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projeto e monografia
de conclusão de curso em
Comunicação Visual Design
2018.2
Aos meus pais e a toda a minha família, por terem me dado todo o apoio
necessário para chegar até aqui.
E por fim, a todos que despertaram em mim essa indignação benigna, a força
que me faz desejar todos os dias um mundo mais justo para as mulheres e
para todos, utilizando os recursos que me cabem. Seguimos juntos.
PRATA, Lívia.
Maria Felipa - uma heroína baiana: A história ilustrada da heroína da Independência do Brasil na Bahia.
Maria Felipa - a heroine from Bahia: The illustrated story of Brazil Independence in Bahia’s heroine.
re s u mo abst r a c t
Quando se procura por referências e grandes When looking for references of great acts performed
feitos realizados por mulheres, é perceptível a by women, the numerical difference between man
discrepância em termos numéricos e de relevância and woman feels astonishing. Brazilian women’s
das informações em relação aos homens. A his- history has been fragmented for many years in
tória da mulher brasileira foi fragmentada durante form of few articles, small papers and few general
muitos anos por meio de alguns artigos, pequenos studies, leaving the unconfortable feeling that the
trabalhos e poucas obras gerais, trazendo a des- documents bringing women as protagonist are fe-
confortável sensação de que mais exíguos do que wer than narratives about woman in the past (DEL
as narrativas sobre a mulher no passado, são os PRIORE, Mary - 1988). This project intends to bring
documentos que a têm como protagonista (DEL back protagonism to Maria Felipa de Oliveira, a
PRIORE, Mary - 1988). Esse projeto pretende de- black woman who fought the Independence battles
volver o protagonismo à Maria Felipa de Oliveira, in Brazil at the island of Itaparica, in the state of
uma mulher negra, pescadora, marisqueira e ga- Bahia. By using illustration and design, Maria Feli-
nhadeira que lutou nas batalhas de independência pa’s story of life is brought to light, subverting the
do Brasil na ilha de Itaparica (Bahia - BA). Utilizan- logics that excluded marginalized groups contribu-
do a ilustração e o design, o resgate da história tion to this country’s heroes scope for so long.
desta personagem desvalorizada pela história ofi-
cial tem o objetivo de trazer consciência social e de key words: Maria Felipa, Bahia’s Independence,
gênero, subvertendo a lógica que, durante muito picture book, women representation.
tempo, excluiu grupos marginalizados do escopo
de heróis aclamados.
v ir g inia wool f
sumário
Conclusão
Bibliografia
intr od uçã o contribuições relevantes de alguma forma. Isso
acontece porque esses homens tem seus nomes
O trabalho de conclusão de curso significa mais em livros, enciclopédias, ruas, documentos e mui-
do que a etapa final de uma graduação, necessária tos outros registros históricos. Crescer se identifi-
para obter um diploma. Significa o começo de uma cando como mulher em um mundo onde nossas
etapa profissional, em que os caminhos a escolher contribuições não foram, durante muito tempo
são muitos, e o estudante precisa, com sua própria na história, permitidas, encorajadas ou, quando
bagagem adquirida durante os anos de graduação, existiam, valorizadas, deixa a sensação de des-
seguir com seus próprios passos. Pode ser assus- pertencimento e de dificuldade em seguir certos
tador, e durante muito tempo para mim, foi. Mas caminhos que foram pavimentados pela sociedade
também é muito reconfortante poder sintetizar em como masculinos.
um projeto tudo o que se aprendeu em anos de
estudo e ter liberdade para lidar com temas conec- A educação feminina no Brasil foi primeiramente
tados profundamente com o que acreditamos ser voltada para a esfera doméstica, durante o período
importante para nós mesmos, para nossas profis- colonial. Em meados do século XIX, as mulheres
sões e para a sociedade num geral. começam a ser admitidas em escolas particulares,
mas com diferenças no ensino em relação aos
Pensando nisso, procurei um tema que se ali- homens, que estudavam matérias como cálculo
nhasse com a minha visão sobre o design: uma enquanto a elas (as de classe mais abastada) era
ferramenta para trazer contribuições para a socie- esperado que aprendessem habilidades relativas a
dade por meio da valorização cultural, respeito às comportamento na sociedade. Por meio da Escola
diferenças, diminuição da desigualdade e muitas Normal em 1880, as mulheres passam a ter acesso
outras coisas que julgo serem mais importantes ao ensino público, em um processo que começou
do que o viés mercadológico no qual o design com as professoras formadas ensinando às clas-
pode facilmente se limitar. ses populares o ensino primário e culminou com
a gratuidade obrigatória para ambos os gêneros e
Ao analisarmos a história da humanidade em bus- classes na Escola.
