Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
e Tecnologia
PIROTÉCNICOS E PIROMECANISMOS
(lª Parte)
INTRODUÇÃO
o dicionário define pirotecnia como "a arte de fazer ou de usar fogos de artifícios".
A pirotecnia mesmo sendo uma "velha arte" continua tendo grande importância militar.
Pirotecnia, a Arte do Fogo, da palavra grega pyr (fogo) e techne (uma arte) é uma
de três tecnologias intimamente ligadas; mais especificamente, a dos explosivos, a dos
propelentes e a dos pirotécnicos. As três não têm apenas a raiz físico-química comum;
também suas funções e finalidades se entrelaçam. Em suas manifestações típicas os
explosivos produzem altas velocidades de reação, liberando produtos gasosos; os
propelentes são, também, produtores de gases e de rápida reatividade, porém, mais
lentas que a dos explosivos; já as misturas pirotécnicas reagem, principalmente, a
velocidades visivelmente observáveis, com a formação de resíduos sólidos.
Em sua forma mais simples, os artifícios pirotécnicos consistem de um agente
oxidante e de um combustível, que produzem uma reação exotérmica, auto-sustentada,
quando aquecida à temperatura de iniciação.
Os primeiros artifícios pirotécnicos, feitos pelo homem, podem ter sido o resultado
de uma mistura acidental de Salitre (KN0 3 ) com Carvão (C) ou Alcatrão.
N a guerra moderna alguns usos impor- séculos, foi o uso como "navio de fogo" (uma
tantes para os artifícios pirotécnicos são: embarcação carregada com combustível e
como incendiários, fontes luminosas para explosivos abalroava e fazia explodir outros
rastreamento de mísseis, acessórios de aviões, navios ou construções) em batalhas navais.
mísseis e artefatos nucleares, para produzir Registros antigos mencionam os "navios de
sinais sonoros e para produzir sinais lumi- fogo" desde o século IV antes de Cristo
nosos ou fumaças. Altifícios iluminativos são, quando os marinheiros fenícios, de Tiro,
também, usados para fotografias; adap - usaram-no na batalha contra Alexandre - o
tações recentes incluem artifícios proje- Grande. Registros posteriores mostram
tados para atuação por sinais de rádio, diri- empregos dos "navios de fogo" pelos gregos
gidos para um míssil a milhares de quilô- contra os turcos, pelos cruzados em Acra e
metros da terra . pelos ingleses, já no século XVI, contra a
Almada espanhola.
HISTÓRIA ANTIGA
o FOGO GREGO
Misturas incendiárias e fumaças coloridas
foram usadas para a guerra, celebrações Um dos primeiros e mais bem-sucedidos
religiosas e entretenimento na Arábia, China, procedimentos da guerra química foi a
Egito, Grécia e Índia, há muito tempo atrás. mistura conhecida como Fogo Grego. O
Mesmo antes de 2000 a.c., histórias de guerra primeiro registro de seu uso data do século
na Índia mencionam misturas incendiárias, VII d.C . Essa mistura de enxofre, resina,
cortinas de fumaça e gases tóxicos. Mais tarde, cânfora e outras substâncias combustíveis
contra Alexandre - o Grande - (365-323 a.c.) desconhecidas, fundidas com salitre, era um
os defensores de uma cidade da Índia teriam poderoso artifício incendiário que, também,
sido capazes de "fazer trovejar e lançar raios produzia gases sufocantes. Ele foi usado de
das paredes". Naquela época, depósitos muitas diferentes maneiras.
naturais de salitre eram abundantes na Índia
e, provavelmente, serviram como a fonte deste
material para emprego em composições que PIROTECNIA CHINESA
tornaram essas demonstrações possíveis.
O conhecimento da pirotecnia viajou do Registros da pirotecnia chinesa remon-
Oriente até a Europa no começo da Era Cristã. tam ao século X. Foguetes e Velas Romanas
Os primeiros registros sobre exibições são mencionados em 969 d.e. e no século
pirotécnicas, na Europa, mencionam o Circo XIII foram empregadas fumaças coloridas
Romano durante o reinado de Augustus (27 a para sinalização, setas incendiárias e setas
14 a.c.). O uso romano dos pirotécnicos impulsionadas por foguetes . Outras armas
parece ter sido dedicado a exibições. chinesas, dessa época, incluem as "lanças
Um emprego militar dos pirotécnicos, que de fogo" arremessadas a cerca de 10
começou há muito tempo e persistiu por muitos metros.
