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Resumo
O final da “corrida para o mar”, em Outubro de 1914, estabilizou um sistema de
trincheiras e criou as condições ideais para a utilização de gases tóxicos com fins tácticos.
A generalização da guerra química só foi possível com o suporte de uma indústria
que produziu agentes químicos cada vez mais agressivos, transformando os gases de
guerra nas armas mais características da Grande Guerra. É neste contexto que o Corpo
Expedicionário Português (CEP) irá encontrar o teatro de guerra da Flandres. Sem
experiência em guerra química, as tropas portuguesas tiveram de cumprir um conjunto
de tarefas de treino, que incluíram a preparação na Escola de Gases de Mametz.
Essa preparação do CEP para a guerra química é algo pouco abordado na historiografia
militar nacional, menos ainda a capacidade de defesa e a utilização de armas químicas
pelas forças portuguesas em França. Com base em memórias, manuais técnicos,
documentação arquivística e cruzando com os relatórios do Dr. David Sarmento e Dr.
Alfredo Rocha, ambos médicos militares, desenvolvemos uma visão sobre as intoxicações
pelos gases de guerra, mas também uma perspectiva esclarecedora sobre a organização
dos serviços de saúde e como os gaseados eram evacuados e tratados.
1. Licenciado em História (1998) e mestre em História Contemporânea (2013), onde apresentou uma
dissertação sobre “Os Portugueses na Grande Guerra”, ambos na Universidade Aberta. Doutorando na
Universidade Nova de Lisboa onde se encontra a concluir a tese na área da História Militar sobre “Portugal e
o Bloqueio Naval na Grande Guerra”. Actualmente é investigador do Instituto de História Contemporânea
da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa e investigador do Centro de
Investigação Naval, da Escola Naval.
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Introdução
2. O bromoacetato de etila (C4H7O2Br), é um éster etílico do ácido bromo acético. Foi utilizado para
odorizar o insecticida Zyklon B, o mesmo gás que foi utilizado pela Alemanha Nazi nas câmaras de morte
nos campos de concentração.
3. O brometo de xilila (C8H9Br) é um químico intensamente irritante à pele e membranas mucosas. Dadas
as suas propriedades foi utilizado como um gás de guerra, no entanto na frente oriental, a 3 de Janeiro de
1915, na Batalha de Bolinov e devido às temperaturas negativas presentes demonstrou ser pouco volátil.
4. O cloroacetofenona (C8H7ClO), também denominado (CN), é um gás lacrimogénio utilizado na
repressão de distúrbios. Ao estimular os nervos da córnea, este gás causa lacrimação, dor e mesmo cegueira
temporária.
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e o pai terá sido o alemão Fritz Haber (1868-1934) laureado com o Nobel da Química5
de 1918, pela descoberta da síntese industrial do amoníaco, de extrema importância
para a produção de fertilizantes sintéticos6 de substituição dos nitratos importados do
Chile e para a produção de explosivos químicos, o que não só permitiu uma produção
agrícola nas Potências Centrais durante o “bloqueio naval” britânico, como manteve a
sua máquina de guerra operacional durante o conflito.
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o direito dos países neutros no comércio marítimo e foram aprovadas três Declarações11
comprometendo as partes na limitação de uso de armamento específico, respectivamente
a proibição do lançamento de projécteis e explosivos de balões ou por meio de novos
métodos semelhantes, a proibição do uso de gases asfixiantes e deletérios lançados através
de projécteis que permitissem a sua difusão, e a proibição do uso de balas cujos estilhaços
se espalhassem pelo corpo, retomando a Declaração d S. Petersburgo, de 1868.
Todos esses princípios humanitários e leis internacionais que envolviam uma questão
moral e de interesse económico, ficaram explicitados na 2ª Conferência de Haia, em
1907, última grande conferência internacional sobre as matérias da guerra antes da
Grande Guerra de 1914-18.
Assim, depois da Alemanha reafirmar, tal como outras nações, a não utilização de
venenos e armas envenenadas em Haia, em 1907, até que ponto o Alto Comando
Alemão terá ponderado as consequências da utilização de gás de guerra (cloro), em
Ypres a 22 de Abril de 1915, quando atacou de surpresa a linha de defesa aliada, com
a já referida descarga12 de cerca de 180t de gás, e que a dimensão do sucesso apenas
reflectiu o inesperado da situação, tanto mais que quando voltaram a executar um novo
ataque dois dias depois, quebrada a surpresa táctica e perante a determinação das forças
defensivas13, o êxito foi muito relativo.
O factor surpresa viria a ser um dos principais factores tácticos de guerra química e
uma das formas de potenciar os resultados. Por outro lado a dependência das condições
atmosféricas e da própria capacidade das tropas avançarem dentro de zona contaminadas
com gás, seriam outros factores igualmente importantes. Numa aposta clara nas
armas químicas o Alto Comando Alemão desenvolveu novas tácticas de combate,
que combinaram o ataque de infantaria com o suporte de ataque químico e também
viria a desenvolver tácticas de barragem de artilharia dentro deste âmbito. Por outro
lado as forças da Entente também acompanharam passo a passo a transformação da
guerra química desenvolvimento o treino individual e os equipamentos defensivos, mas
também a capacidade de causar baixas não tanto pela morte, mas sim pela capacidade
de neutralizar, ferir, ou simplesmente de diminuir a força de combate inimiga e de a
desmoralizar. A questão da dependência das condições atmosféricas para a viabilização de
11.https://idi.mne.pt/pt/relacoesdiplomaticas/2-uncategorised/821-conferencia-da-paz-1899-e-1907.html
(consultado em 2017-03-23).