ca dos seus principais personagens, é natural que
surjam primeiro à memória exemplos de homens As particularidades da história do Brasil (o fato
que foram referências em suas áreas ou trouxeram de ter sido colônia de exploração, o longo período
de escravidão, etc) influenciaram naturalmente Valorizar a trajetória de mulheres importantes da
todos os aspectos do país, incluindo a forma nossa história por meio de iniciativas que busquem
como a educação feminina se desenvolveu. A a sua difusão é uma iniciativa que pode contribuir
educação no Brasil promoveu a manutenção do para superar o problema da representatividade.
poder das elites, pois “seria na verdade uma ati- Nesse sentido, o livro ilustrado é uma das possibi-
tude ingênua esperar que as classes dominantes lidades mais ricas devido à relação texto-imagem
desenvolvessem uma forma de educação que e a educação do olhar que proporciona, fazendo
proporcionasse às classes dominadas perceber com que essas imagens possam se tornar parte do
as injustiças sociais de maneira crítica” (FREIRE, imaginário sobre um determinado assunto. Tam-
1984, p. 89). A história pode e deve ser contada de bém possuindo um potencial paradidático, o livro
forma analítica, promovendo o pensamento críti- ilustrado pode ser introduzido para crianças em
co e ensinando crianças e adolescentes a pensar idade escolar por pais, professores ou por escolha
por conta própria. Os benefícios de uma educação das próprias, contribuindo para que a questão da
transformadora seriam incontáveis para as ques- representatividade seja discutida desde o início da
tões de gênero e representatividade com as quais formação do indivíduo.
este projeto pretende contribuir.
Maria Felipa foi objeto de pes-
Sendo assim, este projeto busca utilizar a plata-
quisa da professora Eny Kleide
Hoje em dia as mulheres são mais numerosas forma do livro ilustrado para contribuir com o Vasconcelos Farias, na Bahia,
em praticamente todos os níveis de ensino. Mas debate da representatividade feminina no Brasil, durante oito anos. A história
existem muitas consequências da opressão de considerando recortes de classe e raça e utilizando dela também já foi contada
em reportagens como a da
gênero, influenciando, por exemplo, a escolha da a história pouco divulgada de Maria Felipa de Oli-
Rede Bahia1 (afiliada da Rede
carreira a seguir, o menor número de mulheres veira como base narrativa. Globo) e em documentários e
em cargos mais altos, entre outros. Construções vídeos como o da TV Escola2.
históricas e sociais deixam claro que, pra atingir Falar de Maria Felipa é também contestar a forma
um cenário de igualdade e superar as diferenças como a história vem sendo ensinada durante 1 Conheça a história da baiana Maria Felipa.
Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/
citadas acima de uma vez por todas, ainda são muitas gerações. Essa personagem está ligada às videos/v/conheca-a-historia-da-baiana-maria-
necessárias medidas que promovam a reestrutu- lutas pela independência do Brasil na Bahia, entre -felipa/2020478/>. Acesso em: 01/03/2017.
2 GUERRA DA INDEPENDÊNCIA NA
ração das relações de poder, gênero e raça a fim os anos de 1821 e 1823. Houve resistência contra BAHIA - As Principais Batalhas. Disponível
de que a mulher tenha representatividade em os portugueses por parte de trabalhadores, negros em: <https://api.tvescola.org.br/tve/video/
guerra-da-independencia-na-bahia-as-princi-
todas as áreas em que é minoria. (escravizados e libertos, africanos e brasileiros), pais-batalhas>. Acesso em: 01/03/2017.
indígenas e outras camadas oprimidas na Ilha de preensão e ressignificação da identidade feminina
Itaparica, onde Maria Felipa viveu, mas os livros no imaginário brasileiro.
