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A SOBERANIA DE DEUS

A. W. Pink
Para receber mais informação escreva a:Apartado 88-080 01402 D.F. México Telefone:
643-7667 Este livro foi traduzido de uma versão abreviada em inglês intitulada
"Quem está no controle?", publicado por Grace Publications Trust, e em sua versão
original em inglês por Baker Book House. O título da versão original em inglês é:
"A soberania de Deus". Agradecemos a permissão e a ajuda brindada por Grace Baptist
Mission (139 Grosvenor Ave. London N52NH England) para traducir e imprimir este
livro ao español. Tradução ao español realizada por Omar Ibáñez Negrete y Thomas R.
Montgomery. IMPRESSO EM MÉXICO, 1995. Tradução do espanhol para o português
realizada por Daniela Raffo, 2007. Obtido na Internet em: esnips Sábado, 11 de
agosto de 2007, 10:52:30 1 Corintios 1:23: Mas nós pregamos a Cristo crucificado...

Iglesia Bautista de la Gracia AR INDEPENDIENTE Y PARTICULAR Calle Álamos Nº 351


Colonia Ampliación Vicente Villada CD. Netzahualcóyotl, Estado de México

2
Quero fazê-lhe uma pergunta: Quem está no controle de tudo quanto se passa no
mundo? Deus ou Satanás? Muita gente pensa que Deus é somente rei no céu, porém não
pensa que Ele é o criador do mundo e também não acreditam que o controle todas as
coisas que acontecem nele. Algumas pessoas acham que o mundo funciona como uma
máquina, obedecendo as leis da natureza. Outros consideram que o homem pode
controlar o que lhe acontece usando seu próprio livre arbítrio. Mas me deixe fazê-
lhe novamente a pergunta: Quem está no controle de tudo quanto se passa no mundo? É
Deus ou Satanás? Quando olhamos para o que se passa no mundo, facilmente poderíamos
concluir que Satanás está no controle, isso devido a que existe tanta confusão e
pecado. Vemos que as coisas vão de mal em pior; continuamente ouvimos falar em
guerras e revoluções; sabemos que há uma grande inquietude e temor no mundo. A
maioria das pessoas permanecem na ignorância a respeito da verdade de Jesus Cristo,
e muitos pensam que cristianismo é um fracasso. Ainda alguns que se identificam
como crentes, têm sugerido que, embora Deus queira salvar às pessoas, não pode
fazê-lo, porque essas mesmas pessoas não O deixam! Todo pareceria indicar que
Satanás tem mais controle do que Deus tem. Os crentes, mais do que ninguém, não
deveriam pensar desta maneira. Os crentes não devem interpretar o que acontece só
pelo que seus olhos vêm, senão que devem interpretar as coisas através da fé.
("Porque andamos por fé, e não por vista", 2 Co 5:7). Os crentes acreditam o que
Deus tem falado na Bíblia, e a Bíblia sempre tem advertido que o que está
acontecendo no mundo é o que devia suceder (porque assim foi determinado por Deus
desde o princípio). A Bíblia diz que a gente inconversa sempre estará em rebelião
contra a autoridade e a lei de Deus. Assim sendo, não deveria surpreender-nos
quando a gente despreza a Deus mesmo, porque Ele é a autoridade suprema e o doador
da lei. A Bíblia anuncia que é Deus e não Satanás quem está controlando o que
ocorre no mundo. A Bíblia nos ensina que Deus criou todas as coisas, e que Ele
exerce um controle completo e soberano sobre tudo o que fez. A vontade de Deus não
pode ser mudada. Ele é o Rei soberano sobre todas as coisas e nunca pode ser
surpreendido por nada do que acontece. Ele reina sobre tudo, fazendo com que todas
as coisas operem juntas para o bem de todos aqueles que O amam e que têm sido
chamados por Ele para ser Seu povo. Embora estas coisas sejam verdadeiras, somente
podemos entendê-las e desfrutá-las se somos crentes em Deus. Temos que encher as
nossas mentes com conceitos verdadeiros acerca de Deus, a Sua natureza e o Seu
caráter. Só então poderemos aceitar com submissão e confiança todo quanto nos
aconteça, sejam decepções, dificuldades ou tristezas, porque sabemos que todas as
coisas, incluso estas, são controladas por um Deus tão sábio que não pode errar, e
demasiadamente amoroso para ser cruel. A gente precisa ouvir estas verdades acerca
de Deus; a predicação superficial e vaga não basta. Então, permita-me observar
novamente: Deus ainda vive; Ele vê tudo o que acontece e está em completo controle.
Quando pensamos acerca do que está acontecendo no mundo, não deveríamos começar a
explicá-lo desde uma perspectiva meramente humana, porque se assim o fazemos,
jamais compreenderemos esta vida. Existem muitas coisas na vida que achamos
estranhas e difíceis de entender, porém através da Bíblia Deus nos dá entendimento.
A Bíblia é a Palavra de Deus, a revelação divina para nós. Então, se queremos
entender o que acontece no mundo, devemos começar aprendendo o que a Bíblia diz
acerca de Deus. Este é o lugar correto para começar. Se tentamos explicar as coisas
partindo do estado atual do mundo e depois tentamos conectá-lo com Deus,
concluiremos que Deus tem muito pouco a fazer com o mundo tal e como nós o
conhecemos hoje. Porém se começamos com Deus e depois O relacionamos com o mundo,
começaremos a compreender o motivo pelo qual as coisas estão assim agora. Deus é
santo e julga aqueles que pecam contra Ele. Deus cumpre a sua Palavra e castiga a
maldade, assim como tem prometido fazer na Bíblia. Deus pode fazer tudo, e nada
pode resisti-Lhe ou vencê-Lo. Deus conhece tudo e ninguém sabe mais do que Ele.
Nada é impossível para Deus. Assim então, quando olhamos para o que está
acontecendo no mundo, podemos concluir que Deus tem iniciado seu juízo contra a
maldade e o pecado em nosso mundo moderno, tal e como o fez no passado. Existem
duas maneiras de responder a minha pergunta acerca de quem está no controle. A
pessoa que não acredita em Deus considera tudo desde o seu próprio ponto de vista
humano, começa com o homem e é por isso que não pode entender como Deus pode estar
no controle. Doutro lado, a Bíblia nos diz que os pensamentos de Deus não são os
nossos, e que os caminhos de Deus não são como os nossos. A pessoa que não crê em
Deus sempre pensará que é idiota dizer que Deus controla tudo. Porém, o crente sabe
que Deus está no controle porque assim o tem 3

INTRODUÇÃO QUEM TEM O CONTROLE?


falado Deus na Bíblia. O cristão começa com Deus. Embora haja muito pecado e
sofrimento no mundo, o que causa tristeza no crente, ainda assim ele não diz "Se eu
fosse Deus, não o permitiria". O cristão acredita que os caminhos de Deus são
inescrutáveis e incompreensíveis. Deus tem ocultado muitas coisas de nós com o
propósito de provar a nossa fé, para fortalecer a nossa confiança em Sua sabedoria
e para ajudar-nos e aceitar a sua vontade. O cristão confia em Deus e tenta
interpretar todas as coisas desde o ponto de vista de Deus. O crente confia em Deus
e aceita o que acontece, porque sabe que provém dEle. E porque confia em Deus, seu
coração pode ficar tranqüilo em meio da tempestade. Confiando em Deus, regozija-se
porque sabe que no fim de tudo verá a glória de Deus. No seguinte capítulo
aprenderemos mais do que a Bíblia quer dizer, quando afirma que Deus está no
controle de todas as coisas. CAPÍTULO 1 DEUS TEM O CONTROLE DE TUDO!

Você compreende o que implicam as palavras "Soberania de Deus"? Na introdução vimos


que, embora exista muita maldade no mundo, a bíblica afirma que Deus está em
completo controle de tudo. Isto é o que implicam as palavras "Soberania de Deus".
Quando dizemos que ES é soberano, queremos dizer que Deus tem poder absoluto sobre
tudo. Ele é o Supremo, o Grande Rei; Ele é Deus. Ele faz a sua vontade no céu e na
terra, e não existe mas ninguém que possa deter a sua mão e Lhe dizer: "O que
fazes?". Quando dizemos que Deus é soberano, queremos dizer que Ele é o Deus Todo
Poderoso, que possui todo poder no céu e na terra e que ninguém pode resistir a sua
vontade. Este é o Deus da Bíblia. Freqüentemente, o ensino moderno nos dá um
conceito muito diferente acerca de Deus. a miúdo apresenta um "deus" impotente e
ineficaz, um "deus" de aflição mais do que um Deus digno de ser temido. A maioria
do ensino moderno diz que Deus "o Pai" quer salvar a todo mundo, e que "o Filho"
morreu para salvar a "todos", e que Deus o Espírito Santo está tentando agora
ganhar a todos os homens no mundo. Mas, não resulta obvio que muitas pessoas estão
morrendo sem ter sido salvas por Cristo, e sem esperança alguma? Então, se muitos
morrem sendo perdidos e se acreditamos que Deus queria salvá-los a todos, com
certeza o Pai deve estar desapontado, o Filho deve sentir-se insatisfeito e o
Espírito Santo tem sido derrotado. Não podemos dizer que Deus tenha sido
surpreendido pelo pecado humano, porque isto deixaria a Deus no nível dos seres
humanos que são falíveis e cheios de erros. Também não podemos dizer que Deus fique
impotente diante do sofrimento e do pecado no mundo, porque então estaríamos
passando por alto o que a Bíblia diz: que Deus controla até os maus atos que os
homens cometem. Em verdade, se negamos a soberania de Deus, pronto já não teremos
espaço para Deus em nossos pensamentos. Deus é completamente soberano. Ele possui o
direito de governar tudo tal como Ele quer. Deus é como o oleiro que tem o controle
completo sobre o barro. Deus é soberano na forma em que usa o seu poder. Ele o usa
como, quando e onde deseja. Todo o testemunho da Bíblia afirma esta verdade. Quando
o Faraó, rei do Egito, tentou deter os israelitas para que não fossem adorar a Deus
no deserto, Deus usou o seu poder e os israelitas foram salvos, enquanto que os
egípcios foram vencidos. Depois, quando os israelitas entraram na terra de Canaã e
acharam que a cidade de Jericó era um obstáculo, Deus usou seu poder e os muros da
cidade forram derrubados. O poder de Deus salvou Davi de Golias. Deus fechou as
bocas dos leões para que não ferissem Daniel. Ainda assim, em ocasiões Deus não
mostra o seu poder por um longo tempo, e então repentinamente o manifesta e todos
podem vê-lo. O poder de Deus nem sempre resgata seu povo dos perigos. Em Hebreus
11:36-37, nos diz como alguns que creram em Deus foram apedrejados e ainda mortos,
e outros andaram errantes cobertos com peles de animais e suportando muito
sofrimento. Por que não foram resgatadas estas pessoas pelo poder de Deus como as
outras? A única resposta é que Deus é soberano na maneira em que usa o seu poder.
Ele faz o que sabe que é melhor. Deus é soberano também na maneira em que outorga o
seu poder a outros. Concedeu poder a Matusalém para que vivesse muito mais tempo
que ninguém. Deus concede a alguns a capacidade 4

"Tua é, SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade;


porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, SENHOR, o reino, e tu te
exaltaste por cabeça sobre todos." 1 Crônicas 29:11
de ganhar muito dinheiro, porém não faz a todos ricos. Isto se deve a que Deus
exerce sua soberania ao conceder o seu poder às pessoas. Ele não dá o mesmo poder a
todos. Deus é soberano também no outorgamento de sua misericórdia. Quando Jesus foi
ao tanque de Betesda em Jerusalém, havia muitos doentes ali e entre eles estava um
homem que tinha estado enfermo por trinta e oito anos. João capítulo 5 nos fala que
Jesus disse a este homem: "Levantate, toma o teu leito, e anda" (versículo 8).
Imediatamente o homem foi sarado; levantou seu leito e se foi. Então, por que foi
curado este homem em particular? Não nos diz que fosse devido a que merecesse ser
sarado. Ou seja, a misericórdia de Deus manifestou-se nele de uma maneira soberana,
porque Jesus poderia ter sarado a toda a multidão tão facilmente como o fez com
este homem. Porém Jesus usou seu poder divino para curar um único homem. Deus é
soberano na maneira em que outorga a sua misericórdia. Ele mostra sua misericórdia
como a Ele apraz. Deus é soberano na forma em que mostra a sua graça. A graça é o
favor divino mostrado àqueles que não a merecem (senão que, ao contrário, merecem
ser enviados para o inferno). A graça é o oposto à justiça, já que a justiça nos dá
só o que merecemos. A graça é a bondade de Deus para as pessoas que não a merecem,
uma vez que ela tem odiado e desobedecido a Deus e Sua lei. A graça é um dom (um
presente) de Deus, de maneira tal que ninguém pode exigi-la como se fosse um
direito, pois então deixaria de ser graça. Deus não deve graça a ninguém, senão que
a concede aos que Ele quer pela sua própria soberana vontade. Podemos regozijar-nos
nisso, porque os pecadores são salvos pela graça. Isto significa que a pessoa mais
pecaminosa pode ser alcançada por esta graça. A graça exclui toda arrogância humana
e dá a Deus toda a glória da salvação. Quase cd página da Bíblia nos lembra que
Deus é soberano no outorgamento de sua graça. Quando Jesus nasceu, as boas novas
não foram anunciadas a todo mundo, senão que foram dadas aos pastores de Belém e
aos homens sábios do Oriente. Deus poderia tê-lo dito a todos, porém não o fez,
porque Ele é soberano na forma em que exerce a sua graça. Percebe você que Deus tem
outorgado a sua graça a pessoas com poucas probabilidades de serem alcançadas? Ele
a mostrou aos pastores e a homens que nem sequer eram judeus. Freqüentemente, desde
aquele momento até o dia de hoje, Deus tem feito exatamente o mesmo, mostrando a
sua graça às pessoas mais desprezíveis e indignas. Tem Ele mostrado a sua graça
para você? Temos visto que tudo na Bíblia nos diz que Deus é soberano. No próximo
capítulo veremos que todas as coisas que Deus tem criado também nos mostram que Ele
é o Deus soberano. TEXTOS BÍBLICOS: Daniel 11:32: "E aos violadores da aliança ele
com lisonjas perverterá, mas o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e fará
proezas." Isaias 55:8-9: "Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos,
nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o SENHOR. Porque assim como os céus
são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os
vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos."
Romanos 11:33: "O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!".
Efésios 1:1: "Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos que
estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus." Romanos 11:36: "Porque dele e por ele, e
para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém." 1 Crônicas
29:10-11: "Por isso Davi louvou ao SENHOR na presença de toda a congregação; e
disse Davi: Bendito és tu, SENHOR Deus de Israel, nosso pai, de eternidade em
eternidade. Tua é, SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a
majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, SENHOR, o reino,
e tu te exaltaste por cabeça sobre todos." 1 Tm 6:15: "A qual a seu tempo mostrará
o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores."
CAPÍTULO 2 DEUS CONTROLA A NATUREZA

No Capítulo 1 vimos que a Bíblia ensina que Deus é soberano.

"Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as
coisas, e por tua vontade são e foram criadas." Apocalipse 4:11 5
Ele é soberano no uso de seu poder e na doação de sua graça e misericórdia. Neste
capítulo vamos descobrir mais evidências de Sua soberania. Todo quanto Deus tem
feito mostra que Ele é soberano e que tem o controle completo sobre a Sua criação.
Trate de pensar acerca do tempo antes de que Deus criasse o mundo. Desde então Ele
era soberano, e foi inteiramente uma decisão de Sua vontade criar alguma coisa ou
não criar nada. Também foi completamente coisa dEle, o fato de como o fez. Poderia
ter feito um mundo tão pequeno que ninguém pudesse vê-lo. Quando Deus criou o
universo, não pediu a ajuda nem o conselho de ninguém. Então, pense acerca do mundo
que Deus fez. Por que deveria haver mais água que terra seca? Por que deveria
existir tanta terra inútil para uso humano e outros lugares tão úteis? Por que
existem lugares bons para se viver e outros ruins? Por que alguns países estão
sujeitos a tantos desastres naturais (terremotos, furacões, tornados, secas, etc.),
e outros não? A resposta a tantas perguntas é porque assim o tem decidido Deus,
porque assim se cumprem os seus propósitos. Pense agora nas diferenças que existem
entre os animais: cordeiros e ursos, elefantes e ratos. Alguns animais, como por
exemplo os cães, parecem inteligentes, enquanto outros parecem tontos. As mulas e
os burros suportam pesadas cargas, porém os leões e os tigres estão soltos para
correrem livremente. Considere as aves no céu, os animais na terra e os peixes no
mar. Por que existem tantas diferenças entre eles? A resposta é: porque Deus se
agradou em fazê-los assim. Considere também as plantas. Algumas dão um bonito
aroma, mas outras não. Algumas árvores produzem um fruto saboroso, porém outras dão
fruto venenoso. Por que é assim? Porque Deus fez o que Lhe apraz no céu, na terra e
no mar. Agora pense nos anjos. Eles não são todos iguais, alguns são mais
importantes que outros, uns são mais poderosos que outros, alguns estão mais perto
de Deus que outros. Por que existem estas diferenças entre os anjos? Todo o que
podemos dizer é que o Deus soberano, que habita no céu, tem realizado tudo quanto
quis. Todo o que Deus tem feito nos mostra a sua soberania, porque Ele faz tudo
como melhor lhe parece. Então, não deveríamos estar surpreendidos de que também
existam diferenças entre os seres humanos. Algumas pessoas são muito inteligentes e
outras não. Algumas desfrutam de saúde, enquanto outras vivem muito doentes. Todas
as pessoas têm um temperamento diferente: umas são aptas para dirigir e governar, e
outras o são para serem seguidoras e servos. Não deveriam surpreender-nos estas
diferenças entre as pessoas, porque Deus faz a cada pessoa distinta das outras. Por
que? Porque assim lê parece melhor ao Deus soberano. Deus, quem fez todas as
coisas, é absolutamente soberano. Ele faz o que Lhe apraz e efetua a Sua própria
vontade. Ele fez todas as coisas para Si mesmo, e possui também o direito de fazê-
lo assim, porque Ele é o Deus Todo Poderoso. Porém Deus não só fez todas as coisas
pelo seu próprio poder soberano, senão que também governa tudo. Imagine somente, o
que aconteceria se Deus não controlasse o que Ele criou? Suponha que Deus tenha
feito o mundo, e depois o abandonasse para que fosse governado pelas assim chamadas
"leis da natureza". Se Deus agisse assim, então não teríamos certeza de que o mundo
não poderia ser destruído. Se tão somente as leis da natureza controlassem o mundo,
então um poderoso tornado poderia estragar tudo, ou um grande furacão poderia
inundar tudo, ou um grande terremoto poderia acabar com tudo. Então, como
poderíamos estar seguros de que essas são as coisas e não poderiam acontecer? Se
ousarmos dizer que Deus não está controlando o mundo, então perderíamos toda a
certeza de estabilidade. Se Deus não está controlando tudo, então todo acontece por
pura casualidade. Imagine o que aconteceria se Deus não colocasse limites às coisas
más que realizam os homens. Imagine como seria o mundo se a gente fosse
completamente livre para fazer o que quisesse. Então toda a bondade no mundo
desapareceria e a maldade e a confusão reinariam. Isto deixa manifesto a
necessidade de que Deus governe o mundo, e Ele Tm o faz a fim de que nenhuma coisa
se saia de controle e não aconteça o caos. Deus está controlando ainda aquelas
coisas que não têm vida como o clima, o vento e o mar. Quando Deus disse "Seja
feita a luz", a luz foi feita. Quando Deus disse que enviaria um dilúvio sobre o
mundo antigo devido à depravação dos seus habitantes, então o dilúvio veio. Quando
Deus trouxe as pragas sobre o Egito, a luz tornou-se obscuridade, as águas
converteram-se em sangue e grandes pedras de saraiva caíram. Deus estava
controlando todos esses eventos. Existem muitos exemplos na Bíblia de como Deus tem
controlado todas aquelas coisas que não têm vida. O forno do rei Nabucodonosor foi
esquentado sete vezes a mais do costume, e três dos filhos de Deus foram arrojados
dentro dele, e o fogo nem sequer queimou as suas vestes, embora sim tivesse 6
matado os homens que os lançaram no forno. Quando os discípulos iam com o Senhor
Jesus Cristo numa pequena barca e a tormenta atemorizou-os, Jesus disse à
tempestade: "Seja a paz", e então o vento cessou e o mar acalmou-se. Deus controla
o clima, porque Ele envia o gelo, a neve e o vento. Tm Ele envia e detém a chuva.
Todas estas coisas inanimadas obedecem a voz de Deus e assim executam a Sua
soberana vontade. Quando nos queixamos do clima, em verdade estamos queixando-nos
da vontade de Deus! Deus fez o mundo e continua controlando-o. Ele é também
soberano sobre os animais, os homens e os anjos, como veremos no próximo capítulo.
CAPÍTULO 3 DEUS CONTROLA O HOMEM

No Capítulo 2 vimos que Deus governa todas as coisas inanimadas no mundo, tais como
a terra, o ar, o fogo e a água. Ele também governa os animais, os homens e os
anjos. Em primeiro lugar, Deus controla os animais. Isto é claramente ensinado na
Bíblia. Em Gênesis 6:20 lemos que antes que Deus enviasse o dilúvio sobre a terra,
Ele fez que dois animais de cada espécie entrassem na arca de Noé. Estes animais
foram controlados por Deus. Em Êxodo capítulo 8 temos uma descrição das pragas que
Deus enviou sobre a terra de Egito. Lemos acerca de como as rãs saíram do rio Nilo
e entraram no palácio do rei e nas casas dos seus servos. Deus inclusive fez com
que as rãs entrassem nos leitos dos egípcios, e ainda dentro de seus fornos
(lugares onde comumente as rãs não entram). Muitas moscas invadiram também a terra
de Egito, porém não se aproximaram de nenhum dos lugares onde o povo de Deus se
achava. Seguidamente, Deus fez com que o gado dos egípcios adoecesse, mas nada do
gado pertencente ao povo de Deus enfermou. Vemos que Deus teve o controle destes
animais o tempo todo. Em 1 Reis 17:2-4 lemos que Deus disse ao seu profeta Elias
que fosse viver perto de um ribeiro, onde uns corvos o alimentariam. Há muitas
outras histórias como estas na Bíblia, que demonstram que Deus controla os animais.
Por exemplo, Deus fechou a boca dos leões quando seu servo Daniel foi colocado no
fosso dos leões; Deus fez com que o grande peixe engolisse seu servo Jonas, e
depois, quando Deus quis, este peixe o vomitou em terra seca. Assim, sem lugar a
dúvidas, é verdade que Deus controla os animais. Eles fazem exatamente o que Ele
lhes manda fazer. Em segundo lugar, Deus controla não só os animais, senão também
os homens. Ainda que isto seja muito difícil de aceitar, desejo que compreendam que
essa é a verdade. Porque só existem duas alternativas, ou Deus tem o controle o
alguém mais o controla a Ele. Do mesmo modo, é a vontade de Deus a que sempre se
cumpre, ou é a vontade dos homens. Agora, qual destas alternativas é a certa? É
verdade que muitas pessoas odeiam a Deus, mas isto não significa que Ele não possa
usá-los como seus instrumentos quando Ele assim o deseje. Não é suficiente dizer
que Deus pode deter os efeitos maus do que as pessoas más fazem. Também não basta
simplesmente dizer que algum dia Deus castigará os maus pelos seus pecados. Deus é
tão grande que cada coisa que as pessoas mais malvadas realizam está inteiramente
sob o Seu controle. De fato, as pessoas más em realidade fazem o que Deus tem dito
de antemão que eles fariam, ainda que a pessoa má não perceba isso. Isto é
exatamente o que aconteceu com Judas, o homem que entregou a Jesus Cristo nas mãos
de aqueles que o adiavam. Poderia alguém ser mais malvado do que foi Judas? Assim
sendo, se Judas estava fazendo aquilo que Deus tinha decidido que fizesse, então
não é difícil crer que todas as pessoas más estão igualmente realizando o que Deus
falou que haveria de acontecer. Não queremos argumentar sobre este assunto, só
desejamos ver o que a Bíblia diz. Em Atos 17:28 lemos que em Deus vivemos e nos
movemos e somos. Isto foi expresso pelos poetas gregos que não eram crentes e cujos
discípulos zoaram da idéia de que Jesus ressuscitasse da morte. Mas parece a ainda
o realizado por estas pessoas estava sob o controle de Deus. De Provérbios 16:9
aprendemos que a gente faz seus próprios planos para a sua vida, mas são os planos
de Deus os que em realidade se cumprem: "O coração do homem planeja o seu caminho,
mas o SENHOR lhe dirige os passos". A história do rico insensato no Novo Testamento
(Lucas 12:16-21) mostra quão certa é esta afirmação. Nos fala de como um homem
planejava construir grandes celeiros onde guardaria toda a colheita que levantara.
Ele planejava desfrutar de sua vida, porém Deus tinha determinado algo diferente, e
foi o plano de Deus o que se cumpriu. Deus declarou que aquele homem néscio
morreria essa mesma noite, e assim aconteceu. Nunca é correto dizer que as pessoas
podem atuar em contra da vontade de Deus. Tão somente pense nas seguintes passagens
da Bíblia: Jó 23:13 diz: "Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem 7

"O SENHOR tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo."
Salmo 103:19
então o desviará? O que a sua alma quiser, isso fará." Provérbios 21:30 diz: "Não
há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR." Isaias 14:27 ensina
que aquilo que Deus tem determinado, não pode ser alterado por ninguém: "Porque o
SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida;
quem pois a fará voltar atrás?" A Bíblia ensina claramente que as ações de cada
pessoa, sejam boas ou más, são controladas pelo Deus soberano. Os homens podem
pensar que eles são mais fortes que Deus, rebelando-se talvez contra Ele, porém
Deus ri de sua debilidade e do néscio que resultam. Ele é tão poderoso que pode
destruí-los no momento em que assim o deseje. Terceiro, Deus controla também os
anjos. Eles são mensageiros de Deus. Escutam o que Deus diz e fazem o que Ele lhes
ordena. Ainda os anjos maus obedecem a Deus. Satanás mesmo está completamente sob o
controle de Deus. Até que Deus lhe permitiu agir, Satanás foi incapaz de tocar em
Jó. Em Mateus 4:11 lemos que Jesus disse a Satanás que fosse embora e este
imediatamente o deixou. No fim do mundo, Satanás será lançado no lago de fogo que
tem sido preparado para ele e seus anjos. Deus reina. Ele controla tudo, as coisas
inanimadas, os animais, as pessoas e os anjos, incluindo Satanás mesmo. Não pode
suceder nada em todo o universo a menos que Deus tenha determinado que aconteça.
Aqueles que confiam num Deus tão grande têm paz em seus corações. Confiar num Deus
soberano dá um sentido de segurança que fortalece a fé. Não é a casualidade, nem o
"azar", nem um homem, nem Satanás quem governam o mundo. É o Deus Todo Poderoso
quem governa pela Sua boa vontade e para a Sua própria e eterna glória. TEXTOS
BÍBLICOS: Salmo 135:5-6: "Porque eu conheço que o SENHOR é grande e que o nosso
Senhor está acima de todos os deuses. Tudo o que o SENHOR quis, fez, nos céus e na
terra, nos mares e em todos os abismos". Apocalipse 4:11: "Digno és, Senhor, de
receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua
vontade são e foram criadas". João 1:3: "Todas as coisas foram feitas por ele, e
sem ele nada do que foi feito se fez". Salmo 115:3,15: " Mas o nosso Deus está nos
céus; fez tudo o que lhe agradou. (...)Sois benditos do SENHOR, que fez os céus e a
terra". Hebreus 1:10: "E: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, E os céus são
obra de tuas mãos". Romanos 11:36: "Porque dele e por ele, e para ele, são todas as
coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém". CAPÍTULO 4 DEUS FAZ COM QUE AS
PESSOAS ACREDITEM "Do SENHOR vem a salvação." Jonas 2:9

Talvez esteja você maravilhado de que, se Deus é soberano, por que não salva todo
mundo de seus pecados? Sabemos que Deus salva algumas pessoas, mas por que não
salva também a outras? Não podemos dizer que algumas pessoas sejam demasiadamente
más como para que Deus as salve, porque Paulo, o servo do Senhor, escreveu em 1
Timóteo 5:15 que ele foi o maior dos pecadores. Pelo que, se Deus pode salvar o
primeiro dos pecadores, então ninguém é demasiadamente mau como para não poder ser
salvo. É então Deus incapaz de salvar alguns simplesmente porque eles não desejam
serem salvos? Antes de responder esta pergunta, pensemos acerca da experiência de
pessoas que têm chegado a ser cristãs. Antes de chegar a serem crentes, elas não
desejavam conhecer a Deus. Elas caminhavam pelos seus próprios caminhos e não pelos
de Deus. Então, qual foi a mudança neles que as fez acreditar e se converter nas
pessoas que são hoje? Um crente responderia nas palavras de 1 Coríntios 15:10:
"pela graça de Deus sou o que sou". Contudo, todos os verdadeiros crentes dirão
que, embora fossem responsáveis pelas suas próprias ações, pela Sua graça Deus foi
capaz de controlar e dirigir as suas vontades. Isto significa que eles estiveram
dispostos a receber a Cristo como Salvador, mas foi Deus quem primeiro lhes deu a
disposição de crer. É só uma parte da verdade dizer que a gente não é convertida
porque não quer acreditar. Não é toda a verdade. Por que então a gente não crê? A
resposta é porque não têm fé. A fé é o dom de Deus, e Deus a concede às pessoas que
Ele tem escolhido. Lemos em Atos 13:48 que todos aqueles que estavam ordenados para
vida eterna acreditaram. Assim sendo, a razão do por que Deus não salvou todo mundo
é que Deus o Pai é soberano na salvação. Ele outorga o dom da fé salvadora só a
quem Lhe apraz. Existem muitos textos na Bíblia 8
que mostram que desde o Pai é soberano na salvação dos homens. Vamos a mencionar
alguns exemplos. Em primeiro lugar, em Romanos 9:21-23 nos diz que Deus é como um
oleiro e nós, como o barro. As pessoas a quem Deus tem escolhido e as que não tem
escolhido são inteiramente iguais em si mesmas. Se Deus não salvara aqueles que tem
escolhido, então todo mundo se perderia; ou seja, todos iriam pro inferno. Mas Deus
faz uma diferença entre as pessoas, assim como o oleiro faz da mesma massa
diferentes classes de objetos, alguns para enfeitar e outros para usos ordinários.
Deus pode fazer o que quer com o que é dEle, ou seja, com a gente que Ele criou. O
Juiz de toda a terra fará o que é justo. A Bíblia, como já temos visto em Atos
13:48, diz que todos os que foram escolhidos para a vida eterna acreditarão. Este
versículo mostra claramente que o crer é o resultado da eleição de Deus. Também
mostra que só certas pessoas têm sido escolhidas para a vida eterna, o qual
significa que eles serão salvos de seus pecados. Este versículo ensina que todos
aqueles que são escolhidos por Deus, sem lugar a dúvidas chegarão a acreditar no
Senhor Jesus Cristo. Em segundo lugar, Romanos 11:5 nos diz que existem pessoas no
mundo que têm sido escolhidas pela graça de Deus. Também nos diz por que estas
pessoas têm sido escolhidas para salvação. Não foram eleitas porque Deus visse de
antemão que eram boas pessoas. Foram eleitas simplesmente pela bondade de Deus para
com aqueles que não a merecem. Em terceiro lugar, 1 Coríntios 1:26-29 nos diz que
Deus não tem escolhido a muitos sábios, nem poderosos, nem muitos nobres para que
acreditem nEle. Ao contrário, tem elegido a alguns dos mais vis e fracos para que
sejam Seu povo. Isto nos mostra que é Deus definitivamente quem escolhe às pessoas
para que sejam salvas, porque a eleição de gente débil e simples é prova de que a
salvação não tem nada a ver com as qualidades das pessoas mesmas. A eleição é
inteiramente pela bondade de Deus e não devido a nenhuma outra razão. Em quarto
lugar, em Efésios 1:3-5 lemos que Deus escolheu seu povo antes da fundação do
mundo. Em amor os escolheu, para que viessem a serem santos e sem mácula, seus
filhos e suas filhas. Isto mostra que o povo de Deus foi eleito antes da queda de
Adão, e nos ensina também o motivo pelo que Deus os escolheu. Como o texto o
indica, os indicou para serem adotados como filhos Seus, para louvor de Sua glória
e de Sua graça (veja os versículos 5, 6 e 12). Também nos diz que foram escolhidos
conforme a Seu propósito soberano e Seu beneplácito (veja os versículos 9-11). Em
quinto lugar, em 2 Tessalonicenses 2:13, o apóstolo Paulo agradece a Deus que tenha
escolhido os Tessalonicenses para salvação, mediante a santificação pelo Espírito e
a fé na verdade. Isto ensina que todo o povo de Deus é eleito para ser salvo e que
é o Espírito Santo quem assegura que creiam a verdade. Em sexto lugar, 2 Timóteo
1:9 declara que Deus chama e salva seu povo, não pelo que tenham feito, senão pela
sua bondade e amor e Ele quis demonstrar aos Seus. Também ensina que isto foi
determinado pelo conselho eterno da Trindade, antes que o mundo existisse.
Finalmente, a Bíblia nos diz claramente, em muitos outros textos, que Deus tem
escolhido um povo para que seja salvo (veja os textos na nota no final deste
capítulo). E já que foram eleitos por Deus, eles buscam a Deus. assim sendo, não há
necessidade de temer que Deus não tenha escolhido você; se você O está procurando
sinceramente, com certeza é porque Deus escolheu você. Por natureza ninguém busca a
salvação de Deus, porque todos estão espiritualmente mortos e separados de Deus.
então, se tu desejas a salvação que Deus dá, esse desejo é evidência de que Deus te
ama e está operando em você. Esta é uma das verdades mais alentadoras que se
encontram na Bíblia; não duvide, a fé é o dom de Deus. Assim que, se você acredita,
Deus tem lhe dado essa fé, porque é o Seu desejo que você a tenha. Esta é uma
verdade maravilhosa, não é? TEXTOS BÍBLICOS: Os seguintes textos afirmam que Deus
tem escolhido um povo para salvação: Efésios 1:4-5: "Como também nos elegeu nele
antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele
em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade". Efésios 1:11: "Nele, digo, em quem também
fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que
faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade". Atos 13:48: "E os gentios,
ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos
quantos estavam ordenados para a vida eterna". Marcos 13:20: "E, se o Senhor não
abreviasse aqueles dias, nenhuma carne se salvaria; mas, por causa dos eleitos que
escolheu, abreviou aqueles dias". Romanos 9:11-26: "Porque, não tendo eles ainda
nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a
eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe
dito a ela: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a
Esaú. Que diremos, pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma.
Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de
quem eu tiver 9
misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de
Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te
levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em
toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer. Dir-
me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua
vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada
dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o
barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que
direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou
com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também
desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para
glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre
os judeus, mas também dentre os gentios? Como também diz em Oséias: Chamarei meu
povo ao que não era meu povo; E amada à que não era amada. E sucederá que no lugar
em que lhes foi dito: Vós não sois meu povo; Aí serão chamados filhos do Deus
vivo". Romanos 11:5-7: "Assim, pois, também agora neste tempo ficou um
remanescente, segundo a eleição da graça. Mas se é por graça, já não é pelas obras;
de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais
graça; de outra maneira a obra já não é obra. Pois quê? O que Israel buscava não o
alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos". João 15:16:
"Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que
vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome
pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda". Mateus 20:16: "Assim os derradeiros serão
primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos
escolhidos". Mateus 22:14: "Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos". 2
Timóteo 1:9: "Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas
obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus
antes dos tempos dos séculos". 2 Timóteo 2:10: "Portanto, tudo sofro por amor dos
escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com
glória eterna". 1 Tessalonicenses 1:4-5: "Sabendo, amados irmãos, que a vossa
eleição é de Deus; porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas
também em poder, e no Espírito Santo, e em muita certeza, como bem sabeis quais
fomos entre vós, por amor de vós". 1 Pedro 1:1-2: "Pedro, apóstolo de Jesus Cristo,
aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia; eleitos
segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e
aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas". Romanos
8:28-30: "E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles
que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que
dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho,
a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a
estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que
justificou a estes também glorificou". CAPÍTULO 5 POR QUEM MORREU CRISTO?

No Capítulo 4 vimos que Deus o Pai é soberano na salvação. Ele concede o dom da fé
para que as pessoas possam crer. Deus dá esta fé só àqueles que Ele tem escolhido e
sem dúvidas tem o direito de atuar como e quando quer neste assunto. Agora, neste
capítulo mostraremos que Deus o Filho é também soberano na salvação. Há quem
predicam que Cristo morreu para fazer que a salvação do pecado fora possível para
todo mundo. Porém, isto não pode ser verdade porque Jesus mesmo disse que Ele daria
vida eterna só àqueles que lhe foram "dados" pelo Pai. Atente para as palavras de
Jesus em João 17:2: "Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a
vida eterna a todos quantos lhe deste". Muitas passagens na Bíblia ensinam que
Cristo morreu somente por aqueles que Deus escolheu. Vejamos algumas destas
passagens. Temos visto que antes da fundação do mundo Deus escolheu um povo para
ser salvo. A Bíblia ensina que Cristo veio ao mundo para fazer a vontade do Pai. Em
João 6:38 lemos as seguintes palavras de Jesus: "Porque eu desci do céu, não para
fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou". Também Jesus falou do
povo que Deus lhe havia dado em João 17:6, dizendo: "Manifestei o teu nome aos
homens que do mundo me deste; eram 10
"Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras." Atos
15:18
teus, e tu mos deste...". Fica claro então que Deus tem escolhido certas pessoas
para serem salvas, e que Jesus, realizando a vontade de Deus, morreu para executar
a salvação deles. Outro ponto que devemos considerar é o seguinte: quando Jesus
morreu, ele tomou o lugar dos pecadores culpados e sofreu em lugar deles, a fim de
que eles não tivessem que sofrer o castigo pelos seus pecados. Se Jesus tivesse
sofrido e morrido em lugar de todos, então ninguém teria que sofrer pelos seus
pecados. Ou seja, Deus, sendo justo, não poderia exigir dois pagamentos pelos
mesmos pecados, vendo-Se obrigado a deixar livres a todos. No entanto a Bíblia fala
de pessoas que morrem em seus pecados e a eles Jesus diz: "Apartaivos de mim,
malditos, para o fogo eterno..." (Mateus 25:41). Resulta claro então que Jesus não
morreu por todos, porque existem algumas pessoas que receberão a maldição de Deus e
terão de sofrer pelos seus pecados. (NOTA: também devemos ter em conta o fato de
que muitas pessoas já estavam no inferno antes que Cristo viesse e morresse.
Resulta evidente que Cristo não fez nada para salvar àqueles que já estavam
perdidos antes de sua vinda). Vemos em Hebreus 9:24 que Cristo Jesus "entrou (...)
no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus". Também em
Hebreus 7:25 diz: "Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se
chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles". Perceba que Jesus não está
intercedendo a favor de todos (como também nos fala Romanos 8:34: "Quem é que
condena? Pois é Cristo quem morreu, ou, antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o
qual está à direita de Deus, e também intercede por nós."), que Cristo intercede só
a favor dos eleitos. Cristo afirma isto mesmo quando diz em João 17:9: "Eu rogo por
eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus". No
Antigo Testamento, o sumo sacerdote intercedia diante de Deus em favor deste mesmo
povo. Numa forma semelhante, Cristo tem realizado o sacrifício de si mesmo pelos
pecados de todos aqueles que o Pai tem escolhido, e agora, como sumo sacerdote, ele
intercede por eles no céu. Assim sendo, já que cristão só intercede a favor do povo
eleito de Deus, isto quer dizer que morreu só por eles. Em João 6:44 Cristo diz:
"Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei
no último dia". Também diz o mesmo em 6:65: "E dizia: Por isso eu vos disse que
ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido". Isto ensina que é o
poder divino o que faz com que o pecador esteja disposto a acudir a Cristo e que,
por natureza, todos estão indispostos para vir. Sabemos que algumas pessoas nunca
virão a Jesus. Por que não vêm? Alguns respondem que Jesus nunca constrange ninguém
para recebê-Lo como Salvador. Em certo sentido, isto é verdade, mas em outro
sentido está completamente errado. Cristo tem o poder para fazer com que a gente
venha a Ele, porque Ele é Deus mesmo, o Todo Poderoso. Uma razão pela qual muitas
pessoas não vêm a Jesus é porque Cristo não teve o propósito de salvá-las. Cristo
teve a intenção de salvar só àqueles que Deus tinha eleito. Ele usa seu divino
poder para fazer que estas pessoas em particular estejam dispostas a recebê-Lo como
Senhor e Salvador. Cristo afirmava este ensino em muitos textos. Por exemplo, ele
diz em João 6:37: "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira
nenhuma o lançarei fora". Em João 10:26 diz: "Mas vós não credes porque não sois
das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito". Em João 5:21 diz que "...assim como
o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles
que quer." Em Mateus 11:27 Cristo diz que "...ninguém conhece o Pai, senão o Filho,
e aquele a quem o Filho o quiser revelar." Em Mateus 1:21 diz: "...e chamarás o seu
nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados". Jesus mesmo disse em
Mateus 20:28 que veio dar sua vida em resgate por "muitos". Perceba que não diz que
veio dar sua vida em resgate por "todos". Mateus 26:28 declara: "...isto é o meu
sangue; o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos
pecados". Em João 10:11, Cristo afirma que dará sua vida "pelas ovelhas". Efésios
5:25 afirma que Cristo entregou-se a si mesmo pela "Sua Igreja". Hebreus 9:28
declara que "...Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos...".
Também vemos o mesmo no Antigo Testamento, na profecia de Isaias 53:12: "...ele
levou sobre si o pecado de muitos...", e "pela transgressão do meu povo ele foi
atingido" (versículo 8), e "...com o seu conhecimento o meu servo, o justo,
justificará a muitos; porque as iniqüidades deles levará sobre si" (versículo 11).
Finalmente, vamos prestar atenção em alguns textos da Bíblia que parecem ensinar
que Jesus morreu por todos os homens sem exceção. Ao ler cuidadosamente estes
textos perceberemos que realmente não ensinam tal coisa. Em 2 Coríntios 5:14 diz
que Jesus morreu "por todos". No entanto, se lemos o versículo 15, podemos apreciar
que "todos" refere-se a "todos os crentes". Ao dizer "um morreu por todos" indica
que Cristo morreu por todos os Seus. Em 1 Timóteo 2:6 diz que Cristo "se deu a si
mesmo em preço de redenção por todos". mas a Bíblia usa esta palavra "todos" em
várias maneiras: às vezes significa "alguns de cada classe", outras vezes a palavra
"todos" pode significar "cada um de uma espécie em particular" ou "toda classe de
pessoas". 11
Nesta passagem significa que Jesus morreu por toda classe de pessoas, ricos e
pobres, poderosos e fracos. Já temos visto outras passagens que ensinam claramente
que Cristo morreu por todos os eleitos de Deus. Outro versículo em Hebreus 2:9 nos
diz que "pela graça de Deus, provasse a morte por todos". Mas em seguida declara
que "todos" são somente os filhos de Deus. (O versículo 10 refere-se a muitos
filhos, o versículo 11 os chama de "irmãos", o versículo 13 fala de "os filhos que
Deus me deu", o versículo 16 os chama "a semente" de Abraão e o versículo 17 diz
que Ele morreu "para expiar os pecados do povo"). Então, já vimos que a Bíblia
mostra claramente que o Senhor Jesus morreu por aqueles que o Pai escolheu para
salvação. Não há limite nem no valor nem no poder da salvação de Deus, porém em sua
soberania Cristo tem assegurado que esta redenção seja aplicada somente ao povo que
Deus escolheu. Portanto, posso fazê-lhe uma pergunta muito importante? É você uma
das pessoas eleitas por Deus? Você foi salvo por Jesus? NOTA DO TRADUTOR: alguns
opõem-se à idéia de que Cristo morreu só pelos crentes, se baseando nos textos que
usam a palavra "mundo" ou a frase "todo mundo". Um estudo profundo do uso da
palavra "mundo" no Novo Testamento revela que essa palavra (grego= "kosmos"), é
usada nas seguintes formas: 1. Para se referir ao universo inteiro, veja Atos
17:24, Efésios 1:4, etc. 2. Para se referir à terra, veja João 13.1 3. Para se
referir à maioria dos homens, veja Romanos 1:8. 4. Para se referir ao Império
Romano, veja Lucas 2:1. 5. Para se referir aos homens maus (os descrentes), ou
seja, o "mundo" dos incrédulos, veja João 14:17, 1 João 5:19, etc. 6. Para se
referir aos crentes (o "mundo" dos crentes), veja João 6:33, 2 Coríntios 5:19, etc.
7. Para se referir ao mundo como um sistema corrupto, veja 1 João 2:15-17. 8. Para
se referir aos gentis em contraste com os judeus, veja Romanos 11:11-12. Então, não
devemos cair no erro de pensar que o mero uso da palavra "mundo" signifique que
Cristo morreu por todos e cada um dos homens do mundo. CAPÍTULO 6 O ESPÍRITO SANTO
CHAMA OS ESCOLHIDOS DE DEUS

Já temos visto que Deus o Pai é soberano em escolher certas pessoas para que sejam
salvas do pecado, e também temos visto que Deus o Filho é soberano em morrer para
salvar os escolhidos. Neste capítulo veremos que Deus o Espírito Santo é soberano
na salvação. Ele chama eficazmente àqueles que Deus tem escolhido e aplica-lhes os
benefícios da morte de Cristo. Do que já temos aprendido, era de se esperar que
fosse assim. Se Deus o Pai escolheu certas pessoas e Deus o Filho morreu por elas,
o Espírito Santo deveria aplicá-lhes os benefícios da morte de Cristo. E isto é
exatamente o que a Bíblia ensina. Em João 3:8 lemos que o vento "assopra onde
quer". Nós ouvimos seu som, mas não podemos dizer de onde vem e aonde vai. Assim é
com todo aquele nascido do Espírito. Neste versículo a ação do Espírito Santo é
comparada com o vento. Tal como o vento assopra "onde quer", assim o Espírito Santo
obra onde lhe apraz. Assim como nós não podemos dizer de onde vem o vento e aonde
vai, assim também não podemos ver como e onde operará o Espírito Santo. O vento
assopra quando, onde e como a ele lhe apraz, ou pelo menos assim nos parece a nós.
Desde a nossa perspectiva humana, o vento é soberano no que faz. Assim também o
Espírito Santo é soberano no que faz. Em ocasiões, o vento assopra suavemente e em
outras, barulhentamente. Também o Espírito Santo às vezes opera suavemente, de
maneiras que não podemos discernir, e em outras, opera poderosamente, de formas que
todos podem ver. O Espírito Santo faz o que lhe apraz. Neste capítulo queremos
mostrar que o Espírito Santo é soberano em trazer os escolhidos ao novo nascimento.
Primeiro, sabemos que as pessoas mortas em pecado não podem vivificar-se a si
mesmas espiritualmente. Nós não fizemos nada a respeito de nosso nascimento físico,
e do mesmo modo não podemos fazer nada em relação com o nosso nascimento
espiritual. Segundo João 5:24, este nascimento novo significa "passar de morte para
a vida". Uma pessoa espiritualmente morta não pode vivificar-se a si mesma, tal
como uma pessoa fisicamente morta também não pode ressuscitar-se. João 6:63 diz: "O
Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita". (Outros 12

"Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!" Romanos
11:33
textos que afirmam o mesmo ponto são: João 1:13; 5:21; 3:5-6; Tiago 1:18; 1 Pedro
1:23; Efésios 2:5, etc.). porém, fica claro que o Espírito Santo não dá a nova vida
a todos. Por que não? A resposta comum a esta pergunta é que nem todos confiam em
Cristo. Muitos dirão que o Espírito Santo só dá a vida espiritual às pessoas que
acreditam primeiro em Cristo. Mas esta resposta coloca as coisas numa ordem errada.
Não é a fé a que conduz à vida espiritual, mas a nova vida espiritual que nos é
concedida traz com ela a fé. A fé salvadora não é algo que temos por natureza. 2
Tessalonicenses 3:2 diz que nem todos os homens têm fé. Efésios 2:1 diz que por
natureza estamos mortos em nossos delitos e pecados. Então, se estamos
espiritualmente mortos, não podemos ter fé, porque a gente morta não pode crer em
nada. Segundo, a Bíblia ensina claramente que a obra do Espírito Santo de dar vida
espiritual acontece antes que tenhamos fé em Cristo. (Ou seja, que a regeneração
precede à fé ou, em outras palavras, a fé vem como resultado do novo nascimento).
Em 2 Tessalonicenses 2:13 diz: "...por vos ter Deus elegido desde o princípio para
a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade". Aqui nos fala que os
Tessalonicenses tinham sido eleitos e foram "apartados" ou "separados" pelo
Espírito Santo antes que cressem na verdade. A palavra santificação neste versículo
tem o significado de "separar" ou "pôr aparte para os usos de Deus". então, que
significa aqui ser "apartado" pelo Espírito Santo? Imagine que 100 pessoas escutam
o evangelho da salvação pela fé em Cristo; mas só uma pessoa crê. Esta pessoa tem
nascido de novo espiritualmente e agora tem nova vida. Tem sido "apartada" ou
"separada" das outras 99 que não acreditaram. Assim, 2 Tessalonicenses 2:13 nos
explica que as pessoas que Deus tem escolhido são afastadas pelo Espírito Santo a
fim de que creiam a verdade. (NOTA DO TRADUTOR: Esta obra do Espírito Santo de
colocar aparte é comumente denominada "o chamamento eficaz", porque é um chamamento
especial que o Espírito Santo realiza nos escolhidos, assegurando que se arrependam
e acreditem em Cristo). A ordem das coisas é muito importante. primeiro, Deus
escolhe; segundo, ocorre o chamamento do Espírito Santo ao "chamar" ou "separar"
(santificar) os escolhidos; e por último, vem a fé na verdade. Esta é a mesma ordem
assinalada em 1 Pedro 1:2, que diz assim: "Eleitos segundo a presciência de Deus
Pai, em santificação do Espírito, para a obediência..." (Ou seja, para a obediência
do evangelho). Antes que cheguemos a crer em Cristo, tem que suceder primeiro a
obra do Espírito afastando-nos, e ainda antes disso é a eleição de Deus. Assim
sendo, podemos ver que a obra do Espírito Santo é uma parte necessária do plano de
Deus para o seu povo. Se Deus somente tivesse dado a Cristo para morrer pelos
pecadores, nenhum pecador teria sido salvo. A obra do Espírito Santo é vital. O
Espírito tem que obrar primeiro no coração antes que qualquer pecador possa ver a
sua necessidade de ser salvo do pecado. Os pecados necessitam ser renascidos e
capacitados com uma disposição nova para poder receber a Cristo. Ou seja, sem esta
obra do Espírito Santo ninguém acreditaria. Embora o evangelho da salvação fosse
predicado repetidas vezes, ninguém acreditaria em Cristo sem a obra do Espírito
Santo em seus corações. Por que é assim? Devido a que por natureza toda pessoa
odeia a Deus e não está disposta a se arrepender nem a acreditar em Cristo.
Portanto, é devido a que o Espírito Santo opera no coração dos escolhidos que estes
crêem. Tem começado Deus o Espírito Santo a trabalhar em seu coração? É você um
crente em Cristo Jesus? Deseja ser um crente? Ouça! Se você deseja crer em Jesus
Cristo, algo o tem feito diferente de todos aqueles que rejeitam vir a Cristo. O
fato de que você procura a salvação em Cristo Jesus é uma evidência de que o
Espírito Santo está chamando você. Não significa isto então que você é uma das
pessoas pelas quais Cristo morreu? Pense nisso! TEXTOS BÍBLICOS: Filipenses 2:12-
13: "De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha
presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa
salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar, segundo a sua boa vontade". 2 Tessalonicenses 2:13: "Mas devemos sempre
dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde
o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade" Lucas
10:21-22: "Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças
te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas aos sábios e
inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te
aprouve. Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho senão o
Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar".
João 6:37: "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma
o lançarei fora". 13
2 Timóteo 1:9: "Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as
nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em
Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos". CAPÍTULO 7 DEUS CONTROLA A HISTÓRIA

Até agora temos visto que Deus controla tudo, incluindo a salvação das pessoas que
Ele tem escolhido. Deus o Pai escolheu certas pessoas para serem salvas; Deus o
Filho morreu para salválas, e Deus o Espírito Santo lhes outorga a vida espiritual.
Mas, está Deus controlando tudo conforme um plano determinado ou está continuamente
mudando este plano? Neste capítulo veremos que Deus está controlando tudo de acordo
a um plano fixo e predeterminado. Muita gente ficaria de acordo com que Deus sabe
de antemão o que acontecerá no futuro. Assim sendo, se Deus sabe o que sucederá,
isto só pode significar que no passado Ele decidiu o que devia acontecer; já que se
Deus não tivesse decidido o que sucederia, não poderia ter conhecido com plena
certeza o que haveria de acontecer. A presciência (pré-conhecimento) de Deus não
faz que as coisas aconteçam,; elas acontecem devido a que Ele já tinha decidido que
sucedessem. Em Atos 15:18 diz que Deus conhecia o que ia acontecer desde antes que
o mundo começasse: "Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as
suas obras". Isto significa que Deus tem um plano fixo e que não o muda. (NOTA DO
TRADUTOR: quando a Bíblia fala de que Deus se arrepende, por exemplo, em Gênesis
6:6, não devemos entender a palavra "arrependimento" como se tivesse acontecido uma
mudança em Deus. Também não devemos concluir que isso signifique o surgimento de
algo não previsto por Deus em seu pano eterno. Temos que interpretar o
arrependimento de Deus à luz de outras escrituras e à luz da natureza e dos
atributos do próprio Deus. Por exemplo, temos que levar em conta os seguintes
versículos para poder entender o que significa o arrependimento de Deus: 1 Samuel
15:29 declara o seguinte: "E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se
arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa". Tiago 1:17 afirma que
"Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em
quem não há mudança nem sombra de variação." ["variação" significa "mudança"]. O
salmista disse: "Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou" (Salmo
115:3). Isaias proclamou: "Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o
invalidará? E a sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?" (Isaias
14:27). Nabucodonosor, ao voltar a si, afirmou: "E todos os moradores da terra são
reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os
moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?"
(Daniel 4:35). Jeová diz por boca de Isaias: "Lembrai-vos das coisas passadas desde
a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim.
Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não
sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade"
(Isaias 46:9-10). Outra vez o salmista escreve: "O conselho do SENHOR permanece
para sempre; os intentos do seu coração de geração em geração" (Salmo 33:11). Por
fim, o apóstolo Paulo no Novo Testamento: "Porque dele e por ele, e para ele, são
todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém" (Romanos 11:36). Estes
versículos nos conduzem a afirmar que a única interpretação correta do
arrependimento de Deus é que se trata do uso de um antropomorfismo. Ou seja, que
Deus digna-se falar-nos como se fosse um homem, utilizando uma linguajem humana,
como se Deus experimentasse uma mudança. Mas em realidade a mudança está nos homens
e na maneira como Ele trata com eles, e não na natureza de Deus.) Vejamos qual foi
o plano de Deus quando fez o mundo e todas as pessoas que o habitam. A Bíblia nos
diz em Provérbios 16:4 que Deus fez todas as coisas para Si mesmo. Em Apocalipse
4:11 diz que Deus criou todas as coisas para Seu próprio prazer. Quando criou o
mundo e especialmente quando criou o homem, tinha a intenção de manifestar sua
própria glória. No obstante, Deus sabia perfeitamente, antes de criar o homem, que
ele cairia. Portanto, antes que o mundo fosse feito, Deus decidiu salvar a muitas
pessoas por meio do Senhor Jesus Cristo. Assim sendo, a salvação de muitos
pecadores através de Cristo Jesus fez parte do plano de Deus antes que o mundo
fosse feito. Deus planejou manifestar a sua bondade através da salvação de muitas
pessoas pecadoras. E sendo que Deus sempre tem controlado o mundo desde a criação,
Ele é perfeitamente capaz de executar seu plano de salvar a muitos pecadores dos
seus pecados. 14

"Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele
eternamente. Amém." Romanos 11:36
Num capítulo anterior vimos que Deus controla as coisas inanimadas e os animais.
Também vimos que Deus tem usado tanto as coisas inanimadas como os animais para
proteger, cuidar e ainda advertir o seu povo escolhido. Assim sendo, tanto as
coisas inanimadas como os animais são utilizados por Deus em seu plano. Mas, como
controla Deus os homens para efetuar seu plano de salvar seu povo de seus pecados?
Primeiro consideraremos como Deus opera na vida dos seus, aqueles que têm sido
escolhidos para serem salvos. Em primeiro lugar, Deus vivifica espiritualmente seu
povo escolhido. Em si mesmas, estas pessoas não são diferentes das outras; ou seja,
não desejam obedecer a Deus, assim como os outros também não o desejam. Porém Deus
muda a natureza das pessoas que Ele tem escolhido a fim de que eles desejem
realmente ser santos e obedecê-Lo. Esta mudança é tão grande que a Bíblia a define
como "um novo nascimento". Ser vivificados espiritualmente não é meramente uma
mudança temporal de opinião, senão um câmbio completo, o qual alcança a pessoa
completa (sua mente, suas emoções e sua vontade). Esta mudança dura para sempre e é
operada em conformidade com o plano de Deus. Em segundo lugar, Deus dá fortaleza e
poder a seu povo. Mediante este poder os crentes são capacitados para realizar o
que Ele lhes ordena. Eles são capacitados para mostrar em suas vidas os frutos do
Espírito: o amor, o gozo, a paz, a paciência, a fé, a mansidão e a temperança. Em
terceiro lugar, Deus guia as pessoas escolhidas a fim de que voluntariamente
realizem as coisas que Lhe agradam. Em quarto lugar, Deus cuida de seu povo para
que nesta vida possam continuar amando-O e servindo-O, cumprindo assim o Seu plano.
Em todas estas formas Deus efetua seu propósito de salvar a muitas pessoas de seus
pecados. Mas também Deus efetua seus propósitos controlando a muitas pessoas
malvadas. Vejamos como é Seu controle sobre este tipo de pessoas. Em primeiro
lugar, às vezes Deus evita que a gente má realize coisas malvadas. Em Números 23 a
Bíblia nos fala de um homem chamado Balaão, quem tinha sido contratado para
amaldiçoar o povo de Deus (os israelitas). Balaão mesmo queria amaldiçoá-los, porém
Deus o deteve. Em vez de amaldiçoá-los, Deus fez com que ele os abençoasse. Assim,
pois, Deus às vezes detém as pessoas malvadas de realizarem coisas perversas. Em
segundo lugar, às vezes Deus muda o pensamento das pessoas más a fim de que façam a
Sua vontade. Por exemplo, quando os israelitas, o povo de Deus, foi cativo dos
persas, Deus fez que o rei da Pérsia (Ciro) emitisse um decreto para a reconstrução
do templo em Jerusalém. O rei Ciro era um homem muito malvado, mas a sua mente foi
mudada de modo que ele fizesse a vontade de Deus. Em terceiro lugar, às vezes Deus
faz com que surja o bem das más ações das pessoas perversas. Isto se manifesta
especialmente na crucifixão do Senhor Jesus Cristo. Apesar de que os homens maus
simplesmente queriam matá-lo, foi por meio de Sua morte na cruz que Cristo salvou
de seus pecados a todo seu povo escolhido. Em quarto lugar, às vezes Deus faz que
as pessoas más se tornem piores. (Assim o diz Romanos 9:18: "…e endurece a quem
quer"). Deus faz com que sejam incapazes de ver o bom e o verdadeiro. Assim
aconteceu com Faraó, o rei dos egípcios, de tal maneira que ele chegou a ser cada
vez mais cruel com os israelitas. Para nós é difícil compreender por que Deus
realiza tais coisas, mas podemos estar seguros de que o Juiz Justo de toda a terra
não pode cometer injustiça, e que Ele manifesta a Sua grandeza e Sua soberania
quando age assim. Então, Deus tem um propósito definido ao controlar o mundo e os
seus habitantes. (Isto significa que Deus controla a história e seus
acontecimentos). O plano de Deus é salvar a uma grande multidão de pessoas dos seus
pecados. Ele dá ao seu povo eleito vida espiritual, poder, guia e proteção. Ele
também impede, debilita, dirige ou incomoda o que a gente má faz. Assim sendo,
todas as coisas são controladas por Deus e Ele efetua perfeitamente seu plano de
salvar seu povo dos seus pecados. Que maravilhosa sabedoria e glória pertencem a
Deus! não deve maravilhar-nos que os crentes O louvem pelo que Ele é e pelo que Ele
tem feito. TEXTOS BÍBLICOS: Salmo 147:15-18: "O que envia o seu mandamento à terra;
a sua palavra corre velozmente. O que dá a neve como lã; esparge a geada como
cinza; o que lança o seu gelo em pedaços; quem pode resistir ao seu frio? Manda a
sua palavra, e os faz derreter; faz soprar o vento, e correm as águas". Isaias
14:27: "Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão
está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?" Isaias 46:9-10: "Lembrai-vos das
coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há
outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade
as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei
toda a minha vontade". 15
Provérbios 21:1: "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR,
que o inclina a todo o seu querer". Provérbios 19:21: "Muitos propósitos há no
coração do homem, porém o conselho do SENHOR permanecerá". CAPÍTULO 8 A NOSSA
VONTADE NÃO É REALMENTE LIVRE

Muitas pessoas dizem que o homem tem "livre arbítrio". Elas dizem que podemos
escolher por nós mesmos acreditar ou não no Senhor Jesus. Nos dizem que temos em
nós mesmos a capacidade para aceitar ou rejeitar a Cristo. Porém a Bíblia não
ensina isso. Rm 3:11 diz que ninguém deseja buscar a Deus. é verdade que a Bíblia
diz que quem quiser pode vir a Cristo, mas isto não significa que os homens possuam
a capacidade de vir. De fato, a Bíblia diz claramente que ninguém tem a capacidade
de vir a Cristo. (Veja, por exemplo, João 6:44, 65). Romanos 8:7 nos diz que a
nossa natureza caída está em inimizade contra Deus. João 15:18 diz que o mundo
odeia em forma natural a Deus. leia estes versículos por si mesmo e veja que isto é
bíblico. Fica claro então que a Bíblia diz que as nossas vontades não são realmente
livres. Não somos livres para escolher se vamos receber a Cristo como nosso
Salvador ou não. Em realidade, longe de sermos livres ou neutrais, a nossa vontade
é escrava de outras coisas. Mas, o que é a nossa vontade? A vontade é a capacidade
de escolher entre uma coisa e outra, ou entre mais alternativas. Mas algo sempre
influi na eleição, que nos faz decidir em prol de uma ou em contra de outra
alternativa. Isto significa que a nossa vontade é como uma serva daquelas coisas
que influem em sua decisão. Portanto, a nossa vontade não pode ser livre. Quais são
as coisas que influem em nossa vontade para que escolha entre uma coisa ou outra?
Isso depende de que tipo de pessoas sejamos; ou seja, depende de nossa natureza e
caráter. Em algumas pessoas esta influência pode ser a razão, e em outras poderia
ser a consciência ou as emoções, ou poderia ser Satanás ou o Espírito Santo.
Qualquer destas coisas que tenha mais influência sobre a pessoa é o que em verdade
controla a sua vontade. Então, enquanto muitos dizem que é a vontade do homem o que
o governa, a Bíblia ensina que é a sua natureza interna a que o controla. A Bíblia
chama esta natureza interior "o coração". É o nosso coração (nossa natureza
interior) o que influencia a nossa vontade. Portanto, quando alguém realiza uma
eleição, fará o que agrada a seu coração. Se um pecador tem que escolher entre uma
vida de bondade e de santidade e uma vida de pecado e egoísmo, escolherá a vida de
pecado. Por que? Porque isso é o que agrada a seu coração. Seu coração (seu "eu"
interior) é pecaminoso. Lembre-se, a vontade do homem (sua capacidade de escolha)
está controlada pelo seu coração pecaminoso. A Bíblia ensina que os nossos corações
são por natureza pecaminosos e que por natureza odiamos a Deus. Devido a isso, as
nossas vontades inclinam-se naturalmente para a maldade, já que as nossas vontades
são controladas pelos nossos corações pecaminosos. E já que nunca somos forçados a
pecar em contra de nossa vontade, existe um sentido em que podemos dizer que as
nossas vontades são "livres". Como pessoas somos livres de fazer o que nos dá
prazer, mas porque somos pecadores, gostamos sempre é de pecar. Isto é semelhante a
um homem que sustém um livro em sua mão e depois o deixa cair. O livro é agora
livre, mas naturalmente cai no chão. O homem que o soltou não o tem forçado a cair
no chão: aí caiu. Do mesmo modo, ninguém força o pecador a pecar; ele peca
naturalmente porque a sua natureza pecaminosa controla a sua vontade. Ele escolhe
pecar livre e deliberadamente, mas sempre escolhe pecar porque a sua natureza é
pecaminosa. O pecado tem afetado cada parte da natureza do homem, ou seja: a sua
mente, suas emoções e sua vontade. O homem é totalmente depravado e isso não é
difícil de provar. Não temos que discutir acerca da natureza pecaminosa do homem,
já que nenhuma pessoa pode guardar as normas que ela impõe a si mesma. Também não
pode fazer as coisas boas que deseja realizar, nem muito menos as coisas que
agradam a Deus (é por isso que a Escritura declara: "Não há um justo, nem um
sequer" (Romanos 3:10). Isto mostra claramente que o homem não é livre, senão que
está controlado pelo pecado e por Satanás. O pecado tem penetrado em cada parte de
nossa natureza humana. Por natureza não queremos realizar a vontade de Deus, e
também não 16

"Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa
vontade." Filipenses 2:13
desejamos amá-Lo. O pecado tem entrada em cada parte de nós, incluindo as nossas
vontades. Nossas vontades não são livres. De igual maneira como as outras partes de
nosso ser, a vontade é governada pelo pecado e está em oposição a Deus. Sendo
assim, não é correto dizer que o homem é capaz de escolher amar e obedecer a Deus,
porque em realidade a vontade não deseja obedecer a Deus em absoluto. Também não é
correto dizer que os homens têm que fazer "a sua parte" na salvação de si mesmos.
Um homem morto não pode fazer nada para salvar a si mesmo, e a Bíblia nos diz que
os homens estão mortos a causa de sua desobediência e pecado. Somente Deus pode
mudar a nossa natureza pecaminosa de modo que cheguemos a amá-Lo e obedecê-Lo.
(Veja os seguintes versículos para confirmar esta verdade: Romanos 8:7-8; 1
Coríntios 2:14; João 6:44, 65; João 3:1-9; Efésios 4:17-19; Efésios 2:1-10; João
8:34, 44; Gênesis 6:5; Eclesiastes 9:3; Jeremias 17:9; Marcos 7:21-23; Isaias 53:6
y 64:6; Jó 14:4; Jeremias 13:23, etc.). Temos aprendido que Deus tem o controle de
todas as coisas. Deus o Pai escolheu salvar a certas pessoas de seus pecados. Jesus
Cristo morreu para salvá-los e o Espírito Santo lhes dá vida espiritual. Na
salvação de seu povo e em seu controle de todas as coisas, Deus opera de acordo com
Seu propósito determinado. Nenhuma pessoa pode escolher se será salva ou não,
porque a sua vontade é por natureza má e não deseja o que é bom. Ou seja, se Deus
deixara liberados a todos nós aos desejos de nossa própria natureza, então nenhum
seria salvo, mas todos perdidos. Só Deus pode realizar que uma pessoa deseje ser
salva de seus pecados. Muitas pessoas desejam escapar das conseqüências de seus
pecados, mas ninguém por natureza quer deixar o pecado, nem ser salvo de seu
controle e domínio. É por isso que a Bíblia ensina que o arrependimento e a fé são
dons que Deus concede só aos seus escolhidos. (Veja por exemplo: 2 Timóteo 2:24-26;
Atos 5:31 y Atos 13:48; Filipenses 1:29 y 2:13-14; Tiago 1:18; 1 Coríntios 3:5;
Romanos 12:3; Atos 16:14). CAPÍTULO 9 A SOBERANIA DE Deus E A RESPONSABILIDADE
HUMANA

