, sem prova de instrumentalidade deste comportamento para
arranjo anticompetitivo maior ou para lícita cooperação empresarial entre competidores.

                                                                                                               
135
CADE, Regimento Interno, art. 106, § 2º As partes deverão manter as estruturas físicas e as condições
competitivas inalteradas até a apreciação final do Cade, sendo vedadas, inclusive, quaisquer transferências de
ativos e qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações
concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que
vincule as partes. Disponível em http://www.cade.gov.br/assuntos/normas-e-
legislacao/REGIMENTOINTERNODOCONSELHOADMINISTRATIVODEDEFESAECONOMICAINDICES
ISTEMATICOAtualizado.pdf. Acesso em 18/11/2020.
136
Op. cit. CADE, 2015, p. 7.
137
Id. CADE, 2015, pp. 8 e 10-11.
138
Veja-se como exemplo os acordos avaliados nos atos de concentração nº 08700.004588/2018-22 (arranjo
cooperativo para uso de porões da companhia aérea azul pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos),
08700.010266/2015-70 (operação conjunta de planta pelas concorrentes SicBrás e Saint Gobain) e
08700.008607/2014-66 (comercialização conjunta, por GSK e Novartis, de produtos de consumo para cuidados
com a saúde isentos de prescrição médica), todos prenhe de mecanismos de trocas de informações comerciais
concorrencialmente sensíveis entre competidores, sempre instrumentais ao escopo de desenvolvimento de uma
terceira iniciativa empresarial.

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128. A experiência antitruste registra que a simples circulação de informação recente


operacionalizada por certos tipos de agentes acerca de determinados temas carregam consigo
grande risco de gerar de efeitos anticompetitivos, quais sejam: a já vista facilitação de
colusões expressas ou tácitas – já que os dados, quando concorrencialmente sensíveis,
estabelecem parâmetros, induzem mimetização e permitem retaliação de desviantes –, ou a
redução de incerteza, com reflexo no ímpeto competitivo. Nos dois casos o resultado é a
redução de transações no mercado, o que é contrário ao papel que se espera de uma ordem
econômica eficiente.

129. Inicialmente, cumpre destacar que é possível que a troca de informações


concorrencialmente sensíveis possa servir como prova de um acordo anticoncorrencial para
fixar preços ou dividir mercado, seja ele expresso ou tácito. Neste cenário, comprovado o
pacto subjacente, a conduta é perseguida como um caso comum de cartel (i), uma vez que o
compartilhamento de informações é instrumental ao acordo anticompetitivo, e não uma
infração autônoma.

130. A seguir, portanto, será analisada apenas a conduta autônoma de troca de


informações concorrencialmente sensíveis, isto é, quando não se verifica o acordo para fixar
variáveis competitivas – como o preço, clientes, entre outros.

131. A troca de informações sensíveis, por si só, pode prejudicar a concorrência na


medida em que permite que competidores tomem conhecimento das estratégias de mercado
uns dos outros. Assim, há a redução de incertezas, de modo que os riscos inerentes à
concorrência são diluídos e substituídos por uma tendência de uniformização das condutas no
mercado em questão.

132. Dessa forma, o problema antitruste é que a troca de informações


concorrencialmente sensíveis incentiva o parelelismo na atuação dos competidores mesmo
que ausente um acordo anticompetitivo explícito de fixar preços ou dividir o mercado. Isto
porque, se diferentes empresas têm acesso às estratégias, presentes ou futuras, umas das
outras, o ímpeto competitivo entre elas é afetado.

133. Nesse sentido, no âmbito europeu, a troca de informações concorrencialmente


sensíveis entre concorrentes é um exemplo clássico de prática concertada:
Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a
noção de prática concertada refere-se a uma forma de coordenação entre empresas
que, sem se ter desenvolvido até ao estágio da celebração de uma convenção
propriamente dita, substitui cientemente os riscos da concorrência por uma
cooperação prática entre elas. […]
Se é verdade que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores
económicos de se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou
previsto dos seus concorrentes, opõe-se todavia rigorosamente a qualquer
estabelecimento de contactos directos ou indirectos entre tais operadores, que tenha
por objectivo ou efeito conduzir a condições de concorrência que não
correspondam às condições normais do mercado em causa, atendendo à natureza
dos produtos ou das prestações fornecidas, à importância e ao número das empresas
e ao volume do referido mercado. Tal impede qualquer contacto directo ou
indirecto entre esses operadores, que tenha por objecto ou efeito quer influenciar o
comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial quer revelar a
esse concorrente o comportamento que se decidiu adoptar ou que se tenciona
adoptar no mercado, favorecendo assim a adopção de um comportamento colusivo
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no mercado. Assim, o intercâmbio de informações pode constituir uma prática


concertada se reduzir a incerteza estratégica no mercado, favorecendo deste modo
um comportamento colusivo, por exemplo, se os dados objecto do intercâmbio
forem relevantes de um ponto de vista estratégico. Consequentemente, a partilha de
dados estratégicos entre concorrentes equivale a uma concertação, visto que reduz a
independência do comportamento dos concorrentes no mercado e diminui os seus
incentivos para concorrer139

134. Dessa forma, mesmo que ausente um acordo em relação às variáveis comerciais, é
possível que a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes
configure uma prática concertada na medida em que as empresas substituem,
conscientemente, os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas.

135. A prática concertada, assim, é uma forma de colusão e possui a mesma natureza
que os acordos anticompetitivos, de modo que ambos destinguem-se apenas pela sua
intensidade e pela forma que se manifestam.140 Na conduta concertada, embora ausente o
acordo, verifica-se de toda forma a cooperação colusiva entre as empresas. Considere-se, por
exemplo, um cenário hipotético em que competidores, ainda que não pactuem que irão
praticar determinado preço no mercado, enviem com frequência um ao outro os preços atuais
que estão praticando e projeções para a semana subsequente. Mesmo que ausente o pacto de
fixação de preço, o conhecimento da variável sensível de um concorrente impreterivelmente
impacta na decisão comercial da própria empresa e danifica o ímpeto competitivo entre
ambas, ocasionando um resultado de sobrepreço similar ao se houvesse um acordo
anticompetitivo expresso.