costumam focar no papel do imperador e da bur-
guesia nesse processo. Foi um movimento com O projeto conta com uma pesquisa iconográfica
grande participação popular, embora não tenha para melhor representar a época em que a história
gerado significativas alterações nas estruturas so- da Maria Felipa se passa, mas com o propósito
ciais e econômicas da época. Mesmo assim, o mo- de atingir um público cuja educação visual é con-
vimento eternizou sua importância no estado da temporânea, tomando em si liberdades visuas e
Bahia e contribuiu para a construção do estado e narrativas. As escolhas realizadas nas ilustrações
do país. Liderando um grupo de aproximadamente relacionam as representações históricas e formas
40 mulheres, Maria Felipa teve atuação crucial na contemporâneas de se produzir imagens, mis-
resistência contra os portugueses e nas batalhas turando mídias e técnicas. Através do recorte de
que se deram durante o processo de indepen- papel, colagem, técnicas tradicionais (guache,
dência. A personagem está presente na memória acrílica, lápis de cor, nanquim) e uso de objetos de
coletiva da Ilha até hoje, com registros orais de artesanato (rendas, tecidos, miçangas) estima-se
seus feitos e de sua personalidade preservados por atingir um resultado que traduza visualmente o ob-
historiadores, pesquisadores e escritores como jetivo do projeto: valorizar a participação feminina
Ubaldo Ribeiro e Xavier Marques. Principalmente e popular na construção do país, as manifestações
no caso de grupos marginalizados e classes popu- culturais e religiosas da região do Nordeste e tra-
lares, esse tipo de registro histórico se torna cada zer a experimentação visual como parte integrante
vez mais legítimo. de um processo que, em si, busca a reinventação
educativa, social e artística de questões de gênero.
Sendo assim, Maria Felipa foi escolhida pela par-
ticipação em um processo histórico no qual sua
contribuição não foi devidamente valorizada. Sua
trajetória se adequa aos propósitos do projeto não
apenas por ser uma mulher cuja história precisa
ser melhor divulgada, mas também pela sua liga-
ção com o popular, sua religião e ancestralidade.
Esses elementos, juntos, possibilitam uma com-
1. ILUSTRAÇÃO Segundo Walter Benjamin (1955), a obra de arte
sempre foi reprodutível. Primeiro, com as cópias
1.1 d e fi ni ção manuais, feitas por discípulos e mestres. Porém, a
evolução dos processos gráficos permitiu a repro-
Segundo Rui de Oliveira (2008), a ilustração é o dução técnica das imagens. O refinamento desses
resultado final de uma imagem cuja concepção processos fez com que a reprodutibilidade não fos-
e existência está condicionada a um texto, que se vista como falsificação, tal como as cópias feitas
confere o seu caráter narrativo. A ilustração, como à mão. Isso concede autonomia às imagens e apro-
indica o verbo ilustrar, clarifica e materializa um xima o indivíduo da obra. No entanto, o original
determinado conteúdo. Pode ser criada por vários mantém a sua autenticidade, sua existência única a
meios. Sendo assim, uma fotografia também pode qual se segue a história da obra. A reprodução seria
ser uma ilustração tanto quanto um desenho, uma a responsável pela perda dessa autenticidade e de
gravura, uma colagem; contanto que possuam a todo o contexto que envolve a obra, mesmo sendo
finalidade de ilustrar um texto. Uma vez elaborada, fiel à mesma. Benjamin define essa característica
a ilustração também pode se tornar independente da obra de arte com o conceito de aura.
do texto e funcionar como uma linguagem.
Generalizando, podemos, dizer que a técnica da reprodução
A reprodutibilidade da imagem também é uma destaca o domínio da tradição no objeto reproduzido. Na
característica central da ilustração. Isto afeta a pró- medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a exis-
pria concepção da imagem, desde a sua criação ao tência única da obra por uma existência serial. E, na medida
seu resultado final. Desde os primórdios da histó- em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro
ria da ilustração, a reprodução de imagens sempre do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto
foi um dos pilares que definem e contornam esta reproduzido. (BENJAMIN, 1969)1
área de atuação.