12. John S. Haller, Battlefield Medicine: a History of the Military Ambulance from the Napoleonic Wars through
World War I, Edwardville (USA), Southern Illinois University Press, 2011, p.159. O ataque no dia 22
de Abril de 1915, foi efectuada sobre a linha francesa, que ficou envolvida numa nuvem esverdeada que
avançou à velocidade do vento e que actuou aproximadamente durante uma hora e meia. Seguiu-se um
novo ataque no dia 24 de Abril Se por um lado dispersou em pânico as tropas francesas, o gás de cloro
também acabou por impedir o avanço das forças alemãs.
13. John S. Haller, Battlefield Medicine: a History of the Military..., p.159. As forças defensivas canadianas
utilizaram máscaras improvisadas firmemente amarradas sobre a boca e nariz feitas de meias de lã embebidas
em urina misturada com terra húmida, ou feitas de almofada saturada com uma solução de carbonato de
sódio e hiposulfito de sódio.
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ataques químicos14 de gás inicialmente através de botijas sujeitas a uma fácil observação
aérea inimiga, levaram à necessidade de desenvolver munições com agentes químicos,
para tornar a utilização de gases tóxicos numa arma de guerra verdadeira operacional,
independente das condições atmosféricas e de fácil utilização.
Para além do desconhecimento de utilização táctica adicionou-se uma impreparação
do corpo médico para tratar as sintomatologias dessa nova classe de feridos, os gaseados,
à data referidos como intoxicados em combate15, o que obrigou à criação de grupos de
investigação científica multidisciplinar entre as nações aliadas beligerantes, composta
por médicos e químicos de Institutos e Faculdades, para a procura de terapêuticas para
os intoxicados e de novas formas de protecção para os combatentes.
O Corpo Expedicionário Português que começou a chegar a França em Fevereiro
de 1917, e a ocupar o seu primeiro sector de combate na linha da frente em Março,
tomou o seu primeiro contacto com os gases de guerra na Escola de Gás, de Mametz,
em Maio desse ano, mas não houve qualquer participação de médicos do CEP nos
grupos de estudo de gases das outras forças aliadas. Caso contrário foi o dos Estados
Unidos da América, que se juntou ao conflito mais tarde que Portugal e que só enviou
as sua primeiras tropas em Junho de 1917 para França, mas que participou de imediato
nos estudos que se desenvolviam junto das outras forças aliadas e que à semelhança
da França e da Grã-Bretanha criaram laboratórios de investigação para produção de
agentes químicos e estabeleceram secções de investigação na Europa (França), onde os
seu oficiais-médicos aprofundaram o estudo de terapêuticas de tratamento de gaseados.
A intervenção dos médicos militares no terreno viria a ser um factor determinante na
corrida para o combate aos agentes químicos, encurtando o tempo de implementação de
novos tratamentos o que se revelou essencial na luta contra os efeitos dos gases tóxicos.
Esse aumento das valências médicas viriam a ser obtidos pela partilha de resultados de
investigação e das novas terapêuticas farmacológicas entre todos os aliados, mas também
da partilha dos resultados extraídos directamente no campo de batalha e da experiência
obtida nos serviços de saúde na frente de combate. As terapêuticas impostas aos gaseados
acabaram por serem generalizadas e aplicadas de forma uniforme entre aliados, tendo o
Corpo Expedicionário Português beneficiado das instruções provenientes dos serviços
médicos britânicos, exército a que a formação portuguesa se encontrava subordinada.
14. A retaliação britânica aos ataques alemães com gás em Ypres, em 22 de Abril, só aconteceu a 25 de
Setembro de 1915, durante a Batalha de Loos, com a utilização do mesmo tipo de agente químico, o cloro.
Estiveram sujeitos aos mesmos constrangimentos atmosféricos que os alemães já tinham experimentado e
tiveram de espera por condições ideais que só aconteceram naquela data. Mesmo assim a nuvem 150t de
cloro lançadas sobre as linhas alemãs, voltou sobre as suas próprias linhas com a alteração da direcção do
vento, causando baixas na infantaria britânica.
15. Ilustração Portuguesa, 5 de Agosto de 1918, 2ª Série, N.º 650, p.103.
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Não é possível neste trabalho explanar a temática de forma exaustiva dada a sua
complexidade e a profundidade que reveste a nível terapêutico e farmacológico, mas é
possível evidenciar os aspectos mais relevantes que marcaram o rumo da utilização de
gases com fins militares, em especial ao nível táctico, do treino e do equipamento.
As primeiras intoxicações no campo de batalha apareceram sem um propósito táctico
e os sintomas de intoxicação resultavam dos gases de explosão provenientes do combate
com armas de fogo e dos rebentamentos de explosivos. Os óxidos de carbono, dióxido
e monóxido libertados nas explosões de pólvora não são propriamente gases de guerra
numa visão de guerra química, mas ao diminuírem a concentração de oxigénio no ar, a
capacidade particular do monóxido de carbono de se misturar na circulação sanguínea
através do aparelho respiratório, têm efeitos neutralizadores que podem levar à morte
do intoxicado quando em concentrações elevadas no seu aparelho circulatório. Esta
característica do monóxido de carbono levaram o Capitão-Médico David Sarmento a
incluí-lo na sua classificação clínica de gases de guerra, na categoria de alterantes da
composição química do sangue16, mas não como um agente químico manipulado e
lançado sobre o inimigo numa perspectiva táctica. O efeito do monóxido de carbono
era conhecido como “embriaguez da pólvora17” e com efeitos visíveis nas trincheiras
onde os homens estavam sujeitos a constantes bombardeamentos e por longos períodos
de tempo, ou em especial quando estes se abrigavam num dug-out18, num bunker ou
dentro de covas acabadas de escavar por explosões recentes.
De uma forma provocada e intencional terá sido a utilização do gás lacrimogénio
como gás tóxico de guerra, que desde 1914 era utilizado por ambos os lados beligerantes.
Sendo um nome genérico que engloba um conjunto de compostos de bromo (Br) eram
conhecidos e utilizados em contextos civis, com efeitos variados, mas com base na
irritação de olhos e vias respiratórias, que ao causarem lacrimação também geravam
situações de cegueira temporária. Apesar de ser considerado um gás não letal, fortes
concentrações podiam causar edemas pulmonares, mas com efeito menor e menos
permanente que o causado pelos gases irritantes pulmonares com base de cloro (Cl).