No capítulo anterior consideramos a questão da vontade humana. Temos visto que a


vontade do homem natural não é soberana nem também não livre, senão antes bem serva
de sua natureza caída e do pecado. Não é possível sustentar a doutrina bíblica da
depravação humana a menos que sustentemos também o conceito bíblico da escravatura
da vontade humana. Até que seja ensinado por Deus, o homem natural negará que o
pecado tem escravizado tanto a sua mente como as suas emoções e a sua vontade. O
homem caído vangloria-se de seu "livre arbítrio", quando em realidade está em
servidão ao pecado e é levado cativo à vontade de Satanás. (Veja 2 Timóteo 2:26).
Mas se a vontade do homem natural não é livre, significa então que não é
responsável pelos seus atos? Acaso Deus não pode inculpá-lo pelo seu orgulho,
rebelião e incredulidade? As Escrituras falam continuamente da corrupção moral e da
ruína espiritual do homem. Também declaram que o homem é incapaz de fazer o bem
espiritual, mas isto não significa que as Escrituras neguem que seja responsável.
Antes bem, falam continuamente dos seus deveres para Deus e para o seu próximo, e
exigem uma obediência perfeita aos mandamentos de Deus. Então, o assunto mais
difícil é definir a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana.
Muitos, em seu empenho por manter a verdade da responsabilidade humana, acabam
negando de uma ou outra forma a soberania de Deus. Estas pessoas dizem que se Deus
fosse a exercer um controle direto sobre a vontade humana, o homem ficaria reduzido
a um fantoche. Portanto, afirmam que Deus não pode fazer mais do que advertir e
exortar o h.; pois se Deus fizesse algo mais direto, isto acabaria com a liberdade
humana. Outros têm caído no erro do fatalismo; ou seja, tratam de usar a soberania
de Deus para justificar a sua desobediência e pecado, como se Deus tivesse a culpa.
Podemos resumir o ensino bíblico sobre este assunto com o seguinte: 1. Deus é
inteiramente soberano, em todo sentido, sobre todas as coisas, incluso sobre a
vontade humana. Mas a soberania de Deus não tira nem diminui em forma alguma a
responsabilidade humana. 2. Os homens são completamente responsáveis; são
responsáveis pelos seus atos, são responsáveis de obedecer, de crer, de fazer a
vontade de Deus, responsáveis por tudo quanto fazem. Mas em sentido nenhum a
responsabilidade humana tira ou diminui a soberania de Deus. 17
"Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa
vontade." Filipenses 2:13
3. Não existe contradição alguma entre estas duas verdades. Paulo em Romanos 9:11-
24 dá uma exposição das duas coisas. O leitor deveria realizar um cuidadoso estudo
dos argumentos apresentados pelo apóstolo em Romanos 9 em defesa desta verdade.
Também muitos outros versículos declaram juntamente estas duas verdades. Veja por
exemplo Atos 2:23, Lucas 22:22, Atos 4:24-28, Atos 13:45-48 y 2 Tessalonicenses
2:8-14. Neste capítulo trataremos com as seguintes perguntas: 1. Como pode Deus
deter a alguns homens de realizarem o que eles desejam e impulsionar a outros a
fazer o que não querem, e ao mesmo tempo preservar a sua responsabilidade? (Ou
seja, considerá-los responsáveis). 2. Como pode o pecador ser responsável de fazer
o que por natureza é incapaz de fazer? Como pode ser condenado por não fazer o que
é incapaz de fazer? 3. Como pode Deus decretar que os homens façam certos pecados e
depois responsabilizá-los por cometê-los? 4. Como pode o pecador ser responsável de
receber a Cristo e ser responsável por rejeitá-lo, quando Deus não o tem escolhido
para ser salvo? Primeiro: Como pode Deus deter a alguns homens de realizarem o que
eles desejam e impulsionar a outros a fazer o que não querem, e ao mesmo tempo
preservar a sua responsabilidade? Em Gênesis 20:6 lemos: "E disse-lhe Deus em
sonhos: Bem sei eu que na sinceridade do teu coração fizeste isto; e também eu te
tenho impedido de pecar contra mim; por isso não te permiti tocá-la". Aqui temos um
caso claro onde Deus deteve Abimeleque de pecar, impedindo que fizesse o que por si
mesmo teria feito. (Veja também os caps 22 al 24 de Números e 2 Crônicas 17:10,
como exemplos de vezes em que Deus deteve o pecado). Se Deus pode fazer isso, muita
gente pergunta, por que então não impediu Adão de pecar? Por que não deteve a
Satanás? Ou, como o expressam muitos na atualidade, por que permite que ocorra
tanto sofrimento e maldade no mundo? Alguns respondem dizendo que Deus quer detê-
lo, mas não pode porque não pode violar o "livre arbítrio" humano sem reduzir o
homem a um robô. Tal resposta é absurda e indigna de Deus. Quem é o homem para
dizer que o Todo Poderoso Deus quer mas não pode fazer? A resposta bíblica
apropriada é que tanto o pecado como a queda de Adão são usados para manifestar
melhor a sabedoria e os bons propósitos de Deus. Entre outras coisas, o pecado
provê ocasião para que o amor e a superabundante graça de Deus sejam manifestados.
Como é possível que Deus impeça os homens de pecar sem interferir com a sua
liberdade e com a sua responsabilidade? A resposta encontra-se numa compreensão da
seguinte pergunta: Em que consiste a verdadeira liberdade moral? A resposta é que a
liberdade moral consiste na liberação da escravatura do pecado. Isto é o que Cristo
expressou em João 8:36: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis
livres". Quer dizer, quanto mais seja a pessoa liberada do controle do pecado, mais
livre será. Os homens têm uma definição falsa da liberdade, porque acreditam que a
liberdade consista em serem livres para pecar. A Bíblia afirma que o pecado não é
liberdade, mas escravidão. Isto é o que Cristo disse em João 8:34: "Respondeu-lhes
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do
pecado". O homem natural supõe que a única liberdade encontra-se no fato de não
estar sob nenhuma autoridade, nem sob o controle de ninguém salvo ele mesmo,
cumprindo os desejos de seu próprio coração. No obstante, este tipo de "liberdade"
em realidade resulta ser a pior escravidão e miséria possíveis. A Escritura nos diz
que Deus não pode ser tentado pelos maus (Tiago 1:14), que Deus não pode mentir,
nem cometer injustiça. Acaso significa que Deus não é livre porque não pode fazer o
que é mau? Certamente não. Portanto, quando Deus intervém e impede os pecadores,
isto também não diminui a sua verdadeira liberdade. O homem já estava em escravidão
e então Deus não tem tirado nada do homem, senão que tem aumentado a sua verdadeira
liberdade. Entre mais o homem seja impedido de pecar e liberado da escravatura do
pecado, mais liberdade tem. Segundo: Como pode o pecador ser responsável de fazer o
que por natureza é incapaz de fazer? Como pode ser condenado por não fazer o que é
incapaz de fazer? Alguns têm concluído erroneamente que a queda do homem e sua
incapacidade espiritual têm terminado com sua responsabilidade moral. Dizem que não
é possível que o homem seja tanto incapaz como responsável; dizem que isto é uma
contradição. A Bíblia responde que a pesar da depravação e a pesar de sua
incapacidade, o homem é inteiramente responsável: responsável de buscar a Deus,
responsável de obedecer ao evangelho, responsável de arrepender-se e confiar em
Cristo, responsável de deixar seus ídolos e submeter-se a Deus. O fato de que Deus
exija ao homem coisas que ele é incapaz de fazer é uma realidade; por exemplo,
lemos na Bíblia: "amarás a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda
a tua mente", "sede vós perfeitos como vosso Pai nos céus é perfeito", "arrependei-
vos e crede no 18
evangelho". O homem não regenerado é incapaz de fazer todas estas coisas, mas isto
não muda sua responsabilidade e dever de fazê-las. Deus não pode exigir menos que a
santidade e a justiça. Embora o homem tenha perdido a sua capacidade, isto não tem
anulado nem acabado com sua obrigação. (As seguintes ilustrações [tomadas de várias
fontes pelo tradutor] servirão para confirmar este ponto: a) um bêbado que atropela
e mata uma pessoa ao estar dirigindo seu carro não é considerado inocente [ou não
responsável], ainda que não fosse capaz de controlar seu veiculo; b) o ladrão que é
controlado pela concupiscência e a avareza, não pode deixar de roubar. Mas o fato
de que não possa deixar de fazê-lo não o inocenta [não tira a sua
responsabilidade]; c) a segunda carta de Pedro nos fala de aqueles que "Tendo os
olhos cheios de adultério, e não cessando de pecar". Mas isto não diminui em
maneira alguma sua culpa e sua responsabilidade; d) o argumento proposto pelos
homossexuais na atualidade é que são pervertidos por natureza e nasceram assim.
Portanto dizem que não é possível que deixem seu pecado. Contudo, Romanos 1:26-28
diz que recebem em si mesmos a retribuição devida a seu extravio; e) a escusa
daqueles que dizem: "Sou assim e não posso mudar" não serve senão para condená-los;
f) a pessoa que tem uma dívida que não pode pagar. A lei não a escusa, por este
fato, de sua responsabilidade de pagar. Em forma semelhante, Deus não tem perdido
seu direito de exigir o pagamento, embora os homens tenham perdido sua capacidade
de pagar. A impotência humana não cancela a obrigação nem a responsabilidade; g) o
fato de que o coração humano é depravado, o fato de que ame o pecado e não possa
deixá-lo, não faz de modo algum que alguém seja menos responsável dos seus pecados.
Se não fosse assim, então entre mais depravado e mais endurecido que alguém
chegasse a ser, menos responsabilidade teria. Nesse caso, Deus não poderia julgar
ninguém). É simplesmente um argumento filosófico o que diz que a responsabilidade
humana é limitada pela incapacidade. Este argumento conduz a uma absurda conclusão
de que, quanto mais pecaminoso seja alguém, menos responsabilidade teria. O diabo é
um bom exemplo disto. Ninguém duvida da depravação total do diabo. Não há dúvida
alguma de que aborrece a Deus, de que é incapaz de fazer o bem e ainda incapaz de
arrepender-se. Mas nenhuma destas coisas o desculpa em nada; ao contrario, aumentam
sua culpabilidade e sua condenação. Agora é necessário fazer alguns comentários
sobre a natureza da incapacidade humana: a) O homem caído não só é incapaz de fazer
o bem espiritual, senão também é culpável de sua própria incapacidade. b) O homem é
culpável porque tem continuado na mesma rebelião de Adão. Este caiu voluntariamente
e nós nele (Veja Romanos 5:12). Mas, como uma raça, temos continuado em rebelião
até o dia de hoje. Cada ser humano tem participado voluntariamente da mesma
rebelião de Adão. O fato de que nenhuma pessoa liberada a si mesma queira
arrepender-se e voltar-se a Deus é a prova de sua rebelião. c) É necessário
entender a distinção entre a incapacidade física (natural) e a incapacidade moral
(espiritual). Por exemplo, existe uma diferença entre a cegueira de Bartimeu e a
cegueira daqueles que fecham seus olhos para não ver. Existe uma diferença entre os
que são surdos de nascimento e aqueles que cobrem seus ouvidos para não ouvir a
verdade. A capacidade natural (física) tem a ver com as faculdades que recebemos
como seres humanos, por exemplo: a capacidade de pensar, de falar, de ver, de ouvir
e sobre tudo, de escolher. Os homens têm mente e vontade e a capacidade de escolher
o que desejam. Qual é, então, o problema? O problema radica em seus "desejos". Por
natureza os homens não têm o desejo de serem salvos; não querem vir a Cristo. Isto
é o que Cristo assinalava quando dizia: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me
enviou o não trouxer (...) Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por
meu Pai não lhe for concedido" (João 6:44,65). Quando a Bíblia diz que os homens
não pode vir, significa que a incapacidade é espiritual e moral. Não podem porque
não querem. Assim o disse Cristo em João 5:40: "E não quereis vir a mim para terdes
vida". Os homens não podem porque aborrecem a Deus e amam seus pecados (veja João
3:19-20 e Romanos 8:5-8). Esta incapacidade é moral e espiritual e nela encontra-se
a raiz da depravação humana. Terceiro: Como pode Deus decretar que os homens façam
certos pecados e depois responsabilizá-los por cometê-los? Para responder esta
pergunta vamos considerar a traição e a crucifixão de Cristo. O Antigo Testamento
profetizou que Cristo seria traído (Zacarias 11:12) e morto (Isaias 53). Em Atos
2:23 se declara: "A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e
presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos".
Note que os homens são inculpados por aquilo que foi predeterminado por Deus.
Também Atos 4:27-28 diz: "Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus,
que tu ungiste, se ajuntaram não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e
os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham
anteriormente determinado que se havia de fazer." 19
Foi o propósito de Deus que Cristo morre-se crucificado. Ainda assim, o propósito
dos homens de trair e crucificar a Cristo não foi para obedecer a Deus, senão antes
bem uma manifestação de seu ódio e rebelião contra Ele. Judas mesmo confessou suas
malvadas intenções em Mateus 27:4: "Pequei, traindo o sangue inocente". Por este
motivo Judas foi condenado por Deus. A traição de Judas formou uma parte do plano
eterno de Deus, mas isto não o livrou de sua responsabilidade. Cristo mesmo afirmou
este ponto em Lucas 22:22, dizendo: "E, na verdade, o Filho do homem vai segundo o
que está determinado; mas ai daquele homem por quem é traído!" Deus não colocou no
coração de Judas, nem também não dos judeus, o desejo de trair a Cristo. Deus não
aprova o pecado nem também não é o seu autor. Os motivos e os propósitos malvados
dos homens nascem de seu próprio coração (veja Tiago 1:13-14), e portanto são
responsáveis perante Deus. o coração perverso dos homens produz as más obras, mas
Deus refreia e dirige esta maldade para cumprir através dela seus propósitos. Os
seguintes textos afirmam esta verdade: "O coração do homem planeja o seu caminho,
mas o SENHOR lhe dirige os passos." (Provérbios 16:9); "Certamente a cólera do
homem redundará em teu louvor; o restante da cólera tu o restringirás." (Salmo
76:10). Portanto os decretos de Deus não são a causa dos pecados humanos, antes bem
seus decretos limitam e dirigem os atos malvados dos homens para cumprir seu plano
eterno. Deus não forçou Judas a realizar a maldade que ele fez, senão que Deus usou
a maldade de Judas para cumprir o plano da redenção. Quarto: Como pode o pecador
ser responsável de receber a Cristo e ser responsável por rejeitá-lo, quando Deus
não o tem escolhido para ser salvo? Em primeiro lugar, temos que compreender que
ninguém pode saber com plena certeza que não é um dos escolhidos de Deus. Este
conhecimento pertence ao conselho secreto de Deus, ao qual nenhum ser humano tem
acesso (Deuteronômio 29:29). A vontade revelada de Deus é a norma da
responsabilidade humana. Deus tem revelado em sua Palavra que todas as pessoas
devem arrepender-se a crer no evangelho (Atos 17:30 e 1 João 3:23). As mesmas
Escrituras dizem que todos aqueles que se arrependam e acreditem serão salvos.
Todos os homens são responsáveis de esquadrinhar as Escrituras, "que podem fazer-te
sábio para a salvação" (2 Timóteo 3:15). Já que a fé vem pelo ouvir a Palavra de
Deus (Romanos 10:17), então é o dever de cada pecador esquadrinhar as Escrituras,
rogando a Deus que lhe conceda entendimento para a salvação de sua alma. Façamos o
que Deus tem nos ordenado e deixemos o resto em suas mãos. Como já mostramos, é um
fato que o homem não quer se voltar a Deus, nem obedecê-Lo, nem amá-Lo, o que é a
fonte de sua incapacidade. Isto é o que origina a necessidade da graça eletiva de
Deus. Se não fosse por esta graça, ninguém seria salvo (Isaias 1:9). Já que o homem
é incapaz de cumprir com as exigências de Deus, então, que deveria fazer? Primeiro,
deveria humilhar-se e reconhecer a sua incapacidade. Segundo, deveria clamar a Deus
e pedi-Lhe a graça para superar sua incapacidade. Cada crente verdadeiro reconhece
sua incapacidade e depravação, e roga a Deus fervorosamente por sabedoria, graça e
poder para conseguir realizar o que é agradável perante Ele. Da mesma maneira, cada
pecador é responsável de invocar o Senhor reconhecendo que a Palavra de Deus diz a
verdade quando descreve sua condição depravada, e reconhecendo que o juízo de Deus
é justo. Seu dever então é clamar a Deus e Lhe pedir o poder de Seu Espírito Santo
para conduzir seu coração à obediência e submissão a Cristo. Se o pecador faz isto
sinceramente, então Deus responderá a seu clamor, porque a Escritura diz: "Todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (Romanos 10:13). Tal como um homem
que esteja morrendo sem forças nem habilidade para salvar a si mesmo deveria clamar
por ajuda, assim também o pecador incapaz de salvar a si mesmo deve clamar a Deus a
fim de que Ele faça o que ele é incapaz de realizar. Porém, se o pecador está
decidido a perecer e recusa vir a Cristo, então não pode inculpar a ninguém, salvo
a si mesmo. Se o pecador pode ou não entender como harmonizar a soberania de Deus e
a responsabilidade humana, de todas maneiras permanece como responsável de invocar
a Cristo para salvação do pecado e da ira de Deus. Talvez enquanto leia estes caps,
tenham surgido algumas perguntas. Quiçá tenha se perguntado: por que os crentes
incomodam-se em predicar o evangelho aos inconversos se em verdade os homens não
têm a capacidade de receber a Cristo como seu Salvador? Ou a pergunta seja: por que
os crentes devem preocupar-se por orar se Deus já tem decidido o que vai acontecer?
Ou, então: por que devem realizar um esforço os crentes para chegar a ser melhores
pessoas, se Deus mesmo está controlando as suas vidas? Talvez esteja pensando que é
uma injustiça e um agravo de Deus escolher só certas pessoas para serem salvas. No
próximo capítulo tentaremos responder estas perguntas. 20
Existem algumas perguntas que surgem na mente das pessoas quando pensam acerca da
soberania de Deus. Já dissemos que as pessoas são incapazes de escolher ser salvos
de seus pecados a menos que Deus mesmo mude sua natureza pecaminosa. Então, a
primeira pergunta que responderemos é esta: sem Deus realiza o câmbio na natureza
das pessoas, por que devem esforçar-se os crentes em predicar o evangelho a todos?
temos aprendido que por natureza os homens são pecaminosos, que por si mesmos não
podem escolher crer em Cristo. Por que, então, os crentes devem urgir às pessoas a
acreditar? A resposta é esta: aos crentes lhes é ordenado por Deus predicar o
evangelho a todos. Não predicamos o evangelho pensando que os ouvintes inconversos
tenham em si mesmos a capacidade para receber a Cristo como seu Senhor. Predicamos
porque sabemos que isto é o que Deus tem nos comissionado fazer. Sabemos que quando
o evangelho é predicado, Deus mesmo fala eficazmente a alguns daqueles que escutam.
Àquelas pessoas que Deus tem escolhido, lhes é dada a disposição para acreditar.
Crer que Deus está no controle de tudo é de grande ajuda e estímulo para a
predicação evangélica. Os crentes sabem que as pessoas escolhidas por Deus se
arrependerão dos seus pecados quando escutem acerca de Jesus Cristo o Salvador. De
fato, esta convicção de que Deus está realizando seus propósitos mediante a
predicação, é a base da verdadeira predicação evangélica. Veja Isaias 55:10-11, 2
Coríntios 2:14-17, Romanos 10:14-15 e 1 Pedro 1:23. Em segundo lugar, outra
pergunta que pode surgir é esta: se Deus tem determinado o que vai acontecer, e se
também tem o controle sobre tudo o que acontece, então, existe alguma razão para
orar? Se Deus já tem tomado todas as decisões, seguramente a oração não tem valor
algum. Nós não podemos mudar a vontade de Deus. A nossa resposta é a seguinte:
devemos entender o significado verdadeiro da oração. Alguns dizem que a oração é a
forma em que Deus permite que as nossas vontades tenham influência no que acontece.
Mas a Bíblia ensina claramente que é Deus quem faz com que as coisas sucedam.
Portanto, a idéia de que as nossas orações fazem que as coisas aconteçam é errada.
Outras pessoas dizem que a oração é uma forma de conseguir que Deus mude a Sua
vontade. Mas, como já vimos, Deus já tem decidido exatamente o que vai acontecer. A
oração não é algo que possamos usar para mudar as coisas; a nossa oração não muda a
vontade de Deus. A oração é a maneira assinalada por Deus para honrá-Lo. A oração é
um meio de adoração a Deus. a oração é o reconhecimento de que dependemos
totalmente de Deus, por todo o que somos e o que temos. A oração é o método divino
para pedir a bênção de Deus. A oração faz com que percebamos quão pequenos e fracos
somos, e quão grande é Deus. a oração é um dom de Deus para seu povo, a fim de que
eles Lhe peçam as coisas que Deus tem determinado. As orações dos crentes formam
parte do plano de Deus para efetuar os Seus propósitos eternos. (Veja os seguintes
textos que afirmam esta verdade: Mateus 5:10; 1 João 5:14; Romanos 8:26-27). Alem
disso, Deus tem determinado que a oração seja um meio para efetuar sua vontade, tal
como a predicação do evangelho é o meio utilizado por Deus para salvar os
pecadores. As orações dos crentes formam parte do plano de Deus para executar Sus
propósitos eternos. Assim sendo, quando os crentes oram não o fazem para mudar o
plano de Deus, senão para que o pano de Deus seja executado. Os crentes podem orar
por certas coisas com confiança porque sabem que estão incluídas no plano de Deus.
quando dizemos a Deus as nossas necessidades, estamos encomendando-nos ao Seu
cuidado, e Lhe suplicamos que trate com elas de conformidade com Seu plano. Então,
pode perceber-se que a oração é basicamente uma atitude, uma atitude de dependência
total de Deus. A oração é o oposto de dizer a Deus o que Ele tem que fazer, porque
a oração pede para que a vontade de Deus seja feita. Assim, isto responde a nossa
pergunta acerca da razão para orar. Os crentes oram por coisas que concordam com o
plano que Deus tem pré-determinado, ou seja, coisas que são parte do mesmo plano de
Deus. Os crentes oram, não para mudar o plano de Deus, senão para aceitá-lo e achar
a bênção de Deus através desse plano. Em terceiro lugar, talvez a seguinte pergunta
tenha chegado a inquietar você: Se Deus tem decidido todo o que sucede, então por
que devem preocupar-se os crentes em serem bons? Se 21

"E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua
vontade, ele nos ouve." 1 João 5:14
CAPÍTULO 10 A SOBERANIA DE Deus E AS NOSSAS ORAÇÕES
Deus tem planejado que os crentes serão bons, então, por que devem preocupar-se de
sê-lo eles mesmos? Mais uma vez, a resposta básica é que os crentes fazem bem,
porque Deus tem lhes mandado fazer o que é bom. Em realidade, o conhecimento de que
Deus controla todas as coisas ajuda os crentes a realizar o que é bom. Os crentes
confiam em que Deus pode lhes dar a capacidade de realizar coisas boas. Os
verdadeiros crentes sabem que em si mesmos não têm o poder de fazer o que Deus tem
lhes ordenado. É portanto que confiam em que Deus pode lhes dar a fortaleza que
necessitam para obedecer a Sua vontade. Por último, quiçá você tenha pensado que é
injusto e cruel de parte de Deus escolher só certas pessoas para serem salvas.
Porém, lembre-se do seguinte: se Deus não tivesse escolhido e salvo alguns, então
ninguém teria sido salvo do pecado. Se Deus não tivesse escolhido ninguém, então
todos nós teríamos morrido em nossos pecados. Deus não é injusto ao escolher salvar
alguns e outros não, porque ninguém tem o direito de ser salvo, quer dizer, Deus
não "deve" a salvação para ninguém. A salvação é inteiramente um assunto da bondade
de Deus para as pessoas que não a merecem. Deus tem mostrado sua bondade a certas
pessoas, segundo melhor Lhe pareceu a Ele (veja Mateus 11:25-27). Nós poderíamos
pensar que teria sido melhor que Deus salvasse todos, mas não estamos capacitados
para decidir isto. Não somos capazes de ver e compreender todo o que Deus vê e
compreende. Os caminhos de Deus não são como os nossos caminhos, e nós não podemos
compreendê-los integramente (Veja Isaias 55:8-9 e Romanos 11:33-36). Todo quanto
podemos dizer é que Deus tem demonstrado seu amor na eleição e salvação de gente
que não merece sua bondade. Então, permita-me fazê-lhe uma última pergunta: É você
uma das pessoas que Deus tem escolhido para salvação? Existe algum desejo em seu
coração de ser uma das pessoas que pertencem a Deus? TEXTOS BÍBLICOS: João 17:6, 9:
"Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste,
e guardaram a tua palavra. (...) Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por
aqueles que me deste, porque são teus". 2 Pedro 1:3: "Visto como o seu divino poder
nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos
chamou pela sua glória e virtude". Efésios 2:10: "Porque somos feitura sua, criados
em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos
nelas". 1 Pedro 1:5: "Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a
salvação, já prestes para se revelar no último tempo". 1 Samuel 3:18: "Então Samuel
lhe contou todas aquelas palavras, e nada lhe encobriu. E disse ele: Ele é o
SENHOR; faça o que bem parecer aos seus olhos". Jó 1:20-21: "Então Jó se levantou,
e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou. E
disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu, e o
SENHOR o tomou: bendito seja o nome do SENHOR". CAPÍTULO 11 OS BENEFÍCIOS DA
SOBERANIA DE Deus "Sim, ó Pai, porque assim te aprouve." Mateus 11:26

22

Permita-me lembrar você do que temos aprendido até agora. Deus tem o controle de
tudo e em forma soberana controla todas as coisas no mundo. Deus controla tanto as
coisas inanimadas como as coisas vivas: os animais, os homens e os anjos. Deus o
Pai escolhe seu povo de cada época da história e de cada nação e de toda raça.
Jesus Cristo morreu para salvar este povo de seus pecados e o Espírito Santo lhes
da a nova vida espiritual. Na salvação de Seu povo e em tudo o que Ele faz, Deus
opera de acordo ao Seu plano predestinado. Também temos aprendido que a vontade
humana é por natureza má e não escolhe o que é bom. Somente Deus pode fazer que uma
pessoa deseje a salvação do pecado. Deus é soberano, Ele é o grande rei, Ele é o
único Deus. Mas talvez você se pergunte por que nós pensamos que estas doutrinas
são tão importantes. Em que forma nos afetam? Que diferença há na prática se Deus
está ou não no controle de todas as coisas? Primeiro que nada, se acreditamos que
Deus é soberano, então temos uma melhor idéia do que Deus é, quer dizer, de sua
verdadeira natureza e caráter. Percebemos que o Deus que fez todas as
coisas tem um poder completo sobre sua criação. Também compreendemos que sempre
devemos obedecê-Lhe e submeter-nos a Ele. Ainda que não possamos compreender todo o
que Deus faz, sabemos que ninguém pode resistir sua vontade. Sabemos também que
Deus tem demonstrado sua bondade a uma grande multidão de pessoas que não o
mereciam. Então, quando pensamos no plano divino da salvação percebemos quão grande
e poderoso é Deus. Em segundo lugar, acreditando que Deus tem o controle completo
de tudo, entendemos que a nossa religião é viva e prática. Não podemos ter uma fé
verdadeiramente viva até que não percebamos quão grande e poderoso é Deus. Quando
compreendemos o poder de Deus vemos a nossa necessidade de obedecê-Lo o submeter-
nos a Ele em cada aspecto de nossas vidas. Somente percebendo a grandeza de Deus
surge o desejo de aprender mais acerca dEle. Somente aqueles que têm visto a
grandeza de Deus desejam orar conforme a Sua vontade e fazer tudo para a Sua
glória. Em terceiro lugar, a crença de que Deus é soberano sobre todas as coisas
nos ensina que não podemos realizar nada para salvar-nos a nós mesmos. A salvação
não é como alguns falam, que Deus tem feito o que Ele podia e agora está esperando
que nós façamos o que devemos. A verdade é que não podemos fazer nada para salvar-
nos a nós mesmos. A nossa vontade humana deseja por natureza fazer o que é mau. Não
desejamos completamente voltar-nos a Deus. Somente Deus, quem tem o controle
completo sobre tudo, pode dar-nos a disposição de voltar-nos para Ele. O fato de
que não podemos salvar-nos a nós mesmos deveria nos fazer sentir temor do perigo de
nunca chegar a sermos salvos. Este temor pode ser algo bom, se nos conduz a
entender que só Deus pode nos salvar. Então, pode nos levar à disposição de pedi-
Lhe que nos salve. Em quarto lugar, a crença de que Deus tem o controle de tudo nos
mostra quanto dependemos de Ele para todo. Também percebemos quão fracos, vãos e
pequenos somos; e por outra parte, percebemos quão forte, sábio e grande é Deus.
Vivemos num mundo onde a gente sempre está louvando e engrandecendo os logros
humanos. As pessoas se orgulham das coisas que os homens tem melhorado. Mas quando
cremos na soberania de Deus, começamos a ver todo desde outra perspectiva. Vemos
que só Deus é capaz de salvar seu povo dos seus pecados. Vemos que os homens não
podem fazer nada para ajudar a Deus a salvá-los. Como resultado, louvamos a Deus
por tudo o que tem feito para salvar seu povo escolhido. Em quinto lugar, crer na
soberania de Deus nos dá um sentimento de plena segurança. Porque ao confiar num
Deus que controla tudo, já não temos nada a temer. Ainda em tempos de tristeza
sabemos que Deus está aí, e que está cheio de poder, sabedoria e bondade. Deus é
demasiado sábio como para cometer um erro. Deus é demasiado bondoso para causar-nos
alguma dor que não seja, no fim, para o nosso bem. Ainda em meio a dor, estamos
completamente seguros se estamos confiando num Deus soberano. Em sexto lugar, se
cremos que Deus é soberano estaremos contentes com qualquer coisa que Deus nos
envie. Isto não significa que aceitemos as coisas difíceis com um espírito estóico
ou fatalista. Se confiamos em Deus, perceberemos que o que Ele nos envia é para o
nosso bem (ainda quando não compreendamos como é que tudo redundará para o nosso
bem-estar). A sétima coisa é que, crendo na soberania de Deus, somos conduzidos a
louvá-Lo. Se Deus tem nos escolhido, tem nos salvado e guardado em cada momento de
nossa vida pela sua bondade, então desejaremos louvá-Lo por tudo o que Ele é e por
tudo o que Ele tem feito por nós. Em oitavo lugar, crer na soberania de Deus nos dá
a segurança de que, num dia futuro, o bem triunfará sobre o mal. Agora sentimos que
a maldade é mais forte do que o bem. Porém, se acreditamos que Deus é soberano,
sabemos que um dia Satanás será derrotado. Num dia futuro, será completamente claro
que Deus é maior que todos os poderes da maldade. Num dia futuro, todos verão com
clareza que Deus é soberano. Finalmente, a crença de que Deus controla tudo no dá
paz em nossos corações. Todos os crentes verdadeiros sabem que o Deus soberano
controla toda a criação, é o mesmo Deus que governa em seus corações; como
resultado disso, têm perfeita paz. Devido a Sua soberania, Deus é digno de toda
confiança. Ele é demasiado sábio para errar, demasiado poderoso para ser vencido e
demasiado bondoso para fazer algo mau. Se este Deus é o seu Deus, então você pode
estar completamente seguro. CAPÍTULO 12 COMO DEVEMOS PROCEDER AGORA

"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." João 8:32 23


Deus é soberano e opera de acordo com seu plano eterno na salvação do seu povo. A
vontade dos homens não escolhe naturalmente a Deus porque está inclinada para o
mal. Somente Deus pode fazer que uma pessoa deseje ser salva dos seus pecados. Ele
é o Deus soberano, Ele é o grande Rei. Se acreditamos nisso, como devemos então
reagir? Primeiro, já que Deus é soberano, devemos temê-Lo. Temer a Deus significa
lembrar quão grande, santo e poderoso é Deus. Significa também lembrar quão
pequenos, pecaminosos e fracos somos nós. Significa fazer a Sua vontade e crer tudo
o que Ele nos diz em Sua Palavra. Significa obedecer a Deus porque dependemos
totalmente dEle. Deus nos dá tudo o que precisamos e por isso, o menos que podemos
fazer é obedecê-Lo no que Ele diz na Bíblia e Lhe dar o primeiro lugar em tudo.
Segundo, como Deus é soberano devemos aceitar com gosto todo o que nos acontece.
Podemos queixar-nos quando não temos o que desejamos, o podemos sentir que
merecemos alguma bênção em particular. Talvez sintamos que merecemos o êxito ou a
felicidade. Mas se somos crentes verdadeiros, sabemos que Deus não nos dá o castigo
que os nossos pecados merecem. Os crentes verdadeiros percebem que, em vez de
punir-nos, Deus tem sido muito bondoso para conosco em todos os aspectos, quando
merecíamos o contrário. E se realmente acreditamos que Deus é soberano em tudo,
então devemos reconhecer que Ele tem o direito de fazer o que Lhe apraz com o que é
dEle, inclusive conosco. Portanto, se Deus faz com que nos aconteçam coisas de que
não gostamos, devemos aceitá-las sabendo que provêm de sua mão, e que Ele procura
somente o nosso bem. Terceiro, já que Deus é soberano, sempre devemos estar
agradecidos a Ele. Nos sentimos agradecidos quais as coisas vão de acordo ao que
desejamos, mas também deveríamos louvá-Lo e Lhe dar graças quando nos parece que
tudo vai mal. Deveríamos ser gratos ainda em tempos difíceis, porque se somos
crentes verdadeiros, acreditamos que Deus nos tem escolhido, que nos ama e que está
controlando todo o que nos acontece. Se realmente somos crentes, devemos seguir o
exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo. Você percebeu quão temeroso era Jesus de
desde o Pai, aceitando Sua vontade e dando-Lhe graças em todo momento? No Novo
Testamento vemos que quando Satanás o tentou, Jesus lhe disse que somente Deus
devia ser adorado. Ao longo do Novo Testamento vemos a obediência de Cristo, até
que sua obediência culminou em sua morte em favor do povo escolhido de Deus. Jesus
aceitou a vontade do Pai ainda e quando pediu que, se possível, o Pai eliminasse os
seus sofrimentos. Ele também disse: "Não seja feita a minha vontade, senão a Tua".
Também vemos como Cristo dava graças ao Pai. Ainda quando a gente que tinha visto
os seus milagres não se arrependeu nem acreditou nEle, Jesus todavia dava graças a
Deus. como Lucas disse: "Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo, e
disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas
aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque
assim te aprouve" (Lucas 10:21). Seguramente, se nós somos crentes verdadeiros em
Cristo Jesus faremos o mesmo. Finalmente, já que Deus é soberano, devemos adorá-Lo.
Ele usa seu poder sabiamente e para benefício de seu povo. Devido a que Deus é
completamente sábio, não pode cometer nenhum erro; porque Ele é santo, também não
fará mal nenhum. Se não conhecêssemos mais sobre Deus, exceto que a Sua vontade é
soberana, então somente teríamos medo dEle. Porém, podemos regozijar-nos porque
sabemos que a poderosa e imutável vontade de Deus é também inteiramente boa. O
propósito divino de controlar tudo é mostrar a Sua própria santidade, bondade e
verdade. A pesar de quanto vejamos no mundo, Deus ainda está executando os seus
propósitos. E para realizar isso, em algumas ocasiões usa até os homens malvados e
a Satanás. Ninguém pode alterar o propósito de Deus. Para Sua própria glória, Deus
controla todo porque quer mostrar-nos Sua bondade, santidade e verdade. Para Sua
própria glória, Deus o Pai escolheu uma grande número de pessoas para serem salvos
de seus pecados. Jesus Cristo morreu por estas pessoas e o Espírito Santo lhes dá a
vida espiritual. Para mostrar Sua glória, Deus muda a natureza malvada das pessoas
escolhidas para salvação, a fim de que se voltem para Ele e aprendam a amá-Lo. Esta
obra maravilhosa de Deus está acontecendo atualmente em todas partes do mundo.
Muitos dos que lerão estas palavras são aqueles que Deus têm chamado para que sejam
Seu povo. Ele os mudou, e tem lhes dado vida espiritual a fim de que chegassem a
ser Seu povo. Se você deseja que este Deus seja o seu Deus, então busque-O em
oração. Ele tem prometido e não lançará fora a ninguém que venha até Ele.
Naturalmente que não os lançará fora, porque é a mesma obra dEle em seus corações a
que lhes faz desejar acudir a Ele. 24
Todas as coisas foram feitas por Deus, todas as coisas são controladas por Ele.
Todas as coisas operam de acordo ao seu plano. Todas as coisas servem para a glória
de Deus, e quando todas as coisas cheguem ao seu fim, este Deus soberano
permanecerá por sempre sendo adorado e louvado em toda a Sua bondade, santidade e
glória. Vamos então a louvar e adorar o nosso soberano e Todo Poderoso Deus, aqui e
agora. Grande Deus! Quão infinito és Tu, Quão débeis e indignos vermes somos nós!
Prostre-se toda criatura e busque a salvação de ti. A eternidade com todos seus
anos Permanece sempre presente a Tua vista, Para Ti não existe nada velho, Grande
Deus! Não pode haver nada novo para Ti. As nossas vidas são movidas de um lado a
outro, E angustiadas por coisas que não têm importância; Enquanto Teu eterno
pensamento segue adiante, Segundo o Teu imutável e inalterável plano. Isaac Watts
(1674-1748)