Os argumentos de Benjamin em relação à obra
O ilustrador [...] elabora conceitual e tecnicamente seu trabalho de arte e à imagem reproduzida encontram eco
para ser reproduzido. [...] Do ponto de vista puramente técni- em alguns trechos escritos por Rui de Oliveira
co, o conceito de original para o ilustrador está representado 1 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. A ideia do cine-
no múltiplo, isto é, na reprodução industrial de sua ilustração. ma, 1969. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1563569/mod_resource/
content/1/A%20obra%20de%20arte%20na%20era%20da%20sua%20reprodutibilidade%20
(pgs. 46-47) t%C3%A9cnica.pdf>. Acesso em: 07/08/2018.
em seu livro Pelos Jardins Boboli (2008), onde a relacionando-se com o texto de forma a não repre-
arte (especificamente a pintura) e a ilustração são sentar apenas tradução visual deste. (Oliveira, Rui
comparadas. A ilustração é sempre narrativa; a de, 2008: pag 44)
pintura pode ser narrativa ou não. Ambas podem
utilizar os mesmos materiais em sua composição, Este projeto se encaixa na categoria de ilustração
como guache ou acrílica, mas a sua finalidade é narrativa, por estar atrelada ao texto que conta a
estritamente distinta (OLIVEIRA, 2008, p.46). Em história de Maria Felipa. Esse gênero de ilustração
relação ao design, a ilustração é uma poderosa é o usual em livros ilustrados. A partir disso, ou-
aliada para comunicar visualmente um conteúdo tras questões se desdobram: o que é o livro ilus-
e tem diversas aplicações, como os exemplos a se- trado? Qual formato? Qual a relação entre texto e
guir: artigos de jornal, revista e site; identidade de imagem? Como a imagem se adequa ao propósito
uma marca; peças impressas como livros, capas do livro?. O próximo subcapítulo trata desses as-
de disco, outdoor; peças audiovisuais, sendo uma suntos, sempre contextualizando onde o projeto
grande aliada nas etapas de pré-produção. se encontra em cada definição.
Outra característica do livro ilustrado é a página De acordo com Sophie Van der Linden (2011), a
dupla. As imagens se conectam uma com as relação de redundância ocorre quando o conteúdo
outras tanto no mesmo par de páginas como no narrativo do texto e o da imagem se sobrepõem total
livro inteiro. ou parcialmente. Não precisam um do outro para
que a essência do discurso seja compreendida, pois
a relação não produz nenhum sentido adicional,
1.3 r e l a çõe s t ext o -imagem embora cada linguagem possa dizer mais do que
a outra. Na relação de colaboração, as linguagens
A relação entre palavra e imagem é um dos aspec- de texto e imagem se complementam, adquirindo
tos fundamentais nos livros ilustrados. Os auto- juntas um sentido comum de forma harmônica.
res de estudos sobre este objeto divergem quanto Já na disjunção, texto e imagem surgem em nar-
à quantidade de classificações e a natureza dessa rativas paralelas, sem que se forme sobreposição e
relação, portanto, nesse capítulo, me baseio nas podendo ou não entrar em contradição.
ideias de Sophie Van der Linden em “Para ler o
livro ilustrado” (2011) e nas autoras Marie Nikola- Já Nikolajeva e Scott categorizam de simétricos,
jeva e Carolle Scott em “Livro ilustrado: palavras harmônicos e complementares:
e imagens” (2011).
Se palavras e imagens preencherem suas respectivas lacunas,
De maneira mais simplificada, podemos afirmar nada restará para a imaginação do leitor e este permanecerá
que a relação entre texto e imagem possui duas um tanto passivo. O mesmo é verdade se as lacunas forem
formas extremas: um texto sem imagens e uma idênticas nas palavras e imagens (ou se não houver nenhu-
imagem que não acompanha texto algum (NI- ma lacuna). No primeiro caso, estamos diante da categoria
KOLAJEVA; SCOTT, 2011, p.23). Mas, enquanto que chamamos “complementar”; no segundo, da “simétrica”.
Nikolajeva e Scott categorizam muitas relações Entretanto, tão logo palavras e imagens forneçam informa-
texto-imagem entre esses dois extremos, Van der ções alternativas ou de algum modo se contradigam, temos
Linden defende que existem três relações funda- uma diversidade de leituras e interpretações. (NIKOLAJEVA;
mentais: redundância, colaboração e disjunção; SCOTT, 2011, pgs. 32-33)
1.4 e s te r e ótipo s na criação de ima- foi também professora e a primeira diretora da
ge ns Escola Nacional de Belas Artes.
