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Resumo
O presente artigo propõe-se a descrever as orações relativas restritivas no Português oral falado
em Moçambique (POM). O objecto de estudo deste artigo centra-se em construções que se
consideram não canónicas do Português: orações relativas cortadoras e orações relativas
resuntivas. O trabalho analisa igualmente a compatibilidade dos constituintes relativos
escolhidos pelos falantes para introduzirem as orações relativas. Igualmente se dedica a estudar
orações relativas que não possuem movimento do constituinte relativo, as quais são designadas
falsas relativas, no presente trabalho. O corpus do trabalho é constituído por 8.568 palavras que
foram captadas a partir de uma entrevista não naturalista feita a 20 informantes, com idades
compreendidas entre 24 e 55 anos, tendo uma formação escolar que varia entre 6.ª e 12.ª classes.
Todos os informantes possuem uma língua bantu, como primeira. A transcrição foi feita com o
auxílio do software Express Scribe e a captação dos contextos da ocorrência dos morfemas
relativos foi feita a partir do software Concordancer for Windows. O estudo conclui que, no PM,
na oralidade, ocorrem apenas os morfemas que e onde como relativizadores. Conclui igualmente
que é possível que se realizem orações relativas sem o movimento do relativizador e sem gap,
sobretudo quando a cláusula relativa ocorre com predicados de 1 lugar. Nesta variedade, tal
como ocorre no PE e no PB, ocorrem as construções relativas cortadoras e as resumptivas.
0.0.Introdução
1
X Jornadas da Língua Portuguesa em Moçambique. Beira, 4 a 5 de maio de 2019
defendendo o modelo tradicional, que considera a oração relativa como um adjunto do NP,
outros defendendo o modelo raising, segundo o qual a oração relativa é um complemento de D e
outros ainda defendendo o modelo matching, que considera a oração relativa ora adjunto do NP
ora complemento de N’. A própria teoria generativa percorreu um longo caminho, desde a
Teoria Standard, passando pela fase de Princípios e Parâmetros (P&P) até atingir a fase do
Programa Minimalista, o qual procura eliminar as excessivas regras, repetições e imperfeições do
modelo de P&P e torná-lo mais eficiente. Todo este panorama permite perceber o quanto é
flutuante a área das construções relativas, sendo que qualquer trabalho nesta área, no estágio
actual, seja teórico, no sentido de discutir as teorias, seja prático, na vertente de usar as teorias
existentes e verificar como se operacionalizam nas línguas particulares, é pertinente.
O presente artigo surge neste contexto e procura perceber como é que se opera o processo de
relativização no Português de Moçambique (PM), a partir de dados orais, captados em falantes
do português como L2.
As estruturas relativas que são objecto de estudo deste trabalho são como as que se seguem em
(1)
a. o dia | que | eu me casei formalmente depois de um namoro de 06 meses
Pe: o dia em que eu me casei
b. o marido também respeitar a mulher depois tem que ver respeito com as crianças | que |
vocês nasceram
Pe:??? as crianças que nasceram (fizeram)
c. Namoro é quer dizer namoro é uma coisa que a um moço | que | ele gostou de ti
Pe: a um moço | que | gostou de ti
d. também dai vai-se preparando naquilo | que | é o dote que deve ser entregue aos sogros
como forma de agradecimento e chegado o dia
pe: aquilo | que | é o dote
e. tem outras crianças que são mau educadas | que | os pais não ensinam lá em casa, por isso
lá na escola tentam ensinar
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X Jornadas da Língua Portuguesa em Moçambique. Beira, 4 a 5 de maio de 2019
pe: tem outras crianças que são mau educadas cujos pais não ensinam lá em casa, por isso
lá na escola tentam ensinar
Como se depreende, o nosso objecto de estudo centra-se em construções que se consideram não
canónicas do Português, as quais possuem desvios relacionados com corte da preposição
necessária na oração relativa (1a), ou preenchimentos do lugar reservado a vestígio por material
lexical, o qual não corresponde ao núcleo externo da relativa (1b) ou ainda preenchimentos do
lugar reservado a vestígio por um pronome, que é idêntico ao núcleo externo, resultando este
último tipo de desvio em o que se denomina de orações resumptivas (1c). Para além dos
fenómenos descritos, o trabalho ocupa-se igualmente de construções frásicas como as
patentes em (1d), (1e). Relativamente a estas estruturas, discute-se a compatibilidade dos
morfemas escolhidos para realizarem o processo de relativização, tal como tinha sido
denunciado por Gonçalves e Stroud (1998), Gonçalves (1986), Brito (2001), Lindonde
(2002) e Diniz (1986).