25
E-book digitalizado e doado por: Temente Com exclusividade para:

http://ebooksgospel.blogspot.com www.ebooksgospel.com.br
ANTES DE LER
Estes e-books são disponibilizados gratuitamente, com a única finalidade de
oferecer leitura edificante à aqueles que não tem condições econômicas para
comprar. Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo apenas
para avaliação, e, se gostar, abençoe autores, editoras e livrarias, adquirindo os
livros. * * * * “Se você encontrar erros de ortografia durante a leitura deste e-
book, você pode nos ajudar fazendo a revisão do mesmo e nos enviando.” Precisamos
de seu auxílio para esta obra. Boa leitura! E-books Evangélicos
Título Original: The Attributes of God Editora: Bible Truth Depot Tradução do
Inglês: Odayr Olivetti Primeira Edição em Português:1985 Reimpressão: 1990 Capa:
Ailton Oliveira Lopes Composição: Intertexto Linotipadora S/C Ltda. Impressão:
Imprensa da Fé
ÍNDICE
PREFÁCIO 1. A SOLIDÃO DE DEUS 2. OS DECRETOS DE DEUS 3. A ONISCIÊNCIA DE DEUS 4. A
PRESCIÊNCIA DE DEUS 5. A SUPREMACIA DE DEUS 6. A SOBERANIA DE DEUS 7. A
IMUTABILIDADE DE DEUS 8. A SANTIDADE DE DEUS 9. O PODER DE DEUS 10. A FIDELIDADE DE
DEUS 11 . A BONDADE DE DEUS 12. A PACIÊNCIA DE DEUS 13. A GRAÇA DE DEUS 14. A
MISERICÓRDIA DE DEUS 15. O AMOR DE DEUS 16. A IRA DE DEUS 17. CONTEMPLANDO A DEUS
PREFÁCIO
"Une-te pois a ele, e tem paz, e assim te sobrevirá o bem” (Jó 22:21). "Assim diz o
Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força;
não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me
conhecer e saber que eu sou o Senhor..." (Jeremias 9:2324). Um conhecimento
salvador e espiritual de Deus é a maior de todas as necessidades de cada criatura
humana. O fundamento de todo conhecimento verdadeiro de Deus só pode ser a clara
compreensão mental de Suas perfeições, segundo revelam as Escrituras Sagradas. Não
nos é possível servir nem adorar a um Deus desconhecido, nem depositar nEle a nossa
confiança. Neste breve livro fez-se um esforço para apresentar algumas das
principais perfeições do caráter, divino. Para que o leitor se beneficie realmente
com a leitura das páginas que se seguem, ele precisa suplicar a Deus com seriedade
e determinação que as abençoe para seu proveito, que aplique Sua verdade à
consciência e ao coração, a fim de que a sua vida seja transformada. Necessitamos
algo mais que um conhecimento teórico de Deus. Só conhecemos verdadeiramente a Deus
em nossa alma, quando nos rendemos a Ele, quando nos submetemos à Sua autoridade e
quando os Seus preceitos e mandamentos regulam todos os pormenores da nossa vida.
"Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor..." (Oséias 6:3), "Se alguém
quiser fazer a vontade dele... conhecerá" (João 7:17). "... o povo que conhece ao
seu Deus se esforçará e fará proezas" (Daniel 11:32). Os capítulos que se seguem
apareceram pela primeira vez na revista mensal "Studies in the Scriptures" (Estudos
nas Escrituras), publicada pelo autor e totalmente dedicada à exposição da Palavra
de Deus e à provisão de alimento espiritual para almas famintas. Estes artigos
foram reeditados em sua presente forma graças à generosidade de um amigo cristão
que financiou o custo total de sua publicação. Se Deus o permitir, o produto da
venda deste livro será empregado na publicação de outros, de natureza similar. Seja
sobre ele a bênção de Deus. ARTHUR W. PINK
1 A SOLIDÃO DE DEUS
O título deste capítulo talvez não seja suficientemente claro para indicar o seu
tema. Isto se deve, em parte, ao fato de que hoje em dia bem poucas pessoas estão
acostumadas a meditar nas perfeições pessoais de Deus. Dos que lêem ocasionalmente
a Bíblia, bem poucos sabem da grandeza do caráter divino, que inspira temor e
concita à adoração. Que Deus é grande em sabedoria, maravilhoso em poder, não
obstante, cheio de misericórdia, muitos acham que pertence ao conhecimento comum;
contudo, chegar-se a um conhecimento adequado do Seu Ser, Sua natureza, Seus
atributos, como estão revelados nas Escrituras Sagradas, é coisa que pouquíssimas
pessoas têm alcançado nestes tempos degenerados. Deus é único na excelência do Seu
Ser. "Ó Senhor, quem é como Tu entre os deuses? Quem é como Tu glorificado em
santidade, terrível em louvores, operando maravilhas?" (Êxodo 15:11). "No
princípio... Deus..." (Gênesis 1:1). Houve tempo, se é que se lhe pode chamar
"tempo", em que Deus, na unidade de Sua natureza, habitava só (embora subsistindo
igualmente em três pessoas divinas). "No princípio... Deus...". Não existia o céu,
onde agora se manifesta particularmente a Sua glória. Não existia a terra, que Lhe
ocupasse a atenção, Não existiam os anjos, que Lhe entoassem louvores, nem o
universo, para ser sustentado pela palavra do Seu poder. Não havia nada, nem
ninguém, senão Deus; e isso, não durante um dia, um ano ou uma época, mas "desde
sempre". Durante uma eternidade passada, Deus esteve só: completo, suficiente,
satisfeito em Si mesmo, de nada necessitando. Se um universo, ou anjos, ou seres
humanos Lhe fossem necessários de algum modo, teriam sido chamados à existência
desde toda a eternidade. Ao serem criados, nada acrescentaram a Deus
essencialmente. Ele não muda (Malaquias 3:6), pelo que, essencialmente, a Sua
glória não pode ser aumentada nem diminuída. Deus não estava sob coação, nem
obrigação, nem necessidade alguma de criar. Resolver fazê-lo foi um ato puramente
soberano de Sua parte, não produzido por nada alheio a Si próprio; não determinado
por nada, senão o Seu próprio beneplácito, já que Ele "faz todas as coisas, segundo
o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11). O fato de criar foi simplesmente para a
manifestação da Sua glória. Será que algum dos nossos leitores imagina que fomos
além do que nos autorizam as Escrituras? Então, o nosso apelo será para a Lei e o
Testemunho: "... levantai-vos, bendizei ao Senhor vosso Deus de eternidade em
eternidade; ora bendigam o nome da tua glória, que está levantado sobre toda a
bênção e louvor" (Neemias 9:5). Deus não ganha nada, nem sequer com a nossa
adoração. Ele não precisava dessa glória externa de Sua graça, procedente de Seus
redimidos, porquanto é suficientemente glorioso em Si mesmo sem ela. Que foi que O
moveu a predestinar Seus eleitos para o louvor da glória de Sua graça? Foi, como
nos diz Efésios 1:5, ".... o beneplácito de sua vontade". Sabemos que o elevado
terreno que estamos pisando é novo e estranho para quase todos os nossos leitores;
por esta razão faremos bem em andarmos
devagar. Recorramos de novo às Escrituras. No final de Romanos capítulo 11, onde o
apóstolo conclui sua longa argumentação sobre a salvação pela pura e soberana
graça, pergunta ele: "Por que quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu
conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?"
(vers. 34-35). A importância disto é que é impossível submeter o Todo-poderoso a
quaisquer obrigações para com a criatura; Deus nada ganha da nossa parte. "Se fores
justo, que lhe darás, ou que receberá da tua mão? A tua impiedade faria mal a outro
tal como tu; e a tua justiça aproveitaria a um filho do homem" (Jó 35:7-8), mas
certamente não pode afetar a Deus, que é bem-aventurado em Si mesmo. "...quando
fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos
somente o que devíamos fazer" (Lucas 17:10) — nossa obediência não dá nenhum
proveito a Deus. De mais a mais, vamos além: nosso Senhor Jesus Cristo não
acrescentou nada a Deus em Seu Ser essencial e à glória essencial do Seu Ser, nem
pelo que fez, nem pelo que sofreu. É certo, bendita e gloriosamente certo, que Ele
nos manifestou a glória de Deus, porém nada acrescentou a Deus. Ele próprio o
declara expressamente, e não há apelação quanto às Suas palavra.; "... não tenho
outro bem além de ti" (Salmo 16:2; na versão usada pelo autor, literalmente: "... a
minha bondade não chega a Ti"). Em toda a sua extensão, este é um Salmo sobre
Cristo. A bondade e a justiça de Cristo alcançou os Seus santos na terra (Salmo
16:3), mas Deus estava acima e além disso tudo, pois unicamente Deus é "o Bendito"
(Marcos 14:61, no grego). É absolutamente certo que Deus é honrado e desonrado
pelos homens; não em Seu Ser essencial, mas em Seu caráter oficial. É igualmente
certo que Deus tem sido "glorificado" pela criação, pela providência e pela
redenção. Não contestamos isso, e não ousamos fazê-lo nem por um momento. Mas isso
tudo tem que ver com a Sua glória declarativa e com o nosso reconhecimento dela.
Todavia, se assim Lhe aprouvesse, Deus poderia ter continuado só, por toda a
eternidade, sem dar a conhecer a Sua glória a qualquer criatura. Que o fizesse ou
não, foi determinado unicamente por Sua própria vontade. Ele era perfeitamente bem-
aventurado em Si mesmo antes de ser chamada à existência a primeira criatura. E,
que são para Ele todas as Suas criaturas, mesmo agora? Deixemos outra vez que as
Escrituras dêem a resposta: "Eis que as nações são consideradas por ele como a gola
dum balde, e como o pó miúdo das balanças: eis que lança por ai as ilhas como a uma
coisa pequeníssima. Nem todo o Líbano basta para o fogo, nem os seus animais bastam
para holocaustos. Todas as nações são como nada perante ele; ele as considera menos
do que nada e como uma coisa vã. A quem pois fareis semelhante a Deus: ou com que o
comparareis?" (Isaías 40:15-18). Esse é o Deus das Escrituras; infelizmente Ele
continua sendo o "Deus desconhecido" (Atos 17:23) para as multidões desatentas.
"Ele é o que está assentado sobre o globo da terra, cujos moradores são para ele
como gafanhotos; ele é o que estende os céus como cortina, e os desenrola como
tenda para neles habitar; o que faz voltar ao nada os príncipes e torna coisa vã os
juízes da terra" (Isaías 40.22-23). Quão imensamente diverso é o Deus das
Escrituras do "deus" do púlpito comum! O testemunho do Novo Testamento não tem
nenhuma diferença do que vemos no Velho Testamento; como poderia ser, uma vez que
ambos têm o mesmo Autor! Ali também lemos: "A qual a seu tempo mostrará o bem-
aventurado, o único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores; aquele que
tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens
viu nem pode ver: ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém" (1 Timóteo 6:15-16).
O Ser que aí é descrito deve ser reverenciado, cultuado, adorado. Ele é solitário
em Sua majestade, único em Sua excelência, incomparável em Suas perfeições. Ele
tudo sustenta, mas Ele mesmo é independente de tudo e de todos. Ele dá bens a
todos, mas não é enriquecido por ninguém. Um Deus tal não pode ser encontrado
mediante investigação; só pode ser conhecido como e quando revelado ao coração
Espírito Santo, por meio da Palavra. É verdade que a criação manifesta um Criador,
e isso com tanta clareza, que os homens ficam "inescusáveis" (Romanos 1:20);
contudo, ainda temos que dizer com Jó: "Eis que isto são apenas as orlas dos seus
caminhos; e quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem pois entenderia o trovão do
seu poder?" (Jó 26:14). Cremos que o argumento baseado no desígnio, assim chamado,
argumento apresentado por "apologetas" bem intencionados, tem causado mais dano que
benefício, pois tenta baixar o grande Deus ao nível do entendimento finito e, com
isso, perde de vista a Sua singular excelência. Tem-se feito uma analogia com o
selvagem que achou um relógio e que. depois de um detido exame, inferiu a
existência de um relojoeiro. Até aqui, tudo bem. Tentemos ir mais longe, porém.
Suponhamos que o selvagem procure formar uma concepção pessoal desse relojoeiro, de
seus afetos pessoais, de suas maneira, de sua disposição, conhecimentos e caráter
moral — de tudo aquilo que se junta para compor uma personalidade. Poderia ele
chegar a imaginar ou pensar num homem real ___ o homem que fabricou o relógio — de
modo que pudesse dizer: "Eu o conheço"? Fazer perguntas como esta parece fútil, mas
estará o eterno e infinito Deus tanto mais ao alcance da razão humana? Realmente,
não. O Deus das Escrituras só pode ser conhecido por aqueles a quem Ele próprio Se
dá a conhecer. Tampouco o intelecto pode conhecer a Deus. "Deus é espírito..."
(João 4:24) e, portanto, só pode ser conhecido espiritualmente. Mas o homem decaído
não é espiritual; é carnal, Está morto para tudo que é espiritual. A menos que
nasça de novo, que seja trazido sobrenaturalmente da morte para a vida,
miraculosamente transferido das trevas para a luz, não pode sequer ver as coisas de
Deus (João 3:3), e muito menos entendê-las (1 Coríntios 2:14. E mister que o
Espírito Santo brilhe em nossos corações (não no intelecto) para dar-nos o "...
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (2 Coríntios 4:6). E até
mesmo esse conhecimento espiritual é apenas fragmentário. A alma regenerada terá de
crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus (2 Pedro 3:18). A nossa
principal oração e finalidade como cristãos deve ser que possamos "... andar
dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa
obra, e crescendo no conhecimento de Deus" (Colossenses 1:10).
2 OS DECRETOS DE DEUS
O decreto de Deus é Seu propósito ou determinação com respeito às coisas futuras.
Usamos o singular, como o fazem as Escrituras (Romanos 8:28; Efésios 3:11), porque
houve somente um ato de Sua mente infinita acerca das coisas futuras. Entretanto,
nós falamos como se houvesse muitos, porque as nossas mentes só conseguem pensar em
ciclos sucessivos, conforme surgem os pensamentos e as ocasiões, ou com referência
a vários objetos do Seu decreto, os quais, sendo muitos, parecem-nos requerer um
propósito diferente para cada um deles. O entendimento infinito de Deus não avança
passo a passo, ou de etapa a etapa. "Conhecidas por Deus são todas as Suas obras
desde a eternidade" (Atos 15:18 versão autorizada KJ, 1611). As Escrituras fazem
menção dos decretos de Deus em muitas passagens, empregando vários termos. A
palavra "decreto" acha-se no Salmo 2:7, etc. Em Efésios 3:11 lemos a respeito do
Seu "eterno propósito". Em Atos 2:23, do "... determinado conselho e presciência de
Deus... ". Em Efésios 1:9, do "... mistério da sua vontade... ". Em Romanos 8:29
lemos que Ele também "predestinou". Em Efésios 1:9, sobre "o seu beneplácito". Os
decretos de Deus são denominados Seu "conselho" para significar que são
consumadamente sábios. São chamados Sua "vontade" para mostrar que Ele não estava
sob nenhum outro domínio, mas agiu de acordo com o Seu beneplácito. Quando a norma
de conduta de uma pessoa é a sua vontade, geralmente é caprichosa e irrazoável. Mas
nos procedimentos divinos a sabedoria está sempre associada com a "vontade" e, por
conseguinte, os decretos de Deus são descritos como sendo "o conselho da sua
vontade" (Efésios 1:11). Os decretos de Deus se relacionam com todas as coisas
futuras, sem exceção: o que quer que seja feito no tempo, foi pré-ordenado antes de
iniciar-se o tempo. O propósito de Deus dizia respeito a todas as coisas, grandes e
pequenas, boas e más, conquanto, com referência a estas, devemos ter o cuidado de
afirmar que, se bem que Deus é o Ordenador e Controlador do pecado, não é o seu
Autor do mesmo modo como é o Autor do bem. O pecado não poderia proceder de um Deus
santo por criação direta e positiva, mas somente por permissão decretatória e ação
negativa. O decreto de Deus é tão abrangente como o Seu governo, estendendo-se a
todas as criaturas e a todos os eventos. Relaciona-se com a nossa vida e com a
nossa morte, com o nosso estado no tempo, bem como na eternidade. Como Deus faz
todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade, ficamos sabendo por Suas obras
em que consiste (ou consistiu) o Seu conselho, assim como julgamos a planta de um
arquiteto inspecionando o edifício que foi construído sob sua direção. Deus não
decretou meramente criar o homem, colocá-lo na terra, e depois deixá-lo entregue à
sua própria direção descontrolada; antes, fixou todas as circunstâncias do destino
dos indivíduos, e todas as particularidades que a história da raça humana
compreende, desde o seu início até o seu fim. Ele não decretou simplesmente o
estabelecimento de leis gerais para o governo do
mundo, mas dispôs a aplicação dessas leis a todos os casos particulares. Os nossos
dias estão contados, como contados estão os cabelos das nossas cabeças. Podemos
entender a extensão dos decretos divinos pelas distribuições providenciais,
mediante as quais eles são executados. Os cuidados de Deus alcançam as criaturas,
mais insignificantes e os mais diminutos eventos, como a morte de um pardal e a
queda de um fio de cabelo. Consideremos agora algumas das propriedades dos decretos
divinos. Em primeiro lugar, são eternos. Supor que sequer um deles foi ditado
dentro do tempo, é supor que ocorreu algum novo acontecimento, surgiu algum evento
imprevisto ou alguma combinação imprevista de circunstâncias, que induziu o
Altíssimo a idealizar uma nova resolução. Isto favoreceria a idéia de que o
conhecimento de Deus é limitado e que Ele vai ficando mais sábio conforme o tempo
avança — o que seria uma horrível blasfêmia. Ninguém que creia que o entendimento
divino, é infinito, abrangendo o passado, o presente e o futuro, jamais admitirá a
errônea doutrina de decretos temporais. Deus não ignora os eventos futuros que
serão executados por volições humanos; Ele os predisse em inúmeros casos, e a
profecia não é nada menos do que a manifestação da Sua presciência eterna. As
Escrituras afirmam que os crentes foram escolhidos em Cristo antes da fundação do
mundo (Efésios 1:4), sim, que foi então que a “graça” lhes foi dada (2 Timóteo
1:9). Em segundo lugar, os decretos de Deus são sábios? A sabedoria é evidenciada
na seleção dos melhores fins possíveis e dos meios mais apropriados para cumpri-
los. Pelo que conhecemos dos decretos de Deus, é evidente que lhes pertence esta
característica. Eles se nos revelam por sua execução, e toda evidência de sabedoria
nas obras de Deus é prova da sabedoria do plano segundo o qual eles são realizados.
Como declara o salmista, "O Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as
cousas fizeste com sabedoria..." (Salmo 104:24), Na verdade, só podemos observar
uma pequeníssima parte delas, mas devemos proceder aqui como fazemos noutros casos,
e julgar o todo pela amostra, o desconhecido pelo conhecido. Aquele que percebe o
funcionamento admiravelmente engenhoso das partes de uma máquina que teve
oportunidade de examinar, será naturalmente levado a crer que as outras partes são
de igual modo admiráveis. Da mesma maneira, devemos persuadir nossas mentes quanto
às obras de Deus quando nos invadem dúvidas, e repelir as objeções acaso sugeridas
por alguma coisa que não podemos conciliar com as nossas noções do que é bom e
sábio. Quando alcançarmos os limites do finito e contemplarmos os misteriosos
domínios do infinito, exclamemos: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria,
como da ciência de Deus..." (Romanos 11:33). Em terceiro lugar, são livres. "Quem
guiou o Espírito do Senhor? E que conselheiro o ensinou? Com quem tomou conselho,
para que lhe desse entendimento, e lhe mostrasse as veredas do juízo e lhe
ensinasse sabedoria, e lhe fizesse notório o caminho — da ciência?" (Isaías 40:13-
14). Deus estava sozinho quando elaborou os Seus decretos, e as Suas determinações
não foram influenciadas por nenhuma causa externa. Ele era livre para decretar ou
não, e para decretar uma coisa e não outra. É preciso atribuir esta liberdade
Àquele que é supremo, independente e soberano em tudo que faz. Em quarto lugar, são
absolutos e incondicionais. Sua execução não depende de qualquer condição que se
pode ou não cumprir. Em cada caso em
que Deus tenha decretado um fim, decretou também todos os meios para esse fim.
Aquele que decretou a salvação dos Seus eleitos, também decretou produzir fé neles,
(2 Tessalonicenses 2:13). "...O meu conselho será firme, e farei toda a minha
vontade" (Isaías 46:10); mas não poderia ser assim, se o Seu conselho dependesse de
uma condição que não pudesse ser cumprida. No entanto Deus "...faz todas as coisas
segundo o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11). Lado a lado com a imutabilidade
e invencibilidade dos decretos de Deus, as Escrituras ensinam claramente que o
homem é uma criatura responsável e que tem que responder por suas ações E se as
nossas idéias se formam com base na Palavra de Deus a defesa de um daqueles ensinos
não levará à negação do r outro (Reconhecemos sem reserva que há real dificuldade
em definir onde um termina e o outro começa) Sempre acontece isto quando há uma
conjunção do divino e do humano. A verdadeira-, oração é ditada pelo Espírito e,
não obstante, é também o clamor do coração humano. As Escrituras são a Palavra de
Deus inspirada mas foram escritas por homens que eram algo mais que máquinas nas
mãos do Espírito. Cristo é Deus e homem. Ele e onisciente, mas crescia em sabedoria
(Lucas 2:52). É todo-poderoso porém "... foi crucificado por fraqueza..." (2
Coríntios 13:4). É o Príncipe da vida e, contudo, morreu. Mistérios profundos são
estes, mas a fé os recebe sem contestação. Tem-se assinalado muitas vezes no
passado que toda objeção contra os decretos eternos de Deus aplica-se com igual
intensidade contra a Sua eterna presciência. "Se Deus decretou ou não todas as
coisas que acontecem, aqueles que admitem a existência de Deus reconhecem que Ele
sabe de antemão todas as coisas. Pois bem é evidente que se Ele conhece de antemão
todas as coisas, Ele as aprova ou não as aprova, isto é, ou quer que se realizem,
ou não quer. Mas querer que se realizem é decretá-las (Jonathan Edwards).
Finalmente, procure-se supor e depois contemplar o oposto. Negar os decretos
divinos seria proclamar um mundo, e tudo que se relaciona com ele, regulado somente
por acaso ou por destino cego. Então, que paz, que segurança, que consolo haveria
para os nossos pobres corações e mentes? Que refúgio haveria para onde fugir na
hora da necessidade e da provação? Nada disso haveria. Não haveria nada menos que
as densas trevas e o abjeto horror do ateísmo. Oh meu leitor, quão agradecidos
devemos estar porque tudo está determinado pela infinita sabedoria e bondade de
Deus! Quanto louvor e gratidão devemos a Ele por Seus decretos! Graças a estes "...
sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a
Deus, daqueles que são chamados por seu decreto" (Romanos 8.28). Podemos muito bem
exclamar: "...glória pois a ele eternamente. Amém" (Romanos 11:36).
3 A ONISCIÊNCIA DE DEUS
Deus é onisciente. Ele sabe todas as coisas — todas as coisas possíveis, todas as
coisas reais, todos os eventos, conhece todas as criaturas, todo o passado,
presente e futuro. Conhece perfeitamente todos os pormenores da vida de todos os
seres que há no céu, na terra e no inferno. "... conhece o que está em trevas..."
(Daniel 2:22). Nada escapa à Sua atenção, nada pode ser escondido dEle, não há nada
que Ele esqueça! Bem podemos dizer com o salmista: "Tal ciência é para mim
maravilhosíssima; tão alta que não a posso atingir" (Salmo 139:6). Seu conhecimento
é perfeito. Ele jamais erra, nem muda, nem passa por alto coisa alguma. "E não há
criatura alguma encoberta diante dele: antes todas as coisas estão nuas e patentes
aos olhos daquele com quem temos de tratar" (Hebreus 4:13). Sim, tal é o Deus a
quem temos de prestar contas! "Tu conheces o meu assentar e o meu levantar: de
longe entendes o meu pensamento. Cercas o meu andar, e o meu deitar; e conheces
todos os meus caminhos. Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó
Senhor, tudo conheces" (Salmo 139:2-4), Que maravilhoso Ser é o Deus das
Escrituras! Cada um dos Seus gloriosos atributos deveria torná-lo honorável à nossa
apreciação. A compreensão da Sua onisciência deveria inclinai-nos diante dEle em
adoração. Contudo, quão pouco meditamos nesta perfeição divina! Será por que o só
pensar nela nos enche de inquietação? Quão solene é este fato: nada se pode
esconder de Deus! :... quanto às cousas que vos sobem ao espírito, eu as conheço"
(Ezequiel 11:5). Embora sendo Ele invisível para nós, não o somos para Ele. Nem as
trevas da noite, nem as mais espessas cortinas, nem o calabouço mais profundo podem
ocultar o pecador dos olhos do Onisciente. As árvores do jardim não puderam ocultar
os nossos primeiros pais. Nenhum olho humano viu Caim assassinar seu irmão, mas o
seu Criador testemunhou o crime. Sara pôde rir zombeteira, oculta em sua tenda, mas
foi ouvida por Jeová. Acã roubou uma cunha de ouro e a escondeu cuidadosamente no
solo, mas Deus a trouxe à luz. Davi escondeu a sua iniqüidade a duras penas, mas
pouco depois o Deus que tudo vê envioulhe um dos Seus servos para dizer-lhe: "Tu és
o homem!" E tanto ao escritor como ao leitor se diz: "... sabei que o vosso pecado
vos há de achar" (Números 32:23). Os homens despojariam a Deidade da Sua
onisciência, se pudessem — prova de que "... a inclinação da carne é inimizade
contra Deus... " (Romanos 8:7). Os ímpios odeiam esta perfeição divina com a mesma
naturalidade com que são compelidos a reconhecê-la. Gostariam que não houvesse
nenhuma Testemunha dos seus pecados, nenhum Examinador dos seus corações, nenhum
Juiz dos seus feitos. Procuram banir tal Deus dos seus pensamentos: "E não dizem no
seu coração que eu me lembro de toda a sua maldade..." (Oséias 7:2). Como é solene
o Salmo 90:8! Boa razão tem todo o que rejeita a Cristo para tremer diante destas
palavras: "Diante de ti puseste as nossas iniqüidades: os nossos pecados ocultos à
luz do teu rosto".
Mas a onisciência de Deus é uma verdade cheia de consolação para o crente. Em
tempos de aflição, ele diz com Jó: "Mas ele sabe o meu caminho..." (23:10). Pode
ser profundamente misterioso para mim, inteiramente incompreensível para os meus
amigos, mas "Ele sabe"! Em tempos de fadiga e fraqueza, os crentes podem assegurar-
se de que Deus " ... conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó" (Salmo
103:14). Em tempos de dúvida e vacilação, eles apelam para este atributo, dizendo:
"Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me, e conhece os meus
pensamentos. E vê se ha em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno"
(Salmo 139:2324). Em tempos de triste fracasso, quando os nossos corações foram
traídos por nossos atos; quando os nossos feitos repudiaram a nossa devoção, e nos
é feita a penetrante pergunta, "Amas-me?", dizemos, como o fez Pedro: "... Senhor,
tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo..." (João 21:17). Aí temos estímulo para
orar. Não há motivo para temer que as petições do justo não serão ouvidas, ou que
os seus suspiros e lágrimas não serão notados por Deus, visto que Ele conhece os
pensamentos e as intenções do coração. Não há perigo de que um santo seja passado
por alto no meio da multidão de suplicantes que todo dia e toda hora apresentam as
suas variadas petições, pois a Mente infinita é capaz de prestar a mesma atenção a
multidões como se apenas um indivíduo estivesse procurando obter a Sua atenção.
Assim também a falta de linguagem apropriada, a incapacidade de dar expressão ao
anseio mais profundo da nossa alma, não comprometerá as nossas orações, pois, "...
será que antes que clamem, eu responderei: estando eles ainda falando, eu os
ouvirei" (Isaías 65:24). "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu
entendimento é infinito" (Salmo 147:5). Deus não somente sabe tudo que aconteceu no
passado em todos os rincões dos Seus vastos domínios, e não apenas conhece por
completo tudo o que agora está ocorrendo no universo inteiro, mas também é perfeito
conhecedor de todos os acontecimentos, do menor ao maior deles, que haverão de
suceder nas eras vindouras. O conhecimento que Deus tem do futuro é tão completo
como o Seu conhecimento do passado e do presente, e isso porque o futuro depende
totalmente dEle próprio. Se fosse possível ocorrer alguma coisa sem a ação direta
de Deus ou sem a Sua permissão, então aquilo seria independente dEle, e Ele
deixaria, de pronto, de ser Supremo. Ora, o conhecimento divino do futuro não é
mera abstração, mas é algo inteiramente ligado ao Seu propósito, o qual o
acompanha. Deus mesmo planejou tudo que há de ser, e o que Ele planejou terá que
ser efetuado. Como a Sua Palavra infalível afirma, "... segundo a sua vontade ele
opera com o exército do céu e os moradores da terra: não há quem possa estorvar a
sua mão e lhe diga: Que fazes?" (Daniel 4:35). E de novo: "Muitos propósitos há no
coração do homem, mas o conselho do Senhor permanecerá" (Provérbios 19:21). Como a
sabedoria e o poder de Deus são igualmente infinitos, tudo que Deus projetou está
absolutamente garantido. (Que os conselhos divinos deixem de cumprir-se, é tão
impossível como seria para Deus, três vezes santo, mentir. Quanto à realização dos
conselhos de Deus relativos ao futuro, nada é incerto. Nenhum dos Seus decretos é
deixado na dependência das criaturas, nem das causas secundárias. Não há evento
futuro que seja apenas uma possibilidade, isto é, coisa que pode ou não vir a
acontecer. "Conhecidas por Deus são todas as suas obras desde a eternidade" (Atos
15:18). O que quer que
Deus tenha decretado é inexoravelmente certo, pois nEle "... não há mudança nem
sombra de variação" (Tiago 1:17). Portanto, "logo no início do livro que nos
desvenda tantas coisas do futuro, são nos ditas "... as coisas que brevemente devem
acontecer..." (Apocalipse 1:1). O perfeito conhecimento de Deus é exemplificado e
ilustrado em todas as profecias registradas em Sua Palavra. No Velho Testamento
acham-se vintenas de predições concernentes à história de Israel, as quais se
cumpriram até o mínimo pormenor, séculos depois de terem sido feitas. Há também
vintenas doutras mais, predizendo a carreira de Cristo na terra, e também se
cumpriram literal e perfeitamente. Tais profecias só poderiam ter sido dadas por
Alguém que conhecesse o fim desde o princípio, e cujo conhecimento repousasse na
incondicional certeza da realização de tudo quanto fosse predito..De modo
semelhante, o Velho e o Novo Testamento contêm muitos outros anúncios ainda
futuros, e estes também "tem que cumprir-se" (Lucas 24:44, na versão usada pelo
autor), tem que cumprir-se porque preditos por Aquele que os decretou. Contudo,
deve-se assinalar que, nem o conhecimento de Deus, nem a Sua cognição do futuro,
considerados simplesmente em si mesmos, são causativos. Nada jamais aconteceu, nem
acontecerá, apenas porque Deus o sabia. A causa de todas as coisas é a vontade de
Deus. O homem que realmente crê nas Escrituras sabe de antemão que as estações do
ano continuarão a seguir-se sucessivamente com infalível regularidade até o fim da
história da terra (Gênesis 8:22); todavia, não é o seu conhecimento a causa da
referida sucessão de eventos. Assim, o conhecimento de Deus não nasce das coisas
porque elas existem ou existirão, mas porque Ele ordenou que existissem. Deus sabia
da crucificação do Seu Filho e a predisse muitas centenas de anos antes que Ele Se
encarnasse, e isto, porque, segundo o propósito divino, Ele era um Cordeiro morto
desde a fundação do mundo. Portanto, lemos que Ele "... foi entregue pelo
determinado conselho e presciência de Deus..." (Atos 2:23). Uma ou duas palavras, à
guisa de aplicação. O conhecimento infinito de Deus deveria encher-nos de assombro.
Quão exaltado é o Senhor, acima do mais sábio dos homens! Nenhum de nós sabe o que
o dia nos trará, mas todo o futuro está aberto ao Seu olhar onisciente. O
conhecimento infinito de Deus deveria encher-nos de santa reverência. Nada do que
fazemos, dizemos ou mesmo pensamos, escapa à percepção dAquele a quem teremos que
prestar contas: "Os olhos do Senhor estão em todo o lugar, contemplando os maus e
os bons" (Provérbios 15:3). Que freio seria para nós, se meditássemos nisso mais
freqüentemente! Em vez de agir descuidadamente, diríamos com Hagar: "Tu, ó Deus, me
vês" (Gênesis 16:13) — segundo a versão utilizada pelo autor, A capacidade de
compreensão que o conhecimento infinito de Deus tem deveria encher o cristão de
adoração. Minha vida A inteira esteve aberta ante os Seus olhos desde o princípio!
Ele previu todas as minhas quedas, todos os meus pecados, todas as minhas
reincidências; todavia, fixou em mim o Seu coração. Como a percepção disto deveria
fazer-me prostrar em admiração e adoração diante dEle!
4 A PRESCIÊNCIA DE DEUS
Que controvérsias têm sido engendradas por este assunto no passado! Mas que verdade
das Escrituras Sagradas existe que não se tenha tornado em ocasião para batalhas
teológicas e eclesiásticas? A deidade de Cristo, Seu nascimento virginal, Sua morte
expiatória, Seu segundo advento; a justificação do crente, sua santificação, sua
segurança; a Igreja, sua organização, oficiais e disciplina; o batismo, a ceia do
Senhor, e uma porção doutras preciosas verdades que poderiam ser mencionadas.
Contudo, as controvérsias sustentadas não fecharam a boca dos fiéis servos de Deus;
então, por que deveríamos evitar a disputada questão da presciência de Deus porque,
com efeito, há alguns que nos acusarão de fomentar contendas? Que outros se
envolvam em contendas, se quiserem; nosso dever é dar testemunho segundo a luz a
nós concedida. Há duas coisas referentes à presciência de Deus que muitos ignoram:
o significado do termo e o seu escopo bíblico. Visto que esta ignorância é tão
amplamente generalizada, é fácil aos prega dores e mestres impingir perversões
deste assunto, até mesmo ao povo de Deus. Só há uma salvaguarda contra o erro:
estar firme na fé. Para isso, é preciso fazer devoto e diligente estudo, e receber
com singeleza a Palavra de Deus infundida. Só então ficamos fortalecidos contra as
investidas dos que nos atacam. Hoje em dia existem os que fazem mau uso desta
verdade, com o fim de desacreditar e negar a absoluta soberania de Deus na salvação
dos pecadores. Assim como os seguidores da alta crítica repudiam a divina
inspiração das Escrituras e os evolucionistas a obra de Deus na criação, alguns
mestres pseudo-bíblicos andam pervertendo a presciência de Deus com o fim de pôr de
lado a Sua incondicional eleição para a vida eterna. Quando se expõe o solene e
bendito tema da pré-ordenação divina, e o da eterna escolha feita por Deus de
algumas pessoas para serem amoldadas à imagem do Seu Filho, o diabo envia alguém
para argumentar que a eleição se baseia na presciência de Deus, e esta
"presciência" é interpretada no sentido de que Deus previu que alguns seriam mais
dóceis que outros, que responderiam mais prontamente aos esforços do Espírito e
que, visto que Deus sabia que eles creriam, por conseguinte, predestinou-os para a
salvação. Mas tal declaração é radicalmente errônea. Repudia a verdade da
depravação total, pois defende que há algo bom em alguns homens. Tira a
independência de Deus, pois faz com que seus decretos se apóiem naquilo que Ele
descobre na criatura. Vira completamente ao avesso as coisas, porquanto ao dizer
que Deus previu que certos pecadores creriam em Cristo e, por isso, predestinou-os
para a salvação, é o inverso da verdade. As Escrituras afirmam que Deus, em Sua
soberania, escolheu alguns para serem recipientes de Seus distinguidos favores
(Atos 13:48) e portanto, determinou conferir-lhes o dom da fé. A falsa teologia faz
do conhecimento prévio que Deus tem da nossa fé a causa da eleição para a salvação,
ao passo que a eleição de Deus é a causa, e a nossa fé em Cristo, o efeito.
Antes de continuar discorrendo sobre este tema, tão errôneamente interpretado,
façamos uma pausa para definir os nossos termos. Que se quer dizer por
"presciência"? "Conhecer de antemão”, é a pronta resposta de muitos. Mas não
devemos tirar conclusões precipitadas, nem tampouco apelar para o dicionário do
vernáculo como o supremo tribunal de recursos, pois não se trata de uma questão de
etimologia do termo empregado. O que é preciso é descobrir como a palavra é
empregada nas Escrituras. O emprego que o Espírito Santo faz de uma expressão
sempre define. " seu significado e escopo. Deixar de aplicar esta regra simples tem
causado muita confusão e erro. Muitíssimas pessoas presumem que já sabem o sentido
de certa palavra empregada nas Escrituras, pelo que negligenciam provar as suas
pressuposições por meio de uma concordância. Ampliemos este ponto. Tomemos a
palavra “carne”. Seu significado parece tão óbvio, que muitos achariam perda de
tempo examinar as suas várias significações nas Escrituras. Depressa se presume que
a palavra é sinônima de corpo físico e, assim, não se faz pesquisa nenhuma. Mas, de
fato, nas Escrituras "carne" muitas vezes inclui muito mais que a idéia de corpo.
Tudo que o termo abrange, só pode ser verificado por uma diligente comparação de
cada passagem em que ocorre e pelo estudo de cada contexto, separadamente. Tomemos
a palavra “mundo”. O leitor comum da Bíblia imagina que esta palavra equivale a
"raça humana" e, conseqüentemente, muitas passagens que contêm o termo são
interpretadas erroneamente. Tomemos a palavra “imortalidade”. Certamente esta não
requer estudo! É óbvio que se refere à indestrutibilidade da alma. Ah, meu leitor,
é uma tolice e um erro fazer qualquer suposição, quando se trata da Palavra de
Deus. Se o leitor se der ao trabalho de examinar cuidadosamente cada passagem em
que se acham “mortal” e “imortal”, verá que estas palavras nunca são aplicadas à
alma, porém sempre ao corpo. Pois bem, o que acabamos de dizer sobre "carne",
"mundo", e "imortalidade", aplicasse com igual força aos termos "conhecer" e
"préconhecer". Em vez de imaginar que estas palavras não significam mais que
simples cognição, é preciso ver que as diferentes passagens em que elas ocorrem
exigem ponderado e cuidadoso exame. A palavra "presciência" (préconhecimento) não
se acha no Velho Testamento. Mas "conhecer" (ou "saber") ocorre ali muitas vezes.
Quando esse termo é empregado com referência a Deus, com freqüência significa
considerar com favor, denotando não mera cognição, mas sim afeição pelo objeto em
vista. "... te conheço por nome" (Êxodo 33:17). "Rebeldes fostes contra o Senhor
desde o dia em que vos conheci" (Deuteronômio 9:24). "Antes que te formasse no
ventre te conheci..." (Jeremias 1:5). "... constituíram príncipes, mas eu não o
soube..." (Oséias 8:4). "De todas as famílias da terra a vós somente conheci..."
(Amós 3:2). Nestas passagens, "conheci" significa amei ou designei. Assim também a
palavra "conhecer" é empregada muitas vezes no Novo Testamento no mesmo sentido do
Velho Testamento. "E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci..." (Mateus
7:23). "Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou
conhecido" (João 10:14). "Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele" (1
Coríntios 8:3). "... o Senhor conhece os que são seus..." (2 Timóteo 2:19). Pois
bem, a palavra "presciência", como é empregada no Novo Testamento,
é menos ambígua que a sua forma simples, "conhecer". Se cada passagem em que ela
ocorre for estudada cuidadosamente, ver-se-á que é discutível se alguma vez se
refere apenas à percepção de eventos que ainda estão por acontecer. O fato é que
"presciência" nunca é empregada nas Escrituras em relação a eventos ou ações; em
lugar disso, sempre se refere a pessoas. Pessoas é que Deus declara que "de antemão
conheceu" (pré-conheceu), não as ações dessas pessoas. Para provar isto, citaremos
agora cada uma das passagens em que se acha esta expressão ou sua equivalente. A
primeira é Atos 2:23. Lemos ali: "A este que vos foi entregue pelo determinado
conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas
mãos de injustos". Se se der cuidadosa atenção à terminologia deste versículo, ver-
se-á que o apóstolo não estava falando do conhecimento ..antecipado que Deus tinha
do ato da crucificação, mas sim da Pessoa crucificada: "A este (Cristo) que vos foi
entregue", etc. A segunda é Romanos 8:29-30. "Porque os que dantes conheceu também
os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho; a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou", etc.
Considere-se bem o pronome aqui empregado. Não se refere a algo, mas a pessoas, que
ele conheceu de antemão. O que se tem em vista não é a submissão da vontade, nem a
fé .do coração, mas as pessoas mesmas. "Deus não rejeitou o seu povo, que antes
conheceu..." (Romanos 11:2). Uma vez mais a clara referência é a pessoas, e somente
a pessoas. A última citação é de 1 Pedro 1:2: "Eleitos segundo a presciência de
Deus Pai..." Quem são "eleitos segundo a presciência de Deus Pai"? O versículo
anterior nô-lo diz: a referência é aos "estrangeiros dispersos", isto é, a
Diáspora, a Dispersão, os judeus crentes. Portanto, aqui também a referência é a
pessoas, e não aos seus atos previstos. Ora, em vista destas passagens (e não há
outras mais), que base bíblica há para alguém dizer que Deus "pré-conheceu” os atos
de certas pessoas, a saber, o seu "arrependimento e fé” e que devido a esses atos
Ele as elegeu para a salvação? A resposta é: absolutamente nenhuma. As Escrituras
nunca falam de arrependimento e fé como tendo sido previsto ou pré-conhecido por
Deus. Na verdade, Ele sabia desde toda a eternidade que certas pessoas se
arrependeriam e creriam; entretanto, não é a isto que as Escrituras se referem como
objeto da "presciência” de Deus. Esta palavra se refere uniformemente ao pré-
conhecimento de pessoas; portanto, conservemos "...o modelo das sãs palavras.. ."
(2 Timóteo 1:13). Outra coisa para a qual desejamos chamar particularmente a
atenção é que as duas primeiras passagens acima citadas mostram com clareza e
ensinam implicitamente que a "presciência” de Deus não é causativa, pelo contrário,
alguma outra realidade está por trás dela e a precede, e essa realidade é o Seu
decreto soberano Cristo "... foi entregue pelo (1) determinado conselho e (2)
presciência de Deus" (Atos 2:23). Seu "conselho" ou decreto foi a base da Sua
presciência. Assim também em Romanos 8-29. Esse versículo começa com a palavra
"porque", conjunção que nos leva a examinar o que o precede Imediatamente. E o que
diz o versículo anterior? "... todas as coisas contribuem juntamente para o bem
daqueles... que são chamados por seu decreto". Assim é que a "presciência" de Deus
baseia-se em seu decreto (ver Salmo 2:7).
Deus conhece de antemão o que será porque Ele decretou o que há de ser. Portanto,
afirmar que Deus elege pessoas porque as pré-conhece é inverter a ordem das
Escrituras, é pôr o carro na frente dos bois. A verdade é esta: Ele as “pré-
conhece” porque as elegeu. Isto retira da criatura a base ou causa da eleição, e a
coloca na soberana vontade de Deus. Deus Se propôs eleger certas pessoas, não por
haver nelas ou por proceder delas alguma coisa boa, quer concretizada quer
prevista, mas unicamente por Seu beneplácito. Quanto ao por que Ele escolheu os que
escolheu, não sabemos, e só podemos dizer: “Sim, ó Pai, porque assim te aprouve”
(Mateus 11:26). A verdade patente em Romanos 8:29 é que Deus, antes da fundação do
mundo, elegeu certos pecadores e os destinou para a salvação (2 Tessalonicenses
2:13). Isto se vê com clareza nas palavras finais do versículo: “... os predestinou
para serem conformes à imagem de seu Filho”, etc. Deus não predestinou aqueles que
“dantes conheceu” sabendo que eram “conformes”, mas. Ao contrário, aqueles que Ele
“dantes conheceu” (isto é, que Ele amou e elegeu), “predestinou para serem
conformes”. Sua conformidade a Cristo não é a causa, mas o efeito da presciência e
predestinação divina. Deus não elegeu nenhum pecador porque previu que creria, pela
razão simples, mas suficiente, de que nenhum pecador jamais crê enquanto Deus não
lhe dá fé; exatamente como nenhum homem pode ver antes que Deus lhe dê a vista. A
vista é dom de Deus, e ver é a conseqüência do uso do Seu dom. Assim também a fé é
dom de Deus (Efésios 2:8-9), e crer é a conseqüência do uso deste Seu dom. Se fosse
verdade que Deus elegeu alguns para serem salvos porque no devido tempo eles
creriam, isso tornaria o ato de crer num ato meritório e, nesse caso, o pecador
salvo teria motivo para gloriar-se, o que as Escrituras negam enfaticamente:
Efésios 2:9. Certamente a Palavra de Deus é bastante clara ao ensinar que crer não
é um ato meritório. Afirma ela que os cristãos vieram a crer “pela graça” (Atos
18:27). Se, pois, eles vieram a crer “pela graça”, absolutamente não há nada de
meritório em “crer”, e, se não há nada de meritório nisso, não poderia ser o motivo
ou causa que levou Deus a escolhê-los. Não; a escolha feita por Deus não procede de
coisa nenhuma existente em nós, ou que de nós provenha, mas unicamente da Sua
soberana boa vontade. Mais uma vez, em Romanos 11:5 lemos sobre “... um resto,
segundo a eleição”. Eis aí, suficientemente claro; a eleição mesma é “da graça”, e
da graça é favor imerecido, coisa a que não tínhamos direito nenhum diante de Deus.
Vê-se, pois, como é importante para nós, termos idéias claras e bíblicas sobre a
“presciência” de Deus. Os conceitos errôneos sobre ela, inevitavelmente levam a
idéias que desonram em extremo a Deus. A noção popular da presciência divina é
inteiramente inadequada. Deus não somente conheceu o fim desde o princípio, mas
planejou, fixou, predestinou tudo desde o princípio. E, como a causa está ligada ao
efeito, assim o propósito de Deus é o fundamento da Sua presciência. Se, pois, o
leitor é um cristão verdadeiro, é porque Deus o escolheu em Cristo antes da
fundação do mundo (Efésios 1:4), e o fez não porque previu que você creria, mas
simplesmente porque Lhe agradou fazê-lo; você foi escolhido apesar da tua
incredulidade natural. Sendo assim, toda a glória e louvor pertence a Deus somente.
Você não tem base nenhuma para arrogar-se crédito algum. Você creu “pela graça”
(Atos 18:27), e isso porque a tua própria eleição foi “da graça” (Romanos 11:5)
5 A SUPREMACIA DE DEUS
Numa de suas cartas a Erasmo, disse Lutero: "As tuas idéias sobre Deus são
demasiado humanas". Provavelmente o renomado erudito se ofendeu com aquela censura,
ainda mais que vinha do filho de um mineiro; não obstante, foi mais que merecida.
Nós também, embora não ocupando nenhuma posição entre os líderes religiosos desta
era degenerada, proferimos a mesma acusação contra a maioria dos pregadores dos
nossos dias, e contra aqueles que, em vez de examinarem pessoalmente as Escrituras,
preguiçosamente aceitam o ensino de outros. Atualmente se sustentam, em quase toda
parte, os mais desonrosos e degradantes conceitos do governo e do reino do Todo-
poderoso. Para incontáveis milhares, mesmo entre cristãos professos, o Deus das
Escrituras é completamente desconhecido. Na antigüidade, Deus queixou-se a um
Israel apóstata: "... pensavas que (eu) era como tu..." (Salmo 50:21). Semelhante a
essa terá que ser a Sua acusação contra uma cristandade apóstata. Os homens
imaginam que o que move a Deus são os sentimentos, e não os princípios. Supõe que a
Sua onipotência é uma ociosa ficção, a tal ponto que Satanás desbarata os Seus
desígnios por todos os lados. Acham que, se Ele formulou algum plano ou propósito,
deve ser como o deles, constantemente sujeito a mudança. Declaram abertamente que,
seja qual for o poder que Ele possui, terá que ser restringido, para que não invada
a cidadela do "lívre-arbítrio" humano, e o reduza a uma "máquina”. Rebaixam a toda
eficaz expiação, a qual de fato redimiu a todos aqueles pelos quais foi feita,
fazendo dela um mero "remédio" que as almas enfermas pelo pecado podem usar se se
sentem dispostas a fazê-lo; e enfraquecem a invencível obra do Espírito Santos,
reduzindo-a a um "oferecimento" do evangelho que os pecadores podem aceitar ou
rejeitar a seu bel-prazer. O Deus deste século vinte não se assemelha mais ao
Soberano Supremo das Escrituras Sagradas do que a bruxuleante e fosca chama de uma
vela se assemelha à glória do sol do meio-dia. O Deus de que se fala atualmente no
púlpito comum, comentado na escola dominical em geral, mencionado na maior parte da
literatura religiosa da atualidade e pregado em muitas das conferências bíblicas,
assim chamadas, é uma ficção engendrada pelo homem, uma invenção do sentimentalismo
piegas. Os idolatras do lado de fora da cristandade fazem "deuses" de madeira e de
pedra, enquanto que os milhões de idolatras que existem dentro da cristandade
fabricam um Deus extraído de suas mentes carnais. Na realidade, não passam de
ateus, pois não existe alternativa possível senão a de um Deus absolutamente
supremo, ou nenhum deus. Um Deus cuja vontade é impedida, cujos desígnios são
frustrados, cujo propósito é derrotado, nada tem que se lhe permita chamar Deidade,
e, longe de ser digno objeto de culto, só merece desprezo. A distância infinita que
separa do todo-poderoso Criador as mais poderosas criaturas é um argumento em favor
da supremacia do Deus vivo e
verdadeiro. Ele é o Oleiro, elas são em Suas mãos apenas o barro que pode ser
modelado para formar vasos de honra, ou pode ser esmiuçado (Salmo 2:9), como Lhe
apraz. Se todos os habitantes do céu e todos os moradores da terra se juntassem
numa rebelião contra Ele, não Lhe causariam perturbação e isso teria ainda menor
efeito sobre o Seu trono eterno e inexpugnável do que o efeito da espuma das ondas
do Mediterrâneo sobre o alto rochedo de Gibraltar. Tão pueril e impotente .é a
criatura para afetar o Altíssimo, que as próprias Escrituras nos dizem que quando
os príncipes gentílicos se unirem com Israel apóstata para desafiar a Jeová e Seu
Ungido, "aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles" (Salmo 2:4).
Muitas passagens das Escrituras afirmam clara e positivamente a absoluta e
universal supremacia de Deus. "Tua é, Senhor, a magnificência, e o poder, e a
honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra;
teu é Senhor, o reino, e tu te exaltaste sobre todos corno chefe ... e tu dominas
sobre tudo..." (1 Crônicas 29:11-12). Observe-se, diz "dominas" agora, e não diz
"dominarás no milênio". "Ah! Senhor, Deus de nossos pais, porventura não és tu Deus
nos céus? Pois tu és Dominador sobre todos os reinos das gentes, e na tua mão há
força e poder, e não há quem te possa resistir" (nem o próprio diabo) (2 Crônicas
20:6). Perante Ele, presidentes e papas, reis e imperadores, são menos que
gafanhotos. "Mas, se ele está contra alguém, quem então o desviará? O que a sua
alma quiser isso fará" (Jó 23:13). Ah, meu leitor, o Deus das Escrituras não é um
falso monarca, nem um mero soberano imaginário, mas Rei dos reis e Senhor dos
senhores. "Sei que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido (Jó
42:2, ou, segundo outro tradutor, "nenhum dos teus propósitos pode ser frustrado".
Tudo que designou fazer, Ele o faz. Realiza tudo quanto decretou. "Mas o nosso Deus
está nos céus: faz tudo o que lhe apraz" (Salmo 115:3). Por que? Porque "não há
sabedoria nem inteligência, nem conselho contra o Senhor” (Provérbios 21:30). As
Escrituras retratam vividamente a supremacia de Deus sobre as obras de Suas mãos.
Toda matéria inanimada e todas as criaturas irracionais executam as ordens do seu
Criador. Por Sua vontade dividiu-se o Mar Vermelho e suas águas se levantaram e
ficaram eretas como paredes (Êxodo 14); e a terra abriu suas fauces e os rebeldes
carregados de culpa foram tragados vivos pelo abismo (Números 14). À Sua ordem o
sol se deteve (Josué 10), e, noutra ocasião, voltou atrás dez graus do relógio de
Acaz (Isaías 38:8). Para exemplificar Sua supremacia, mandou corvos levarem
alimento a Elias (1 Reis 17), fez o ferro flutuar (2 Reis 6:5), manteve mansos os
leões quando Daniel foi lançado na cova dessas feras, fez que o fogo não queimasse
os três hebreus que foram arrojados às chamas da fornalha. Assim, "Tudo o que o
Senhor quis, ele o fez nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos" (Salmo
135:6). O perfeito domínio de Deus sobre a vontade dos homens também demonstra a
Sua supremacia, Pondere o leitor cuidadosamente sobre Êxodo 34:24, Exigia-se que
todos os varões de Israel saíssem de casa e fossem a Jerusalém, três vezes por ano.
Viviam entre gente hostil, que os odiava por se terem apropriado das suas terras.
Então, o que é que impedia aos cananeus aproveitarem a oportunidade e, durante a
ausência dos homens, matarem as mulheres e as crianças e se apossarem de suas
fazendas? Se a mão do Onipotente não estivesse até mesmo sobre a vontade dos
ímpios, como poderia Ele ter feito esta promessa, de que ninguém sequer cobiçaria
suas terras? Ah,
"Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo quanto
quer o inclina" (Provérbios 21:1). Mas, poder-se-ia objetar, não lemos uma e outra
vez nas Escrituras sobre como os homens desafiavam a Deus, resistiam à Sua vontade,
transgrediam os Seus mandamentos, menosprezavam as Suas advertências e faziam
ouvidos moucos a todas as Suas exortações? Certamente que sim; B isto anula tudo
que dissemos acima? Se anula, então é evidente que a Bíblia se contradiz, Mas isso
não pode ser. A objeção se refere simplesmente à iniqüidade do homem em rebelião
contra a Palavra de Deus, escrita ao passo que mencionamos acima o que Deus se
propôs em Si mesmo. A regra de conduta que Ele nos dá para seguirmos não é cumprida
perfeitamente por nenhum de nós; os Seus "conselhos" eternos são realizados nos
mínimos detalhes. O Novo Testamento afirma com igual clareza e firmeza a absoluta e
universal supremacia de Deus. Ali se nos diz que Deus "... faz todas as coisas,
segundo o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11). A palavra grega traduzida por
"faz" significa "fazer eficazmente". Por esta razão, lemos: "Porque dele por ele, e
para ele, são todas as coisas; glória pois a ele eternamente. Amém" (Romanos
11:56). Os homens podem jactar-se: de que são agentes livres, com vontade própria,
e de que têm liberdade de fazer o que querem, mas as Escrituras dizem aos que se
jactam: ".... vós que dizeis: hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos
um ano, e contrataremos, e ganharemos... em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor
quiser (Tiago, 5:13-15), Há aqui, pois, um lugar de repouso para o coração. A nossa
vida não é, nem produto do destino cego, nem resultado do acaso caprichoso, mas
todas as suas minudências foram prescritas desde toda a eternidade e agora são
ordenadas por Deus que vive e reina. Nem um fio de cabelo de nossa cabeça pode ser
tocado, sem a Sua permissão. "O coração do homem considera o seu caminho, mas o
Senhor lhe dirige os passos" (Provérbios 16:9). Que segurança, que poder, que
consolo isso deveria dar ao cristão real! "Os meus tempos estão nas tuas mãos..."
(Salmo 31:15). Portanto digo a mim mesmo: "Descansa no Senhor, e espera nele..."
(Salmo 37:7).
6 A SOBERANIA DE DEUS
Pode-se definir a soberania de Deus como o exercício de Sua supremacia, estudada no
capítulo anterior. Sendo infinitamente elevado acima da mais elevada criatura, Ele
é o Altíssimo, o Senhor dos céus e da terra. Não sujeito a ninguém, não
influenciado por nada, absolutamente independente: Deus age como Lhe apraz, somente
como Lhe apraz, sempre como Lhe apraz. Ninguém consegue frustrá-lo nem impedi-Lo.
Assim, Sua Palavra declara expressamente: "... o meu conselho será firme, e farei
toda a minha vontade (Isaías 46:10). "... segundo a sua vontade ele opera com o
exército do céu e os moradores da terra: não há quem possa estorvar a sua mão..."
(Daniel 4:35). O sentido da soberania divina é que Deus é Deus de fato, bem como o
é de nome, que Ele ocupa o trono do universo dirigindo todas as coisas, fazendo
todas as coisas "... segundo o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11).
Acertadamente disse o senhor Spurgeon em seu sermão sobre Mateus 20:15; "Não há
atributo mais consolador para os Seus filhos do que o da soberania de Deus, Sob as
circunstâncias mais adversas, em meio às mais duras provações, eles crêem que Deus
na Sua soberania ordenou as suas aflições, que Ele as dirige soberanamente, e que
na Sua soberania santificará todas elas? Para os filhos de Deus não deveria haver
nada por que lutar mais zelosamente do que a doutrina de que o seu Senhor domina
toda a criação — do reinado de Deus sobre todas as obras de Suas mãos — do trono de
Deus e Seu direito de ocupar esse trono. Por outro lado, não há doutrina mais
odiada pelos mundanos, nenhuma verdade de que tenham feito joguete a tal ponto como
a grandiosa, estupenda, porém certíssima doutrina da soberania do infinito Jeová.
Os homens se dispõem a permitir que Deus esteja em toda parte, menos no Seu trono.
Dispõem-se a deixá-lo em Sua oficina formando mundos e criando estrelas. Deixarão
que esteja em Seu dispensário a distribuir esmolas e a conceder benefícios.
Permitirão que fique sustentando a terra e mantendo firmes as suas colunas, que
acenda os luzeiros do céu e governe as irrequietas ondas do oceano; mas quando Deus
sobe ao Seu trono. Suas criaturas rangem os dentes, e quando nós proclamamos um
Deus entronizado, e Seu direito de fazer o que quiser com o que lhe pertence, como
também de dispor de Suas criaturas como Ele achar melhor, sem consultá-las sobre a
questão, então os homens nos vaiam, nos amaldiçoam e se fazem de surdos para não
nos ouvir, porquanto Deus no Seu trono não é o Deus que eles amam. Mas é Deus no
Seu trono que muito nos agrada pregar. É em Deus no Seu trono que confiamos". “Tudo
que o Senhor quis, ele o fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos'
(Salmo 135:6). Sim, dileto leitor, tal é o imperial Potentado revelado nas
Escrituras Sagradas. Sem rival em majestade, ilimitado em poder, imune de tudo
quanto Lhe é alheio. Mas estamos vivendo dias em que até mesmo os mais "ortodoxos"
parecem ter medo de admitir em termos próprios a deidade de Deus. Dizem que
acentuar a soberania de Deus exclui a responsabilidade humana quando, na verdade, a
responsabilidade humana
baseia-se na soberania divina e desta é resultado. "Mas o nosso Deus está nos céus:
faz tudo o que lhe apraz" (Salmo 115:3). Ele escolheu soberanamente colocar cada
uma de Suas criaturas na condição que pareceu bem aos seus olhos. Deus criou anjos:
a alguns, colocou num estado condicional; a outros, deu uma posição imutável diante
dEle (I Timóteo 5:21), estabelecendo Cristo como sua cabeça (Colossenses 2:10). Não
passemos por alto o fato de que tanto os anjos que pecaram (2 Pedro 2:5) como os
que não pecaram, eram Suas criaturas. Contudo, Deus previu que aqueles cairiam; não
obstante, colocou-os num estado condicional, próprio das criaturas mutáveis, e
permitiu que caíssem, embora não sendo o Autor do pecado deles. Assim também Deus
colocou soberanamente Adão no jardim do Éden num estado condicional, Se Lhe
aprouvesse, tê-lo-ia colocado num estado incondicional; poderia tê-lo colocado numa
posição tão firme como a dos anjos que não caíram, posição tão segura e imutável
como a dos santos em Cristo. Em vez disso, porém, preferiu colocá-lo no Éden sobre
a base da responsabilidade como criatura, de modo que permanecesse ou caísse
conforme correspondesse ou não à sua responsabilidade — de obediência ao seu
Criador. Adão foi feito responsável a Deus pela lei que o Criador lhe deu.
Responsabilidade existia aí no jardim, responsabilidade intacta, submetida à prova
sob as mais favoráveis condições. Ora, Deus não colocou Adão num estado condicional
e de criatura responsável porque fazê-lo era justo. Não, era justo porque Deus o
fez. Tampouco Deus deu existência às criaturas porque era justo que o fizesse, isto
é, porque estava obrigado a criar; mas sim era justo porque Ele o fez. Deus é
soberano. Sua vontade é suprema. Longe de estar sujeito a qualquer lei sobre
"direito", Deus é lei para Si próprio, de modo que tudo quanto Ele faz é justo. E
ai do rebelde que levante questão sobre a Sua soberania! — "Ai daquele que contende
com o seu Criador! O caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao
que o formou: Que fazes?...” (Isaías 45:9). Ainda mais, o Senhor Deus colocou
soberanamente Israel numa posição condicional. Os capítulos 19, 20 e 24 de Êxodo
dão provas abundantes e claras disto. Israel estava sob um pacto de obras. Deus lhe
deu certas leis e fez que as bênçãos para a nação dependessem da sua observância
dos estatutos divinos. Mas Israel era duro de cerviz e incircunciso de coração.
Rebelou-se contra Jeová, abandonou Sua Lei, voltou-se para os falsos deuses,
apostatou. Em conseqüência, o juízo divino caiu sobre Israel e este foi entregue às
mãos dos seus inimigos, foi disperso por toda a terra, e até hoje permanece sob a
pesada severidade do desfavor de Deus. Foi Deus que, no exercício de Sua sublime
soberania, colocou Satanás e seus anjos, Adão e Israel em suas respectivas posições
de responsabilidade. Entretanto, longe de acontecer que a Sua soberania retirasse
das criaturas a sua responsabilidade, foi pelo exercício da mesma que Ele as
colocou em estado condicional j sob as responsabilidades que julgou apropriadas; em
virtude de cuja soberania, vê-se que Ele é Deus sobre todos. Assim, há perfeita
harmonia entre a soberania de Deus e a responsabilidade da criatura. Muitos têm
dito tolamente que é de todo impossível mostrar onde termina a soberania divina e
começa a responsabilidade da criatura. A responsabilidade da criatura começa aqui:
na ordenação soberana do Criador. Quanto à Sua soberania, não há e nunca haverá
nenhum "fim" para ela!
Vamos dar algumas provas de que a responsabilidade da criatura baseiase na
soberania de Deus. Quantas coisas estão registradas nas Escrituras e que eram
justas porque Deus as ordenou, e não seriam justas se Ele não as tivesse ordenado!
Que direito tinha Adão de "comer" das árvores do jardim? Sem a permissão do seu
Criador (Gênesis 2:16), Adão teria sido um ladrão! Que direito Israel tinha de
pedir prata, ouro e vestes aos egípcios (Êxodo 12:35)? Nenhum, se Jeová não o
tivesse autorizado (Êxodo 3:22). Que direito possuía Israel de matar tantos
cordeiros para sacrifício? Nenhum, a não ser pelo fato de que Deus ordenou isso.
Que direito Israel tinha de eliminar todos os cananeus? Nenhum, salvo porque Jeová
mandou. Que direito tem o marido de exigir submissão da esposa? Nenhum, se Deus não
o tivesse estipulado. E poderíamos prosseguir nisso mais e mais. A responsabilidade
humana está baseada na soberania divina. Mais um exemplo do exercício da absoluta
soberania de Deus. Deus colocou os Seus eleitos num estado diferente do de Adão ou
Israel. Colocou-os num estado incondicional. No pacto eterno Cristo foi designado a
Cabeça deles, levou sobre Si as suas responsabilidades e cumpriu por eles uma
justiça perfeita, irrevogável e eterna. Cristo foi colocado num estado condicional,
pois Ele estava "debaixo da lei, para ganhar os que estavam debaixo da lei", só que
com esta diferença infinita: os outros falharam: Ele não falhou e não podia falhar.
E quem foi que colocou Cristo naquele estado condicional? O Trino Deus. A vontade
soberana O designou, o amor soberano O enviou, e a autoridade soberana determinou a
Sua obra. Certas condições foram postas diante do Mediador. Ele teria que ser feito
em semelhança da carne do pecado; teria que engrandecer, e dignificar a lei; teria
que levar em Seu corpo no madeiro todos os pecados do povo de Deus; teria que fazer
plena expiação por eles; teria que suportar o derramamento da ira de Deus; e teria
que morrer e ser sepultado. Pelo cumprimento dessas condições, era-Lhe oferecida
uma recompensa: Isaías 53:10-12. Ele haveria de ser o Primogênito entre muitos
irmãos; haveria de ter um povo que participaria de Sua glória. Bendito seja o Seu
nome para sempre, pois Ele cumpriu essas condições e, uma vez que as cumpriu, o Pai
está comprometido, com juramento solene, a preservar sempre e abençoar por toda a
eternidade cada um daqueles pelos quais o Seu Filho encarnado fez mediação. Desde
que Ele tomou o lugar deles» agora eles participam do dEle. Sua justiça é deles,
Sua posição diante de Deus é deles. Sua vida é deles. Não lhes resta sequer uma
condição para cumprir, nem uma só responsabilidade da qual desincumbir-se para
alcançarem a bem-aventurança eterna. “... com uma só oblação aperfeiçoou para
sempre os que são santificados" (Hebreus 10:14). Eis aí, pois, a soberania de Deus
exposta abertamente diante de todos nas diferentes formas pelas quais Ele se
relaciona com as Suas criaturas. Alguns dos anjos, Adão e Israel foram colocados
numa posição condicional, na qual a continuidade da bênção dependia da sua
obediência e fidelidade a Deus. Porém, em marcante contraste com eles, o "pequeno
rebanho" (Lucas 12:32) recebeu uma posição incondicional e imutável no pacto de
Deus. nos Seus conselhos e em Seu Filho; a bênção dele depende do que Cristo fez
por ele, "... o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: o Senhor conhece os
que são seus..." (2 Timóteo 2:19), O fundamento sobre o qual estão os eleitos de
Deus é perfeito; nada se lhe pode acrescentar, e nada se lhe pode tirar
(Eclesiastes
3:14). Eis aqui, pois, a maior e mais elevada demonstração da absoluta soberania de
Deus. Verdadeiramente, Ele "... compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer"
(Romanos 9:18).
7 A IMUTABILÍDADE DE DEUS
Esta é uma das perfeições divinas não suficientemente examinadas. É uma das
excelências do Criador que O distinguem de todas as Suas criaturas. Deus é
perpetuamente o mesmo: não sujeito a mudança nenhuma em Seu ser, em Seus atributos
e em Suas determinações. Daí, Deus é comparado a uma rocha (Deuteronômio 32:4,
etc.) que permanece inamovível quando todo o oceano circundante está numa condição
de contínua oscilação, exatamente assim, conquanto sendo sujeitas a mudança todas
as criaturas, Deus é imutável. Visto que Deus não tem princípio nem fim, não pode
experimentar mudança. Ele é eternamente o "... Pai das luzes, em quem não há
mudança nem sombra de variação" (Tiago 1:17). Primeiro, Deus é imutável em Sua
essência. Sua natureza e Seu ser são infinitos e, assim, são sujeitos a mutação
alguma, jamais houve tempo quando Ele não era; jamais virá tempo quando Ele deixará
de ser. Deus não evoluiu, nem cresceu, nem melhorou. Tudo que Ele é hoje, sempre
foi e sempre será. "...eu, o Senhor, não mudo...” (Malaquias 3:6) é a Sua afirmação
categórica. Ele não pode mudar para melhor, pois já é perfeito; e, sendo perfeito,
não pode mudar para pior. Completamente imune de tudo quanto Lhe é alheio, é
impossível melhoramento ou deterioração. Ele é perpetuamente o mesmo. Somente Ele
pode dizei "...EU SOU O QUE SOU..." (Êxodo 3:14). Ele é absolutamente livre da
influência do curso do tempo. Não há um vinco sequer nos sobrolhos da eternidade.
Portanto, o Seu poder jamais pode diminuir, nem Sua glória desvanecer-se. Segundo,
Deus é imutável em Seus atributos. Tudo que atributos de Deus eram antes do
universo ser chamado à existência, são precisamente o mesmo agora, e permanecerão
assim para sempre. E isto necessariamente, pois eles são as próprias perfeições, as
qualidades essenciais do Seu ser, Semper idem (sempre o mesmo) está escrito em cada
um deles. Seu poder é imbatível, Sua sabedoria não sofre diminuição. Sua santidade
é imaculada. Os atributos de Deus não podem sofrer mudança mais do que a Deidade
pode deixar de existir. Sua veracidade é imutável, pois a Sua Palavra "...permanece
no céu” (Salmo 119:89). Seu amor é eterno: "...com amor eterno te amei...”
(Jeremias 31:3) e "...como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o
fim" (João 13:1). Sua misericórdia não cessa, pois, é "eterna" (Salmo 100:5).
Terceiro, Deus é imutável em Seu conselho. Sua vontade nunca muda. Talvez alguns
estejam prestes a objetar que lemos, "Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o
homem.. . " (Gênesis 6;6). Nossa primeira resposta é: então as Escrituras se
contradizem? Não, isso não pode ser. Números 23:19. é suficientemente claro; "Deus
não é homem, para que minta: nem filho do homem, para que se arrependa. .."
(Números 23:19). Assim também em 1 Samuel 15:29: "... a Força de Israel não mente
nem se arrepende: porquanto não é um homem para que se arrependa". A explicação é
deveras simples. Quando fala de si mesmo, Deus freqüentemente acomoda a Sua
linguagem às
nossas capacidades limitadas. Ele Se descreve a Si mesmo como revestido de membros
corporais como olhos, ouvidos, mãos, etc. Fala de Si como tendo despertado (Salmo
78:65) e como "madrugando" (Jeremias 7:13), apesar de que Ele não cochila nem
dorme. Quando Ele estabelece uma mudança em Seu procedimento para com os homens,
descreve a Sua linha de conduta em termos de arrepender-se. Sim, Deus é imutável em
Seu conselho. "Os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Romanos 11:29).
Só pode ser assim, pois, "... se ele está contra alguém, quem então o desviará? Q
que a sua alma quiser isso fará" (To 23:13). "Mudança e declínio vemos em tudo ao
redor; 6 Aquele que não muda, permaneça contigo onde quer que for". O propósito de
Deus nunca se altera. Uma destas duas coisas faz com que um homem mude de opinião e
inverta os seus planos: falta de previsão para antecipar tudo, ou ausência de poder
para executar o que planeja. Mas visto que Deus é onisciente assim como é
onipotente, nunca Lhe é necessário rever Seus decretos. Não, "O conselho do Senhor
permanece para sempre: os intentos do seu coração de geração em geração" (Salmo
33:11). Portanto, podemos ler sobre "... a imutabilidade do seu conselho..."
(Hebreus 6:17). Aqui podemos perceber a distância infinita que separa do Criador a
criatura mais elevada. Mutabilidade e criatura são termos correlatos, Se a criatura
não fosse mutável por natureza, não seria criatura; seria Deus. Por natureza
tendemos para o nada, como do nada viemos. Nada detém a nossa aniquilação, exceto a
vontade e o poder sustentador de Deus. Ninguém pode manter-se nem por um momento.
Dependemos do Criador para cada sorvo de ar que aspiramos. Alegremente concordamos
com o salmista em que o Senhor sustenta ".. . com vida a nossa alma..." (Salmo
66:9). A compreensão disto deveria fazer com que nos prostrássemos sob o senso da
nossa nulidade na presença dAquele em quem “...vivemos, e nos movemos, e
existimos...'' (Atos 17:28). Como criaturas decaídas, não somente somos mutáveis,
mas tudo em nós é oposto a Deus. Como tais, somos “... estrelas errantes. . , "
(Judas 15), fora da nossa órbita. "... os ímpios são como o mar agitado que não se
pode aquietar" (Isaías 57:20). O homem decaído é inconstante. As palavras de Jacó
referentes a Rubem aplicam-se com força total a todos os descendentes de Adão;
"Inconstante como a água..." (Gênesis 49:4), Desta maneira, não é apenas sinal de
vida piedosa, mas também elemento de sabedoria, dar ouvido à injunção: "Deixai-vos
pois do homem..."' (Isaías 2:22), Não se deve ficar na dependência de nenhum ser
humano. "Não confieis em príncipes nem em filhos de homens, em quem não há
salvação" (Salmo 146:5). Se desobedeço a Deus, mereço ser enganado por meus
companheiros de i existência e decepcionar-me com eles. Pessoas que gostam de você
hoje, poderão odiá-lo amanhã. A multidão que clamou "Hosana: bendito o rei de
Israel que vem em nome do Senhor", depressa passou a bradar: "... tira, tira,
crucifica-o (João 12:13; 19:15). Aqui há firme consolação. Não se pode confiar na
natureza humana, mas em Deus sim! Por mais inconstante que eu seja7 por mais
volúveis que os meus amigos se mostrem, Deus não muda. Se Ele mudasse como nós, se
quisesse uma coisa hoje e outra amanhã, e se fosse controlado por capricho, quem
poderia confiar nEle? Mas, todo o louvor ao Seu glorioso nome, Ele é_ sempre o
mesmo. Seu propósito é firme, Sua vontade estável, Sua palavra segura. Aqui,
pois, está uma Rocha em que podemos firmar os nossos pés, enquanto a poderosa
torrente leva tudo de arrasto ao nosso redor. A permanência do caráter de Deus
garante o cumprimento de Suas promessas; "Porque as montanhas se desviarão e os
outeiros tremerão; mas a minha benignidade não se desviará de ti, e o concerto da
minha paz não mudará, diz o Senhor, que se compadece de ti" (Isaías 54:10). Aqui há
incentivo para a oração, "Que consolo haveria em orar a um deus que, como o
camaleão, mudasse de cor a cada momento? Quem elevaria uma petição a um príncipe
terreno que fosse tão mutável que atenderia a um pedido um dia e o negaria no dia
seguinte?" (S. Charnock, 1670), Se alguém perguntar: "Mas que utilidade hã em orar
a um Ser. cuja vontade já foi fixada? Respondemos: Porque Ele o exige. Que bênçãos
Deus prometeu sem que nós as busquemos? ".., se pedirmos alguma coisa, segundo a
sua vontade, ele nos ouve" (1 João 5:14), e Ele sempre quis tudo que é para o bem
dos Seus filhos. Aqui há terror para os ímpios. Os que O desafiam, transgridem Suas
leis, não têm interesse em Sua glória, mas vivem como se Ele não existisse, não
devem imaginar que, quando no dia final clamarem a Ele por misericórdia, Ele mudará
a Sua vontade, revogará a Sua Palavra e rescindirá as suas ameaças terríveis. Não.
Ele declarou: "Pelo que também eu procederei com furor; o meu olho não poupará, nem
terei piedade: ainda que me gritem aos ouvidos com grande voz, eu não os ouvirei"
(Ezequiel 8:18). Deus não Se negará a Si próprio para gratificar a luxúria deles.
Deus é santo, imutavelmente santo. Portanto, Deus odeia o pecado; eternamente odeia
o pecado. Daí a eternidade do castigo de todos quantos morrem em seus pecados. "A
imutabilidade divina, como a nuvem que se interpunha entre os israelitas e o
exército egípcio, tem um lado escuro, bem como um lado claro. Ela assegura a
execução das Suas ameaças, como também a concretização das Suas promessas; e
destrói a esperança, carinhosamente acalentada pelos culpados, de que Deus será
todo brandura para as Suas frágeis e errantes criaturas, e de que serão tratados de
modo muito mais leve do que as declarações da Sua Palavra nos levam a esperar.
Contrapomos a estas especulações enganosas e presunçosas a solene verdade de que
Deus é imutável em Sua veracidade e propósito, em Sua fidelidade e justiça" (J,
Dick, 1850).
8 A SANTIDADE DE DEUS
"Quem te não temerá, ó Senhor e não magnificará o teu nome? Porque só tu és
santo..." (Apocalipse 15:4). Somente Ele é independente, infinita e imutavelmente
santo. Muitas vezes Ele é intitulado "O Santo* nas Escrituras. Sim, porque se acha
nEle a soma total de todas as excelências morais, Ele é pureza absoluta, que nem
mesmo a sombra do pecado mancha. "...Deus é luz...” (1 João 1:5). A santidade é a
excelência propriamente dita da natureza divina: o grande Deus é "... glorificado
em santidade...” (Êxodo 15:11). Daí lermos: “Tu és tão puro de olhos, que não podes
ver o mal, e a vexação não podes contemplar..." (Habacuque 1:15). Como o poder de
Deus é o oposto da fraqueza inata da criatura, como a Sua sabedoria está em
contraste com o menor defeito de entendimento ou com a menor insensatez, assim a
Sua santidade é a própria antítese de toda mancha ou corrupção moral. No passado
Deus designou cantores em Israel para "que louvassem a Majestade santa", ou, na
versão utilizada pelo autor, "que louvassem a beleza da santidade" (2 Crônicas
20:21). "O poder á a mão ou o braço de, Jesus, a onisciência os Seus olhos, a
misericórdia as Suas entranhas, a eternidade a Sua duração, mas a santidade é a Sua
beleza" (S. Charnock). É isto Que, acima de tudo. torna-O amorável aos que foram
libertos do domínio do pecador. Grande ênfase é dada a esta perfeição de Deus.
"Deus é com mais freqüência intitulado Santo do que Onipotente, e é mais exposto
por esta parte da Sua dignidade do que por qualquer outra. É fixada ao Seu nome
como um (epitéto) mais do que qualquer outra, Você jamais o vê expresso,"Seu
poderoso nome" ou "Seu sábio nome", mas Seu grande nome e, acima de tudo, Seu santo
nome. Este é o maior título de honrar neste último transparecem a majestade e a
venerabilidade do Seu nome?; (S. Charnock). Como nenhuma outra, esta perfeição é
celebrada diante do trono do céu, bradando os serafins: "... Santo, Santo, Santo é
o Senhor dos Exércitos..." (Isaías 6:3), Deus mesmo coloca em distinção esta
perfeição: "Uma vez jurei por minha santidade que não mentirei a Davi" (Salmo
89:35). Deus jura por Sua "santidade porque esta é uma expressão do Seu ser,
expressão mais completa que qualquer outra coisa. Eis porque somos exortados:
"Cantai ao Senhor, vós que sois seus santos, e celebrai a memória da sua santidade"
(Salmo 30:4). "Pode-se dizer que este atributo é transcendental e que, por assim
dizer, permeia os demais e lhes dá brilho, É o atributo dos atributos" (J. Howe,
1670). Assim, lemos sobre "... a formosura do Senhor. ,." (Salmo 27:4), que não é
outra que "... a beleza da santidade.. ." (Salmo 110:3), "Visto que esta excelência
parece se colocar acima dê todas as outras perfeições de Deus, assim ela constitui
a glória destas; como é a glória da Deidade, assim é a glória de cada uma das
perfeições da Deidade; como o poder de Deus é a energia das Suas perfeições, a Sua
santidade é a beleza delas: como todas seriam fracas sem a onipotência divina para
sustentá-las, seriam todas desgraciosas sem a santidade para adorná-las. Se esta se
maculasse,
todas as demais perderiam a sua honra; seria como se o sol perdesse a sua luz — no
mesmo instante perderia seu calor» seu poder, sua virtude geradora e vivificante.
Como no cristão a sinceridade é o brilho de todas as graças, em Deus a pureza é o
esplendor de todos os Seus atributos, Sua justiça é santa. Sua sabedoria é santa.
Seu braço poderoso é um "braço santo" (Salmo 98:1), Sua verdade ou palavra é uma
"santa palavra" (Salmo 105:42). Seu nome, que expressa todos os Seus atributos
juntos, é "santo" (Salmo 103:1)" (S. Charnock). A santidade de Deus se manifesta em
Suas obras. "Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas
obras" (Salmo 145:17), Nada senão o que é excelente pode proceder d Ele. A
santidade é o padrão de todas as Suas ações. No princípio Ele declarou que tudo o
que tinha feito '"era muito bom" (Gênesis 1:31), e não poderia ter feito o que fez
se nisso houvesse algo imperfeito ou impuro. O homem foi feito "reto" (Eclesiastes
7:29), à imagem e semelhança do seu Criador. Os anjos que caíram foram criados
santos, pois se nos diz que "... não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua
própria habitação..." (Judas 6). Sobre Satanás está escrito: "Perfeito eras nos
teus caminhos, desde o dia em, que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti"
(Ezequiel 28:15). A santidade de Deus se manifesta em Sua lei. Essa lei proíbe o
pecado em todas as suas variantes -— nas suas modalidades mais refinadas, e nas
mais grosseiras, os intentos da mente, como a contaminação do corpo, o desejo
secreto como o ato abertamente praticado. Pelo que lemos: "...a lei é santa, e o
mandamento santo, justo e bom" (Romanos 7:12). Sim, "... o mandamento do Senhor é
puro, e alumia os olhos. O temor do Senhor é limpo e permanece eternamente, os
juízos do Senhor são verdadeiros e justos juntamente" (Salmo 19:8-9). A santidade
de Deus se manifesta na cruz. De maneira espantosa, e, contudo, a mais solene, a
expiação demonstra a santidade infinita de Deus e Seu ódio ao pecado. Quão odioso
para Deus" há de ser o pecado, a ponto de castigá-lo até ao limite extremo do seu
merecimento, quando o imputou ao Seu Filho! "Nem todos os vasos do juízo já
derramados ou por derramar sobre o mundo ímpio, nem a chama ardente da consciência
do pecador, i nem a sentença irrevogável pronunciada contra os demônios rebeldes,
nem o gemido das criaturas condenadas demonstram o ódio de Deus ao pecado, como o
demonstra a ira de Deus derramada sobre o Seu Filho. Nunca a santidade divina
parece mais bela e mais amorável do que na hora em que o semblante do Salvador
ficou por demais desfigurado em meio aos estertores da Sua agonia mortal. Ele
próprio o reconhece no Salmo 22. Quando o Senhor afastou dEle o Seu risonho rosto e
Lhe fincou no coração aguda faca, provocando Seu terrível brado, "Deus meu, Deu
meu, por que me abandonaste?" (vers. 1). Ele adora esta perfeição — "Tu és santo"
(vers. 3) S. Charnock. Desde que Deus é santo, Ele odeia todo e qualquer pecado.
Ele ama tudo quanto está em conformidade com as Suas leis, e detesta tudo que lhes
é contrário. Sua Palavra declara expressamente: "... o perverso é abominação para o
Senhor...” (Provérbios 3:32), E ainda: "Abomináveis são para o Senhor os
pensamentos do mau., .." (Provérbios 15:26). Segue-se, pois, que Ele
necessariamente tem que punir o pecado. Do mesmo modo como o pecado requer a
punição por Deus, exige também o Seu ódio. Deus perdoa muitas
vezes o pecador; nunca, porém, perdoa o pecado; e o pecador só é perdoado com base
no fato de que Outro levou sobre Si o castigo que lhe era devido; sim, pois; “...
sem derramamento de sangue não há remissão (Hebreus 9:22). Razão pela qual se nos
diz: "...o Senhor toma vingança contra os seus adversários, e guarda a ira contra
os seus inimigos" (Naum 1:2). Por um pecado Deus expulsou do Éden os nossos
primeiros pais. Por um pecado toda a posteridade de Cão caiu sob maldição que
permanece sobre ela até o dia de hoje. Por um pecado Moisés foi impedido de entrar
em Canaã, o servo de Eliseu foi castigado com lepra, Ananias e Safira foram
eliminados da terra dos viventes. Temos aqui prova da divina inspiração das
Escrituras. Os não regenerados não crêem realmente na santidade de Deus. O conceito
que eles têm do caráter de Deus é inteiramente unilateral. Eles esperam de coração
que a Sua misericórdia sobrepuje tudo mais. "... pensavas que era como tu..."
(Salmo 50:21) é a acusação que Deus lhes faz. Eles pensam somente num "deus"
segundo o padrão dos seus corações maus. Daí permanecerem eles no caminho de uma
exacerbada insensatez. A santidade atribuída pelas Escrituras à natureza e ao
caráter de Deus é tal, que demonstra com clareza a sua origem super-humana. O
caráter atribuído aos deuses dos antigos e do, paganismo moderno é justamente o
inverso daquela imaculada pureza que pertence ao Deus verdadeiro. Um Deus
inefavelmente santo, que tem a mais intensa aversão a todo pecado, jamais foi
inventado por um dos decaídos descendentes de Adão. O fato é que nada torna mais
manifesta a. terrível depravação do coração do homem e a sua inimizade contra o
Deus vivo, do que expor diante dele Aquele Ser único que é infinita e imutavelmente
santo. A idéia que o homem faz de pecado limita-se praticamente ao que o mundo
chama de "crime''. Tudo que fica aquém disso pode ser abrandado como "defeitos",
"'enganos", "'fraquezas” etc. E mesmo quando se admite a existência do pecado*
apresentam-se escusas e atenuantes. "O "deus" que a imensa maioria dos cristãos
professos "ama1' é visto como alguém muito parecido com um ancião indulgente, que
pessoalmente não tem prazer nas loucuras, mas tolerantemente fecha os olhos para as
"indiscrições" da mocidade. Mas a Palavra diz: “... aborreces a iodos os que
praticam a maldade” (Salmo 5:5). E mais: "Deus é um juiz justo, um Deus que se ira
todos os dias" (Salmo 7:11). Mas os homens se recusam a dar crédito a este Deus e
rangem os dentes quando o Seu ódio ao pecado lhes é enfática e fielmente
apresentado. Não, como o homem preso ao pecado jamais teria criado o lago de fogo
no qual seria atormentado para todo o sempre, muito menos haveria a probabilidade
dele inventar um Deus santo. Sendo que Deus é santo, a aceitação da parte dEle, com
base nas ações das criaturas, é completamente impossível. Uma criatura caída pode
mais facilmente criar um mundo, do que produzir algo capaz de receber aprovação
dAquele que é pureza infinita. Podem as trevas morar com a luz? Pode o Ser
imaculado sentir prazer com o "trapo da imundícia"? (Isaías 64:6) O melhor que o
homem pecador pode produzir vem manchado. Uma árvore contaminada não pode dar bom
fruto. Deus se negaria a Si próprio, envileceria as Suas perfeições, se tivesse por
justo e santo aquilo que não o é em si mesmo; e nada é santo, desde que tenha a
mínima mancha do que seja contrário à natureza de Deus. Mas, bendito seja o Seu
nome, pois, aquilo que a Sua santidade exigiu, a Sua graça supriu em Cristo
Jesus,nosso Senhor! Todo pobre pecador que
correu para Ele em busca de "refúgio, foi e permanece aceito "no Amado" (Efésios
1:6). Aleluia! Posto que Deus é santo requer-se de nós que nos aproximemos dEle com
a máxima reverência. "Deus deve ser em extremo tremendo na assembléia dos santos, e
grandemente reverenciado por todos os que o cercam'" (Salmo 89:7), Portanto,
"Exaltai ao Senhor nosso Deus, e prostrai-vos diante do escabelo de seus pés,
porque ele ê santo" (Salmo 99:5). Sim, “diante do escabelo dos seus pés", na
postura da mais profunda humildade, prostrai-vos. Quando Moisés ia aproximar-se da
sarça ardente, disse Deus: "., . tira os teus sapatos de teus pés... " (Êxodo 3:5),
É preciso servi-lO "com temor" (Salmo 2:11). A exigência que Deus fez a Israel foi:
"... serei santificado naqueles que se cheguem a mim, e serei glorificado diante de
todo o povo...” (Levítico 10:3), Quanto mais tomados de temor ficarmos por Sua
inefável santidade, mais aceitável será o nosso acesso a Ele. Visto que Deus é
santo, devemos querer amoldar-nos a Ele. Seu mandamento é: “...sede santos, porque
eu sou santo" (1 Pedro 1:16). Não somos obrigados a ser onipotentes ou oniscientes
como Deus ê, mas temos que ser santos, e isto em toda a nossa "... maneira de
viver" (1 Pedro 1:15). "Esta é a maneira primordial de honrar a Deus. Glorificamos
a Deus pelas atitudes de elevada admiração, pelas expressões eloqüentes, pelos
pomposos serviços de adoração, mas não tanto como quando aspiramos a conversar com
Ele com espírito livre de mácula, e a viver para Ele vivendo como Ele vive" (S.
Charnock). Então, como só Deus é a origem e a fonte da santidade, busquemos
zelosamente dEIe a santidade; seja a nossa oração diária no sentido de que Ele nos
"... santifique em tudo ... "; e todo o nosso "espírito, e alma, e corpo, sejam
plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo"
(I Tessalonicenses 5:23),
9 O PODER DE DEUS
Não poderemos ter correto conceito de Deus, se não pensarmos nEle como onipotente,
igualmente como Onisciente. Quem não pode fazer o que quer e não pode realizar o
que lhe agrada, não pode ser Deus. Como Deus tem uma vontade para decidir o que
julga bom, assim tem poder para executar a Sua vontade. "O poder de Deus é aquela
capacidade e força pela qual Ele pode realizar tudo que Lhe agrade, tudo que a Sua
sabedoria dirija, e tudo que a infinita pureza da Sua vontade resolva. "... como a
santidade é a beleza de todos os atributos de Deus, assim o poder é aquilo que dá
vida e movimento a todas as perfeições da natureza divina. Como seriam vãos os
conselhos eternos, se o poder não interviesse para executá-los! Sem o poder, a Sua
misericórdia seria apenas uma débil piedade, as Suas promessas um som vazio, as Sua
ameaças mero espantalho. O poder de Deus é como Ele mesmo: infinito, eterno,
incompreensível; não" pode ser refreado, nem restringido, nem frustrado pela
criatura” (S. Charnock). “Uma coisa disse Deus, duas vezes a ouvi: que o poder
pertence a Deus" (Salmo 62:11). "Uma coisa disse Deus", ou segundo a versão
autorizada, KJ, 1611, "Uma vez falou Deus": nada mais é necessário! Passarão os
céus e a terra, porém a Sua palavra permanece para sempre. "Uma vez falou Deus":
como Lhe fica bem a Sua majestade divina! Nós, pobres mortais, podemos falar muitas
vezes e, contudo, sem sermos ouvidos. Ele fala somente uma vez, e o trovão do Seu
poder é ouvido em mil montanhas. “E o Senhor trovejou nos céus, o Altíssimo
levantou a sua voz; e havia saraiva e brasas de fogo. Despediu as suas setas, e os
espalhou: multiplicou ratos, e os perturbou, Então foram vistas as profundezas das
águas, e foram descobertos os fundamentos do mundo; pela tua repreensão, Senhor, ao
soprar das tuas narinas" (Salmo 18:13-15). "Uma vez falou Deus": vede a Sua
imutável autoridade. “Pois quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem é semelhante
ao Senhor entre os filhos dos poderosos?" (Salmo 89:6). "E todos os moradores da
terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do
céu e os moradores da terra: não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que
fazes?" (Daniel 4:35), Esta realidade foi amplamente descortinada quando Deus Se
encarnou e tabernaculou entre os homens. Ao leproso Ele disse: “...sê limpo. E logo
ficou purificado da lepra" (Mateus 8:3). A um que jazia no túmulo já fazia quatro
dias, Ele bradou: "... Lázaro, sai para fora. E o defunto saiu..." (João 11:43-44).
Os ventos tempestuosos e as ondas bravias se aquietaram a uma só palavra dEle, Uma
legião de demônios não pôde resistir à Sua ordem repassada de autoridade. "O poder
pertence a Deus", e somente a Ele. Nem uma só criatura, no universo inteiro, tem
sequer um átomo de poder, salvo o que é delegado por Deus. Mas o poder de Deus não
é adquirido, nem depende do reconhecimento de nenhuma outra autoridade. Pertence a
Ele inerentemente. "O poder de Deus é como Ele mesmo, auto-existente, auto-
sustentado. O mais poderoso dos
homens não pode acrescentar sequer uma sombra de poder ao Onipotente. Ele não se
firma sobre nenhum trono reforçado; nem se apóia em nenhum braço ajudador. Sua
corte não é mantida por Seus cortesãos, nem toma Ele emprestado das Suas criaturas
o Seu esplendor. Ele próprio é a grande fonte central e o originador de toda
energia" (C. H. Spurgeon). Toda a criação dá testemunho, não só do grande poder de
Deus, mas também da Sua inteira independência de todas as coisas criadas. Ouça o
Seu próprio desafio: "Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se
tens inteligência, Quem lhe pôs as medidas, se tu o sabes? Ou quem estendeu sobre
ela o cordel? Sobre que estão fundadas as suas bases, ou quem assentou a sua pedra
de esquina?” (Jó 38:4-6). Quão completamente o orgulho do homem é lançado ao pô!
"Poder é usado também como um nome de Deus, "...o Filho do homem assentado à
direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do céu*' (Marcos 14:62), isto é,
à destra de. Deus. Deus e poder são tão inseparáveis que são recíprocos. Como a Sua
essência é imensa, não pode ser confinada a um lugar; como é eterna, não pode ser
medida no tempo; assim a Sua essência é todopoderosa, não sofrendo limite para a
ação" (S. Charnock). "Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão
pouco é o que temos ouvido dele! Quem pois entenderia o trovão do seu poder?" (Jó
26:14). Quem é capaz de contar todos os monumentos do Seu poder? Mesmo aquilo que é
demonstrado do Seu poder na criação visível está inteiramente fora da nossa
capacidade de compreensão, e menos ainda podemos conceber da onipotência
propriamente dita. Há infinitamente mais poder abrigado na natureza de Deus do que
o expresso em todas as Suas obras. "Partes dos Seus caminhos" contemplamos na
criação, na providência, na redenção, mas apenas uma "pequena parte" do Seu poder
se vê nessas obras. Isto nos é exposto extraordinariamente em Habacuque 3:4: "... e
ali estava o esconderijo da sua força". Dificilmente se pode imaginar algo mais
grandiloqüente do que as figuras deste capítulo todo, no entanto nele nada supera a
nobreza desta declaração. O profeta (numa visão) viu o poderoso Deus espalhando os
outeiros e abatendo os montes, o que se julgaria espantosa demonstração de força.
Nada disso, diz o nosso versículo; isso é mais o ocultamento do que a exibição do
Seu poder. Que se quer dizer? Isto: é tão inconcebível» tão imenso, tão
incontrolável o poder da Deidade, que as terríveis convulsões que Ele opera na
natureza escondem mais do que revelam do Seu poder infinito! É coisa bela juntar as
seguintes passagens: "O que só estende os céus, e anda sobre os altos do mar" (Jó
9:8), que expressa o indomável poder de Deus. "...Ele passeia pelo circuito dos
céus” (Jó 22:14), que fala da imensidade da Sua presença. "...anda sobre as asas do
vento" (Salmo 104:3), que expressa a espantosa rapidez das Suas operações. Esta
última expressão é deveras notável, Não é que "Ele voa” ou'"corre", mas que Ele
“anda", e isso, nas "asas do vento" — sobre o mais impetuoso dos elementos,
impelido com o máximo furor, e varrendo tudo com quase inconcebível velocidade,
todavia sob os Seus pés, debaixo do Seu controle perfeito! Consideremos agora o
poder de Deus na criação. "Teus são os céus, e tua é a terra; o mundo e a sua
plenitude tu os fundaste. O norte e o sul tu os criaste..." (Salmo 89:11-12). Antes
de poder trabalhar, o homem precisa ter ferramentas e material, mas Deus começou
com nada, e só por Sua palavra fez
do nada todas as coisas. O intelecto não pode captar isto. Deus "... falou, e tudo
se fez, mandou, e logo tudo apareceu" (Salmo 33:9). A matéria primeva ouviu a Sua
voz. "Disse Deus: Haja... e assim foi" (Gênesis 1). Bem podemos exclamar: "Tu tens
um braço poderoso; forte é a tua mão, e elevada a tua destra" (Salmo 89:13). Quem,
que olha para cima, para o céu da meia-noite e, com os olhos da razão, contempla as
suas maravilhas em movimento; quem pode abster-se de indagar: do que foram feitos
estes poderosos astros? Ê espantoso dizê-lo, foram produzidos sem material nenhum.
Brotaram do vazio. A majestosa estrutura da natureza universal emergiu do nada. Que
instrumentos foram usados pelo supremo Arquiteto para modelar as partes com tio
refinada elegância e aplicar tão belo polimento ao todo? Como terá sido feita a
junção de tudo numa estrutura primorosamente proporcionada e com tão magnífico
acabamento? Um puro e simples fiat realizou tudo. Haja estas coisas, disse Deus.
Nada acrescentou; e logo o edifício maravilhoso se ergueu, adornado com todo tipo
de beleza, pondo à mostra inumeráveis perfeições, e proclamando em meio a
extasiados serafins o louvor do seu grande Criador. "Pela palavra do Senhor foram
feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca" (Salmo 33:6)"
(James Hervey, 1789), Considere-se o poder de Deus na preservação. Nenhuma criatura
tem poder para preservar-se a si mesma. "Porventura sobe o junco sem lodo? Ou
cresce a espadana sem água?" (Jo 8:11). Tanto o homem como o animal pereceriam, se
não houvesse erva para alimento, e a erva murcharia e morreria, se o solo não fosse
refrescado com chuvas frutíferas. Portanto, Deus é denominado o Preservador dos