Nos capítulos 1 e 2, são detalhados os processos O maior desafio para redigir o texto do projeto foi
da pesquisa teórica e da pesquisa de campo. As transformar uma pesquisa histórica em um texto
pesquisas são essenciais para a construção do tex- narrativo, sem algum precedente para se usar
O Manual do Roteiro é um to, pois lançando mão da coleta de informações, como apoio. Dos principais livros utilizados na
importante livro sobre a escri- é possível fazer escolhas acertadas e responsáveis pesquisa: o livro de Eny Kleide é um texto acadê-
ta principalmente de roteiros
sobre o que de fato vai entrar no texto ou não mico; o livro de Xavier Marques apenas cita Maria
cinematográficos e para TV,
mas as estruturas narrativas
(FIELD, 2001). Sendo assim, esta etapa do projeto Felipa e sua narrativa, embora se passe na mesma
mostradas no livro também utiliza o livro “Manuel do Roteiro”, de Syd Field, época, possui outro foco e não contempla os acon-
servem para textos literários e como base para a construção do texto final. Sobre tecimentos que precisavam ser narrados. Já o livro
teatrais. a importância da pesquisa, o autor diz: de Jarid Arraes, que conta com um capítulo sobre
Maria Felipa, é escrito na forma de um cordel. O
Pesquisas lhe dão idéias, sensibilidade para as pessoas, texto deste, apesar de literário e de muita ajuda
situações e locais. Permitem que você adquira um grau de para a construção do texto do projeto, não se en-
confiança, de maneira que fique sempre no controle de seu contrava estruturado em forma de prosa.
assunto, operando por escolha, não por necessidade ou ig-
norância. (FIELD, 2001, p. 24) A primeira etapa, então, foi dividir a pesquisa em
tópicos. Quais acontecimentos precisam constar?
No capítulo “Assunto”, Field explica que “ação é Qual a ordem correta? Então, prosseguiu-se um
o que acontece; personagem, a quem acontece” trabalho de curadoria e edição para selecionar fa-
(FIELD, 2001, p. 20) e orienta articular o assunto tos da própria história da independência na Bahia,
em poucas frases, em termos de ação e persona- para contextualizar, e fatos importantes da vida de
gem. Aplicando ao projeto, temos: Maria Felipa e suas ações junto à comunidade de
Itaparica no cotidiano e nas batalhas. A seleção de
Maria Felipa, pescadora, marisqueira, ganhadeira e tópicos foi criada de forma preliminar, para sofrer
capoeirista natural da ilha de Itaparica, lidera um alterações futuras na construção do texto final. A
grupo de 40 mulheres durante as guerras pela in- seleção encontra-se a seguir:
• Criada a campanha de independência pelo cirur- • Ataques aos insulanos na madrugada de 10 de
gião Luiz Gonzaga da Luz, promovido mais tarde julho de 1822. Trabalhou cuidando dos enfermos.
a sargento pela coragem das suas ações. Maria • A botica é destruída e algumas casas invadidas
Felipa alistou-se na campanha. no primeiro ataque português, sob o comando
• A botica de Francisco José Batista Massa, no Lar- de Joaquim José, o “Trinta diabos”. Entraram na
go da Glória, na Ponta das Baleias, hoje centro his- fortaleza de São Lourenço e mataram a sentine-
tórico do atual município de Itaparica, promovia la. Roubaram e quebraram objetos sagrados na
encontros para discutir sobre a monarquia absolu- Igreja de São Lourenço. As mulheres suplicaram
tista portuguesa na Bahia. Traidores portugueses respeito aos objetos sagrados. Desesperados, os
frequentavam o lugar e levavam informações para moradores fugiram para as matas.
Madeira de Melo (governador da Bahia). • João Português morava em uma casa defronte
• Vedetas, sentinelas ou vigias, que dia e noite vi- a uma vivenda, onde os pescadores se reuniam.
giavam barcos próximos ou que vinham ao longe. Segundo os pescadores, levava notícias para Ma-
Maria Felipa era líder. Observava as praias, matas, deira de Melo. Foram promovidas retaliações.
os caminhos e subia em outeiros, levando tochas • Seguiram para Cachoeira em fuga e ao retornar
acesas para identificar portugueses que desciam travaram a Batalha no Estreito do Funil, que vence-
dos barcos para saquear. ram e causou entusiasmo. Levantaram proteções
• Assassinato da sóror Joana Angélica, em 10 de e trincheiras e fortificaram as costas da ilha.