Dentro dos gases tóxicos letais, o gás de cloro (Cl2) integra a categoria de gases
asfixiantes19 pelo facto de matar através da irritação do tecido pulmonar, brônquios e
16. David P. M. Sarmento, As Intoxicações..., p.53.
17. O efeito provocado eram: cefaleias, alucinações visuais, vertigens, náuseas ou vómitos.
18. David P.M. Sarmento, As Intoxicações..., p.47.
19. idem, ibidem, p.53. De acordo com a classificação francesa de gases de combate o cloro e outros derivados,
constituíam o primeiro grupo denominado como gases sufocantes. No quadro da classificação britânica o
cloro era classificado como gás irritante pulmonar, sendo que a classificação americana seguia a mesma
nomenclatura. O Tenente-Médico vem a sugerir outra classificação com base nos processos patológicos e
respectivos efeitos mórbidos. Assim o cloro seria integrado no segundo grupo da sua classificação, como gás
irritante celular de tecidos epiteliais de revestimento.
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restante aparelho respiratório, criando edemas e hematoses que destroem por sufocação,
uma espécie de afogamento interior. Este gás de cloro também tinha um efeito
lacrimogénio.
Outro agente químico muito utilizado durante a Grande Guerra foi o gás de
mostarda, ou iperite (S(CH2CH2Cl)2), um composto introduzido em Julho de 1917 no
campo de batalha de Ypres. Não tendo sido desenhado na sua génese como um agente
tóxico letal era-o quando os combatentes ficavam expostos prolongadamente. Tinha um
efeito persistente sendo que se impregnava facilmente no solo e face à sua consistência
viscosa a temperatura ambiente, mantinha um grau de evaporação lento, evaporação que
se podia manter por dias ou mesmo semanas dependendo das condições climatéricas.
O seu efeito vesicante causava queimaduras externas na pele e na membrana ocular
provocando cegueira temporária, hemorragias internas, queimaduras da membrana
mucosa, do revestimento das vias respiratórias, e causava feridas, edemas e vómitos.
A morte por intoxicação por gás de mostarda era muito dolorosa e poderia acontecer
até cinco semanas após o gaseamento, tornando-se um processo de elevado esforço
clínico para o corpo médico militar e logístico dos serviços de saúde, dado o número de
gaseados, as concentrações dos fluxos de gaseados nos postos de socorro e ao prolongado
tempo de internamento para recuperação.
O último agente químico a ser introduzido no campo de batalha foi o arsina, cloreto
de difenilarsina (ClAz(C6H5)2), com um efeito irritante nasal e olhos, não letal, mas
que por vezes sob um efeito prolongado provocava irritação da pele. Tinha uma acção
máxima de 24 horas, ao contrário da iperite (gás de mostarda) cuja acção era prolongada
e um efeito imediato ao fim de 3 a 4 segundos, incapacitando o combatente de utilizar a
máscara de protecção, devido ao efeito esternutatório. A sua utilização era normalmente
efectuada em conjunto com outros agentes químicos, criando uma situação complicada
de gerir durante os bombardeamentos.
Uma questão muito interessante relacionada com a utilização dos agentes químicos
no campo de batalha, é a evolução das munições de artilharia como meio de lançamento
dos gases em substituição das botijas com gás pressurizado, que levou a alterações na
forma de apoio de artilharia com a introdução da barragem rolante que alterou o conceito
do fogo de artilharia, transformando o objectivo de destruição para um objectivo de
neutralização do inimigo. A materialização destes novos conceitos e a disponibilização
de novas armas químicas foram visíveis a partir do ano de 1916, o que pode ser atestado
com a alteração da proporção20 entre munições de estilhaço, explosivas, fumo e químicas,
numa produção global de mais de 6 milhões por mês21.
Será também interessante conhecer o consumo mensal de munições de artilharia,
mas este não era constante e variava com as situações tácticas. Refira-se que durante
20. A proporção mensal de munições de artilharia produzidas entre Março de 1916 e Outubro de 1918,
variou entre estilhaços/explosivas-químicas de 55%-45% (Março/1916) para 31%-69% (Outubro/1918).
21. Paddy Griffith, Battle Tacics of the Western Front: The British Army’s Art of Attack 1916-18, New Haven
& London, Yale University Press, 1994, p.139.
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mas também nos exércitos aliados, como iremos referir para o caso dos franceses e dos
britânicos.
Assim, durante a Grande Guerra as munições químicas alemãs não tinham uma
cor base definida, sendo o invólucro totalmente pintado na cor cinzenta inicialmente
e posteriormente umas vezes de cor cinzenta e por outras pintado de azul e com ogiva
pintada de amarelo. O tipo de agente químico que a munição continham era indicado
através da colocação de cruzes de diversas cores pintadas sobre o invólucro da munição26,
existindo ainda uma codificação adicional de números e letras, para uma identificação
mais rigorosa da composição química e fábrica .
As munições químicas britânicas27 tinham o invólucro pintado da cor cinzenta, ou
azul acinzentado. O tipo de agente químico que uma munição continham era indicado
através da colocação de anéis estreitos ou largos (bandas) pintados em redor do invólucro
da munição de cor branca e vermelha, existindo ainda uma codificação adicional de
números e letras para uma referência mais específica. Para além das munições de
artilharia os britânicos também utilizavam botijas de gás químico comprimido, com
um sistema de classificação diferente do utilizado nas munições de artilharia. Era um
código de estrelas, sem qualquer relação com o código de cruzes alemãs, ao qual estava
associada uma simbologia de cores. O corpo das botijas de gás químico era pintado de
cor cinzenta.