"homens e os animais" (Salmo 36:6), Ele sustenta "... todas as coisas, pela palavra
do seu poder..." (Hebreus 1:3). Que maravilha de poder divino é a vida pré-natal de
todo ser humano! Que uma criança possa sequer viver, e por tantos meses, num
alojamento apertado e estranho assim, é inexplicável sem o poder de Deus.
Verdadeiramente, Ele "... sustenta com vida a nossa alma..." (Salmo 65:9). A
preservação da terra, guardando-a da violência dos mares é outro claro exemplo do
poder de Deus. Como é que aqueles elementos em fúria ficaram encerrados dentro
daqueles limites em que primeiro se alojaram, permanecendo em suas baías e canais
sem inundar a terra e sem fazer em pedaços a parte mais baixa da criação? A
condição natural da água é ficar acima da terra, por ser mais leve, e imediatamente
abaixo do ar, por ser mais pesada. Quem põe restrições à qualidade natural da água?
O homem certamente que não, e não tem poderes para tanto. Ê unicamente o fiat do
Criador da água que a refreia. "E disse: Até aqui virás, e não mais adiante, e aqui
se quebrarão as tuas ondas empoladas" (Jó 38:11). Que altaneiro monumento ao poder
de Deus é a preservação do mundo! Considere-se o poder de Deus no governo. Tome-se
a restrição que Ele impõe à ruindade de Satanás, " .., o diabo, vosso adversário,
anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar" (1 Pedro 5:8).
Satanás está cheio de ódio a Deus, e de diabólica inimizade contra os homens,
particularmente contra os santos. Aquele que invejou a Adão no paraíso, não quer
que sintamos o prazer de usufruirmos nenhuma das bênçãos de Deus. Se ele pudesse
fazer o que deseja, trataria todos os homens como tratou Jó: enviaria fogo do céu
sobre os frutos da terra, destruindo o gado» faria vendavais
derribarem nossas casas, e cobriria de chagas os nossos corpos. Mas, embora mal
percebido pelos homens, Deus o refreia em grande medida, impede-o de levar a cabo
os seus maus desígnios, e lhe impõe limites dentro das Suas ordenações. Assim
também Deus restringe a corrupção natural dos homens. Ele suporta suficientes
erupções do pecado para mostrar que terríveis estragos têm sido causados pela
apostasia do homem, que rompeu com o seu Criador, mas quem pode conceber a que
medonho extremo os homens iriam se Deus retirasse a Sua mão repressora? A boca dos
ímpios "... está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para
derramar sangue" (Romanos 3:14-15). Esta é a natureza de cada um dos descendentes
de Adão. Então, que desenfreada licenciosidade e obstinada loucura triunfariam no
mundo, se o poder de Deus não se interpusesse para fechar as comportas do mal! Ver
Salmo 93:3-4. Considere o poder de Deus no juízo. Quando Ele fere, ninguém Lhe pode
resistir: ver Ezequiel 22:14, Quão terrivelmente isso foi exemplificado no Dilúvio!
Deus abriu as janelas do céu e rompeu as grandes fontes do abismo, e (excetuando-se
os que estavam na arca) a raça humana inteira, impotente diante do furor da Sua
ira, foi tragada. Uma chuva de fogo e enxofre caiu do céu, e as cidades da planície
foram exterminadas. O Faraó e todos os seus exércitos nada puderam, quando Deus
soprou sobre eles no Mar Vermelho. Que palavra terrificante, a de Romanos 9:22: "E
que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder,
suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição". Deus
manifestará o Seu tremendo poder sobre os reprovados, não apenas encarcerando-os na
Geena, mas preservando sobrenaturalmente os seus corpos como também as suas almas
em meio às chamas eternas do Lago de Fogo, Bem que deveriam tremer todos, diante de
um Deus tal! Tratar desconsideradamente Aquele que pode esmagar-nos mais facilmente
do que nós a uma traça, é suicídio. Desafiar abertamente Aquele que esta revestido
de onipotência, que pode rasgar-nos em pedaços ou lançar-nos no inferno na hora que
quiser, é o cúmulo da insanidade. Para reduzi-lo ao seu plano mínimo, é
simplesmente parte da sabedoria dar ouvidos à Sua ordem: "Beijai o Filho, para que
se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira..." (Salmo
2:12), Bem que a alma iluminada deve adorar um Deus tal! As estupendas e infinitas
perfeições de um Ser como Deus requerem fervoroso culto. Se homens de poder e
renome reclamam a admiração do mundo, quanto mais deve o poder do Onipotente
encher-nos de assombro e mover-nos a prestar-Lhe homenagem. "O Senhor, quem é como
tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, terrível em louvores,
obrando maravilhas?" (Êxodo 15:11). Bem que o santo pode confiar num Deus tal! Ele
é digno de implícita confiança. Nada Lhe é demasiado difícil, Se Deus fosse
limitado em poder e força, aí sim, poderíamos ficar desesperados. Mas, vendo que
Ele Se reveste de onipotência, nenhuma oração ê tão difícil que Ele não possa
responder, nenhuma necessidade é tão grande que Ele não possa suprir, nenhuma
cólera é tão forte que Ele não possa subjugar, nenhuma tentação é tão poderosa que
Ele não nos possa livrar dela, nenhuma miséria é tão profunda que Ele não possa
aliviar, “... o Senhor é a força da
minha vida; de quem me recearei?" (Salmo 27:1). "Ora, àquele que é poderoso para
fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo
o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as
gerações, para todo o sempre. Amém" (Efésios 3:20-21),
10 A FIDELIDADE DE DEUS
A infidelidade é um dos pecados mais proeminente nestes maus dias. Com raríssimas
exceções, a palavra de um homem não é mais a sua fiança, nos negócios deste mundo.
No mundo social, a infidelidade conjugai ocorre por todo lado, sendo que os laços
matrimoniais são desfeitos com a mesma facilidade com que uma roupa velha é
rejeitada. Na esfera eclesiástica, milhares que se comprometeram solenemente a
pregar a verdade, sem nenhum escrúpulo a negam e a atacam. Nem o autor, como
tampouco o leitor, podem arrogar-se completa imunidade deste pecado terrível: de
quantas maneiras temos sido infiéis a Cristo, e à luz e aos privilégios que Deus
nos confiou1. Como é animador então, que indizível benção é erguer os olhos acima
desta ruinosa cena e contemplar Aquele que, só Ele, é fiel, fiel em tudo, fiel o
tempo todo. "Saberás, pois, que o Senhor teu Deus é Deus, o Deus fiel..."
{Deuteronômio 7:9). Esta qualidade é essencial ao Seu ser; sem ela Ele não seria
Deus. Pois, ser Deus infiel seria agir contrariamente à Sua natureza, o que é
impossível. "Se formos infiéis, ele permanece fiel: não pode negar-se a si mesmo"
(2 Timóteo 2:15). A fidelidade ê uma das gloriosas perfeições do Seu ser, É como se
Ele estivesse vestido com esta perfeição; "0 Senhor, Deus dos Exércitos, quem é
forte como tu, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ri?!" (Salmo 89;8). Assim
também, quando Deus Se encarnou, foi dito: "E a justiça será o cinto dos seus
lombos, e a verdade o cinto dos seus rins" (Isaías 11:5). Que palavra, a do Salmo
36:5 — "A tua misericórdia, Senhor, está nos céus, e a tua fidelidade chega até às
mais excelsas nuvens". Muito acima de toda compreensão finita está a imutável
fidelidade de Deus. Tudo que há acerca de Deus é grande, vasto, incomparável. Ele
nunca esquece, nunca falha, nunca vacila, nunca deixa de cumprir a Sua palavra, O
Senhor Se mantém estritamente apegado a cada declaração de promessa ou profecia,
faz valer cada compromisso de aliança ou de ameaça, pois "Deus não é homem, para
que minta; nem filho do homem, para que se arrependa: porventura diria ele, e não o
faria? Ou falaria, e não o confirmaria? (Números 23:19). Daí o crente exclama;
"...as suas misericórdias não têm fim, Novas são cada manhã; grande é a tua
fidelidade" (Lamentações 3:22-23). Há nas Escrituras numerosas ilustrações da
fidelidade de Deus. Hã mais de quatro mil anos Ele disse: "Enquanto a terra durar,
sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão"
(Gênesis 8;22). Cada novo ano dá-nos um novo testemunho de que Deus cumpre esta
promessa. Em Gênesis 15 vemos que Jeová declarou a Abraão; "...peregrina será a tua
semente em terra que não será tua, e servi-los-ão ... E a quarta geração tornara
para cá" (versículos 13-16). Os séculos percorreram o seu curso fatigante. Os
descendentes de Abraão gemiam entre os fornos de tijolos do Egito. Deus esquecera a
Sua promessa? Certamente que não. Leia Êxodo 12:41: "E aconteceu que, passados os
quatrocentos e trinta anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram
da terra do Egito". Por meio de Isaías o Senhor declarou: “...eis que uma virgem
conceberá, e dará à luz um filho, e será
o seu nome Emanuel" (7:14). De novo séculos se passaram, mas, "vindo a plenitude
dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei" (Gaiatas
4:4). Deus é verdadeiro. Sua Palavra de promessa ê certa. Em todas as Suas relações
com o Seu povo, Deus é fieL Pode-se confiar nEle, com segurança, Nunca houve alguém
que tivesse confiado nEle em vão. Vemos esta preciosa verdade expressa em quase
toda parte nas Escrituras, pois o Seu povo precisa saber que a fidelidade é uma
parte essencial do caráter divino. Esta é a base da nossa confiança nEle, Mas, uma
coisa é aceitar a fidelidade de Deus como uma verdade divina, e outra coisa, muito
diferente, é agir com base nisso. Deus "nos tem dado grandíssimas e preciosas
promessas", mas nós contamos realmente com o seu cumprimento por Deus? Esperamos de
fato que Ele vai fazer por nós tudo que disse que fará? Descansamos com implícita
segurança nestas palavras: " ... fiel é o que prometeu" (Hebreus 10:23)? Há
ocasiões na vida de todos em que não é fácil, nem mesmo para 05 cristãos, crer que
Deus é fiel. Nossa fé é provada dolorosamente, nossos olhos ficam toldados pelas
lágrimas, e não conseguimos mais encontrar o rumo dos baluartes do Seu amor. Os
nossos ouvidos se distraem com os ruídos do mundo, arruinados pelos sussurros
ateísticos de Satanás e não conseguimos mais ouvir a doce entonação da voz mansa e
delicada do Senhor. Sonhos alimentados foram frustrados, amigos em quem confiávamos
falharam conosco, um falso irmão ou irmã em Cristo nos traiu. Vacilamos. Procuramos
ser fiéis a Deus, e agora uma trevosa nuvem O esconde de nós. Achamos difícil,
impossível mesmo, à razão carnal harmonizar a Sua sombria providência com as
promessas da Sua graça, Ah, alma titubeante, companheiro de peregrinação provado
com tanto rigor, procure graça para ouvir Isaías 50:10; "Quem há entre vós que
tema. a,Jeová, e ouça a voz do seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz
nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus". Quando você for
tentado a duvidar da fidelidade de Deus, brade: "Para trás de mim, Satanás". Ainda
que você não possa harmonizar os misteriosos procedimentos de Deus com as Suas
declarações de amor, confie nEIe e aguarde mais luz, Na hora dEIe, certa e boa, Ele
fará com que você o veja com clareza, “...o que eu faço não o sabes tu agora, mas
tu o saberás depois" (João 13:7). A seqüência dos fatos demonstrará que Deus não
abandonou nem enganou Seu filho. "Por isso o Senhor esperará, para ter misericórdia
de vós; e por isso será exalçado, para se compadecer de vós, porque o Senhor é um
Deus de eqüidade: bem-aventurados todos os que nele esperam (Isaías 30:18). "Não
julgues o Senhor por tua mente, porém, confia nEIe por Sua graça. Por trás de uma
severa providência Ele oculta um semblante sorridente. Animai-vos, ó santos
temerosos! As nuvens que temíveis vos parecem, ricas são de mercês, e irromperão em
bênçãos derramadas sobre vós." "Os teus testemunhos que ordenaste são retos e muito
fiéis" (Salmo
119:138). Deus não nos falou apenas o melhor, mas também não retirou o pior. Ele
descreveu fielmente a ruína efetuada pela Queda. Ele diagnosticou fielmente o
terrível estado produzido pelo pecado. Fielmente fez conhecido o Seu inveterado
ódio ao mal, e que ê preciso que Ele o puna. Advertiu-nos fielmente de que Ele é
"fogo consumidor" (Hebreus 12:29). Sua Palavra não contém somente numerosas
ilustrações de Sua fidelidade no cumprimento de Suas promessas, mas também registra
numerosos exemplos de Sua fidelidade em fazer valer as Suas ameaças. Cada estágio
da história de Israel exemplifica esse fato solene. Foi assim com indivíduos:
Faraó, Core, Acã e uma multidão de outros mais, são outras tantas provas. E será
assim com você, meu leitor, a menos que você tenha buscado ou busque refúgio em
Cristo, as chamas eternas do Lago de Fogo serão a tua porção certa e segura. Deus é
fiel. Deus é fiel na preservação do Seu povo. "Fiel é Deus, pelo qual fostes
chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor'" (l Coríntios
1:9). No versículo anterior foi feita a promessa de que Deus confirmará o Seu povo
até o fim. A confiança do apóstolo na absoluta segurança dos crentes estava baseada
não na força das resoluções deles ou em sua capacidade para perseverar, mas sim na
veracidade dAquele que não pode mentir. Visto que Deus prometeu ao Seu Filho um
certo povo como Sua herança, livrá-lo do pecado e da condenação e fazê-lo
participante da vida eterna na glória, é certo que Ele não permitira que nenhum dos
pertencentes a esse povo pereça. Deus é fiel na disciplina ministrada ao Seu povo.
Ele não é menos fiel naquilo que retira, do que naquilo que dá. É fiel quando envia
tristeza como quando outorga alegria. A fidelidade de Deus é uma verdade que
devemos confessar não somente quando a tranqüilidade nos bafeja, mas também quando
nos afligirmos sob o castigo mais áspero. Tampouco esta confissão deve ser apenas
de boca, mas também de coração, Quando Deus nos fere com a vara da punição, é a
fidelidade que a maneja. Reconhecer isso significa que nos humilhamos diante dEle,
confessamos que merecemos totalmente a Sua correção e, em vez de murmurar, damos-
Lhe graças por isso. Deus nunca nos aflige sem algum motivo: "Por causa disto, há
entre vós muitos fracos e doentes..." (1 Coríntios 11:30), ilustra este princípio.
Quando a Sua vara cair sobre nós, digamos com Daniel; "A ti, ó Senhor, pertence a
justiça, mas a nós a confusão de rosto..." (9:7). "Bem sei eu, ó Senhor, que os
teus juízos são justos, e que em tua fidelidade me afligiste" (Salmo 119:75),
Problemas e aflições não são apenas coerentes com o amor de Deus empenhado na
aliança eterna, mas são partes da sua administração. Deus é fiel não só quando
afasta as aflições, mas também é fiel quando no-las envia. '" Então visitarei com
vara a sua transgressão, e a sua iniqüidade com açoites, Mas não retirarei
totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha fidelidade" (Salmo 89:32-
33), O castigo não é apenas conciliável com a benignidade amorosa de Deus, mas
também é seu efeito e expressão. A mente dos servos de Deus se tranqüilizaria muito
se eles se lembrassem de que a aliança de Deus O obriga a aplicar-lhes correção
oportuna. As aflições são-nos necessárias: "...estando eles angustiados, de
madrugada me buscarão" (Oséias 5:15). Deus é fiel na glorificação do Seu povo,
"Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Tessalonicenses 5:24), A
referência imediata aqui é aos
santos serem "preservados inculpáveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo".
Deus nos trata, não com base em nossos méritos (pois não temos nenhum), mas por
amor do Seu grande nome. Deus é constante para consigo mesmo e segundo o propósito
da Sua graça, "... aos que chamou ... a estes também glorificou" (Romanos 8:30).
Deus dá plena demonstração da constância de Sua bondade eterna para com os Seus
eleitos, chamando-os eficazmente das trevas para a Sua maravilhosa luz, e isto
deveria torná-los seguros da certeza da sua continuidade. "... o fundamento de Deus
fica firme..." (2 Timóteo 2; 19), Paulo estava firmado na fidelidade de Deus quando
disse: ". . , eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para
guardar o meu depósito até àquele dia" (2 Timóteo 1:12). A percepção desta bendita
verdade nos protegera da preocupação. Estar cheio de preocupações, ver a nossa
situação com prenúncios sombrios, antecipar o amanhã com ansiedade, é ofender a
fidelidade de Deus. Aquele que vem cuidando do Seu filho através dos anos, não o
abandonará quando o filho envelhecer. Aquele que ouviu as orações que você fez no
passado, não se negará a suprir suas necessidades na presente emergência. Descanse
em Jó 5:19: “Em seis angústias te livrará; e na sétima o mal te não tocará". A
percepção desta bendita verdade catará as nossas murmurações. O Senhor sabe o que é
melhor para cada um de nós, e um efeito da confiança nesta verdade será o silenciar
das nossas petulantes reclamações. Deus é grandemente honrado quando, sob provação
e castigo, temos bons pensamentos sobre Ele, vindicamos a Sua sabedoria e justiça,
e reconhecemos o Seu amor mesmo em Suas repreensões. A percepção desta bendita
verdade gera crescente confiança em Deus. "Portanto também os que padecem segundo a
vontade de Deus encomendemlhe as suas almas como ao fiel Criador, fazendo o bem” (1
Pedro 4:19). Quando confiantemente nos resignarmos e deixarmos todos os nossos
interesses nas mãos de Deus, plenamente persuadidos do Seu amor e fidelidade, tanto
mais depressa ficaremos satisfeitos com as Suas providências e compreenderemos que
"ele tudo faz bem”.
11 A BONDADE DE DEUS
"A bondade de Deus permanece continuamente" (Salmo 52:1). A "bondade" de Deus tem
que ver com a perfeição da Sua natureza: "... Deus é luz, e não há nele trevas
nenhumas” (1 João 1:5). Hã uma tão absoluta perfeição na natureza e no ser de Deus
que nada Lhe falta, nada nEle é defeituoso, e nada se Lhe pode acrescentar para
melhorá-lO. "Ele é essencialmente bom, bom em Si próprio, o que nada mais é; pois
todas as criaturas só são boas pela participação e comunicação da parte de Deus.
Ele é essencialmente bom; não somente bom, mas é a própria bondade: na criatura, a
bondade é uma qualidade acrescentada; em Deus, é Sua essência. Ele é infinitamente
bom; na criatura a bondade é uma gota apenas, mas em Deus há um oceano infinito ou
um infinito ajuntamento de bondade. Ele é eterna e imutavelmente bom, porquanto Ele
não pode ser menos bom do que é; como não se pode fazer nenhum acréscimo a Ele,
assim também não se Lhe pode fazer nenhuma subtração" (Thomas Manton). Deus é
summum bonum, o Sumo Bem. O significado saxônico original do vocábulo inglês. "God"
(Deus) é "The Good" (O Bom ou O Bem). Deus não é somente o maior de todos os seres,
mas o melhor. Toda a bondade existente em qualquer criatura foi-lhe infundida pelo
Criador, mas a bondade de Deus não é derivada, pois é a essência da Sua natureza
eterna. Como Deus é infinito em poder desde toda a eternidade, desde antes de ter
havido alguma demonstração desse poder, ou antes de ter sido executado algum ato de
onipotência, assim Ele era eternamente bom, antes de haver qualquer comunicação da
Sua generosidade, ou antes de haver qualquer criatura à qual essa generosidade
pudesse ser infundida ou exercida. Portanto, a primeira manifestação desta
perfeição divina consistiu em dar existência a todas as coisas. "Tu és bom e
abençoador...", ou, na versão utilizada pelo autor: "Tu és bom, e fazes o bem...”
(Salmo 119:68). Deus tem em Si mesmo um infinito e inexaurível tesouro de todas as
bênçãos, capaz de encher todas as coisas. Tudo que provém de Deus — os Seus
decretos, a Sua criação» as Suas leis» as Suas providências — só pode ser bom, como
está escrito: "E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom..."
(Gênesis 1:31). Assim, vê-se a bondade de Deus primeiro na criação. Quanto mais de
perto se estuda a criatura, mais visível se torna a benignidade do seu Criador,
Tome a mais elevada criatura da terra, o homem. Abundantes motivos tem ele para
dizer com o salmista: "Eu te louvarei, porque de um modo terrível e tão maravilhoso
fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem"
(Salmo 139:14). Tudo acerca da estrutura dos nossos corpos atesta a bondade do seu
Criador. Que mãos apropriadas para realizar a obra a elas confiada! Que bondade do
Senhor, determinar o sono para restaurar o corpo cansado! Que benévola a Sua
provisão, dar aos olhos cílios e sobrancelhas para protegê-los! E assim poderíamos
prosseguir indefinidamente. E a bondade de Deus não se limita ao homem; é exercida
em favor de
todas as Suas criaturas. "Os olhos de todos esperam em ti, e tu lhes dás o seu
mantimento a seu tempo. Abres a tua mão, e satisfazes os desejos de todos os
viventes" (Salmo 145:15-16). Volumes inteiros poderiam ser escritos, na verdade têm
sido, para discorrer sobre este fato. Sejam as aves do espaço, os animais das matas
ou os peixes no mar, foi feita abundante provisão para suprir todas as suas
necessidades. Deus "... dá mantimento a toda a carne; porque a sua benignidade é
para sempre" (Salmo 136:25). Verdadeiramente, "... a terra está cheia da bondade do
Senhor" (Salmo 33:5). Vê-se a bondade de Deus na variedade de prazeres naturais que
Ele providenciou para as Suas criaturas. Deus poderia ter-Se satisfeito em saciar a
nossa fome sem que os alimentos fossem agradáveis ao nosso paladar — como Sua
benignidade transparece-nos diversos sabores de que Ele revestiu os diferentes
tipos de carne, vegetais e frutas! Deus não nos deu somente os sentidos, mas também
nos deu aquilo que os agrada; e isso também revela a Sua bondade. A terra poderia
ser tão fértil como é, sem a sua superfície ser tão deleitavelmente variegada, A
nossa vida física poderia ser mantida sem as lindas flores para encantarem os
nossos olhos e para exalarem suaves perfumes. Poderíamos andar pelos campos, sem
que os nossos ouvidos fossem saudados pela música dos pássaros. Donde, pois, esta
beleza, este encanto, tão livremente difundido pela face da natureza?
Verdadeiramente, "O Senhor é bom para todos, e as suas ternas misericórdias são
sobre todas as suas obras" (Salmo 145:9). Vê-se a bondade de Deus em que, quando o
homem transgrediu a lei do seu Criador, não começou de imediato uma dispensação de
ira sem contemplação. Bem poderia Deus ter privado as Suas criaturas decaídas de
todas as bênçãos, de todos os confortos e de todos os prazeres. Em vez disso, Ele
introduziu um regime de natureza mista, de misericórdia e juízo. Devidamente
considerado, isso é por demais maravilhoso, e quanto mais completamente se examine
esse regime, mais transparecerá que " ... a misericórdia triunfa do juízo** (Tiago
2:13). Não obstante os males todos que acompanham o nosso estado decaído, o prato
do bem predomina grandemente na balança. Com relativamente ratas exceções, os
homens e as mulheres experimentam muito maior numero de dias de boa saúde, do que
de enfermidade e dor. Há no mundo muito mais felicidade própria das criaturas do
que infelicidade igualmente própria delas. Mesmo as nossas tristezas admitem
considerável alívio, e Deus conferiu à mente humana uma versatilidade que lhe
possibilita adaptar-se às circunstâncias e tirar delas o melhor proveito possível.
Não se pode com justiça pôr em questão a benignidade de Deus pelo fato de haver
sofrimento e tristeza no mundo. Se o homem peca contra a bondade de Deus, se ele
despreza "as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade" e, seguindo
a dureza e a impenitência do seu coração entesoura para si mesmo ira para o dia da
ira (Romanos 2:4-5), a quem deve culpar, senão a si próprio? Deus seria bom, se não
punisse os que usam mal as Suas bênçãos, abusam da Sua benevolência e pisoteiam as
Suas misericórdias? Não haverá a menor censura quanto à bondade de Deus, mas, ao
contrário, a mais brilhante e modelar demonstração dela, quando Deus eliminar da
terra os que quebrantara as Suas leis, desafiam a Sua autoridade, zombam dos Seus
mensageiros, escarnecem do Seu Filho e perseguem aqueles pelos quais Ele morreu.
A bondade de Deus foi mais ilustremente visível quando Ele enviou o Seu Filho, "...
nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a
fim de recebermos a adoção de filhos" (Gaiatas 4:4-5). Foi então que uma multidão
dos exércitos celestiais louvou seu Criador e disse: "Glória a Deus nas alturas,
paz na terra, boa vontade para com os homens" (Lucas 2:14). Sim, no evangelho “a
graça (em grego, a benevolência ou bondade) de Deus se há manifestado, trazendo
salvação a todos os homens” (Tito 2:11). Não se pode pôr em dúvida a benignidade de
Deus pelo fato de não ter feito Ele a todas as criaturas pecadoras objetos da Sua
graça redentora. Não o fez com os anjos decaídos. Se Ele tivesse deixado que todos
perecessem, não haveria censura à Sua bondade, A quem quer que desafiasse esta
afirmação faríamos lembrar a soberana prerrogativa de nosso Senhor: "Ou não me é
lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?"
(Mateus 20:15), "Louvem ao Senhor pela sua bondade, e pelas suas maravilhas para
com os filhos dos homens" (Salmo 107:8). Gratidão é o justo retorno exigido dos
objetos da Sua benignidade; contudo, muitas vezes é negada ao grande Benfeitor,
simplesmente porque a Sua bondade é tão constante e tão abundante. A bondade de
Deus é apreciada superficialmente porque é exercida para conosco no curso comum dos
eventos. Não a percebemos bem porque a experimentamos diariamente. "Ou desprezas tu
as riquezas da sua begnidade?..." (Romanos 2:4). A Sua bondade é “desprezada"
quando não é utilizada como um meio para levar os homens ao arrependimento, mas, ao
contrário, serve para endurecê-los a partir da suposição de que fecha os olhos para
o pecado deles. A bondade de Deus é o sustentáculo da confiança do crente, É esta
excelência de Deus que exerce mais atração sobre os nossos corações. Visto que a
Sua bondade dura para sempre, jamais deveríamos ficar desanimados-. "O Senhor é
bom, uma fortaleza no dia da angústia, e conhece os que confiam nele" (Naum 1:7).
"Quando outros nos maltratam, isso deveria somente estimular-nos a dar graças mais
calorosamente ao Senhor, porque Ele é bom; e quando nós mesmos nos damos conta de
que estamos longe de sermos bons, somente deveríamos bendizem com maior reverência
Aquele que é bom jamais deveríamos tolerar um instante de descrença na bondade, do
Senhor; seja o que for que possa ser questionado, isto é absolutamente certo, que o
Senhor é bom; as Suas dispensações podem variar, mas a Sua natureza é sempre a
mesma” (C. H. Spurgeon).
12 A PACIÊNCIA DE DEUS
Tem-se escrito muito menos sobre esta excelência do caráter divino do que sobre as
demais. Não poucos dos que têm se estendido largamente sobre os atributos divinos,
deixaram de lado, sem nenhum comentário, a paciência de Deus. Não é fácil opinar
sobre a razão disto, pois certamente a paciência de Deus é igualmente uma das
perfeições divinas, como a Sua sabedoria, poder ou santidade, e igualmente digna de
ser admirada e reverenciada por nós. É verdade que esse vocábulo não se acha numa
concordância tantas vezes como os outros, mas a glória desta graça refulge em quase
todas as páginas das Escrituras. O certo é que perdemos muito, se não meditamos com
freqüência na paciência de Deus e se não oramos fervorosamente, rogando que os
nossos corações a ela se disponham mais completamente. O mais provável é que a
principal razão pela qual tantos escritores deixaram de dar-nos algo,
separadamente, sobre a paciência de Deus, é a dificuldade em distinguir este
atributo da bondade e da misericórdia divinas, particularmente desta última A
longaminidade de Deus é mencionada repetidamente era conjunto com a Sua graça e
misericórdia, como se pode verificar consultando Êxodo 34:6; Números 14:18; Salmo
86:15 etc Não se pode negar que a paciência de Deus é realmente uma demonstração da
Sua misericórdia, na verdade um modo pelo qual esta se manifesta freqüentemente;
não se pode conceder, porém que ambas sejam urna só e a mesma excelência e que não
se possa separar uma da outra. Embora não seja fácil distinguir entre elas as
Escrituras nos autorizam plenamente a afirmar sobre uma delas algumas coisas que
não podemos afirmar sobre a outra. Stephen Charnock, o puritano, define em parte a
paciência de Deus assim: "É uma parte da bondade e da misericórdia divinas e,
contudo, difere de ambas. Sendo Deus a maior bondade tem a maior brandura; a
brandura é sempre companheira da bondade e, quanto maior a bondade, maior a
brandura. Quem houve tão santo como Cristo, e tão gentil? A lentidão de Deus para a
ira é um aspecto da Sua misericórdia: "... o Senhor (é) sofredor e de grande
misericórdia" (Salmo 145:8; Atualizada, semelhante à versão da citação: "... o
Senhor (é) tardio em irar-se e de grande clemência"). A paciência difere da
misericórdia na consideração formal do objeto: a misericórdia considera a criatura
como infeliz, a paciência considera a criatura como criminosa; a misericórdia tem
pena do ser humano em sua infelicidade a paciência tolera o pecado que gerou a
infelicidade e deu nascimento a mais infelicidade ainda". Pessoalmente, definimos a
paciência divina como aquele poder de controle que Deus exerce sobre Si mesmo,
levando-0 a tolerar os maus e a demorar-Se a castigá-los. Em Naum 1:3 lemos: “O
Senhor e tardio em irar-se, mas grande em força...", sobre o qual disse o senhor
Charnock: "Os homens que são grandes no mundo sofrem rápido impulso da paixão, e
não se dispõem a perdoar logo, ou a tolerar um ofensor, como alguém de nível
inferior. É a falta de poder sobre o próprio ego que os leva a fazer coisas
impróprias sob
provocação. Um príncipe capaz de sujeitar as suas paixões é um rei sobre si mesmo,
bem como sobre os seus súditos. Deus é tardio em irar-Se porque é grande em força,
Ele não tem menos poder sobre Si mesmo do que sobre as Suas criaturas'. É na
questão acima, pensamos nós, que a paciência de Deus se distingue mais claramente
da Sua misericórdia. Embora a criatura seja beneficiada por ela, a paciência de
Deus diz respeito principalmente a Si próprio, como uma restrição imposta por Sua
vontade aos Seus atos, ao passo que a Sua misericórdia esgota-se totalmente na
criatura. A paciência de Deus é aquela excelência que O leva a suportar grandes
ofensas sem vingar-Se imediatamente. Ele tem um poder de paciência, como também um
poder de justiça. Assim, a palavra hebraica para "longânimo" é traduzida por
'"tardio em irar-se" em Neemias 9:17, Joel 2:13, etc. Não que haja quaisquer
paixões na natureza divina, mas que à sabedoria e à vontade de Deus apraz agir com
aquela dignidade e sobriedade que vem a ser a Sua exaltada majestade. Em apoio de
nossa definição acima, permita-me assinalar que foi para esta excelência do caráter
divino que Moisés apelou, quando Israel pecou tão afrontosamente era Cades-Barnéia,
e ali provocou ao Senhor tão dolorosamente. Ao Seu servo disse o Senhor: "Com
pestilência o ferirei, e o rejeitarei..." (Números 14:12). Então foi que o mediador
tipológico intercedeu: "Agora, pois, rogo-te que a força do meu Senhor se
engrandeça; como tens falado, dizendo: O Senhor é Longânimo" (versículos 17 e 18).
Portanto, a Sua "longanimidade"" ou paciência é a Sua "força" ou o Seu poder de
auto-restrição. Ainda em Romanos 9:22 lemos: "E que direis se Deus, querendo
mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os
vasos da ira, preparados para perdição". Se Deus imediatamente fizesse em pedaços
estes vasos reprovados, o Seu poder de auto-controle não apareceria tão
eminentemente; tolerando a iniqüidade deles e lhes sobre-levando demoradamente o
castigo, o poder da Sua paciência fica demonstrado gloriosamente. É verdade que os
ímpios interpretam a paciência de Deus de maneira muito diferente -— "Visto como se
não executa logo o juízo sobre a má obra, por isso o coração dos filhos dos homens
está inteiramente disposto para praticar o mal" (Eclesiastes 8:11) — mas o olhar
ungido adora o que eles insultam. "O Deus de paciência" (Romanos 15:5) é um dos
títulos divinos. A Deidade é assim denominada, primeiro, porque Deus é tanto o
Autor como o Objeto da graça da paciência na criatura. Segundo, porque é isto que
Ele é em Si mesmo: a paciência é uma das Suas perfeições. Terceiro, como um padrão
para nós: "Revesti-vos pois, como eleitos de Deus, santos, e amados, de entranhas
de misericórdia, de benignidade, mansidão, longanimidade" (Colossenses 3:12). E
ainda: "Sede pois imitadores de Deus como filhos amados" (Efésios 5:1). Quando
tentado a aborrecer-se com a lerdeza doutrem, ou a vingar-se de alguém que o
ultrajou, lembre-se da infinita paciência e longanimidade de Deus para com você. A
paciência de Deus se manifesta em Sua maneira de tratar os pecadores. Quão
surpreendentemente foi demonstrada para com os antediluvianos. Quando a humanidade
estava universalmente degenerada, e toda a carne havia corrompido os seus caminhos,
Deus não a destruiu sem antes adverti-la. "... a longanimidade de Deus esperava..."
(1 Pedro 3:20), Deus esperou não menos de
cento e vinte anos (Gênesis 6:3), tempo durante o qual Noé foi "... pregoeiro da
justiça... " (2 Pedro 2:5). Assim, mais tarde, quando os gentios não só cultuavam e
serviam mais a criatura do que ao Criador, mas também cometiam as mais vis
abominações contrárias até mesmo aos .ditames da natureza (Romanos 1:19-26), e com
isso encheram a medida da sua iniqüidade; todavia, em vez de desembainhar a Sua
espada para o extermínio desses rebeldes, Deus "... deixou andar todas as gentes em
seus próprios caminhos..." e lhes deu "... chuvas e tempos frutíferos..." (Atos
14:16-17). A paciência de Deus foi maravilhosamente exercida e manifestada para com
Israel. Primeiro, Ele "...suportou os seus costumes no deserto por espaço de quase
quarenta anos (Atos 13.18) Posteriormente, quando os israelitas entraram em Canaã,
mas seguiam os maus costumes das nações ao seu redor e pendiam para a idolatria,
conquanto Deus os castigasse dolorosamente não os destruiu por completo, mas sim em
sua angustia, levantava libertadores para eles. Quando a sua iniqüidade subiu a tal
ponto que ninguém, senão um Deus de infinita paciência, poderia suportá-los, Ele,
não obstante, poupou-os durante muitos anos antes de deixar que fossem levados para
a Babilônia. Finalmente quando a sua rebelião contra Ele atingiu o clímax pela
crucificação de Seu Filho, Deus esperou quarenta anos, antes de enviar os romanos
contra eles, e isso, só depois deles Julgarem que não eram "...dignos da vida
eterna... (Atos 13:46) Quão maravilhosa é a paciência de Deus com o mundo hoje! Por
toda parte as pessoas pecam a peito aberto. A lei divina e pisoteada e o próprio
Deus é desprezado abertamente. É deveras espantoso que Ele não elimine de vez
aqueles que tão descaradamente O desafiam. Por que Ele não corta da face da terra o
infiel insolente e o escarnecedor verboso, como fez com Ananias e Safira? Por que
não faz a terra abrir a boca e devorar os perseguidores do Seu povo para que, à
semelhança de Data e Abirão fossem vivos para o Abismo? E que dizer da cristandade
apóstata, em que todas as formas de pecado possíveis são agora toleradas e
praticadas sob a capa do santo nome de_ Cristo? Por que a justa ira do Céu não põe
fim a tais abominações? Somente uma resposta é possível: porque Deus tolera com
muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição (Romanos 9:22). E que
dizer do autor e do leitor? Façamos uma revisão em nossas vidas. Não transcorreu
muito tempo desde quando nós seguíamos a multidão na prática do mal, não nos
interessávamos nem um pouco pela glória de Deus e só vivíamos para gratificar o
nosso ego. Quão pacientemente Ele tolerou a nossa conduta vil! E agora que a graça
nos tirou como tições do fogo, dando-nos um lugar na família de Deus, e nos gerou
para uma herança eterna na glória, quão miseravelmente Lhe retribuímos! Quão
superficial a nossa gratidão, quão tardia a nossa obediência e quão freqüentes as
nossas apostasias! Uma razão pela qual Deus tolera que o crente permaneça carnal é
que Ele possa demonstrar a Sua longanimidade para conosco (2 Pedro 3:9). Desde que
este atributo divino só se manifesta neste mundo, Deus se empenha mais em mostrá-lo
para com "os Seus". Oxalá a nossa meditação nesta excelência divina abrande os
nossos corações, enterneça as nossas consciências, e possamos aprender na escola da
santa experiência a "paciência dos santos'1, a saber, a submissão à vontade divina
e a perseverança na prática do bem. Busquemos fervorosamente a graça
que nos capacite a imitar esta excelência divina. "Sede vós pois perfeitos, como é
perfeito o vosso Pai que está nos céus'" (Mateus 5:48); no contexto imediato Cristo
nos exorta a amar os nossos inimigos, a bendizer os que nos maldizem, a fazer o bem
aos que nos odeiam. Deus tolera bastante os ímpios, apesar da multidão dos seus
pecados; e nós, haveremos de querer vingar-nos por causa de uma única ofensa?
13 A GRAÇA DE DEUS
Esta perfeição do caráter divino só é exercida em favor dos eleitos. Nem no Velho
Testamento nem no Novo jamais se menciona a graça de Deus em conexão com a
humanidade em geral, e muito menos com as ordens inferiores das Suas criaturas.
Nisto a graça se distingue da "misericórdia", pois a misericórdia é "... sobre
todas as suas obras1' (Salmo 145:9). A graça é a única fonte da qual fluem a boa
vontade, o amor e a salvação de Deus para o Seu povo escolhido. Este atributo do
caráter divino foi definido por Abraham Booth em seu proveitoso livro, The Reign of
Grace — O Reino da Graça, assim: "É o livre, absoluto e eterno favor de Deus,
manifesto na concessão de bênçãos espirituais e eternas a culpados e indignos. A
graça divina é o soberano e salvador favor de Deus exercido na dádiva de bênçãos a
pessoas que não têm em si mérito nenhum, e pelas quais não se exige delas nenhuma
compensação. Não apenas isso, é ainda mais; é o favor de Deus demonstrado a pessoas
que, não só não possuem merecimentos próprios, mas são totalmente merecedoras do
inferno. É completamente imerecida, não é procurada de modo nenhum e não é atraída
por nada que haja nos objetos aos quais é dada, por nada que deles provenha, e
tampouco pelos próprios objetos. A graça não pode ser comprada, nem obtida, nem
conquistada pela criatura. Se pudesse, deixaria de ser graça. Quando dizemos que
uma coisa é "de graça", queremos dizer que seu recebedor não tem direitos sobre
ela, que de maneira nenhuma ela lhe era devida. Chega-lhe como pura caridade e, a
princípio, não solicitada nem desejada. A mais completa exposição da maravilhosa
graça de Deus acha-se nas epístolas do apóstolo Paulo. Em seus escritos "graça"
está em direta oposição a obras e merecimento, todas as obras e todo merecimento,
de qualquer espécie ou grau. Vê-se isto com muita clareza em Romanos 11:6, na
versão utilizada pelo autor: "E se é por graça, já não é pelas obras; de outra
maneira, a graça já não é graça. Se é por obras, já não é pela graça; de outra
maneira, as obras já não são obras". É tão impossível unir a graça e as obras, como
o é unir um ácido e um álcali. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e
isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie
(Efésios 2:8-9). O absoluto favor de Deus não pode harmonizar-se com o mérito
humano, mais do que o óleo e a água fundir-se num só elemento. Ver também Romanos
4:4-5. São três às principais características da graça divina: primeira, é eterna.
A graça foi planejada antes de ser exercida, e fez parte do propósito divino antes
de ser infundida: "Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as
nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em
Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos" (2 Timóteo 1:9). Segunda, é livre, ou
gratuita, pois ninguém a pôde comprar jamais: “Sendo justificados gratuitamente
pela sua graça..." (Romanos 3:24. Terceira, ê soberana, porque Deus a exerce em
favor daqueles a quem Lhe apraz, e a estes
a concede: "Para que... também a graça reinasse..." (Romanos 5:21). Se a graça
"reina", ocupa um trono, e o ocupante do trono é soberano. Daí o "... trono da
graça..." (Hebreus 4:16). Exatamente porque a graça é um favor imerecido, exerce-se
necessariamente de maneira soberana. Portanto, o Senhor declara: "Terei
misericórdia" (ou graça) "...de quem eu tiver misericórdia,..'" (Êxodo 33:19). Se
Deus mostrasse graça a todos os descendentes de Adão, os homens logo concluiriam
que Ele, sendo justo, estava compelido a levá-los para o céu como uma razoável
compensação por ter deixado a raça humana cair em pecado. Mas o grande Deus não
está sob nenhuma obrigação para com nenhuma de Suas criaturas, menos ainda para com
os que são rebeldes contra Ele. A vida eterna é um dom e, portanto, não pode ser
obtida pelas boas obras, nem reivindicada como um direito. Vendo que a salvação é
um "dom", quem tem direito de dizer a Deus a quem Ele deve doá-lo? Não é que o
Doador recusa este dom a qualquer que o busque de todo coração e de acordo com as
regras que Ele prescreveu. Não; Ele não o recusa a ninguém que O busca de mãos
vazias e da maneira determinada por Ele. Mas, se de um mundo impenitente e
incrédulo Deus está resolvido a exercer o Seu direito soberano escolhendo um número
limitado de pessoas para serem salvas, quem sai prejudicado? Estará Deus obrigado a
impor o Seu dom aos que não lhe dão valor? Estará Deus compelido a salvar os que
estão determinados a seguir o seu próprio caminho! Nada, porém, enraivece mais o
homem natural e mais contribui para trazer à tona a sua inata e inveterada
inimizade contra Deus, do que insistir com ele sobre a eternidade, a gratuidade e a
absoluta soberania da graça divina. Dizer que Deus formou Seu propósito desde a
eternidade, sem nenhuma consulta à criatura, é demasiadamente humilhante para o
coração não quebrantado Dizer que a graça não pode ser adquirida ou conquistada
pelos esforços do homem, esvazia demais o ego dos que confiam em sua justiça
própria. E o fato de que a graça separa os que ela quer para serem os objetos do
seu favor, provoca acalorados protestos dos rebeldes arrogantes. O barro se levanta
contra o Oleiro e pergunta: "Por que Tu me fizeste assim?' Um rebelde infrator da
lei atreve-se a questionar a justiça da soberania divina. Vêse a distintiva graça
de Deus no ato de salvar aqueles que Ele separou soberanamente para serem os Seus
favoritos. Com "distintiva" queremos dizer que a graça discrimina, faz diferenças
escolhe alguns e deixa de lado outros. Foi a distintiva graça de Deus que separou
Abraão dentre os seus vizinhos idolatras e fez dele "o amigo de Deus". Foi a
distintiva graça que salvou "publicanos e pecadores", mas disse acerca dos
fariseus: Deixai-os" (Mateus 15:14). Em parte nenhuma a glória da livre e soberana
graça de Deus fulge mais conspicuamente do que na indignidade e diversidade dos que
a recebem. Esta verdade foi belamente ilustrada por James Hervey (1751): "Onde o
pecado abundou, diz a proclamação do tribunal do céu superabundou a graça. Manasses
foi um monstro cruel, pois fez passar seus próprios filhos pelo fogo, e encheu
Jerusalém de sangue inocente. Manasses foiperito em iniqüidade, pois, não só
multiplicou, chegando a extremos extravagantes, as suas impiedades sacrílegas, como
também envenenou os princípios e perverteu os costumes dos seus súditos, fazendo-os
agir pior do que os pagãos idolatras mais detestáveis. Veja 2 Crônicas 33. Contudo,
através desta super abundante graça, ele se humilhou, mudou de vida, e se tornou um
filho do amor que perdoa e um herdeiro da glória imortal. "Vede Saulo, aquele
perseguidor cruel e sanguinário, quando, respirando ameaças e disposto à matança,
atormentava as ovelhas de Jesus e levava à morte os Seus discípulos. A devastação
que causara e as famílias inofensivas que arruinara, não eram suficientes para
mitigar o seu espírito vingativo. Eram apenas uma amostra para o paladar que, em
vez de saciar a sede de sangue, fizeram-no seguir mais de perto a presa e ansiar
mais ardentemente pela destruição. Continuava sedento de violência e morte. Tão
ávida e insaciável era sua sede, que chegava a respirar ameaças e mortes (Atos
9:1). Suas palavras eram verdadeiras lanças e flechas, e a sua língua, uma espada
afiada. Para ele, ameaçar os cristãos era tão natural como respirar. Nos propósitos
do seu coração rancoroso, eles não paravam de sangrar. Só devido à falta de poder é
que cada sílaba que proferia e cada sopro da sua respiração não espalhavam mais
mortes nem faziam cair mais discípulos inocentes. Quem, segundo os princípios da
justiça humana, não o teria pronunciado vaso da ira, destinado a inevitável
condenação? E mais, quem não estaria pronto a concluir que, se houvesse cadeias
mais pesadas e masmorra mais triste no mundo das torturas, certamente se
reservariam para tão implacável inimigo da verdadeira religiosidade? Entretanto,
admirai e adorai os inexauríveis tesouros da graça — este Saulo é admitido na santa
comunhão dos profetas, é enumerado com o nobre exército de mártires e faz
distinguida figura no glorioso colégio dos apóstolos. "Era proverbial a maldade dos
coríntios. Alguns deles chafurdavam em tão abomináveis libertinagens, e estavam
habituados a tão ultrajantes atos de injustiça que eram uma infâmia até para a
natureza humana. Contudo, até mesmo esses filhos da violência e escravos do
sensualismo foram lavados, santificados, justificados (1 Coríntios 6:9-11).
"Lavados" no sangue precioso do Redentor que deu Sua vida; "santificados" pelas
poderosas operações do bendito Espírito; "justificados" através das misericórdias
infinitamente ternas do Deus da graça. Os que outrora foram um aflitivo fardo para
a terra, vieram a ser o júbilo do céu, o encanto dos anjos". Agora, a graça de Deus
se manifesta no Senhor Jesus Cristo, por Ele e através dEle.-"Porque a lei foi dada
por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (João 1:17). Isto não
significa que Deus nunca exercera a Sua graça em favor de alguém antes de encarnar-
Se o Seu Filho, Gênesis 6:8; Êxodo 33:19; etc; mostram que a verdade é outra. Mas a
graça e a verdade foram plenamente reveladas e perfeitamente exemplificadas quando
o Redentor veio a esta terra e morreu na cruz por Seu povo. Ê somente através de
Cristo, o Mediador, que a graça de Deus flui para os Seus eleitos. "Muito mais a
graça de Deus e o dom pela graça, que é dum só homem (ou "por um SÔ homem"), Jesus
Cristo... muito mais os que recebem a abundância da graça, e o dom da justiça,
reinarão em vida por um só — Jesus Cristo ... para que ... também a graça reinasse
pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor" (Romanos 5:15, 17,
21). A graça de Deus é proclamada no evangelho (Atos 20:24), o qual é para o judeu
confiante em sua justiça própria um "escândalo" (ou "pedra de tropeço"), e para o
grego presunçoso e filósofo "loucura". Por quê? Porque não há nada no evangelho que
se preste para gratificar o orgulho do homem. Ele anuncia que se não formos salvos
pela graça, não seremos salvos de modo nenhum. Ele
declara que, fora de Cristo - o Dom inefável da graça de Deus — o estado de todos
os homens é desesperador, irremediável, sem esperança. O evangelho trata os homens
como criminosos culpados, condenados e mortos. Declara que o moralista mais puro
está na mesma condição terrível em que se acha o libertino mais voluptuoso; que o
religioso confesso e zeloso, com todas as suas práticas religiosas, não é melhor do
que o mais profano infiel. O evangelho considera a todo descendente de Adão como
pecador decaído, corrupto, merecedor do inferno e desvalido. A graça que o
evangelho divulga é a sua única esperança. Todos permanecem diante de Deus como
réus sentenciados, transgressores da Sua santa lei, como criminosos culpados e
condenados, não a espera de alguma sentença, mas esperando a execução da sentença
já passada sobre eles (João 3:18; Romanos 3:19). Queixar-se da parcialidade da
graça é suicídio. Se o pecador insiste em que se lhe faça a pura justiça, então o
"lago de fogo" terá que ser o seu quinhão eterno. Sua única esperança está em
render-se a sentença que a justiça divina lhe passou, apropriar-se da retidão
absoluta que a caracteriza, lançar-se à misericórdia de Deus, e estender mãos
vazias para servir-se da graça de Deus, que agora chegou a conhecer por meio do
evangelho. A terceira pessoa da Deidade é o comunicador da graça pelo que e
denominado "... o Espírito de graça... " (Zacarias 12-10) Deus, o Pai, é a fonte de
toda graça, pois Ele em Si mesmo determinou a aliança eterna da redenção. Deus, o
Filho, é o único canal da graça. O evangelho é o divulgador da graça. O Espírito é
o doador. Ele aplica o evangelho com poder salvador à alma vivificando os eleitos
enquanto ainda mortos, dominando as suas vontades rebeldes, amolecendo os seus
duros corações, abrindo-lhes os olhos da sua cegueira, limpando-os da lepra do
pecado Podemos assim dizer com G. S. Bishop (já falecido): «A graça é uma provisão
para homens que se acham tão decaídos que não podem erguer o machado da justiça,
tão corruptos que não podem mudar as suas próprias naturezas, tão contrários a Deus
que não podem voltar para Ele, tão cegos que não podem vê-10, tão surdos que não
podem ouvi-1O, e tão mortos que Ele mesmo precisa abrir os seus túmulos e levantá-
los para a ressurreição".
14 A MISERICÓRDIA DE DEUS
"Louvai ao Senhor, porque ele é bom; porque a sua begnidade (ou misericórdia) dura
para sempre" (Salmo 136-1) Deus deve ser grandemente louvado por esta perfeição do
Seu caráter. Por três vezes, em três versículos, o salmista convida os santos a
louvarem ao Senhor por este atributo adorável. E certamente é o mínimo que se pode
pedir aos que tão copiosamente se beneficiaram dele. Quando ponderamos as
características desta excelência divina, não podemos senão bendizer a Deus por ela
A Sua misericórdia (ou benignidade), é "grande" (1 Reis 3-6- 1 Pedro 1:3),
"abundante" (Salmo 86:5), "terna" (Lucas 1-78 'na versão utilizada pelo autor);
"... de eternidade a eternidade sobre aqueles que o temem..." (Salmo 103:17). Bem
podemos dizer com o salmista: "... louvarei com alegria a tua misericórdia ...
(Salmo 59:16). "... eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti e
apregoarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia, e me compadecerei de quem me compadecer" (Êxodo 33:19). Em que a
misericórdia de Deus difere da Sua "graça"? A misericórdia de Deus tem sua origem
na bondade divina. O primeiro fruto da bondade de Deus é Sua benignidade ou
generosidade, pela qual Ele dá liberalmente a Suas criaturas como criaturas; assim
deu Ele o ser e a vida a todas as coisas. O segundo fruto da bondade de Deus é Sua
misericórdia, que denota a pronta inclinação de Deus para aliviar a miséria das
criaturas caídas. Assim, "misericórdia" pressupõe pecado. Embora não seja fácil, à
primeira consideração, perceber uma real diferença entre a graça e a misericórdia
de Deus, podemos compreendê-la se ponderarmos cuidadosamente os Seus procedimentos
para com os anjos que não caíram. Ele nunca exerceu misericórdia para com eles,
pois jamais tiveram qualquer necessidade dela, pois não pecaram, nem ficaram
debaixo dos efeitos da maldição. Todavia, eles são objetos da livre e soberana
graça de Deus. Primeiro, porque Deus os elegeu do seio de toda a raça angélica (1
Timóteo 5:21), Segundo, e em conseqüência da sua eleição, porque foram preservados
da apostasia, quando Satanás se rebelou e arrastou consigo um terço das hostes
celestiais (Apocalipse 12:4), Terceiro, tornando Cristo a Cabeça deles (Colossenses
2:10; 1 Pedro 3:22), meio pelo qual eles permanecem eternamente seguros na santa
condição em que foram criados. Quarto, devido à exaltada posição que lhes foi
atribuída: viver na presença imediata de Deus (Daniel 7:10), servi-1O
constantemente em Seu templo celestial, receber dEle honrosas missões (Hebreus
1:14). Isso é graça abundante para com eles, mas "misericórdia" não é. No empenho
em estudar a misericórdia de Deus como exposta nas Escrituras, é preciso fazer uma
tríplice distinção, se é que a Palavra da Verdade há de ser "bem manejada" nesse
ponto. Primeiro, há uma misericórdia geral de Deus, que se estende não somente a
todos os homens, crentes e descrentes igualmente, mas também à criação inteira:
"...as suas misericórdias são sobre
todas as suas obras" (Salmo 145:9); "... de mesmo é quem dá a todos a vida, e a
respiração, e todas as coisas" (Atos 17:25). Deus tem compaixão da criação animal
em suas necessidades, e a supre de provisão adequada. Segundo, há uma misericórdia
especial de Deus, exercida para com os filhos dos homens, ajudando-os e socorrendo-
os, apesar dos seus pecados. Também a estes Deus supre todas as necessidades da
vida: "... porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça
sobre justos e injustos" (Mateus 5:45). Terceiro, há uma misericórdia soberana,
reservada para os herdeiros da salvação, comunicada a estes por meio de uma
aliança, através do Mediador. Acompanhando um pouco mais a diferença entre o
segundo e o terceiro pontos distintivos acima expostos, é importante notar que as
misericórdias que Deus concede aos ímpios são exclusivamente de natureza temporal;
quer dizer, limitam-se estritamente a presente vida. Não haverá misericórdia que se
estenda a eles além-tumulo: "... este povo não é povo de entendimento- por isso
aquele que o fez não se compadecera dele, e aquele que o formou não lhe mostrará
nenhum favor" (Isaías 27:11) Neste ponto, porém, pode oferecer-se uma dificuldade a
algum dos nossos leitores, a saber: não afirmam as Escrituras que a misericórdia de
Deus, “...a sua benignidade dura para sempre"? (Salmo 13b: 1)7 E preciso assinalar
duas coisas neste contexto. Deus nunca deixa de ser misericordioso, pois isto
constitui uma qualidade da essência divina (Salmo 116:5); mas o exercício da Sua
misericórdia e regulado por Sua vontade soberana. Tem que ser assim, pois não ha
fora dEle coisa nenhuma que O obrigue a agir; se houvesse, essa "coisa" seria
suprema e Deus deixaria de ser Deus. É somente a pura graça soberana que determina
o exercício da misericórdia divina. Deus afirma expressamente este fato em Romanos
9:15: "Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem compadecer, e terei misericórdia
de quem eu tiver misericórdia. Não e a desgraça da criatura que O leva a mostrar
misericórdia, pois Deus não é influenciado por coisas alheias a Si mesmo, como nós
somos. Se Deus fosse influenciado pela miséria abjeta dos pecadores leprosos, Ele
os limparia e os salvaria a todos. Mas não o faz. Por quê? Simplesmente porque não
é do Seu agrado e do Seu propósito agir assim. Menos ainda são os méritos da
criatura que O levam a conceder-lhes misericórdias, pois é uma contradição de
termos falar em merecer "misericórdia”. "Não petas obras de justiça que houvéssemos
feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou..." (Tito 3:5) — aquelas estando
em direta antítese a esta. Tampouco são os méritos de Cristo que movem Deus a
conceder misericórdias aos Seus eleitos; isto seria tomar o efeito pela causa. É
"através" ou por causa da misericórdia de Deus que Cristo foi enviado ao mundo, ao
Seu povo (Lucas 1:78). Os méritos de Cristo tornaram possível a Deus conceder
justamente misericórdias espirituais aos Seus eleitos, tendo sido satisfeita
plenamente a justiça pelo Fiador! Não, a misericórdia provém unicamente da vontade
soberana de Deus. Ademais, conquanto seja verdade, bendita e gloriosa verdade, que
a misericórdia de Deus "dura para sempre", devemos observar cuidadosamente os
objetos a quem Deus mostra misericórdia. Até o lançamento dos reprovados no "lago
de fogo" é um ato de misericórdia. O castigo dos ímpios deve ser considerado de um
tríplice ponto de vista. Do lado de Deus, é um ato de justiça, vindicando a Sua
honra, A misericórdia de Deus nunca se mostra cm detrimento da Sua santidade e
justiça. Do lado dos ímpios, é um ato de
eqüidade, dado que são postos a sofrer a merecida recompensa das suas iniqüidades.
Mas do ponto de vista dos redimidos, o castigo dos ímpios é um ato de indescritível
misericórdia. Quão terrível seria se a presente ordem de coisas continuasse para
sempre, quando os filhos de Deus são forçados a viver no meio dos filhos do diabo!
O céu logo deixaria de ser céu, se os ouvidos dos santos ainda ouvissem a Linguagem
blasfema e corrompida dos reprovados. Que misericórdia, o fato de que na Nova
Jerusalém não entrará “ ... coisa alguma que contamine, e cometa abominação... "
(Apocalipse 21:27)! Para que o leitor não pense que no último parágrafo acima
estivemos laborando sobre a nossa imaginação, apelemos para as Escrituras Sagradas
em apoio do que foi dito. No Salmo 143:12 vemos Davi orando: "E por tua
misericórdia desarraiga os meus inimigos, e destrói a todos os que angustiam a
minha alma: pois sou teu servo". Ainda, no Salmo 136:15 lemos que Deus "derribou a
Faraó com o seu exército no Mar Vermelho; porque a sua benignidade (ou
misericórdia) dura para sempre". Foi um ato de castigo a Faraó e aos seus
exércitos, mas foi um ato de "misericórdia" para os israelitas. Mais ainda, em
Apocalipse 19:1-3 lemos: "... ouvi no céu como que uma grande voz de uma grande
multidão, que dizia: Aleluia; Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem ao
Senhor nosso Deus; porque verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a
grande prostituta, que havia corrompido a terra com a sua prostituição, e das mãos
dela vingou o sangue dos seus servos. E outra vez disseram: Aleluia. E o fumo dela
sobe para todo o sempre". Do que se acaba de ver diante de nós, notemos como é vã a
presunçosa esperança dos ímpios que, apesar do seu continuado desafio a Deus, mesmo
assim contam com uma atitude misericordiosa de Deus em favor deles. Quantos há que
dizem: não acredito que Deus me lançará no inferno; Ele é muito misericordioso.
Essa esperança é uma víbora que, se for acalentada no colo deles, irá feri-los com
picada morta!. Deus é Deus de justiça, como de misericórdia, e Ele declarou
expressamente que "... ao culpado não tem por inocente..." (Êxodo 34:7). Sim, Ele
disse: "Os ímpios serão lançados no inferno e todas as gentes que se esquecem de
Deus" (Salmo 9:17). Também poderiam raciocinar os homens: se se deixasse acumular o
lixo, e os esgotos ficassem estagnados, e as pessoas ficassem privadas de ar
renovado, não acredito que um Deus misericordioso as deixaria cair presas de uma
febre mortal. O fato é que aqueles que negligenciam as leis da saúde são tomados
pela doença, apesar da misericórdia de Deus. Igualmente verdade é que os que
negligenciam as leis da saúde espiritual sofrerão para sempre a ''segunda morte". É
indizivelmente grave ver tantos abusando desta perfeição divina. Continuam
desprezando a autoridade de Deus, pisoteando Suas leis; continuam em pecado, e
ainda se vangloriam apoiados na Sua misericórdia. Mas Deus não será injusto para
Consigo mesmo. Deus mostra misericórdia para o penitente sincero, não porém para o
impenitente (Lucas 13:3). É diabólico continuar em pecado e ainda contar com a
misericórdia de Deus para a proscrição do castigo. Equivale a dizer: "Façamos
males, para que venham bens". Dos que falam assim, está escrito: "... A condenação
desses é justa' (Romanos 3:8). Com toda a certeza, essa presunção se verá
frustrada; leia cuidadosamente Deuteronômio 29:18-20. Cristo é a propiciação
espiritual, e todos quantos desprezarem e rejeitarem o Seu senhorio, perecerão "...
no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira" (Salmo 2:12).
O nosso pensamento final será sobre as misericórdias espirituais de Deus para com o
Seu povo. "... a tua misericórdia é grande até aos céus..." (Salmo 57:10). As
riquezas da misericórdia transcendem os nossos mais elevados pensamentos. "Pois
quanto o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para
com os que o temem" (Salmo 103:11). Ninguém pode medi-la. Os eleitos são designados
"... vasos de misericórdia..." (Romanos 9:23). Foi a misericórdia que os vivi-ficou
quando estavam mortos em pecado (Efésios 2:4-5). A misericórdia os salvou (Tito
3:5). Sua abundante misericórdia os regenerou para uma herança eterna (1 Pedro
1:3). E nos faltaria tempo para falar da misericórdia de Deus que preserva,
sustenta, perdoa e supre os Seus. Para eles Deus é "... Pai das misericórdias..."
(2 Coríntios 1:3). Quando em elevação minha alma sonda as Tuas misericórdias, ó meu
Deus, a visão me arrebata, e então me absorvo em encanto, em amor e em louvor.
15 O AMOR DE DEUS
As Escrituras nos dizem três coisas a respeito da natureza de Deus. Primeira, "Deus
é espírito" (João 4:24). No grego não há artigo indefinido. Dizer "Deus é um
espírito" é sumamente repreensível, pois O coloca na mesma classificação de outros
seres. Deus é "espírito" no sentido mais elevado. Como é "espírito", é incorpóreo,
não tem substância visível. Tivesse Deus um corpo tangível, não seria onipresente,
estaria limitado a um lugar; sendo "espírito", enche os céus e a terra. Segunda,
"Deus é luz" (1 João 1:5), o que é oposto às trevas. Nas Escrituras as "trevas"
representam o pecado, o mal, a morte; a "luz" representa a santidade, a bondade, a
vida. "Deus é luz" significa que Ele é a soma de todas as excelências. Terceira,
"Deus é amor" (1 João 4:8). Não é simplesmente que Deus ama, porém que ê amor
mesmo. O amor não é meramente um dos Seus atributos, mas sim Sua própria natureza,
Muitos hoje falam do amor de Deus, mas são completamente alheios ao Deus de amor.
Comumente se considera o amor divino como uma espécie de fraqueza amável, uma certa
indulgência boazinha; fica reduzido a um sentimento enfermiço, modelado nas emoções
humanas. Pois bem, a verdade é que nisto, como em tudo mais, os nossos pensamentos
precisam ser formulados e regulados por aquilo que é revelado nas Escrituras
Sagradas. Que há urgente necessidade disto transparece não só na ignorância que
geralmente prevalece, mas também no baixo nível de espiritualidade atual que
lamentavelmente se evidencia entre os cristãos professos. Quão pouco amor genuíno a
Deus existe! Uma das principais razões disso é que os nossos corações pouco se
ocupam com o Seu maravilhoso amor por Seu povo. Quanto melhor conheçamos o Seu amor
— sua natureza, sua plenitude, sua bemaventurança — mais os nossos corações serão
impelidos a amá-1O. 1. O amor de Deus é imune de influência alheia. Queremos dizer
com isso que não há nada nos objetos do Seu amor que possa colocá-lo em ação, e não
há- nada na criatura que possa atraí-lo ou impulsioná-lo. O amor que uma criatura
tem por outra deve-se a algo existente nelas; mas o amor de Deus é gratuito
espontâneo e não causado por nada nem por ninguém. A única razão pela qual Deus ama
alguém acha-se em Sua vontade soberana: "O Senhor não tomou prazer em vós, nem vos
escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois
vos éreis menos em número do que todos os povos: mas porque o Senhor vos amava"
{Deuteronômio 7:7-8), Deus amou o Seu povo desde a eternidade e, portanto, a
criatura nada tem que possa ser a causa daquilo que se acha em Deus desde a
eternidade. Seu amor provém dEle próprio: "... segundo o seu próprio propósito..."
(2 Timóteo 1:9). "Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19).
Deus não nos amou porque nós O amávamos, mas nos amou antes de nós termos uma só
partícula de amor por Ele. Se Deus nos tivesse amado em resposta ao nosso amor,
então o Seu amor não seria espontâneo; mas visto que Ele nos amou quando nós não O
amávamos, é claro que o Seu amor não foi influenciado. Para que se honre a Deus, e
se firme o coração do Seu Filho, é
altamente importante que entendamos com absoluta clareza esta verdade preciosa. O
amor de Deus por mim e por todos e cada um dos que são "Seus" não foi movido nem
motivado por coisa nenhuma em nós. Que havia em mim que atraiu o coração de Deus?
Absolutamente nada. Ao contrário, porém, havia tudo para O repelir, tudo na medida
para levá-lO a detestar-me — sendo eu pecador, depravado, corrupto, sem "nenhum
bem" em mim. "O que existia em mim que merecesse estima ou desse algum prazer ao
Criador? Fosse assim mesmo, ó Pai, eu sempre cantaria por veres algo bom em mim,
Senhor." 2. É eterno. Necessariamente, Deus é eterno, e Deus é amor; portanto, como
Deus não teve princípio, Seu amor também não teve. Mesmo concedendo que esse
conceito transcende o alcance das nossas frágeis mentes, contudo, quando não
podemos compreender, podemos inclinar-nos em adoração. Como é claro o testemunho de
Jeremias 31:3: "... com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te
atraí"! Que bem-aventurança saber que o grandioso e santo Deus amava o Seu povo
antes do céu e a terra terem sido chamados à existência, que Ele pusera o Seu
coração neles desde toda a eternidade! Esta é uma prova clara de que o Seu amor é
espontâneo, pois Ele os amou eras sem fim, antes de sequer existirem! A mesma
verdade preciosa é exposta em Efésios 1:4-5: "Como também nos elegeu nele antes da
fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em
caridade; e nos predestinou..." (ou, na versão empregada pelo autor, "Havendo-nos
predestinado em amor"). Que de louvores isto deveria evocar de cada um dos Seus
filhos! Que tranqüilidade para o coração saber que, uma vez que o amor de Deus por
mim não teve começo, certamente não terá fim! Se é certo que "de eternidade a
eternidade" Ele é Deus, e é "amor", então é igualmente certo que "de eternidade a
eternidade" Ele ama a Seu povo. 3. É soberano. Isso também é evidente em si mesmo.
Deus é soberano, não deve obrigação a ninguém; Ele é Sua própria lei e age sempre
de acordo com a Sua vontade dominadora. Assim, pois, se Deus é soberano e é amor,
infere-se necessariamente que o Seu amor é soberano. Porque Deus é Deus, faz o que
Lhe agrada; porque é amor, ama a quem Lhe apraz. Eis a Sua própria afirmação
expressa: "... amei Jacó e aborreci Esaú" (Romanos 9:13). Em Jacó não havia mais
razão do que em Esaú para ser objeto do amor divino. Ambos tinham os mesmos pais e,
gêmeos que eram, nasceram na mesma hora. Contudo, Deus amou um e aborreceu o outro.
Por que? Porque assim Lhe aprouve. A soberania do amor de Deus infere-se
necessariamente do fato de que nada do que há na criatura o influencia. Portanto,
afirmar que a causa do Seu amor está em Deus é outro modo de dizer que Ele ama a
quem Lhe apraz. Por um momento, suponha o oposto. Suponha que o amor de Deus fosse
governado por outra coisa que a Sua vontade, caso em que Ele amaria seguindo alguma
norma e, amando por alguma norma, Ele estaria subordinado a uma lei do amor e,
então, longe de ser livre, Deus seria governado por uma lei. "Em amor nos
predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo" — o quê? Alguma virtude que previu neles? Não. O que, então? — "...
segundo o beneplácito de sua vontade" (Efésios 1:4-5). 4. É infinito. Em Deus tudo
é infinito. Sua essência enche os céus e a terra. Sua sabedoria não sofre nenhuma
limitação, porquanto Ele conhece todas as coisas, do passado, do presente e do
futuro. Seu poder é ilimitado, pois não há nada difícil demais para Ele. Assim, o
Seu amor é sem limite. Há nele uma profundidade que ninguém consegue sondar; há
nele uma altitude que ninguém consegue escalar; há nele uma largura e um
comprimento que desdenhosamente desafiam a medição feita por todo e qualquer padrão
humano. É declarado belamente em Efésios 2:4: "Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou". A palavra "muito" aqui faz
paralelo com a expressão "... Deus amou... de tal maneira..." (João 3:16), Diz-nos
que o amor de Deus é tão transcendental que não pode ser avaliado. "Nenhuma língua
pode expressar plenamente a infinidade do amor de Deus, e nenhum intelecto pode
compreendê-lo: "... excede todo o entendimento..." (Efésios 5:19). As idéias mais
amplas que nossa mente finita possa conceber acerca do amor divino, estão
infinitamente abaixo da sua verdadeira natureza. O céu não se acha tão distante da
terra como a bondade de Deus está além das mais elevadas concepções que somos
capazes de formular dela. A bondade divina é um oceano que se avoluma e se torna
mais alto do que todas as montanhas de oposição nos que são objetos dela. E uma
fonte da qual dimana todo o bem necessário aos que a ela estão ligados" (John
Brine, 1743). 5. E imutável. Como em Deus "... não há mudança nem sombra de
variação" (Tiago 1:17), assim o Seu amor não conhece mudança nem diminuição. O
verme Jacó dá-nos enfático exemplo disto: "Amei Jacó", declarou Jeová, e, a
despeito de toda a sua incredulidade e obstinação, Ele nunca deixou de amá-lo. João
13:1 oferece-nos outra bela ilustração. Precisamente naquele noite um dos apóstolos
diria "... mostra-nos o Pai. .."; outro O negaria soltando maldições; todos se
escandalizariam por causa dEle e O abandonariam. Todavia, "... como havia amado os
seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim". O amor divino não se rende às
vicissitudes. O amor divino é "... forte como a morte ... as muitas águas não
poderiam apagar este amor..." (Cantares de Salomão 8:6-7). Nada nos pode separar
dele: Romanos 8:35-39. "Seu amor não se mede e não conhece fim, nada pode mudá-lo,
nem seu curso. Eternamente o mesmo, sem cessar dimana do manancial eterno." 6. É
santo. O amor de Deus não é regulado por capricho, paixão ou sentimento, mas por
princípio. Exatamente como a Sua graça reina, não às suas expensas, mas "pela
justiça" (Romanos 5:21), assim o Seu amor nunca entra em conflito com a Sua
santidade. Que "Deus é luz" (1 João 1:5) se menciona antes de dizer-se que "Deus é
amor" (1 João 4:8). O amor de Deus não é mera fraqueza boazinha, nem brandura
efeminada. As Escrituras declaram: "... o Senhor corrige o que ama, e açoita a
qualquer que recebe por filho" (Hebreus 12:6). Deus não tolerará o pecado, mesmo em
Seu povo. O Seu
amor é puro, e não se mistura com nenhum sentimentalismo piegas. 7. É pleno de
graça. O amor e o favor de Deus são inseparáveis. Esta verdade é exposta claramente
em Romanos 8:32-39. O que é esse amor, do qual,nada nos pode -separar, percebe-se
facilmente pelo propósito e alcance do contexto imediato: é aquela boa vontade ou
beneplácito e graça de Deus que O determinou a dar Seu Filho pelos pecadores. Esse
amor foi o poder impulsivo da encarnação de Cristo: "... Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito..." (João 3:16). Cristo morreu, não para
fazer com que Deus nos amasse, mas porque Ele amava o Seu povo. O Calvário é a
suprema demonstração do amor divino. Leitor cristão, sempre que você for tentado a
duvidar do amor de Deus, volte ao Calvário. Há aqui, pois, farta causa para
confiança e paciência sob a aflição debaixo da mão de Deus. Cristo era amado pelo
Pai, porém Ele não foi eximido de pobreza, humilhação e perseguição. Cristo teve
fome e sede. Assim, quando Cristo permitiu que os homens cuspissem nEle e O
golpeassem, isso não foi incompatível com o amor de Deus por Ele. Portanto, que
nenhum cristão questione o amor de Deus quando passar por aflições e provações.
Deus não enriqueceu a Cristo na terra com prosperidade temporal, pois Ele não tinha
"... onde reclinar a cabeça" (Mateus 8:20). Mas Deus Lhe deu o Espírito sem medida
{João 3:34). Aprenda o cristão, pois, que as bênçãos espirituais são os principais
dons do amor divino. Que bênção saber que, ao passo que o mundo nos odeia, Deus nos
ama!
16 A IRA DE DEUS
É triste ver tantos cristãos professos que parecem considerar a ira de Deus como
uma coisa pela qual eles precisam pedir desculpas, ou, pelo menos, parece que
gostariam que não existisse tal coisa. Conquanto alguns não fossem longe o bastante
para admitir abertamente que a consideram uma mancha no caráter divino, contudo,
estão longe de vê-la com bons olhos, não gostam de pensar nisso e dificilmente a
ouvem mencionada sem que surja em seus corações um ressentimento contra essa idéia.
Mesmo dentre os mais sóbrios em sua maneira de julgar, não poucos parecem imaginar
que há na questão da ira de Deus uma severidade terrificante demais para propiciar
um tema para consideração proveitosa. Outros dão abrigo ao erro de pensar que a ira
de Deus não é coerente com a Sua bondade, e assim procuram bani-la dos seus
pensamentos. Sim, muitos há que fogem de visualizar a ira de Deus, como se fossem
intimados a ver alguma nódoa no caráter divino, ou algum defeito no governo divino.
Mas, o que dizem as Escrituras? Quando a procuramos nelas, vemos que Deus não fez
tentativa alguma para ocultar a realidade da Sua ira. Ele não se envergonha de dar
a conhecer que a vingança e a cólera Lhe pertencem. Eis o Seu desafio: "Vede agora
que eu, eu o sou, e mais nenhum Deus comigo; eu mato, e eu faço viver; eu firo, e
eu saro; e ninguém há que escape da minha mão. Porque levantarei a minha mão aos
céus, e direi: Eu vivo para sempre. Se eu afiar a minha espada reluzente, e travar
do juízo a minha mão, farei tornar a vingança sobre os meus adversários, e
recompensarei aos meus aborrecedores" (Deuteronômio 32:39-41). Um estudo na
concordância mostrará que há mais referências nas Escrituras à indignação, à cólera
e à ira de Deus, do que ao Seu amor e ternura. Porque Deus é santo, Ele odeia todo
pecado; e porque Ele odeia todo pecado, a Sua ira inflama-se contra o pecador Salmo
7:11. Pois bem, a ira de Deus é uma perfeição divina tanto como a Sua fidelidade, o
Seu poder ou a Sua misericórdia. Só pode ser assim, pois não há mácula alguma, nem
o mais ligeiro defeito no caráter de Deus, porém, haveria, se nEle não houvesse
"ira"! A indiferença para com o pecado é uma nódoa moral, e aquele que não o odeia
é um leproso moral. Como poderia Aquele que é a soma de todas as excelências olhar
com igual satisfação para a virtude e o vício, para a sabedoria e a estultícia?
Como poderia Aquele que é infinitamente santo ficar indiferente ao pecado e negar-
Se a manifestar a Sua "severidade" (Romanos 11:22) para com ele? Como poderia
Aquele que só tem prazer no que é puro e nobre, deixar de detestar e de odiar o que
é impuro e vil? A própria natureza de Deus faz do inferno uma necessidade tão real,
um requisito tão imperativo e eterno como o céu o é. Não somente não há imperfeição
nenhuma em Deus, mas também não há nEle perfeição que seja menos perfeita do que
outra. A ira de Deus é a Sua eterna ojeriza por toda injustiça. É o desprazer e a
indignação da divina eqüidade contra o mal. É a santidade de Deus posta em ação
contra o pecado. É a causa motora daquela sentença justa que Ele lavra
sobre os malfeitores. Deus está irado contra o pecado porque este é rebelião contra
a Sua autoridade, um ultraje à Sua soberania inviolável. Os insurgentes contra o
governo de Deus saberão um dia que Deus é o Senhor. Serão levados a sentir quão
grandiosa é aquela Majestade que eles desprezaram, e como é terrível aquela ira de
que foram ameaçados e a que não deram a mínima importância. Não que a ira de Deus
seja uma retaliação maldosa e mal intencionada, infligindo agravo só pelo prazer de
infligi-lo, ou devolver a ofensa recebida. Não; embora seja verdade que Deus
vindicará o domínio como Governador do universo, Ele não será revanchista.
Evidencia-se que a ira divina é uma das perfeições de Deus, não somente pelas
considerações acima apresentadas, mas também fica estabelecido claramente pelas
declarações expressas da Sua Palavra. "Porque do céu se manifesta a ira de Deus..."
(Romanos 1:18). "Manifestou-se quando foi pronunciada a primeira sentença de morte,
quando a terra foi amaldiçoada e o homem foi expulso do paraíso terrestre; e
depois, mediante castigos exemplares como o dilúvio e a destruição das cidades da
planície com fogo do céu, mas, especialmente pelo reinado da morte no mundo todo.
Foi proclamada na maldição da lei para cada transgressão, e foi imposta na
instituição do sacrifício. No capítulo 8 de Romanos, o apóstolo Paulo chama a
atenção dos crentes para o fato de que a criação inteira ficou sujeita à vaidade, e
geme e tem dores de parto. A mesma criação que declara que existe um Deus, e
publica a Sua glória, também proclama que Ele é o inimigo do pecado e o vingador
dos crimes dos homens. Acima de tudo, porém, do céu se manifestou a ira de Deus
quando o Filho de Deus veio a este mundo para revelar o caráter divino, e quando
essa ira foi demonstrada nos Seus sofrimentos é morte, de maneira mais terrível do
que por todas as provas que Deus antes dera da Sua aversão pelo pecado. Além disso,
o castigo futuro e eterno dos ímpios agora é declarado em termos mais solenes e
explícitos do que antes. Sob a nova dispensação há duas revelações dadas do céu,
uma da ira, a outra da graça" (Robert Haldane). Mais: que a ira de Deus é uma
perfeição divina está demonstrado claramente pelo que lemos no Salmo 95:11: "Por
isso jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso". Duas são as ocasiões em
que Deus "jura": quando faz promessas (Gênesis 22:16), e quando faz ameaças
(Deuteronômio 1:34). Na primeira, jura com misericórdia dos Seus filhos; na
segunda, jura para aterrorizar os ímpios. Um juramento é feito para confirmação:
Hebreus 6:16. Em Gênesis 22:16 disse Deus: "Por mim mesmo, jurei", No Salmo 89:35
Ele declara; "Uma vez jurei por minha santidade". Enquanto que no Salmo 95:11 Ele
afirma: "Jurei na minha ira". Assim é que o grande Jeová pessoalmente recorre à Sua
"ira" como a uma perfeição igual à Sua "santidade": tanto jura por uma como pela
outra! Ainda: como em Cristo "... habita corporalmente toda a plenitude da
divindade" (Colossenses 2:9), e como todas as perfeições divinas são notavelmente
manifestadas por Ele (João 1:18), por isso lemos sobre "... a ira do Cordeiro"
(Apocalipse 6:16). A ira de Deus é uma perfeição do caráter divino sobre a qual
precisamos meditar com freqüência. Primeiro, para que os nossos corações fiquem
devidamente impressionados com a ojeriza de Deus pelo pecado, Estamos sempre
inclinados a uma consideração superficial do pecado, a encobrir a sua fealdade, a
desculpá-lo com excusas várias, Mas, quanto mais estudarmos e ponderarmos a aversão
de Deus pelo pecado e a maneira terrível como se vinga
dele, mais probabilidade teremos de compreender quão horrível é o pecado. Segundo,
para produzir em nossas almas um verdadeiro temor de Deus: "... retenhamos a graça,
pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade ("santo temor");
porque o nosso Deus é um fogo consumidor" (Hebreus 12:28-29). Não poderemos servi-
1O "agradavelmente" sem a devida "reverência" ante a Sua tremenda Majestade e sem o
devido "santo temor" de Sua justa ira, e promoveremos melhor estas coisas trazendo
freqüentemente à memória o fato de que "o nosso Deus é um fogo consumidor".
Terceiro, para induzir nossas almas a fervoroso louvor a Deus por ter-nos livrado
"... da ira futura" (1 Tessalonicenses 1:10). A nossa prontidão ou a nossa
relutância em meditar na ira de Deus é um teste seguro de até que ponto os nossos
corações reagem à Sua influência. Se não nos regozijamos verdadeiramente em Deus,
pelo que Ele é em Si mesmo, e por todas as perfeições que nEle há eternamente, como
poderá permanecer em nós o amor de Deus? Cada um de nós precisa vigiar o mais
possível em oração contra o perigo de criar em nossa mente uma imagem de Deus
segundo o modelo das nossas inclinações pecaminosas. Desde há muito o Senhor
lamentou: "...pensavas que (eu) era como tu" (Salmo 50:21). Se não nos alegramos
"...em memória da sua santidade" (Salmo 97:12), se não nos alegramos por saber que
num dia que logo vem, Deus fará uma demonstração sumamente gloriosa da Sua ira,
tomando vingança em todos os que agora se opõem a Ele, é prova positiva de que os
nossos corações não estão sujeitos a Ele, que ainda permanecemos em nossos pecados,
rumo às chamas eternas. "Jubilai, ó nações (gentios), com o seu povo, porque
vingará o sangue dos seus servos, e sobre os seus adversários fará tornar a
vingança..." (Deuteronômio 32:43). E ainda lemos: "E, depois destas coisas, ouvi no
céu como "que uma grande voz de uma grande multidão, que dizia: Aleluia; Salvação,
e glória, e honra, e poder pertencem ao Senhor nosso Deus; Porque verdadeiros e
justos são os seus juízos, pois julgou a grande prostituta, que havia corrompido a
terra com a sua prostituição, e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos. E
outra vez disseram: Aleluia..." (Apocalipse 19:1 -3). Grande será o regozijo dos
santos naquele dia em que o Senhor irá vindicar a Sua majestade, exercer o Seu
domínio formidável, magnificar a Sua justiça, e derribar os orgulhosos rebeldes que
ousaram desafiá-lO. "Se tu, Senhor, observares (imputares) as iniqüidades, Senhor,
quem subsistirá?" (Salmo 130:3). Cada um de nós pode muito bem fazer esta pergunta,
pois está escrito que "...os ímpios não subsistirão no juízo..." (Salmo 1:5). Quão
dolorosamente a alma de Cristo padeceu ao pensar na ação de Deus observando as
iniqüidades do Seu povo quando estas pesaram sobre Ele! Ele "... começou a ter
pavor, e a angustiar-se" (Marcos 14:33). Sua agonia terrível, Seu suor de sangue,
Seu grande clamor e súplicas (Hebreus 5:7), Suas reiteradas orações, "Se é
possível, passe de mim este cálice", Seu último e tremendo brado, "Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?" — tudo manifesta que pavorosas apreensões Ele teve
quanto ao que era para Deus "observar iniqüidades1'. Bem que nós, pobres pecadores,
podemos clamar: Senhor, quem subsistirá, se o próprio Filho de Deus tremeu tanto
sob o peso da Tua ira? Se tu, meu leitor, ainda não correste em busca do refúgio em
Cristo, o único Salvador, "... que farás na enchente do Jordão?" (Jeremias 12:5).
"Quando considero como a bondade de Deus sofre abusos da maior parte da
humanidade, não posso senão apoiar quem disse; "O maior milagre do mundo é a
paciência e generosidade de Deus para com o mundo ingrato. Se um príncipe tem
inimigos metidos numa de suas cidades, não lhes envia provisões, mas mantém sitiado
o local e faz o que pode para vencê-los pela fome. Mas o grande Deus, que poderia
levar todos os Seus inimigos à destruição num piscar de olhos, tolera-os e se
empenha diariamente para sustentá-los. Aquele que faz o bem aos maus e ingratos,
pode muito bem ordenar-nos que bendigamos os que nos maldizem. Não penseis, porém,
que escapareis assim, pecadores; o moinho de Deus mói devagar, mas mói fino; quanto
mais admirável é agora a Sua paciência e generosidade, mais terrível e insuportável
será a fúria resultante dos abusos feitos à Sua bondade. Nada é mais brando do que
o mar; contudo, quando se agita e forma temporal, nada se enfurece mais. Nada é tão
suave como a paciência e bondade de Deus, e nada tão terrível como a Sua ira quando
se inflama" (William Gurnall, 1660). "Fuja", pois, meu leitor, fuja para Cristo;
fuja "...da ira futura" (Mateus 3:7), antes que seja tarde demais. Nós lhe rogamos
com todo o empenho, não pense que esta mensagem tem em vista outra pessoa. É para
você1. Não fique satisfeito em pensar que você já fugiu para Cristo. Obtenha
certeza disso! Rogue ao Senhor que sonde o teu coração e te revele o que tu és. Uma
palavra aos pregadores. Irmãos, em nosso ministério temos pregado sobre este solene
assunto tanto como devíamos? Os profetas do Velho Testamento muitas vezes diziam
aos seus ouvintes que as suas vidas ímpias provocavam o Santo de Israel, e que
estavam entesourando para si mesmos irá para o dia da ira. E as condições do mundo
hoje não são melhores do que eram então! Nada se presta mais para despertar os
indiferentes e fazer com que os crentes carnais sondem os seus corações, do que
alongar-nos sobre o fato de que Deus "...se ira todos os dias" com os ímpios (Salmo
7:11). O precursor de Cristo exortava os seus ouvintes a fugirem "...da ira futura"
(Mateus 3:7). O Salvador ordenava a quantos O ouviam: "Temei aquele que, depois de
matar, tem poder para lançar no inferno, sim, vos digo, a esse temei" (Lucas 12:5).
O apóstolo Paulo dizia: "... sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os
homens..." (2 Coríntios 5: li). A fidelidade exige que falemos tão claramente do
inferno como do céu.
17 CONTEMPLANDO A DEUS
Nos capítulos anteriores passamos em revista algumas das maravilhosas e belas
perfeições do caráter divino. Dessa débil e defeituosa contemplação dos Seus
atributos, deve ter ficado evidente para nós que Deus é, primeiramente, um Ser
incompreensível, e, encantados e absortos ante a Sua grandeza infinita, vemo-nos
constrangidos a adotar as palavras de Sofar: "Porventura alcançarás os caminhos de
Deus ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso? Como as alturas dos céus é a sua
sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás
tu saber? Mais comprida é a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar"
(Jó 11:7-9). Quando volvemos os nossos pensamentos para a eternidade de Deus,^ Sua
imaterialidade, Sua onipresença, Sua onipotência, vemos que todas elas transcendem
nossas mentes. Mas a incompreensibilidade da natureza divina não é razão para
desistirmos da pesquisa reverente e da luta em oração para apreender o que Ele de
Si mesmo revelou por Sua graça em Sua Palavra. Dado que somos incapazes de adquirir
conhecimento perfeito, seria insensato dizer que, portanto, não faremos nenhum
esforço para conseguir qualquer proporção dEle. Com acerto se tem dito que "nada
alargará tanto o intelecto, nada engrandecerá tanto a alma do homem, como uma
investigação devota, zelosa e continuada do grande tema da Deidade. O mais
excelente estudo para a expansão da alma é a ciência de Cristo, e Este crucificado,
e o conhecimento do Ser divino na Trindade gloriosa" (C. H. Spurgeon). Para citar
um pouco mais o príncipe dos pregadores: "O estudo próprio do cristão é o da
Deidade. A mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais vigorosa
filosofia, com o poder de empolgar a atenção de um filho de Deus, é o nome, a
natureza, a pessoa, os feitos e a existência do grande Deus, a Quem ele chama seu
Pai. Na contemplação da Deidade há algo capaz de comunicar sumo progresso à mente.
É um assunto tão vasto que todos os nossos pensamentos se perdem em sua imensidade;
tão profundo que o nosso orgulho se submerge em sua infinidade. Outros assuntos
podemos compreender e tentar assimilar; neles sentimos uma espécie de satisfação
própria, e seguimos nosso caminho pensando: "Vejam como sou sábio!11 Mas quando
chegamos a este assunto magistral, vendo que a nossa sonda não consegue sondar a
sua profundidade e que o nosso olho de águia não consegue ver a sua altura, vamos
embora pensando: "Eu sou de ontem apenas, e nada sei" (Sermão sobre Malaquias 3:6).
Sim, a incompreensibilidade da natureza divina deveria ensinar-nos humildade,
cautela e reverência. Após todas as nossas pesquisas e meditações, temos que dizer
com Jó: "Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pouco é o que
temos ouvido dele!..." (Jó 26:14). Quando Moisés implorou ao Senhor por uma visão
da Sua glória, Ele respondeu-lhe: ". . . apregoarei o nome do Senhor diante de
ti..." (Êxodo 33:19), e, como já se disse, "o nome é a coleção dos Seus atributos".
Acertadamente o puritano John Howe declarou:
"Portanto, a noção que podemos formar da Sua glória é apenas como a que podemos ter
de uma obra volumosa comparada com uma breve sinopse, ou de uma espaçosa região
comparada com uma pequena vista panorâmica. Ele nos dá aqui um fiel relato de Si
mesmo, mas não completo; o bastante para garantir — graças à orientação que por ele
nos vem — que a nossa compreensão fique livre de erro, mas não de ignorância.
Podemos aplicar as nossas mentes à contemplação das diversas perfeições pelas quais
o Deus bendito nos revela o Seu ser, e em nossos pensamentos podemos atribuí-las
todas a Ele, apesar de só termos ainda fraca e defeituosa concepção de cada uma
delas. Todavia, na medida em que a nossa compreensão corresponda à revelação que
Ele nos dá das Suas várias excelências, temos uma apropriada visão da Sua glória".
Como é realmente grande a diferença entre o conhecimento de Deus que os Seus santos
têm nesta vida e aquele que eles terão no céu! Contudo, como o primeiro não deve
ser menosprezado por ser imperfeito, o último não deve ser engrandecido acima da
realidade. Certo, as Escrituras declaram que então veremos "face a face" e
conheceremos como somos conhecidos (1 Coríntios 13:12), mas inferir disto que
conheceremos então a Deus tão completamente como Ele nos conhece é deixar-nos
iludir pelos simples sons das palavras e não atentar para a restrição delas,
restrição que o assunto exige necessariamente. Há uma imensa diferença entre serem
glorificados os santos e serem eles divinizados. No seu estado glorificado, os
cristãos continuarão sendo criaturas finitas, e, portanto, nunca serão capazes de
compreender plenamente o Deus infinito. "Os santos no céu verão a Deus com os olhos
da mente, pois Ele sempre será invisível aos olhos do corpo; e O verão mais
claramente do que poderiam vendo-O pela razão e pela fé, e mais extensamente que
tudo que as Suas obras e dispensações dEle revelaram até então; mas as suas mentes
não serão aumentadas a ponto de poderem contemplar de uma vez, ou minuciosamente, a
excelência completa da Sua natureza. Para compreenderem a perfeição infinita, eles
próprios teriam que se tornar infinitos. Mesmo no céu, o seu conhecimento será
parcial, mas ao mesmo tempo a sua felicidade será completa, porque o seu
conhecimento será perfeito neste sentido: será adequado à capacidade do sujeito,
sem todavia exaurir a plenitude do objeto. Cremos que será progressivo e que, à
medida que se lhes amplie a visão, sua bem-aventurança aumentará; nunca, porém,
chegará a um limite além do qual não haja mais nada para ser descoberto; e depois
de se terem passado eras e mais eras, Ele continuará sendo o Deus incompreensível"
(John Dick, 1840). Segundo, um exame das perfeições de Deus mostrará que Ele é um
Ser absolutamente suficiente. É-o em Si e para Si mesmo. Como o primeiro dos seres,
Ele não precisa receber nada de outrem, nem pode ser limitado pelo poder de
ninguém. Sendo infinito, possui todas as perfeições possíveis. Quando o Deus triúno
existia totalmente só, Ele era tudo para Si próprio. Seu entendimento, Seu amor,
Suas energias encontravam nEle mesmo um objeto adequado. Se tivesse necessidade de
alguma coisa externa, não seria independente e, portanto, não seria Deus. Ele criou
todas as coisas, e isso "para ele" (Colossenses 1:16); todavia, não para preencher
alguma lacuna, mas para poder comunicar vida e felicidade a anjos e homens e
permitir-lhes a visão da Sua glória. Ê certo que Ele exige a lealdade e os serviços
de Suas criaturas
dotadas de inteligência, mas não extrai benefício algum das suas funções; toda a
vantagem redunda em favor delas mesmas: Jó 22:2-3. Ele faz uso de meios e
instrumentos para realizar os Seus fins; não, porém, por deficiência de poder, mas
muitas vezes para demonstrar mais extraordinariamente o Seu poder através da
fragilidade dos instrumentos. A absoluta suficiência de Deus faz dEle o objeto
supremo, que sempre se há de buscar. A verdadeira felicidade consiste unicamente em
fruir a Deus. Seu favor é vida, e Sua amorável bondade é mais que a vida. "A minha
porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto esperarei nele" (Lamentações 3:24).
As nossas percepções do Seu amor, da Sua graça, da Sua glória, são os principais
objetos do desejo dos santos e os mananciais da sua mais elevada satisfação.
"Muitos dizem: quem nos mostrará o bem? Senhor, exalta sobre nós a luz do teu
rosto. Puseste alegria. no meu coração, mais do que no tempo em que se
multiplicaram o seu trigo e o seu vinho" (Salmo 4:6-7). Sim, o cristão, quando em
são juízo, pode dizer: "Porquanto, ainda que a figueira não floresça, nem haja
fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as
ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas: todavia eu me
alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação" (Habacuque 3:17-18).
Terceiro, ao se fazer um exame das perfeições de Deus, vê-se que Ele é o Soberano
Supremo do universo. Tem-se dito com acerto que, "Nenhum domínio é tão absoluto
como o que se funda na criação. Aquele que bem podia não ter feito coisa alguma,
tinha o direito de fazer todas as coisas de acordo com o Seu beneplácito. No
exercício do Seu poder indomável, Ele fez algumas partes da criação simples matéria
inanimada, de textura mais grosseira ou mais refinada, e distinguida por qualidades
diferentes, mas sempre matéria inerte e inconsciente. Ele deu organização a outras
partes, e as fez suscetíveis de crescimento e expansão, mas ainda destituídas de
vida no sentido próprio do termo. A outras não só deu organização, mas também vida
consciente, os órgãos dos sentidos, e energia para auto-motivação. A estas Ele
acrescentou, no homem, o dom da razão e um espírito imortal, pelos quais o homem se
junta a uma ordem mais elevada de seres localizados nas regiões superiores. Sobre o
mundo que criou, Ele empunha o cetro da onipotência. "... eu bendisse o Altíssimo,
e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é um domínio
sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são
reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os
moradores da terra: não há quem possa estorvar a sua mão e lhe diga: Que fazes? —
Daniel 4:34-35" (John Dick). Uma criatura, como tal considerada, não tem direitos.
Nada pode exigir do seu Criador; e, seja qual for a maneira como é tratada, não lhe
compete queixar-se. Contudo, quando pensamos no absoluto domínio de Deus sobre
todas as coisas e sobre todos os seres, não devemos perder de vista as Suas
perfeições morais. Deus é justo e bom, e sempre faz o que é reto. Não obstante, Ele
exerce o Seu domínio de acordo com o beneplácito da Sua vontade soberana e justa.
Atribui a cada criatura o lugar que aos Seus olhos parece bom. Ordena as diferentes
circunstâncias relacionadas com cada criatura de acordo com os Seus conselhos.
Modela cada vaso segundo a Sua determinação independente de toda e qualquer
influência. Tem misericórdia de quem Ele quer ter misericórdia, e
endurece a quem Lhe apraz. Onde quer que estejamos, Seus olhos estão sobre nós.
Quem quer que sejamos, nossa vida e tudo mais está à disposição dEle. Para o
cristão, Ele é um Pai amoroso e gentil; para o pecador rebelde, Ele continuará
sendo fogo consumidor. "Ora ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus
seja honra e glória para todo o sempre. Amém" (1 Timóteo 1:17).
OS SETE BRADOS DO SALVADOR SOBRE A CRUZ
ARTHUR W PINK