fevereiro de 1822, torna-a conhecida como “mártir • Incendiam a canhoneira Dez de Fevereiro, reti-
da independência” e fomenta as lutas. rando-se as demais embarcações. Em 12/10/1822,
• O grupo de mulheres liderado por Maria Felipa o príncipe regente foi aclamado na Ponta das
estava sempre em conflito com portugueses, com Baleias, como o “defensor perpétuo do Brasil,
divergências e lutas corpo-a-corpo. sua Alteza, Príncipe D. Pedro”. À noite, o povoa-
• Maria Felipa auxiliava na pesca das baleias junto do festejou com luzes acesas em todas as casas,
com suas companheiras. acenderam tochas e fizeram fogueiras nas praias.
• A batalha das mulheres contra os soldados de
Madeira de Melo, do qual participou com Maria Em seguida, foi aplicado o método de construção
Quitéria na foz do rio Paraguaçu. “Combateram de roteiro ensinado por Syd Field. A seguir estão os
com água até os seios” contra uma barca lusa que esquemas como constam originalmente no livro e,
pretendia desembarcar. ao lado, os esquemas adaptados para o projeto.
assunto guerras da Independência do
Brasil na Bahia
ação personagem
luta Maria Felipa
Devido ao ataque, os insulanos seguiram até Madeira de Melo reagiu ao festejo e enviou uma
Cachoeira, mas retornaram no dia 13 de agosto. verdadeira ofensiva à ilha, composta de várias em-
Não contavam que no caminho iriam travar mais barcações. O confronto marítimo durou metade
uma batalha no Estreito do Funil, da qual saíram de um dia, até que os insulanos devastaram a bar-
vitoriosos. Entusiasmados com a reconquista da ca Constituição. Maria Felipa se destacou durante
Ilha, prometeram mantê-la em seu poder, custe o esta batalha junto à suas companheiras de luta,
pois sua coragem foi admirada por todos como rio, morada de Oxum, veio a solução: o uso de
a de uma grande guerreira, assistida pela força e uma estratégia diferente, com armas não con-
senso de justiça de Xangô. As batalhas marítimas vencionais. Tal como Oxum, as armas do grupo
prosseguiram contra os portugueses e a cada uma seriam astúcia e sedução. E também folhas de
delas, as defesas da ilha eram reforçadas. cansanção, bebidas e tochas improvisadas.
Enquanto isso em Salvador, um cerco era forma- As folhas de cansanção eram as folhas de espinho
do. O alimento era escasso, pois todas as rotas que utilizavam presas à saia, disfarçadas no meio
que os traziam estavam bloqueadas. Os portugue- de flores e folhas comuns. Eram uma espécie de
ses entenderam o erro de não terem direcionado urtiga muito perigosa: em contato com a pele cau-
esforços para dominar Itaparica o quanto antes. savam queimaduras fortes.
Além de rota dos alimentos, Itaparica passou a
ser a principal rota das comunicações entre os Os portugueses estavam atacando as praias e,
batalhões patrióticos e D. Pedro I. quando o grupo de 40 mulheres lideradas por
Maria Felipa se aproximou, eles não viram amea-
Sem saída, no dia 6 de janeiro de 1823, a esquadra ça, pois não conheciam o perigo das folhas. As
de Madeira de Melo saiu de Salvador em direção mulheres, supostamente apenas enfeitadas, ofe-
à Itaparica. As embarcações estavam em pontos receram bebida aos soldados e os seduziram para,
diversos da ilha: as de guerra em Manguinhos e então, surrá-los com os galhos de cansanção.
uma barca grande circulava pelo mar vigiando a
ilha. Os insulanos fizeram o mesmo, e as Vedetas Pegos de surpresa, não imaginavam que elas tam-
observaram vários pontos da ilha e contaram cer- bém possuíam as tochas feitas de palha de coco,
ca de 40 embarcações. Então, ficaram de tocaia, pólvora e chumbo, que foram jogadas por elas
armados, enquanto os barcos lusitanos avança- nos barcos, incendiando-os.
vam cada vez mais.