1. As orações relativas
Em Português, as orações relativas canónicas são construções frásicas que geralmente são
encaixadas numa frase matriz a partir de morfemas que iniciam geralmente com a forma
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O corpus do trabalho é constituído por 8.568 palavras que foram captadas numa entrevista não
naturalista feita a 20 informantes, com a duração de 45 minutos cada, o que perfez 900 horas.
Com essas horas de gravação era suposto que o número de palavras fosse elevado, o que não
ocorre. Este fenómeno fica a dever-se ao facto de, durante as entrevistas, os informantes terem
tido pausas longas entre o momento de lançamento da pergunta e o momento da resposta, as
quais não eram preenchidas por bordões linguísticos, como era de esperar nestas circunstâncias
em falantes fluentes. E como se escolheu aleatoriamente os informantes, porque a intenção era
captar o discurso informal espontâneo, não houve espaço para a aplicação de testes de
proficiência aos informantes, que seriam importantes para decidirmos se o informante seria ou
não capaz de produzir fluentemente um discurso em Língua Portuguesa que satisfizesse os
nossos anseios. Para além das pausas, que eram longas, os informantes não desenvolviam as suas
respostas, o que aproximou o seu discurso ao que Bernstein (1996) chamou de Código restrito, na
teoria dos códigos sociolinguísticos.
Os informantes tinham idades compreendidas entre 24 e 55 anos, tendo uma formação escolar
que varia entre 6.ª e 12.ª classes. Quanto à variável sexo, destes informantes, 9 são de sexo
feminino e os restantes 11 são de sexo masculino. No trabalho não controlamos o peso de cada
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uma destas variáveis no processo de produção das cláusulas relativas, porque a intenção era
captar todo tipo de orações relativas capazes de serem produzidas por estes informantes,
independentemente da idade, sexo, classe social, formação académica, etc.
No que tange à variável 'línguas faladas pelos informantes', todos possuíam uma língua bantu
como língua primeira, como se disse, e usavam a língua portuguesa em contextos laborais ou em
contextos de comunicação formais. Em casa e em convívios familiares, os informantes usam
geralmente a língua bantu.
A entrevista aplicada aos informantes era estruturada, ou seja, tinha sido previamente preparada,
com perguntas abertas. A opção por perguntas abertas foi estratégica, já que se pretendia que os
informantes produzissem o maior número possível de enunciados, de modo a captar-se situações
em que ocorrem construções de relativização. Não lhes foi dito que deveriam usar os morfemas
relativos, pois se receava que se induzisse os informantes em erros.
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Fonte: autor
A transcrição da gravação foi feita usando a letra Times new Roman, fonte 12 e posteriormente
foi gravada no formato TXT, para ser compatível com o software Concordancer for Windows,
versão 3, o qual foi usado para captar entradas com pronomes relativos. Depois, foram
codificados os informantes. Antes de todo esse processo, os informantes tinham de assinar um
termo de consentimento.
A tabela que se segue ilustra a distribuição de entradas que foram consideras canónicas e
as desviantes. A tabela ilustra igualmente os tipos de morfemas relativos captados no
corpus.
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A tabela1 ilustra que das 93 entradas no corpus, 67.7% são consideradas canónicas e 23.6%
possuem determinado grau de desvio. A discrepância dos valores relativos que se verifica na
tabela deve-se ao facto de o pronome onde não ter sido usado correctamente no corpus. Para a
natureza deste trabalho, este corpus pode ser considerado representativo e suficientemente
robusto.