The Seven Sayings of the Saviour on the Cross (1919) Biografia de Arthur W. Pink:
Vanderson Moura da Silva Edição, Revisão e Projeto Gráfico: Felipe Sabino de Araújo
Neto Primeira edição em português: 2006 Tradução: Vanderson Moura da Silva

www.monergismo.comTraduzido do original em inglês

"Ao Senhor Pertence a Salvação" (Jonas 2:9)

MONERGISMO.COM

As citações escriturísticas utilizadas neste livro são da Edição Revista e


Corrigida de Almeida, da Imprensa Bíblica do Brasil, exceto quando uma outra versão
é indicada.
SUMÁRIO NOTA DE AGRADECIMENTO ... INTRODUÇÃO... 1. A PALAVRA DE PERDÃO ... 2. A
PALAVRA DE SALVAÇÃO ... 3. A PALAVRA DE AFEIÇÃO... 4. A PALAVRA DE ANGÚSTIA ... 5.
A PALAVRA DE SOFRIMENTO ... 7. A PALAVRA DE CONTENTAMENTO ... UMA BREVE
BIOGRAFIA ... .4 .5 .8 ..18 .32 .42 ..56 ...78 ...87

NOTA DE AGRADECIMENTO A presente obra, disponível agora no portal Monergismo.com, é


o terceiro fruto do "Projeto de Tradução", lançado no ano passado. Diferentemente
dos outros, traduzidos voluntariamente, esse livro foi traduzido com a generosa
doação de um pastor brasileiro que mora em Portugal. Esperamos que a sua iniciativa
em ajudar na divulgação da Palavra de Deus incentive a muitos outros. Caso queira
fazer uma doação ou colaborar como um tradutor voluntário, por favor, entre em
contato pelo seguinte e-mail: traducao@monergismo.com.

Aproveitamos esta oportunidade para reiterar o convite a todos os irmãos que se


sentem especialmente capacitados a trabalhar com literatura cristã sadia a fim de
que se unam a este projeto para a disponibilização gratuita em nossa língua, tão
carente da sã teologia e da mais edificante doutrina, de outras obras de extremo
valor. Soli Deo gloria! Felipe Sabino de Araújo Neto Cuiabá-MT, 21 de maio de 2006
Primeiro: a morte de Cristo foi natural. Com isso queremos dizer que ela foi uma
morte real. É porque estamos tão familiarizados com o fato dela que a declaração
acima parece simples, corriqueira; todavia, o que abordamos aqui é um dos
principais elementos de admiração para a mente espiritual. Aquele que foi "tomado,
e pelas mãos de injustos" crucificado e assassinado não era outro senão o
"Companheiro" de Jeová. O sangue que foi derramado sobre o madeiro maldito era
divino — "A igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue" (Atos 20:28).
Como diz o apóstolo: "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo" (2
Coríntios 5:19). Mas como o "Companheiro" de Jeová poderia sofrer? Como o eterno
poderia morrer? Ah, aquele que no princípio era o Verbo, que estava com Deus, e que
era Deus, "se fez carne". Aquele que era em forma de Deus tomou sobre si a forma de
um servo e foi feito semelhante aos homens; "e, achado na forma de homem, humilhou-
se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz" (Fp 2.8). Dessa forma,
tendo se encarnado, o Senhor da glória foi capaz de sofrer a morte, e assim foi que
ele "provou" a própria morte. Em suas palavras, "Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito", vemos quão natural foi sua morte, e a realidade dela se torna ainda mais
aparente quando ele foi posto na sepultura, onde permaneceu por três dias.

A MORTE DO SENHOR JESUS CRISTO é um assunto de interesse inexaurível para todos os


que estudam em oração a escritura da verdade. Tal é assim não somente porque tudo
do crente — tanto no tempo como na eternidade — dela dependa, mas também devido à
sua singularidade transcendente. Quatro palavras parecem resumir as características
salientes desse mistério dos mistérios: a morte de Cristo foi natural, não-natural,
preter-natural e sobrenatural. Uns poucos comentários parecem ser necessários à
guisa de definição e amplificação.

INTRODUÇÃO

Segundo: a morte de Cristo foi não-natural. Por isso queremos dizer que ela foi
anormal. Acima dissemos que, ao se encarnar, o Filho de Deus tornou-se capaz de
sofrer a morte, todavia, não deve ser inferido daí que a morte tinha, portanto, um
direito a reclamar sobre ele; longe disso, o contrário mesmo era a verdade. A morte
é o salário do pecado , e ele não tinha nenhum. Antes de seu nascimento foi dito a
Maria: "[que] o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus" (Lucas
1:35, ARA). Não somente o Senhor Jesus entrou neste mundo sem contrair a
contaminação da natureza humana caída, mas ele "não cometeu pecado" (1Pedro 2:22),
"não [tinha] pecado" (1João 3:5) e "não conheceu pecado" (2Coríntios 5:21). Em sua
pessoa e em sua conduta ele foi o Santo de Deus "imaculado e incontaminado" (1Pedro
1:19). Como tal, a morte não tinha nenhum direito a reclamar sobre ele. Até mesmo
Pilatos teve que reconhecer que não pôde encontrar "nenhuma culpa" nele. Por
conseguinte, dizemos que o Santo de Deus morrer foi não-natural. Terceiro: a morte
de Cristo foi preternatural. Por meio disso queremos dizer que ela foi marcada e
determinada para ele de antemão. Ele era o Cordeiro morto antes da fundação do
mundo (Apocalipse 13.8). Antes que Adão fosse criado, a Queda foi antecipada. Antes
de o pecado entrar no mundo, a salvação dele havia sido planejada por Deus. Nos
eternos conselhos da Deidade, foi ordenado de antemão que haveria um Salvador para
os pecadores, um Salvador que sofreria, o justo pelos injustos , um Salvador que
morreria para que pudéssemos viver. E "porque não havia nenhum outro
suficientemente bom para pagar o preço do pecado", o Unigênito do Pai se ofereceu
como o resgate. O caráter preternatural da morte de Cristo leva o bom termo de o
"sustentáculo da Cruz". Foi em vista da aproximação dessa morte que Deus
"justamente ignorou os pecados anteriormente cometidos" (Rm 3.25). Não tivesse sido
Cristo, no conceito de Deus, o Cordeiro morto desde antes da fundação do mundo,
toda pessoa pecadora nos tempos do Antigo Testamento teria sido lançada no abismo
no momento em que ela pecasse!

Quarto: a morte de Cristo foi sobrenatural. Por isso queremos dizer que ela foi
diferente de qualquer outra morte. Em todas as coisas ele tem a preeminência. Seu
nascimento foi diferente de todos os outros nascimentos. Sua vida foi diferente de
todas as outras vidas. E sua morte foi diferente de todas as outras mortes. Isso
foi claramente anunciado em sua própria declaração sobre o assunto: "Por isso, o
Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la.
Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e poder
para tornar a tomá-la. Esse mandamento recebi de meu Pai" (João 10:17, 18). Um
estudo cuidadoso das narrativas evangélicas que descrevem sua morte fornece uma
prova sétupla e a verificação de sua asseveração.

(1) Que nosso Senhor "deu a sua vida", que ele não estava impotente nas mãos de
seus inimigos, revela-se claramente em João 18, onde temos o registro de sua
prisão. Um bando de oficiais da parte dos principais sacerdotes e dos fariseus,
guiados por Judas, o procuraram no Getsêmani. Adiantando-se para encontrá-los, o
Senhor Jesus pergunta: "A quem buscais?". A resposta foi: "Jesus de Nazaré"; e
então nosso Senhor expressou o inefável título de deidade, aquele pelo qual Jeová
se revelou nos tempos antigos a Moisés na sarça ardente: "Eu Sou". O efeito foi
impressionante. Esses oficiais ficaram apavorados. Eles estavam na presença da
deidade encarnada, e foram sobrepujados por uma breve consciência da majestade
divina. Quão claro é então que, se assim o tivesse agradado, nosso bendito Salvador
poderia ter se afastado calmamente, deixando aqueles que vieram lhe prender
prostrados no chão! Ao invés disso, ele se entregou nas mãos deles e foi levado
(não compelido) como um cordeiro ao matadouro. (2) Voltemo-nos agora para Mateus
27:46 — o versículo mais solene em toda a Bíblia — "E, perto da hora nona, exclamou
Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni, isto é, Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?". As palavras que pedimos ao leitor que observe
cuidadosamente estão colocadas aqui em itálico. Por que é que o Espírito Santo nos
conta que o Salvador pronunciou esse terrível clamor "em alta voz"? Com muita
certeza que há uma razão para tal. Isso se torna ainda mais aparente quando notamos
que ele as repetiu quatro versículos abaixo no mesmo capítulo

— "E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito" (Mateus
27.50) . O que então essas palavras indicam? Não corroboram elas o que foi dito nos
parágrafos acima? Não nos dizem elas que o Salvador não estava exausto pelo que ele
tinha passado? Não nos dão elas a entender que suas forças não o tinham deixado?
Que ele ainda era senhor de si mesmo, que ao invés de ser conquistado pela morte,
ele estava apenas se entregando para ela? Elas não nos mostram que Deus tinha posto
"ajuda sobre um poderoso" (Salmos 89.19, Tradução do Novo Mundo)? (3) Podemos
chamar a atenção para a sua próxima expressão sobre a Cruz — "Tenho sede". Essa
palavra, à luz do seu contexto, fornece uma evidência maravilhosa do autocontrole
completo do nosso Senhor. O versículo inteiro diz o seguinte: "Depois, sabendo
Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse,
disse: Tenho sede" (João 19.28). Desde os tempos antigos tinha sido predito que
eles deveriam dar vinagre misturado com fel para o Salvador beber. E para que essa
profecia pudesse ser cumprida, ele exclamou: "Tenho sede". Como isso evidencia o
fato de que ele estava em plena posse de suas faculdades mentais, que sua mente
estava desanuviada, que seus terríveis sofrimentos não a tinham transtornado nem
perturbado! Enquanto permanecia pendurado na cruz, no final da hora sexta, sua
mente reviveu o escopo inteiro da palavra profética, e verificou cada uma daquelas
predições que faziam alusão à sua paixão. Excetuando as profecias que seriam
cumpridas após sua morte, só restava uma ainda não cumprida, a saber: "Deram-me fel
por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre" (Salmo 69:21), e isso não
foi negligenciado pelo bendito sofredor. "Sabendo Jesus que já todas as coisas
estavam terminadas, para que a Escritura (não ‘Escrituras’, sendo a referência ao
Salmo 69.21) se cumprisse, disse: Tenho sede". Novamente, dizemos, que prova é
fornecida aqui de que ele entregou sua vida de si mesmo!

(4) A próxima verificação que o Espírito Santo fornece das palavras do nosso Senhor
em João 10.18 é encontrada em João 19.30: "E, quando Jesus tomou o vinagre, disse:
Está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito". O que se pretende que
aprendamos dessas palavras? O que é que se quer dizer aqui através desse ato do
Salvador? Seguramente, a resposta não está longe. A implicação é clara. Antes disso
a cabeça do nosso Senhor tinha estado erigida. Não era um sofredor impotente que
pendia ali desmaiado. Tivesse esse sido o caso, sua cabeça teria se recostado sobre
o peito, e seria impossível para ele "arqueá-la". E observe atentamente o verbo
usado aqui: não foi sua cabeça que "caiu", mas ele, conscientemente, calmamente,
reverentemente, inclinou sua cabeça. Quão sublime foi sua atitude mesmo sobre o
madeiro! Que compostura esplêndida ele evidenciou. Não foi sua majestosa atitude
sobre a cruz que, entre outras
coisas, fez com que o centurião clamasse: "Verdadeiramente, este era o Filho de
Deus" (Mateus 27.54)?
Uma ação bárbara tinha sido feita. Nenhuma morte ordinária satisfaria seus inimigos
implacáveis. Foi decidida uma morte de sofrimento e vergonha intensas. Uma cruz
tinha sido assegurada: o Salvador seria pregado nela. E ali ele foi pendurado — em
silêncio. Mas nesse instante seus lábios pálidos são vistos se mexendo — ele está
clamando por piedade? Não. O que então? Ele está pronunciado maldição sobre aqueles
que estão lhe crucificando? Não. Ele está orando, orando pelos seus inimigos — "E
dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23.34).

O HOMEM HAVIA FEITO O SEU PIOR. Aquele por quem o mundo foi feito veio ao mundo,
mas o mundo não o conheceu. O Senhor da glória tinha tabernaculado entre os homens,
mas não foi desejado. Os olhos que o pecado tinha cegado não viram nele nenhuma
beleza alguma pela qual ele pudesse ser desejado . Em seu nascimento não havia
nenhum quarto na hospedaria, o que prenunciava o tratamento que receberia das mãos
dos homens. Pouco tempo após seu nascimento, Herodes procurou matá-lo, e isso
sugeria a hostilidade que sua pessoa evocava e predizia a cruz como o clímax da
inimizade do homem. Repetidas vezes seus inimigos tentaram sua destruição. E agora
os vis desejos deles fora-lhes concedidos. O Filho de Deus tinha se rendido nas
mãos deles. Um arremedo de julgamento havia acontecido e, embora seus juízes não
tenham encontrado nenhuma falta nele, todavia, eles se rederam ao clamor insistente
daqueles que o odiavam à medida que eles repetidamente clamavam: "Crucifica-o".

1. A PALAVRA DE PERDÃO "E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem" Lucas 23:34

Essa primeira das sete palavras na cruz do nosso Senhor o apresenta em atitude de
oração. Quão significante! Quão instrutivo! Seu ministério público tinha sido
aberto com oração (Lucas 3.21), e aqui vemos ele sendo fechado com oração.
Certamente ele nos deixou um exemplo! Não mais aquelas mãos ministrariam ao doente,
pois estavam pregadas no madeiro cruel; não mais aqueles pés poderiam levá-lo nas
tarefas de misericórdia, pois estavam presas no madeiro cruel; não mais ele poderia
se ocupar na instrução dos apóstolos, pois eles tinham-no esquecido e fugido. Como
então ele se ocupou? No ministério da oração! Que lição para nós. Talvez essas
linhas possam ser lidas por alguém que, por razão da idade e doença, não é mais
capaz de trabalhar ativamente na vinha do Senhor. Possivelmente nos dias de outrora
você era um professor, um pregador, um professor de escola dominical, um
distribuidor de panfletos: mas agora você está de cama. Sim, mas você ainda está
aqui na terra! Quem sabe Deus não está deixando você aqui mais uns poucos dias para
te engajar no ministério da oração — e talvez realizar mais através disso que por
todo seu ministério passado ativo. Se você for tentado a depreciar tal ministério,
lembre-se do seu Salvador. Ele orou, orou por outros, orou por pecadores, até mesmo
em suas últimas horas.

Ao orar por seus inimigos, Cristo não somente colocou diante de nós um exemplo
perfeito de como devemos tratar aqueles que nos prejudicam e nos odeiam, mas ele
também nos ensinou a nunca considerar algo como além do alcance da oração. Se
Cristo orou por seus assassinos, então certamente temos encorajamento para orar
agora pelo maior de todos os pecadores! Leitor cristão, nunca perca a esperança.
Parece para você um desperdício de tempo continuar orando por aquele homem, por
aquela mulher, por aquele seu filho obstinado? O caso deles parece se tornar mais
sem esperança a cada dia? Parece como se eles estivem além do alcance da
misericórdia divina? Talvez alguém por quem você tem orado por tanto tempo foi
enlaçado por uma das seitas satânicas de hoje, ou ele pode ser agora um infiel
declarado e desbragado; em resumo, um inimigo aberto de Cristo. Lembre-se então da
cruz. Cristo orou por seus inimigos. Aprenda então a não olhar para nada como
estando além do alcance da oração.

Um outro pensamento concernente a essa oração de Cristo. Devemos mostrar aqui a


eficácia da oração. Essa intercessão de Cristo na cruz por seus inimigos recebeu
uma resposta marcada e definida. A resposta é vista na conversão das três mil amas
no dia de Pentecoste. Eu baseio essa conclusão em Atos 3.17, onde o apostolo Pedro
diz: "E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância, como também os vossos
príncipes". Deve ser notado que Pedro usa a palavra "ignorância", que corresponde
ao "não sabem o que fazem" do nosso Senhor. Eis aí a explicação divina dos 3.000
conversos com um simples sermão. Não foi a eloqüência de Pedro a causa, mas a
oração do Senhor. E,
leitor cristão, o mesmo é verdadeiro para nós. Cristo orou por você e por mim antes
de crermos nele. Volte-se para João 17.20 para conferir. "Eu não rogo somente por
estes (os apóstolos), mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em
mim" (João 17.20). Uma vez mais beneficiemo-nos do exemplo perfeito. Façamos
intercessão também pelos inimigos de Deus e, se orarmos com fé, também será eficaz
para a salvação dos pecadores perdidos. Para ir diretamente ao nosso texto agora:
"E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". 1. Aqui vemos o
cumprimento da palavra profética.

Quanto Deus fez conhecido de antemão do que deveria suceder naquele dia dos dias!
Que retrato completo o Espírito Santo fornece da Paixão do nosso Senhor com todas
as circunstâncias que a acompanharam! Entre outras coisas, foi predito que o
Salvador deveria "interceder pelos transgressores" (Isaías 53:12, Tradução do Novo
Mundo). Isso não tem referência com o ministério presente de Cristo à direita de
Deus. É verdade que ele "pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam
a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Hebreus 7.25), mas isso fala do
que ele está fazendo agora por aqueles que crêem nele, enquanto Isaías 53.12 faz
referência ao seu ato gracioso no momento da sua crucificação. Observe que sua
intercessão pelos transgressores está conectada com "e foi contado com os
transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos e fez intercessão pelos
transgressores".

Que Cristo deveria fazer intercessão pelos seus inimigos era um dos itens da
maravilhosa profecia encontrada em Isaías 53. Esse capítulo nos diz pelo menos dez
coisas sobre a humilhação e o sofrimento do Redentor. Lá, é declarado que ele
deveria ser desprezado e rejeitado pelos homens; que deveria ser um homem de dores
e que sabia o que era sofrer; que ele deveria ser ferido, moído e castigado; que
deveria ser levado, sem resistência, ao matadouro; que deveria permanecer mudo
perante os seus tosquiadores; que deveria não somente sofrer nas mãos de homens,
mas também ser moído pelo Senhor; que deveria derramar sua alma na morte; que
deveria ser enterrado na sepultura de um homem rico; e então foi adicionado que
deveria ser contado com os transgressores; e finalmente, que deveria fazer
intercessão por esses. Aqui então estava a profecia - "e fez intercessão pelos
transgressores"; houve o cumprimento dela - "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem". Ele pensou nos seus assassinos. Ele implorou por aqueles que lhe
crucificaram; ele fez intercessão pelo perdão deles. "E dizia Jesus: Pai, perdoa-
lhes, porque não sabem o que fazem". 2. Aqui vemos Cristo identificado com o seu
povo.

Perdão de pecado é uma prerrogativa divina. Os escribas judeus estavam certos


quando arrazoaram: "Quem pode perdoar pecados, senão Deus?" (Mc 2.7). Mas dirá
você: Cristo era Deus. Com toda certeza; mas homem também - o Deus-homem. Ele era o
Filho de Deus que tinha se tornado o Filho do Homem com o expresso propósito de
oferecer a si mesmo como sacrifício pelo pecado. E quando o Senhor Jesus clamou
"Pai, perdoa-lhes", ele estava sobre a cruz, e ali ele não poderia exercer suas
prerrogativas divinas. Repare cuidadosamente suas palavras, e então contemple a
exatidão maravilhosa da Escritura. Ele tinha dito: "O Filho do Homem tem na terra
autoridade para perdoar pecados" (Mt 9.6). Mas ele não estava mais sobre a terra!
Ele tinha sido "levantado da terra" (Jo 12.32)! Além do mais, na cruz ele estava
agindo como nosso substituto; o justo estava para morrer pelos injustos. Por
conseguinte, ao ser suspenso como nosso representante, ele não estava mais no lugar
de autoridade onde poderia exercer suas prerrogativas divinas, e, portanto, toma a
posição de um suplicante perante o Pai. Assim, dizemos que quando o bendito Senhor
Jesus clamou, "Pai, perdoa-lhes", o vemos absolutamente identificado com o seu
povo. Não estava mais na posição de autoridade sobre a

"Pai, perdoa-lhes". Em nenhuma ocasião anterior Cristo fez tal pedido ao Pai. Nunca
antes ele tinha invocado o perdão dos outros ao Pai. Até aqui ele mesmo perdoou. Ao
homem paralítico, ele disse: "Filho, tem bom ânimo; perdoados te são os teus
pecados" (Mt 9.2). À mulher que lavou seus pés com suas lágrimas, na casa de Simão,
ele disse: "Os teus pecados te são perdoados" (Lc 7.48). Por que, então, ele agora
pediu ao Pai para perdoar, ao invés dele mesmo pronunciar diretamente o perdão?
"terra", onde ele tinha o "poder" ou "direito" de perdoar pecados; ao invés disso,
ele intercede pelos pecadores - como nós devemos fazer. "E dizia Jesus: Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". 3. Aqui vemos a avaliação divina do
pecado e sua culpa conseqüente. Sob a economia levítica, Deus exigiu que a expiação
devesse ser feita pelos pecados praticados por ignorância. "Quando alguma pessoa
cometer uma transgressão e pecar por ignorância nas coisas sagradas do SENHOR,
então, trará ao SENHOR, por expiação, um carneiro sem mancha do rebanho, conforme a
tua estimação em siclos de prata, segundo o siclo do santuário, para expiação da
culpa. Assim, restituirá o que ele tirou das coisas sagradas, e ainda de mais
acrescentará o seu quinto, e o dará ao sacerdote; assim, o sacerdote, com o
carneiro da expiação, fará expiação por ela, e ser-lhe-á perdoado o pecado". (Lv
5.15, 16). E lemos novamente:

"Quando errardes e não cumprirdes todos estes mandamentos que o SENHOR falou a
Moisés, sim, tudo quanto o SENHOR vos tem mandado por Moisés, desde o dia em que o
SENHOR ordenou e daí em diante, nas vossas gerações, será que, quando se fizer
alguma coisa por ignorância e for encoberta aos olhos da congregação, toda a
congregação oferecerá um novilho, para holocausto de aroma agradável ao SENHOR, com
a sua oferta de manjares e libação, segundo o rito, e um bode, para oferta pelo
pecado. O sacerdote fará expiação por toda a congregação dos filhos de Israel, e
lhes será perdoado, porquanto foi erro, e trouxeram a sua oferta, oferta queimada
ao SENHOR, e a sua oferta pelo pecado perante o SENHOR, por causa do seu erro". (Nm
15. 22-25, ARA). É em vista de passagens tais como essas que encontramos Davi
orando: "Expurga-me tu dos [erros] que me são ocultos" (Sl 19.12). O pecado é
sempre pecado aos olhos divinos, quer estejamos consciente dele ou não. Pecados
cometidos por ignorância precisam de expiação tanto quanto os conscientes. Deus é
santo, e ele não rebaixará seu padrão de justiça ao nível da nossa ignorância.
Ignorância não é inocência. Na verdade, ignorância é mais culpada agora do que na
época de Moisés. Nós não temos desculpas pela nossa ignorância. Deus tem revelado
clara e plenamente sua vontade. A Bíblia está em nossas mãos, e não podemos alegar
ignorância de seu conteúdo, exceto para condenar-nos por nossa preguiça. Ele tem
falado, e por sua palavra seremos julgados.

E, todavia, permanece o fato de que somos ignorantes de muitas coisas, e o erro e a


culpa são nossos. E isso não minimiza a enormidade do nosso delito. Pecados
cometidos por ignorância precisam do perdão divino, assim como a oração do Senhor
nos mostra claramente aqui. Aprenda, então, quão alto é o padrão de Deus, quão
grande é a nossa necessidade, e louve-o por uma expiação de suficiência infinita,
que limpa de todo pecado. "E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem". "Porque não sabem o que fazem". Isso não significa que os inimigos de
Cristo eram ignorantes do fato de sua crucificação. Eles sabiam perfeitamente que
tinham clamado: "Crucifica-o". Eles sabiam perfeitamente que o seu vil pedido lhes
tinha sido concedido por Pilatos. Eles sabiam perfeitamente que ele tinha sido
pregado na cruz, pois eram testemunhas oculares do crime. O que, então, o Senhor
quis dizer quando disse: "Porque não sabem o que fazem"? Ele quis dizer que eles
eram ignorantes da grandeza do seu crime. Eles não sabiam que era o Senhor da
glória que eles estavam crucificando. A ênfase não é sobre "porque não sabem", mas
sobre "porque não sabem o que fazem". 4. Aqui vemos a cegueira do coração humano.
E, todavia, eles deveriam ter sabido. A cegueira deles era inescusável. As
profecias do Antigo Testamento que tinham recebido seu cumprimento nele eram
suficientemente claras para identificá-lo como o Santo de Deus. Seu ensino era
singular, pois seus próprios críticos foram forçados a admitir: "Nunca homem algum
falou assim como este homem" (Jo 7.46). E o que dizer da sua vida perfeita? Ele
viveu diante dos homens uma vida que nunca tinha sido vivida sobre a terra antes.
Ele não agradava a si mesmo. Ele se ocupava de fazer o bem. Ele estava sempre à
disposição dos outros. Não havia egoísmo nele. Sua vida foi de auto-sacrifício do
princípio ao fim. Sua vida foi sempre vivida para a glória de Deus. Sobre sua vida
estava estampada a aprovação do céu, pois a voz do Pai testificou audivelmente:
"Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo". Não, não havia escusa alguma para
a ignorância deles. Isso apenas demonstrava a cegueira dos seus corações. A
rejeição do Filho de Deus por parte deles trouxe pleno testemunho, de uma vez por
todas, de que a mente carnal é "inimizade contra Deus" (Rm 8.7). Quão triste é
pensar que essa terrível tragédia ainda está sendo repetida! Pecador, você faz
pouca idéia do que está fazendo ao negligenciar a grande salvação de Deus. Você faz
pouca idéia de quão terrível é o pecado de menosprezar o Cristo de Deus e repelir
os convites de sua misericórdia. Você faz pouca idéia da profunda culpa que está
unida ao seu ato de recusar receber o único que pode te salvar dos seus pecados.
Você faz pouca idéia de quão medonho é o crime de dizer: "Não queremos que este
reine sobre nós". Você faz pouca idéia do que faz. Você considera essa questão
vital com indiferença total. A questão se apresenta hoje da mesma forma como
dantes: "Que farei, então, de Jesus, chamado Cristo?". Pois você tem que fazer algo
com ele: ou o despreza e rejeita, ou o recebe como o Salvador de sua alma e o
Senhor da sua vida. Mas, digo novamente, isso lhe parece um assunto de diminuta
urgência, de pequena importância. Por anos você tem resistido aos esforços do seu
Espírito. Por anos você tem posto de lado essa importantíssima consideração. Por
anos você tem endurecido seu coração contra ele, tampado seus ouvidos aos seus
apelos, e fechado seus olhos à sua excelsa beleza. Ah! você não sabe O QUE faz.
Você está cego em sua loucura. Cego para o seu terrível pecado. Todavia, você não
está sem escusa. Você pode ser salvo agora se quiser. "Crê no Senhor Jesus Cristo e
[tu] serás salvo". Ó, venha ao Salvador agora e diga com alguém de outrora,
"Mestre, que eu tenha vista". "E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem". 5. Aqui vemos uma exemplificação amorosa do seu próprio ensino.

No Sermão do Monte nosso Senhor ensinou aos seus discípulos: "Amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos
que vos maltratam e vos perseguem" (Mt 5.44). Acima de todos os outros, Cristo
praticou o que ele pregou. A graça e a verdade vieram através de Jesus Cristo. Ele
não somente ensinou a verdade, mas ele mesmo era a verdade encarnada. Ele disse:
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14.6). Assim, aqui sobre a cruz ele
exemplificou perfeitamente seu ensino do monte. Em todas as coisas ele nos deixou
um exemplo. Observe que Cristo não perdoou pessoalmente seus inimigos. Assim, em Mt
5.44 ele não exortou seus discípulos a perdoarem seus inimigos, mas os exortou a
"orar" por eles. Mas nós não devemos perdoar aqueles que nos maltratam? Isso nos
leva a um ponto com respeito ao qual é necessária muita instrução hoje em dia.

A escritura ensina que sob todas as circunstâncias devemos perdoar sempre? Eu


respondo enfaticamente: não, ela não ensina. A palavra de Deus diz: "Se teu irmão
pecar contra ti, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe; e, se pecar
contra ti sete vezes no dia e sete vezes no dia vier ter contigo, dizendo:
Arrependo-me, perdoa-lhe" (Lc 17.3,4). Aqui somos claramente ensinados que uma
condição deve ser satisfeita pelo ofensor antes que possamos pronunciar o perdão.
Aquele que nos ofendeu deve primeiramente "se arrepender", isto é, julgar a si
mesmo por seu erro e dar evidência de sua tristeza por causa dele. Mas, suponha que
o ofensor não se arrependa? Então eu não preciso perdoá-lo. Mas que não haja má
compreensão do que queremos dizer aqui. Mesmo que alguém que
nos ofendeu não se arrependa, todavia, eu não devo abrigar sentimentos ruins contra
ele. Não deve haver nenhum ódio ou malícia cultivada no coração. Todavia, por outro
lado, eu não devo tratar o ofensor como se ele não tivesse cometido nenhum erro.
Isso seria fechar os olhos à ofensa, e, portanto, eu estaria falhando em manter as
exigências da justiça, e isso é o que o crente deve fazer sempre. Deus alguma vez
perdoa onde não há arrependimento? Não, pois a escritura declara: "Se confessarmos
os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar
de toda injustiça" (1Jo 1.9). Mais uma coisa. Se alguém me prejudicar e não se
arrepender, embora eu não possa lhe perdoar e tratá-lo como se ele não tivesse me
ofendido, todavia, eu não apenas não devo abrigar nenhuma malícia em meu coração
contra ele, mas devo também orar por ele. Aqui está o valor do exemplo perfeito de
Cristo. Se não podemos perdoar, podemos orar a Deus para perdoá-lo. "E dizia Jesus:
Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". A primeira lição importante que
todos precisam aprender é que somos pecadores, e como tais, inaptos para a presença
de um Deus Santo. É em vão que escolhemos nobres ideais, adotamos boas resoluções,
e aceitamos excelentes regras pelas quais viver, até que a questão do pecado tenha
sido resolvida. Não é de proveito algum tentar desenvolver um belo caráter e ter
por objetivo obter a aprovação de Deus, enquanto há pecado entre ele e as nossas
almas. Qual a utilidade dos sapatos, se os nossos pés estão paralisados? De que
utilidade são os óculos, se somos cegos? A questão do perdão dos meus pecados é
básica, fundamental e vital. Não importa se sou altamente respeitado por um círculo
amplo de amigos, se ainda estou em meus pecados. Não importa se eu sou honesto em
meu negócio, se ainda sou um transgressor não perdoado aos olhos de Deus. O que
importará na hora da morte será: Os meus pecados foram expurgados pelo sangue de
Cristo? A segunda lição importantíssima que precisamos aprender é como o perdão dos
pecados pode ser obtido. Qual é fundamento sobre o qual um Deus santo perdoará
pecados? E aqui é importante observar que há uma diferença vital entre o perdão
divino e muito do perdão humano. Como regra geral, o perdão humano é uma questão de
complacência, frequentemente de frouxidão. Queremos dizer que o perdão é mostrado à
custa da justiça e da retidão. Na corte humana da lei, o juiz tem que escolher
entre duas alternativas: quando se prova que alguém no banco dos réus é culpado, o
juiz deve aplicar a penalidade da lei, ou deve negligenciar os requerimentos da lei
- uma é justiça, a outra é misericórdia. A única forma possível na qual o juiz pode
tanto aplicar os requerimentos da lei e ainda mostrar misericórdia ao ofensor, é
uma terceira parte oferecer sofrer em sua própria pessoa a penalidade que o
condenado merece. Assim aconteceu no conselho divino. Deus não exerceria
misericórdia à custa da justiça. Ele, como o juiz de toda a terra, não colocaria de
lado as demandas da sua santa lei. Todavia, Deus mostraria misericórdia. Como?
Através de um que satisfaria plenamente sua lei violada. Por intermédio de seu
próprio Filho, tomando o lugar de todos aqueles que crêem nele e carregando seus
pecados em seu próprio corpo no madeiro. Deus poderia ser justo e ainda
misericordioso, misericordioso e ainda justo. Foi assim para que a "graça reinasse
pela justiça". Um fundamento justo tinha sido fornecido sobre o qual Deus poderia
ser justo e ainda o justificador de todo aquele que crê. Por conseguinte, somos
informados: 6. Aqui vemos a grande e primária necessidade do homem.

"E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse e, ao
terceiro dia, ressuscitasse dos mortos; e, em seu nome, se pregasse o
arrependimento e a remissão (perdão) dos pecados, em todas as nações, começando por
Jerusalém" (Lc 24.46,47). E novamente:

"Seja-vos, pois, notório, varões irmãos, que por este se vos anuncia a remissão dos
pecados. E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por
ele é justificado todo aquele que crê" (At 13.38, 39).
Ao orar pelo perdão dos seus inimigos, Cristo foi diretamente na raiz da
necessidade deles. E a necessidade deles é a necessidade de todo filho de Adão.
Leitor, você tem os seus pecados perdoados, isto é, remidos ou levados embora? Você
é, pela graça, um daqueles de quem é dito: "Em quem temos a redenção pelo seu
sangue, a saber, a remissão dos pecados" (Cl 1.14)? "Então disse Jesus: Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". 7. Aqui vemos o triunfo do amor
redentor.

Foi em virtude do sangue que ele estava derramando que o Salvador clamou: "Pai,
perdoalhes". Foi em virtude do sacrifício expiatório que ele estava oferecendo que
pôde ser dito que "sem derramamento de sangue não há remissão".

Note atentamente a palavra com a qual nosso texto começa. "Então". O versículo que
imediatamente o precede é lido assim: "E, quando chegaram ao lugar chamado a
Caveira, ali o crucificaram e aos malfeitores, um, à direita, e outro, à esquerda".
Então, disse Jesus, Pai, perdoa-lhes. "Então" - quando o homem tinha feito o seu
pior. "Então" - quando a vileza do coração humano foi demonstrada em maldade
diabólica e climatérica. "Então" - quando com mãos ímpias a criatura ousou
crucificar o Senhor da glória. Ele poderia ter expressado maldições terríveis sobre
eles. Ele poderia ter lançado os raios da justa ira e os matado. Ele poderia ter
feito a terra abrir a sua boca, de forma que eles caíssem vivos no abismo. Mas não.
Embora sujeito à vergonha indizível, embora sofrendo dor excruciante, embora
desprezado, rejeitado, odiado; todavia, ele clamou: "Pai, perdoa-lhes". Esse era o
triunfo do amor redentor. "O amor é paciente, é benigno... tudo sofre... tudo
suporta" (1Co 13, ARA). Assim foi demonstrado na cruz. Quando Sansão chegou na hora
da sua morte, ele usou a grande força do seu corpo para abarcar a destruição de
seus antagonistas; mas aquele que era perfeito exibiu a força de seu amor orando
pelo perdão dos seus inimigos. Graça inigualável! "Inigualável", dizemos, pois nem
mesmo Estevão conseguiu seguir plenamente o exemplo bendito dado pelo Salvador. Se
o leitor se voltar para Atos 7, descobrirá que o primeiro pensamento de Estevão foi
sobre si mesmo, e depois foi que orou pelos seus inimigos "E apedrejaram a Estêvão,
que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. E, pondo-se de
joelhos, clamou com grande voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. E, tendo dito
isto, adormeceu" (At 7.59,60). Mas com Cristo a ordem foi inversa: ele orou
primeiro pelos seus adversários, e no final por si mesmo. Em todas as coisas ele
tem a preeminência.

E agora, concluindo com uma palavra de aplicação e exortação. Se esse capítulo


estiver sendo lido por uma pessoa não-salva, pedir-lhe-emos seriamente ponderar bem
a próxima sentença - Quão terrível deve ser se opor a Cristo e à sua verdade
conscientemente! Aqueles que crucificaram o Salvador não sabiam o que estavam
fazendo. Mas, meu leitor, há um sentido muito real e solene no qual isso é verdade
com respeito a você também. Você sabe que deve receber a Cristo como seu Salvador,
que deve coroá-lo como Senhor de sua vida, que deve tornar a sua primeira e última
preocupação agradá-lo e glorificá-lo. Fique então avisado; seu perigo é grande. Se
você deliberadamente dá as costas a ele, dá as costas ao único que pode salvá-lo
dos seus pecados, e está escrito: "Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de
termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos
pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de
devorar os adversários" (Hb 10.26,27). Resta-nos apenas adicionar uma palavra sobre
a bendita inteireza do perdão divino. Muitos dentre o povo de Deus ficam
intranqüilos e perturbados sobre esse ponto. Eles entendem como é que todos os
pecados que cometeram antes de receberem a Cristo como seu Salvador foram
perdoados, mas amiúde não estão livres de dúvidas com respeito aos pecados que
cometem após terem nascido de novo. Muitos supõem que é possível para eles pecar de
uma forma que lhes coloque além do perdão que Deus lhes concedeu. Supõem que o
sangue de Cristo trata somente com o passado deles, e que até onde diz respeito ao
presente e ao futuro, eles tem que se cuidar por si mesmos. Mas de que valor seria
um perdão que pode ser tirado de mim a qualquer momento? Certamente
não pode haver nenhuma paz estabelecida quando minha aceitação para com Deus e a
minha ida ao céu é feita dependente do meu agarrar-se a Cristo, ou da minha
obediência e fidelidade.

*Deveria ser adicionado, à guisa de explicação, que é o aspecto judicial que temos
tratado aqui. O perdão restaurador - que é o trazer de volta, novamente à comunhão,
um crente que pecou - tratado em 1João 1.9 - é outra questão totalmente distinta.
2. A PALAVRA DE SALVAÇÃO

Bendito seja Deus, o perdão que ele concede cobre todos os pecados - passados,
presentes e futuros. Amigo crente, Cristo não carregou os "seus" pecados em seu
próprio corpo no madeiro? E os seus pecados não eram todos futuros, quando ele
morreu? Certamente, pois naquele tempo você não tinha nascido, e não tinha cometido
nenhum pecado sequer. Muito bem então: Cristo verdadeiramente levou os seus pecados
"futuros" tanto quanto os seus pecados passados. O que a palavra de Deus ensina é
que a alma incrédula é tirada do lugar sem perdão para onde esse está ligado. Os
cristãos são um povo perdoado. Diz o Espírito Santo: "Bem-aventurado o homem a quem
o Senhor não imputa o pecado" (Rm 4.8). O crente está em Cristo, e ali o pecado
nunca nos será imputado novamente. Esse é o nosso lugar ou posição diante de Deus.
Em Cristo é onde ele nos contempla. E porque estou em Cristo, estou completa e
eternamente perdoado; tão perdoado que o pecado nunca será mais será posto sobre
mim como acusação no que toca à minha salvação, mesmo que eu permanecesse na terra
por mais cem anos. Eu estou fora do alcance para sempre. Ouça o testemunho da
escritura: "E, quando vós estáveis mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa
carne, (Deus) vos vivificou juntamente com ele (Cristo), perdoando-vos todas as
ofensas" (Cl 2.13). Observe as duas coisas que são aqui unidas (e o que Deus
ajuntou, não o separe o homem!) - minha união com um Cristo ressurreto é conectada
com o meu perdão! Se então minha vida está "oculta com Cristo em Deus" (Cl 3.3),
então eu estou fora para sempre do lugar onde a imputação do pecado é aplicada. Por
conseguinte, está escrito: "Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1) - como poderia existir, se "todas as ofensas" foram
perdoadas? Ninguém pode lançar nenhuma acusação contra os eleitos de Deus (Rm
8.33). Leitor cristão, junte-se ao escritor em louvor a Deus, pois nós somos
eternamente perdoados de tudo. *

"E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino. E disse-
lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso." A SEGUNDA
DECLARAÇÃO DE CRISTO na cruz foi feita em resposta ao pedido do ladrão à beira da
morte. Antes de considerarmos as palavras do Salvador ponderaremos primeiro sobre o
que as ocasionou. Lucas 23. 42,43

Não foi acidente algum o fato de o Senhor da glória ter sido crucificado entre dois
ladrões. Nada ocorre por acidente em um mundo que é governado por Deus. Muito menos
poderia ter havido qualquer acidente naquele dia dos dias, ou em conexão com aquele
evento dos eventos — um dia e um evento que estão situados no próprio centro da
história do mundo. Não, Deus estava presidindo sobre aquela cena. Desde a
eternidade toda ele havia decretado quando e onde e como e com quem seu Filho
deveria morrer. Nada foi deixado ao acaso ou ao capricho do homem. Tudo que Deus
tinha decretado veio a suceder exatamente como ele havia ordenado, e nada aconteceu
que não tivesse ele eternamente intentado. Tudo quanto o homem fez foi simplesmente
o que a mão e o conselho divinos "tinham anteriormente determinado" (At 4.28).
Quando Pilatos deu ordens para que o Senhor Jesus fosse crucificado entre os dois
malfeitores, estava pondo em execução o decreto eterno de Deus e cumprindo sua
palavra profética, coisas que lhe eram totalmente desconhecidas. Setecentos anos
antes que esse dignitário romano desse sua ordem, Deus tinha declarado mediante
Isaías que seu Filho deveria ser "contado com os transgressores" (Is 53.12). Quão
totalmente improvável parecia isso, que o Santo de Deus devesse ser contado com os
ímpios; que aquele mesmo cujo dedo havia inscrito nas tábuas de pedra da Lei do
Sinai devesse ter um lugar designado entre os sem lei; que o
Porque ele ordenou que seu Filho devesse ser crucificado entre dois criminosos?
Certamente que Deus tinha uma razão para tal; uma boa, uma múltipla razão, quer
possamos discerni-la ou não. Ele nunca procede arbitrariamente. Ele tem um bom
propósito para tudo o que faz, pois todas as suas obras estão ordenadas pela
sabedoria infinita. Nesse exemplo particular, várias respostas se insinuam à nossa
inquirição. Não foi nosso bendito Senhor crucificado com os dois ladrões para
demonstrar plenamente as insondáveis profundezas da vergonha em que havia descido?
Em seu nascimento ele estava rodeado pelas bestas do campo e, agora, em sua morte,
é contado com a escória da humanidade. Outra vez, não foi o Salvador contado com os
transgressores para nos mostrar a posição que ele ocupou como nosso substituto? Ele
havia ocupado o lugar que era nosso, e o que era senão o lugar de vergonha, o lugar
dos transgressores, o lugar dos criminosos condenados à morte!

Filho de Deus devesse ser executado com os criminosos — tal parecia completamente
inconcebível. Todavia, na realidade, foi o que veio a ocorrer. Nem uma só palavra
divina podese deixar escapar. "Para sempre, ó Senhor, a tua palavra permanece no
céu" (Sl 119.89). Assim como Deus havia ordenado, e assim como havia anunciado,
assim aconteceu.

Outra vez, não foi ele deliberadamente humilhado daquele modo por Pilatos para
mostrar a avaliação pelo homem daquele inigualável — "desprezado" tanto quanto
rejeitado! Outra vez, não foi ele crucificado com os dois ladrões, de modo que
naquelas três cruzes e nos que nelas estavam dependurados, pudéssemos ter a
representação vívida e concreta do drama da salvação e da resposta do homem a isso
— a redenção do Salvador; o pecador que se arrepende e crê; e o que insulta e
rejeita? Uma outra importante lição que podemos aprender da crucificação de Cristo
entre os dois ladrões, e o fato de que um o recebeu e o outro o rejeitou, é a da
soberania divina. Os dois malfeitores foram crucificados juntos. Estavam à mesma
proximidade de Cristo. Ambos viram e ouviram tudo o que se tornou conhecido durante
aquelas seis fatídicas horas. Ambos eram notoriamente perversos; ambos estavam
sofrendo agudamente; ambos estavam morrendo, e ambos necessitavam urgentemente de
perdão. Todavia, um morreu em seus pecados, morreu como tinha vivido — endurecido e
impenitente; ao passo que o outro se arrependeu de sua maldade, creu em Cristo,
recorreu a ele para obter misericórdia e entrou no Paraíso. Como explicar isso,
senão pela soberania de Deus!

Vemos precisamente que a mesma coisa continua hoje. Sob exatamente as mesmas
circunstâncias e condições, um é enternecido e outro permanece inalterado. Sob o
mesmo sermão, um homem ouvirá com indiferença, enquanto outro terá seus olhos
abertos para ver sua necessidade e sua vontade movida para perto da oferta da
misericórdia divina. Para um, o evangelho é revelado, para outro, "oculto". Por
quê? Tudo o que podemos dizer é: "Sim, ó Pai, porque assim te aprouve". E, contudo,
a soberania divina nunca quer dizer destruir a responsabilidade humana. Ambas são
claramente ensinadas na Bíblia, e é nosso dever crer e pregar as duas, quer
possamos harmonizá-las ou compreendê-las quer não. Ao pregarmos ambas pode parecer
a nossos ouvintes que nos contradizemos, mas que importa? Disse o falecido C. H.
Spurgeon, quando pregava em 1Timóteo 2.3,4: "Ali no texto se acha, e creio que é do
desejo de meu Pai, que ‘todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da
verdade’. Mas eu sei, também, que ele não o quer, de modo que salvará a qualquer um
daqueles, apenas se crerem em seu Filho; pois ele no-lo disse repetidas vezes. Ele
não salvará homem algum, a menos que esse abandone seus pecados, e se volte para
ele com pleno propósito de coração: isso eu também sei. E sei, ainda, que ele tem
um povo a quem salvará, a quem, por seu eterno amor, elegeu e a quem, por seu
eterno poder, ele libertará. Eu não sei como aquilo se ajusta com isso, que é mais
uma das coisas que não sei." E disse esse príncipe dos pregadores: "Eu permanecerei
exatamente no que sempre hei de pregar e sempre tenho pregado, e tomo a palavra de
Deus como está, possa eu reconciliá-la com uma outra parte da palavra divina ou
não."
Dizemos novamente, a soberania de Deus nunca significa destruir a responsabilidade
do homem. Devemos fazer uso diligente de todos os meios que ele designou para a
salvação das almas. Somos ordenados a pregar o evangelho a "toda criatura" . A
graça é livre: o convite é amplo o bastante para "quem crer" o aceitar. Cristo não
despede ninguém que venha a ele. Todavia, após havermos feito tudo, após havermos
plantado e aguado, é Deus quem dá o crescimento, e o faz de modo a melhor
satisfazer sua soberana vontade.