As munições químicas francesas28 tinham os invólucros pintados na cor base verde
escuro, ou azul acinzentado, e as ogivas eram pintadas de preto. O tipo de agente químico
que uma munição continham era indicado através da colocação de anéis estreitos e
largos (bandas) de cor branca ou laranja, pintadas em torno do invólucro da munição,
existindo também uma codificação adicional de números e letras.
26. U.S. ARMY, Chemical Materiel Destruction Agency, Old Chemical Weapons: Munitions Specification
Report, September 1994, p.3.1, e também em M. Knorr, The development of German doctrine and command
and control and its application to supporting arms, 1832-1945. Pickle Partners Publishing. (1991), p.95.
27. U.S. ARMY, Chemical Materiel Destruction Agency, Old Chemical Weapons: Munitions Specification
Report, September 1994, p.1.3.
28. U.S. ARMY, Chemical Materiel Destruction Agency, Old Chemical Weapons: Munitions Specification
Report, September 1994, p. 2.2.
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Para tal, os dispositivos da linha da frente das zonas das trincheiras eram normalmente
dotados com peças de artilharia de calibres entre 75mm e 155mm, e ainda, de vários
tipos de morteiros de trincheira, quase todos com abastecimento de munições explosivas
e com agentes químicos.
Ao nível da orgânica de uma Divisão, era esperado que as batarias de artilharia
equipadas com peças de 75mm tivessem uma capacidade de cobrir uma frente de 200m
e as batarias de artilharia de 155mm a capacidade de cobrir uma frente de 1.000m, por
forma a ser possível combinar uma frente de fogos ofensivos e defensivos escalonados e
em mútuo suporte. As técnicas de tiro de artilharia utilizadas foram variando, sendo a
mais utilizada a barragem rolante para suporte da infantaria em operações ofensivas, mas
esta técnica levantava questões de segurança, tanto quando eram empregues munições
explosivas, como quando eram empregues munições com agentes químicos, sendo
que no caso de utilização de munições explosivas não era possível combinar a acção da
infantaria em segurança em distâncias inferiores a 400m, face ao perímetro de perigo de
estilhaços das munições de 155mm em fogos combinados.
Assim, o papel de suporte da artilharia29 à infantaria em acções ofensivas era dado
através da destruição prévia de obstáculos e posições de fogo fortificadas, tal como na
neutralização da artilharia inimiga e na segurança do perímetro atacado, evitando a
chegada de reforços inimigos. A utilização de gases tóxicos tinha vantagem quando se
pretendia a neutralização da artilharia inimiga, dado o carácter persistente das munições
químicas utilizadas, que demonstravam ser mais eficazes que as munições explosivas em
situações de contrabataria.
Quando a artilharia era utilizada defensivamente, o tiro de barragem podia ser
escalonado mais facilmente em relação à posição fixa da linha de infantaria30. A utilização
de obstáculos, como a utilização do arame-farpado, profusamente utilizado na terra-de-
ninguém, acrescentava um valor intrínseco à barragem de artilharia defensiva ao expor o
inimigo aos fogos defensivos durante períodos mais prolongados, aproveitando também
o factor tempo como factor potenciador da acção persistente dos gases tóxicos.
As cadências de tiro eram determinadas de várias formas e dependiam das
circunstâncias. Desde o tiro flexível a pedido da infantaria, essencialmente utilizado
em situações defensivas e muitas vezes determinadas por sinais de foguetes ao nível
de Companhia, ou de Batalhão, ou um tiro rígido e horário montado para situações
ofensivas e dependente de instruções da Divisão. Quando da utilização da artilharia em
29. Pedro Marquês de Sousa, “O conceito de Apoio de Fogos: Artilharia e Morteiros na Grande Guerra
(1914-1918)”, Actas do Colóquio Internacional “A Grande Guerra – Um Século Depois”, Academia Militar,
2015, pp.51-8.
30. Voison, A Divisão no Combate, (Trad. Tenente-Coronel Abílio de Souza Namorado), Lisboa, Oficinas
Gráficas da Guia, [192?], p.176.
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apoio ofensivo31, com o emprego de barragem rolante32, era esperado uma cadência de 1
a 4 tiros por peça e por minuto, para um avanço de 100m entre cada 2 a 4 minutos. Este
tipo de táctica era muito sensível às condições atmosféricas e às condições do terreno,
lama33, que travavam a velocidade de progressão quebrando a sincronia programada e
que a qual era impossível de reajustar face à inexistência de comunicações TSF entre as
posições avançadas do ataque e as posições de retaguarda da artilharia, no decurso de
uma operação.
No caso de utilização de fogo de barragem de gás para colocação de uma zona de
interdição, ou neutralização, a sua eficiência dependia de uma cadência rápida de tiro,
elevada concentração do ponto de fogo e de uma duração de 4 a 5 horas para que se
criasse um atmosfera tóxica eficaz e duradoura que obrigasse o defensor a colocar a
máscaras, provocando um imediato cansaço respiratório, diminuição da capacidade de
combate e um efeito desmoralizador. A manutenção de uma cadência de tiro rápido era
algo que não podia ser mantida de forma ilimitada, dado o aquecimento dos tubos das
peças e do óleo dos amortecedores de recuperação de recuo, face ao qual uma cadência
de tiro rápido, de 4 ou mais tiros por minuto, não era sustentável por mais de um quarto
de hora, necessitando de um período de arrefecimento34.
A evolução da utilização táctica de gases tóxicos levou à preferência da preparação e
condução das acções de neutralização através de uma combinação de gases e de explosivos,
deixando a utilização simples de gases tóxicos persistentes para zonas a interditar e fora
dos objectivos ofensivos. Se bem que as peças de 75mm tivessem munições de gás
tóxico à disposição, a utilização de munições de calibre superior, face à sua capacidade
volumétrica era mais utilizada. A título de exemplo para a interdição de um bosque com
iperite era suficiente a utilização de 50 granadas de 155mm por hectare coberto.