(~J11 i Q
Vol. XVII - NQ 1 - 1 Quadrimestre de 2000 57
PIROTÉCNICOS E PIROMECANISMOS (1ª parte)
Efeito Exemplos
COMBUSTÍVEIS OXIDANTES
Metais:
Alunúnio (Al) Cloratos (KCl0 3)
Cromo (C r) Cromatos (BaCr04)
Feno (Fe) Dicromatos (K2Cr207)
Magnésio (Mg) Halocarbonos (C 2Cl 6, PTFE)
Manganês (Mn) Iodatos (AgI0 3)
Não Metais:
Boro (B)
Carbono (C)
Silício (Si)
Enxofre (S)
Fósforo (P)
Tabela 2: Combustíveis e Oxidantes usados em Composições Pirotécnicas
químico; o flúor é o oxidante químico mais reagir com o oxigênio ou com a umidade.
energético. Como parte da formulação há Eles, também, modificam a velocidade de
outros componentes que podem ser quase tão queima e o desempenho, além de reduzir a
importantes, para a composição final, quanto sensibilidade a certos estímulos, como por
o sistema combustível-oxidante. exemplo à fricção. Em alguns casos, eles
podem melhorar o desempenho, tais como nos
iluminativos.
Aglutinantes Na fabricação de qualquer composição
pirotécnica, na forma de um conjunto sólido,
Os aglutinantes fazem mais do que apenas tal como um bastão, o aglutinante pode,
consolidar uma composição. A tecnologia e simplesmente, ser adicionado na massa. É
a arte primitiva dos pirotécnicos confiam nas também, comum, inicialmente, revestirem-se
propriedades dos aglutinantes. A tabela 3 lista alguns constituintes, geralmente os pós
alguns aglutinantes, mostrando a diversidade metálicos, com uma substância de cobertura,
da escolha. Algumas das ceras, usadas há evaporando-se uma solução orgânica do
séculos, são ainda populares e naturais, na aglutinante sobre o pó, o qual, após a seca-
origem. Mais recentemente tem havido uma gem, é misturado com os outros ingredientes.
orientação para os polímeros manufaturados. Os aglutinantes industrializados são muitas
Essas resinas e bonachas podem ser mais vezes curados após a misturação para dar-
rigorosamente controladas quanto a qualidade lhes uma rígida estrutura polimérica de
e os fabricantes não são dependentes dos for- ligações cruzadas. Isto pode ocasionar ele-
necedores externos. vadas temperaturas durante a polime-
Os aglutinantes aumentam a coesão entre rização. Mesmo materiais naturais podem
as partículas, ajudando a consolidação. Não provocar aquecimento durante o uso. Tanto
obstante, uma função igualmente importante o verniz litográfico quanto o óleo de linha-
é a de cobrir e proteger os componentes reati- ça fervido oxidam-se no ar com evolução
vos, tais como os pós metálicos que podem de calor.
NATURAIS MANUFATURADOS
Parafina Baquelite
Cera de abelha Poliéster
Cera de carnaúba Borracha clorada
Cera chinesa Policloreto de vinila - PVC
Óleo de linhaça fervido Bonacha Thiokol
Verniz litográfico Resina epoxi
Goma laca
Tabela 3: Aglutinantes usados em Priotécnicos
(fi' i Q
Vol. XVII - NQ 1 - 1 Quadrimestre de 2000 65
PIROTÉCNICOS E PIROMECANISMOS (1ª parte)
Em alguns casos este conceito se aplica tível é um não-metal, tal como carbono ou
de modo muito marcante, tal como para o enxofre.
sistema Si-Pb0 2 , onde a porcentagem este- Visto que a velocidade de queima tem um
quiométrica de silício fica em torno de 9% e valor máximo para uma dada porcentagem
o calor máximo é produzido com cerca de do combustível, então se o teor desse com-
10% de silício. Contudo, se o oxigênio at- bustível aumenta ou diminui, a velocidade de
mosférico pode ser considerado com reagente, queima será menor. Conseqüentemente, duas
tal como no sistema Mg-NaN0 3 , então o composições terão a mesma velocidade de
rendimento máximo esperado para mistura queima, como é mostrado na figura 1 e assim
pode ocorrer com porcentagens de magnésio a escolha deve ser feita. Logicamente seria
bem mais altas. Também, na tentativa de preferível escolher aquela com a mais alta
calcular a mistura ótima, pode ser bem difícil porcentagem de combustível, visto que ela
encontrar as reações químicas que ocorrem. seria provavelmente a mais fácil para
Isto porque, as reações químicas acima de misturar e obter homogeneidade. Também,
2000°C não são do tipo geralmente no lado rico em combustível da curva, a
consideradas pelos químicos. Os produtos inclinação é menos acentuada e assim ligeiras
mais estáveis, nas temperaturas normais, trocas na composição, causadas por uma
podem não se formar nesses extremos. Tem misturação incompleta, tem menos efeito
havido casos onde a razão estequiométrica sobre a velocidade de queima.
tem sido encontrada experimentalmente; a
composição tem produzido um máximo de
calor e a reação química racionalizada a Retardadores
partir desse fato.