Na salvação do ladrão agonizante temos uma visão clara da graça vitoriosa, como não
encontrada em nenhum outro lugar na Bíblia. Deus é o Deus de toda graça, e a
salvação é inteiramente por meio dessa. "Pela graça sois salvos" (Ef 2.8), e é
"pela graça" do começo ao fim. A graça planejou a salvação, a graça proveu a
salvação, e a graça assim opera sobre e em seus eleitos para sobrepujar a dureza de
seus corações, a obstinação de suas vontades, e a inimizade de suas mentes, e assim
os torna propensos a receber a salvação. A graça inicia, a graça continua, e a
graça consuma a nossa salvação. A salvação pela graça — soberana, irresistível,
livre graça — é ilustrada no Novo Testamento tanto por exemplo quanto por preceito.
Talvez os dois casos mais contundentes de todos sejam os de Saulo de Tarso e do
Ladrão Agonizante. E esse último é até mais digno de nota que o primeiro. No caso
de Saulo, que posteriormente tornou-se Paulo, apóstolo dos gentios, havia um
caráter moral exemplar, para começo de conversa. Escrevendo anos depois sobre sua
condição antes da conversão, o apóstolo declarou que, no tocante à justiça da lei,
ele era "irrepreensível" (Fp 3.6). Ele era um "fariseu dos fariseus": meticuloso em
seus hábitos, correto em seu procedimento. Moralmente, seu caráter era imaculado.
Após a conversão, sua vida foi de justiça no padrão evangélico. Constrangido pelo
amor de Cristo, consumiu-se na pregação do Evangelho aos pecadores e no labor da
edificação dos santos. Sem dúvida, nossos leitores concordarão conosco quando
dizemos que provavelmente Paulo estivesse mais perto de atingir os ideais da vida
cristã, e que ele seguiu após seu Mestre mais perto do que qualquer outro santo
desde então.

Mas com o ladrão salvo foi, de longe, de outra forma. Ele não tinha vida moral
alguma antes de sua conversão e nenhuma de serviço ativo depois. Antes dela ele não
respeitava nem a lei de Deus nem a dos homens. Após sua conversão, ele morreu sem
ter oportunidade de se ocupar no serviço de Cristo. Enfatizarei isso, porque essas
são as duas coisas que são consideradas por tantos como fatores que contribuem para
nossa salvação. Supõe-se que devemos primeiro nos adequar, desenvolvendo um caráter
nobre diante de Deus, que nos receberá como seus filhos, e que depois dele haver
nos recebido, para sermos experimentados, somos meramente postos à prova, e que, a
menos que produzamos uma certa qualidade e quantidade de boas obras, "cairemos da
graça e ficaremos perdidos". Mas o ladrão agonizante não teve boa obra alguma, seja
antes ou depois da conversão. Em conseqüência, somos levados à conclusão que, se
ele foi salvo em absoluto, certamente o foi pela soberana graça. A salvação do
ladrão agonizante também arranja um outro apoio para que o legalismo da mente
carnal se interponha para roubar de Deus a glória devida à sua graça. Em vez de
atribuir a salvação dos pecadores perdidos à inigualável graça divina, muitos
cristãos professos procuram explicá-las pelas influências humanas,
instrumentalidades e circunstâncias. Seja o pregador, sejam circunstâncias
providenciais ou propícias, sejam as orações dos crentes, tudo isso é visto como a
causa principal. Que não sejamos mal entendidos aqui. É verdade que Deus com
freqüência se agrada de usar meios para a conversão dos pecadores; que amiúde
condescende em abençoar nossas orações e esforços para levar pecadores a Cristo;
que, muitas vezes, ele faz com que suas providências despertem e sacudam os ímpios
para a percepção de seus estados. Mas Deus não está preso a essas coisas. Ele não
está limitado às instrumentalidades humanas. Sua graça é toda poderosa e, quando
lhe agrada, ela é capaz de salvar apesar da falta daquelas, e a despeito das
circunstâncias desfavoráveis. Assim foi no caso do ladrão salvo. Considere: Sua
conversão ocorreu numa época quando, exteriormente, parecia que Cristo havia
perdido todo o poder para salvar, seja a si mesmo ou a outros. Esse ladrão havia
marchado ao lado do Salvador através das ruas de Jerusalém e o tinha visto sucumbir
sob o peso da cruz! É altamente provável que, como sua ocupação fosse a de ladrão e
assaltante, esse fosse o primeiro dia que em que ele punha seus olhos no Senhor
Jesus e, agora que o via, era sob toda a circunstância de fraqueza e desgraça. Seus
inimigos estavam triunfando sobre ele. A maior parte de seus amigos o havia
abandonado. A
opinião pública estava unanimemente contra ele. Sua própria crucificação foi
considerada como totalmente inconsistente com sua messianidade. Sua condição
humilde foi uma pedra de tropeço aos judeus desde mesmo o início, e as
circunstâncias de sua morte devem ter intensificado isso, especialmente a alguém
que nunca o havia visto senão em tal condição. Mesmo aqueles que tinham crido nele
foram levados à dúvida por causa de sua crucificação. Não havia ninguém na multidão
que estivesse ali com o dedo apontando para ele e gritando: "Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo!". E, todavia, não obstante tais obstáculos e
dificuldades no caminho de sua fé, o ladrão apreendeu a condição de Salvador e o
Senhorio de Cristo. Como podemos explicar tal fé e tal compreensão espiritual em
alguém em circunstâncias tais como a que se encontrava? Como podemos explicar o
fato de que esse ladrão agonizante tomou um homem em sofrimento, sangrando e
crucificado por seu Deus! Não pode ser explicado senão por intervenção divina e
operação sobrenatural. Sua fé em Cristo foi um milagre da graça!

É para ser notado ainda que a conversão do ladrão ocorreu antes dos fenômenos
sobrenaturais daquele dia. Ele exclamou: "Senhor, lembra-te de mim" antes das horas
de trevas, antes do brado triunfante, "Está consumado", antes do véu do templo se
rasgar, antes do tremor de terra e do despedaçar das rochas, antes da confissão do
centurião: "Na verdade, este era Filho de Deus". Deus intencionalmente colocou sua
conversão antes de tais coisas de modo que sua soberana graça pudesse ser
engrandecida e seu soberano poder reconhecido. Ele calculadamente escolheu salvar
esse ladrão sob as circunstâncias mais desfavoráveis para que nenhuma carne se
glorie em sua presença. Ele deliberadamente dispôs essa combinação de condições e
ambiente não propícios para nos ensinar que "a salvação é do Senhor"; para nos
ensinar a não engrandecer a instrumentalidade humana acima da ação divina; para nos
ensinar que toda conversão genuína é o produto direto da operação sobrenatural do
Espírito Santo. Consideraremos agora o ladrão em si mesmo, suas várias declarações,
seu pedido ao Salvador, e a resposta de nosso Senhor.

"E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E
disselhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas
23.42,43). Nunca chegaremos ao centro desse incidente até considerarmos a conversão
desse homem como um caso representativo, e o próprio ladrão como um caráter
representativo. Há aqueles que procuram mostrar que o caráter original do ladrão
penitente era mais nobre e digno do que o do outro que não se arrependeu. Mas isso
não somente não corresponde à verdade dos fatos nesse caso, como serve para apagar
a glória peculiar dessa conversão e remover dele a maravilha da graça divina. É de
grande importância reparar que, antes do tempo em que um se arrependeu e creu não
havia diferença essencial alguma entre os dois. Na natureza, na história, nas
circunstâncias eram um. O Espírito Santo foi cuidadoso em nos contar que ambos
insultaram o padecente Salvador: "E da mesma maneira também os príncipes dos
sacerdotes, com os escribas, e anciãos, e fariseus, escarnecendo, diziam: Salvou os
outros, e a si mesmo não pode salvar-se. Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz,
e crê-lo-emos. Confiou em Deus; livre-o agora, se o ama; porque disse: Sou Filho de
Deus. E o mesmo lhe lançaram também em rosto os salteadores que com ele estavam
crucificados" (Mateus 27.41-44). 1. Vemos aqui um pecador representativo.

Realmente terríveis eram a condição e a ação desse assaltante. À beira de adentrar


a eternidade ele se une aos inimigos de Cristo no terrível pecado de escarnecer
dele. Era de uma torpeza sem paralelo. Pense nisso — um homem na hora em que se
aproximava sua morte ridicularizando o Salvador padecente! Ó que demonstração de
depravação humana e de inimizade natural da mente carnal contra Deus. E, leitor,
por natureza há a mesma depravação herdada dentro de você, e a menos que um milagre
da divina graça seja operado dentro de você, existe a mesma inimizade contra Deus e
seu Cristo presente em seu coração. Você pode não pensar assim, pode não sentir
assim, pode não crer assim. Mas isso não altera o fato. A palavra dele que não pode
mentir declara: "Enganoso é o coração, acima de todas as coisas, e desesperadamente
perverso" (Jr 17.9). Essa é uma declaração de aplicação universal. Ela
descreve o que todo coração humano é por nascimento natural. E outra vez a mesma
escritura da verdade declara: "...porque a mentalidade da carne sujeição à lei de
Deus; de fato, Mundo). Isso, também, diagnostica há diferença. Porque todos pecaram
e significa inimizade com Deus, visto que não está em nem pode estar" (Romanos 8.7,
Tradução do Novo o estado de todo descendente de Adão. "Porque não destituídos
estão da glória de Deus" (Rm 3.22,23).

Inefavelmente solene é isso: todavia, necessita que nele se insista. Não é senão
quando percebemos nossa desesperadora condição que descobrimos a necessidade de um
Salvador divino. Não é senão quando somos levados a perceber nossa total corrupção
e fraqueza que nos apressamos ao grande médico. Não é senão quando encontramos
nesse ladrão agonizante um retrato de nós mesmos que o acompanharemos dizendo:
"Senhor, lembra-te de mim". Temos que ser humilhados antes de sermos exaltados.
Temos de ser despidos dos trapos imundos de nossa justiça própria antes que
estejamos prontos para os trajes de salvação. Temos de vir a Deus como mendigos, de
mãos vazias, antes que possamos receber o dom da vida eterna. Temos de tomar o
lugar de pecadores perdidos perante ele se quisermos ser salvos. Sim, temos que
reconhecer a nós mesmos como ladrões antes que possamos ter um lugar na família de
Deus. "Mas", dirá você, "eu não sou nenhum ladrão! Reconheço que não sou tudo que
devo ser. Não sou perfeito. Na verdade, vou ao ponto de admitir a mim mesmo como
pecador. Mas não posso consentir que esse ladrão represente meu estado e condição."
Ah, amigo, seu caso é, de longe, pior do que você supõe. Você é um ladrão, e ladrão
da pior espécie. Você rouba a Deus! Suponha que uma firma no Leste designasse um
agente para representá-la no Oeste, e que mensalmente lhe enviasse seu salário. Mas
suponha também que, no fim do ano, os empregadores descobrissem que, ainda que o
agente estivesse descontando os cheques a ele remetidos, ele tivesse servido uma
outra firma durante o tempo todo. Não seria aquele agente um ladrão? Todavia, tal é
precisamente a situação e o estado de cada pecador. Ele foi enviado a esse mundo
por Deus, que o dotou de talentos e da capacidade de usá-los e valorizá-los. Deus o
abençoa com saúde e vigor; supre cada necessidade sua, e fornece inúmeras
oportunidades para servi-lo e glorificá-lo. Mas com que resultado? As próprias
coisas que Deus lhe dá são mal empregadas. O pecador serve a um outro senhor,
precisamente Satanás. Ele dissipa seu vigor e desperdiça seu tempo nos prazeres
pecaminosos. Ele rouba a Deus. Leitor não salvo, na perspectiva do Céu, sua
condição é desesperadora e seu coração, mau como o daquele ladrão. Veja nele uma
figura de si mesmo. Contemplamos acima esse ladrão agonizante como um pecador
representativo, um espécime que é amostra do que todos os homens são por natureza e
prática — por natureza, em inimizade contra Deus e seu Cristo; por prática, ladrões
de Deus, utilizando mal o que ele nos deu e não conseguindo retribuir-lhe o que é
devido. Devemos ver agora que esse ladrão crucificado foi também um caso
representativo em sua conversão. E nesse ponto deter-nos-emos unicamente em sua
situação de desamparo. 2. Aqui nós vemos que o homem tem que ir ao fim de si
próprio antes que possa ser salvo.

Ver a nós mesmos como pecadores perdidos não basta. Aprender que somos corruptos e
depravados por natureza e transgressores pecaminosos pelas nossas práticas é a
primeira lição importante. A próxima é aprender que estamos totalmente arruinados,
e que não podemos fazer nada que seja para ajudar a nós mesmos. Descobrir que nossa
condição é tão desesperadora que está inteiramente além da possibilidade de
conserto humano, é o segundo passo rumo a salvação — olhando-a pelo lado humano.
Porém, se o homem é lento para aprender que é um pecador perdido e inapto para
estar na presença de um Deus santo, ele o é ainda mais para reconhecer que nada
pode fazer para sua salvação, e que é incapaz de operar qualquer melhoria em si
próprio para se adequar para Deus. Todavia, não é senão até que nos demos conta de
que estamos "fracos" (Rm 5.6), que somos "impotentes" (Jo 5.3), que não é pelas
obras de justiça que façamos, mas pela misericórdia divina que somos salvos (Tt
3.5), que não é senão até que nos desesperemos de nós mesmos, e olhemos para fora
de nós mesmos para um que pode nos salvar. O grande tipo escriturístico do pecado é
a lepra, e para a lepra o homem não pode inventar
cura alguma. Somente Deus pode lidar com essa pavorosa doença. Assim o é com o
pecado. Mas, como dissemos, o homem é lento para aprender essa lição. É como o
filho pródigo, o qual, quando dissipara sua fazenda na terra longínqua, vivendo
dissolutamente, e começou "a padecer necessidades", em vez de imediatamente
retornar ao seu pai, "foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra", e foi para
os campos a apascentar porcos; em outras palavras, ele foi ao trabalho .
Igualmente, o pecador que é despertado para a sua necessidade, em vez de ir
imediatamente a Cristo, tenta trabalhar por si mesmo para obter o favor divino. Mas
ele não conseguirá coisa melhor que o pródigo — as bolotas dos porcos serão sua
única porção. Ou então, como a mulher prostrada pela enfermidade por muitos anos.
Ela tentou muitos médicos antes de procurar o grande médico: assim o pecador
despertado procura alívio e paz primeiro numa coisa e depois em outra, até
completar o fatigante ciclo das ações religiosas, e terminar "sem nenhum resultado,
mas cada vez piorando mais" (Mc 5.26, Bíblia de Jerusalém). Não, não é senão quando
já tinha "gasto tudo o que possuía" que ela procurou Cristo; e não é senão quando o
pecador chega ao fim de seus próprios recursos que recorrerá ao Salvador. Antes que
qualquer pecador possa ser salvo, deve ele ir ao lugar da fraqueza reconhecida.
Isso é o que a conversão do ladrão agonizante nos mostra. O que ele podia fazer?
Não podia caminhar pelas sendas da justiça, pois havia um prego atravessando cada
um dos seus pés. Não podia executar nenhuma boa obra, pois havia um prego
atravessando cada uma das mãos. Não podia começar vida nova e viver melhor, pois
=ue estava morrendo. E, meu leitor, aquelas suas mãos que tão prontamente agem para
justiça própria, e aqueles seus pés que tão rapidamente correm no caminho da
obediência legal, devem ser pregados na cruz. O pecador teve de ser interrompido em
suas próprias obras e feito desejoso de ser salvo por Cristo. Uma percepção de sua
própria condição pecaminosa, de sua condição perdida, de sua condição de desamparo,
não é nada mais, nada menos, do que o velho ensino da convicção de pecado, e tal é
o único prérequisito para vir a Cristo para salvação, pois Cristo Jesus veio ao
mundo para salvar pecadores. O arrependimento pode ser considerado sob vários
aspectos. Ele inclui em seu significado e escopo uma mudança da mente acerca de, um
desgosto por e um abandono do pecado. Todavia, há mais do que isso. Realmente, o
arrependimento é a percepção de nossa condição perdida, é a descoberta de nossa
ruína, é o julgamento de nós mesmos, é a confissão de nossa situação perdida. Não é
tanto um processo intelectual, mas a consciência ativa na presença de Deus. E isso
é exatamente o que achamos aqui no caso do ladrão. Primeiro ele diz ao seu
companheiro: "Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação?" (Lucas
23.40). Pouco tempo antes sua voz estivera confundida com a daqueles que estavam
vilipendiando o Salvador. Mas o Espírito Santo estivera em ação sobre ele e, agora,
sua consciência fica ativa na presença de Deus. Não disse ele: "Tu nem ainda temes
o castigo", mas: "Tu nem ainda temes a Deus?" Ele compreende Deus como sendo juiz.
E então, em segundo lugar, ele acrescenta: "E nós, na verdade, com justiça, porque
recebemos o que os nossos feitos mereciam" (Lucas 23.41). Aqui vemo-lo reconhecendo
sua culpa e a justiça de sua condenação. Ele pronuncia sentença contra si mesmo.
Ele não se desculpa e não tenta atenuar nada. Ele reconheceu que era um
transgressor, e que, enquanto tal, ele merecia plenamente a punição por seus
pecados, sim, que a morte lhe era devida. Você teve essa posição diante de Deus,
meu leitor? Confessou abertamente a ele seus pecados? Já sentenciou a si mesmo e a
seus caminhos? Está pronto para reconhecer que a morte é o que você merece? Suavize
você o seu pecado ou prevarique acerca dele, estará impedindo a sua própria entrada
a Cristo. Ele veio ao mundo para salvar pecadores — pecadores confessos, pecadores
que realmente tomaram o lugar de pecadores diante de Deus, pecadores que estão
cônscios de que estão perdidos e arruinados. O "arrependimento para com Deus" do
ladrão foi acompanhado da "fé em nosso Senhor Jesus". Ao contemplar sua fé notamos
primeiro que ela foi uma fé de cabeça inteligente. Nos parágrafos iniciais do
presente capítulo chamamos a atenção para a soberania de Deus e sua graça
irresistível e vitoriosa que foram exibidas na conversão desse ladrão. Agora nos
voltaremos a um outro lado da verdade, igualmente necessário de nele se insistir,
um lado que não é contraditório com o que dissemos anteriormente, mas antes
complementar e suplementar. A Escritura não ensina que, se Deus elegeu uma certa
alma para ser salva, tal pessoa será salva independente dela vir a crer ou não.
Essa é uma conclusão falsa tirada por aqueles que rejeitam a verdade. Não, a
escritura ensina que o mesmo Deus que predestinou o fim também predestinou os
meios. O Deus que decretou a salvação do ladrão agonizante 3. Aqui vemos o sentido
do arrependimento e da fé
cumpriu seu decreto dando a ele fé com a qual crer. Isso é o claro ensinamento de 2
Tessalonicenses 2.13 (e de outras escrituras): "Deus vos escolheu desde o princípio
para a santificação do espírito e a fé na verdade".

É justamente isso que vemos aqui em conexão com esse ladrão. Ele teve "fé na
verdade". Sua fé se apossou da palavra de Deus. Sobre a cruz estava a inscrição:
"Este é Jesus, o Rei dos Judeus". Pilatos a havia colocado ali por mofa. Porém,
ainda assim era a verdade, e após ele têla escrito, Deus não permitiria a ele que a
alterasse. A tabuleta que portava essa inscrição havia sido carregada na frente de
Cristo pelas ruas de Jerusalém e no lugar da crucificação, e o ladrão a lera, e a
graça e o poder divinos tinham abertos os olhos de seu entendimento para ver que
ela era verdadeira. Sua fé apanhou o sentido do reinado de Cristo, daí mencionar
"quando entrares no teu reino". A fé repousa sempre na palavra escrita de Deus.
Antes que um homem creia que Jesus é o Cristo, deve ter o testemunho diante dele de
que ele é o Cristo. A distinção é freqüentemente feita entre a fé da cabeça e a fé
do coração, e isso com propriedade, pois a distinção é real, e vital. Algumas vezes
a fé da cabeça é desvalorizada, mas isso é tolice. Deve haver essa antes que possa
haver aquela. Temos de crer intelectualmente antes que possamos crer salvificamente
no Senhor Jesus. Prova disso é vista em conexão com os pagãos: eles não têm fé
alguma de cabeça e, por conseguinte, não têm fé nenhuma de coração. Prontamente
admitimos que a fé de cabeça não salvará a menos que seja acompanhada pela fé do
coração, mas insistimos que não há nada da segunda a menos que antes tenha havido a
primeira. Como podem crer naquele a respeito de quem não ouviram? Verdade, pode-se
crer acerca dele sem crer nele, mas não se pode crer nele sem primeiro crer acerca
dele. Assim o foi com o ladrão agonizante. Com toda probabilidade ele nunca vira
Cristo antes do dia da sua morte, mas vira a inscrição testificando o seu reinado e
o Espírito Santo usou isso como a base de sua fé. Dizemos então que essa foi uma fé
inteligente: primeiro, uma de tipo intelectual, o crer no testemunho escrito
apresentado a ele; segundo, uma fé de coração, o descansar confiadamente em Cristo
mesmo como o Salvador dos pecadores.

Sim, esse ladrão que agonizava exerceu uma fé de coração que descansou
salvificamente em Cristo. Tentaremos ser muito simples aqui. Um homem pode ter fé
de cabeça no Senhor Jesus e estar perdido. Um homem pode crer acerca do Cristo
histórico e não estar nada melhor por causa disso, tal como não o está por crer
acerca do Napoleão histórico. Leitor, você pode crer tudo acerca do Salvador — sua
vida perfeita, sua morte sacrifical, sua ressurreição vitoriosa, sua ascensão
gloriosa, seu retorno prometido — mas deve fazer mais do que isso. A fé evangélica
é uma fé confiante. A fé salvífica é mais que uma opinião correta ou uma linha de
raciocínio. A fé salvífica transcende a toda razão. Veja o ladrão agonizante! Era
razoável que Cristo o notasse? Um assaltante crucificado, um criminoso confesso,
alguém que há poucos minutos atrás o estivera insultando! Era razoável que o
Salvador devesse reparar de qualquer forma nele? Era razoável esperar que ele fosse
ser transportado da beira do inferno mesmo para o Paraíso? Ah, meu leitor, a cabeça
raciocina, mas o coração não. E a petição desse homem veio do coração. Ele não
tinha como usar suas mãos e pés (e não eram eles necessários à salvação: antes, a
impediam), mas tinha o uso de seu coração e língua. Esses estavam livres para crer
e confessar: "Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz
confissão para a salvação" (Rm 10.10).

Podemos reparar também que a sua fé era uma fé humilde. Ele orou com conveniente
modéstia. Não foi "Senhor, honra-me", nem "Senhor, exalta-me", mas Senhor, se tu
quiseres, pense em mim! Se tu somente contemplasses a mim — "Senhor, lembra-te de
mim". E, todavia, aquela palavra "lembra-te" era maravilhosamente perfeita e
apropriada. Ele poderia ter dito: Perdoa-me, Salva-me, Abençoa-me; mas "lembra-te"
incluía todas essas. Um interesse no coração de Cristo incluirá um interesse em
todos os seus benefícios! Além disso, tal palavra era bem adequada à condição de
quem a expressou. Ele foi um proscrito da sociedade — quem se lembraria dele! O
público não pensaria mais nada a respeito dele. Seus amigos ficariam contentes por
esquecer dele por haver desgraçado sua família. Mas há um a quem ele ousa confiar
essa petição — "Senhor, lembra-te de mim". Finalmente, podemos notar que a sua fé
era uma fé corajosa. Talvez não pareça à primeira vista, mas uma pequena
consideração tornará isso claro. Aquele que estava pendurado na cruz do centro era
um de quem todos viravam a cara para não olhar e para quem toda a vil zombaria de
uma turba vulgar era direcionada. Toda facção daquele povo se juntou para
escarnecer do Salvador. Mateus nos diz que "os que passavam blasfemavam dele" e que
"da mesma maneira
também os príncipes dos sacerdotes, com os escribas, e anciãos". Enquanto Lucas nos
informa que "também os soldados o escarneciam" (23.36). Portanto, é fácil entender
por que os ladrões também se juntaram ao alarido de sarcasmos. Não há dúvidas de
que os sacerdotes e escribas sorrissem benignamente sobre eles enquanto assim
agiam. Mas, subitamente, houve uma mudança. O ladrão penitente, em vez de continuar
a troçar e ridicularizar Cristo, voltase para o seu companheiro e abertamente o
censura, nos ouvidos dos espectadores ajuntados em redor das cruzes, clamando:
"este nenhum mal fez". Desse modo, ele condenou toda a nação judaica! Mais ainda;
não somente testemunhou da inocência de Cristo, mas também confessou o reinado
dele. E assim, de um só golpe, ele se retira do favor de seu companheiro e da
multidão também! Falamos hoje da coragem necessária para abertamente testemunhar de
Cristo, mas tal coragem nesses dias se desbota em expressa insignificância perante
àquela mostrada naquele dia pelo ladrão agonizante. É perfeitamente maravilhoso o
progresso feito por esse homem naquelas poucas horas de agonia. Seu crescimento na
graça e no conhecimento de seu Senhor foi espetacular. Do breve registro das
palavras que saíram de seus lábios podemos descobrir sete coisas as quais ele havia
aprendido sob a instrução do Espírito Santo. 4.Vemos aqui um maravilhoso caso de
iluminação espiritual.

Primeiro, ele expressa sua crença em uma vida futura onde a retribuição seria dada
por um Deus justo e que vinga o pecado. Prova-o a frase "Tu nem ainda temes a
Deus". Ele passa uma severa reprimenda em seu companheiro, como quem diz, Como ousa
você ter a temeridade de insultar a esse homem inocente? Lembre-se de que
brevemente você terá de aparecer diante de Deus e encarar um tribunal infinitamente
mais solene do que aquele que o sentenciou para ser crucificado. Deus é para ser
temido, portanto, fique quieto. Segundo, como tenho visto, ele viu sua própria
pecaminosidade — "Tu... [não estás] na mesma condenação? E nós, na verdade, com
justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam" (Lc 23.40,41). Ele
reconheceu que era um transgressor. Ele viu que o pecado merecia punição, que a
"condenação" era justa. Ele admitiu que a morte era o que ele merecia. Isso foi
algo que seu companheiro não confessou nem reconheceu.

Terceiro, ele testemunhou da impecabilidade de Cristo — "este nenhum mal fez" (Lc
23.41). E aqui podemos observar que Deus se deu ao trabalho de preservar o caráter
imaculado de seu Filho. Isso é especialmente visto perto do fim. Judas foi levado a
dizer, "[Traí] o sangue inocente". Pilatos testificou, "nenhum crime acho nele". A
esposa desse disse: "Não entres na questão desse justo". E agora que ele pendia na
cruz, Deus abre os olhos desse assaltante para ver a perfeição de seu Filho amado,
e abre seus lábios para que ele testemunhe de sua excelência. Quarto, ele não
apenas testemunhou da humanidade impecável de Cristo, mas também confessou sua
Divindade — "Senhor, lembra-te de mim", disse. Maravilhosa palavra, essa. O
Salvador pregado ao madeiro, o objeto da aversão dos judeus e alvo de zombaria do
populacho ordinário. Esse ladrão ouvira o insolente desafio dos sacerdotes: "Se és
Filho de Deus, desce da cruz", e resposta alguma fora dada. Mas, movido por fé e
não por vista, reconhece e confessa a deidade do sofredor que estava ao centro.

Quinto, ele creu na condição de salvador do Senhor Jesus. Tinha ouvido a oração de
Cristo por seus inimigos, "Pai, perdoa-lhes..." e àquele cujo coração o Senhor
tinha aberto, essa curta frase tornou-se um sermão de salvação. Seu próprio clamor,
"Senhor, lembra-te de mim", trazia dentro de si seu escopo, "Senhor, salva-me", o
que, por conseguinte, faz supor sua fé no Senhor Jesus como Salvador. Na verdade,
ele deve ter crido que Jesus era um Salvador para o principal dos pecadores ou
então, como poderia ter crido que Cristo lembrar-se-ia de alguém tal como ele!

Sexto, ele demonstrou sua fé no reinado de Cristo — "quando entrares no teu reino".
Isso também foi uma palavra maravilhosa. As circunstâncias externas todas pareciam
desmentir seu reinado. Em vez de estar sentado num trono, ele estava pendurado numa
cruz. Em vez de estar usando um diadema real, sua fronte estava rodeada de
espinhos. Em vez de estar acompanhado por um séqüito de servos, ele estava contado
com os transgressores. Entretanto, ele era rei — Rei dos Judeus (Mt 2.2).
Finalmente, ele ansiou pela segunda vinda de Cristo — "quando entrares". Ele olhou
para longe do presente e para o futuro. Ele viu além dos "sofrimentos", a "glória".
Sobre a cruz o olho da fé detectou a coroa. E nisso ele se antecipou aos apóstolos,
pois a incredulidade fechara os olhos deles. Sim, ele olhou para além do primeiro
advento em vergonha para o segundo, em poder e majestade. E como podemos explicar a
inteligência espiritual desse ladrão agonizante? Onde ele recebeu tal insight das
coisas de Cristo? Como foi que esse bebê em Cristo fez tão estupendo progresso na
escola de Deus? Somente pode ser explicado pela influência divina. O Espírito Santo
foi seu professor! A carne e o sangue não lhe haviam revelado tais coisas mas o Pai
no céu. Que ilustração de que as coisas divinas estão escondidas "dos sábios e
entendidos" e reveladas aos "pequeninos"! 5.Aqui vemos a condição de Cristo como
Salvador.

As cruzes estavam separadas por apenas uns poucos decímetros e não demorou a que o
Salvador ouvisse o clamor do ladrão penitente. Qual foi sua resposta a isso? Ele
poderia ter dito, Você merece esse destino: é um assaltante malvado e é digno de
morte. Ou, poderia ter replicado, Você deixou isso tarde mais; você deveria ter me
procurado antes. Ah! mas não prometera ele que "o que vem a mim de maneira nenhuma
o lançarei fora"? Isso ele provou aqui.

A salvação do ladrão agonizante demonstra que o Senhor tem o desejo e é apto para
salvar todos os que vêm até ele. Se Cristo recebeu esse ladrão penitente e crente,
então ninguém precisa se desesperar de não ser bem recebido se tão-somente vier a
ele. Se esse assaltante em agonia não estava além do alcance da misericórdia
divina, então ninguém que solicite a graça divina ficará sem resposta. O Filho do
Homem veio "buscar e salvar o que se havia perdido" (Lc 19.10), e ninguém pode
estar numa condição pior do que essa. O evangelho de Cristo é o poder de Deus "para
todo aquele que crê" (Rm 1.16). Ó, não limite a graça divina! Um Salvador é
fornecido até para o "principal" dos pecadores (1Tm 1.15), se tão-somente ele crer.
Mesmo aqueles que chegam à hora da morte ainda em seus pecados não ficam sem
esperança.

A salvação do ladrão penitente e crente ilustra não somente a prontidão de Cristo,


mas também seu poder para salvar pecadores. O Senhor Jesus não é um Salvador débil.
Bendito seja Deus que é capaz de "salvar perfeitamente" aqueles que vem a ele
através daquele. E nunca isso foi tão destacadamente mostrado como na cruz. Essa
foi a hora da "fraqueza" do Redentor (2Co 13.4). Quando o ladrão clamou, "Senhor,
lembrate de mim", o Salvador estava em agonia no madeiro maldito. Todavia, mesmo
então, mesmo ali, ele teve poder para redimir essa alma da morte e lhe abrir os
portais do Paraíso! Nunca duvide, portanto, ou questione a suficiência infinita do
Salvador. Se um Salvador agonizante pôde salvar, muito mais depois que ressurgiu em
triunfo da sepultura, para nunca mais morrer! Ao salvar esse ladrão, Cristo deu uma
mostra de seu poder na hora mesma em que esse estava quase obscurecido.

Aos vitupérios que foram lançados sobre ele pela multidão, o Senhor Jesus não
prestou atenção. Ao desafio insolente dos sacerdotes para que descesse da cruz, ele
não deu resposta alguma. Mas à oração desse ladrão contrito e confiante atentou.
Nessa hora ele estava em luta contra os poderes das trevas e suportando a terrível
carga da culpa de seu povo, e deveríamos ter pensado que ele poderia se escusar a
atender a petições individuais. Ah! mas um pecador nunca virá a Cristo em tempo não
aceitável. Ele sem demora lhe dá uma resposta de paz.

Pessoalmente creio que muito, muito poucos sejam salvos num leito de morte, e são
as raias da loucura qualquer homem postergar sua salvação até lá, pois não há
garantia nenhuma de que terá ele um leito de morte. Muitos são cortados
subitamente, sem qualquer oportunidade de deitar e morrer. Todavia, mesmo alguém
naquele lugar não está além do alcance da misericórdia divina. Como disse um
puritano, "há um caso tal registrado para que ninguém precise se desesperar, mas
apenas um, na escritura, para que ninguém possa abusar". Sim, aqui vemos a condição
de Cristo como Salvador. Ele veio a este mundo para salvar pecadores, e o deixou e
foi ao Paraíso acompanhado por um criminoso salvo — o primeiro troféu de seu sangue
redentor!
Em seu esplêndido livro, The Seven Sayings of Christ on the Cross, Dr. Anderson-
Berry assinala que a palavra "Hoje" não está corretamente colocada na tradução de
nossas versões tradicionais, e que a designada correspondência entre o pedido do
ladrão e a resposta de Cristo requer uma construção diferente no último. A forma da
réplica de Cristo tem o evidente desígnio de fazer a correspondência em sua ordem
de pensamento à petição do assaltante. Tal será visto se dispormos as duas em
quadros paralelos, como segue: E disse a Jesus E disse-lhe Jesus Senhor Em verdade
te digo Lembra-te de mim Estarás comigo Quando entrares Hoje No teu reino No
Paraíso.

6. Aqui vemos o destino dos salvos na morte.

Ao ordenarmos assim as palavras, descobrimos a ênfase correta. "Hoje" é a palavra


enfática. Na graciosa resposta de nosso Senhor ao pedido do ladrão temos uma
ilustração contundente de como a graça divina excede as expectativas humanas. O
ladrão rogou para que o Senhor se lembrasse dele em seu reino vindouro, mas Cristo
lhe assegura que antes que aquele dia mesmo tivesse passado ele estaria com o
Salvador. O ladrão pede para ser lembrado em um reino terreno, mas Cristo assegura
a ele um lugar no Paraíso. O ladrão simplesmente pede para ser lembrado, mas o
Salvador declarou que deveria estar com ele. Assim Deus faz abundantemente além
daquilo que pedimos ou pensamos. Não somente a resposta de Cristo significa a
sobrevivência da alma após a morte do corpo, mas nos diz que o crente está com ele
durante o intervalo que faz a divisão entre a morte e a ressurreição. Para tornar
isso mais enfático, Cristo precedeu sua promessa com as solenes mas seguras
palavras "Em verdade te digo". Foi essa perspectiva de ir para Cristo depois da
morte que animou o mártir Estevão em sua última hora e, em conseqüência, ele de
fato bradou, "Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7.59). Foi essa bendita
expectativa que levou o apóstolo Paulo a dizer, tenho o "desejo de partir, e estar
com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" (Fp 1.23). Não em um estado de
ausência de consciência no túmulo, mas com Cristo no Paraíso é o que aguarda todo
crente após a morte. Digo, todo "crente", pois as almas dos incrédulos, ao invés de
irem para lá, vão para o lugar de tormentos, como está claro no ensino de nosso
Senhor em Lucas 16. Leitor, para onde irá a sua alma, se estiver morrendo nesse
momento?

Quão arduamente Satanás luta para ocultar essa abençoada esperança dos santos de
Deus! Por um lado ele propaga o infeliz dogma do sono da alma, o ensino de que os
crentes ficam em um estado de inconsciência entre a morte e a ressurreição; e, por
outro, ele inventa um horrível purgatório, para aterrorizá-los com o pensamento de
que, ao morrerem, passam pelo fogo, necessário para purificá-los e adequá-los para
o céu. Quão inteiramente a palavra de Cristo ao ladrão liquida essas ilusões que
desonram a Deus! O ladrão foi da cruz direto para o Paraíso! O momento em que um
pecador crê, é o momento em que ele é tornado idôneo "para participar da herança
dos santos na luz" (Cl 1.12). "Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os
que são santificados" (Hb 10.14). Nossa aptidão para a presença de Cristo, tanto
quanto nosso título, repousa unicamente em seu sangue derramado. Na comunhão
alcançamos o clímax da graça e a essência do privilégio cristão. Mais alto que essa
comunhão não podemos chegar. Deus nos chamou "para a comunhão de seu Filho" (1Co
1.9). Freqüentemente se nos diz que somos "salvos para servir", e isso é verdade,
mas é somente parte dessa, e de modo nenhum a mais maravilhosa e abençoada. Somos
salvos para a comunhão. Deus tinha inumeráveis "servos" antes que Cristo viesse
aqui para morrer — os anjos sempre cumpriram suas ordens. Ele veio primeiramente,
não para se assegurar de servos, mas daqueles que deveriam entrar em comunhão com
ele. 7. Aqui vemos o anelo do Salvador por comunhão.
O que torna o céu superlativamente atraente ao coração do santo não é o fato de ser
um lugar onde seremos libertos de toda tristeza e sofrimento, de ser onde
encontraremos outra vez aqueles que amamos no Senhor, nem por suas ruas de ouro,
portas de pérolas e muros de jaspe — não, benditas coisas são essas, mas o céu sem
Cristo não seria céu. É Cristo que o coração do crente anseia e almeja — "Quem
tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti" (Sl
73.25). E a mais surpreendente coisa é que o céu não será céu para Cristo no
sentido mais elevado até que seus remidos estejam reunidos em torno dele. É por
seus santos que seu coração deseja ardentemente. Vir outra vez e "receber-nos para
si mesmo" é a jubilosa expectativa posta perante ele. Não até que veja o trabalho
de sua alma e fique totalmente satisfeito. Esses são os pensamentos sugeridos e
confirmados pelas palavras do Senhor Jesus ao ladrão agonizante. "Senhor, lembra-te
de mim" fora seu clamor. E qual foi a resposta? Repare cuidadosamente nela.
Houvesse Cristo simplesmente dito, "Em verdade te digo que hoje estarás no
Paraíso", isso teria cessado os temores do ladrão. Sim, mas isso não satisfez ao
Salvador. Aquilo sobre o qual seu coração estava firmado era o fato de que naquele
mesmo dia uma alma salva por seu precioso sangue deveria estar com ele no Paraíso!
Dizemos outra vez, esse é o clímax da graça e a essência da bênção cristã. Disse o
apóstolo que tinha o "desejo de partir, e estar com Cristo" (Fp 1.23). E novamente
ele escreveu: "Ausentes deste corpo" — livres de toda dor e cuidado? Não. "Ausentes
do corpo" — trasladados à glória? Não. "Ausentes deste corpo... presentes com o
Senhor" (2Co 5.8, ARA). Assim também com Cristo. Disse ele: "Na casa de meu Pai há
muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos lugar";
todavia, ao acrescentar "virei outra vez", não diz "E conduzir-vos-ei à casa do
Pai", ou "levarvos-ei ao lugar que tenho preparado a vós", mas "virei outra vez, e
vos tomarei para mim mesmo" (Jo 14.2,3). Estar "para sempre com o Senhor" (1Ts
4.17) é a meta de todas as nossas esperanças; ter-nos para sempre consigo é o que
ele anseia com ardente e alegre expectativa. Estarás comigo no Paraíso! 3. A
PALAVRA DE AFEIÇÃO

E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas, e
Maria Madalena. Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava
estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. "E JUNTO à cruz de
Jesus estava sua mãe" (Jo 19.25). Como seu Filho, Maria estava familiarizada com o
sofrimento. Desde o princípio somos informados: "E, entrando o anjo onde ela
estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as
mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se muito com aquelas palavras e considerava que
saudação seria esta" (Lc 1.28,29). Isso foi apenas o prenúncio de muitas
perturbações: Gabriel tinha vindo lhe anunciar o fato da concepção milagrosa, e um
momento de reflexão nos mostrará que não foi coisa fácil para Maria o se tornar a
mãe do nosso Senhor dessa forma misteriosa e sem precedentes. Sem dúvida, isso
trouxe, mais tarde, grande honra, mas também não pouco perigo no presente para a
reputação de Maria, e não pouca prova para a sua fé. É belo observar sua quieta
submissão à vontade divina: "Disse, então, Maria: Eis aqui a serva do Senhor;
cumpra-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1.38), foi a sua resposta. Isso foi
resignação amorosa. Todavia, ela ficou "perturbada" com a Anunciação e, como
dissemos, foi apenas o precursor das muitas provas e aflições. João 19. 25,26

Que aflição deve ter lhe causado quando, por não haver nenhum quarto na pousada,
ela teve que deitar o seu bebê recém-nascido numa manjedoura! Que angústia deve ter
sido a sua quando soube do intento de Herodes de matar a vida do seu infante! Que
transtorno lhe deu ser forçada, por conta dele, a fugir para um país estrangeiro e
residir por vários anos na terra do Egito! Que golpes penetrantes na sua alma devem
ter sido ao ver seu Filho desprezado e rejeitado pelos homens! Que aperto no
coração causava a tristeza de contemplá-lo como odiado e perseguido pela sua
própria nação! E quem pode estimar o que ela experimentou enquanto permanecia ali
ao pé da cruz? Se Cristo foi o homem de dores, não foi ela a mulher de dores? "E
junto à cruz de Jesus estava sua mãe" Jo 19.25
Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os
meus olhos viram a tua salvação, a qual tu preparaste perante a face de todos os
povos, luz para alumiar as nações e para glória de teu povo Israel" (Lucas 2.29-
32), ele se voltou para Maria e disse:

De acordo com as exigências da lei de Moisés, os pais do menino Jesus trouxeram-no


ao templo para apresentá-lo ao Senhor. Então, aconteceu que o velho Simeão, que
esperava pela Consolação de Israel, o tomou em seus braços e bendisse a Deus.
Depois de dizer:

1. Aqui vemos o cumprimento da profecia de Simeão.

"Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel e para sinal que é
contraditado (e uma espada traspassará também a tua própria alma), para que se
manifestem os pensamentos de muitos corações" (Lucas 2.34, 35). Que estranha
palavra, essa! Poderia ser que dela, o maior de todos os privilégios fosse trazer a
maior de todas as tristezas? Parecia a coisa mais improvável quando Simeão falou.
Todavia, quão verdadeira e tragicamente veio a acontecer! Aqui na cruz essa
profecia de Simeão foi cumprida.

"E junto à cruz de Jesus estava sua mãe" (Jo 19.25). Após os dias de sua infância e
adolescência, e durante todo o ministério público de Cristo, vemos e ouvimos muito
pouco de Maria. Sua vida foi vivida na obscuridade, entre as sombras. Mas agora,
quando a hora suprema lhe golpeava com a agonia do seu Filho, quando o mundo
rejeitava o filho do seu ventre, ela permaneceu ali, junto à cruz! Quem pode
retratar adequadamente tal figura? Maria estava mais perto do madeiro cruel!
Despojada de fé e esperança, frustrada e paralisada pela estranha cena, todavia,
ligada com a corrente dourada de amor àquele que estava agonizando, ali ela
permanece! Experimente e leia os pensamentos e as emoções do coração daquela mãe.
Ó, que espada foi aquela que perfurou a sua alma então! Felicidade tal como nunca
em um nascimento humano, tristeza tal como nunca em uma morte desumana. Aqui vemos
demonstrado o coração de mãe. Ela é a mãe daquele homem moribundo. Aquele que
agonizava ali sobre a cruz era o seu filho. Ela foi a primeira a beijar aquela
testa agora coroada de espinhos. Ela foi a primeira a guiar aquelas mãos e pés nos
seus movimentos quando bebê. Nenhuma mãe jamais sofreu como ela. Seus discípulos
podem desertá-lo, seus amigos podem esquecê-lo, sua nação pode desprezá-lo, mas sua
mãe permanece ali ao pé da sua cruz. Oh, quem pode sondar ou analisar o coração da
Mãe?

Quem pode mensurar aquelas horas de tristeza e sofrimento à medida que a espada
atravessava lentamente a alma de Maria? Não houve nenhum pranto histérico ou
efusivo. Não houve nenhuma demonstração de fraqueza feminina; nenhum clamor
violento vindo de uma angústia incontrolável; nenhum desmaio. Palavra alguma de
seus lábios ficou registrada por nenhum dos quatro evangelistas: ela aparentemente
sofreu em vigoroso silêncio. Todavia, sua tristeza não foi menos real e aguda.
Águas silenciosas penetram fundo. Ela viu aquela testa perfurada com espinhos
cruéis, mas não pôde alisá-la com seu terno toque. Ela viu suas mãos perfuradas e
seus pés ficarem dormentes e pálidos, mas ela não podia esfregá-los. Ela notou sua
necessidade de água, mas não lhe foi permitido saciar sua sede. Ela sofreu em
profunda desolação de espírito. "E junto à cruz de Jesus estava sua mãe" (Jo
19.25). A multidão estava zombando; os ladrões, insultando; os sacerdotes,
escarnecendo; os soldados, endurecidos e indiferentes; o Salvador, sangrando e
morrendo - e ali está sua mãe contemplando a horrível zombaria. Quem ficaria
maravilhado se ela desmaiasse diante de uma tal visão! Quem ficaria maravilhado se
ela se afastasse de um tal espetáculo! Quem ficaria maravilhado se ela fugisse de
uma tal cena! Mas não! Ali estava ela: não se encolhe, não desmaia, e nem mesmo
desaba ao chão em sua dor - ela permaneceu de pé. Sua ação e atitude são
singulares. Em todos os anais da história da nossa raça não há nenhum paralelo. Que
coragem transcendente! Ela permaneceu junto à cruz de Jesus - que vigor
maravilhoso! Ela reprimiu sua dor, e permaneceu ali quieta. Não foi a reverência
pelo Senhor que a guardou de perturbá-lo em seus últimos momentos?
"Ora, Jesus, vendo ali sua mãe e que o discípulo a quem ele amava estava presente,
disse à sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua
mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa" Jo 19.26, 27 2. Aqui
vemos o homem perfeito colocando um exemplo para os filhos honrarem os seus pais.

As palavras que o dedo divino gravou nas duas tábuas de pedra, e que foram dadas a
Moisés no Monte Sinai, nunca foram anuladas. Elas ainda estão em vigor enquanto a
terra perdurar. Cada uma delas está incorporada no ensino didático do Novo
Testamento. As palavras de Êxodo 20.2 são reiteradas em Efésios 6.1-3: "Vós,
filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. Honra a teu
pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para que te vá bem, e
vivas muito tempo sobre a terra".

O Senhor Jesus evidenciou sua perfeição na maneira com que cumpriu plenamente as
obrigações de toda relação que ele manteve, quer para com Deus, quer para com os
homens. Na cruz nós contemplamos seu terno cuidado e solicitude para com sua mãe, e
nisto temos o padrão de Jesus Cristo apresentado a todos os filhos para que eles o
imitem, ensinando-lhes como se portarem para com os seus pais de acordo com as leis
da natureza e da graça.

O fato de que o último Adão não veio a este mundo como o primeiro Adão - em plena
posse das glórias distintivas da humanidade: totalmente desenvolvido em corpo e
mente - mas como um bebê, tendo que passar por todo o período da infância, é um
fato de tremenda importância e valor pela luz que ele lança sobre o quinto
mandamento. Durante seus primeiros anos, o menino Jesus estava sob o controle de
Maria, sua mãe, e de José, seu pai legal. Isso é belamente demonstrado no segundo
capítulo de Lucas.

O mandamento para os filhos honrarem os seus pais vai muito além de uma mera
obediência a essa vontade expressa, embora, certamente, inclua essa. Ele envolve
amor e afeição, gratidão e respeito. Com freqüência se pensa que esse quinto
mandamento é dirigido aos jovens somente. Nada pode estar mais longe da verdade.
Inquestionavelmente ele se dirige a eles em primeiro lugar, pois na ordem da
natureza os filhos são sempre primeiramente jovens. Mas concluir que tal mandamento
perca força quando a infância é deixada para trás é não entender pelo menos metade
do seu significado profundo. Como sugerido, a palavra "honra" vai além de
obediência, embora essa seja seu sentido principal. No curso do tempo os filhos
crescem até alcançar a virilidade, que é a idade de plena responsabilidade pessoal,
a idade quando eles não mais estão debaixo do controle dos seus pais, todavia, as
suas obrigações não cessaram. Eles devem aos seus pais um débito que eles nunca
podem se desobrigar plenamente. O mínimo dos mínimos que podem fazer é manter os
seus pais em alta estima, colocá-los no lugar de superioridade e reverenciá-los. No
Exemplo perfeito encontramos tanto obediência como estima manifestadas.

Quando chegou aos doze anos, Jesus foi levado por eles até Jerusalém para a festa
da Páscoa. O retrato apresentado é profundamente sugestivo se a devida atenção lhe
for dada. No final da festa, José e Maria partem para Nazaré, acompanhados pelos
seus amigos e supondo que Jesus estivesse com eles. Mas, pelo contrário, ele tinha
permanecido na cidade real. Após um dia de jornada sua ausência foi descoberta.
Imediatamente eles voltaram para Jerusalém, e ali o encontraram no templo. Sua mãe
o interroga assim: "Quando os pais viram o menino, também ficaram admirados. E a
sua mãe lhe disse: —Meu filho, por que foi que você fez isso conosco? O seu pai e
eu estávamos muito aflitos procurando você" (Lc 2.48, ARA). O fato de que ela o
buscara "aflita" implica fortemente que ele quase nunca havia estado fora da esfera
imediata da influência dela. Não encontrá-lo por perto foi para ela uma nova e
estranha experiência, e o fato de que ela, assistida por José, o buscou "aflita"
revela a bela relação existente entre eles no lar em Nazaré! A resposta que Jesus
deu à sua pergunta, quando corretamente entendida, também revela a honra que tinha
por sua mãe. Estamos bem de acordo com o Dr. Campbell Morgan de que Cristo não a
repreendeu aqui. Em grande medida, trata-se de uma questão de achar a ênfase
correta: "Não sabeis?". Como o expositor anteriormente mencionado bem o diz: "É
como se ele tivesse dito: ‘Mãe, certamente você me conhece bem o suficiente para
saber que nada pode me deter, senão os negócios do Pai". A seqüência é igualmente
bela, pois lemos "E desceu com eles, e foi para Nazaré, e era-lhes sujeito" (Lc
2.51). E assim, por todo o tempo o Cristo de Deus deu o exemplo para os filhos
obedecerem aos seus pais.
Mas há mais. Aconteceu com Cristo o mesmo que nos sucede: os anos de obediência à
Maria e José terminaram, mas não os anos de "honra". Nas últimas e terríveis horas
de sua vida humana, no meio dos sofrimentos infinitos da cruz, o Senhor Jesus
pensou naquela que o amava e a quem ele amava; ele pensou na sua necessidade
presente e proveu para a sua necessidade futura encomendando-a aos cuidados daquele
discípulo que mais profundamente entendeu o seu amor. Seu pensamento em Maria
naquela hora e a honra que ele lhe deu foi uma das manifestações de sua vitória
sobre a dor. Talvez se requeira uma palavra com relação à forma com que nosso
Senhor se dirige à sua mãe - "Mulher". Até onde os registros dos quatro evangelhos
vão, nunca ele a chamou de sua "Mãe". Para nós que vivemos hoje, a razão para isso
não é difícil de ser discernida. Olhando para os séculos vindouros com previsão
onisciente, e vendo o horrível sistema de Mariolatria tão logo sendo erigido, ele
se refreou de usar uma palavra que de alguma forma sustentasse essa idolatria - a
idolatria de prestar à Maria a veneração que só a seu Filho é devida; a idolatria
de adorá-la como sendo "A Mãe de Deus".

Por duas vezes nos registros dos evangelhos, encontramos sim nosso Senhor se
dirigindo a Maria como "Mulher", e é mais digno de nota que ambas se encontram no
de João, o qual, como bem sabido, apresenta a deidade de nosso Salvador. Os
sinóticos o expõe em suas relações humanas; tal não se dá com o quarto evangelho. O
de João apresenta Cristo como o Filho de Deus, e como tal, acima de todas as
relações humanas, e daí a perfeita consonância de mostrar o Senhor Jesus aqui se
dirigindo a Maria como "Mulher".

O ato de nosso Senhor na cruz, encomendando-a aos cuidados de seu amado apóstolo, é
mais bem entendido à luz da viuvez de sua mãe. Ainda que os evangelhos não
registrem especificamente a sua morte, há poucas dúvidas de que José morrera antes
do tempo em que o Senhor Jesus começou seu ministério público. Nada é informado
sobre o marido dela após o incidente relatado em Lucas 2, quando Jesus era um
menino de doze anos. Em João 2 Maria é vista nas bodas de Caná, mas não se fala
nada sobre se José estava presente. Foi em vista da viuvez de Maria, portanto, e
também do fato de que o tempo agora chegara, quando não mais seria um conforto para
ela com sua presença corporal, que seu amoroso cuidado é manifestado.

Permita-me apenas uma breve palavra de exortação. Provavelmente tais linhas poderão
ser lidas por várias pessoas adultas que ainda têm pais e mães vivos. Como você
está tratando deles? Está verdadeiramente "honrando-os"? Esse exemplo de Cristo na
cruz não o deixa envergonhado? Pode ser que você seja jovem e vigoroso, e seus
pais, de cabelos grisalhos e doentes; mas diz o Espírito Santo: "não desprezes a
tua mãe, quando vier a envelhecer" (Pv 23.22). Pode ser que você seja rico, e eles,
pobres; então não deixe de prover por eles. Pode ser que eles vivam em um estado ou
uma terra distante, então não seja negligente, deixando de escrever-lhes palavras
de apreço e alegria que darão brilho ao término de seus dias. São obrigações
sagradas: "Honra a teu pai e a tua mãe". Com exceção, naturalmente, do sofrimento
de Cristo na mão de Deus, talvez a escória mais amarga de todas no copo em que ele
bebeu fosse o seu abandono por parte dos apóstolos. Foi ruim o bastante e triste o
bastante o fato de seu próprio povo, os judeus, desprezarem e rejeitarem-no; porém,
de longe pior foi os Onze, que o haviam acompanhado por tanto tempo, desertarem de
seu Senhor na hora da crise. Alguém pensaria que sua fé e seu amor fossem iguais
mesmo nos sobressaltos. Mas não foram. "Todos... deixando-o, fugiram" (Mt 26.56), é
o que traz a narrativa sacra. Indizivelmente trágico isso. Seu fracasso em "vigiar"
com ele por uma hora no Jardim bem que quase paralisa nossas mentes, mas o afastar-
se dele na hora de sua prisão quase desconcerta a nossa compreensão. Quase, dizemo-
lo, pois se não tivermos aprendido por amarga experiência o engano que há em nossos
corações, quão débil é a nossa fé, quão lamentavelmente fracos nós somos na hora da
provação e do teste! Mas, pela graça divina, a menor das ninharias é suficiente
para nos vencer. Tirado o poder retentor e sustentador de Deus, por quanto tempo
nós agüentaríamos? O Senhor Jesus havia solenemente avisado esses discípulos de sua
covardia próxima: "Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos escandalizareis
em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se
dispersarão" (Mt 26.31). E não apenas Pedro, mas todos 3. Aqui vemos que João
retornara ao lado do Salvador.
os apóstolos afirmaram sua determinação de ficar ao lado dele: "Disse-lhe Pedro:
Ainda que me seja mister morrer contigo, não te negarei. E todos os discípulos
disseram o mesmo" (Mt 26.35). Entretanto, sua palavra se provou verdadeira, e eles
todos desertaram dele de modo desprezível. E como isso refletia sobre sua glória!
Pela fuga pecaminosa, eles expuseram o Senhor Jesus ao desprezo e troças dos seus
inimigos. É por causa disso que lemos: "O sumo-sacerdote interrogou Jesus acerca
dos seus discípulos" (Jo 18.19). Nem é preciso complementar a frase. Sem dúvida,
Caifás o inquiriu sobre quantos discípulos ele tivera, e o que era feito deles
agora? E qual foi a razão por que abandonaram seu Mestre, e o deixaram se arranjar
sozinho quando surgiu o perigo? Mas observe que, para essa questão, o Salvador não
deu resposta alguma. Ele não os acusaria ao inimigo comum ainda que eles tivessem
desertado dele.

indicação alguma que qualquer outro dos onze estivesse ao redor da cruz, mas o
leitor atento esperaria achar ali "o discípulo a quem Jesus amava". E lá estava
ele. João retornara ao lado do Salvador, e ali recebe dele uma bendita comissão.
Quão natural e quão perfeita é a silenciosa harmonia da escritura!

Todavia, observe que a covardia e a infidelidade dos apóstolos foi apenas


temporária. Mais tarde, eles o buscaram no lugar assinalado na Galiléia (Mt 28.16).
Mas não é motivo de regozijo saber que um dos onze procurou sim a ele antes de sua
ressurreição triunfante do túmulo? Sim, foi procurado enquanto ainda pendia na cruz
de vergonha! E quem se poderia supor que fosse? Qual do pequeno grupo dos apóstolos
deve demonstrar a superioridade de seu amor? Mesmo se a narrativa sagrada houvesse
ocultado sua identidade, não teria sido algo difícil fornecer seu nome. O fato ora
considerado na escritura mostra-nos João ao pé da cruz, e é uma testemunha
silenciosa porém suficiente da divina inspiração da Bíblia. É uma daquelas
harmonias nãointencionadas da palavra que atesta a origem sobre-humana das
escrituras. Não há

Da parte divina, o abandono de Cristo por eles era devido à suspensão da graça
preservadora e sustentadora de Deus. Eles não estavam acostumados a abandoná-lo.
Nunca o fariam mais tarde. Jamais teriam agido assim nesse momento se tivesse
havido influências de poder, zelo e amor vindas do céu sobre eles. Mas então como
poderia Cristo ter carregado o fardo e a cólera daquele dia? Como deveria ele ter
pisado o lagar sozinho? Como deveriam suas dores ter ficado sem lenitivo se eles
houvessem aderido fielmente a ele? Não, não, não o deve ser. Cristo não deve ter o
menor alívio ou conforto de qualquer criatura e, por essa razão, para que ele
pudesse ser deixado sozinho com a ira de Deus e do homem, o Senhor por um tempo
retém suas influências revigorantes deles; e então, como Sansão, quando teve
cortado os cachos de sua cabeleira, ficaram tão fracos como os outros homens.
"Fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder", diz o apóstolo — se tal é
retido, nossos desígnios e resoluções se derretem diante da tentação como a neve
diante do sol.

Eles o abandonaram porque ficaram "ofendidos" por causa dele: "Todos vós ficareis
ofendidos por causa de mim esta noite" (Mt 26.31, KJV): a palavra grega aqui
traduzida por "ofendido" pode bem ser vertida "escandalizado". Ficaram com vergonha
de serem achados em sua companhia. Eles julgaram não ser mais seguro permanecer com
ele. Como ele se entregou, consideraram aconselhável se prevenir o quanto pudessem,
e em algum lugar ou outro se refugiarem da presente tempestade que se abatera sobre
ele. Isso forma o lado humano.

E agora, mais uma vez, uma breve palavra de exortação. Há alguém que lê estas
linhas que esteja se apartando do lado do Salvador, que não mais esteja desfrutando
da doce comunhão com ele; que, em uma palavra, esteja desviado? Talvez na hora da
prova você o tenha negado. Talvez na hora do teste você falhou. Você pensa mais nos
seus próprios interesses que nos dele. A honra do nome dele, que você porta, foi
perdida de vista. Ó, que a flecha da convicção agora entre em sua consciência.
Possa a divina graça enternecer o seu coração. Possa o poder de Deus trazê-lo de
volta a Cristo, onde somente sua alma pode encontrar satisfação e paz. Aqui há
encorajamento para você. Cristo não repreendeu João por retornar; antes, sua
maravilhosa graça concedeu-lhe um inefável privilégio. Cesse então de suas
perambulações e volte imediatamente a Cristo, e ele o saudará com uma palavra de
boas-vindas e de alegria; e quem sabe se ele não tem uma honrosa comissão
aguardando por você! 4. Aqui descobrimos uma ilustração da prudência de Cristo.
Já vimos como o ato de Cristo em encomendar Maria às mãos de seu discípulo foi uma
expressão de seu terno amor e de sua presciência. Pois João se encarregar da mãe
viúva do Salvador foi uma abençoada comissão e, contudo, um legado precioso. Quando
Cristo lhe disse, "Eis aí tua mãe", foi como se tivesse dito, Seja ela para ti como
tua própria mãe: Seja teu amor por mim agora manifestado em teu terno cuidado por
ela. Porém, havia muito mais do que isso por trás desse ato de Cristo. Outrora já
fora predito que o Senhor Jesus deveria agir sábia e discretamente. Por meio de
Isaías, Deus dissera: "Eis que o meu servo operará com prudência" (52.13). Ao
encomendar sua mãe aos cuidados de seu amado apóstolo, o Salvador mostrou sábia
discriminação em sua escolha daquele que a partir de então seria o guardião dela.
Talvez não houvesse ninguém que compreendesse o Senhor Jesus tão bem quanto sua
mãe, e é quase certo que ninguém apreendera seu amor tão profundamente quanto João.
Vemos portanto como seriam eles companhias apropriadas um para o outro, visto que
havia um laço íntimo de simpatia comum que os unia juntamente e os ligava a Cristo!
Desse modo, não havia ninguém tão adequado para cuidar de Maria, ninguém cuja
companhia ele acharia tão afim e, por outro lado, não existia ninguém cuja
companhia João pudesse desfrutar mais.

Além disso, deve-se ter na mente que uma obra maravilhosa e honrosa estava
esperando por João. Anos mais tarde, o Senhor Jesus foi revelar a si próprio ao
apóstolo no glorioso apocalipse. Como, então, ele melhor poderia se habilitar para
tal senão estando constantemente com ela, que vivera em estreita intimidade e
comunicação com o Salvador durante os trinta anos que ele tinha esperado para dar
início ao seu trabalho! Podemos, portanto, ver como era de significativa
propriedade que esses dois — Maria e João — fossem trazidos para junto um do outro.
Admire então a prudência da eleição por Cristo de um lar para Maria, e ao mesmo
tempo provendo uma companhia para o discípulo a quem ele amava, que poderia ter uma
bendita companhia espiritual. Antes de passarmos para o nosso próximo ponto,
podemos fazer uma observação de que esse recolhimento de Maria à casa de João traz
luz a um incidente registrado no próximo capítulo do evangelho escrito por ele. Em
João 20 se nos informa da visita de Pedro e João ao sepulcro vazio. João
ultrapassou seu companheiro e chegou primeiro ao túmulo, mas não entrou. Pedro,
como era de sua característica, adentra o sepulcro, e nota a ordenada disposição
das roupas. Então entra João e vê e "crê", pois até esse tempo a fé deles não tinha
apanhado o sentido das promessas da ressurreição de Cristo. Conseqüente com a
crença de João, lemos: "E os discípulos voltaram assim para os seus lares" (Jo
20.10, Tradução do Novo Mundo). Não nos é dito o porquê deles assim agirem, mas, à
vista de João 19.27, a explicação fica óbvia. Ali se nos conta que "desde aquela
hora o discípulo a recebeu em sua casa", e agora que fica sabendo que o Salvador
ressurgira dentre os mortos, e se apressa para "casa" para dizer a ela as boas
novas! Quem mais do que ela regozijar-se-ia ante essas notícias alvissareiras! Esse
é um outro exemplo da harmonia silenciosa e escondida da escritura. 5. Aqui vemos
que as relações espirituais não devem ignorar as responsabilidades naturais.

Há aqui uma lição a qual muitos precisam levar a sério nos dias correntes. Nenhuma
obrigação, nenhuma obra, por importante que seja, pode nos servir de escusa para
deixarmos as obrigações de natureza, de cuidar daqueles por quem temos deveres de
sangue. Aqueles que partem como missionários para labutar em terras pagãs, e que
deixam para trás seus filhos, ou que os enviam de volta à terra natal para serem
cuidados por estranhos, não estão seguindo os passos do Salvador. Aquelas mulheres
que passam a maior parte de seu tempo em reuniões públicas, ainda que sejam de
cunho religioso, ou que descem às favelas para ministrar aos pobres e necessitados,
negligenciando sua própria família em casa, só estão trazendo vitupério ao nome e à
causa de Cristo. Tais homens, mesmo que estejam à frente da obra de Cristo, que

O Senhor Jesus estava morrendo como o Salvador para os pecadores. Ele estava
comprometido com a mais importante e estupenda incumbência que esta terra jamais
testemunhou ou testemunhará. Ele estava a ponto de oferecer satisfação à justiça
divina ultrajada. Ele estava para fazer aquela obra pela qual o mundo fora feito,
pela qual a raça humana fora criada, pela qual todas as eras aguardaram, e pela
qual ele, o Verbo eterno, se encarnara. Entretanto, ele não passou por cima das
responsabilidades dos laços naturais; ele não deixou de fazer provisão àquela que,
de acordo com a carne, era sua mãe.
estão tão ocupados pregando e ensinando que não têm tempo algum para cumprir as
obrigações por ele devidas às suas próprias esposas e filhos, precisam estudar e
praticar o princípio exemplificado aqui por Cristo na cruz. Quão diferente é a
Maria da escritura da Maria da superstição! Ela não era nenhuma Madona altiva, mas
um membro da raça caída como cada um de nós, uma pecadora tanto por natureza quanto
por prática. Antes do nascimento de Cristo ela declarou: "A minha alma engrandece
ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador" (Lc 1.46,47). E agora,
na morte do Senhor Jesus ela é encontrada perante a cruz. A palavra de Deus não
apresenta a mãe de Jesus como a rainha dos anjos adornada com diadema, mas como
alguém que se deleitava em um Salvador. É verdade que ela é "bendita entre (não
‘acima de’) as mulheres", e isso em virtude da elevada honra de ser a mãe do
Redentor; todavia, ela era humana, um membro real de nossa raça caída, uma pecadora
que precisava de um Salvador. . Aqui vemos uma necessidade universal exemplificada.

Ela permaneceu junto à cruz. E quando ali estava, o Salvador exclamou, "Mulher, eis
aí o teu filho!" (Jo 19.26). Ali, resumida numa simples palavra, é expressa a
necessidade de todo descendente de Adão — voltar os olhos do mundo, para fora do
eu, e olhar por fé para o Salvador que morreu pelos pecadores. Ali está o divino
epítome do Caminho da Salvação. Libertação da ira vindoura, perdão dos pecados,
aceitação por parte de Deus, tudo isso é obtido, não por feito meritório, não por
boas obras, não por ordenanças religiosas; não, a salvação vem por contemplar —
"Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". Assim como os israelitas
mordidos pelas serpentes no deserto foram curados por um olhar, por um olhar para o
que Jeová designou que fosse o objeto da fé deles, também hoje a redenção da culpa
e do poder do pecado, a libertação da maldição da lei quebrada e do cativeiro de
Satanás, deve ser encontrada somente pela fé em Cristo. "E, como Moisés levantou a
serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que
todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3.14,15). Há
vida em um olhar. Leitor, você já contemplou desse modo aquele divino Sofredor?
Você o viu morrendo na cruz, o justo pelo injusto, para que pudesse nos trazer para
Deus? Maria, mãe de Cristo, precisava "contemplá-lo", e assim é com você. Olhe
então, olhe para Cristo e serás salvo. Essa é uma das maiores maravilhas de sua
pessoa — a combinação da mais perfeita afeição humana com sua glória divina. O
próprio evangelho que o mostra sobretudo como Deus é aqui cuidadoso par provar que
ele era homem — o Verbo que se fez carne. Comprometido que estava na divina
transação, fazendo expiação por todos os pecados de seu povo, lutando contra os
poderes das trevas, todavia, em meio a isso tudo, ele ainda tinha a mesma ternura
humana, que mostra a perfeição do homem Jesus Cristo. Esse cuidado por sua mãe na
hora da morte era característico de toda a sua conduta. Tudo era natural e
perfeito. A simplicidade não estudada dele é mais notada. Não havia nada pomposo ou
faustoso. Muitas das suas mais poderosas obras foram feitas no caminho, na cabana
ou entre um pequeno grupo de sofredores. Muitas de suas palavras, 7. Aqui vemos a
maravilhosa combinação das perfeições de Cristo.

que ainda hoje são insondáveis e inexauríveis em sua riqueza de significação, foram
proferidas quase que casualmente enquanto caminhava com alguns amigos. Assim o foi
na cruz. Ele estava executando aquela mais poderosa obra de toda a história. Ele
estava comprometido em realizar aquela que faz com que, em comparação, a criação do
mundo se esmaeça em total insignificância, porém, não esquece de fazer provisão
para sua mãe — provisão essa que ele pôde fazer bastante quando estiveram juntos na
casa em Nazaré. Corretamente foi dito outrora: "Seu nome será Maravilhoso" (Is
9.6). Maravilhoso o foi em tudo que fez. Maravilhoso o foi em todo relacionamento
que ele manteve. Maravilhoso o foi em sua pessoa, e maravilhoso o foi em sua obra.
Maravilhoso o foi em vida, e maravilhoso o era na morte. Que nos maravilhemos e
adoremos. 4 A PALAVRA DE ANGÚSTIA

"E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lama
sabactani;
isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" "Deus meu, Deus meu, por que
me desamparaste?"