136. Nesse sentido, no cenário europeu, presume-se, sem prejuízo de prova em


contrário apresentada pelas partes investigadas, que as empresas que participam na
concertação e que continuam ativas no mercado levam em conta as informações trocadas com
os seus concorrentes para determinar o seu comportamento no mercado, ainda mais quando a
prática tiver existido de forma regular e durante um longo período.141

137. Além disso, é possível que a troca de informações sensíveis cause um fechamento
anticompetitivo de mercado. Isto pode ocorrer quando o intercâmbio de dados colocam
concorrentes não afiliados à prática em significativa desvantagem competitiva em
comparação com as empresas participantes do sistema de compartilhamento. Este tipo de
fechamento somente é possível se a informação em questão é especialmente estratégica e
compreende uma parte significativa do mercado relevante. Tal conduta pode, ainda, afetar
terceiros em mercados relacionados, situados, por exemplo, no mercado à montante ou à
jusante.142

                                                                                                               
139
COMISSÃO EUROPEIA, Orientações sobre a aplicação do artigo 101 do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia aos acordos de cooperação horizontal, parágrafos 60 e 61, Jornal Oficial da União Europeia,
14/01/2011. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52011XC0114(04)&from=EN. Acesso em 23/11/2020.
140
Tribunal de Justiça Europeu, Acórdão de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P,
Colet., p. I‑4125, n.° 131.
141
Tribunal de Justiça Europeu, Acórdão de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I 4287,
n.os 161 a 163.
142
Op. cit. COMISSÃO EUROPEIA, 2011, pp. 15-16.
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138. Não obstante, nem sempre o compartilhamento de informações tem efeitos


anticompetitivos, pelo contrário, é possível que esteja associado a consequências pró-
competitivas. Cupre destacar, assim, que o termo “troca de informações” é uma expressão
ampla que engloba diversas condutas que podem ser colusivas, unilaterais, multilaterais, bem
como se dar entre concorrentes, entre participantes de relações comerciais verticais, entre
associados, ou entre empresas e consumidores. Desse modo, o intercâmbio de determinadas
informações entre certos tipos de agentes pode ser favorável competitivamente ou, ainda, não
ter quaisquer efeitos concorrenciais.

139. A troca de informações, assim, pode gerar ganhos de eficiência e reduzir


assimetrias informacionais, tornando os mercados mais eficientes. As empresas podem
melhorar as operações internas comparando-as com as melhores práticas dos concorrentes,
bem como diminuir ineficiências, contribuir com economias e lidar com demandas instáveis.
Os consumidores, ainda, podem ser favorecidos pela prática na medida em que a maior
disponibilidade de informações reduz os seus custos de pesquisa e aumenta suas
possibilidades de escolha.143

140. A prática pode, ainda, estar inserida em contextos mais complexos como, por
exemplo, ser inserida dentro de um ambiente legítimo de relações comerciais. Desse modo, é
possível que a troca de informações concorrencialmente sensíveis se dê de forma indireta, isto
é, por meio de intermediário, como um fornecedor ou distribuidor em comum, o que
complexifica a análise.144

141. O desafio, então, é identificar quando a troca de informação levanta preocupações


concorrenciais e distinguir estas situações de outras que são competitivamente neutras ou até
benéficas. Nesse sentido, no âmbito estadunidense, o Guia Antitruste de Cooperações
Horizonatais destaca que a preocupação concorrencial depende do tipo de informação
compartilhada:
A preocupação competitiva depende da natureza das informações compartilhadas.
Outras coisas sendo iguais, o compartilhamento de informações relacionadas a
preço, produção, custos ou planejamento estratégico é mais provável de suscitar
preocupação competitiva do que o compartilhamento de informações relacionadas a
questões menos sensíveis do ponto de vista variáveis. Da mesma forma, outras
coisas sendo iguais, o compartilhamento de informações sobre o funcionamento
atual e os planos de negócios futuros têm mais probabilidade de levantar
preocupações do que o compartilhamento de informações históricas. Finalmente,
mantendo-se as outras coisas iguais, o compartilhamento de dados individuais da
empresa é mais provável de aumentar preocupação do que o compartilhamento de
dados agregados que não permitem que os destinatários identifiquem dados da
empresa.145

142. Verifica-se, portanto, que a preocupação antitruste surge especialmente em


relação ao compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis conforme
definidas no tópico anterior, ou seja, “informações específicas (por exemplo, não agregadas) e

                                                                                                               
143
Id, p. 13.
144
Veja: GALVÃO, Luiz Antônio e CARVALHO, Vinícius Marques de. Troca indireta de informações entre
concorrentes: os limites do ilícito concorrencial. 2018.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
145
Federal Trade Commission and the U.S. Department of Justice. Antitrust Guidelines for Collaborations
Among Competitors. Abril de 2000, pp. 15-16.
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que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos”146
entre empresas que competem umas com as outras.

143. Dessa forma, sem ter a pretensão de criar uma teoria geral sobre a prática, e
reforçando a necessidade de uma análise caso a caso,147 traça-se abaixo alguns parâmetros
relevantes acerca da infração autônoma de troca de informações concorrencialmente sensíveis
no ordenamento brasileiro.