A composição na qual pequenas modi-
ficações dos componentes teria menor efeito
Velocidade de Queima é aquela próxima ao topo da curva com a
mistura estequiométrica. Contudo, ela pode
Para os pirotécnicos, o fator mais impor- queimar muito rapidamente para o rendimento
tante que afeta o rendimento de uma compo- desejado. Um meio para que este rendimento
sição é a velocidade de queima. A máxima possa ser modificado, sem alterar a este-
velocidade é muitas vezes uma função da quiometria dos reagentes, é o de se adicionar
quantidade do combustível da mistura este- um material inerte. Isto é uma prática comum
quiométrica, particularmente se o combus- e é usual adicionarem-se materiais como a
tível é um pó metálico. Isto é devido ao argila, por exemplo o caolim, que faz baixar
aumento da transferência térmica, permi- a velocidade de queima.
tindo que a queima de uma camada rapida- Um outro tipo de aditivo usado para tornar
mente aqueça a camada seguinte, condu- mais lentas as composições, é o que se de-
zindo-a até a temperatura de ignição. A compõe endotermicamente, reduzindo o calor
troca é maior para os metais, a seguir para
os metalóides e é desprezível se o combus-
°
global produzido. exemplo comum deste
tipo de retardador é o Oxalato de Cálcio que
20 -
ro
E
'(j)
•
::J
o- .. ..
O)C
'O:.:::::
O) ()
10 - .
'00) ...... _--- ...
ro.!!2-
'O
'u
--._-.
- ... - -
o
~
O~-------'I'-------'I'--------r-I-------r-I------~I
20 ~ ~ W 00 m
% de Magnésio
do metal fundido, dando-se o nome de matelial naturalmente como em compostos não este-
atomizado. As partículas são muitas vezes quiométlicos, como o Óxido de Zinco, ou po-
aproximadamente esféricas, embora existam dem ser causados por impurezas. As impu-
em forma de flocos . O critério simples, usado rezas podem estar presentes por acidente ou
para definir superfície, não explica plena- podem ser introduzidas nos compostos por
mente a reatividade do material. um tratamento. Por exemplo, o Germânio
Os fabricantes de fogos de artifício muitas reage com o Trióxido de Molibdênio como é
vezes usam uma espécie de alumínio chamada mostrado na reação abaixo:
dark pyro por causa de suas boas proprie-
dades de reação; ele substitui o alumínio
atomizado, de partículas menores.
O que determina a superfície reativa, ou Mas, se o Germânio é tratado (dopado)
sítios, é muito mais complexo que as varia- com pequenas quantidades de Arsênico, a
ções simples da superfície para o volume do reatividade é consideravelmente aumentada.
matelial. A reatividade OCOITe a nível atômico Outro exemplo é o da reação do Clorato
ou molecular. Para os sólidos reagirem, como de Potássio dopado com Clorato de Cobre,
é muitas vezes exigido na química dos quando misturado com enxofre. Após a mis-
pirotécnicos, os átomos ou moléculas devem tura, ocorre uma reação espontânea durante
ser arrancados da superfície, e assim com o repouso .
menos forças atrativas, mantendo-os presos, O Clorato de Potássio não dopado, mes-
estarão mais disponíveis para a reação. Há, mo misturado ao enxofre, permanecerá esto-
também, uma ordem de forças de ligação a cado, por longo tempo, sem reagir. Deve ser
ser considerada para os diferentes tipos de ressaltado que essa mistura é extremamente
materiais. A mais forte ligação nos sólidos é sensível e não é aconselhável usar-se essa
encontrada em ligações covalentes, tal como combinação.
no silício. As ligações iônicas vêm a seguir,
abrangendo óxidos e sais metálicos. Estes são
seguidos pelas ligações metálicas, em metais CALOR E SUAS APLICAÇÕES
elementares e, finalmente, a ligação mais fraca
é encontrada em sólidos cristalinos ou Calor de Combustão
amorfos, existentes em moléculas discretas,
tais como as da sacarose ou do hexa- Todos os pirotécnicos produzem calor
cloroetano. quando queimam. Em muitos usos ou efeitos
especiais, esta produção de calor é a verda-
deira exigência. Como a maiolia das compo-
Micro Estrutura sições contêm um metal como combustível,
a plimeira consideração da produção de calor
A reatividade é altamente dependente da é a do calor de combustão dos metais. A
estrutura íntima dos componentes do sólido. tabela 4 dá uma amostra representativa dos
Quaisquer defeitos, dentro da estrutura iônica, calores de combustão de alguns metais e não-
provocam enfraquecimento e podem aumentar metais. Assim, alguns elementos são prodi-
a reatividade. Estes defeitos podem surgir giosos produtores de energia, enquanto outros
têm um valor mais modesto. Nota-se, também, Também, a energia exigida para decom-
que a densidade desempenha um papel por os oxidantes é pequena para os nitratos,
importante quando são considerados volumes aproximadamente zero para os percloratos e
fixos dos materiais. para os cloratos algum calor é liberado.