Mateus 27.46

ESSAS SÃO PALAVRAS DE CHOCANTE IMPORTÂNCIA. A crucificação do Senhor da glória foi


o mais extraordinário evento que já aconteceu na terra, e esse brado do padecente
foi a mais extraordinária expressão daquela aterradora cena. Que um inocente fosse
condenado, que o sem culpa fosse perseguido, que um benfeitor fosse cruelmente
sentenciado à morte, não era nenhum acontecimento novo na história. Do assassínio
do justo Abel àquele de Zacarias houve uma longa lista de martírios. Mas aquele que
pendurado estava na cruz do centro não era nenhum homem comum, era o Filho do
Homem, aquele no qual todas as excelências se encontravam — o Perfeito. Seu caráter
era como sua túnica, "tecida toda de alto a baixo, [e] não tinha costura".

No caso dos outros maltratados havia deméritos e manchas que poderiam proporcionar
aos seus assassinos algo com que culpá-los. Mas desse o juiz falou: "Não acho nele
crime algum". E mais. Esse Sofredor não era apenas um homem perfeito, mas o Filho
de Deus. Todavia, não era estranho que o homem quisesse destruir Deus. "Disse o
néscio no seu coração: Não há Deus" (Sl 14.1), tal é o seu desejo. Mas é estranho
que aquele que era Deus manifestado na carne devesse permitir a si mesmo ser assim
tratado por seus inimigos. É extremamente estranho que o Pai que se deleitava nele,
cuja própria voz declarara dos céus abertos, "Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo", devesse entregá-lo a uma morte tão vexaminosa. "Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste?"

Essas são palavras de estarrecedora miséria. A própria palavra "desamparaste" é uma


das mais trágicas em todas as línguas humanas. O escritor jamais se esquecerá da
sensação que teve ao passar uma vez por uma cidade deserta, sem habitante algum —
uma cidade desamparada. Que calamidades são conjuradas por tal palavra — um homem
desamparado de seus amigos, uma esposa desamparada de seu marido, uma criança
desamparada por seus pais! Mas uma criatura desamparada por seu Criador, um homem
desamparado de Deus — Ó, isso é o mais horrendo de tudo. Esse é o mal dos males.
Isso é a calamidade climatérica. Verdade, os homens caídos, em sua condição não
renovada, não o acham. Mas aquele que, pelo menos em certa medida, aprendeu que
Deus é a essência de toda perfeição, a fonte e a meta de toda excelência, cujo
clamor é "Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma
por ti, ó Deus!" (Sl 42.1), prontamente endossará o que acaba de ser dito. O clamor
dos santos em todas as eras tem sido, "Não nos desampare, ó Deus". Pois o Senhor
esconder sua face de nós por um momento que seja é insuportável. Se isso é verdade
quanto aos pecadores regenerados, quão infinitamente mais o é quanto ao Filho amado
do Pai! Aquele que estava pendurado no madeiro maldito tinha sido desde toda
eternidade o objeto do amor do Pai. Empregando a linguagem de Provérbios 8, o
Salvador padecente era aquele que "estava com ele e era seu aluno", que estava
"cada dia as suas delícias". Seu próprio gozo fora contemplar a face do Pai. A
presença do Pai fora seu lar, o seio do Pai o lugar de sua habitação, a glória do
Pai ele compartilhara antes que houvesse o mundo. Durante os trinta e três anos que
o Filho estivera na terra ele desfrutara de comunhão ininterrupta com o Pai. Nunca
um pensamento que estivesse fora da harmonia com a mente do Pai, nunca uma volição
que não fosse originária da vontade do Pai, nunca um momento que fosse passado fora
de sua presença consciente. O que então deve ter significado estar por ora
"desamparado" por Deus! Ah, o ocultamento da face divina dele foi o mais amargo
ingrediente daquele copo que o Pai tinha dado ao Redentor para beber: "Deus meu,
Deus meu, por que me desamparaste?"

Essas são palavras de inigualável sentimento. Elas marcam o clímax de seus


sofrimentos. Os soldados haviam cruelmente zombado dele: enfeitaram-no com a coroa
de espinhos, tinham-no açoitado e esbofeteado, tinham até chegado a ponto de cuspir
nele e arrancar seus cabelos. Despojaram-no de seus vestidos e o expuseram a uma
vergonha explícita. Todavia, sofreu tudo isso em silêncio. Perfuraram suas mãos e
seus pés, porém suportou a cruz, a despeito da
ignomínia. A multidão vulgar escarnecia dele, e os ladrões com ele crucificados lhe
lançavam em rosto os mesmos insultos; todavia, não abriu sua boca. Em resposta a
tudo que sofria das mãos dos homens, nenhum clamor escapou de seus lábios. Mas
agora, quando a ira concentrada do céu desce sobre si, ele exclama: "Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?" Seguramente, esse era um clamor que deveria
enternecer o mais duro coração! Essas são palavras do mais profundo mistério.
Outrora o Senhor Jeová não abandonava seu povo. Repetidamente ele foi seu refúgio
na tribulação. Quando Israel esteve em cruel servidão clamou a Deus, e ele o ouviu.
Quando ficou impotente diante do Mar Vermelho, ele veio em seu auxílio e o livrou
de seus inimigos. Quando os três hebreus foram lançados dentro da fornalha de fogo,
o Senhor esteve com eles. Mas daqui, da cruz, sobe um clamor mais dorido e
agonizante do que jamais subira da terra do Egito, entretanto, não ouve resposta
alguma! Eis aí uma situação de longe mais alarmante do que a crise do Mar Vermelho:
inimigos mais implacáveis cercaram esse, e no entanto não houve livramento algum!
Eis aí um fogo que ardia infinitamente mais do que o da fornalha de Nabucodonosor,
mas sem ninguém ao seu lado para confortar! Ele é abandonado por Deus! Não
obstante, esse clamor do Salvador padecente é profundamente misterioso. De início
clamou, "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem", e isso podemos
compreender, pois está em boa conformidade com seu coração compassivo. Outra vez
abrira ele sua boca, para dizer ao ladrão penitente, "Em verdade te digo que hoje
estarás comigo no Paraíso", e isso também podemos entender bem, pois está
totalmente de acordo com sua graça para com os pecadores. Uma vez mais seus lábios
se moveram — para sua mãe, "Mulher, eis aí o teu filho"; para o amado João, "Eis aí
tua mãe" — e isso também podemos apreciar. Porém, na próxima vez em que ele abre
sua boca, um brado nos faz ficar sobressaltados e desconcertados. Outrora disse
Davi, "Nunca vi desamparado o justo", mas aqui vemos o Justo desamparado. "Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?" "Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?"

Mas, embora tais palavras sejam de importância chocante, de assustadora miséria, do


mais profundo mistério, de singular sentimento, e de profunda solenidade,
entretanto, não somos deixados em ignorância quanto ao significado. Verdade, tal
clamor foi profundamente misterioso, todavia, é capaz da mais abençoada solução. As
Escrituras Sagradas não deixam margem para dúvidas de que tais palavras de
inigualável tristeza foram tanto a mais completa manifestação do amor divino e da
mostra mais inspiradora de terror da inflexível justiça divina. Possa todo
pensamento ser agora trazido cativo a Cristo e nossos corações ficarem devidamente
graves enquanto analisamos mais de perto esse quarto pronunciamento do Salvador
agonizante. "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" 1. Aqui vemos a
enormidade do pecado e o caráter de seu salário.

Essas são palavras da mais profunda solenidade. Esse foi um clamor que fez a
própria terra estremecer, e que reverberou por todo o universo. Ah, que mente é
suficiente para contemplar essa maravilha das maravilhas! Que mente é capaz de
analisar o sentido desse estupendo clamor que rasgou as trevas medonhas! "Por que
me desamparaste?" são palavras que nos conduzem para dentro do Santo dos Santos.
Aqui, se é que não o é assim também em todo lugar, é supremamente conveniente que
removamos os sapatos da curiosidade carnal. As especulações são profanas; podemos
apenas nos maravilhar e adorar.

O Senhor Jesus foi crucificado ao meio-dia, e na luz do Calvário tudo foi revelado
em seu verdadeiro caráter. Ali, a própria natureza das coisas foi plena e
finalmente exibida. A depravação do coração humano — seu ódio por Deus, sua
ingratidão abjeta, seu amor às trevas no lugar da luz, sua preferência por um
assassino no lugar do Príncipe da vida — foi horrivelmente mostrada. O terrível
caráter do diabo — sua hostilidade contra Deus, sua insaciável inimizade contra
Cristo, seu poder de pôr no coração do homem a traição ao Salvador — foi plenamente
exposta. Assim, também, as perfeições da natureza divina — a inefável santidade de
Deus, sua justiça inflexível, sua ira terrível, sua graça sem par — foi de todo
conhecida. E ali também foi que o pecado — sua vileza, sua torpeza, sua não
sujeição a leis — foi claramente exibido. Aqui nós vemos a horrenda extensão a que
o pecado chegará. Em sua primeira manifestação ele tomou a forma de suicídio, pois
Adão destruiu sua própria vida espiritual; em seguida o vemos em forma de
fratricídio — Caim matando seu próprio irmão; mas na cruz o clímax é atingido, com
o deicídio — o homem crucificando o Filho de Deus. Porém, não apenas vemos a
hediondez do pecado na cruz, mas ali também descobrimos o caráter de seu horrível
pecado. "O salário do pecado é a morte" (Rm 6.23). A morte é a herança do pecado.
"Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte
passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Rm 5.12). Não houvesse pecado
nenhum, não haveria morte alguma. Mas o que é "morte"? É aquele pavoroso silêncio
que reina supremo após se dar o último fôlego e o corpo ficar sem movimentos? É
aquela cadavérica palidez que vem sobre a face quando o sangue cessa de circular e
os olhos ficam sem expressão? Sim, é isso, mas muito mais. Algo de longe mais
patético e trágico do que a dissolução física está contido no termo.

O salário do pecado é a morte espiritual. O pecado separa de Deus, que é a fonte de


toda vida. Isso foi manifestado no Éden. Antes da Queda, Adão desfrutava de bendita
companhia com seu Criador, mas na própria véspera daquele dia que marcou a entrada
do pecado em nosso mundo, enquanto o Senhor Deus entrava no Jardim e sua voz era
ouvida por nossos primeiros pais, o par culpado escondeu-se entre as árvores do
lugar. Não mais poderiam eles gozar de comunhão com ele que é sempre Luz, antes,
ficaram alienados dele. Assim, também, se deu com Caim: quando interrogado pelo
Senhor ele disse: "Da tua face me esconderei" (Gn 4.14). O pecado exclui da
presença de Deus. Essa foi a grande lição ensinada a Israel. O trono de Jeová
estava no meio deles, todavia não era mais acessível. Ele habitava entre os
querubins no santo dos santos e a esse ninguém poderia chegar, com exceção do sumo
sacerdote, e ele, apenas um dia por ano, levando sangue consigo. O véu pendurado
tanto no tabernáculo quanto no templo, vedando o acesso ao trono divino,
testemunhava o solene fato de que o pecado separa dele.

O salário do pecado é a morte, não somente física, mas espiritual; não meramente
natural mas, essencialmente, morte penal. O que é morte física? É a separação da
alma e do espírito do corpo. Assim, a morte penal é a separação da alma e do
espírito de Deus. A palavra da verdade fala daquela que vive em prazer como "embora
viva, está morta" (1Tm 5.6, ARA). Repare, ainda, como a maravilhosa parábola do
filho pródigo ilustra a força do termo "morte". Após o retorno do pródigo o pai
disse: "Este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado" (Lc
15.24). Enquanto ele estava na "terra longínqua", não havia cessado de existir;
não, ele não estava morto fisicamente, mas espiritualmente — estava alienado e
separado de seu pai!

Agora, na cruz, o Senhor Jesus estava recebendo o salário que era devido por seu
povo. Ele não tinha pecado algum que fosse seu, pois era o Santo de Deus. Mas
estava levando nossos pecados em seu próprio corpo no madeiro (1Pd 2.24). Ele tinha
tomado o nosso lugar e estava padecendo o Justo pelo injusto. Ele estava carregando
o castigo que nos traz a paz; e o salário de nossos pecados, o sofrimento e castigo
que era devido a nós, era "morte". Não meramente física, mas penal; e, como
dissemos, isso significava separação de Deus, e daí o Salvador ter clamado: "Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?" Assim, também, será com aquele que for
impenitente até o fim. O pavoroso destino que aguarda o perdido é, dessa forma,
exposto: "os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do
senhor e da glória do seu poder" (2Ts 1.9, ARA). Separação eterna daquele que é a
fonte de todo bem e a origem de toda bênção. Ao ímpio, Cristo dirá: "Apartai-vos de
mim, malditos" — banimento de sua presença, um eterno exílio de Deus, é o que
espera o condenado eternamente. Essa é a razão por que o Lago de Fogo — a eterna
morada daqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida — é designada "A
Segunda Morte" (Ap 20.14). Não que haverá extinção do ser, mas separação eterna do
Senhor da Vida, uma separação a qual Cristo sofreu por três horas enquanto estava
pendurado no lugar do pecador. Na cruz, então, Cristo recebeu o salário do pecado.
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?"
A tragédia do Calvário deve ser vista de pelo menos quatro pontos de vista. Na cruz
o homem fez uma obra: ele mostrou sua depravação ao pegar o Perfeito e com "mãos
iníquas" pregando-o no madeiro. Na cruz Satanás fez uma obra: ele manifestou sua
insaciável inimizade contra a semente da mulher ferindo o calcanhar dele. Na cruz o
Senhor Jesus fez uma obra: morreu o Justo pelos injustos para pudesse nos trazer a
Deus. Na cruz Deus fez uma obra: ele exibiu sua santidade e satisfez sua justiça
derramando sua ira sobre aquele que foi feito pecado por nós.

2. Aqui vemos a absoluta santidade e a inflexível justiça de Deus.

Que pena humana é capaz ou apropriada para escrever acerca da imaculada santidade
divina! Tão santo é Deus que o mortal não pode vê-lo em seu ser essencial, e viver.
Tão santo é Deus que os próprios céus não são puros aos seus olhos. Tão santo é
Deus que até os serafins cobriam suas faces com véus diante dele. Tão santo é Deus
que, quando Abraão ficou de pé perante ele, clamou, "Sou pó e cinza" (Gn 18.27).
Tão santo é Deus que, quando Jó entrou em sua presença, disse: "Por isso me
abomino" (Jó 42.6). Tão santo é Deus que, quando Isaías teve uma visão de sua
glória, exclamou: "Ai de mim, que vou perecendo porque... os meus olhos viram o
rei, o Senhor dos Exércitos" (Is 6.5). Tão santo é Deus que, quando Daniel o
contemplou numa manifestação teofânica, declarou: "Não ficou força em mim;
desfigurou-se a feição do meu rosto" (Dn 10.8). Tão santo é Deus que nos é dito:
"Tu és tão puro de olhos que não podes ver o mal, e que não podes contemplar a
perversidade" (Hc 1.13). E foi porque o Salvador estava levando nossos pecados que
o trinamente santo Deus não o contemplou, virou sua face dele, abandonou-o. O
Senhor fez que se encontrasse em Jesus as iniqüidades de nós todos: e nossos
pecados estando sobre ele como nosso substituto, a ira divina contra as nossas
ofensas devesse passar sobre nossa oferta de pecado. "Deus meu, Deus meu, por que
me desamparaste?" Essa era uma questão que nenhum daqueles ao redor da cruz podia
ter respondido; era uma questão que, ao mesmo tempo, nenhum dos apóstolos podia ter
respondido; sim, era uma questão que havia confundido

os anjos no céu, deixando-os sem resposta. Mas o Senhor Jesus havia respondido sua
própria questão, e sua resposta é achada no Salmo 22. Esse salmo fornecia a mais
maravilhosa predição profética de seus sofrimentos. Ele abre com as próprias
palavras da quarta elocução de nosso Salvador sobre a cruz, e é seguido por mais
soluços de agonia no mesmo tom até que, no versículo 3, achamo-lo dizendo — "Tu és
Santo". Ele se queixa, não da injustiça, antes reconhece a retidão de Deus — tu és
santo e justo em cobrar de minhas mãos toda a dívida para a qual me fiz fiador;
tenho de responder pela totalidade dos pecados de todo meu povo e, por conseguinte,
ó Deus, és parte legítima em me golpear com tua espada desperta. Tu és santo; tu és
puro quando julgas. Na cruz, então, como em nenhum outro lugar, vemos a infinita
malignidade do pecado e da justiça divina na punição desse. Não foi o mundo antigo
coberto pelas águas? Não foram Sodoma e Gomorra destruídas por uma tempestade de
fogo e enxofre? Não foram as pragas enviadas sobre o Egito e Faraó e seus exércitos
afogados no Mar Vermelho? Nesses casos, o demérito do pecado e o ódio de Deus por
ele puderam ser vistos; mas muito mais o é aqui, em que Cristo é desamparado por
ele. Vá ao Gólgota e veja o Homem que é Companheiro de Jeová bebendo do copo da
indignação do Pai, castigado pela espada da justiça divina, ferido pelo próprio
Senhor, sofrendo até a morte, pois Deus "não poupou seu próprio Filho" quando o
pendurou no lugar do pecador.

Eis como a própria natureza antecipara a terrível tragédia — o próprio contorno do


chão se assemelha a um crânio. Eis a terra tremendo sob a poderosa carga da ira
despejada. Eis os céus e o sol fugirem de uma tal cena, e a terra ser coberta de
trevas. Aqui podemos ver a pavorosa cólera de um Deus que vinga o pecado. Nem todos
os relâmpagos do julgamento divino que foram liberados nos tempos do Antigo
Testamento, nem todas as taças da ira que serão despejadas sobre uma Cristandade
apóstata durante os tempos sem paralelos da Grande Tribulação, nem todo choro e
lamento e ranger de dentes dos condenados para sempre no Lago de Fogo jamais deram
ou mesmo darão uma tal demonstração da inflexível justiça de Deus e de sua inefável
santidade, de seu infinito ódio ao pecado, como o fez a ira divina que ardeu contra
seu próprio Filho na cruz. Porque estava sofrendo o horripilante julgamento do
pecado, foi desamparado por Deus. Aquele que era o Santo, cuja própria repulsa ao
pecado era infinita, que era a pureza encarnada (1Jo 3.3), [Deus] "o fez pecado por
nós" (2Co 5.21); portanto, ele se curvou mesmo perante a tempestade de ira, na qual
foi mostrado o desprazer divino contra os
incontáveis pecados de uma grande multidão que homem algum pode numerar. Essa,
então, é a verdadeira explicação do Calvário. O santo caráter de Deus não podia
fazer nada senão julgar o pecado, mesmo que fosse achado no próprio Cristo. Na
cruz, pois, a justiça divina foi satisfeita e sua santidade reivindicada. "Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?" 3. Vemos aqui a explicação do Getsêmane.

À medida que nosso bendito Senhor se aproximava da cruz o horizonte para ele se
escurecia mais e mais. Desde a mais tenra infância ele havia sofrido por causa do
homem; desde o princípio de seu ministério público ele havia sofrido por causa de
Satanás; porém, na cruz ele devia sofrer na mão de Deus. O próprio Jeová devia
ferir o Salvador, e era isso que obscurecia tudo o mais. No Getsêmane ele adentrou
na escuridão das três horas de trevas na cruz. Eis o porquê de ele deixar os três
discípulos nas imediações do jardim, pois ele devia pisar o lagar sozinho. "A minha
alma está profundamente triste", ele clamou. Isso não era recuar, horrorizado,
antecipando uma morte cruel. Não era o pensamento da traição por seu próprio amigo
com quem estava familiarizado, nem da deserção por seus estimados discípulos na
hora da crise, nem da expectativa das zombarias e ultrajes, dos açoites e dos
pregos, que oprimia sua alma. Não, toda essa angústia da mais severa ao seu
espírito sensível, nada era se comparada com a que ele teve de suportar como
Portador do Pecado. "Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmane, e
disse aos seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E levando
consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-
se muito. Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai
aqui, e velai comigo. E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu
rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia,
não seja como eu quero, mas como tu queres." (Mt 26.36-39).

Aqui ele observa as negras nuvens surgindo, vê a terrível tempestade chegando, ele
premeditava o inexprimível horror daquelas três horas de trevas e tudo o que elas
continham. "A minha alma está profundamente triste", ele clama. O grego é mais
enfático. Ele estava cercado de tristeza. Ele estava completamente imerso na ira
divina. Todas as faculdades e poderes de sua alma estavam esmagados pela angústia.
S. Marcos emprega uma outra forma de expressão — "Ele começou a ficar extremamente
atônito" (14.33, KJV). O original traz o significado de a maior extremidade do
pavor, como a que faz com que alguém ficar de cabelo em pé e o corpo arrepiado. E,
acrescenta Marcos, "e a ficar muito triste", o que denota que havia um total
abatimento de espírito; seu coração estava derretido como cera à vista do terrível
cálice. Mas o evangelista Lucas, dentre todos, é o que usa os termos mais fortes:
"E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes
gotas de sangue, que corriam até o chão" (Lc 22.44). A palavra grega para "agonia"
aqui, quer dizer estar envolvido em um combate. Antes, ele combatera as oposições
dos homens e as do diabo, mas agora ele encara o cálice que Deus lhe dá a beber.
Era o que continha a ira não diluída do ódio divino para com o pecado. Isso explica
o porquê dele dizer: "Se queres, passa de mim este cálice". O "cálice" é o símbolo
de comunhão, e não poderia haver comunhão alguma em sua ira, mas somente em seu
amor. Entretanto, ainda que isso significasse ser cortado daquela, ele adiciona:
"Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua". Todavia, tão grande foi sua
agonia que "seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão".

Pensamos que não pode haver a menor dúvida de que o Salvador verteu gotas de sangue
de verdade. Seria diminuir aí o significado dizer que seu suor parecia sangue, mas
não o era realmente. Parece-nos que a ênfase está posta na palavra "sangue". Ele
verteu sangue — exatamente como grandes gotas de água comumente. E vemos aqui a
adequação do lugar escolhido para ser a cena desse terrível mas preliminar
sofrimento. Getsêmane — ah, teu nome te denuncia! Tem o sentido de prensa de
azeite. Era o lugar onde o sangue vital das olivas era extraído por pressão gota a
gota! O lugar escolhido foi bem nomeado, pois. Era de fato um apropriado escabelo
para a cruz, um escabelo de agonia inexprimível e sem paralelos. Na cruz, então,
Cristo tomou todo o cálice que lhe foi apresentado no Getsêmane. "Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?"
Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e
escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos. Mas eu sou verme, e não homem,
opróbrio dos homens e desprezado do povo. Todos os que me vêem zombam de mim,
estendem os beiços e meneiam a cabeça, dizendo: Confiou no Senhor, que o livre;
livre-o, pois nele tem prazer. Mas tu és o que me tiraste do ventre, o que me
preservaste estando ainda aos seios de minha mãe. Sobre ti fui lançado desde a
madre; tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe. (Sl 22.4-10).

No salmo de número vinte e dois a inabalável fidelidade do Salvador a Deus fica


mais aparente. Nesse precioso texto fala-se das profundezas de seu coração. Ouça-o:

O abandono do Redentor por Deus era um fato solene, e uma experiência que nada lhe
deixava senão apoiar-se em sua fé. A posição de nosso Salvador na cruz foi
absolutamente singular. Isso pode ser prontamente visto ao se contrastar suas
próprias palavras faladas durante seu ministério público com aquelas proferidas na
própria cruz. Antes dizia ele: "Eu bem sei que sempre me ouves" (Jo 11.42); agora
ele clama, "Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves" (Sl 22.2)! Antes dizia
ele: "E aquele que me enviou está comigo; o Pai não me tem deixado só" (Jo 8.29);
agora ele clama, "Deus meu, Deus meu, por que me DESAMPARASTE?" Ele não tinha
absolutamente nada agora em que descansar senão o pacto e a promessa de seu Pai; e
em seu clamor de angústia, sua fé se torna manifesta. Foi um brado de aflição, mas
não de desconfiança. Deus havia se retirado dele, mas note como sua alma ainda se
apega a ele. Sua fé triunfou segurando-se em Deus mesmo em meio às trevas. "Deus
meu", diz, "Deus meu", tu com quem está a infinita e perpétua força; tu que
apoiaste até aqui minha humanidade e, conforme tua promessa, sustentaste teu servo
— Ó, não fiques longe de mim agora. Deus meu, eu me apóio em ti. Quando todos os
confortos visíveis e sensíveis haviam desaparecido, da invisível proteção e refúgio
de sua fé o Salvador se vale.

4. Aqui vemos a inabalável fidelidade a Deus do Salvador.

O próprio ponto em que seus inimigos procuraram levantar contra ele foi a sua fé em
Deus. Escarneceram dele por sua confiança em Jeová — se ele realmente confiava no
Senhor, o Senhor livrá-lo-ia. Porém, o Salvador continuava confiando ainda que não
houvesse livramento algum, confiava ainda que desamparado por um período! Foi
lançado sobre Deus desde o ventre e ainda é lançado sobre ele na hora de sua morte.
Ele prossegue:

Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem ajude. Muitos
touros me cercaram; fortes touros de Basã me rodearam. Abriram contra mim suas
bocas, como um leão que despedaça e que ruge. Como água me derramei, e todos os
meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das
minhas entranhas. A minha força se secou como um caco, e a língua se me pega ao
paladar, e me puseste no pó da morte. Pois me rodearam cães; o ajuntamento dos
malfeitores me cercou, transpassaram-se as minhas mãos e os pés. Poderia contar
todos os meus ossos; eles vêem e me contemplam. Repartem entre si os meus vestidos,
e lançam sortes sobre a minha túnica. Mas tu, Senhor, não te alongues de mim; força
minha, apressa-te em socorrer-me. Livra a minha alma da espada, e a minha predileta
da força do cão (Sl 22.11-20). Jó tinha dito de Deus "Ainda que ele me mate, nele
esperarei" e, embora a ira divina contra o pecado repousasse sobre Cristo, ele
ainda confiava. Sim, sua fé fez mais do que confiar, ela triunfou — "Salva-me da
boca do leão, sim, ouve-me, desde as pontas dos unicórnios" (Sl 22.21).

Ó, que exemplo o Salvador deixou para o seu povo! É relativamente fácil confiar em
Deus quando brilha o sol, o teste chega quando tudo está em escuridão. Mas uma fé
que não confia em Deus na adversidade tanto quanto na prosperidade não é a fé dos
seus eleitos. Devemos ter fé por que vivermos — fé de verdade — se a tivermos para
por ela morrer. O Salvador fora lançado sobre Deus desde a madre, fora lançado
sobre Deus momento a momento durante todos aqueles trinta e três anos, o que não é
de se maravilhar, então, que na hora da morte seja encontrado ainda lançado sobre
Deus. Seus companheiros cristãos podem estar tristes contigo, podes não mais
contemplar a luz da face divina. A Providência parece olhar com desdém para ti,
entretanto, ainda dizes, Eli, Eli, Deus meu, Deus meu.
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" Deus é santo e, por conseguinte, não
aceita ver pecado. Ele é justo e, portanto, julga o pecado em qualquer lugar onde
seja encontrado. Mas Deus também é amor: Ele se deleita na misericórdia e, em
conseqüência, a infinita sabedoria ideou um meio pelo qual a justiça pudesse ser
satisfeita e a misericórdia liberada para fluir aos culpados pecadores. Esse meio
foi o da substituição, o justo padecendo pelo injusto. O próprio Filho de Deus foi
o selecionado para ser o substituto, pois nenhum outro satisfaria. Através de Naum,
a questão fora feita: "Quem pode manter-se diante do seu furor? e quem pode
subsistir diante do ardor da sua ira?" (1.6, ARA). Essa questão recebeu sua
resposta na adorável pessoa de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Só ele podia
"manter-se". Somente um podia levar a maldição e ainda ressurgir como um vitorioso
sobre ela. Somente um podia suportar toda a ira vingativa e, todavia, glorificar a
lei e torná-la digna de honra. Somente um podia suportar que seu calcanhar fosse
ferido por Satanás e contudo naquela ferida destruir a ele, que tinha o poder da
morte. Deus sustentou um que era "poderoso" (Sl 89.19, ARA). Um que era ninguém
menos que o Companheiro de Jeová, o resplendor da sua glória, a expressa imagem de
sua pessoa. 5. Aqui podemos ver a base da nossa salvação.

Na cruz, todas as nossas iniqüidades foram postas sobre Cristo e, portanto, o


julgamento divino recaiu sobre ele. Não havia nenhum meio de transferência de
pecado sem também transferir sua pena. Tanto o pecado quanto sua punição foram
transferidos para o Senhor Jesus. Na cruz ele estava fazendo propiciação, e
propiciação é apenas para com Deus. Era uma questão de ir de encontro aos reclames
divinos de santidade; era uma questão de satisfazer as exigências de sua justiça.
Não só foi o sangue de Cristo vertido por nós, mas também vertido para Deus: ele
"se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave"
(Ef 5.2). Dessa forma, isso foi prefigurado na memorável noite da Páscoa no Egito:
o sangue do cordeiro deve estar onde o olho de Deus o possa ver — "Vendo eu sangue,
passarei por cima de vós". A morte de Cristo na cruz foi uma morte maldita: "Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito:
Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro" (Gl 3.13). A "maldição" é
alienação de Deus. Isso fica evidente pelas palavras que Cristo ainda dirá àqueles
que estarão à sua esquerda no dia de seu poder — "Apartai-vos de mim, malditos",
ele dirá (Mt 25.41). A maldição é desterro da presença e glória divinas.

Desse modo, vemos que o amor ilimitado, a justiça inflexível e o poder onipotente
combinaram-se todos para tornar possível a salvação daqueles que crêem.

Isso explica o sentido de vários tipos do Antigo Testamento. O boi que era morto
anualmente no Dia da Expiação, após seu sangue ter sido espargido sobre e diante do
propiciatório, era removido para um lugar "fora (exterior) do arraial" (Lv 16.27) e
ali seu cadáver era queimado por inteiro. Era no centro do acampamento que Deus
tinha sua residência, e a exclusão do acampamento significava banimento de sua
presença. Assim também com o leproso. "Todos os dias em que a praga estiver nele,
será imundo; imundo está, habitará só; a sua habitação será fora do arraial" (Lv
13.46) — isso porque aquele era o tipo encarnado do pecador. Aqui, ainda, está o
antítipo da "serpente de bronze". Por que Deus instruiu Moisés a colocar uma
"serpente" sobre uma haste, e ordenou aos israelitas mordidos para olhar para ela?
Imagine uma serpente como tipo de Cristo, o Santo de Deus! Sim, mas ela
representava-o como "[feito] maldição por nós", pois a serpente era a lembrança da
maldição. Na cruz, então, Cristo estava cumprindo esses símbolos do Antigo
Testamento. Ele estava "fora do arraial" (compare Hebreus 13.12) — separado da
presença de Deus. Ele era o "leproso" — feito pecado por nós. Ele era como a
"serpente de bronze" — feito maldição por nós. Daí, também, o profundo significado
da coroa de espinhos — o símbolo da maldição! Levantado, coroado de espinhos, para
mostrar que estava levando a maldição em nosso lugar. Aqui, também, está a
significação das três horas de trevas que cobriram a terra como uma mortalha de
morte. Era uma escuridão sobrenatural. Não era noite, pois o sol estava em seu
zênite. Como bem o disse o Sr. Spurgeon, "Fez-se meia-noite ao meio-dia". Não foi
eclipse algum. Os astrônomos competentes nos dizem que ao tempo da crucificação a
lua estava à sua maior distância do sol. Mas esse brado de Cristo dá o sentido das
trevas, enquanto que essas nos dão o significado daquele amargo brado. Somente uma
coisa pode explicar tal escuridão,
visto que uma coisa apenas pode interpretar tal clamor — que Cristo havia tomado o
lugar dos culpados e perdidos, que ele se pôs no lugar para levar os pecados, que
ele estava sofrendo o julgamento devido por seu povo, que ele que não conheceu
pecado "[Deus] o fez pecado" por nós. Aquele brado foi proferido para que a nós
fosse concedido saber do que se passava ali. Era a manifestação da expiação, por
assim dizer, pois três (três horas) é sempre o número de manifestação. Deus é luz e
as "trevas" é o sinal natural de sua repulsa. O Redentor foi deixado sozinho com o
pecado do pecador: tal era a explicação das três horas de escuridão. Assim como
repousará sobre o condenado eternamente uma dupla miséria no lago de fogo, a saber,
a dor do sentido e a dor da perda; do mesmo modo, Cristo, em correspondência,
sofreu a ira de Deus derramada sobre si e também o afastamento de sua presença e
comunhão. Para o crente a cruz é interpretada em Gálatas 2.20: "Estou crucificado
com Cristo". Ele foi o meu substituto; Deus considera-me um com o Salvador. Sua
morte foi a minha. Ele foi ferido por minhas transgressões e ferido por minhas
iniqüidades. O pecado não foi afastado, mas descartado. Como disse alguém: "Porque
Deus julgou o pecado sobre o Filho, ele agora aceita o pecador crente no Filho".
Nossa vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3.3). Eu estou encerrado em Cristo
porque Cristo foi excluído de Deus.

Ele sofreu em nosso lugar, ele salvou seu povo assim; A maldição que caiu sobre sua
cabeça, era por direito devida por nós. A tempestade que curvou sua bendita cabeça,
é apaziguada para sempre agora E o descanso divino é meu no lugar, enquanto ele
está coroado de glória. Aqui então está a base da nossa salvação. Nossos pecados
foram levados. As reivindicações divinas contra nós foram plenamente satisfeitas.
Cristo foi desamparado por Deus por um tempo para que pudéssemos desfrutar da sua
presença para sempre. "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" Que toda alma
crente dê a resposta: ele adentrou as terríveis trevas para que eu pudesse andar na
luz; ele bebeu o cálice de angústia para que eu pudesse beber o cálice de gozo; ele
foi abandonado para que eu pudesse ser perdoado! "Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?" 6. Aqui vemos a suprema evidência do amor de Cristo por nós.

"Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos"
(Jo 15.13). Mas a grandeza do amor de Cristo pode ser estimada somente quando
estamos aptos a mensurar o que estava envolvido nesse "dar" a sua vida. Como vimos,
significava muito mais do que a morte física, mesmo que essa fosse de indizível
vergonha, e indescritível sofrimento. Significava que ele tinha de tomar o nosso
lugar e ser feito "pecado" por nós, e o que isso envolvia só pode ser julgado à luz
de sua pessoa. Imagine uma mulher perfeitamente honrada e virtuosa forçada a
suportar, por algum tempo, a associação com o que há de mais vil e impuro. Imagine-
a encerrada num antro de iniqüidade, rodeada pelos mais grosseiros dentre os homens
e as mulheres, e sem nenhum meio de escape. Você pode avaliar sua repulsa às
blasfêmias de suas bocas sujas, à farra de embriaguez, à obscenidade dos arredores?
Você pode formar uma opinião do que uma mulher pura sofreria em sua alma em meio a
tal impureza? Mas a ilustração é, de longe, falha, pois não há nenhuma mulher
absolutamente pura. Honrada, virtuosa, moralmente pura, sim, porém, pura no sentido
de ser sem pecado, espiritualmente pura, não. Mas Cristo era puro; absolutamente
puro. Ele era o Santo. Ele tinha uma infinita aversão ao pecado. Ele o aborrecia.
Sua alma santa se esquivava dele. Mas, na cruz, nossas iniqüidades foram todas
postas sobre ele, e o pecado — essa coisa vil — envolvia-se em torno dele como uma
horrível serpente enrolada. E, contudo, ele de bom grado sofreu por nós! Por quê?
Porque nos amou: "Como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao
fim" (Jo 13.1).

Mas mais ainda: a grandeza do amor de Cristo por nós pode ser avaliada apenas
quando somos capazes de medir a ira divina que foi derramada sobre ele. Era disso
que sua alma se esquivava. O que isso significou para ele, o que custou a ele, pode
se saber em parte por um minucioso exame dos salmos nos quais se nos permite ouvir
algo de seus patéticos solilóquios e petições a Deus. Falando com antecipação, o
próprio Senhor Jesus pelo Espírito clamou através de Davi:
"Livra-me, ó Deus, pois as águas entraram até à minha alma. Atolei-me em profundo
lamaçal, onde se não pode estar em pé; entrei na profundeza das águas, onde a
corrente me leva. Estou cansado de clamar; secou-se-me a garganta; os meus olhos
desfalecem esperando o meu Deus. Tira-me do lamaçal, e não me deixes atolar; seja
eu livre dos que me aborrecem, e das profundezas das águas. Não me leve a corrente
das águas e não me sorva o abismo, nem o poço cerre a sua boca sobre mim.

E não escondas o teu rosto do teu servo, porque estou angustiado; ouve-me depressa.
Aproxima-te da minha alma, e resgata-a; livra-me por causa dos meus inimigos. Bem
conheces a minha afronta, e a minha vergonha, e a minha confusão; diante de ti
estão todos os meus adversários. Afrontas me quebrantaram o coração, e estou
fraquíssimo. Esperei por alguém que tivesse compaixão, mas não houve nenhum; e por
consoladores, mas não os achei." (Sl 69.1-3, 14, 15, 17-20) E outra vez: "Um abismo
chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm
passado sobre mim" (Sl 42.7). A aversão divina ao pecado sobreveio impetuosa e
rebentou sobre o Portador do Pecado. Aguardando de modo expectante a terrível
angústia da cruz, ele clamou através de Jeremias: "Não vos comove isto a todos vós
que passais pelo caminho? Atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio
sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua ira" (Lm 1.12).
Essas são algumas das passagens que nos sugerem e pelas quais podemos julgar o
indizível horror com que o Santo contemplava aquelas três horas na cruz, horas nas
quais estava condensado o equivalente a uma eternidade no inferno. O amado do Pai
deve ter a luz da face de Deus ocultada dele; ele deve ser deixado sozinho nas
trevas exteriores.

Aqui tinha amor incomparável e imensurável. "Se queres, passa de mim este cálice",
ele clamou. Mas não era possível que seu povo fosse salvo a menos que ele bebesse
até a última gota daquele copo de desgraça e ira; e, porque não havia nenhum outro
que podia bebê-lo, ele o fez. Bendito seja seu nome! Onde o pecado havia trazido o
homem, o amor trouxe o Salvador. "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" 7.
Aqui vemos a destruição da "esperança maior".

Esse clamor do Salvador prenuncia a condição final de toda alma perdida — abando
ameaças de sua palavra. Exatamente como a antiga serpente argumentou com Eva. Deus
tinha dito: "No dia em que dela comeres, certamente morrerás". A serpente disse:
"Certamente não morrereis". Mas qual palavra evidenciou ser verdadeira? Não a do
diabo, pois ele é mentiroso desde o princípio. A ameaça divina foi cumprida, e
nossos primeiros pais morreram espiritualmente no dia em que desobedeceram à sua
ordem. Isso se provará também num dia vindouro. Deus é misericordioso; o fato dele
ter provido um Salvador, leitor, demonstra-o. O fato de que ele convida você para
receber a Cristo como seu Salvador evidencia sua misericórdia. O fato de que ele é
tão longânime com você, que suporta a sua obstinada rebelião até agora, que
prolongou o seu dia de graça até o presente momento, prova-o. Mas há um limite para
a sua misericórdia. O dia da misericórdia em breve findará. A porta de esperança em
breve será trancada. A morte pode rapidamente ceifar a ti, e após essa vem "o
juízo". E no Dia do Juízo Deus vai tratar com justiça e não com misericórdia. Ele
vingará a misericórdia da qual você desdenhou. Ele executará a sentença de
condenação já passada sobre você: "Quem não crer será condenado" (Mc 16.16).

Não repetiremos novamente o que já dissemos em detalhes; basta por ora lembrar o
leitor mais uma vez como esse brado de Cristo testemunha do ódio divino ao pecado.
Porque é justo e santo, Deus deve julgar o pecado onde quer que ele seja
encontrado. Se então ele não poupou o Senhor Jesus quando o pecado foi achado sobre
ele, que esperança pode haver, leitor não salvo, de que ele poupará a ti quando
estiveres diante dele no grande trono branco com pecado sobre ti? Se Deus derramou
sua ira em Cristo enquanto pendurado como fiador de seu povo, fique certo de que
ele, com a mais absoluta certeza, derrama-la-á sobre você, se morrer em seus
pecados. A palavra da verdade é explícita: "Aquele que não crê no Filho não verá a
vida,
mas a ira de Deus sobre ele permanece" (Jo 3.36). Deus "não poupou" seu próprio
Filho quando tomou o lugar do pecador, e não poupará a quem rejeita o Salvador.
Cristo ficou separado de Deus por três horas, e se você finalmente rejeitá-lo como
seu Salvador, também o será, para sempre — "os quais sofrerão, como castigo, a
perdição eterna, banidos da face do senhor" (2Ts 1.9, ARA). "Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?" Eis aqui um Brado de Desolação — Leitor, possa você Eis
aqui um Brado Leitor, possa você Eis aqui um Brado Leitor, possa você

nunca ecoá-lo. de Separação — jamais experimentá-lo. de Expiação — apropriar-se de


suas virtudes salvíficas.

5. A PALAVRA DE SOFRIMENTO

"Sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se
cumprisse, disse: Tenho sede" "TENHO SEDE". Tais palavras foram faladas pelo
Salvador padecente um pouco antes de ele curvar sua cabeça e render o espírito.
Somente são registradas pelo evangelista João e, como podemos ver, é conveniente
que elas devam ter lugar em seu evangelho, pois não apenas demonstram sua
humanidade, mas também salientam sua glória divina. João 19.28

"Tenho sede". Que texto para um sermão! Um sermão curto e verdadeiro, e contudo
quão abrangente, quão expressivo, e quão trágico! O Criador dos céus e da terra com
os lábios ressecados! O Senhor da glória precisando de um gole de água! O Amado do
Pai clamando, "Tenho sede!" Que cena! Que palavra, essa! Claramente, nenhuma pena
não inspirada traçou um quadro desses.

Outrora o Espírito de Deus moveu Davi a dizer a respeito do Messias vindouro:


"Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre" (Sl 69.21).
Quão maravilhosamente completa foi a previsão da profecia! Nenhum item essencial
lhe estava faltando. Todo detalhe importante da grande tragédia fora escrito de
antemão. A traição por um amigo íntimo (Sl 41.9), a deserção dos discípulos por
ficarem escandalizados com ele (Sl 31.11), a acusação falsa (Sl 35.11), o silêncio
perante seus juízes (Is 53.7), sua ausência de culpa provada (Is 53.9), o ser
contado entre os transgressores (Is 53.12), o ser crucificado (Sl 22.16), a
zombaria dos espectadores (Sl 109.25), o escárnio pelo não-livramento (Sl 22.7, 8),
o sorteio de suas vestes (Sl 22.18), a oração por seus inimigos (Is 53.12), o ser
desamparado por Deus (Sl 22.1), a sede (Sl 69.21), o render de seu espírito nas
mãos do Pai (Sl 31.5), os ossos não quebrados (Sl 34.20), o sepultamento na tumba
de um rico (Is 53.9); tudo claramente predito séculos antes de se suceder. Que
evidência convincente da inspiração divina das escrituras! Quão firme fundamento
vós, santos do Senhor, está posto para sua fé, na sua palavra excelente! "Tenho
sede". O fato que está aqui registrado como uma das sete elocuções de nosso Senhor
na cruz sugere que seja uma palavra de precioso significado, uma palavra para ser
entesourada em nossos corações, uma palavra merecedora de prolongada meditação.
Temos visto que cada um dos ditos anteriores do Salvador padecente tem muito a nos
ensinar e, certamente, esse não pode ser uma exceção. O que então podemos deduzir
dele? Quais são as lições que essa quinta palavra da série nos ensina? Possa o
Espírito da verdade iluminar nosso entendimento à medida que nos esforçamos para
fixar nela nossa atenção. "Tenho sede" 1. Temos aqui uma prova da humanidade de
Cristo.
O Senhor Jesus era Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, mas também foi homem
verdadeiro vindo de homem verdadeiro. Isso é algo para ser crido e não para que a
orgulhosa razão sobre ele especule. A pessoa de nosso adorável Salvador não é um
objeto adequado para a diagnose intelectual; antes, devemos nos curvar diante dele
em adoração. Ele mesmo nos avisou: "Ninguém conhece o Filho, senão o Pai" (Mt
11.27). E outra vez o Espírito de Deus, através do apóstolo Paulo, declara: "E
evidentemente é grande o mistério da piedade com que Deus se manifestou em carne"
(1Tm 3.16, Vulgata). Enquanto pois há muita coisa acerca da pessoa de Cristo que
nos é insondável ao próprio entendimento, todavia, tudo que há sobre ele é para se
admirar e prestar adoração: em primeiro lugar, sua deidade e humanidade, e a
perfeita união dessas duas em uma única pessoa. O Senhor Jesus não foi um homem
divino, nem um Deus humanizado; foi o Deus-homem. Para sempre Deus, e agora para
sempre homem. Quando o Amado do Pai encarnou-se, não cessou de ser Deus, nem pôs de
lado nenhum de seus atributos divinos, ainda que tenha se despojado da glória que
tinha com o Pai antes de haver o mundo. Mas na encarnação, o Verbo se fez carne e
tabernaculou entre os homens. Ele não deixou de ser tudo o que era anteriormente,
mas tomou para si o que não tinha antes — humanidade perfeita.

A deidade e a humanidade do Salvador foram, cada uma delas, contempladas na


predição messiânica. A profecia representava aquele que havia de vir, ora como
divino, ora como humano. Ele era o "Renovo do Senhor" (Is 4.2). Ele era o
Maravilhoso, o Conselheiro, o Deus forte, o Pai dos séculos (Hebreus), o "Príncipe
da paz" (Is 9.6). Aquele que haveria de sair de Belém e ser rei em Israel, era
aquele cujas saídas são desde os dias da eternidade (Mq 5.2). Ele era ninguém menos
do que o próprio Jeová que apareceria de repente no templo (Ml 3.1). Todavia, por
outro lado, ele era a "semente" da mulher (Gn 3.15); um profeta como Moisés (Dt
18.18); um descendente da linhagem de Davi (2Sm 7.12,13). Ele era o "servo" de
Jeová (Is 42.1). Ele era o "homem de dores" (Is 53.3). E é no Novo Testamento que
nós vemos esses dois diferentes grupos de profecias harmonizados. Aquele nascido em
Belém era o Verbo divino. A Encarnação não significa que Deus se manifestou como um
homem. O Verbo se fez carne; tornou-se o que não era antes, ainda que nunca
cessasse de ser tudo o que fora anteriormente. Aquele que era em forma de Deus e
que não teve por usurpação ser igual a Deus "aniquilou-se a si mesmo, tomando a
forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens" (Fp 2.6,7). O bebê de Belém era
Emanuel — Deus conosco —, era mais do que uma manifestação de Deus, ele era Deus
manifestado em carne. Era tanto Filho de Deus como Filho do Homem. Não duas
personalidades separadas, mas uma pessoa possuindo as duas naturezas — a divina e a
humana.

Enquanto aqui na terra, o Senhor Jesus deu provas completas de sua divindade. Ele
falava com sabedoria divina, ele agia em santidade divina, ele exibia poder divino,
e ele mostrava amor divino. Ele lia as mentes dos homens, movia seus corações e
compeliaos em suas vontades. Quando a ele agradava exercer seu poder, toda a
natureza ficava sujeita ao seu mando. Uma palavra dele e a enfermidade saía, uma
tempestade era acalmada, o demônio partia, o morto retornava à vida. Tão
verdadeiramente era ele Deus manifesto em carne, que podia dizer: "Quem vê a mim vê
o Pai".

Assim, também, quando tabernaculava entre os homens, o Senhor Jesus dava total
prova de sua humanidade — humanidade sem pecado. Ele adentrou a esse mundo como
bebê e estava envolto em panos (Lc 2.7). Quando criança, é-nos dito, ele
"crescia... em sabedoria, e em estatura" (Lc 2.52). Quando menino, encontramo-lo
"interrogando" os doutores (Lc 2.46). Quando homem, seu corpo esteve "cansado" (Jo
4.6). Ele "teve fome" (Mt 4.2). Ele dormiu (Mc 4.38). Ele ficou "admirado" (Mc
6.6). Ele "chorou" (Jo 11.35). Ele "orava" (Mc 1.35). Ele "se alegrou" (Lc 10.21).
Ele "gemeu internamente" (Jo 11.33, Vulgata). E aqui em nosso texto ele clamou:
"Tenho sede". Isso demonstrava sua humanidade. Deus não tem sede. Os anjos também
não. Não a teremos na glória: "Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede" (Ap
7.16). Mas temos sede agora, porque somos humanos e estamos vivendo num mundo de
dor. E Cristo ficou sedento porque era homem: "Pelo que convinha que em tudo fosse
semelhante aos irmãos" (Hb 2.17). "Tenho sede" 2. Vemos aqui a intensidade dos
sofrimentos de Cristo.
Sua luta no Jardim foi finda com o aparecimento do traidor acompanhado pelo bando
que viera prendê-lo. Ele foi trazido perante Caifás e, ainda que fosse metade da
noite, foi examinado e condenado. O Salvador foi retido até de manhã cedo, e após
as fatigantes horas de espera haverem terminado, foi levado para diante de Pilatos.
Seguindo um longo julgamento, ordens foram dadas para que se o açoitassem. Em
seguida, foi conduzido, talvez atravessando direto pela cidade, à corte de
julgamento de Herodes e, depois de uma breve aparição perante esse prelado romano,
foi entregue às mãos dos brutais soldados. Novamente foi ele escarnecido e
chicoteado, e outra vez foi levado através da cidade, de volta a Pilatos. Mais uma
vez houve a enfadonha demora, as formalidades de um julgamento, se é que uma tal
farsa seja merecedora desse nome, seguida pela sentença de morte dada. Então, com
as costas sangrando, carregando sua cruz sob o calor do sol do já quase meiodia,
ele caminhou até às escarpadas alturas do Gólgota. Atingindo o lugar designado da
execução, suas mãos e pés foram pregados ao madeiro. Por três horas ele ficou ali
pendurado com os inclementes raios solares incidindo sobre sua cabeça coroada de
espinhos. Isso foi seguido pelas três horas de trevas que agora o cobria.

Vamos primeiro considerar esse brado do Salvador como uma expressão de seu
sofrimento corporal. Para perceber algo do que há por trás de tais palavras devemos
relembrar e rever o que as precede. Após instituir a Ceia no cenáculo, seguida pelo
longo discurso pascal a seus apóstolos, o Redentor transferiu-se para o Getsêmane e
ali, por uma hora, passou pela mais excruciante agonia. Sua alma estava
extremamente triste. Enquanto ele contemplava o terrível cálice dele escorria, não
suor, mas grandes gotas de sangue.

Aquela noite e aquele dia foram horas nas quais uma eternidade foi condensada.
Todavia, durante toda ela, nem uma só palavra de murmuração passou em seus lábios.
Não havia queixa alguma, nenhum rogo por misericórdia. Todos os seus sofrimentos
foram suportados em augusto silêncio. Como uma ovelha muda perante seus
tosquiadores, ele não abriu a sua boca. Mas agora, no fim, seu corpo arruinado,
dorido, sua boca ressecada, ele clama, "Tenho sede". Não foi um apelo por
compaixão, nem um pedido pela mitigação de seus sofrimentos; ele expressou a
intensidade das agonias por que estava passando.

"Tenho sede". Isso era mais do que a sede comum. Era algo mais profundo do que os
sofrimentos físicos por detrás dela. Uma comparação cuidadosa de nosso texto com o
de Mateus 27.48 mostra tais palavras "Tenho sede" seguidas imediatamente após a
quarta elocução de nosso Salvador na cruz — "Eli, Eli, lama sabactâni" — pois
enquanto o soldado estava pressionando a esponja embebida em vinagre nos lábios do
padecente, alguns dos espectadores gritaram: "Deixa, vejamos se Elias vem livrá-
lo". Todos sabemos que as provações internas da alma reagem no corpo, destruindo os
nervos e afetando o vigor — "O espírito abatido virá a secar os ossos" (Pv 17.22);
"Enquanto eu me calei, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia.
Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em
sequidão de estio" (Sl 32.3,4). O corpo e a alma são solidários um com o outro.
Lembremo-nos de que o Salvador havia acabado de emergir das três horas de trevas,
durante as quais a face de Deus havia se retirado dele enquanto sofria a fúria de
sua ira derramada. Esse grito de sofrimento do corpo diz-nos, então, da severidade
do conflito espiritual que ele tinha acabado de passar! Falando com antecedência
pela boca de Jeremias dessa hora mesma, ele disse: "Não vos comove isto a todos vós
que passais pelo caminho? atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio
sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua ira. Desde o
alto enviou fogo a meus ossos, o qual se assenhoreou deles; estendeu uma rede aos
meus pés, fez-me voltar para trás, fez-me assolada e enferma todo o dia" (Lm
1.12,13).

Sua "sede" foi o efeito da agonia de sua alma no feroz calor da ira divina. Falava
da seca da terra onde o Deus vivo não está. Mais ainda: claramente expressava seu
anelo por comunhão novamente com ele, de quem ficara separado por três horas. Não
foi o próprio Cristo quem disse, pelo espírito de profecia, e o faz agora, assim
que emergiu das trevas: "Como o cervo brama pelas correntes de águas, assim suspira
a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando
entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?" Não identificam as palavras
seguintes quem fala e não revelam elas o tempo em que aquele anelo e "suspiro"
foram expressos? "As minhas lágrimas servem-me de mantimento de dia e de noite,
porquanto me dizem constantemente: Onde está o teu Deus?" (Sl 42.1-3). "Tenho sede"
3. Aqui vemos a profunda reverência de nosso Senhor pelas escrituras.

A fim de alcançar a força principal dessa quinta elocução do Salvador na cruz,


devemos reparar em seu contexto: "Sabendo Jesus que já todas as coisas estavam
terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede" (Jo 19.28). A
referência é ao Salmo 69 — mais um dos salmos messiânicos que descrevem tão
vividamente sua paixão. No espírito de profecia, havia declarado: "Deram-me fel por
mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre" (v. 21). Isso ainda estava
sem ser concluído. As predições dos versículos precedentes já tinham recebido seu
cumprimento. Ele já havia atolado no "profundo lamaçal" (v. 2); ele havia sido
aborrecido "sem causa" (v. 4); ele havia "suportado afrontas" e confusão (v. 7);
ele havia se "tornado como um estranho" para os seus irmãos (v. 8); ele havia se
tornado "um provérbio" para os seus injuriadores, e "a canção dos bebedores de
bebida forte" (vv. 11,12); ele havia "clamado a Deus" em sua angústia (vv. 17-20) —
e agora nada mais faltava senão oferecer a ele a bebida de vinagre e fel, e a fim
de cumprir isso foi que ele bradou: "Tenho sede". "Sabendo Jesus que já TODAS as
coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede".
Quão completamente calmo estava o Salvador! Ele estava pendurado naquela cruz por
seis horas e havia passado por sofrimento sem paralelo, e contudo sua mente está
clara e sua memória intacta. Tinha diante de si, com perfeita distinção, toda a
palavra divina. Ele revisava o escopo todo da predição messiânica. Ele lembra-se de
que há uma profecia escriturística que não foi levada a cabo. Ele não passou por
cima de nada. Que prova essa de que ele era divinamente superior a todas as
circunstâncias!

Quão constantemente a mente do Salvador se voltava aos oráculos sagrados! Ele de


fato vivia de toda a palavra que sai da boca de Deus. Era o "Bem-aventurado Homem"
que meditava na lei de Deus "de dia e de noite" (Sl 1). A palavra escrita era o que
formava seus pensamentos, preenchia o seu coração, e regulava os seus caminhos. As
escrituras são a vontade do Pai transcrita, e essa foi sempre o seu deleite. Na
tentação, aqueles escritos foram sua defesa. Em seu ensino os estatutos do Senhor
foram sua autoridade. Em suas controvérsias com os escribas e fariseus, sempre
apelou à lei e ao testemunho. E agora, na hora da morte, sua mente permanecia na
palavra da verdade.

Antes de prosseguirmos devemos brevemente indicar uma aplicação para nós mesmos.
Temos observado como o Salvador se curvou à autoridade da escritura tanto na vida
quanto na morte; leitor cristão, como isso se dá contigo? O livro divino é a corte
final de apelação a você? Você descobre nela uma revelação da mente e da vontade de
Deus concernente a você? Ela é uma lâmpada para os seus pés? Ou seja, você está
andando em sua luz? Os seus mandamentos são obrigatórios para você?

Você está realmente obedecendo-a? Você pode dizer com Davi, "Escolhi o caminho da
verdade; propus-me seguir os teus juízos. Apego-me aos teus testemunhos...
Considerei os meus caminhos, e voltei os meus pés para os teus testemunhos.
Apressei-me, e não me detive, a observar os teus mandamentos" (Sl 119.30,31,59,60)?
Você, como o Salvador, está ansioso por cumprir as escrituras? Ó, possam o escritor
e o leitor buscar graça para orar de coração: "Faze-me andar na vereda dos teus
mandamentos, porque nela tenho prazer. Inclina o meu coração a teus testemunhos...
Ordena os meus passos na tua palavra, e não se apodere de mim iniqüidade alguma"
(Sl 119.35,36,133). "Tenho sede" 4. Vemos aqui a submissão do Salvador à vontade do
Pai.

O Salvador estava com sede, e aquele que tinha tal sede, lembremos, possuía todo o
poder no céu e na terra. Houvesse ele escolhido exercitar sua onipotência, poderia
prontamente ter satisfeita a sua necessidade. Aquele que outrora fizera a água
fluir da rocha ferida para saciar Israel no deserto, tinha os mesmos recursos
infinitos à sua disposição agora. Aquele que tornara a água em vinho com uma
palavra, poderia ter dito a palavra de poder aqui, e satisfazer a sua necessidade.
Mas ele, em nenhuma vez, operou um milagre para seu próprio benefício ou conforto.
Quando tentado por Satanás para assim agir, recusou. Por que agora ele declina de
Na morte, como na vida, a escritura foi para o Senhor Jesus a palavra autorizada do
Deus vivo. Na tentação, recusara-se a ministrar à sua necessidade à parte daquela
palavra pela qual ele vivia e assim, agora, ele faz conhecida sua necessidade, não
para que se pudesse ministrar a ela, mas para que a escritura pudesse ser cumprida.
Note que ele mesmo não a cumpriu, a Deus pode ser confiado que cuide disso; mas ele
dá expressão à sua angústia de modo a fornecer ocasião para o seu cumprimento. Como
alguém disse: "A terrível sede da crucificação está sobre ele, mas que não é
suficiente para forçar seus lábios ressecados para falar; mas está escrito: Na
minha sede me deram a beber vinagre — isso abre os seus lábios" (F. W. Grant).
Aqui, então, como sempre, ele mostra a si mesmo em ativa obediência à vontade de
Deus, a qual ele veio para executar. Ele simplesmente diz, "Tenho sede"; o vinagre
é oferecido, e a profecia é cumprida. Que perfeita absorção na vontade do Pai!
Novamente damos uma pausa para a aplicação a nós mesmos — uma aplicação dupla.
Primeiro, o Senhor Jesus se deleitava na vontade do Pai mesmo quando envolvia o
sofrimento da sede. Nós fazemos esse tipo de renúncia para ele? Temos nós buscado
graça para dizer: "Não se faça a minha vontade, mas a tua"? Podemos nós exclamar,
"Sim, ó Pai, porque assim te aprouve"? Temos nós aprendido em qualquer estado que
seja a "viver contente" (Fp 4.11)? Mas agora, observe um contraste. Ao Filho de
Deus foi negado um copo de água fria para aliviar seu sofrimento — quão diferente
conosco! Deus nos tem dado uma variedade de alívios para nós, todavia, quão
freqüentemente somos mal-agradecidos! Temos coisas melhores para nos deliciar do
que um copo d’água quando estamos sedentos, entretanto, amiúde não somos gratos. Ó,
se esse brado de Cristo fosse com mais credulamente considerado, levar-nos-ia a
bendizer a Deus pelo que nós agora quase desprezamos, e geraria contentamento em
nós pela mais comum das misericórdias. O Senhor da glória clamou, "Tenho sede" e
nada teve à sua volta para confortá-lo, e tu, que tens mil vezes perdido todo
direito às misericórdias tanto temporais quanto espirituais, menosprezas as
bondades comuns da providência! Quê! murmuras de um copo de água, tu que mereces
senão um copo de ira. Ó, ponha isso no coração e aprenda a se contentar com o que
tens, ainda que seja mesmo as necessidades mais simples da vida. Não se queixe se
você mora apenas em uma humilde cabana, pois seu Salvador não tinha onde reclinar a
cabeça! Não se queixe se você não tem nada senão pão para comer, pois a seu
Salvador faltou isso por quarenta dias! Não se queixe se você tem apenas água para
beber, pois a seu Salvador ela foi negada até na hora da morte! "Tenho sede" 5.
Vemos aqui como Cristo pode se solidarizar com seu povo sofredor.

atender a sua premente necessidade? Por que pendia na cruz com os lábios
ressecados? Porque no princípio do livro que expressava a vontade divina, estava
escrito que ele devia ter sede, e que, sedento, devia lhe ser "dado" vinagre para
beber. E ele aqui veio para fazer aquela vontade e, por isso, se submete.

O problema do sofrimento sempre foi um que causou perplexidade. Por que o


sofrimento deve ser necessário em um mundo que é governado por um Deus perfeito? Um
Deus que não apenas tem poder para impedir o mal, mas que é amor. Por que deve
haver dor e desgraça, doença e morte? À medida que olhamos o mundo e tomamos
conhecimento de suas incontáveis pessoas que sofrem, ficamos desconcertados. Esse
mundo não é senão um vale de lágrimas. Uma fina aparência de alegria raramente tem
êxito em esconder os tristes fatos da vida. Filosofar sobre o problema do
sofrimento traz arco alívio. Após todos os nossos raciocínios, perguntamos, Deus
vê? Há conhecimento no Altíssimo? Ele realmente se importa? Como todas as questões,
essas devem ser levadas à cruz. Enquanto não acham elas uma resposta completa,
entretanto elas encontram sim aquela que satisfaz o coração ansioso. Enquanto o
problema do sofrimento não é plenamente resolvido aqui, todavia a cruz lança sim
luz suficiente sobre ele para aliviar a tensão. A cruz mostra-nos que Deus não
ignora nossas dores, pois na pessoa de seu Filho ele mesmo "tomou sobre si as
nossas enfermidades, e as nossas dores" (Is 53.4, ARA)! A cruz nos mostra que Deus
não está desatento às nossa tristeza e angústia, pois, ao se encarnar, ele próprio
sofreu! A cruz diz-nos que Deus não é indiferente à dor, pois no Salvador ele a
experimentou! Qual então o valor de tais fatos? Este: "Porque não temos um sumo
sacerdote que não pode compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós,
em tudo foi tentado, mas sem pecado" (Hb 4.15). Nosso Redentor não é alguém tão
afastado de nós que seja incapaz de
"Homem de Dores". Aqui então está o conforto para o coração dorido. Não importa
quão desalentado possa estar você, não importa quão escarpada a sua senda e triste
o seu quinhão, você é convidado a pô-lo todo diante do Senhor Jesus e lançar todo
seu cuidado sobre ele, sabendo que "tem cuidado de vós" (1Pd 5.7). O seu corpo está
arruinado pela dor? Assim estava o dele! Você é mal interpretado, julgado
injustamente, deturpado? Assim era ele! Aqueles que lhe são mais próximos e mais
queridos deram às costas a você? Fizeram isso com ele! Você está em trevas? Ele
esteve assim por três horas! "Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos
irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote" (Hb 2.17). "Tenho sede" 6.
Vemos aqui a expressão de uma necessidade universal.

entrar, solidariamente, em nossas tristezas, pois ele mesmo foi o

A sede é uma sede espiritual; eis o porquê das coisas naturais não poder matá-la.
Desconhecido deles mesmos, sua alma "tem sede de Deus" (Sl 42.2). Deus nos fez, e
só ele pode nos satisfazer. Disse o Senhor Jesus: "Aquele que beber da água que eu
lhe der nunca terá sede" (Jo 4.14). Apenas Cristo pode saciar a nossa sede. Apenas
ele pode satisfazer a profunda necessidade dos nossos corações. Apenas ele pode
comunicar aquela paz de que o mundo nada sabe e nem a pode conceder ou tirar. Ó
leitor, uma vez mais eu me dirijo a tua consciência. Como está ela contigo?
Descobriste que tudo debaixo do sol é somente vaidade e aflição de espírito?
Descobriste que as coisas terrenas são incapazes de satisfazer a seu coração? É o
brado de sua alma, "Tenho sede"? Então, não são boas notícias ouvir que há alguém
que pode satisfazer a ti? Dissemos alguém, não um credo, não uma forma de religião,
mas uma pessoa — uma pessoa viva, divina. Ele é o que diz: "Vinde a mim, todos os
que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28). Atente então a
esse doce convite. Venha a ele agora, assim como estás. Venha em fé, crendo que ele
te receberá, e então cantarás: Vim a Jesus como estava, Farto, cansado, e triste;
Nele encontrei um lugar de descanso, E ele me tornou alegre.

Quer o homem natural, o mundano, articule-o ou não, seu clamor é, "Tenho sede".
Porque esse desejo consumidor para adquirir bens? Por que esse desejo ardente pelas
honras e aplausos do mundo? Por que essa corrida louca por prazer, indo de uma
forma a outra dele com diligência persistente e incansável? Por que essa busca
ávida por sabedoria — essa investigação científica, esse empenho da filosofia, esse
saque aos manuscritos dos antigos, e essa experimentação incessante dos homens
modernos? Por que essa loucura por aquilo que é novo? Por quê? Porque há uma voz de
dor na alma. Porque há algo remanescente no homem natural que não está satisfeito.
Isso é verdadeiro tanto para o milionário quanto para o camponês do interior que
nunca esteve fora dos limites de sua terra: viajando de um extremo a outro da terra
e fazendo-o outra vez, não consegue descobrir o segredo da paz. Sobre tudo o que as
cisternas deste mundo fornecem está escrito nas letras da verdade inefável:
"Qualquer que beber desta água tornará a ter sede" (Jo 4.13). Assim se dá com o
homem ou a mulher religiosos: queremos dizer, os religiosos sem Cristo. Quantos há
que vão pelo fatigante ciclo das ações religiosas, e nada encontram que satisfaça
suas profundas necessidades! Eles são membros de uma denominação evangélica,
freqüentam a igreja com regularidade, contribuem com seus recursos para o sustento
do pastor, lêem suas Bíblias ocasionalmente, e algumas vezes oram, ou, se usam um
"livro de orações", dizem-nas toda noite. E contudo, afinal de contas, se eles são
honestos, seu clamor ainda é, "Tenho sede".

Ó, venha a Cristo. Não se detenha. Você tem "sede"? Então você é aquele que está
buscando: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão
fartos" (Mt 5.6).

Leitor não salvo, não rejeite o Salvador, pois se você morrer em seus pecados seu
clamor para todo o sempre será, "Tenho sede". Esse é o lamento do condenado
eternamente. No lago de fogo o perdido sofrerá entre as chamas da ira divina por
toda a eternidade. Se Cristo clamou "Tenho sede" quando padecia da ira de Deus só
por três horas, qual o estado daqueles que
terão de suportá-la eternamente! Quando milhões de anos tiverem se passado, mais
dez milhões haverá à frente. Há uma sede perene no inferno, que não admite alívio
algum. Lembrese das pavorosas palavras do homem rico: "E, clamando, disse: Pai
Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro, que molhe na água a ponta do seu
dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama" (Lc 16.24). Ó,
meu leitor, pense. Se a sede física extrema é insuportável mesmo quando suportada
por algumas poucas horas, como será aquela sede que está infinitamente além de
qualquer sede do presente, e que nunca será saciada! Não diga que é cruel da parte
de Deus lidar desse modo com suas criaturas que erram. Lembre ao que ele expôs seu
querido Filho, quando o pecado lhe foi imputado — seguramente, aquele que despreza
a Cristo é merecedor do mais quente lugar no inferno! Dizemo-lo outra vez, Receba-o
agora como seu. Receba-o como seu Salvador, e submeta-se a ele como seu Senhor.
"Tenho sede" 7. Aqui vemos a declaração de um princípio permanente.

Há um sentido, um sentido real, em que Cristo ainda tem sede. Ele está sedento pelo
amor e pela devoção dos seus. Ele anseia pela companhia do povo que comprou com seu
sangue. Eis aqui uma das grandes maravilhas da graça — um pecador redimido pode
oferecer aquilo que satisfaz o coração de Cristo! Posso compreender como devo
apreciar seu amor, mas quão maravilhoso que ele — o todo-suficiente — deva apreciar
o meu! Eu aprendi quão abençoada é para minha alma a comunhão com ele, mas quem
suporia que minha comunhão fosse bendita para Cristo! Todavia o é. Por isso ele
ainda "tem sede". A graça nos capacita a oferecer aquilo que o refrigera.
Maravilhoso pensamento! Você já reparou em João 4 que, embora Cristo dissesse à
mulher que veio ao poço, "Dáme de beber" — pois ele assentou-se ali "cansado" da
viagem e do calor — que ele nunca tomou um gole de água? Na salvação e na fé
daquela mulher samaritana ele achou aquilo que refrescou seu coração! O amor nunca
fica satisfeito até que haja uma resposta e amor em troca! Assim o é com Cristo.
Aqui está a chave para Apocalipse 3.20: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém
ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele
comigo".