Em acções ofensivas, onde se verificasse a necessidade de destruição de obstáculos
que impedissem a progressão da infantaria, como o arame-farpado, a utilização de gases
fugazes era a opção preferida, face à propriedade que esses agentes tóxicos tinham de
diminuir a capacidade de combate inimiga, em conjunção com explosivos para destruir
o obstáculo. Para a destruição ou neutralização de posições de fogo, a utilização de
gases persistentes que penetrassem no abrigo, ou fortificação, mantendo uma demorada
atmosfera tóxica eram a opção. No entanto, para uma neutralização eficaz era
31. David T. Zabecki, The German 1918 Offensives: Case Study in the Operational Level of War, New
York, Routledge, 2006, p.54. O desenvolvimento de manobras conjuntas de artilharia e infantaria
foram desenvolvidas primeiro pelos alemães e posteriormente pelos aliados, que copiaram a táctica.
32. Outra forma de apoio ofensivo de tiro de artilharia era a barragem chinesa, que consistia em efectuar
um tiro preparatório sobre um determinado sector para neutralizar as trincheiras inimigas. Posteriormente
e finda a barragem era esperado que o inimigo reocupasse as trincheiras para suster o ataque, mas em vez de
uma ataque de infantaria, a artilharia voltava a fazer uma barragem sobre as trincheiras inimigas para acusar
o maior numero de baixas possíveis ao inimigo.
33. Paddy Griffith, Battle Tacics of the Western..., p.144. Em Outubro de 1917, Passchendaele, as condições
do terreno, lama, não permitiam um avanço de 100m em menos de 8 minutos.
34. Voison, A Divisão no..., p.177.
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38. Manuel de Mello Vaz de Sampayo, A Guerra..., p.36. Tacticamente os exércitos tomavam a decisão entre
a utilização de fugaz e persistente, sendo a questão do agente químico mais dependente da disponibilidade
das munições em stock.
39. João Duarte Ferreira, Manual do Graduado de Infantaria: Indispensável na Escola de Recrutas e em
Campanha, Braga, Livraria Cruz, 1943, 510.
40. idem, ibidem, p.517.
41. David P. M. Sarmento, As Intoxicações..., pp.18-19.
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recolhidos, 5%. Outra situação idêntica, mas causada com cloro e fosgénio, onde se
identificaram 41 mortes por gaseamento entre 312 gaseados recolhidos, 13%, uma clara
diminuição do número de homens atingidos, mas com um efeito mais violento.
Em Junho de 1917, data dos primeiros ataques com gás de mostarda, registou-se um
decréscimo de casos letais, cerca de 2,7%, percentagem que se manterá em média até
Novembro de 1918. A grande diferença entre as situações anteriores a 1917 e posteriores
a essa data é que as vítimas que eram apanhadas desprevenidas, sem equipamento ou não
colocavam o equipamento atempadamente, apresentavam percentagens de mortalidade
na ordem dos 85% a 100%. É de referir que ao longo da guerra as máscaras britânicas
tiveram uma grande dificuldade em filtrar o gás cruz azul (esternutatório) o que era do
conhecimento alemão42.
O Exército Português foi equipado com os dois tipos de aparelhos antigás que
estavam em utilização no Exército Britânico43, o capuz e o respirador, sendo que e capuz
já se encontrava em desuso e apenas utilizado como reserva44. Para a defesa colectiva
eram utilizados sistemas para vedar as portas de entrada dos postos de socorro, postos
de comunicação, e outros, que compreendia uma cortina embebida regularmente numa
solução de hiposulfito, com a propriedade de proteger contra ataques de cloro.
Estava organizado um serviço de observação das condições atmosféricas, que recolhia
dados sobre a direcção e velocidade do vento por meio de ventoinhas e cataventos,
dados que de três em três horas eram reportados aos escalões superiores, existindo uma
posterior difusão meteorológica por todas as unidades duas vezes por dia45. A inexistência
inicial de detectores de gás, levava a que se procurassem indícios de uma preparação de
ataque de gás, como a existência de um tempo calmo, vento ligeiro que soprasse do lado
do inimigo e uma aparente inactividade com a ascensão de pequenos balões do lado no
inimigo46. Restava a hipótese de detecção com o olfacto ou na sensação de irritação da
garganta e nariz. Uma vez detectado era de imediato dado o alerta de gás, por meios
visuais: tabuletas e foguetes, ou através de meios sonoros: buzinas strombos47, gongos
ou matracas, mas os alarmes sonoros eram difíceis de distinguir de outras situações de
alarme.
Na linha da frente as directivas antigás obrigavam a que todos os homens levassem
os respiradouros na posição “Gás Alerta”, ou seja, fora do saco e estavam sujeitos a
uma inspecção diária do equipamento. Havia ainda um serviço de sentinelas de “Gás
Alarme”, que quando atacados difundia a mensagem “Gases Contra Trincheira” e todos
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O contacto com as tácticas de defesa e ataque com agentes químicos teve várias
vias, sendo que terá sido na Escola de Gás de Mametz, o local onde os militares do
Corpo Expedicionário Português receberam instrução defensiva no âmbito da guerra
química. No entanto, quando se fala de guerra química durante a Grande Guerra, é
frequentemente esquecido a capacidade ofensiva do CEP, caracterizada pela capacidade
de intervenção da artilharia, dos morteiros e da infantaria com granadas de mão.
Quando os primeiros contingentes portugueses chegaram a França existiu de imediato
a necessidade de instruir as praças e os oficiais sobre as tácticas de guerra química que se
praticavam no Front, e para as quais as tropas portuguesas não tinham recebido treino ou
equipamento em Portugal. O Exército Português até essa data não tinha tido qualquer
experiência de guerra química, fosse por libertação de gás comprimido em botijas,
ou lançamento de granadas de artilharia, nem os serviços de saúde militares estavam
preparados para o tratamento de gaseados.