Essa estratégia criada por Maria Felipa deixou
Maria Felipa reuniu seu grupo, que também eram a Ponta das Baleias em fogo vivo e pela manhã
chamadas de mulheres guerreiras, para criar no- o litoral estava ainda coberto de fumaça. A luta
vas estratégias de batalha. Com tantos barcos, continuou e, ferozmente, Maria Felipa lutou na
como se aproximar do inimigo? Na beira de um praia do Convento com suas companheiras até
que os soldados lusitanos deixaram Itaparica em se alistar como voluntária, fingindo-se de homem
9 de janeiro. utilizando as roupas e o sobrenome do cunha-
do. Foi descoberta, mas continuou no batalhão.
Enfim, paz? Não exatamente. O cerco ainda acon- Possuía um ótimo manejo das armas e imensa
tecia em Salvador e os conflitos continuavam fora coragem e disciplina.
da ilha. Mas, devido a bravura dos combatentes
insulanos, o Forte de São Lourenço em Itaparica Após os conflitos na ilha cessarem, as tropas de
recebeu sua primeira bandeira brasileira para ser Madeira de Melo, já bastante reduzidas, não re-
hasteada no Largo e uma proclamação elogiosa sistiram muito tempo. O cerco havia se acirrado
das mãos de Labatut, que comandava as tropas ainda mais. A cidada de Salvador estava completa-
brasileiras. A ocasião de festa não impediu Maria mente isolada e já não havia como continuar com
Felipa de ir atrás de um português rico que que- os planos da coroa portuguesa. Madeira de Melo
ria assaltar a vila. Surrou-o, enquanto ela e suas propôs um acordo de cessar fogo, que só seria
companheiras bradavam: “Havemos de comer aceito após a capitulação, sem direito a acordo.
marotos com pão!” Dessa forma, as tropas portuguesas abandonaram
definitivamente Salvador em 2 de julho de 1823.
Em abril, enquanto Maria Felipa e suas companhei-
ras estavam se preparando para ir ao Recôncavo,
receberam a notícia de que barcas portuguesas
pretendiam desembarcar na foz do rio Paraguaçu.
Ao chegar, já haviam outras mulheres combaten-
do com água até a altura dos seios e uma figura se
destacava entre todas.
tinta guache
A técnica mista, como o próprio nome indica, é a tinta acrílica
miçangas
estilete estilete de papéis
tesoura médio precisão coloridos
média e cola
pequena bastão
conchas
fitas e
rendas
lápis
grafite e
caneta lápis de
nanquim cor
Processo de ilustração das
vedetas Foi feita uma compo-
sição com recortes de papel e
folhas de árvores. Posterior-
mente, a composição sofreu
ajustes e perda de detalha-
mento da pintura.
As linhas de miçangas e as
rendas, nesta ilustração,
formaram as contas da coroa
inspirada na indumentária de
Oxum no candomblé. Na gar-
rafa, foi usado papel vegetal
vermelho para a transparência
do material de vidro.
Processo da ilustração de Maria
Quitéria e Maria Felipa na batalha do
Paraguaçu A sequência de imagens
acima mostra os recortes de Maria Processo da montagem das guardas do livro Com
Os detalhes dos barcos Quitéria, com as peças separadas. Ao papéis coloridos, miçangas e fitas do senhor do
sendo feitos com caneta lado, Maria Quitéria e Maria Felipa com Bonfim, o design da guarda foi criado com base na
nanquim e lápis de cor as peças coladas e sombreadas. água e no fogo, elemrntos dominados por Maria
sobre os recortes de papel. Felipa durante a história.
3.6 d i a gr a mação e art e-final No exemplo abaixo, de uma ilustração do miolo, as
edições necessárias incluíram recorte da área útil;
Devido a impossibilidade de se capturar detalhes correção e alinhamento do ângulo da foto; ajuste
tridimensionais pelo scanner, as ilustrações foram do brilho, contraste, luz e sombras; ajuste das co-
fotografadas para serem posteriormente tratadas res e temperatura dos tons; reforço e nitidez das
em software de edição de imagem. Abaixo segue linhas e, por fim, ajuste da resolução de imagem
o exemplo da ilustração da guarda fotografada para impressão, além de adequação ao formato
em estúdio, composta inteiramente de elementos final escolhido para o livro.
tridimensionais:
Mancha de texto
O grid (acima) utilizado na diagramação consis- ERA UMA TARDE QUENTE NA ILHA DE
Zilla Slab Regular
te em três colunas que podem abrigar o texto de ITAPARICA, localizada no coração da Baía 12pt
diversas formas, porém utilizando no máximo a de Todos os Santos, cercada por um mar entrelinha 16pt
largura de duas colunas, conforme pode ser visto de águas tranquilas e por lindos recifes de
neste exemplo de página diagramada: corais em toda a sua extensão. Daí vinha
o seu nome em tupi, que significa “cerca
de pedra”. Nas praias e matas a variedade
era imensa, com coqueiros gigantes,
bananeiras, limoais, cajueiros, mangueiras
e o doce perfume de frutas, flores e ervas.
