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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE LETRAS – IL

THAYS DE BRITO CUNHA

Como poderia ser problematizada a história da literatura a partir da revisão de novos


critérios e inclusão de grupos sociais “invisibilizados” ao longo de nossa formação
nacional?

BRASÍLIA

2023
A discussão sobre o conceito de cânone literário e a necessidade de revisão de critérios é
fundamental para uma compreensão mais inclusiva da história da literatura. Ao longo da
história literária brasileira, as noções eurocêntricas influenciaram a seleção e promoção de
certas obras, muitas vezes marginalizando vozes e perspectivas de grupos sociais
invisibilizados. Para problematizar essa abordagem, é necessário repensar os critérios de
inclusão e considerar a diversidade de experiências presentes no cenário da formação literária
nacional.

A compreensão da estreita ligação entre o processo de formação e consolidação da identidade


nacional e a produção da Literatura Brasileira, tanto no que diz respeito às obras escritas quanto
ao discurso crítico que as envolve, juntamente com o papel desempenhado pelo cânone nesse
contexto, foi um dos principais focos das pesquisas conduzidas por Rita Schmidt. Ela destaca
que, por trás dessa relação intrínseca, encontra-se o projeto de uma representação idealizada da
cultura nacional, como se esta fosse uma totalidade sem fissuras. Essa abordagem revela uma
concepção homogênea e elitista da Literatura e da identidade nacional, concepção essa presente
até os dias atuais, e na qual as instâncias se articulam na construção de uma historiografia que
vai além da contextualização de obras literárias e indo em busca de uma territorialização do
literário na cultura.

O discurso crítico sempre esteve vinculado à herança de uma identidade cultural ocidental
europeia, e essa concepção alinhou-se com uma política de exclusões que fundamenta a lógica
canônica, tornando o processo do cânone excludente. Carregando com ele a ação de reprodução
que age sobre a seleção de reafirmação de identidades ao mesmo tempo que exclui as
diferenças, causando uma violência simbólica que deixou e continua a deixar uma marca
duradoura em gerações de leitores e estudantes. Partindo dessa concepção, a abordagem
eurocêntrica tradicional na formação da história literária brasileira muitas vezes negligenciou
obras significativas de autores e grupos marginalizados, isso resultou em invisibilidade,
representações limitadas, ou ainda, em representações estereotipadas.

Como exemplo dessa invisibilidade, pode-se citar a obra “Parque Industrial” de Pagu, ou
melhor, Patrícia Galvão. Publicado em 1933, o livro registra a industrialização no Brasil, mais
especificamente a industrialização em São Paulo, que passava de uma economia
agrária/exportadora para uma urbana/industrial, ao mesmo tempo que pontua o valor feminino,
a marginalização, o abandono e as injustiças sociais presentes nesse cenário. Apesar de ter sido
o primeiro romance proletário escrito da literatura brasileira, ou seja, a primeira obra que teve
como tema personagens, problemática e ambientação ligados à classe operária, a vida proletária
e as desigualdades presentes nela, a obra teve sua influência e valor na literatura brasileira
desconsiderados e até mesmo menosprezados. Tornou-se, assim, uma obra "esquecida" dentro
do panorama literário nacional. Esta falta de reconhecimento contrasta com o destino de outras
obras que, ao longo do tempo, foram canonizadas, a exemplo de "Capitães de Areia" de Jorge
Amado, publicada quatro anos depois e seguindo a mesma temática e proposta de Pagu. Ao
longo da formação literária brasileira, não apenas as produções femininas têm sido
sistematicamente desconsideradas, mas também observamos uma notável ausência de
reconhecimento para obras de autores indígenas, afrodescendentes, LGBTQ+ e outros grupos
historicamente excluídos. Como pontua Schmidt, a compreensão da história da literatura está
intrinsecamente ligada à análise da instituição literária e de seu papel como uma instância
reguladora. Esta não só influencia a definição do que é considerado literário, mas também
exerce controle sobre os procedimentos de seleção e ordenamento de objetos literários na
elaboração da história literária.

Reconhecer e valorizar essas obras que foram historicamente subestimadas ou ignoradas


envolve a possibilidade de reinterpretação de clássicos, a redescoberta de textos esquecidos e
a promoção de novas narrativas. Este processo não apenas amplia o cânone literário, mas
também proporciona uma visão mais abrangente e representativa da diversidade cultural. Ao
destacar obras anteriormente marginalizadas, é possível afirmar a existência de um sistema
literário partilhado, que reconhece subjetividades e novos atos na cultura, contribuindo para a
reconfiguração da própria literatura. Essa abordagem não apenas enriquece o panorama
literário, mas também permite uma compreensão mais inclusiva e precisa da riqueza das
experiências e expressões artísticas.

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