Assim, a passagem dos efectivos do Corpo Expedicionário Português pela Escola de
Gás, de Mametz, deve ser vista como uma necessidade prática e um primeiro contacto
com os gases de guerra, uma acção com o intuito de dar confiança no uso da máscara
aos expedicionários e de instrução no uso de granadas químicas de mão, de fumo e
incendiárias48.
A partir de 7 de Maio de 1917, seguiram-se vários cursos49 com a duração de cinco
dias cada, para oficiais e praças, que incluíam a instrução sobre o equipamento pessoal, à
data máscaras PH Helmet, mas também sobre procedimentos de defesa colectiva antigás
nas trincheiras, com exercícios de alarme, prontidão, e neutralização de gases. Sendo os
cursos ministrados por instrutores britânicos é esperado que tivessem sido instruídos
na utilização de pulverizadores Vermorel50 como método de neutralização de gases nas
trincheiras e em abrigos contaminados, com trisulfato de sódio, também chamado
48. Revista Militar, Ano: LXXII, n.º 12, Dezembro de 1919, p.733.
49. Ferreira Martins, Portugal na Grande Guerra, Vol.II, Editorial Ática, Lisboa, 1934, p. 231.
50. Os pulverizadores “Vermorel” foram uma adaptação de pulverizadores utilizados na agricultura antes da
guerra. Catálogo FEQ845 Imperial War Museum.
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Gases Tóxicos e o Corpo Expedicionário Português
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XXVI COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR
O Corpo de Artilharia Pesada (CAP) teve uma organização diferente e tinha como
objectivo o apoio de fogos a nível de Corpo de Exército. A instrução das guarnições de
artilharia foi efectuado na Grã-Bretanha, na Escola de Artilharia de Roffey Camp que
incluiu formação em camuflagem e na Escola Hazeley Down Camp. Após terminada
a instrução dos grupos nas duas escolas, estes juntaram-se a 20 de Janeiro de 1918 em
Lydd, onde todos realizaram várias sessões de tiro real55.
Chegados a França, no final de Janeiro de 1918, as guarnições foram organizadas
em dois Grupos de Batarias de Artilharia Pesada, a cinco Batarias cada, 10 no total. No
entanto, por falta de peças as guarnições tiveram de efectuar o tirocínio junto das batarias
de artilharia pesada britânicas que guarneciam o sector português56, mas posteriormente
acabaram por ser dispersos por unidades britânicas de artilharia. Apesar de desfalcado
em artilharia, o CEP tinha meios para atacar e retaliar com armas químicas quando
necessário. No que se refere ao reabastecimento de munições57, estes eram efectuados
semanalmente por requisições ao Sub-Parque de Munições de acordo com os mapas
de consumo de morteiro e de artilharia. As munições requisitadas incluíam bombas de
morteiro, granadas explosivas, granadas com balas e granadas com gases58. Nos mapas de
carga das unidades de artilharia, no que se refere a munições de 75mm, verificava-se um
fornecimento de cerca de 5% de munições de gás semanalmente59.
Para encerrar o círculo da guerra química é necessário introduzir a acção dos serviços
de saúde militares60, suportados numa estrutura que ia desde os postos de socorro
avançados junto à linha de combate até às unidades hospitalares na retaguarda. Treinados
para tratar de ferimentos de sangue produzidos por explosivos e estilhaços, a partir de
1915 surgiu uma nova patologia de ferimentos com sintomas muito agressivos e que
resultavam da exposição a uma atmosfera tóxica, variável nos sintomas e dependente do
55. Paulino Mendes Gustavo, “O Sistema de Apoio de Fogos das Divisões do Corpo Expedicionário
Português (CEP): Orgânica e Emprego Táctico da Artilharia e dos Morteiros”, Relatório Científico Final do
Trabalho de Investigação Aplicada, Lisboa, Academia Militar, 2016, p.35.
56. Isabel Pestana Marques, Memórias do General 1915-1919: Os meus três comandos de Fernando Tamagnini,
Viseu, SACRE - Fundação Mariana Seixas, 2004, pp. CXCVI – CXCVII.
57. Simon Jones, World War I Gas Warfare Tactics and Equipment, Oxford (UK), Osprey Publishing, 2007,
p.25. Em Verdun a artilharia francesa de 75mm utilizou extensivamente munições químicas de vincennite
(asfixiante), agente químico que se tornou padrão no exército francês e que será uma referência para o tipo
de munições químicas de 75mm, no CEP.
58. Fernando Freiria, Os Portugueses na..., pp.170-1.
59. PT/AHM/DIV/1/35/603/1 e PT/AHM/DIV/1/35/604/1 – Cargas das Unidades em Munições, 2ª
Divisão, comando de Artilharia. Fornecimento de munições para 28 peças de 75mm da 2ª Divisão do CEP,
em 29 de Dezembro de 1917, Munições tipo gás (ZL): 670 na bataria, 499 em reserva, 41 por peças.
60. Margarida Portela, “Cuidar das feridas em todas as frentes”, 1914-1918. Portugal durante a Grande
Guerra. Histórias Esquecidas da participação dos portugueses no conflito, Visão-História, nº 25, Setembro de
2014, p.36. Ver Ferreira Martins, Portugal na..., pp.280-3.
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XXVI COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR
uma situação grave de gaseamento e que todos os admitidos fossem colocados sob
estrita observação durante 48 horas, porque era extremamente difícil diagnosticar um
gaseamento ligeiro de uma situação letal63.
Assim, todos os gaseados eram evacuados para as ambulâncias, o que criava por
vezes situações de acumulação de doentes nos serviços de transporte, e igualmente
novas situações de gaseamento associados com os agentes químicos que os feridos
transportavam nas suas roupas e pele, como por exemplo resíduos de gás de mostarda.