A tabela ilustra igualmente que os informantes usam apenas o morfema que, na oralidade. Na
verdade, as únicas entradas do morfema onde no corpus ocorreram contiguamente com o
morfema que, em contextos que se consideram desviantes. Refira-se que o desaparecimento de
alguns morfemas na oralidade não pode ser encarado como sendo um fenómeno isolado do
Português oral falado em Moçambique. Há estudos em Portugal que ilustram que o morfema
cujo, por exemplo, está a desaparecer na fala oral dos portugueses (cf. Arim, Ramilo & Freitas
(2004) e Arim, Ramilo & Freitas (2005))
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Nesta parte trataremos das orações relativas cortadoras. No corpus, ocorreram 7 entradas com
este tipo de desvios, como se exibe em (8)
(8)
c. a UP acabou atrasando com o meu certificado, momento este | que | a minha instituição
solicitava as pessoas que tinha feito licenciatura noutras instituições
d. é um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios públicos,
onde que, sítios | que | não criam ponto de interrogação para aqueles que os vem.
f. Aventura que eu fiz foi de secção de fotos, cada paragem | que | parávamos tiravam fotos, tentávamos
fazer sair com alguma coisa que recordassem os locais que paramos?
g. o limite do nosso sonho com o meu marido limitamos assim mesmo depende de cada pessoa tem outra
lar | que | quer 10 -20 mas pra me não esses 4
Como se pode depreender, nas construções frásicas em (4) foram suprimidas a preposição em,
(4a), (4b), (4c), (4d), (4f) e a preposição de (4g), (4e), as quais se devem obrigatoriamente
movimentar com o morfema que da posição de origem à de poiso, lugar onde devem
desempenhar o as funções sintácticas, de adjunto (4a), (4b), (4c), (4d), (4f) (4g), e de
complemento oblíquo, (4e).
(9)
c. a UP acabou atrasando com o meu certificado, momento este em| que | a minha instituição
solicitava as pessoas que tinha feito licenciatura noutras instituições
d. é um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios públicos,
onde que, sítios em | que | não criam ponto de interrogação para aqueles que os vem.
f. Aventura que eu fiz foi de secção de fotos, cada paragem em | que | parávamos tiravam fotos,
tentávamos fazer sair com alguma coisa que recordassem os locais que paramos?
g. o limite do nosso sonho com o meu marido limitamos assim mesmo depende de cada pessoa
tem outra lar em | que | quer 10 -20 mas pra me não esses 4
Relativamente à tipologia de verbos que ocorrem nestas construções, são verbos de dois lugares,
os quais seleccionam um argumento externo, com a função de sujeito e um interno, com a função
de OD, facto que condiciona que, com excepção da frase em (4e), os restantes relativizadores
tenham a função sintáctica de adjuntos adverbiais. Em (4e) temos um verbo de dois lugares, em
que o segundo argumento é introduzido pela preposição de, com a função sintáctica de objecto
oblíquo. Parece-nos que no POM não ocorrem as relativas cortadoras envolvendo verbos de zero
lugares, um lugar, três lugares e quatro lugares.
O estudo de Arim, Ramilo & Freitas (2005) ilustra que as relativas cortadoras no Pe. apenas
ocorrem quando o verbo é de dois lugares, tal qual ocorrem no PM, mas com a particularidade de
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a preposição cortada ser regida pelo verbo da cláusula relativa, a qual introduz a função
sintáctica de complemento oblíquo.
Num estudo feito a partir de dados orais, Santos (2014) indica que a preposição com maior
frequência nas construções relativas dos seus informantes é a preposição em, tal como o é no
POM. Mais adiante, a autora explica que, dos 69 contextos de ocorrência deste morfema, 60
ocorrem na posição de adjunto adverbial.
Fazendo o cruzamento dos dados de Santos (2014), Arim, Ramilo & Freitas (2005) e os nossos,
podemos chegar à ilação de que, na oralidade, os informantes menos instruídos (até à 12.ª classe)
tanto no PM como no PE, cortam mais a preposição em, no contexto em que ela introduz um
adjunto adverbial da oração relativa. Com mais instrução, esses problemas, sobretudo no PE, já
que não temos um estudo paralelo no PM, são ultrapassados e apenas prevalecem os
relacionados com a regência dos verbos, tal qual ilustra o estudo de Arim, Ramilo & Freitas
(2005).
É importante ainda referir que, para que este tipo de orações ocorra, é necessário que o modo
seleccionado pelo verbo seja indicativo. Portanto, não há registos de que os outros modos verbais
tenham sido seleccionados nestes tipos de construções.