Em bases volumétricas, o Tungstênio (W) Comumente é observada a produção de calor
é tão energético quanto o Alumínio (AI), en- superior a 8 kJ/g para essas misturas. Para
quanto que, tomando por base o peso, o Tungs- um dado combustível, os oxidantes oriundos
tênio é o mais inferior do dois . Os maiores de cloratos são geralmente mais sensíveis à
fornecedores de energia para composições iniciação do que aqueles contendo nitratos
são derivados de misturas de elementos, ou percloratos.
METAIS
AI Al20 3 31 ,3 (84,5) Al 2S3 9,4 (25,4)
Mg MgO 24,8 (42,2) MgS 14,3 (24,3) MgSe 2,5 (4,25)
Ti Ti02 20,0 (89,8)
Zr Zr02 12,1(77,2)
Fe Fe304 7,5 (58,9) FeS 1,7 (13,4)
W W03 4,6 (89,2) WS 2 1,1 (20,3)
METALÓIDES
B B20 3 57,8 (70,8)
Si Si0 2 31,3 (62,5)
NÃOMErAlS
C CO2 32,7 (65 ,3)
P P4O lO 24,0 (43,7)
S S02 9,3 (18,6)
Tabela 4: Calores de Reações de Metais, Metalóides e não-Metais com o Oxigênio (calor de combustão),
enxôfre e selênio - kJ/g (kJ/cm 3 )
Do ponto de vista termodinâmico, a ener- metais combustíveis. Por exemplo, uma das
gia produzida por este tipo de reação depende primeiras composições produtoras de fu-
somente dos calores de formação dos dois maça utilizou a reação entre o Zinco em pó
óxidos. Assim, o calor de reação (L1Hr) é a e o Tetrac1oreto de Carbono, na chamada
diferença entre o calor de formação do Al 20 3 "mistura Berger". Mais recentemente Mag-
e o calor de formação do Fe203 (L1H f Al 20 3 nésio e Politetrafluoretileno (PTFE) têm
- L1Hf Fe203)' Quanto maior o calor produ- funcionado como prodigiosos fornecedores
zido mais violenta é a reação. Como regra de energia usados em chamas dissimu-
geral, ocorrerá uma reação estável se a ladoras.
diferença entre os calores de formação dos
dois óxidos é de cerca de 120 kJ/mol. Se a
diferença é maior que 160kJ/mol a reação
tende a ser violenta, como a reação entre o PRIMEIRAS EXCITAÇÕES
AluITÚnio e o Dióxido de Chumbo. Por outro
lado, quando as diferenças são menores, a Exigências
reação torna-se lenta e provavelmente não se
completará. A tabela 5 mostra alguns calores Os artifícios pirotécnicos, geralmente,
(teóricos) produzidos de combinações metal/ consistem da composição principal prensada
óxido metálico. em um invólucro. No topo deste é adicio-
Embora não seja prático misturar metais nada uma camada de uma composição espe-
com o oxigênio elementar, também ocorre a cial; ela é projetada para receber o impulso
reação entre metais em pó e calcogêneos de um iniciador tal como um fusível elétrico.
(enxofre, selênio e telúrio). Essas reações tem Esta camada tem muitos nomes : primeiras
uma modesta produção de calor, embora o excitações, ignitor, escorva e mistura de
melhor oxidante (enxofre) junto com metais, partida.
produza muito calor ao reagir com o oxigênio Seu papel é o de atuar como reforçador
(ver tabela 4), do mesmo modo que o entre a baixa energia inicial produzida pelo
Alumínio que dá reações bem respeitáveis. iniciador e a composição principal que pode
A tabela 4, também, mostra os tipos de rendi-
mentos possíveis para algumas dessas combi-
°
ser difícil de iniciar. fusível elétrico, pro-
vavelmente, iniciará as composições menos
nações. Os halogêneos orgânicos são um outro comprimidas; contudo, os bastões prensados
grupo de oxidantes usados em reações com exigem, usualmente, uma mistura de partida.
Tabela 5: Calor produzido (teórico) para algumas combinações metal/óxido metálido - kJ/g (kJ/cm 3)