144. Como visto ao longo deste tópico, a preocupação é que o compartilhamento de


informações concorrenciais sensíveis entre concorrentes incentive a uniformização da atuação
destes. Tal situação, contudo, é distinta de um mero paralelismo de preços na medida em que
não decorre de condições naturais do mercado, mas sim de um mecanismo artificial que
prejudica a concorrência, qual seja, o intercâmbio de dados sensíveis. Nesse sentido:
Consideramos que não merece prosperar argumentação segundo a qual em não
sendo punível a colusão tácita (ou mero paralelismo) também não o seria a troca de
informações entre concorrentes que a facilita ou incentiva. Embora o mero
paralelismo não seja punível por poder decorrer de comportamento legítimo e
economicamente plausível de players no mercado, o acordo entre concorrentes para
troca de informações que possa facilitar essa colusão merece investigação e
eventual punição, uma vez que pode configurar conduta apta a limitar, falsear ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa.148

145. Em tais cenários, mesmo que ausente o acordo para fixar variáveis competitivas
ou dividir mercado, verifica-se a ocorrência de uma colusão tácita entre os participantes da
troca de informações sensíveis. Importa ressaltar que o termo “colusão” e até mesmo “cartel”
são amplos em seu significados e abrangem, não só acordos anticompetitivos expressos e
implícitos, como também outras práticas colusivas. Como explica a própria Cartilha do
CADE, o termo “cartel” engloba tanto acordos como práticas concertadas:
Cartel é qualquer acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços,
dividir mercados, estabelecer quotas ou restringir produção, adotar posturas pré-
combinadas em licitação pública, ou que tenha por objeto qualquer variável
concorrencialmente sensível.149

146. Ainda que a jurisprudência e a doutrina tipicamente utilizem o termo “cartel”


apenas em relação a acordos para fixar preços ou dividir mercados, cumpre ressaltar que a

                                                                                                               
146
CADE, Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica, 2015, p. 7.
Disponível em http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/gun-
jumping-versao-final.pdf. Acesso em 18/11/2020.
147
Nesse sentido: “É difícil elaborar regras gerais e teóricas para distinguir uma troca restritiva de
informações de uma troca de informações que é pelo menos neutra, se não pró-competitiva e que aumenta a
eficiência, do ponto de vista da política de concorrência. A abordagem deve ser caso a caso e não pode ignorar
o contexto econômico no qual os participantes da troca de informações estão presentes. A literatura econômica
identificou casos em que o aumento artificial da transparência é um fator que leva ao conluio e outros em que o
aumento da transparência é pró-concorrência e, portanto, deve ser aprimorado.” (OCDE, Information
Exchanges Between Competitors under Competition Law, Policy Roundtables, 2010, p. 53, tradução nossa).
148
MONTEIRO, Alberto Afonso. Troca de informações entre concorrentes: limites e possibilidades da
configuração de prática anticoncorrencial autônoma. Revista do IBRAC: Direito da Concorrência, Consumo e
Comércio Internacional, São Paulo, v. 23, p. 97-115, p. 102, jan.-jun. 2013
149
CADE, Cartilha do CADE, Atualização Maio de 2016, p. 14. Disponível em http://www.cade.gov.br/acesso-
a-informacao/publicacoes-institucionais/cartilha-do-cade.pdf. Acesso em 24/11/2020.
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troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes pode gerar o mesmo


efeito anticoncorrencial que as práticas geralmente classificadas como cartéis. Nesse sentido:
Ainda que os players de um mercado não fixem um preço ou dividam um
mercado expressamente, há certos tipos de informações que, uma vez
compartilhadas, têm o mesmo efeito de um cartel, sendo essa, inclusive, a
racionalidade por trás da troca. Por exemplo, numa cotação eletrônica de preços
conhecer o valor piso de um concorrente bem como qual a sua posição almejada
(para efeitos da quantidade a ser fornecida) impacta diretamente na decisão da outra
empresa dos lances/propostas que irá apresentar, prejudicando, sem sombras de
dúvidas, a concorrência. Não deixa, pois, de ser um ajuste, uma manipulação do
mercado, entre concorrentes, na medida em que as informações deste tipo são
compartilhadas justamente para que possam adequar seus lances/propostas aos
interesses ilícitos comuns. O que se pretende deixar claro aqui é que o prazo
prescricional de cinco anos só está sendo aplicado à BenQ porque a informação
compartilhada refere-se, exclusivamente, à pontuação de qualidade atribuída pela
Dell a seus fornecedores, e não há outras evidências para contextualizar esses e-
mails dentro de uma prática mais ampla, como de cartel.150

147. Dessa forma, verifica-se que a troca de informações concorrencialmente sensíveis


entre competidores pode configurar uma colusão, em sentido amplo, na medida em que
promove uma prática concertada ou de uniformização de condutas, aproximando-se, por
conseguinte, de acordos de fixação de preço ou divisão de mercado e outros casos de
cartelização. Nesses cenários, a infração autonôma de compartilhamento de informações
sensíveis pode se enquadrar na conduta geral prevista no art. 36, Lei n. 12.529/2011, inciso I –
“limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa” –
ou até, na previsão mais específica do § 3º do mesmo artigo, inciso II – “promover, obter ou
influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes”.

148. Por outro lado, é possível que a troca de informações concorrencialmente


sensíveis entre competidores seja uma conduta unilateral de um agente que disponibiliza
informações a terceiros, o que modifica a análise e afasta a prática da natureza colusiva. Ou,
ainda, o compartilhamento de dados pode se dar entre agentes que não são concorrentes,
como dentro de uma relação comercial vertical, porém, mesmo assim causar efeitos
anticompetitivos, por exemplo, um fechamento de mercado a jusante ou a montante,
enquadrando-se, assim, na conduta do art. 36, § 3º, inciso III – limitar ou impedir o acesso de
novas empresas ao mercado.