(10)
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a. mulher respeitar o marido , o marido também respeitar a mulher depois tem que ver
respeito com as crianças | que | vocês nasceram , paciência também
b. Namoro é, quer dizer, namoro é uma coisa | que | há um moço que ele gostou de ti e
também você gostou dele namorar, namorar e depois, namorar é conversar.
Apesar de termos considerado que as construções frásicas patentes nestas secção possuem a
mesma característica, a de ausência do movimento do elemento que desempenha a função de
relativizador da posição de origem ao local de poiso, desobedecendo, assim, a uma das regras das
construções relativas, essas construções não possuem o mesmo comportamento sintáctico. Ou
seja, o fenómeno que inibe o movimento do elemento que actua como relativizador, nestas
construções, não é o mesmo.
Nas construções em (10a) e em (10b), por exemplo, as orações relativas ocorrem numa situação
em que os verbos de que dependem, que neste caso são os verbos nascer (10a) e haver (10b), são
de 1 lugar. Este tipo de verbos, devido à limitação de não ocorrer com um argumento interno,
(10a) e com argumento externo (10b) aceita apenas um argumento externo, com a função sujeito
(10a) ou com a função de OD (10b). Ou seja, a ter que haver movimento no processo de
relativização, esse movimento tem de partir do lugar reservado para argumento externo (10a) e
interno em (10b), que, nas frases em análise, se encontram saturados. Em (11) tentamos ilustrar
como seria esse movimento e rasuramos o material lexical que satura o lugar de onde partiria o
movimento do pronome relativo:
(11)
a. mulher respeitar o marido , o marido também respeitar a mulher depois tem que ver respeito com
as crianças | que | vocês nasceram , paciência também
mover-A
b. Namoro é quer dizer namoro é uma coisa | que | há um moco que ele gostou de ti e também
mover _A
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Como se pode notar, as expressões vocês em (11a) e um moço em (11b), inibem, como temos
vindo a dizer, o movimento do morfema que já que saturam o lugar de onde partiria o
movimento do relativizador. No modelo matching, o material lexical elidido tinha de ser
semelhante ao núcleo externo, para que a relativização se efective. Ou seja, os materiais lexicais
vocês e crianças, em (11a); um moço e uma coisa, em (11b) tinham de ser semelhantes, o que, de
certa forma, condiciona a semântica e sintacticamente as orações resultantes da reformulação,
como se pode depreender em (12).
(12)
a. mulher respeitar o marido , o marido também respeitar a mulher depois tem que ver
respeito com as crianças | que | [ v ] nasceram , paciência também , depende de cada
família
Mover-α
a. Namoro é quer dizer namoro é uma coisa | que | há [ v ]que ele gostou de ti e também
Mover-α
Era suposto que, com a remoção das expressões nominais que saturavam o lugar de vestígio,
tivéssemos finalmente orações relativas canónicas, mas tal não ocorre justamente porque, como
se disse, o material elidido no núcleo interno não é semelhante ao material do núcleo externo.