Os mangues da ilha fervilhavam com
vida: mariscos, ostras, sernambis, aratus
e caranguejos em profusão. Diversos
outeiros tornavam a ilha praticamente um
forte, de onde se podia observar o navegar
dos barcos pelo mar.
Já a capa foi fotografada em partes, que posterior- Por fim, as especificações técnicas do livro estão
mente foram agrupadas em um mesmo arquivo, descritas abaixo:
certificando-se de que os tons se nivelassem. A
orelha da frente completa o rosto da personagem; Formato fechado: 210x210mm
a orelha do verso traz as informações de sinopse e Formato aberto: 420x210mm
autora. Na quarta-capa, um trecho do Hino Maria Capa: Com orelha - 4x4
Felipa de Oliveira composto por Celso Xavier Mar- Papel de capa: Cartão Supremo 250g
ques e citado no livro da pesquisadora Eny Kleide Miolo: 36 páginas - 4x4
Vasconcelos Farias. Papel de miolo: Couchê fosco 120g
Acabamento: Cola hotmelt (lombada quadrada)
Laminação: Fosca
3.7 r e sult ado s
4. CONCLUSÃO Pode-se discutir os motivos pelos quais uma he-
roína negra foi apagada da história oficial. Pode-se
A sensação que perdura após a conclusão deste discutir a participação feminina e popular em mo-
projeto é a de dever cumprido. Um dos princípios vimentos políticos no Brasil, a diáspora africana
que, para mim, norteia o trabalho como designer e suas consequências, as religiões afrobrasileiras
e ilustradora é a possibilidade de trazer para o como o candomblé e as manifestações culturais
mundo projetos relevantes no sentido cultural, que do nordeste do país. Além disso, a história de
possam ser aliados no combate à desigualdade Maria Felipa pode servir de referência e inspiração
social, econômica e de gênero. Acredito que todos para milhares de meninas se sentirem represen-
temos responsabilidade enquanto indivíduos em tadas na história do nosso país tão tomado por
fazer o que for possível para corrigir as injustiças personalidades históricas masculinas.
que testemunhamos todos os dias, e isso não é di-
ferente na profissão. Jamais me sentiria completa Como problemáticas, é necessário citar a dificulda-
em um projeto que servisse apenas à perpetuação de em conseguir as fontes de pesquisa, agrupá-las,
do design essencialmente corporativo, mercadoló- interpretá-las e transformá-las em um texto narra-
gico e esvaziado de propósito social. tivo. Foi um trabalho árduo, quase uma colcha de
retalhos. Porém é o que se espera de uma história
Felizmente, Maria Felipa: uma heroína baiana pouco conhecida e divulgada. Sou extremamente
cumpre tais objetivos. Mas não completamente, grata à todos os pesquisadores e professores que
claro. É apenas uma esforçada contribuição, uma escreveram sobre Maria Felipa e me permitiram re-
semente em uma floresta que só vai germinar com contar essa história em um livro ilustrado, deixan-
esforço coletivo. O resultado é um livro que pode do-a da forma mais acessível e atraente possível.
transitar bem entre crianças em idade escolar, de
aproximadamente 10 até 16 anos, apoiando o con- Por fim, acredito que ainda há muita pesquisa a
teúdo da sala de aula e contribuindo para debater fazer e muito a ser feito em relação a Maria Felipa e
os temas com que se relaciona, como racismo sua participação na Independência. Não podemos
e feminismo. Com este livro, pode-se discutir a mudar nosso passado, mas podemos mudar a for-
questão da Independência de forma que os alunos ma como o vemos e assim construir um novo fu-
tomem conhecimento de que não foi somente turo. Deixo aqui a minha contribuição para os que
um processo pacífico conduzido por D. Pedro I. desejarem seguir adiante nessa necessária tarefa.
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