149. De todo modo, a infração autônoma de troca de informações concorrencialmente


sensíveis entre concorrentes, na medida em que configurar uma infração à ordem econômica
nos termos do art. 36 da Lei n. 12.529/2011,151 deve ser investigada e devidamente punida
pela autoridade antitruste, considerando-se as particularidades e o enquadramento legal de
cada caso. Diante da complexidade do tema, no tópico seguinte, serão tecidas algumas
considerações sobre a regra de análise aplicável à prática em questão.

                                                                                                               
150
CADE, Processo Administrativo nº 08012.001395/2011-00 (Optical Disk Drivers), Voto do Conselheiro
Relator João Paulo Resende.
151
Lei n. 12.529/2011, Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos
sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não
sejam alcançados: [...]
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II.2.1.1. Regra de Análise Aplicável à Infração Autônoma de Troca de Informações


Concorrencialmente Sensíveis

150. Como visto no tópico anterior, a infração autônoma de troca de informações


concorrencialmente sensíveis engloba várias condutas distintas com particularidades que
modificam substancialmente a análise. Em face dessa diversidade, surge a questão sobre a
regra de análise aplicável ao escrutínio antitruste, em especial, se algumas formas de
compartilhamentos de dados devem ou não ser considerados um ilícito por objeto.

151. Inicialmente, cumpre destacar que o ilícito por objeto adotado no Brasil se
assemelha à regra per se adotada nos Estados Unidos quanto à dispensa de prova de efeitos
anticompetitivos para a conduta que tem como finalidade única restringir competição.
Distingue-se daquela, porém, na medida em que é possível que as partes justifiquem a prática
demonstrando ganhos de eficiência suficientes e que tais benefícios não poderiam ser
atingidos por outro meio menos danoso.152

152. Por outro lado, nas infrações sujeitas à análise pela regra da razão, apesar de
existir restrição à concorrência, esta característica não seria objetivo principal da conduta, mas
apenas instrumental (ou ancilar) a outros objetos lícitos e desejáveis – vez que encorajariam
transações e incrementariam de modo geral a oferta. Desse modo, para que haja a condenação
antitruste é necessária a comprovação de que (i) a conduta gerou efeitos anticompetitivos; (ii)
a conduta não possui justificativa pró-competitiva legítima; (iii) se possui justificativa, que a
restrição à concorrência não é razoável para a obtenção dos objetivos almejados ou que estes
podem ser atingidos pelo emprego de meios menos restritivos; e (iv) que os efeitos
anticompetitivos superam os benefícios pró-competitivos.153

                                                                                                               
152
Veja: “Os acordos anticoncorrenciais “por objeto” violam automaticamente as regras da concorrência, não
sendo necessário que a agência de concorrência estabeleça que eles tenham tal efeito. Estes acordos, ao
contrário dos acordos anticoncorrenciais per se, podem sempre ser justificados por razões de eficiência. Se uma
conduta restringe a concorrência “por objeto”, isso sugere que o papel da análise econômica na avaliação da
legalidade de tais acordos é limitado. A agência de concorrência não tem de demonstrar que o acordo tem
efeitos anticoncorrenciais, uma vez que essa conclusão é tão evidente que não necessita de ser estabelecida. As
partes na troca, no entanto, podem mostrar que esse câmbio gera ganhos de eficiência suficientes (por exemplo,
ajuda às empresas a melhor preverem as vendas) e que esses benefícios não podem ser realizados por meios
menos prejudiciais.” (OCDE, Information Exchanges Between Competitors under Competition Law, Policy
Roundtables, 2010, p. 51, tradução nossa).
153
“Pobre regra da razão. A estrutura empregada na maioria dos casos antitruste é frequentemente discutida,
mas continuamente mal compreendida. (…) C a regra de razão é muito menos amorfa — e menos dependente do
equilíbrio — do que comumente se acredita. Com base em uma revisão de todos os 495 casos de regra de razão
decididos entre 1977 e 1999, mostrei que os tribunais geralmente seguiam uma abordagem de transferência de
responsabilidade. Em primeiro lugar, o autor deve demonstrar um efeito anticoncorrencial significativo,
normalmente na forma de aumento de preço, redução da produção ou poder de mercado. A falha do autor em
estabelecer este elemento levou à extinção de 84% dos casos. Em segundo lugar, a responsabilidade recai sobre
o réu de demonstrar uma justificativa pró-competitiva legítima. A falha dos réus em satisfazer esta
responsabilidade levou à invalidação da restrição em 3% dos casos. Em terceiro lugar, se o réu fizer essa
demonstração com sucesso, a responsabilidade volta ao autor para demonstrar que a restrição não é
razoavelmente necessária para atingir os objetivos da restrição ou que os objetivos do réu poderiam ser
alcançados por meios menos restritivos. No máximo, 1% dos casos foram encerrados nesta fase.11 Em quarto
lugar, o tribunal pondera os efeitos anticoncorrenciais e pró-competitivos da restrição, que ocorreram em 4%
dos casos.
Atualizei meu estudo de 1999 em 2009, descobrindo que a tendência de transferência de responsabilidade que
resultou na rápida alienação de casos continuou e, de fato, acelerou. Entre 1999 e 2009, os tribunais rejeitaram
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153. Feitas essas considerações, passa-se a tecer algumas considerações acerca da regra
de análise aplicável à infração autônoma de troca de informações concorrencialmente
sensíveis.