A propósito do verbo nascer é importante perceber que, no PM, tem sido usado como um verbo
transitivo. Portanto, é possível, nos falantes do PM que ocorram estruturas do tipo:
(13)
a. os seus progenitores não adivinharam terem nascido [SN um homem com grande
paixão pela ciência1] (EJD93)
1
Os exemplos são do Dicionário electrónico de Gonçalves (2018), disponível na Cátedra do Português Língua
segunda, em http://catedraportugues.uem.mz/lib/docs2/DRVPM_Contextos_6a%20Versao%20FINAL_2018.pdf
13
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b. quando a mulher nasce [SN filhos], o direito é de estar com os pais (OPOM93)
Se reanalisarmos a estrutura em (10a) tendo em conta que este verbo ocorre no PM como
transitivo directo, então podemos dizer que a estrutura em causa se inscreve perfeitamente PM,
como legítima e, por essa via, pode ser considerada como canónica, nesta variedade. Ou seja, há,
por assim dizer, a aplicação da regra de movimento na estrutura em causa, como se pode notar
em (13):
nesta reanálise, o núcleo interno da frase relativa estaria na posição de argumento interno do
verbo nascer, dando legitimidade à estrutura em causa no PM. O verbo, neste tipo de
construções, costuma estar conjugado no modo indicativo e o relativizador seleccionado é o
morfema que. (cf. (10a) e (10b))
Há um grupo de construções que designamos falsas relativas. Peres & Móia (1995) definem estas
construções como sendo aquelas que não apresentam uma posição a partir da qual se desencadeia
o movimento do constituinte relativo. Para os autores, “o pronome relativo não tem qualquer
valor semântico e, por conseguinte, a pretensa relativa não desempenha o seu papel em relação a
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um antecedente” Peres & Móia (1995, p. 314). A diferença entre estas construções e as
conhecidas por resumptivas é o tipo do material lexical seleccionado para saturar o lugar
reservado ao gap e a possibilidade de co-referenciação. Enquanto nas relativas resumptivas o
elemento que satura o lugar reservado ao vestígio é um pronome, geralmente, clítico, ou no caso
concreto do PM, um pronome pessoal recto, o qual é co-referido pelo pronome relativo, nas
falsas relativas o elemento que satura o lugar do vestígio é um complemento, o qual não é co-
referente, como se depreende em (14a), (14b) ou uma frase em (14c):
(14)
a. Por exemplo você pode ver eu aqui a estudar como bolseiro e uma das formas | que | eu
pensei em melhorar a minha vida sei quando voltar
b. o próprio salário como falou tem que mudar para ser um salário | que | agente vá na Atm
duas vezes não
c. Isto porque, devido esta coisa | que | eu acabei dizendo que estava sozinha, como segunda
família
Uma primeira tentativa de reconstrução das frases em (14a) e em (14b) passa necessariamente
por uma hipotética percepção de que o lugar preenchido pelos complementos oblíquos, poderia
ser a origem do movimento do pronome relativo. Tentamos, em (16), como se depreende,
eliminar os complementos oblíquos, para conseguirmos vestígios a partir dos quais partiria o
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(16)
a. As formas | que | eu pensei em
DP
D NP
NP CP
as
DP
D NP
NP CP
um
Assim sendo, num segundo momento, a partir das estruturas em (16), entenderíamos que houve
primeiro um movimento nesta oração do relativizador, o qual pode ser considerado incompleto,
porque, no lugar de origem não se movimentou a preposição em que, geralmente, ocorre com o
pronome relativo que, gerando uma estruturas cortadora.
Ora, até aqui, as estruturas resultantes seriam cortadoras, como se disse. Mesmo assim, seriam
cortadoras estranhas, já que a preposição regida pelo verbo ocorre na frase relativa, mas não se
desloca com o morfema que. Nas relativas cortadoras não canónicas, a preposição não ocorre,
nem em forma de resíduo, como se manifesta nestas construções, nem com o morfema que.
Como se depreende, até aqui, temos uma relativa “média” que flutua entre a norma e o desvio.
Estes informantes possuem plenamente o conhecido do quadro de regência dos verbos, se
entendermos que o verbo ir rege a preposição em no PM.
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Retirou-se o determinante a desta frase para permitir uma nítida representação, já que o material em causa não faz
parte do relativizador da oração relativa.
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(17)
a. Por exemplo você pode ver eu aqui a estudar como bolseiro e uma das formas [em
que ] eu pensei [i] para melhorar a minha vida sei quando voltar
b. o próprio salário como falou tem que mudar para ser um salário [em (a) que] agente
vá [i] Atm duas vezes não
Em (17a), para além de termos movimentado a preposição em para junto do pronome que,
formando, assim, a locução pronominal, introduzimos a preposição para que encabeça uma frase
com a função de adjunto de fim, o que cria condições para que o lugar de origem da locução
pronominal seja preenchido por vestígio. A estrutura resultante dessa operação parece-nos ser
canónica.