Isso é amiúde aplicado ao não salvo, mas sua referência principal é à Igreja.
Descreve se Cristo buscando a companhia dos seus. Ele fala de "cear", e na
escritura isso sempre simboliza comunhão, da mesma forma que a Ceia do Senhor é uma
oportunidade especial de comunhão entre o Salvador e o salvo. E observe nessa
passagem que Cristo fala de uma dupla ceia — "entrarei em sua casa, e com ele
cearei, e ele comigo". Não somente é nosso inefável privilégio cear e comungar com
ele, deleitarmo-nos nele, mas ele "ceia" conosco. Ele encontra em nossa comunhão
algo com que alimentar seu coração, algo que o alivia, e esse algo é a nossa
devoção e o nosso amor. Sim, o Cristo de Deus ainda "tem sede", sede pela afeição
dos seus. Ó, não oferecerá você algo que a ele satisfaça? Responda então ao apelo
dele: "Põe-me como selo sobre o teu coração" (Ct 8.6). 6. A PALAVRA DE VITÓRIA "E,
quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado" João 19.30

NOSSOS DOIS ÚLTIMOS ESTUDOS se ocuparam com a tragédia da cruz; porém, voltamo-nos
agora para o seu triunfo. Nestas palavras, "Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?" ouvimos o brado de desolação do Salvador; em "Tenho sede", escutamos
seu clamor de lamentação; agora, chega aos nossos ouvidos seu brado de júbilo —
"Está consumado". Das palavras da vítima voltamo-nos agora às palavras do
conquistador. Um provérbio diz que toda nuvem tem seu interior prateado: deu-se
assim com a mais escura de todas as nuvens. A cruz de Cristo tem dois grandes
lados: ela mostrou a grande profundidade de sua humilhação, mas também assinalou o
objetivo da Encarnação, e mais, falou da consumação de sua missão, e forma ela a
base de nossa salvação. "Está consumado". Os antigos gregos orgulhavam-se de serem
capazes de dizer muita coisa falando pouco — "dar um mar de assunto em uma gota de
linguagem" era tido como a perfeição em oratória. O que eles buscavam é encontrado
aqui. "Está consumado", no original, é apenas uma palavra, todavia, nessa palavra
está contido o
evangelho de Deus; nessa palavra está contido o fundamento da segurança do crente;
nessa palavra é descoberta a essência de todo gozo, bem como o próprio espírito de
toda consolação divina.

"Está consumado". Isso não foi o grito de desespero de um mártir desamparado; não
foi uma expressão de satisfação pelo término de seus sofrimentos haver então
chegado; não foi o último suspiro de uma vida que se findava. Não, antes foi a
declaração da parte do divino Redentor de que tudo pelo qual ele viera do céu à
terra para fazer, estava agora feito; que tudo que era necessário para revelar o
completo caráter de Deus agora se tinha concluído; que tudo que era requerido pela
lei antes que os pecadores pudessem ser salvos tinha agora sido realizado: que o
preço da nossa escravidão foi pago para a nossa redenção. "Está consumado". O
grande propósito divino na história do homem era agora efetuado — efetuado de jure
tanto quanto ainda o será de facto. Desde o princípio, a intenção de Deus foi
sempre uma e indivisível. Foi declarada aos homens de várias maneiras: em símbolo e
tipo, por misteriosos sinais e por claras sugestões, mediante predição messiânica e
mediante declaração didática. Esse seu propósito pode ser assim resumido: mostrar
sua graça e engrandecer seu Filho criando filhos a sua própria imagem e glória. E
na cruz o fundamento que foi posto era para que isso se tornasse possível e real.

"Está consumado". O que está consumado? A resposta a tal questão é uma resposta mui
abundante de significado, ainda que vários excelentes expositores procurem limitar
o escopo de tais palavras e confiná-las estritamente a uma única aplicação. É-nos
dito que foram consumadas as profecias que diziam respeito aos sofrimentos do
Salvador, e que ele se referia apenas a isso. Admite-se de pronto que a referência
imediata era às predições messiânicas, todavia, pensamos que há razões boas e
suficientes para não confinar as palavras de nosso Senhor a elas. Sim, para nós
parece certo que Cristo se referia especialmente à sua obra sacrificial, pois toda
escritura acerca de seu sofrimento e vergonha não estava cumprida. Ainda restava
entregar seu espírito nas mãos do Pai (Sl 31.5); ainda restava o "traspassar" com a
lança (Zc 12.10: e repare que a palavra utilizada para o traspassar de suas mãos e
pés — o ato de crucificação — no Sl 22.16 é diferente); ainda restava serem seus
ossos preservados sem quebra (Sl 34.20), e o enterro no sepulcro do homem rico (Is
53.9).

"Está consumado". O que estava consumado? Respondemos, sua obra sacrificial. É


verdade que havia ainda o ato da própria morte, que era necessária para fazer a
expiação. Porém, como se dá freqüentemente no Evangelho de João — onde se encontra
nosso texto — (cf. Jo 12.23,31; 13.31; 16.5; 17.4), o Senhor fala aqui
antecipadamente da conclusão de sua obra. Além disso, deve ser lembrado que as três
horas de trevas já haviam passado, o terrível cálice já havia sido sorvido até à
última gota, seu precioso sangue já tinha sido vertido, a ira divina derramada já
havia sido suportada; e esses são os principais elementos para se fazer a
propiciação. A obra sacrificial do Salvador, então, estava completada, com exceção
apenas do ato de morte que se seguiu imediatamente. Mas, como veremos, a consumação
daquela obra pôs fim a várias coisas, e a elas voltaremos a nossa atenção. "Está
consumado"

1. Aqui vemos efetuado o cumprimento de todas as profecias que foram escritas sobre
ele antes que viesse a morrer.

Esse é o pensamento imediato do contexto: "Quando Jesus tomou o vinagre, disse:


Está consumado" (Jo 19.30). Séculos antes, os profetas de Deus tinham descrito
passo a passo a humilhação e o sofrimento por que o Salvador vindouro deveria
passar. Uma por uma das profecias haviam sido cumpridas, maravilhosamente
cumpridas, cumpridas ao pé da letra. Havia profecia que declarava que ele deveria
vir da "semente da mulher" (Gn 3.15): então, ele veio "nascido de mulher" (Gl 4.4).
Havia profecia que anunciava que sua mãe seria uma "virgem" (Is 7.14): então foi
ela literalmente cumprida (Mt 1.18). Havia profecia que revelava que ele deveria
ser da semente de Abraão (Gn 22.18): então, observe seu cumprimento (Mt 1.1). Havia
profecia que fazia saber que ele deveria ser da linhagem de Davi (2Sm 7.12,13):
então tal se deu em realidade (Rm 1.3). Havia profecia que dizia que ele receberia
seu nome antes de nascer (Is 49.1): então assim se sucedeu (Lc 1.30,31).

Havia profecia que previa que ele deveria nascer em Belém de Judá (Mq 5.2): observe
então como essa aldeia mesma foi de fato sua terra natal. Havia profecia que
alertava de antemão que
seu nascimento acarretaria desgosto para outros (Jr 31.15): então, contemple seu
trágico cumprimento (Mt 2.16-18). Havia profecia que mostrava com antecedência que
o Messias deveria aparecer antes que o cetro da ascendência de Judá sobre as demais
tribos tivesse dela partido (Gn 49.10); então assim foi, pois ainda que as dez
tribos estivessem cativas, Judá ainda estava na terra na época de seu advento.
Havia profecia que aludia à fuga para o Egito e ao subseqüente retorno para a
Palestina (Os 11.1 e cf. Is 49.3,6): então, assim aconteceu (Mt 2.14,15).

Havia profecia que fazia menção de um que viria antes de Cristo para aprontar seu
caminho (Ml 3.1): então, veja seu cumprimento na pessoa de João Batista. Havia
profecia que dava a conhecer que no aparecimento do Messias "os olhos dos cegos
serão abertos, e os ouvidos dos surdos se abrirão. Então os coxos saltarão como
cervos, e a língua dos mudos cantará" (Is 35.5,6): então, leia de uma ponta a outra
os quatro evangelhos e veja de quão bendita maneira isso se provou verdadeiro.
Havia profecia que falava dele como "pobre e necessitado" (Sl 40.17 — vide início
do salmo): então, contemple-o não tendo onde reclinar a cabeça. Havia profecia que
sugeria que ele falaria em "parábolas" (Sl 78.2): então tal foi amiúde seu método
de ensino. Havia profecia que o representava acalmando a tempestade (Sl 107.29):
então, isso foi exatamente o que ele fez. Havia profecia que proclamava sua
"entrada triunfal" em Jerusalém (Zc 9.9): então assim se sucedeu.

Somente nos resta assinalar que, enquanto houve um grupo todo de profecias que
tinha de se dar no primeiro advento do Salvador, assim também há um outro que tem
de acontecer em seu segundo advento — o último, tão definido, pessoal e completo em
seu escopo quanto o primeiro. Assim como vemos o real cumprimento daquelas que
tinham de ocorrer em sua primeira vinda à terra, também podemos aguardar com
absoluta confiança e segurança o cumprimento daquelas que terão lugar em sua
segunda vinda. E, como vimos que o primeiro grupo de profecias foi cumprido
literal, real e pessoalmente, também devemos esperar que o último o seja. Admitir o
cumprimento literal do primeiro, e então procurar espiritualizar e simbolizar o
último, é não apenas grosseiramente inconsistente e ilógico, mas altamente
pernicioso para nós e profundamente desonroso a Deus e à sua palavra. 2. Vemos aqui
o término de seus sofrimentos. "Está consumado"

Havia profecia que anunciava que sua pessoa deveria ser desprezada (Is 53.3); que
ele deveria ser rejeitado pelos judeus (Is 8.14); que ele deveria ser aborrecido
"sem causa" (Sl 69.4): então, é triste dizê-lo, tal foi precisamente o caso. Havia
profecia que pintava o quadro inteiro de sua degradação e crucificação — então, foi
ele vividamente reproduzido. Houvera a traição por um amigo íntimo, a deserção por
seus queridos discípulos, o ser levado ao matadouro, o ser levado a julgamento, o
aparecimento de falsas testemunhas contra si, a recusa de sua parte de se defender,
a demonstração de sua inocência, a condenação injusta, a pena de morte sentenciada
sobre si, o traspassamento literal de suas mãos e pés, o ser contado entre os
transgressores, a zombaria da multidão, o lançar sortes sobre suas vestes — tudo
predito séculos antes, e tudo cumprido ao pé da letra. A última profecia de todas
que ainda restava antes de encomendar seu espírito às mãos do Pai tinha agora sido
cumprida. Ele clamou, "Tenho sede", e após o oferecimento de vinagre e fel tudo
estava agora "concluído"; e, quando o Senhor Jesus reviu o inteiro escopo da
palavra profética e viu sua completa realização, ele bradou, "Está consumado"!

E qual língua ou pena pode descrever os sofrimentos do Salvador? Ó, que angústia


inexprimível, física, mental e espiritual que ele suportou! Apropriadamente foi ele
designado "o Homem de Dores". Sofrimentos nas mãos dos homens, nas mãos de Satanás
e nas mãos de Deus. Dor infligida tanto pelos inimigos quanto pelos amigos. Desde o
início ele caminhou entre as sombras que a cruz lançava de través sobre seus
passos. Ouça seu lamento: "Estou aflito e prestes a morrer desde a minha mocidade"
(Sl 88.15). Que luz isso lança sobre seus primeiros anos! Quem pode dizer quanto
está contido nessas palavras? Para nós, um véu impenetrável está lançado sobre o
futuro; nenhum de nós sabe o que um dia pode causar. Mas o Salvador conhecia o fim
desde o começo!

Alguém apenas precisa ler os evangelhos para saber como a terrível cruz esteve
sempre perante ele. Nas bodas de Cana, onde tudo era alegria e divertimento, ele
faz solene referência à sua "hora" que ainda não viera. Quando Nicodemos o
entrevistou à
noite, o Salvador aludiu ao levantamento do Filho do homem. Quando Tiago e João
vieram lhe pedir dois lugares de honra em seu reino vindouro, ele fez menção ao
"cálice" que ele tinha de tomar e ao "batismo" com que deveria ele ser batizado.
Quando Pedro confessou que ele era o Cristo, o Filho do Deus vivo, ele voltou-se
para os seus discípulos e começou a lhes mostrar "que convinha ir a Jerusalém, e
padecer muito dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser
morto, e ressuscitar ao terceiro dia" (Mt 16.21). Quando Moisés e Elias ficaram
diante dele no monte da transfiguração, foi para falar "da sua morte, a qual havia
de cumprir-se em Jerusalém".

Se é verdade que somos bem incapazes de avaliar os sofrimentos de Cristo devido à


antecipação da cruz, menos ainda podemos sondar a pavorosa realidade da própria. Os
sofrimentos físicos foram excruciantes, mas mesmo isso foi como nada se comparado
com sua angústia de alma. Para uma consideração de tais sofrimentos já dedicamos
vários parágrafos nos capítulos anteriores, todavia não nos desculpamos em nada em
retornar a eles novamente. Não é demasiado de nossa parte poder contemplar com
freqüência o que o Salvador suportou a fim de assegurar a salvação para nós. Quanto
mais estivermos familiarizados com seus sofrimentos, e quanto mais amiúde
meditarmos neles, mais caloroso será nosso amor e mais profunda a nossa gratidão.
Finalmente as últimas horas chegaram. Tinha havido a terrível experiência no
Getsêmane seguida pelos comparecimentos perante Caifás, perante Pilatos, perante
Herodes e novamente perante Pilatos. Tinha havido o açoitamento e o escárnio por
parte dos soldados brutais; a jornada ao Calvário; a fixação de suas mãos e pés por
pregos ao cruel madeiro. Tinha havido a injúria dos sacerdotes, do povo e dos dois
ladrões com ele crucificados. Tinha havido a total indiferença de uma turba vulgar,
dentre a qual ninguém houve que "tivesse compaixão" e que dissesse uma palavra de
consolo (Sl 69.20). Tinha havido a apavorante escuridão que lhe ocultou a face do
Pai, que arrancou dele o amargo clamor, "Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?" Tinha havido os lábios ressecados que tiraram dele a exclamação,
"Tenho sede". Tinha havido o horrendo conflito com o poder das trevas enquanto a
serpente "feria" seu calcanhar. Bem podia o padecente perguntar, "Não vos comove
isto a todos vós que passais pelo caminho? atendei, e vede, se há dor como a minha
dor, que veio sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua
ira" (Lm 1.12). Mas agora o sofrimento está findo. Aquilo a que sua santa alma
recuava está acabado. O Senhor o tinha ferido; o homem e o diabo tinham feito o
pior que podiam fazer. O cálice foi completamente bebido. A terrível tempestade da
ira de Deus tinha acabado de passar. As trevas estão terminadas. A espada da
justiça divina está embainhada. O salário do pecado tinha sido pago. As profecias
acerca de seu sofrimento estavam todas cumpridas. A cruz tinha sido "suportada". A
santidade divina tinha sido plenamente satisfeita. Com um brado de triunfo — um
forte brado, um brado que reverberou de uma extremidade a outra do universo — o
Salvador exclama, "Está consumado". A ignomínia e a vergonha, o sofrimento e a
agonia são passado. Nunca mais ele experimentará dor. Nunca mais ele suportará a
contradição de pecadores contra si mesmo. Nunca mais estará ele nas mãos de
Satanás. Nunca mais a luz do semblante de Deus ficará ocultada dele. Bendito seja
Deus, tudo está terminado! A cabeça que antes estava coroada de espinhos, está
agora coroada de glória; Um diadema real adorna a testa do poderoso Conquistador. O
mais alto lugar do Céu é Seu, é Seu por direito, O Rei dos reis e Senhor dos
senhores, e a eterna Luz do Céu. O gozo de todos os que habitam encima, o Gozo de
todos embaixo, Àqueles a que ele manifesta seu amor, e concede que conheçam seu
nome. "Está consumado" 3. Vemos aqui que o objetivo da Encarnação é alcançado.

A Escritura indica que há uma obra especial peculiar a cada uma das pessoas
divinas, ainda que, como as pessoas mesmas, não é sempre fácil distinguir entre
suas respectivas obras. Deus Pai está especialmente envolvido no governo do mundo.
Ele governa sobre todas as obras de suas mãos. Deus Filho está especialmente
envolvido na obra redentora: ele foi quem veio aqui para morrer pelos pecadores.
Deus Espírito está especialmente envolvido com as escrituras: ele foi quem moveu os
santos homens de outrora para falarem as mensagens de Deus, assim como
é quem agora dá iluminação espiritual e entendimento, e guia na verdade. Mas é com
a obra de Deus Filho que estamos aqui particularmente interessados. 109 Nota do
tradutor: No original: The Head that once was crowned with thorns/ Is crowned with
glory now;/ A royal diadem adorns/ The mighty Victor's brow./ The highest place
that heaven affords/ Is His, is His by right,/ The King of kings and Lord of
lords,/ And heaven's eternal Light;/ The Joy of all who dwell above,/ The Joy of
all below/ To whom He manifests His love/ And grants His name to know. Trecho de um
hino de Thomas Kelly (1769-1854), composto em 1820 e parte integrante de The
Handbook to the Lutheran Hymnal (hinário dos luteranos de língua inglesa), # 219
("The Head That Once was Crowned with Thorns"). 110Nota do tradutor: Cf. 2Pd 1.21.

111Nota do tradutor: Cf. Jo 14.26; 2Tm 3.16 ("divinamente inspirada": literalmente,


"sopradas por Deus". Em grego, o verbo "soprar" é da mesma raiz do substantivo
"espírito"). 112 Nota do tradutor: Cf. Jo 16.13.

Antes que o Senhor Jesus viesse a essa terra uma obra definida foi confiada a ele.
No princípio do livro isso foi escrito por ele, e ele veio a fazer a vontade
registrada de Deus.

Mesmo quando garoto de doze anos, os "negócios" do Pai estavam diante de seu
coração e ocupavam a sua atenção. Outra vez, em João 5.36, encontramo-lo dizendo:
"Mas eu tenho maior testemunho do que o de João; porque as obras que o Pai me deu
para realizar, as mesmas obras que eu faço". E, na última noite antes de sua morte,
naquela maravilhosa oração sacerdotal, descobrimo-lo falando: "Eu glorifiquei-te na
terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer" (Jo 17.4).

Em seu livro sobre os sete ditos de Cristo na cruz, o Dr. Anderson-Berry lança mão
de uma ilustração da história a qual, por sua contundente antítese, revela o
sentido e a glória da obra completa de Cristo. Isabel, Rainha da Inglaterra, o
ídolo da sociedade e a líder da alta sociedade européia, quando em seu leito de
morte, voltou-se para a sua dama de companhia e disse: "Ó, meu Deus! Está acabado.
Chego ao fim disso — o fim, o fim. Ter somente uma vida e acabado com ela! Ter
vivido, e amado, e triunfado; e agora saber que está terminado. Pode-se desafiar
tudo o mais, menos isso". E, enquanto a ouvinte assistia a isso sentada, poucos
momentos depois, a face cujo sorriso mais leve trouxera seus cortesãos aos seus
pés, tornava-se numa máscara de argila sem vida, e retribuía a ansiosa contemplação
de sua serva com nada mais do que um fixo olhar vazio. Tal foi o fim de alguém cuja
meteórica carreira fora invejada por metade do mundo. Não podia ser dito que ela
"consumara" alguma coisa, pois consigo tudo foi "vaidade e aflição de espírito".
Quão diferente foi o fim do Salvador — "Eu glorifiqueite na terra, tendo consumado
a obra que me deste a fazer". A missão na qual Deus enviou seu Filho ao mundo
estava agora acabada. Na realidade, não foi terminada até que desse seu último
suspiro, mas a morte viria em instantes e, antecipandose a isso, ele brada, "Está
consumado". A difícil obra está feita. A tarefa divinamente dada a ele está
executada. Uma obra mais digna de honra e mais importante do que qualquer outra
jamais confiada ao homem ou aos anjos estava completada. Aquilo por que deixara a
glória celeste, aquilo pelo qual ele tomara sobre si a forma de servo, aquilo pelo
qual ele havia permanecido na terra por trinta e três anos para fazer, estava agora
consumado. Nada mais tinha para ser adicionado. A meta da Encarnação é atingida.
Com que jubiloso triunfo ele aqui deve ter visto a árdua e custosa obra que lhe foi
entregue agora aperfeiçoada!

"Está consumado". A missão na qual Deus enviara seu Filho ao mundo estava acabada.
Aquilo que fora tencionado na eternidade viera a suceder. O plano de Deus fora
plenamente levado a cabo. É verdade que o Salvador fora morto e crucificado "por
mãos de iníquos", todavia, foi "entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus" (At 2.23, ARA). É verdade que os reis da terra se levantaram, e os príncipes
se ajuntaram contra o Senhor, e contra o seu Cristo; entretanto, não foi senão para
fazer o que a mão e o conselho de Deus "tinham anteriormente determinado que se
havia de fazer" (At 4.28). Por que ele é o Altíssimo, não se pode frustrar a
secreta vontade de Deus. Por que ele é supremo, o conselho de Deus
deve ficar de pé. Por que ele é o TodoPoderoso, o propósito de Deus não pode ser
malogrado. Repetidas vezes as escrituras insistem na irresistibilidade do desejo do
Senhor Deus. Por que sua verdade é agora tão geralmente posta em discussão,
acrescentamos sete passagens que a afirmam:

Mas, se ele resolveu alguma cousa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso
fará (Jó 23.13, ARA). Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode
ser impedido (Jó 42.2).

Mas o nosso Deus está nos céus; faz tudo o que lhe apraz (Sl 115.3). Não há
sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o Senhor (Pv 21.30).

Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem pois o invalidará? E a sua mão
estendida está; quem pois a fará voltar atrás? (Is 14.27). Lembrai-vos das coisas
passadas desde a antigüidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro
semelhante a mim; que anuncio o fim desde o princípio, e, desde a antigüidade as
coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a
minha vontade (Is 46. 9,10).

E, no brado triunfante do Salvador — "Está consumado" — temos uma profecia e um


penhor da execução definitiva do plano de Deus de modo completo e irresistível. No
fim dos tempos, quando tudo estiver terminado, e o propósito divino for plenamente
consumado, quando tudo que ele predeterminou que devesse ser feito estiver
cumprido, então será dito novamente: "Está consumado". "Está consumado" 4. Vemos
aqui a realização da expiação.

E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele
opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a
sua mão, e lhe diga: Que fazes? (Dn 4.35).

Falamos acima de Cristo alcançando a meta da Encarnação, e da consumação de sua


missão na terra; o que foram tal meta e tal missão, a escritura claramente revela.
O Filho do Homem veio aqui "para buscar e salvar o que se havia perdido" (Lc
19.10). Cristo Jesus entrou no mundo "para salvar os pecadores" (1Tm 1.15). Deus
enviou seu Filho, nascido de mulher, "para remir os que estavam debaixo da lei" (Gl
4.4). Ele foi manifestado "para tirar os nossos pecados" (1Jo 3.5). E tudo isso
envolvia a cruz. O "perdido" que ele veio buscar só podia ser encontrado lá — no
lugar de morte e sob a condenação divina. Os pecadores podiam ser "salvos" somente
por alguém tomando seu lugar e levando suas iniqüidades. Aqueles que estavam sob a
lei apenas podiam ser "remidos" por um outro que cumprisse suas exigências e
sofresse sua maldição. Nossos pecados somente podiam ser "tirados" sendo apagados
pelo precioso sangue de Cristo. As demandas da justiça têm que ser satisfeitas: as
exigências da santidade divina têm que ser atendidas: o terrível débito em que
incorremos tem que ser pago. E na cruz isso foi feito; feito por ninguém menos que
o Filho de Deus; feito com perfeição; feito de uma vez por todas.

"Está consumado". Aquilo para o qual tantos tipos apontavam, aquilo para o qual
tanta coisa do tabernáculo e de seu ritual prefigurava, aquilo do qual tantos dos
profetas de Deus tinham falado, estava agora realizado. Uma cobertura para o pecado
e sua vergonha — tipificada pelas túnicas de peles com as quais o Senhor Deus
vestiu nossos primeiros pais — foi agora fornecida. O mais excelente sacrifício —
tipificado pelo cordeiro de Abel — fora agora oferecido. Um abrigo para a
tempestade do julgamento divino — tipificado pela arca de Noé — era agora
providenciado. O Filho unigênito e mui amado — tipificado pelo oferecimento de
Isaque por Abraão — já havia sido posto sobre o altar. Uma proteção contra o anjo
vingador — tipificada pelo sangue derramado do cordeiro pascal — era agora suprida.
Uma cura para a mordida da serpente — tipificada pela serpente de bronze sobre a
haste — era agora aprontada para os pecadores. A provisão de uma fonte que dá vida
— tipificada pelo golpear de Moisés na rocha —
era agora efetuada.

Deus fornece ao menos quatro provas de que Cristo terminou sim sua obra a qual lhe
foi dada para fazer. Primeiro, no rasgar do véu, que mostrava que o caminho para
Deus estava agora aberto. Segundo, no ressurgir de Cristo dentre os mortos, que
provou que Deus aceitara seu sacrifício. Terceiro, na exaltação de Cristo a sua
própria destra, o que demonstrou o valor da sua obra e o deleite do Pai em sua
pessoa. Quarto, no envio à terra do Espírito Santo para aplicar as virtudes e
benefícios da morte expiatória de Cristo.

"Está consumado". A palavra grega aqui, teleo, é vertida de várias formas no Novo
Testamento. Uma olhada em algumas das diferentes traduções em outras passagens nos
habilitará a discernir a plenitude e a finalidade do termo usado pelo Salvador. Em
Mateus 11.1, teleo é traduzida como segue: "E aconteceu que, acabando Jesus de dar
instruções aos seus doze discípulos, partiu dali". Em Mateus 17.24, é assim
traduzida: "Aproximaram-se de Pedro os que cobravam as didracmas, e disseram: O
vosso mestre não paga as didracmas?" Em Lucas 2.39 é traduzida: ""E, quando
acabaram de cumprir tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia". Em Lucas
18.31, temos: "E se cumprirá no Filho do homem tudo o que pelos profetas foi
escrito". Ajuntando tudo, aprendemos o escopo da sexta elocução do Salvador na
cruz, "Está consumado". Ele clamou: está "posto um fim a"; está "pago"; está
"realizado"; está "acabado". A que se pôs um fim? Aos nossos pecados e sua culpa. O
que foi pago? O preço de nossa redenção. O que foi realizado? Os mais extremos
requerimentos da lei. O que foi acabado? A obra que o Pai lhe dera a fazer. O que
foi findado? O fazer expiações.

"Está consumado". O que estava consumado? A obra da expiação. Qual o seu valor para
nós? Este: ao pecador, é uma mensagem de boas novas. Tudo que um santo Deus requer
foi feito. Nada é deixado para o pecador acrescentar. Obra nenhuma de nós é exigida
como preço de nossa salvação. Tudo que é necessário ao pecador é descansar agora
pela fé sobre o que Cristo fez: "O dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo
Jesus nosso Senhor" (Rm 6.23). Para o crente, o conhecimento de que a obra
expiatória de Cristo está acabada traz um doce alívio contra todos os defeitos e
imperfeições de seus serviços. Há muito de pecado e vaidade no melhor mesmo de
nossos esforços, mas o grande consolo é que estamos "perfeitos" em Cristo (Cl
2.10)! Cristo e sua obra acabada é o fundamento de todas as nossas esperanças.
Sobre uma Vida que não vivi, Sobre uma Morte que não morri, Sobre a morte de um
outro, sobre a vida de um outro Eu lanço minh’alma eternamente Com ousadia ficarei
de pé naquele grande dia, Pois quem pode lançar sobre mim alguma acusação?
Completamente absolvido por Cristo estou, Da tremenda maldição do pecado e da
culpa. "Está consumado" 5. Vemos aqui o fim de nossos pecados.

Os pecados do crente — todos os seus — foram transferidos ao Salvador. Como diz a


escritura: "O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos" (Is 53.6). Se
Deus pois lançou minhas iniqüidades sobre Cristo, não mais estão elas sobre mim. Há
pecado em mim, pois a velha natureza adâmica permanece no crente até a morte ou até
o retorno de Cristo, caso ele venha antes que eu morra, porém, não há mais pecado
algum sobre mim. Tal distinção entre pecado EM e pecado SOBRE é uma distinção
vital, e deve haver pouca dificuldade em sua apreensão. Se eu dissesse que o juiz
deu a sentença sobre um criminoso, e que esse está agora sob sentença de morte,
todos entenderiam o que eu quis dizer. Da mesma forma, todos fora de Cristo tem a
sentença da condenação divina que repousa sobre si. Porém, quando um pecador crê no
Senhor, recebe-o como seu Senhor e Mestre, ele não mais está "sob condenação" — o
pecado não mais está sobre si, ou seja, a culpa, a condenação, a pena do pecado,
não mais está sobre ele. E por quê? Porque Cristo levou nossos pecados em seu
próprio corpo sobre o madeiro (1Pd 2.24). A culpa, a condenação e a pena de nossos
pecados foram transferidas ao nosso substituto. Em conseqüência, porque meus
pecados foram transferidos a Cristo, eles não mais estão sobre mim.
Essa preciosa verdade foi contundentemente ilustrada nos tempos do Antigo
Testamento em
conexão com o Dia Anual da Expiação em Israel. Naquele dia, Arão, o sumo-sacerdote
(um tipo de Cristo), dava satisfação a Deus pelos pecados que Israel cometera
durante o ano anterior. A maneira como isso era feito está descrita em Levítico 16.
Dois bodes eram tomados e apresentados diante de Deus à porta do tabernáculo: isso
era antes que qualquer coisa fosse feita com eles: isso representava Cristo
apresentando-se a Deus, oferecendo para entrar neste mundo, e ser o Salvador dos
pecadores. Um dos bodes era então escolhido e morto, e seu sangue era levado para
dentro do tabernáculo, no interior do véu, no Santo dos Santos e, ali, era
espargido perante e sobre o propiciatório — prefigurando a Cristo oferecendo-se
como um sacrifício a Deus, para satisfazer às exigências de sua justiça e aos
requerimentos de sua santidade.

Lemos então que Arão saía do tabernáculo e punha ambas as mãos sobre a cabeça do
segundo bode (vivo) — significando um ato de identificação pelo qual ele, o
representante de toda a nação, identificava o povo com o animal, reconhecendo que
seu destino era o que seus pecados mereciam, e que, hoje, corresponde às mãos da
fé, segurando Cristo e identificando a nós mesmos consigo em sua morte. Tendo posto
suas mãos na cabeça do bode vivo, Arão agora confessava sobre ele "todas as
iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os
seus pecados, e os porá sobre a cabeça do bode" (Lv 16.21). Desse modo, os pecados
de Israel eram transferidos ao seu substituto. Finalmente se nos diz: "Assim aquele
bode levará sobre si todas as iniqüidades deles à terra solitária; e enviará o bode
ao deserto" (Lv 16.22). O bode que carregava os pecados de Israel era introduzido
num ermo inabitado, e o povo de Deus não mais via, nem ele nem seus pecados!
Tipificando, isso era Cristo introduzindo nossos pecados em uma terra desolada onde
Deus não estava, e ali dando um fim a eles. A cruz de Cristo, pois, é o túmulo de
nossos pecados! "Está consumado" 6. Aqui vemos o cumprimento das exigências da lei.

"A lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom" (Rm 7.12). Como poderia ela ser
menos que isso, já que o próprio Jeová a tinha ideado e dado! A culpa não estava na
lei, mas no homem que, sendo depravado e pecador, não a podia guardar. Todavia,
aquela lei tem que ser guardada, e guardada por um homem, de modo que a lei pudesse
ser honrada e exaltada, e justificado aquele que a deu. Por conseguinte, lemos:
"Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus,
enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o
pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em (não "por") nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o espírito" (Rm 8.3,4). A "enfermidade" aqui é
aquela do homem caído. O envio do Filho de Deus na semelhança da carne do pecado
(grego, corretamente traduzido pela versão Almeida Revista e Corrigida) refere-se à
Encarnação: como lemos em uma outra escritura, "Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei" (Gl 4.4,5 ARA).
Sim, o Salvador nasceu "sob a lei", nasceu sob ela para que pudesse guardá-la
perfeitamente em pensamento, palavra e obras. "Não cuideis que vim destruir a lei,
ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir" (Mt 5.17); essa foi sua pretensão.
Mas não apenas o Salvador guardou os preceitos da lei, ele também sofreu sua pena e
suportou sua maldição. Nós a tínhamos quebrado e, tomando nosso lugar, ele deve
receber sua justa sentença. Tendo recebido sua pena e sofrido sua maldição, as
exigências da lei são completamente atendidas e a justiça é satisfeita. Por
conseguinte, está escrito a respeito dos crentes: "Cristo nos resgatou da maldição
da lei, fazendo-se maldição por nós" (Gl 3.13). E outra vez: "Porque o fim da lei é
Cristo para justiça de todo aquele que crê" (Rm 10.4). E outra vez ainda: "Pois não
estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Rm 6.14). "Livres da lei, Ó feliz
condição! Jesus abençoa e há remissão. "Está consumado" Amaldiçoados pela lei e
mortos pela queda, A graça nos redimiu de uma vez por todas. 7. Aqui vemos a
destruição do poder de Satanás.
Veja-o pela fé. A cruz foi o presságio de morte do poder do diabo. Às aparências
humanas parecia o momento de seu maior triunfo, todavia, na realidade foi a hora de
sua derrota definitiva. Em virtude da cruz (vide contexto) o Salvador declarou,
"Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo" (Jo
12.31). É verdade que Satanás não foi ainda acorrentado e lançado no abismo,
entretanto, a sentença foi dada (ainda que não executada); seu fim é certo; e seu
poder já está quebrado no que diz respeito aos crentes.

Para o cristão, o diabo é um inimigo vencido. Ele foi derrotado por Cristo na cruz
— "para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo"
(Hb 2.14). Os crentes já foram tirados "da potestade das trevas" e transportados
para o reino do Filho do amor de Deus (Cl 1.13). Satanás, então, deve ser tratado
como um inimigo derrotado. Ele não mais tem qualquer reivindicação legítima sobre
nós. Outrora éramos seus "cativos" por lei, mas Cristo nos livrou. Outrora
andávamos "segundo o príncipe das potestades do ar"; mas agora temos de seguir o
exemplo que Cristo nos deixou. Outrora Satanás "operava em nós"; mas agora Deus é
quem opera em nós tanto o querer quanto o efetuar, segundo sua boa vontade. Tudo o
que temos de fazer é "resistir ao diabo", e a promessa é que "ele fugirá de vós"
(Tg 4.7).

"Está consumado". Aqui estava a resposta triunfante à cólera do homem e à inimizade


de Satanás. Ela conta a perfeita obra que vai de encontro ao pecado no lugar do
julgamento. Tudo estava completado exatamente como Deus queria tê-lo, como os
profetas haviam predito, como o cerimonial do Antigo Testamento prefigurava, como a
santidade divina requeria, e como os pecadores necessitavam. Quão contundentemente
apropriado é que esse sexto brado do Salvador na cruz seja encontrado no evangelho
de João — o evangelho que mostra a glória da deidade de Cristo! Ele aqui não
encomenda sua obra à aprovação divina, mas sela-a com o seu próprio imprimatur,
atestando-a como completa, e dando-lhe a todo-suficiente sanção de sua própria
aprovação. Nenhum outro além do Filho de Deus diz "ESTÁ consumado" — quem pois ousa
duvidar ou questionar? "Está consumado". Leitor, você crê nisso? ou está tentando
adicionar algo de si mesmo à obra completa de Cristo para assegurar o favor de
Deus? Tudo o que você tem que fazer é aceitar o perdão que ele adquiriu. Deus está
satisfeito com a obra de Cristo, por que você não está? Pecador, no momento em que
você crer no testemunho de Deus sobre seu Filho amado, nesse momento todo pecado
que você cometeu é apagado, e você fica em posição aceitável em Cristo! Ó, não
gostaria você de possuir a certeza de que não há nada entre sua alma e Deus? Não
gostaria você de saber que todo pecado foi expiado e posto de lado? Então, creia no
que a palavra de Deus acerca da morte de Cristo. Não descanse em seus sentimentos e
experiências, mas na palavra escrita. Há apenas um caminho para se encontrar paz, e
isso é mediante a fé no sangue derramado do Cordeiro de Deus.

"Está consumado". Você realmente crê nisso? Ou está se esforçando para acrescentar
algo seu mesmo a ele e assim merecer o favor divino? Há alguns anos atrás, um
fazendeiro cristão estava profundamente preocupado com um carpinteiro não salvo.
Ele procurou pôr diante de seu vizinho o evangelho da graça de Deus, e explicar
como que a obra completa de Cristo foi suficiente para sua alma nela descansar.
Porém, o carpinteiro persistia na crença de que ele mesmo tem que fazer algo. Um
dia, o fazendeiro pediu a esse para lhe fazer um portão, e quando o portão estava
pronto ele o transportou para a sua carroça. Ele ordenou ao carpinteiro que o
visitasse no dia seguinte de manhã e visse o portão quando levantado no campo. Na
hora marcada o carpinteiro chegou e ficou surpreso ao descobrir o fazendeiro lá
perto com um afiado machado em sua mão. "O que você vai fazer?", ele perguntou.
"Vou fazer alguns cortes e dar uns golpes em sua obra", foi a resposta. "Mas não há
necessidade alguma disso", respondeu o carpinteiro, "o portão está todo certo
assim. Fiz tudo que era necessário". O fazendeiro não prestou atenção a isso mas,
erguendo seu machado, deu talhos e cortes no portão até ficar completamente
inutilizado. "Veja o que você fez!", gritou o carpinteiro. "Você arruinou meu
trabalho!" "Sim", disse o fazendeiro, "e isso é exatamente o que você está tentando
fazer. Você está procurando anular a obra completa de Cristo com seus miseráveis
acréscimos a ela!" Deus utilizou essa lição com o vigoroso objeto para mostrar ao
carpinteiro seu engano, e esse foi levado a se lançar em fé sobre o que Cristo tem
feito pelos pecadores. Leitor, você quer fazer o mesmo?
7. A PALAVRA DE CONTENTAMENTO

"E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito. E, havendo dito isto, expirou" "E, CLAMANDO JESUS com grande voz, disse:
Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou" (Lc
23.46). Essas palavras postas diante de nós foram o último ato do Salvador antes de
expirar. Foi um ato de contentamento, de fé, de confiança e amor. A pessoa a quem
ele confiou o precioso tesouro de seu espírito foi seu próprio Pai. Pai é um título
que traz encorajamento e segurança: um filho, desde que seja querido, bem pode
confiar qualquer preocupação nas mãos de um pai, em especial um tal Filho nas mãos
de um tal Pai. Aquilo que foi entregue nas mãos do Pai foi o seu "espírito", que
estava preste a se separar do corpo. A Escritura mostra o homem como sendo um ser
tricotômico: "espírito, e alma, e corpo" (1Ts 5.23). Há uma diferença entre a alma
e o espírito, ainda que não seja fácil afirmar onde não são eles similares entre
si. O espírito parece ser o mais elevado panorama de nosso ser complexo. É isso que
particularmente distingue o homem das bestas, e que o liga a Deus. O espírito é
aquilo que Deus forma dentro de nós (Zc 12.1); portanto, é ele chamado o "Deus dos
espíritos de toda a carne" (Nm 16.22). Na morte, o espírito volta a Deus, que o deu
(Ec 12.7). Lucas 23.46

dessas elocuções foram dirigidas a Deus: ao Pai ele orou por seus assassinos; a
Deus ele expressou seu triste lamento; e agora, nas mãos do Pai, ele entrega seu
espírito. Ao ouvido de Deus e dos homens, dos anjos e do diabo, ele bradara em
triunfo: "Está consumado". "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". É digno de
nota que esse brado final do Salvador tenha sido pronunciado pelo espírito de
profecia muitos séculos antes da Encarnação. No salmo de número trinta e um ouvimos
o Filho de Davi e o Senhor dizendo, antecipadamente:

Por sete vezes o Salvador agonizante falou. Três dessas elocuções diziam respeito
aos homens: a um deu a promessa de que deveria estar com ele naquele dia no
Paraíso; a um outro confiou sua mãe; à massa de expectadores fez menção de estar
com sede. Três

"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Foi a última coisa que o Salvador
disse antes de expirar. Enquanto pendurado na cruz, por sete vezes seus lábios
moveram-se para falar. Sete é o número da inteireza ou perfeição. No Calvário,
então, como em todo lugar, as perfeições do Bem-Aventurado foram mostradas. Sete é
também o número de descanso em uma obra encerrada: em seis dias Deus fez céu e
terra e, no sétimo, descansou, contemplando com satisfação aquilo sobre o que
pronunciara ser "muito bom". Assim também aqui com Cristo: uma obra fora-lhe dada
para fazer, e tal obra estava agora feita. Exatamente como o sexto dia levou à
conclusão a obra de criação e reconstrução, assim a sexta declaração do Salvador
foi "Está consumado". E, exatamente como o sétimo dia foi o dia de repouso e
satisfação, assim a sétima elocução do Salvador trá-lo ao lugar de descanso — as
mãos do Pai.

O ato pelo qual o Salvador pôs seu espírito nas mãos do Pai foi um ato de fé —"[eu]
entrego". Foi um bendito ato com a intenção de ser um precedente para todo seu
povo. O último ponto observável é a maneira na qual Cristo executou seu ato: ele
expressou tais palavras "com grande voz". Ele falou para que todos pudessem ouvir,
e para que seus inimigos, que o julgavam destituído e desamparado por Deus pudessem
saber que ele não mais o estava, antes, que ainda era amado por seu Pai, e podia
pôr seu espírito confiantemente em suas mãos.

"Em ti, Senhor, confio; nunca me deixes confundido; livra-me pela tua justiça.
Inclina para mim os teus ouvidos, livra-me depressa; sê a minha firme rocha, uma
casa fortíssima que me salve. Porque tu és a minha rocha e a minha fortaleza; pelo
que, por amor do teu nome, guiame e encaminha-me. Tira-me da rede que para mim
esconderam, pois tu és a minha força. Nas tuas mãos encomendo o meu espírito; tu me
remiste, Senhor Deus da verdade" (vv. 1-5)!

Em conexão com cada uma das elocuções de nosso Salvador na cruz uma profecia foi
cumprida. Na primeira vez, ele clamou, "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem", e isso cumpriu Isaías 53.12 — "pelos transgressores intercedeu" [ARA]. Na
segunda, ele prometeu ao ladrão: "Hoje estarás comigo no Paraíso", e isso foi um
cumprimento da profecia
do anjo a José — "chamarás o seu nome Jesus; porque ele salvará o seu povo dos seus
pecados" (Mt 1.21). Na terceira, disse à sua mãe: "Mulher, eis aí o teu filho", e
isso cumpriu a profecia de Simeão — "uma espada traspassará também a tua própria
alma" (Lc 2.35). Na quarta, ele havia perguntado: "Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?" e tais palavras foram idênticas àquelas do Salmo 22.1. Na quinta,
ele exclamou: "Tenho sede", e isso foi um cumprimento do Salmo 69.21 — "na minha
sede me deram a beber vinagre". Na sexta, ele bradou triunfantemente: "Está
consumado", e essas são quase as mesmas palavras que servem de conclusão àquele
maravilhoso salmo vinte e dois: "ele o fez", ou, como se poderia muito bem verter
do hebraico: "ele consumou", com o contexto mostrando que ele tinha feito, a saber,
a obra de expiação. Por fim, ele orou: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito",
e, como mostramos de antemão, ele tão-somente estava citando o que dele fora
escrito de antemão no Salmo 31. Ó, as maravilhas da cruz! Nunca chegaremos ao fim
delas. "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" 1. Vemos aqui o Salvador outra
vez de volta à comunhão com o Pai.

Isso é sobremaneira precioso. Por um instante aquela comunhão foi quebrada —


quebrada exteriormente — quando a luz da santa face de Deus foi ocultada dAquele
que levava nossos pecados, mas agora as trevas haviam passado e eram findas para
sempre. Até à cruz tinha havido comunhão perfeita e ininterrupta entre o Pai e o
Filho. É extraordinariamente belo observar como o terrível "Cálice" mesmo fora
aceito das mãos do Pai: "Não beberei eu o cálice que o Pai me deu?" (Jo 18.11). Na
cruz, no início, o Senhor Jesus ainda é encontrado em comunhão com o Pai, pois
senão não teria clamado, "Pai, perdoa-lhes"! A sua primeira declaração na cruz,
então, foi "Pai, perdoa-lhes", e agora sua última palavra é: "Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito". Porém, entre aquelas elocuções ele tinha ficado ali
pendurado por seis horas: três delas passadas em sofrimento nas mãos do homem e de
Satanás; as três outras, na mão de Deus, quando a espada da justiça divina foi
"despertada" para ferir o Companheiro de Jeová. Durante aquelas três últimas horas,
Deus se tinha retirado do Salvador, o que evoca aquele terrível clamor: "Deus meu,
Deus meu, por que me desamparaste?" Mas agora está tudo feito. O cálice é bebido
até à última gota: a tempestade da ira se tinha passado: as trevas são idas, e o
Salvador é visto mais uma vez em comunhão com o Pai — comunhão nunca mais quebrada.
"Pai". Quão amiúde essa palavra estava nos lábios do Salvador! A primeira vez em
que foi registrada: "Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?" No
que foi provavelmente seu primeiro discurso formal — o "sermão da montanha" — ele
fala do "Pai" dezessete vezes. Quando em seu discurso final aos discípulos, o
"discurso pascal" encontrado em João 14-16, a palavra "Pai" é achada não menos do
que quarenta e cinco vezes! No capítulo seguinte, João 17, que contém o que é
conhecido como a grande oração sacerdotal de Cristo, ele fala ao e do Pai por mais
seis vezes. E agora, pela última vez antes de renunciar à própria vida, diz
novamente: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito".

E quão abençoado é que seu Pai seja nosso Pai! Nosso porque seu. Quão maravilhoso
isso é! Quão inefavelmente precioso que eu possa erguer meus olhos ao grande Deus
vivente e falar, "Pai", meu Pai! Que conforto está contido nesse título! Que
segurança é comunicada! Deus é meu Pai, então ele me ama, ama-me como ao próprio
Cristo (Jo 17.23)! Deus é meu Pai e me ama, então ele se importa comigo. Deus é meu
Pai e cuida de mim, então suprirá todas as minhas necessidades (Fp 4.19). Deus é
meu Pai, então ele fará com que nenhum mal aconteça a mim, sim, que todas as coisas
serão feitas para trabalharem juntos para o meu bem. Ó, que seus filhos adentrem
mais profunda e praticamente na bênção de tal relacionamento, e então, alegremente
exclamem com o apóstolo: "Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que
fôssemos chamados filhos de Deus" (1Jo 3.1)! "Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito" 2. Vemos aqui um calculado contraste.

Por mais de doze horas Cristo estivera nas mãos dos homens. Disso falara aos seus
discípulos quando os avisou de antemão que "o Filho do homem será entregue nas mãos
dos homens:e matá-lo-ão (Mt 17.22,23). Disso fizera menção no meio da terrível
gravidade do Getsêmane: "Então chegou junto dos seus discípulos, e disse-lhes:
Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue
nas mãos dos pecadores" (Mt 26.45). A isso os anjos fizeram referência na manhã da
ressurreição, dizendo às mulheres: "Não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos
como vos falou, estando ainda na Galiléia, dizendo: Convém que o Filho do homem
seja entregue nas mãos de homens pecadores, e seja crucificado, e ao terceiro dia
ressuscite" (Lc 24.6,7). Isso recebeu seu cumprimento quando o Senhor Jesus se
entregou àqueles que vieram prendê-lo no Jardim. Como vimos em um capítulo
anterior, Cristo podia facilmente ter evitado a prisão. Tudo que tinha que fazer
era deixar os oficiais dos sacerdotes prostrados no chão, e ir embora
tranqüilamente. Mas ele não agiu assim. A hora marcada havia chegado. O tempo em
que ele submeter-se-ia para ser levado como um cordeiro ao matadouro chegara. E ele
entregou-se nas "mãos dos pecadores". Como eles o trataram é bem sabido; eles se
aproveitaram completamente da oportunidade. Eles deram plena vazão ao ódio do
coração carnal por Deus. Com "mãos ímpias" (At 2.23, KJV) o crucificaram. Mas agora
tudo está acabado. O homem fizera o seu pior. A cruz fora suportada; a obra
designada é terminada.

Voluntariamente tinha o Salvador se entregado às mãos dos pecadores, e agora,


voluntariamente, ele entrega seu espírito nas mãos do Pai. Que bendito contraste!
Nunca mais ele estará de novo nas "mãos dos homens". Nunca mais estará ele à mercê
do ímpio. Nunca mais sofrerá vergonha. Nas mãos do Pai ele se entrega, e o Pai
agora tomará conta de seus interesses. Não precisamos nos deter em detalhes na
bendita conseqüência. Três dias depois o Pai o ressuscitava dos mortos. Quarenta
dias depois disso, o Pai o exaltava acima de todo o principado, e poder, e de todo
o nome que se nomeia, e o pôs à sua própria direita nos céus. E lá agora ele se
assenta no trono do Pai (Ap 3.21), esperando até que seus inimigos sejam feitos
escabelo de seus pés. Por um dia, ainda que demorado, as posições serão invertidas.
O Pai enviará aquele a quem o mundo rejeitou: ele o fará outra vez, mas em poder e
glória: para governar e reinar sobre toda a terra com vara de ferro. Então a
situação será inversa. Quando aqui esteve anteriormente os homens se atreveram a
acusá-lo publicamente, mas então ele assentar-se-á para julgá-los. Outrora esteve
nas mãos deles, então eles estarão nas suas. Outrora gritaram: "Tira[-o]", então
ele dirá: "Apartai-vos de mim". E, no meio tempo, ele está nas mãos do Pai, sentado
em seu trono, esperando seu deleite! "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E,
havendo dito isto, expirou." 3. Vemos aqui a perfeita entrega de Cristo a Deus.

Quão abençoadamente ele provou isso em toda a sua caminhada! Quando sua mãe o
procurou em Jerusalém quando era um menino de doze anos, ele disse: "Não sabeis que
me convém tratar dos negócios de meu Pai?" Quando esteve faminto no deserto após um
jejum de quarenta dias e o diabo o instou a fazer pão das pedras, ele respondeu
dizendo que vivia de toda palavra de Deus. Quando as poderosas obras que ele tinha
feito e a mensagem que tinha entregado não conseguiram comover seus ouvintes, ele
se submeteu àquele que o enviara, dizendo: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e
da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos
pequeninos" (Mt 11.25). Quando as irmãs de Lázaro mandaram informar ao Salvador da
enfermidade de seu irmão, em vez de apressadamente ir a Betânia, ele ficou ainda
dois dias no lugar onde estava, dizendo: "Esta enfermidade não é para morte, mas
para glória de Deus".

Não era a afeição natural que o movia a agir, mas a glória de Deus! Sua comida era
fazer a vontade daquele que o enviou. Em tudo ele se submetia ao Pai. Veja-o de
manhã, "levantando-se de manhã muito cedo" (Mc 1.35), a fim de poder estar na
presença do Pai. Veja-o antecipando-se a toda grande crise e se preparando para ela
derramando seu coração em súplicas. Veja-o passando mesmo a última hora antes de
sua prisão com sua face perante Deus. Quão adequadamente podia ele dizer: "Tomai
sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração". E da
mesma forma que viveu, morreu — entregando-se nas mãos do Pai. Esse foi o último
ato do Salvador agonizante. E quão extraordinariamente belo. Quão totalmente de
conformidade com toda a sua vida! Ela manifestava sua perfeita confiança no Pai.
Ela revelava a bendita intimidade que havia entre eles. Ela mostrava sua absoluta
dependência de Deus.
Verdadeiramente, em tudo ele nos deixou um exemplo. O Salvador entregou seu
espírito nas mãos de seu Pai na morte, porque ele tinha estado nas mãos dele por
toda a sua vida! Isso é verdade quanto a você, leitor meu? Como pecador, você
entregou seu espírito nas mãos divinas? Nesse caso, está salvaguardado. Você pode
dizer com o apóstolo: "Eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso
para guardar o meu depósito até aquele dia" (2Tm 1.12)? E você, como cristão,
rendeu-se plenamente a Deus? Você presta atenção àquela palavra: "Rogo-vos pois,
irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional" (Rm 12.1)? Está
vivendo para a glória dele que amou e se deu por você? Está caminhando em
dependência diária dele, sabendo que sem ele não pode fazer nada (Jo 15.5), mas
aprendendo que pode fazer todas as coisas por Cristo, que fortalece você (Fp 4.13)?
Se sua vida inteira está entregue a Deus, e a morte o apanhar antes que o Salvador
retorne para receber seu povo para si mesmo, então será fácil e natural para você
dizer: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Balaão disse: "A minha alma
morra a morte dos justos" (Nm 23.10). Ah, mas para morrer a morte dos justos, você
tem de viver a vida dos justos, e essa consiste em absoluta submissão e dependência
de Deus. "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" 4. Vemos aqui a absoluta
singularidade do Salvador.

O Senhor Jesus morreu como nenhum outro jamais morreu. Essa foi a sua afirmação:
"Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma
tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar
a tomá-la" (Jo 10.17,18). As várias provas de que a vida de Cristo não foi tirada
dele foram expostas diante do leitor na Introdução deste livro. A mais convincente
demonstração de todas foi vista na entrega de seu espírito nas mãos do Pai. O
Senhor Jesus mesmo disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito", mas o
Espírito Santo, ao descrever a verdadeira renúncia da sua vida, emprega três
diferentes expressões que dão a conhecer mui convincentemente o fato que nós
estamos ora considerando, e as várias palavras empregadas pelo Espírito são mais
apropriadas aos respectivos evangelhos em que são encontradas.

O fim agora era chegado. Perfeito senhor de si mesmo, não subjugado pela morte, ele
brada com uma grande voz de vigor não exaurido, e entrega seu espírito nas mãos do
Pai, e nisso sua singularidade foi manifestada. Ninguém mais jamais agiu ou morreu
assim. Seu nascimento foi singular. Sua vida foi singular. Sua morte foi singular.
Ao "dar" a sua vida, sua morte foi diferenciada de todas as outras mortes. Ele
morreu por um ato de sua própria volição! Quem, a não ser uma pessoa divina,
poderia ter feito isso? A um mero homem teria sido suicídio; mas, para ele, era uma
prova de sua perfeição e singularidade. Ele morreu como o Príncipe da Vida!

Duas coisas eram necessárias para se fazer propiciação: primeiro, uma satisfação
completa deve ser oferecida à santidade de Deus ultrajada e à sua justiça ofendida,
e isso, no caso de nosso substituto, somente podia ser por ele sofrendo a ira
divina derramada. E isso tinha sido suportado. Agora ali restava apenas a segunda
coisa, e essa era para o Salvador provar o gosto da morte. "Aos homens está
ordenado morrerem uma vez vindo depois disso o juízo" (Hb 9.27). Com o pecador é,
primeiro, a morte, depois o julgamento; com o Salvador a ordem, naturalmente, foi
invertida. Ele suportou o juízo de Deus contra os nossos pecados e depois morreu.

Lemos em Mateus 27.50: "E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o
espírito". Mas tal tradução não consegue salientar a força própria do original: o
sentido no grego é o de que ele "despachou seu espírito". Essa expressão é a mais
apropriada em Mateus, que é o evangelho do rei, apresentando nosso Senhor como "O
Filho de Davi; o Rei dos judeus". Um tal termo é lindamente adequado ao evangelho
real, pois o ato do Senhor tem conotação de autoridade, como de um rei mandando
embora um servo. A palavra usada em Marcos — que apresenta nosso Senhor como o
servo perfeito — é a mesma de nosso texto — tomada de Lucas, o evangelho da
perfeita humanidade de Cristo — e significa, ele "soprou para fora seu espírito".
Foi sua passiva tolerância da morte. Em João, que é o evangelho da glória divina de
Cristo, uma outra palavra é empregada pelo Espírito Santo: "Inclinando a cabeça,
entregou o espírito" (Jo 19.30), ou liberou, talvez fosse mais exato. Aqui, o
Salvador não "encomenda" seu espírito ao Pai como no evangelho de sua humanidade,
mas, de acordo com sua glória divina, como alguém que tem completo poder sobre ele,
"libera" seu espírito!
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" Repetidas vezes o Salvador falou de um
povo que lhe fora "dado" (Jo 6.37 etc.), e na hora de sua prisão ele disse: "Dos
que me deste nenhum deles perdi" (Jo 18.9). Então, não é deleitoso ver que na hora
da morte o bendito Salvador entrega-os agora à salvaguarda do Pai? Na cruz, Cristo
pendurado como o representante de seu povo e, por conseguinte, vemos seu último ato
como um ato representativo. Quando o Senhor Jesus entregou seu espírito nas mãos de
seu Pai, ele também apresentou nossos espíritos junto com o seu, para a aceitação
do Pai. Jesus Cristo nunca viveu nem morreu por si próprio, mas pelos crentes: o
que ele fez em seu último ato reportava-se a eles tanto quanto a si mesmo. Devemos,
pois, olhar Cristo aqui unindo juntamente todas as almas dos eleitos, e fazendo uma
oferta solene delas, com seu próprio espírito, a Deus. 5. Vemos aqui o lugar de
segurança eterna.

A mão do Pai é o lugar da segurança eterna. Naquela mão o Salvador encomendou seu
povo, e ali eles estão para sempre seguros. Disse Cristo, referindo-se aos eleitos:
"Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de
meu Pai" (Jo 10.29). Aqui então está o fundamento da confiança do crente. Aqui está
a base de nossa segurança. Assim como nada podia prejudicar Noé quando a mão de
Jeová havia trancado a porta da arca, também nada pode tocar o espírito do santo
pego pela mão de onipotência. Ninguém pode arrancá-los de lá. Fracos somos em nós
mesmos, porém "guardados pelo poder de Deus", é a declaração segura da escritura
sagrada: "guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para
revelar-se no último tempo" (1Pd 1.5, ARA). Os adeptos formais que parecem correr
bem por um tempo podem ficar fatigados e abandonar a corrida. Aqueles que são
movidos pela excitação carnal de um "encontro de reavivamento" agüentam somente por
um tempo, pois "não têm raiz em si mesmos". Aqueles que confiam no poder de suas
próprias vontades e resoluções, que abandonam maus hábitos e prometem agir melhor,
amiúde fracassam, e seu último estado é pior que o primeiro. Muitos que são
persuadidos pelos bem intencionados, mas ignorantes, aconselhadores para "juntar-se
à igreja" e "viverem a vida cristã" com freqüência apostatam da verdade. Mas todo
espírito que nasceu de novo está eternamente a salvo na mão do Pai. "Pai, nas tuas
mãos entrego o meu espírito" 6. Vemos aqui a bênção da comunhão com Deus.

O que estamos aludindo particularmente aqui é ao fato de que a comunhão com Deus
pode ser desfrutada independentemente do lugar ou das circunstâncias. O Salvador
estava na cruz, rodeado por uma multidão escarnecedora, seu corpo sofrendo intensa
agonia, entretanto, ele estava em comunhão com o Pai! Essa é uma das mais doces
verdades destacadas pelo nosso texto. É privilégio nosso gozar da comunhão com Deus
em todo tempo, independente de circunstâncias ou condições externas. Tal comunhão é
por fé, e a fé não é afetada pelas coisas da vista. Não importa quão desagradável
seu quinhão possa ser, leitor meu, é seu inefável privilégio desfrutar de comunhão
com Deus. Tal como os três hebreus a desfrutaram com o Senhor no meio do forno de
fogo ardente, como Daniel na cova dos leões, como Paulo e Silas no cárcere de
Filipos, como o Salvador na cruz, assim também você, seja em que lugar for! A
cabeça de Cristo estava circundada com uma coroa de espinhos em cima, mas embaixo
estavam as mãos do Pai! Não ensina nosso texto mui explicitamente a bendita verdade
e o bendito fato da comunhão com o Pai na hora da morte? Então por que se apavorar,
companheiro cristão? Se Davi, sob a dispensação do Antigo Testamento, podia dizer:
"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque
tu estás comigo" (Sl 23.4), por que devem os crentes agora temer, depois de Cristo
haver arrancado o aguilhão da morte! A morte pode ser a "Rainha dos terrores" para
o não salvo, mas para o cristão, ela é simplesmente a porta que dá acesso à
presença do Bem-Amado. As moções de nossas almas na morte, tanto quanto na vida,
voltamse instintivamente para Deus. "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"
será nosso brado, caso estejamos conscientes. Enquanto tabernaculamos aqui não
temos descanso algum senão no seio do Pai; e quando saímos daqui, nossa expectativa
e nossos desejos ardentes são o de estar com ele. Lançamos muitos olhares desejosos
em direção ao céu, mas quando a alma do salvo se aproxima da bifurcação dos
caminhos, então ela se atira nos braços de amor, da
mesma forma que um rio após muitos volteios e curvas se derrama no oceano. Nada
além de Deus pode satisfazer aos nossos espíritos neste mundo, e nada senão ele
pode nos satisfazer quando formos embora daqui.

Contudo, leitor, apenas os crentes estão garantidos e são encorajados a assim


encomendar seus espíritos nas mãos de Deus à hora da morte; quão triste é o estado
de todos os incrédulos que estão à morte. Seus espíritos, ainda, cairão nas mãos
dele, mas será isso a miséria deles, não o privilégio. Os tais acharão que é uma
"horrenda coisa cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10.31). Sim, porque, em vez de
caírem nos braços de amor, cairão nas mãos de justiça. "Pai, nas tuas mãos entrego
o meu espírito" 7. Vemos aqui o verdadeiro refúgio do coração.

E agora uma breve palavra de apelo para concluir. Meu amigo, você está em um mundo
que é cheio de problemas. Você não é capaz de cuidar de si mesmo em vida, muito
menos o será na morte. A vida tem muitas provações e tentações. Sua alma é ameaçada
dos dois lados. Em toda direção há perigos e armadilhas. O mundo, a carne e o diabo
entraram em combinação contra você. Aqui está então o farol de luz em meio às
trevas. Aqui está o porto de abrigo em todas as tempestades. Aqui está o bendito
pálio que protege de todos os dardos inflamados do maligno. Graças a Deus que há um
refúgio para os vendavais da vida e para os terrores da morte — a mão do Pai — o
verdadeiro céu do coração.

Se a elocução final do Salvador expressa a oração dos cristãos às portas da morte,


ela mostra que grande valor eles colocam em seus espíritos. O espírito interior é o
tesouro precioso, e nossa principal solicitude e nosso maior cuidado é vê-lo
guardado em mãos seguras. "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Tais
palavras então podem ser tomadas para expressar a atenção dada pelo crente à sua
alma, para que ela possa estar segura, o que sempre acontece com o corpo. O santo
de Deus que se aproxima da morte exercita poucos pensamentos acerca de seu corpo,
onde ele será posto, ou como o disporão dele; ele confia-o às mãos de seus amigos.
Porém, como seu cuidado desde o começo é com sua alma, assim ele pensa então nela,
e com seu último suspiro a entrega à custódia divina. Não é: "Senhor Jesus, receba
meu corpo, cuide do meu pó"; mas: "Senhor Jesus, receba meu espírito" — Senhor,
proteja a jóia quando o cofre estiver quebrado.
UMA BREVE BIOGRAFIA

Evangelista e erudito bíblico nascido em Nottingham, Inglaterra, A. W. Pink foi


dedicado a Cristo por sua mãe antes de nascer. Porém, quando jovem, afastou-se da
fé de seus piedosos pais e aderiu à Teosofia (o movimento Nova Era de sua época).
Entretanto, em 1908, passa por uma contundente experiência de conversão ao
Evangelho e, simultaneamente, sente-se chamado para o ministério. Assim, em 1910,
aos vinte e quatro anos de idade, cruza o Atlântico para entrar no Instituto
Bíblico Moody, em Chicago, mas sai de lá após dois meses, para assumir uma igreja,
a primeira de uma série de esforços fracassados no ministério pastoral. Em 1916,
casou-se com Vera E. Russell.

Arthur Walkington Pink (1886-1952)

Nos anos seguintes ao abandono do curso, veio a adotar uma posição teológica
ardente e estritamente calvinista, após aplicar-se ao estudo do pensamento
puritano. Logo estaria manejando uma prolífica pena, tornando-se professor
itinerante da Bíblia em 1919, devotando, a partir de então, sua vida ao estudo e
exposição do Livro Santo, que viria a ler mais de cinqüenta vezes e num ritmo de
até dez capítulos por dia (!). Em 1922, deu início a uma revista mensal com o
título de Studies in Scriptures, voltada à exposição das Escrituras e cujos artigos
viriam a ser a fonte da maioria de seus trabalhos, que circulou entre cristãos de
língua inglesa espalhados pelo mundo e que nunca chegou a atingir uma tiragem de
mil exemplares, e que circulou até à época de sua morte; foi, sem dúvida, seu maior
monumento. De 1925 a 1928, atuou na Austrália, pregando, escrevendo e pastoreando
duas congregações entre 1926 e 1928, quando retornou à Inglaterra. No ano seguinte,
retornava aos Estados Unidos para mais oito anos de pastoreios mal-sucedidos no
Colorado, em Kentucky e na Carolina do Sul. Para alguns, a razão da fraca acolhida
de seu ministério nesse campo deveu-se à personalidade excêntrica (de fato, Pink
não se encaixava em qualquer lugar). Em 1934, retornou em definitivo à sua pátria
natal, fazendo residência na Ilha de Lewis (Escócia) em 1940, onde permanece em
isolamento praticamente até sua morte, sem nenhuma ligação formal com qualquer
denominação — posição que não deve ser defendida nem justificada. A partir de
então, seu serviço no Reino de Deus passou a ser escrever dúzias de livros e mais
de dois mil artigos, todavia, sem sucesso editorial.

Em sua época, Arthur Pink era praticamente desconhecido e, certamente, não era
apreciado. O estudo por conta própria da Bíblia firmou-lhe a convicção de que muito
do moderno evangelismo era defeituoso. Fez frente à crescente aceitação do
arminianismo mesmo em tradicionais redutos calvinistas, como as igrejas batistas,
levando adiante, com zelo incansável, os princípios da então abandonada literatura
reformada. Para ele, o declínio espiritual da GrãBretanha era resultante de um
"evangelho" que nem feria (com convicção de pecado) nem curava (pela regeneração).

Após o seu falecimento em 1952, porém, ele veio a ter significativa influência.
Tendo suas obras republicadas por The Banner of Truth Trust, veio a alcançar um
público muito maior como conseqüência (quase 178 mil exemplares vendidos apenas de
The Sovereignty of God, por exemplo). Seu biógrafo Iain Murray observou: "A
difundida circulação de seus escritos após sua morte tornou-o um dos mais
influentes autores evangélicos da segunda metade do século XX". Familiarizado com
toda a gama da verdade, Pink raramente se desviou dos grandes temas: graça,
justificação e santificação. A nossa geração tem com ele uma grande dívida, pela
permanência da luz que ele lançou, pela divina graça, sobre a verdade da Bíblia
Sagrada. Seus escritos lançaram a faísca que deu início ao reavivamento da pregação
bíblica e levaram muitos leitores a focalizarem o coração na vida de acordo com a
Palavra de Deus. • "A tendência da moderna teologia — se se pode chamá-la de
teologia — é sempre rumo à deificação da criatura ao invés da glorificação do
Criador". • "Não perguntamos: ‘Cristo é seu Salvador’, mas: ‘É Ele, real e
verdadeiramente, seu Senhor?’ Se Ele não for seu Senhor, então, com a mais absoluta
certeza, Ele não é Salvador". seu Algumas frases de A. W. Pink:
• "O Deus deste século vinte não se assemelha mais ao Soberano Supremo das
Escrituras Sagradas do que a bruxuleante e fosca chama de uma vela se assemelha à
glória do sol do meio-dia. O Deus de que se fala atualmente no púlpito comum,
comentado na escola dominical em geral, mencionado na maior parte da literatura
religiosa da atualidade e pregado em muitas das conferências bíblicas, assim
chamadas, é uma ficção engendrada pelo homem, uma invenção do sentimentalismo
piegas. Os idólatras do lado de fora da cristandade fazem "deuses" de madeira e de
pedra, enquanto que os milhões de idólatras que existem dentro da cristandade
fabricam um Deus extraído de suas mentes carnais. Na realidade, não passam de
ateus, pois não existe alternativa possível senão a de um Deus absolutamente
supremo, ou nenhum deus. Um Deus cuja vontade é impedida, cujos desígnios são
frustrados, cujo propósito é derrotado, nada tem que se lhe permita chamar Deidade,
e, longe de ser digno objeto de culto, só merece desprezo". Livros traduzidos no
Brasil: Attributes of God (Os Atributos de Deus, Editora PES)

• "O fundamento de todo verdadeiro conhecimento de Deus deve ser uma clara
apreensão mental de Suas perfeições como reveladas nas Escrituras. Não se pode
confiar, adorar ou servir a um Deus desconhecido".

The Seven Sayings of the Saviour on the Cross (Os Sete Brados do Salvador sobre
Site Monergismo.com) The Sovereignty of God (Deus é Soberano, Editora Fiel)

Profiting from the Word of God (Enriquecendo-se com a Bíblia, Editora Fiel) Studies
on Saving Faith (Estudo sobre a Fé Salvífica, Site Monergismo.com) The Doctrine of
Justification (A Doutrina da Justificação, Site Monergismo.com) a Cruz,

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