154. Parte da doutrina e algumas autoridades concorrenciais ao redor do mundo


entendem que ao menos um tipo de compartilhamento de informações sensíveis deve ser
considerado como um ilícito pelo objeto, qual seja, a troca privada entre concorrentes de
planos individuais de condutas futuras, como preços e volumes a serem praticados. Isto se
justifica pela proximidade desta prática com o estabelecimento de acordos de fixação de preço
ou divisão de mercado, conforme já visto no tópico anterior. Dessa forma, aplica-se a esta
conduta a mesma racionalidade empregada às colusões horizontais, isto é, que faz sentido
econômico atribuir uma presunção de ilegalidade a trocas de informações que são
extremamente prováveis de ter um efeito anticoncorrencial e improváveis de ter uma
justificativa ou objetivo pró-competitivo.154

155. No âmbito europeu, por exemplo, condutas de troca de informação


concorrencialmente sensíveis entre concorrentes já foram condenadas como práticas
concertadas com um objetivo concorrencial, ou seja, consideradas como infrações pelo objeto,
visto que, pela sua própria natureza, foram consideradas prejudiciais ao funcionamento
correto e normal da concorrência. Confira-se, a título de exemplo, o caso abaixo, no qual o
Tribunal de Justiça Europeu confirmou a decisão da Comissão Europeia de condenar duas
empresas que trocavam informações sensíveis sobre as condições de mercado, atuais e
esperadas, incluindo tendências, fatores e referências que as concorrentes utilizavam para
fixar seus preços dos produtos em questão:
Para ter um objetivo anticoncorrencial, basta que a prática concertada seja
suscetível de produzir efeitos negativos na concorrência. Em outras palavras, a
prática em causa apenas tem de ser concretamente apta, atendendo ao contexto
jurídico e econômico em que se insere, a impedir, restringir ou falsear a
concorrência no mercado comum. A questão de saber se e em que medida esse
efeito se verifica realmente só tem importância para calcular o montante das multas
e avaliar os direitos a indenizações (acórdão T‑Mobile Netherlands e o., referido
no n.° 297, supra, n.° 31).

No caso, uma vez que a Comissão concluiu que as comunicações prévias em


relação aos preços entre as empresas em causa tinham dado origem a uma prática
concertada com um objetivo anticoncorrencial, não tinha, de acordo com a

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
97% dos casos no primeiro estágio, atingindo o estágio de equilíbrio em apenas 2% dos casos.” (CARRIER,
Michael A. The Four-Step Rule of Reason. Revista de Antitruste da ABA, Vol. 33, nº 2, Spring, 2019, pp. 50-51,
tradução nossa. Disponível em https://www.antitrustinstitute.org/wp-content/uploads/2019/04/ANTITRUST-4-
step-RoR.pdf, consulta em 24.01.2020).
154
Nesse sentido: “Parte da literatura e a prática de fiscalização de algumas agências de concorrência
identificaram um tipo de troca de informações que deve ser considerado uma restrição "por objeto": trocas
privadas de planos individuais de empresas para conduta futura, como preços e volumes futuros. A troca desse
tipo de informação é considerada muito próxima do estabelecimento de um acordo de determinação de preços
entre as partes que compartilham a informação. A racionalização desta abordagem é que pode fazer sentido
econômico atribuir uma presunção de ilegalidade a trocas de informações que são muito prováveis de ter um
efeito anticoncorrencial e improvável de ter uma justificativa objetiva ou pró-competitiva.” (Op. cit. OCDE, p.
51, tradução nossa).
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jurisprudência acima referida, que analisar os efeitos do comportamento em causa


para concluir por uma violação do artigo 81.° CE.155

156. Dessa forma, no ordenamento europeu, “uma troca de informações tem um


objetivo anticoncorrencial se for capaz de eliminar as incertezas quanto ao comportamento
pretendido das empresas participantes”. 156 De modo geral, cumpre esse cenário, o
compartilhamento entre concorrentes de dados individuais referentes a intenções futuras de
preços e quantidades que devem, portanto, ser consideradas como infrações concorrenciais
pelo objeto.157

157. Nesse mesmo sentido segue o entendimento da autoridade concorrencial do Reino


Unido, que acrescenta, ainda, que mesmo se a troca entre concorrentes de informações
desagregadas de preços futuros se der de forma indireta, ou seja, por meio de um terceiro,
continua sendo uma infração pelo objeto.158

158. De forma semelhante, também sob a perspectiva da lei concorrencial brasileira, a


troca de informação concorrencialmente sensível entre concorrentes, se tiver como objeto a
concertação ou uniformização de contudas, deve ser tratada como uma prática colusiva,
independentemente da verificação de seus efeitos:
Assim, caso um acordo entre concorrentes para troca de informações tenha
potencial para produzir os efeitos anticoncorrenciais previstos no caput do artigo
36, aos envolvidos hão que ser impostas as penalidades do artigo 37, mesmo que
não haja ou não tenha sido comprovado o cartel. A lógica aqui seria a punição de
uma prática que tem o potencial para gerar efeitos concorrenciais (nesse caso a
colusão), mesmo que tais efeitos (a colusão) não tenham sido comprovados ou
mesmo sequer tenham sido alcançados. Esse raciocínio está em linha com a
jurisprudência do CADE sobre punição de condutas com efeitos potencialmente
anticoncorrenciais.159

159. Desse modo, tal como visto acima, a presunção de ilicitude se justifica pela
natureza concertada da prática que, em si, apresenta alta probabilidade efeitos
anticompetitivos e baixa probabilidade de benefícios pró-competitivos. Assim, a conduta é
uma infração por objeto se a informação é (i) trocada entre concorrentes, (ii) desagregada e
(iii) relacionada a intenções futuras da atuação da empresa ou, até mesmo atuais, desde que
permitam eliminar as incertezas quanto ao comportamento das empresas participantes da
prática.