Já na frase em (17b), para além da preposição em, que tem sido usual no PM, colocamos a
preposição a que, naquelas circunstâncias, devia ser regida pelo verbo ir no PE. A estrutura daí
resultante, apesar de possuir vestígio, seria de longe canónica no PE. Tal bloqueio seria
resultante do facto de o antecedente nominal não ser compatível com a locução em que. Esta
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X Jornadas da Língua Portuguesa em Moçambique. Beira, 4 a 5 de maio de 2019
locução licencia como antecedente um SN introduzido pela preposição em, que desempenhe as
funções de adjunto ou complemento locativo. Ora o antecedente da locução é um SN, o que
implica que, no mínimo, ocorra junto do pronome que desempenha as funções de sujeito ou de
OD. Experimentemos então substituir o antecedente nominal por um locativo, a ver se a
estrutura daí resultante será canónica:
(18). o próprio salário como falou tem que mudar para ser um lugar [em (a) que] agente
vá [i] Atm duas vezes não
Apesar de termos inserido material [+Loc] que é, neste caso o lexema lugar para ser compactivel
ao constituinte em (a) que, o resultado ainda não nos parece perfeito, como se depreende em
(18). É necessário um outro exercício para tornar a frase canónica. Experimentemos em (19) uma
outra versão:
(19) o próprio salário como falou tem que mudar para o Atm ser um lugar [em (a) que]
agente vá [i] duas vezes não
Parece-nos que, finalmente, temos uma estrutura que, em termos de formação da oração relativa,
pode-se considerar canónica. Substituímos a palavra salário, pela palavra lugar e inserimos a
expressão Atm entre a preposição para e o predicador ser e o resultado, como já se previa, é
perfeito.
Estivemos até aqui a discutir as estruturas frásicas em (14a) e em (14b). A estrutura em (14c)
possui o mesmo comportamento sintáctico, é igualmente uma falsa oração relativa, com a
diferença de que o lugar de vestígio em (14a) e em (14b), como havíamos dito, é ocupado por
complemento, enquanto que na frase em (14c) é ocupado por uma frase, que é que estava
sozinha, como segunda família. Esta frase desempenha a função sintáctica de OD, sendo que
actua como complemento da locução verbal acabei dizendo. O morfema que patente na frase,
também desempenha a função sintáctica de OD, de tal forma que, dentro do domínio da oração
relativa, temos dois OD, um que se realiza em forma de frase e o outro que se realiza em forma
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de morfema relativo e encabeça a oração relativa. É este duplo preenchimento que elimina, por
assim dizer, o vestígio do morfema que e elimina tecnicamente o movimento.
A característica do duplo objecto que se exibe nesta construção é diferente das construções de
duplo objecto estudadas por Gonçalves (1996). Nessas construções, o duplo objecto ocorre pela
supressão da preposição a junto dos argumentos [+Hum], a qual introduz OI. São frases como
como se pode observar, o OI e o OD ocorrem ambos como OD. Portanto, não são construções
desta natureza que ocorrem nestes falantes. Para melhor compressão do que até agora estávamos
a tratar, retomamos a frase em (14c), e marcamos com [i] o vestígio, para ilustrar o lugar de
onde supostamente iria partir o movimento do pronome relativo que, se não tivermos em conta a
frase completiva que satura o lugar de OD:
(20). Isto porque, devido esta coisa | que | eu acabei dizendo [i] que estava sozinha, como
segunda família
Ao entendermos que o vestígio de onde parte o movimento da relativa é depois da loção acabei
dizendo, estamos a assumir igualmente que a frase completiva que saturava o lugar deixa de
desempenhar essa função.
DP
D NP
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NP CP
esta
No caso em que o movimento é bloqueado por uma frase, a cláusula relativa costuma ter uma
locução verbal, com o verbo principal no gerúndio. O bloqueio é originado pelo facto de essa
locução possuir como argumento que satura o lugar de vestígio, um SN ou uma frase completiva.
Assim, tanto a frase como o morfema relativo desempenham a função sintáctica de OD.
As construções relativas que são objecto de estudo nesta parte do trabalho são conhecidas por
relativas resumptivas, como se disse, e são caracterizadas, na gramática luso-brasileira, pelo
facto de, dentro da cláusula relativa, o lugar reservado para o vestígio estar saturado por um
pronome, geralmente clítico ou recto, com a mesma função sintáctica desempenhada pelo
morfema que.