Uma diferenciação entre a abordagem aos feridos de sangue com a abordagem dos
feridos de gás, tal como indica o Capitão-Médico David Sarmento no seu relatório
sobre as intoxicações de gases de guerra, era que qualquer gaseado, ligeiro ou grave,
seguia uma linha de tratamento equivalente a um ferido grave de sangue, em especial
face ao conhecimento adquirido, porque os gaseados ao fim de algumas horas podiam
apresentar um quadro clínico muito mais grave do que o apresentado inicialmente e que
quando não acompanhado de imediato tendiam a adquirir um quadro clínico mortal.
Os feridos em situação de maior urgência eram enviados para as ambulâncias para
serem assistidos, ou enviados para os Hospitais de Sangue64, sendo esse transporte de
dia dentro das trincheiras de comunicação e à noite pelo Decauville65. As ambulâncias
e hospitais de sangue eram equivalentes ao que hoje chamaríamos de hospitais de
campanha, com capacidade cirúrgica e de internamento. Estavam colocados fora do
alcance da artilharia alemã o que lhes dava uma maior segurança, instalados em edifícios
e com um apoio de tendas. Entre as ambulâncias e os hospitais de sangue encontrava-se
alguma diferença na especialização dos serviços, mas a principal distinção da denominação
estava relacionada com a diferente capacidade de mobilidade das instalações.
O envio de doentes para os hospitais da Base dependia principalmente do tempo
previsto para o tratamento, considerando tempos de tratamento superiores a duas semanas
como factor de transferência. Uma nota interessante é da indicação que os doentes que
eram transferidos dos serviços de saúde da primeira linha para os serviços de saúde da
Base não transitavam directamente entre os hospitais de sangue, para os hospitais da
Base. O transporte dos doentes era efectuado por caminho-de-ferro, ou barcaça através
dos canais, e como esse serviço de transporte para a retaguarda se encontravam sob a
direcção dos britânicos, os feridos e gaseados eram primeiro conduzidos para hospitais
britânicos e daí posteriormente para hospitais portugueses66, mas naturalmente existiam
excepções.
Os hospitais da Base, onde se pode incluir o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa,
destinavam-se aos doentes, feridos e gaseados, cuja recuperação era demorada ou
não podia ser feita nos depósitos de convalescentes dos batalhões. Ainda em França
63. David P. M. Sarmento, As Intoxicações..., p.16.
64. Ferreira Martins, Portugal na..., p.281.
65. PT/AHM/DIV/1/35/581/1/1917. Decauville era um sistema de linha férrea de bitola estreita e de fácil
reparação, em geral com vagonetas movidas pela força de dois ou mais homens.
66. Ferreira Martins, Portugal na..., p.282.
226
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XXVI COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR
71. Costa Dias, Flandres, Notas e Impressões. Lisboa, Imprensa Libano da Silva, 1920, pp.133-47.
72. Américo Olavo, Na Grande Guerra, Lisboa, Guimarães e Ca. 1919, pp.82-6.
73. Paddy Griffith, Battle Tacics of the Western..., pp. 116-19. As Royal Engineer’s Special Brigade’s, “brigadas de
gás” foram constituídas em Maio de 1915 e tinham como propósito o lançamento de gás tóxicos. Estas brigadas
preparavam as operações com os comandos das Divisões de acordo com as instruções do comando britânico.
74. PT/AHM/DIV/1/35/581/7/19/8. Na documentação encontra-se a localização exacta em coordenadas
topográficas, sendo que essas localizações ficavam na linha B, do sector português. No plano existe a
indicação para avisar as seguintes unidades: BI 9, BI 12, BI14, BI 15, 1º GM, 2º BMM, 1º CSM e 2º BML.
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Gases Tóxicos e o Corpo Expedicionário Português
libertar o gás na hora zero. Às tropas portuguesas foram dadas ordens para recuarem
para a linha B meia hora antes da hora zero e que aguardassem pela ordem para regressar
à linha A apenas meia hora depois do fim do ataque. Toda a frente ficou de prevenção
porque seria esperado um ataque imediato de represália da artilharia alemã.
Tudo foi coordenado entre os oficiais da Royal Engineer’s D Special Company e o
comando da 1ª Divisão75, ficando apenas a aguardar pela hora zero e pelas as condições
atmosféricas favoráveis. A operação acabou por ser anulada por falta de condições
atmosféricas, direcção do vento adversa, tendo sido transmitido a todas as unidades
a palavra código “PORTO”, que significava operação cancelada. A oportunidade
para delinear um novo ataque químico não foi conseguida por diversas razões, mas
certamente que a principal terá sido o avanço alemão a sul da posição portuguesa, entre
Saint Quentin e Péronne naquela semana e que levou os britânicos a concentrarem
todos os esforços para conter os alemães mais a sul da posição portuguesa.
Mantinha-se a pressão alemã na frente portuguesa e tornava-se necessário efectuar
reconhecimentos e destruir posições alemãs que se encontravam em frente da linha do
CEP. Nesse sentido foi efectuado um raid com uma companhia sobre as linhas alemães
a partir do subsector de Neuve-Chapelle, comandado pelo Capitão Américo Olavo, do
BI 2, de Abrantes, na noite de 3 para 4 de Abril, com o apoio da artilharia. A companhia
avançou até à segunda linha alemã onde destruiu os abrigos aí existentes auxiliados pela
“caixa” de artilharia. No regresso foram atacados pela artilharia alemã, mas conseguiram
os objectivos da missão apesar das baixas: 8 desaparecidos e 14 feridos76.
Poucos dias depois, a 9 de Abril, deu-se a grande ofensiva alemã sobre o sector
português, onde o uso de munições químicas fez parte do plano de apoio de fogos
alemão. Foi calculado que dos cerca de 250.000 tiros da artilharia de barragem, um
terço, mais de 80.000, terá sido com agentes químicos, de acordo com a doutrina alemã
de ataque77. Refira-se que o Exército Britânico durante a Batalha de La Lys consumiu
518.519 munições de metralha e 1.120.286 de explosivos, que incluem munições
de fumo, incendiárias e de agentes químicos78. Calcula-se que o total79 das munições
químicas disparadas sobre o sector português a 9 de Abril tenha sido cerca de 62.500
munições.