                                                                                                               
155
Tribunal de Justiça Europeu, Julgamento da Corte Geral (Oitava Câmera), 14 de março de 2013, Fresh Del
Monte Produce, Inc. v European Commission, Caso T‑587/08, para. 306-307.
156
Tradução livre de: “an exchange of information which is capable of removing uncertainties between
participants as regards the timing, extent and details of the modifications to be adopted by the undertaking
concerned must be regarded as pursuing an anti-competitive object.” (Tribunal de Justiça Europeu, T-Mobile
Netherlands and others, 4 de junho de 2009, C‐8/08).
157
Confira-se: “O intercâmbio de informações entre concorrentes de dados individualizados sobre quantidades
ou preços futuros pretendidos deve, portanto, ser considerado uma restrição da concorrência por objeto” (Op.
cit., COMISSÃO EUROPEIA, 2011, p. 16, tradução nossa).
158
“O traço comum dos casos acima é que a troca frequente de informações de preços desagregados e futuros
realizada em privado é classificada como uma violação de objeto. Além disso, mesmo que a troca seja realizada
por meio de um terceiro, a troca ainda é classificada como uma violação de objeto.” (Op. cit. OCDE, p. 287,
tradução nossa).
159
Op. cit. MONTEIRO, p. 105.
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160. É evidente, além de já ter sido explorado ao longo deste tópico, a razão de o
compartilhamento das intenções futuras de uma empresa provocar o alinhamento dos
concorrentes. No entanto, também deve ser feita a devida ressalva em relação a informações
sensíveis atuais quando são sigilosas ou de difícil acesso a concorrentes. Nessa hipótese,
mesmo que o dado seja atual, é possível que o seu compartilhamento gere a uniformização da
atuação dos concorrentes na medida em que permita eliminar as incertezas inerentes ao
processo competitivo. Um exemplo hipotético seria a troca de informações entre
competidores em setores altamente concentrados sobre os salários e benefícios atuais pagos a
uma determinada categoria de funcionários – assumindo que tais dados não são públicos ou,
pelo menos, são de difícil acesso. Neste cenário, dificilmente haveria qualquer justificativa
pró-competitiva para a prática e o resultado provável seria uma maior padronização entre os
competidores em relação aos seus custos com o insumo laboral, prejudicando os
trabalhadores.

161. Ao revés, se a informação é pública e de fácil acesso a qualquer agente


econômico, obviamente não há problema anticompetitivo, visto que o seu compartilhamento
não altera as as incertezas quanto ao comportamento pretendido das empresas atuantes no
mercado.

162. Não obstante, como visto ao longo do tópico anterior, a troca de informações
sensíveis pode se dar de várias maneiras e ter, inclusive, efeitos pró-competitivos. Assim, em
outras situações que não se enquadram na ilicitude por objeto desenhada acima, os efeitos
prováveis de uma troca de informações sobre a concorrência devem ser analisados caso a
caso, pois os resultados da avaliação dependem de uma combinação de vários fatores
específicos. É possível, por exemplo, que, mesmo que o compartilhamento se dê entre
concorrentes, a prática seja uma mera disponibilização, ou seja uma conduta unilateral, na
qual é necessária a comprovação dos efeitos anticoncorrenciais, ainda que potenciais, para a
condenação antitruste.160

163. Desse modo, nas situações em que a troca de informações concorrencialmente


sensíveis afasta-se da similitude com os casos tipicamente classificados como cartéis, a
responsabilização antitruste depende da verificação de efeitos anticompetitivos, ainda que
potenciais, e da análise de uma série de fatores específicos do caso, como quem são os
participantes da prática, qual a natureza da informação, quão recente os dados são, seu nível
de desagregação, sua disponibilidade pública ou não, a estrutura do mercado a frequência dos
compartilhamentos, entre outros.161

                                                                                                               
160
“Vale fazer referência ainda aos casos de conduta de compartilhamento de informação que não envolvam
necessariamente uma troca entre concorrentes, mas conduta unilateral de um dos agentes que disponibiliza
informações a terceiros (como em anúncios unilaterais ao mercado). Nessa situação, caso a conduta seja
verdadeiramente unilateral e os potenciais efeitos anticoncorrenciais sejam comprovados, a punição do agente
pela prática é cabível” (Id, pp. 105-106).
161
Em sentido similar, confira-se a contribuição dos Estados Unidos ao documento da OCDE sobre o tema: “O
dano anticoncorrencial real resultante da troca, como preços mais altos ou sua uniformidade, é o motivo mais
forte para contestar uma troca de informações. Além disso, os critérios considerados na avaliação dos
potenciais efeitos anticoncorrenciais do intercâmbio incluem: a natureza e a quantidade das informações; quão
recentes são os dados compartilhados; intenção das partes em compartilhar as informações; estrutura da
indústria; disponibilidade pública de informações; como a troca é estruturada e controlada; a frequência das
trocas; e se as partes envolvidas na troca adotaram salvaguardas para impedir ou limitar o acesso dos
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164. A partir do acima exposto, sem pretensão de esgotar o tema, passa-se à análise dos
robustos indícios apurados no presente caso, contra os Representados, que justificam a
instauração de Processo Administrativo, com fundamento no art. 69 da Lei nº 12.529/2011

II.3. Da Conduta Investigada

165. No caso ora investigado, a dinâmica da conduta consistiu na troca de informações


concorrencialmente sensíveis, sobretudo entre representantes de Departamentos de Recursos
Humanos (“RH”) de diversos agentes econômicos da indústria brasileira de produtos,
equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (healthcare), por meio de um
grupo organizado denominado Grupo MedTech. O principal objetivo do grupo MedTech era
promover a troca de experiências, tendências de mercado e informações sensíveis
principalmente relacionadas à gestão de pessoas e ao departamento de RH
(remuneração/bonificação de funcionários, além de outros benefícios), a fim de apoiar o
processo de tomada de decisão das Participantes da Conduta Relatada nas suas respectivas
atividades corporativas voltadas ao ambiente do Mercado de Trabalho Afetado (i.e., temas
que permeiam decisões referentes a contratação, remuneração e manutenção de funcionários).