(22)
a. Namoro é quer dizer namoro é uma coisa que a um moço | que | ele gostou de ti
b. razão de casamento que não dura é que quando você casa com uma pessoa | que | ele
tem outra programa esse casamento não pode durar
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Nas construções em (22), dentro da cláusula relativa foi introduzida a expressão ele, em(22a) e
em (22b). Ao serem introduzidos, como se disse, estes materiais lexicais bloqueiam o movimento
do constituinte relativo, que se responsabiliza pela relativização. Ilustra-se, a seguir, a frase
relativa na qual estão alojados esses materiais lexicais e como eles actuam como bloqueadores do
movimento do relativizador, em (23)
(23)
a. um moço | que | ele gostou de ti
DP
D NP
NP CP
um
DP
D NP
NP CP
uma
Como se pode depreender, existem três materiais lexicais com as mesmas características
na oração relativa, embora com formas diferentes. Assim, era de se esperar que
ocorressem apenas dois materiais lexicais, de acordo com o modelo matching.
(24)
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a. Namoro é quer dizer namoro é uma coisa que a um moço | que | ele[i] gostou de ti
b. razão de casamento que não dura é que quando você casa com uma pessoa | que | ele
[i] tem outra programa esse casamento não pode durar
(25)
a. também dai vai-se preparando naquilo | que | é o dote que deve ser entregue aos sogros
como forma de agradecimento e chegado o dia
b. E suficiente e é preciso fazer gestão naquilo | que | ganha e tenho que ter sonhos
consoante aquilo que ganho nem e não cobiçar
c. Falta de fidelidade e ao mesmo tempo não ter decisão naquilo | que | esta fazer, só por
imitar que fulano de X casou,
d. tem outras crianças que são mau educadas | que | os pais não ensinam lá em casa, por isso
lá na escola tentam ensinar
e. Aventura que eu fiz foi de secção de fotos, cada paragem que parávamos tiravam fotos,
tentávamos fazer sair com alguma coisa que recordassem os locais | que | paramos
f. um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios
públicos, onde | que | , sítios que não criam ponto de interrogação para aqueles que os
vem.
Nas construções em (25a), (25b) e (25c) temos como antecedente do morfema que um sintagma
preposicional composto pela preposição em e o pronome demonstrativo aquilo. O morfema que
que ocorre nestas construções é extraído de um lugar reservado ao Sujeito frásico, em (25a)e
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complemento directo em (25b)e (25c) como se pode depreender na retoma que se faz em (26),
em que marcamos com (i) o vestígio:
(26)
a. O rapaz vai ser orientado para que possa recorrer aos seus progenitores, também dai vai-
se preparando naquilo | que | [i] é o dote que deve ser entregue aos sogros como forma de
agradecimento
b. E suficiente e é preciso fazer gestão naquilo | que | ganha [i] e tenho que ter sonhos
consoante aquilo que ganho nem e não cobiçar (idem)
c. Falta de fidelidade e ao mesmo tempo não ter decisão naquilo | que | esta fazer [i], só por
imitar que fulano de X casou,
Ora, em Português, o morfema que só pode ocupar os lugares com função sintáctica de Sujeito
ou de complemento directo. Essa condição, como se pode notar, não está preenchida nas
construções em causa. Essas construções seriam canónicas se fossem construídas como se segue
em (27)
(27)
a. O rapaz vai ser orientado para que possa recorrer aos seus progenitores, também dai vai-
se preparando aquiloi| quei | [ti] é o dote que deve ser entregue aos sogros como forma de
agradecimento
b. E suficiente e é preciso fazer gestão aquiloi | quei | ganha [ti] e tenho que ter sonhos
consoante aquilo que ganho nem e não cobiçar (idem)
c. Falta de fidelidade e ao mesmo tempo não ter decisão aquiloi| quei | esta fazer[ti], só por
imitar que fulano de X casou,
Repare-se que, para as frases em (27b) e em (27c) serem canónicas, é necessário que o
antecedente seja introduzido pela preposição de e sobre respectivamente, mas não procuraremos
discutir esse fenómeno neste trabalho para não dificultar a compreensão do objecto da
discussão.