No Arquivo Histórico Militar não é fácil de encontrar dados individuais sobre os
gaseados, o que corrobora o relatório de Capitão-Médico David Sarmento, no entanto
as estatísticas disponíveis mostram duas realidades: um número muito elevado de baixas
por gaseamento e um número baixo de situações letais, mas não existe indicação dos
75. PT/AHM/DIV/1/35/581/7/19/8. Os códigos da operação eram “LISBOA” para indicar que a
operação ia ter lugar essa noite, “PORTO” para indicar que a operação não tinha lugar essa noite, e
“RIO” para indicar que tudo tinha sido lançado e para iniciar a reposição das tropas nas trincheiras
76. Ferreira Martins, Portugal na..., 296-70.
77. Leonel Martins, “A Classificação dos Gases...”, p.182.
78. Paddy Griffith, Battle Tacics of the Western..., p. 149.
79. Leonel Martins, “A Classificação dos Gases...”, p.182.
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XXVI COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR
230
Gases Tóxicos e o Corpo Expedicionário Português
a compreender a capacidade bélica que aquelas armas tinham para debilitar uma força
combatente inimiga, ou para a desmoralizar.
A terceira questão referia-se à reconhecida vantagem que um serviço de saúde
treinado e conhecedor da guerra química tinha para recuperar mais rapidamente
as forças intoxicadas e diminuir os casos de mortalidade. No entanto, existe uma
observação muito importante relacionada com as incapacidades definitivas, totais ou
parciais, e as temporárias nos gaseados que conseguiram sobreviver. Enquanto as taxas de
mortalidade foram progressivamente diminuindo o mesmo não se verificou em relação
aos incapacitados. Introduzindo a questão dos mutilados e referindo os gaseados como
“debilitados”, colocou em causa a cultura nacional, a tendência para comunidade não
integrar socialmente os debilitados e como esses homens não se esforçavam para exigir
essa integração86.
Uma quarta questão que colocou refere-se à falta de organização dos serviços
estatísticos do CEP, que não compilaram convenientemente os casos de gaseamento,
impedindo que no futuro se fizesse qualquer estudo sobre os tipos de gases e os quadros
clínicos associados87. Refere a título de exemplo as estatísticas do Exército Britânico
e demonstra como os dados sobre a classe de incapacitados no CEP não permitiam
reconhecer a acção directa dos gases88. No relatório é feita a referência a uma nota sobre
a taxa levadíssima de gaseados no Hospital da Base n.º 1, com a observação que muitos
vinham sem documentação que justificasse o diagnóstico. Esta referência confirma a
aplicação da política de transferência de todos os gaseados, ligeiros ou graves, para o
escalão superior, mas também pode reflectir uma necessidade de escoar um elevado
número de doentes que se estivessem a acumular nas ambulâncias.
Por último o Capitão-Médico David Sarmento reconheceu que parte da falta de
dados estatísticos partiu da actuação dos serviços de saúde do CEP e que os médicos têm
a sua quota-parte de responsabilidade pela situação89. No entanto, há que reconhecer
que o Capitão-Médico Miliciano David Sarmento, terá sido a excepção e o único que
verdadeiramente lutou para que Portugal integrasse o meio científico aliado no âmbito
dos estudos sobre gases de guerra.
Quando em França, assumiu a responsabilidade de Adjunto dos Serviços de Saúde, a
5 de Junho de 1918, e ficou adstrito ao Hospital da Base n.º 1 (HB1), onde conseguiu
ser indigitado para o grupo britânico de estudo de gases de guerra, pelo General Garcia
Rosado, a 2 de Junho de 1918. A partir dessa data teve a maior colaboração do Estado-
86. David P. M. Sarmento, As Intoxicações..., p.20.
87. Rocha, em Gases Tóxicos: notas da guerra, refere o mesmo problema da falta de informação estatística,
nas também dá a pista de muitos dos diagnósticos de “Tuberculose” não o seja, mas sim casos de indivíduos
intoxicados por gases e mal diagnosticados.
88. idem, ibidem, p.22. No CEP a 30 de Junho de 1918, registavam-se 5.549 incapacitados: 4,277 incapazes
para o serviço militar, 321 incapazes para o serviço activo, 116 incapazes para o serviço no CEP e 835
homens foram transferidos para serviços auxiliares, sem existir qualquer indicação do número de gaseados.
89. idem, ibidem, p.24.
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XXVI COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR
Conclusões
É patente que a guerra química implicou uma logística e treino especial, para a qual
o Exército Português não tinha experiência, fosse relativamente ao treino de tácticas
de defesa antigás de infantaria e de utilização de tácticas avançadas de artilharia, ou
preparação dos nos serviços de retaguarda, como os de saúde e sanitários. No entanto foi
notória a capacidade de adaptação que o Corpo Expedicionário Português demonstrou
durante o primeiro período de quatro a seis meses, em que recebeu treino e formação
sobre a guerra nas trincheiras e se preparou para os novos desafios que a guerra química
apresentava.
A introdução da Escola de Gás e das Escolas de Artilharia e de Morteiros colocaram
os militares portugueses em contacto com os conhecimentos necessários para o campo
de batalha. Nos Serviços Sanitários também se verificou a atribuição de novas tarefas
por forma a ser garantido os meios e o conhecimento necessário para a recuperação
dos espaços sujeitos a bombardeamentos, ou atingidos por nuvens de agentes químicos
tóxicos. Será sempre possível questionar o nível de operacionalidade dos serviços
sanitários, as não encontrámos referências a situações colectivas de intoxicação por
negligência dos mesmos.
90. PT-AHM/DIV/1/35A/1/05/1365 e David P. M. Sarmento, As Intoxicações..., p.4.
91. Arquivo Histórico Parlamentar, Diário do Senado, Sessão n.º 32, de 19 de Agosto de 1919, p.7.
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