166. No caso em tela, as trocas de informações concorrencialmente sensíveis (i) eram


fontes de consultas e comparação para suportar o processo de tomada de decisão das empresas
participantes, viabilizando/influenciando a estruturação de uma atuação coordenada/alinhada
de modo uniforme/similar nos mercados de trabalho afetados; (ii) eram internamente
disseminadas com a alta gerência das empresas, viabilizando/influenciando a estruturação de
uma atuação coordenada/alinhada de modo uniforme/similar nos mercados de trabalho
afetados; e (iii) possuiam o efeito, ainda que potencial, de limitar e prejudicar a livre
concorrência nos mercados de trabalho afetados, por meio do achatamento e/ou
uniformização dos parâmetros aplicados pelas empresas participantes.

167. Ao lado da troca de informações sensíveis, observa-se no caso em análise ao


menos dois episódios de alinhamento entre concorrentes em relação a condições e termos de
negociações sindicais, isto é, espécies de acordos anticompetitivos de fixação de preço, neste
caso, aspectos da remuneração laboral.

168. [ACESSO RESTRITO].

II.3.1 Descrição sumária da conduta [ACESSO RESTRITO]

II.3.2 Descrição detalhada da conduta [ACESSO RESTRITO]

II.4. Aspectos Finais sobre a Conduta Relatada [ACESSO RESTRITO]

III. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO AFETADO [ACESSO RESTRITO]


 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
participantes às informações competitivamente sensíveis umas das outras.” (Op. cit. OCDE, p. 307, tradução
nossa).
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IV. DA RECOMENDAÇÃO DE ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

169. Diante de todo o exposto, entende-se estar demonstrada a existência de indícios


robustos de infrações à ordem econômica praticadas pelos Representados, a ensejar a
instauração de Processo Administrativo, nos termos dos arts. 13, V, e 69 e seguintes, da Lei nº
12.529/11 c.c. art. 145 e seguintes do Regimento Interno do Cade.
170. As seções IV.1 e IV.2 apresentam a relação de pessoas, físicas e jurídicas, contra
as quais se recomenda a abertura de Processo Administrativo.

IV.1. Pessoas Jurídicas participantes da conduta [ACESSO RESTRITO]

IV.2. Pessoas físicas participantes da conduta [ACESSO RESTRITO]

V. CONCLUSÃO

171. Diante do exposto, e ante a existência de indícios robustos de infração à ordem


econômica, sugere-se a instauração de Processo Administrativo, nos termos dos arts. 13, V, e
69 e seguintes, da Lei nº 12.529/11 c.c. art. 145 e seguintes do Regimento Interno do Cade,
em face dos Representados:

a) Pessoas jurídicas: (i) Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. (“Abbott”); (ii)


Acelity L.P. Inc. (“Acelity/KCI”); (iii) Alcon Laboratórios do Brasil Ltda.
(“Alcon”); (iv) Alere S.A. (“Alere”); (v) Bard Brasil Industria e Comercio
de Produtos para a Saúde Ltda (“Bard Brasil”); (vi) BL Industria Otica,
Ltda. (“Bausch & Lomb”);(vii) Baxter Hospitalar Ltda. (“Baxter”); (viii)
Bayer S.A. (“Bayer”); (ix) Becton Dickinson Indústrias Cirúrgicas Ltda.
(“BD” ou “Becton Dickinson”); (x) BioMérieux Brasil Industria e Comércio
de Produtos Laboratoriais Ltda. (“BioMérieux”); (xi) Biotronik Comercial
Médica Ltda. (“Biotronik”); (xii) CCI Centro Covidien de Inovação e
Educação para Saúde Ltda. (“Covidien”); (xiii) Dia Sorin Ltda.
(“DiaSorin”); (xiv) Edwards Lifesciences Comércio de Produtos Medico-
Cirurgicos Ltda. (“Edwards Lifesciences”); (xv) GE Healthcare do Brasil
Comércio e Serviços para Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda. (“GE
Healthcare”); (xvi) Getinge do Brasil Equipamentos Médicos Ltda., atual
denominação de Maquet do Brasil Equipamentos Médicos Ltda. (“Gentige
do Brasil”); (xvii) Guerbet Imagem do Brasil Ltda. (“Guerbet”) (xviii)
Hospira Produtos Hospitalares Ltda. (“Hospira”); (xix) Johnson & Johnson
do Brasil Indústria e Comércio de Produtos para Saúde Ltda. (“Johnson &
Johnson Medical”); (xx) Life Technologies do Brasil Ltda. (“Life
Technologies”);(xxi) Maquet Cardiopulmonary do Brasil Comércio Ltda;
(“Maquet Cardiopulmonary”); (xxii) Medtronic Comercial Ltda.
(“Medtronic”); (xxiii) Nipro Medical Ltda. (“Nipro Medical”); (xxiv)
Novartis Biociência S.A. (“Novartis”); (xxv) Olympus Optical do Brasil
Ltda. (“Olympus”); (xxvi) PerkinElmer do Brasil Ltda. (“PerkinElmer”);
(xxvii) Phadia Diagnóstico Ltda. (“Phadia”); (xxviii) Promedon do Brasil
Produtos Médico-Hospitalares Ltda. (“Promedon”); (xxix) QIAGEN
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Biotecnologia Brasil Ltda. (“QIAGEN”); (xxx) Roche Diagnóstica Brasil