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Já em (25d), entendemos que o morfema que sofreu movimento a partir do lugar reservado a
genitivo. A reconstrução frásica que se segue em (28) parece-nos ser legitima:
(28)tem outras crianças que são mau educadas cujos pais não ensinam lá em casa, por isso lá na
escola tentam ensinar
Na construção em (25e) achamos que o pronome que é antecedido por um locativo e por essa
via, o morfema que deve ser seleccionado para operar o processo da relativização deve ser o
morfema onde ou a locução pronominal em que como se exibe em (29)
(29)
a. Aventura que eu fiz foi de secção de fotos, cada paragem que parávamos tiravam fotos,
tentávamos fazer sair com alguma coisa que recordas em os locais ondei paramos [ti]
Ou
b. Aventura que eu fiz foi de secção de fotos, cada paragem que parávamos tiravam fotos,
tentávamos fazer sair com alguma coisa que recordassem os locais em quei paramos [ti]
Se esse nosso entendimento for correcto, então podemos dizer que para além de possuir
problemas relativos a escolha do relativizador, a frase em análise pode-se considerar que é
também cortadora.
Finalmente, em (25g) temos o morfema onde a decorrer contiguamente com o morfema que. Na
verdade o morfema que deveria ocorrer no contexto da frase em (25g) é o morfema onde, já que
o local de onde parte o movimento é reservado a um locativo. Assim, parece-nos que o morfema
que nestas circunstâncias é infértil, não deixando, por essa via, nem marcas de vestígio nem
desempenha qualquer função sintáctica na frase.
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Abandonemos então essa discussão da ocorrência ou não de dois morfemas com a forma Q
contiguamente, para fazermos o exercício de retirar o morfema que da frase, já que não pode co-
ocorrer com o morfema onde, e prestemos atenção às estrutura resultante dessa operação em
(30), para verificar se é ou não canónica:
(30)
se bem que é um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios
públicos, | onde | sítios que não criam ponto de interrogação para aqueles que os vem.
A estrutura resultante dessa operação está muito longe de corresponder a uma estrutura canónica
deste tipo de construções. Sendo assim, resta-nos levantarmos uma segunda hipótese de análise
desta estrutura frásica, a qual passa necessariamente por perceber que a ocorrência contígua dos
morfemas, neste caso concreto, se deve, como é oralidade, a uma possível reformulação frásica.
Se esse entendimento for correcto, então vamos reformular a frase em (25) da seguinte forma:
(31)
um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios públicos, onde |
que | , sítios que não criam ponto de interrogação para aqueles que os vem.
Assim, o morfema onde retomaria a expressão sítios públicos, que são antecedentes do morfema
nesta frase. Mas se tomarmos em conta que o morfema relativo, nesta expressão desempenha a
função sintáctica de sujeito, então seria melhor deixar o morfema relativo que, já que este pode
desempenhar a função sintáctica de sujeito, como se ilustra em (32):
(32)
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Esse é também o entendimento Alexandre (2006), sobre a co-ocorrência de dois morfemas QU- contiguamente.
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um namoro simples devem andarem sítios assim ao relento, na escola em sítios públicos, onde |
que | , sítios que não criam ponto de interrogação para aqueles que os vem.
Como se pode depreender, esta última estrutura frásica parece-nos estar mais próxima do cânone
do português.
4. Conclusão
Foi nossa preocupação, neste trabalho, perceber como é que se opera o processo de relativização,
a partir de dados orais, captados em falantes do português como L2, um objectivo que foi
alcançado.
Nas construções relativas do PM, as estruturas que se desviam do cânone podem-se dividir em
dois grupos: o primeiro tem que ver com os modelos de relativização e o segundo relaciona-se
com as escolhas dos morfemas que operam a relativização.
No POM ocorrem igualmente as falsas relativas, as quais são caracterizadas pela ausência de
movimento do constituinte. Há dois tipos de constituintes que impedem ocorram o movimento.
O primeiro está relacionado com o facto de no lugar de onde supostamente poderia partir o
movimento estar saturado por um complemento oblíquo. O outro fenómeno surge quando
ocorrem locuções verbais e a expressão que impede que haja o movimento ocorre sob forma de
uma frase completiva, desempenhando a função de complemento directo.
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Quanto ao fenómeno de orações resuntivas, o pronome que satura o lugar de onde partiria o
movimento do pronome relativo é saturado por um pronome recto, ele, que ocupa geralmente a
posição de sujeito na frase relativa.
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