Ltda. (“Roche”); (xxxi) Shimadzu do Brasil Comércio Ltda. (“Shimadzu”);
(xxxii) Siemens Healthcare Diagnósticos Ltda. (“Siemens Healthcare”);
(xxxiii) Smith & Nephew Comercio de Produtos Medicos Ltda. (“Smith &
Nephew”); (xxxiv) Stryker do Brasil Ltda. (“Stryker”); (xxxv) Terumo
Medical do Brasil Ltda. (“Terumo”); (xxxvi) Thermo Fisher Scientific
Brasil Instrumentos de Processo Ltda. (“Thermo Fisher”); e (xxxvii)
Valeant Farmacêutica do Brasil Ltda. (“Valeant”); a fim de investigar as
condutas passíveis de enquadramento nos artigos 20, I a IV, e 21, I, II, III e
X, da Lei nº 8.884/94, bem como art. 36, incisos I a IV c/c seu § 3º, inciso I,
alíneas "a", "b" e "c" e incisos II e VIII da Lei nº 12.529/2011, na forma do
artigo 69 e seguintes da Lei nº 12.529/2011.

b) Pessoas físicas: Fabio Adriano Scotti; Fernando Sugano; João Victor


Bonini; Paulo Roberto Oliveira Lemos; Vanessa Guimarães de Souza
Pietro; Ingrid Ferreira; Juliana Garcia; Jair Alvarenga; Luiz Fernando
Barbosa; Mariana Silvado; Renata Madalozzo; Grace Machado; Denise
Damasceno; Flavia Faria; Luis Carlos Pontani; Marlene Rocha Portero;
Noir Morvan Dardes Junior; Roberta Badejo Corrêa Netto; Daniel Garrudo;
Priscila Mendes; Silvia Scalabrini; Elisângela Florêncio Moscardi; Nathalie
Carmignani Barbosa; Paula Araujo; Rafael Marchiori Gonçalves; Raissa
Hadad; Patricia Bassan; Gabriela Dias; Edelice Vitali; Anderson Honorio
Crispim; Joyce Paschotto Santos de Sousa; Luciane de Campo Moda;
Roseli Okikawa; Ana Cristina de Freitas Floriano Tessitore; Ana Laura
Navarro Cersosimo; Ariane Hanania Francischeti; Celso de Sousa Carmo;
Elaine Ubarana; Mariana Binder Monteiro; Walter Baxter Júnior; Ana
Amélia Machado; Ana Bilar; Fabiana do Nascimento Gomes; Sheila Vitor;
Vinicius Russo Gomes; Carolina Hentschel Baranyi Famula; Fernando de
Sá Nunes; Manuela Bernis; Adriana Nakao da Rocha; Devanir Aparecido de
Oliveira; Elisabete Epifânia de Sousa; Elisangela Lopes de Souza; Jessica
Souza Moreira de Castro; Juliana Martinelli Lopes; Norman Pierre Günther;
Marcelo Leal; Rogério Procópio Jardim Gomes Braga; Eduardo Lopes ;
Julieta Kulpa; Patrícia Monteiro Araujo; Patrick Tuchsznajder; Carla
Mateus; Juliana Contrera Lopes; Marina Aparecida Correia; Oscar Porto;
Rafaella Lacuzio Lopes; Rita Cassia Elias; Alice Watanabe; Eduardo
Potenza; Guilherme Ramos; Angela Bulotas; Dalila Mendes; Marcia
Cristina Giora Rodrigues de Carvalho; Marisa Fonseca; Andrea Shimada;
Fabio Arcuri de Carvalho; Camilla Lazaro Marchetti; Cecília de Souza
Santos; Leandro Cunha; Telma Ottenio da Silva Brandão; Claudia Barbosa;
Valéria Barbosa Ferreira; Alexandre da Silva; Francine Mattos Sturaro;
Mauricio Rossi; Milena Campos Guimarães; Simone Giroto; Igor dos
Santos Medeiros; Neusa Tomiko Sato; Adriele Francisco Mendes; Caroline
Menegassi Pereira Lourenço; Jan Hendrik Holthoff; Leandro Pereira de
Oliveira; Vivian Melo de Oliveira; Douglas Romani; Lígia Prado
Meneghello Monteiro; Manuela Pepino Figueiredo; Sandra Ristori; Zélia
Felipe Sacchielle; Ademar Imamura; Agnes Mizugai; Marcia Takeda;
Milena Rubiano Mendonça; Andrea Carrijo; Clarice Mendes; Fábio Arcuri
de Carvalho; Maristela Lopes; Alessandra Machado; a fim de investigar as
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condutas passíveis de enquadramento nos artigos 20, I a IV, e 21, I, II, III e
X, da Lei nº 8.884/94, bem como art. 36, incisos I a IV c/c seu § 3º, inciso I,
alíneas "a", "b" e "c" e incisos II e VIII da Lei nº 12.529/2011, na forma do
artigo 69 e seguintes da Lei nº 12.529/2011.

172. Sugere-se, ainda, a notificação dos Representados, nos termos do art. 70 do


referido diploma legal, para que apresentem defesa no prazo de 30 (trinta) dias e, no mesmo
prazo, especifiquem e justifiquem as provas que pretendem produzir, que serão analisadas
pela autoridade nos termos do art. 154 do Regimento Interno do Cade. Caso o Representado
tenha interesse na produção de prova testemunhal, deverá indicar na peça de defesa a
qualificação completa de até 3 (três) testemunhas, a serem ouvidas na sede do Cade, conforme
previsto no art. 70 da Lei nº 12.529/2011 c.c. art. 154, §2º, do Regimento Interno do Cade.

Essas as conclusões.

PRISCILLA CRAVEIRO CAMPOS JOICE ARANTES LUCIANO


Especialista em Políticas Públicas e Gestão Coordenadora de Análise Antitruste
Governamental – CGAA 10 CGAA 10

ALDEN CARIBÉ DE SOUSA


Coordenador-Geral de Análise Antitruste
CGAA 10

JÚLIA NAMIE M. P. ISHIHARA FERNANDA GARCIA MACHADO


Assistente Técnica Coordenadora-Geral de Análise Antitruste
CGAA 8 CGAA 8

DIOGO THOMSON DE ANDRADE


Superintendente-Geral Adjunto

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